Você está na página 1de 23

ISSN 1415-238X

CONSEQÜÊNCIAS DA REPETÊNCIA
SOBRE O DESEMPENHO EDUCACIONAL
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO
Projeto de Educação Básica para o Nordeste
Programa de Pesquisa e Operacionalização de Políticas Educacionais

PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Fernando Henrique Cardoso

MINISTRO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO


Paulo Renato Souza

SECRETÁRIA DO ENSINO FUNDAMENTAL


Iara Glória Areias Prado

PROJETO DE EDUCAÇÃO BÁSICA PARA O NORDESTE


DIRETOR GERAL
Antônio Emílio Sendim Marques

COORDENAÇÃO DE PROJETOS ESPECIAIS


Maristela M. Rodrigues

Série Estudos

A SÉRIE ESTUDOS apresenta ensaios e pesquisas reali-


zadas no âmbito do Projeto de Educação Básica para
o Nordeste. As principais informações levantadas vi-
saram ao desenvolvimento de políticas para a melho-
ria da qualidade da educação no Nordeste brasileiro.
As conclusões e interpretações expressas nesta publi-
cação demonstram as opiniões dos autores e não ex-
primem, necessariamente, a posição e as políticas do
Ministério da Educação e do Desporto, do Projeto
de Educação Básica para o Nordeste, do Banco
Mundial e do Unicef.

Esta obra foi editada e publicada para atender a


objetivos do Projeto de Educação Básica para o Nordeste,
em conformidade com os Acordos de Empréstimo
Números 3604BR e 3663 BR com o Banco Mundial.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO
Projeto de Educação Básica para o Nordeste

CONSEQÜÊNCIAS DA REPETÊNCIA
SOBRE O DESEMPENHO EDUCACIONAL

Ricardo Paes de Barros


Diretoria de Pesquisa — IPEA

Rosane Mendonça
Bolsista do PNPE
Diretoria de Pesquisa — IPEA

BRASÍLIA, 1998
1998 Projeto Nordeste
Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida desde que citada a fonte
e obtida autorização do Projeto Nordeste — MEC/BIRD.

Série Estudos, No 7

Barros, Ricardo Paes de


Conseqüências da repetência sobre o
desempenho educacional / Ricardo Paes de
Barros, Rosane Mendonça. — Brasília:
Ministério da Educação e do Desporto. Pro-
jeto de Educação Básica para o Nordeste,
1998.
23 p. — (Série Estudos, n. 7)

1. Repetência — Ensino I. Mendonça, Rosane II.


Ministério da Educação e do Desporto
III. Projeto de Educação Básica para o Nordeste.

CDD 371.28

Projeto Nordeste
Via N1 Leste, Pavilhão das Metas
Brasília-DF — 70150-900
Fone: 316-2908 — Fax: 316-2910
E-mail: projetonordeste@projetonordeste.org.br

Projeto Gráfico
Texto Final
Francisco Villela
Capa
Alexandre Dunguel Pereira

IMPRESSO NO BRASIL
PREFÁCIO
As altas taxas de repetência no ensino fundamental são um indicador-chave de que muito
ainda temos a caminhar para oferecer uma escola pública de qualidade. A eficiência do ensino pú-
blico, analisada nessa ótica, é extremamente preocupante na região Nordeste do país. Resul-
tados de pesquisa do INEP/SEEC mostram que as taxas de repetência para a 1a série do ensi-
no fundamental no país são de 44%, enquanto que alguns estados do Nordeste exibem ta-
xas superiores a 50%.
Este estudo foi encomendado pelo Programa de Pesquisa e Operacionalização de Políti-
cas Educacionais (PPO) aos consultores Ricardo Paes de Barros e Rosane Mendonça com
objetivo de analisar os efeitos de reprovação e sucessivas repetências no desempenho educa-
cional de alunos do ensino fundamental. Qual a probalidade de reprovação de alunos que
ingressam pela primeira vez no ensino fundamentoa? Como essa probalidade se compara
com a probalidade de reprovação de alunos repetentes?
Buscando melhor compreender o impacto da reprovação e subseqüente repetência no de-
sempenho escolar de alunos da primeira série, na qual concentra-se o maior índice de repe-
tência, este estudo utiliza-se de dados do suplemento da PNAD-85 para estimar a probali-
dade de reprovação entre alunos novos e alunos repetentes. Por meio de uma análise compa-
rativa desses resultados, conclui-se que a probabilidade de reprovação é em geral maior para
alunos repetentes, e que mais de uma reprovação tende a elevar essa probabilidade.
Apesar das evidências constatadas neste estudo, os possíveis efeitos positivos e negativos
da repetência escolar no desempenho educacional requer em uma análise mais detalhada do
processo e das relações causais, tanto em termos qualitativos como quantitativos. O estudo
sugere que um dos possíveis efeitos negativos da repetência (e, subseqüentemente, sua causa) é a
desmotivação e estigmatização do aluno, e indica que a cada nova repetência o subuniverso
de alunos repetentes fica mais selecionado e contém cada vez mais estudantes de baixo de-
sempenho. No estado de São Paulo, onde os resultados encontrados são atípicos, o estudo
sugere que a primeira reprovação possa beneficiar aqueles alunos com maior dificuldade de
aprendizagem. Este estudo constitui valioso subsídio para o debate em questão, e aponta
para a necessidade de aprofundamento e continuidade desse trabalho.
O Projeto de Educação Básica para o Nordeste (Projeto Nordeste) do Ministério da
Educação, em nome do Banco Mundial e do Unicef, agradece aos consultores e autores Ri-
cardo Paes de Barros e Rosane Mendonça pela elaboração deste estudo. Fica registrada a
contribuição do gerente do Projeto Nordeste pelo Banco Mundial, Robin Scott Horn, pela
valiosa contribuição na orientação e concepção do estudo.

Antônio Emílio Sendim Marques


Diretor Geral do Projeto Nordeste
SUMÁRIO

R ESUMO .....9

A BSTRACT .....10

1 I NTRODUÇÃO .....11

2 I NTERPRETAÇÕES A LTERNATIVAS .....13

3 P OSSIBILIDADES E MPÍRICAS .....13

4 R ESULTADOS O BTIDOS .....17

5 C ONCLUSÕES .....18

A NEXO .....20
CONSEQÜÊNCIAS DA REPETÊNCIA SOBRE O DESEMPENHO E DUCACIONAL

RESUMO

E
ste estudo pretende analisar os efeitos da reprovação e da subseqüente repetência no
desempenho educacional. Ao comparar a probabilidade de reprovação de estudantes
novos com a de repetentes, poderemos determinar se esta tem um efeito positivo,
pois permite adequar o aluno com deficiência de aprendizado, ou negativo, já que pode
desmotivar e estigmatizar os repetentes.
Com base nos dados do suplemento da PNAD-1985, concentramos nossa atenção na re-
petência da primeira série, considerada a mais importante. A partir das estimativas foi pos-
sível verificar que, de fato, a probabilidade de reprovação é maior para os alunos repetentes,
com exceção daqueles da área metropolitana de São Paulo. Ficou igualmente evidenciado que
mais de uma reprovação tende a elevar a probabilidade de repetência.


9
SÉRIE E STUDOS

ABSTRACT

T
he purpose of this study aims at analyzing the effects of school failure, and the sub-
sequent repetition, on school performance. Through the comparison of the school
failure probability between new students and those who have already repeated on year
of schooling, it can be determined if school failure has a positive effect which leads to
adjustments of student performance for those with difficulties or has a negative effect
which reduces motivation and stigmatizes student repeaters.
Through the use of 1985 PNAD data (National Multi-Use Household Surveys), school
failure was studied for the first grade level, consider to be the most important year. Study
results showed that the school failure probability was higher for students who have already
repeated. The only exception found was for the metropolitan area of São paulo. In additi-
on, data analsysis demonstrated that multiple student failure leads to a higher probability
of additional repetition.


10
CONSEQÜÊNCIAS DA REPETÊNCIA SOBRE O DESEMPENHO E DUCACIONAL

1 INTRODUÇÃO

A
reprovação e a subseqüente repetência têm três funções básicas que diferem com respeito
aos agentes que estão sendo por elas beneficiados ou protegidos. Em primeiro lugar, a
repetência pode servir como uma forma de incentivo ou motivação para que os agentes
envolvidos (alunos, pais e professores) dediquem os esforços necessários para que um bom
desempenho escolar seja alcançado. Nesse caso, a ausência da possibilidade da reprovação
levaria a um fraco desempenho escolar.
Em segundo lugar, a reprovação e a subseqüente repetência podem servir para proteger a
qualidade do ensino oferecido ao aluno mediano. A racionalidade, nesse caso, advém do fato
de que a presença, na mesma sala de aula, de alunos com níveis de conhecimento inferiores à
média teria um efeito negativo sobre o desempenho do aluno mediano.
Finalmente, a reprovação e a subseqüente repetência poderiam ter o propósito oposto,
isto é, proteger a qualidade do ensino oferecido aos alunos com baixo desempenho. A raci-
onalidade, nesse caso, seria que o aprendizado de um aluno com nível de conhecimento
muito inferior à média da sua turma seria dificultado e, portanto, a reprovação e a subse-
qüente repetência iriam favorecer melhor adequação do conhecimento desse aluno ao do
grupo ao qual pertence, possibilitando com isso o seu melhor desempenho.
Apesar dos seus potenciais efeitos positivos, a reprovação e a subseqüente repetência
têm uma série de efeitos negativos, entre os quais dois se destacam. Por um lado, a repetên-
cia emperra o fluxo educacional, elevando sobremaneira o custo por aluno tanto para escola
quanto para a família. Por exemplo, a repetência na 1a série do primeiro grau, no Brasil, leva
a que os recursos públicos dedicados a essa série sejam cerca do dobro do que seria necessá-
rio caso não houvesse alunos repetentes. Do ponto de vista da família, a repetência significa
que uma criança leva, em média, cerca de seis anos para completar as quatro primeiras séries
do ensino fundamental.
Por outro lado, a reprovação e a subseqüente repetência têm efeitos negativos sobre a
auto-estima e a motivação dos alunos, além de estigmatizá-los, favorecendo a sua discrimi-
nação na escola. Nesse caso, a repetência aumentará a probabilidade de reprovações futuras,
com a sua maioria concentrando-se num pequeno grupo de alunos.
Conhecer o resultado líquido dos impactos positivos e negativos da reprovação e da
subseqüente repetência é uma questão de extrema importância que tem desafiado os estudi-
osos. Para o censo comum prevalecente, os efeitos negativos dominam, levando a que expe-
dientes como o ciclo básico, entre outros, sejam desenvolvidos com o objetivo de reduzi-
las.
Nesse contexto, o objetivo deste estudo é contribuir para a compreensão dos efeitos da
reprovação e da subseqüente repetência, comparando a probabilidade de reprovação de alu-


11
SÉRIE E STUDOS

nos novos com a correspondente probabilidade para alunos repetentes. Se a reprovação e a


subseqüente repetência têm por objetivo melhor adequar os alunos com deficiências de
aprendizado, a repetência deveria aumentar a probabilidade de aprovação, isto é, a probabi-
lidade de reprovação de um aluno repetente deveria ser inferior ou semelhante à de um alu-
no que ingressa na série pela primeira vez. Por outro lado, se a reprovação e a subseqüente
repetência têm impacto negativo sobre a motivação dos alunos ou leva à sua estigmatização,
devemos esperar que os alunos repetentes tenham um desempenho inferior àqueles que in-
gressam na série pela primeira vez, o que implica que a probabilidade de reprovação de um
aluno repetente seja superior à de um aluno novo.
Em suma, a diferença entre a probabilidade de reprovação de um aluno repetente e de
um aluno novo pode ser tomada como uma medida do efeito líquido da reprovação e da
subseqüente repetência. Quanto maior essa diferença, maior a evidência de que a repetência
tem efeitos líquidos negativos. Embora seja inegável que uma taxa de reprovação relativa-
mente baixa para os alunos repetentes, vis-à-vis aquela observada para os alunos novos, seja
um importante indicador dos benefícios da repetência, devemos encarar essa associação com
cautela. Por um lado, é extremamente vaga e permanecerá assim até que os fundamentos
teóricos sobre por quê e quando a reprovação e a subseqüente repetência ocorrem, e como
se processam suas principais conseqüências positivas e negativas, sejam substancialmente
melhor desenvolvidos. Por outro lado, mesmo que a repetência reduza a probabilidade de
reprovação na série corrente e nas séries subseqüentes, nada garante que esses benefícios
superem os seus custos associados.
A comparação das probabilidades de promoção de alunos repetentes e alunos novos tem
também outros objetivos, além de servir como um indicador dos custos e benefícios da
repetência. Um desses objetivos é verificar em que medida o fluxo educacional pode ser,
aproximadamente, tratado como um processo markoviano, conforme tem sido rotineira-
mente feito (ver Unesco, 1986 e Fletcher, 1985). Caso esse tratamento seja adequado, en-
tão, este processo não deve ter memória. Assim, repetências passadas não poderiam ter im-
pacto sobre qualquer probabilidade de promoção ou retenção futura e, portanto, devería-
mos observar alunos repetentes e alunos novos com as mesmas probabilidades de reprova-
ção. Dessa forma, qualquer diferença significante nas probabilidades de reprovação de alu-
nos repetentes e novos é uma evidência contra a adequabilidade da aproximação markoviana.
Este estudo está organizado em cinco seções, com esta introdução. Na próxima seção,
discutimos algumas dificuldades fundamentais existentes na comparação de probabilidades
de transição entre alunos novos e repetentes. Na terceira seção, especificamos com detalhes
quais as probabilidades efetivamente investigadas e como foram estimadas com base no su-
plemento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1985. Na quarta
seção, apresentamos e analisamos os resultados obtidos, e, finalmente, na quinta seção,
apresentamos um sumário das principais conclusões.

2 INTERPRETAÇÕES ALTERNATIVAS


12
CONSEQÜÊNCIAS DA REPETÊNCIA SOBRE O DESEMPENHO E DUCACIONAL

Diferenças na probabilidade de promoção ou retenção de alunos repetentes e alunos novos


numa dada série admitem, pelo menos, duas interpretações polares. Por um lado, essas pro-
babilidades são distintas porque a reprovação e a subseqüente repetência dão ao aluno van-
tagens ou desvantagens em relação aos alunos novos, no sentido de que as probabilidades
percebidas pelos alunos novos são idênticas às percebidas pelos repetentes quando freqüen-
taram a série pela primeira vez, isto é, quando eram alunos novos.
Por outro lado, essas probabilidades são distintas porque os alunos repetentes formam
um grupo distinto, com probabilidades intrínsecas de promoção e retenção distintas. Nesse
caso, as probabilidades dos repetentes são idênticas à que tinham quando ingressaram na
série (isto é, a repetência não tem efeito), mas diferem das probabilidades referentes aos
alunos novos como um todo, simplesmente porque os repetentes não formam um grupo
típico.
Em suma, diferenças em probabilidades de promoção entre alunos repetentes e alunos
novos podem refletir verdadeiro impacto da repetência sobre essas probabilidades ou, sim-
plesmente, resultar do fato de que a repetência identifica um grupo com probabilidades
naturalmente distintas das válidas para a população como um todo.

3 POSSIBILIDADES EMPÍRICAS

A estimação das probabilidades de promoção e retenção, separadamente, para alunos novos e


repetentes demanda o acesso a informações sobre ao menos um segmento da história educa-
cional da amostra de crianças. Para isso, uma pesquisa puramente transversal sobre a situa-
ção atual das crianças no seu ciclo educacional não é suficiente. É necessário poder contar
com informações longitudinais ou retrospectivas. No Brasil, informações dessa natureza
são escassas.

3.1 O SUPLEMENTO DA PNAD 1985

Uma importante exceção, explorada neste estudo, é o suplemento sobre a situação do


menor da PNAD 1985.1 O bloco 9 desse suplemento contém diversos quesitos que investi-
gam, para indivíduos de 7 a 14 anos, que freqüentam ou já freqüentaram escola,2 a ocorrên-
cia de repetência ao longo do seu ciclo de vida escolar. Quatro quesitos (5 a 8) nesse su-
plemento são particularmente importantes para o estudo da repetência. O primeiro investi-
ga se o indivíduo repetiu alguma série. O três restantes investigam o número de repetências
na 1a , 5a e outras séries, respectivamente.

1 Este suplemento foi aplicado apenas nas áreas metropolitanas brasileiras.


2 Cumpre ressaltar que os indivíduos que não freqüentam mas já freqüentaram escola, mas não terminaram com suces-
so a 1a série, não respondem aos quesitos sobre repetência. Além disso, não respondem este quesito aqueles que, cor-
rentemente, freqüentam cursos não-seriados. Essas deficiências têm conseqüências potencialmente importantes sobre
o cálculo das probabilidades de repetência na 1a série, como veremos a seguir.


13
SÉRIE E STUDOS

Além desses quesitos sobre repetência, o suplemento e o corpo básico desta PNAD inclu-
em outros quesitos importantes para o cálculo das taxas de repetência. Em primeiro lugar,
o suplemento inclui um quesito (4) sobre a idade com que o indivíduo iniciou o primeiro
grau. Em segundo lugar, tanto o suplemento quanto o corpo básico informam se o indiví-
duo freqüenta, ou não, escola e o grau e a série correntemente freqüentados, ou o mais alto
grau e série alcançados, caso declare não estar freqüentando escola.3

3.2 PROBABILIDADES ESTIMADAS

Com base no suplemento da PNAD 1985, é possível isolar a repetência apenas na 1a e 5a


séries. Como a repetência na 1a série é reconhecidamente a de maior importância, neste es-
tudo concentramos nossa atenção nessa série. O objetivo específico é estimar a probabilida-
de de repetência, p n , condicionada no número de vezes que o aluno já repetiu essa série, n ;
p 0 denota a probabilidade de repetência de um aluno que nunca repetiu (n =0). Note-se
que estamos contando apenas o número de repetências; portanto, um indivíduo que está na
sua terceira tentativa de fazer a 1a série, mas nas duas anteriores abandonou o curso no meio
do ano, será contado como um aluno que nunca repetiu (n =0). Um aluno que está na sua
quarta tentativa de fazer a 1a série, tendo repetido uma vez e abandonado nas outras duas,
será contado como um aluno com uma repetência (n =1).
A PNAD 1985 permite estimar essas probabilidades de repetência de variadas formas.
Neste estudo, utilizamos duas alternativas básicas.

3.2.1 Alternativa A: estoque


Nesta alternativa, trabalhamos com o universo de crianças de 7 a 14 anos. Para o cálculo
das probabilidades, eliminamos desse universo todos aqueles que ainda não foram expostos
à repetência. Esse grupo excluído é composto de dois subgrupos. Num grupo estão aqueles
que nunca freqüentaram a escola. No outro grupo estão aqueles que já freqüentaram ou
freqüentam a escola, mas nunca chegaram ao final da 1a série. Essa situação pode ocorrer, ou
porque as crianças estão freqüentando a 1a série pela primeira vez, ou porque, nas diversas
alternativas anteriores, abandonaram a escola durante o ano letivo. O fato é que nunca che-
garam a ser aprovadas ou reprovadas na 1a série. Cumpre ressaltar, neste ponto, que, devido
a uma limitação do questionário, foram também eliminados (indevidamente) aqueles que
chegaram a ser reprovados mas, ou não freqüentam mais a escola, ou passaram a freqüentar
um curso não-seriado.
Dessa forma, a população remanescente, que consiste daquela exposta à reprovação na 1a
série (veja exceção acima), inclui todos aqueles que ou já foram aprovados ou reprovados ao
menos uma vez na 1a série. Esse grupo foi, então, dividido segundo (a) se já foram ou não
aprovados na 1a série e (b) o número de vezes que já repetiram a 1a série. Essa repartição
está ilustrada na tabela 1, em que m 0j indica o número de indivíduos que ainda não foram

3 As informações sobre se o indivíduo freqüenta ou não a escola e o grau e a série correntemente freqüentados ou o
mais alto grau e série alcançados, caso declare não estar freqüentando mais a escola, fazem parte das pnads para todos
os demais anos.


14
CONSEQÜÊNCIAS DA REPETÊNCIA SOBRE O DESEMPENHO E DUCACIONAL

aprovados na 1a série mas já repetiram j vezes esta série, j≥1; e m 1 j indica o número de indi-
víduos que já foram aprovados na 1a série e repetiram j vezes esta série, j≥0. Note que m 00
consiste, precisamente, do grupo de indivíduos excluídos dessa população por não terem
sido expostos à reprovação.

Com base nessa divisão da população, podemos estimar p n - 1 como a razão entre aqueles
que já repetiram ao menos n vezes, r n , e aqueles que foram expostos à n -ésima reprovação,
e n , isto é,
pn-1 = rn/en

O grupo dos que já repetiram ao menos n vezes consiste daqueles que repetiram a 1a sé-
rie ao menos n vezes antes de serem aprovados, daqueles que estão repetindo a 1a série pela
n -ésima vez, e daqueles que repetiram a 1a série n vezes e abandonaram. Como esse terceiro
grupo não pode ser identificado, a nossa expressão para r n é dada por:

rn = ∑ (m0 j + m1 j)
j =n

Da mesma forma, o grupo daqueles que foram expostos à n -ésima reprovação, e n , con-
siste dos que já repetiram ao menos n vezes, r n , e daqueles que foram aprovados na ( n -1 ) -
ésima vez que repetiram a primeira série, m 1 , n - 1 . Assim, e n pode ser obtido via
en = rn + m1,n-1

Estimativas para a probabilidade de repetência, p n - 1 , condicionada ao número de vezes


que o aluno já repetiu a primeira série, n , são apresentadas na tabela 2.

3.2.2 Alternativa B: coorte de entrada no sistema educacional


Nesta alternativa, ao invés de trabalharmos com todo o universo de crianças de 7 a 14
anos, restringimo-nos a duas coortes de entrada no sistema educacional. Com base na coor-
te que iniciou o primeiro grau em 1984, estimamos a probabilidade de repetência dos alu-
nos novos; com base na coorte que iniciou o primeiro grau em 1983, estimamos a probabi-
lidade de repetência dos alunos que já repetiram uma vez. Uma comparação dessas duas
probabilidades nos dá idéia do impacto de uma repetência sobre a probabilidade de repe-
tência.
Para implementar esse procedimento, é necessário utilizar, além da informação sobre re-
petência, a informação sobre a idade em que cada criança iniciou o primeiro grau. De fato,
conhecendo-se a idade da criança no dia de referência da pesquisa e o seu mês de nascimen-
to, é possível determinar a sua idade no início do ano letivo em 1985 (que estamos assu-
mindo como sendo 1o de março). Com base nessa idade no início do ano letivo de 1985 e
da idade com que iniciou o primeiro grau, é possível determinar em que ano cada criança
iniciou o primeiro grau.


15
SÉRIE E STUDOS

Com base nessa informação, selecionamos duas subpopulações: uma que iniciou o pri-
meiro grau em 1984 e outra que iniciou o primeiro grau em 1983. Com respeito à coorte
de 1984, quatro possíveis histórias podem ter ocorrido, dependendo do sucesso ou fracas-
so em 1984 e do retorno ou não à escola em 1985:
(1) aprovação na 1a série em 1984 e ingresso na 2a série em 1985;
(2) aprovação na 1a série em 1984 e evasão do sistema educacional em 1985;
(3) fracasso (reprovação ou abandono) na 1a série em 1984 e repetência da 1a série em
1985; e
(4) fracasso (reprovação ou abandono) na 1a série em 1984 e evasão do sistema educacional
em 1984.
Com base na proporção da população em cada um desses grupos, é possível estimar a
probabilidade de repetência para alunos novos, p 0 , via,

[( 3) + ( 4 )]
p0 =
[(1) + ( 2 ) + ( 3) + ( 4)]

Como já se mencionou, as crianças que não freqüentam escola e não chegaram a comple-
tar a 1a série não responderam aos quesitos sobre repetência no suplemento da PNAD 1985
e, portanto, o quarto subgrupo (4) não pode ser incluído na coorte que entrou no sistema
educacional em 1984. Como conseqüência, a probabilidade de repetência para alunos novos,
p 0 , teve que ser obtida via
( 3)
p0 =
[(1) + ( 2) + (3)]

Com respeito à coorte que entrou no sistema educacional em 1983, procuramos estimar
a probabilidade de repetência dos que repetiram uma e só uma vez, p 1 . Para isso, devemos
notar que as crianças que compõem essa coorte podem ter tido doze histórias educacionais
distintas, conforme se ilustra no diagrama 1. Com base na fração populacional, seguindo
cada uma dessas doze histórias educacionais, podemos estimar a probabilidade de repetência
dos que repetiram uma e só uma vez notando-se que estes, em 1984, eram formados pelos
subgrupos (g)-(j) e que, destes, foram aprovados os subgrupos (g) e (h). Assim, temos
que:

[( i) + ( j)]
p1 =
[( g) + ( h) + ( i) + ( j)]

Como já se mencionou os indivíduos que não freqüentam escola e não chegaram a com-
pletar a 1a série não responderam aos quesitos sobre repetência no suplemento da PNAD
1985 e, portanto, o subgrupo (j) não pode ser incluído na análise da coorte que entrou no
sistema educacional em 1983. Como conseqüência, a probabilidade de repetência, p 1 , teve
que ser obtida via


16
CONSEQÜÊNCIAS DA REPETÊNCIA SOBRE O DESEMPENHO E DUCACIONAL

(i )
p1 =
[( g) + ( h) + (i )]

Estimativas para essas duas probabilidades de repetência obtidas com base na PNAD
1985 são apresentadas na tabela 3.

4 RESULTADOS OBTIDOS

Os resultados obtidos com base nas informações contidas no suplemento da PNAD 1985,
utilizando as duas alternativas descritas na seção anterior, estão apresentados nas tabelas 2 e
3 e, também, no gráfico 1. Esses resultados são analisados a seguir.
Alternativa A (análise do estoque) : em termos gerais, os resultados obtidos com
esse procedimento revelam probabilidades de repetência na 1a série da ordem de 30% nas
regiões do Nordeste. Essas estimativas são semelhantes às obtidas com base no suplemento
da PNAD 1982,4 mas bem inferiores àquelas obtidas com base no PROFLUXO,5 corroboran-
do a hipótese de que as estimativas do PROFLUXO tendem a superestimar a probabilidade de
repetência e, portanto, a subestimar as probabilidades de aprovação. Com respeito à relação
entre a probabilidade de repetência e o número de repetências, o gráfico 1 revela que a pro-
babilidade de repetência em São Paulo tende a ser cinco pontos percentuais menor entre
aqueles que já repetiram uma única vez a 1a série do que entre os alunos novos, o que revela,
portanto, que a repetência parece levar a uma melhoria na probabilidade de aprovação. O
mesmo fenômeno não pode ser observado para o Nordeste, onde a repetência parece reduzir
a probabilidade de aprovação. Resta saber se essa melhoria de cinco pontos percentuais é
suficiente para compensar os custos sociais e privados associados à repetência.
O gráfico 1 também revela que, apesar de uma repetência reduzir a probabilidade de re-
petência, repetências sucessivas estão associadas a crescentes probabilidades de repetência. De
fato, alunos que estão repetindo pela segunda vez tendem a ter probabilidades de repetência
superiores às dos alunos novos. Esse fato é observado tanto para o Nordeste quanto para
São Paulo, sendo que a piora é maior no caso da região Nordeste. Cumpre relembrar que a
elevação da probabilidade de repetência com o número de repetências admite duas interpre-
tações. Por um lado, pode indicar que seguidas repetências desmotivam o aluno e o estig-
matizam. Por outro lado, esse declínio pode estar apenas indicando que, a cada nova repe-
tência, o subuniverso de alunos repetentes fica cada vez mais selecionado, e contém cada vez
mais estudantes de baixo desempenho. Nesse caso, a elevação da probabilidade de repetência
com o número de repetências é apenas um artefato da heterogeneidade dos alunos revelada
por sucessivas avaliações.

4 O suplemento da pnad 1982 focalizou educação.


5 O PROFLUXO é um modelo que permite estimar o fluxo eduacional no sistema a partir de pesquisas domiciliares
transversais como a pnad. Essa metodologia foi inicialmente desenvolvida por Fletcher (1985). O modelo estima
repetência, promoção e evasão a partir de dados demográficos.


17
SÉRIE E STUDOS

Alternativa B (análise de coorte) : a tabela 3 revela que as estimativas obtidas para


a probabilidade de repetência de alunos novos e repetentes pela primeira vez são bastante
semelhantes e próximas a 17%, em São Paulo, e 24%, no Nordeste. Como no método ante-
rior, esses resultados indicam que as estimativas do PROFLUXO devem estar superestimando
as taxas de repetência. No entanto, ao contrário do observado quando utilizamos o método
anterior, não há evidência de que a repetência eleve a probabilidade de repetência. Note,
entretanto, que tampouco existem evidências do contrário, isto é, de que a repetência redu-
za a probabilidade de repetência, levando a que a hipótese de que a repetência tem um im-
pacto negativo sobre a motivação e auto-estima dos alunos e que leve à estigmatização dos
que repetem não encontre suporte nos resultados obtidos.

5 CONCLUSÕES

Neste estudo estimamos, com base em informações retrospectivas sobre repetência contidas
no suplemento sobre a situação do menor da PNAD 1985, as probabilidades de promoção e
retenção na 1a série do primeiro grau. Estas probabilidades foram estimadas tanto para alu-
nos novos quanto para repetentes e, nesse caso, de forma separada, de acordo com o número
de repetências.
Dois métodos foram utilizados. Em ambos os casos, os resultados obtidos indicam que
a probabilidade de repetência na primeira série é próxima a 30% e, portanto, bem inferior
às estimadas com base no PROFLUXO, corroborando a hipótese de que este tende a superes-
timar essa probabilidade. As probabilidades estimadas encontram-se próximas às estimadas
com base no suplemento da PNAD 1982.
Com relação à dependência da probabilidade de repetência do número de repetências,
obtivemos alguma evidência de que repetentes pela primeira vez têm probabilidades de repe-
tência acima daquelas observadas para os alunos novos. A região metropolitana de São Paulo
apresenta-se como exceção, onde alunos que já repetiram uma única vez percebem probabili-
dades de repetência inferiores às dos alunos novos.
Finalmente, obtivemos evidência de que mais de uma repetência tende, também, a elevar a
probabilidade de repetência. No entanto, procuramos realçar que o crescimento da proba-
bilidade de repetência com o número de repetências admite duas possíveis interpretações,
podendo tanto indicar que a repetência tem efeitos negativos sobre a motivação ou que leva
à estigmatização dos repetentes quanto também ser apenas o resultado de um processo re-
petitivo de seleção dos alunos com pior desempenho. Nesse caso, a maior probabilidade de
repetência dos alunos repetentes é intrínseca ao grupo e não uma conseqüência da reprova-
ção e subseqüente repetência, no sentido de que esta era a sua probabilidade quando estes
eram alunos novos.


18
CONSEQÜÊNCIAS DA REPETÊNCIA SOBRE O DESEMPENHO E DUCACIONAL

ANEXO

DIAGRAMA 1

Evadido Freqüenta Repetente Evadido Freqüenta Evadido Freqüenta Evadido Freqüenta Evadido Repetente Evadido

1985
Aprovado Aprovado Reprovado Reprovado Evadido Evadido Aprovado Aprovado Reprovado Reprovado Evadido Evadido

1984
Aprovado Aprovado Aprovado Aprovado Aprovado Aprovado Reprovado Reprovado Reprovado Reprovado Reprovado Reprovado

1983
a b c d e f g h i j k l


SÉRIE E STUDOS

TABELA 1

N o de vezes que repetiu


0 1 2 3 4 5 6 7 ...
Não aprovados -- m01 m02 m03 m04 m05 m06 m07 ...
na 1 a série
Aprovados na m10 m11 m12 m13 m14 m15 m16 m17 ...
1 a série

= r3

+ = e3


20
CONSEQÜÊNCIAS DA REPETÊNCIA SOBRE O DESEMPENHO E DUCACIONAL

TABELA 2

Probabilidade de repetência (pn) condicionada ao número de vezes


que o aluno repetiu a primeira série(n)
Estimada com base no estoque
Número de reprovações na primeira série (n)
Região Metropolitana
0 1 2 3

Belém 39 44 44 48
Salvador 28 36 48 67
Recife 32 50 53 75
Fortaleza 30 43 42 58
Distrito Federal 22 34 41 55
Belo Horizonte 30 38 49 52
Rio de Janeiro 31 45 38 54
São Paulo 32 29 40 57
Curitiba 27 32 48 73
Porto Alegre 26 31 39 61
Fonte: Construída com base nas informações da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD ) de 1985.

TABELA 3


21

Probabilidade de repetência (pn) condicionada ao número


de vezes que o aluno repetiu a primeira série (n)
Estimada com base em análise de coortes
Número de repetências na primeira série (n)
Região
0 1
Nordeste * 24 23
São Paulo 17 16
Fonte: Construída com base nas informações da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) de 1985.
Nota: * Inclui as regiões metropolitanas de Fortaleza, Recife e Salvador.
Gráfico 1
Probabilidade de repetência
0,55

0,50

0,45

0,40
Probabilidade de repetência

0,35

0,30

0,25

0,20

0,15

0,10

0,05

0,00
0 1 2
Número de repetências anteriores

São Paulo Nordeste

Fonte: Construída com base nas informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1985.


CONSEQÜÊNCIAS DA REPETÊNCIA SOBRE O DESEMPENHO E DUCACIONAL


23

Você também pode gostar