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Os homens negros e suas máscaras. Site Justificando

Article · May 2020

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Jeane Saskya Campos Tavares


Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
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5/22/2020 Os homens negros e suas máscaras – Justificando

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Jeane Saskya Campos Tavares

Segunda-feira, 4 de maio de 2020

Os homens negros e suas máscaras


Total: 1.8K a 1.8K d 4 v 1 J *
Imagem: Reprodução – Montagem: Gabriel Pedroza / Justi cando
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A prescrição aplicado às relações de


Por Jeane Saskya Campos Tavares
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Linha 15-prata: 10 anos para ser
entregue pel...
21 de maio de 2020

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Este pode ser um motivo importante para que, principalmente homens
uminenses durante a ...
negros, não queiram usá-las. Neste sentido, é necessário considerar o racismo 21 de maio de 2020

que estrutura nossa sociedade na análise das repercussões da pandemia para


No Princípio era o Homem
não responsabilizarmos indivíduos e populações especí cas por não aderirem
20 de maio de 2020
às orientações de prevenção, quando cumprir estas orientações não é possível
ou gera maiores riscos que a doença.
Trabalhadoras no front de
combate ao coronaví...
20 de maio de 2020
Enquanto imagens de pessoas brancas e asiáticas usando máscaras cirúrgicas
são associadas ao cuidado com a saúde, pessoas com máscaras caseiras, Do ódio em tempos de
pandemia
camisas, lenços/bandanas no rosto são comumente associadas à criminalidade 20 de maio de 2020
e representadas como perigosas no jornalismo, cinema, TV e artes em geral. Se
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essa pessoa é um homem negro, a associação é ainda mais forte pois faz Rei Ubu, Presidente Ubu
20 de maio de 2020
imaginário nacional a representação deste homem como agressivo, violento e
essencialmente perigoso. 
É preciso ensinar o que é
machismo e masculin...
19 de maio de 2020
Homens negros, desde a infância, são sistematicamente submetidos a
esquadrinhamento por agentes de segurança de acordo com seu deslocamento Como Foucault contribui para
pelas cidades. Cada vez em que são abordados para “averiguação” ao longo do entender o Covid...
19 de maio de 2020
dia é uma possibilidade de morte ou encarceramento que se apresenta. A
percepção de estar continuamente em risco produz um estado de alerta
permanente que pode gerar adoecimento físico crônico. Conviver com o risco
de ser assassinado ou acusado por um crime a qualquer momento, ter
di culdade de acesso a direitos de cidadania, sofrer agressões físicas e verbais
diárias, a solidão, a desesperança, os ataques a sua identidade racial
relacionam-se com quadros de depressão, ansiedade e tentativas de
suicídio/exposição ao risco de morte. 

No contexto da COVID 19, o não reconhecimento facial imediato produzido


pelo uso de máscara soma-se ao risco cotidiano de ter o guarda-chuva,
celular, carteira ou qualquer objeto “confundido” com uma arma e ser
alvejado sem qualquer chance de defesa. Como não pode permanecer em
isolamento, este homem negro e mascarado ao se deslocar será suspeito
preferencial de crimes, sofrerá humilhações públicas, revistas ilegais e
vexatórias. Podemos esperar mais medo, ansiedade e raiva pelas inúmeras
vezes em que receberá ordens para mostrar o rosto para reconhecimento, em
que será perseguido e abordado em mercados e farmácias, em que perceberá
os olhares de julgamento de desconhecidos.  

Em outro sentido, também cruel, podemos esperar que ele sofra mais
agressões raciais em forma de risos e piadas que remetem o uso da máscara à
marginalidade ou sua estética “inadequada”. Estes ataques são especialmente
covardes porque não são reconhecidos como racismo e reavivam lembranças
de experiências dolorosas que sofremos, principalmente, na infância e
adolescência. 

Os pro ssionais de saúde e gestores municipais/ estaduais devem considerar,


portanto, a di culdade adicional do uso da máscara pela população negra. É
preciso orientar a população em geral sobre como o racismo pode gerar mais
violência nas relações interpessoais durante a crise, pessoas negras devem ser
representadas nas campanhas de prevenção e associadas à saúde e cuidado,
estas campanhas precisam abordar o estresse adicional deste período nos
contatos sociais, nos estabelecimentos comerciais e as repercussões de acusar
uma pessoa de ter cometido um crime por engano.  Em relação aos agentes de
segurança, importante haver treinamento sobre racismo estrutural e o
medo/ansiedade gerados no contexto da COVID 19, principalmente na
interação durante as operações. 

Leia também:

“A quarentena tem sido um


privilégio dos grupos mais
abastados”

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Dirijo-me agora aos leitores negros. 

Ouvi de homens negros que é melhor “arriscar com o COVID 19, que ter a
certeza da bala” e eles têm razão. Nossa história nos mostra que homens
negros têm sido assassinados, acusados e encarcerados por qualquer motivo
banal. 

Seu medo de cobrir o rosto é justo e só você sabe o quanto passar por essas
experiencias de discriminação e injustiça geram ansiedade e raiva. É cruel e
terrível ter que escolher entre se proteger de uma doença, sofrer violência ou
morrer.  Você tem razão também em relação ao desconforto físico que a
máscara produz enquanto trabalha ou anda pela rua (esquenta, embaça os
óculos, di culta respiração, incomoda de várias formas), car em ambiente
com ar condicionado e se deslocar de carro muitas vezes não são opções.  

No entanto, estamos em crise e precisamos car atentos e vivos pois qualquer


ato pode ser utilizado como justi cativa para violência. Infelizmente, as dicas
de cuidados a seguir não são garantia de proteção total, mas em outros países
algumas dessas orientações têm sido discutidas como possibilidades de
diminuir os riscos de violência pelo uso de máscaras:

1. Se, por qualquer razão, você tiver acesso a máscaras industrializadas


descartáveis pre ra essas. Elas são associadas à saúde não à criminalidade;

2. Alie-se aos movimentos comunitários de apoio, ajude sua comunidade e use


as máscaras distribuídas localmente. É importante que se identi que
rapidamente que você faz parte deste território;     

3. Evite lenços, bandanas e camisas amarradas no rosto;

4. Evite esconder ainda mais seu rosto. Não é aconselhável usar tecidos de
cores escuras ou cabelo no rosto/boné/capuz que impossibilite sua
identi cação imediata e dê margem à violência letal; 

5. É importante que a sua máscara seja “inconfundível”, ela não deve atrair
atenção indesejável para você. Evite, por exemplo, estampas e associadas no
seu contexto a liação aos grupos em con ito, imagens que remetem à morte

e violência. Avalie os riscos!

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6. Não preste atenção nas brincadeiras e piadas de outros homens. O


machismo mata muitos homens que acreditam que se proteger é coisa de
gente fraca. Você vai adoecer e morrer para provar que é forte? É sério?    

7. Tenha várias máscaras e, se puder, tente inseri-las aos poucos na sua rotina.
Quanto mais você usar, mais rápido vai se acostumar; 

8. Se você é vaidoso, invista na máscara como parte do seu guarda roupa, você
tem estilo e vai car lindo;

9. Se sua máscara é caseira, ou seja, não é descartável, você vai precisar trocar
a cada 2 horas ou se molhar, ponha alarme no celular, tire sempre pelo elástico
ou pelas alças e guarde numa sacola plástica para lavar quando chegar em
casa;

10. A máscara é sua, não deixe outra pessoa usar;  

A mais importante dica que posso te dar é: sua vida importa e merece ser
protegida. Muitas vezes não nos protegemos porque o racismo nos ensina que
não valemos a pena, pensamos que todo esse esforço é inútil porque
morreremos de qualquer jeito e que se cuidar é só um trabalho a mais. Essa é
uma mentira criada na escravização e é uma forma de fazer com que aceitemos
que continuem nos matando.

Sua vida importa, nossas vidas importam, proteja-se e seguiremos juntos!

Jeane Saskya Campos Tavares é Psicóloga. Doutora em Saúde Pública (Instituto de


Saúde Coletiva UFBA). Docente da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia 

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Referências:

Almeida, s. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Editora Letramento., 2018 

Anunciação, Diana, Trad, Leny Alves Bon m, & Ferreira, Tiago. (2020). “Mão na cabeça!”:

abordagem policial, racismo e violência estrutural entre jovens negros de três capitais do

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Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de

Apoio à Gestão Participativa e ao Controle Social. Óbitos por suicídio entre adolescentes e jovens

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negros 2012 a 2016 / Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa,

Departamento de Apoio à Gestão Participativa e ao Controle Social. Universidade de Brasília,

Observatório de Saúde de Populações em Vulnerabilidade – Brasília : Ministério da Saúde, 2018.

Damasceno, Marizete Gouveia, Zanello, Valeska M. Loyola. Saúde Mental e Racismo Contra

Negros: Produção Bibliográ ca Brasileira dos Últimos Quinze Anos. Psicologia: Ciência e

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Moreira, Adilson.  Racismo recreativo. São Paulo:  Sueli Carneiro. Pólen, 2019.

 coronavírus covid-19 Máscara população negra questões raciais Racismo

racismo estrutural violência racial

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