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SOB MEDIDA

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Conteúdo Paola Pucci, Lívia Haisa Muto e Raquel Fornaziero Gomes


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Querido aluno,
Neste e-book do curso Disfagia Sob Medida, tentamos
concentrar as principais informações para que você
tenha um material completo ao qual possa recorrer
sempre que precisar.
Os materiais de Parkinson, Disfagia Infan l, Paralisia
Cerebral e Covid-19 foram desenvolvidos pelas
convidadas que ministraram as aulas e estão
disponíveis na plataforma, como anexo da aula
correspondente.
Esperamos que você tenha aproveitado o curso e que
este e-book seja um complemento à sua formação.
Desejamos muito sucesso para a sua caminhada!

Atenção! Nos vídeos das aulas con das na


plataforma do curso, há imagens reais de pacientes. A
divulgação e/ou reprodução destes materiais é
totalmente proibida. Em caso de descumprimento, o
responsável poderá responder judicialmente.
Disfagia

SOB MEDIDA
disfagia
Como você já sabe, a disfagia nada mais é que um distúrbio da
deglutição, com sinais e sintomas que se caracterizam por alterações em
qualquer etapa e/ou entre as etapas da deglutição, podendo ter inúmeras
causas, como lesões neurológicas focais ou degenerativas, traumatismo
cranioencefálico (TCE), acidente vascular encefálico (AVE), doenças
degenerativas neuromusculares, câncer de cabeça e pescoço, demências,
encefalopatias, refluxo gastroesofágico, doença pulmonar obstrutiva crônica
(DPOC), idade (presbifagia), lesão de pregas vocais por intubação
orotraqueal, uso de traqueostomia, entre outras. A disfagia geralmente
reflete problemas que envolvem a cavidade oral, faringe, esôfago ou junção
gastroesofágica.
Além disso, dependendo do grau de comprometimento, pode causar a
entrada de alimentos nas vias aéreas, resultando em tosse, asfixia,
problemas pulmonares, aspiração, ou nutrição e hidratação inadequadas,
com consequente perda de peso, pneumonia e até morte.
Portanto, sempre que houver suspeita de distúrbio da deglutição ou se
o paciente estiver em risco de aspiração, é interessante que o médico,
fazendo parte de uma equipe multidisciplinar, consulte o fonoaudiólogo para
uma avaliação de disfagia. Porém, o próprio paciente pode procurar o
profissional, sem ser necessária prescrição médica.
Considerando que as alterações podem ocorrer em qualquer uma das
fases da deglutição, é importante relembrarmos quais são elas:
· Antecipatória;
· Preparatória Oral;
· Manipulação do alimento e mastigação;
· Voluntária (a língua propulsiona o bolo para a região posterior até que
o reflexo seja disparado);
· Faríngea (o ato reflexo);
· Esofágica (peristaltismo que leva o bolo do esôfago para p
estômago).

Espera-se que uma pessoa sem nenhum tipo de comprometimento


neurológico ou miofuncional tenha uma deglutição típica, sem alterações. E
como ocorre o processo? É necessário que haja adução das pregas vocais,
aproximação das pregas ariepiglóticas, movimento anteroposterior da
laringe e a descida da epiglote. É bastante coisa acontecendo quase ao
mesmo tempo, né?
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disfagia

As complicações mais comuns em decorrência da disfagia são a queda do


estado nutricional e a pneumonia aspirativa. Então, é muito importante
detectar o risco de aspiração durante a fase aguda, para prevenir
complicações pulmonares e reduzir o tempo e o gasto com a internação.
Para identificar alterações da deglutição, existem sinais clássicos aos
quais devemos ficar atentos:
· Dificuldades para deglutir a saliva;
· Recusa alimentar;
· Emagrecimento;
· Desidratação;
· Complicações pulmonares;
· Tosses, engasgos ou pigarros durante a refeição;
· Dificuldades na mastigação;
· Demora para deglutir os alimentos;
· Necessidade de deglutir várias vezes o mesmo alimento;
· Escape de alimentos pela boca ou pelo nariz;
· Sensação de alimento parado na garganta;
· Resíduos alimentares na cavidade oral após a deglutição;
· Alteração vocal e respiratória;
· Febre alta, sem motivos aparentes.

O quadro se torna ainda mais grave quando ocorre a broncoaspiração.


Os principais sinais clínicos de broncoaspiração são:
· Tosse, dispneia e voz molhada;
· Fadiga, sudorese, queda da saturação, recusa alimentar.

Muitos pacientes apresentam queixas de engasgos e estase de


“alimento na garganta”. No entanto, a diminuição da sensibilidade laríngea e
do reflexo de tosse, comum nas disfagias neurogênicas, pode mascarar o
quadro e dificultar a autopercepção do paciente, fazendo com que ocorra a
aspiração silente.a epiglote. É bastante coisa acontecendo quase ao mesmo
tempo, né?

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disfagia
Os fatores que aumentam as chances de broncoaspirar são:
· Alteração do estado mental;
· Vômitos e refluxo gastroesofágico;
· Baixo nível de consciência;
· Idade;
· Doenças e Traumatismos;
· Iatrogênicos (avaliação da deglutição);
· Sonda de alimentação;
· Traqueostomia;
· Ausência de tosse.

A ausência de tosse é mais comum em sono profundo; ou pacientes


em coma; com baixo nível de consciência; que fazem uso de sedativos
fortes; ou pacientes anestesiados.
Antes de aprofundarmos na avaliação e terapia fonoaudiológicas, vou
reforçar alguns conceitos básicos muito importantes, de anatomia e
neurologia.a epiglote. É bastante coisa acontecendo quase ao mesmo
tempo, né?

Anatomia e neurologia

Laringe

Figura 1 – Dissecção lateral da laringe. Fonte: Atlas of Human Anatomy (Elsevier, 2008).

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disfagia
Informações da Laringe

Função Condução do ar e articulação do som

Cartilagens Hialinas: Tireoide, cricoide, aritenoide


Elásticas: Epiglote, corniculada, cuneiforme

Músculos Intrínsecos: cricotireoideo, cricoaritenóideo posterior, cricoaritenóideo lateral,


aritenóideo transverso, aritenóideo oblíquo, tireoaritenóideos.
Extrínsecos: esternohióideos, omo-hióideo, esternotireóideo, constrictor inferior,
tireo-hióideo, digástrico, estilohióideo, mio-hióideo, gênio-hióide, hioglosso,
gênioglosso

Vascularização Vasos laríngeos (superior e inferior)

Inervação Nervo laríngeo interno, nervo laríngeo recorrente e nervo laríngeo externo - ramos
do nervo vago (X)

Fonte: https://www.kenhub.com/pt/library/anatomia/laringe

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disfagia

Músculos da laringe

Cricotireoideo
É o único músculo da laringe inervado pelo nervo laríngeo externo,
enquanto todos os outros são inervados pelo nervo laríngeo recorrente.
Ele aumenta a tensão nos ligamentos vocais porque emerge do arco da
cartilagem cricoide e se insere na lâmina e no corno inferior da cartilagem
tireoide.
Tireoaritenoideo
Reduz a tensão nos ligamentos vocais, porque se origina no ângulo
da cartilagem tireoide e se estende ao longo do processo vocal da
cartilagem aritenoide.
Cricoaritenoideo posterior
Abre a rima glótica, enquanto o músculo cricoaritenóideo lateral, o
músculo aritenóideo transverso e o músculo aritenóideo oblíquo a
fecham. Ele se origina da lâmina da cartilagem cricoide e se insere no
processo muscular da cartilagem aritenoide.
Cricoaritenoideo lateral
Insere-se da mesma forma que o músculo cricoaritenóideo
posterior. Ele emerge da parte lateral do arco da cartilagem cricoide.
Aritenoideo transverso
Origina-se do processo muscular da cartilagem aritenoide e se
estende até o processo muscular da cartilagem aritenoide oposta.
Aritenoideo oblíquo
Aparentemente não possui origem, uma vez que se estende entre
as duas cartilagens aritenoides e se insere em cada um de seus ápices.

Ariepiglótico e Tireoepiglótico
São dois músculos que auxiliam no fechamento da abertura
laringofaríngea, ao se inserirem na epiglote. O primeiro emerge do ápice
da cartilagem aritenoide, e o segundo da lâmina da cartilagem tireoide.

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disfagia
Inervação da laringe
 A inervação motora e sensitiva da laringe é dada inteiramente pelo nervo
vago (X). Os três ramos que contribuem incluem o nervo laríngeo interno, o
nervo laríngeo recorrente e o nervo laríngeo externo.

Figura 2 – Inervação da laringe. Fonte: https://www.slideshare.net/vegarcez/aula-02laringe

Cavidade oral

Figura 3 – Cavidade intraoral. Fonte: https://www.anatomiaonline.com/boca/

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disfagia
A cavidade oral é um espaço na parte inferior da face, que funciona
como entrada para o sistema digestivo.
Ela é limitada por um teto, um assoalho e paredes laterais.
Anteriormente, ela se abre na face através da fissura oral, enquanto
posteriormente a cavidade oral se comunica com a faringe, especificamente
com a orofaringe, através de uma passagem estreita chamada de istmo
orofaríngeo. O istmo orofaríngeo é cercado pelo palato mole e arcos
palatoglossos.
Um grande número de ossos contribui para a estrutura da cavidade oral:
ossos pareados da maxila, palatino e temporal, bem como os ossos não
pareados da mandíbula, esfenoide e hioide.
A cavidade é separada em partes anterior e posterior pelos arcos
dentários (ou dentes): o vestíbulo oral anterior encontra-se anteriormente aos
dentes e posteriormente aos lábios, enquanto a cavidade intraoral
propriamente dita corresponde à área posterior aos dentes.
O interior da cavidade oral é constantemente lubrificado por glândulas
salivares que também participam da digestão dos alimentos ao secretar
enzimas que iniciam a digestão de carboidratos. Estas glândulas são a
parótida, a submandibular e as sublinguais.

Lígua

Figura 4 – Anatomia da língua. Fonte: http://www.ufjf.br/anatomia/files/2014/07/AULA-05.-Boca-e-Faringe.pdf

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disfagia
Informações da Língua

A língua desenvolve -se a partir dos primeiros quatro arcos faríngeos. Os


Embriologia músculos intrínsecos e extrínsecos da língua são formados pela migração de
somitos mesodérmicos occipitais
Músculo gênioglosso, músculo hioglosso, músculo estiloglosso e músculo
Músculos extrínsecos
palatoglosso
Fibras transversas, fibras verticais, fibras longitudinais superiores e inferiores da
Músculos intrínsecos
musculatura da língua

Fonte: https://www.kenhub.com/pt/library/anatomia/lingua

Músculos da língua
Os músculos intrínsecos e extrínsecos da língua são formados pela
migração de somitos mesodérmicos occipitais. Eles se movem anteriormente
com o nervo hipoglosso (XII).
Os músculos extrínsecos são aqueles que envolvem a língua,
diretamente ligados a ela, e participam de sua movimentação. Esses
músculos incluem:
- músculo gênioglosso
- músculo hioglosso
- músculo estiloglosso
- músculo palatoglosso
Os músculos intrínsecos estão localizados no interior da língua e atuam
em todos os movimentos que ela faz. São responsáveis por encurtar, estreitar
e achatar a língua:
- longitudinal superior
- longitudinal inferior
- transverso
- vertical

Inervação da língua
Todos os músculos da língua são inervados pelo nervo hipoglosso (XII),
exceto o músculo palatoglosso, que é suprido pelo nervo vago (X).
A inervação sensitiva é levada por vários pares cranianos:
- Sensação geral e paladar do terço posterior da língua: glossofaríngeo (IX).
- Sensação geral dos dois terços anteriores da língua: nervo lingual (ramo do
nervo mandibular - V3).
- Sensação do paladar dos dois terços posteriores da língua: facial (VII).

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disfagia

Fonte: https://www.kenhub.com/pt/library/anatomia/lingua

Figura 5 – Inervação da língua. Fonte: https://www.researchgate.net/figure/FIGURA-1-LOCALIZACAO-DAS-PAPILAS-E-INERVACAO-CORRESPONDENTE_fig1_277842970

Avaliação Fonoaudiológica

Geralmente, o fonoaudiólogo é acionado para uma avaliação quando


existem fatores de risco, como: sinais clínicos de aspiração; movimento
corporal compensatório; dificuldade no manejo com a saliva; retardo na
refeição; infecções respiratórias frequentes; nível de consciência rebaixado;
presença de traqueostomia; intubação orotraqueal (IOT) prolongada.
Segundo a ASHA (2004), uma avaliação clínica qualificada deve
documentar a história, o diagnóstico apropriado, o estado atual da
alimentação e as observações clínicas, em que podem constar:
· História, incluindo qualquer disfagia e tratamento anteriores para
essa disfagia, pneumonia, perda de peso sem explicação, status
respiratório e quaisquer condições médicas que possam causar ou
contribuir para a disfagia;
· Início e duração dos problemas atuais da deglutição;
· Método atual de nutrição e estado nutricional em comparação com o
status anterior;
· Características comportamentais, como nível de alerta, cooperação,
motivação;
· Habilidades de cognição e comunicação;

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disfagia

· Quaisquer problemas com o posicionamento adequado do


paciente;
· Estrutura motora oral, sensação e função;
· Função laríngea;
· Sinais de disfagia oral, como babar, ter resíduos orais e má
dentição;
· Sinais de disfagia faríngea, como tosse e asfixia, qualidade vocal
úmida, múltiplas deglutições, dificuldade em iniciar a deglutição,
elevação laríngea reduzida;
· Diagnóstico que descreve as fases da deglutição afetadas;
· Recomendações para avaliação futura ou tratamento/intervenção.

A avaliação fonoaudiológica da disfagia é composta por duas etapas:


avaliação estrutural e avaliação funcional. Quando necessário, são
realizados exames objetivos também.
Durante o processo avaliativo, o fonoaudiólogo deve verificar os
mecanismos de proteção de vias aéreas; os órgãos fonoarticulatórios
(força e mobilidade); dentição e se há prótese dentária; deglutição da
saliva; sensibilidade e reflexo; tempo de trânsito oral; disparo do reflexo de
deglutição; elevação do complexo hio-laríngeo; e sinais clínicos de
broncoaspiração.
Os exames objetivos que podem ser solicitados são a
videofluoroscopia e a nasofibroscopia da deglutição.
A Videofluoroscopia é considerada atualmente o melhor exame para
avaliar objetivamente a dinâmica da deglutição, com a visualização de
todas as fases. No exame, é possível observar além da penetração e/ou
aspiração laringotraqueal, manobras, consistências e volumes mais
adequados.
Com a nasofibroscopia da deglutição é possível realizar uma análise
da fase oral e faríngea da deglutição e da sensibilidade das estruturas,
como também da mobilidade das pregas vocais, não envolvendo radiação.
Assim como na videofluoroscopia, também é possível observar além da
penetração e/ou aspiração laringotraqueal, manobras, consistências e
volumes mais adequados.

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disfagia
É interessante o fonoaudiólogo estar ciente dos medicamentos que
o paciente toma, pois existem medicações que podem induzir a disfagia.
Os aspectos farmacológicos incluem:
· Decréscimo do nível de atenção: Sedativos, drogas anticonvulsão,
anti-histamínicos;
· Provocam distúrbios do movimento: Neurolépticos, agonistas
dopaminérgicos;
· Bloqueios na junção neuromuscular: certos antibióticos
(aminoglicosídeos) e botox;
· Déficits sensoriais: anestésicos;
· Alterações da salivação: anticolinérgicos, tricíclicos, anti-
histamínicos;
· Drogas que induzem alterações esofágicas.

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Alterações nas fases da deglutição
Alterações nas fases da deglutição
Fase preparatória
A fase preparatória pode incluir alterações do vedamento labial
(escape oral anterior, diminuição de pressão intraoral negativa e/ou
resíduo vestibular anterior); alterações do movimento mandibular
(dificuldade para triturar e preparar o alimento na mastigação);
alterações da mobilidade lingual ou incoordenação de língua (dificuldade
de manipulação do bolo, prejuízo da organização do bolo, alteração de
ejeção, escape prematuro do bolo, aspiração antes da deglutição,
resíduo em cavidade oral); e alteração de bucinadores (resíduo em
porção de vestíbulos laterais e/ou repercussão mastigatória).

Figura 6 - Aspiração antes da deglutição, por redução do movimento da língua.

Figura 6 - Aspiração antes da deglutição, por redução do movimento da língua.


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Alterações nas fases da deglutição
Fase faríngea
As alterações na fase faríngea podem ser durante a deglutição em
si (escape prematuro do bolo, aspiração antes da deglutição, ausência
da deglutição); por alteração velofaríngea (refluxo nasal, dissipação da
pressão intraoral por ausência de contato com dorso lingual); por
diminuição do peristaltismo faríngeo (estase faríngea, aspiração após a
deglutição); por elevação laríngea reduzida ou ausente (aspiração
durante a deglutição/penetração laríngea, abertura incompleta do
esfíncter esofágico superior - EES); por incoordenação da deglutição
com a respiração (ausência de apneia fisiológica, aspiração durante a
deglutição/penetração laríngea); por coaptação glótica incompleta
(aspiração durante a deglutição/penetração laríngea, prejuízo da
proteção – tosse).

Figura 8 - Aspiração durante a deglutição, por redução do vedamento laríngeo.

Fase esofágica
Durante a fase esofágica podem ocorrer alterações referentes à diminuição de tempo ou
de extensão de abertura do EES ou ausência desta abertura (estase faríngea, aspiração após a
deglutição, impossibilidade de oferta por via oral); à diminuição do peristaltismo esofágico
(estase esofágica, refluxo para faringe, sensação de dor ou incômodo esternal); doença do
refluxo gastroesofágico (DRGE) (regurgitação, vômito, disfonia, aspiração após a deglutição);
acalásia, divertículos, estenose, fístulas traqueoesofágicas (FTE) (distúrbio do trânsito
alimentar, estase, aspiração após a deglutição).

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Alterações nas fases da deglutição
Guia para Avaliação
A seguir, você encontra um guia para orientar a sua avaliação.
Atenção! Não é um protocolo. É apenas um esquema para te
guiar e ajudar a lembrar dos principais elementos de uma avaliação. O
seu raciocínio clínico deve estar acima de qualquer guia.

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Alterações nas fases da deglutição

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terapia fonoaudiológica

Terapia fonoaudiológica
A disfagia pode estar presente em indivíduos de qualquer idade e
todos são tratados com base na avaliação da função da deglutição. Na
conclusão da avaliação, a presença, gravidade e padrão da disfagia devem
ser determinados e recomendações devem ser feitas em conjunto com o
médico e outros profissionais da equipe. Intervenções terapêuticas
apropriadas, recomendações alimentares e avaliações adicionais podem
ser implementadas. É muito importante que seja desenvolvido um plano de
assistência individualizado com objetivos claros, abordando
especificamente cada problema identificado na avaliação.
A terapia fonoaudiológica da disfagia inclui tanto medidas
compensatórias, como também, e principalmente, medidas reabilitadoras.
As estratégias de compensação provêm um efeito imediato, mas não
permanente na eficiência ou segurança da deglutição. Tais estratégias
incluem posturas, adaptação da dieta oral e orientações relacionadas ao
ambiente.
Já a reabilitação, é feita com intervenções que, quando providas ao
longo do tempo, propiciam mudanças permanentes no substrato subjacente
à deglutição. Fazem parte do processo de reabilitação a estimulação tátil
térmica gustativa (ETTG), os exercícios e a indicação de tratamento
farmacológico antirrefluxo e para reduzir saliva.

Estimulação tátil-térmica-gustativa (ETTG)


A ETTG é usada quando o início da deglutição faríngea está atrasado,
permitindo a não-proteção da via aérea na presença do bolo na faringe.
Usada para aumentar a sensibilidade intraoral e a manipulação do bolo.
O efeito é principalmente no tempo do início do reflexo de deglutição
em caso de atraso no disparo, mas também aumenta a sensibilidade,
preparando o sistema para a introdução e manipulação do bolo.
Normalmente é realizada com a utilização de sabor azedo, diminuindo
a penetração e/ou aspiração laringotraqueal em sujeitos com diagnóstico de
disfagia neurogênica. A literatura sugere que esses resultados são
decorrentes da estimulação das vias aferentes dos nervos trigêmio,
glossofaríngeo e laríngeo superior.
A sensação térmica fria na região do pilar das fauces mostra maiores
resultados quanto ao tempo de trânsito oral. Tal achado sugere a existência
de receptores térmicos nesta região, tornando a resposta faríngea mais
imediata.

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terapia fonoaudiológica

Exercícios
Antes de selecionar os exercícios que usará com o seu paciente, é
importante você ter em mente: qual é a alteração, qual é a estrutura que
será trabalhada e se a atuação do paciente será ativa ou passiva.
Para te ajudar, vou colocar uma descrição breve de cada um dos
exercícios aqui, abaixo:

Mandelson
Exercício indicado para diminuição da elevação laríngea ou
constrição faríngea; em casos de hipertonicidade do esfíncter
cricofaríngeo; quando há resíduos em valécula e seios piriformes com
potencial risco de aspiração; para transferência do bolo para o esôfago
com esforço.
Melhora a musculatura supra-hioidea e faríngea; e relaxa o
cricofaríngeo.
Masako
Indicado para os casos em que há déficit na aproximação de base
de língua com parede posterior faríngea; quando a pressão positiva do
bolo é insuficiente ao entrar na faringe; e quando há diminuição da
elevação laríngea ou constrição faríngea.
Os efeitos incluem: contração faríngea e língua entre os dentes.
Shakeer
Exercício indicado para quando existe diminuição na abertura do
esfíncter cricofaríngeo; resíduo em seio piriforme; risco ou presença de
aspiração.
Melhora a excursão laríngea na duração da abertura do esfíncter
esofágico superior (estabilização laríngea).
Deglutição com esforço
É indicada para os casos em que há diminuição da elevação
laríngea e redução da constrição faríngea; presença de resíduos em
valécula e seio piriforme; risco de aspiração.
Melhora a função da musculatura supra-hioidea e faríngea.
Contraindicação: pacientes instáveis e com impedimentos para
realização de esforço.

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terapia fonoaudiológica

Estratégias compensatórias
As estratégias compensatórias podem ser muito úteis durante a terapia,
para um efeito imediato, como já comentei. Fazem parte de estratégias de
compensação: a alternância de consistências alimentares (para limpeza da
cavidade oral e recessos faríngeos); a adaptação dos utensílios utilizados
(tamanho da colher, canudo etc); adaptar a ingestão dos medicamentos; a
adequação do ambiente onde o paciente estará se alimentando; e o
encaminhamento para Nutricionista.
O uso do espessante também é uma compensação e é importante
lembrar que o paciente deve ser informado sobre o que é um “líquido
engrossado” (néctar, xarope, mel, purê). O grau de modificação deve ser
indicado após a avaliação fonoaudiológica.
Além dessas estratégias, temos também as posturas compensatórias,
que vou descrever brevemente, a seguir:

Cabeça abaixada
Postura indicada para controle oral e ejeção oral reduzida; e para quando
há atraso no disparo do reflexo da deglutição.
Essa postura alarga o espaço da valécula, proporcionando um espaço
para coleção de alimento antes do início da proteção pelas vias aéreas.
Contraindicação: em alguns pacientes, aumenta o risco de aspiração.
Cabeça estendida
Postura indicada para quando o mecanismo motor oral deficiente inibe a
eficiente transferência do bolo para a faringe.
Utiliza o efeito da gravidade para auxiliar a transferência do bolo, que cai
da base da língua para a cavidade faríngea.
Contraindicações: pode aumentar o risco de aspiração em pacientes
com mecanismos de proteção retardados/ou retardo no disparo do reflexo ou
em pacientes com alterações em fase faríngea; aumenta a pressão no
cricofaríngeo, inibindo a passagem do alimento para o esôfago.
Rotação de cabeça
Indicada para quando há fraqueza unilateral ou comprometimento
unilateral.
Reduz o espaço das cavidades faríngeas no lado fraco, redirecionando o
bolo e promovendo deglutição efetiva. A rotação contrária (para o lado sadio)
também pode trazer benefícios, aumentando a abertura do esfíncter
cricofaríngeo.

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terapia fonoaudiológica

Limpeza do vestíbulo
Indicada para casos em que existe dificuldade de formar um bolo
coeso, resultando em resíduo em vestíbulo após a deglutição.
Essa postura limpa o resíduo da cavidade oral e redireciona para a
formação de um novo bolo.
Alternância de consistências
Utilizada quando o paciente demonstra fraqueza ou incoordenação
ou hipertonicidade no esfíncter esofágico superior, resultando em
resíduo faríngeo pós-deglutição na valécula e seios piriformes.
A ingestão de líquidos após os sólidos facilita a limpeza da valécula
e seios piriformes.
Contraindicação: não pode ser usada com pacientes que tenham
restrições para a deglutição de líquidos.
Deglutição múltipla
Indicada para quando há fraqueza ou incoordenação ou
hipertonicidade no EES, resultando em resíduo faríngeo após
deglutição.
O principal efeito é a limpeza de resíduos após a deglutição.

Sugar e engolir – mastigar as bochechas


Indicado para casos em que o controle oral é limitado, tornando-o
incapaz de transferir o bolo da região anterior para a posterior.
Esta manobra aumenta a velocidade do trânsito oral.
Supra-glótica
Indicada quando existe inadequada proteção de via aérea e
quando o paciente é um aspirador silente.
Tem como efeitos: controle voluntário de proteção das vias aéreas;
os pulmões são preenchidos de ar e as pregas vocais firmemente
aproximadas, com uma expiração ou tosse forçada para limpar a laringe
e prevenir aspiração.

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terapia fonoaudiológica

Orientações
A terapia fonoaudiológica não se resume apenas a exercícios e
estratégias, é importante que os familiares e o paciente recebam as
orientações adequadas.
Orientar sobre a higiene oral e o uso de anstisséptico bucal é
fundamental, pelos seguintes motivos: o número de dentes
comprometidos, a frequência de escovação e a independência na
higiene oral são fortemente associados à pneumonia. Isso acontece
porque placas, gengivites e doenças periodontais alteram a flora dentro
da boca e podem mudar a composição da saliva, fazendo com que o
paciente aspire saliva com maior concentração de bactérias anaeróbias.
A redução do fluxo salivar na xerostomia também contribui para o
aumento da quantidade de bactérias por ml.
É igualmente importante orientar com relação à adaptação da
prótese dentária, pois é comum o idoso ter diminuição da estrutura óssea
da boca, fazendo com que a prótese fique frouxa, aumentando o
movimento, o desconforto e a possibilidade de lesões na gengiva. Os
mesmos efeitos podem ocorrer por decorrência da perda de peso.
Como o fonoaudiólogo só acompanha o paciente durante a sessão,
é imprescindível que se realize o treino do cuidador, com relação à
melhor consistência, ao modo e ritmo de oferta, ao posicionamento do
paciente, ao ambiente adequado para a alimentação e ao estado de
alerta do paciente (importante que ele esteja acordado e respondendo
aos estímulos).

Introdução de via alternativa


Sim, há casos em que será necessária a introdução de via
alternativa de nutrição. Por exemplo, quando a oferta via oral oferece
grande risco de aspiração ou quando há baixa aceitação por via
oral/inapetência.
Se a via alternativa vai ser uma sonda nasoenteral (SNE) ou uma
gastrostomia precisa ser discutido com a equipe, considerando a
aceitação da família e o estado nutricional do paciente.
Lembrando que a introdução de via alternativa de alimentação não exclui
a intervenção fonoaudiológica.

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terapia fonoaudiológica

Traqueostomia
Como é muito comum encontrarmos pacientes traqueostomizados,
vou fazer um resumo aqui para você, das principais funções da
traqueostomia, dos benefícios que ela oferece, impactos e
complicações.
Para quê traqueostomia?
1. Quando há obstrução das vias aéreas, por algum motivo:
· Disfunção laríngea;
· Trauma;
· Queimaduras e corrosivos;
· Corpos estranhos;
· Anomalias congênitas;
· Infecções;
· Neoplasias;
· Manejo pós-operatório;
· Apnéia do sono.
2. Para realizar uma limpeza das vias aéreas:
· Idade avançada;
· Fraqueza;
· Doenças neuromusculares.
3. Para dar suporte ventilatório.
Benefícios
· Aliviar a obstrução das vias aéreas superiores;
· Suporte ventilatório de pacientes críticos auxilia o desmame de IOT
(tempo superior a 14 dias).
Impactos
· Redução da elevação/anteriorização do osso hioideo;
· Estabelecimento de novo padrão respiratório;
· Afonia;
· Dificuldade para manejo de secreções;
· Disfunção do fechamento das PPVV;
· Alteração do olfato e paladar;
· Alteração da pressão glótica.

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terapia fonoaudiológica

Válvula de fala
A válvula de fala é utilizada em pacientes traqueostomizados
dependentes ou não de ventilação mecânica, que são candidatos à
comunicação oral, capazes de tolerar cuff desinsuflado e com deglutição
faríngea presente.

Vantagens
· Aumento de ventilação e oxigenação;
· Melhoria do manejo das secreções;
· Aumento do olfato e paladar;
· Produção de voz;
· Emissões mais longas;
· Auxílio na deglutição;
· Restaura pressão positiva fisiológica;
· Reestabelece pressão infraglótica;
· Permeia a decanulação.
Contraindicações
· Laringectomias totais;
· Paralisia bilateral de pregas vocais;
· Estenoses laríngeas ou traqueais importantes;
· Estado clínico grave;
· Nível cognitivo rebaixado;
· Pacientes com cuff sempre insuflado;
Muita atenção com:
· Aumento do esforço respiratório;
· Sensação de calor;
· Queda de saturação de oxigênio;
· Alteração da frequência cardíaca/frequência respiratória;
· Aumento de secreção e de tosse.

Procedimento de aspiração
O procedimento de aspiração consiste na retirada passiva das
secreções, com técnica asséptica, por um cateter conectado a um sistema
de vácuo, introduzido na via aérea artificial. A aspiração somente deverá ser
realizada quando necessária, isto é, quando houver sinais sugestivos da
presença de secreção nas vias aéreas.
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terapia fonoaudiológica

Procedimento de aspiração
O procedimento de aspiração consiste na retirada passiva das
secreções, com técnica asséptica, por um cateter conectado a um
sistema de vácuo, introduzido na via aérea artificial. A aspiração somente
deverá ser realizada quando necessária, isto é, quando houver sinais
sugestivos da presença de secreção nas vias aéreas.
As possíveis complicações do procedimento incluem: tosse,
broncoespasmo, hipoxemia, arritmias e danos à mucosa e ao sistema
mucociliar (associados à técnica do operador e à quantidade de pressão
usada).

Descrição do procedimento
1. Checar montagem de material necessário: sonda de aspiração
traqueal conectada ao sistema de aspiração a vácuo, luva estéril de
procedimento, máscara e óculos protetores;
2. Calçar luva de procedimento na mão não dominante e luva estéril
na mão dominante;
3. Segurar a sonda de aspiração com a mão dominante;
4. Com a mão não-dominante, clampear a extensão de látex e
introduzir a sonda com a mão dominante até onde for possível;
5. Desclampear a extensão para que ocorra a aspiração da secreção;
6. Retirar lentamente a sonda, realizando movimentos circulares;
7. Retirar as luvas.

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Acidente Vascular Encefálico (AVE)

Acidente Vascular Encefálico (AVE)


O acidente vascular encefálico (AVE) (antigamente chamado de acidente
vascular cerebral - AVC) é uma alteração transitória ou definitiva de uma área
cerebral. É uma isquemia ou um sangramento causado por um processo
vascular. Por isso, o nome “acidente vascular”.
São vários os fatores de risco para AVE:
- Hipertensão arterial sistêmica (HAS);
- Diabetes;
- Alterações cardíacas, como: insuficiência cardíaca congestiva (ICC),
coronariopatia, arritmia, valvopatia;
- Alcoolismo;
- Uso de anticoncepcional;
- Tabagismo;
- Hiperlipidemia.
Muitos jovens têm sido acometidos pelo AVE e os fatores de risco para
essa população, além dos citados acima, são:
- Vasculites do sistema nervoso central (SNC);
- Arterites (infecciosas ou por uso de drogas).
Todos esses fatores podem aumentar o risco de ocorrência do AVE. Como
eu te disse, o AVE pode ser uma isquemia ou um sangramento, ou seja, ele
pode ser isquêmico (AVEi) ou hemorrágico (AVEh).
É muito importante que não se confunda AVEi com o episódio isquêmico
transitório (EIT). O EIT dura menos de 24 horas e não deixa sequelas,
enquanto o AVEi é causado por uma oclusão na artéria, um infarto na artéria,
podendo ser trombótico ou embólico.
AVEi trombótico: Oclusão da artéria por placa de ateroma que se forma no
local (HAS, arteriosclerose).
AVEi embólico: Oclusão da artéria por gordura ou coágulo, que é lançado
à distância (às vezes pode vir do coração), gerando uma transformação
hemorrágica. O que isso significa? Isso quer dizer que ele é comprimido e
depois explode a artéria e tem essa transformação hemorrágica.
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Acidente Vascular Encefálico (AVE)

AVEh intraparenquimatoso: Ruptura de uma pequena artéria, formando


um coágulo no interior de um tecido cerebral (hematoma).
AVEh por hemorragia subaracnóide (HSA): Ruptura de aneurisma
cerebral com extravasamento de sangue ao redor do cérebro, no espaço
subaracnóide.
AVEh simples: Pode ter grandes complicações, como ressangramento
nas primeiras 24 horas, mesmo após ser drenado; vasoespasmo, que
acontece a partir de 72 horas e pode levar a um infarto cerebral; e hidrocefalia,
por excesso de líquido que se espalha na área cerebral.

O quadro clínico vai sempre depender do local da lesão, mas poderemos


encontrar:
- Hemiparesia: metade do corpo fica com baixa sensibilidade, movimentação
e força reduzidas;
- Hemiplegia: paralisia de metade do corpo (o mais comum é a hemiparesia,
que é reversível);
- Hipoestesia: diminuição da sensibilidade;
- Hemianopsia: dificuldade em perceber um lado do próprio corpo ou as coisas
que se situam daquele lado;
- Afasia: dificuldade de comunicação;
- Alterações do nível de consciência;
- Ataxia cerebelar: quando a lesão é próxima ao tronco encefálico, ao
cerebelo, pode acontecer uma condição de movimentação involuntária,
imprecisa e não-programada, já que o cerebelo cuida da coordenação motora
fina;
- Disartria: alteração na fala;
- Disfagia: alteração da deglutição;
- Alteração de motricidade ocular: pacientes podem apresentar dificuldade em
buscar coisas à esquerda ou à direita e isso costuma aparecer no teste de
leitura;

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caso clínico
Caso clínico

Paciente: TFH
Sexo: Masculino
Idade: 66 anos
Atendimento ambulatorial

Antecedente pessoal de HAS, Ca de próstata, Bexiga Hiperativa,


etilismo e AVCi. Internado desde o dia 31/07, por confusão mental,
disartria e rebaixamento do nível de consciência. Evoluiu com
pneumonia nosocomial, em programação de término da
antibioticoterapia em 09/08. Evolui estável hemodinamicamente,
afebril, eupneico em ar ambiente, aceitando dieta via oral (disfágico
IV) e em reabilitação fisioterápica.

Diagnóstico CID: 164 – Acidente vascular cerebral, não especificado


como hemorrágico ou isquêmico.

Antecedentes:
HAS: Sim
DM: Não
AVC: Sim
DPOC: Não
Asma: Não
Doença coronariana: Não
Insuficiência cardíaca: Não
Insuficiência renal: Não
Demência: Não

Condições clínicas:
Acamado: Não
IRC em diálise: Não
Úlcera por pressão: Não
Dependência O2: Não
Dieta enteral: Não
Traqueostomia: Não

Cirurgias: Não
Infecções/ ATB recentes: Não
Neoplasia maligna: Não

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caso clínico

Motivo da internação: AVCi; Pneumonia nosocomial.

Diagnóstico médico/ Resumo da internação:


AP: HAS, Ca de próstata, Bexiga Hiperativa, Etilismo, Tabagista –
TAB; acompanhamento com PQ há cerca de 14 anos – múltiplas
internações; AVCi.
HD:
- Pneumonia nosocomial;
- Em uso de Tazocin (DI: 04/08)

Há 40 dias da admissão internando em clínica de reabilitação por


dependência química. Dia 30/07 apresentou hipotensão, rebaixamento
do nível de consciência com liberação esfincteriana, sendo avaliado
na Santa Casa de Cabreuva e encaminhado a este serviço. Admito
com quadro de confusão mental, pouco colaborativo, algo disártrico.
Submetido a TC e angio TC de crânio, sem sinais de sangramento
ativo ou alterações isquêmicas agudas; sinais de isquemia temporal
antiga e espessamento difuso de carótidas, sem estenoses luminais
significativas. Apresentou como intercorrência durante a internação
pneumonia nosocomial. Evoluiu estável hemodinamicamente, afebril,
sem intercorrências e com melhora clínica e laboratorial.
Assintomático no momento. Recebe hoje, portanto, alta hospitalar com
as devidas orientações de retorno ao serviço de emergência caso
necessário, bem como de manter uso adequado das medicações
prescritas e acompanhamento ambulatorial regular com a Neurologia.

Angio-TC Crânio (31/07): AVE antigo temporal à esquerda, sem lesões


agudas. Espessamento difuso de carótidas, sem estenoses luminais
significativas.
TC Tórax (04/08): Consolidação LSD, enfisema parasseptal bilateral.
TC Crânio (06/08): Hipoatenuação da substância branca supratentorial
predominando junto aos cornos anteriores e regiões peritrigonais,
onde assume aspecto mais confluente com extensão às coroas
radiadas, inespecíficos, podendo corresponder à gliose decorrente de
microangiopatia. Área de gliose/encefalomalácia no lobo temporal
esquerdo, provavelmente relacionada à sequela de insulto vascular
isquêmico prévio. Redução volumétrica encefálica difusa caracterizada
pela acentuação dos sulcos entre os giros corticais, fissuras cerebrais
e folias cerebelares, com ectasia.

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caso clínico

Gabarito da tarefa
Conclusão - diagnósticos fonoaudiológicos:
· Disfagia orofaríngea moderada (grau 4, segundo Escala ASHA-
NOMS).

Sistema Nacional de Medição de Resultados – Associação Americana de


Fonoaudiologia (American Speech-Language-Hearing Association –
National Outcomes Measurement System) – ASHA-NOMS.

· Disartria mista: Há inteligibilidade de fala com as seguintes


características: ressonância hipernasal; qualidade vocal normal; pitch
- alternância entre agudização e agravamento; loudness normal;
respiração curta e peitoral; articulação caracterizada por
hipomobilidade de OFAs; prosódia normal.
· Mímica facial: Paralisia facial central direita (contralateral à lesão
encefálica).
· Linguagem: Compreensão auditiva para discussão de assuntos
cotidianos e autobiografia, mas com episódios de queda atencional
leve. Paciente lê frases e palavras simples compatíveis com seu grau
de escolaridade (4 anos). Em relação às expressões, possui
nomeação, repetição e automatismos orais preservados, escrita
restrita ao próprio nome e endereço (ainda avaliarei cópias e ditados).
· Cognição: Leve alteração de manutenção de foco atencional,
memória de trabalho levemente comprometida, funções de
planejamento motor e discursivo preservadas e funções executivas
motoras também levemente alteradas.

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caso clínico

Orientações oferecidas no dia da avaliação:


A paralisia facial central é, neste caso, a responsável pela flacidez dos
músculos da mastigação, hipomobilidade e hipossensibilidade intraoral do
paciente, que provavelmente foram as causas dá má manipulação oral do
bolo. Considerando que a sensibilidade, a elevação e a anteriorização
laríngea estão preservadas, as orientações quanto à deglutição foram:
Compensatórias para segurança: Involução da dieta para pastosa
homogênea (a ser reassistida na próxima sessão, na qual o paciente deverá
também levar um pastoso heterogêneo, com pedaços semi-sólidos para
teste) e, devido ao paciente não ter conseguido controle oral com líquido
aromatizado, gaseificado, quente e/ou gelado (testei também essas
possibilidades na avaliação), · por dificuldade muscular de controle
intraoral, optei pelo espessamento na consistência pudim (néctar e mel
foram testadas sem sucesso).
· Reabilitadoras: Como o paciente não tem cuidador diário
acompanhando-o na clínica de reabilitação, treinei o próprio paciente
para fazer estimulações intra e extraorais. Para facilitar a
compreensão neste primeiro momento, optei por orientação simples,
que foi treinada, mas deverá ser revisada na próxima sessão:
o Antes de cada escovação dentária (em média 3x/dia), com a
escova gelada (manter guardada no congelador), passar no
risório, contribuindo para o sorriso (paciente tenta sorrir com
simetria e “compensa” a falta de movimento da comissura labial
direita até a ponta da orelha direita, passando vigorosamente a
escova gelada no sentido horizontal – no sentido da contração
muscular. Em seguida, o mesmo se repete - fazendo cara de
cheiro ruim, paciente passa a escova no gelo e enquanto tenta
fazer essa expressão de forma simétrica, leva a estimulação
tátil-térmica da asa do nariz direito até a glândula lacrimal direita,
como compensação. Feito isso, embebe essa escova no café
quente e faz movimentos verticais em masseter (no sentido da
contração - de cima para baixo) pela parte interna das
bochechas (das duas), obrigando-se a deglutir a saliva em
seguida, repetindo o processo da ponta para o dorso da língua e
ao redor do orbicular de lábios-vestíbulos.

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caso clínico

Durante essa sessão estimuladora pré-higiene oral, aproveitei e


pedi para o paciente fazer ensaio de execução cognitiva motora
de três fonemas que exigem força muscular: LA-LE-LI-LO-LU
(exagerado) + NA-NE-NI-NO-NU (exagerado) e DA-DE-DI-DO-
DU (exagerado), para otimizar articulação. Repare que numa
estimulação simples nós orientamos melhora da sensibilidade
intra e extraoral; melhora da inteligibilidade de fala através da
mobilidade funcional da língua; e melhora da expressão facial
por meio das tentativas e movimentos ativos associados a
estímulos sensoriais.

Seguindo a lógica, uma proposta de plano terapêutico seria:


· Mímica facial:
o Se habilitado, a introdução de bandagens associadas aos
exercícios propostos com metas de extensão muscular na
expressão mímica facial pode ser uma forma de intervenção.
o O treino diário das expressões mímicas com auxílio térmico e
tátil que se alternam semanalmente é super interessante para
“acordar” a musculatura, tornando uma terapia de via eferente
para aferente. Ex: semana 1 - escova de dentes gelada; semana
2 - rolo de pintura embebido em água quente; semana 3 - pincel
com creme esfoliante.

· Deglutição

o A evolução da dieta, sempre que liberada, precisa ser revista na


próxima sessão. Ex: Semana 1 - paciente comendo pastoso
homogêneo, fazendo treino de sensibilidade intraoral sozinho e
treinando mastigação em chupetão ou gaze com sólido
amolecido para estimulação de mobilidade intraoral, de forma
funcional, com o terapeuta + treino de sucção em canudo com o
líquido pudim. Semana 2 - Teste de pastoso com pedaços e sem
pedaços para a liberação da consistência ou não + treino de
mastigação de semi-sólidos sem proteção de gaze na terapia +
sucção de canudo com líquido mel. Semana 3 - Teste de
refeição semi-sólida (ex: mamão picado/ banana picada a ser
liberada se bom resultado e revista na próxima sessão como
complemento da dieta pastosa heterogênea).

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caso clínico

E assim, sucessivamente, associando treinos mastigatórios, de mímica


facial e de produção fonêmica, além da estimulação sensorial que evolui de
forma semelhante à estimulação extraoral, mas com associação de sabores
que se alternam na mesma sessão ou não.

· Fala
o Cantar com a música original ao fundo, para paciente
acompanhar lendo a letra; produção fonêmica treinada som a
som; leitura de palavras, evoluindo do fonema bem executado
para o próximo fonema, visando melhora da inteligibilidade de
fala, bem como feedback auditivo de tom de voz mais uniforme
e respiração profunda com promoção intercostal. Exercícios de
véu palatino também são ótimos para articulação, variação de
pitch e redução da hipernasalidade. Linguagem e cognição
o Manter ao menos 10% das sessões com estimulação atencional
e de memória operacional: jogo da memória; sete erros;
evocação lexical fonêmica e semântica; produção de diário
narrado pra ser ouvido na sessão, também corrigindo alterações
de fala.

Perceba que se você levanta todos os diagnósticos do paciente, os


exercícios são extremamente funcionais, sem necessitar de séries
repetitivas.
Agora é com você! Tenha novas ideias e personalize sua sessão.

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Traumatismo Cranioencefálico (TCE)

Traumatismo Cranioencefálico (TCE)


Segundo a National Head Injury Foundation, o traumatismo cranioencefálico
(TCE) é uma agressão ao cérebro, causada por força física externa que
acarreta lesão anatômica e/ou comprometimento funcional do couro
cabeludo, crânio, meninges, encéfalo e/ou vasos sanguíneos. Estas lesões
cerebrais podem resultar em morte ou no desenvolvimento de sequelas
funcionais, cognitivas, comportamentais e psicológicas, podendo produzir
um estado diminuído ou alterado de consciência e que resulta em
comprometimento das habilidades cognitivas ou do funcionamento físico.
Este comprometimento é classificado de acordo com o escore da escala de
coma de Glasgow, como sendo leve (13-15), moderado (9-12) e grave (3-8).
As principais causas do TCE são os acidentes de trânsito (colisão e
atropelamento), quedas e agressões físicas, sendo que as quedas ocorrem
em sua maioria na população idosa e os acidentes de trânsito e agressões
são mais frequentes em adultos jovens. Pode ser causado também por
arma branca ou projétil de arma de fogo.
Atualmente, o TCE é considerado uma “epidemia silenciosa”, pois tem
se destacado como um problema social e econômico grave, por apresentar
alta incidência, grande potencial de deficiência e significativo impacto sobre
a população economicamente ativa.
O prognóstico do paciente vai depender sempre dos aspectos
anatomoclínicos e evolutivos do trauma, como a extensão da lesão, o
escore inicial na escala de Glasgow, a resposta ao tratamento, a presença
de lesões globais ou focais, lesões associadas, comorbidades e o tempo
das intervenções clínicas e cirúrgicas. Pacientes críticos, que também
apresentam diagnóstico de disfagia, têm 73,9% de probabilidade de
permanecerem hospitalizados por mais de sete dias, sendo este dado um
indicador de mau prognóstico. Além disso, a literatura também indica que a
idade (>55 anos) e a presença de disfagia pós-extubação, aumentam o
índice de mortalidade durante a internação.
As sequelas do TCE podem ser temporárias ou permanentes, cuja
gravidade relaciona-se à área atingida. Entre as observadas nos pacientes
traumatizados encontra-se como umas das sequelas sensório-motoras a
disfagia orofaríngea neurogênica. A importância do diagnóstico da disfagia
tem como foco a prevenção de aspiração traqueal e desnutrição. A disfagia
orofaríngea na população com TCE é bastante documentada na literatura,
com prevalência variando de 38% a 65%. A intubação e a traqueostomia
podem fazer parte do quadro, pois são procedimentos comuns no TCE
grave.
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Traumatismo Cranioencefálico (TCE)

Além da preocupação com a nutrição adequada à pessoa com TCE, é


importante que a equipe interdisciplinar avalie de forma criteriosa a via de
alimentação mais apropriada para cada caso. Quando o paciente tem a
disfagia como uma das sequelas do TCE, a liberação precipitada da
alimentação por via oral pode acarretar complicações clínicas que podem
comprometer o quadro nutricional e pulmonar do indivíduo.
O diagnóstico da disfagia pode ser feito através da avaliação clínica e
da avaliação instrumental (com videofluoroscopia da deglutição e
nasolaringofibroscopia funcional da deglutição). O objetivo da reabilitação
desses pacientes é viabilizar a ingestão oral eficiente e segura, ajudando na
estabilização do estado nutricional e na eliminação dos riscos de
complicações clínicas decorrentes da aspiração laringotraqueal.
Apesar da alta prevalência de disfagia em TCE, há poucos estudos
apresentando indicadores do gerenciamento ou ainda fatores preditivos da
ocorrência de disfagia nessa mesma população, com foco no
acompanhamento destes pacientes até o momento da alta hospitalar e/ou
fonoaudiológica. Ainda são limitados os trabalhos que realizam análise
detalhada das relações entre a gravidade do TCE, as alterações de
deglutição, o tipo e resultados dos principais tratamentos.

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caso clínico

Caso clínico
Paciente: JP
Sexo: Masculino
Idade: 24 anos
Atendimento hospitalar

HD: TCE por arma branca com fratura temporal/ HSA/ hemorragia
intraparenquimatosa fronto-parieto-occipital E/ Insuficiência respiratória –
trauma x broncoaspiação/ Afasia (?).

Dados da avaliação fonoaudiológica: Compreensão para comandos


simples, TQT em nebulização, sonda nasoenteral (SNE). Estrutural:
redução de força e mobilidade de OFAs, sialorreia. Blue Dye Test – sem
saída de resíduo azulado. Apresentou fonação com oclusão digital.
Atendimento 3x/semana.
Mudança de SNE para gastrostomia exclusiva.

Gabarito da tarefa
Script de avaliação
· Antes de atender
o Li o prontuário com mais profundidade e vi que o jovem
paciente sofreu um assalto violento e que estava estudando
Medicina na universidade de uma cidade diferente da natal,
onde está internado há 45 dias. Quem o está acompanhando
é a mãe, hospedada aqui no hospital para ajudá-lo desde
então. Como de costume, não encontrei dados sobre
comunicação entre cuidador e paciente, mas li que ele tem
estado mais alerta nos últimos três dias. Paciente passou por
intubação orotraqueal (IOT) durante 6 dias para cirurgia de
drenagem de hematoma subdural.

o Fisio refere que o paciente está com cuff insuflado e que


tem sido difícil desinsuflar por mais de 5 minutos em suas
sessões respiratórias. Refere que paciente está cada dia
menos secretivo.

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caso clínico

o Entro em contato com o fonoaudiólogo que avaliou o caso


para saber mais sobre os achados clínicos e o mesmo refere
que atendeu o paciente quase dormindo e achou muito grave
o prognóstico, e que por isso, temendo o tempo em que
ficaria sondado, sugeriu gastrostomia (ainda que achasse
que não estava broncoaspirando saliva e não tendo testado
qualquer consistência alimentar). Perguntei o que ele
achava, caso eu o encontrasse melhor cognitivamente e
fosse possível reavaliação da conduta prescrita de
gastrostomia, e ele concordou. Eu jamais poderia tomar outra
conduta sem conversar com o terapeuta anterior, porque
além de ferir o código de ética, poderia não ter dados
importantes para o atendimento.
o Realizo visita para conhecer paciente e cuidador e coletar
história para melhor avaliação. Mãe presente,
profundamente abalada, refere que paciente emite sempre
os mesmos jargões: “claro, claro” e parece não estar muito
“ligado” no que está acontecendo. Diz que não estão se
comunicando muito, porque somente há poucos dias ele tem
estado mais acordado. Mãe refere que ele mora com 2
amigos no interior do estado e que é extremamente
estudioso, gosta de esportes, principalmente corrida de rua, é
inteligente e apaixonado por carros. Sobre as preferências
alimentares, referiu que ele tem uma dieta “fit”, sem
carboidratos, mas que gosta muito de banana, feijão e açaí
na tigela. Os assuntos de maior interesse na faculdade que
frequenta em período integral são Cardiologia e Psiquiatria.
o Pedi à Nutrição uma porção pequena de bananas
picadas, uma porção mínima de banana amassada, um
caldinho líquido de feijão quente e agendei horário para pegar
e passar no leito para avaliação.

· Avaliação
Quando entro no quarto, encontro paciente no leito, alerta, não
contactuante de forma ocular e aparentemente articulando oralmente, mas
sem emissão sonora devido ao uso de traqueostomia plástica, cânula de 12
mm, cuff insuflado, em nebulização. Uso exclusivo de gastrostomia (pois é;
quando cheguei, o paciente já tinha realizado a cirurgia para gastro).

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caso clínico

Inicio realizando cumprimentos sociais gestuais para avaliar a


compreensão de saudações e estendo meu braço para o paciente na
intenção de que a resposta fosse um aperto de mão. Ao me aproximar pelo
lado esquerdo do leito (porque devido à lesão, suspeitei de uma possível
hemiparesia direita – que se confirmou), paciente estendeu a mão com
tremor, mas em direção ao meu rosto e não as minhas mãos, realizando
uma expressão simpática; porém, extremamente lentificada. Observo
também que não há troca de olhar.
Paciente aparentemente apático, mas quando tenta corresponder ao
aperto de mão, esboça um leve sorriso, sem olhar pra mim. Noto que há
uma grande possibilidade de baixa acuidade visual e pergunto à cuidadora
se ele faz uso de óculos. A mãe busca os óculos no fundo dos armários.
Pego os óculos, guardo em meu bolso e tento que ele foque o olhar em mim
pra que eu ofereça um modelo de exploração do objeto concreto. Peguei na
mão esquerda dele, chamando a atenção com um aperto e ele buscou meu
olhar. Peguei um celular e finji escrever uma mensagem, mostrei pra ele e
em seguida ofereci seus óculos na mão que eu segurava antes. Paciente
imediatamente leva os óculos em direção aos olhos, de forma lenta e
trêmula; porém, tenta encaixar as hastes antes dos olhos. Demonstra
reconhecimento do objeto, então coloco a mesa hospitalar próxima a ele e
ofereço caneta e papel (paciente sentado a 90 graus, com ajuda de apoios
em almofadas).
Quando dou a caneta na mão esquerda, paciente faz uma pega como
um destro, querendo usar o membro, e acessa o papel. Quando percebo
mais um reconhecimento funcional de objeto, noto que não há sinais de
escrita, apenas rabiscos sobrepostos. Aproveitando a mesa, coloco uma
foto de um celular e de um sabonete e peço que ele olhe, usando os óculos.
Vejo que ele consegue pegar as fotografias. Ele pega lentamente, observa e
eu coloco-as novamente na mesa, retiro meu celular do bolso e fico
passando entre uma figura e outra até que coloco o celular sobre a foto do
celular. Neste momento, paciente começa a babar e entra em sono
profundo.
Pergunto à mãe que música ela se lembrava que ele gostava e ela
disse “Jota Quest”. Coloco, então, em som baixo, próximo às orelhas, para
ver se a música poderia despertá-lo, e ele inicia novamente abertura ocular.
Começo a cantar olhando pra ele e, pela primeira vez na sessão, ele me
olhou nos olhos e esboçou articulação, que me pareceu “claro, claro”,
sorrindo.

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caso clínico

Mostro a ele novas fotos, agora uma pera e uma caneta e dou a
caneta na mão dele pra observar se ele escolheria a foto certa para
representar o objeto. Ele, muito lentamente, colocou na figura correta.
Mostro agora as fotos de um controle remoto e de uma escova de dentes e
ofereço o controle remoto. Novamente, com muita lentidão, o paciente
coloca o controle sobre a foto que o representava. A mãe, que foi orientada a
não se expressar durante os testes, sorria e eu também, sem esboçarmos
nenhuma palavra.
Com esses testes, pude perceber que o paciente se comunicaria por
gestos, mímica facial, objetos ou representações, como fotos. Restava
saber como estava a compreensão de leitura e a auditiva. Dessa vez, pego
figuras de palavras escritas “caneta” e “celular”, pego novamente meu
celular, olho pra ele e para as duas figuras, e coloco o aparelho sobre sua
respectiva palavra escrita. Agora, coloco sobre a mesinha dele as palavras
escritas “controle remoto” e “escova de dentes” e mostro foto de “escova de
dentes”; paciente coloca a palavra na foto correta. Repito com mais duas
sequências, todas com resultado positivo, demonstrando compreensão de
leitura simples.
Agora, finalmente, posso falar na sessão (rs)! E então, pego duas
fotos, uma de praia e outra de carro, e solicito: “Qual é o carro?” - E balanço
as cartas: “esse” ou “esse”? Ele aponta para o carro! Repito a sequência
com outras cartas e ele acerta também. E então, começo perguntas do tipo:
“Seu nome é X?” Ele faz que sim com a cabeça. Em seguida, pergunto “aqui
é sua casa?”, ele também faz que sim, pergunto: “hoje é sábado?” (mas era
terça) e ele novamente balança a cabeça dizendo que sim. Neste momento,
percebo que existe uma dificuldade de compreensão auditiva quando não
tem apoio visual, ou de objetos, ou de mímica e/ou gestos, o que demonstra
uma compreensão auditiva moderadamente comprometida.

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caso clínico

Com esses dados, conto pra ele que descobri do que ele gostava e mostro
bananas picadas! Ele sorri e eu digo que vou tentar ver se hoje ele
conseguiria provar ou pelo menos sentir o cheiro, mas que pra isso eu
precisaria cuidar da traqueo (aponto pra ela, enquanto falo). E então, realizo
aspiração traqueal e observo secreção em baixa quantidade, incolor e
levemente espessa, o que demonstra uma possível ausência de
broncoaspiração de saliva. Paciente se recupera da aspiração e reintroduzo
a sonda traqueal para aspirar a secreção supra cuff, ou seja, a secreção que
cairá enquanto eu desinsuflo o cuff com o cuffômetro. Noto quase nenhuma
secreção. Paciente mantendo entre 96 e 92% de saturação de oxigênio
durante o procedimento e frequência cardíaca se eleva de 75 a 90 bpm;
paciente tossindo intensamente (sem som) e conforme foi se recuperando, a
FC foi baixando e a saturação aumentando, dentro dos intervalos descritos.
Opto pela oclusão digital, aguardo respiração e peço que o paciente
diga “aaaaaaa”, paciente diz “piiiiiii”. Apresento modelo visual e paciente não
consegue repetir. Testo automatismos, pedindo que ele conte até 10 e inicio
“1, 2...” e ele diz “claro, claro, claro”; porém, mantendo a prosódia de
contagem numérica. Observo sinais claros de apraxia de fala e bucofacial.
Paciente com qualidade vocal levemente soprosa, loudness fraca e pitch
agravado. Aproveitando a oportunidade, peço tosse e pigarro (com modelo
visual e auditivo), e paciente também não realiza de forma adequada.
Ainda com cuff desinsuflado e paciente se mantendo estável, opto por
ocluir a cânula com micropore e noto deglutições espontâneas de saliva (em
média, a cada 8 segundos), sem sinal clínico sugestivo de
penetração/aspiração laringotraqueal.
Apresento o cheiro e as bananas picadas, uma foto da banana e
palavra escrita “banana”. Paciente mantém-se atento; opto por sujar colher
de café, mas vejo que ela é de plástico descartável e, por segurança,
escolho sujar um abaixador de língua, posicionando como uma colher na
mão do paciente. Mostro meu modelo com a colher. Paciente muito
lentamente alcança cavidade intraoral, realiza captação eficiente do
estímulo gustativo, manipulação intraoral lenta, mas com rápido disparo de
reflexo de deglutição (cerca de 11 segundos após captação labial).

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caso clínico

Observo movimentos com simetria facial; porém, paciente começa a entrar


em sonolência novamente. Opto por reinsuflar o cuff, acordo o paciente com
o mini Genius e noto baixa memorização de sequências simples de sons
associados às cores. Realizo aspiração endotraqueal, paciente com quase
nenhum volume de secreção supra e infra cuff. Peço que mantenha
decúbito a 90 graus por 40 minutos, paciente novamente adormece. Realizo
orientações, explico conclusões clínicas e estabeleço contrato terapêutico.

(Isso não foi um relatório, ok? No relatório, você demonstra os resultados da


avaliação de mímica, fala, deglutição, linguagem e cognição, de forma
resumida, conclusão e condutas. Só).

· Conclusão
o Paciente com compreensão preservada para objetos, fotos,
gestos, expressões faciais e leitura de palavras e
moderadamente comprometida na modalidade auditiva. Sugiro
conversação com frases curtas, diretas e associadas a gestos,
mímica, fotos ou objetos. A expressão escrita é proporcional à
fala, com importante apraxia e emissão do jargão “claro, claro”.
o Foco atencional prejudicado por dificuldade de manutenção da
vigília, memória operacional comprometida, funções motoras de
planejamento e execução alteradas, processamento visual
preservado e baixa acuidade visual, sendo necessário uso de
óculos.
o Fala caracterizada pelo uso prolongado de IOT e TQT,
necessitando de treinamento respiratório para adaptação vocal.
Observo lentificação articulatória, dificuldade respiratória,
fonação com loudness fraca, pitch agravado e presença de
rouquidão.
o Ainda em avaliação de deglutição, com possível introdução de
volume na próxima sessão (paciente dormiu na sessão).
Observo deglutição eficiente de saliva com e sem estímulo
gustativo, sem o uso do cuff, com tamponamento da cânula de
traqueostomia.

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caso clínico

· Conduta
Sugiro atendimentos fonoaudiológicos diários, com os seguintes
objetivos:
o Treino de produção oral dos fonemas da língua portuguesa
com modelo visual (FonoSpeak - aquisição de fonemas),
músicas e automatismos associados à leitura, escrita e
compreensão auditiva. Adaptação de tempo prolongado de
tamponamento da cânula de traqueostomia e discussão de
protocolo de decanulação junto à fisioterapia e introdução de
comunicação alternativa com alfabeto e palavras mais
usuais, para facilitar a conversação.
o Treinamento de memória visual, auditiva, tátil, olfatória
associando estímulos a sequências como frutas x odores.
Discussão sobre prognóstico clínico da sonolência e
treinamento das funções executivas por meio de uso
funcional dos objetos e atividades de vida diária.
o Introdução da dieta oral de forma progressiva, com
sensibilização laríngea associada, por meio do protocolo de
decanulação e manobras de proteção das vias aéreas, que
consistirão em exercícios vocais (fricativos, vibrantes,
glissandos) para também adequar fala.

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Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA)

Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA)

A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é, dentre as doenças


neuromusculares, uma das mais frequentes e se caracteriza por um
comprometimento do neurônio motor superior e/ou inferior. Além de
neuromuscular, é degenerativa progressiva, devido à alteração nas células
dos neurônios motores não somente do tronco cerebral, mas também da
medula e das vias córticoespinhais e bulbares, que são responsáveis pelo
controle dos movimentos voluntários. Observa-se incidência entre dois e 16
casos novos a cada 100.000 pessoas.
Por ser uma doença que ameaça à vida, os indivíduos que sofrem de
ELA devem ser cuidados por uma equipe multidisciplinar que objetive
promover sua qualidade de vida desde o diagnóstico da doença. O alívio do
sofrimento multidimensional deve ser o principal foco da equipe de cuidado.
A expectativa de vida na ELA ainda é objeto de estudo, é multifatorial e
depende de fatores como apresentação clínica, taxa de progressão da
doença, insuficiência respiratória precoce e estado nutricional. No geral, os
indivíduos acometidos apresentam expectativa de vida em torno de três a
cinco anos, após o início dos sintomas. Broncopneumonia seguida de
pneumonia por aspiração são as principais causas de morte.
Os sinais e sintomas da doença são: fraqueza progressiva, atrofia
muscular, fasciculações, câimbras musculares, espasticidade, disartria,
disfagia, dispneia e labilidade emocional. Em aproximadamente um terço
dos pacientes, os músculos bulbares são afetados primeiro e os sintomas
iniciais consistem em disartria e disfagia, acarretando prejuízos em todas as
fases da deglutição.
A disfagia afeta aproximadamente 85% dos pacientes de ELA e pode
levar a complicações como desnutrição, desidratação, pneumonia
aspirativa, insuficiência respiratória, redução da qualidade de vida e
isolamento social. É um dos sintomas mais frequentes na ELA, pois os
núcleos motores dos pares cranianos IX, X, XI e XII e o trato corticobulbar
sofrem degeneração progressiva, causando redução da força e atrofia dos
músculos envolvidos na deglutição. Portanto, a disfagia orofaríngea está
presente na ELA em diferentes estágios da doença, comprometendo a
segurança e a eficiência da deglutição, bem como a oferta de alimentação
por via oral.

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Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA)

As diretrizes recomendam aos fonoaudiólogos que avaliem e


gerenciem os sintomas bulbares em pacientes com ELA; e estudos
mostraram que a intervenção e o monitoramento anteriores melhoram os
resultados da disfagia em pacientes com ELA, cujos cuidados são prestados
por uma equipe multidisciplinar que inclui neurologista e fonoaudiólogo. Para
diagnosticar e tratar efetivamente a disfunção da deglutição em um paciente
com ELA em uma equipe multidisciplinar, o neurologista precisa entender as
práticas clínicas atuais dos fonoaudiólogos.

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caso clínico
Caso clínico
Paciente: MNRBNS
Sexo: Feminino
Idade: 67 anos
Atendimento domiciliar

Diagnóstico: ELA bulbar/ Paralisia Bulbar Progressiva (A/E).

Avaliação Inicial
Queixa: Dificuldade para alimentação.
Histórico: Iniciou dificuldades de manter lábios ocluídos há cerca de 6 meses,
quando iniciou terapia fonoaudiológica com especialista em MO. Por observar
piora dos sintomas, apesar da terapêutica, fonoaudióloga encaminhou caso
para avaliação de neurologista, que encaminhou caso para fono especialista
em neurologia. Foi avaliada por Fga. Paola, que indicou suspensão de
alimentação por via oral, VAA e encaminhou para avaliação de nutricionista.
Foi indicada GTT, porém paciente não aceita indicação e opta por manter
alimentação por via oral (dieta geral). Paciente apresentou perda ponderal
importante no último ano (cerca de 8-9 Kg) e iniciou quadro de depressão
após falecimento do marido (há cerca de dois anos).
AP: HAS controlada, hipoacusia (PANS em ambas as orelhas de grau
moderado - presbiacusia).
Medicação atual: Amitriptilina (medida xerostômica - 1/2 comprimido),
medicação para controle de pressão arterial.

Avaliação Estrutural
Redução de força de orbicular de lábios, bucinadores, masseteres e terço
anterior, médio e posterior de língua.
Redução de mobilidade de bochechas (bucinadores), orbicular de lábios,
masseteres, movimento de lateralização, protrusão e retração de língua
voluntariamente. Postura habitual de mandíbula inferiorizada e lábios
desocluidos com língua no assoalho ( devido à fraqueza de musculatura-
paciente e família referem respiração nasal e ausência de alterações de VAS
importante até inicio da queixa).Presença de fasciculação em língua e m.
mentual.
Presença de prótese dentária fixa superior e inferior.
Sinais vitais: 96% Sp O2 e FC 57 bpm
Reflexo de GAG presente
Ausculta pulmonar sem ruídos adventícios evidentes.tivos, vibrantes,
glissandos) para também adequar fala.
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caso clínico
Tosse voluntária fraca e ineficaz
Face simétrica aos movimentos de mímica
Escape de ar nasal (em espelho milimetrado) para as fonemas /a/, /i/ e /p/.
Disartria flácida (amplitude de movimentos articulatórios reduzida,
articulação imprecisa de consoantes, hipernasalidade, monopitch,
monoloudness, redução da velocidade de fala, tempo máximo de fonação
reduzidos, qualidade vocal rugosa e soprosa, incoordenação
pneumofonoarticulatória).
Alteração em gerenciamento de saliva: redução de frequência de deglutição
de saliva (2 deglutições espontâneas – TTO lento e deglutição incompleta –
ao longo de 1 minuto). Escape anterior de saliva em grande volume durante
avaliação.
Sensibilidade extraoral preservada em terço médio e superior. Alteração de
sensibilidade extraoral em terço inferior.

Avaliação Funcional
Café-da manhã do início ao fim: pão de forma com presunto e queijo
tostado, banana amassada (com suplementos alimentares, aveia, açúcar e
leite em pó), suco de caixinha (250 ml com canudo do líquido néctar/suco de
pêssego). Oferta independente.

Observo:
Paciente inicia refeição por pão recheado e tostado, com escape importante
de saliva. Dificuldade de captação e contenção oral do alimento. Observo
tempo de trânsito oral demasiadamente lento, com preparo oral alterado
(mastigação ineficiente com movimentos reduzidos e verticais de
mandíbula, redução da mobilidade de língua e dificuldade de centralização
do bolo alimentar para ejeção). Deglutições sistemáticas, múltiplas e
ineficientes com escape anterior de 100% do volume de oferta. Observo
alteração de qualidade vocal (voz molhada), tosses reflexas fracas e
ineficazes, além de alteração da ausculta cervical durante deglutição.
Mandíbula em posição inferiorizada e lábios desocluídos durante deglutição.
Paciente desiste do alimento por dificuldade de desempenho e opta banana
amassada com colher de sopa. Observo dificuldade de captação oral,
tempo de trânsito oral lento, deglutições múltiplas fracionadas com lábios
entreabertos e presença de escape anterior de cerca de 30% do volume.
Presença de engasgos, pigarros, tosse e alteração de qualidade vocal (voz
molhada) e ausculta cervical durante e após oferta. Engasgos de
recuperação rápida. Ao final, observo tosses em salva e escape nasal de
saliva misturada ao alimento.
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caso clínico

Paciente opta por interromper refeição. Solicito deglutição de um gole do


suco para avaliação e paciente apresenta dificuldade de captação oral
com canudo, escape anterior de 100% do volume ofertado (misturado à
saliva), engasgo, tosse, escape nasal do líquido e saliva. Aguardo
recuperação do engasgo e paciente mantém voz molhada e ausculta
cervical alterada. Manifestando desconforto e cansaço, paciente finaliza
refeição.
Houve oscilação da saturação de O2 durante refeição, com mínima de
92% e rápida recuperação (mensuração não confiável, pois
equipamento perdeu estabilidade durante momentos de tosse e
engasgos).

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caso clínico

Gabarito da tarefa
Proposta terapêutica
A primeira abordagem de toda sessão era a orientação: a Fono
explicava para a paciente quais eram as consistências mais seguras e a
forma mais segura de se alimentar. Também era realizado um treino com o
alimento que ela costumava comer, para adaptar e diminuir os riscos,
sempre visando favorecimento da ejeção, redução de risco de fadiga,
começando por alimentos mais fibrosos e difíceis de triturar e deglutir (tendo
mais sucesso inicialmente e deixando os alimentos mais fáceis para o final,
quando ela já estivesse cansada).
Com relação aos exercícios, foram trabalhados muitos exercícios
passivos, com apoio de estímulo tátil, térmico e gustativo (geralmente,
combinados).
· Alongamento passivo
o Protrusão, retração e lateralização de língua;
o Mobilização de lábios;
o Mobilização de orbicular de lábio, bucinadores e
masseteres.
· Fala hipernasal
· Mobilidade laríngea passiva, inserindo exercício ativo
o Elevação laríngea: protrusão passiva da língua com
emissão de “iii” hiperagudo
· Estímulos térmicos e gustativos
· Deglutição de saliva
· Exercícios para o véu palatino (sempre com imagem mental do
exercício antes, devido à dificuldade para executar)
o Falar “ga”, “ka”
o Não era possível realizar exercício de sopro, porque a
paciente tinha dificuldade para vedar os lábios
· Exercícios de fala
o Tempo máximo fonatório, com ambu (emitindo “a”, depois
“i”)
o Fonação inspiratória
o Exercícios de articulação (produção de vogais)
o Apoio da CSA para a paciente conseguir se expressar

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caso clínico

Apesar de todo o trabalho desenvolvido, essa paciente piorou


gradualmente, de forma muito rápida. Não era uma paciente que realizava
os exercícios fora da sessão e provavelmente isso colaborou bastante para
a piora do quadro. Conforme o tempo foi passando, a equipe começou a
perceber perda de funções cognitivas, o que intensificou a piora. Além disso,
a paciente chegou a cair dentro de casa e teve um TCE durante o tratamento
da ELA (o que impactou ainda mais).
Houve também decisões médicas que acabaram interferindo na
evolução, como a aplicação de toxina botulínica em glândulas salivares.
Tudo indica que teve um extravasamento do botox para a musculatura
adjacente e a paciente perdeu ainda mais a função.
Com a progressão da doença, a paciente passou a ter pneumonias
de repetição, foi encaminhada a vários pneumologistas a pedido da Fono
e da Fisio que estavam no caso, mas infelizmente não recebeu a
orientação adequada, optou por tirar férias do tratamento, viajou no final
do ano e nessa viagem de avião, com a pressurização, ela teve um mal
estar quando chegou ao destino, foi para o hospital, teve uma queda
significativa de oxigenação e, infelizmente, a equipe optou por coloca-la
no oxigênio, embora a Fono tivesse orientado diversas vezes sobre a
importância de não colocar essa paciente no oxigênio e sempre preferir a
ventilação mecânica. A paciente foi a óbito por conta dessa má conduta,
infelizmente.
Esse foi um caso extremamente delicado, daqueles que precisam
ser acompanhados de perto, orientando muito a família e os cuidadores,
porque é possível perceber que ainda não se tem um atendimento de
emergência qualificado para pacientes com doenças neuromusculares.

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Doença de Alzheimer
Doença de Alzheimer
A doença de Alzheimer (DA) é a patologia neurodegenerativa mais
frequente associada à idade e tem como característica a perda progressiva
da memória e de outras funções cognitivas, trazendo prejuízo ao paciente
em suas atividades de vida diária e em seu desempenho social e
ocupacional. A DA é comumente dividida em três fases – leve/inicial,
moderada/intermediária e grave/final – de acordo com o nível de
comprometimento cognitivo e o grau de dependência do paciente.
Na fase leve, o indivíduo mostra queda significativa no desempenho de
tarefas instrumentais da vida diária, mas ainda consegue executar as
atividades básicas, mantendo-se independente. Na moderada, o
comprometimento intelectual é maior e o paciente passa a necessitar de
assistência para realizar tanto as atividades instrumentais como as
atividades básicas do dia a dia. Na fase grave da DA, o paciente geralmente
fica acamado, precisando de assistência integral. Nessa fase, o paciente
pode apresentar dificuldades de deglutição, sinais neurológicos,
incontinência urinária e fecal.
A população idosa vem aumentando há anos e isso se tornou um
fenômeno mundial. Com o envelhecimento populacional, tem acontecido
também um aumento das doenças crônico-degenerativas relacionadas à
idade, como as demências. A DA é a causa mais frequente de demência,
representando 50% a 70% dos casos. A prevalência da DA após os 65 anos
de idade duplica a cada cinco anos.
Segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2025
o Brasil será o sexto país em contingente de idosos, com cerca de 32
milhões de pessoas com 60 anos ou mais.
Características genéticas mais fatores ambientais ainda não
identificados levam a perda progressiva de neurônios e às manifestações
clínicas da DA. Em linhas gerais, ocorre a deposição de duas proteínas
(Beta-amilóide e Tau) que existem normalmente no cérebro como parte dos
neurônios que são metabolizados de maneira anormal nessa doença,
ocorrendo a morte dos neurônios.

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Doença de Alzheimer

Como exemplos dos sintomas da DA, podem ser citados:


· Dificuldade em lembrar: recados e compromissos, nomes de
pessoas, onde foram guardados objetos;
· Tendem a repetir as mesmas perguntas ou contar as mesmas
histórias;
· Dificuldade em controlar as próprias finanças;
· Abandono de passatempos;
· E outros.

Na avaliação de linguagem, o fonoaudiólogo deve realizar baterias


padronizadas para a produção e compreensão de linguagem oral e
escrita. Além disso, testes adicionais para problemas específicos de
linguagem devem ser incluídos na avaliação, como pragmática,
semântica, sintaxe, fonologia e memória. Entre os testes mais usados
estão: Arizona, Boston, Boston Naming Test, FAZ.

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caso clínico

Caso clínico
Paciente: IPC
Sexo: Feminino
Idade: 89 anos

Moradora de casa de repouso.


Diagnóstico de Alzheimer há 12 anos.
Pneumonias de repetição nos últimos 4 meses, já tratadas.
Inapetência alimentar.
Dieta geral liberada.

Gabarito da tarefa
Roteiro de investigação
· Qual a rotina da clínica, com os pacientes?
· Alguma atividade de estimulação é oferecida a eles? Se sim, qual, e
com que frequência?
· Tem atendimento de fisio, TO e outros?
· Qual a frequência das visitas familiares?
· Ela se alimenta sozinha?
· Engasga com frequência?
· Tosse durante as refeições?
· Apresenta mudança na voz depois de se alimentar?
· Conversa com os colegas?
· Passa a maior parte do tempo de que jeito? Vendo TV, deitado,
sentada sozinha?
· Gosta do quê?
· Preferências de entretenimento, filmes, músicas, atividades.

Avaliação
· Mímica facial
· Linguagem
o Solicitar da família algum álbum de fotos para nomeação dos
familiares.
o Nome completo, idade, aniversário, quantos filhos, etc.
o Mostrar figuras diversas para nomeação, repetição de palavras
e frases, memória dessas mesmas figuras.

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caso clínico

o Orientação do uso do quadro de rotinas de possibilidades


com figuras auxiliares.
o Complementação de frases, letras de música.
o Expressões idiomáticas.
o Uso de figuras de linguagem não verbal.
o Resolução de problemas
§ Dar uma orientação com 3 ordens e observar a
resposta.
§ Falar o máximo de animais que conhece, ou frutas.
· Deglutição
o Fase antecipatória: ver programação, trânsito oral,
mobilidade, velocidade, mastigação eficiente ou não, disparo
do reflexo, com ausculta, deglutição de saliva e testagem
com as consistências.
o Uso da ETTGS, para os estímulos intra e extraoral, para
sensibilidade e para chamar a memória nominal.
o Orientação de uso das manobras de proteção das vias
aéreas inferiores, com uso do espelho para apoio cognitivo.

· Fala
o Articulação dos sons, presença de nasalidade.

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Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)

Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)

A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é a quarta causa de


mortalidade no mundo e a Organização Mundial da Saúde (OMS) projeta
que a doença se torne a terceira mais frequente causa até 2020. É uma
doença de alta prevalência, alta taxa de mortalidade e associada a diversas
comorbidades, gerando alto custo aos sistemas de saúde e prejuízos na
autonomia e qualidade de vida dos doentes e seus familiares.
Como a grande maioria dos casos de DPOC tem origem no tabagismo
e na inalação de substâncias tóxicas ao pulmão, vou citar aqui como a
doença se desenvolve devido a esses fatores, embora existam outros
fatores desencadeantes da doença, que falaremos mais adiante, ok?
O sujeito tabagista, quando inala a fumaça do cigarro ou de outras
substâncias, passa a “irritar” todo o trato respiratório devido ao contato de
substâncias tóxicas com o epitélio pulmonar. À medida que a pessoa
persiste inalando essas substâncias, ocorre o desencadeamento de
processos inflamatórios no pulmão, fazendo com que o organismo, como
forma de proteção, recrute “agentes” para combater as reações.
Uns dos principais agentes recrutados nesse combate às substâncias
tóxicas são os neutrófilos. Os neutrófilos são células de ação muito potentes
(eles chegam “com tudo” contra o processo inflamatório). Por serem muito
potentes, embora protejam o corpo, essas células agem sem muito critério
e, ao combater a ação dessas substâncias, acabam por lesar parte do
epitélio pulmonar. É claro que o corpo tenta se proteger dessa ação não
desejada dos neutrófilos com inibidores da sua ação (chamadas proteases).
Entretanto, a exposição contínua à fumaça do cigarro ou demais patógenos
faz com que a resposta dos neutrófilos seja cada vez mais potente e esses
inibidores acabam não conseguindo desempenhar o papel protetor que
deveriam cumprir.
Com os neutrófilos atuando com muita força e a todo tempo no corpo
de um tabagista, o epitélio pulmonar e os alvéolos passam a ser danificados
constantemente, culminando em uma série de alterações importantes
nessas estruturas.

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Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)

Nos brônquios, ocorre um espessamento da parede (devido ao


constante reparo às lesões produzidas pelos neutrófilos) e redução de
células ciliares (que ajudam a limpar possíveis resíduos do ar e ajudam a
remover secreções). Também ocorre produção de muco pela própria
proteção do tecido, que ali fica acumulado pela falta de ação das células
ciliares. A somatória desses prejuízos leva ao estreitamento da passagem
do ar nos brônquios. Esse quadro é chamado de sintomas ou alterações
bronquíticas.
Já pensando nos alvéolos, o principal prejuízo causado pelo processo
inflamatório é a perda da elasticidade (lembra que falamos ali em cima?). Os
alvéolos ficam “inchados” e perdem a capacidade de expulsar o ar do
pulmão. Tanto a complacência quanto a elastância dessas estruturas fica
comprometida, diminuindo a “força” que essas estruturas antes tinham de
“expelir” o ar (rico em CO2) para fora dos alvéolos e, portanto, dos pulmões.
Essa disfunção dos alvéolos é chamada de enfisema.
A DPOC é, então, uma combinação de sintomas bronquíticos e
enfisematosos que podem aparecer em maior e menor grau na doença,
provocando a restrição do fluxo aéreo e afetando o fluxo expiratório. Trata-
se, então, de um distúrbio obstrutivo.
Inicialmente, o doente pode apresentar dispneia leve e tosse somente
aos esforços. Porém, com o curso da doença, pode haver progressão dos
sintomas com piora da dispneia (cansaço aos mínimos esforços, como
trocar de roupa, ou ir até a mesa para alimentar-se); tosse crônica e
expectoração constante, com grande quantidade de muco/catarro; e queda
na saturação de oxigênio periférica, podendo afetar, inclusive, função
cardíaca e renal, em fases mais avançadas da doença. Vale lembrar que a
doença pode estar associada à depressão (especialmente pelas limitações
físicas que impõe), obesidade (também pela redução da mobilidade) ou
desnutrição (por possível perda de apetite, dificuldade de alimentar-se e
grande gasto calórico para conseguir respirar). Existem estudos que
também associam alterações cognitivas à DPOC.

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Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)

Esse processo inflamatório, uma vez estabelecido, é crônico,


progressivo e a evolução e prognóstico parecem estar relacionados a
fatores genéticos do próprio indivíduo.
As causas da doença podem ser diversas. Entretanto, estima-se
que mais de 90% dos casos está relacionado ao tabagismo. Veja
demais importantes causas da doença:
Ambientais
- Exposição à queima de biomassa (madeira, carvão vegetal etc.);
- Exposição a irritantes químicos;
- Poluição extra e intradomiciliar (fogão à lenha, por exemplo).
Do próprio hospedeiro:
- Condição genética, atribuída à deficiência de alfa1-antitripsina
(proteína que colabora na “proteção” dos pulmões frente a respostas
inflamatórias);
- Crescimento pulmonar reduzido ou infecções pulmonares recorrentes
na infância;
- Desnutrição;
- Hiper-responsividade brônquica. tem estudos que também associam
alterações cognitivas à DPOC.

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caso clínico

Caso clínico
Paciente: DP
Sexo: Feminino
Idade: 86 anos

Atendimento domiciliar.
Diagnóstico: Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) e Bronquite.
Episódios de microaspirações.

Está sendo acompanhada há aproximadamente 1 ano.


Foi ensaiada alta algumas vezes, mas a paciente acaba tendo outras
intercorrências clínicas e fica muito insegura em relação à alta. Adora
fazer terapia fonoaudiológica e a pneumologista sugere manter como
prevenção. Porém, paciente nunca mais teve broncopneumonia.
Fonoaudióloga estava indo a cada 15 dias, mas o tratamento foi
intensificado para 2x na semana, depois de dois quadros seguidos de
bronquite.
Houve um episódio em que paciente estava muito cansada e caiu em
casa quando a fono ainda estava lá. Foi ao médico e ficou hospitalizada,
mas teve alta breve. Houve suspeita de AVE transitório, a ser confirmada
por uma bateria de exames. Paciente estava clinicamente bem.
O trabalho passou a ser de manutenção: Força e mobilidade de OFAs,
elevação laríngea e voz. Ao final, da sessão é sempre realizada
avaliação de deglutição de líquido e, às vezes, alimento. Paciente está
orientada a deglutir sempre duas vezes, com cabeça baixa e com força.
Sra DP tem espessante, mas não gosta de usar. Como está bem, foi
orientada a usar quando estivesse cansada, ou sentindo que por algum
motivo não está bem.

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Infecção do Trato Urinário (ITU)

Infecção do Trato Urinário (ITU)

A infecção do trato urinário (ITU) está entre as mais frequentes


infecções bacterianas que acometem o ser humano, sendo a segunda
infecção mais comum. A infecção urinária pode ser apenas uma cistite
(quando compromete somente o trato urinário baixo) ou afetar
simultaneamente o trato urinário inferior e o superior, resultando em
infecção urinária alta, também chamada de pielonefrite.
Esse tipo de infecção é mais predominante entre mulheres, devido
à anatomia feminina: uretra mais curta e sua maior proximidade com
vagina e com ânus. Para os homens, os fatores que influenciam o
desenvolvimento de ITU incluem: a instrumentação das vias urinárias –
incluindo-se o cateterismo vesical - e a hiperplasia prostática. Em
indivíduos hospitalizados e nos idosos, as taxas de ITU também são
altas pelos fatores citados e por inúmeros outros, relacionados à faixa
etária.
As ITU adquiridas em hospitais são as nosocomiais mais
frequentes em todo o mundo, representando cerca de 50% do total das
infecções adquiridas em hospitais gerais e, em custo, 14% do valor total
dispendido com as infecções nosocomiais.
Alguns estudos têm sugerido que a presença de incontinência
urinária pode ser um fator de risco para a ocorrência de ITU na população
idosa. No entanto, ainda existem poucos estudos sobre como essa
disfunção contribui para a ocorrência de ITU nos pacientes idosos.
Uma hipótese é que a transmissão de bactérias durante os
cuidados com a incontinência, por má higiene das mãos e uso de
dispositivos absorventes, parece influenciar a transmissão de
microrganismos patogênicos, causando ITU em pessoas incontinentes.
Considerando esses fatores, não é uma surpresa que na prática
clínica as infecções urinárias sejam o tipo de infecção mais frequente
entre os idosos internados em instituições de longa permanência,
representando cerca de 15% a 30% de todas as infecções encontradas
nessa população e contribuem para a morbimortalidade nessa faixa
etária.

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caso clínico

Caso clínico
Paciente: GCC
Sexo: Feminino
Idade: 87 anos

Diagnóstico Médico: Herpes Zoster + AVEs + Declínio cognitivo (?) +


Meningite + Convulsões + ITU de repetição + 8 pneumonias aspirativas no
último ano.
Diagnóstico Fonoaudiológico: Disfagia orofaríngea grave + Disartria flácida
grave + Distúrbio linguístico-cognitivo + hipoacusia auditiva bilateral de
moderada a grave com protetização em orelha esquerda.

Histórico: Paciente realizando fonoterapia indireta (sem uso de alimento),


duas vezes por semana e seguindo há 6 meses a conduta de dieta via oral
zero após episódio grave de broncoaspiração. Família contatou equipe de
cuidados paliativos e busca nesta avaliação uma segunda opinião
fonoaudiológica à possibilidade de dieta de conforto ou terapia direta (com
uso de alimento).
Alimentação atual: Jejunostomia exclusiva (paciente com hérnia estomacal
impedindo gastrostomia).
Comunicação: Filha relata que paciente “deixou de falar há um mês” e que a
compreensão é questionável. Durante avaliação, observo: alterações
executivas; apatia; emissões de frases e palavras descontextualizadas (com
disartria flácida), mas em quantidade mínima; compreensão de ordens
simples parcialmente satisfatória; e comprometimento para compreensão
abstrata. Há possível reconhecimento das duas filhas presentes durante o
exame (paciente beija a filha ao se despedir).
Deglutição: Em órgãos fonoarticulatórios, noto: redução de força, mobilidade
e sensibilidade (pior à direita) de lábios, língua e bochechas; vedamento
labial satisfatório; e frequência de deglutição de saliva reduzida (em uso de
adesivo de escopolamina e com prescrição médica de propantelina). Inicio
estímulo tátil-térmico-gustativo por meio de suco gelado de lima-limão com
espátula em lábios. Paciente inicia abertura mandibular, realiza manejo de
saliva com tempo de trânsito oral aumentado e deglutição com elevação
laríngea adequada e tosses assistemáticas (sinais clínicos sugestivos de
penetração/aspiração laringotraqueal) após deglutições. Diante da reação
positiva ao estímulo gustativo, solicito 20g de alimento pastoso quente
(mingau) e realizo oferta. Paciente demonstra interesse e prazer durante
elaboração do bolo alimentar em cavidade oral, mas realiza novamente
deglutição tardia seguida de tosse.

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caso clínico

Proposta terapêutica: Estimular aumento da frequência de deglutições


da saliva, por meio da estimulação sensorial intra e extraoral, com
sorvete de creme homogêneo, sem volume (apenas gustativo e térmico),
em sessão de fonoterapia 3x/semana, com o objetivo de elaborar dieta
de conforto. Paciente recebe frequentemente aspiração orotraqueal.
Oriento família a evitar esse tipo de intervenção e treino cuidadoras para
estimulação intraoral térmica 3x/dia para substituir método. Na primeira
sessão fonoaudiológica, paciente apresentou dificuldades em aceitar
oferta de colher embebida em sorvete, segundo as cuidadoras, porque
havia sido recentemente aspirada e estava “assustada”. Insisto, paciente
realiza duas deglutições e nega nova ingesta. Opto pela interrupção
desta sessão e acordo com a família intervenção apenas com
consentimento da paciente.

Conclusão: Disfagia orofaríngea grave como principal diagnóstico


fonoaudiológico a ser tratado neste momento, com objetivo paliativo,
visando prazer alimentar, redução da sialorreia e conforto com mínimo
risco pulmonar possível.
Conduta: Fonoterapia 3x/semana com duração estipulada pela paciente.

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Bibliografia Utilizada/Sugerida
Artigos

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Linguagem e Cognição. São Paulo: Manole; 2005.
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Câmara DC, Menezes AK, Campos CMT. Atendimento interdisciplinar a
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Caramelli P, Barbosa MT. Como diagnosticar as quatro causas mais frequentes
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Cerqueira ATR, Oliveira NIL. Programa de apoio a cuidadores: uma ação
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Bibliografia Utilizada/Sugerida
Artigos

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Gozzer MM, Cola PC, Onofri SMM, Merola BN, Silva RG. Achados
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Bibliografia Utilizada/Sugerida

Disfagia: Prática baseada Distúrbios Neurológicos Cem Bilhões de


em evidências (Cláudia Adquiridos: Fala e Neurônios: Conceitos
Regina Furquim de Deglutição (Karin Zazo Fundamentais de
Andrade e Suely Cecília Ortiz). Neurociência (Roberto
Olivan Limongi). Lent).

Neurologia Básica para Sobotta – Atlas de Tratado de Neurologia da


Profissionais da Área de anatomia (cabeça, Academia Brasileira de
Saúde (Márcia pescoço e Neurologia (Joaquim
Radanovic). neuroanatomia). Pereira Brasil Neto e
Oswaldo M. Takayanagui).

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Bibliografia Utilizada/Sugerida

Fisiologia Respiratória: Fisiopatologia Pulmonar: Fisiologia Aplicada à


Princípios Básicos (John Princípios Básicos (John Fonoaudiologia (Carlos
B. West). B. West). Roberto Douglas).

Doença Pulmonar
Obstrutiva Crônica e
Tabagismo (Frederico
Leon Arrabal Fernandes,
Maria Vera Cruz de
Oliveira Castellano, José
Gustavo Barian
Romaldini).

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CRFa: 2-17855

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