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PUC-SP
Canibalismo e normalização
SÃO PAULO
2008
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Resumo
circunstância. Entre os ameríndios nos séculos XVI e XVII, estas práticas poderiam ser
índios também foi usada pelos colonizadores europeus como justificativa para a
enquanto tática de terror agrega todas estas outras formas de canibalismo. O que está em
jogo nesta circunstância não são os fatos propriamente ditos, mas o efeito do
justificativa para o saber psiquiátrico, e justifica a aplicação deste saber. Entre esses
chamados crimes sem razão, emerge – juntamente com novas técnicas e dispositivos de
expressed in different ways according to each society, place, time and context. Among
Amerindians in the 16th and 17th centuries, these practices could be identified in warrior
and death rites. However, anthropophagy among the indigenous people was also used
situations, in which cannibalism is the last resource for survival, are currently the only
acceptable circumstances for the practice. Cannibalism as a tactic of terror gathers all
these other circumstances. Instead of the facts, the effects of cannibalism in the
discourse are at stake. The third case analyzed in this dissertation is cannibalism as a
crime without a reason, which serves as justification for the psychiatric knowledge and
justifies its application. Along with new power technologies of the society of control,
and among the so-called crimes without a reason, another possibility of cannibalism in
notions and concepts of a few authors, namely Claude Lévi-Strauss, Michel Foucault e
Gilles Deleuze.
À querida Dodi, pela orientação, pelas conversas, pelo apoio, pela paciência,
trabalho. Ao Gus, Cabelo, Maurício, Edsinho, pela preocupação e ajuda no que foi
suculentas.
Mais uma vez ao Edson, Acácio, Gus, Cabelo, Bruno, Bia, André, Salete, Nildo
Ana Cristina pela atenção e preocupação. Aos meus irmãos e irmãs: Leon, João,
antropofagia ritual 18
os guerreiros wari’ 30
comer e copular 40
pacificação 53
etnocentrismo 54
sinônimo de indesejável 57
tática de terror 65
um novo perigo 97
voluntariedade 124
Referências 134
Notícias 143
Filmes 151
Discursos sobre o canibalismo
das novas terras. Não foi necessário muito tempo para se perceber os diferentes
costumes dos ameríndios que andavam nus e que eram, em grande número, comedores
de gente.
ela se origina no termo Karib, que se referia a alguns índios habitantes das Antilhas.
guerreiros de consumir a carne dos inimigos, a palavra karib foi transformada pelos
espanhóis em canibal, atribuída então à prática destes índios nos rituais antropofágicos.
portuguesa, canibal aparece sob a forma figurativa como “homem cruel, bárbaro feroz”,
foram encontrados, entre outros, os seguintes sinônimos para a palavra cannibal: brute,
entre animais, células, constelações, etc., de devorar os da mesma espécie (ou os iguais).
Apesar do canibalismo ser usado como sinônimo de antropofagia, existe uma pequena,
comer, se refere a comedores de homem. O canibalismo, por outro lado é utilizado para
caracterizar aqueles que comem os da mesma espécie. No âmbito das ciências sociais o
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termo mais usado para se referir às práticas de algumas sociedades ameríndias, é
antropofagia.
direciona a atenção para uma animalidade supostamente superada e quase extinta pela
impossível esquecer que somos, apesar de tudo, seres de carne e osso” (2004a: 104).
Além do que, a palavra canibal surgiu entre os colonizadores europeus para qualificar
Pierre Clastres demonstra ainda, a partir da sua experiência com os Guayaki, que
os próprios índios não chamam a si mesmos de canibais. Paulo Santilli, em seu artigo
intitulado “Trabalho escravo e brancos canibais” (2002), mostra que entre os Macuxi
existem narrativas originadas dos contatos entre índios e colonizadores que colocam os
Além disso, o canibalismo não é uma característica exclusiva destes povos ditos
primitivos. Jean de Léry (1980), cronista francês que viveu no Brasil entre 1556 e 1558,
relata em seu livro Viagem à Terra do Brasil sobre os eventos que presenciou em Lyon
e Auxerre em 1572, considerados por este muito mais cruéis e atrozes em relação aos
além dos casos particulares que se tem notícia durante todo o século XX.
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Entretanto, estes rituais dentro do contexto indígena continuam a ser uma
foram alvo de intervenções tanto por parte dos colonos europeus quanto dos jesuítas.
civilização ocidental por conter elementos inéditos, como o uso da internet em uma
psiquiatria e da medicina legal – voltaram a ser aplicados a ele, em especial com relação
ao caso do canibal Armin Meiwes uma vez que este explicita diversos elementos que
controle.
O que torna esta pesquisa relevante é a tentativa de compreender ao que nos leva
esta nova época e quais são estes novos mecanismos que, juntamente às práticas
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também, alertar para o cuidado com a naturalização de certos conceitos e práticas
utilizados nas sociedades ocidentais, que em sua reprodução nos fazem agentes da
algumas sociedades ameríndias, por exemplo, como demonstra Pierre Clastres (2003), o
todos as regras desta mesma sociedade, sem caber a ele julgar ou decidir qualquer coisa.
diferenciada dentro dessas relações entre poder, direito e verdade. Para o autor, a
menos a partir do século XVI, foram objeto de interferência por parte do direito, e fonte
Procurou-se fazer aqui, uma análise dos discursos que foram aplicados sobre as
práticas consideradas canibais, e dos discursos que emergem a partir destas práticas.
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A noção de uma análise discursiva foi pensada através de uma arqueologia do
análise.
Como ferramenta de análise, fiz uso dos conceitos e noções percebidos por
análise crítica das sociedades ocidentais através de uma percepção cotidiana das
homogêneas, que não existe uma visão geral e completa de mundo. Que compreendem
que os mundos são muitos, e que qualquer análise, qualquer percepção é perspectiva, e
que por isso não formulam teorias a serem aplicadas, mas sim análises interessadas.
Entre estes autores, as principais referências utilizadas aqui foram Lévi-Strauss, Michel
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Em uma primeira distinção com relação ao modo de operar de diferentes
século XVIII e tiveram seu auge no século XIX. Foucault utiliza o texto de Canguilhem
Segundo Foucault,
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Mas, se a normalização é um dispositivo disciplinar, de que forma poderia se
excludentes. Segundo Edson Passetti (2003), elas são complementares no governo dos
corpos.
pedagogia jesuítica, mas que também, esta era aplicada simultaneamente a outras
de controle. Procurei demonstrar, ao final, de que forma, dentro das novas conjunturas o
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Capítulo I: Antropofagia e pacificação
Staden, 1988:132).
“escolheram a solução inversa, que consiste em expulsar esses seres tremendos para
partir destas definições, para a possibilidade de outras maneiras de agir que não
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possível tanto em uma quanto na outra sociedade, ainda que de formas distintas.
antropofagia ritual
parte de um ritual coletivo com significações sociais. Segundo Pierre Clastres, “Os
capturavam para repasto antropofágico” (1995: 230). O autor demonstra que os Guayaki
não escondiam seu gosto por carne humana, porém, não se comia alguém pela simples
Mesmo como ritual, entretanto, são diferentes as situações em que esta prática se
que esta distinção pode levar a erros se for aplicada como dois pólos excludentes.
Neste caso é possível perceber uma outra distinção através das circunstâncias em
que estas práticas ocorrem. Pelo menos no que se refere à ontologia dos índios da
Amazônia, estes rituais podem ser divididos em relativos à guerra – como entre os
Tupinambá e os Wari’ (ou Pakaa Nova) –, ou funerários – como, por exemplo, entre os
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antropofagia guerreira e sociabilidade tupinambá
cartas, crônicas, memórias, e reflexões escritas nos séculos XVI e XVII por
XX. No entanto, poucos, como Hans Staden, afirmam terem visto de fato estas práticas
canibais. Muito do que se sabia provinha de relatos que os próprios índios faziam por
meio das confissões – como demonstraram alguns jesuítas, dentre os quais José de
Anchieta (1964) –, ou das histórias que contavam aos seus aliados e deixavam chegar
inimigos o sentido do que chamavam por vingança, termo usado por nossos intérpretes
e a murta” (2002), era o que produzia a sociedade, era a sua própria vida. A
contra os outros.
Organização social dos Tupinambá, aponta para uma outra reflexão acerca da
amigos e parentes, ele conclui que a organização social estaria fundamentada no sistema
de parentesco e a vingança seria somente o meio pelo qual estes adquiriam “novos dotes
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carismáticos e contribuindo para re-estabelecer o estado de eunomia da vida tribal”
(1963: 354 e 355). Isso significa que, com a morte dos prisioneiros reconstituiriam o
também conquistariam grande honra diante dos mortos, assegurando que seriam bem-
Em suas palavras,
que lhe abriam caminho para ocupar o lugar dos chefes ou pajés. Mas sob uma ou outra
perspectiva, o uso da palavra vingança, apesar de sua imprecisão – por ser esta uma
palavra atribuída por nós, ocidentais, às práticas ameríndias –, pode explicitar uma
relação que age de forma contínua. Na inutilidade em se procurar uma origem das
guerras (que aparece no máximo no tempo mitológico) é presumível que todo inimigo já
feriu e foi ferido em algum momento, por alguma geração. Logo, o que sugere que
alguém seja inimigo é a possibilidade de se tornar alvo de vingança e, por outro lado, de
permitir que tenha motivos para vingar-se, por acontecimentos recentes ou longínquos,
mas ininterruptos.
máximo de informações possíveis acerca dos Tupinambá a partir dos relatos de jesuítas
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Certa velha tinha um filho único, morto pelos inimigos; tempos
depois, em prosseguimento da guerra, o assassino foi feito
prisioneiro e conduzido à presença da velha. Esta, por vingança,
atirou-se ao mesmo, mordendo-lhe as espáduas qual se fora um cão
enfurecido. Porém o homem conseguiu fugir e, ao retornar a casa,
mostrou a carne rota e contou como seus inimigos tinham tentado
devorá-lo vivo. Desde então, os índios se puseram a comer, uns aos
outros, os indígenas caídos prisioneiros. (PIGAFETTA apud
MÉTRAUX,1979: 138)
junto com outros artesãos – e também alguns prisioneiros – com o objetivo de colaborar
com a tentativa colonizadora de Villegagnon. Segunda conta, residiu por quase um ano
junto aos Tupinambá. A principio, pretendia com suas anotações apenas informar seu
mestre, com detalhes, tudo o que vira e conhecera nestas novas terras. Porém, suas
memórias só foram publicadas 18 anos depois que voltara à França. Isso se deu porque,
por duas vezes, lhe perderam suas anotações, até que finalmente seus manuscritos
comer da carne dos cativos. Algumas vezes, sugere que obtivera as informações de
algum ancião Tupinambá. Sobre a guerra entre os Tupinambá, Léry salienta que “os
selvagens se guerreiam não para conquistar países e terras uns dos outros, (...) não
pretendem tampouco enriquecer-se (...). Confessam eles próprios serem impelidos por
outro motivo: o de vingar pais e amigos presos e comidos no passado” (LÉRY, 1980:
183).
(como é possível verificar no dicionário Aurélio), a uma justiça, a um juízo, e tem como
objetivo dar uma solução final à um problema moral – ou seja, uma resposta
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antropoêmica –, entre os Tupinambá, o que chamamos vingança, não é a busca de um
fim, nem uma solução, aniquilando ou imobilizando de certa forma o que seria o
inimigo que sofre a vingança não é necessariamente aquele que matou e comeu dos
amigos e parentes dos vingadores – mesmo que isso apareça nas palavras –, até porque,
como diziam alguns destes escritores do século XVI, como Anchieta, as alianças não
Carlos Fausto (1992), em referência aos relatos dos cronistas do século XVI,
afirma que quando um era feito prisioneiro, este circulava pelas aldeias vizinhas, tanto
como presente, quanto como convite a um festim antropofágico que viria a seguir, e era
deveriam se vingar. As mães besuntavam seu peito de sangue, para que também as
aqueles de outras aldeias que vieram participar do ritual, separavam uma parte do morto
– um braço, uma perna – que levavam para dividir entre a gente de sua aldeia. Gândavo
viveu alguns anos no Brasil, por volta da década de 1560. Pouco se sabe sobre sua vida,
como esclarece Sheila Melo Hue na introdução da recente re-edição brasileira do livro.
Segundo Hue, o cronista procurou dar um tom de impessoalidade à sua obra, e além de
suas observações, utilizou “relatos de fontes por ele consideradas fidedignas” (HUE in
GÂNDAVO, 2004: 17). Levou dez anos para publicar a versão final de sua obra.
Durante este tempo escreveu quatro versões, procurando sempre aperfeiçoar e retirar
dela tudo que parecia impreciso e fantástico. Não se sabe, no entanto, se o que expõe
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sobre o canibalismo são observações próprias ou declarações de terceiros.
Hans Staden, viajante do século XVI, fora aprisionado por índios tupinambá –
segundo consta – na região de São Vicente e, tendo vivido muitos anos entre estes como
cativo, escrevera um largo relato em agradecimento a Deus por ter escapado com vida e
voltado para casa. Staden observa que era importante que todos comessem o corpo do
cativo, mas se ele era morto antes que os convidados estivessem presentes ou antes da
cauinagem, a carne era preparada e deixada sobre a fumaça até que ficasse seca para ser
consumida depois.
Conforme indica de Léry, por maior que fosse o número de convidados, todos
saiam dali com um pedaço da carne. Mas assim como Clastres ressaltou em 1972 – com
relação aos Guayaki – Léry notara que estes Tupinambá “não comiam a carne, como
poderíamos pensar, por simples gulodice, pois embora confessem ser a carne humana
saborosíssima, seu principal intuito é causar temor aos vivos. Move-os a vingança”
seu papel ritual, era usado também como estratégia diante do inimigo para anunciar sua
Quanto ao ritual, segundo Léry, mesmo àquele que não comia – o matador – o
sacrifício exercia um papel fundamental. Matar um outro guerreiro era uma grande
honra, e conferia àquele que matava um certo status, que era consolidado com a
Antes da matança existia ainda uma série de rituais que começavam com a
chegada do prisioneiro. Hans Staden afirma que os inimigos que morriam no campo de
batalha eram comidos ali mesmo ou no acampamento mais próximo, e que, durante a
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viagem dos guerreiros de volta à aldeia, os prisioneiros que se encontravam mais
recolhidos, que os prisioneiros levados para as aldeias eram recebidos pelas mulheres e
por aqueles que não haviam ido para a guerra. Assim que chegavam eles eram alvos de
afrontas, pontapés e agressões. Eram amarrados no pescoço por duas cordas e levados
por toda a aldeia para que todos pudessem ver o objeto de vingança.
viajantes dos séculos XVI e XVII, que os cativos eram recebidos com gestos como bater
Passado este primeiro momento, esta recepção, Léry aponta que o cativo
geralmente recebia uma mulher. Por vezes, esta era a esposa daquele que seria vingado.
grupo de mulheres do chefe. Segundo Gândavo, quando acontecia da cativa ser tomada
como mulher por alguém do grupo, dificilmente ela era sacrificada, porém, assim que
morria de morte natural, alguns elementos do ritual – que será descrito logo adiante –,
Gândavo coloca ainda que não era incomum que as mulheres dos cativos, ou as
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era esperado dos cativos que engravidassem as mulheres, desta forma esses Tupinambá
poderiam vingar-se mais uma vez. Quando tivessem idade para tal, as crianças – filhos
dos prisioneiros – passavam pelo mesmo ritual que seus pais, a não ser que se tratasse
de uma menina. Neste caso, havia uma chance de que fosse preservada, assim como as
cativas de um modo geral. Diferentemente dos filhos das cativas com os homens da
aldeia, os filhos dos cativos eram considerados inimigos, pois as crianças carregavam
pescadores, ou, no caso das mulheres, boas para tratar do cultivo ou da coleta,
eram bem tratados, e não morriam sob tortura, mas com um só golpe certeiro. Além do
que as palavras que utilizamos para descrever certos ritos e costumes indígenas são
sempre transcriações com base no uso que nós mesmo fazemos destas palavras – que
por vezes nem existiam no vocabulário indígena –, como é o caso da palavra vingança.
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séculos XVI e XVII sobre os Tupinambá – coloca que a preparação da cerimônia de
despossuído de seus bens, para então, receber um novo nome que seria declarado após o
resguardo.
Gândavo salienta que, alguns dias antes do ritual de sacrifício, produzia-se uma
bebida feita de aipim, da qual todos bebiam para festejar, inclusive aquele que seria
sacrificado. Léry acrescenta ainda que no próprio dia da execução, todas as aldeias
circunvizinhas eram avisadas, e todos, até mesmo o cativo – que se comportava como
Esta bebida era produzida por meio da cauinagem. Florestan Fernandes observa
exclusivo nem dos rituais guerreiros, nem dos Tupinambá e tampouco do século XVI, já
que até hoje encontramos relatos sobre esta prática em diferentes grupos indígenas.
Durante o tempo da cauinagem, expõe Gândavo, o cativo era levado para uma
nova choça, e no dia da execução, pela manhã, lavavam-no em uma ribeira, e guiavam-
em seu pescoço. Segundo Léry, depois de amarrado pela cintura, o cativo era levado por
toda a aldeia – da mesma forma de quando chegara. Era pintado, decorado e preso, à
espera do guerreiro que iria matá-lo. Tanto Gândavo quanto Léry confirmam que ao
cativo era dado alguns objetos – pedras ou frutos –, para que este pudesse atirar
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demonstrar sua coragem. Claude d’Abbeville (religioso do século XVII), segundo
Métraux, esclarece que se o prisioneiro era dado ao filho do guerreiro que o capturara
para que este pudesse ser iniciado no ritual antropofágico, o cativo apresentava certa
Figura 1. Dois Chefes Tupinambá com os Corpos Adornados por Figura 2. Índios Tupinambá Guerreiros
Plumas. À esquerda segurando um ibirapema. Ilustração do livro "Duas (de Jean de Léry). O primeiro, à frente,
Viagens ao Brasil" de Hans Staden (1557). Fonte: segurando um ibirapema.
http://www.dominiopublico.gov.br/ Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/
inimigo. Nas palavras do padre Claude d’Abbeville: “Não sabes tu (...) que tu os teus
mataram muitos parentes nossos e muitos amigos? Vamos tirar a nossa desforra e vingar
essas mortes. Nós te mataremos, assaremos e comeremos" (apud FAUSTO, 1992: 392).
muitos dos teus. Se me comerdes, fareis apenas o que já fiz eu mesmo. Quantas vezes
me enchi com a carne de tua nação! Ademais, meus irmãos e primos me vingarão”
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(idem, ibidem).
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Com o Ibirapema (figuras 1 e 2) – o tacape cerimonial –, o matador ameaçava
alguns golpes no ar, do qual o inimigo se esquivava, até que com um só golpe certeiro,
o prisioneiro caia no chão, como indica Carlos Fausto. Logo as velhas se aproximavam
para recolher o sangue e os miolos para que não houvesse desperdício algum. Neste
momento, “está uma índia velha pronta, com um cabaço na mão, e quando o padecente
cai, acode muito depressa a meter-lho na cabeça para tomar os miolos e o sangue”
Léry acrescenta ainda que quando o morto caia no chão, a mulher que com ele
escaldavam o corpo com água fervendo, para retirar-lhe a pele. Os homens abriam o
moquém.
cerimoniais. Para sua construção, erguem-se quatro estacas de madeira do chão, aonde
se dispõe outras madeiras na horizontal. A parte em que a carne será preparada deve
ficar alta o suficiente para que o fogo não a alcance diretamente, como é possível
observar na figura 3. Ainda segundo Léry, tudo no cadáver era aproveitado, mesmo as
Theodore de Bry – que ilustrou o livro de Hans Staden – mostra também Hans Staden
comida ser pouca – como era o caso quando a vítima ainda era criança –, faziam um
caldo para que houvesse repasto para todos; já se havia fartura, era comum que os
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convidados levassem para suas casas pedaços moqueados. Sobre os executores, Léry
acrescenta que, “(...) depois de praticada a façanha retiram-se em suas choças e fazem
no peito, nos braços, nas coxas, e na barriga das pernas sangrentas incisões” (1980:
sacrificante.
os guerreiros wari’
XVI e XVII. Em 1986 Aparecida Vilaça deu início a sua pesquisa de campo entre os
mesma época – entre 1985 e 1987 – Beth Conklin também realiza seus estudos de
Wari’ data de 1798, mas até o início do século XX estes se mantiveram isolados –
Conklin explicam que os Wari’ praticavam o canibalismo decorrente das guerras contra
seus inimigos. Segundo as autoras, entre eles, “o inimigo era pensado como um que se
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matadores – que eram todos aqueles que participaram da expedição de guerra – levavam
para as aldeias partes dos inimigos que seriam assadas e comidas por todos aqueles que
guerra são baseadas nos relatos dos próprios índios. Não existem outros documentos
sobre o canibalismo wari’ que não sejam relatos deles, o que poderia levantar dúvidas
torno dele.
com vivacidade, em grandes pedaços, muitas vezes ainda presa aos ossos e, diferente
dos rituais funerários wari’, os ossos eram jogados no mato, e nunca enterrados.
especialmente se ferir, para não perder o sangue do inimigo morto de seus corpos.
segundo as autoras, era praticamente o único alimento dos matadores, que deveria
engordá-los junto com o sangue do inimigo que mantinham em seu corpo. Até as
relações sexuais eram proibidas, para que os guerreiros não passassem este sangue pelo
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Carlos Fausto expõe que as aldeias vizinhas tupinambá eram marcadas por uma
como já foi dito anteriormente. Em um dia era-se aliado, no outro inimigo. José de
algumas vezes sobre índios que eram aliados dos portugueses, mas que logo se viraram
contra estes, como os Tamoio e os Guaimuré, ou, ao contrário, inimigos que tornaram-
se aliados.
Segundo Vilaça e Conklin antes da invasão das suas terras por seringueiros, no
século XX, os Wari’ faziam guerra com povos vizinhos, que eram, em sua maioria, da
não devem ser confundidos com culto aos mortos. Se os antepassados estão
funerário wari’ a partir da exposição dos próprios índios sobre a maneira que estes
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abolido destas práticas –, e a partir das próprias observações sobre como os rituais
ocorrem na atualidade.
De acordo com a autora, o ritual funerário começa com o canto fúnebre. Quando
um Wari’ fica doente, os parentes mais próximos (cônjuge, filhos, pais e irmãos), o
começam a chorar e acompanham este choro com um canto que estará presente até o
fim do luto.
corpo deve ser chorado, preferencialmente, na casa de um parente mais velho, um irmão
mesmo local em que o corpo é chorado era também o local onde seria construído o
Vilaça coloca ainda que, quando alguém é declarado morto, um parente próximo
pede a algum jovem – por meio do canto – que avise, o mais rápido possível, aos outros
parentes próximos que vivem em outras aldeias. Vilaça indica que os Wari’ fazem uma
parentes.
funeral.
consumo do cadáver era, inclusive, proibido. A preparação ficava por conta dos
parentes distantes.
O cadáver não deveria ser cortado ou assado antes que os outros parentes
verdadeiros chegassem, e até que isso ocorresse passavam-se de dois a três dias, tempo
suficiente para que o cadáver começasse a apodrecer. Quando estavam todos presentes,
apodrecimento, possivelmente pelo fato de sua morte causar menos comoção e suportar
um lamento mais breve” (VILAÇA, 1998: 24), o que dificilmente acontecia com os
risco é que se comia o cadáver antes do apodrecimento, como ressalta Vilaça (1990).
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Figura 4. Moquém funerário desenhado pelo Wari’ Wem Quirio’. De acordo com Conklin, os pedaços do corpo
eram pintados com urucum antes de ir ao fogo, e os órgãos internos eram embrulhados em folhas de palmeira.
Fonte: http://www.vanderbilt.edu/exploration/news/news_cannibalism_nsv.htm
combustão lenta que é amarrada em feixes, também pintada com urucum e enfeitada
com penas de aves. O uso do urucum no corpo e nos aparelhos funerais tinha como
Quirio’ mostra a partir de seu desenho, a forma como eram preparadas as carnes, a
deles pedia então que se cortasse o cadáver em pedaços. O corpo era cortado com uma
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lâmina de bambu em cima de uma esteira de palha. Era importante que aquele que
outro fluido espirrar em sua boca, pois antes de assado, a ingestão do morto é entendida
com uma espécie de auto-canibalismo, o que significa a morte certa daquele que
ingeriu. Segundo Vilaça, esta restrição se baseia no mesmo princípio que impede os
Vilaça aponta que, segundo os relatos dos Wari’, as entranhas eram atiradas
seria comida com a carne do morto. E, segundo contam os Wari’, era necessário um dia
todo para assar a carne. O coração e o fígado eram comidos primeiro com a pamonha, e
a carne só era consumida algumas horas depois. A carne era desfiada por algum parente
próximo sobre uma esteira, e a pamonha também era cortada em pedaços pequenos. A
carne, juntamente com a pamonha, era comida pelos não-parentes com um palito, ou era
servida para cada um por algum parente próximo, mas de qualquer forma, não deveria
Segundo Vilaça, para os Wari’ era importante que se comesse a carne com
delicadeza, para diferenciar desta forma, a carne dos seus, da carne de caça ou do
inimigo, que por vezes era comida presa ainda aos ossos. A autora acrescenta ainda que
não era necessário que todos comessem da carne e nem que esta fosse completamente
consumida, mas era importante que pelo menos parte dela fosse comida pelos não-
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parentes, o resto era queimado no fogo, então os parentes verdadeiros convidavam aos
Os Wari’ ainda contam, de acordo com a autora, que os ossos poderiam ser
torrados e enterrados junto com o jirau, ou triturados, misturados com mel e ingeridos
pelos não parentes. O que seria feito ficava a cargo dos parentes próximos, que
O ritual wari’ não terminava com o fim dado ao corpo do morto. Também seus
pertences, casa, e tudo mais que tinha relação direta com este, ou com a sua memória,
morto deveria ser passado rapidamente a um outro parente próximo, de preferência mais
jovem, mas enquanto isso não acontecia o nome não deveria ser pronunciado.
acrescenta Vilaça, era uma atividade de longa duração, pois tudo o que tinha relação
com o morto deveria ser destruído. Por vezes chegavam mesmo a abandonar a aldeia.
Além de apagar a lembrança do morto, esta atividade deveria impedir que o espírito
deste viesse fazer algum mal aos vivos, principalmente aos parentes.
durar de meses a anos, de acordo com a proximidade de cada parente com o morto.
Quando estes decidiam sair do luto, parentes e não-parentes saíam em uma caça
coletiva. Repetia-se então o ritual fúnebre com as presas, sem deixar, porém, que a
Finalmente, o espírito do morto iria viver no mundo subaquático dos mortos, da mesma
forma como acontece hoje, e quando o espírito quer fazer uma visita torna-se queixada,
para ser caçado e comido por seus parentes, e regressar então ao mundo dos mortos.
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pó de osso: a forma atenuada da antropofagia yanomâmi
Clastres (2004) –, levavam ao extremo esta separação entre vivos e mortos, privando
seus mortos, por meio da antropofagia, desta última fixação no espaço que seria um
túmulo.
É a partir dos relatos de Elena Valero, que Pierre Clastres (2004) analisa os
rituais antropofágicos dos Yanomâmi. De acordo com o autor, nos anos 30, ainda
criança, Elena Valero foi raptada por índios Yanomâmi. Depois de adulta, já com quatro
filhos e tendo vivido com dois maridos sucessivamente, resolveu voltar a viver entre os
brancos. Foi quando escreveu suas memórias destes vinte e poucos anos de sua vida
forma mais atenuada que em outras regiões. Neste caso, era preciso que se suprimisse a
uma árvore. Logo em seguida, recolhiam-se os ossos, que eram moídos, reduzidos a pó
Jacques Lizot descreve a partir dos relatos dos próprios Yanomâmi que, quando
parentesco que os unia em vida, de forma similar aos Wari’. Um mensageiro deveria,
então, avisar os parentes que estavam longe. Os objetos do morto eram trazidos e
distribuídos entre alguns para serem usados, posteriormente, no ritual. Seus pertences
seriam destruídos no fogo, pois nada mais deveria lembrá-lo. A partir de então sua
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lembrança deveria ser apagada, esquecida. Na manhã seguinte, as danças, choros e
lenha da fogueira era disposta de forma que fosse possível depositar dentro dela o corpo
do morto. Junto ao corpo eram colocados alguns objetos, e tudo era queimado.
A partir das informações dos Yanomâmi, Lizot afirma que os ossos eram
recolhidos e pilados para, ao final, serem distribuídos em cabaças entre alguns dos
bananas e também carne de caça. Parte do purê era consumido com a carne pela
maioria, mas uma outra parte era separada para ser misturada às cinzas do morto e ser
entanto, quem comia a carne de caça não deveria comer das cinzas. Nem toda a cinza
era consumida ali. Parte dela era guardada para ser comida em um outro momento em
que a cerimônia fosse realizada mais uma vez, talvez dentro de alguns anos.
Pierre Clastres viveu por alguns meses, de fevereiro a setembro de 1963 entre os
índios Guayaki. A partir dos relatos dos Guayaki, o autor sustenta que a prática
funerária parecia se reproduzir de forma oposta aos Yanomâmi, mas a teoria acerca
desta era a mesma. O cadáver retalhado era assado em uma grelha com palmito, e era
Clastres constata também que “nessas duas tribos os parentes mortos são
distantes, e que, poeira dos ossos ou carne assada, o morto nunca é consumido
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isoladamente, mas sempre misturado a uma substância vegetal” (CLASTRES, 2004:
62).
Wari’ – é interessante notar que a carne é sempre consumida com vegetais, pois pura ela
canibalismo funerário aparece como uma técnica suplementar de luta contra as almas
dos mortos.
(2002). De acordo com Clastres (2004), entre os Guayaki, ser esquecido em um ritual
destes era um convite à guerra, pois todos aqueles que eram aliados deveriam participar
do funeral antropofágico.
com relação à sociabilidade, e não somente com o fim dado ao corpo, ou o afastamento
dos espíritos.
comer e copular
pela proibição do incesto não podiam comer uns aos outros. Com relação aos Wari’, a
regra não era tão rígida para as crianças, como demonstra Vilaça (1998), já que estas,
seus laços de parentesco. Com os Yanomâmi a regra parece se inverter, já que são os
40
parentes que comem os restos do morto, e a proibição fica com aqueles que na ocasião
podem ser relacionados a o que (ou quem) se come, e com e como quem. “Comer como
alguém e com alguém é um forte vetor de identidade, assim como se abster por ou com
alguém" (2002: 14, grifos meus). A distinção entre matadores e comedores, no caso dos
Comer um inimigo era uma forma de produzir uma aliança, ou um parente, enquanto
que nos rituais funerários existia sempre alguma proibição no consumo da carne que
quem o sexo também o era, ou, como no caso dos Yanomâmi, a proibição do consumo
estava para aqueles que não tinham parentesco com o morto, em outras palavras, que
não estavam interditados pela proibição do incesto. Mas é importante lembrar também
que entre os Yanomâmi não era a carne que era consumida, mas somente a poeira dos
ossos.
relações sexuais tem a ver com a vida. Não é à toa, que em diversas línguas existem
palavras que relacionam estes dois sentidos da palavra “comer” em nosso vocabulário.
"(...) essas aproximações nada mais fazem que ilustrar, em casos particulares, a analogia
profunda que, em todo o mundo, o pensamento humano parece fazer entre o ato de
que teria sido flechado porque uma mulher tinha vontade de comer carne humana.
Entretanto, é importante esclarecer que este Guayaki mantinha relações incestuosas com
sua filha. Como ele tomara gosto em possuí-la, criou uma grande indisposição entre os
41
Aché. Uma mulher então, exigiu que seu marido o matasse, e explicou a ele que deveria
incestuosas com sua filha. “Para descrever a ação de Bujamiarangi, os Aché utilizavam
muito menos o termo adequado meno – fazer amor – que seu equivalente, mas bem
mais brutal e selvagem no próprio espírito dos índios: uu, ou bem tyku – comer”
antropologia, estas relações são percebidas por meio de suas expressões em regras e
entendido enquanto forma extrema destas relações. Como também chama à atenção José
muitas formas e relações possíveis entre comer e copular, são, portanto, estabelecidas de
Rodrigues alerta ainda que, “enganam-se os que pensam que o sistema gastrointestinal é
aquele por meio do qual o corpo se relaciona fundamentalmente com objetos” (2006:
64), pois são as convenções que decidem quem pode comer o que e quando, e o mesmo
vale para as relações sexuais. Até mesmo o que é considerado bom, ruim, ou prazeroso
9). Em muitos casos, comer como alguém, ou mesmo comer o que o outro come, pode
significar assumir uma identificação com este outro. Comer com é aceitar a
42
aproximação com o outro – uma aliança –, enquanto que recusar-se a comer com
alguém pode levar a uma guerra. Este é também o caso da comensalidade nos rituais
visivelmente social. São raros os povos que, assim como os índios Paressi do Brasil
práticas indígenas dava espaço para leis que, desde os primeiros contatos dos
tomados como bárbaros pelos europeus. Montaigne (1987) declara que as práticas
antropofágicas lhe parecem muito menos cruéis e bárbaras que as torturas e os suplícios
cometidos por seus conterrâneos. Parece-lhe muito mais humano o que fazem os
habitantes das novas terras que, até o dia de sua execução, tratam muito bem ao
prisioneiro e, antes que este seja comido, é assassinado de um só golpe para que não
sinta a dor.
43
Pensando nos acontecimentos em Lyon e Auxerre na França, em 1572, Jean de
Lévi-Strauss (2000) expressa sua crítica pensando nas formas que as duas
operar, muito mais cruel e terrível – do ponto de vista dos autores – desta sociedade dita
civilizada.
à guerra ou funerária) não aparece como algo indesejado pela sociedade, ao contrário.
No ritual guerreiro ela é esperada com vivacidade, e no ritual funerário – ainda que a
mesma vivacidade não seja vista com bons olhos – é preferível que se coma o morto ao
deixar que seus restos apodreçam e se tornem comida de vermes, ou que se tornem um
perigo aos vivos, servindo de elo de contato com as almas dos defuntos.
apresentado no Collége de France entre os anos de 1974 e 1975, que enquanto nas
nas sociedades ditas civilizadas as mesmas tem como objetivo “envilecer a vítima,
consumido por homens, vermes ou outros animais, ou é a alma dos vivos que será
44
consumida. E diante da morte inevitável e indesejável é preferível que os corpos dos
mortos se dissolvam entre os corpos de sua própria gente. Neste caso, a própria
sociabilidade.
contraposição aos relatos acerca das guerras entre os Tupinambá, perceberemos que não
todos os outros povos. Isso não significa que entre estas sociedades antropofágicas não
se referem uns aos outros – como já haviam observado diversos cronistas do século
XVI, entre eles Gândavo (2004) –, em que se colocam como os “homens”, os “bons”,
etnias, são chamados de “maus”, “malvados”, “macacos da terra”, “ovo de piolho”, etc.
outro. Um bom guerreiro, só pode ser considerado como tal, diante de um inimigo forte.
É a batalha que importa e não o extermínio. Por este motivo mesmo, um bom guerreiro
está destinado a morrer na guerra e a ser devorado por um inimigo à sua altura.
século XVI, associada à uma animalidade primitiva ainda não superada, justificativa
45
Durante o processo de ocupação de terras ameríndias por colonizadores
europeus, a guerra aos grupos indígenas foi por um momento interditada e reputada
ilegal, porém, segundo Pierre Clastres, ela volta a se tornar legítima e mesmo
antropofagia era rapidamente adquirida nos séculos XVI e XVII e a lista das populações
escravização de qualquer índio no Brasil, e foi estabelecido que todos que vivessem em
cativeiro deveriam ser libertos. Mas a pressão dos colonos, que justificavam-se pelos
prejuízos e dificuldades que teriam se libertassem todos os índios de uma só vez, fez
com que, aproximadamente 60 anos depois, a lei fosse reformulada. A partir de então
poderiam ser escravizados, já que adquiriam desta forma uma dívida com aquele que o
resgatara do que considerava uma morte cruel. E finalmente, era permitido capturar para
46
contra todos aqueles que praticavam o canibalismo.
Antonio Vieira chegou ao Brasil aos 6 anos de idade. Em 1623, aos 15 anos,
própria preservação dos índios, que além de serem tragados pelas epidemias trazidas
Vieira descreve um episódio de 1655 em que passam por juízo alguns índios que
ao ouvidor, Vieira conta que o governador quis ouvir por si mesmo o que tinham a dizer
os índios. “(...) Responderam todos que eles eram cativos, e estavam presos de corda
para ser comidos, e que já tinham comido a outros companheiros” (1992: 15). Surpreso
outras vezes estes continuaram a afirmar a mesma coisa. Oito dias depois, chegaram
alguns principais – como coloca Vieira – de aldeias indígenas aliadas pedindo que
Vieira manifesta ainda, que o que imobilizava estes índios frente às ameaças dos
47
dois milhões de índios e mais de quatrocentas povoações. E as histórias que corriam
sobre aqueles que se rebelavam, é que recebiam um tratamento tão terrível que alguns
o que mais espanta aos índios e os faz fugir dos portuguêses, e por
consequência das igrejas, são as tiranias que com êles usam
obrigando-os a servir tôda a sua vida como escravos, apartando
mulheres e maridos, pais e filhos, ferrando-os, vendendo-os, etc., e se
algum, usando de sua liberdade, se vai para as igrejas de seus
parentes que são cristãos, não o consentem lá estar, de onde muitas
vêzes os índios, por não tornarem ao seu poder, fogem pelos matos, e
quando mais não podem, antes se vão dar a comer a seus contrários;
de maneira que estas injustiças e sem razões foram a causa da
destruição das igrejas que estavam congregadas e o são agora de
muita perdição dos que estão em seu poder (ANCHIETA, 1964: 53).
índios no Maranhão:
séculos, Pierre Clastres (2003) relata, com base nas cartas de Jesuítas e do padre Sepp
em especial, que em 1730 na região de Assunção, as aldeias que não haviam sido
quanto das epidemias que as assolaram. Clastres, como os outros antropólogos, afirma
48
que além da escravidão e das chacinas, as epidemias foram grandes responsáveis pelo
corpos, poder-se-ia dizer que à igreja restava a aniquilação dos “espíritos”. Por meio da
rebanho divino. Mas este processo não foi tão simples, e por vezes, as dificuldades em
para a educação dos índios segundo o evangelho, era preciso sujeitá-los, tirando-lhes,
principalmente a liberdade de comer carne humana que, segundo o autor, é contra as leis
ocidental.
organizou em vários tomos, todas as cartas dos jesuítas no Brasil no período do primeiro
centenário. Dentre estas, foram utilizadas aqui apenas as cartas de um breve período de
anos, 1553 à 1558, suficientes para expor as primeiras relações entre os índios e a
Companhia de Jesus.
(apud LEITE, 1954) estabelece seis leis que norteiam a educação que deve ser aplicada
aos índios. A primeira defende que os índios não devem comer carne humana e nem
guerrear sem a licença do Governador. A segunda pretende que tenham uma só mulher.
A terceira lei diz que devem se vestir. A quarta que devem tirar-lhes os feiticeiros. A
quinta lei pretende que se ponham em justiça – de acordo com as leis de Portugal –
49
entre si e com relação aos cristãos. E finalmente, a última, se emprega contra o
nomadismo dos índios, demandando que estes se estabeleçam em uma moradia fixa.
Anchieta (1964) constata que à todos estes obstáculos dos costumes indígenas
existe uma solução fácil se houver temor e sujeição, mas que entre os povos que são
nômades a maior dificuldade é o fato destes nunca pararem muito tempo no mesmo
Companhia.
Sobre a conversão dos índios nos séculos XVI e XVII, Viveiros de Castro sugere
que “a palavra de Deus era acolhida por um ouvido e ignorada com displicência pelo
outro. O inimigo aqui não era um dogma diferente, mas uma indiferença ao dogma”
(2002: 185).
lamenta:
pelo menos onde quer que chegasse a influência das autoridades. Na carta a Miguel
(...) tão cruéis e bestiais, que assim matam aos que nunca lhes
fizeram mal, (...) tão carniceiros de corpo humano, que sem excepção
de pessoas a todos matam e comem, e nenhum benefício os inclina
nem abstém de seus maus costumes, antes parece e se vê por
50
experiência, que se ensoberbecem e fazem piores com afagos e bom
tratamento. (NÓBREGA apud LEITE, 1954: 447)
Ele pedia que se delegasse aos índios um Protetor, alguém que os castigasse
Leite, a conversão dos índios adultos era considerada quase impossível, e por este
mesmo modo, pois para ele a conversão dos índios em 1584 na Bahia teve efeito “ao
menos nos filhos dos índios, porque os pais estavam ainda então muito duros e agrestes"
Em Julho de 1554, Pero Correia coloca em carta ao padre Brás Lourenço que se
peregrinação ao sertão de São Vicente. Quando entrava nas aldeias, um dos métodos
que usava, era dar à um dos meninos da Companhia uma cruz pequena, que estes
levavam erguida “(...) e vão cantando as ladainhas de maneira muito agradável, e logo
as crianças dos lugares se juntam com eles, (...) e algumas destas crianças deixavam
seus pais para se juntarem a eles”. (CORREIA apud LEITE, 1954: 67, tradução livre).
convertidos, e que neste mesmo lugar havia uma Escola de Meninos Índios, aonde o
Irmão Antônio Rodrigues os ensinava a ler, escrever e, à alguns, a cantar. Sobre estes
meninos, relata que “são alguns destes jovens tão vivos e tão bons e tão atrevidos, que
quebram as cumbucas cheias de vinho para que os seus não bebam” (ibidem: 70,
tradução livre).
51
Segundo Foucault (2003b), nos séculos XVI e XVII, a pedagogia jesuítica já
as dificuldade eram grandes com relação aos adultos – já tão impregnados de seus
pequenos agentes da catequização jesuítica. Foucault afirma que, nesta época, esta linha
com a moral do rei (ou do Estado), é o que seu nome ao que hoje continuamos a chamar
de polícia.
substituirá Nóbrega em 1560, manifesta ainda que “nos meninos temos muita esperança,
porque têm habilidade e disposição, e tomados antes de irem às guerras, (...) e mesmo às
mulheres, e antes que bebam e caiam em desonestidade” (apud LEITE, 1954: 133,
tradução livre).
sobrevivia depois do batismo dizia-se que era milagre de Deus. Quando um morria,
dizia-se que fora salvo à tempo de ir aos reinos dos céus. E se um que não era
moribundo morria depois do batismo, era comum que se dissesse que sua fé não era
verdadeira, ou que pecara, e por este motivo estava sendo punido. Da mesma forma que
punição e recompensa.
pacificação
Quase um século depois das cartas de Anchieta, Nóbrega e Pero Correia, entre
guerras justas tornaram-se um dos únicos meios de se tomar os índios como cativos.
Neste momento, além da conversão dos índios, passou a existir também uma
preocupação quanto à sua preservação, desde que não se tratasse de canibais. A maneira
pela qual eram tratados aqueles que se sabiam ou pensavam canibais, fica explícita nas
índios da costa das Américas, de acordo Vilaça e Conklin (1998), o boom da borracha
53
os Wari’ atacavam com chuvas de flechas. O grande número de mortes nos conflitos,
fez com que algumas organizações interviessem com o objetivo de pacificar. Desta
forma, “o primeiro contato pacífico só foi estabelecido em 1956, com a participação dos
participação dos missionários consistia em impor aos índios as leis de Deus, obrigando-
wari’ foi suprimida, os mortos não eram mais comidos e muito menos os inimigos.
em trazer os índios para perto, durou mais de dez anos, já que os Wari’ viviam
Missão Novas Tribos dizia que os Paacas Novos receberam os primeiros missionários
com flechas”. O alerta se refere ao cuidado que os missionários devem ter quando
referindo-se ao uso da palavra bárbaros explicam que “há uma forte campanha para
evitar termos como estes, mas sempre existiram culturas de costumes primitivos, menos
‘povos isolados’”.
etnocentrismo
séculos XVI e XVII, e mais recentemente, da Missão Novas Tribos (MNTB), não está
54
relacionado com uma corrupção dos costumes indígenas, como se esses fossem puros e
estáticos.
Eric Wolf problematiza o conceito de cultura, alertando para o fato que “os
em si, dessa forma, não seriam mais do que um processo comum a qualquer ser ou
qualquer sociedade. Cada cultura vê a si como melhor e superior a outra. No caso das
decorrência do isolamento destes, o que não é real, já que, com relação aos Wari’ (ou
Pakaa Novos), o próprio conflito com os seringalistas já mostra que o contato existia,
isso para não falar do contato com os demais povos indígenas com os quais mantinham
contatos regulares.
diferenças e semelhanças as vezes muito mais pelo contato – direto ou indireto – do que
55
desenvolvimento das culturas, Lévi-Strauss acrescenta que as diferenças entre as
nações, sociedades e culturas são vistas, no entanto, como piores, inferiores e, por
vezes, monstruosas.
O que se deve cuidar, portanto, são as formas de lidar com esse etnocentrismo,
com estas diferenças. Pierre Clastres também admite que o etnocentrismo é imanente à
própria cultura, “(...) a alteridade cultural nunca é apreendida como diferença positiva,
mas sempre como inferioridade segundo um eixo hierárquico” (2004: 86). A diferença
estaria então no fato de que “(...) se toda a sociedade é etnocêntrica, somente a ocidental
é etnocida” (ibidem).
Talvez a sociedade ocidental não seja a única etnocida, mas essa é uma diferença
etnocêntrico acredita em sua superioridade, o etnocida crê que é preciso salvar as outras
etnocídio é a ética do humanismo” (2004: 84). Pelo bem do outro, ou pelo bem comum,
56
Capítulo II: medidas contra o indesejável
como justificativa para matar e sujeitar os outros. Mesmo que entre os ameríndios estas
específicas, foi a partir dos valores dos próprios ocidentais que o canibalismo se tornou
sinônimo de indesejável
Em 1979, o livro de William Arens, The Man-Eating Myth, “(...) brilhante mas
superficial, que teve grande sucesso junto ao público mal informado (...)” (LÉVI-
admitidas na época, sobre a doença do kuru – de forma oposta ao que aconteceu entre os
Primeiramente o biólogo acreditou que a doença era de origem genética, mas depois
demonstrou que ela era promovida pela ação lenta de um vírus que causava a
Somente com a entrada de etnólogos na região é que novas hipóteses puderem ser
levantadas:
57
Antes de passar ao controle da administração australiana, os grupos
vitimados pelos kuru praticavam o canibalismo (...). As mulheres,
responsáveis pelo trincho dos cadáveres e pelas outras operações
culinárias, apreciavam particularmente essas refeições macabras.
Pode-se supor que elas se contaminavam ao manipular os cérebros
infectados e que, por contato corporal, contaminaram suas crianças
pequenas. (LÉVI-STRAUSS, 2006: 15).
Lévi-Strauss acrescenta ainda que, depois que o canibalismo foi extirpado com a
presença dos brancos, o kuru diminuiu até quase desaparecer. Entretanto, esta hipótese
comprovar que o canibalismo, como prática ritual de outras sociedades, era uma
com maior ênfase nos filmes de canibalismo –, que Arens encabeçou as acusações de
que relatos como o de Hans Staden seriam estratégias para desqualificar as culturas
inferiores, por outro lado é possível, a partir daí, pensar o canibalismo não
Até o final do século XX foi possível identificar pelo menos três destas
situação, que de certa forma abrange todas as outras, pode ser colocada como tática de
indivíduo perigoso.
59
única forma desta prática que pode se tornar aceitável na sociedade ocidental. Ainda
assim existem aqueles que colocados em tal situação, vêem na morte uma saída menos
terrível.
atravessar as montanhas de Sierra Nevada em 1846. Em um site dedicado aos 150 anos
da tragédia, Daniel M. Rosen, autor do site, ressalta que a caravana de Donner, saíra do
leste dos EUA, com o objetivo de ocupar o oeste, para tomá-lo do governo mexicano.
Durante o percurso outras pessoas, entre elas alguns índios, se juntaram ao grupo.
Segundo Bell, o grupo, constituído por homens, mulheres e crianças, foi obrigado a
alterar a sua rota devido a uma nevasca. Devido ao imprevisto, as pessoas começaram a
morrer pela falta da comida e de outros recursos. Antes que resolvessem comer os seus
sofreram severas represálias. Foram chamados de monstros e tiveram que cumprir uma
pena de seis meses de prisão antes que pudessem voltar para suas casas.
Chile. A história é uma das mais conhecidas e difundidas em todo o mundo. Mikita
Brottman (2001) narra que, durante a viagem o mau tempo fez com que o avião se
chocasse contra uma montanha nos Andes. Dos 45 a bordo (time, familiares, amigos e
Mais de uma semana depois, famintos e sem notícias de resgate, decidiram comer os
que estavam mortos. Dez dias depois do acidente, ouviram pelo rádio que as buscas
60
sensacionalistas – acrescenta, em um artigo para a internet, que grande parte dos que
ainda resistiam em comer seus companheiros de viagem mortos acabaram cedendo, mas
resgatados mais de dois meses depois, quando alguns deles – que resolveram sair em
Segundo Brottman, por algum tempo estes tentaram ao máximo não falar sobre o
ocorrido, no entanto o fato de terem resistido tanto tempo a tais circunstâncias acabou
gerando uma pressão para que seus atos viessem à tona. Mas mesmo na época, salienta
pelos atos de canibalismo. A compaixão foi tanta que dois filmes, o mexicano
circulação, foram feitos para contar de forma heróica a tragédia dos Andes. Além disso,
segundo uma reportagem no site Correio Web, os sobreviventes declararam que “antes
sobreviventes se reuniram para refazer o trajeto que deveria ter sido feito no dia do
acidente de avião e jogar uma partida simbólica com o time que acabaram não
a maioria dos sobreviventes não se arrepende das atitudes que tomaram naquele
momento. Depois de terem sido inspiração para filmes, os sobreviventes saíram pelo
O fato dos sobreviventes terem tido uma repercussão favorável na mídia, tanto
61
canibais dos Andes não eram nômades, estrangeiros, ou aventureiros (características
indesejáveis pelo seu caráter incerto, duvidoso), ao contrário, possuíam residência fixa,
tinham trabalho, família, praticavam esportes e eram cristãos. Em outras palavras, não
República Dominicana em direção aos EUA, naufraguem matando grande parte de seus
o verdadeiro drama só seria conhecido num hospital em Porto Príncipe, onde um deles
alimentar daqueles que iam morrendo para poderem sobreviver, mas negou que ele
mesmo tivesse comido, o que depois foi refutado pelos médicos que o atenderam, pois
disseram que este não teria sobrevivido só com a água do mar, conforme seu próprio
depoimento.
mantiveram vivos a partir da ingestão de carne humana, sangue e leite de uma mulher
que acabara de dar a luz. Desta vez o número de sobreviventes foi maior e os relatos de
canibalismo também. Alguns dos náufragos continuaram insistindo que não haviam
comido carne humana. Afirmaram não só que não haviam comido, como também que
62
teriam feito um juramento para que nenhum deles comesse: "Se vamos morrer,
Este tipo de declaração, esta negação, presente nos dois casos de naufrágio,
menos, que existe uma preocupação de que, a vista dos outros, o canibalismo os tornaria
morte, ele expressa que o drama maior ainda estava por vir, em referência ao
canibalismo.
autora se refere a relatos dos anos de 1930 e 1940, de prisioneiros que eram
ferramentas. Dos mais de seis mil prisioneiros abandonados, pouco mais de mil
produção comunista – já que os gulags eram, além de tudo, campos de trabalho forçado
–, da URSS. Agora, e sob nova perspectiva, é que estes prisioneiros canibais foram
Os elementos que unem todos estes exemplos não são as situações, mas as
perspectivas, hoje em dia, destes relatos. A partir deles é possível, portanto, analisar o
Sob esta perspectiva é possível afirmar que nas situações em que o canibalismo
foi impulsionado pela fome existe certa compaixão com os canibais. Eles acabam sendo
63
vistos como vítimas de circunstâncias sempre traumáticas. Mesmo assim há uma
pessoas em cada caso. Com relação ao incidente de Sierra Nevada, ainda que na época
os canibais tenham sido presos, hoje retoma-se a história com pesar do trágico
terras das mãos dos estrangeiros, em um ato patriótico. Os canibais dos Andes, que
como mentirosos, mesmo que também os uruguaios dos Andes tenham mentido sobre o
foram recebidos na própria terra, enquanto que os náufragos eram estrangeiros que
fugiam de sua.
(com a condição que estes outros já estivessem mortos), dificilmente voltam a fazê-lo.
Isso lhes garante a condição de vítima. O canibal enquanto vítima é suportável, pois a
vítima não tem vontade, ela é submetida à uma situação arbitrária fora de seu controle.
Qualquer elemento de desejo é anulado quando se confere a alguém esta condição. Mas
se por algum outro motivo que não for de extrema necessidade como o que passaram,
estas pessoas voltarem a praticar o canibalismo, perdem seu status de vítima, e passam a
linha que separa o canibal, vítima da fome, do assassino criminoso. Ainda no livro de
64
Muitas fugas de criminosos (a maioria, provavelmente) envolviam
violência. Os fugitivos atacavam os guardas armados, sufocavam-
nos e atiravam neles, e faziam o mesmo com os trabalhadores livres
e os moradores. Também não poupavam os companheiros de prisão.
Um dos métodos-padrão de fuga dos criminosos comuns1 era o
canibalismo. Uma dupla de criminosos combinava fugir com um
terceiro homem (a “carne”), cujo destino era tornar-se o sustento
dos outros dois durante a jornada (APPLEBAUM, 2003: 455).
tática de terror
como tática de terror é uma maneira de sujeitar o outro pelo medo ou de justificar o uso
de medidas coercitivas para sua destruição. Enquanto tática esta forma tem em comum,
com relação aos objetivos à que esta tática é empregada. Assim, deixa de ser muito
relevante se uma pessoa foi de fato devorada por outra, o que importa são os efeitos
desta atribuição.
Grupos Rebeldes e os grupos de outras etnias como os Pigmeus. Segundo o artigo para
1
No seu livro, a autora faz uma diferenciação entre presos políticos e criminosos comuns, baseada nos
relatos dos prisioneiros. Sobre esta distinção, Michel Foucault afirma: “Antes de saber se os detentos que
ali estão são ‘políticos’, a instalação do campo, nesse lugar tão visível, e o terror que ele exala são, em si,
políticos. O arame farpado que prolonga os muros das casas, os feixes de luz que se entrecruzam e o
passo das sentinelas à noite, isso é político. E é uma política.” (FOUCAULT, 2003d: 190)
65
serviço Francês da BBC (16/01/2003), alguns líderes rebeldes afirmaram que as
acusações eram falsas, que teriam o intuito de derrubar o grupo político, já que, segundo
Monuc (Missão de Observação das Nações Unidas), continuava afirmando sobre os atos
RDC [República Democrática do Congo] em virtude dos acordos de paz, e disse que os
Pigmeus foram ‘manipulados por políticos que queriam sujar’ o nome dos rebeldes.”
(EFE, 25/09/2004).
congoleses não parece ser a questão mais importante, já que estas mesmas denúncias se
grande investimento das Nações Unidas em mostrar que tais atos aconteciam e
acordo de paz estaria sendo selado entre os Pigmeus e os Rebeldes, as denúncias foram
formalmente retiradas, mas não por parte das Nações Unidas, que segundo estes
canibalismo não era a questão principal no conflito, ele serviu ao menos como
possível também, que o canibalismo tenha sido usado como discurso dos grupos
assado e comido com pinga. Segundo os depoimentos que deu ao jornal Folha de São
Paulo (FOLHA ONLINE, 30/03/2001), um tenente da polícia militar, que fôra feito
66
refém, disse que durante a rebelião, dois presos de facções opostas aos demais foram
outro teve a cabeça exposta fincada em um estilete. Neste caso, a cabeça exposta
afirmar a superioridade, a soberania sobre o outro, seu poder de fazê-lo viver e deixá-lo
morrer. Por outro lado, as notícias são também uma forma de imputar aos detentos a
Entre os séculos XVI e XVIII os suplícios eram utilizados como práticas oficiais
representava.
ainda, que pelo suplício o rei expunha a sua superioridade perante a vida de qualquer
um. O excesso das medidas punitivas também tinha o papel de mostrar a distância entre
recentemente – por controles a céu aberto, seus resíduos ainda se exercem em situações
como guerras, rebeliões, ou práticas privadas (na escola, em casa, no cárcere, etc.).
67
Em 1995, em Rondônia, a ocupação de uma fazenda por famílias de sem-terras
resultou na execução, tortura e prisão de dezenas de pessoas. Segundo o artigo para uma
(2002), o acampamento na Fazenda Santa Elina em Corumbiara foi cercado por policias
hora, outras, enquanto tentavam fugir. Entre os que sobreviveram, aqueles que não
mortos e terra ensangüentada. Neste caso, o canibalismo tem como função desqualificar
a vida de outros. Entre as diversas formas de humilhação que foram aplicadas a estas
pessoas, como obrigá-las a se despir, proibí-las de defecar e urinar, pisar sobre as suas
percebido por aqueles que se colocam em defesa das vítimas do massacre como o que
seria um abuso de poder, no sentido que foram usadas medidas que extrapolaram as
analisar o canibalismo como estratégia (não importa se ele ocorreu de fato ou não), por
parte das vítimas, de pedir medidas punitivas para os seus algozes, como é possível
68
o tirano sanguinário e o povo bestial
Foucault (2002) – circulavam textos e panfletos em que Luis XVI e Maria Antonieta
eram retratados como o casal monstruoso, o chacal e a hiena. Havia nesta época toda
uma literatura que se dedicava a apresentar a figura real, por intermédio de práticas tidas
como monstruosas. Foucault descreve que, mais do que Luis XVI, era Maria Antonieta
quem cristalizava esta figura do monstro. Em primeiro lugar, o fato de ela ser
estrangeira fazia com que se creditasse à ela interesses não franceses, e deste modo,
potencialmente perigosos à França. Além disso, nos panfletos da época, ela era descrita
justificar a sua queda. De outro lado, era o povo revolto, que perdera a razão e
transformara-se de vez em bestas ferozes que comem carne de gente como se fossem
animais.
desqualificar cada uma delas, e justificar as intervenções contra este dois personagens.
Assim, “foi em torno do problema do direito e do exercício do poder de punir que essas
69
As figuras do povo revolto e do rei tirano são, enfim, como explicita Foucault, as
duas grandes imagens do fora da lei de acordo com o pensamento e a política burguesa,
conforme Foucault.
antes o poder de punir se fundava na figura do soberano, de modo que qualquer crime
era um crime contra o rei, e a punição deveria – em seu excesso – mostrar a força deste
forma, o poder soberano de fazer morrer e deixar viver, é substituído pelo poder de
70
fazer viver e deixar morrer. As tecnologias disciplinares que emergiram daí exigiam
utilitarista. Segundo Foucault (2004a), a nova economia do poder de punir procura não
similarmente, não se trata mais da infração, mas desta transformada em crime. Logo, o
que passa a estar em jogo nesta composição de forças, não é tanto o ato cometido e sim
momento, para que se possa aplicar a punição, será preciso provar não só a razão do
sujeito (sua racionalidade), mas a razão do crime (os motivos). Há, portanto, ressalta
Foucault, “(...) uma inadequação entre a codificação dos castigos, o sistema legal que
mudança no sistema penal por meio de uma observação no prefácio de seu livro O
71
Homem delinqüente. Segundo o autor, há
não havia se constituído como saber médico. Ela surge como um ramo especializado da
higiene pública. Foram necessárias duas codificações simultâneas, para que a psiquiatria
se estabelecesse como saber científico, isso é, um saber que detém uma legitimidade
sobre a verdade. Foi preciso codificar a loucura como doença e perigo ao mesmo tempo.
72
Acrescenta-se a estes crimes o fato de todos eles terem sido cometidos sem
economia do poder de punir, o crime sem razão, que constitui a terceira circunstância da
prática do canibalismo.
penal não consegue estabelecer os interesses, segundo Foucault (2002), não existe
como é o caso das guerras, rebeliões, massacres, em que o canibalismo é uma tática.
acusação, como indica Foucault (2002), a psiquiatria tentará comprovar, como o sujeito
se parece e sempre se pareceu com o seu crime, como se toda sua vida tivesse sido
preparada para aquele momento grandioso, o do crime. A defesa, por outro lado, se
apoiando nos mesmos elementos, tenta mostrar como o sujeito, na verdade não se
ruptura, acrescenta Foucault. Desta maneira, todos os sinais, que eram entendidos pela
acusação como sinais de uma periculosidade inata, de uma monstruosidade moral, são
encontrar em todos eles uma universalidade, uma regra geral, para que possa se
justificar como discurso verdadeiro, como saber científico. Segundo Michel Foucault,
73
dominação, mas aquilo porque, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos
perigoso, mas a doença que precisa ser curada) ou à uma natureza criminosa, (que cada
por trazerem algum elemento médico ou jurídico que até então não havia aparecido.
Jeffrey Dahmer, conhecido como “o canibal de Milwaukee”, foi condenado a 957 anos
de prisão, por ter matado 17 homens e garotos entre os anos de 1978 e 1991. O
canibalismo foi utilizado em seu julgamento, somente como um elemento a mais para
– Dahmer foi uma criança muito amada e, apesar da gravidez complicada, era um garoto
normal e saudável, cujo nascimento foi celebrado. Gostava de brincar com blocos de
autora conta, com base nos depoimentos do pai de Dahmer, que apesar das constantes
infecções no ouvido e na garganta, ele era um garoto feliz. Seu pai se lembra de um dia
olhos de Jeffrey Dahmer brilhavam de alegria. No entanto, quando tinha 4 anos, o pai
de Dahmer lembra-se que varria os restos de um animal morto que encontrara de baixo
74
das escadas, e que o barulho dos osso parecem ter estranhamente fascinado o garoto.
Deste dia em diante, o pai de Dahmer sentia que algo malicioso e obscuro crescia dentro
do menino.
Aos seis anos, descobriram que o pequeno Jeffrey sofria com uma hérnia dupla
inguinal (na virilha) e que precisava de cirurgia. Bardsley menciona que depois disso,
ele nunca mais recuperou sua alegria e vivacidade, que passou a parecer menor e mais
vulnerável. Neste mesmo ano, sua mãe engravidou do seu irmão David e seu pai
pareceu brotar em Dahmer. “O garotinho que antes parecia tão feliz e seguro de si fôra
menino era normal por causa da situação, já que ele mesmo era mais tímido quando
criança. Entretanto, entre os seus 10 e 15 anos, Jeffrey parece ter se tornado mais
deve ter se tornado seu primeiro objeto de desejo sexual, e a impossibilidade de falar
sobre tão estranhas fantasias com alguém, deve ter cortado de vez os seus laços com o
doença mental, na verdade ele se tornou cada vez mais quieto e passivo. Na escola seus
colegas o consideravam um alcoólatra. Ao mesmo tempo, seus pais passaram a ter mais
tornou cada vez mais evidente, depois de uma tentativa frustrada de colocá-lo na
75
universidade, seu pai o alistou forçadamente no exército. Dahmer, porém, foi expulso
por permanecer bêbado grande parte do tempo. Em 1989 Jeffrey Dahmer foi
sentenciado por abuso de crianças, mas conseguiu uma licença para trabalhar de dia e
voltar à prisão à noite, e, de acordo com Bardsley (s/d a), dez meses depois foi liberado
embora, fez sexo com o cadáver, depois desmembrou e enterrou. Só em 1987 é que iria
matar a sua segunda vítima. Dahmer conheceu um rapaz num bar gay, e disse que
quando acordou o rapaz estava morto e havia sangue em sua boca. Levou então o
cadáver para o porão de sua avó, fez sexo com ele depois desmembrou e jogou no lixo.
Alguns meses depois, levou para casa e matou um garoto de programa de 14 anos. Em
1988 matou um jovem mexicano e também um rapaz negro. Segundo Bardsley (s/d a)
foi a partir de Jamie Doxtator, a terceira vítima, que começou a seguir um ‘padrão’,
achava sua vítimas em bares gays ou ‘casas de banho’, levava para casa para tirar fotos
ou fazia sexo com o cadáver. Desmembrava o corpo e por vezes guardava algum
limpo pintava de cinza para que parecesse falso. Bardsley acrescenta que Jeffrey
acusações de um homem que escapara de Dahmer. Além dos pênis em formol e crânios
76
insanidade, contrariando sua própria defesa que tentava ainda negar os crimes.
Enquanto o advogado de defesa teria que provar agora que apenas um doente mental
faria as coisas que Dahmer fez, a acusação tentava mostrar que ele “(...) era um
psicopata maléfico que enganou suas vítimas e as matou a sangue frio” (BARDSLEY,
doente ou mal, alegando que um homem são jamais faria as coisas que Dahmer fez,
não matou ninguém – logo não era o impulso que o movia, mas um decisão pensada – e
que além de tudo era um homem bem articulado e manipulador que já havia enganado
dezenas de pessoas. A questão dos advogados, sustentadas pelos psiquiatras, era decidir
se Dahmer era ou não legalmente responsável por seus crimes. Ao final, o júri levou
mais de 5 horas deliberando para chegar a um acordo sobre a sentença. Jeffrey Dahmer
única explicação para seus crimes esteja na genética. Durante a descrição sobre a vida
gravidez, os problemas de saúde e mesmo o divórcio dos pais, são colocados apenas
Em seu julgamento, não coube apenas ao júri decidir sobre sua culpabilidade ou
77
(...) mesmo se o sujeito em questão é culpado, o que o juiz vai poder
condenar nele, a partir do exame psiquiátrico, não é mais
precisamente o crime ou o delito. O que o juiz vai julgar e o que vai
punir, o ponto sobre o qual assentará o castigo, são precisamente
essas condutas irregulares, que terão sido propostas como a causa, o
ponto de origem, o lugar de formação do crime, e que dela não forem
mais que o duplo psicológico e moral (FOUCUALT, 2002: 22).
alegou que Jeffrey Dahmer era um caso especial, pois enquanto para grande parte dos
serial killers, a morte é ponto final, onde cada ato, cada movimento leva, finalmente, à
morte da vítima, para Dahmer, tudo começava com a morte e a partir daí é que se
padrão, diante da conduta dos indivíduos, o que pode justificar tanto uma intervenção
médica – quando o padrão é avaliado enquanto doença – quanto uma intervenção legal.
não foram encontradas, estabelece-se que se trata de uma característica nata, que talvez
Diferente de Jeffrey Dahmer, procurou-se atribuir a Gein uma anomalia causada pela
seu histórico de vida. Ed Gein nasceu em uma pequena comunidade rural, no interior de
Wisconsin, EUA. De acordo com Bell & Bardsley, Gein era filho de uma mulher
78
contato com o mundo exterior, tentando assim, livra-los do pecado e da imoralidade. Na
casa da família Gein, apenas a mãe tinha voz, o pai e os meninos somente obedeciam,
era ela inclusive que fornecia o dinheiro para a família. As crianças na escola não
tinham muito contato com Eddie, e os poucos que se aproximavam eram escorraçados
pela mãe de Gein, a quem ele não se opunha. Até tornarem-se adultos Ed Gein e seu
irmão só tinham a companhia um do outro. Quando seu pai morreu em 1940, ele e seu
irmão tiveram que cuidar da casa e da mãe, e começaram a prestar serviços para a
comunidade. Gein, por vezes, cuidava das crianças da vizinhança, com quem ele se
Bell & Bardsley expõem que, ao contrário de Gein, seu irmão criticava a mãe
por vezes brigava com ela. Em 1944, o irmão de Gein foi encontrado morto com uma
polícia não acreditou que ele pudesse ter matado o irmão e arquivou o caso.
irmão, devido a uma série de derrames, e ele ficou sozinho e trabalhando na fazenda da
família. Com a morte da mãe, Eddie “perdeu sua única amiga e verdadeiro amor”
(BELL & BARDSLEY, s/d: online, tradução livre). Ele passou a receber subsídios do
morte de sua mãe, trancou o quarto dela e o deixou da mesma forma que era, sem nunca
mexer nele. Lacrou também a maior parte dos outros cômodos vivendo apenas em um
dos quartos e na cozinha. Conhecido como weird old Eddie (o estranho velho Eddie),
Brottman menciona que Gein começou a manifestar uma curiosidade pela anatomia
79
atrocidades cometidas pelos nazistas na segunda guerra.
Bell & Bardsley destacam que rumores de que Eddie colecionaria pedaços de
pessoas na região em que Gein vivia, ficara sem resposta até o momento da morte de
Berenice Worden, mãe do delegado local. Porém a busca na casa de Gein levou a
caixas. Cabeça e outras partes do corpo também preservadas. Brottman (2001) expõe
A princípio Edward Gein negou todos os assassinatos, mas depois de vários dias
lembrava do momento da morte, pois fora tomado por uma confusão em sua cabeça.
Segundo Bell & Bardsley, E. Gein não mostrou nenhum sinal de emoção ou remorso
durante o interrogatório, “ele não tinha a menor noção da enormidade de seus crimes”
(BELL & BARDSLEY, s/d: online, tradução livre). Durante o julgamento, a sanidade
de Gein foi colocada em questão. Depois de uma série de testes psicológicos psicólogos
sexual”. Na década de 1950, Ed Gein recebeu grande notoriedade, e seu caso se tornou
Depois de passar por um período de 30 dias numa instituição mental, Gein foi
avaliado como mentalmente incapacitado, não podendo, deste modo, ser julgado por
assassinato em primeiro grau. Passou mais 10 anos na mesma instituição mental, até que
80
foi considerado capaz de responder à um julgamento, a partir do qual se pretendia
decidir se ele era ou não culpado da morte de Worden. Novamente julgado, foi
mentais, foi declarado não culpado por insanidade e mandado ao hospital para Central
State Hospital for the Criminally Insane, onde, segundo o superintendente gera do
hospital, era um paciente modelo, e talvez mais feliz do que ele já foi em toda sua vida.
Dahmer, posterior a Gein, a resposta foi encontrada por meio da medicina genética, este
que deu base a todo argumento freudiano, culminando nas perversões, que seriam
desligamento da criança com a mãe (em uma alusão ao incesto), como – no caso do
dentição, também chamada de fase canibalística por alguns autores), a anal (expulsiva
com relação a superação de uma destas fases. Para a psicanálise, portanto, o problema
edipiano, consistiria na recusa de dividir o amor da mãe com o pai e no medo de que
O psicanalista afirma ainda que “temores da fase fálica condicionam, com suas
81
raízes pré-edipianas, a necessidade de vias parafílicas para a satisfação sexual, das quais
Anterior ao caso de Gein, Albert Fish explicita nos tribunais uma questão que se
torna importantíssima para o saber psiquiátrico, que traz novos elementos para a sua
Bardsley (s/d b) relata que Albert Fish perdeu o pai quando tinha 5 anos. Foi
criado em um orfanato até aproximadamente seus 9 anos, onde ele e os outros garotos
apanhavam “sem piedade” e, segundo declara, eram obrigados a fazer coisas que não
82
para viver com ele, e foi lá também que conheceu sua esposa. Teve 6 filhos com ela, até
que ela fugiu com outro homem, o abandonou levando todos os móveis da casa, não
deixando nem os colchões para as crianças. Fish casou-se outras três vezes.
Os filhos de Fish contam, segundo Bradsley, que depois que sua mulher o
deixou, suas experiências excêntricas tornaram-se mais freqüentes. Albert Fish fazia
experiências de todo o tipo com excrementos. Costumava também, colcar algodão com
álcool no ânus e atear fogo. Além disso, Albert Fish, em seu julgamento, confessou que
durante anos vinha enfiando agulhas na região entre o saco e o ânus, e algumas agulhas
que não conseguia retirar ainda se encontravam dentro do seu corpo. Diante da
declaração que parecia absurda, os médicos resolveram tirar um raio X da sua pélvis, e
A autora relata ainda, que os filhos de Fish o viam se batendo com uma pá cheia
de pregos até que estivesse banhado em sangue, gritando ao mesmo tempo ‘eu sou
Cristo’. Segundo ela, a partir dos 55 anos, Fish começou a ter alucinações em que Deus
perto de umas árvores todo machucado, com as roupas arrancadas de seu corpo,
Em 1927, em New York. Billy Gaffney, de 4 anos brincava com seu vizinho
Billy de 3 anos, quando os dois sumiram. O menor foi encontrado sozinho no telhado do
prédio onde vivia, chorando que ‘o homem do saco’ teria levado seu amiguinho. Fish
levou o garoto para um depósito de lixo, tirou suas roupas e o amarrou. Chicoteou suas
costas até sangrar e cortou suas orelhas, nariz e sua boca (de uma orelha à outra).
Arrancou seus olhos, enfiou uma faca em seu umbigo e chupou o sangue. Cortou ele em
83
vários pedaços e jogou uma parte no rio em um saco cheio de pedras. Outra parte ele
Em 1928, nos EUA, contratou Edward Budd para tomar conta de sua fazenda
sob o nome de Frank Howard. Desta forma se aproximou da família Budd, que
creditava a ele um rosto muito simpático e confiável. Um dia perguntou se poderia levar
a pequena Gracie (irmã de Edward) à uma festa infantil. Os pais consentiram e homem
nunca mais apareceu com Gracie. Seis anos depois, em 1934, os pais de Gracie
receberam uma carta na qual Albert Fish descrevia em detalhes o que tinha feito à
Gracie. A família Budd entregou a carta à polícia. Na carta ele contava a história de que
se comiam crianças na China na época de fome, em 1894, explicando por este episódio
Bardsley ressalta, que antes de ser preso pela morte da menina Gracie, por meio
da carta que mandara, Fish já havia sido preso algumas vezes por roubo e por escrever
cartas obscenas. Em seu julgamento, disse que já tinha atacado centenas de crianças, e
que em geral escolhia as afro-americanas, já que a polícia não ligava muito quando estas
desapareciam. Disse também que morou em 23 estados e que matou pelo menos uma
seria única nos anais da psiquiatria e literatura criminal, e acrescenta ainda em seu
entretanto, os quatro psicólogos da acusação alegaram que ele era são. Entre os
84
anos antes com o certificado de “são e inofensivo”. Durante o julgamento, os advogado
em afirmar a sanidade do réu para não admitir um erro em seu diagnóstico anterior.
O discurso da acusação consistia em declarar que Fish era legalmente são, que
sexual, ou psicopata sexual, todos os seus atos contra a menina foram premeditados, e
A defesa por outro lado, tentava mostrar como Fish não se parecia consigo
mesmo diante do crime. Segundo Bardsley, a defesa alegava que Albert Fish era um
bom pai, bom vizinho, e que cuidar bem de suas crianças quando sua mulher o
abandonou. Descrevia ainda, que a doença de Fish era de caráter hereditário, e mostra
como a psicose é um fator comum em seu histórico familiar. O seu tio, por exemplo,
fôra diagnosticado com uma psicose religiosa e morrera num hospício. Um meio irmão
mãe era considerada muito excêntrica e dizia ouvir e ver coisas. Uma tia era
O Júri declarou Fish culpado. Bardsley observa que a princípio o veredicto não
animou muito o réu, porém, quando soube que seria executado na cadeira elétrica, seus
85
A descrição feita por Bardsley contribui com o diagnóstico psicótico feito pela
defesa e pela acusação no tribunal. A escrita jornalística tem esse caráter de descrever
os fatos sem atribuir, supostamente, nenhum julgamento. Porém, a própria escolha dos
discursivas, consiste em
específicos, uma monstruosidade que tem sua origem no mal, como valor universal.
doença e como perigo, durante os séculos XIX e XX, quando o saber psiquiátrico e a
86
(2002: 149). A criminologia emerge sob esta conjuntura com a finalidade explicar a
O conceito de delinqüência...
por Ballone, o autor descreve que, “alguns identificam nessas pessoas naturalmente
Veremo-los, porém, reaparecer, de longe, nas situações extremas, por exemplo, nas
cidades sitiadas, na fome, nos naufrágios (...)” (LOMBROSO, 2001: 93), e acrescenta,
87
“Não podemos estudar a evolução natural dessa terrível forma de homicídio se não entre
sociedades ocidentais que não estejam ligadas à situações extremas permite retomar a
questão dos crimes sem razão. Enquanto o canibalismo estivesse inserido em situações
Por muito tempo a antropologia criminal, da qual trata Lombroso, foi a medida
em tecnologias biológicas, médicas e jurídicas. Aliás, hoje mais do que nunca, nas
88
Ele os distingue entre o criminoso nato, que continha em sua substância resquícios do
homem selvagem. Era por este motivo quase que um subumano. O criminoso louco, ou
mentais com relação à moral. Ou ainda, o criminoso profissional, que assim se tornava
devido a pressões geradas dentro de seu próprio meio. Um criminoso primário poderia
até conter em si uma predisposição hereditária para o crime, porém só era levado a
seria aquele controlado por suas emoções que se deixa levar por seus impulsos violentos
ultrapassadas, é possível perceber que as questões que ele levantava apenas foram
redimensionadas para serem respondidas por saberes considerados mais científicos, que
que estas pessoas por seus comportamentos anti-sociais seriam más), encontrando na
biologia a origem do mal, sem, no entanto, questionar a própria noção de maldade. Mas
A medicina da saúde mental criou uma infinidade de conceitos que, podendo ser
ajustados a uma escala de leve a grave, são utilizados no momento em que se procura
As práticas de canibalismo das quais se tem notícia ao longo do século XX, são
preventivas.
psicanálise como impróprio por estar associado à maldade e corrupção, como declara,
por exemplo, o psicanalista Silva Filho. Porém, ele alega que: “Longe de mim querer
sua perversão” (1987: 3), e isto comprova que a noção de desvio sexual permanece,
nocivos. Segundo Jorge Leite, o sadismo passou a ser uma patologia quando “o
que não reconheceu nele um escritor, apenas um caso clínico” (2006: 241).
G. J. Ballone (2003).
Não exige-se mais que alguém considerado sadio só realize o sexo convencional,
ao contrário, é comum, pelo que se pode perceber por meio de revistas direcionadas à
jovens ou mulheres, ou ainda em alguns programas de TV, que saudável passou a ser o
limite considerado são. É possível dizer que estes elementos são normalizados no
elas são toleradas pela sociedade. De uma forma geral, elas são entendidas como
situações desfavoráveis a vida familiar. Para ele, isso depende exclusivamente do grau
em que este comportamento se encontra. São os casos classificados como graves, como
explica o autor, que interessam aos psiquiatras forenses, e que estão diretamente
92
Capítulo III: Controle e canibalismo voluntário
Até o final do século XX, pode-se dizer que o problema da psiquiatria forense e
como outras ciências, está mais interessada em descobrir não mais as causas, mas os
Sem levantar dúvida sobre a existência do mal, o autor questiona se há, ou não,
uma personalidade propensa ao crime, que infringiria muitas vezes aos seus
semelhante. O problema deste conceito, segundo Ballone, estaria no fato dele permitir a
como definir precisamente o que seria a doença e o que seria o ‘caráter’, para que a pena
peste.
93
Sua operacionalização, na sociedade de controle, provém de
resultados de pesquisas voltadas ao combate à pobreza, no início da
década de 1990, e baseia-se na qualidade de vida, articula a
educação voltada à responsabilidade social; a estatística
redimensionada em georreferenciamento; o cálculo do algorítimo do
risco, proveniente da matemática, projetando índices de zonas e
pessoas preferencialmente expostas a sofrer ou cometer
determinados crimes; referências metodológicas extraídas da
medicina epidemiológica e investimento em equipamentos sociais,
articulando polícia, comunidade, Ong’s e governos. (NÚCLEO DE
SOCIABILIDADE LIBERTÁRIA, s/d b: online)
sociedade de controle.
hospital e a prisão, criando e seguindo moldes, Deleuze (2004b) expõe que a sociedade
ocupados. O controle, acrescenta Deleuze, opera através de uma modulação “como uma
94
moldagem auto-deformante que mudasse continuamente, a cada instante (...)” (2004b:
221).
a partir das senhas que se pode identificar o sujeito, são elas que identificam a
possibilidade de acesso.
importante estar atento ao fato de que estes mecanismos não são excludentes. Segundo
Edson Passetti,
95
O autor desenvolve a noção de sociedade de controle, partindo das reflexões de
participação e o fluxo inteligente. O lugar (fixo, rígido) cede espaço aos fluxos (virtuais,
sociedade é gerida pela lógica empresarial (ainda que, para o autor, esta afirmação seria
utilizado como fonte e objeto de análise nesta pesquisa –, dedicado a expor o máximo
agentes, ser uma publicitária. Para a continuidade de qualquer sistema é necessário que
haja sua promoção. A exposição dos chamados criminosos e seus crimes contribui para
Mas se a própria vida é gerida pelos moldes empresariais, cada vez mais as
Edson Passetti (2003), a empresa cria uma comunidade constituída nos moldes dos
c). Procura trazer aos seus trabalhadores tudo o que eles necessitam, da formação (deles
96
outras palavras, na sociedade de controle, o mercado funciona 24hs por dia para atender
quase qualquer outra atitude com relação ao trabalho, seja executada de onde quer que
haja um aparelho ligado à rede. Além disso, a flexibilização do tempo também atende à
empresa.
e na docilidade política,
um novo perigo
97
(...) a rede mostra seu incrível poder de agregar pessoas que de
outra forma jamais, ou muito dificilmente, se encontrariam. As salas
de bate-papo, com seu sigilo aparente (desde que é possível rastreá-
las, se necessário for), permitem a exposição de fantasias e desejos
os mais bizarros e a possibilidade de encontrar alguém com
interesses semelhantes. (TELLES, 2003: online)
Talvez muito mais eficazes que as salas de bate-papo que ainda exigem, no
pessoais. Estas ficarão disponíveis para serem vistas, agregadas, espiadas, selecionadas,
controle.
tornaram conhecidos. Como o de Fritz Haarmann que – junto com seu amante – matou,
(GILBERT, s/d ). Ou, o caso do outro alemão Joachim Kroll que, entre os anos de 1955
e 1976, matou, mutilou, fez sexo, e comeu da carne de 14 mulheres jovens e crianças
(RAMSLAND, s/d ).
dois envolvidos, em um site de relacionamentos, até a denúncia do caso via internet, por
um estudante austríaco.
Folha Online, no ano de 2001, Armin Meiwes e Bernd Jürgen Brandes se conheceram
anos que desejasse ser esquartejado e devorado. Outras pessoas já teriam respondido ao
anúncio, mas segundo a reportagem na revista Veja (10/12/2003), Meiwes teria achado
que as intenções de Brandes eram mais sérias o que a dos outros, já que algumas das
pessoas com quem ele tinha se encontrado, apenas queriam “brincar” de canibalismo,
infiltrações em sistemas de segurança, capturar agentes espiões etc., e que somente com
o fim da ameça socialista foi utilizada para facilitar a troca de pesquisas nos E.U.A.
informações, depositadas a todo instante, por pessoas do mundo todo, seguindo certos
99
Figura 5. Uma das mensages publicada no fórum Cannibal Cafe por ‘Franky’: “Publicado por Franky em 19 de
Novembro de 2001 às 14:36:11. Procuro rapaz jovem entre 18 e 25 anos. Se você tiver um corpo normal eu irei
abatê-lo e comer sua deliciosa carne. Franky”. (Tradução livre)
como totalitarismo; não há respiração sequer para reflexão, apenas o convite para se
compatível com a rugosidade do corpo. O que é muito profundo, obscuro, deve ser
manter alguma coisa, alguma ordem. Estas procuram dar permanência, continuidade, a
algo. A perfectibilidade (sem vincos ou rugas), como enfatiza Edson Passetti (2003), é a
engenheiro de 42 anos, tomou um trem para Rotenburg, cidade em que vivia Meiwes, o
Online, Brandes tomou alguns analgésicos com Whisky para que Meiwes pudesse lhe
amputar o pênis, como era seu desejo (FRANCE PRESSE, 03/12/2003). Outras fontes
101
juntos, mas me fez prometer que eu só o mataria quando ele estivesse
inconsciente", contou. O técnico arrancou o pênis do engenheiro com
uma faca de cozinha, cortou ao meio e fritou em óleo. Depois, serviu
com vinho. Não comeram tudo porque a carne ficou rígida,
intragável. Nesse momento, Juergen desmaiou. Foi então que o
canibal decidiu esquartejá-lo. (VEJA, 10/12/2003: online)
tentado flambar o pênis, temperado com sal e pimenta, antes de resolver fritá-lo. Em
recente entrevista à emissora RTL, na Alemanha, Meiwes teria afirmado que, "a carne
humana tem o mesmo sabor daquela de porco, é apenas levemente mais amarga, mas
de beleza à escolha do pênis como objeto de desejo a ser devorado. Por mais que a
‘vítima’ não correspondesse aos pré-requisitos (Meiwes comentou nos tribunais seu
desapontamento pelo fato de Brandes ter mentido sobre a idade, afirmando ter 36 anos.
102
avalia-se qual é a mais vantajosa, tendo como critérios a ‘certeza’ (ou credibilidade) do
declarou que outras pessoas se ofereceram para ser comidas, porém, entre elas, um era
muito gordo e outros apresentaram dúvidas. Quanto ao fato de comerem o pênis, remete
à penetração.
Isso faz mais sentido se pensarmos que existe uma resitência muito maior ao
sexo entre dois homens do que entre duas mulheres, já que entre homens a penetração é
possível, enquanto que entre mulheres a pentração de objetos, por exemplo, é vista
relações de dominação onde há, necessariamente, um elemento ativo que deve penetrar
que este desmaiasse, esfaqueou seu pescoço e retalhou sua carne, registrando tudo em
vídeo (LK, 12/12/2002), fato também confirmado pelas outras fontes (BBC, Estadão,
103
Folha Online, DW-World). Por aproximadamente um ano, Armin Meiwes comeu 20
dos 30kg de carne do parceiro em suas refeiçõe regulares, e assistiu aos videos para
vídeo perdendo, desta maneira, o seu volume, a sua carne, mas ao mesmo tempo
tela na medida que ela existe porque pode ser vista, mesmo se apenas por seu executor.
Jeffrey Dahmer, no final do século XX, fotografava cada etapa de sua ‘obra’ para poder
apreciar depois. Tanto para Dahmer quanto para Meiwes, as imagens que eram usadas
para seus prazeres pessoais, tornaram-se provas de seus atos e acusações contra eles.
os objetos (coisas, pessoas, planeta) pelas partes, desmembrando-os, nas artes (ou nas
modelo reduzido (não importa se é uma obra de arte ou um filme caseiro), “por ser
STRAUSS, 2002: 39). Isso porque ele pode, mesmo que ilusoriamente, dar a dimensão
104
mesma reflexão, o autor não faz menção à arte em movimento, como o cinema, por
exemplo, mas poder-se-ia pensar neste meio como uma outra forma de modelo
reduzido, pois ele reduz o seu objeto à escala bidimensional, mesmo se em movimento.
Aquilo que pode ser visto em sua totalidade, aquilo que é mais completamente
conhecido, é mais controlável. E conforme o autor, “(...) mesmo que isso seja uma
ilusão, a razão desse procedimento é criar ou manter essa ilusão, que gratifica a
inteligência e a sensibilidade de um prazer que, nessa base apenas, já pode ser chamado
Lévi-Strauss refere-se às artes quando aponta este prazer estético, mas talvez não
objeto, seja a cor, a textura, o cheiro, volume, etc., e tanto um registro fotográfico,
quanto uma vídeo caseiro, cumprem este papel. Ainda que não se possa negar que, mais
do que as outras técnicas, a técnica de vídeo faz crer na realidade dos fatos, em função
todo para deleite posterior, e uma bidimensionalização, da forma como expõe Paula
vida. O alemão conseguiu proibir a exibição do filme, no qual sua vida havia sido
reduzida a uma história de terror (AFP, 03/03/2006), mas não descartara a possibilidade
105
Talvez seja possível dizer que o modelo reduzido da arte, ou a
aparecer. Quem participa aparece, existe. Quem aparece mais, vira celebridade,
exemplo, alvo. Armin Meiwes foi preso depois de anunciar em fóruns na internet, que já
havia matado e comido alguém. Neste sentido, ser capturado pode ser uma forma de
sua aventura e, talvez, mesmo que por um momento, até quisesse ser descoberto.
até o momento, foram usados no processo judiciário tanto como prova incriminatória
pela acusação, quanto prova de absolvição pela defesa. A grande questão que este caso
trouxe para a justiça penal foi o fato da chamada vítima ter sido voluntária e o fato do
caso não tratava nem precisamente do que seria uma eutanásia, considerada ilegal na
106
Alemanha (de onde a defesa tirava sua base), nem do que se classificaria como
com a instituição jurídica como “crime sem razão”. Um ato considerado tão irracional,
tão absurdo, que não haveria a necessidade (pelo menos até o momento) de classificá-lo
defesa tiveram que encontrar outros meios para dobrar o dito crime e classificá-lo de
alguma forma.
réu matara à pedido. A pena para o que seria crime de eutanásia, ou de morte à pedido
Meiwes era um bom sujeito e que de forma alguma se parecia com seu crime, e que
mesmo não sendo doente mental, sua infância difícil o teria marcado com alguns
traumas que poderiam ter sido resolvidos por um psiquiatra (FOLHA ONLINE,
16/10/2007: online).
Em uma das manchetes sobre o caso lia-se: “Canibal alemão queria casar e ter
de duas testemunhas que teriam tido um relacionamento com Meiwes. Duas mulheres.
Estas afirmam que ele era atencioso, gentil, porém um pouco infantil. As declarações
bem’, longe de suas perversões, educado, polido, gentil, bom trabalhador, eficiente e
heterossexual. Fica clara a intenção da defesa de diferenciar o sujeito de seu ato tido
como criminoso, mas não na tentativa de qualificá-lo como inimputável diante de sua
107
demência, já que desde o princípio este foi considerado totalmente responsável em suas
seu ato, mas que ainda assim, há na base de suas estruturas uma disfunção. O próprio
BBC, DW-World, Folha Online, Estadão, entre outras – que teria problemas por ter sido
abandonado pelo pai e pelo irmão durante a sua infância, e que a partir daí criou a
Em contra-partida, a acusação faz uso dos mesmos elementos para mostrar como
o sujeito perigoso é na verdade dissimulado. Rhodes (2004), ressalta com relação aos
encarcerados tidos como psicopatas, que considera-se que nenhum bom comportamento
partindo deles é verdadeiro. Sobre Collins, um destes prisioneiros, Rhodes observa que
suas atitudes eram sempre entendidas como inadequadas e prova de sua psicopatia, pois
imitar as exigências do seu ambiente (...) enquanto oculta uma vontade patológicamente
Meiwes com casos anteriores. Em uma notícia se lê que “o caso do alemão se assemelha
entre Meiwes e sua mãe morta, a mesma relação que de Ed Gein e sua mãe. Utiliza-se o
108
modelo do pai fraco ou ausente, e a mãe severa, autoritária e super-protetora (GMAX,
Os exames psiquiátricos mostraram que Meiwes não era doente mental, já que o
ato foi inteiramente premeditado, mas que talvez sua vítima o fosse (Terra Uruguay,
mostrar que o réu sabia exatamente o que estava fazendo, que era um sujeito
consentimento da chamada vítima, por outro lado, a promotoria levantou a dúvida sobre
loucura é utilizada para descaracterizar o que se chama de crime, ela é usada aqui para
Meiwes sempre teve a intenção de matar e que explorou um problema mental que
acordo com a mesma fonte, o promotor afirmaria ainda que “em um certo ponto, ele
judiciário cuida em procurar novos elementos para que o canibalismo como ato
109
que "Notícias assim têm de ser levadas a sério", já que a internet seria “meio
para a necessidade de, a partir do caso de Meiwes, pensar novos dispositivos de controle
episódio de Rotenburg, não pode mais haver tabu nesta questão” (ibidem). Também,
se não tivesse havido homicídio, ao abrigo de que parâmetro legal se condenaria alguém
o risco do contágio
polícia pedindo ajuda, pois matara um homem e estava prestes a comê-lo (BOYES,
com o site Times Online, os dois se conheceram em uma sala de bate-papo na internet.
Joe, foi ao apartamento de Meyer e pediu que o amarrasse. Enquanto faziam sexo,
Ralph enfiou uma chave de fenda no pescoço da vítima. Abriu o corpo, alimentou seu
110
gato com os pulmões, cortou, temperou e guardou o pênis na geladeira, e colocou
“Ralf Meyer, 41, decorador, estava claramente imitando Armin Meiwes” (BOYES,
que teria enfatizado que, “diferente de Meiwes, Meyer não chegou a comer nenhum dos
orgãos” (ibidem).
O fato do advogado de defesa enfatizar que não houve canibalismo, ainda que o
réu tivesse matado, cortado, temperado, e até alimentado seu gato, mostra, mais uma
vez, que no caso de Armin Meiwes era o canibalismo que estava sendo julgado. Meyer
foi condenado por assassinato baseado em causas emocionais, com motivação sexual.
o caso de Meiwes pudesse enfraquecer o tabu contra comer carne humana” (BOYES,
pessoas a querer comer carne humana, e como se o fato de Meiwes ter procedido desta
forma, sugeriria que o ato de comer carne humana fosse banalizado – discurso
declarado que ainda tinha desejos de canibalismo e temia não conseguir se segurar,
contribuiu para que seu caso fosse encarado como um distúrbio mental.
Em janeiro de 2006 foi divulgada outra notícia. Desta vez o caso de um sueco
que no ano anterior havia matado duas mulheres, bebido o sangue e comido a carne. O
111
Também em 2006, a Folha Online (16/04/2006) publicou outra notícia em que
quase ocorreu um ato de canibalismo. Neste caso, o corpo de uma menina foi
carne, deduziu que o ato, "parece fazer parte de um plano de seqüestrar uma pessoa,
estuprá-la, torturá-la, matá-la, cortar sua cabeça, tirar sangue do corpo, estuprar o
cadáver, comer o corpo e então tirar seus órgãos e ossos" (FOLHA ONLINE,
Além destes, é possível citar uma série de outros casos. Alguns ainda fazem
australiano que, também em 2001, teria matado outro em um camping, e comido sua
perna e seu pênis (FOLHA ONLINE & FRANCE PRESSE, 06/05/2004). Ou, o caso da
mulher russa, que teria matado um homem e, junto com seus dois filhos, o teria
17/11/2005). Também, em 2007, foi divulgada a história de um sem teto que teria
foi acusado de ter matado e comido duas mulheres (ANSA & FRANCE PRESSE,
15/10/2007). Um Outro, na Espanha, de um inglês que admitiu ter matado e comido sua
polícia, estava drogado, nas Filipinas (EFE, 05/08/2008), e também, desta vez no Texas,
um homem que matou e comeu a namorada alegando que atendia a um pedido divino
112
A quantidade de novos casos de canibalismo na mídia possibilita, pelo menos,
globalizados, permitem ter acesso mais facilmente à notícias do mundo todo, dando a
jurídicas.
penal de aplicar uma punição mais severa à Meiwes, para que sua punição sirva de
prática tinham como objetivo erradicar o mal impedindo que ele se alastrasse entre os
corpos considerados sãos. Mas se o modelo da lepra atua simplesmente pela expulsão
dos doentes, dos portadores do mal, o modelo da peste vai mais além. Ele insere a
o policiamento constante, como medidas para evitar e corrigir. Procura identificar o mal
capilares atingem sem cessar o próprio grão dos indivíduos, seu tempo, seu habitat, sua
113
caso de Armin Meiwes é utilizado para se justificar uma pena mais agressiva ou mesmo
canibalismo. Depois que Armin Meiwes foi condenado a 8,5 anos de prisão, as notícias
Neste sentido, uma pena mais dura, serviria de exemplo impedindo que outros casos
como este voltassem a ocorrer. De fato, a pena inicial de Meiwes foi anulada e ele foi
participação e denúncia
Figura 8. “Publicado por Franky em 18 de Agosto de 2002 às 13:26:37. Em resposta à: procurando por um homem
que me coma publicado por slaveboymeat em 16 de Agosto de 2002 à 06:11:53. Oi, estou muito interessado em
você, me envie mais detalhes seus por e-mail, altura, peso... Eu sou Franky da Alemanha e um Canibal de verdade.
114
Me escreve em: antrophagus@hotmail.com. Seu açougueiro. Franky. : Tenho 16 anos e adoro pensar em um homem
comendo minha deliciosa carne para dentro de sua barriga. Eu realmente quero muito ser comido, então por favor,
me diga como você irá me cozinhar e eu retornarei o contato. Aguardo sua sugestão pelado e pronto para ser
desmembrado.” (Tradução livre).
Figura 9. “Publicado por Franky em 10 de Setembro de 2002 às 10:11:09. Em resposta à Extremmetager gesucht,
publicado por Hänsel em 08 de Setembro de 2002 à 13:35:09. Olá Hänsel, Imaginar-se ser assado vivo é uma
fantasia muito bonita, ainda mais com você como vítima. Mas, considere que, em função de seu peso, você tem
cerca de 35 k de carne. Se portanto cada canibal comer umas 500 g de sua carne na refeição (o que é uma porção
muito grande), serão necessárias cerca de 70 pessoas para comê-lo. Afinal, nada de sua preciosa carne deverá sobrar
e estragar. Juntar um grupo tão grande de comensais seria bem difícil. Se você se decidir a deixar-se abater e
destrinchar “normalmente”, então entre em contato comigo antrophagus@hotmail.com. Eu o abaterei e destrincharei
profissionalmente, e depois o comerei completamente com outros amigos canibais. Aguardo ansiosamente por sua
resposta, Seu mestre açougueiro. Franky. Bin 25/1.82/68- quem quer me assar vivo no forno – procuro açougueiro
gay” (Tradução por Dorothea Passetti).
à polícia através da própria internet, conforme as notícias nos sites da BBC e DW-
115
World. Seguindo as pistas do estudante, a polícia foi até a casa de Meiwes e encontrou
videos e pedaços de carne congelados, que não permitem dúvida quanto ao ocorrido
(EF, 03/12/2003).
é cada vez mais ‘democrático’. Todos são convocados a ser polícia dentro de suas
caso da polícia comunitária, e cada um, cada vez mais, é convocado a policiar os que
para denúncias. Fora do mundo virtual esta participação pode ser através de e-mails
propunha uma enquete em que colocava a questão: “Você concorda com a sentença de
8,5 anos de prisão para o canibal de Rotenburg? Caso contrário, que pena você daria?”
(figura 10). Mais do que convocadas à participar, as pessoas são convocadas à julgar, a
tomar posições determinadas sobre a vida alheia. E, além das enquetes, também é
116
comum, nas fontes de informação acessadas pela internet, existem espaços dedicados ao
Enquete
Você concorda com a sentença de 8,5 anos de prisão para o canibal de Rotenburg? Caso
1. Sim, é justa
______________________________________________________
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. Número
(%) (%) (%) (%) (%) (%) (%) (%) total de
votos
Resultado em
5,5 3,7 9,2 18,6 25,8 23,7 8,4 5,1 511
18/09/2004
Resultado em
9,9 11,0 11,4 14,5 18,5 15,2 10,2 9,3 1.689
13/03/2006
Resultado em
9,5 10,3 12,6 13,0 20,3 13,9 9,8 10,7 2.108
06/08/2008
__________________________________________
117
Até o dia 13/03/2006, 1.689 participaram da enquete, sendo que até o dia
18/09/2004, 511 pessoas tinham participado. No ano de 2004, o alemão tinha sido
condenado à 8,5 anos de prisão, mas quando a segunda consulta aos resultados foi feita
o alemão era julgado pela segunda vez, sob o risco de prisão perpétua. As enquetes,
psiquiátrica (25,8%; 18,5%; e 20,3%), pena de morte (23,7%; 15,2%; e 13,9%) e prisão
perpétua (18,6%; 14,5%; 13%). Em uma nova consulta, no dia 06/08/2008, 2.108
pessoas haviam votado (um aumento menos significativo), mas a porcentagens mais
enquete ainda abre a possibilidade para uma alternativa que nem foi colocada – a pena
penal. Além disso, esta possibilidade inexistente foi a segunda mais votada, só perdendo
participante é polícia e é juiz, ou ao menos acredita ser o juiz, sem pensar que as opções
118
profundo, conhece muito sobre um pouco. Os divíduos na sociedade de controle, devem
conhecer pouco – o suficiente – sobre muito, sobre tudo. Neste sentido, quem melhor
Além disso, o real, o verdadeiro, é aquilo que está em evidência, que aparece na
discursos são sempre interessados. A forma como as coisas são colocadas, os estudos
que são propostos, têm como base certos valores e objetivos de quem os apresenta.
mostrar que a polícia funciona como redutor da violência, em uma comunidade onde
era tão extrema que temia-se fazer qualquer denúncia. Sob uma outra perspectiva,
assumir-se-ia que a intervenção policial foi a disparadora das mortes que ocorreram.
119
Mas mesmo a escolha prévia dos números que devem ser conhecidos para então serem
seja exposta de forma que todos os mínimos acontecimentos não tenham outro sentido
anterior, é disso que trata Foucault (2002) ao constatar que a psiquiatria tem o papel de
dobrar o delito fazendo com que o sujeito se pareça com seu crime.
perto todo o processo. Segundo a Redação do site Terra, no dia do priemeiro veredicto,
científicas, sem nem atentar para o fato que, em toda a história ocidental, nem as
120
Na melhor das hipóteses, quando as informações na mídia apenas reproduzem os
consolidadas por saberes ciêntíficos e imparciais. É neste sentido que apenas perpetuam
o sistema penal.
eram divulgadas em seguida ao acesso que se tinha a elas. Em uma notícia vinculada ao
publicação das informações: segundo a notícia, “o caso veio a público somente nesta
quinta-feira (12), depois que a polícia divulgou ter preso na quarta o suspeito de um
esta rapidez está relacionada ao elemento da internet, já que, com este dispositivo é
notícia já circulava pela agência Reuters (12/12/2002), no jornal Folha Online, onde
haviam outros dois links para outras informações sobre o mesmo caso.
Mais uma vez o caso Armin Meiwes e suas repercussões ajudam explicitar
O fato da notícia ser divulgada, quase que simultaneamente, nos mais diversos
fronteiras são mínimas, desobstruídas pela internet. No entanto, não são todos, nem tudo
121
que é permitido atravessar estas fronteiras, mesmo cibernéticas. Para muitas
Coréia do Norte, entre outors. Em uma reportagem recente do jornal Estado de S. Paulo,
o jornalista Renato Cruz afirma que “as iniciativas de controle da internet por governos
aumentam em todo o mundo” (CRUZ, 24/05/2008: online). Alguns acessos são negados
fronteiras seriam cada vez menos e menores, ocorre que as fronteiras podem ser criadas
a condenação insuficiente
janeiro de 2004, Meiwes fora condenado à 8 anos e meio de prisão, por homicídio
com uma apelação, pedindo a pena por homicídio qualificado, alegando que a
122
No segundo julgamento, que ocorreu de janeiro à maio de 2006, Meiwes foi
pelos seus crimes não contribuiu na severidade da pena, a acusação invertou este
seus desejos. Conferir à Brandes uma inimputabilidade pelos seus atos, permitia que se
provar que o ato de Brandes foi um ato de loucura, irracional, o seu consentimento
perdia o valor. Da mesma forma, que nos chamados crime de pedofilia, não está em
questão a vontade da criança, considerando que esta, assim como os loucos, não teriam
Sobre a ‘vítima’ a afirmação é de que “o engenheiro morto, por seu lado, tinha
sérios problemas de masoquismo. Para ele, amputar o membro sexual e ter sua carne
comida significou a libertação do complexo de culpa pela morte de sua mãe, por quem
impune o ato de canibalismo, mesmo que voluntário, como quando afirma-se que
123
“Meiwes não pôde ser julgado por canibalismo, já que esta prática não está tipificada
alemã parece ser o de justificar a punição do canibalismo sem que este estivesse
presente no código penal. O crime sem razão atualiza na esfera da sociedade de controle
Até o momento, o canibalismo não foi incluído no código penal alemão. Mas é
possível que as notícias que continuam sendo publicadas constantemente sobre casos de
canibalismo, estejam apontado, não só para a inclusão desta prática no código alemão,
mas, de maneira mais geral, em grande parte dos códigos penais nas sociedades
ocidentais.
voluntariedade
espontaneidade, àquele que age pela própria vontade. Mas também, chama-se voluntário
o cavalo que marcha com facilidade, sem que seja necessário açoitá-lo, e aquele que se
pacificado procura a submissão. Talvez a imagem do cavalo que marcha sem precisar
servidão voluntária, que “(...) são os próprios povos que se deixam, ou melhor, se
fazem dominar, pois cessando de servir estariam quites; é o povo que se sujeita, que se
124
degola, que, tendo a escolha entre ser servo ou ser livre, abandona sua franquia e aceita
que aquele que o comeu, não só por ter se afastado de qualquer itinerário possível nas
sociedades ocidentais, mas principalmente porque ele não poderia mais ser penalizado.
penalização do outro” (PASSETTI, E., et al., 1999: 10). Se não há vítima, não há como
punir.
o corpo animal
de um governo, de um Estado. O que deve ser um corpo, e o que deve ser feito deste
deve ser cremado ou sepultado, o que explica que se qualifique como crime a chamada
profanação de cadáver. Se um corpo pode ser profanado é porque, antes, ele é sagrado.
125
que se apodera dos outros diante do cadáver é uma forma de rejeitar a violência, de se
contê-la, de conter a violência e seus excessos, é através dos interditos, das proibições,
das regras. Mas Bataille vai além, a morte não é somente a imagem da violência, mas da
humana cada vez mais parece prescindir do sangue em suas veias e substituí-lo por algo
mais limpo, mais civilizado e descartável” (2004a: 104). A natureza é perecível, como
o corpo, a eternidade estaria nos materiais sintéticos, naquilo que se chama artificial,
ocidentais, a pureza, a perfeição, são encontrados naquilo que não é perecível ou mortal,
que não é carnal. Paula Sibilia acrescenta que, “no mundo volátil do software, da
inteligência artificial e das comunicações via internet, a carne parece incomodar” (2004:
205 e 206).
momento de dar fim à sua vida, e como fazê-lo. Utilizou-se do próprio mecanismo
126
asséptico da internet para desviar-se da rota. Não bastasse, ainda decidiu o fim que seria
dado ao seu corpo, fora das opções disponíveis. Diante da sacralização do corpo
perfeito, saudável, limpo, sem sangue, sem viscosidades, como sugere Sibilia (2004),
127
Diferença e semelhança
europeus, a palavra canibalismo ainda não era muito difundida, ou pelo menos não era
muito utilizada, como se demonstra nos textos e cartas que foram analisados nesta
pesquisa. Para se referir aos índios antropófagos, estes europeus utilizavam termos
práticas à bestialidade.
comedores de gente. Considerava-se que alguém que comesse um homem não era gente,
era bicho. Mas não qualquer bicho, um bicho cruel, traiçoeiro e feroz, pois comeria os
Desta forma, conferir a alguém o título de canibal é acreditar que esta pessoa se
seriam apenas aqueles que já suprimiram a animalidade. Mas qualificar alguém como
psicopatas, e de algumas táticas de terror, como a das rebeliões, por exemplo, como foi
como, por exemplo, a catequização na relação entre os jesuítas e alguns ameríndios nos
indígenas, desde o século XX. Mas entre os índios antropófagos, ao menos dos séculos
128
XVI e XVII, aqueles que não abdicavam da antropofagia eram logo classificados como
destruição.
possui uma realidade objetiva. É uma categoria etnocêntrica: só existe aos olhos das
Mas não é necessário buscar exemplos em povos distantes com costumes muito
diferentes dos nossos para demonstrar a relação entre o que se chama canibalismo com
em que se lê o seguinte:
relação entre estas práticas médicas e o que se costuma chamar de canibalismo, em seu
artigo “Somos todos canibais”. Neste mesmo artigo, Lévi-Strauss ressalta que,
Assim, o canibalismo se mostra como uma prática atribuída aos outros por
animalidade.
aqueles que recebessem órgãos de outros, não só pelos riscos inerentes à cirurgia, mas
Haugland, por sua vez, critica que os argumentos de The Watchtower Society,
corpo. Paula Sibilia, no entanto, observa que a separação corpo-mente, também é uma
construção,
definida por René Descartes e cristalizada na frase “penso, logo existo”. Segundo
131
Sibilia, “para Descartes, (...) o corpo não faz parte da essência do ser humano; é
tudo o que não se conforma à norma sob a qual se vive” (LÉVI-STRAUSS, 1989: 334).
O corpo enquanto parte da natureza, seria no homem o que ainda resta da sua
animalidade, o que ainda dever ser superado. Pensar com o corpo estaria associado,
portanto, aos instintos animais, enquanto que, pensar com o cérebro seria uma qualidade
do Humano, do racional.
Admitir que poderíamos pensar com o corpo todo, ou como expõe o poeta
Alberto Caeiro, “(...) com os olhos e com os ouvidos e com as mãos e os pés e com o
nariz e a boca” (apud FREIRE, 1984: 46), seria admitir que ainda somos animais.
A mente representada pelo cérebro, não existe em si, é neste sentido uma utopia,
atualizada em nossos dias, segundo Sibilia (2004), pela informação digital, pelos fluxos
da internet, como se a mente pudesse tornar-se imaterial. O cérebro, por sua vez, ainda é
corpo, faz parte de um corpo e só funciona dentro deste contexto. A mente imaterial,
existe, mas não é humana nem nunca será, pois não é animal. A mente imaterial, pode
ser entendida como as informações que circulam no espaço virtual, No entanto, isso
tudo é uma construção da cultura. A cultura, por sua vez, só existe através do homem,
que só existe a partir do que se chama natureza, da onde o homem faz parte.
132
Segundo Lévi-Strauss,
natureza. O corpo, que se assemelha, nos lembra que somos todos animais. As grandes
133
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