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1 – O SIGNIFICADO DO DARWINISMO

Charles Darwin (1809-1882) é o responsável pela TEORIA DA EVOLUÇÃO (TE), que ocorre através
de uma SELEÇÃO NATURAL (SN) onde as características hereditárias, se forem favoráveis, tornamse
mais comuns (em gerações sucessivas de uma população de organismos), mas se forem
desfavoráveis tornam-se menos comuns.

1.1 – QUAIS OS PROBLEMAS QUE A TE RESOLVE?


1.1.1 – O PROBLEMA DA HISTÓRIA
Os seres vivos possuem semelhanças e diferenças. E se entrarmos numa escala microscópica e
examinarmos a composição bioquímica das células, as semelhanças são ainda maiores. Muitas das
proteínas que mantêm as células vivas são muito semelhantes em organismos tão distintos como o
humano e a amoeba (um organismo unicelular), ou o peixe e o macaco.

Os biólogos descobriram que as semelhanças e diferenças entre as várias espécies possuem uma
propriedade especial: organização hierárquica. Quer isto dizer que duas espécies que são
semelhantes no sistema A também tendem a ser semelhantes no sistema B.

Através das semelhanças (i.e., da quantidade de estruturas partilhadas) são criados grupos
hierarquicamente organizados. A cada nível da hierarquia grupal a quantidade de aspetos comuns
torna-se cada vez menor e a quantidade de diferenças maior.

Surge então a questão: se podemos fazer estes agrupamentos, de onde vêm estes diferentes tipos
de animais? Este é o problema da história.

A TE advoga que os organismos que vemos hoje derivam de uma criatura ancestral a todos eles, por
um processo de modificação gradual ao longo das gerações. As relações hierárquicas entre as
espécies são melhor representadas através de uma “árvore genealógica” (o termo da biologia é
filogenia ou filogénese: estudo da relação evolutiva entre grupos de organismos).

Porque é que estas modificações ocorreram? Segundo Darwin, devido a um mecanismo designado
por seleção natural, que ajudou na resolução de outro grande problema:

1.1.2 – O PROBLEMA DA CONCEPÇÃO (DESIGN)


Os vários seres vivos existentes parecem bastante bem concebidos para as tarefas que necessitam
de realizar. Os corpos são compostos por vários subsistemas, cada um eficiente na resolução de um
determinado problema, que interagem entre si para que o todo funcione corretamente.

No entanto, a conceção na natureza possui também algumas limitações. Também se verifica a


existência de estruturas sem função ou sentido aparente.

A solução tradicional pré-Darwiniana para o problema do design é a existência de um agente de


conceção. Esta hipótese apresenta inúmeros problemas.

Darwin postulou que os organismos são o que são em resultado dos efeitos cumulativos da SN ao
longo da sua evolução.

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A seleção natural é o processo de sobrevivência não aleatório de inovações úteis que,
cumulativamente, podem levar ao que parecem ser estruturas bem “desenhadas” sem o
envolvimento de um “desenhador”.

Assim, o conceito de SN é parcimonioso (não evoca algo desconhecido) e explicativo (mostra como
algo muito complexo pode ser fruto de forças que são, de facto, simples). Prediz igualmente que o
design nem sempre tem de ter um sentido funcional.

1.2 – RESUMO DA EVOLUÇÃO PELA SN


A TE envolve 4 elementos que produzem descendência com modificação e constroem igualmente o
que aparenta ser um bom design:
▪ Variação - os organismos podem ser semelhantes mas não são idênticos. Possuem algumas
variações nas suas características.
▪ Hereditariedade - muitas das variações individuais são passadas para os descendentes.
▪ Competição - nem todos os indivíduos têm o mesmo número de descendentes e, por isso, a
mesma representação na geração seguinte.
▪ Seleção Natural - as caraterísticas que trazem vantagens à espécie tornam-se mais comuns
e permanecem, mas as que conferem desvantagens tendem a desaparecer.

Darwin aferiu o efeito cumulativo destes princípios: se uma geração de indivíduos tem uma
caraterística vantajosa tais indivíduos sair-se-ão melhor na reprodução. Uma vez que os seus
descendentes também terão a mesma característica (devido à hereditariedade), a proporção da
população com a mesma característica aumentará de geração em geração. Isto resolve o problema
do design dado que gradualmente, pela retenção das caraterísticas vantajosas, sistemas funcionais
bem desenhados e adaptados a um determinado ambiente podem ser construídos através de
passos simples. Os sistemas criados desta forma são designados por adaptações.

A SN também resolve o problema da história porque sugere que as linhagens de organismos se


modificam gradualmente através das várias gerações. No entanto, espécies pouco relacionadas
podem viver em ambientes semelhantes e desenvolver adaptações idênticas, tornando-se essas
espécies mais semelhantes ao longo do tempo.

A teoria de Darwin permite-nos assim identificar dois tipos de semelhanças. O primeiro são as
HOMOLOGIAS que dizem respeito às semelhanças que radicam em origens comuns. O segundo tipo
de semelhanças são as ANALOGIAS e o processo que as produz designa-se por evolução
convergente. É possível identificarem-se analogias tendo em conta o facto de que as características
analógicas não representam um padrão para as outras características do organismo.

1.3 – INCORPORAÇÃO DA GENÉTICA: A SÍNTESE MODERNA


Gregor Mendel (1822-1884) estabeleceu que a herança genética não ocorria por mistura dos genes
de ambos os pais. Pelo contrário, cada figura parental providencia aos descendentes um conjunto
de "partículas hereditárias" (a que hoje se dá o nome de genes) que são transportadas
separadamente de geração em geração.

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Nos anos 30 (do século XX) concluiu-se que o Darwinismo e o Mendelismo não eram incompatíveis,
mas que o Mendelismo providenciou a base da SN, advogada pelo Darwinismo. Esta conclusão
agregadora ficou conhecida por SÍNTESE MODERNA (ou neo-Darwinismo).

A síntese moderna clarifica o funcionamento da SN: há mudanças nas frequências de diferentes


genes ao longo das gerações.

2 – VARIAÇÃO

Como já vimos, todos os organismos são membros da mesma larga família; diferem apenas em
quanto temos de recuar no tempo para encontrar um ancestral comum. E tal como todos os
membros de uma família, os vários organismos são também todos diferentes. O princípio da
variação é um componente essencial da TE, dado que não só há variação dentro das espécies como
há variação entre as espécies. A variação ocorre em dois níveis: fenótipo e genótipo.

O FENÓTIPO designa as caraterísticas individuais observáveis de um organismo. Porque existe


variação nos fenótipos? Porque há variação nos genes. Os genes não são idênticos dentro da
mesma espécie e, claro, variam muito mais entre espécies. Ao conjunto de variantes genéticas que
um organismo possui chama-se GENÓTIPO, o qual desempenha um papel importante na criação
dos fenótipos.

2.1 – O FENÓTIPO
Os seres vivos são maioritariamente feitos de células. Nos organismos multicelulares (como os
humanos) as células são de vários tipos (musculares, da pele, do fígado, do sangue, neurónios, etc.)
e apesar de serem especializadas em diferentes funções elas partilham uma estrutura comum. As
células típicas têm uma membrana exterior que envolve o conteúdo da célula, os RIBOSOMAS
(uma espécie de fábrica de químicos onde são sintetizadas as substâncias necessárias às funções da
célula) e as MITOCÔNDRIAS (uma espécie de centrais de energia onde a glucose e outros
combustíveis são divididos para libertar energia).

Os seres vivos são compostos por células, as quais são feitas de numerosos compostos químicos
diferentes, incluindo um largo número de diferentes PROTEÍNAS. Conferem às células a sua forma e
estrutura, formam tecidos de ligação, funcionam como hormonas e anti-corpos e, o mais
importante, servem de enzimas, as quais controlam as muitas reações químicas que são necessárias
para o funcionamento do corpo, bem como para criar ou obter o outro tipo de moléculas que o
corpo necessita (mormente: água, gorduras e carbohidratos).

As proteínas são moléculas compostas por longas cadeias de AMINOÁCIDOS. Existem 20 tipos de
aminoácidos e a sequência de diferentes aminoácidos ao longo da cadeia determina quais serão as
propriedades de cada proteína. Pode dizer-se assim que: o fenótipo de um organismo é
determinado pelas propriedades das proteínas das suas células; e as propriedades das proteínas
são determinadas pelos aminoácidos (por quais são e pela sua ordem na cadeia). É aqui que entram
os GENES, pois são eles que codificam as receitas dos aminoácidos para determinadas proteínas.
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2.2 – O GENÓTIPO
O entendimento do funcionamento dos genes progrediu ao longo de 3 fases principais:

▪ Genética clássica – o gene começou por ser uma entidade abstrata, inferida (por Mendel) a
partir de padrões de caraterísticas hereditárias.
▪ Genética molecular – a segunda fase iniciou-se com a descoberta de que a molécula de ADN
(ácido desoxirribonucleico) é a do material genético; logo depois (1953), os biólogos James
Watson e Francis Crick resolveram a estrutura do ADN.
▪ Genómica – a terceira fase continua em expansão. A partir de 1980 as tecnologias ajudaram
a “ler” largas quantidades de sequências de ADN, o que permitiu descrever todo o material
genético, i.e., o GENOMA de diferentes organismos.

2.2.1 – A GENÉTICA CLÁSSICA E O DOGMA CENTRAL


Mendel trabalhou em princípios gerais, os quais foram expandidos ao longo das décadas. Três
desses princípios são:
(1) Há partículas hereditárias (genes), que são passadas dos pais aos filhos, que determinam as
caraterísticas específicas dos fenótipos.
(2) Os genes surgem muitas vezes em formas alternativas chamadas ALELOS; e.g. um gene
pode codificar a cor de uma planta, podendo haver dois alelos: um que codifica vermelho e
outro que codifica branco. Por convenção distinguem-se dois alelos através de uma letra
maiúscula e outra minúscula (A e a, respetivamente). Se houver mais de dois alelos, eles
distinguem-se numericamente: a1, a2, a3, a4, a5, etc.
(3) Em muitas espécies que se reproduzem sexualmente, os indivíduos têm duas cópias do
mesmo gene (uma do pai e outra da mãe). Os organismos ou células com duas cópias do
mesmo gene chamam-se diploides e distinguem-se dos haploides (que só têm uma cópia do
mesmo gene).

A genética clássica estabeleceu que os genes têm duas funções: (1) Influenciam as caraterísticas
físicas do organismo, i.e., o genótipo influencia o fenótipo; (2) os genes auto-replicam-se para
produzirem novas células ou novos indivíduos com o mesmo genótipo. É assim que a informação
passa dos pais para os filhos na reprodução.

O Dogma Central

O dogma central diz respeito ao facto de que o fluxo da informação é de sentido único: genótipo ⇨
fenótipo. O genótipo codifica o fenótipo assim como o genótipo da geração seguinte, mas as
caraterísticas do fenótipo não são transmitidas para a geração seguinte. Os genes afetam as
propriedades das proteínas, mas estas (normalmente) não afetam as propriedades dos genes.

O dogma central também tem uma implicação inversa: os pais podem possuir caraterísticas
genotípicas que não são observáveis nos seus fenótipos, mas que podem surgir nos filhos. Nestes
casos diz-se que são portadores silenciosos.

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Linhas Somática e Germinal

Relacionado com o dogma central está a distinção entre as linhas somática e germinal das células.
Nos organismos multicelulares a maioria das células são somáticas o que significa que só estão
capacitadas para a função 1 (fazer mais fenótipos). A divisão em cópias geneticamente idênticas
dessas células corresponde a um processo designado por mitose.

Já a função 2 (fazer mais genótipos) é realizada exclusivamente por uma classe especial de células
chamadas germinais ou gâmetas (o esperma nos machos e o ovo, ou zigoto, nas fêmeas), originadas
através de um processo de divisão de células chamado meiose.

2.2.2 – GENÉTICA MOLECULAR: OS GENES SÃO ADN


Os núcleos das células contêm uma larga quantidade de uma molécula complexa designada ADN, o
qual é enrolado ao redor de proteínas chamadas histonas. Em vários pontos do ciclo de vida das
células, esta configuração de proteína-ADN reúne-se num número de CROMOSSOMAS de
diferentes tamanhos. Nos humanos, há 23 pares, o que soma 46 cromossomas. Os primeiros 22
pares são numerados pelo tamanho e são do mesmo sexo (autossomas). O restante par contém os
cromossomas sexuais. O sexo feminino contém duas cópias do cromossoma X enquanto que o sexo
masculino tem um cromossoma X e um Y.

O mecanismo molecular dos genes tem de executar duas funções: produzir proteínas e produzir
cópias de si mesmo. O ADN consegue executar ambas as funções.

O ADN é composto por duas longas cadeias (de moléculas ou polímeros) ligadas entre si por
sequências de quatro ácidos nucleicos (ou bases azotadas): adenina (A) + timina (T) + citosina (C) +
guanina (G) formando uma dupla hélice enrolada. Cada cadeia é composta por uma sequência de
nucleótidos (uma base azotada, uma pentose desoxirribose e um fosfato). As 4 bases podem formar
16 sequências distintas na mesma cadeia.

Os laços químicos dentro de cada cadeia são extremamente fortes, mantendo cada um dos cordões
a sua integridade quando separados. No entanto, os laços entre dois cordões são mais fracos (laços
de hidrogénio). A estrutura das bases é tal que a A se une apenas à T e a C apenas à G - princípio do
emparelhamento de bases.

Quando ocorre quebras nas ligações de hidrogénio entre os cordões é formada um outro cordão
complementar que possibilita a existência de duas cópias da molécula de ADN. Num ambiente
químico adequado, o ADN consegue auto replicar-se.

Uma outra função dos genes é fazer materiais fenotípicos indiretamente. Novamente os dois
cordões são separados mas uma única molécula designada por mensageiro RNA (RNAm) é formada.
RNA (ácido ribonucleico) é quimicamente semelhante a um só cordão de ADN, mas a base da T é
substituída por outro ácido nuclear designado por uracil (U) que se ligará à A. A molécula formada
será então uma cópia da sequência de bases no cordão de ADN. O processo de copiar sequências
de bases de ADN em sequências num molécula RNA é chamado transcrição.

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O ARN (ácido ribonucleico), uma vez formado, é separado da molécula de ADN e transportado para
os ribossomas (as “fábricas” químicas) para ser efetuada uma tradução (do ARN numa cadeia
polipeptídica, i.e., numa sequência de aminoácidos que determina qual a proteína a ser sintetizada)
- processo de tornar uma sequência de bases no RNAm em sequências de aminoácidos em
proteínas.

O código genético

Com 4 bases diferentes (e 16 combinações possíveis) e 20 tipos de aminoácidos, como é que o


ARNm codifica as proteínas. A solução passa por representar cada aminoácido por um triplete de
bases. Estes tripletes chamam-se CODÕES. O mapeamento de codões do RNAm em aminoácidos
(gerando uma proteína) que se designa: CÓDIGO GENÉTICO, o qual é quase idêntico em todos os
seres vivos.

Por exemplo: o codão AUG, para além de codificar o metionina inicia o processo de tradução; se a
sequência de bases (ou triplete) CGU é encontrada no RNAm uma molécula de arginina (um
aminoácido) é adicionada à cadeia da proteína; por sua vez UAG, UGA e UAA indicam que o fim da
proteína foi alcançado e portanto, terminou a tradução.

Erros ou mudanças na terceira base do codão não apresentam qualquer diferença no aminoácido
produzido – substituições sinónimas. Codões que diferem apenas na primeira base tendem a
produzir aminoácidos quimicamente semelhantes.

2.2.3 – O GENOMA: A MAIORIA DO ADN NÃO SÃO GENES


Estima-se que o genoma humano contenha 3200 milhões de pares de bases espalhadas pelos 23
cromossomas, mas como somos organismos diploides, cada uma das nossas células somáticas
contém cerca do dobro de pares nos 46 cromossomas.

Uma das grandes surpresas da genómica é que os genes ocupam só uma pequena parte do genoma
total.

Existem cerca de 25 000 genes no genoma humano. Cada gene tem cerca de 27 000 pares de bases;
assim conclui-se que cerca de 60% do genoma não são genes.

ADN mitocondrial

Nem todo o genoma humano se encontra no núcleo, pois as mitocôndrias possuem um pequeno
genoma próprio: cerca de 16 500 pares de bases organizadas em círculo. As mitocôndrias já foram
organismos separados designados por bactérias. Foram incorporadas nas células eucariontes
iniciais, adotando funções metabólicas da célula anfitriã, o que provocou a eliminação de muitos
dos seus genes. O ADN mitocondrial tem sido útil no estudo da genética das populações humanas.
O seu grau de mutações é relativamente rápido e é haploide, dado que só os ovos e não os
espermatozoides provocam a mitocôndria dos embriões em desenvolvimento.

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2.3 – VARIAÇÃO GENÉTICA
2.3.1 – A REPRODUÇÃO SEXUAL BARALHA O PACOTE
Nos organismos diploides há, em geral, duas cópias do mesmo cromossoma, sendo uma cópia do
pai e outra da mãe, processo iniciado pelos gâmeta. Estes combinam na fertilização. O que significa
que no processo de formação dos gâmetas (a fertilização) a célula (do embrião) recebe metade do
conjunto do material genético de cada progenitor (dando-se a esta divisão o nome de meiose).
Possuindo a célula de cada progenitor uma cópia de cada cromossoma dos próprios pais, a cópia
que avança para o esperma é aleatória, com probabilidades iguais.

Recombinação

Durante a meiose, o par de cromossomas do progenitor alinham-se e podem trocar ADN entre si,
de forma que uma sequência originalmente parte do cromossoma A acaba no cromossoma B e vice
versa. Este processo aleatório designa-se por recombinação e ocorre sempre que um gâmeta é
formado, dando origem a inúmeras combinações diferentes.

Segregação Independente e Ligação

Quando dois genes estão dentro do mesmo cromossoma, eles segregam-se de forma
independente, mas haverá algum grau de ligação entre eles: é o desequilíbrio de ligação. Quando
dois genes estão ligados, a probabilidade de ter uma cópia do gene A do avô paterno é afetada pelo
facto de ter uma cópia do gene B (desse mesmo antepassado). Em termos gerais, quanto mais
fisicamente próximos estão dois genes num cromossoma, maior é o grau de ligação genética entre
eles. A única coisa que pode romper esta ligação é a recombinação.

2.3.2 – A MUTAÇÃO CRIA MUTAÇÃO GENÉTICA


A reprodução sexual não cria diversidade, mas meramente permuta o que já existe. A origem da
variação genética é sobretudo a mutação, i.e., a propensão para a alteração das sequências do ADN
durante a replicação.

Substituições de base-única

O tipo mais simples de mutação é a substituição de um par de bases por outro. Isto ocorre
ocasionalmente dependendo da quantidade de erros que ocorrem quando o ADN é copiado
(estima-se que 1 em cada 4 milhões por local e por geração). C e T são quimicamente semelhantes,
tal como G e A. As mudanças entre C e T ou entre G e A designam-se por transições, enquanto que
as mudanças entre pares dissemelhantes de bases (como C e G ou C e A) designam-se por
transversões. As transições ocorrem duas vezes mais que as transversões. Também ocorrem
eliminações de uma base, embora com menor frequência.

Repetições, Expansões e Contrações de Sequências Simples

Um tipo de mutação ligeiramente maior e com taxas de ocorrência bastante superiores resulta da
expansão ou contração da repetição de uma sequência simples (1 em cada 1 000 local e por
geração). Neste tipo de mutação, uma cópia extra é adicionada ou perdida. Isto ocorre devido a um

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‘derrapagem’ de uma repetição enquanto a enzima responsável pela replicação do ADN se alinha
até ao cordão de ADN.

Inserções de Elementos Transponíveis e Duplicações Segmentais

Uma mutação mais ampla e com probabilidades de ocorrência ainda maiores é a cópia de um
elemento transponível de uma parte do genoma para outra (o que parece ocorrer em 10 de cada
100 nascimentos) e, dependendo de para onde o elemento se move, pode ou não ter efeitos no
fenótipo.

Mas há mutações ainda maiores: as duplicações segmentais, onde é feita uma cópia extra da
sequência durante a replicação (ocorrem igualmente eliminações segmentais e inversões em todos
os segmentos da sequência). Isto parece ser significativo do ponto de vista evolucionista: quando
um gene evolui para executar determinadas funções, a seleção natural tende a preservá-lo
exatamente da forma como é, uma vez que as mutações têm menor probabilidade de exercer
corretamente a função original, embora possam desempenhar outras novas potenciais funções. A
duplicação parece ser então importante para a criação de novos genes e a elaboração do fenótipo.

A Duplicação de Todo o Genoma

O tipo de mutação mais drástica é a duplicação de todo o genoma, o que é um evento raro, mas
acontece. É como uma enorme duplicação segmentar, seguindo as duas cópias histórias
evolucionistas diferentes. Também contribuem para as origens das famílias de genes (genes que
descendem de um ancestral comum por eventos de duplicação).

2.3.3 – A EXTENSÃO DA DIVERSIDADE GENÉTICA E OS SEUS EFEITOS SOBRE O FENÓTIPO


Porque os eventos mutacionais ocorrem ao longo das gerações e são novamente baralhados pela
reprodução sexual, existe uma variação considerável nos genomas de dois humanos. Designa-se um
sítio específico do genoma por LOCUS. E um locus onde dois indivíduos da mesma espécie têm
sequências diferentes chama-se POLIMORFISMO, i.e., um polimorfismo é um locus onde há mais de
um alelo na população. A extensão do polimorfismo humano está em estudo, mas já se sabe que:
- Uma em cada 1000 bases-únicas do genoma variam de indivíduo para indivíduo
(singlenucleotide polyorphisms).
- As repetições de sequências simples, com maior taxa de mutação, são extremamente
polimórficas. Esta é a base do ADN fingerprinting.
- Cerca de 12% do genoma humano consiste em sequências onde os indivíduos têm diferentes
números de cópias, devido a duplicações segmentais recentes.
- Comparando duas cópias do genoma de um único humano, pelo menos 0,5% do genoma é
diferente. 44% dos genes que codificam mostram alguma diferença entre as cópias materna e
paterna.

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A Maioria dos Polimorfismos Não Têm Efeitos no Fenótipo

A maioria da variação genética não tem efeito sobre o fenótipo. Por que será? Porque muita da
variação ocorre no ADN não-codificante, que não possui efeito aparente no fenótipo.

Quando as Mutações Têm um Efeito Fenotípico, Geralmente são Nocivas

Quando as mutações têm efeitos no fenótipo, estes efeitos normalmente são nocivos; são as
designadas doenças genéticas, fruto de mutações que, embora não aleatórias, são indiretas.

Apesar de a maioria das mutações serem neutras e as que não são neutras são em geral nocivas,
poderão surgir ocasionalmente mutações que, ao invés de provocarem um pior funcionamento
biológico, poderão melhorá-lo. Estas raras mutações vantajosas são espalhadas pela seleção
natural.

2.4 – DO GENÓTIPO AO FENÓTIPO


Agora estamos aptos a entender como é que a variação do genótipo implica variação no fenótipo. A
sequência geral de passos através dos quais uma variante genética produz uma diferença no
fenótipo são os seguintes:
(1) Começa-se com uma sequência codificadora (que não é sinónimo de mutação) de um gene
específico, o que dá um alelo distinto do gene.
(2) Quando transcrito e traduzido produzirá uma cadeia de aminoácidos, que resultará numa
proteína com diferentes propriedades. A proteína, por sua vez, fará uma de duas coisas:
será uma parte integral de uma parte do corpo (em que o alelo fará essa parte diferente do
habitual) ou servirá de enzima para catalisar outras reações químicas no corpo (que serão
mais rápidas ou lentas do que o habitual).
(3) De uma forma ou de outra, a constituição do corpo resultará diferente devido a uma
diferença inicial na sequência de bases do ADN.

Caraterísticas Poligénicas e de Gene-único

Nas caraterísticas de gene-único, a diferença no fenótipo é determinada por qual alelo o indivíduo
possui num locus genético. Pode estar relacionado com aspetos de variação na saúde e com
doenças de gene-único, também designadas por doenças mendelianas. As caraterísticas poligénicas
dizem respeito às situações onde uma caraterística do fenótipo resulta da ação de vários genes.

Caça do Gene

Na vastidão do genoma, os investigadores concluem qual o gene responsável por determinada


caraterística através de duas abordagens: (1) estudos de ligação através de marcadores genéticos,
usando o princípio de quanto mais perto estiverem dois loci genéticos num cromossoma, menos
frequentemente são separados pela recombinação; e (2) estudos de associação que não precisam
de usar membros da mesma família (como nos linkage studies), mas estudam duas amostras de
indivíduos da população: os com as caraterísticas fenotípicas e os que não as apresentam; os

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indivíduos são depois genotipificados para serem testadas as diferenças nas frequências de alelos
entre os dois grupos.

Identificando Alelos Envolvidos Nas Caraterísticas Poligénicas

Traços (ou caraterísticas) poligénicas são aqueles cuja variação no fenótipo se relaciona com qual
alelo está presente. Para um traço poligénico como a altura, o número de combinações de alelos
que produzem os fenótipos no meio da extensão é muito maior do que o número de combinações
que produzem os extremos.

As diferenças genotípicas implicam diferenças fenotípicas, tanto no domínio da fisiologia como no


comportamento.

2.4.1 – GENES PARA CARATERÍSTICAS FÍSICAS.


Exemplos: (a) o caso dos cães domésticos, no que concerne à caraterística tamanho do corpo, é
muito variável; (b) a doença de Huntington (doença neurológica incurável) provoca uma perda
gradual da coordenação e das habilidades cognitivas.
2.4.2 – GENES PARA O COMPORTAMENTO
Como pode uma sequência genética codificar o comportamento? A resposta surge quando se
considera que todo o comportamento deve ter subjacente um mecanismo fisiológico. Daí que, uma
mutação genética pode fazer com que o mecanismo se desenvolva de forma diferente, o que causa
uma diferença no comportamento.

3 – HEREDITARIEDADE

A evolução só ocorre se os descendentes tenderem a ser semelhantes aos seus parentes – este é o
princípio da hereditariedade. Os biólogos acreditavam que as caraterísticas dos dois pais
simplesmente se misturavam. Felizmente que as experiências de Mendel com plantas aferiram que
não ocorre mistura no nível genético, mas que existem leis básicas de hereditariedade para
caraterísticas de gene-único.

3.1 – A HERANÇA NÃO FUNCIONA POR MISTURA


Numa reprodução sexual a hereditariedade não funciona como se fossem misturadas duas cores,
resultando uma cor intermédia. Mas certas caraterísticas parecem, de facto, misturarem-se na
reprodução sexual como a cor da pele. Pese embora o efeito prático dos alelos de ambos os pais
(no fenótipo do bebé) seja uma pele de cor intermédia, os alelos não são misturados; eles são
transportados intactos pelo bebé, o que significa que a variação é mantida para seleção natural
para funcionar nas gerações futuras.

3.2 – GENÉTICA MENDELIANA


3.2.1 – A HERANÇA DE CARATERÍSTICAS DE GENE-ÚNICO
Mendel observou várias características, através das quais existem, naturalmente, duas formas de
ervilhas. Como um exemplo, focar-nos-emos numa caraterística: se a vagem das ervilhas é amarela

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ou verde. Em primeiro lugar, Mendel separou dois conjuntos de ervilheiras: um com vagens
amarelas e outro com vagens verdes. Depois fez um cruzamento de ambas as vagens de onde
resultou uma geração de descendentes designada por F1. Depois cruzou os F1 entre si de onde
resultou a geração F2.

Mas Mendel observou algo de diferente da mera mistura (a): a geração F 1 foi toda amarela. Na
geração F2 três quartos das vagens eram amarelas e um quarto era verde (completamente verde,
apesar do facto de nenhum dos F2 ter um progenitor verde).

Foi necessário então explicar como é que o verde não se manifestou no fenótipo da geração F 1
sendo porém, guardado algures (no genótipo), pois voltou a aparecer na geração F 2; mas nesta
geração, porque se manifestou só em um quarto das vagens?

Mendel deduziu que se pode explicar este padrão com algumas suposições simples:
1) Cada indivíduo deve ser portador de duas partículas de hereditariedade (genes), um de cada
progenitor.
2) Estas partículas, na sua forma, podem ser 'verde' ou 'amarelo'.
3) Podemos dizer que existem dois alelos do gene <cor-da-vagem>, A e a, onde A é associado
às vagens amarelas, e a às vagens verdes.

Genótipos Homozigóticos e Heterozigóticos

Uma planta pode ter duas cópias do mesmo alelo caso em que se diz ser homozigótica ou uma
cópia de cada um dos dois diferentes alelos, caso em que se diz ser heterozigótica.

Quando as plantas se reproduzem, há uma possibilidade de 50% sobre qual das duas cópias do
mesmo gene avançam para o gâmeta. Assim, se o progenitor é um Aa heterozigótico, metade dos
seus gâmetas irá conter um A e a outra metade irá conter um a. Caso fosse um AA ou aa
homozigótico, obviamente, produzirá 1OO% do mesmo gene (A ou a) nos gâmetas.

Alelos Dominantes e Recessivos

Quando o genótipo é heterozigótico, o fenótipo é amarelo. Por outras palavras, desde que haja pelo
menos uma cópia de A, ir-se-ão desenvolver vagens amarelas. Dizemos neste caso que o alelo que
codifica a cor amarela (ou A) é um alelo dominante. Em contraste, para se codificar a cor verde,
ambas as cópias do gene tem de ser a; e neste caso diz-se que o alelo que codifica a cor verde (ou
a) é recessivo.

Na imagem abaixo vê-se, no grupo (a) a influência dos genótipos nos fenótipos, i.e., dos alelos
dominantes sobre os alelos recessivos nas gerações F1. Depois vê-se a influência de F1 em F2 (onde
um dos quatro recebeu a cor verde) com dois grupos de heterozigóticos (Aa e aA) e dois de
homozigóticos (AA e aa). No grupo (b), através do Quadrado de Punnett, conseguimos prever as
expressões do genótipo no fenótipo.

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Generalização dos Princípios Mendelianos

Qual o alelo dominante e recessivo depende de como o gene produz o seu efeito no fenótipo.
Assim, os alelos de genes funcionais, que produzem as enzimas, geralmente dominam os alelos
concorrentes, onde a capacidade de formar enzimas se perdeu; e.g., o albinismo humano é causado
por mutações nos genes envolvidos na produção do pigmento melanina, tornando-o inoperativo.

Mas os genes podem ter mais de dois alelos e nem sempre um alelo é dominante e o outro
recessivo. Dois alelos podem ser codominantes, o que significa que os heterozigóticos expressam
por completo o fenótipo de ambos os pais homozigóticos. Um exemplo de codominância são os
grupos sanguíneos humanos que dependem de quais os alelos que se tem, a partir dos genes com a
proteína do sangue. Também pode ocorrer uma dominância incompleta, o que significa que o
fenótipo de um heterozigótico é uma forma intermédia entre dois homozigóticos; e.g., cravos
vermelhos homozigóticos, cruzados com cravos brancos homozigóticos, produzem cravos cor-
derosa heterozigóticos; de notar porém que não se trata de uma herança misturada, já que apenas
os efeitos fenotípicos são misturados, não os alelos que lhes são subjacentes; na geração seguinte
destes cravos cor-de-rosa, eles podem produzir puros descendentes vermelhos ou brancos.

3.2.2 – SEGREGAÇÃO INDEPENDENTE


Outro princípio importante estabelecido por Mendel foi o da segregação independente, o qual
defende que os traços fenotípicos controlados por diferentes genes podem-se separar através das
gerações, o que é exemplificado com a experiência das ervilhas:

Uma caraterística – a cor da vagem – é controlada por um gene com dois alelos (A e a). Considerese
porém outra caraterística – a textura da vagem, a qual pode ser lisa ou enrugada e é controlada por
outro gene, também com dois alelos (B um alelo dominante, que codifica vagens lisas; e um alelo
recessivo b, que codifica vagens rugosas). Suponha-se então que são criadas duas linhas puras: uma
de plantas com vagens amarelas (A) e lisas (B), e outra de plantas com vagens verdes (a) e
enrugadas (b). Depois faz-se uma fertilização cruzada das duas linhas. O que irá resultar do
cruzamento?

Em F1 encontrar-se-ão só vagens amarelas e lisas (dado que os alelos A e B são dominantes). Mas se
a geração F1 for cruzada entre si, a geração seguinte (F2) já apresentará um terço de vagens verdes
e um terço de vagens enrugadas. Mas surge aqui uma questão fulcral: será que os 25% de plantas
com vagens amarelas serão também as que ficaram rugosas? I.e., será a cor da vagem
independente da sua textura?

Mendel observou que na geração F2 surgiram 4 fenótipos diferentes: amarelo liso, amarelo rugoso,
verde liso e verde rugoso; nas proporções respectivas de 9, 3, 3, 1. Esta distribuição percebe-se
melhor com o Quadrado de Punnet onde se afere a independência da codificação dos genes para a
cor e textura das vagens. Este princípio é muito importante porque indica que podem surgir novos
fenótipos através da reprodução sexual. Também significa que a seleção natural pode mudar a
frequência das caraterísticas fenotípicas sem que seja alterada a frequência de outra caraterística.

12
A segregação independente (i.e., as diferenças de uma característica são herdadas
independentemente das diferenças de outras características) ocorre porque, na meiose, a seleção
sobre qual das duas cópias avança é feita de forma independente para cada cromossoma. Quando
os genes residem no mesmo cromossoma, então, obviamente, eles não segregam de forma
independente, pois exibem ligação o que significa que viajam juntos para a geração seguinte até
serem separados por recombinação.
3.2.3 – DOENÇAS MENDELIANAS E RECESSIVOS NOCIVOS
Há muitas doenças mendelianas ou hereditárias como a doença de Huntington e a fibrose quística.
Em muitas delas o gene envolvido pode ser localizado num cromossoma específico. Mas estas
doenças são raras porque os indivíduos afetados normalmente morrem sem se reproduzirem; ainda
assim, os alelos da doença conseguem-se manifestar nos fenótipos, embora raramente, de duas
maneiras:
(1) Com a reprodução sexual, ainda que o alelo da doença seja dominante e letal;
(2) Mesmo sendo recessivo, o alelo da doença continua a existir na população e se há
reprodução com um sujeito que também tem este alelo (da doença, recessivo) eles podem
passar para a geração seguinte e a doença aparece.

Endogamia

A endogamia deve ser evitada devido à existência de recessivos letais, ou mais genericamente, de
recessivos nocivos.

Suponhamos que um homem heterozigótico (com um alelo recessivo letal, cuja frequência na
população é de 1 em 1000) reproduz sexualmente com uma mulher que não transporta a doença;
assim sendo, o risco de um filho de ambos vir a ser afetado seria de 1 em 4000. Mas se este homem
reproduzir com uma irmã, a probabilidade de terem um filho com uma doença hereditária é de 1
em 8. Mas esta possibilidade não se confina aos irmãos, ela estende-se a outros parentes
consanguíneos, embora haja um declínio dessa possibilidade conforme a distância parental
aumenta.

Deriva Genética

Quanto mais pequena for uma população, mais flutuam (i.e., mais se fixam na população), de
geração para geração, as frequências dos alelos, mesmo na ausência de seleção natural; a esta
flutuação dá-se o nome de deriva genética.

Por vezes os alelos não têm efeitos sistémicos nos fenótipos (são neutros), mas no decurso da
deriva genética, ocasionalmente, uma nova mutação flutuará até que toda a população a possua
(um alelo que toda a gente tem diz-se que alcançou fixação na população). A probabilidade de uma
nova mutação alcançar a fixação é de 1/(2N) onde N representa o tamanho da população.

Teoria neutralista e o Relógio Molecular

Devido à deriva genética, duas populações que ficam isoladas uma da outra, tenderão a divergir
com o tempo em termos de sequências de ADN, devido à fixação ocasional de mutações neutras,

13
ou quase neutras, em ambas as populações. Muitas mutações são neutras, dado que muito do
genoma é não-codificante, como também porque a redundância do código genético significa que
muitas mudanças nas sequências de códigos são sinónimos (ver Capítulo 2).

Surpreendentemente, a taxa de divergência entre duas populações não depende dos seus
tamanhos. Apesar de a fixação de uma nova mutação ser mais provável numa população pequena,
o número de novas mutações que surgem é maior em populações maiores; e assim sendo, estes
dois efeitos opostos sobre os tamanhos das populações anulam-se mutuamente. Assim, na medida
em que a variação é neutra (ou quase neutra) a quantidade de divergência nas sequências de ADN
de quaisquer duas populações (ou espécies) reflecte o tempo desde o seu ancestral comum. Isto é
conhecido como teoria neutralista da evolução molecular, a qual está associada ao geneticista
japonês Motóo Kimura.

Devido à evolução neutral, e à ideia de relógio molecular que lhe é associada, pode ser usada a
quantidade de semelhança molecular, de espécies ou de populações diferentes, para estabelecer a
sua árvore familiar e quando ocorreu a divergência. Assim, quanto maior divergência houver entre
as sequências de ADN de dois animais, maior é a quantidade de tempo até ao seu antepassado
comum.

Parece assim existir alguma tensão entre a visão evolucionista de Darwin (na qual as mudanças
ocorrem e espalham-se porque são adaptativas) e a visão da teoria neutral (que advoga que as
mudanças acumulam-se ao longo do tempo por derivação e não têm efeitos nos fenótipos).

3.3 – GENÉTICA QUANTITATIVA


Estimando a Heritabilidade

A semelhança com os parentes pode ser quantificada calculando a correlação fenotípica entre um
par de parentes.

Uma estimativa comummente empregue é a da heritabilidade (representada por h2): a proporção


da variação fenotípica observada que pode ser explicada pela variação genética. A heritabilidade
máxima possível é 1 (o que significaria que toda a variação fenotípica estaria relacionada com a
variação genotípica) e a mínima é 0 (os efeitos ambientais seriam os únicos responsáveis pela
variação nas caraterísticas do fenótipo).

3.3.2 – ESTUDOS DE GÉMEOS


Os gémeos são de dois tipos: os monozigóticos, que se desenvolvem a partir de um único ovo,
sendo assim geneticamente iguais; e os dizigóticos fruto da fertilização de dois ovos no mesmo
ciclo, os quais vêm de espermatozóides e de óvulos diferentes, dos mesmos pais, não sendo, por
isso, geneticamente iguais. Em ambos os casos, é importante distinguir entre as influências
ambientais partilhadas (e.g., a classe social dos pais, o comportamento dos pais, a alimentação, as
escolas ou a casa onde cresceram, o que irá afetar ambos os gémeos) e as não-ambientais (doenças
das crianças e acidentes, entre outras influências, que afetam só um dos gémeos).

14
Um Modo Simples de Estimar a Heritabilidade a Partir dos Dados de Gémeos

A única diferença entre os gémeos MZ e DZ é a afinidade genética mais próxima. Se se verificar


alguma diferença no correlação do fenótipo entre os gémeos MZ e DZ, então reflete o impacto da
metade extra do coeficiente de parentesco. Uma estimativa do impacto total da variação genética é
então o dobro da diferença entre a correlação fenotípica dos gémeos MZ e a correlação fenotípico
dos gémeos DZ. Esta estatística é conhecida como a Fórmula de Falconer para a heritabilidade.

Nos gémeos MZ, que são geneticamente idênticos e partilham o mesmo ambiente, quaisquer
diferenças no fenótipo entre eles devem ser atribuídas ao ambiente não partilhado. Desta forma, o
cálculo do impacto do ambiente não partilhado corresponde a 1 menos a correlação dos gémeos
MZ. Quanto ao ambiente partilhado, o cálculo do seu impacto corresponde à correlação do
fenótipo dos MZ menos a heritabilidade.

Modelos ACE

Na pesquisa contemporânea sobre gémeos usam-se técnicas mais sofisticadas designadas por
Modelos ACE, orientados para a estimativa de três parâmetros: A (a heritabilidade), C (o efeito do
ambiente partilhado) e E (o efeito do ambiente não partilhado).

Resultados dos Estudos Sobre Gémeos

Os estudos sobre gémeos têm sido usados para obter estimativas de heritabilidade para um largo
número de caraterísticas das populações contemporâneas. O padrão que emerge destes resultados
é que A (a heritabilidade) é substancialmente maior que 0 (zero) para quase tudo o que tem sido
estudado. C (o efeito do ambiente partilhado) tende a ser muito menos importante que o E (o
efeito do ambiente não partilhado).

3.3.3 – ESTUDOS SOBRE ADOPÇÃO


Uma segunda experiência natural que pode ser útil na estimativa da heritabilidade é providenciada
pela adoção, em que os pais biológicos fornecem o material genético e os pais adoptivos fornecem
o ambiente partilhado. Daí que, um bom teste das forças relativas entre A (a heritabilidade) e C (o
efeito do ambiente partilhado) serão as correlações entre a criança adotada e, primeiro, os seus
pais biológicos, e segundo, os pais sociais.

3.3.4 – PROBLEMAS COM OS ESTUDOS SOBRE GÉMEOS E ADOTADOS


Os estudos sobre gémeos e adotados têm problemas; nos dos gémeos, assume-se que as
influências ambientais são semelhantes para ambos os tipos de gémeos, o que pode não ser
verdade e assim as estimativas sobre a heritabilidade podem estar inflacionadas. Os pais podem
tratar os gémeos monozigóticos de uma forma mais semelhante, o que pode fazer com que os
primeiros sejam mais semelhantes (comportamentalmente) devido às influências ambientais do
que por razões genéticas. Para além disto, dois terços dos pares de gémeos monozigóticos
partilham uma placenta, o que não acontece com os dizigóticos. Assim, o ambiente pré-natal dos
monozigóticos é mais partilhado, em média, do que o dos gémeos dizigóticos, o que também pode
levar a uma sobreestimativa de A (a heritabilidade) e a uma subestimativa de C (o efeito do
ambiente partilhado) na estandardização dos desenhos dos estudos.
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Estudos revelaram maiores correlações de MZ do que de DZ independemente de estes terem sido
criados separadamente ou conjuntamente. De facto, serem criados em ambientes separados
pareceu fazer pouca diferença relativamente aos padrões de semelhança nos gémeos. Os cálculos
de A (cerca de 0,5) e C (quase 0) que obteram foram semelhantes aos estudos realizados em
gémeos que cresceram juntos.

Nos estudos sobre adoção uma fonte de problemas metodológicos é a seleção das famílias
adoptivas onde se colocam as crianças. Só um subconjunto de famílias é considerado elegível para
adotar e este tipo de filtro de ambiente social pode afetar as generalizações das estimativas de C.
Também pode haver problemas se as agências de adopção tenderem a colocar as crianças em
famílias que tenham algumas parecenças com elas ou com os seus pais biológicos, o que levará à
inflação da estimativa de C.

O problema mais sério nos estudos de adoção é que, mesmo que esta seja efetuada logo após o
nascimento, o ambiente pré-natal é providenciado pela mãe biológica. Daí que, se uma grande
parte da influência do C ocorre dentro do útero, o C será subestimado e o A sobrestimado.

3.3.5 – MODELOS MAIS COMPLEXOS: EPISTASIA E DOMINÂNCIA


Os modelos ACE assumem que os efeitos genéticos se acumulam de forma aditiva de maneira a que
o efeito de um coeficiente de parentesco de 1 no fenótipo será duas vezes o efeito de um
coeficiente de 0,5. No entanto, este não será o caso. O efeito da carga genética total (ter 2 alelos
recessivos) é mais do que o dobro do efeito de metade da carga genética (ter apenas um alelo
recessivo).

Quando tais efeitos são devidos à interação entre o par de alelos num locus, são designados por
efeitos de dominância, e quando são devidos a interações entre alelos em diferentes loci, são
designados por efeitos epistáticos.

A heritabilidade baseada apenas em efeitos aditivos é também designada por heritabilidade de


sentido restrito, ao passo que as estimativas que incluem dominância e efeitos epistáticos são
designadas por heredabilidade de sentido alargado.

3.3.6 – A HERITABILIDADE E O SEU SIGNIFICADO


“Hereditário” Não é “Geneticamente Determinado”

Tendo em conta que a heritabilidade é a proporção da variação do fenótipo representada pela


variação genética, e não existe variação genética relativamente, por exemplo, ao número de braços
na população humana, resulta que a heritabilidade de ter dois braços é 0. 100% da variação no
número de braços é determinada pelo ambiente, apesar das características serem num dado
sentido determinadas geneticamente (ter braços).

A Heritabilidade é Específica a uma População e a um Ambiente

A heritabilidade é específica a uma população que vive num ambiente específico, dado que se pode
alterar conforme as mudanças ambientais. O facto de um traço ser altamente hereditário não
implica que uma mudança no ambiente não terá consequências no fenótipo.

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Uma conclusão mais geral é que quanto melhor ambiente criarmos, mais as caraterísticas
fenotípicas se manifestarão.

3.4 – HEREDITABILIDADE E SELEÇÃO NATURAL


A hereditabilidade é também importante para o estudo da evolução, dado que o facto de se herdar
um traço (ou caraterística) determina como a seleção natural o pode mudar.

A condição prévia da seleção natural para que esta seja efetiva é a existência de alguma variação
genética hereditária para as caraterísticas presentes na população. A heritabilidade não precisa de
ser 1 para a seleção natural levar à mudança evolutiva. Só necessita de ser maior que 0, apesar de,
quanto maior for, mais depressa a seleção natural produz mudança.

10 – O NOSSO LUGAR NA NATUREZA

10.1 – RECONSTRUINDO A ÁRVORE DA VIDA


Um argumento central na teoria da evolução é que todos os organismos vivos se relacionam entre
si, numa única e enorme árvore familiar ou filogénica (ou filogenética).

10.1.1 – O CONCEITO DE ESPÉCIE


A primeira forma de classificarmos organismos vivos é através da espécie a que pertencem, as quais
são identificadas pelo nome biológico, segundo o sistema introduzido pelo grande naturalista sueco
Carl Linnaeus (1707-1778), pai da taxonomia biológica. O nome consiste em duas partes; a primeira
começa por letra maiúscula e representa o genus (plural: genera) e a segunda começa por letra
minúscula e representa a espécie dentro do género, e.g., Canis lupus, o lobo. Onde seja relevante,
um terceiro termo pode ser distintivo para uma espécie específica, e.g., Canis lúpus signatus, o lobo
ibérico.

Uma espécie é definida pela sua reprodução isolada face a outras espécies, i.e., os humanos são
uma espécie distinta dos gorilas porque eles não se cruzam sexualmente.

Em primeiro lugar, a reprodução isolada pode ser parcial. Onde duas populações são férteis entre si
mas raramente se encontram (ou tendem a não se escolherem como parceiros), então é uma
questão de debate se estamos perante uma ou duas espécies. Segundo, a reprodução isolada leva a
uma acumulação de diferenças evolutivas, mas não o faz instantaneamente. Estando isoladas,
qualquer mudança evolutiva que ocorra numa população, não se espalhará à outra e por isso ficam
com o potencial de divergirem.

As Espécies no Tempo

Como é que decidimos se um fóssil humano de há 100.000 anos pertence à mesma espécie de
humanos de hoje? O critério da reprodução isolada não pode ser usado, dado que duas espécies
que viveram em diferentes pontos da história não se podem encontrar e por conseguinte, nunca
acasalaram. A solução comum nestes casos é usar diferentes nomes de espécies para duas formas,

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se elas forem fenotipicamente diferentes uma da outra, tal como são os indivíduos de duas
espécies vivas.

Disto, segue-se que, onde um novo nome de uma espécie começa no tempo é uma questão de
decisão em vez de descoberta; e.g., 200.000 anos, é o ponto em que se decidiu que a semelhança é
suficiente para aplicar o mesmo nome de espécie, à dos humanos vivos.
10.1.2 – UNIDADES TAXONÓMICAS MAIS ELEVADAS
A terminologia taxonómica é aninhada, com cada unidade taxonómica sentada dentro um grupo
mais inclusivo do nível acima: espécie, género, família, ordem, classe, filo, reino e domínio.

Existem dois pontos importantes sobre estes conceitos taxonómicos:


(1) É aceite cada vez mais que os grupos taxonómicos não devem refletir semelhanças
fenotípicas ou nichos ecológicos, mas a filogenia (estudo da relação evolutiva entre grupos de
organismos). Uma unidade taxonómica deve assim ser monofilética, ou seja, ela deve conter o
antepassado e todos os seus descendentes. Um grupo parafilético inclui o antepassado em A e
alguns mas não todos os seus. Um grupo é polifilético quando uma característica evoluiu de forma
independente pelo menos duas vezes. Porém, muitos dos grupos tradicionalmente usados na
taxonomia não são monofiléticos.
(2) Grupos como <género> e <família> possuem um elemento de arbitrariedade. Eles não são
totalmente arbitrários, visto que devem ser monofiléticos; porém, a certeza sobre a definição do
género e sobre a definição da família (e por conseguinte o número de descendentes a incluir dentro
de cada grupo) é uma questão de convenção.

10.1.3 – ESTABELECENDO FILOGENIAS


Estivemos a ver como é que são estabelecidas as filogenias de diferentes organismos. Os vários
métodos dependem das medidas de um conjunto de caraterísticas dos organismos que se pretende
classificar, os quais são tradicionalmente morfológicos. Mas hoje em dia, cada vez mais, as
caraterísticas são moleculares, isto é, as sequências de nucleótidos num gene, a presença de um
elemento transponível no genoma, ou a sequência de aminoácidos numa proteína, são as
caraterísticas usadas para estabelecer a filogenia.

Para serem informativas, as caraterísticas têm de mostrar alguma variação. Se todas as espécies em
comparação mostrarem uma caraterística idêntica, então essa caraterística não contém informação
para os agrupar. Por outro lado, se todas as espécies forem diferentes em dada caraterística,
também não é informativo. Em vez disso, é necessário encontrar caraterísticas que são partilhadas
por algumas, mas não todas as espécies em estudo.

Adicionalmente, as caraterísticas em questão precisam de ser semelhantes devido à sua retenção


desde um antepassado comum, em vez de semelhante devido a uma evolução convergente. Para as
caraterísticas morfológicas, a evolução convergente pode ser difícil de excluir, mas as caraterísticas
moleculares podem ser úteis aqui, dado que muitas mudanças no nível molecular são neutras no
que diz respeito às suas funções (não sendo provável que evoluam de forma idêntica várias vezes).
Assim, podemos assumir que as caraterísticas moleculares são provas fortes de antepassados
comuns.
18
A chave para a construção da filogenia é a identificação de caraterísticas partilhadas derivadas
únicas dos descendentes de cada ramo da filogenia, as quais radicam de eventos evolutivos que
ocorreram no período imediatamente anterior a cada ramificação hipotetizada.

Esta metodologia é boa, mas há sempre outras possibilidades lógicas. Para decidir entre as várias
possibilidades, recorre-se ao princípio da parcimónia: a filogenia mais parcimoniosa é a que
assume o menor número de eventos evolutivos, daí que tenha sido preferida a filogenia
apresentada.

O Relógio Molecular Revisitado

Os dados moleculares providenciam a possibilidade adicional de estimar há quanto tempo as


ramificações ocorreram, o que radica na ideia de relógio molecular (quanto mais divergência
houver entre as sequências de ADN de dois animais, maior é a quantidade de tempo até ao seu
antepassado comum), cuja ideia principal é a de que, dado muita da mudança molecular é neutra, e
uma vez que a probabilidade de mutação deve ser mais ou menos a mesma em cada geração, então
as diferenças moleculares entre duas linhagens acumular-se-ão numa taxa aproximada ao longo do
tempo. Assim, quanto mais diferenças existirem no nível molecular, mais longinquamente ocorreu a
divergência entre duas linhagens.

Existe variação na taxa de mudança de molécula para molécula, como também de organismo para
organismo. Aspetos da biologia de uma linhagem específica, incluindo o tempo de geração, a taxa
metabólica e os efeitos da seleção natural, são implicados nestas diferenças. Daí que o relógio
molecular precise de ser calibrado para as moléculas e linhagens em estudo, o que é feito
geralmente, considerando um evento de ramificação cuja data é conhecida do registo fóssil, para
estabelecer uma taxa evolutiva, a qual permite então fazer inferências acerca da data de outros
eventos na história da mesma linhagem.

10.1.4 – FÓSSEIS
Os fósseis são restos ou vestígios (normalmente preservados em rochas) de seres vivos que outrora
viveram. As formações fósseis são extremamente raras e tendem a ser partes do organismo.

Os fósseis permitem que as criaturas ancestrais sejam posicionadas nas filogenias, da mesma forma
que são posicionados os seres vivos. As caraterísticas usadas são, em geral, morfológicas. No
entanto, com restos relativamente recentes, por vezes consegue-se extrair ADN.

As evidências fósseis, possuem vários usos. Elas podem ser datadas de uma forma razoavelmente
precisa usando a concentração de isótopos radioativos em torna das rochas para estimar a sua
idade, o que permite agregá-las à filogenia, como também, ajudar na calibração dos relógios
moleculares.

Os fósseis também podem confirmar dados de estados ancestrais preditos pela filogenia das
criaturas vivas.

19
10.2 – HUMANOS COMO PRIMATAS
Os humanos pertencem à ordem dos primatas – um grupo de mamíferos que engloba cerca de 400
espécies, que vivem maioritariamente nos trópicos e cujos antepassados pensa-se terem divergido
daqueles mais perto dos não-primatas há cerca de 80 milhões de anos.

10.2.1 – A FILOGENIA PRIMATA


A filogenia dos primatas ramifica-se em primeiro lugar em strepsirrhines e haplorrhines. Há mais de
100 espécies de strepsirrinos; alguns mais pequenos, como os lóris, os potos e os gálagos ocupam
nichos de florestas noturnas em África e no sudeste da Ásia; porém a maioria dos strepsirrinos são
lémures, um grupo que se restringe à ilha de Madagáscar.

Dentro dos haplorrinos, os társios são o grupo mais divergente encontrados no sudeste da Ásia que
se assemelham aos lóris e por isso são por vezes classificados como strepsirrinos num grupo
parafilético chamado prossímio.

Os macacos e os símios formam os restantes haplorrinos. Ramificaram-se primeiro em platirrinos


(as quatro famílias de macacos das Américas) e catarrinos (os macacos e símios no Velho Mundo).
Isto significa que <macaco> não é um grupo monofilético, uma vez que o último antepassado
comum de todos os macacos era também o antepassado dos símios. A filogenia molecular dos
catarrinos mostra claramente que a grande divergência deste grupo deu-se entre os macacos do
Velho Mundo e os símios.

10.2.2 – OS HUMANOS SÃO SÍMIOS


A Filogenia dos Símios

Uma perspetiva do parentesco entre os símios, que foi comum até há algumas décadas atrás, tinha
os gibões a divergirem primeiro, depois os grandes símios a dividirem-se em humanos e em outros
símios (de entre os quais, os gorilas e os chimpanzés); esta foi uma perspetiva influenciada pelas
semelhanças fenotípicas, dado que os outros grandes símios são todos quadrúpedes peludos e os
humanos não são.

Porém, as semelhanças externas não são hoje a base para uma classificação, a filogenia é. Quando a
informação molecular começou a estar disponível, ela providenciou resultados surpreendentes: os
humanos não são igualmente relacionados com todos os outros grandes símios; em vez disso, nós
somos estreita e notavelmente relacionados com os chimpanzés, sendo o nível de similaridade, nas
sequências de ADN alinhadas, na ordem dos 99%.

A perspetiva contemporânea do parentesco entre símios. Os humanos não só são símios, e não só
grandes símios africanos, mas num nível molecular poderíamos facilmente ser colocados no género
dos chimpanzés.

10.2.3 – HOMINÍDEOS: OS ANTEPASSADOS DOS HUMANOS DEPOIS DA DIVERGÊNCIA


ENTRE OS HUMANOS E OS CHIMPANZÉS
Apesar de não existirem seres vivos mais relacionados connosco do que os chimpanzés, existe um
número considerável de fósseis que atestam formas intermédias, as quais são designadas com uma
variedade de géneros e de nomes de espécies, coletivamente designados por hominídeos.

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Os Australopitecos

Um grupo de hominídeos que datam de há cerca de 4 a 1 milhões de anos é designado por


australopitecos. Este grupo era mais ou menos do mesmo tamanho dos chimpanzés. Eles mostram
evidências inequívocas de locomoção bípede, nos pés, pélvis, pernas e na posição da abertura
através da qual a coluna vertebral entra no crânio (que é na parte traseira do crânio nos símios
quadrúpedes e por baixo do crânio nos humanos). Porém, eles tinham pernas curtas e braços
longos, entre outras caraterísticas sugerindo que eles passavam algum do seu tempo nas árvores.
Se os corpos dos australopitecus sugerem humanidade, os seus crânios são mais parecidos com os
dos chimpanzés, com um rosto saliente e um cérebro um pouco maior do que os chimpanzés de
hoje. No entanto, os dentes caninos são reduzidos comparativamente com outros símios, uma
direção evolutiva continuada nos humanos; os desgastes nos fósseis dos dentes sugerem uma dieta
omnívora com uma forte componente de frutas.

O contexto evolutivo dos hominídeos iniciais foi num período onde o clima em África estava a
arrefecer e a secar e as anteriormente florestas tropicais estavam a tornar-se savanas. Os símios em
geral não se deram bem neste período, tendo desaparecido muitas espécies, presumidamente
porque estavam altamente adaptados às florestas densas. Assim, a seca climática e a fragmentação
das florestas pode ter proporcionado o aumento do bipedismo.

Mais tarde, os australopitecos divergiram para o designado robusto (Australopithecus boisei, que
foram mais robustos apenas nos seus dentes e maxilares, com largos molares e poderosos
músculos para mastigar, sugerindo talvez uma dieta de plantas grossas) e para o grácil
(Australopithecus africanus), o qual pensa-se ser o ramo ancestral dos humanos modernos.

Origens do género Homo

Os primeiros fósseis aos quais os investigadores concordam em aplicar o mesmo nome de genus
(ou género) – Homo – datam de há cerca de 2,5 milhões de anos, atraindo nomes como Homo
habilis, Homo rudolphensis e mais tarde Homo Ergaster e Homo erectus. Estes primeiros Homo são
significativos por uma série de razões. Primeiro, eles são os animais onde o tamanho do cérebro
(relativamente ao corpo) começa a divergir dos chimpanzés e a aproximar-se do padrão humano de
hoje. Segundo, por volta do tempo em que surgiram, foi quando começaram a aparecer as
ferramentas de pedra, associadas com frequência a ossos de animais, o que sugere que o Homo
inicial começou significativamente a depender da carne. Terceiro, porque estes Homo iniciais foram
os primeiros hominídeos a migrar para fora de África sendo encontrados no sudeste da Ásia há
cerca de 1,5 milhões de anos. Por esta altura já estava assim assente o completo bipedismo
moderno.

Os Arcaicos

Por volta de há 0.8 milhões (800 mil anos) de anos atrás, começaram a aparecer, primeiro em
África, novas formas de hominídeos. São globalmente mais largos e os seus cérebros expandidos,
ambos, corpo e cabeça, já dentro dos padrões humanos atuais. Estão associados a ferramentas de

21
pedra mais complexas do que as usadas pelo Homo erectus e são referidos com frequência como
sendo os Homo sapiens arcaicos.

Um ramo dos arcaicos que viveu até há relativamente pouco tempo é o Neandertal (Homo
neanderthalensis). Robusto e adaptado ao frio, apareceu na Europa há cerca de 300.000 anos atrás
e a sua extinção só se deu, talvez, há cerca de 30.000 anos atrás.

Tem sido sugerido que o Homo floresiensis é um descendente anão do Homo erectus. Como tal, o
Homo erectus e a sua linhagem persistiu na Ásia até relativamente recentemente.
10.2.4 – ORIGENS DO HOMO SAPIENS
Os fósseis que são quase iguais aos ossos dos humanos modernos começaram a ser encontrados
dentro dos últimos 200.000 anos. Os investigadores acordaram em atribuir-lhes o nome Homo
sapiens e referirem-se a eles como humanos modernos (HM). Como já notado, as datas da extinção
dos Neandertais na Europa (+/- 30.000 anos atrás) e dos Homo erectus na Ásia (+/- 50.000 anos
atrás) são bem depois do aparecimento dos HM em África; os HM estavam claramente a
expandirse, conforme se verifica com a sua presença no Médio Oriente há cerca de 100.000 atrás,
na Ásia e Australásia há cerca de 60.000 anos atrás e na Europa há cerca de 30.000 anos atrás.

Seriam os HM de África uma espécie diferente? (a qual substituiu os Neandertais na Europa e o


Homo erectus na Ásia sem que tenham cruzado com eles?) Ou terão sido uma subespécie que
cruzou com eles? Ou alternativamente, seria todo o complexo HM-Neandertal-Homo erectus
apenas uma grande espécie em evolução com variação regional?

A primeira possibilidade (que os HM foram uma nova espécie que substituiu outros hominídeos
sem cruzamento) é conhecida popularmente como o modelo ‘Out of Africa’ (Fora de África) e é o
que tem mais evidências a seu favor, que são as seguintes:

Genética dos humanos atuais – as filogenias moleculares foram construídas usando um número de
sequências do genoma humano, tal como o ADN mitocondrial, o qual é particularmente útil, dado
que este é apenas passado através das mães e assim sendo não está sujeito a recombinações;
também possui uma alta taxa de mutação, o que significa que é informativo, mesmo com o curto
espaço de tempo da história do Homo sapiens.

Todos os humanos atuais podem ser rastreados até um pequeno conjunto de antepassados na raiz
da árvore. Após este evento de gargalo, a população começou a expandir-se e o seu ADN
mitocondrial começou a divergir, o que se iniciou em África. Muito mais tarde, pequenos grupos de
subconjuntos de africanos migraram para outros continentes e os seus parentes começaram a
expandir-se e a divergir, dando-nos as ramificações mais recentes, dos humanos não-africanos. Os
cálculos de relógio molecular destas informações, estimam que o evento de gargalo africano
ocorreu há cerca de 172.000 de anos e que a migração para fora de África entre 40.000 a 60.000
anos atrás.

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História do Homem Moderno Desde as Suas Origens

Estas informações suportam assim a perspetiva de que todos nós, humanos vivos, descendemos de
uma pequena população que viveu em África dentro dos últimos 200.000 anos, a qual deu origem a
grandes colonizadores, povoando todos os outros continentes do Velho Mundo há cerca de 40.000
anos atrás.

10.3 – O QUE FAZ OS HUMANOS DIFERENTES


10.3.1 – COMER CARNE
Os humanos são omnívoros e as populações contemporâneas humanas variam na medida em que
dependem de produtos animais. Assim, a evolução hominídea evidentemente envolveu uma
mudança para a dependência de animais para comer. As ferramentas de corte são evidências
arqueológicas.
10.3.2 – USO DE FERRAMENTAS
Todas as sociedades humanas possuem um conjunto de ferramentas para resolver os problemas do
seu ambiente, o que não é exclusivo dos humanos. No entanto, a dependência das ferramentas, a
sua variedade e a sua sofisticação são marcas humanas.

As ferramentas são um aspecto antigo da vida hominídea, que remonta há cerca de 2,5 milhões de
anos; no entanto, por longos períodos desse tempo as ferramentas mantiveram-se relativamente
imutáveis; além disso, o aparecimento de novas ferramentas não está bem correlacionado com
mudanças anatómicas.

10.3.3 – TAMANHO DO CÉREBRO


Umas das caraterísticas mais impressionantes dos humanos é o tamanho do seu cérebro
relativamente ao dos chimpanzés. Com a origem do género Homo há um aumento sobre os
Australopitecus e um aumento ainda mais acentuado na passagem dos arcaicos para os humanos
modernos.

Existem muitas teorias sobre a significância funcional de cérebros grandes nos humanos, incluindo a
hipótese do cérebro social, que associa o alargamento do cérebro ao aumento e à complexidade
dos grupos sociais, mas também deve estar associado ao aumento da ocupação com a
aprendizagem.

10.3.4 – HISTÓRIA DE VIDA


Os humanos fizeram mudanças impressionantes na história da sua vida em comparação com outros
símios. A esperança de vida aumentou em geral e, relacionado com isto, o período de
desenvolvimento e de dependência, conhecido como infância, é alongado.

Ambas, longevidade e infância prolongada, podem estar associadas ao aumento cerebral. Os


animais com cérebros grandes tendem a viver mais tempo porque o cérebro tem um alto
investimento energético no desenvolvimento inicial, com o qual, a história da vida é desacelerada,
aumenta a manutenção somática e fica-se vivo tempo suficiente para conservar o investimento
inicial.

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Relativamente à infância, uma vez tendo sido criado um cérebro grande e complexo, a sua
maturação leva algum tempo.

Pais, avós e outros parentes providenciam cuidados às crianças de uma forma bem mais extensa
comparativamente com outros primatas. Graças a este provisionamento cooperativo, os humanos
mantêm uma alta taxa de reprodução em comparação com outros grandes símios.

10.3.5 – APRENDIZAGEM
A consequência da especialização humana na extração de recursos de alta qualidade usando
habilidades aprendidas é que a aprendizagem é longa.

O forrageamento de alta-habilidade faz com que os humanos ocupem uma incrível largura de
ambientes de formas muito engenhosas, mas o custo necessário é a vida longa, o longo período
juvenil e a necessidade de dar assistência aos mais novos.

10.3.6 – LINGUAGEM
Outra caraterística impressionante dos humanos é a linguagem. Os outros símios possuem
complexos sistemas de comunicação, mas o humano possui caraterísticas especiais: é produtivo (o
que significa que não existe um repertório fixo de significados, mas em vez disso, um stock de
unidades com significado, que são as palavras, que podem ser combinadas de acordo com regras
para produzir um conjunto ilimitado de novos significados, as frases); permite fazer referências a
coisas que não estão presentes.

A evolução da capacidade da linguagem envolveu indubitavelmente múltiplas mudanças


adaptativas no cérebro e no trato vocal (boca, nariz e garganta).

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