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A IMAGEM DA CIDADE

Kevin Lynch
Tradução Jefferson Luiz Camargo

wmfmartinsfontes
SÃO PAULO 20 I I
ÍNDICE
Esta obro foi publicada originalmente em inglês com o titulo
THE IMAGE OF THE CflY, por T11e MIT Press, Cambridge, MA.
Copyrig!Jt © 1960 by the Massachusetts ln.stitule ofTeclznology
and lhe Presidem and Fe/Jaws of Han·ard College.
Copyriglu © 1997, Livraria Martins Fontes Editora l.Jda.,
São Paulo, para a presente edição.

I! edição I 997
3: edição 20II

Tradução
JEFFERSON LUIZ CAMARGO

Revisão dn tradução
Eduardo Brandão
Acompanhamento editorial
Luzia Aparecida dos Santos
Revisões gráficas
Andréa Stahel M. da Si/\·a Apresentação da edição brasileira VII
Ana Maria de O. M. Barbosa
Atualização ortográfica
Prefácio XI
Rena/o da Rocha Carlos
Produção gráfica Capítulo 1
Geraldo Ah·es
Paginação
A imagem do ambiente 1
Moacir Karsumi MatsusaJd Legibilidade, 3; A construção da imagem, 7; Estrutura e identidade, 9;
Fotolitos Irnaginabilidade, 1 L
Srudio 3 Deserrvolvimento Edirorial

Capítulo 2
Dados Internacionais de Catalogação na PubliCllçiio (CIP) Três cidades 17
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Boston. 19; Jersey City, 28; Los Angeles, 36; Ternas comuns, 48.
Lynch, Kevin
A imagem da cidade I Kevin Lynch ; tr.:J.dução Jefferson Luiz
CiliDargo. - 3~ ed. - São Paulo : Editora WMF Martins Fontes. Capítulo 3
2011.- (Coleção cidades) A imagem da cidade e seus elementos 51
Tírulo original: The image of lhe city. Vias, 54; Limites, 69; Bairros, 74; Pontos nodais, 80; Marcos, 88;
Bibliografia. Inter-relações de elementos, 93; A imagem mutável, 95; A qualida-
ISBN 978-85-7827-427-6
de da imagem, 97.
I. Planejamento urbano- Estados Unidos I. Título. II. Série.
~""'---- ..........
11-09167 CDD-711.40973 Cápítulo 4
Índices para catálogo sistemático: J~rma da cidade . 101
I. Estados Unidos : Planejamento urbano 7II.40973
~./(;,íÍ O d~senho das ruas, 106; O d~sign de outros elementos, 110;
U Qualidades de forma, 117; O sentido do todo, 121; A forma rnetro-
Todos os direitos desta edição reservados à olitana, 125; O processo de design, 129.
Editora lVMF Martins Fontes Lida.
Rua Prof Laerte Ramos de Carvalho, 133 01325.030 São Paulo SP Brasil
Te/. (11) 3293.8150 Fax (11) 3101.1042
Capítulo 5--------------
e-mail: injo@wnzfinartinsfontes .com h r http://www.wmfmartinsfontes .com h r Uma nova escala 133
100 A IMAGEM DA CIDADE

que o hospital fica no South End, e que este fica no centro de CAPÍTULO 4 A FORMA DA CIDADE
Boston; depois, localizar o North End em Boston, e dentro do
North End, a igreja. Essa espécie de imagem pode ser chamada
de "hierárquica". . . A •

Para outros, a imagem se formava de um modo mms dmann-


co, com as partes interligadas por uma sequência temporal (mes-
mo que o tempo fosse breve) e imaginad~s com~ se vistas. atra-
vés de uma câmera de cinema. Estava ma1s estreitamente hgada
à experiência concreta de deslocamento ao longo da cidade. A
isso poderíamos chamar "organização contínua", empregando
interligações flexíveis em vez de hierarquias estáticas. ,
Com base nisso, pode-se inferir qu~ :-gens de maior va
lor são aquelas que mais se aproximam forte campo total:
densas, rígidas e vivas; que recorrem a todos os tipos de elemen
tos e características formais sem uma concentração limitada; e Temos a oportunidade de transformar o nosso novo mundo
que podem ser agrupadas tiG) hierárquica quanto continuamen- urbano numa paisagem passível de imaginabilidade: visível, coe-
te, conforme a ocasião exi ·r. Podemos, sem dúvida, achar que rente e clara. Isso vai exigir uma nova atitude de parte do mora-
tal imagem é rara ou impossível, que existem fortes tipos indivi- dor das cidades e uma reformulação do meio em que ele vive. As
duais ou culturais que não podem transcender suas capacidades
novas formas, por sua vez, deverão ser agradáveis ao olhar, orga-
básicas. Nesse caso, é preciso equipar um ambiente com o tipo
nizar-se nos diferentes níveis no tempo e no espaço e funcionar
cultural apropriado, ou configurá-lo de diferentes maneiras, to-
como símbolos da vida urbana. O presente estudo apresenta al-
das elas capazes de atender às necessidades dos indivíduos que
gumas sugestões a esse respeito.
nele vivem.
Estamos continuamente tentando organizar nosso entorno, A maioria dos objetos que nos acostumamos a considerar be-
estruturá-lo e identificá-lo. Vários ambientes são mais ou menos los, como uma pintura ou uma árvore, têm uma finalidade úníca.
receptivos a semelhante tratamento. ~eformulaçã~ ~as cida- Há neles, através de um longo desenvolvimento ou da marca de
des, deveria ser possível dar-lhes uma forma que fac1htasse es- uma vontade pessoal, uma ligação íntima, visível, entre o deta-
sas tentativasde organização, em vez de frustrá-las. lhe sutil e a estrutura total. Uma cidade é uma organização mu-
tável e polivalente, um espaço com muitas funções, erguido por
muitas mãos num período de tempo relativamente rápido. A es-
pecialização completa e o entrelaçamento definitivo são impro-
váveis e indesejáveis. A forma deve ser de algum modo descom-
promissada e adaptável aos objetivos e às percepções de seus
cidadãos.
Existem, porém, algumas funções fundamentais, que as for-
mas da cidade podem expressar: circulação, usos principais do
espaço urbano, pontos focais chaves. As esperanças, os prazeres
e o senso comunitário podem concretizar-se. Acima de tudo, se
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o ambiente for visivelmente organizado e nitidamente identifica- ~florentinas. Mas a cidade também é extremamente visível.
do, o cidadão poderá impregná-lo de seus próprios significados Situa-se no bojo de colinas ao longo do rio Arno, de modo que
e relações. Então se tomará um verdadeiro lugar, notável e in- as colinas e a cidade são quase sempre intervisíveis. No sul, o
confundível. campo aberto penetra quase até o coração da cidade, estabele-
Para citarmos um único exemplo, Florença é uma cidade do- cendo um nítido contraste, e, de uma das últimas colinas escar-
tada de uma poderosa personalidade, um lugar extremamente padas, um terraço oferece uma vista "aérea" do centro da cidade.
apreciado por todos que o conhecem. Ainda que, num primeiro No norte, pequenos povoados distintos, como Fiesole e Settigna-
momento, muitos estranhos consideram-na fria ou intimidativa, no, dependuram-se visivelmente em colinas características. No
não têm como negar sua intensidade especial. Viver nesse am- centro simbólico da cidade, ergue-se a enorme e inconfundível
biente, sejam quais forem os problemas econômicos ou sociais cúpula do Duomo ladeada pelo campanário de Giotto, um ponto Figura 33, pág. 91

encontrados, parece acrescentar uma profundidade adicional à de orientação visível em qualquer parte da cidade e de muitos
experiência, seja ela de prazer, de melancolia ou de integração . quilômetros para além dela. Essa cúpula é o símbolo de Florença.
.É evidente que a cidade tem uma história econômica, cultur,3L O centro da cidade tem características regionais de uma força
Figura 34 e política de enormes proporções e que os mdíc10s v1sums desse quase opressiva: ruas extremamente estreitas e com calçamento
~passado explicam grande parte das incorifundíveis caracten:srt::- de pedras; altos edificios de estuque e pedra, de cor cinzento-
-amarelada, com venezianas, grades de ferro e entradas que lem-
bram cavernas, encimadas pelos característicos beirais florenti-
nos. Nessa área existem muitos pontos nodais fortes, cujas formas
distintas são reforçadas por seu uso especial ou seu tipo de usuá-
rio. A área central está cheia de marcos, cada qual com seu nome
e sua história. O rio Arno atravessa esse cenário urbano e liga-o
à paisagem mais ampla.
As pessoas desenvolveram ligações muito fortes com essas
formas claras e diferenciadas, tanto em decorrência do passado
histórico quanto de suas próprias experiências. Cada cena é ime-
diatamente identificável e traz à mente um turbilhão de associa-
ções. Há uma total harmonia das partes. O ambiente visual tor-
na-se parte integrante da vida dos habitantes.OCci,dade não é de·
modo algum perfeita, mesmo no sentido restrito da imaginabili-
dade, nem todo o seu sucesso visual se deve apenas a essa qua-
lidade. Mas parece haver um prazer simples e automático, um
sentimento de satisfação, presença e certeza, que decorre da sim-
ples contem..J(lação da cidade ou da possibilidade de caminhar
o~
Florença é uma cidade comum. Na verdade, mesmo que não
mais nos limitemos ao estudo dos Estados Unidos, a cidade ex-
Fig. 34. Florença vista do sul tremamente visível continua sendo uma raridade. Os vilarejos ou
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partes de cidades imagináveis existem em grande número, mas de suas ações. O todo é uma só paisagem, e no entanto cada par-
talvez não existam mais de vinte ou trinta cidades no mundo que te pode ser distinguida daquela com a qual confina.
apresentem uma imagem de tamanha força e consistência. Ainda Sandwich, em New Hampshire, poderia ser vista como mais
assim, nenhuma delas abrangeria uma área de mais do que al- um exemplo; nela, as Montanhas Brancas descem para as águas
guns quilômetros quadrados. Embora a metrópole tenha deixado turbulentas dos rios Merrimac e Piscataqua. O paredão coberto
de ser um fenômeno raro, não há no mundo uma área metropoli- de mato da montanha contrasta agudamente com o campo abai-
tana com algum atributo visual forte, com alguma estrutura evi- xo, não totalmente cultivado. Ao sul, as Montanhas Ossipee fi-
dente. Todas as cidades famosas sofrem do mesmo crescimento cam isoladas em sua condição de última formação isolada de
sem fisionomia em sua periferia. . colinas. Vários picos, como o Chocorua, apresentam uma forma
Assim, pode-se perfeitamente perguntar se uma metrópole inconfundível. O efeito é mais forte nos "intervalos", os platôs
(ou mesmo uma cidade menor) consistentemente imaginável é planos na base das montanhas, totalmente limpos e dando aquela
de fato possível, e se seria apreciada caso existisse. Dada a falta sensação estranha e poderosa de um lugar "especial", exatamen-
de exemplos, é preciso argumentar, em grande parte, com base te comparável à sensação de um lugar marcante numa cidade
em suposições e projeções de acontecimentos passados. O ho- como Florença. Na época em que toda a parte inferior do terre-
mem já ampliou sua capacidade de percepção em outras épocas, no era preparada para o cultivo, a paisagem toda deve ter tido
sempre que se viu diante de um novo desafio, e nada nos autori- essa qualidade.
za a pensar que isso não possa voltar a acontecer. Além do mais, O Havaí pode ser visto como um exemplo mais exótico: com
existem sequências de autoestradas que apontam para a possibi- suas montanhas abruptas, suas rochas de cores vivas e seus gran-
lidade dessa nova organização em grande escala. des rochedos, sua vegetação luxuriante e extremamente diferen-
Também é possível citar exemplos de formas visíveis, nessa ciada, o contraste entre mar e terra e a dramática transição entre
escala de maiores dimensões, que não são exemplos urbanos. A um lado e outro da ilha.
maioria das pessoas consegue lembrar-se de algumas paisagens Estes são, sem dúvida, exemplos pessoais; o leitor pode subs-
favoritas que têm essa diferenciação, essa estrutura e essa forma tituí-los pelos seus. Às vezes, eles são o resultado de atributos
nítida que gostaríamos de produzir no ambiente em que vivemos. naturais poderosos, como no caso do Havaí; mais comumente,
A paisagem ao sul de Florença, na estrada que leva a Poggibon- como na Toscana, são o produto das modificações humanas vi-
si, apresenta essas características quilômetro após quilômetro. sando a objetivos concretos, com uma tecnologia comum atuan-
Os vales, os cumes e as pequenas colinas são de grande varieda- do sobre a estrutura básica oferecida por um processo geológico
de, mas acabam formando um sistema comum. Os Apeninos de- contínuo. Se bem-sucedida, essa modificação é feita com a cons-
marcam o horizonte a norte e a leste. O solo, visível a uma longa ciência das inter-relações- mas conservando a individualidade
distância, é limpo e apresenta uma grande variedade de culturas tanto dos recursos naturais quanto dos objetivos humanos.
- trigo, azeitonas, uvas :..., cada qual distinguível por suas cores e Em sua condição de mundo a~ificial, é assim que ~idade •
formas espécíficas. Cada dobra do terreno reflete a configuração ~veria ser: edificada com ~ nosso hábito an 1go nos
dos campos, plantações e estradas; cada pequena colina é enci- adaptarmos ao nosso ambiente discrim ·n e or anizan
mada por uma cidadezinha, igreja ou torre, de tal modo que as perceptlvamente o que quer ue se a senti os.
pessoas podem dizer: "Esta aqui é a minha cidade, e ali está o rev1venc1a e o predomínio baseavam-se. nessa adaptabilida-
aquela outra." Levados pela estrutura geológica das característi- de sensória, mas hoje já podemos passar para uma nova fase des-
cas naturais, os homens chegaram a um ajuste delicado e visível sa interação. No ambiente em que vivemos, podemos começar
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por adaptar o próprio espaço ao padrão perceptivo e ao processo uma hierarquia funcional: uma escolha sensória dos c i rin-
simbólico do ser humano. ~_pms e sua um icação como elementos perceptivos contínuos.
J:ste e o esqueleto da 1 agem da cidade.
A linha de movimento deveria ter~ direção clara. O com-
O desenho das ruas putador humano perturba-se com longas sucessões de desvios ou
com curvas graduais e ambíguas que, no fim, acabam produzin-
Aumentar a imaginabil" do ambiente urbano si "fica fa- do mudanças direcionais de maior vulto. As curvas constantes
ili ar sua 1 en 1 1cação e estruturação vis Os elementos até das calli de Veneza ou das ruas de um dos românticos projetos
aqui iso a os - · s, 1ill1 es, marcos, pontos nodais e regiões - de Olmsted, ou, ainda, a curva gradual da Avenida Atlantic, em
são os blocos formadores no processo de criação de estruturas Boston, logo confundem os observadores que não têm um bom
firmes e diferenciadas em escala urbana. Que sugestões pode- conhecimento desses locais. É evidente que uma rua reta tem
mos extrair do material até aqui examinado a propósito das ca- clareza direcional, mas o mesmo se poderia dizer de uma rua
racterísticas que tais elementos poderiam apresentar num am- com algumas curvas bem definidas, de mais ou menos noventa
biente verdadeiramente imaginável? graus, ou de qualquer via com muitas curvas ligeiras que, ainda
,As ~ias, a rede de linhas habituais ou potenciais de desloca- assim, nunca perde sua direção básica.
mento através do complexo urbano sao o melO mais poder~ Os observadores parecem dotar uma via de um senso de dire-
~lo qua o to o po e ser o u . ~ ,.., • · · · ·
ção irreversível, e identificar uma rua com a destinação da mes-
alguma qualidade singular que as di erenc1e dos canais-cle-circw
ma. Na verdade, uma rua é percebida como uma coisa que vai
Iação circundantes: uma concentraçao de algum uso ou à:lgru:na----
dar num determinado lugar. A via deveria corroborar perceptiva-
atrvidade especiãíão longo de suas margens; llina quahdade eS:.
j}ãcial caractéf®ica; uma tex1ma espec~a:v:imento ou fa-
@da; um sistema particular de iluminação; um conjunto único
=- mente esse fato por meio de pontos terminais bem definidos e de
um gradiente ou de uma diferenciação direcional, de modo que
de cherros ou sons; um detalhe ou uma vegetaçao fí icos. A Rua se lhe atribuísse um sentido de progressão e as direções opostas
Was on po e ser co ec1 a por seu comércio intenso ou por fossem claramente distintas. Um gradiente comum é o de decli-
seu espaço em forma de fenda; a Avenida Commonwealth pelas ve do terreno, graças ao qual somos continuamente instruídos a
árvores alinhadas em sua parte central. "subir" ou "descer" lima rua, mas também existem muitos ou-
Esses elementos poderiam ser aplicados de modo a dar conti- tros. Um adensamento progressivo de sinais, lojas ou pessoas po-
nuidade à via. Se um ou mais deles (a arborização de um bule- de assinalar a aproximação de um ponto comercial; também pode
var, uma cor ou textura especial da pavimentação, ou a clássica haver um gradiente de cor ou textura do verde; a diminuição do
continuidade das fachadas laterais) forem consistentemente em- comprimento de um quarteirão ou o afunilamento do espaço po-
.pregados ao longo da linha, a via poderá ser imaginada como um dem indicar a proximidade do centro da cidade. As assimetrias
elemento contínuo e unificado. A regularidade pode ser rítmica, também podem ser usadas. Talvez seja possível seguir em frente
uma repetição de aberturas espaciais, monumentos ou farmácias "mantendo o parque à esquerda" ou "tomando a direção da cúpu-
de esquina. A própria concentração de trajetos habituais ao lon- la dourada". Podem-se usar flechas ou todas as superficies que se
go de uma via, como também de uma linha de trânsito, irá refor- projetam para uma direção podem ter uma cor codificada. Todos
çar essa imagem familiar contínua. esses meios fazem da rua um elemento de orientação ao qual ou-
Isso nos leva ao e oderíamos chamar de hierar u · tras coisas podem reportar-se. Inexiste o perigo de seguir pelo
das ruas e dos caminhos, análoga à co "caminho errado".
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Se as posições ao longo da linha puderem ser diferenciadas dencia-se nitidamente aos nossos olhos e pode tomar-se o sím-
de certa maneira mensurável, ela será não só orientada como em bolo de uma função urbana fundamental. Inversamente, a expe-
escala. Uma técnica para realizá-lo é a simples numeração das riência será intensificada se a via revelar a presença de outros
casas. Um recurso menos abstrato é a atribuição de um ponto elementos urbanos às pessoas que por ela se deslocam, se pene-
identificável à linha, de tal modo que se possa pensar em outros trar esses elementos ou passar tangencialmente por eles, se ofe-
lugares como "antes" ou "depois". A presença de vários pontos recer indicadores e símbolos do que já foi deixado para trás. Um
de referência aumenta a definição. Também existe a possibili- metrô, por exemplo: em vez de ser enterrado vivo, poderia pas- /11
dade de que uma característica (como o espaço do corredor) pos- sar pelo centro comercial na superficie, ou sua estação poderia, ---T~<-...:::.
--"'11111.--

sa ter uma modulação de gradiente que modifique o espaço, de por sua forma, evocar a natureza da cidade imediatamente acima 4' ......
modo que a própria modificação tenha uma forma reconhecível. dela. Uma via poderia ser configurada de tal modo que o fluxo ~
Assim, seria possível dizer que um determinado lugar fica "um em si tome-se evidente aos sentidos: pistas divididas, rampas e
pouco antes do ponto em que a rua de repente se estreita", ou "no curvas em forma de espiral permitiriam que o trânsito se entre-
contraforte da colina, antes de começar a última subida". As pes- gasse, por assim dizer, a uma contemplação de si mesmo. Trata-se,
soas podem sentir não apenas que estão "seguindo pela direção em resumo, de técnicas para aumentar o espaço visual do viajante.
certa", mas que também já "estão quase lá". Nos casos em que o ~al, uma cidade é estruturada por um conjunto de vias
trajeto apresenta essa série de aspectos distintivos, alcançando-se orgamzadas. O ponto estratégico de tal conjunto é a interseção,
e ultrapassando-se uma etapa após a outra, o próprio percurso o ponto de ligação e decisão para a pessoa em movimento. Se
adquire um significado e se toma uma experiência em si. isso puder ser claramente visualizado, se a própria interseção
Os observadores deixam-se impressionar-se, até mesmo de produzir uma imagem viva e se a posição das duas vias for ex-
memória, pela aparente qualidade "cinestésica" de uma via, pela pressa com nitidez, o observador poderá, então, criar uma estru-
tura satis~tór§}m Boston, a Praça Park é uma junção ambígua

e
sensação de movimento ao longo dela: virar, subir, descer. Isso é
particularmente verdadeiro quando a via é percorrida em alta ve- de ruas mmto rmportantes; o cruzamento da Rua Arlington e da
locidade. Uma grande curva descendente que se aproxima do Avenida Commonwealth é claro e marcante. No mundo todo, as
centro da cidade pode produzir uma imagem inesquecível. Os estações de metrô são incapazes de produzir articulações visuais
sentidos do tato e da inércia também entram nessa percepção do claras assim. Deve-se tomar um cuidado especial para explicar as -
movimento, mas a visão parece ser predominante. Os objetos ao complexas interseções dos sistemas viários modernos.
longo da via podem ser ordenados de modo a aumentar o efeito Em geral, a ligação de mais de duas vias é bastante dificil de
de paralaxe ou perspectiva de movimento, ou a continuidade da conceituar. Uma estrutura de vias deve ter uma certa simplicidade
via à nossa frente pode ser tomada visível. A configuração dinâ- de formas para poder formar uma imagem clara. É necessária
mica da linha de movimento vai conferir-lhe identidade e talvez uma simplicidade muito mais topológica do que geométrica, de
crie uma experiência contínua com o passar do tempo. modo que um cruzamento irregular, mas mais ou menos em ân-
Qualquer exposição visual da via, ou do seu fim, contribui gulo reto, é preferível a uma trisseção precisa. São exemplos des-
para intensificar a sua imagem. Isso pode ser obtido com uma sas estruturas simples os conjuntos paralelos ou os elementos fu-
grande ponte, uma avenida axial, um perfil côncavo ou a silhue- siformes: as cruzes de um, dois ou três braços; os retângulos ou
ta distante do ponto terminal da rua. A presença da via pode ser alguns eixos ligados entre si.
evidenciada pela colocação de marcos visíveis ao longo dela, ou As vias também podem ser imaginadas não como um mode-
por outros tipos de indicadores. A linha de circulação vital evi- lo específico de certos elementos individuais, mas como uma
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rede que explique as relações típicas entre todas as vias do con- ro comercial, por exemplo, pode ser um conceito importante,
junto sem identificar qualquer via específica. Esse requisito im- mas ao mesmo tempo dificil de descobrir in loco, por não ter
plica a existência de um traçado que tenha alguma consistência, qualquer continuidade formal identificável. O limite também
seja ela direcional, de inter-relação topológica ou de espaçamen- adquire força se for lateralmente visível a alguma distância, se
to. Uma quadrícula pura combina todas as três, mas a invariân-
cia direcional ou topológica pode ser bastante eficiente por si
assinalar um claro gradiente das características de uma área e se
ligar claramente duas regiões limítrofes. Assim, a abrupta inter- ·~
"':J•·;·-
própria. A imagem fica mais nítida se todas as vias que correm rupção de uma cidade medieval em sua muralha, as fachadas dos
em sentido topológico, ou seguindo um dos pontos cardeais, fo- arranha-céus do Central Park e a clara transição água-terra numa
rem visualmente diferenciadas das outras vias. Assim, a distin- região costeira constituem poderosas impressões visuais. Quan-
ção espacial entre as ruas e avenidas de Manhattan é de grande do duas regiões fortemente contrastantes ficam em estreita jus-
eficiência. A cor, o verde e o detalhe também podem servir. A taposição e seu ponto de confluência é visível por inteiro, a aten-
denominação e a numeração, os gradientes de espaço, topografia ção visual se concentra com grande facilidade.
ou detalhe e a diferenciação dentro da rede podem igualmente Principalmente lá onde as regiões fronteiriças não são de na-
dar ao traçado um sentido progressivo ou mesmo de escala. tureza contrastante, é útil diferenciar os dois lados de um limite,
Existe uma última maneira de organizar uma via ou um con- orientar o observador no sentido "interior-exterior". Isso pode ser
junto de vias, que irá tomar-se cada vez mais importante num feito com materiais contrastantes, por uma sólida concavidade de
mundo de grandes distâncias e altas velocidades. Por analogia linha ou com o verde. O limite também pode ser configurado de
com a música, poderíamos chamá-la de "melódica". Os elemen- modo a dar orientação ao longo de toda a sua extensão, o que se
tos e as características ao longo de uma via- marcos, mudanças pode obter com um gradiente, com pontos identificáveis a certos
de espaço, sensações dinâmicas - poderiam ser organizados intervalos ou, ainda, com a individualização de uma extremida-
como uma linha melódica, percebidos e imaginados como uma de em relação à outra. Quando o limite não é contínuo nem se fe-
forma que é vivenciada a intervalos de tempo substanciais. Uma cha sobre si mesmo, é importante que suas extremidades tenham
vez que a imagem seria a de uma melodia completa, e não a de terminais definidos, referências reconhecíveis que completem e
uma série de pontos distintos, ela talvez pudesse ser mais abran- situem a linha. A imagem da zona portuária de Boston, que em
gente, e ainda assim menos exigente. A forma poderia ser a clás- geral não é imaginada como se fosse contínua com a linha do rio
sica sequência introdução-desenvolvimento-clímax-conclusão, Charles, carece de um esteio perceptivo em suas duas extremida-
ou talvez pudesse assumir formas mais sutis, como aquelas que des, o que faz dela um elemento vago e indistinto no contexto da
evitam as conclusões finais. A aproximação de San Francisco imagem total de Boston.
através da baía sugere um tipo dessa organização melódica. A Se um limite puder ser atravessado visualmente ou pelo mo-
técnica oferece um campo muito rico para o desenvolvimento e vimento, ele poderá ser mais do que uma simples barreira domi-
a experiência do design. nante- desde que seja, por assim dizer, estruturado em alguma
profundidade com as regiões de ambos os seus lados. Ele então
deixa de ser uma barreira e toma-se uma costura, uma linha de
O design de outros elementos intercâmbio ao longo da qual duas áreas estão "costuradas".
Se um limite importante for dotado de muitas conexões vi-
Tanto os limites quanto as vias exigem uma certa continuida- suais e de circulação com o restante da estrutura urbana, ele se
de formal ao longo de toda a sua extensão. O limite de um bair- tomará uma característica com a qual tudo o mais será facilmen-
112 A IMAGEM DA CIDADE A FORMA DA CIDADE 113

te alinhado@ma maneira de aumentar a visibili~a?e de um limi- · A força da imagem aumenta quando o marco coincide com
te consiste em aumentar seu uso ou suas cond1çoes de acesso, uma concentração de associações. Se o edificio que sobressai for
como acontece, por exemplo, quando a parte da cidade à margem o cenário de um fato histórico ou se a porta em cores vivas for a
das águas é aberta ao tráfego ou ao lazer. Outra maneira seria a
r
construção de limites bem altos, visíveis de ~onr.J
~terística essencial de um marco v1ave , por outro lado,
da sua casa, essas coisas irão realmente tomar-se marcos. Mes-
mo a atribuição de um nome confere poder, pois, em geral, esse
nome é conhecido e aceito por todos. De fato, se quisermos que
é sua smgularidade, o contraste com seu contexto ou seu plano o nosso ambiente se tome sigpificativo, tal coincidência d@ü-
de fundo. Pode ser uma torre recortada contra um fundo de te- _ciação e imaginabilidad~ s~imprescindível.
lhados baixos, podem ser flores contra um muro de pedra, uma A menos que sejam dominantes, os marcos isolados tendem
superficie expressiva numa rua insípida, uma igreja no meio de a ser referências fracas por si sós. Seu reconhecimento exige
lojas, uma projeção numa fachada contínua. A proeminência es- uma atenção contínua. Se forem agrupados, porém, eles refor-
pacial é uma das coisas que mais se prestam a chamar a atençao. çam-se mutuamente, e não apenas por uma questão de somató-
O controle do marco e de seu contexto pode ser necessário: a ria. Os observadores familiarizados criam conjuntos de marcos a
trição de placas e demais letreiros a superficies específicas, limi- · partir dos materiais menos esperados e apoiam-se num conjunto
tes de altura que se aplicam a todos os edificios, menos a um de- integrado de sinais, dos quais cada elemento pode ser fraco de-
les. O objeto também se toma mais admirável se tiver clareza em
mais para ser digno de registro. Os marcos também podem ser
sua forma geral, como é o caso de uma coluna ou uma esfera. Se,
ordenados numa sequência contínua, de modo que todo um tra-
além disso, também for rico em detalhe ou textura, certamente
jeto possa ser identificado e tomado cômodo por uma sucessão
se~~convite ao nosso olhar.
Um marco não é necessariamente um objeto de grandes di- de detalhes conhecidos. As ruas confusas de Veneza ficam tran-
ensoes; pode ser tanto uma maçaneta de porta como uma cúpu- sitáveis depois de uma ou duas experiências, uma vez que são
la de catedral. Sua localização é crucial: se grande ou alto, deve pródigas em detalhes distintivos que as pessoas logo aprendem a
estar localizado de tal modo que seja visto; se pequeno, existem organizar sequencialmente. É menos comum agruparem-se os
certas regiões que recebem mais atenção perceptiva do que ou- marcos em modelos que tenham uma forma específica e possam
tras: pisos ou fachadas próximas, no nível do olho ou pouco indicar, por como se apresentam, a direção a partir da qual são
abaix.I) Qualquer interrupção do fluxo de trânsito - cruzamen- avistados. Os dois marcos florentinos, a cúpula e o campanário,
tos, pontos de tomada de decisão - é um lugar onde nossa per- mantêm esse tipo harmonioso de relação.
cepção se toma mais intensa. As entrevistas mostram que os edi- Os pontos nodais são os pontos de referência conceituais de
ficios comuns situados em lugares onde os usuários decidem por nossas cidades. Nos Estados Unidos, porém, é raro que eles te-
qual direção seguir são claramente lembrados, enquanto as estru- nham uma forma adequada para manter esse grau de atenção, a
turas distintas ao longo de um trajeto contínuo podem ter-se apa- menos que ela seja obtida através da concentração de algum tipo
gado da memória. Um marco será ainda mais forte se for visível de atividade local.
durante um tempo e uma distância maiores, e mais útil se a dire- O primeiro requisito para esse a
ção em que se encontra puder ser percebida com nitidez. Se for da 1 entidade por me10 da qualidade illltinua_de_pare-
identificável de perto e de longe, enquanto nos deslocamos rápi- - , pav11Tien os, e a es, Iluminação, vegetação, topGgmf-ia-Gu-
da ou lentamente, de dia ou de noite, tomar-se-á uma referência linha de horizonte do ponto nodal. O essencial, nesse ti o de ele-
estável para a percepção do mundo urbano, complexo e em per- mento, e que se"a um lugar dlstmto e mesguecível, impossível de
manente transformação. ser confundido com qualquer outro. Sem dúvida, a intensidade
114 A IMAGEM DA CIDADE A FORMA DA CIDADE 115

de uso reforça essa identidade e às vezes a ró12ria intensidad~ ele poderá ser ligado ao sistema de orientação mais geral. Quan-
de-l:l5 a · de características únicas como acon- do vias conhecidas entram numa junção clara, a ligação também
)ece em Times Squaili Mas são inúmeros os nossos centros co- pode ser feita. Em qualquer desses casos, o observador sente a
merciais e pontos de mterrupção do trajeto que carecem dessa presença da estrutura da cidade ao seu redor. Ele sabe por que di-
característica visual. reção deve avançar para chegar ao seu objetivo, e a especificida-
Um ponto nodal será mais definido se tiver um limite nítido, de do próprio lugar é reforçada pelo contraste percebido com a
fechado, e não se estender incertamente para os lados; também imagem total.
será mais digno de nota se tiver um ou dois objetos que sejam fo- É possível ordenar um conjunto de pontos nodais de modo a
cos de atenção. Mas será irresistível se puder ter uma forma es- formarem uma estrutura. Eles pode ser unidos por justaposição
pacial coerente. Este é o conceito clássico da formação de espa- ou permitindo-se que fiquem intervisíveis, como no caso das
ços exteriores estáticos, e existem muitas técnicas para a defini- Praças São Marcos e da Santíssima Annunziata, em Florença.
ção e expressão de tal espaço: transparências, sobr~osiç~es, Podem ser colocadas em algum tipo de relação comum com uma
modulação da luz, perspectiva, gr~rt_I~i<:<,_fecha..,, via ou um limite, ligadas por um elemento de pequenas dimen-
mento, articulação, padrões âe som e mowm_en!Q,_ sões ou pelo eco de alguma característica comum a todos. Essas
]
~ Se uma mterrupÇão do tráfego ou um ponto de tomada de ligações podem estruturar partes substanciais do espaço urbano.
decisão numa via puder coincidir com o ponto nodal, este se tor- Em seu sentido mais simples, um bairro é uma área com ca-
nará alvo de mais atenção ainda. A junção entre via e ponto no- racterísticas homogêneas, reconhecido por indicadores que se
dal deve ser visível e expressiva, como é o caso da interseção de mantêm contínuos ao longo da região e descontínuos no restan-
vias. O passante deve ver como entra no ponto nodal, onde ocor- te do espaço urbano. A homogeneidade pode ser de característi-
re a interrupção e de que modo ele sai. cas espaciais, como as estreitas ladeiras de Beacon Hill; de edi-
Esses pontos de condensação podem, por radiação, organizar ficação, como as fachadas elegantes das casas do South End; de
grandes bairros ao seu redor; para tanto, é necessário que sua estilo ou topografia. Pode ser uma característica inconfundível
presença seja de alguma forma sinalizada no entorno. Um gra- do tipo de construção, como as varandas brancas de Baltimore.
diente de uso ou outra característica pode levar ao ponto nodal, Pode ser uma continuidade de cor, textura ou material, de super-
ou o espaço deste pode tornar-se eventualmente visível a partir ficie de pavimento, escala ou detalhe das fachadas, iluminação,
do exterior, ou, ainda, ele pode conter marcos altos. É desse arborização ou silhueta. Quanto mais essas características se so-
modo que a cidade de Florença se concentra ao redor do Duomo brepõem, mais forte será a impressão de uma área unificada.
e do Palazzo Vecchio, ambos situados em pontos nodais impor- Uma "unidade temática" de três ou quatro de tais características
tantes. O pondo nodal pode emitir luzes ou sons característicos, revela-se particularmente útil para delimitar uma área. As pes-
ou sua presença ser sugerida por um detalhe simbólico em luga- soas entrevistadas geralmente retinham, em suas mentes, um pe-
res mais afastados, um detalhe que faça ecoar alguma qualidade queno conjunto de tais características: por exemplo, as estreitas
do próprio ponto nodal. Num bairro, os sicômoros podem reve- ladeiras, o calçamento de tijolos, as sequências de pequenas ca-
lar a proximidade de uma praça caracterizada por uma grande sas e as entradas recuadas de Beacon Hill. Muitos desses atribu-
quantidade dessas árvores, do mesmo modo que uma rua calça- tos podem ser fixos num bairro, enquanto outros fatores podem
da com pedras pode levar a um espaço assim calçado. variar conforme se queira.
Se o ponto nodal contiver uma orientação local - "para O efeito é inconfundível quando a homogeneidade tisica
cima", "para baixo", "esquerda", "direita", "na frente", "atrás"-, coincide com o uso e o status dos moradores. A natureza visual
A FORMA DA CIDADE 117
116 A IMAGEM DA CIDADE

de Beacon Hill é diretamente reforçada por sua condição de bair- mente seja uma verdadeira região espacial, um contínuo estrutu-
ro das classes mais abastadas. Nos Estados Unidos, o mais co- rado de forma espacial. Num sentido primitivo, são dessa natu-
mum é acontecer o contrário: as características associadas ao uso reza os grandes espaços urbanos, como as fozes dos rios. Uma
são pouco reforçadas pelos atributos visuais. . região espacial seria distinguível de um ponto nodal espacial
Um bairro toma-se ainda mais nítido se houver uma mawr (uma praça) por não poder ser abrangida em sua totalidade com
definição e um "fechamento" de suas fronte~as. ~m B_oston, um um rápido olhar. Só poderia ser vivenciada, como um jogo pa-
projeto de construção de ca~as em Columbm Po~t flc~u pare- dronizado de mudanças espaciais, mediante um percurso mais
cendo mais ou menos uma Ilha, o que pode ser mdesejavel so- ou menos longo por seu espaço. Talvez os átrios processionais de
cialmente, mas bastante claro em termos perceptivos. Na verdade, Pequim ou os canais de Amsterdã tenham essa qualidade. Imagi-
é por essa razão que qualquer pequena ilha é s_~mpre ~ lugar na-se que evoquem uma imagem de grande poder.
charmoso para o imaginário coletivo. E, se a regi~O for facll~e~­
te visível em sua totalidade -por exemplo, por vistas panorarm-
cas em lugares elevados, pela concavidade ou convexidade de Qualidades de forma
sua posição -, sua independência visual em relação ao resto do
espaço urbano estará assegurada. . \ Estas sugestões para o design urbano podem ser resumidas de
· ~airro também pode ser es~tura~o mtemamente. Pode h~- outra maneira, uma vez que o conjunto delas possui temas co-
vefSübdistritos internamente diferenciados, mas em ha~orua muns: as referências reiteradas a certas características físicas ge-
com o todo; pontos nodais que irradiem estrutura por gradientes rais. São essas as categorias de interesse direto para o design,
ou outros indicadores; si~~e~as de vias intertíaS\ _A Back Bay é es- uma vez que descrevem qualidades que podem ser trabalha=d=a.,s'--_
truturada por sua rede viaria em ordem-atfã't5êlic_a, e quase, sem- ~:· Poderíamos resumi-las da seguinte maneira:
pre aparecia nos mapas como um desenh? claro, mc~nfundiVel e,
de certa forma, maior do que na verdade e. Uma reg~ao estrutura- 1._ Si_ngularidade ~u clareza_da figura-plano de fundo: nitide:__ ., ®(li)@ G@
da é muito mais passível de produzir uma imagem viva. Além do d?s1mtes (como na mterrupçao abrupta do desenvolvnnento aa ~ ® @ @ ®@)
mais ela não diz aos seus habitantes apenas que eles estão "em cidad~); fecham~nto (c_omo uma praç~fechada); contraste de su- . @o ®8® ®:>@
al~a parte de X", mas sim que eles_ estão "em X, ~ert~ de Y". perficie, forma, mtensidade, com lexidade, tamanho, uso, loca- ® ® @ © ®
Quando adequadamente diferenciado em seu ,m~enor, ~ fizaçao espacia como uma torre isolada, uma decoração luxuq.._ ® ®
bairro pode expressar ligações com outra~ caractensticas da ~I­ sa ou um smal õem visível). O contraste pode ªar-se em relaçã.Q__
dade. Para tanto, o limite deve ser penetravel: uma costura, nao ao entorno imediatamente vis ' ·
uma barreira. Um bairro pode ligar-se a outro por justaposição, r. ão essas as qualidades que identificam um elemento e o
intervisibilidade, relação com uma linha ou algiliD outro tipo de tomam admirável, notável, vivo, identificável. Quando aumenta
relação, como um cruzamento intermediário, uma via ou um pe- seu conhecimento do espaço, os observadores parecem depender
queno bairro. Beacon Hill é ligado ao núcleo da metrópole pela cada vez menos de continuidades físicas volumosas para a orga-
região espacial do Common, e é desse fato que decorre gr~de nização do todo e deleitar-se cada vez mais com o contraste e a
parte de seu encanto. Essas ligações acentuam as características originalidade que dão vida à cena.
~-Simplicidade da on a: ela e sim licidade da forma v·-

D
de cada bairro e acabam unindo grandes áreas urbanas.
É possível que possamos ter uma região caracterizada não síve em sentido eométrico, limitação de partes (como a clareza
apenas por uma qualidade espacial homogênea, mas que real- ~e um sistema de quadricu ã,éíe um retângulo, de uma cúpula).
118 A IMAGEM DA CIDADE A FORMA DA CIDADE 119

As formas dessa natureza são muito mais facilmente incorpora- direção da ou (como pela luz do dia ou pela largura das ave-
d:{s a 1ma em e há indício as-
re_os observadores distorcem nidas norte-sul). Estas qualidades são extremamente usadas na
. armas complexas tornando-as simples, aindaque percam em estruturação em grande escala.
termos perce~~ Quando um elemento nãoê Sllll~l- ----- '\ {i7Jcance visual: qualidades que aumentam o âmbito e a pe-
taneamente visível como um todo, sua forma pode ser uma dis- netração da VIsão, tanto concreta quanto simbolicamente. Estas
torção topológica de uma forma simples e, ainda assim, ser com- incluem as transparências (como o uso de vidro ou a construção
preensível. obre pilotis); sobreposições (como quando uma estrutura aparece
· @ontinuidade: continuação de limites ou_g1perficies (como atrás de outra); vistas e panoramas que aumentam a profundida-
num canal de circulação, na skyline ou no recuo); repetiÇãüãe de de v~são (como nas ruas axiais, nos grandes espaços abertos
--tervalo rítmico (como um padião de esqumas); sllllthrridade,_ e nas VIstas elevadas); elementos de articulação (focos, marcos
analogia ou harmonia de superficie, forma ou uso (como num miliares, objetos penetrantes) que explicam visualmente um es-
material comum usado na construção de edificios, num modelo paço; concavidade (como a de uma colina em segundo plano, ou
repetitivo de janelas de sacada, na semelhança das atividades co- a da curva de uma rua), que expõe objetos mais distantes ao nos-
merciais, no uso de sinais comu~ São est~s as qualidades que so campo visual; indicadores que falem de um elemento de ou-
facilitam a percepção de uma rea Idade fis1ca complexa como tra forma invisível (como a vista de uma atividade característica
sendo única ou inter-relacionada, as qualidades que sugerem a de uma região subsequente ou o uso de detalhes característicos
atribuição de uma identidade única. que .insinuem. a pro~dade de outro elem~ Todas essas
. Predomínio: o predomínio de uma parte sobre as outras eml quahdades afms facilitam a apreensão de um todo vasto e com-

tando na leitura do todo como~a


decorrencm o amanho, da intensidade ou do interesse, resul-
característica principal asso-
plexo, e o fazem, por assim dizer, aumentando a eficiência da vi-
são: seu raio de ação, sua penetração e seu poder de resolução.
ciada a um conjunto (como na "Area da Praça Harvard'1lAssim ~zovimento: as qualidades que, através dos ~
1 como a continuidade, esse atributo permite a nece~impli- sentidos visuais e cinestésicos, tornam sensível ao observador o ~~­
ficação da imagem por omissão e subsunção. Enquanto estive- seu próprio movimento real ou potencial. São estes os artificias ~ ~
rem além do limiar de atenção, as características fisicas parecem, que melhoram a clareza de ladeiras, curvas e interpenetrações,
até certo ponto, irradiar conceitualmente a sua imagem, espa- oferecem a experiência de paralaxe e perspectiva de movimento,
lhando-se a partir de um centro. mantêm a consistência de direção ou mu~nça de direção, ou
5. ézareza de junção: alta visibilidade das ligações e costuras tornam visível o intervalo entre as distândas Uma vez que a ci-
(como n a m erseçao-chave ou na orla marítima); relação e in- dade é percebida em movimento, essas qualidades são funda-
ter-relação claras (como a de um edificio com o lugar onde foi mentais e usadas para estruturar (e até mesmo identificar), sem-
construído, ou de uma estação de metrô com a rua acima). Essas pre que tenham coerência suficiente para tornar isto possível
ligações são os momentqs estratégicos da estrutura e devem ser (como, por exemplo, "vire à esquerda, depois à direita", "na cur-
extremamente perceptíveis va fechada", ou "três quarteirões mais adiante"). Essas qualida-
a ?!;l [6. ÍJifiq:_enciação ireczonal: assimetrias, gradientes e referên- des reforçam e desenvolvem aquilo que um observador pode fa-
cias radiais que diferenciam uma extremidade da outra (como zer para interpretar a direção ou a distância, ou para perceber o
/
numa rua que sobe por uma colina, afastando-se do mar e toman- movimento da forma em si. ÇQm a velocidade cada vez maim:,_
do a direção do centro); ou que diferenciam um lado do outro essas técnicas vão precisar de um desenvolvimento adicional na
(como os edificios que dão de frente para um parque); ou uma .-cidade moderna. -
A FORMA DA CIDADE 121
120 A IMAGEM DA CIDADE

rf:,séries temporais: séries_ que_ sãoyerceb~das com _o passar outra característica comum) ou as qualidades estão em conflito
do tempo, incluindo tanto as hgaçoes_ snnples, Item po~ Item, nas (como em duas áreas de um mesmo tipo de construção, mas com
quais um elemento é simplesmente hg~d~ a outros dms, o ante- funções diferentes), o efeito total pode ser fraco ou exigir um es-
rior e o posterior (como numa sequencm casual de marcos), forço para descobrir sua identidade e sua estrutura. a certa
como as séries verdadeiramente estruturadas no tempo e, portan- quantidade de repetição, redundância e reforço parece ser nece -
to de natureza melódica (como se os marcos aumentassem sua ária. Assim, uma região inconfundível seria aquela que tivesse
intensidade formal até atingirem um clímax). A primeira sequên- a forma simples, uma continuidade de tipo e uso de suas edi-
cia (a simples) é comumente usada, sobretudo ao longo de ruas icações que fosse única na cidade: nitidamente demarcada, cla-
e avenidas conhecidas. Seu equivalente melódico é mais rara- amente ligada à região vizinha e visualmente côncav!J
mente visto, mas vez seja mais importante desenvolvê-I~ na
metrópole modema, grande e dinâmica. Neste caso, o imagma- O sentido do todo
do seria o modelo de desenvolvimento de elementos, e não os
elementos em si - do mesmo modo que nos lembramos das me- Quando discutimos o design por tipos de elementos, tende-
lodias, e não das notas que as compõem. Num ambiente complexo, mos a examinar superficialmente a inter-relação das partes com
seria até mesmo possível usar técnicas de contra onto: adrões o todo. Nesse todo, as vias exporiam e preparariam os bairros, li-
@veis ·e melochas ou ritmos opostos.:..Trata-se de ~étodos s~­ gando diversos pontos nodais. Estes ligariam e demarcariam as
fisticados, que devem ser criteriosamente desenvolvidos.~:~­ vias, enquanto os limites isolariam os bairros, e os marcos indi-
samos de novas ideias sobre a teoria das formas que são p 1- cariam os seus núcleos. lftotal orquestração dessas unidades é
áas como uma continmdade no tempo, bem como de-ãrqaétipos--... J]Ue amarraria uma imagem densa e vwa e a sustentaria nas áreãs
de deszgn que eXIbam uma seguêncm melóchca dos elementos aã=-_ em escala metropolitana.
iiffilgêm ou uillasucessão formal de espaço, textura, movimen- ' Os cmco elementos - Via, limite, bairro, ponto nodal e marco
' ---..
to, luz O};l silhueta. - devem ser considerados simplesmente como categorias empí-
~ [Q. Nomes e Significados: características não tisicas que po- ricas apropriadas, dentro e ao redor das quais foi possível agrupar
dem aumentar a imaginabilidade de um elemento. Os nomes, P?r uma massa de informações. Enquanto forem úteis, funcionarão
exemplo, são importantes para a cristalização da identidade. As como os blocos de construção para o designer. Tendo dominado
vezes, dão indicações de lugares (Estação Norte). Os sistemas de suas características, ele irá ver-se diante da tarefa de organizar
nomeação (como nas séries de ruas designadas por ordem ~Él­ um todo que será percebido sequencialmente, cujas partes só se-
bética) também podem facilitar a estruturação dos element s. rão sentidas no contexto. Se conseguisse dispor uma sequência
Significados e associações, sejam sociais, históricos, cionais, de dez marcos ao longo de uma via, um desses marcos teria uma
econômicos ou individuais, constituem todo um domínio para qualidade de imagem profundamente diversa daquela que teria
além das qualidades tisicas que nos interessam aqui. Reforçam se estivesse colocado sozinho, de modo proeminente no coração
fortemente as sugestões de identidade ou de estrutura gue podem da cidade.
estar latentes na própria forma tisica. As formas devem ser manipuladas de modo que exista um fio
de continuidade entre as imagens múltiplas de uma grande cida-
Todas as qualidades acima mencionadas não funcionam de de: dia e noite, inverno e verão, proximidade e distância, estáti-
modo independente. Onde uma única qualidade está presente ca e movimento, atenção e distração. Marcos principais, regiões,
(como a continuidade do material de construção, sem nenhuma pontos nodais ou vias deveriam ser reconhecíveis sob diversas
A FORMA DA CIDADE 123
122 A IMAGEM DA CIDADE

condições, mas de maneira concreta, e não abstraía. Isso não bilidade, como se costumava pensar no passado. A densidade e,
quer dizer que a imagem deva ser a mesma em cada caso. Mas, particularmente, a amplitude e a complexa tecnologia da metró-
se a Praça Louisburg sob a neve tem uma, forma que ,c~rrespon­ pole modema tendem a obscurecer esse fato. A área urbana con-
de ao que ela é em ple~o ve~ão, _ou se a cupula do predio da As- temporânea tem características feitas pelo homem e problemas
sembleia Legislativa bnlha, a nmte, de um modo que faz lembrar que frequentemente extrapolam a especificidade do lugar. Ou
essa mesma cúpula quando vista de dia, a qualidade contras~an­ talvez fosse mais exato dizer que a natureza específica de um lu-
te de cada imagem toma-se ainda mais nitidamente aprecmda gar pode ser vista, em nossos dias, como resultado seja das ações
graças ao elo comum. Pode-se então unir duas vi~tas urbanas e dos desejos humanos, seja da estrutura geológica original.
bem diferentes e, portanto, abranger a escala da cidade de m;n Além disso, à medida que a cidade se expande os fatores "natu-
modo que, em outras condições, seri~ impossível e chegar mais rais" significativos tomam-se maiores e mais fundamentais do
perto do ideal de uma imagem que seJa um campo total. . que os pequenos acidentes de terreno. O clima básico, a flora e
Se, por um lado, a complexidade da cidade modema exige a superfície gerais de uma grande região, as montanhas e os prin-
continui a e, outro ela também oferece um grande prazer: o cipais sistemas fluviais tomaram-se mais importantes do que as
características locais. Não obstante, a topografia ainda é um ele-
contraste e a especialização das características individuais. ,N~s­
mento importante para o reforço dos elementos urbanos: colinas
so estudo aponta para uma crescente atenção ao detalhe e a s~­
de forte presença visual podem definir regiões; rios e orlas ma-
gularidade, à medida que a farnili~rida?e va_i aumentan?o. A VI- rinhas configuram fortes limites; os pontos nodais podem ser
vacidade dos elementos e sua precisa smtoma com as diferenças confirmados por sua localização em pontos-chave do terreno. A
funcionais e simbólicas ajudarão a criar essas características. O via modema, extremamente rápida, é um excelente ponto de vis-
contraste será reforçado se elementos nitidamente distintos fo- ta a partir do qual podemos apreender a estrutura topográfica em
rem relacionados de um modo próximo e imagináyel. Cada ele- grande escala.
mento assumirá, então, por si, um caráter I?-ais ní~ _ A cidade não é construída para uma pessoa, mas para um
Na verdade, a função de um bom ambiente visual pod~ nao grande número delas, todas com grande diversidade de forma-
ser apenas facilitar os deslocamentos rotineiros, nem confJII?ar ção, temperamento, ocupação e classe social. Nossas análises
significados e sentimentos preexistentes. Seu papel _como ~I~ e apontam para uma substancial variação do modo como as dife-
estímulo de novas explorações pode ter a mesma nnportancm. rentes pessoas organizam sua cidade, de quais elementos mais
Numa sociedade complexa existem muitas inter-relações a ser dependem ou em quais formas as qualidades são mais compatí-
dominadas. Numa democracia, deploramos o isolamento, enalte- veis com elas. O designer deve, portanto, criar uma cidade que
cemos o desenvolvimento individual e esperamos que a comuni- seja pródiga em vias, limites, marcos, pontos nodais e bairros,
cação entre os diferentes grupos tome-se cada vez maior. Quando uma cidade que use não apenas uma ou duas qualidades de for-
um ambiente tem uma forte moldura visível e partes extrema- ma, mas todas elas. Se assim for, diferentes observadores terão
mente características, a exploração de novos s~tor:s fica m~i~ fá- ao seu dispor um material de percepção compatível com seu
cil e mais convidativa. Se os elos de comunicaçao estrateg~cos modo específico de ver o mundo. Enquanto um homem poderá
(como museus, bibliotecas e pontos de enco~tro) ~iverem sua reconhecer uma rua por seu tipo de pavimentação, outro irá lem-
existência divulgada, aqueles que costumam Ignora-los podem brar-se de uma curva fechada e um terceiro terá localizado os
sentir-se tentados a conhecê-los. marcos de menor im ortância ao longo de sua extensão.
A topografia subjacente, que é o cenário natural pre~xiste~te, Além do mais, xistem perigos numa forma visível extrema-
talvez não seja um fator tão importante, em termos de nnagina- mente especializa necessana uma certa plas ICI a e no am-
---- - ..J
124 A IMAGEM DA CIDADE A FORMA DA CIDADE 125

biente perceptivo~e houver anenas uma via dominante em de- c~das neste capítulo podem mostrar-se úteis para a manutenção
terminada direção, al s ~focais cansa adas õü um con-;-- de uma esli atura visível e de um senso de continuidade, mesmo
erreo e regiões rigidamente separadas, existrrãillna-úni~ ue esteJam ocorrendo müllanças extremas. Certos marcos ou
a maneira de una ar a c1 e sem mmto es or o. ssa man · pontos no ms poderiam
. ser conserva os , unidades temáticas
ra pode não ajustar-se às necessidades de todas as pessoas, nem com características de bairro poderiam ser transpostas para no-
mesmo de uma só, pois elas se modificam com o passar do tem- vas construções, ruas poderiam ser recuperadas ou temporaria-
po. Um trajeto inabitual toma-se incômodo ou perigoso; as rela- mente conservadas.
ções interpessoais podem tender a fechar-se em compartimentos
estanques; o cenário toma-se monótono ou restritivo.
Tomamos por signo de boa organização aquelas partes de A forma metropolitana
Boston em que as vias escolhidas pelos entrevistados pareciam
espalhar-se de um modo bastante livre. Aí, presumivelmente, o
O tamanho cada vez maior de nossas áreas metropolitanas e
cidadão se vê diante de uma generosa opção de trajetos que o le-
a velocidade com que as atravessamos trazem muitos novos pro-
vam ao seu destino, todos eles bem estruturados e identificados.
;nle~as à percepção.~e~ão metropolitana é agora a unidade
Há um valor semelhante numa rede em que se sobrepõem limi-
funciOnal de nosso am 1en ., e é desejável que essa unidade fun-
tes identificáveis, de tal modo que regiões grandes ou pequenas
possam formar-se de acordo com as preferências e necessidades cional seja identificada e estruturada por seus habitantes. Os no-
individuais. A organização nodal adquire identidade a partir do vos meios de comunicação, que nos permitem viver e trabalhar
foco central e pode flutuar na orla deste. Assim, tem a vantagem em regiões tão grandes e interdependentes, também poderiam
da flexibilidade sobre a organização das fronteiras, que se perde permitir que tomássemos nossas imagens compatíveis com nos-
se a forma das regiões precisar ser mudada. É importante manter sas experiências. Esses saltos para novos níveis de atenção ocor-
algumas grandes formas comuns: pontos nodais fortes, vias prin- reram no passado, quando também houve avanços na organiza-
cipais ou vastas homogeneidades regionais. Dentro dessa grande ção funcional da vidal
estrutura, porém, é preciso haver uma certa plasticidade, uma ri- A imaginabilidaaetotal de uma grande área, como a região
queza de estruturas e indicadores possíveis, de modo que o ob- metropolitana, não significaria uma igual intensidade de imagem
servador individual possa construir sua própria imagem: comu- em qualquer ponto. Haveria figuras dominantes e planos de fun-
nicável, segura e suficiente, mas também maleável e integrada às do mais extensos, pontos focais e um tecido conectivo. Mas, fos-
suas necessidades. se intensa ou neutra, cada parte seria presumivelmente clara e es-
Hoje, o cidadão muda de domicílio com muito maior fre- taria ligada ao todo de uma maneira inequívoca. Se quisermos
quência do que antigamente, tanto de um bairro para outro como especular, podemos dizer que as imagens metropolitanas pode-
de uma cidade para outra. A boa imaginabilidade de seu ambien- riam ser formadas por elementos como autoestradas, linhas de
te permitiria que ele se sentisse rapidamente em casa ao instalar- trânsito ou aéreas, grandes regiões com limites de água ou espa-
-se no novo entorno. Pode-se confiar cada vez menos na organi- ço aberto, cruzamentos comerciais importantes, características
zação gradual através de uma longa experiência, poi{'õ"""próprio;· topográficas básicas, marcos distantes e, talvez, de grandes di-
ambiente urbano está mudando rapidamente, acompanhando as mensões.
transformações técnicas e funcionais. Essas mudanças costu- Não obstante, o problema permanece dificil quando se trata
mam ser emocionalmente perturbadoras para o cidadão e tendem
J a desorganizar sua imagem perceptiva. As técnicas de design dis-
de compor um modelo para uma dessas áreas em sua totalidade.
Existem duas técnicas com as quais estamos familiarizados. Pri-
-,--

126 A IMAGEM DA CIDADE A FORMA DA CIDADE 127

meiro, a região toda pode ser composta em forma de uma hierar- Mas trata-se de dois métodos possíveis, e seria útil investigar
quia estática. Por exemplo: ela poderia ser organizada como um sua capacidade de unificar grandes ambientes. Mais uma vez, as
bairro importante que contivesse três subdistritos, cada qual con- viagens aéreas podem simplificar o problema, uma vez que se
tendo três subsubdistritos, e assim por diante. Ou, como outro trata (em termos perceptivos) de uma experiência estática, e não
exemplo de hierarquia, qualquer parte da região poderia concen- dinâlnica, uma oportunidade de avistar uma região metropolita-
trar-se num ponto nodal menos importante, e estes pontos nodais na quase de um só relance.
menores seriam satélites de um ponto nodal mais importante, No entanto, ao levarmos em conta o modo atual de vivenciar-
sendo todos estes últimos dispostos de modo a culminarem num mos uma grande área urbana, somos atraídos por outra forma de
ponto nodal de importância fundamental para a região. organização: a da sequência, do modelo temporal. É uma ideia
A segunda técnica consiste no uso de um ou dois elementos familiar ao teatro, à música, à literatura ou à dança. Portanto, é
dominantes de grandes dimensões, aos quais muitas coisas pe- relativamente fácil conceber e estudar a forma de uma sequên-
quenas podem vir associar-se: um loteamento ao longo de uma cia de eventos ao longo de uma linha, como, por exemplo, a su-
costa marítima, por exemplo, ou a criação de uma cidade linear cessão de elementos que podem apresentar-se ao viajante numa
dependente de um sistema de comunicação básico. Um ambien- autoestrada urbana. Com alguma atenção e os instrumentos apro-
te de grandes dimensões poderia, inclusive, ser radialmente liga- priados, essa experiência poderia tomar-se significativa e bem
do a um marco muito poderoso, como uma colina central. configurada.
Essas duas técnicas parecem um tanto inadequadas para a so- Também é possível lidar com a questão da reversibilidade,
lução do problema metropolitan~=~s~ma hierárquico, ainda , isto é, com o fato de que a maioria das vias pode ser percorrida
que compatível com alguns de 'bitos de pensamento em duas direções. As séries de elementos devem ter forma se-
abstrato, pareceria uma negação da liberdade e da complexidade quencial em qualquer disposição, o que poderia ser obtido atra-
das conexões de uma metrópole. Toda conexão deve ser feita em vés da simetria no ponto médio, ou de maneiras mais sofisticadas.
sentido circular, conceituai: subindo até a generalidade para em Mas o problema da cidade continua a apresentar dificuldades. As
seguida descer ao particular, ainda que a generalidade abrangen- sequências não são apenas reversíveis, mas também interrompi-
te possa ter pouco a ver com a conexão real. É a unidade de uma das em muitos pontos. Uma sequência cuidadosamente construí-
iblioteca, e as bibliotecas precisam do uso constante de um da, levando da introdução, da primeira afirmação e do desenvol-
complexo sistema de :e!~rências cruza~ . . . . vimento ao clímax e à conclusão, pode ser um fracasso total se o
Por mais que poss1b1hte uma percepçao mmto mms rmediata motorista adentrá-la no ponto que configura o clímax. Portanto,
da relação e da continuidade, a dependência de um elemento do- talvez seja necessário procurar sequências que sejam ao mesmo
minante forte toma-se mais dificil à medida que o ambiente au- tempo passíveis de interrupção e reversíveis, ou seja, sequências
menta de tamanho, já que é preciso encontrar um elemento do- que conservem uma imaginabilidade suficiente mesmo quando
minante suficientemente grande para estar à altura da tarefa e interrompidas em vários pontos, mais ou menos como num fas-
dotado de uma superficie suficiente, de modo que todos os ele- cículo semanal. Isso poderia levar-nos da forma clássica come-
mentos menos importantes possam manter uma relação relativa- ço-clímax-fim a outras formas mais parecidas com os modelos
mente estreita com ela. Assim, por exemplo, precisaremos de um do jazz, essencialmente inteiDlináveis, mas contínuos e variados.
grande rio que também deverá ser sinuoso o bastante para permi- Essas considerações remetem à organização ao longo de uma
tir que todos os assentamentos fiquem nas imediações de suas única linha de movimento. Uma região urbana poderia, então, ser
margens. ordenada por uma rede dessas sequências organizadas, com cada
128 A IMAGEM DA CIDADE A FORMA DA CIDADE 129

forma proposta submetendo-se a um teste que verificasse se cada cas não exijam mais do que os controles de planejamento urba-
via principal, em cada direção e a partir de cada ponto de aces- no ora procurados por outras razões, mas isso tão precisa ser
so, tivesse uma sequência de elementos formados. Isso é conce- comprovado.
bível quando as vias têm um modelo simples, como o da conver-
gência radial; é mais dificil de imaginar no caso de uma rede di-
fusa e com interseções, como numa quadrícula. Aí, as sequências O processo de design
funcionam em quatro direções diferentes ao longo do mapa. Ain-
da que em escala muito mais sofisticada, isso se assemelha ao Qualquer área urbana funcional tem estrutura e identidade
problema da regulagem do tempo num sistema de semáforos .
amda que moderadas. Jersey City está longe de configurar o caos
'
progressivos de uma rua qualquer. em estado puro. Assim não fosse, seria uma cidade inabitável.
É até concebível que se possa compor em contraponto ao lon- Quase sempre, uma imagem potencialmente poderosa está ocul-
go dessas linhas, ou de uma linha a outra. Uma sequência de ele- ta na própria situação, como nas Palisades de Jersey City, em sua
mentos, ou "melodia", poderia ser tocada sobre uma contrasse- forma peninsular e em sua relação com Manhattan. Um proble-
quência adicional. Talvez, contudo, essas técnicas precisem es- ma comum é a reformulação sensível de um ambiente já existen-
perar uma época em que o público seja mais atento e crítico. te: descobrir e preservar suas imagens fortes, resolver suas difi-
Mesmo esse método dinâmico, a organização de uma rede de culdades perceptivas e, acima de tudo, extrair a estrutura e a
sequências formadas, ainda não parece ser o ideal. O ambiente identidade latentes na confusão.
ainda não está sendo tratado como um todo, mas sim como uma Em outras ocasiões, o designer depara com a criação de uma
coleção de partes (as sequências) dispostas de modo a não inter- nova imagem, como nos casos em que está em andamento uma
ferirem umas com as outras. Intuitivamente, poderíamos imagi- extensa renovação do ambiente urbano. Esse problema é parti-
nar que existisse uma maneira de criar um modelo total, um mo- cularmente significativo nas extensões suburbanas de nossas
delo que só aos poucos seria percebido e desenvolvido pelas regiões metropolitanas, onde grandes trechos daquilo que é es-
experiências sequenciais, por mais invertidas ou interrompidas sencialmente uma nova paisagem devem ser perceptivamente
que pudessem ser. Apesar de sentido como um todo, não preci- organizados. As características naturais deixaram de ser um
saria ser um modelo extremamente unificado, com um único guia adequado para a estrutura, devido à intensidade e à escala
centro e uma fronteira que o isolasse do resto. A principal quali- do desenvolvimento que lhes são aplicadas. No ritmo de cons-
dade seria a continuidade sequencial, em que cada parte provém trução atual, não há mais tempo para o lento ajustamento da for-
da seguinte- um sentimento geral de inter-relação em qualquer ma a forças pequenas e individualizadas. Portanto, precisamos
nível ou direção. Haveria zonas específicas que, para um deter- depender, muito mais do que no passado, do design consciente:
minado indivíduo, poderiam ser sentidas ou organizadas com a deliberada manipulação do mundo com finalidades sensoriais.
maior intensidade, mas a região seria contínua, mentalmente Ainda que enriquecida pelos antecedentes do design urbano, a
atravessável em qualquer sentido. Essa possibilidade é altamen- operação deve hoje avançar numa escala de espaço e tempo to-
te especulativa: não nos ocorre nenhum exemplo concreto dela. talmente diferente.
Talvez esse modelo de um todo não possa existir. Nesse caso, Essas configurações ou reconfigurações devem ser guiadas
as técnicas até aqui mencionadas permanecem como possibilida- por aquilo que poderíamos chamar de "plano visual" para a cida-
des de organização de grandes regiões: a hierarquia, o elemento de ou região metropolitana: um conjunto de recomendações e
dominante ou a rede de sequências. É possível que essas técni- controles que diriam respeito à forma visual em escala urbana. A
A FORMA DA CIDADE 131
130 A IMAGEM DA CIDADE

O ~bjetivo final de tal plano não é a forma fisica em si mas


a q?~hdade da ~~gem in~crita na mente do usuário. Portanto,
preparação de tal plano poderia começar por uma análise da for-
ma existente e da imagem pública da área, usando as técnicas de-
sera Igualmente utll aperfeiçoar essa imagem através do treina-
correntes deste estudo, que são apresentadas em detalhe no mento do observador, ensinando-o a olhar para a sua cidade a
Apêndice B. Essa análise seria concluída com uma série de dia- observar a mul~iplicidade de suas formas e perceber de ~ue
gramas e relatos ilustrando as imagens públicas significativas, as o:_odo, elas se misturam. Para tanto, poder-se-iam levar os cida-
oportunidades e os problemas visuais básicos, os elementos crí- d~os as ruas_, programar aulas nas escolas e universidades, a
ticos da imagem e as inter-relações dos elementos, com suas Cidade podena transformar-se no animado museu de nossa socie-
qualidades detalhadas e suas possibilidades de transformação. dade e de suas esperanças. Tal educação poderia ser usada não
Us o esse antecedente analítico, mas sem deixar-se limitar apen~s para desenvolver a imagem urbana, mas para reorientá-la
por ele o designer poderia desenvolver um plano visual em esca-'1 depms de ~a transformação perturbadora_Ugla arte do design
la urbana, p este que teria por finalidade o reforço da image rbano tera de. ser o resultado do surgi!!!ento del:üii15uottco-ffi:=-
pública. Poderia sugerir a localização ou a preservação de marcos, jarmado e cmico. A ducaçao e a reformulação fisica são partes
desenvolvimento de uma hierarquia visual de vias públicas, o es- dLum processo contínuo. __,_
t belecimento de unidades temáticas para os bairros, a criação ou . ~umentar a atençàoâo observador e enriquecer sua experiên-
esclarecimento dos pontos nodais. Acima de tudo, lidaria com as cia e um do~ v~l?res que podem ser oferecidos pelo simples es-
· ter-relações dos elementos, com sua percepção em movimento e forço da atnbmçao de formas. Até certo ponto, o processo mes-
om a concepção da cidade como forma visível ~ mo de refo~ular a c~~ade para melhorar sua imaginabilidade
Uma mudança fisica substancial pode não se justificar apenas pode ~ar mms clareza a Imagell?-, a despeito de quão inepta a for-
com base nessas considerações estéticas, a não ser nos pontos es- ma fisica resultante possa ser. E assim que o pintor diletante co-
tratégicos. Mas o plano visual poderia influenciar a forma das ~eça a perceber o mundo que o cerca, que a decoradora princi-
transformações fisicas que ocorrem por outras razões. Tal plano piante co~eça a orgulhar-se da sala que decorou e a apreciar as
poderia ajustar-se a todos os outros aspectos do planejamento da outras. Amda que tal processo possa tomar-se estéril, se não for
região, tomando-se, naturalmente, uma parte integrante do plano acompanhado por um controle e um juízo critico crescentes até
geral. Como todas as outras partes desse plano, estaria em esta- m~s~o o embelez~~ento canhestro de uma cidade pode, p~r si
do permanente de revisão e desenvolvimento. propno, tomar mais mtensas a energia e a coesão cívicas.
Os controles empregados para chegar à forma visual em es-
cala urbana poderiam partir de providências gerais de zoneamen-
to, da consultaria e da influência persuasiva sobre o design pri-
vado, chegando ao controle rigoroso dos pontos críticos e ao de-
sign efetivo de espaços públicos, como autoestradas ou edificios
públicos. Em princípio, essas técnicas não são diferentes dos
controles usados na busca de outros objetivos de planificação.
Será provavelmente mais dificil chegar a uma compreensão do
problema e desenvolver a capacidade de design necessária do
que obter os recursos necessários, uma vez que o objetivo esteja
claro. Ainda há muito a fazer antes de controles abrangentes se
justificarem.

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