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nSodotoda

do Brasil Urbano

Rnthony Leeds e Elizabeth Leeds

/iflTRO P O LO G ifc S O C I A L
Hnthony Leeds e Elizabeth Leeds

ogia

T r a d u ção d e
M ari a La u ra V i vei ros de C astr o

R ev i são T é
cn i ca d e

M árci a Band ei ra d e M ell o L eit e N une s

A pr esent ação d e

T h a les de Aze ve do

ZAHAR EDITORES
RIO DE JANEIRO
Copyright © 1977 by Anthony Leeds and Elizabeth Leeds

capa d e
J a n e

Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida


sejam quais forem os meios empregados {mirneografi&,
xerox » datilografia, gravação, reprodução em disco ou
em fita ), sem a permissão por escrit o da editora. Aos
infratores se aplicam as sanções previstas nos artigos 122
e 130 da L ei 5.938 de 14 de dezem bro de 1973

1978

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ZAHAR EDITORES
Caixa Postal 207, ZOOO, Rio

Impresso no Brasil
índice

Apresentação — T hales de A zevedo 7


I. Introdução — A ntho .n y L eeds 11
II. Poder Lo cal em Rela ção com Instituições de Poder Supralocal
r'vú — A nthony L eeds 26
Introdução, 26; A Comunidade, 29; A Localidade, 31; Caracte-
rísticas da Localidade, 33; As Estruturas e os Recursos de Po-
der,
turas36;
Supralocais,
Localidade38;
e Fontes
O Estada
de ePoder,
as Localidades,
38; Instituições 39; Estado
e Estru-e
Localidade — O Caso da Favela, 42; Favelas como Localidades
“versus” Instituições e Estruturas Supralocais, 45; Generali-
zações e Conclusões1 47; Bibliog rafia, 49.
III, Carreiras Brasileir as e Estrutura Social: Uma Histór ia de
Caso e um Modelo — A nthony L eeds ........................................... 55
Bibliografia .............................................................................................. 84
IV . O Brasil e o Mito da Ruralidade Urban a: Experiência Urba -
na, Trabalho e Valores nas “Áreas Invadidas” do Rio de
Janeiro e de Lima — A nthony e E l i za b eth L eeds ................... 86

Introdução, 86; A Experiência Urbana dos Moradores das


Áreas Invadidas, 92; O Nascido na Cidade, 95; Caminhos de
Entrada na Cidade, 98; Experiência Ocupacional Anterior,
102; Fatores Que Operam na Seleção para a Vida na Favela,
105; Experiência
Valores Urbanos, Urbana no Interior Informais
119; Comentários da Área Invadida,
do Autor, 113;
130;
Bibliografia, 136.
V. Tipos de Moradia, Arranjos d e Vida. Proletarização e a Estru -
tura Social da Cidade — A nthony L eeds .................................... 144
A Especialização da Moradia no Rio, 145; Arranjos de Vida
Alternativos, 156; Conseqüências das Escolhas entre Arran-
jos de Vida, 162; Restrições sobre a Escolha, 168; Clivagem
de Elite e Coalisões com Grupos Proletários, 172; Implica-
ções para o Planejamento, 180; Bibliografia, 182.
6 A Socr oLOGi A do B rasil U rbano

V I. Favelas e Comunidade Política: A Continuidade da Estrutu-


ra de Conirole Social — A nthony L eeds e E l i za b eth L eeds 186
Introdução, 186; Comunidade Histórica na Estrutura do Pro-
blema Habitacional, 189; O “Problema da Favela” Vira Moda,
191; A "Democracia” PósVargas, 198; O Segundo Período
de Vargas e os Anos 50, 204; O Papel do Administrador Polí-
tico, 206; A Era do Controle Renovado, Erradicação e Repres-
são, 214; Conclusões, 245; Apêndice I, 248; Apêndice II,
251; Apêndice III, 254; Bibliografia, 257.
VII. Considerações sobre Diferenças Comportamentais: Três Siste-
mas Políticos e as Respostas das Áreas Invadidas por Possei-
ros no Brasil, Peru e Chile — A nthon y Lee ds e E l izabeth
L eeds .........................................................................................................................
. 264

Uma Metodologia e um Modelo Holísticos, 266; A Literatura


sobre a Politização, 272; As Três Comunidades Políticas, 276;
Brasil, 278; Peru, 288; As Respostas Políticas dos Moradores
das Áreas Invadidas no Peru, 298; Chile, 301; Á Resposta de
Moradores das Áreas Invadidas e “Pobladores”, 312; Conclu-
sões, 319; Bibliografia, 320.
Apresentação

A difícil tarefa de prefaciar um livro torna-se um desafio


em casos como o deste conjunto de estudos de Anthony e Liz
Leeds. Um desses desafios está em que os braziliamsts — as si m
denominados principalmente os norte-americanos e ingleses que es
crevem sobr e o Bras il — quas e sempr e se n os apresentam com
monografias no estrito sentido, analisando determinado e bem de
finido objeto. Aprofundam e esmiuçam, isto é, detalham e decom
põem em mil elementos para, depois e mediante tal tipo de exame,
concluírem — a e strutura, o dina mismo , as funções , os efeit os e
as causas de tais ou quais instituições ou fenômenos sociais, políti
cos ou históricos. Delimitam nitidamente suas temáticas e seus
ângulos de vis ão ainda quando, por tal método — e não isto que
estamo s discutindo — lanç am luz sobre a totalid ade da cultu ra e
da , sociedade. Re cusam -se, po r bem dizer, às an álises globa is, aos
apanhados compreensivos, as generalizações que possam parecer
subje ti v a s, e impression istas^ em _virtude, a s mai s das vezes, do
rigor em pm cist a _ do seu indutiv ismq. Outros especi alist as em
Brasil — predominanteme nte eur opeu s e raros norte-americanos —
buscam apreender glehalmeii£e a realidade ou totalizar com outros
elementos dados relativos a específicos fenômenos ou conjunturas:
estes são autores mais intuitivos e inclinados à empatia e à inte
gração com o país e a sua gente, por uma longa vivência ou por
outros compromissos pessoais . Os primei ros^ aju nta m pa rcelas , não
raro preciosas, às síntes es que são as metas finais jja s ciências do
homem e da sociedade. Mas podem valer mais pela massa de dados
que colhem, pela sistematização de componentes, pela ordenação
do conhecimento de particularidades do que como respostas_aos.
problemas focalizados. São, as duas, vocações intelectuais e episte-
mológicas — racionais, científicas e críticas em modos diferentes
— que, sem dúvida algum a, prestam ser viço s à apree nsão da com;
plexa fenomenologia humana brasileira.
8 A Sociologia do Brasil Urbano

E ste livro não cabe inteiramente em ne nhuma das duas ca


tegorias idea is a que aludimos, embora seja tributário_ de ambas.
Não é uma monografia quanto à sua temática, pois abrange uma
diversidade de questões dçrivada da ávida curiosidade científica
djps autores e da sua experiência da vida brasileira. Basta percor
rer o sumário para verificá-lo, e até o seu taefòdb: este é algumas
vezes des critivo e inte rpre lativ o, outras vezes questiona nte e polê
mico, do que resulta o caráter provocativo do conjunto em bene
ficio de todo o seu variado conteydo. Com isso lucram as ciências
humanas envol vid as — particularmente a Antr opol ogi a Soc ial —
e a inteligência das coisas brasileiras, mais uma vez evidenciando,
como no dito popu lar, que “ da discu ssão nasce a luz .” Assim
ocorre, por exemplo, com as conceituaçÕes de urbano, de rural,
de r urb an o e de íavelra^ no Br as il . AbÕrdándõ"'! os m eca nis mo s de\
controle social em perspectivas diaerpnica e sincrônica, cada uma,/
/a seu tem po , ou í a ^ n d o .jncidbf essas,_duas^ o tic ag _c on co rre nt em eu -f
|te sobre a cultura e a organização social nas mencionadas situa-;
I ções, qfteScõBrem) cont inui dade s tem pora is- e e xis ten cia is q ue os im-i
. pelem, 'à_eríticà, talvez a contesta ção, tde conceitos" fixados oiVjia /
. aplicação de determinados méto dos. — o ma rxist a, po r exemplo — i
Iem certos momentos da formação da teoria e da análise antropo-i

lógica e ntr etese


ticas^ em ci entist
comoas em
brasileiros.
referênciaSe~ao
é cert
Braosil,
quejáváforãm
ria s dessas crí-e j
feii§s~
respondidas, os dados sobre _os quais opera m çõnst ituem outras 1
tant as cont ribuiçõe s- dos dois autores à constriição de cõrpos teóri-
çqs que possivelmente estim ularão algumas “reavaliações das pro
blemáticas respectivas, como a das relações de poder em referên
cia aos modos de ser em situações ecológicas ou de ubicação só-
cio-territorial diferentes, porém correlacionadas e faseológicas. A
análise conjparativá, que fazem com elementos colhidos no Peru
e no Chile,“ a reconsideração do método dos estudos de comuni
dades — de há muito posto em debate , mas trazido de novo a
exame so b um a ótica srcinal — , os contrast es factuais , com suas
conseqüências teóricas, entre poder local e poder supralocal no
tocante às favelas, a retomadà’ do problema dos conflitos de clas
ses no Bra sil/con stitue m int ere sse para esta colet ânea, — a qual,
numa ponderação final, vem amostrar-se mais_ coerente do que
poderá indicar o índice do livro. E será, este, mais uma instiga
ção à reformulação, entre nós, de. políticas demográficas e habi
tacionais.
Obra inevitavelmente polêmica pela natureza de sua temática
e pelas posições que os autores adotam criticamente, esta coletânea
de artigos, alguns publicados há alguns anos, realiza sua coerên
cia ou sua coesão, em plano teórico e epistemológico, a partir da
A presentação 9

Introdução. Por certo que a autoridade dos autores não decorre


apenas do seu tirocínio de pesquisadores preocupados com formu
laçõ es teóricas, mas também da sua experiência com prob lemas
brasileiros. Anthony Leeds ocupa-se de Brasil a partir de um pro
longado e repetido contato com nossa sociedade, da mesma ma
neira que com o Peru e o Chile. Sua carreira acadêmica iniciou-se
mesmo com o trabalho de campo, de mais de um ano de duração,
que empreendeu na região cacaueira da Bahia em 1951-52, como
participante
— Columbido Programa des oPesquisas
a University, Sociais
b a direção do f.
do Pro Estado da Bahia
Charles Wagley.
Sua tese para o doutoramento em Antropologia teve como objeto-
os padrões de formação fundiária da agricultura do cacau e as
relações do sistema de fazendas com a sociedade regional e na
cional sob as políticas do comércio internacional que comandaram
o desenvolvimento daquela lavoura. Depois daquela permanência,
várias vezes e por períodos longos voltou ao país em ^itividades
'de pesquisa e de participação acadêmica, trabalhando na compa-
jnhin e com a colaboração de cientistas sociais brasileiros. À marca^
'do seu espírito inquieto e penetrante é saliente nesta coletânea,
de estudos.
T hales de A zevedo
Introdução

A nthony L eeds

Toda a minha vida profissional girou em torno de vários


prob lemas básicos — alguns srcinais, ou tro s não. T entei reuni-
los, ao lon go dos anos, num único quadro teóri co. 0 primeiro
deles, mas que talvez ainda persista, é o de dar substância aí) con
ceit o de class e — sobr etudo num sentido ma rxista . M arx, ou M arx
e Engels juntos (referir-me-ei a ambos, daqui por diante, simples
mente como “Marx”, para maior simplicidade), não inventou o
conceito, e nem mesmo algumas das interpretações básicas que fa
zem parte de sua visão. 0 conceit o já está esta belecido em seu
significado econômico e estrutural em Adam Smith (1776), num
exemplo altamente significativo — signif icativo porqu e Smith é,
no mesmo trabalho, também ancestral dos economistas clássicos,
formalistas, que Marx repetidamente atacou, embora seu próprio
pensamento econômico seja intimamente derivado daí e suas supo
sições desempenhem um papel muito importante na estrutura das
explicações marxistas sobre a economia. Todavia, Marx elevou a
discussão de classe a uma tentativa sistemática de criar uma teoria
de classes e apresentar uma análise de classe substantiva derivada
dessa teoria. Em essência, estas análises constituem teorias espe
ciais de sociedades pós-capitalistas particulares.
sO esfor ço, como o s abemos hoje, foi a pena s em p arte bem
sucedido. Deixou-nos muitos problemas não resolv idos qu e todo
teó ri co maior d o séc ulo X X — Weber, Tauney, Lenjn, Luxem-
burg, Lukács, Millet, Bottomore, Mills, Dahrçndorf, Althiissgr,
Poulan tzas, para mencionar ape nas algu ns — enfrent ou. P or que
o esforço persistente para resolver estes problemas? A resposta não
12 A Sociologia do Brasil Urbano

é imediatamente auto-evidente, de vez que deve ser dada pergun


tando-se: “ Não será possí vel qu e não sejam absolutamente pro
blemas, mas simplesmente quebra-cabeças criados pela própria teo
ria?” A julgar pelas suas produções, os teóricos americanos, da
estratificação como Kingsley Davis e W. L. Warner, adotaram es
sencialmente esta visão,
A resposta parece estar na sensação que os homens têm_ de
que as populações humanas parecem agir como se existissem enti
dades supra-individuais como atores na sociedade. Vontades, cogni-
ções, açÕes e atores individuais são amplamente, se não universal
mente, vistos como relativamente secundários ou mesmo insignifi
cantes diante dessas entidades, para as quais existe uma vasta co
leçã o de termo s — “ nós” e “ eles” , o Estado, as cl asses, os grupos,
estados, associações, órgãos, corporações, instituições. Asenjjxladês
como atores são sentidas operando segundo padrões estandardiza-
, dos e modos es tru tu rai s que cha ma mo s “ in sti tui çõe s” e, na ve r
dade, padrões supra-individuais podem realmente ser diretamente
percebidos, como em cerimônias e disposições de lugares. Além
disso, em nossas apreensões de como a vida e a experiência se con
figuram, do conflito, da mudança, sentimos a centralidade dessas
entidades.

todosEnfatizo sentir epara


esses conceitos suasindicar quereferências
supostas as bases ontológicas
epistemológicas de
são am
bíguos, não porque o sentir — nosso único caminho diret o para o
conhecime nto — seja ambíguo, mas po rque a maioria de n ossas
traduções científicas do sentir para proposições empiricamente com
prováveis, articuladas por formas estandardizadas de lógica verbal,
necessitam tornar-se metodologicamente explícitas. Especificamen
te, isso significa desenvover uma teoria da natureza das ordens
supra-individuais que especifique características únicas àquela or
dem, per se — isto é, não redutíveis ao s in div íduo s (v e r Samuel -
json, sobre a falácia reducionista, Koestler e Smythies, 1969)
— mas que tam bém explique quais são os processos geradore s e
mantenedores das ordens supra-individuais. Ela deve explicar co
mo os indivíduos se articulam com a ordem. Mais ainda, tal teoria
deve
regra stornar explícitas suas bases
~5e correspondência epistemológicas,
que ligam especialmente
o sent ir srcin as 
al a seus con
ceitos e construções subseqüentes, e estes últimos à refinada obser
vação metodológica. Dito de outro modo, aceito como axiomática
a correção daquela apreensão quase que universalmente sentida
do mundo, mas aceitando-a, é necessário que eu, então, como cien
tista, clarifique a metafísica. Devo descobrir seus aspectos pura
mente especulativos ou filosóficos, recolocando-os com sólidas ba
ses empíricas, com método e lógica apropriados. Aceito que os pro-
I ntrodução 13

blemas com os quais Marx lidou sejam realmente problemas, uma


vez que tanto nossa experiência ocidental como virtualmente toda
experiência humana parece apresentar um sentir comum da natu
reza do mundo humano.
Marx. realizou um empreendimento estupendo ao clarificar o
que estava em questão na análise de classe, erradicand o m uita
meta física esp eculativa na cíêncI£~sõcíaT que desenvolv eu, e ela
borando muitos aspectos de uma metodologia empiricamente ori
entada, incluindo conceitos cujas regras de elaboração estão impli
cadas em suas definições. Ele foi, apesar disso, apanhado —■como
não podia dei xar de ser na sua época da evolução Ua história das
idéias — por certas dif icu ldad es J^ tod oló gic as que el e, em parte,
não viu, e\ em parte, vendo, não pôde resolver.
Uma dessas é um dualismo desenfreado que se refle te em
sua egeolha de un ia lógica — a forma hegeliana d e dialética (i m pl i
cando mesmo etimologica mente d ualis mo ) — , uipn lógica, cujo
empréstimo de Hegcl não^foi compelido por nenhuma necessi3ãijê^
nem mesmo pelo caráter das ideologias existentes na época. Por
que Marx optou por uma lógica tão intimamente vinculada à me-
taísíca ocidental, dualista e especificamente cr i st ã? Como estu
dante de filosofia durante seus anos de universidade, ele conheceu
bastante bem as alterna tivas. J* or que cie opto u por um a meta-
lógica que, na verdade, ontologiza a lógica ao fazê-la isomorfa’ aos
pro ces sos socia is reais (co m o em H eg cl ), como exemplificado na
espúria identificação da “contradição” (uma concepção lógica co
mo seu locus na linguagem) e “conflito” (um conjunto de rela
ções humanas) que atormenta todo o pensamento neomarxista?_0
que é visto co WQ_lo%icamciite contraditório, segundo algum axioma
subjace nte à ló gica , poãe ou não envolver_ conflito, e o conflito
pode ou não envolver contradição, a menos que sc parta do aprio •,
nsmo_ de que eles são identidades. Es ta decisã o foi puram ente
axiomática, de forma alguma justificada por critérios independen
tes. Marx era obviamente conhecedor de muito do que estava en
volvido metaficamente em Hegcl, tornou-o manifesto em suas
atitudes relativas a, e na “inversão” daquele grande filósofo-histo-
riador, parec
lismo mas eo ter-lh
compromisso subjacente
e escapado — e a mais
tantosprofundo
de seus com o dua
des cendentes
intelectuais.
Esta não éuma questão trivial, já que não é absolutamente
auto-evidente que as coisas ocorram no universo aos pares, menos
ainda em pares cm oposição ou “contradição” (com uma síntese
trinitária como resultado). A noção de “contradição” e, mesmo
pior, sua identificação com o conflito é, à luz da metafísica, pro-_.
14 A Sociologia do Brasil Urbano

fundamente dualista. Estou totalmente convencido de que__gode-


jniQS quase sempre demonstrar que as dualidades, especialmente
as oposiçÕes, às quais áemos tão freqüentemente status ontológico,
isão um produto de nossos axiomas, categorias e lógica, quando §e
vai diretamente ao encontro da experiência. Além disso, o compro
misso de Marx com a dualidade infundada permeia seus escritos:
qualquer leitura intensiva, por exemplo de O Capital, mostra dua
lida des des nece ssár ias injustificadas virtualmente em cada pá
gina. Onde isso criou o maiorjnúmero de problemas para a ciênçia
fcociaI~Ioi na análise de classes, pois os critérios de classe na teoria
geral dé- classes-' ^ " criadore s vers us apro pri ado res de mais valia
o a organização interna de cada um desses agregados assim dife
ren çado s — lev a necessariamente a uma análise de duas classes.
Pode-se interpretar muitos dos recentes escritos neomarxistas como
- íima tentativa para resolver esse dilema quando confrontado com
orde ns soc iais qu e “re sistem” (is to é, “ entra m em co ntradição
com a teoria” ), sen do intelec tualmente encai xadas num mol de
dual de classes (ver a tentativa fracassada de Millet, 19)* Muitos
. de meus trabalhos tTataram deste problema (especialmente 1964a
Cap. 2, neste livro; 1967, 1973).
Um problema relacionado a isso é que a lógica dualista, dia
lética fez com que se tratasse a presença da classe como axiomá
tica ao invés de exigir, pelas próprias regras de correspondência
srcinais de Marx, a demonstração. Este apriorismo, que infesta
virtualm ente toda análise social corrente na tradição m arx ista e
neomarxista, em vez de redefinir e reordenar a análise de classes
clarif ican do problemas epistêmicos e metodológi cos, obscureceu a
aná lise tanto da estrutura quanto da dinâmica p o rq u e ^ axioma j
jtende à análise dos mecanismos criadores de limites e dos processos]
ide automanutenção, bem como respostas conflituosas a ambos por
outras classes (ver Leeds, 1964b). Sem nos desfazermos disso, não
poderemos entender processos “reais”, materiais, a interação polí
tica e social real, a motivação real individual e de grupo, as varia

ções dessas
uma de ideologia
coisas reais, menos
ao longo ainda as mudanças em qualquer
do tempo.
Meu próprio trabalho envolveu de modo crescente a tentativa
explícita de desenvolver, no interior de um quadro de referência do
materialismo histórico marxista e da lógica das multiplicidades de
“forças sociais” (o termo é de Durlcheim, com seu modelo implícito,
indesejável, newtoniano de interação física, mas servirá de momen
to), abordagens substantivas e teóricas inais refinadas_e detalhadas
I ntrodução 15

desses problemas. Como indico abaixo, alguns dos trabalhos neste


volume fornecem exemplos desses contínuos esforços.
Herdamos ou tra, dificuld ade^ de M arx : sua iden jjficação de
bases materiais da sociedade especificamente e apenas na produ
ção, e, ainda m ais, com um a concepç ão relativamente, estreita, da
produ ção e do produtivo — ambos virtualmen te isomo rfo s àquelas
concepções em que aparecem tanto na economia clássica como na
neoclássica. Esta éuma identificação axiomaticamente dada, e não
empírica. Pode-se
culdade aparec questionar
e mais por que
fortemente — Marx
pelaa primeira
adotou. Onde
vez noesta difiprios
s pró
escr itos d e Ma rx — é na aplicação da teoria ma rxista g eral a cas os
específicos de análise da estrutura de poder. É muito difícil ajus
tar a teoria geral de poder (amplamente baseada na análise teó
rica genérica e necessariamente de duas classes de qualquer socie
dade com propriedade privada) a uma teoria específica da distri
buição de poder numa dada sociedade, num momento e lugar da
tis, ou seja, a um conjunto concreto de condições históricas, como
diri a Marx — por exempl o, a Franç a do 18 B r u m ár i o d e L u ís Bo-
naparte . Apesar do alerta de Marx nos Grundrisse (ca. 1857) con
tra abstrações reifiçadas (cf pp 18), e de sua intimação de que
baseássemos toda análise em realidades concretas, a teoria geral
está cheia de abstrações cu ja aplicação n a análise de caso jé, n a
melhor das hipóteses, ambiguamente consistente e, na pior, marca-
damente inconsistente, com o uso na teoria geral, por exemplo, do
conceito de “modo de produção”. Por vezes ele parece caracterizar
toda uma sociedade. No 18 Br um ári o , ele ca ra ct er iz a as bases de
várias “classes” e “frações de classes” (nao é nem mesmo claro se
havia classes com a amplitude da sociedade cuja apropriação dife
rencial de mais- vali a pareceria neces sar iament e im plica r) — às
vezes parecendo mais grupos de interesse de base ecológica. Essa-
ambigüidade permeia toda a análise marxista subseqüente e ê par-;
ticularmente visível no recente ressurgimento de abordagens mar
xistas, onde, em instâncias extremas, qualquer variação na organi-;
zação da produção torna-se ipso fact o “um modo de produção” (cf.
Paul Singer, 1976). Isso me paree<a uma forma de reduçionismoje*
um fracasso em ver ordens mais amplas, mais inclusivas, e mais
constrangedoras, para não mencionar a dinâmica interna de uma
tal ordem. Por exemplo, a^agricultura de subsistência, um suposto'
“modo de produção”, não existe no Brasil como um modo de pro-
jdução separado, mais do que a agricultura marginal dos Àpala-í
ches existe como um modo de produção separado nos Estados Unii
dos, m as_an tes co mo um sistema de produç ão gerado pelo próprio (
modo de produção capitalista, sob condições ecológicas especificá-
16 A Sociologia do Brasil Urbano

veis. A a gr icu ltu ra de subsistência é um aspecto da produção, ca-


capitalista quando ocorre no sistema dc economia capitalista,
c não numa economia tribal. Não apenas é uma forma de
margínalização relacionada a mecanismos de lucro capitalista, como
;.c tamb ém um pjeçanipmo pa ra c ri a r rese rvas dc traba lho ma is ou
jiqcüos aü toV iíic ícn tcs fofa dos \pentros * políticos efeti vos, 'aa ci
1dades,.
'Voltemos ao problema do poder. A maior parte da ciência so
cial, inclusive a marxista, não comprometida com um marxismo
ideológico estreito ou vulgar ( uích dan k e der l i eber H er r Gott
da ss i ch k ei n M arxi sm bi n 9\ disse M a rx ), reconheceu que h á outros
recursos de poder além_daquele^ que residem na produção, ou seja,
outras fontes que podem ser usadas no controle de outros atores
contra a sua vontade. Qualquer, forma de organização pode scr
usada como recu rso de poder" mésmo_ ria ausê ncia de control e sobre
òu de acesso aos meios de produção; controle sobre ou acesso à
(informação, controle sobre pontos-chavc de tomada de decisão num
sistema social, mobilização de massa com ou sem organização for-
maí^”êtc.”sãó todo« fontes de poder (ver Cap. II). Marx está cons
ciente dis so — com o éóbvio em suas análises de casos e, implicita
mente, em suas teorias relativas à revolução proletária que deve
ocorrer em virtude da organização, em grande parte ou totalmente
,>na aus ênci a de con tro le sobre, ou de accs so aos meios de prod ução .
,5Mas ps ax iom as dc sua teo ria dialé tica de clas se, com seu modelo
substantivo de classes dual e sua lógica teórica de dois valoras,
além da suposição de sua isomorfia, não lhe permite lidar com
esta consciência sistemática e teoricamente. E la permanece, na
maior parte da teoria marxista, como um produto bastante epife
nomenal, derivativo e não uma causa: a metafísica da “estrutura”
e “superestrutura” (outra expressão do dualismo subjacente),
t* Ao long o dos anos, tentei romper es se impasse para desen 
volver
.ficaçãouma análisefontes
padrão!) mais tal
ampla do se
como poder, “suas” (observe-sc
distribuem a rei-
na sociedade, e a
^dinâmica da mudança inerente a tais distribuições. Minha primei*
; ra . fo rm ul aç ão desta abord agem está no Ca p- I I . Desde en tão , eu
fa refinei e clarifiquei consideravelmente, mã^Tiíaô numa forma sis
temática publicada. (Ver, todavia, Caps. IV, VI e VII* reunidos).
Todo o restojdos ensaios (exceto o Cap. III, que o precedeu e do
qual é, em parte, uma formalização) se desenvolveu a partir dele.
»[Deve-se observar que j ã o logo algué m especifica ou tras_ fontes de
,fpqde r_é possível es cap ar do beco sem saída da anál ise dc classes
ildual e produzir uma análise multiclasse, semelhante'ao 18 Bru
m ár i o, que faz exatamente isso. Poderia ser argumentado que o
I ntrodução 17

Cap. II é uma afirmação clara (la teoria geral para a qual o


Br um ári o fornece uma história^de caso, na qual os meios de pro
dução e a mais-valia sâo apenas dois dos vários recursos de poder.
Compatível com uma abordagem materialista é o subcampo
de investigação biosocial conhecido como ecologia humana. Esta e
uma área na qual fiz muitas pesquisas (ver Leeds, 1961, 1964c,
Í9 65 a, 19 65 b, 1 9 7 lM s) e qu e pare ce rqfegrado c om uma des cri 
ção elaborada da organização social e ideologia da produção de
caca u na Bahia e outras m onocultura s do Brasil através de "seus
450 anos de história em minha dissertação (Leeds, 1957). Embora
nenhum dos trabalhos aqui incluídos seja sistematicamente ecoló
gico na abordagem» a abordagem ecológica está subjacente a mui-
itos jdeles (e spec ialm ente Caps. I I e I V ) no embasamento de su as
çmálises sociais em condições materiais^ de localização, topográfi?
cas, físicas e climáticas. Deve-se notar que grande parte da teoria
ecológica contemporânea vê um feedback causal direto a partir dos
objetivos, alvos, necessidades e desejos definidos, mesmo da estética
— em sum a, da ideol ogia — das condições materiais que, por sua
vez, têm efeitos causais sobre as condições de vida, e conse?
qiientemente sobre a ideologia.
Numa forma mais abstrata e formal, a compreensão desse tipo
de causas múltiplas em interação é incluída numa abordagem cha
mada Teoria Geral de Sistemas, que se desenvolveu nos últimos
30-40 anos, a partir de problemas complexos na biologia, engenha
ria, meteorologia, neurologia, e outros domínios. Sem entrar em
detalhes, a Teoria Geral de Sistemas geralmente evita lógicas
duais, causalidade linear, epistemologias unitárias impostas sobre
experiências fenomenalmente variadas, categorias fixadas ou reifi-
cadas tratadas como entidades ontológicas, enquanto que o grau
de variação e conexão desempenha um papel muito maior em abor
dagens sistêmicas do que na maior parte dos outros paradigmas
da ciência social. Surpreen dentemen te — ou talve z nem tanto —
isto éem geral totalmente compatível com a aplicação que Marx
faz de sua p rópria teoria a analise" de casos; a Jó gi ca de dois valo
res desaparece em grande medida, a causalidade emana de muitos
loci diferentes no sistema sócio-cultural, incluindo a ideologia, e
desenvolve-se em diferentes direções; a ideologia torna-se uma cau
sa ativa, não um derivativo Telativamente passivo; as pessoas
reais pensando são também ativamente causais; as categorias são,
numa medida considerável, convenções ou conveniências mera
mente lingüísticas.
Como se sabe, muito do que apareceu sob a rubrica de Teoria
Geral de Sistemas foi meramente programático (exceto em suas
18 A Sociologia do Brasil Urbano

subformas da teoria cibernética e da informação). Além disso, ten


deu a ser amplamente atemporal e a-histórico. A não-historicidade
não apenas não é intrínseca, como, num certo sentido, é contrária'
'aos preceitos mesmos da Teoria Geral de Sistemas. Uma vez que*
ala concebe os sistemas compostos de v ar i áv ei sl revelando diferen-
les^cstadoH em diferentes épocas e ocasionalmente, soli condições es
pecificáveis, mudando para novas gamas de estados (uma “mudan
ça de quanti dade para qualidade ” ) , a seqü ênci a temporal — ou
a história ^éjnerente e_essencial_àa jmálises sistêmiçaç, especial
mente nas chamadas situações 3é feedback positivo ou de “ampli
ficação do sistema”. Muitos dos trabalhos publicados neste volume
são informados por uma abordagem sistêmica geral materialista
histórica (especialmente os Capítulos II, V e VII, ver também
Leeds, 1965b, 1963, 1973, 1974b, 1975, 1971ma, 1975ms). A
Teoria Geral dc Sistemas também fornece alguns paradigmas ex
tremamente úteis para a análise de sistemas em hierarquias que
utilizamos em particular nos Capítulos II, VI e VII, bem como
em alguns trabalhos não reproduzidos aqui (ver Leeds, 1969, 1975,
1976a, 1976b, e 197lMs, 1975ms). Os textos marxistas não são
tão clarosdosobre
o início os diferentes
último terço desteníveis do especialmente
século, sistema em hierarquias até
com o apare
cimento de André Gunder Frank (por exemplo, 1967). Seu pen
samento foi fundamental para toda uma geração de teóricos, in
cluindo a mim mesmo, e foi precu rsor no dese nvolvimento da
Teoria da Dependência que usei algumas vezes (por exemplo,
1969, 1975, 1971 Ms-a), embora não mais do que implicitamente
nos trabalhos aqui apresentados.
Em suma, todos os trabalhos deste volume, embora, quase sem
exceção, sobre alguma questão substantiva tratàda em termos de ma-
tçriais etnográfico-sociológicos específicos do trabalho de campo
conjunto feito por Elizabeth Leeds e por mim num total de 6 anos
no Brasil (ou meu próprio trabalho de campo anterior de um
ano e meio), são também trabalhos teórioos tentando clarificar re
sultados epistemológicos e metodológicos na análise de classe e ten
tando estabelecer modalidades específicas ev genéricas da formação
e manutenção dos limites de classe. Eles tentam encarar o conflito
num quadro de referencia mais amplo do que meramente o do
r.oonflito de classes, que é apenas um a c atego ria do conf lito soci al.
Eles tentam desenvolver uma teoria de recursos de poder c conse
quente comportamento polít ico — uma teoria que, por um lado ,
inclui o controle dos meios dc produção e mais-valia num conjunto
mais amplo de recursos e, por outro, inclui a teoria das restrições
(ver Leeds, 1970 Ms) de qualquer ator sobre qualquer outro ator.
I ntrodução 19

Finalmente, eles tentam desenvolver uma teoria que permite que


se lide com toda uma gama de atores, de indivíduos a entidades
internacionais, num único quadro de referencia. Estas várias preo
cupações teóricas se foram gradualmente fundindo num sistema
teórico mais e mais intimamente articulado, talvez mais bem exem
plificado, neste livro, pelo trabalho final. Em geral, os trabalhos
tentam dar sólidas definições de conceitos-chave, definições que
contêm suas regras de correspondência; eles quase sempre indicam
onde a quantificação — como um pro cedi mento ep ist êmico — é
desejável ou mesmo está disponível, muito embora quantidades de
talhadas não sejam dadas freqüentemente. As situações descritas
situam-se em “contextos” históricos que não são cenários passados
reificados, mas processos estruturados contínuos cujo corte trans
versal corrente é o presente observado. As análises estão comprome
tidas tanto com uma compreensão materialista do universo como
com uma compreensão dialética nao dualista do mundo material
na história.
O Capítulo II rejeita o isolamento conceituai ou substantivo da
“comunidade11, vendo em vez disso recursos de poder possuídos
por uma variedade de nós organizacionais sociais, alguns localiza
dos, outros não. A natureza diferencial dos próprios recursos é tal
que nao podem todos ser possuídos por qualq uer nó — qUâlquer
tipo de ordenação de pe ssoas — , mas devem ser diferencialmente
distr ibuído s atravé s da socied ade. Logic am ente , segue-se que_ ne 
nhum deles é desprovido de poder, mas, uma vez que os recursos
são materiais e, em princípio, quantificáveis, pode ser mostrado que
jbs quantidades^ de re curso s que dão po der _a q ual que r a tor social,
podem variar muito. A acumulação e manutenção de recursos de
poder tornam-se fatos centrais da sociedade e de sua expressão po
lítica. Os recursos de poder já distribuídos nas mãos dos atores so
ciais formam um sistema de restrições sobre quaisquer atores, es
pecialmente aqueles com pequena ou pouca quantidade de recursos,
que tentam mudar a sua distribuição. Metodologicamente, o argu
mento do trabalh o torna necessário específ ícar^todos os rec urs os
poder de uma dada sociedade ou do subsegmento de uma socie-j
cfade e mapear argumenta
Este trabalho todos os atores
que osque formamcentrados
recursos nós detentores de po3er«;
nas localidades
tendem a estar associados aos atores que se encontram em conflito
com atores cujos recursos não são localizados, e as localidades, em
virtude de suas inserções ecológicas, fornecem certos recursos de
poder nao dispo níveis ao s detentor es de po der supralocal ( e vice-
versa). O Capítulo II (escrito cm 1964) éa exposição geral do
modelo de organização descrito no Capítulo III (escrito cm 1962)
e torna-se o trabalho teórico básico para todos os outros. O último,
20 A Sociologia do B rasil Urbano

na verdade, trata dos vários atores, seus recursos, suas jogadas po
líticas para obtenção de maiores recursos ou para restringirem uns
nos outros o acesso aos recursos. A utilidade do modelo é vista nos
últimos trabalhos.
O Capítulo III faz muitas coisas: articula nós sociais (ver
Leeds 1967), que vão de indivíduos a sistemas de classes num
único quadro de análise; estabelece como os limites de classe são
gerados e mantidos numa dada sociedade e uma categoria de socie
dades e como as próprias classes são constituídas de unidades so
ciais menores; argumenta que os traços característicos encontrados
no Brasil são genéricos de um tipo de sociedade que representa
uma fase na evolução social geral —- posição que não mais sustento.
O aparato central de tomada de decisão e de organização do
sistema de classe e seu s co nstituintes local izn-se nas cida des — o
locus concentrado da maioria dos recursos de poder. Assim, o tra
balho é também um estudo da natureza da sociedade urbana (ver
Leed s, 1 9 6 7 a ), Alguma s co nsi der açõ es d o Capí tul o Í II — parti
cularmente o caráter das panelinhas- e suas. funções.— junto com as
considerações do Capítulo II, levaram ao extenso trabalho de campo
sobre populações proletárias, especialmente aqueles segmentos lo
calizados nas favelas, com os quais o restante dos trabalhos se preo
cupa.
0 Capítulo IV é talv ez o mais etnográf ico d os trabalho s, mas
levanta ainda alguns problemas teóricos colocando em questão in
terpretações, modelos e teorias, especialmente a rejeição do concei
to e da existência de uma “cultura da pobreza” (mais forte e siste
maticamente rejeitada em Leeds, 1971); sua rejeição da conçep-
íção de “imaturidade”, “passividade”, “fatalismo”, “continuidade
tdos valores rurais” e coisas semelhantes que, como se argumenta,
jsSo interpretações amplamente etnocêntricas dos cientistas sociais
(de classe média urbana (especialmente norte-americanos) que nun-
ca participaram das estratégias e tomadas de decisão reais dos pro
letários nem avaliaram suas bases reais de julgamento nas situa
ções políticas e outras (ver E, Leeds, 1972).
Capítulo V generaliza os achados do Capítulo IV relativos

às favelas
geral, c moradores
mostrando das processo
como um favelas para o proletariado
de organização urbano em
e ideologia de
fi a ss e é " formado em fu nção das estratégias de vida e deci sões to-
;mndas aob^os con jun tos de res tri çõe s estabele cidos co nt ra eles pela
j“ classe superio r” . Es ta últim a também é discutida, remetendo ao
Capítulo III em termos tanto de sua organização como de seu fra-
cionam cnto competitivo inter no. As conseqüênci as em termos de
comportam ento político para ambas as classes — em suas tentativas
I ntrodução 21

de ganhar aliadQs em_§uasJutas^fracionadas para, acumular recursos


— são apresent adas. 0 processo de formação de c lasse, co nflilo c
coalisão através das classes esta intimamente vinculado às bases eco
lógicas da vida urbana.
O Capítulo VI^apresenta um contínuo processo de ten tar ma n
ter e controlar recursos por parte da “classe superior” nacional urba
na a trav és de leis, associações, coalisões, e assim por di ant e •— o
oposto dialético, se quiserem, dos Capítulos IV e VII. É também um
trabalho etnográfico, complementando o Capítulo IV, que mapeia os
recursos, atores e ações dos detentores de poder supralocais. A afir
mação teórica principal talvez seja a de que fovmas manifestas de
controle 'e suas ba ses de recur sos pode m var iar amplam ente, em 
bora visando o mesmo objetivo — não-oculto, “ profundo” , ou mis
terioso, mas bastante consciente entre os detentores dc poder, mes
mo se não expresso publicamente a maior parte do tempo.
0 Capí tulo V II tenta faze r algu mas coisa s. Em primeiro lu
gar discute alguns temas metodológicos das Ciências Sociais cm
termos de suas bases filosóficas, rejeitando muitos dos paradigmas
hoje correntes. Em segundo lugar, rejeita especificamente algumas
(das posturas adotadas na literatura sobre o comportamento político
jda “classe trabalhadora” ou das “massas”. Em terceiro lugar, ^apre-1
senta plenamente, pela primeira vez neste livro, o paradigma e a uti
lidade da abordagem geral de Sistema, Finalmente, explica o com
portamento político em bases estruturais, cm vez de atribuir tal
comportamento a características imanentes ou a categorias residuais,
em si nã o explicadas, tais como “c ult ura ” . É dada mai s força à ex
plicação estrutural em virtude da comparação relativamente con
trolada dc três sistemas políticos independentes, a qual fortifica a
interpre tação em qu alquer um dos casos . Desenvolve ma is além
as concepções de restrições estratégicas e detenção de recursos, da
oposição entre formas de poder da localidade e formas supralocais.
De um modo significativo, é uma sínteso de todos os trabalhos an
teriores.
Esta massa de trabalhos não é merameute uma obra minha e de
Elizabeth, mas um trabalho em conjunto com inúmeras outras pes
soas que contribuíram com idéias, críticas e apoio. É impossível
listá-las todas e o que nos deram de diferentes formas, mas gosta
ríamos, ao menos, sem negligenciar alguém não nomeado, de citar
os seguintes: Richard N. Adams, Joseplmaa Albano, Thales de Aze
vedo, Maria de Azev edo Brandã o, C arolina Ma rtuscelli Bo ri, Ra mi
ro Cnrdona, Theo Crevenna, Vitória Cruz, Antônio Carlos dos San
tos, Carlos Nelson Ferreira dos Santos, Manuel Diegues Jr., Jaime
Cianella, William Glade, Benedito Guilherme, Peter Nakim, John
22 A Sociologia do Brasil Urbano

P, Harrison, Bertram Hutchinson, Helan Jaworski, Juarez Ru-


bens Brandão Lopes, Luís Antônio Machado da Silva, Wjlliam
Mangin, Hélio Modesto (e sua família), David Morocco, Angel Pa-
lerm, Roberto Pinead, Márcia Koth de Pareder, Maria e Orestes
Pinto Paiva, Davi Queiroz, José Artbur Rios, Diego Robles, Alfre
do Rodriguez. (o fálecjdo Flávío Romano, qrle morreu demasiado jo-
jvem e cuja grande habilidade nunca foi utilizada devido a estrutíi-
Êja de classes no Brasil, Cecília Rupert, Lawrence Salmen, Ina Du
tra Savage, Kay Sutherland (então Toness), Odin Toness, Anísio
Teixeira, John F.C. Turner, Gilberto Velho, Yvonne Maggie Alves
Velho, e Sylvia Wanderley (hoje Caserio de Almeida). Outros que
deveriam ser citados nao o serão por várias razoes. Além disso, há
muitos milhares de brasileiros e de peruanos que chegamos a co
nhecer, às vezes transitoriamente, às vezes em algumas de nossas
mais intensas relações, que enriqueceram nossas vidas de modo per
man ente . Agradecemos tam bém às vária s fontes de fundos par a
nossos estudos, entre outras o Instituto Nacional de Estudos Peda
gógicos, A Fundação Ford, a Comissão Fulbright, a Organização
dos Estados Americanos (Departamento de Negócios Sociais) e
a Funda ção Wenner-G ren. Esperamos que o produto tenha vali do
a vasta quantia que foi despendida no trabalho. Finalmente, agra
decimentos especiais a Gilberto Velho, que me convenceu a organi
zar est e livro — um abraço para u m velho amigo e colega.
Embora a maior parte deste livro seja oriunda de trabalho de
<campo conjunto, redação conjunta e reflexão conjunta meus e de
Elizabeth Leeds, escrevi a introdução à coleção porque os temas teó
ricos centrais que a permeiam são mais primordialmente preocupa
ções minhas, pois venho trabalhando neles há já aproximadamente
15 anos, antes daquele dia feliz em que nos encontramos no Rio,
onde nosso trabalho comum começou, e porque o trabalho teórico
chave, o Capítulo II, que é subjacente a todo o resto, foi formulado
por mi m . Novas compreensõe s, nov os problemas subordina dos, e
um a riqueza extra ordinária de dados etnogr áficos — de fluxo de
vida e de vivência sentida, percebida, experimentada e gozada no
Brasil — prov eio de ste caro trabal ho conjunto que criou vários mu n

dos
mim,deque
significado
vai alémpara
dos nós ambos
pálidos e um renascimento
agradecimentos pessoal para
em palavras.

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Poder Local em Relação com Instituições


de Poder Supralocal

A nteôny L eeds

Introdução

Este trabalho é um esforço para desenvolver alguns conceitos


e um modelo para tra ta r de: ( a ) as insti tuiçõ es do estado territo
rial , ( b ) a unid ade social — a comuni dade, e ( c ) a unida de geo-
* Publicado srcinalmente em XJrban Anthropology , org. por Aidan Sou
thall e E. Bruner — Aloine, Chicago.
1 Este trabalho pe rmanece essenci almente como foi escrito em 1964,
embora com a ampliação de considerações teóricas, clarificação e precisão
de definições, etc. O texto, elaborado dedutivamente como um modelo,
tentou ser de nível teórico e uma espécie de trabalho de posição, par-
tindo do trabalho teórico acerca da natureza de cidades, que eu vinha
fazendo há alguns anos. Preocupase também, embora isto não tenha sido
enfatizado, com problemas espitemológicos, particularmente o status de
nossas unidades de estudo. Não pretendeu ser um trabalho de dados ou
monografia abieviada. O material da favela serve apenas como exemplo;
não contém portanto» exatamente dados de campo em absoluto, tendo se
baseado em três visitas muito breves a favelas, combinadas com alguma
leitura. confirmou
apenas O trabalhoo de
quecampo subseqüente, supunha
eu dedutivamente de cerca a de 20 meses,
partir não
de recortes
de dados, como indicou que o argumento fora pouco enfatizado. Dados
do trabalho de campo começam a aparecer como está indicado na biblio-
grafia, mas não são apropriados, no todo, aos objetivos deste trabalho.
É minha a responsabilidade de manter a forma srcinaJ, apesar das crí-
ticas no seminário e das muitas sugestões para a construção da teoria a
partir dos dados. Este procedimento indutivo foi deliberadamente evitado
porque eu achei — e acho — que ele tende sistematicamente a bloquear
uma visão teórica frutífera.
P oder L ocal e P oder S up r alo ca l 27

.gr áfic a — a localidade, num único qua dro d e referência e como


uma totalidade única, sistêmica.
Em seus inícios, a Antropologia tratou quase que exclusiva
mente de entidades sócio-culturais vagamente chamadas de “tri
bos” . Estas eram unidades “ natura is” , no sentido de que geralmen
te possuíam uma língua ou dialeto diversos; compreendiam sistemas
ou subsistemas sócio-econômicos; tinham uma série de costumes
característicos; e, finalmente, reconheciam-se a si mesmas e eram
reconhecidas como distintas pelo uso de algum nome. Tais tribos
eram marcadamente constituídas por grupos de localidade autôno
mos (bandos, aldeias, etc.), paralelos quanto à ecologia, instituições,
conteúdo cu ltu ral , et c. O paralelismo perm itia o estudo intensivo
de u m como um a am ost ra repre sent ativa de... todos__os que per ten :
ciam à_ mesma tribo (ou assim se pensava) porque eles eram su
postamente comunidades completas.? A partir de amostras deste tipo
era possível, ou assim geralmente se pensava, descrever uma “cul
tura total” ou sociedade total.
Os antropólogos transferiram este “método” para o estudo de
sociedades complexas quando foram levados a estudá-las pelas exi
gências d a ciência e do s tempos. EIes_continuaram a estudar loca
lidades que eram tomadas como comunidades e que eram pensad""
como amostras representativas 3a cultura ou sociedade total3 p
exemplo, Dollárd, 1937; Embree, 1939; Lynd e Lynd, 1929; Obe:
T.960;,íPíerson» 1949?; Powdermaker, 1939; (Wagley, 1953;; Wari
e Lunt, 19 41 ; W est, 1 94 5; íWi ll ems, 1 94 7í e mu itos out ros).
Quando começou a ficar claro que tais “unidades” de esti
em sociedades complexas nsio são análogas às unidades tribais
cais e não fornecem um quadro da totalidade^'os antropólogos

2 Os dados sobre os índio s Ya ruro, coletados por Falia (comun ic


pessoa]), Le Besnerais (1954), Leeds (1964), Petrulle (1939) e R
(comunicação pessoal), demonstram claramente o que pareceram se
riações microecológícas de algum significado de aldeia para aldeia
vés de vários declives geográficos da área; além disso, os Yaruro xm
relações com outros grupos lingüísticos ou "tribos**, cada um dos quais
tem relações ecológicas especializadas deatro do sistema ecológico maior
tra r Uanos
dos ondeem
paralelos todos estão.outro_
algum Este liigar
gênerodode_ dados, sugere
mundo, do qualque
podese encon-
a represen
tatividade de comunidades únicas na sociedade “primitiva” c os procedi-
mentos de amostragem utilizados para controlar o tipo de variação aqui
mencionado deveriam ter sido qnestionados já há muito.
3 Para o conceito d e “cultura total”, ver Kroe ber, 1948: 316,318, e
também Leeds, no prelo, “Conclusões”,
í.4 ) Cf. Steward, 1950; Steward, org,, 1956; e a séríe_ de_estydos realizados
' pelo proje to da Universidade Colum biaEstado da Bah ia em 195052 ,. cf,
\Harris, 1956; Hutchinson, 1957; Wagley, org., 1952. Em relação a isso,
;
A S ociologia do B rasil U rbano

meçaram a tentar tratar totalidades sócio-culturais com métodos que


falhavam em fornecer descrições da dinâmica funcional da mudan
ça e da resistência à mudança.
Para tais problemas de dinâmica de mXdança, resistência, etc.
as velhas concepções, modelos e métodos eram inadequados porque
feles na verdade, não lidavam de forma alguma com a “unidade”,
sócio-cultural da sociedade complexa como tal, ou seja, com a uni
dade mais ou menos claramente delimitável denominada estado ter
ritorial ou país, o análogo apropriado à localidade-comunidade tri
bal.
Assim, nem^os. antropólogos nem ninguém apresentou mode
los d e uma entid ade — por exemplo, os Estados Unid os — na qual
os estudos dèTcòmunidade fossem tomados como representantes so-
cietais ou reproduções microscópicas desta. Menos aind a apresen 
taram o que poderiam ser as relações entre as comunidades estu
dadas. Po r exemplo, que tipo de relaçõ es estruturais, dinâmicas,
pode-se dizer que existem entre Plainville, e Yankee City, ou Mid-
dletown, ou Elm tow n, ou mesmo Hollywoo d? Onde está o locus
de tais relações? Elas devem ser estudadas nas localidades respecti
vas? Elas são realmente exemplificadas nas relações internas das
pretensas “comunidades”? Se o são, como? As condições ecológicas
locais e os valores e opçoesculturais aiitoperpetuadores interiiossão.
os únicos parâmetros limitadores que governam a organização e as
características dessas “comunidades”, ou os parâmetros limitadores/
|provêm de uma ordem mais abrangente, de fato, a ordem que in-
■! clui a localidade A — Plai nvi lle — e a localidade B ■— Ya nk ee j'
'.City — num único sistema? Se a úljima possjbijidade é v erdadeira;'
como este trabalho supõe, então? nós, como antropólogos, não temos
jpraticamente qualquer instrumento metodológico para lidar com as!
/r e la çõ e s en tre P la in vi ll e e Y an k ee Ci ty , porq ue não tr at am os an tro - !
]pologicamcnte a estru tura social empírica do estad o e outras or
dens de grande escala nas nações complexas modernas. Este estudo
trata de certos aspectos das questões aqui levantadas.5

as observações que se seguem» de T. Lynn Smith (1947:587), são extra-


ordinárias:e "de. . fin
sualizada . ida a...
comunidade ruralé brasileira
a aldeia não de forma não é imediatamente
algu ma vi-
idêntica à c omu-
nidade.,. o camponês brasileiro poderia ter sido chamado de o ‘homem
sem uma comunidade ". Cf., também, Leeds, no prelo.
5 Tra tei de outros aspectos em outros trabalhos. Meu trab alho de 1964
fornece um estudo de caso de como os elementos constitutivos da estru-
tura social articulam as localidades de níveis coordenados e hierárquicos
em sistemas nacionais e mesmo internacionais, e constroem nós sociais de
diferentes graus que atravessam todos os tipos de localidade. O de 1964 b
relata a ecologia local, acontecimentos políticos locais e acontecimentos
P oder L ocal e P oder S up kalo ca l ^ 29
f
•
; . •
: , I
A Co munidad e ' .
Pela maioria das definições ou usos comuns,0 a comunidade,
especialmente como um objeto de estudo, étomada como uma uni
dade sócio-estrutural de algum tipo. Em geral, ela tem sido consi
derad a como um a form a de m ic ro co sm o de ujqaa espéci e de m ac ro
cosmo chamado sociedade total, ou algo equivalente. Sendo assim,
os que se dedicam a estudos de comunidade supuseram que estes,
por siGrandes
mesmos,falácias,
informariam
estão sobre a sociedade
envo lvidas nes sas total.
supos ições . Pr im ei 
ramente, não é auto-evidente que o macrocosmo é estruturado como./;
o microcosmo. Na verdade, fossem os antropólogos menos ignoran-f
tes em outras ciências sociais, especialmente a ciência política, eco
nomia e geografia, bem como a formidável economia política do
séc ulo X I X , seria ime diatamente evi dent e, em b ases empíricas, e
compulsivamente claro, em bases lógicas, que de forma alguma
poder ia ser assim. Tam bém , em ba ses axiomáticas gerais, haveria
toda razão pa ra se supor o ^o ntr ári o, ao menos pa ra as socieda des
complexas, organizadas em estado.7 Pareceria mais provável axioma-
ticamente, que os estudos de localidade nos chamados estudos de
comunidade constituíssem entidades especializadas, diferenciadas
e diversamente inter-relacionadas de uma sociedade total possuido
r a de me canismos insti tucional izados para uni- las. A part ir de tal
;a.xioma, fi ca cl ar o que a org ani zaç ão do mic roco sm o não pode ser
homólsga à do macrocosmo.
Daí se seguiria que o “estudo de comunidade” certamente não
j pode, em qualquer definição útil de comunidade, dar-nos uma des-
|crição do macrocosmo, e conseqüentemente que os limites aparen
tes dos estudos de com unid ade estavam sempre deslocados. Âqui

políticos nacionais num sistema interativo. O de 1967 b dá conta do qua-


dro teórico subjacente a ambos. Em Leeds, no prelo, a relação entre sis-
temas legais nacionais e estrutura social local é extensamente discutida.
6 Observese, por exemplo, a afirmação d e Murdock (194 9: 79) “ (A co
munidade) tem sido definida como o ‘grupo máximo de pessoas que nor-
malmente mora junto numa associação próxima3”. Firth (1951:2728) diz
que “O
pecto de termo comunidade
se morar junto. Ele enfatiza
envolve oumcomponente tempoespaço,
reconhecimento o da
proveniente as-
experiência e da observação de que devem existir condições mínimas de
consenso acerca de objetivos comuns, e inevitavelmente algumas manei-
ras comuns de se comportar, pensar e s entir. Sociedade, Cultura, Co-
munidade implicamse mutuamente...” É interessante que Bredener e
Stephenson (1964) nem mesmo tratem da comunidade!
7 Mas também, acre dito, para as sociedades tribais, ex ceto talvez os
mais simples tipos de bandos organizados cujas unidades locais são, em
sua maior parte, bastante autônomas.
30 A S ociologia do B rasil U rbano

reside a segunda grande falácia do método de estudo de comunida-


de.
Seguir-se-ia, indo mais além, que, mesmo que tivéssemos estu
dos de cada tipo de comunidade, de todo o inventário de tipos numa
sociedade total ou macrocosmo, ainda assim não teríamos tal des
crição. Uma^amostragem de tipos de comunidade de uma nação,
como temos hoje para o Brasil,8 ainda não nos daria um quadro das
inter-relações destas localidades, ou seja, das estruturas macrocós-
micas
mun s. e Estes
sua dinâmica. Tudo que^se
podem, então," pode
ser lista dos derivar
como umdelesinve
sao ntári
traços
o co
total
mente estático de traços caracterizando toda a unidade territorial do
macrocosmo. Tendo co mo ba se tal inventário, nenhuma predição
quanto a condições futuras tanto do macroscosmo como do micro
cosmo p ode ser feita. 0 inventário mos tra-s e tão estéril quanto a
maioria das listagens de traços^ análises dé áreas culturais tao co
muns nos anos vinte e trinta deste século, como o mostrou o final
da década de 40, quando desapareceram como interesse principal
da antropologia moderna.
i ' E m su ma, o chamad o método de estudo de comunidade, é to
talmente inadequado ao estudo de sociedades organizadas em esta-?
do, nações, sociedades complexas, países ou como quer que se queií-
•ra chamá-los.
i De vemo s, ent ão , d escobr ir e a na li sar as fo rma s d ir et as P in di 
retas das inter-relações entre as chamadas comunidades ou localida
des. lilste campo não ê inteirame nte virgem : a economia política,
a ciência política, a jurisprudência histórica e a economia têm tra
tado de várias destas instituições por alguns séculos, embora os an
tropólogos, particularmente devido à estrutura totalizante que tanto
caracteriza sua abordagem da ciência humana, geralmente não co
nheçam adequadamente a literatura a esse respeito,
u!' Tod avia ., essas disciplinas, em sua ma ior parte, trat ar am ape
nas da£ formas de inter-r elação como_tal — com aqui lo que a qui
designarei com o “ instituiçõe s supraloc^is” ■— e entã o apena s com
algumas escolhidas. Em sua maior parte, estas foram consideradas
sem levar em conta seus vínculos nas “comunidades” e localidades,
■e sem levar em conta, por sua vez, a influência destas últimas nas
instituições. Dito de out ro modo, essas discipl inas tra ta ra m de um
número restrito de instituições que haviam sido selecionadas dentre
*■todas as ins titu içõe s soci ais e tra ta da s como se operassem de modo

8 Cf. H arris, 1956; Hutchin son, 1957; Leeds , no prelo; cÖberg, 1960;
Pjerson. 1949; Waglev, 1953; Wagley, org., 1952; 'Willems, 1947; Willems
é Mussolini, 1957>; etc., e de um ponto de vista histórico, Morse, 1951,
1958; Poppino, 1953; Stein, 1957.
P oder L ocal e P oder S up r alo ca l 31

totalm ente independente das bases locais. P or exe mplo , econo mista s,
tratam do imposto, mas eu não sei áe ocasião alguma em que a mo
bilização da organização social local para lidar com problemas de
imposto, engendrados por uma dada política nacional de taxação,,
tenha sido explora da. Apresento o caso ext rem o, mas n o essencial
a afirmação é verdadeira.
Desde que parece ser axiomático entre os antropólogos que eles
devem tra tai ' de sociedades totais ou sistemas in teir os, eles têm te ra
tado e conseguiram realmente, descrições do macrocosmo.9 Mas não,
fora m capazes de tr at ar adequadamente das instituições supra lo
cais em si mesm as. Menos adequadam ente ain da, se não de forma
totalmente inadequada, foraiãi eles capazes de tratar das inter-rela-
ções entre essas instituições e as comunidades ou localidades especí
ficas com as quais elas se articula m. Ex iste m poucas descr ições de*
tais relações na literatura, com a possível exceção do material Si~
nológico (cf, também Lopes, 1964, 1968), e praticamente nenhu
ma proposição geral, hipóteses, ou modelos acerca da natureza de
tais inter-relaçÕes (cf, todavia, Adams, 1967). A seguir, proponho
um modelo geral.

A Localidade

Para os objetivos presentes, prefiro o termo localidade a comu


nidade, devido às confu sões existentes cpm .re la çã o a oste últim o,
usado para designar as etnografias de lugares específicos. Aceitan-
do-se a definição de Arensberg (l96T)""oü aquela bastante diferente
dada por Murdock (1949:79) fica claro, então, que, na maior par
te, os chamados estudos de comunidade são na verdade, dubia-
mente, ou não são de forma alguma, estudos de comunidades, mas
sim de localidades. O status do locus de estudo nesse campo de pes
quisas como unidade real da ordem social é mais ambíguo no
sentido da definição de Arensberg de comunidade. Seja como for*
ele define no máximo uma_unidade analítica, não_uma unidade que
se relaciona com outras num sistema total.
O termo “localidade”, todavia, refere-se, no contexto das dis
tribuições
te distintos,geográficas humanas,
caracterizados aos tais
por_coisas
loci de organização visivehnen-,
como um agregado de pes^
spas mais ou menos permanente ou um agregado de casas, geral
mente incluindo e cercadas por espaços relativamente vazios, em
bora não necessariamente sem utilização. Conseqüentemente, o <jue-

9 Cf. Adams, et cã.s 1960; Benedict, 1946; Em bree , 1945; Lowie, 1945;.
Mead, 1942, 1955; Steward, org., 1956; Wagley, 1949; e muitos outros..
Ä S ociologia do B rasil U rbano
52

normalmente denominamos grande cidade, aldeia ou também um,


jjonto d e miner ação ou algo parecido sã o Jocali dades . Subáreas v i*
sualmente distintas de uma cidade, nitidamente delimitadas como
uma área invadida por posseiros,* o conjbnto de uma catedral e
seus anexos também se enquadram nesta definição, Não importa
quão simples seja o locus , isso ain da co nt inu a sendo verd ade iro.
Mesmo uma fazenda, provavelmente o mais simples de todos os
tipos de locus, é também uma localidade segundo a definição dada.
Pode ser demonstrado em bases teóricas que as localidades
constituem pontos nodais de interação (cf. Leeds, 1968), os pontos
de maior densidade e mais ampla variedade de categorias de compor
tamento na área, mas não possuem necessariamente um conjunto
exaust ivo .de tais categorias de comportamento, como õ requ er a
definição de comun idade de Arensberg. E sta observação aplica-se
não apenas a cidades e aldeias, mas mesmo ao conjunto de uma
catedral e s eus anexos, e à fa zend a acima menc ionados. É um lu 
gar da maior densidade e mais ampla variedade de categorias de
comportamento humano, entre ele e a localidade seguinte. Transa
ções e comportamentos econômicos, sociais, religiosos, etc. estao
todos lá concentrados.
As interações duradouras e cotidianas e as relações personaliza
das de todos os tipos são predominante mas não exclusivamen
te interações de localidade. Deve ser observado, todav ia, que a de
finição não sugere que todas as relações em localidades são desse
tipo, mas podem ser de tipo impes soal e secundário. Na ve rdade, ai
»definição tenta ser neutra a este respeito, para que a natureza das'
relações se torne mais uma questão empírica do que de definição:}
pode ocorrer, idealmente, que não exista qualquer relação persona
lizada na localidade, apenas relações secundárias e impessoais sem
sentimento ou características comunitárias.
Assim, o uso do termo “localidade” não nos obriga a postular
uma unidade mínima ou máxima de organização como a “comu
nida de1’ (c
•discutir seuf. status
M aclver e Page, . 19
ontológico 39 , Gh . 12,
Precisamos pp* 2desenvolver
apenas 8 1 -3 0 9 ) neminsi
á
trumentos adequados e relevantes para lidar com sua descrição emt
pírica.
Ele não nos obriga a supor que a localidade em que vivemos e
em que, como antropólogos, pesquisamos seja também uma comu

* No srcinal, squatter settlements. Ao longo de todos os textos, optou*


se pela tradução de squatter settlements e squatments como, indistinta-
mente, “áreas invadidas por posseiros e áreas invadidas”, traduzindose
■o termo “squatters”, indistintamente, por “posseiros” ou “moradores, de
.áreas invadidas”. (N. da R.T.)
P oder L ocal e P oder S up r alo ca l 33

nidade. Gera lmen te ela não o é. 0 fato de as localidades estudadas


por antropólogos e sociólogos, geralmente não serem comunidades,
ou no máximo o serem apenas parcialm ente, é , certamente outra
grande ambigüidade do chamado método de estudo de comunidade
ao J r a t a r d_a_ soc iedade macrocósmica de que_são parte.

Car acte ríst i cas da L ocal i dad e

As localidades como pontos nodais de interação, como se ob


servou acima, caracterizam-se, mesmo as mais simples, ppr uma
rede a ltam ent e c om plex a de diversos t ipos de_ rela çõ es. Qs laços de
parente sco mais ativos — aqueles da famíl ia nuclea r, e, freqüen te
mente, aqueles com parentes pr óximos — serão amplamente enco n
trados na localidade, especialmente nas pequenas. As amizades mais
próximas, numerosas e vivas (se não as mais profundas) tendem a
existir na localidade. A~maiõr parte da parentela ritual de alguém
tende a existir na localidade, onde pode ser mobilizada mais ou
menos inst anta neam ente . Os vizin hos, que podem ser chamados
para várias finalidade s, existem por definição na localidade. A.
ambiência, tal como definida por Caplow (1955), é_em grande par
te necessariamente
grupos umcomo
informais tais fenômeno
cliques,de gangs7
localidade.
gruposUma pletora dee
de trabalho
outros semelhantes, bem como pequenas organizações cujos inte
resses e amplitude de ação são necessariamente bastante limitados
(uma banda de cidade ou uma escola de samba), são fenômenos
dê localidade.
Em contraste com o parentesco, o parentesco ritual, a amizade,
ambiência, vizinhança, grupo informal e relações personalizadas
próximas, dentro de pequenas associações, inúmeras relações face-a-
fase secundárias e impessoais podem também caracterizar localida
des como pontos nodais de transação e interação (Leeds, 1967 b,
1 9 6 8 ) . O vasto conjun to inclui serviço s de massa (com o os pres
tados por trocad ores d e metrô e caix as de r es ta ur an te ), ^serviços
temporários (como os dos vendedores de uma liquidação de um
grande m àga zi n ), compra e venda no mercado impessoal, associa:
ção cm grupos secundários (tal como instituições corporativas como
nma universidade, ou, mais marcantemente, “clubes” de livro e dis
cos por corresuondência), apoio de instituições beneficentes, etc.
Tais relações, como aquelas apenas simplesmente listadas, não se
enquadram na definição de. comunidade de Murdock e não se rela
cionam claramente à de Arensberg. Os moradores de uma localida
de relacionam-se uns com os outros através de vínculos que se en
quadram em muitas ou em todas estas categorias, e os têm grontos*
para enfrentar as contingências e exigências da vida diária. Os in
34 A S ociologia do B rasil U rbano

divíduos movem-se por entre estes laços, mobilizando ora um ora


outro, conforme o exigem a ocasião e a utilidade. É da maior signi
ficação que, para a maioria das ocasiões e finalidades, dois ou mais
tipos de relação possam muito bem ser úteis e mobilizáveis.
Por um lado, para ajudar em um momento de crise financeira,
os amigos, vizinhos, parentes e parentes rituais podem ser solicita
dos. Para dar apoio em caso de morte súbita, os mesmos tipos de
pessoas podem ser solicitadas. P a ra resistir ao impos to ou outras
imposições ext possam
cliques, talvez ern as, ess
seres chamados
tipos,’* bem comopara
à cena grupos
servirdecomo
tra bal ho ç,
rede
distributiva indectável, retirando a riqueza das mãos do coletor dè
imposto. Todas essas formas de organização também podem facili-i
tar a preservação ativa de tradições e orientações culturais valoriza«
das contra interferências externas.
Por outro lado, as localidades, dependendo do tamanho, apre
sentam laços institucionais e estruturais em maior ou menor número
que também podem ser usados para lidar com problemas tais como
uma cris e financeir a, morte sii bita o u outr os. Novamente, a ques
tão é empírica, não devendo ser tratada por conjecturas que in
cluem ou excluem de consideração esses laços.
Os mesmos tipos de relação podem ser acionados para lidar
com as exigências extraordinárias da vida, especialmente aquelas
qão provenientes da rotina diária, próprias das, ou impostas pelas,
características econômicas, políticas ou sociais maiores da localida
de. As exigências mai s típicas de ste gênero s ao ext ern as, impos
ta s de . fora da localidade por organismos su pralocais. O imposto,
acima mencionado, o recrutamento, o recenseamento, a coerção mi
litar e outros podem ser mencionados e serão discutidos abaixo.
Dentre os tipos mais efetivos de relação para enfrentar tais exigên
cias, estão aqueles informais e pessoais, facilitados pela proximida
de na localidade.
Em suma, a organização social da localidade pode ser vista
como um sistema altamente flexível de adaptação humana. Sua ex
trema flexibilidade e fluidez de organização, sua complexidade não-
mapeada e nao-especificada (ou, poder-se-ia dizer, não racionalizada
e não burocratizada) permite-lhe uma ampla gama de respostas
para uma variedade de acontecimentos, contextos e exigências qua
se infin ita. Sua flexibilidade perm ite a rápida mobilização de seus
recursos econômicos e sociais para diferentes fins e de formas di
versas, muitas vezes sob a pressão mais extrema, de uma maneira
não alcançável por nenhum outro s istema de organizaç ão. E la éli 
mitada apenas pela extensão dc total disponível de recursos de
ter ra , ma terial, p essoal e finanças. Estes, certamente, variam m ui
P oder L ocal e P oder S up r alo cal 35

to em termos de tipo e quantidade em diferentes espécies de lo


calidad es, como9 por exemplo, entre uma cidade universitária e um
bairr o pr oletário do Rio . 0 grau das limitações é, em si, um do s
importantes fatores que dão forma ao poder e às inter-relações ins
titucionais da localidade e das instituições supralocais.
Nesta relação, é da maior importância observar que todas as
localidades são também, de alguma maneira, entidades ecológicas.
Isto é, são popuJagões relaciotiadas a alguma extensão de território,
possuindo alguns recursos, embora mínimos, inclusive o trabalbo
huma no. Elas são diversamente orden adas era áreas e atividad es
especializadas; freqüentemente, estão, ao menos em parte, relacio
nadas às diferenças territoriais e ao lugar de imposição de influên
cias externas por exemplo, estações de gás nas entradas rodoviárias
da cidade, pontos de abastecimento de energia elétrica).
Além disso, uma vez que o sistema de organização é tão flexí
vel, deveríamos esperar observar não apenas continuidades físicas
de longo alcance de tais localidades, mas também continuidades das
regras características dos vários tipos de laços, tanto internamente
como com relação às estruturas supralocais em mudança que inter
ferem de fora. Assim , embora o governo ou mesmo o estado possa
mu dar , a localid ade coníín ua. Aldeias do Nordeste, como ob servou
Braidwood,
rativas, o mcomunidades bolivianas ou outras comunidades corpo
i r russo, a “comunidade” aldeã indiana e muitas ou
tras formas de localidade enquadram-se neste caso.
Duas outras características das localidades devem ser observa-
das. Pr im ei ra : os indívíduos são identificados por sua residênci a
nelas e/ou_o rigem de al guma loca lid ade — um edi mbur guês mo
rando em Kensington, Londres, ou um recifense morando na favela
Tuiutí, no Rio de Janeiro. A identificação residencial não envolve
qualquer especificação quanto à pertinência a uma comunidade ou
grupo, embora esta possa realm ente exis tir. Novamente a qu estão é
empírica e não de definição.
Segunda: a definição de localidade admite diferentes níveis,
um incluindo o outro como uma espécie deÇhierarqriia concêntrica"
— por exemplo, no Rio d e Jan eiro : Favela da Babilônia, dentro
da área chamada Lido, dentro da área chamada Copacabana, den
tro da Administração Regional de Copacabana, dentro da área cha
mada Zona Sul, dentro da cidade do Rio de Janeiro, dentro do
Grande Rio , etc . Cada um desses níveis. diz. respeito a u m çpnjun-
to de instituições supralocais, o__que também se dá como uma hie
rarquia concêntrica, ou vários níveis da primeira podem estar em
relação com vários níveis da última ao mesmo tempo.
A Sociologia do Bkasll Urbano

A amorfia, multiplicidade c qualidade caleidoscópica da orga


nização das localidades, que engendram a flexibilidade que men
cionei, são muito difíceis de serem compreendidas intelectualmente,
mesmo por especialistas. Pela^ mesma razão,^ impossível legislar a
seu favor (ou contra) ou contfólá-las por um conjunto uniforme de
sanções. O único contro le efetivo total sobr e as localidade s, que
afetaria todas as formas de organização, seria a coerção total, sobre
tudo através da aplicaç ão da força . Devido a essas condições, as
localidades são quase sempre caracterizadas por uma certa autono
mia em relação aos organismos e instituições externas, por uma
certa habilidade em se relacionar com estes como corpos indepen
dentes. Essa independência é mantida p:ilo “estofamento” for
necido pelo complexo de relações sociais da localidade contra o im
pacto dess as entidades supralocais. Nesta independência e em su as
bases sociais e ecológicas, encontra-se um locus de poder para a coo
peração com e, especialmente, para a resistência contra interferên
cias das instituições supralocais, como será visto adiante.

A Estrutura e os Recursos de Poder


Antes de continuar a desenvolver o argumento, devemos vol*
tar -no s bre vement e nara o tem a do pode r. A literatura ace rca do
poder é monumental, mas uma coisa parece cada vez mais eviden
te: uma definição de poder que se Limite estritamente, por um lado,
às prerrogativas especiais do Estado e seu pessoal ou às instituições
do Estado, ou, por outro lado, ao controle de recursos estratégicos
(que também pode, total ou parcialmente, ser prerrogativa esta
ta l) totalmente inadequada. As dime nsõ es ou signifi cados essen
ciais da noção de poder parecem ser o exercício de algum controle
iobre a situação própria de alguém como indivíduo ou grupo e a
influência na situação de outro s- Fa la r do potencial para exe rcer
tais controles me parece inútil, porque este não é observável nem
me nsu rável . O único sentido inteligível em qu e se pode fala r de
poder como. potencial équando se consideram as dimensões acima
indicadas simplesmente como a expressão na ação de um subcon
junto de'atributos empiricamente descritiveis’, dentre os muitos atri
butos possíveis“que status , papéi s ou redes de status e papéis podem
possuir (cf. Leeds, 1967 b: 335-336, nota para a definição destes
te rm os ). Os atributos em questão pare cem ser de dois tipos prin 
cipais: ( a ) um privilé gio o u direit o explícit o que pert ence ao sía-
íus, pap el ou rede por sua defi nição cultural, e, ( b ) um a posiç ão
tática conseguida em virtude da posição de alguém numa rede de
status ou papel (sem que nenhum direito seja defin ido). Tan to o
direito quanto a posição tática são usados para proteger interesses
P oder L ocal e P oder S up r alo cal 37

e prerrogativas dos status , pap éis , suas redes e seus be ne fic iár ios ,
pela aplicação de sanções, não importa como estas tenham sido
formuladas.
À observação e a mensuração do poder envolvem, então, por
um lado, a„descrição de situações nas quais controles estejam sendo
exercidos e para as quais os recursos envolvidos possam ser especi
ficados, e por "ou tro , os^síãí us,~jmpeis e redes de status e papéis
cujos atributos são direitos e privilégios ou aposições tatica s (v er
MillsQuando
," 1 9 5 6 ). tais direitos são diferencialmente
...............distribuídos entre
dois (ou mais) grupos, cada um deles concordando com o direito de
um dos grupos de exercer sanções, existe um arranjo estável, pací
fico. Onde cad a grupo define s eu próprio direito de sanções, é pro
vável que exista conflito e oposição, e que exista constante tensão e
oscilação de poder entre eles, Se posições táticas são diferencialmcn-
te distribuídas entre dois (ou mais) grupos, as relações podem ser
pacíficas ou antagônicas, conforme o grupo que controla as posições
e o grupo que não controla reconheçam ou nao a posse da posição
tática. Onde o último não reconhece e sua existência, as relações ten
dem a ser pacíficas. Onde ele a reconhece, as relações tendem a ser an
tagônicas, a não ser que não sejam possíveis direitos ou posições tá
ticas eqt^valentes.
Comnos
podemos relação
referiraos recursos
aqui dejpoder,
a~Bierstedt (1967),como ponto de que
que argumenta partida,
o
poder T em_três fontes principais: ( a ) o controle d e recursos ma
teriais ( b ) o uso de organização e ( c ) massas d e pessoas mobi lizá
veis, El e a rgu m en ta que essas três fontes de poder ^geralmente co r
respondem a três grandes classes, respectivamente: uma alta, a clas
se controladora dos recursos; uma classe média, caracterizada por
infindáveis conjuntos de associações de grande e pequena escala;
uma classe baixa, representada simplesmente pela quantidade de
pessoal — as massas.
Não é preciso refutar aqui esta argumentação para dizer que
estas três fontes de poder existiam muito antes que o sistema de três
classes emergisse na sociedade, e também que é óbvio que cada
classe, num sistema de classes, possui algum grau de controle sobre
cada fonte, embora uma delas possa predominar. Assim, os grupos
de pessoas que controlam recursos estratégicos são também altamen
te organizados (por exemplo, a Associação Nacional de Manufatu-
reiros; a Câmara de Comércio, o Ministério da Fazenda), provavel
mente o são necessariamente. As “classes” médias, organizadas pelo
menos, nos Estados Unidos, são também extremamente numerosas,
talvez ultrapassando as próprias “massas”, isto é, aqueles níveis 60-
33 A S ociologia do B rasil U rbano

ciais supostamente caracterizados principalmente por serem numero


so•s „
Todavia, e extremamente util examinar a distribuição das fon
tes de poder de Bierstedt na população como um todo para poder
mos localiza r relações de poder. Aqui, exaininaremos a distribuição
de tais fontes nas localidades e nas instituições externas ou supra-
locais com as quais aquelas se confrontam.

Localidades e Fontes d e Poder


0 conteúd o do que proc edeu foi que as R ealid ades são, na
^verdade, s egm ent os al ta m en te organiz ados da ..população....LÕlaTe são
^caracteri zadas por Uiversos graus de controle sobre ce rtos rec ursos,
íiespecial me nte recursos te m to ri ai sj e de pessoal , bem como um cer -j
íto montante de capital, mesmo pequeno (Fried, 1962). Mais im
portante, todavia, é o fato de que elas são organizadas, na verdade
altamente organizadas, porém segundo a manejxa„muito_especial que
dçscrevi, ou seja, numa estrutura multiforme, flexível, complexa.'
EnT virtude de sua posse desses recursos de poder, por mais limita
dos que eles sejam, as localidades podem ser consideradas como loci
dçjíoder na sociedade como um todo, variando conforme suas his
tórias próprias, suas bases geográficas, sua posição na hierarquia

de localidades,
Como loci e de
assim por elas
poder, diante.
podam, por conseguinte, estabelecer
vários tipos de _inter-rela ções com outros, loci de pojjer, caracteriza
dos por diferentes_conju nturas de lon tes de poder. Essas relações
podem ser muit o dinâm icas e de vários tip os — cooperativa s, hos
tis, competitivas, autônomas ou várias destas ao mesmo tempo.
As inter-relaçÕes reais observadas entre uma localidade e ins
tituições supralocais sao geralmente de vários tipos ao mesmo tem
po. As modalid ades de interação reinan tes num dado mom ento de
penderão dos vários interesses de ambas as partes quanto à relação
e à estrutura da relação mesm a. Onde várias loca lidad es diferentes,
especialmente de tipos diferentes, estão interagindo com vários tipos
diferentes de estruturas supralocais de várias maneiras diferentes, a
situação real pode tornar-se complexa e sua descrição, extremamente
difícil.
I nsti t ui ções e Es t ru t ur as S upr al ocais

Podemos, então, voltar-nos para as instituições e estruturas


supraloc ais. A expressão “ estrutur as^ supraloca is” refere-se a orga
nismos sociais para cujos princípios organizacionais qualquer con
junto dado de condições locais e ecológicas é irrelevante- ou seja,
P oder L ocal e P oder S up r alo ca l 39

em seus princípios fundamentais de ação, as estruturas supralocais


conf ront am qualque r localidad e, qualq uer "suKünidaclé~ sócto-geo-
grá fic ã do sisí emâ “"total ou suas subdiv isões , com normas ou ins
trumentos [uniformes e generalizados, organizacionais e operacio
nais]. À expressão “Instituições Supralocais” refere-se a princí
pios e modos d -2 operação de estruturas supralocais. Qualquer estru-j
tura_cuja formacão^ não seja governada pcrr, ou relacionada a, uma
d$da loc alL da de ^q ue confrbiit à "vár ias locali dades de maneira idên
tica,,) é um a ^estrutura supra local, operando com instituições supra-
lo ca ís . * ~ _____ _____
Den tre tais (estru turas e instituições ( supralocaises.tao as orga
nizações de negócios^ cm escala nacional, o sistema bancário, o mer
cado de preços ou mesmo a própria economia nacional, organiza
ções políticas nacionais (notadamente os partidos), sindicatos, am
plas associações profissionais e de interesse privado (a Associação
Médica Americana, a Associação Antropológica Americana), asso
ciações para-governamentais (como a associação dos governadores de
estado dos Estados Unidos, ou a dos secretários da agricultura) e o
próprio Estado, incluindo partes do sistema eleitoral, do judiciário',
do sistema educacional, organismos monetários, burocracias admi
nistrativas, etc.
Em conjunto, o pessoal dirigente dessas estruturas, direta ou
indiretamente, engloba os principais controladores dos recursos .es
traté gicos , isto é, de um a das significativas fontes d e poder,. Eles
são» eles próprios, altamente organizados, utilizando portanto outra
fonte de poder, embora provendo-se apenas de uma estreita gama
de formas de organização, Muitas delas envolvem um número sig
nificativo de pessoas, por exemplo, os grandes sindicatos.
Deveria ser observado, em termos de um modelo geral, que
as estruturas supralocais, taia como as organizações nacionais de ne
gócios, sindicatos ou partidos políticos, são fenômenos evolutivos
recentes. Du rante toda a história evolutiv a recen te, a estrutu ra su 
pralocal mais difundida foi o estado (como contrário ao parentesco
ou classe de idade, por exemplo, que muitas vezes seriam melhor
designados como “tran slocais” ) . Por_o ra consi derarei apen as o Es ta

do
suase interações
suas relações^ genéricas
hostis, commais
voltando as localidades, especialmente
adiante a outras em
instituições
supralocais, como as organizações de negócios e os partidos nacio
nais.

0 Est ado e a s L ocali dade s

0 Estad o e seu s organis mos, como sist emas ou cor pos soc iais ,
exercem formas de controle sobre sua própria situação e especifica
A S ociologia do B rasil U rbano

mente, éclaro, sobre as situações de outros através de uma varieda


de de instituições. Os objetiv os do Esta do são dois: prim eiro, a co
ordenação pública, administração e manutenção da ordem em toda
a sociedade, e segundo, sua própria manutenção como um grupo de
interesse especial, geralmente uma classe dominante e seus repre
sentantes.
O prim eiro, objetivo público do Estado, isto é, a supervisão
dos interesses da sociedade, é em si mesmo ambivalente, porque fre
qüentemente
sas razoes, aoo intere
interesse
sse da sociedade
privado pode
do Est ado corresponder,
e m He m an tepor
r. Ediver
st a é a
situaçã o no México contem porân eo, onde cada setor da naçã o ■—
negócio, trabalho, campesinato, Igreja, etc., cada um por seus pró
prios motivos, mas especialmente também o Estado como tal, atra
vés do aumento de seu próprio po der, objet ivos e controle — traba
lha pelo interesse geral da nação para promover o crescimento, au
mentar o consumo, ampliar a distribuição e manter a ordem.
Es ta dupla jlua lida de das finalid ades do Estado im prime em
suas relações com as localidades uma dualidade, oú talvez até me
lho r, uma polaridade correspo ndente. Às dua s fmalidades da po
laridade englobam, por um lado, relações cooperativas precisas sur
gidas de ^interesses com un s, e por out rg, antag onismos precisos e
Ju ta ! Es tá gio s in te rm ed iá rio s env olv em coopera ções ma is am bíg uas
provenientes de interessesses diferentes que podem ser alcançados
por meios comuns; relações bastante neutras de coexistência ambi
valente ou autonomia generalizada; resistência sem antagonismo
aberto, e assim por diante.
Esses vários tipos de relações podem ser vistos como uma es
pécie de escala. Quando as pr essões das instituições supralocais
sobre as localidades aumentam, as relações tendem a se^nç£rüiubar
para a polaridade. Conforme as pressões das instituições supralocais
tornam-se menos. vigorosas ou menos numerosas, a cooperação e a
1autonomia tendem a aumentar. Às aldeias ou comunidades semi-au-
tônomas da Guatemala de vinte, trinta anos atrás, a comunidade al
deã indiana, o m i r russo sao talvez exemplos do último caso. Embo
ra, em cada um destes casos, as pressões fossem sem diívida consi
deráveis, ainda assim, em sua maior parte, elas se restringiam a uma
gama muito estreita de instituições, especialmente o imposto em
dinheiro, espécie, ou trabalho. Em outros aspectos, a tendência era
deixar as localidades entregues a si mesmas para resolver seus pró
prios problemas internamente. Apenas em circunstâncias especiais
ou em momentos de crise do Estado ou da localidade, o primeiro
exercia muitas e fortes pressões, inclusive sanções militares, sobre
esta última.
P oder L ocal e P oder S up r alo cal 41

Sempre há, então, uma tendência dual. Por um lado, há o


impulso para um acordo comum com as finalidades políticas do Es
tado e operações associadas a estas, simplesmente porque elas con
tribuem para a viabilidade da prosperidade da localidade em ter
mos de ordem pública, bem estar, auxilio, instrumento para relações
exter nas, etc. Po r outro lado, há o impulso em direção a o antago
nismo contra os fins privados do Estado e operações a eles associa
das (que podem ser meramente intensificações das mesmas opera
ções que são usadas para os fins políticos públicos, mas a um grau
além do suportável) porque estes negam, ou restringem os interes
ses, bem-estar, prosperidade, etc. da localidade.
Deve-se dizer algo acerca da emergência de estruturas de ne
gócios e políticas nacionais como entidades supraloeais. Ambos,
por motivos estruturais intrínsecos, requerem acesso a grande núme
ro de pessoas para trabalho de massa, associações, votos e casa se
melhante, uma condição não necessariamente característica das es
truturas do Estado. Torna-se crucial para as estruturas de negócio
e políticas nacionais, embora cada uma a seu modo, ter acesso di
reto a, controle sobre e uso de um a massa de p essoas. Conforme a s
estruturas evoluem, elas requerem novas formas de articulação en
tre elas próprias, especialmente seus organismos de decisão supra
loeais, e a massa de pessoas cuja vida cotidiana é amplamente orien
tada para a localidade no trabalho, nas casas, nas escolas e assim
por di ante. E m outras palavras, co nforme a so cied ade evo lui, no 
vos tipos de relações complementares e duais entre as localidades e
as instituições supraloeais emergem e as antigas desaparecem.^
Qualquer situação histórica dada apresenta combinações de novos
e velhos tipos, mas, certamente, os tipos de combinações possíveis
numa dada sociedade variarão seqüencialmente com a progressão de
seu desenvolvimento.
Além disso, os dirigentes supraloeais de cada um desses tipos
de estrutu ras nacionais são, por u m lado, distintos , da .massa de
pessoal de suas próprias organizações, e, por outro, vinculam-se en
tre si. 0 vínculo é ne cessár io por que o acesso ao pode rjd ed ecis ao é
em si mesmo um recurso, e* por motivos operacionais e de valor,
deve Eles
ser mantido entresegrupos
não apenas restritos
vinculam uns de
aospessoas.
outros, mesmo quando
são concorrentes, mas devem também, ao menos num grau míni
mo , articu lar-se ao Estad o em seu papel de coordenador da sociedade..
Esse vínculos podem girar em torno de fins comuns ou de objetivos
discretos — geralm ente alcan çávei s cooperativa ^nent e. Ambas as
condições são atualmente observáveis no México nas relações entre;
o Estado e os partidos, negócios e trabalho, cada um dos quais ten-
42 A S ociologia do B rasil U rbano

dendo a tornar-se estrutura supralocal, mantendo diversas relações


complementares, multivalentes^ de oposição, cooperação, e neutra
lidade com as localidades.
O Estad o, por conseguinte, ocupa -^ m papel cliave enquanto
conjunto de instituições supralocais, primeiro porque ele é um ca
nal para e coordenador do restante das instituições supralocais da
sociedade como um todo e, segundo, porque ele não depende ne
cessariamente
trole sobre os das massasnúmeros
recursos, para seus recursos, masem
e organizações pode exercer
virtude decon
seus
propósitos públicos, no âmbito de comunidade política, de uma ma
neira relativamente autônoma e indireta.
Em geral, a evolução da sociedade envolve ajustamentos e rea
justamentos contínuos entre a localidade e as instituições de poder
supralo cal. Qualquer alte ração nos recursos ou nas instituições de
controle traz alterações nas relações de poder, alterações essas que
podem ser respondidas com mais ajustamentos ainda para compen
sar as alterações. Os sistemas de Poder, como concebidos aqui, po
dem portanto ser vistos como um equilíbrio móvel, passando oca
sionalmente ao desequilíbrio ou, por saltos quânticos, de um estado
de equilíbrio a outro.

Est ado e L ocali dade — 0 Caso da F av el a

As relações duais ou múltiplas entre a localidade, por um lado,


■e as instituiçõ es supra locais est atais e não -estatais, po r out ro , podem
ser clarificadas pelas interações entre um tipo especial de localida
de e um nú mero de estrutu ras supralocais. Fa lo das áreas pobres 4
urbanas, e referir-me-ei aqui especialmente a dados de favelas br^
sileiras10 e órgãos do Estado.

* Em inglês, slum . (N. do T.)


10 Num sentido estrito, as favelas não são áreas pobres ( slums ), mas
são aqui Se
tratadas. discutidas como
definimos umatalárea
porque
pobregeralmente
como umaassim
áreasão
de concebidas
uma cidadee
com casas decadentes, aluguéis relativamente elevados (em r elaçã o ao
salário dos moradores), praticamente nenhuma propriedade de casa, ser-
viços abaixo do padrão médio e alta densidade populacional, onde as
constru ções são em geral oficialmen te relacionadas no registro apro-
priado de ttulos, então uma favela não é uma área pobre (slum). As fave-
las, em sua maioria, são áreas em valorização existindo por meio do in-
vestimento privado geralmente de proprietários de casas pobres, mas in-
dependentes, que são posseiros em terras de outros, nas quais, com o
correr do tempo, os serviços tendem a melhorar, embora tendam também
a estar abaixo do pad rão médio. A densidade populacion al, com o nas
áreas pobres (slums) é bastante al ta, mas isso é também verdade para
^algumas sólidas áreas de classe “média” e “médiaalta” no Rio de Ja
P oder L ocal e P oder S up r alo cal 43

Resumindo, a favela é uma unidade sócio-geográfica facilmen


te observável* possuindo todas as formas de organização acima men
cionadas com o íãractCT Sticas de local idades. A favela tem uma
ecologia, ou sejfi, uma distribuição social de atividades através do
território_da_favela„conforme"atopogralia. ;3oíos e outras eòíidiçoes
geográficas, Essa dist ribuiç ão é geralmente governada, po r exem
plo, pelas florestas feeíiadas nas encostas dos morros que dividem o
Rio de Jãnêirõ~em segmentos as cpxais constituem esconderijos para
crim
para inosos, enqu anto
lojas e outras que as_ruas"
atividades na base
econômicas e parad os m orros_são lo
o abastecimento decais
água e energia elétrica . Assim, a favela, territorialm ente, se subdi
vide em zonas socialmente especializadas que moldam suas ativi
dades diárias,
No conjunto, as favelas mantêm suas própria ordem, um ver
dadeiro empenho semelhante ao comun itário. Cham ar a po líci a —
um a organizaçã o supralocal — é rigorosamente evitado . Todavia,
o crim e não gras sa n a favela e mesm o, n a ausênc ia-d os agen tes do
Est ado — ■a polícia — a .OEíí.epL publica égeralmentejbem estabele
cida.
A favela écomplexarxiepte. organizada.pelo parentesco, pseudo-
parentesco, ambiência, amizade, grupo de trabalho, cliquè, vizinhan
ça , vínculos a ssoc iativos e ou tros ti pos de laços. 0 comportamento
social da favela compreende um fluxo constante entre estes, pelo
menos na medida em que a interação se desenrola dentro da locali
dade, ponto ao qual volto adiante. A importância da vida associa
tiva não de ve ser subesti mada, ao menos n o Bras il. Evid ência re 
cente indica que muitas favelas têm uma estrutura extraordinaria
mente elaborada girando em torno de Clubes de Carnaval. Atual
mente, muitas favelas, ao menos no Rio, têm também associações
cívicas que fornecem ponto s de organização centralizadores. Da
mesma forma, todas as favelas possuem vários tipos de associações
religiosas.
Todavia, deveria ser asinalado.que as relações sociais que ocor
rem numa íavela são predominantemente de tipo pessoal, próximo,
fato que le vou, mu itos a utore s.a f alar em das “ áreas pobres11 (n o sen
tido de áreas ocupadas por posseiros) da América Latina como “ru
rais11 na estr utura so cial e de valo r (c f, B onill a, 19 61 , 1 9 6 2 ; Pear-
se, 19 5 7; e tc ). 0 atr ibu to de rura lidad e éconferido muito embora

neiro, como partes da área Sul de Copacabana, com cerca d e 3000 habi-
tantes por hectare ( cedug , 1965:152, 153). O que s e aplica às favelas do
Rio aplicase também às barriadas de Lima (ver Mangin, 1967; Turner e
Mangin, 1963) e áreas ocupadas por posseiros em outras regiões da Amé-
rica Latina.
44 A S ociologia do B rasil U rbano

os moradores de bairros pobres tenhamimigrado não de áreas ruraisT


ma s' de^ idad es, onde, presumivelm ente, os imigrantes deveriam ter I
apre ndido formas de vida urbanas. A vatribuiç ão é conferida a té1
quando os habitantes da favela e a própriíTtaveia estiveram i n s it u
por duas, trê s, quatro ou mais gerações. Descrições d e áreas pobres
ou corti ços cariocas d a últim a metade d o sécu lo X I X (c f . Azevedo ,
1 89 1 ) n são not avelmente semelhante às de meado s do século X X .
Observadores de favelas parecem ter ficado muito impressio
nados pelas semelhanças entre a (.suposta) organização rural e a or
ganização da favela, e daí em diante falaram das favelas como sen
do rurais em estrutura, ou como sendo enclaves rurais na cidade
(Bonflla, 1961, 1962; Pearse, 1957, 1958, 1961), apesar de mui
tos dados siginificativos que tomavam tais descrições enganosas ou
totalmente errôneas.
Quanto a este aspecto, já falei da existência de yií}a_associati-
va na favela,, o que é um traço nao amplamente característico das
áreas campo nesas ou rura is do Bra sil. Mencio nei um alto grau de
especialização ecológica e social. H á também, todavia, outras evi
dênci as contrárias a esta r uralida de. Po r exemplo, parece que den
tre aqueles moradores que vieram realmente diretamente de áreas
rurais, ocorre geralmente uma rápida modificação no sentido da
adoção 'de valores urbanos (cf. Cate, 1962, 1963, 1967, e outros).
Èm segundo
liar se lugar,
altera (cf. há bastante
Hammel, çvidencia
1961, 1964) de que anoestrutura
por exemplo, fami
sentido do
casamento consuetudinário periódico, de grupos familiares matri-
çentrados, de um estreitamento do âmbito operacional para duas
em vez de três ou qua tro gerações, como no campo . Outra form a
de dizer isso é que a distribuição demográfica segundo a idade e o
sexo encontra-se muito alterada em relação aos padrões rurais. Ou
tras evidências serão discutidas [ligadas adiante às relações externas
da favela].

11 O cortiço já não existe no Rio , com poucas exceções. Era uma casa
de cômodos, construída por especuladores imobiliários para aluguéis de
baixo rendimento» numa dupla fileira com um conjunto banheiros em um
dos extremos ou no centro do pátio onde se encontravam também tor-
neiras
Grande e parte
tanques
da de
vidalavar que serviam
comunitária a todo nesses
centravase o conjunto
locais de quartos.
comuns da
casa de cômodos e em torno das torneiras e tanques. Os moradores do
cort i ço parecem ter sido um dos focos a partir do qual as populações das
favelas começaram a se formar, por volta da passagem do século e pos-
teriormente, na medida em que os cortiços decadentes eram gradualmen-
te destruídos, sendo a maioria substituída por habitações de aluguel mais
elevado. Com relação à questão da urbanidade dos moradores da favela,
ver Leeds e Leeds, no prelo.
P oder L ocal e P oder S üp r al oc al 45

De todas essas circunstâncias, surge a pergunta: por que as


rel açõ es próximas — apar ente mente “ru rais” — exi stem, ou, se 
gundo o pensamento corre nte , persis tem na favela. Parec e-m e que
parte_da resposta está não ein suas srcens (ou seja, persistência),
mas no fato de que estas relações, dadas a ecologia e a demografia
da favela, devem forçosamente se r próximas. A outra parte da res
posta^ a mais_importante, está nas relações da fãveía com o contex
to süpralocal. Argu me nto, portanto, q ue a continuidade a l ongo
prazo daqueles aspectos das favelas que os observadores chamam
de “rurais” é uma questão funcional, e apenas incidentalmente
uma questão de srcens (ou história), especialmente quando a fa
vela é considerada no contexto das estruturas e instituições supvalo-
cais, como tentarei mostrar.

Favelas como L ocal i dade s “ v er sus” I nst i t ui ções


e Estruturas Supralocais

Como veremos essas características ecológicas, sociais e legais


de favelas ou de áreas pobres que estivemos discutindo? As concep
ções de poder íocal, instituições de poder süpralocal e suas relações,
são úteis aqui.
As favelas, faem como as áreas pobres, no Brasil e sem dú
vida igualmente na América Latina e em outras partes do mundo,
confrontam-se com um conjunto de estruturas altamente organiza
das que controlam os recursos estratégicos, toingm decisões, e ope
ram com relação à comunidade política como um todo, isto é, supra-
localmen te. As estruturas operam tanto isoladamente , por di reit o
nato, quanto articuladas entre si, especialmente através do Estado.
As exigências supralocais sobre a favela tomam a forma de ta
xas, aluguéis sobre o solo, taxas sobre serviços, recrutamento, pres
são ou interferência policial, e, certamente, solicitação eleitoral e
recru tam ent o pára o trabalh o. Ta xa s, aluguéis e i mpostos^ sobre ser
viços e instituições similares são instituições supralocais que^drenam
de forma notável, os parcos recursos da localidade, seja ela favela
ou bairro pobre . Como regra, a organiza ção social da favel a apa
rentemente mitiga, ou melhor, exerce certo poder de resistência con
tra essas drenagens, a não ser que as exigências sejam impostas de
masiado opressivam ente. Sem o conhec imento dos órgãos s upral o-
f ca is , 3 organização social pode servir para redistribuir os njagros
j recursos entre os moradores da favela ou de áreas pobres por meio
J jde me can ism os de aju da m ú tu a, ou algo pa rec id o, de fo rm a a di-
imin uir a par ce la a pro pri ada pelos órg ãos. E la pode opera_c_ fazendo
uso “ ilíc ito ” dos serviços. Po ae aju dar a reduzir ou desviar o pa-
46 A Sociologia do Brasil Urbano

gamento de aluguéis mantendo toda a informação acerca de constru


ções não autorizadas rigorosamente dentro da comunidade da fa
vela, onde a entrada de fiscais com objetivos de inspeção é difícil
ou pouco salutar.
A organização social da favela ou área pobre funciona como
um sistema de comunicações altamente complexo mas eficaz que,
apesar das condições limitadoras sob as quais opera, ajuda a maxi
mizar as vantagens a serem extraídas dos órgãos externos e seu pes
soal, e a reduzir a tensã o ( c f . pp aci m a ). Estes e v ários outro s pro
cedimentos só podem ser desenvolvidos por formas de organização
que operam especificamente nas unidades locais, ecológicas.
Todavia, a resistência da favela e do bairro pobre pode ser
mais ativa, como hoje no Brasil, onde favelas, geralmente por meio
de associações cívicas, têm enfrentado judicialmente práticas de
alugue l injus tificad as. A lei també m foi usada com outr os propósi
tos ultimam ente. Ou seja, a favela , como um a localidade, age co mo
um a pessoa jurídica contra a pres são externa . Pa ra fazê- lo, ela se
utiliza de instituições associadas aos fins do Estado, quanto à co
munidade política, tanto contra interesses supralocais não estatais,
como contra interesses do Estado como pessoa privada.
* & Todavia, d e um po nto de vista externo, o recurso mais impor
tante da favela ou do baiTro pobre é, certamente, a massa de gente:
num luga r como o Rio, ond e tal vez 20 -2 5 % da po pula ção da ci dade
Vive em favelas “não-visíveis”, estas constituem parcelas signifi
cativas do eleitorado e da força de trabalho. Constituem també m,
em potencial, amplas forças de greve e rebelião. Como uma força
eleitoral e de trabalho, do ponto de vista das estruturas supralocais,
.elas devem ser mobilizadas como meios para alcançar os fins do.
pessoal supralocal; como uma força potencial de greve e desordemJ
[elas dev em ser contidas ou ativamente reprimidas — tarefas con
traditórias das instituições supralocais entre as quais estas necessa
riam ente oscilam. Essas relações são cara cter ística s de certos tip os
de sociedade nas quais a exploração das massas é importante para
a economia e a política, ou seja, sociedades capitalistas e possivel
mente outras baseadas no lucro privado sobre o controle de recur
sos. Essas tarefa s jsontraditórias_ prescrevem um a série de relações j
com a localidade que a localidade, por sua vez, explora tanto quanto
possível ou das quais escapa por meio de suas formas próprias de or
ganizações e pelo uso de seus recursos de poder disponível, extre
ma me nte limitados como pode ser a mai oria deles . Assim , por
exemplo, os partido s, por u m lado, e o Estado em seu papeF social,
por outro, são levados a fazer favores, realizando trabalhos públicos,
P oder ' L ocai , e P oder S up r alo ca l 47
i
provendo o bem-estar e conforto aos moradores_das favelas. Isto é .
ocorre uma distribuição de. recursos das estruturas supralocais pa ra
as localidades, a çjual* ainda que limitada, ajuda a .assegurar a_yia-
Klidpdc da localidade, cujas sanções são a greve, a desordem, a não*
cooperaçao, ou mesmo a oposição direta,por meio da eleição, de
recursos legais, e assim por diante. Ou seja , uma respost a tanto
aos at ributos de^síaí us quanto às p osições táticas — em ou tras pa
lavra s, ao poder — é_ produzida.
Por outro lado, quando os organismos supralocais tentam ati
vamente reprimir, a pressão pode ser minimizada através da orga
nização flexível da fav ela ou do bairro pobre. A localidade po de,,
por exemplo, usar sua estrutura social para dar sumiço a pessoa~ou|
pessoas procuradas pela polícia, fazer com que bens e materiais desa
pareçam, recusar informação, enganar e iludir com grande consis-i
tcnc ia, e assim por dian te. Ning uém e nada pode ser encontra do. A^
única solução para o órgão supralocal é a eliminação da própria lo-
calidade . No B rasil, ocorrera m exempl os di sso, como qu ando uma
favela_do Rio foi queimada com a justificativa' de que estava^ãbri-
gando criminos os. —
Em suma, com_relação à organização local da favela, pode.se
dizer que a viabilidade e a continuidade a longo prazo das fpvelas
como fenômeno pode, de forma considerável, ser garantida por sua
efetividade enquanto loci dc poderr para opor-se, desviar-se ou utili
zar-se das pressões das instituições supralocais no interesse da lo
calidade, especialmente so b condiçõe s altamen te tensas. Pode-se di 
zer também que seus chamados atributos rurais não sao dc forma
algum a n ecessaria men te, rur ais , m as adaptações organizacionais funW
cionãlmente mais efetivas nojçontexto urbano , em vis ta de seus re-
cursos "econômicos^ sociais e institucionais. Qualquer outra alterna
tiva de organização para a ampla massa de moradores da favela ten
de a colocá-la numa condição pior, dadas as bases exploradoras da
sociedade, acima referidas, do que naquelas nas quais são constran
gidos a viver na favela — um fato que d eve se r lev ado em conta
em todo planejamento de desenvolvimento, habitação ou remoção
urbana.

G ener al i za ções e Con cl usões

Generalizando a partir do material da favela, eu proporia..para.


consideração que,muitas, se nao todas, ag continuidades duradouras
de lacalidades (tais como as comunidades corporativas bolivianas, as
localidades (tais como as comunidades corporativas bolivianas, as
aldeias do Oriente Próximo que Brandwood cita como estando em
continuidade com os tempos antigos, ou as comunidades aldeãs da
49 A S ociologia do B rasil U rbano

índia), em oposição ^ relativa mutabilidade -dos Estados que foram


e yier.atp* íürmaram-se e reformaram-se, através da história, podem*
ser compreendidas nos termos da concepção de poder local aqui
aprese ntada. A explanaç ão parece-me mais poderosa na medida em
que recursos territoriais para a produção de alimentos e ação mili
tar estão envolvidos na situação da localidade (cf. Leeds, 1962).
Quanto ao ultimo aspecto, como um exemplo, parece simples
compreender a lentidão do desenvolvimento agrícola soviético, ape
sar de, ou melhor, por causa das constantes, vigorosas e por vezes
violentas pressões supralo cais. Às populações agríc olas que se desen
volveram tão lentamente sao agrupamentos de localidades sob pres
são, resistindo de maneira diversa às atenções supralocais enquanto
preservaram seus próprios interesses (ainda não descritos).12
Uma revolução real na agricultura envolve a demolição de for
mas antigas de poder local e sua substituição por novas formas ou
pelo total controle supralocaL13 A implantação das comunas chine
sas pelos órgãos supralocais da China Vermelha significa exatamen
te esta demolição dc antigas formas e sua substituição por novas,
exatamente como sua implantação pela Revolução Cultural foi des
truidora dos traços locais c extensões translocais da família arcaica,
pa tria rca l, extensa, detento ra de cap ital. As implicações deste tipo
de análise para a reforma agrária e o desenvolvimento comunitário
parecem-me numerosas, mas não podem ser desenvolvidas aqui.
Em suma, as localidades podem ser vistas como loci de certas for
mas de poder, geralmente numa condição bastante atenuada; as es
truturas supra-locais, como loci de outras formas de poder, cuja
intensidade de concentração e aplicação pode variar muito no de
co rrer do tempo. Localidades e est ruturas supral ocais, com sua s
respectivas formas de poder, estabelecem uma variedade de relações
opostas, cooperativas, complementares e de outros lipos que consti

12 Os cientistas sociais soviéticos apenas nos últimos anos começaram a


reconhecer que há realmente uma necessidade aqui, e que aspectos dc
“valor” e “psicológicos" desempenham um papel mais ativo na sociedade
do que eles teriam gostado de admitir. A h da cedo rcconhcceu isso e
permitiu que mais interesses locais operassem abertamente na agricultura,
tendendo a preservar, ao menos em parte, as organizações sociais locais
do trabalho» apesar de a propriedade se ter tomado amplamente coletiva
(entrevista com o comitê administrativo dc uma fazenda coletiva pró-
xima a Leipzig, w >a , agosto de 1964).
J3 Muitos projetos de reform a agrária não são dc lodo revolucionários
neste sentido, mas tendem antes a promover a ossificação de formas an-
tigas da organização Iccal. Muitos dos projetos parccemme então fadados
ao fracasso desde o com eço. Urna vez que eles são quase que tota lmente
formuladas pelo pessoal dos órgãos supralocais, podese muito bem in-
dagar acerca da função de tais fracassos.
P oder L ocal e P oder S üp r alo ca l 49

tuem uma das mais importantes estruturas da sociedade total, em*


bora tenham si do amplamente negl igen ciad as na literatur a. Elas
requerem m uita pesquisa de base. Fa ze r tal p esquisa reque r a esp e
cificação daquelas formas de estruturas e instituições nacionais que
quase sempre são, na melhor das hipóteses, tratadas perifericamen-
te nos estudos antropológicos, embora seja especificamente o cará
ter süpralocal ou nacional destas entidades que vincula as comuni
dades ou localidades a um único sistema. Precisa-se, então , de
descrições antropológicas conceitualmente bem formuladas das ins
tituições nacionais, das localidades e comunidades e dos arranjos de
suas relaçõe s. Apena s ent ão seremos capazes de desenvolve r teorias
adequadas acerca da mudança e resistência à mudança.

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III

Carreiras Brasileiras e Estrutura Social:


Uma História de Caso e um Modelo

A n t h o n y L eeds

(Versão revista do trabalho lido para a Sociedade Antropológica


de Washington, D .C ., 16 de outubro, 1962 )

A pesquisa que relatei é interessante para mim, não tanto pe


los dados em si mesmos, embora eles jamais tenham sido apresenta
dos e tenham uma certa fascinação intrínseca, mas antes porque ela
é sobretudo uma confirmação detalhada do que eu já conhecia am
plamente a partir de reflexões teóricas e algumas observações es
parsas. Com efeito, eu já havia descrito meus resultados de campo
antes de ter ido ao campo: será interessante rever brevemente como
isso ocorreu e considerar posteriormente suas implicações mais am
plas.
Durante algum tempo, estive buscando uma tipologia de so-
çiedades organizadas
ca da ..função, em Estado
da estrutura total, eque
da se baseariadas
trajetória numa visão sinópti
sociedades, mais
do que, como em certas tipologias anteriores, em um ou alguns tra
ços ou sintomas.1 O objetivo de tal tipologia é fornecer uma base
para comparação com o intuito de investigar as seqüências de de
senvolvimento, suas regula ridades e buscar leis gerais do desenvol
vimento sócio-culturaí. 0 exame de casos únicos sem uma tipologia
1 C f. Steward, 1 949; Benn ett, et al; Meggers.
56 A SocïOLOGiA do B rasil U rbano

nega a possibilidade de generalização acerca 'dos processos ou meca


nismos descritos para cada caso e exclui qualquer precisão que
não em bases intuitivas. Tais bases são, de qualquer forma, em ge
ral implicitamente tipológicas, envolvendo afir mações com o “ meu
povo é semelhante a algum outro povo. . . conseqüentemente, , . n
Dois tipos de sociedades organizadas em Estado, parecem ca
racterizar as últimas fases conhecidas da(çvoJu^ílo jçuítüráD Cha
mei-as de "sociedade estático-agrária” e “sociedade expansivo-in-
dustrial” . A primeira é representada pela Europa feudal, a índia
pré-colonial, os grandes despotismos orientais, o Haiti, e outros paí
ses latino-americanos, muitos países do Oriente Próximo e assim
por diante; a última pela Alemanha, urss ? exja , Inglaterra e ou
tros a eles semelhantes. Precedendo o_tipo estático-agrário de socie
dade encontra-se a "socied ade expansivo-agrária” , cujos exemplos,
como os primeiros impérios mesopotâmicos, estão extintos. Pode-se
sugerir oue u m tipo “ estático-industrial” de sociedade sucederá aos
expansivo-industriais existentes‘ atualmente, e pode-se tentar deli
near as características de tais sociedades e o mundo em que elas
serão predominantes.2
Sem entrar em detalhes aqui, a sociedade jsstático-agrária pode
ser descrita como tendo todos os recursos e riquezas fundamentais,
e alocando seus recursos básicos de trabalhos, equipamento técnico
e os demais em torno da agricultura. Conseqüentemente, as princi
pais características sociais — a divisão do trabalho, administração e
supervisão, estrutura comunitária, comunicações, estrutura social de
guerra e poder, o própri o Estado — moldam-se pela extensa rela
ção tecnológica com a terra utilizada para plantações. A íntima re
lação da ordem social total com as localidades e estruturas comuni
tárias localizadas produz relações próximas de parentesco e pseudo-
parentesco como mecanismos organizacionais.
A sociedade expansivo-industrial obtém sua riqueza e recursos
fundamentais e aloea todos os seus recursos básicos em torno da in
dústria. A agricultura torna-se, primeiro, em certo sentido, gubor-
dinada_ à indústria, econômica, política e ideologicamente, e depois
tòrna-se ela mesma industrializada em tecnologia e organização
Todas
sas as principais
relações características
tecnológicas sociais recursos
com os múltiplos são moldadas pelas para^J>
relevantes exten
consumo industrial (dentre os quais as plantações são importantes
como material na o-alimentício). 0 padrão_ ecológico fundament al
é multirregional, tendendo ao global, e, conseqüentemente, as so
ciedades tendem a ser exocêntricas política e economicamente, ten

2 Cf. Gu ard ini, 1956.


C arreiras B r asi l ei ras e E strutura S ocial 57

dem a maximizar relações translocais às expensas das relações locais


e comunitárias, e tendem a operar através de instituições e associa
ções supra-locais altamente organizadas. Tais características ten
dem a fazer com que estas sociedades se expandam econômica — o
chamado crescimento segundo o modelo do take-off — , demográfica
e politicamente. Na expansão elas revelam instituições de imple
mentação de política características tais como o colonialismo, o in
vestimento estrangeiro, a hegemonia política internacional e assim
por diante.
A aparência pura da sociedade expansivo-industrial é a dc um
crescimento evolucionista a partir do feudalismo ocidental, através
de várias fases, sendo as fases intermediárias, em si mesmas, formas
de sociedade substancialmente integradas e coerentes. Todavia,
uma vez tendo ocorrido o desenvolvimento puro, todo tipo de justa
posições de formas societais pode ocorrer em situações de acultura
ção. Assim, sociedades expansivo-industriais total ou parcialmente
desenvolvidas podem encontrar-se em várias formas de contatos de
aculturação com sociedade estático-agrárias em diferentes estágios
de desenvolvimento, ou em fases iniciais pós estático-agrárias, pro
duzidas por evolução independente.
Podemos, com base nestas ohservaçÕes, considerar várias hipó
teses.8 À primeira
estão mais é que
ou menos onde as duradouro
em contato culturas destes dois tipos
e vigoroso, polares
as institui
ções de amhas operam numa rede de entrelaçamento característica.
Poder-se-ia esperar encontrar aspectos característicos da organiza
ção expansivo-industrial ligados a instituições feudais típicas ou es
tático-agrárias. Poder-se-ia esperar que aquelas entidades sociais da
organização industria l — tais como corporações, insti tuições públi
cas ou privadas, sindicatos, sistemas administrativos, escolas voca-

3 Estas hipóteses foram em p arte induzidaspela observação da existên


cia do autodidata e do ocupante de múltiplas posições no Brasil. Elas são
apresentadas aqui como deduzidas de princípios evolucionistas gerais, uma
vez que pretendem ser modelos mais gerais para este tipo de sociedade
“ em transição” . Isto é, com base na teoria e nas hipótes es deriv adas,
deveríamos espera r encontrar fenôm enos similare s ou relacionados em
outras sociedades em transição da estático-agrária para a expansivo-indus
trial, ambas em situação de aculturação, e também na própria seqüência
evolutiva. As hipóteses acima apresentadas deveriam ser comprováveis na
história européia, digamos, nos séculos XVI-XIX. Se os dados confirmam
as hipóteses, o argumento teórico se fortalece; se não, pode-se primeiro in
vestigar as conseqüências da afirmação de que a evolução de um sistema
puro e a aculturação entre dois níveis evolutivos não são a mesma coisa, de
forma que diferentes resultados devem ser esperados de cada um. Todavia,
personagens como Michelangelo, Rubens e Goethe sugerem a confirma
ção da hipótese.
58 A S ociologia do B rasil U rbano

cionais e profissionais, etc., que são fundamentalmente relacionadas


à tecnologia —- quando introduzidas na sociedade estático-agrária,
fossem interpenetradas ou articuladas por laços caracteristicamente
“ feudais” com o o parentesco consanguíneo ou afim, parentesco ri
tual, amizade, relações de apadrinhamento e uma variedade de con
tatos próximos interpessoais não-formalizados, qualitativa e quanti
tativamente diferentes das relações encontradas na sociedade indus
trial.
Uma segunda hipótese diz respeito à expansão transformacio-
nal das oportunidades sócio-econômicas. Sob o tipo de relações in-
terculturais aqui descritas, a justaposição de dois (ou mais) amplos
complexos de culturas de nível mais elevado e mais baixo produzirá
uma rápida e contínua multiplicação de novos setores econômicos,
novas ocupações, novos ^status, na sociedade de nível mais baixo.
Esta é, com efeito, a condição da grande maioria dos chamãdosTJãíi>
1(ses subdesenvolvido^)hoje. Segue-se que, em tais condições, esperar-
se-ia uma constante falta de jpessoal para preencher as posições
emergentes da estrutura de oportunidades em expansão, porque as
instituições educacionais inexistiriam ou seriam inadequadas para
o treinamento. Diferentes soluções para este problema podem ser
sugeridas:

1. importação de pessoal;
2. criação interna de pessoal novo mais ou menos ao acaso,
especialmente por auto-instrução ou “ autodidatismo” , até
que o treinamento seja curricularizado;
3. a multiplicação das posições ocupadas por qualquer dado
indivíduo.

A importação de pessoal é intrinsecamente limitada pela ofer


ta disponível e pelo custo^da importação, apesar de servir a um
número relativamente pequeno de novas posições. Também é ape
nas uma solução temporária e incerta, uma vez que não é institu-
cionalmente criada no interior do próprio sistema social. Mais fre
qüentemente, poder-se-ia esperar tanto a ocupação de posições _por
pessoas
um totaldeouposições
número parcialmente autotreinadas,
muito diferentes como
por um a ocupação
único indivíduo,de
freqüentemente autodidata.
Como corolário desta hipótese, esperar-se-ia que .a ocupação de
múltiplas posições e o autodidat^mo fossem complementares, uma
vez que um homem na posição A, em alguma organização, vendo
uma nova oportunidade disponível, B, para a qual não existem
1 ocupantes, pode-se dispor a adquirir certa dose de treinamento que
C arreiras B r asi l ei r as e E strutura S ocial 59

o capacitará para preencher a posição B. Em vista da natureza dos


vínculos sociais mencionados na primeira hipótese, é de seu interes
se manter conexões com a primeira organização através de seu car
go na posição A, ao mesmo tempo em que estabelece novas conexões
através da posição B. Além disso, podem existir realmente pressões
para o não-abandono de A, uma vez que não há ocupantes disponí
veis para preencher a posição que ele deixaria.
Um segundo corolário é que a entrada para a posição A pode
ser vista como preliminar para a entrada na posição B, ou pode
preparar tal conexão mesmo quando não prevista. Isto é, A pode
servir de trampolim para B. A entrada na posição A pode mesmo
envolver a criação da posição A como um prelúdio para o pulo para
B. Quando este é o caso, a mudança do ocupante para B faria de
saparecer seu interesse na posição ou organização A, que morre ou
permanece institucionalmente moribunda. Esperaríamos encontrar,
no presente ou passado recente, certo número de tais posições ou
organizações mortas ou moribundas.
' .4 pesquisare alizada no Brasil durante junho e julho de 1961
pretendeu não apenas mostrar que as instituições descritas nas Hi
póteses existiam, mas também obter histórias de casos para ilustrar
como estas^ instituições funcionam, e como opera a dinâmica inter
na da organização.
II

Podemos agora voltar-nos para a pesquisa propriamente dita.


No decorrer de uma estada de duas semanas no Brasil em novem-
bro último, algumas observãçõe^bãstante dissociadas me marcaram.
À palavra “ autodidata” começou a registrar-se em meus ouvidos
após ser ouvida várias vezes. 0 autodidata começou a aparecer para
mim como um importante fenômeno no Brasil, como mostrou sc-lo
em muitos outros países~3a América Latina que visitei. Indagando
acerca do autodidata e de sua srcem, o fenômeno do exercício de
múltiplosjcargQs, para o qual os brasileiros têm um termo, o cabide
de^ emprego, começou a assumir uma importância teórica cada vez
maior.
•c
Os dois fenômenos pareciam, por intuição, estar significativa
mente ligados e ambos relacionados a uma estrutura de oportuni
dades em rápida expansão induzida por aculturação. Em tais con
dições, tende a haver, em geral, mais posições vagas do que pessoas
para ocupá-las. Ambos os fenômenos, o do autodidata e o do cabide,
pareciam ser funções desta situação, altamente adaptadas a ela, e
A Sociologia do Brasil Urbano

de grande utilidade para as operações interi^ts da sociedade, não


importa como as pessoas se sentissem acerca de seus excessos.
Hipoteticamente, argumentei^ gue o cabide deveria representar
um vínculo social numa sociedade em que, devido a sua rápida
transição, os vínculos contratuais padronizados de uma sociedade
industrial totalmente organizada ainda não se desenvolveram ou
foram organizados. O cabide se tornaria possível pela ausência do
que podemos chamar de trajetórias curricularizadas para os status
como as que,
industrial em sua0^maioria,
avançada. fenômeno caracterizam a sociedad.e
do autodidata pareceria expansivo-
ser fun
ção desta falta de curriculaxizagão.
Üma vez que, hipoteticamente, o cabide parecia ser um vínculo
social importante, e a curricularização parecia estar amplamente ay-
sente? levantou-se a questão de quais eram os mecanismos íntimos
pelos quais o cabide surgia e como, uma vez surgido, ele operava
no sentido de interligar várias entidades organizadas na sociedade
brasileira, em grande parte frutos de aculturaça0)ou difusão das so
ciedades altamente industrializadas, entidades tais como institui-
coes burocráticas, novos setores de universidades, estruturas admi
nistrativas, serviços públicos, etc. Foi para rejeitar ou confirmar
as hipóteses e para responder a essa questão que a pesquisa foi em
preendida.
Todavia, uma vez que várias esferas convencionais da socie
dade, como a burocracia, o Exército, a Igreja, o mundo de negócios,
etc. permaneceram praticamente não descritos em sua organização
interna ou em suas inter-relaçÕes, foi. necessárioJesenvolver algum
tipo_de_modelo^ operativo para avaliar as atividades do autodidata e
3o cabide. Para este íim, julguei útil o^modelo apresentado pelo Ur.
Anísio Teixeini,4 embora na época achasse que ele não correspon
dia ao que eu conhecia do Brasil a partir de meu trabalho de cam
po prévio. Apesar disso, já havia, há muito, aprendido que as per
cepções de Teixeira geralmente davam muitas dicas úteis para
qualquer fenômeno em discussão. Além disso, o modelo, por sua
própria desarticulação, era estruturalmente compatível com o fenô
meno do cabide. Assemelhava-se ao diagrama apresentado no
Quadro 1. (Concebi os cabides, todo o tempo, como ligando estas
oligarquias*, fornecendo sua organização interna e entrelaçando
as várias esferas da sociedade acima mencionadas. Ao mesmo tem-
4 Tei xeira , 1962 e conversas.
* Na conc epçã o de An ísio T eixeira, as entid ades a que ele s e refere
com o oligar quias e grupos de interesse incl uem não apen as "o s pou cos ” ,
mas aqueles “muitos” que estão organizacionalmente ligados aos primei
ros, Teixeira uso u também a expressão “ grupos de pressão” para es tas enti-
* dades (Te ixeira, 1962, Revolução e Educação, mimeo.).
Quadro 1

Modelo do Dr. Anísio Teixeira


da Estrutur a de Poder B rasile ira:
Relativa a Grupos Políticos de Pressão

N ot a: De ve ser assinalad o que cada coluna represe nta um grupo de


pressão ou oligarquia que é descrita como operando na cúpula acima dela.
Devia também ser observado que os indivíduos, qua indivíduos, que com«
põem as oligarquias não estão necessariamente em níveis de salários, pres
tígio e pod er comparáve is: estes critérios de estratif icação comun s são
social-estruturalmente irrelevantes aqui. As linhas pontilhadas representara
os níveis de “classe” dentro das oligarquias.
62 A S ociol ogia do B rasi l U rbano

po, eles fornecem os nós sociais cujas interconexpes complexas criam


a divisão entre o que, por conveniência, podemos chamar de “ clas
ses” e “massas” .
No_ Brasil, esta divisão entregas “ massas e _as. “ classes1^—foi
chamada de “'colonização interna já jjue? em sua essência^ ela
está muito próxima da relação entre a naçao colõnizãdora e o jgovo
colonizado, ambas ocupando todavia o mesmo território. É uma si
tuação encontrada em todos os países americanos, inclusive os Es
tados Unidos, onde grandes populações nativas foram conquistadas,
ou nos quais grandes populações escravas forain introduzidas na po
sição social equivalente àquela das populações conquistadas. _Já
que as “ massas” são a base e toda a fonte da economia interna das
^classes”, os sistemas totais são muito mais resistentesa mudança
do que no caso das colônias, que constituem uma economia com
plementar a economia doméstica do país colonizador. Nas condições
latino-americanas, o “ coloniz ado” e os ^colo nizadores” não podem
separar-se fisicamente um do outro, com a possibilidade subsequen
te do estabelecimento de inter-relações independentes, simplesmen
te porque as classes existem no mesmo território que as jnassas e
sem outro acesso aos_recursos fundamentais..0
Aqui, estamos preocupados sobretudo _çom_a estrutura interna
' e com a dinâmica das classes, e mais jispecijícamente com a entrada
para as2 e com as operações das mais altas posições jao_intcrior dãs
classes. As massas estão suficientemente separadas das classes, de
modo que sua organização- interna e sua dinâmica são irrelevantes
.para a descrição das classes. Elas requerem uma descrição separada,
descrição essa que valeria a pena ser feita, uma vez que as massas
vsão praticamente desconhecidas no Brasil e em outros países. Nem
mesmo sabemos se há diferenciações hierárquicas estruturais no in-
teriõF das jnassas.

III

Uma vez que as hipóteses gerais afirmam que as conexões en

tre organizações,
terna das classes as ligações através
mantêm-se entre oligarquias e a organização
de vários tipos de conexões in
pes-
5 Teixeira» 1953, 1957, I960, 1962; também conversas, 3951-2, 1961,
1962. Cf* também Leeds, 1957. O termo “massas” é tomado de Teixeira,
mas o de “classes” é meu. "Classe” talvez descrevesse melhor a situação,
pois não há clara separação em subdivisões.
6 Os Estados Unid os têm ambas as situações, contribu indo para extre
mas tensões dos dois sistemas que se atravessam um ao outro, em con-
• flito.
C arreiras B r asi l ei ras e E strutura S ocial 63

soais, e também que se esperaria o movimento de posição para po


sição e a ocupação de muitas posições por uma única pessoa, seguiu-
se que a maneira mais incisiva de descobrir os mecanismos inter
nos do sistema era acompanhar as carreiras dos indivíduos enquan
to se movem através de suas histórias de vida, estabelecendo cone
xões e movendo-se de entidade social para entidade social. Conse
qüentemente, a primeira técnica de pesquisa consistiu em entrevis
tas com informantes selecionados possuindo as características do
cabide e freqüentemente autodidatas. Era nosso plano selecionar
casos de todas as esferas importantes ou de todas as oligarquias im
portantes.
Desejávamos também selecionar representantes de cada_ gera
ção, de formada, mostrar o aumento da clirricularizaçao em qualquer
esfera a partir do momento em que tal esfera se tenha estabelecido.
A hipótese pode ser aqui apresentada através do diagrama do Qua
dro 2, Tomando representantes, digamos, de três gerações de carrei
ras com relação a qualquer tipo de atividade, deveríamos ser capazes
de documentar o processo real de mudança da sociedade no sentido
de uma maior organização, do qual o treinamento curricularizado
para posições sociais é um sintoma., conforme aumenta a dedicação-
aos fins intrínsecos à carreira.
Em terceiro lugar, dado que até muito recentemente o Brasil
possuía províncias e estados relativamente autônomos, ecológica, eco
nômica e historicamente muito diferentes, segue-se que as estruturas
sociais em si mesmas e como contextos para carreiras deveriam dife
rir amplamente. Na verdade, elas podem ser colocadas numa escala
hipotética de desenvolvimento e atraso. Poder-se-ia esperar que
uma ordenação dos estados brasileiros fornecesse uma representa
ção espacial do desenvolvimento da organização social brasileira, en
quanto que as carreiras estudadas numa seleção de tais estados re
fletiriam esta ordenaçao.
Escolhemos as cidades de Sao Paulo, Rio de Janeiro, Belo Ho
rizonte, Recife e Salvador como representando supostamente uma
série
triais, de estados edecrescentemente
financeiros desenvolvidos
políticos, ou crescentemente em termos
arcaicos indus
em compor
tamentos, costumes, e ideologias. Incluímos também Brasília em
nossa amostra, uma vez que é a sede do poder do qual fluem todas
as boas coisas brasileiras, e nenhuma realidade brasileira pode ser
entendida sem um exame da “ cúpula ” , tal como passou a ser chama
da popularmente no Brasil de hoje.
Em cada cidade, estabelecemos contatos com um ou mais cida
dãos bem informados de posição proeminente que foram persuadi
dos a dar-nos listas dos cabides locais importantes, com tanta infor-
Quadro 2

A Ev o lu ç ão d o Tr ei n am en to e dos
Objetivos das Carreiras

**

*
Y/
*
'

\ f/c
É
s
s
*

A K
A
jutixlidata
sT
mÊÊÍk T

sT = semttrcinado
T = crcinado
T * utilização de treinamento para objetivos extrínsecos ao treinamento
] ~ ufjlização de mudança
rreinamento para objetivos
idealizada, atravésintrínsecos
do tempo,aodetreinamento
distribuição
'a partir do autodidatismo com objetivos extrínsecos
em relação ao.treinamento com objetivos intrínsecos
C arreiras B rasi l ei ras e E strutura S ocial 65

mação quanto possível acerca de cada um com relação às suas cone


xões — uma descrição sumária dc sua carreira, passada e presente,
e de sun genealogia social. Sempr^ qugpoMÍyej, tentávamos obter
uma introdtii;ã0 wpes5i>aL ou ao menos escrita, ou marcar encontros
através 'de-intermediários 'que nos conheciam tanto cpianto aos jn-
formantes. Onde este procedimento foi seguido, a cooperação nun
ca falho u; onde não foi — onde, por exemplo, tínhamos que nos
apresentar nós mesmos — éramos geralmente evitadas. A_ influên-
fciadas evidências
(Ihores apresentações
da pessoaia_e.de. intermediários
significação dos. foi uma
laças_ pessoais das me-
na sociedade
(brasileira, pois que foi forte e suficiente pura abrir portas que le
varam a considerável intimidade mesmo entre estrauhos totais.
Cada entrevista sc iniciava pela minha explicação do que está
vamos tentando descobrir e pelo pedido de cooperação dos infor
mantes. Em algum ponto desta ,troca~introdutórijf, o informante in
troduzia invariavelmente algum aspccto de sua própria experiên
cia. Usávamos isso como uma brecha para penetrar na história da
vida inteira. Uma entrevista ideal consistia de muitas sessões, com
o intervalo de alguns dias para termos tempo de rever nossas notas
e de formular questões que queríamos respondidas. Algumas en
trevistas tiveram que ser feitas em uma unica sessão. Estas estao,
invariavelmente, cheias de lacunas.
Q grupo^e pesquis^ composto por dois psicólogos brasileiro^) c
.por_mim, conseguiu em seis semanas reunir quinze entrevistas com
pletas, muitas entrevistas mais curtas, e um ou dois relatos de car
reiras bastante detalhados acerca de certas pessoas a partir de seus
conhecidos. Sempre que possível, tentávamos conferir os dados dos
informantes a partir de outros informantes que os conheciam c de
quem geralmente possuíam também dados adicionais substanciais..
Três outras fontes de dados deveriam ser mencionadas, cada
uma das quais forneceu uma verificação de todas as outras e das
entrevistas. Eu_recoito_ya-sistematicamente jornais, por um lado
para dados relacionados às oligarquias e esferas sociais,^ por ou
tro lado, para dados acerca das carreiras e carreiristas e suas ope
rações. Curiosamente, os jornais eram geralmente muito generosos
em seu suprimento de material sobre carreiras. Todo domingo, du-
rante um ano, o Jornal do Comércio de Recife publicou algumas
biografias de carreiras. O principal jornal de ürasilía~tmha uma
coluna diária que dava biografias curtas de carreiras. A puhlicação
de histórias de carreiras ocorria com algumas freqüência na maioria
dos jornais brasileiros.
Em segundo lugar, tentamos encontrar informantes que pa
recessem muito bem relacionados corn a organização econômica, so-
u
66 A S ociologia do B rasil U rbano

ciai e política local e com aqueles que ocupassem posições nesta or


ganização. Destas pessoas, tentamos obter o ipaior número possível
de informações acerca das operações, sociais locais, através de casos
e relatos sobre o comportamento do pessoal em questão. Este tipo 4e
informação mostrou-se, com efeito, geralmente muito mais^rico, já
que, por motivos explicados mais adianle^muitas das operações e
ãto$_ pessoais tornavam-se conhecidos através dos vínculos mais ^al-
! tos, apesar de sua aparente privacidade — uma privacidade que é,
na verdade,_sempre potencialmente
ATterçeira fonte^de informação efoipropositalmente pública.Aqui1
o materialjgublicajp.
podem ser incluidos, certamente, estudos da organização econômica
e social brasileira. Todavia, mais úteis são itens como õs anais do
Congresso, em cujas discussões publicadas podem ser discernidos os
principais grupos de interesse do país; análises da organização bu
rocrática e política do país; estudos do comportamento eleitoral, e
assim por diante. De grande interesse também são livros com moti
vos inconfessos, como o elogio de Niemeyer a Juscelino Kubitschek
sob o pretexto de discussão de suas experíências~em Brasília, 7^_e rç^
vistas cujos artigos principais_são pagos por grupos de interesse.
1 r.: i~.~~ '

IV

A seguir, tentarei apresentar uma sinópse dos nossos achados e


discutir suas implicações.
Em primeiro lugar, devia ser observado que o conceito e a
palavra cabide existem apenas na comunicação informal. No de
correr da pesquisa, além disso, dçscobri que havia_toda^ j.uua lin*
guagem existente apenas na co municad o Jnfor maL da carreira o
de seus aspectos estruturais. Todavia, a carreira e o cabide não
eram as únicas unidades estruturais a serem descritas no discurso
informal, familiar a qualquer um. Descobri. Jambém_a j)arielinha>
çijja relajao com as carreiras c os cabides ninguém observara an-
'teriormen|e._Por_ora, a panelinha pode ser definida como um gru
po relativamente fechado, çmnplelamentc informal, reunido por la
ços de amizade, contato pessoal ou interesse comum, agindo para
fins comuns e incluindo
(lítico-econômicas chaves,.uma relação de todas as posições sócio-po-
" " Õ fato de éjs as unidades sócio-estruturaiã) que são tão vitais
no Brasil, serem conhecidas apenas pelo discurso informal é em si
mesmo um reflexo da faj.t§^4®- purricu]ãrízaçao e fprrna]izaçap_<la
tessitura social brasileira. Dito de outro modo, esta organização in-
% V r *- ' * *• 1 * I
C arreiras B r asi l ei ras e E strutura S ocial 67

formal só pode ser descoberta através do trabalho de campo, e não


através de qualquer fonte publicada. Porém, sem conhecer essa or
ganização, não se pode entender como o Brasil funciona econômica
ou politicamente.
Esquematicamente, a carreira consiste numa constante amplia
ção de novas atividades — às vezes multiplicações de an tiga, às
vezes em novas esferas. O problema^principal. é . estabelecer o pri
meiro passo, criar um tfampotirifycomo dizem. A variedade de
téajic§£ para isto é grande e essas, às vezes, são usadas isoladamen
te ou em combinação. Menciono apenas algumas, como ajitivid ^de
marcante nas associações universitárias esjtudantis. especialmente
nas Escolas deTJireito; partíçipaç§P__Çia .grupos, fas,çistas ou. comu
nistas quando muito jovem; declarações públicas em favor de polí
ticas não encampadas pelos poderes constituídos; ceam os [Ç^cqna
jovens ricas; _ajuda da própria família ou da família da esposa;
ajuda de padrinhos; jornalismo; ser famoso no esporte; ingresso na
política em posições políticas mais baixas; ingiesso^ nuçn_pequeno
escritório burccrático_ a partir do qual_laços_ para cima e para fora
podem ser estabelecidos.
O que e significativo quanto a estas conexões, como o carrei
rista as utiliza, de forma ideal-típica, é que nenhuma_c intrínseca
aop.fins da carreira como tal, mas antes_ ! criação de u m vnome,
ao começo de uma promoção (uma autopromoção), à construção da
projeção. Por exemplo, um jo vem que se tornou um político de car
reira de “ esquerda” começou por unir-se à ala relativamente de di
reita da organização da juventude católica em sua escola de direito.
Ele usou a influência e energia desta como trampolim (por meio
de uma elei ção) para o ofício político, lo go a abandonando. Este e
futuros estágios de sua carreira foram em muito ajudados pelo
prestígio e apoio de um burocrata nacionalmente eminente e res
peitado, que se tornou seu sogro ao longo desse caminho.
Como regra, muitos de tais degraus para novas conexões são
alcançados por meio de conexões consanguíneas diretas ou de pa
rentesco afim. Qualquer um de uma multidão de parentes pode
estar num status que lhe permita arranjar uma posição para seu
cliente-parente
mútuas ou persuadir
(ver adiante), outros, ou
a arranjarem através de redes
a ajudarem de obrigações
a arranjar tais
posições. A forma mais imediata disso consiste, por exemplo, na fir
ma familiar na qual o pai arranja loci para a realização inicial da
carreira de seus filhos; com efeito, traça mais ou menos os princi
pais contornos da carreira em seu início. As conexões podem ser es
tabelecidas através de relações de parentesco menos imediatas com
parentes nepótícos de graus mais distantes. Os parentes articuladores
68 A Sociologia do Brasil Urbano

mais característicos são pais e cônjuges, geralmente esposas, sendo


então o parente protetor principalmente tios e sogros e, às vezes, por
extensão, um primo. Tais relações apareciam em muitos de nossos
casos em campos bastante diversos, como um político, um indus
trial e homem de negócios, um político e proprietário de imóveis, e
um educador.
Conexões de parentesco ainda ínais amplas podem ser ocasio
nalmente acionadas, mas estas não aparecem geralmente com as li
gações principais da trajetória da carreira. Apesar disso, mesmo um
parente distante pode fornecer uma ligação necessária, pode ajudar
a abrir uma porta, e de qualquer forma servir de base para a en
trada imediata numa relação que nao seria acessível de outro modo.
Um correlato disso é a importância do mapeamento dos laços genea
lógicos tão rápido quanto p ossível, e sempre que possível. Um bra
sileiro, chegando numa comunidade nova para ele, tem em pouco
tempo uma extensa genealogia de todos os personagens significati
vos da cidade cujo número pode ser muito grande, e também de
seus parentes significativos em outras localidades do país. Enquan
to traçava esta genealogia, ele também explorou pontos aos quais ele
mesmo poderia estar ligado, por laços de consangüinidade, afinidade
ou de amizade com uma das pessoas do mapa genealógico. Mesmo
esta
avançoconexão a partir ou
de interesses de no
umestabelecimento
não-parente é um passo relações.
de novas à frente no
É de grande importância que os movimentos iniciais da carreira
se tornem conhecidos nos lugares certos, uma vez que o jovem car
reirista pode ser solicitado a apoiar, auxiliar ou formar alianças
com outros de sua mesma idade ou mais avançados em suas car
reiras do que ele. Torn ar os movimentos conhecido s tem o efeito
de dar informações quanto às capacidades do jovem carreirista e de
suas conexões. Ao mesmo tempo, essa divulgação não pode ser de-
masiado aberta porque, por um lado deseja-se uma resposta seleti
va, e, por outro, algumas manobras são talvez um tanto vergonho
sas. Em suma, do in ício da carreira em diante, há uma constante
emissão de “ deixas” que pretendem transmitir informaçõ es acerca
do estado da carreira de alguém - isto é, acerca das posições que
ele ocupa, conseqüentemente a relação de suas conexões, os tipos
de influência que possui, os tipos prováveis de manobras que pode
realizar, e também as pessoas que podem ser alcançadas através
dele. Acredito que, em todo esse processo, há uma intensa seleção
em favor daquelas pessoas com percepção mais aguda, com habili
dades mais aguçadas para ver mais significados atrás das deixas, e
com energia e determinação para acompanhar e utilizar a informa
ção assim adquirida.
C arreiras B r asi l ei ras e E strutura S ocial 69

Esta convicção tende a ser confirmada pela extraordinária ha


bilidade, inteligência e diversificação de atividades da maioria de
nossos informantes que não haviam, sido selecionados na base destes
critérios, mas apenas por ocuparem várias posições.
Qs mecanismos para a emissão de deixas são altamente insti
tucionalizados, não obstante serem amplamente informais. Talvez
o mais importante seja o uso do jornalismo. A variedade de técni
cas envolvidas é enorme. O reitor da Universidade X mantém uma
equipe de repórteres empregados em tempo parcial na Universida
de. Através deles — sem dúvida devido a sua gratidão — ele pode
apresentar diariamente uma magnífica reitoria ao publico, especial
mente aos políticos com quem ele realiza grandes manobras. Mui
tas pessoas de posição considerável podem publicar matérias pagas
num jornal; podem contactar repórteres que conhecem e que pu
blicarão notas a seu favor ou sobre elas; podem realizar algum ato
público para o qual terá sido arranjado ou empregado um repórter.
Relações de obrigação e dependência recíprocas entre um carreiris
ta e um repórter são comuns, uma vez que o repórter também pode
estar investindo na sua própria carreira através do contato.
Examinando os trabalhos, encontra-se uma extraordinária va
riedade de contextos nos quais as deixas se apresentam: notícias de
municípios no interior, inclusive dos mais miseráveis; colunas so
ciais; colunas de informes de negócios; colunas políticas; anúncios
privados. Todos apresentam conexões. Todos, como era o caso, es
tão pedindo novas conexões ou anunciando as potencialidades e a
disposição de seus autores ou das pessoas referidas para estabelecer
novos laços. É do maior interesse o fato de que em algum momen
to de uma carreira aparecesse uma conexão importante com um jor
nal, exatamente como em praticamente toda carreira uma conexão
importante com a vida política ou com algum cargo público forne
cia uma chave. O jornalismo e a vida pública são_ claramente insti
tuições centraisjoa .sociedade brasileira.
0 passeio a pé _é_uma_ técnica de bnportância no fluxo_e trans-
g&issão de„ informação* Opasseio_a pé proporciona a oportunidade
|4e encontros exploratórios a partir dos quais as conexões podem
^crescer. Essses encontros ocorrem em lanchonetes, nas portas dtTli-
VEEtriap, e assim por diante, e se constituem de conversas mlõrtnais
acerca de cenário social da cidade, dp modo. a emitir veladamente
opiniões e demonstrações de conhecimento e conexão.
Hoje, a televjs§.q e o rádio constituem também canais para a
transmissão de jdeixâs para aquela pequena parcela da população
da sociedade que tem acesso a eles.
70 A S ociologia do B rasil U rbano

I A fofoca é outro mccanisrpo_vitaI. Os brasileiros prestam aten-


jtão í fofoca^ e a armazenam, ao_ contrário dos americanos, cujo ob-
fejtívo principal é aumentá-la, passa-la adiautee então esquecê-laj
É^cõníiecido o caso de um brasileiro que chega c mautcr um ficliá-
^rio de tópicos de fofocas e outras informações da vida pública e pri
vada dc grande número de pessoas.
1 Reuniões em clubes sociais também proporcionam meios para
a difusão de “ deixas’*, que mo de especial significação devido à sua
exclusividade. U círculo no qual as *;dèbuisMdevem ser disseminadas
é nitidamente definido e restrito.

A principal função da transmisgap e manipulação de*áeixas_é


a manutenção cias fronjeiras entre grupos informais mutuamente
exclusivos de pessoas £U_a apropriação das prerrogativas e concessões
por algum desses grupos, negando-as aos demais. Pode-se*entender
o conjunto do sistema de comunicações como ttm meio de difusão
de determinados tipos de informações em determinados códigos
para apenas determinadas, calpgorias de pessoas. D conhecimento
dor códigos e dos tipos relevantes de iuformação é ensinado, por
aqueles que os sabem, a seus congêneres e sucessores* À aprendiza
gem ocorre primordialmente no círculo familiar, mas também nos
“ legítimos” contatos entre famílias não aparentadas, mas de men
talidade semelhante, como em clubes sociais* cliques e grupos de
amigos. 0 acesso,_à_infprmação_ transmitida nos jornais e revistas,
rjno ridio_e_na televisão,.na fofoca de lanchonete^ requer um mínimo l
fde recursos por parte dos participantes. Eles têm que ter tido aces-y
[so à educação. Eles têm que ppder cojnprar jornais sistematicamen-
- te ou possuir um rádio_ou televisãg, uma vez que sua utilização deve
ser contínua. Devem poder freqüentar lanchonetes, assim por dian-
te.
A exclusão total da, ou mesmo um acesso meramente parcial
ou altamente esporádico à informação transmitida por essas institui
ções torna o pessoal envolvido praticamente ineficiente em todas as
operações com relação às quais a transmissão de deixas é importante,
isto é, para todo controle, planejamento e tomada de decisão econô
mica e política significativa e organizada. Este ponto ficará mais
claro na minha discussão abaixo acerca da panelinka.
E claro que a pobreza institucionalizada seria altamente fun
cional na manutenção de tal sistema, uma vez que ela automática
e eficazmente exclui o pobre, seja totalmente ou num grau signifi
cativo, do acesso às deixas e informações e jle sua transmissão. A
C arreiras B r asi l ei r as e E strutura S ocial 71

institiiriionalÍTaçãn ria pobreza no Brasil compreende uma inflação


que, especialmente nos níveis mais baixos, consome praticamente
todo aumento salarial concedido, mas que é ao mesmo tempo utili
zada pelos ricos para aumentar sua própria renda. Compreende um
sistema escola^cgnstruído de forma a fomentar o privilégio e ex
pulsar o”pobre tão cedo quanto possível; por exemplo, pela difieul-
da3e Vcusto~3o atendimento, por exigir uniformes que devem ser
pagos, pela ausência de transportes e, freqüentemente, quando são
alcançados os graus elementares superiores, pela exigência de ensi
no especial e pago para o prosseguimento.8 ^in^Uuci<ma.UzaçíIo da
pobreza também compreende uma extraordinária gama de institui
ções informais,^das^quais o controle da transmissão de deixas que
discuti é apenas uma.
A pobreza também traz seus próprios símbolos externos, roupa-
jgem, fala e maneiras especiais, de modo que a "sua Tnstitucionaliza-
jção informal incluí um tratamento diferencial por todos, tanto ricos
jeomo pobres^ As técnicas sao inúmeras e as consequênciãsT^inevi-
tãveis. Aqui, pode-se observar, como exemplo único, o tratamen
to diferencial dado a um homem pobre e a um homem de posses
numa repartição pública, quando ambos estão fazendo reclamações.
0 empregado encarregado pode, certamente, identificar imediata
mente
ses queambos os protagonistas,
representam, seus prováveis
simplesmente associados,
pelos símbolos visíveisos de
interes
seus
status. Ele baseia sua linha de conduta nesta informação, expul
sando talvez o homem pobre, mandando-o voltar no dia seguinte,
ou não encontrando solução para o seu problema, ao passo que cha
ma o homem rico a seu escritório, considera imediatamente seu pro
blema, resolve o caso na hora, e estabelece um vínculo de obrigação
mútua às expensas do homem pobre.
Ainda mais, as comunicações, no sentido mais amplot fazçrg
parte do controle dos pobres. Com efeito,, o mal fimcipqamento ins
titucionalizado de praticamente toda a rede telefônica urbana e do
chamado sistema telegráfico “ nacional” assegura grandes dif icu l
dades à organização tanto em termos de habilidade em sugerar os
problemas da distribuição espacial de pessoas como em termos do
tempo necessário
transmissores à organização.
de rádio Apenas
privados ou aqueles
estatais (comoque têm acesso
o pessoal do Es a
tado, um certo número de políticos e alguns dos cidadãos privados
mais ricos e bem relacionados), ao caro telégrafo e sistemas telefô
nicos “ Nacional” ou “ Western” , ou ao rápido transporte pessoal,
sobretudo por aviões, escapam ao lento ritmo da organização telefô
# Leeds, 1957, cf. Capítulo V ; Leeds, n o prelo; Teixeira, 1957, 1 958,
1960.
72 A S ociologia do B rasil U rbano

nica. Deve ser observado que o caro sistema telegráfico “ Western


as redes telefônicas de longa distância (ao menos no Sul), os arran
jos para a transmissão no rádio e o transporte aéreo, operam de ma
neira realmente eficaz numa base nacional ampla. As comunica
ções ferroviárias e telefônicas relativamente localizadas e o telé
grafo “ nacional” , em sua maioria, funcionam bem ape nas na re
gião mais urbanizada, industrializada, corporativamente organizada,
e marcadamente rica em torno de São Paulo. De passagem, v a le j
pena assinalar^ que o mau funciona mento institu cionã lizaH ^dí sis
tema de comunicações afeta totalmente os pobres, mas também afe-
. ta por extensão todos os status e níveis salariais médios, e atua so
bre. çles, iambéiu, como um sistema de controle social exercido pelos
detentores "das ppsiçoes centrais da sociedade.
Em suma, sem entrar em maiores detal&es aqui, pode-se dizer
que a transmissão de deixas em si mesma, seu controle, o fluxo am
plo de outras forma de informação, o controle desse fluxo e todas
as instituições formais e informais provenientes destes controles
criaram e mantêm limites altamente impermeáveis entre os dois gru
pos fundamentais — que chamei de classes e massas — e front ei
ras apenas relativamente permeáveis entre os subgrupos hierárqui
cos das classes.
Deve-se observar que as massas e as classes de sistemas sociais
como o do Brasil encontram-se numa relação funcional bastante viá
vel para ambas. As massas nao sao sintomas de “ desorganização”
ou “ disfunção” , ou de uma sociedade “ doente” . Como a riqueza,
o prestígio e o poder de decisão permanecem todos nas classes, que
visivelmente não têm nenhum desejo forte de disseminá-los pela
população como um todo, mas que tiram deles grandes vantagens,
o sistema tende a se perpetuar. Além disso, o alto grau de controle
exercido sobre as massas tende a forçá-las a procurar nas classes
apoio e ajuda, reforçando assim estrutural e ideologicamente o sis
tema ,

VI

Voltando à estrutura interna das classes, podemos examinar o


papel das comunicações em levar o carreirista principiante a rela
ções significativas com pessoas de síafus de igual importância, e o
tipo de grupo informalmente socializado e societalmente focal no
qual ele entra. 0 resultado da transmissão e manipulação de dei
xas é nma série sempre crescente de conexões, associações e ocupa
ção de posições. Desta forma, um informante de 26 anos, que con
trola um colunista social prestando-lhe favores ocasionais como o
C arreiras B rasi l ei ras e E strutura S ocial 73

saldo de dívidas de jogo ou de dívidas contraídas por causa de mu


lheres, já entrou numa panelinha, tem conexões no Rio, e já se
tornou até membro de vários conselhos de diretores mesmo sem ter
sido consultado. O fato de que ele possui também treinamento espe
cial num campo não acadêmico é geralmente sabido e desempenha
um papel na sua seleção.
Os estágios iniciais e médios da carreira, que podem durar cer
ca de 10-11 anos, caracterizam-se pela multiplicação das fontes de
apoio,
gundo de modo
lugar, de que,
modoantes de mais
a existir nada, não haja
um permanente recuos;
conjunto de em
tramse
polins; em terceiro lugar, de modo a que existam diversos conjun
tos de conexões, por entre as quais, por motivos estratégicos, o car
reirista pode movimentar-se para avançar em sua carreira posterior.
Talvez nosso melhor exemplo seja um homem que construiu
simultaneamente uma carreira como acjvogado, acadêmico, político
e jornalista. Quando fracassou nji política, possuía três outros con
juntos _de Jnteresses^ e conexões^ em ativo andamento para prosseguir
sua projeção, como dizemos brasileiros. Ele havia dividido sua vida
acadêmica entre o país natal e o estrangeiro. Quando se envolveu
escandalosamente com uma outra mulher que não sua esposa, en
controu conveniente refúgio temporário na Europa, de onde prosse
guiu no jornal ismo. Recentemente, retornou para reativar a base
política e reassumir seu papel acadêmico.
Qaando um homem alcançou certo ponto em sua carreira, ca
racterizado por contatos desejáveis, um certo “ nome em sua área
ou áreas, ele pode ser convidado a participar de uma panelinha.
O convite pode ser explícito ou ser feito através de um teste verbal
não explícito. As panelinhas existem em todos os tipos de atividade.
mas,_.para_ nosso objetivo, as panelinhas políticp-economicas., mais
do que, digamos, as literárias ou acadêmicas, são de interesses j>ri-
mordjal, embora deva ser lembrado que todas as paagliphas- nn me
nos em p^rte^ possuem fin s. pplítiços^
A vanelinha poLticQ-£poaQiaica consiste caracteristicamente de
um inspetor da alfândega, um homem de seguros, um ou_dois ad
vogados, homens de negócios, um contador, um vere^dox, deputado
estadualnenhum
belece ou federal, e um banqueiro
compromisso com seu
formal entre banco.
essas Naonenhuma
partes; se esta
reunião formal é mantida. Elas são identificáveis apenas por rela-
tos de informantes ou jpela_pbservação de esforços cooperativos dura-
douros entre as pessoas envolvidas. Freqüentemente, essa coopera
ção nao é facilmente visível.
Cada panelinha mantém suas relações internas a nível local
por meio de certas sanções potenciais muito simples. Aquele que
74 A S ociologia do B rasil U rbano

abandona uma 'panela perde automaticamente suas conexões no lo


cal. Uma vez que a panela na localidade é também uma sociedade
de groteção mútua — seus membros sao praticamente imunes à lei
em função da pressão que pode ser exercida através das conexões da
panela —, o .apóstata jperde suas proteções» a menos, é claro^gue
já se tenha alinhado nuina^outra panela. Em outras palavras, como
membro de uma panela clc tonto d ii . como recebe.
0 banqueiro que sai perde os negócios e depósitos dos membros
de sua panela — e às vezes o total de bens de uma panela pode
chegar a dez ou mais bilhões de cruzeiros. Ele teria dificuldades
em encontrar substitutos, pois a maioria das pessoas de interesse já
se encontra ligada a seus próprios bancos. Por causa da dependên
cia do banco, eles nao tendem a ser a força predominante das pa
nelas cujos membros têm poder e status mais ou menos equivalen
tes.
T3e modo semelhante, o deputado depende da panela para a'
sua eleição (e seu bom salário) — ele é o seu homem. Todavia,
por sua vez, ela depende dele porque ele fornece os vínculos com
o governo tão necessários para a solução de inúmeros problemas
definidos pelos membros da panela. |
Isso é particularmente verdadeiro quando se trata de vín
culos que alcançam a cúpula político-administrativa, visto que cada
:panela tem seus laços com a hierarquia juvídico-política até o pre-
í sidente, que é a pedra fundamental de toda a estrutura. Esses la
ços atravessam o Rio de Janeiro, especialmente os escritórios de
direito do Rio, os altos burocratas do Rio, funcionários de minis-
: térios, deputados federais e senadores, e assim por diante, a partir/
\dos quais os ministros podem ser alcançados.
Os ministros fazem os contatos com o presidente quando ne
cessário, especialmente em problemas como os que podem envolver
a indicação de funcionários ou a tomada de decisões importantes
quanto à alocação de fundos. Nos últimos anos, as decisões de
cúpula finais que dizem respeito às panelas em níveis político-
íidministrativos menores mudaram-se para Brasília e doravante se
rão cada vez mais rápidas.
As panelinhas,
presidente e de outrastodavia, não são totalmente
altas autoridades, dependentes
já que, por do
sua vez, estes
precisam das panelinhas que favoreceram para a retribuição de fa
vores. Isso é especialmente verdadeiro no que diz respeito ao apoio
político a nível local^seja em eleições ou em decisões que afetans.
as hierarquias políticas municipais ou estaduais* J3 abandono de
uma panelinha não é boa política. A relação entre ãs panelinhas
■ de nível maior e menor ê recíproca, exatamente como as relações
C arreiras B rasi l ei ras è E strutura S ocial 75

no interior da panelinha, embora de tipo diverso, são recíprocas, e


as conexões individuais com grupos e organizações por parte do
cabide são também recíprocas em suas obrigações e utilizações —
uma vasta rede de obrigações mútuas.
A panelinha também alcança os níveis políticos, os mais bai
xos, estabelecendo contato com panelas municipais da mesma for
ma como o faz com as panelas a nível federal.
Relações recíprocas semelhantes são estabelecidas aqui. Às pes
soas que podem mover-se em ambas levam vantagem, mas tendem
a mover-se permanentemente no interior do nível mais alto e não
a operar em ambos, substituindo as relações recíprocas 46igualitá
rias” de um participante do nível mais baixo pelas relações recí
procas hierárquicas de um participante do nível mais alto com
relação a um do mais baixo.
O número de panelas em uma cidade ou estado é proporcio
nal ao seu grau de avanço econômico, político ou social. Assim,
estados como o Piauí e o Maranhão possuem provavelmente uma
ou duas; a Bahia, muitas; Minas Gerais, algumas; São Paulo, inú
meras. É interessante observar que, numa estrutura de oportuni
dades em expansão, as panelinhas geralmente nao brigam entre si,
especialmente a nível local. Não se adere a uma briga que pode
ria ser unir-se
dedora destrutiva para uma panelinha,
à vencedora. Apenas parapreferindo
grandes acontratos
panelinha per
ocorrem
genuínas batalhas competitivas, porém essas batalhas tendem a pas
sar para a cadeia de comando da panela, de modo que a batalha é tra
vada no nível burocrático e mesmo ministerial mais elevado.
Pode-se ver que a panela ê um grupo que se automantém com
algumas funções. Em primeiro lugar, ela funciona para selecionar
talentos de certo tipo, embora possa também proteger a inépcia
por motivos políticos internos, especialmente quando um grupo de
auxiliares e patrocinadores, uma espécie de claque chamada no
Brasil de Rotary, é mantida como dispositivo tático, como no caso
dos repórteres do i-eitor da universidade acima mencionado. Todavia,
em geral, os membros dominantes sao pessoas de grande habili
dade, o que se reflete em termos de admiração, quase que de ado
ração, como furador, cavador, absorvente, pára-quedista, etc. A in
clusão por convite dá certa garantia de que uma pessoa desse tipo
será trazida para dentro da panela.
A contrapartida disso é que carreiristas medíocres tendem a
ser excluídos e que todas as pessoas possíveis que querem subir,
ascender socialmente, são, na verdade, controladas a partir, de çima5
mesmo se elas já estao nas “ classes” . 0 controle da mo^üídad^'ás^
, cehsiojial jdçs ^/^pia^aas” é heqi inais_sey.ero^ e será, descrito em
A S ociologia do B rasil U rbano

/butra oportunidade. Em iu ma,_a panelinha e o cabide são unida-


Wes-est£tituraÍ
5 ^que^-yinçuladas ou a ã o ^ ia m uma divisão de clas
se no Brasil. Uma divisão praticamente total: aquela entre as
'classes e as massas. As outras divisões, no interior das classes, apre
sentam graus variados de impermeabilidade, especialmente marca
dos nas proximidades da parte mais baixa e do topo. Estas consti
tuem estratos no interior das classes mais do que grupos claramente
integrados, menos ainda conscientes de si, paxa os quais o termo
“ classe” de
sistema seriaduas
apropriado. Em outras
classes com palavras,interna
estratificação o Brasil
empossui um
ao menos
uma delas. A outra é praticamente desconhecida.
Em segundo lugar, a panelinha possui certas funções econômi
cas. É um grupo de controle e constituição de capital, que mantém
grande parte de seu dinheiro em forma líquida. Isso permite a seus
membros ter à mão grandes somas de dinheiro de maneira extre
mamente fácil pela redução da maior parte das restrições e exi
gências legais, e permite que eles estabeleçam rapidamente conta
tos, realizem grandes compras ou várias especulações com grande
facilidade.
De diversas maneiras, a panelinha atua de modo a ajudar seus
membros a resistirem à taxação através, por exemplo, da transfe
rência de bens de um para o outro, sem o pagamento das taxas
de transferência correspondentes, ou pela introdução de bens por
contrabando ou com taxas de importação muito reduzidas por meio
de seus membros na alfândega. Através de seus membros políticos
e banqueiros, a panelinha tenta tirar vantagem das taxas de câm
bio controladas pelo governo para enfrentar, agir contra, opor-se
à inflação e tirar vantagem dela para o aumento do capital e li
quidez — e, é evidente, da riqueza pessoal. Ao mesmo tempo,
através das atividades e interesses variados de seus membros, apa
nelinha tende a controlar uma proporção muito ampla de bens eco
nômicos no interior da unidade política na qual opera, uma vez
que o controle pode ter importantes repercussões políticas, podendo
ser inclusive um plano político, como na recente contenção de ali
mentos básicos dos mercados urbanos com correspondentes mano

bras políticas a todos os níveis9.


* Em jun ho e julh o de 196 2, oco rre u no Centro-Sul do Brasi l, especial*
mente na área do Rio, uma escassez aguda de todos os principais gêneros
dc primeira necessidade. Promessas eram feitas constantemente e nenhu
ma ação efetiva era realizada para aliviar a situação, até que, primeiro,
5.000.000 de sacas de arroz foram “descobertas” “escondidas” no Rio
Grande do Sul, e os saque de alimentos em Duque de Caxias, no Estado
do Rio de Janeiro, produziram um quase instantâneo reaparecimento de
quase todos os gêneros em suprimento adequado nas lojas. Durante o
C arreiras B rasi l ei r as e E strutura S ocial 77

Isso ocorre tanto com a panelinha quanto com seus componen


tes de cabide. Observando-se do ponto de vista da carreira, pode-ee
ver que a carreira passa, idealmente, por uma série de níveis depa
nelinhasi, identificadas principalmente com os níveis políticos muni
cipais, estaduais e federais. Conforme se ampliam as conexões, ati
vidades, experiência e riqueza de um homem e se contraem mais
relações verticais ascensionais, sua carreira tende a alcançar apa
nelinha de nível imediatamente mais alto. Do ponto de vista da
carreira, ela gradualmente se universaliza e se nacionaliza, no sen
tido em que seu nome, sua influência e suas atividades tornam-se
geograficamente nacionais em alcance. Isto é, sua projeção torna-
se cada vez mais ampla no raio de ação sócio-geográfico. Essa pro
jeção torna-se estruturalmente firme por meio de laços descenden
tes com várias panelinhas estaduais e municipais, por seus laços de
cabide em vários diferentes tipos de esforços, e por seus interesses
e atividades geograficamente dispersos. Por exemplo, um de nossos
casos tem sua força política num estado do Nordeste; seus laços
associativos mais influentes e grande número de suas conexões de
negócios estão no Rio; suas atividades centrais de negócios, em Bra
sília; e um conjunto de conhecimentos no Congresso Nacional e
em legislativos estaduais e municipais.
O estágio final da carreira é a projeção internacional, mas as
posições da sociedade para tal sao extremamente limitadas em nú
mero como o são as mais elevadas posições político-burocráticas na
cionais.
É neste nível mais elevado, onde a estrutura de oportunida
des, sob outros aspectos expansiva, se contrai abruptamente, que se
observa o conflito mais feroz no Brasil. Tanto a projeção nacional
como a internacional são auxiliadas muito significativamente pelo
acesso aos, ou pelo controle dos meios de comunicação e de trans
porte, uma vez que o primeiro auxilia o estabelecimento de conta
tos, /i manutenção de um fluxo de informação adequado, e assim
por diante, enquanto o último permite a constante manutenção de
importantes relações. Ambos, em conjunto, permitem um controle
relativamente instantâneo sobre os problemas a serem resolvidos,
oses.
queNa
nãoverdade,
é acessível às massas
o controle ou aosessas
de ambas níveistecnologias
mais baixos dasníveis
pelos clas
mais elevados é um dos mecanismos fundamentais, especialmente
da manutenção da divisão de classe entre as classes e as massas,
mas também da divisão entre os estratos mais elevados e mais
baixos das classes.
saque, todas as casas foram avariadas ou invadidas, exceto a de um
deputado. A turba de grev istas deixou, em co nsider ação, sua c asa inta cta!
?8 A S ociologia do B rasil U rbano

VII

Há ainda alguns pontos relativos a esta sinopse de resultados


Em primeiro lugar, a divisão da economia política brasileira em
subesferas tais como as de negócios, educação, indústria, institui
ções burocráticas, serviços públicos, etc. tem, na melhor das hipó
teses, valor analítico, mas na verdade não faz muito sentido estru
turalmente nos níveis especialmente
mamente articuladas, mais elevados, nas
umafases
vez que
finaisestão todas inti
do desenvolvi
mento de uma carreira, ou em outras palavras, nos mais elevados
níveis da tomada de decisão efetiva. As divisões sociais se dão,
na verdade, mais ao longo das linhas oligárquicas descritas por
Teixeira, cujas evidências constantemente apareceram nos mate
riais de história de vida. As oligarquias tendem a atravessar os se
tores e esferas analíticas mais convencionais. Elas parecem mais
avançadas nos estados de São Paulo e Minas do que na Bahia e
no Recife. Nos níveis mais elevados dentro de cada oligarquia, os
limites começam a se enfraquecer por causa da quantidade e inten
sidade dos laços cruzados entre o pessoal que ocupa as posições
mais elevadas ou por causa de pessoas, especialmente políticos al
tamente situados, que se relacionam com muitas oligarquias ao
mesmo tempo.
Em sua maioria, nestes níveis mais elevados, os fins últimos
de todos aqueles em questão sao relativamente uniformes, de,
modo que não há clivagens políticas genéricas fundamentais na
cúpula no Brasil. As clivagens parecem girar em tomo de polí
ticas específicas como a implementação dos objetivos políticos ge
néricos e do acesso ao controle de todo o sistema e suas recompen
sas no ponto mais elevado — a presidência e suas dependências.
Eu poderia representar a situação da organização social total bra
sileira como o diagrama encontrado no Quadro 3.
Em segundo lugar, algumas observações quanto à téc
nica de pesquisa. A técnica utilizada neste estudo pode ser pron
tamente estendida a todos os outros grupos significativos da socie
dade, inclusive às “ massas” e às camadas de síatus e nível sala
rial médio. A técnica é essencialmente um dos procedimentos, e
uma adaptação especial, do chamado método de estudo de comu
nidade. Diferente deste último, esta adaptação não é, em seus as
pectos essenciais, restrita a qualquer localidade dada, uma vez
que a “ comun idade” das “ classes” brasileiras tende sempre, pela
natureza mesma da carreira, a um alcance nacional ou mesmo su
pranacional, ao passo que, segundo evidências recentes, mesmo a
comunidade das “ massas” , apesar de alguma ligação a localidades
Quadro 3

No ta: A s linhas vertica is inclina das represent am a expansão e contra ção


da estrutura
sional, de oportunidade.
As linhas A s setas representam
pontilhadas representam a mobilidade
limites indefinidos ascen
ou pouco
definidos. As camadas pontilhadas representam divisões de estratos. Os
triângulos em linha tracejada representam grupos de interesse bastante
amorfos ou categorias não significativamente vinculadas a grupos de in
teresse importantes, as “ oligarquias ” . O sím bolo / = / representa canais
através dos quais é feita a cone xã o co m as grandes oligarquias. Estes
grupos ou categorias, do meu ponto de vista atual, incluem as igrejas,
professores primários e secundários, profissionais autônomos, alguns sin
dicatos, alguns tipos de associações, etc.
80 A S ociologia do B rasil U rbano

ou regiões por motivos ecológicos e de controle social, tende a ex


tensos laços organizacionais interurbanos e interestaduais. Certa
mente, os “ níveis mais baixos” das classes possuem com freqüên
cia amplas conexões de tipo institucional supracomunitário trans-
local.
Em vista dessas redes institucionais supralocais a todos os ní
veis, a técnica de carreira pode ser usada com as massas e “ níveis

mais
dicato,baixos” das classes,
trabalhadores entre os quais
especializados incluo presidentes
e equivalentes. de sin
Em vista dos
indicadores da existência de uma organização semelhante àpaneli
nha nas massas e níveis mais baixos das classes, e em vista de con
versas exploratórias com pessoas das massas, com líderes sindicais,
e assim por diante, é praticamente certo que as entrevitag sobre
carreiras seriam praticamente tao produtivas com eles como com
os carreiristas em posição de controle. Uma pesquisa deste tipo,
a julgar por um rápido olhar inicial, seria muito reveladora no
que diz respeito à estrutura social, barreiras sociais, mobilidade so
cial, e no que diz respeito aos mecanismos da organização social
de, e além de, qualquer tipo de localidade.
Com efeito, a técnica pode, para muitas características impor
tantes, ser_utilizada na descrição qualitativa dos sistemas sociais
das cidades de qualquer tamanho — as operações internas da eco
nomia e da política da cidade, bem como seu sistema de estratifi
cação correspondente, e asgim por diante. De fato, o resultado da
técnica é o de traçar uma espécie de genealogia de todos os gru
pos de parentesco, significativos ou nao, da população da cidade,
bem como de muitos dos indivíduos em questão. Descobre-se quem
se relaciona com quem (por laços de parentesco e de qualquer
outro tipo importante) na tessitura social. E, ainda mais, no de
correr desse mapeamento descreve-se também como tais “ genealo
gias” nascem, isto é, a dinâmica da organização social. Ë impor
tante observar que ele revela estruturas em geral visíveis aberta
mente e não acessíveis à observação, que utiliza as categorias co
muns de coleta de informações, como a demográfica, a estatística, a
ocupacional e outras rubricas de estratificação.
C abreiras B r asi l ei r as e E strutura S ocial 81

VIII

Concluindo, gostaria de assinalar, inicialmente, que ao longo


da dcscrição da estrutura de carreiras no Brasil foi possível des
crever muitos dos aspectos fundamentais da estrutura social na
cional brasileira, dos instituições sociais brasileiras conduzidas pelos
grupos nacionais e locais. À descrição não se atem aos limites arti
ficiais criados pelo chamado método de estudo de comunidade, ou
pior* pela pletora de estudos de localidades que não são nem mes
mo comunidades, mas que estão encravadas nas estruturas sociais
nacionais. /
O método de estudo de comunidade ou de localidade, em
parte um empréstimo de inétodos de estudo a tri6aís” , ^tendeu
sempre a impedir a apreensão das conexões que integram a eomu-
nidade a ordem social maior pela qual elã ê profundamente aba
lada" em suas articulações mais básicas. Na medida em que as co
munidades. _em soçjedades nacionais são, fundamentalmente unida-
des^swiaisj elas _existcm_ nurna constantc ç jt iv a_rela ção coin as
instituições^ nacionais que são, na melhor das Jiipótesç§,_ nada mais
do que apontadas e nunca descritas pelos antropólogos. As comu-
nidades podem estar em conflito com as instituições nacionais;
elas podem, como o fazíãmT coexistir com elas; elas poclem ter
uma^_ativa participação nelas; e, com relação aos diferentes con
textos da vida comunitária, elas podem fazer tudo isso ao. mesmo
tempo, em diferentes graus e em diferentes momentos. Poucas,
se é que alguma, descrições das relações entre sociedade nacional
e sociedade comunitária são encontradas na literatura, e a comuni
dade tem sido apresentada, por causa do método, como _uma jjs-
pécie de unidadejnônada cuja dinâmica interna e trajetória pQflein
ser apenas obscuramente percebidas^ 0 método aqui sugerido per-,
mite ao menos uma aproximação da análise tanto do todo como
da parte ao mesmo tempo, porque eles sao vistos como constituídos
basicamente pelas mesmas unidades sociais.
Em segundo lugar, os mecanismos de carreira descritos para
o Brasil ajudam a explicar por que tal sistema tende a permane
cer como está, isto é, ajudam a explicar a dinâmica do equilíbrio.
Embora eu o tenha apenas esboçado aqui, pode-se ver como fun
ção da pobreza o reforço constante do privilégio e das vantagens
das classes detentoras de poder. A pobreza concentra a riqueza e o
poder, maximiza lucros c permite o reinvestimento, enquanto os
lucros crescem sob condições inflacionárias. Também todos os me
canismos para a transmissão de “ deixas” tendem a favorecer as
82 A S ociologia do B rasil U rbano

classes atuais assim como estão, e, em geral, as classes procuram,


por meios organizacionais, deixar que as coisas permaneçam como
estão.
Em terceiro lugar, pode-se ver que os tipos inegavelmente mais
importantes de organização informal que descrevi para o Brasil
são bastante flexíveis nas circunstâncias de rápida mudança técni-
co-econômica experimentada atualmente, mais ainda nas condições
em que a tecnologia de transportes e comunicação existente e o

industrialismo
ra organizaçõesbastante
a longo rudimentar
prazo atravéscriam grandesdistâncias.
de longas dificuldades
Em pa
tais
condições, a autonomia relativa e o atomismo geográfico e social
das unidades sociais de todos os tipos são funcionais porque permi
tem às unidades, qua unidades, ter muitas séries de respostas,
0 tjpo ,de_ jmnjãinha. aqui -descrito..autarquia_se^ÜpÚb]jça.
semiprivada; . oligarquia, semi^ojada; ps_estados o _ mcsino, hs
vezes, os municípios consideravelmente autônomos, e até órgãos
como as universidades, escolas e algumas, igrejas^— têm notável fle
xibilidade por causa de sua autonomia e atomismo,
Elas podem ser contrastadas com a ossificada e monolítica bu
rocracia. As unidades sociais flexíveis que descrevi aqui podem mo-
ver-se rapidamente, aproveitar oportunidades, reformular políticas,
mudar estratégias e assim por diante, sem que elas mesmas mudem
muito. Em suma, este tipo bastante atomizado, livre de organiza
ção, sem um fundamento jurídico, é altamente adaptativo para so
ciedades onde está ocorrendo uma justaposição de seu próprio pas
sado estático-agrário e de um futuro expansivo-industrial.
Em quarto lugar, hipoteticamente, o caso aqui descrito for
nece um modelo para todas as sociedades semelhantes. Assim, de
modo geral, esperar-se-ia que países do Oriente Médio, Sudeste
Asiático, alguns africanos e outros latino-americanos fossem confor
mes ao modelo, exceto na medida em que os fatores variáveis se
jam mais ou menos influentes em cada caso. Assim, a justaposição
da sociedade expansivo-industrial ao estático-agrário Haiti foi mí
nima, situação mantida pela virtual ausência de recursos a serem
desenvolvidos segundo modelos industriais naquele país. Seria de
se esperar, entao, uma sociedade muito mais próxima do ideal-tipo
de uma sociedade estático-agrária*
Esperar-se-ia também uma competição mais aguda pelos pou
cos recursos, mas uma competição que se limita às posições mais
altas de poder. A ausência de uma estrutura de oportunidades em
expansão, a extrema pobreza de recursos, a limitada absorção de
novos status levariam a esperar uma intensa luta pelos poucos
status existentes que têm poder, riqueza e ganhos de prestígio.
C arreiras B rasi l ei ras e E strutura S ocial 83

Este é o modelo de uma sociedade que possui um pequeno conjunto


aristocrático de cliques e elites constantemente substituindo-se
umas às outras, freqüentemente pela violência. O Haiti, evidente
mente, corresponde de forma bastante nítida a este modelo.
Por outro lado, esperar-se-ia um maior desenvolvimento das
características expansivo-industriais na Argentina e no Chile do
que no Brasil, porque eles são, ou eram, mais industrializados.
Todavia, eles não possuem atualmente, e não o possuem há já al
gumas décadas, estruturas de oportunidade em expansão, de modo
que se esperaria que as estruturas e elites do tipopanelinha a nível
governamental nacional entrassem em competição direta e violenta
umas com as outras — o que, de fato, fazem.
Dito de outra maneira, o modelo hipotético e o tipo de expec
tativas discutidas aqui são, na verdade, previsões. O uso de um
modelo permite previsões de dois tipos. Primeiro, a previsão das
situações de campo, isto é, a descrição anterior, como ocorreu, de
que tipo de condições sócio-culturais serão encontradas numa enti
dade sócio-cultural desconhecida como, digamos, o Iemen ou
Bhutan. O afastamento das condições esperadas levaria à modifi
cação dos princípios teóricos sobre os quais a construção do modelo
se baseou, bem como à modificação das variáveis, enquanto o en

contro como
cípios das condições esperadas tenderia a confirmar tanto os prin
as variáveis.
Em segundo lugar, o uso do modelo permite que se façam
previsões razoáveis sobre os estados futuros da sociedade em consi
deração e, mesmo, de acontecimentos específicos. Do modelo e de
seus elementos variáveis se pode derivar logicamente modelos va
riantes conseqüentes, pela descrição de relações diferentes das va
riáveis. Tais modelos constituiriam uma série de trajetórias e con
seqüências possíveis para uma sociedade sob diversas condições.
Onde uma dada conseqüência não correspondesse às expectativas
do modelo construído na base de variáveis cujos valores para a
sociedade sao conhecidos, estaríamos obrigados a, e em condições
apropriadas para, extrair novas variáveis significativas dos dados,
assim redefinindo e tornando mais poderosa a teoria.
Finalmente, pode ser assinalado que o modelo que estive dis
cutindo foi moldado principalmente nos termos de uma justaposi
ção de uma já existente estrutura expansivo-industrial a uma estru
tura estático-agrária. Cabe a nós perguntar que tipo de modelo de
veríamos construir para estruturas intermediárias entre as duas,
quando uma estrutura expansivo-industrial ainda não existe. Isso
diz respeito, é claro, ao desenvolvimento puro da sociedade expan
sivo-industrial a partir da estático-agrária. Seria o modelo muito di-
A Sociologia do Brasil Urbano

ferente? Seria substancialmente o mesmo? Seriam algumas variá


veis extensivamente afetadas? Certamente, a variável ritmo seria
significativamente diferente, uma vez que a pressão para conden
sar o tempo total de transformação de um estado para o outro está
ausente na seqüência pura* Evidentemente, também, a variável de
coerção direta ou indireta presente na justaposição não deve existir.
Claramente, a variável de direcionamento na transformação do or
ganismo em aculturação estaria faltando. Como tais diferenças
afetam o modelo? Elas sugerem, por exemplo, que o desenvolvi
mento puro pode ter sido mais diverso ao passo que as conseqüên
cias da aculturação tendem a ser relativamente semelhantes umas
às outras?
Tais questões permanecem para pesquisa futura. Respostas a
elas podem envolver previsão retrospectiva das condições que se
esperaria encontrar no desenvolvimento puro (Europa Ocidental),
ou seja, se poderia predizer a ocorrência de algo parecido com o
fenômeno do autodidata especialmente no século XVIII. O afas
tamento dos modelos retrospectivos exigiria a modificação dos prin
cípios, modelos e variáveis, ao passo que o encontro das condições
previstas os confirmaria.

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O Brasil e o Mito da Ruralidade Urbana: Experiência
Urbana, Trabalho e Valores rias “Áreas Invadidas’*
do Rio de Janeiro e de Lima * 1

A nthony L eeds e E l i sabeth L j geds

Introdução

Gs_mitos que prevalecem entre os cidadãos das capitaiã e


outras cidades tanto do Brasil como do Peru acerca das áreas inva
didas p or_jpftssejrõs )— favelas e barriadas2 — sustentam, por um
lado, que os moradores têm uma organização social e valores alta
mente rurãis e são desajeitados em relação a e não familiarizados
com os modos de vida da cidade, muito embora sejam essencial-j
mente voltados para o futuro e desejosos de progredir ou, por outro
lado, pessoa sque não desejam trabalhar, são assassinos,
♦ Publicado ori ginal mente em Citcy and Country in the Third World,
1970.
1 Os dados des te traba lho para o R io de Janeiro prov êm de oito meses
de trabalho de campo nas favelas e, para Lima, de artigos por e extensas
conversas com Mangiji. e. Xurner, duas longas enirevistas com José Matoa
Mar, várias
Leeds visitas Jidan
para Turner às barriadas, dois arações
do c om comp meses deentr
pesquisa
e as du de Elizabeth
as cidade s. Os
termos “ favela” » “ barriada” e “ favelado” (mo rador de favela) serão usa
dos como as demais palavras, sem grifo.
2 Tipo s de Moradia semelhantes são chamados callatnpas no Chile, tur-
gurios na Colômbia, ranchos na Venezu ela et c. Dad os desses países
sugerem que o que encontramos no Brasil e no Peru encontra paralelo
lá. Nota: Por pedido dos autores, o manuscrito loi publicado exatamente
como foi apresentado, sem mais do que o mínimo necessário para a
edição. AJF.
O B rasil e o M i t o d a R uralidade U rbana 87

ladroes, margina is c prostitutas, c são im ediatis tas. com pouc jT


preocupação com o. futuro . Am bos consi deram as Javeias se pa ra da s
e iso lad as d a soci edade mais am pla, “ enclaves den lro dn cida de ” ,
um a espéci e dejri ü.sto rural de cri m inosos^no corpo p olu ir™ me
trópole. Justifi cativas “ cien tíficas ” dest es ponto s de vist a foram
mesmo descobertas recentemente nos textos de inuitos cientistas
soci ais, dos quais alguns d os trabal hos mais importantes, com o T he
Children of Sanchcz, estão circulando em traduções portuguesas e
espanholas nos respectivos países3. O passado rural e a imprevidên
cia do pob re da favela são supostam ente m ostrados, tambern, TTo"

3 Infelizmente, Oscar Lewis não nos deu pratica mente qualquer so cio lo
gia urbana das entidades de que está tratando na cidade do Méxicc. Não
parecem ser equivalentes às favelas e barriadas, mas antes os callejones
e cortiços (ver abaixo), sobre os quais praticamente nada é conhecido.
Todavia* Lewis parece estar dizendo coisas semelhantes às que disse sobre
as vecindades e também sobre as entidades de Porto Rico que parecem
ser equivalentes às favelas (cf Lewis, 1966a) Bonilla (1961) é também
citado regularmente. Os trabalhos muito mais cuidadosos e perspicazes de
Pearse praticamente nunca sâo citados na discussão geral. Mesmo Pearse
. 1958, 62 ), todavia , com ete erros d e ênf ase, co m o por exem plo,
acerca da importância da família, porque ele não consegue ter em mente
(a) que à família é importante em toda a sociedade brasileira, não ex
clusivamente
mais restrito nas
na favelas,
proporçãoe (b)
do que a família
número total desempenha
e variedade um
de papel
formasmuito
de
interações do que ele representa.
Observe-se a passagem que se segue de Goldrich (1965:368), baseada
fundamentalmente em O. Lewis e Carolina de Jesus (1962): “A orienta
ção para a margem (sic) se deve à tendência do pobre urbano da Améri
ca Latina de não manter nenhum trabalho regular, mas sim um conjunto
de trabalhos irregulares, ou de mudar de trabalho para trabalho, como
um ‘nômade do trabalho*. Se uma pessoa não se consegue se identificar
com um papel ocupacional bastante integrado, então será menor a proba
bilidade de se desenvolver uma orientação estável para a política com
base em seu status ocupacional, fator que retardaria o desenvolvimento
de um sentido de grupo ou consciência de classe, e um conjunto de in
teresses relacionados.” Ou de novo: “Foi observado por Lewis e outros
que trataram da cultura d a pobre za q ue sob Qigssão da p riv aç ão , os
moradores das áreas pobres têm pouca capacidade de adiar a gratificação
e exigem um senso de fatalismo e resignação. Assim, relata-se que os
favelados jre sp on deosm candidatos
tusiasmo porque às campan has
vêmpolà ític as com
favela espe rançacomida,.,
distribuindo e relativoroupa
en
ou dinh eiro — é talvez a únic a ép oca em que os po líticos demonstram
qualquer interesse por essas pessoas. Mas, exceto nessas raras ocasiões, a
vida é tão próxima do. limite do desastre que não é provável que se de
senvolva uma perspectiva com relação ao futuro. O processo eleitoral
não parece ter significado para os pobres porque sua própria natureza é
.gradual e abstrata e . . . é po uco prováve l que o s pobres percebam o
constitucionalismo como um todo como tendo relação com as suas vidas”
(p. 369).
SS A S ociologia do B rasil U rbano

li+ro presumivelmente autobiográfico de Carolina Maria de Jeaus


(1962), que foi ávida, mas não criticamente, lido pelos brasilei
ros4.
Examinando estes elementos míticos, A. Leeds já tratou exten
samente do imediatismo (1966b). O trabalho de E. Leeds (1966)
gobre integração política e o de Moroceo sobre grupo de carnaval
(1066) lidaram efetivamente com o mito do enclave isolado. Mo
desto (1966)
qual as trata
favelas sãoincisivamente da múltipla
uma expressão. rede(cf.
Até Pearse de 1957:
causas*245,
da
1962) indica claramente, de um modo geral, o erro de uma noção
como a de “ marginalidade” e de isolamento em sua discussão da
relação dos moradores das favelas com o mercado de trabalho,
embora afirme, como suposição, que as instituições urbanas são
estranhas e externas aos moradores da favela e, assim, que esta
última deve ser essencialmente rural. Ela busca descrever as “ re
lações estabelecidas pelas famílias com pessoas einstituições estra
nhas ao grupo de parentesco (na) sua integração efetiva na socie
dade urbana” (1957: 245; o grifo é nosso)* Mangin (1967a) e
Turner (1967) listaram precisamente elementos paralelos deste
mito para as barriadas de Lima e, praticamente nos mesmos ter
mos que apresentaremos aqui, têm indicado seu erro fundamen
tal. Parece-nos que dados para Porto Rico, Chile e Venezuela tam
bém demonstram seu erro5.
4 Vá rios cuida dos deveri am ser toma dos na leitura de Carolina Ma ria de
Jesus: a) o livro foi de maneira clara, amplamente organizado por seu
descobridor, um jornalista; b) consideramos bastante possível que na
verdade, o livro não tenha sido totalmente escrito por Carolina; c) o
livro serviu claramente às operações da carreira do jornalista (cf. Leeds,
1964a); d) Carolina não é certamente uma representante característica
dos dois mil moradores de favelas no Rio que conhecemos, como mos
tramos aqui, embora seja conceb ível qu e a popu lação das favel as de
São Paulo seja diferente. Ê verdade que as favelas de São Paulo são me
nores e mais pobres que as do Rio.
5 Cf. Caplow et alt (1964) e G. Lewis (19 67). A migração dos portor-
riquenhos
o trabalho,para Nova York
melhores padrões indica
de em
vida*si uma
uma preocupação com o futuro,mo
busca de oportunidades,
bilidade de vários tipos, bem como um grau de informações sobre as
cond ições além da ilh a. Preo cupa ções semelhantes — não carac terístic as
da cultura atribuída à pobreza — estão refletidas num artigo na San
Juan Star> 4 de nov em bro de 1967, que , sob o titu lo de “ La Perl a Gro up
Starts Rep airs” diz: “ Seis ansiosos castores da seção de São Migu el de
Ia Perla criaram um galpão para reparos imediatos de casas destinado a
ajudar sua com u n id a d e... ‘construímos o galpão na sema na passada po r
que há muitas casas precisando de reparos’. Baretto disse:' ‘Nosso tra
balho é fazer reparos provisórios de emergência até que as autoridade*
governamentais propriamente ditas possam chegar aqui*. O comitê tam
bém decidiu ajudar as idosas, viúvas e doentes não apenas a consertarem
O B rasil e o M i t o d a R uralidade U rbana 89

I Nosso objetivo neste trabalho é mostrar o caráter essencial


mente" urbano da experiência e dos valores dos moractores das ía-
xelãs^é h ãicr ia da s. Fazer ist o significa contradizer litrins ícam êS íe
o~mito da ruralidade e do imediatismo, e converte as suposições
implící tas~5e Pearse em proposi ções expl ic itamente veri fi cáveis —
para am bos os paíse s — qu e esperamos mostrar ser em essenci al
m ente falsas0 . É im portan te observar qu e a sup osição transfor
mada em proposição contém afirmações verificáveis de modo inde

pendente:
popu lações a)
que as pessoas e instituições urbanas são externas às
em qúestão; b ) qiíe es ta s pop ulações não foram , de
modo algum, efetivamente integradas na sociedade urbana.

suas casas, mas a ‘fazerem quaisquer construções adicionais necessárias*...


O reencanamento de um esgoto que estava vazando embaixo da casa de
um vizinho foi feito para evitar possíveis infecções. ‘Havíamos chamado
o gov ern o para is so*, disse Baretto , 4mas nada acon teceu , de m od o quo
decidimos que nós resolv eríamos’ .” La Perla é um arrabel (favela).
Cf. O. Lewis, La Vida.
€ Para fazer justiça, deve ser assinalado que uma pequena parte dos
dados d o artig o de Pearse (1958) se baseaia numa fo nte n ão citada para
1948, outra parte nos dados do censo de 1950 (sendo duvidoso que os
critérios de procedimentos de campo para os dois conjuntos de dados, que
*ão com parado s no artigo, fos sem comparáveis). A parte mais importan
te baseia-se num survey realizado por uma freira em 1955, mas os méto
dos de seleção, os procedimentos de campo e as questões colocadas às
19 famílias utilizadas para entrevistas mais intensivas não são fornecidos.
A o contrário , jq primeiro co ntato de Leeds jçorn_ag favelas fo i apenas .em
Í95HTquando José Artu r Rio s estava implementando _as primeir as form u
lações das políticas do <j 0vern 0 ~de Tãcerda relativas à f avela;* õíi~seja,
já havia um an o e m eio ou mais que oc or ria um novo tipo de^fintervenção,
que não existia quando Pearse esteve lá._A maior parte de nossos dados
qyaliíativos é de 1965-66, dez anos de intervalo em relação aõ”cõntã’tÕ"ííe
Pearse» durante o qual, provavelmente, grandes mudanças podem ter
ocorrido. Tentamos controlar as mudanças que podem ter ocorrido, obten
d o as melhores descrições históri cas possív eis — especialmente da s re
lações políticas das favelas com seus interesses po r to do o período. ^ Tam -
jjbém nos es fo rçam os p o r o b ter um qu ad ro das m uda n^^_ na_£ alítica ^3 as
ílinstitniç Ses. pübnças^ p o r g u e estas estabelece m limites para a& oossibilida-
jltfê?T~cfe~Tntegração ejn. qualquer èp óca dada (v er abaixo). Para as barria-
das, há melhor material histórico disponível porque Mangin, Turner e
Matos Mar estiveram
uma década, em contínuoecológico
e o desenvolvimento contato urbano
com elas
das por pelo menos
barriadas, que
se iniciou mais recentem ente que n as favelas, é rela tivamente bem co
nhecido. Para ambos os casos, concluímos que houve menos uma evolu
ção de experiência e ideologia dos moradores da favela e da barriada do
que uma evolução de sua articulação com a sociedade contextuai (cf.
Peatti, 1968, Cap. 2). Esta articulação é governada por desvios na polí
tica ou em necessidades políticas e de outros tipos daquelas agências da
sociedade e, crescentemente, pela evolução da estrutura social interna das
próprias favelas.
90 A S ociologia do B rasil U rbano

Antes de nos voltarmos para os nossos dados, desejamos fazer


duas observações metodológicas e teóricas. Primeiro, uma palavra
sobre o termo ^integração11. Ele vem sendo correntemente usado
numa vasta literatura sobre sociedades em desenvolvimento de uma
maneira determinada por valores, significando em sua essência “ o_
nosso” , isto é3 um tipo de integração americana, “ ocidental” , .“ de
mocráti ca” , baseada no “ mercado”^ (cf. Pearse, 1957, também cla
ramente exposto em Nadler, 1967, e Cliaplin, 1966, sem o em
prego da palavra)* Daí decorre_que., as outras sociedades sao não-
ilitegradas ou desintegradas. Em bases teóricas, metodológicas e dc
'observações, esta visão mantida de forma tao comum, mas incons
cientemente, é,desprovida de sentido porque implica necessária e
logicamente que a sociedá3e medieval, as sociedades de irrigação,
os despotismos orientais, as sociedades “tradicionais” , as sociedades
arcaicas, as sociedades “ subdesenvolvidas” e^. mesmo as sociedades
primitivas, tão caras aos antropólogos, são não-integradas ou desin
tegradas. Tais visões são despropositadas em Jermos de qualquer
teoria, societal generalizada viável. Torna-se evidente que devemos
começar a pensar em fojcgias de integração qualitativamente jfjife-
rentes, seja como Jipos-ideais, como modelos estruturais empirica
mente orientados,/ como formas evo lut iva ^ ou qualquer combinc-
ção disso (ver Leeds, 1964-a^. Os_cj£jitIst ás.__sotyais d eycyí^m diri
gir esforços intensivos para a compreensão dessas_formas de_ inte
gração, em seus próprios termosy_comq_formas viáveis, independen
tes dos modelos “ americano” ou “ ocidental” .
Uma conclusão a ser tirada dessas observações é que se deve
ria buscar empiricamente ou prever teoricamente a forma de inte
gração das favelas e barriadas no resto da sociedade e não fazer
suposições teóricas inaceitáveis da não-integração ou desintegração
dessas entidades.
Em segundo lugar, com o decorrência do que fo i dito, as
“ áreas invadidas” não podem ser compreendidas empírica ou teo
ricamente a não ser que sejam examinadas em detalhe como partes
de um sistema maior e como produtos da operação do sistema. Es
pecificamente, nós — assim como aqueles que realizaram trabalhos
de campodonas
empírica quebarriadas — aprendemos,
com a teoria7, que nem_asmais com nem
.fqvelas a experiência
^s barria
das podem ser adequadamente compxççndidas sem a compreensão
de uma ampla gama de* outfõs tipos sóciojesidenciais concorrentes,
uma vezjçjue os movimentos para, entre e de favelas ou barriadas.
7 O que se segue teria sido previsível a partir da teoria antes do estudo
de campo se os cientistas sociais estivessem acostumados a produzir hipó
teses pensando teoricamente a partir dos materiais empíricos.
O B rasil e o M i t o d a R uralidade U rbana 91

constituem parte do processo de desenvolvimento favela-b^rrlada.


migrações nirãl-urbanas e_ urbanização de ^pessoas não- urbanas, e
assim por diante^ Segundo Matos Mar (entrevista de 4* de setem
bro, 1967) e segundo nossa revisão de praticamente toda a litera
tura sobre habitação no Rio (ou outro lugar do Brasil), nao exis
tem estudos para Lima ou para o Rio acerca desses tipos residen
ciais, exceto o de Patch (1961). Em geral, eles são desconhecidos,
ao não ser material
melhor pelo trabalho de Oscar
que temos paraLewis
o Riosobre vecindades
e para Lima é no México;
superficial
porque se baseia apenas em breves incursões nesses outros tipos de
habitação9. Conseqüentemente, todos os quadros da estrutura social
e do processo social envolvidos sao, até hoje, incompletos, seja para
a Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Guatemala, México, Nica
rágua ou Peru, os países latino-americanos em que estudos mais
exaustivos foram realizados9.

8 N o R io , estes consistem dos tipos l istados à esque rda abaixo, ao passo


que os equival entes para Lim a estão l istados à direita. Defin içõe s ap ro
ximadas são dadas abaixo (cf. Harris e Hosse).
a. conjunto conjunto
b. vila urbanizoción popular
c. cortiços caHejones
d. parques proletários vilas de emergencia
e. avenidas viviendas continuas
f. cabeças de p or co , casas de
cômodos casa de vecindad
g. favelas de quintal corralones
h. favelas barriadas
i. áreas pobres propriamen te
ditas (nenhum termo que
conheçamos) turgurios, barrios insalubres
a. N o Brasil, um “ pro jeto habitacional” indepe ndente do níve l de rend a
ou de estratificação; a maioria é ocupacionalmente especializada, justifi
cando-se portanto falar de conjuntos da “classe t rab alhado ra1*, b. vilas da
classe trabalhadora, c. essencialmente, uma única construção de um ou
dois andares divididos em fileiras de apartamentos horizontalmente, em
volta de um pátio comprido que contém uma ou duas bicas, tanques para
lavar r oupa e b anhei ros. Em Sã o Paulo, o termo fo i aplicado a cas as
de cômodos, d. habitação governamental temporária para a classe traba
lhadora, feita de madeira; no Rio, na verdade, habitação permanente.
Ainda nã o descobrim os term o equivalente para Lima. e. filas de casas.
/ . . . g. construções tipo favela autorizadas pefo proprietário no quintal ou
na frente da casa, para elevar sua renda. h. áreas invadidas por posseiros
i. Não descobrimos nenhum termo para o Rio — a área extensa de casas
outrora razoáveis que decaiu, existente em ruas oficiais e tendo oficialmente
facilidades urbanas como água, luz e esgotos.
? Para biografia sobre os vários países, ver Mangin (1967, p. 90, nota 2;
e Tumer (1966e) Além disso, para a Colômbia, ver Reuchel-Dolmatoff
92 A S oc i ol og i a do Brasil Urbano

A Experiência Urbana dos Moradores das Áreas Invadidas

Voltamo-nos, em primeiro lugar, à concepção de “ urbano**


na discussão. Um compoagnte do fepômenQ _urbano, que pode ser
designado “ o^etEos urbano” foi tratado em detalhe por Harris
(1956) e A. Leeds (1957; Capítulos 6 e 7) para cidades de 1.500
e 3,500 habitantes, respectivamente, no interior do Brasil. Ambos
os autores estão rigorosamente de acordo quanto à ideologia essen
cial e fortemente urbana mesmo das pequenas cidades no Brasil,
especialmente se elas são centros administrativos. Ambos os auto
res baseiam seus argumentos em noçoes geralmente aceitas acerca
do fenômeno urbano sustentadas por autoridades como Mumford,
jWirth e outros. A. Leeds, além disso, argumenta ques. mesmo os
'latifúndios tão comuns tanto no Brasil como no Peru são urbano^
na sua organização e orientação, ou seja, sistemas essencialmente
Jndustriais orientados para os mercados, atividades e interesses da
ciçlade.
Um segundo componente é a inter-relação complexa, locali
zada, de grande número de especializações técnicas, sociais, admi
nistrativas, poJíticas e de outros tipos, qualitativamente diferentes
(c f, Leeds 1965), Um terceiro _çomjipueote que queremos incluir
éde o comunicação,
simples aparato físico da amontoados
transportes, cidade: utilidades públicas,tipos
de diferentes sistemas
de
c®nstrução, etc.
É com relação a características urbanas como essas que os
moradores das favelas e barriadas devem ser examinados se se pre
tende uma avaliação válida da natureza de sua experiência social e
de seus valores. Antes que a questão da ruralidade de sua urba
nidade possa ser discutida profundamente, é essencial ter disponí
vel alguma sociologia mínima doJugar de-srcem-dos moradores.
/Muitos surveys simplesmentç indagaram o nome do lugar__de ori-
jgem, que foi então arbitrariamente classificado como urbano ou
jrural segundo critérios mais ou menos pessoais do investigador —
sempre de um grande centro urbano e geralmente com pouca ou
nenhuma experiência do “ interior” , como se diz no Brasil, com.
menosprezo implícito,
Brasil, indagar mesmo
pelo nome por parte
do lugar de cientistas
de srcem sociais.
é totalmente No
inade-

(1953). Para o Brasil: Cate (1961, 1962, 1967), Estado de Minas Gerais
(396 6), Goulart (19 57), Magal hães (1939)., Medina (1964 ), Pendrell
(1967) e Silva (I960). Para El Salvador, existem materiais manuscritos
pelo Sr. Alistair Whit e, da Cambridge University; par a a Guatemala, R o
berts (1966, 1967); Para a Nicarágua, ver O. Toness (1967) e K. Toness.
O B rasil e o M i t o d a R uralidade U rbana 93

<quado porque, diferentemente dos Estados Unidos, o nome da sede


‘ administrativa municipal (que é juridicamente a cidade, sem levar
em conta o tamanho, fornecendo todos os organismos básicos de
governo e administração) e das seções rurais do município são
idênticos. Não se pode dizer, ji partir da resposta, sendo d&do ape
nas o nome do lugar, qual é a experiência cio informante, que tipos
de contextos instfrucíõnais ele conheceu, ou a que tipos de valo
res esteve exposto.
Ümassociados
e seus segundo, problema f oi lucidamente
(1967, também Browning exposto por 1967):
e Feindt, Brown os
ing
fmigrantes que vêm para a cidade ainda bebês, ou mesmo crianças, r,
iforam, em estudos anteriores, tomados como nativos de seu lugar/-
jde “nascimento, mais do que de seu lugar de sociaíizaçãq. Esta úl*
tima, do ponto de vista de muitos cientistas sociais, é a informação^
mais significativa. Browning et al. (1967) distinguiram desta for
ma esses dados ém seus questionários em Monterey, México. Espe
ramos poder fazer o mesmo, mas como os nossos dados de survey
ainda não estão calculados, impressões com relação às favelas do
Rio são, por ora, suficientes.
Logicamente, do ponto de vista de uma metrópole como o Rio,
sem considerar a migração de cidades para áreas rurais (insignifi
cante no Brasil), a migração de retorno e migrações de metrópole
para metrópole ou intrametrópoles, sao_concebíveis J5 tipos de mi
gração rumo à cidade« onde são possíveis os seguintes pontos de par
tida ou de ch egada: o interior rural (R ) , o povoado ( P ) , a cidade
pequena (C P ), a cidade (C ), a metrópole (M ). Somopte as migra-
ções R — M permitem 8 combinações, se todas, algumas, ou nenhu
ma parada intermediária é calculada. P— M permite 4 combinações.
Se, seguindo as características do “ urbano” dadas acima, ou a defi
nição jurídica brasileira, define-se a cidade como o nível mínimo ur
bano, entao, das 15 combinações possíveis, apenas 3 ( R — P — M;
R — M ; P — M ) não têm qualquer cidade pequena ou cidade como
degraus intermediários.
De fato, todos os 15 tipos, e, somados a esses, os tipos de migra
ção inter e intrametropolitanas, mais as combinações das ulíimas
com as 15 tanto
moradores acima,dassãofavelas
encontrados como
como das modelos Àssim^nio__é
barriadas. de migração dos
s^r-
prendente que os migrantes verdadeiramente rurais nas favelas _do
Rio sejam poucos. O que é_surpreendente_é_o__seu número mm to
apequeno* Nosso palpite é de <jue eles constituem não_ mais do que
5 % da população das favelas.
Mas estes números não dizem tudo porque ainda não dão qual
quer indicação da sociologia dos locais de_ srcem. Assim, pode-se
94 A S ociologia do B rasil U rbano

perguntar a um homem; “ De onde você é? ” Resposta: “ De Santo


Antônio de Pádua.” P : “ Mas, da própria cidad e?” R: “ Não, da
roça.” P: “ Mas você estava trabalhando na enxada?” R: “Estava.,v
P: “ 0 que você plantava?” R : “ Plantava, arroz, milho, fe ijão, café,i
tinha ovos e fazia farinha de mandioca.” P : “ Vocês comiam tud o?”
■ R:“ Bem, não, nós vendíamos na cidade.” P: “ Quantas vezes vocês
iam lá?” R: “ Toda semana. Vivemos na cidade por um tempo an
tes de ir morar na roça” , ou outra R : “ Levávamos a coisas para lá
todo tempo. Eu também sei cortar cabelo, então eu tinha uma bar
bearia no limite da cidade — ganhamos fregueses que iam e vi*
nham para a cidade.”
Conversas como essa são típicas. O informante trabalhava
( numa fazenda, vendia no mercado, tinha familiaridade com'as tran
sações comerciais, com a ambiência e com as instituições üríjanaS
— polícia, burocratas, autorizações, comércio, troca, fluxcTdè^fráftH
go e transporte. Ele não veio despreparado e ignorante gara a vida!
|da_ cidade. "
Mas mesmo essas conversas são, de certo modo, espúrias. Im
plicitamente, elas assumem a persistência e relativa imutabilidade
dos chamados valores rurais. Na literatura, esta suposição permeia
o tratamento nao apenas dos migrantes rurais para a cidade,, mas de
praticamente todos os problemas relativos ao campo. Os observa
dores oitadinos parecem todos convencidos da “ idiotia da vida ru
ral” . Uma expressão mais sofisticada e generalizada da mesma no
ção é que os_ aspectos ideológicos mudam mais devagar ou “ estão
atrasados” com relação à mudança no comportamento tecnológico
ou social.
Entrevistas com as poucas pessoas que identificamos como
tendo vindo especificamente de áreas de povoados rurais do Brasil
e de Portugal contradizem diretamente tais suposições mais fre
qüentemente do que as confirmam. Em alguns casos, a pessoa em
questão parece ter-se adaptado muito rapidamente à ambiência
urbana e da favela, e ter-se agarrado violentamente ao que ela ofe
recia. Assim, por exemplo, o presidente “rural” de uma associação
de favela, que tivera treinamento em eletricidade, encanamento e
outras num
falque habilidades de econstrução,
escritório deuterras
investiu em certa no
vezEstado
um inteligente des
do Rio, onde
os valores das terras estão subindo rapidamente.
Somos levados a suspeitar que os chamados “ valores rurais”
incluem muitos valores e savoirs-faires, tais como a “ esperteza cam
ponesa” (cf. Biersted, 1967, p. 89), que são altamente adaptativos
em cenários urbanos, especialmente quando lidando com cidadãos
urbanos que nao são familiares a estes valores ou modo “ campo
O B rasil e o M i t o d a R ural i dade U rbana 95

nês” de fazer as coisas. Mesmo o chamado modo paternalista jde


rélaç^o, tido como característico do rurícola brasileiro, pode^ser
usado de formas altamente adaptativas para a contra-exploração do
sistema na área urbana — aproveitando-se de um patrão, de uma
instituição de Serviço Social, de um órgão de bem-estar social, de
uma Igreja ou grupo de mulheres, de um Corpo da Paz, de uma
USAID, de antropólogos americanos, etc.
Alternativamente, parece evidente que os novos imigrantes
para a cidade
e embora não omudam algumas cerne
mais profundo coisascie
muito
seusrapidamente, de fato,os
valores, as tarefas,
padrões, os interesses, os_ objetivos, os prazeres, especialmente dos
homens,_ transformam-se rapidamente em urbanos. Quase que sem
exceção, se se pergunta a eles se qiierem voltar a seu lugar de ori
gem, a resposta é nao. Ás razoes dadas variam do vago “ lá é bom,
mas aqui é melhor” a respostas bem específicas acerca de condições
mais desejáveis de frabalho, vida e coisas a ver e fazer na cidade
(ver adiante). Apenas algumas das mulheres, mais intimamente
ligadas ao lar, lutando na labuta diária, e sem as compensçÕes das
brilhantes luzes ou de reboliço da cidade, falam às vezes de querer
voltar ao lugar tranqüilo e familiar de onde vieratD.

0 l\aseido na Cidade
Assim acontece ocm as ruralidades; voltemo-nos para o extre
mo oposto: os residentes em favelas ou barriadas que nasceram na
cidade. No Rio, estes constituem elevada percentagem da popula
ção da favela. A fonte não citada de Pearse para 1948 ( L958) dá
20% da população-amostra como nascidos no Rio. Ele observa, to
davia, que o Esqueleto, a favela em questão, era recente, ao passo
que favelas mais antigas tinham em média 3 8% de cariocas, Não
sabemos certamente, quantos vieram para o Esqueleto como crian
ça,« e foram desta forma socializados no Rio, seu “ lugar de sociali
zação” , a segunda categoria de Browning e Feindt ( 19 6 7 ). Deve-se
lembrar que os informantes eram adultos. Se fosse feito um cálculo
por cabeça das pessoas nascidas no Rio, a percentagem provavel
mente seria maior, porque muitas das crianças seriam cariocas. O
trabalho Estudos Cariocas (Estado da Guanabara., 1965, Vol. 5 ) 10
permite o cálculo das seguintes percentagens:

Os dados para esta tabela foram calculados a partir dos dados forne
cidos nos Estudos Cariocas (Est ado da Guanaba ra, 1 965) N.Q 5, sobr e
•"População por Naturalidade e Grupos de Idade” nas tabelas para a po
pulação da favela e para o Estado da Guanabara como um todo. Não
há paginação.
96 A Sociologia do Beasil Urbano

Idade Percentagem nascida na Guanabara


Favela . . Não-Favela
todas 51,4 59,1
0-19 81,4 84,5
20-49 23,8 45,6
mais de 50 14,3 31,7

Esses números referem-se, evidentemente, a pessoas nascidas,


não aculturadas, no Rio de Janeiro. É marcante que as diferenças
percentuais entre favela e não-favela entre os jovens da cidade se
jam negligenciáveis. O grupo 20-49, que contém grande número
das pessoas da amostra de Pearse, é ainda apenas 23,8% carioca,
comparado com os 20 % de Pearse. A categoria 0-19 anos encobre
49?3% e 40% respectivamente do total da população da favela e
não-favela, fato que se reflete nas percentagens entre 50 e 60, para
pessoas tanto da favela como não, nascidas na Guanabara.
Numa favela mais antiga que estudamos no verão de 1967,
Tuiuti, conversando apenas com adultos, talvez 40% ou maiá fos
sem cariocas, ou seja, uma percentagem mais elevada do que a
média das favelas em geral. Um bom número destes, talvez 5 a
1 0 % da população total, era da segunda ou terceira geração nascida
jna própriadefavela,
barriadas Lima, situação
que em que
sua não encontra
maioria correspondente
surgiram a partir danas
II
Guerra Mundial. Todos os restantes 40% haviam migrado para a
ia vela vindos de várias partes da cidade > no que eles ou sua cidade
encontram um paralelo em Lima. Lá tamhém, muitos dos migran
tes de outras partes da cidade haviam nascido na cidade (entrevis
tas com moradores da barriada Letícia, Wpl 1967, cf. Mangin,
1967a).
Esse fato é da maior importância porque, primeiro, estes são
urbanitas cuja entrada para as áreas invadidas é um ajustamento
ã vida num cenário urbano e é distintivamente uma escolha urba
na. Em geral, isso indica, mais uma vez, que a favela ou a barria
da é um fenômeno de áreas estritamente urbanas, e não rurais,
onde, de qualquer modo, não se encontram paralelos (cf. Mangin
1967b, p. 80).
Em segundo lugar este fato exige que as pressões que empurram
as pessoas para fora das partes da cidade autorizadas em direção às
áreas de moradia não autorizadas sejam estudadas de modo a com
preender corretamente o desenvolvimento da favela (Modesto,
1966).
Em terceiro lugar, isso significa que há um núcleo perma
nente de urbanitas nativos, de há muito moradores das favelas*
O B rasil e o M it o da R uralidade U rbana 97

em torno dos quais migrantes posteriores se agregam. Os dadoj


sugerem que muitos daqueles que migram de áreas autorizadas
para favelas ou barriadas são os mais empreendedores, mais consci
entes dos fatos econômicos, sociaisf políticos e administrativos e
das políticas urbanas (cf. Turner, 1966b); alguns daqueles que
migram e fazem para preservar ou melhorar sua situação econômi
ca e pocial sob as dificuldades reinantes na economia e no sistema
social brasileiro.
Na maioria das entrevistas de nosso surt?ey de_ 1967. e em
todas aquelas realizadas em fevemro e no verão de_ 1968, obtive-
mos os locais de srcem dos moradores. Já havíamos observado que
i considerável percentagem de adultosnascera na própria Tuiuti, ao(
' passo que outra percentagem considerável nascera na cidadc do Rio,[
\fora das favelas, tendo se mudado para elas. Falamos com pessoas
que haviam vindo dc^capitais de estados, São Paulo (muito pou
cos), Vitória, Salvador, Recife, João Pessoa e Fortaleza, bem como
das grandes cidades suburbanas independentes do Estado d o R io de
Janeiro, imediatamente contíguas a e, de fato, sociologicamente
parte da cidade do Rio de Janeiro, embora administrativamente
fora do Estado da Guanabara. Estes centros suburbanos sao. Duque
de Caxias, Nova Iguaçu, São João de Meriti e, do outro lado da
baía, Niterói, capital do Estado do Rio, e São Gonçalo (ver Qua-
dro I, ane xo). Além disso, uma percentagem muito grande vinha
de municípios dos Estados d o . Rio de Janeiro, Minas Gerais e_Es-
pírito Santo. Uma percentagem aparentemente .menor vinha_de_ci
dades pequenas e povoados no interior dos municípios e, como assi
nalamos acima, uma percentagem muito pequena vinha diretamen
te,de áeras plenamente rurais (ver Peattie, p. 13).
Com relação a estas observações, deveria ser assinalado que to
das essas cidades, cidades pequenas e povoadas estao elas mesmas,
crescendo, às vezes, muito rapidamente (ver Quadro I) e se tornan
do mensuravelmente mais urbanas, a julgar pelos indicadores de ur
banismo listados anteriormente. Em outras palavras, migrantes de
todos os lugares, exceto dos povoados e áreas rurais mais estagna
das, experimentaram continuamente o processo de urbanização an
tes que tivessem deixado seu lugares de srcem.
Com_ relação essência urbana dos moradores da favela, três
outros pontos relacionados ao problema do lugar de srcem e lugar
de aculturação devem ser considerados (a ) as variedades de entrada
para e estabelecimento na cidade, e a questão dos centros recepto^
res; (fe) a história ocupacional do morador da favela anterior a sua
moradia na favela; ( c ) os fatores que operam para selecionar pes
98 A S ociologia do B rasil U rbano

soas. para entrar nas favelas, estando já dentro da cidade. Voltar


nos-emos primeiramente para os caminhos de entrada na cidade.
Caminhos de Entrada na Cidade
A questão da entrada na cidade, pelo que sabemos, nao tem sido
estudada no que diz respeito ao Rio. Nossos comentários, conse
qüentemente, baseiam-se principalmente em impressões captadas
em milhares de conversas com centenas de pessoas em muitas fave
las. Para Lima, a questão dos centros recepetores foi discutida com
alguma profundidade (Ma ngin, 1967a, b, c; Turner, 19 63 ). Os
dados para ambas as cidades estão de acordo mas a forma de en
trada no Rio é muito menos nitidamente definido do que em Lima.
Em ambas as ridades, tim dos principais caminhos de entrada
do migranle pobre^ é através das_áreas de casas velhas, decaden
tes ou habitações aparentemente construídas para residência pro
letária, ou seja (vér fig 8), os cortiços, cabeças de porco. as aveni
das construídas em lotes proletários e residências decadentes no
Rio, e os callejones, os çorralones e as vivendasjzontinuas. e as^de
cadentes mansões de Lima. No Rio, parece haver considerável mo
vimentação de um para outro desses tipos de residência por parte
dé”grãnde proporção dos migrantes, até qúe eles se estabeleçam, as
cendam ou se
cem voltar, ou mudem para_
ao menos as favelas,
voltar porquê- muito
definitivamente, para poucos
a áreapare
“ru
ral” ou mesmo para seu ponto de srcem não rural fora da metro-

No Rio, conhecemos muitas dessas pessoas. Miguel Gênio, por


exemplo, veio do Rio Grande do Norte, jovem, filho de um advo
gado de uma cidade do interior. Ele aprendeu o ofício de relo
joeiro enquanto ainda vivia, primeiro, numa parte mais decadente
de Copacabana, o playground da elite; depois, num outro bairro
da cidade. Finalmente mudou-se para a favela do Jacarezinho.
Ele nao gostava de Copacabana ou da Tijuca (em grande parte áreas
residenciais da classe média alta), mas disse: “ Eu adoro o Jacare
zinho.” E gosta mesmo! Ele mora lá ganhando sua vida como re-

31 Há também , evidentemente, uma migraçã o considerável para a ci da


de como um todo de pessoas de nível de renda médio ou mesmo ricas,
bem com o de estran geiros de vários níveis econ ôm icos. A maioria dele»
não vai para a favela, exceto alguns estrangeiros pobres, na maior parte
portugueses. O restante nunca está presente na discussão da migração
rumo à cidade porque, por suposição, sendo ricos, não podem ser rurais,
e em função do artifício de se separar as favelas do resto da cidade.
P ou co sabem os desses migr antes, excet o, talvez, dos e strangeir os. A per
centagem para as favelas do Rio é de cerca de 0,9% e, para o Rio como
um to do, de 6 % , surpre endent emente baixa.
O B rasil e o M i t o d a R uralidade U rbana 99

lojoeiro, freqüenta uma escola noturna para estudar Direito, envol


veu-se na principal corrente da política da favela, é proprietário
de sua casa. Outros que conhecemos entraram na cidade através de
áreas mais proletárias como Olaria e Ramos, mas posteriormente
mudaram-se para a favela.
Todavia, nas favelas do Rio, também encontramos um bom
número de pessoas c[ue vieram diretamente de algum ponto de ori
gem fora da cidade. Isso é particularmente verdadeiro para os nor
destinos
te parecemdo Estado da Paraíba,12
ser segmentos cujosouúltimos
de família amigosmigrantes
de gruposgeralmen
de mi
grantes anteriores e que se teriam mudado para a mesma casa
ou habitação destes últimos. Assim, há uma enorme quantidade de
paraibanos ( “ cabeças chatas” ) em várias favelas, como por exem
plo em uma das subdivisões de Tuiuti chamada, de modo muito
interessante, “ Mineiro” , por causa do grande número de pessoas
nascidas em Minas Gerais, vivendo em uma outra parte desta mes
ma subdivisão.
Todavia, devia ser observado que parece não haver centros
receptores altamente focais e persistentes como foi relatado para
imigrantes tribais em cidades africanas (cf. Epstein, 1967, p. 280).
O padrao do Rio, e aparentemente o de Lima, éj3 de dispersão das
pessoas nos çentros que, através do tempo, variam em núpiero e
localização na cidade, dependendo de migrantes anteriores, fontes
de migragoes atuais, habitação e outras condições nas áreas recep
toras, condições do mercado de trabalho local, políticas administra
tivas relativas à habitação, trabalho ou transporte.
Nada conhecemos, praticamente, acerca das paradas migrató-
ris de uma categoria especial, os habitantes estrangeiros da favela,
nascidos quase que exclusivamente em Portugal, porque não con
seguimos, em geral, informação suficiente sobre seus locais de ori
gem. Muitos dos portugueses de Tuiu ti haviam crescido no Rio, ou
haviam vivido no Rio desde a chegada ao Brasil. Muitos eram ati

12 N ão encontram os ninguém das seguintes áreas do Brasil; Pará , Piauí,


Alago as , Sergipe, n o Norde ste; M ato Grosso, Goiás, n o Oeste; Santa
Catarina, no Sul; nem dos territórios nacionais do Acre e Rio Branco.
Um ou dois são dos seguintes estados: Amazonas no Norte; Rio Grande
do Nortr, no Nordeste; São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, no
Sul. Número considerável (mas uma pequena percentagem) é da Bahia e
Ceará ; n úm ero muito m aior d a Par aíba e de Pernambuco. A grande
maioria é do Espírito Santo, Minas Gerais, Estado do Rio de Janeiro e
Guanabara, da Região Centro-Sul. Um grupo pequeno, mas altamente
significativo, é estrangeira, especialmente portugueses. Praticamente, os
único s camponeses genuínos que encontram os nas favelas eram portu
gueses.
100 A Sociologia do Brasil Urbano

vos no comércio nas favelas, alguns tendo constituído recentemen


te um bom negócio. Alguns (sobretudo homens) são artesãos.
Aqueles que têm plantações no topo da favela Salgueiro eram cam
poneses antes de vir para o Rio meio século atrás. Outros sonham
vagamente com a volta, inas seu realismo lhes diz que não há muito
para o que voltar; é melhor no Brasil, embora, alguns dirão, “nSc
esperássemos isto” , ou seja, viver nas favelas.
Breve jnenção deveria ser feita a alguns interessantes casos de
migração. Um é o caso do proprietário 3e uma loja e oito aparta
mentos na favela Tuiuti, Por volta de 1946, seu avô comprou e
registrou a terra na qual se erguem as construções. Ele tinha difi
culdades financeiras, e então decidiu experimentar sua sorte no
cultivo. Assim, comprou uma plantação no Estado do Rio, para
onde se mudou, Apesar de nascido na cidade, de pais urbanos, o
atual proprietário da propriedade na favela foi criado na fazenda
desde um ano de idade, só voltando para a cidade como um jovem,
depois da morte de seu avô. Tomou, então, conta da propriedade e a
desenvolveu. Este é jjm caso extremo de migração de ida e volta, que
seria provavelmente classificado como migrante rural na simples
enumeração estatística. Temos alguns casos de pessoas nascidas,
digamos, em Cabo Frio, que passaram sua infância no Rio ou foram
para lá como jovens por alguns anos, voltando entao a Cabo Frio
por um período, quer para uma visita prolongada, quer para buscar
uma possível alternativa à vida no Rio. Eventualmente voltavam
para o Rio, achando a vida em Cabo Frio muito confinada, econo
micamente pobre ou insatisfatória. Alguns destes, também, embo
ra amplamente aculturados como moradores de grandes cidades,
podem ser classificados pelos cálculos simplistas dos censos como
migrantes rurais. Finalmente, descobrimos uma senhora nascida
em Tuiuti que com dois anos de idade se mudara para a Espanha
com seus pais espanhóis e morara lá até 17 anos. Voltou, então,
para o Rio, morou fora da favela por alguns anos, retomando fi
nalmente a Tuiuti para o lote que os pais tinham comprado e regis
trado mais de meio século antes (por volta de 1912), do qual ela
é hoje proprietária. Todos esses casos ilustram simplesmente o
fato de que a(ver
tânte..mápl^ gama de experiência
menção de Peattie dos
aos moradores de favelase éára-
chineses, libaneses, bas-
~Ms mòfalííio no seu bairro, pp. 12,13), por vezes incluindo muitos
tijjos de moradia, de povoados e metrópoles, muitos tipos de habita
ção e~unidades residenciais, todos os tipos de papéis legais13 e mes
mo considerável experiência internacional.
13 De pois de alg um tem po de tra balho de camp o com morado res de fa<
velas, começa-se a compreender quantos papéis oficiais eles têm: recibo
O B rasil e o M it o da R uralidade U rbana 101

Nesta última conexão, deve ser observado que a área que com
preende os Estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio Grande
do Sul e Guanabara área que supre mais de 8,5% dos moradores
das favelas do Rio,14 é amplamente coextensiva à área do Primeiro
Exército brasileiro, cujo centro para treinamento militar é o Rio
de Janeiro. Todos os homens de 18 anos de idade estão sujeitos a
um ano de serviço militar, que, sendo no Rio, significa muitas coi
sas. Contribui
estrutura para a maior
institucional migração
cujo para
loeusa central
metrópole; acultura
é não apenasnuma
a ci
dade, mas neste caso o cosmopolita e urbano Rio de Janeiro; des-
trdi o localismo e o regionalismo; geralmente ajuda a dar treina
mento especial para pessoas que depois voltam à vida civil e se tor
nam especialistas; e, ocasionalmente, dá a alguns, experiência in
ternacional.
Assim, nosso amigo Sócrates passara alguns meses em São Do
mingos no contingente do Exército brasileiro e algumas semanas
com um grupo do Exército no Vietnã, examinando as possibilidades
de participação brasileira. Sócrates era de uma pequena cidade do
Ceará onde sua família possuía um rancho de gado e tinha um ne
gócio (ilegal) de venda de água mineral. O próprio Sócrates havia
trabalhado no Jornal do Brasil como tipógrafo antes de voltar a ser
quitandeiro e vendedor de galinhas na favela porque podia ganhar
mais dinheiro com essa operação tanto lícita como ilícita ( ver Schultz,
1966).
Também encontramos pessoas que serviram na Marinha e na
Marinha Mercante. Alguns destes haviam visitado muitas partes
do mundo, e uma surpreendente proporção dos mais velhos estivera
na Itália com a Força Expedicionária Brasileira na II Guerra Mun-
de aluguel, recibos de água, recibos de luz, recibos de pagamento de
esgotos, carteiras de identidade, títulos de eleitor, certificado de reser
vista, carteiras de posto de saúde, cartões de seguro social, cartões de
clubes, igrejas, etc., escritura de venda, notas de pagamento de casas, cer
tidões de nascimento, certidões de casamento, testamentos, títuíos de terra
e outros papéis relativos à propriedade, Diários Oficiais
tam anúncios oficiais impressos, e assim por diante,
dos quais cons
ad infinitum. Quase
todas as casas têm uma gaveta ou caixa onde essas gigantescas coleções
de papel são guardadas. Os moradores sentem-se completamente à von
tade para puxá-los e mostrar ao pesquisador seu status legal acerca de não
importa que questões. Esta marcante preocupação com o jurídico, o
oficia l, é nitidamente uma ênfase cul tural geral no Brasil , o “ Estado Car-
torial” como alguém o chamou, ênfase intensificada na favela por causa
do status ilegal da favela como tal. Presumivelmente, este é um esforço
dos moradores para se protegerem contra todas as forças que podem (e
o fazem) usar qualquer minúcia ou irregularidade contra eles. Essa ênfase
"cartorial” é também claramente urbana.
14 Ve r, anteriorm ente, nota 10.
102 A S ociologia do B rasil U rbano

dial. Tais experiências são visivelmente lembradas (ver Guilher-


mo, Ms, Gap. 4). Outros viajaram para Nova York, Filadélfia, e
outros pontos americanos, onde aprenderam um. pouco de inglês
e às vezes muito sobre discriminação racial. Essas experiências tam
bém são vividamente lembradas.
Em suma, muitos serviços militares e, no Brasil, paramilita-
res (como a Polícia e o Corpo de Bombeiros), contribuem para pa
drões de migração,
interculturais e parapara a intensificação
a aculturação de experiências
de pessoas, algumas urbanas
das quaise
foram morar mais ou menos permanentemente nas favelas.

Experiência Ocupacional Anterior


Voltamo-nos agora para a questão da experiência ocupacional an
terior à entrada na favela. Novamente, não existem dados sistemá
ticos acerca disso para o Rio; por ora, podemos apenas contar nos
sas impressões. Primeiro, deve ser assinalado que a gama de ocupa
ções encontrada entre os moradores da favela como um todo abran
ge toda a gama de níveis de status ou categorias de avaliação (tão
comumente chamadas “ classe” na literatura) traçadas por Hutchin-
son e seus colegas
ocupacional (1960,Todavia,
brasileiro. pp. 30ss)a para
gamao varia
sistema
comdeo estratificação
tamanho da
favela. Apenas em favelas grandes e complexas como o Jacarezi-
nho, com 70 a 80.000 pessoas, ou a Rocinha, com cerca de 30 a
40.000, encontram-se advogados, médicos, dentistas, padres, enge
nheiros, funcionários públicos de responsabilidade, ou semelhantes,
que estão na categoria A e B de Hutchinson, no topo da escala.
Em Tuiuti, com talvez 7.000 pessoas, estes dois níveis do topo
— profissionais — estão ausentes, embora um contador (n ível B )
more lá (ver abaixo). Escrivaos, secretários, hábeis costureiros, fun
cionários de mais baixo nível, incluindo bombeiros, PMs, detetives,
policiais civis e afins são representantes dos níveis C e D, que não
estão nitidamente diferenciados nas favelas (ver variante do esque
ma deourives,
Hutchinson, ibid, 77). Artesãos altamente qualificados
como funcionáriosp.públicos do nível m ais baixo — incluin
do alguns bombeiros, guardas civis e afins — e artífices com o mar
ceneiros e carpinteiros constituem o nível E (com alguma super
posição com o D de Hutchinson). Aqui, também, há trabalhadores
qualificados — em fábricas têxteis, de fio de lã, corda, lata, livros
de bolso, rum, elevadores, reboco e corte de mármore na área indus
trial circundante» Também, havia choferes, motoristas de táxi, ca
minhão e ônibus, mecânicos, trabalhadores de construção qualifi
cados, garçons, etc. No nível F, o mais baixo, estão trabalhadores
não qualificados e semiqualificados: estivadores, trabalhadores de
O B rasil e o M i t o d a R uralidade U rbana 103

estaleiros, porteiros, guardas-noturnos, lavadores de louça, empre


gados domésticos e semelhantes. Na base da escala, mas não pro
priamente numa categoria separada, estao os desempregados, os
marginais e irregularmente empregados e os elementos criminosos
(os criminosos mais refinados deveriam provavelmente ser locali
zados em diferentes níveis avaliativos segundo suas habilidades, seu
Jtreinamento em atividades criminosas e,civis e seysjrínculos sociais;
infelizmente, as técnicas sociológicas-padrão não se prestam ao es-1
|tudo da estratificação
gem espelhada1 neste segmento
’ ou “ inversa” da sociedade,
, nem para relacionarque
seué sistem
sua “aima
deJ
pstratificação àquele do segmento “ anverso” ).
! Em favelas pequenas como Xepa ou a Ruth Ferreira, a ten
dência é a de se encontrar apenas representantes dos níveis F, na
base, e E. A Xepa tem mesmo poucos dos elementos superiores de
F, enquanto que a Ruth Ferreira tem muitos do nível E (ver Peat-
tie p. 12).
Pelo que sabemos até hoje, nao há clara correlação entre mi
gração, duração de residência na favela e nível_alcançado na estrati
ficação ocupaeional: isto é, tanto os imigrantes como as nativos pa
recem ser mais ou menos igualmente^distribuídos na escala. Natu
ralmente; àqueles nascidos na favela obtiveram suas ocupações, en
quanto residentes na favela. Alguns ourives de Tuiuti, por exem
plo, nasceram lá. Em outras palavras, a entrada nesse nível ocupa-
cional, num ofício urbano qualificado, não foi barrada pela moradia
lia favela. Ao mesmo tempo, alguns dos imigrantes também entra
ram em ocupações desse tipo. O contador que mora em Tuiuti
chegou de uma pequena cidade do interior quando tinha 17 anos
e dominou suficientemente as instituições urbanas “ estranhas”
para manter dois empregos, tornar-se detetive em tempo parcial,
obtendo desta forma acesso a todos os jogos do Maracanã, resolver
problemas legais como a autorização de negócios para pessoas da
favela, e manter quatro lares, três dos quais com suas três mulhe
res que coletivamente, por volta de 1967, o haviam abençoado com
11 crianças. Ele pode ser visto passeando com os filhos, de carro,
num domingo, no seu Mercedes-Benz verde-mar*
Ao mesmo tempo, alguns dos nascidos na cidade, na favela
ou em vários tipos de lugares fora do Rio ocupam os mais baixos
postos na escala de estratificação ocupaeional: trabalhadores nao-
qualificados, crimonosos não-qualifiçados, empregados domésticos e
os demais.
Com relação à localização no sistema de estratificação ocupacio-
nal urbano, parece que um determinante importante ê a experiên
cia de trabalho anterior do indivíduo. Muitos informantes haviam
104 A S ociologia do B rasil U rbano

tido uma variedade de experiências de trabalho e ocupacionais an


tes de vir para a cidade, sem falar nas favelas. Pessoas de áreas
agrárias do campo tinham, mesmo quando trabalhavam anterior
mente era fazendas, ocupações secundárias, como barbeiros, peque
nos lojistas, e vendedores no mercado. Outros haviam trabalhado
tfnteriormente nas cidades, sem nenhuma experiência no trabalho
do campo, como escrivãos, pedreiros, eletricistas, motoristas de ca
minhão, secretários ou empregados domésticos. Ambos os contex
tos
tos, de trabalho
licença, envolvem
pequena experiência
burocracia, comoficiais
papéis dinheiro, taxas os
de todos e impos
tipos,
comunicações, transporte, ferramentas mais ou menos sofisticadas,
e assim por diante.
Duas coisas devem ser ditas acerca de tais experiências de tra
balhos anteriores. Primeiro, os contextos dessas experiências en
volvem a exposição a toda xtma série de posições, instituições e com
portamentos que são urbanos em conteúdo e ethos. Segundo, muitas
das ocupações e atividades encontradas em pequenas cidades e mes
mo em algumas áreas “ rurais” são comuns ao mercado de trabalho
mais amplo das cidades dos chamados países subdesenvolvidos;
grande parte daquele mercado consiste de trabalho para o qual o
treinamento curricularizado (ver A. Leeds, 1964a, pp. 1345ss.) é
mínimo ou inexiste, mas especialidades para as quais a experiên
cia é relevante numa situação de mercado competitiva. A articula
ção do mercado de trabalho com a força de trabalho é em si mesma
não curricularizada e constante,15 embora altamente institucionali

15 Observe-se, po r favor , que não consideramos is so desejá vel. É comum »


entre os chamados economistas e sociólogos do desenvolvimento, pensar
que este tipo de articulação do Mercado de Trabalho é uma coisa má,
um verdadeiro sinal de subdesenvolvimento e ineficiência (por sua vez um
verdadeiro sinal de subdesenvolvimento), e indesejável porque é impro
dutivo (comparado com a condição ideal caracterizada pelos Estados
Unidos ou pela teor ia de m erca do). N a verd ade» tal artic ulação — no
te-se bem, uma forma altamente característica de integração (ver intro
dução ao trabalho) específica de toda uma classe de sociedades — é al
tamente adaptativa de várias maneiras. É provável que muito mais pessoas
sejam “mantidas empregadas” por meio de biscates, auto-emprego, tra
balho como vendedores de carrocinhas de hortaliças, mascate, etc. na
cidade, do que num mercado de trabalho mais severamente curriculari
zado e canalizado. Em segundo lugar, isso provavelmente significa maior
aplicação dos benefícios de previdência social, por mais exíguos que estes
sejam. Em terceiro lugar onde a direção, sistemas de crédito, sistemas
de transferência monetária, procedimentos de contabilidade e o próprio
mercado de consumo estão todos em constante fluxo, em altos e baixos,
e caracteristicamente não canalizados e não curricularizados, é óbvio que
a situação do e mpreg o está e m flux o constante (em última an álise, em
resposta às condições e políticas econômicas nacionais, e em parte às
O B rasil e o M i t o d a R ur al i dade U rbana 105

zada. Em suma, para praticamente todos os que migram para a


cidade e que terminam nas favelas, a experiência de trabalho ante
rior lhes dá experiência das formas i»rbanas e os pré-adapta à ex
pressão intensificada dessas formas na metrópole.

Fatores Que Operam na Seleção para a Vida na Favela


Finalmente consideramos os fatores que operam para selecio
nar pessoas da população urbana para a vida nas favelas. As razões
podem ser conceitualmente examinadas em termos de uma espécie
de continuum.
verdadeira marginalidade pressão fazer econ om ia vontade

Por “ verdadeira marginalidade” referimo-nos a situações em


que as pessoas não operam efetivamente nem na economia legal
nem na extralegal (criminosa) da cidade, mas são empurradas para
fora de todas elas. Por exemplo, durante a severa depressão do mer
cado de trabalho que ocorreu no Brasil a partir de 1964, as formas
mais esporádicas e não curricularizadas de trabalho foram as mais
duramente atingidas; ou seja, a reserva de trabalho mais marginal,
que em tempos razoáveis passa de raspão pela marginalidade foi jo
gada a contragosto na verdadeira marginalidade. Houve aumento
das taxas de aqueles
pecialmente crime porque
todosão
o Rio para todos os tiposcometidos
caracteristicamente de crime, por
es
indivíduos agindo sozinhos e sob pressão: roubos, assaltos, espan
camentos, roubos com assassinato. Outros mendigam, vivem de ca
ridade, vegetam de algum modo.
“ Pressão” refere-se, por um lado , a situações que podem asse
melhar-se àquelas_q ue_ produzem _a uver^dadeira^jmàjrginãl idade ” ,
condições econômicas internacionais como as flutuações dos preços de
importação e exportações nos mercados mundiais, dos quais o Brasil, o
Peru e países semelhantes são entidades dependentes e com pouco con
trole). Um pequeno exemplo será suficiente: o cheque. Apenas nos últi
mos três ou quatro anos é que a Lei do Cheque foi criada. Isto fez avan
çar enormemente o uso de cheques, de modo que se pode ter cheques em
seu próprio banco e dá-los a outros em pagamento. Estes devem, todavia,
ir para o meu banco, geralmente mesmo a agência específica com que
negocio (o serviço telefônico no Rio é tão ruim que é difícil conferir
de agência para agên cia), pav a que o cheque seja descontado . Ne m o«
banco deles, nem qualquer outro descontará meu cheque. Não há serviço
de com pensa ção de cheq ues. Novam ente para desco ntar um cheque de
viagem num banco no Brasil, mesmo em uma filial de banco americano
que o emitiu, por exemplo, o National City Bank no Rio, deve ser pre
enchido um formulário com 10 cópias. Os sistemas de pagamentos, então,,
devem também estar em flux o e ser ad aptáv eis a qual quer tem po, pa a
contornar uma rigidez deste tipo.
tos Ä Sociologia do Brasil Urbano

mas nas guais—as pessoas^envolvidas estão em melhores condigões


paraíidax comelas ou, por outro lado, a situações e acontecimentos
que são repentinos e imprevisíveis — por exemplo, a morte, a per
da do emprego, doen ça, acidente e assim por diante — ou que, em
bora previsíveis, eiivolvem uma mudança importante das circuns^
tâncias de vida, como, por exemplo, o casamento, ou nascimento de
um bebê. •
Por “£azer economia” referimo-nos a situações em que as pes
soas têm recursos mais vários
ser distribuídos^entre ou menos
fins,estáyeis.,
conformemas
asilimitados, que devem
escolhas baseadas na
hierarquia de valores (v er últim o cap ítu lo). Obviamente, qual
quer pressão produzirá uma aguda necessidade de economizar no
sentido aqui definido, mas preferimos tratar tais situações como
“ pressão” .
Por "vontade” referimo-nos a casos como o do relojoeiro men
cionado acima que vivia na favela porque gostava, e não por qual
quer necessidade.
É esclarecedor observar habitantes de áreas pobres, moradores
das áreas habitacionais da “ baixa classe média” e moradores das fa
velas mudarem de posição ao longo desta escala sob condições varia
das. Em tais mudanças, as favelas têm um papel muito importante.
Para muitos, _as_ favelas podem representar uma área de refúgio em
dõís sentidos: por serem lugares oiide se pode_ escapar de, aliviar ou
minimizar a pressão — desta forma, o padrão de vida volta ao esta
do de “ fazer economia” normal — e por ser um lugar onde se
gode sobreviver através de vários procedimentos marginais, inclu
sive, jyãr^alguns casos, viver da terra, executar crimes menores
ser sustentado e outras formas de prostituição ou semiprosti-
tuição e, em geral, minimizando a pressão e ameaça externa,
P^ra_outros, a.favela pode ser parte da poupança da pessoa ou da
família, entre inúmeros valores, especialmente onde os objetivos a
longo prazo são perseguidos, enquanto se mantém o sistema domés
tico numa condição tão estável quanto possível, ou mesmo se a me-*
lhora. Estes comentários aplicam-se também às barriadas de Lima
(cf. Mangin, 1 96 7b ). Finalmente, como foi dito, algumas pessoas
gostam de viver nas favelas. O movimento pode ser em ambos os
sentidos da escala: o movimento para as favelas não é idêntico ao
jnovimento para baixo na escala. Muitos casos provam o contrário.

A. Vontade
Vejamos alguns casos típicos. Aqueles do relojoeiro e do con-
tí.dnr já foram citados. Ambos preferem viver nas favelas. Eles
gostam de lá. Há_uma_atmosfera de liberdade (ver último capítulo)
O B rásil é o M i t o d a R uralidade U rbana 107

dos estorvos do mundo de negócios da “ classe média” ., e da^elite


que existe lã embaixo, ou lá fora, atmosfera da qual essas, pessoas
gostam. Elas acham que podem ter as boas coisas, que a cidade tem
para oferecer, e ainda liberdade e conforto também, Eles podem
igualmente ter muita influência entre seus co-moradores, partici
par do crescimento político da favela, ter um grau de reconheci
mento e prestígio social, Podem participar de todos os tipos de
atividades fora da favela como nos negócios, política, religião, esco
la, recreação e futebol.
O velho Orlando Ferreira também mora na favela por prefe
rência. Tem um diploma em desenho arquitetônico e dá aula numa
escola. Em sua maturidade interessou-se pela quimbanda (uma das
formas dos cultos afro-brasileiros) e, assim, morar na favela lhe deu
mais liberdade e uma atmosfera mais favorável para tal. Ele pode
também desfrutar do seu casamento consuetudinário com sua se
gunda mulher em paz e sem censura social.
Casos como esses podem ser multiplicados. Eles envolvem pes
soas com percepção das condições e qualidades da vida urbana e de
süãs possibilidades que podem, em alguma medida, ser ajustadas
a seus desejos. Sao pessoas que têm um certo controle tanto sobre
suas próprias vidas como sobre o que existe à sua volta, exercitam
escolhas, são explícitas em sua apreciação de um certo grau de li
berdade, e ainda estão lidando plenamente com instituições urbanas
que não lhes são estranhas.
O gosto pela vida na favela nao restringe aos mais sucedidos,
mas é mais claramente percebido entre eles porque eles não são
obrigados a viver lá. Outros também gostam de viver lá e parecem
amplamente fazê-lo por escolha, embora o fato de não viver na fa
vela pudesse, em alguns casos, lhes ser fonte de pressão. Eles tam
bém gostam da favela, ainda que possam queixar-se da péssima
habitação, do preço da comida e assim por diante. Geralmente, a
vida da favela faz com que vivam próximos a enclaves ou extensas
redes da família, a pessoas da cidade natal, ou pelo menos, dõ seu
estado natal (um comportamento não necessariamente rural, como
taptos autores parecem crer, mas muito característico, por exemplo,
dos rústicos Austin,
tropolitana bostonianos e novaiorquinos — os nordestinos na me
no Texas).
n Também marcante entre muitas das pessoas é uma forte 4 pre^_
(nação, estética da. paisagem como em Tuiuti, que tem algumas ^das.
[vistas mais belas de todo q Rio. Os moradores falam dos aspectos
naturais e feitos pelo homem, da paisagem, com uma certa admira-
çao, A lavadeira D, Iaiá era um desses casos. Ela já era da segun
da geração no morro do Tuiuti; seu marido tinha sido um trabalha-
108 A Sociologia do Brasil Urbano

3 or semiqualificado numa fábrica de móveis antes que ela fosse à


falência alguns anos antes. Ele ainda estava tentando ser indeni
zado por sua demissão e, enquanto isso, ganhava menos que o salá
rio mínimo num emprego, enquanto ela ganhava dinheiro extra em
trabalho de meio expediente como doméstica e “ lavando para fora” ,
Eles são vizinhos da mãe de D. Iaiá numa pequena vizinhança
onde ocorre uma considerável quantidade de atividades.10 Iaiá c
seu marido passam muito tempo contemplando a paisagem, quando
não estaoaocupados
de como usufruía,com outras
o que era coisas,
possívele graças
Iaiá falava
à suadevida
sua na
beleza,
encose
ta de Tuiuti.

B. Fazer Economia
A utilização da favela como um lugar para morar de modo a
economizar é exemplificada em inúmeros casos. Em geral, os mo
radores das favelas, por serem posseiros, são “ proprietários” que
construíram suas próprias casas — sejam elas barracos, chalés ou
palacetes — ou locadores que pagam aluguéis relativamente bai
xos (embora este padrao tenha começado a se alterar com a cres-

16 O Mito da Ruralidade le vou os observa dores à nã o-p erc ep ção . seleti


va. A vizihKança de D. Iaiá forn ece um exem plo tí pico. É verdade que
se* vê um grup o de mu lheres baten do pap o, em geral lavando roupa
“ juntas ” , ajudando-se nisto ou naquilo, e se descob re qüe alguma del as
são parent es e alguma s da mesma região (neste caso, muita s eram na
turais daq ui ). Te nde -se a dizer “ A h! eis aí a_ vizinhan ça rtira) na cidade!
Um a sobre vivê ncia^dã^ Turál idad eí”” - - ' a suposi ção que s e auto -ev idenci a.
D e fatÕ7 co m o se descob re, essas família s na vizinhança de D. Iaiá pagam
aluguel à tia e à mãe de D. Iaiá, tendo a primeira controle sobre a terra
e casas, enquanto que a última depende dela. A tia mora fora da favela
numa pequena ca sa de “ classe média ” que el a mes ma comp rou com os
aluguéis dos barracos da favela. O “ lavar as_ roupas” na verdade n ão se
dá “ junto” ,.,mas_ em paralelo; não é^u m a.tarefa cooperativa, m as eminen-
tenfíêrite ind ivid ual . Algu ns usuários da bic a da mãe de D , Iáiá pagam
pela água, e assim por diante* Em outras palavras, a vizinhança ocorre
em certos contextos apenas, ao passo que comportamentos bastante urba
nos com relação a aluguéis, taxas, extorsões e coisas semelhantes devem
ser encontrados em outros contextos. Os brasileiros são muito mais ca
pazes de mistura r a vizinhança amigável com a extorsã o “ razoáve l” , es
pecialmente em situações de coerção, do que os americanos, de modo
qüè7 geralmente, os americanos não conseguem ver ambas nas mesmas
pessoas. Na América, o proprietário e o locador muito raramente são
íntimos) Também os americanos, inclusive os cientistas sociais, tendem
a ver o mundo em dicotomia branco e preto, de modo que é difícil para
eles ver múltiplas relações concorrentes ou conjuntos de papéis desem
penhados por um grupo de pessoas com relação a outro, quando não a
muitos outros.
O B r asi l e o M i t o d a R ural i dade U rbana 109

isente escassez de espaço nas favelas mais antigas, mais densas e


mais desejáveis). Em_ um grande número de favelas, especialmen
te aquelas nas encostas de montanhas e nos morros, é possível plan-
tar frutas, vegetais, criar porcos e galinhas, numa espécie de culti
vo urhano especializado que^,permite a criação de valores economi-
<ío s que podem ser consumidos diretamente, trocados, vendidos, ou,
■ como os porcos, usados como uma forma de depósito, que, enquanto
crescem, fazem uso dos recursos locais: sobras de lixo, grama, raí
zes, fezes humanas, etc,17
Um exemplo específico d e “ fazer economia” ; Orlando Mu
nhoz quis viver no Jacarezinho, para onde tinha vindo quando me
nino, da cidade, onde sua mãe vivia na época em que o conhece
mos. Ele fez esta escolha porque o aluguel era barato e mínimo
o custo para o café e o jantar fornecidos pela proprietária no pri
meiro andar. Vivendo desta maneira, alcançou muitos objetivos. O
-objetivo da economia era poupar boa parte do salário de seu em
prego como chefe da divisão de contabilidade da Bolsa de Valores
do Rio. Se não vivesse na favela, teria gasto a maior parte de seu
salário. Em vez disso, ele o investiu, na época do seu -casamento,
que ocorreu quando estávamos lá, numa casa que construiu perto
de seus futuros sogros na cidade propriamente dita, Ele e sua noiva
fizeram grande parte do trabalho nesta casa, eminentemente de
“ classe média” , dessa forma poupando, e investindo essa poupança
no lar e em outros bens. Os outros objetivos eram sua participa
ção política na favela e a direção de um clube de futebol e social
do Jacarezinho, ambos tendo contribuído em muito para seu pres
tígio e para seu futuro ( cf. Galifart, 1 96 4), Ele era a pessoa mais
influente no conselho de representantes de ruas no Jacarezinho.
João, por um grande período, enquanto trabalhava numa em
presa americana, não morou na favela. Embora seu pagamento de
três salários mínimos fosse maior do que o da grande maioria da
força de trabalho brasileira, era ainda apertado quando comparado
com as caras alternativas de aluguéis na cidade, uma boa
boa educação para seus quatro filhos, a manutenção de certo padrão
de vida e outras coisas. Ele optou pela boa educação de seus filhos,
17 Cf. Vayda, Leeds e Smith3 1961. Uma série de complicados ar ranjos
existe com relaçã o aos porc os nas favelas: criar os por cos para matança,
vender animais adultos, comprar leitõezinhos no mercado para criar, criar
para dividir; compradores ambulantes, matadores especializados de porcos
que trabalham por percentagem de carne ou por pagamento, e assim por
diante. A criação de porcos pode ser realizada por consignação para as
pessoas que vivem lá embaixo e não têm acesso à terra. O cálculo da cria
ção de porcos é muito complexo e deve ser deixado para outra oportu
nidade.
110 A S oci ol ogi a d o B rasil U rbano

vendo, a longo prazo, mais segurança para eles e para ele na edu
cação. Então, mudou-se para uma favela para poder economizai
nos custos de aluguel, e alocar seus recursos no que ele julgava
mais importante. Será observado que nesta escolha há ao menos
uma análise e uma compreensão implícitas de como a sociedade da
cidade funciona, e nela, ele está tentando maximizar os ganhos para
sua família transgeneracionalmenle.

C. Pressão
Hélio nasceu na cidade propriamente dita. Tornou-se um
trabalhador de fábrica qualificado, mas foi involuntária e defini
tivamente aposentado pelo Instituto de Serviço Social dos Traba
lhadores Industriais (I A P I) quando, com 31 anos, um acidente
lhe quebrou as pernas. Ele recebeu uma quantia para compensa
ção. Calculando seus recursos e custos a curto e longo prazo, deci
diu que o melhor que tinha a fazer era comprar uma casa barata,
um barraco, na favela do Jacarezinho, um vez que, mesmo sem
melhorias, ela se valorizaria e ao mesmo tempo lhe forneceria um
lugar para morar livre de taxas e aluguel, e esta valorização seria
proporcional às sempre presentes taxas de inflação brasileiras.
Além disso, era concebível que, com o tempo, ele fosse capaz de
melhorar
troca de aoutra
casa,casa
e o que a valorizaria
de melhor ou a tornaria
localização negociável
(mais valiosa). em
Poste
riormente, sua família — mãe, irmãs e respectivos esposos — mu
dou-se para a favela, criando entre eles séries de propriedades en
trelaçadas em sistemas de água, esgoto e nas próprias casas. Uma
das irmas, que havia casado há pouco e se mudado da favela, ven
deu seus interesses ao resto da família. Todos esses cálculos e ope
rações mostram uma forte familiaridade com as instituições da ci
dade — na verdade, nacionais — e uma clara habilidade em lidar
com elas. 0 caso também ilustra a relação, no nosso continuum,
entre uma situação de pressão aguda e de fazer economia para
manter um certo padrão de vida, e mesmo, a longo prazo, maximi
zar os ganhos. Ele adquiriu, depois disso, através de uma comple
xa série de barganhas e favores, uma casa quase que luxuosa.

D Marginalização
O espaço permite-nos apenas um exemplo, um caso ein que
uma família tentou economizar, mas foi empurrada para o limite
da marginalização por uma série de pressões. 0 marido imigrara,
aparentemente, de um interior verdadeiramente rural rural — uma
pequena cidade do Espírito Santo — algum tempo antes de sua mu*
O B r asi l e o M it o da R ural i dade U rbana XII

Iher. Encontrou trabalho não-quali ficado na área industrial de Ra


mos, um bairro do Rio, tendo estabelecido uma casa de pau a pique
e argamassa na favela Nova Brasília. Uma vez no trabalho, mandou
buscar mulher e filhos. Por algum tempo, a mulher trabalhou como
doméstica, de modo que eles tinham duas rendas. Com as minguadas
somas que recebiam eles podiam juntar algum dinheiro com difi
culdade, soma que foi investida em algumas garrafas de cachaça,
vinho, bebidas não alcoólicas, e alguns condimentos, tentando mon
tar um botequim. Eles esperavam que esse pequeno botequim pro
gredisse, em parte para obter lucros, mas em parte também porque
a mulher achava que não podia mais ficar longe dos filhos que es
tavam crescendo sem orientação, sozinhos. Seu capital, todavia,
não fo i suficiente para montar o negócio. Assim, qualquer ren da
que ele desse era absorvida pela família como um substituto da
renda anterior da mulher no trabalho doméstico. Esta era a situa
ção quando a primeira de uma série de pressões ocorreu. O marido
caiu doente. Embora melhorasse, nunca se recobrou plenamente
(como é tão comumente o caso entre os trabalhadores pobres no
Brasil), e então ficou doente de uma coisa, depois de outra, por
meses. Cada vez ele tinha mais dificuldade em encontrar trabalho
(o mercado de trabalho também estava em contração), de modo
que, pela última vez que os vimos, ele estava fora do trabalho há
quase dois meses, deitado em casa, doente, quase permanentemen
te, incapacitado. A mulher teve que vender todo o pequeno esto
que que possuíam e procurar emprego doméstico num mercado de
trabalho já saturado por causa da depressão econômica geral. A
casa estava decadente, as crianças esfarrapadas e doentes, e o cui
dado com o lar praticamente inexistia.
bAs causas da marginalização, neste exemplo, não_ parecem ser
a ruralidade e ja nSo-IamíIiaridade com os modos iirbanos, mas uma
I combinação de traços estruturais e _aci_dentais ( pressão) agindo em
conjimto. Õs traços estruturais incluem a baixa posição homem
nas escalas de educação e treinamento (uma característica pan-bra-
sileira), seu isolamento, como recém-chegado, da rede -de—coloca
ção de trabalho, o mau funcionamento das InstitiiiçÕes_ de Previ
dência Social, a depressão econômica, resultado das condições na
cionais, a falta — novamente porque eram recém-chegados e sua
região da favela tinha sido estabelecida há pouco tempo — do que
se poderia chamar de grupos de “ apoio na crise” , que forn ecem
uma espécie de mecanismo de segurança informal etp.^tempos de
crise, especialmente a família extensa, vizinhos, a^rapaziada]1)- a
dupla patrao-cliente, ou os éom padre^ Em tais circunstancias es-
T Í2 A S oci ol ogi a d o B rasel U rbano

trúttiràis, as situações tornam-se insolúveis para os indivíduos sob


pressão, levando à marginalização e, algumas vezes, à morte.
Os casos são inúmeros. Mas são histórias não apenas dos de ori
gem rural, mas também dos de srcem urbana, tanto sofisticados
como não-sofisticados. Em todos os casos, traços estruturais e aciden
tais combinam-se mais ou menos da mesma maneira como nosso pro
tótipo acaba de ilustrar. Os traços institucionais ou estruturais sao
aqueles comuns ea organização
nomia, política todo o Brasiladministrativa
e característicos da estrutura
brasileira, ou, dedafor
eco
ma abrangente, da estrutura da sociedade da qual estas instituições
são facetas (cf, Frank, 1967; Leeds, 1964).18 Estas incapacidades
estruturais parecem ter seus análogos no Peru, se a nossa leitura
do artigo de Patch (1 961) é correta. O tremendo esforço feito pelo
informante de Patch — que, depois de anos de luta, talvez tenha
sucesso — e por outras de seu callejón que fracassaram, além de
outros detalhes da luta, sugerem quase os mesmos tipos de impedi
mentos estruturais para o trabalhador pobre, rural ou urbanof no
Peru.
Deve ser enfatizado que o tipo oposto de caso também ocorre
muito freqüentemente; pessoas tão rurais como o rnando e a mulher
descritos sao bem sucedidos no meio metropolitano. É, de fato. o
•caso de uma família para a qual temos a maior documentação.
É suficiente dizer aqui que, no decorrer do tempo, eles cons
truíram uma casa no Jacarezinho que vale hoje Cr$ 10.000 (en
quanto o dólar valia Cr$ 2,70 e o salário mínimo era de Cr$ 105,00
por mês); têm um rádio, televisão, máquina de costura elétrica, gela
deira, vitrola, luz elétrica, muitos banheiros, água corrente; ajuda
ram, por meio de empréstimo, troca de trabalho e outros serviços, a
estabelecer a terra, a casa e a loja de seu genro, bens valendo
Cr$ 40.000,00; estao ajudando outro genro a aumentar sua rique
za do mesmo modo, fornecendo uma casa livre de aluguel enquanto

sua móveis
de loja é para
reconstruída,
a loja, ecuidando das diante.
assim por crianças, construindo peças

18 Implícito nas discussões sobre a pressão está a suposição de que ela


é uma coisa ruim. Do ponto de vista dos indivíduos com percepção, tais
como as pessoas no nosso exemplo, isto provavelmente não ocorre. Uma
análise funcional de feedback de tais pressões seus efeitos sobre os indi
víduos, as respostas dos indivíduos e seu impacto neles (tal como ser
empurrado para fora do mercado de trabalho e das listas de previdência)
sugere que, sob condições variáveis da sociedade e sua economia, tal pres
são é adaptativa ao sistema, por mais triste que alguém possa sentir-se
com isso.
O B rasil e o M i t o d a R ural i dade U rbana 113

Experiência Urbana no Interior da Área Invadida


Para concluir este capítulo, queremos discutir brevemente a
experiência dos moradores da própria favela ou barriada. O xniíe
sustenta (cf. Mangin, 1967a) em sua forma extrema, que a área
invadida por posseiros é a “ área pobre, rural, dentro da cidade15
ou o “ decadente bairro rural na cidade” (respectivamente Bonilla,
1961, 1962 ).ie Em nossa opinião, com base em alguns anos de vida
19 Nã o conh ecem os nenhum padrão de moradia rural no Br asil que
corresponda a algo como uma favela. Achamos que muita discussão deve
ser feita acerca de como investigações supostamente científicas podem che
gar a tais conclusões. Muitas coisas parecem envolvidas, todas relaciona
das aos problemas metodológicos fundamentais, mais especialmente à es
colha das hipótese s e ao uso de questionários. A questão das hipóteses é
discutida através de todo este trabalho.
Nenhum questionário apropriado pode ser feito sem a participação
e observação extensa e intensa anterior. Não se pode saber que categorias
são relevantes; não se pode saber as formas lingüísticas apropriadas; não .>e
pode saber como interpretar as respostas, uma vez que o contexto de
significação dos itens não foi investigado. Além do mais, o método de
aplicação de questionários é em si totalmente estranho à experiência de
vida dos informantes (especialmente fora dos Estados Unidos), de modo
que
sadasrespostas não-naturais,
pelos in formantes c omconv encion adas àoupergunta
o apropriadas mal interpretadas
feita — são— emiti
pen
das, mas não a informação sobre a situação real que o item do questio
nário deve estar buscando. Este problema torna-se particularmente agudo
quando estão envolvidas diferenças culturais dos conceitos implícitos nas
questões, quadros de referência e mesmo instrumentos do investigador.
Quando este é um acadêmico americano de classe média, enfrenta uma
dupla diferença cultural -— a primeira de compreensão e tradução para a
língua de seus pares peruanos ou brasileiros e, então, a de compreensão e
tradução para a língua do proletário brasileiro ou peruano. Bonilla, com
pletamente, Pearse, parcialmente, e muitos outros não conseguem fazer
essas traduções ™ não conseguem compreender os significados centrais dos
comportamentos, instituições e idéias das “classes mais baixas” confrontan
do-se co m as outras “ classes” , nos seus próprios termos e perspectivas cf.
fracassos semelhantes, em outros contextos, de Chaplin (1967), Goldrich
(1965), Goldrich, Pratt e Schuller (1966), Kahl (1965), Needler (1967),
Rosen
ou no (1962, 1964)
todo, que etc., as
mesmo etc. mesmas
Nenhumpalavras
deles consegue
na mesmaperceber,
língua em parte
significam
coisas bastante diferentes em contextos diferentes mesmo para as mesmas
pessoas, ou podem ter ainda significados mais claramente variados quan
do estão envolvidas diferenças maiores na posição de classe, regional,
ou outras situações1na sociedade. Um exemplo: Malandro , para as “clas
ses” brasileiras, significa “ delinqüente” , um “ crim inoso” ; para as “ massas'*
a quem o term o se aplica, significa “ sujeito esperto” , “ camarada inteli
gente” . Para as “ classes” , é uma fort e conde naç ão; para as “ massas” , é
um termo de admiração. O observador não-participante que poderia usar o
term o sobre uma- pessoa da favela po de tam bém dar po r finda sua investi
gação neste ponto, ao passo que o observador-participante, usando-o de
modo correto, faz parte do grupo.
114 Ä S ociologta do B rasil U rbano

nas favelas, íntimo conhecimento tanto através da etnografia quan


to do survey de meia dúzia de favelas, visitas (que vão de algumas
horas a idas repetidas a 45 favelas, e estudos de Mangin, Maios? Mar
e Turner das barriadas peruanas e de Peattie de um barrio vene
zuelano, especialmente com relação a suas histórias de moradia, vida
•associativa, padrões ocupacionais e visões políticas, estes pontos de
vistas são, em geral, fundamentalmente falsos. Tanto as favelas
como as barriadaSj
incidentalmente çemoasregrav
o são sâkioeais
cidades altamente
do interior políticos
do Brasil; (como
cf. Harris,
1956; Leeds, 1957, Cap. 5). Elas sao duplamente políticas no
sentido de que têm, em geral, relações políticas muito elaboradas
com políticos e instituições,extern.as à favela.20 Quanto maior aíã-
vela, mais isso parece ocorrer. No Rio, um exemplo extremo é,
evidentemente, o Jacarezinho, com cerca de 70.000-80.000 hab,
Como JE. Leeds (1966) assinalou, essas pessoas estão intimamente
envolvidas com as políticas estaduais, enquanto as instituições ad
ministrativas esfao envolvidas com toda uma série de partidos, fac-
'ções õu outros grupos da favela, tanto em benefício de várias* pes
soas da administração do Estado como em seu próprio benefício
pela extração de ganhos destas últimas. Os administradores e ins
tituições estatais,
dos, facções, que estão
ou outros envolvidos
grupos em toda
da favela, uma todos
utilizam série de
elesparti
os
empregos tecnocrático-burocráticos como frentes “ neutras” pára
seus interesses partidários na3a neutros. Os moradores da favela
egtão conscientes disso e jogam com isso. Afinal, o Jacarezinho tem
um eleitorado de 30.000-40.000 pessoas (embora o cálculo exage
rado de partidos e instituições o estime em 50.0 00-8 0.0 00 )21, e
20 Cf. Lee ds, 1966. É da maior importâ ncia observar que quando um es
tranho incauto ou não-iniciado observa o último tipo de relação, ele o
vê através dos olhos da instituição ou níveis de statusj embora de uma
forma desapaixonada. Dada sua posição, a instituição opera de modo pa
ternalista — “ uma perpetualização do rura lismo” . Ele não consegue ver
as manobras e contramanobras sutis e exploradoras feitas pelas pessoas
que se encontram
gentemente e com na posição
grande complementar
sofisticação da relação,
utilizam o modo que muito intelv
paternalista im
post o em seu próprio favo r — até que não haja mais nada a ser ganho
com isso. Então eles desaparecem. O pessoal da agência ou do nível de
status mais elevado conta então ao observado r quão “ ingratos” , quão in
dignos de confiança, quão traiçoeiros são os favelados, ou operários ou
quem quer que seja. Astúcia camponesa, sem dúvida, mas quando vista
a partir do lado deles, não paternalista, apenas uma forma oportunista
de tirar o melhor do pior.
21 Num survey , a oohab (ver p. 27) estimativa (Estado da Guanabara,
1963) para a favela de Jacarezinho 176.000 habitantes. Isso teria signifi
cado um eleitorado de cerca de 70.000. Acrescentando ao Jacarezinho
7.000 casas que consumiam eletricidade da cee. e, cerca de 3.000 que a
O B r asi l e o M it o da R ur al i dade U rbana 115

isso é bastante para balançar toda a Administração Regional ou dis


trito eleitoral.
Além disso, o Jacarezinho hoje propicia internamente ganhos
suficientes para tornar intensa a vida política. 0 controle do sistema
de luz elétrica fornece grandes possibilidades de suborno, cerca de
uma dúzia de empregos de patronagem e uma posição poderosa para
prestar favores aos fregueses de energia elétrica, favores estes a se
rem retribuídos quando solicitado. 0 controle sobre o sistema de
luz também coloca o indivíduo estruturalmente em contato com
uma série de instituições administrativas externas, como a Light;
a Comissão Estadual de Energia (CEE), a Administração Regional,
não oficialmente com os militares, com os vários partidos políticos
agora legalmente extintos, os novos partidos políticos criados por
decreto pelo governo militar brasileiro, e assim por diante. Pode ser
assinalado que, além dessa bagagem de experiências urbanas, a
fmera_instalação_e administração de um sistema de luz tão intenso
(e eomplicado com o o_do Jacarezinho — cerca de 10.000 casas —
|<Tèm si uma experiência de gerência urbana, significativa.
Argumentar-se-á que esse tipo de coisa é muito recente. De
fato, os tipos de organização como a c e e são recentes, mas, como
foi demonstrado em outro lugar (A . Leeds, E. Leeds, e D. Mo-
rocco),
recentesos desistemas de energia
um longo da c e e são
desenvolvimento dos apenas
sistemasasdeformas mais
luz, cujas
formas anteriores eram redes dirigidas de forma privada por em
preendedores da favela que buscavam lucros individuais, enquanto
algumas formas posteriores, legalizadas pelo decreto chamado Por
taria n.° 2, por volta de 1956, em geral compreendiam formas
cooperativas bem como lucros individuais. Casualmente, os siste
mas de água cooperativos como no Borel e no Jacarezinho, remon
tam a muitos anos (ver Wygand, 1966).
Algumas favelas organizadas, como Guararapes, têm mudado
recentemente no sentido de se tornarem propriedades comunais.
Guararapes comprou a terra em que se situa de um proprietário
privado. Ela desenvolvera uma cooperativa não apenas para com
prar a terra, mas para urbanizá-la (ou seja, “ instalar nela peque
nos serviços urbanos” ), criar centros de treinamento para elevar a

consumiam de outras linhas privadas, um máximo de cerca de 10.000 é


encontrado lá. As casas da favela, em muitos surveys, tinham em média
4,6 a 4,8 pessoas. Hoje, muitas dessas casas abrigam várias famílias,, tal
vez numa média de 1,24 po r casa. Conseqüentemente, um total de
cerca de 60.000 é razoável, com uma margem de 50.000 a 90.^00 (se se
calcula numa média máxima de 6 por casa, 1,4 famílias por casa, e cerca
de 14.000 famílias).
A S oci ol ogi a d o B rasil U rbano

renda através da especialização do trabalho jovem, para que a


cooperativa pudesse ser mantida, para prover habitação suficiente
para seus membros, e assim por diante. Planos semelhantes estão
em andamento na favela da Corok e outras. Os líderes do Jaca-
rezinho sempre falaram da idéia de comprar a terra em que ela
está, mas ela é atualmente do governo, e, desta forma, existe um
problema quase insolúvel, de vez que o governo vê a solução ape
nas em termos da venda de lotes individuais para propriedade
privada aos moradores, o que requer o fracionamento de toda a
favela. A aparente razão para isso é a adequação à lei nacional
e estatal que regula o tamanho do lote. Uma razão menos aberta
mente declarada é que a coHAB (Companhia de Habitação Popu
lar) vai ficar com o dinheiro das vendas (para financiar outros
projetos), uma fortuna considerável, embora só tenha pago por
volta de US$8.000 pela imensa extensão (cerca de 125 acres) de
terra potencialmente utilizável, prioritariamente, de forma re
sidencial e industrial no centro da cidade.
No Peru, tal planejamento e direção em larga-escala foram
parte da experiência da barriada desde o início. As próprias inva
sões eram freqüentemente planejadas, e, uma vez invadidas, tais
áreas recebiam ruas e praças e era planejado o fornecimento de
água, esgoto e luz; áreas para escolas e outros serviços eram deli
mitadas. As barriadas, como entidades sociais, eram freqüente
mente corpos gerenciais corporativos em grande escala, criando
vizinhanças claramente urbanas, algumas das quais foram recen
temente oficializadas como partes da cidade de Lima (cf. Turner,
1963; Mangin, 1967a; Turner 1967; entrevistas, setembro, 1968).
Além disso, as favelas do Rio tiveram uma longa história de
atividade associativa. A União dos Trabalhadores Favelados ( u t f )
foi srcinariamente estabelecida por um advogado (Mangarino
Torres) do antigo p t b (Partido Trabalhista Brasileiro) do então
Distrito Federal (hoje Guanabara), em cooperação com lideres da
favela entre 1946 e 1948. Apenas o ramo da favela do Borel da u t f
srcinal permanece até hoje, mas é um órgão altamente político
(cf. Schultz, 1966) que conduziu com sucesso os moradores a der
rotarem
e 1966, duas tentativas edeuma
respectivamente) ameaça
extinção da (por volta
favela; de 194<8,
utilizou-se de 1954

e sobreviveu a — pelo menos uma importante agência de desen
volvimento comunitário (cf. Leeds, 1966a); fundou um posto de
saúde com muitos associados; estabeleceu um fundo cooperativo
para funerais e construiu uma caixa d’água para toda a favela,
pela qual as quatro subdivisões administrativas ( “ sociedades” ) da
favela, cada uma com estatutos mimeografados, são responsáveis.
O B r asi l e o M it o da R ural i dad e U rbana 117

Dos funcionários da associação, todos moradores do Borel, faz


parte um homem ® membro de um Sindicato, outro que tem
açougues tanto dentro como fora da favela, outro que é sargento
da Polícia Militar, outro que é oficial da reserva do Exército —
todos intimamente vinculados a instituições externas à favela, in
clusive os sindicatos, altamente urbanos.
À maior parte das associações de favela boje existentes é de
data mais recente, não porque todos os moradores das favelas te
nham subitamente se urbanizado em 1961 e 1962, mas porque as
pressões políticas e administrativas contra os moradores da favel?
não apenas aumentaram, mas a ação governamental foi proposi-
talmente levada a cabo para criar associações e plena cidadania
para todos os moradores do Rio. Isso começou em 1964 (quando
o Governo de Carlos Lacerda iniciou o Novo Estado da Guana
bara) pela Secretaria de Serviços Sociais, sob a direção de José
Arthur Rios. Este esforço compreendia o fornecimento de infor
mação legal e advogados, de outro modo de acesso extremamente
difícil ao trabalhador pobre, uma vez que, em geral, os advoga
dos identificam seus próprios interesses com os das elites sociais e
políticas do país (cf. Naro, 1966), e não com os problemas da
classe baixa. É muito difícil obter, nós o soubemos, informação
legal, mesmo por advogados. Em outras palavras, quando algu
mas
nadas",barreiras de manutenção
os moradores da faveladedeclasses são desenvolvem
imediato quebradas outodas
contor
as
características urbanas que os investigadores com o estereótipo
jMÍralL — que nunca examinaram a situação estrutural na qual a
favela existe — não encontram entre os “ rústicos do inte rior” que
compõem a população da favela22.

22 A evidência para essas declarações tem que ser colhida a partir de


dados como aqueles apresentados em Naro (1966), e E. Leeds, (1966),
que mostram como as barreiras discriminatórias são mantidas hoje, e tam
bém a partir de reconstruções históricas, especialmente através de entre
vistas com moradores de algumas faveías e com o pessoal atual e passado
dos organismos administr ativos. Isso é necessário porqu e praticamente
todos os dados publicados baseiam-se no mito da ruralidade, de modo que
eles (a ) repetem as alegações de ruralidade, e (b ) também nã o cons e
guem ver o contexto e a estrutura nas quais a favela existe. Particular
mente quando se examinam as histórias políticas das favelas com um
olhar cuidadoso para perceber como ambas (ou mais) partes fazem o
jo go — com que estratégias, táticas, regras, intenções, truques, retóricas,
etc. — é que se compreende a natureza essencialmente urbana tanto da
favela como de seus moradores. Começa-se a compreender como as ca
racterísticas supostamente rura is — família extensa, etc. — são, na ver
dade, instituições altamente adaptáveis numa situação opressiva e re
pressiva. (cf. Leeds, 1964).
11 8 A Sociologia do Brasil Urbano

As barriadas de Lima são talvez caiais evoluídas neste aspecto.


Elas começaram sob a forma de atividade associativa, coordenada
cm larga escala, em geral ligadas a algum político. Muitos mem
bros tiveram considerável experiência anterior em associações nas
cidades natais (cf. Mangin, 1964, 1965), mudando para a parti
cipação nas associações das barriadas conforme estas surgiram. A
função das associações nas cidades natais é, em parte, aculturar e ur
banizar os camponeses dos altiplanos peruanos (cf. Cate, 1962.
1963,e 1967
gua paradaquela
cultura paraleloparte
com da
o Brasil), que peruana
sociedade diferem em
na sua
quallínestá
ocorrendo o processo de urbanização» As associações de barriada
são não apenas organismos administrativos para as barriadas (a
maioria das quais tem hoje cerca de 50.000 pessoas), mas tam
bém organizações para barganhar com o governo federal e muni
cipal, pontos-chave nas relações políticas com a sociedade circun
dante e sistemas políticos internos que, de forma atípica para o
Peru, realizaram eleições anuais entre toda a população da bar
riada para escolher funcionários (Mangin, 1967c).
O que dissemos sobre as favelas e barriadas como, em si mes
mas, loci de experiência urbana e de atividade associativa, admi
nistrativa e política, pode também ser dito para a vida social, re
ligiosa, recreativa e econômica. Não podemos aqui entrar nesses
aspectos, mas remetemos o leitor a Leeds (1966), Leeds e Leeds
e Morocc o (1 9 6 6 ), Schul tz (1 9 66 ), Cate (196 2, 1963 )23.
Ainda não foi dado tratamento adequado a organização social
da favela. O que foi escrito refere-se exclusivamente à família.
Pouca ou nenhuma atenção foi atribuída aos seguintes aspectos da
ordem social (e aos laços ou identidade com os mesmos elementos
fora da favela), todos encontrados no interior das favelas: estrati
ficação, elites, cliques, grupos (turmas, rapaziadas, garotadas, me
ninadas, panelinhas), grupos de vizinhança, ambiência, clubes so
ciais e outras associações (por exemplo, comòos), díades patrao-
cliente de muitos tipos, mecanismos de carreira (ver Leeds 1964a)
etc., e aqueles fatores sociais que contribuem para o sentido parcial
de comunidade observado nas favelas.
Km suma, as favelas são atravessadas por todas as formas de
organização comuns à sociedade inclusiva; a maioria das operações
destes tipos de organizações é análoga àquelas de fora, a não ser
23 Foi realizada uma pesquisa no ver ão de 1966 sobre a com plexa es
trutura dos cultos afro-brasileiros com relação à estratificação social dentro
e fora das favelas e como empresas econômicas. O trabalho, que está
em continuação atualmente (1969), foi feito por Brown, do Departamen
to de Antropologia da Universidade Columbia. Agradecemos muito sua
cooperação.
O B rasil e o M it o da R ur al i dade U rbana 119

que alguma coisa relativa à situação estrutural da favela com re


lação à sociedade-matriz impeça que isso ocorra. Se a sociedade-
matriz, inclusiva, é urbana, então, também a favela é urbana e,
em muitos aspectos importantes, contínua a ela. Por ora, podemos
apenas estabelecer estas conclusões; a documentação completa apa
recerá mais tarde. Enquanto isso, seria proveitoso para o leitor o
estudo do trabalho de Hélio Modesto (1966).

Valores Urbanos
Nesta parte final do trabalho, voltamo-nos para os valores ur
banos dos moradores da favela. Muitos destes foram mencionados
nas partes precedentes, mas convém aqui nos referirmos a eles
novamente, no contexto de uma discussão geral de valores.
Primeiro, entre a maioria dos moradores da favela, especial
mente os homens, é expressa uma preferência generalizada pela
cidade. O campo é atrasado, triste, paralisado, sem nenhuma atra
ção especial como lugar para morar. Exceto algumas mulheres,
muitas pessoas dizem, quando perguntadas, que não querem voltar.
Por quê? Porque é melhor aqui. A vida é melhor, a pessoa se sente
melhor, economicamente é melhor, não é atrasado ou parado, etc.
Em outras palavras, a atmosfera e o ambiente da cidade são, de
uma maneira incipiente, quase que sensorial, sentidas como dese
jáveis e, para aqueles que têm familiaridade com as áreas rurais,
mais desejáveis ainda.
Traços específicos da situação urbana são valorizados. O am
plo e variado mercado de trabalho é valorizado em termos de
“ oportunidade” , as possibilidades de ganhar dinheiro através do
trabalho para viver melhor. Para aqueles que vêm do interior, a
vida da roça, a vida na Mãe-Terra, não era tão adorada a ponto
i de superar seus sentimentos negativos com relação aos seus sem
pre crescentes rigores econômicos ou com relação ao fato de serem
parceiros, trabalhadores assalariados ou mesmo pequenos proprie
tários endividados. Não valia mais a pena, mesmo que ainda
fosse possível. Entao eles vieram para a cidade que, mesmo com
a difícil situação econômica atual, é melhor do que o campo. Há.
sempre, tanto para o migrante quanto para o trabalhador pobre ci
tadino, alguma oportunidade, alguma possibilidade de sobreviver
economicamente, na pior das hipóteses, na melhor, pode-se ganhar
bem e aprender a ganhar ainda mais. Muitos podem obter treina
mento especial no trabalho, no senac o u no s e n a i , em escolas
profissionais e, mesmo, em pequenas lojas. Algumas das organiza
ções de Previdência e programas de desenvolvimento comunitário
têm também, ocasionalmente, projetos de treinamento.
A S oci ol ogi a do B rasil U rbano

Mesmo para os homens que estiveram fora do trabalho por


muito tempo, que obtiveram licença para tratamento dc saúde era
órgãos de previdência, por exemplo, a cidade é ainda um lugar
dc oportunidade, de possibilidades. A falta de trabalho, a inabili
dade em curar-se para poder trabalhar 6 atribuída (em geral cor
retamente) ao “ mal funcionam ento” do governo federal, dos Ins
titutos de Serviço Social e outras instituições. Em outras palavras,
as contradições entre seus valores relativos à cidade como um lu
gar de oportunidade econômica e sua situação real não os empur
ram “ de volta” aos valores rurais, mas antes a análises bastante
sofisticadas e astutas (urhnnas) da estrutura social de sua socieda
de nacional e urbana.
Relacionados a este conjunto de valores estão os valores tanto
quanto à educação em si mesma como quanto as oportunidades
educacionais específicas acessíveis nas pequenas c grandes cida
des24. Para praticamente todos os brasileiros, a educação — tal
vez mais bem representada no título de udoutor” , usado por qual
quer graduado em universidade — é um bem intrínseco e máxi
mo. John Turner, num questionário aplicado aos moradores de
uma barriada em Lima, descobriu que a posição de professor (de
escola) tinha mais prestígio, na maioria dos casos, do que outras
categorias ocupacionais, como médico, padre, policial, homem de
negócios, etc. (dados nao publicados). Este valor é, em si, um
produto da civilização urbana da península ibérica, e foi sempre
parle do ethoa urbano do Brasil, hoje generalizado para todas as
“ classes” e setores da população, e considerado importante por to
dos os meios de comunicação predominantes.
As oportunidades educacionais específicas compreendem insti
tuições de ensino públicas e paroquiais, primária, secundária e de
nível superior, escolas profissionais, treinamentos públicos especia
lizados como o SENAi e o senác acima mencionados, uma pletora
de pequenas escolas privadas e outros. Ninguém fez ainda um
censo das escolas em favelas, mas alguns moradores reconheceram
a necessidade de mercado para escolas privadas no interior das
favelas. Assim, no Jacarezinho, conhecemos no mínimo meia-dii-
zia de equipamento
pouco escolas, duas eoulivros.
três delas razoavelmente
Uma das boas,
maioves tem umaembora com
proCesso-
24 Cate (1962, 1963, e cm com unicação pessoal) assinalou que os mi
grantes analfabetos dc aparência verdadeiramente rural que chegam ao
Rccifc vindos do interior do Estado de Pernambuco são introduzidos na
vida urbana nas favelas ou mocambos da cidadc através de algumas es
colas financiadas e compo stas pela extraordinária rede dos grupos de
carnaval, dos quais muitos dos membros diretores hoje alfabetizados eram
migrantes analfabetos de um período anterior.
O B r asi l e o M it o da R ural i dade U rbana 121

ra preparada. Ela ensina a cerca de 100 crianças por dia, em trèi»


turnos. Assim, muitos moradores que, por uma variedade de ra
zoes, têm dificuldades (tais como custos de uniformes, ruas movi
mentadas para atravessar, distância, etc.) para mandar as crian
ças para escolas estaduais e paroquiais valorizam em muito as esco
las dentro da favela. Cada vez mais, à medida que as pressões dis
criminatórias vindas de fora diminuíram, os moradores da favela
enviaram suas crianças a escola secundária e mesmo à universi
dade, de modo que, dentro de uma década mais ou menos, um
considerável estrato de profissionais será encontrado nas favelas
maiores e mais ricas.
Os moradores da favela também valorizam outros tipos de
oportunidades institucionais da cidade. É irrelevante se eles nas
ceram nelas, como era o caso, como pessoas de srcem urbana, ou
as conheceram depois de migrar para o Rio ou para outras cidades.
De ambos os modos, elas eram valorizadas, mesmo quando aspe
ramente criticadas, como ocorre freqüentemente. Referimo-nos es
pecialmente aos “ Institutos” , os institutos federais de previdência
social que devem fornecer pagamentos na doença, aposentadoria,
salários-família, apoio a viúvas, cuidados médicos, cuidados com
a maternidade, e assim por diante. O porquê de seu mal funciona
mento não deve ser analisado aqui. Todavia, mesmo dado o real
mal funcionamento, eles ainda fornecem a promessa e a realidade
de uma medida de segurança contra pressões e crises imprevisí
veis, ii m certo controle adicional sobre um meio ambiente difícil
e problemático. De fato, os pagamentos globais do Instituto com
preendem uma percentagem considerável do total da renda de
toda a classe trabalhadora de uma cidade como o Rio. Em hora tal
sistema possa parecer “não-econômico” para economistas que pen
sam em função da produtividade, sob as condições da economia
nacional brasileira e de sua etapa de desenvolvimento, este gasto
total de pagamentos é econômico para o trabalhador pobre que
deve lidar com esta forma particular de economia capitalista.
No total, também, os sindicatos trabalhistas sao valorizados,
embora por um número de habitantes muito mais limitado; não
ouvimosfracos,
mente queixas dossempre
como moradores
foramdas favelas desobre
e, depois 1964,eles. Estrutural
mais do que
nunca, os sindicatos, o longo prazo, têm-se fortalecido, melhorando
sua posição de barganha com relação à indústria no jogo tripar-
tite sindicato-indivíduo-governo federal, o qual, por lei, está sem
pre envolvido na situação de barganha. A crescente força dos sin
dicatos significou melhores condições de trabalho, melhores salá
rios, maior segurança e crescentes benefícios secundários, e tem
122 A S oci ol ogia do B i Éasil U rbano

havido alguns esforços para ligar os interesses da favela a órgãos


sindicais. Por exemplo: os funcionários sindicais moradores da fa
vela que concorreram na eleição para a associação da favela na
Rocinha, em 1966; o presidente da UT f do Borel, que era um
funcionário sindical; e o esforço para ligar o programa de ação de
urbanização da fafeg (Federação das Associações de Favela do Es
tado da Guanabara) — ela mesma um fenômeno notavelmente
urbano! — como o sindicato dos trabalhadores metalúrgicos, de
pois das impressionantes chuvas de janeiro, de 1966.
Estes últimos pontos chamam a atenção para valores alta
mente urbanos de participação política por parte dos moradores
da favela. Os brasileiros, em geral, e quase que a maioria dos ha
bitantes de cidades pequenas, cidades grandes e metrópoles, são
inerentemente interessados em política, suas operações, e as maqui
nações das pessoas envolvidas. A maior parte dos moradores de fa
vela co m quem falamos — de todos os níveis econômicos e tipos
de formação — é profundamente ciente do que está acontecendo
no interior da favela e, especialmente desde o advento do rádio
transistorizado, em geral extraordinariamente bem informados so
bre, e precisos em suas análises do que está ocorrendo na matriz
política. De fato, afirmaríamos, sem nenhuma dúvida, que sueis
visões das estruturas políticas e dos processos do Brasil fornecem
basicamente melhores modelos para as realidades políticas brasi
leiras do que aqueles que são obtidos da maioria dos observadores
nativos sofisticados, e certamente de quase qualquer estrangeiro.
Sua ação política e social se dá nos termos dessas perspectivas.
Muitos moradores da favela não apenas estão interessados,
mas valorizam a real participação em problemas políticos de todo
tipo. Juntamente com os políticos profissionais e administradores
da política brasileira, os moradores da favela são os mais sutis e
políticos que já encontramos, muito mais políticos em todos os
sentidos, do que a população americana como um todo, e dificiJ-
mente comparáveis a quaisquer categorias de pessoas equivalentes
nela. Á política é um jogo, uma recreação, um sistema de recom
pensas, um gozo do poder, uma estrada para a mobilidade eco
nômica, um caminho para a mobilidade social e um compromisso
com alguns conjuntos de interesses. O jogo da política é extrema
mente complexo, movendo-se em muitos níveis, por múltiplos mo
dos de expressão ( cf* Leeds, 1964b ), por múltiplos caminhos de
relação interpessoal. Apenas aqueles que foram jogados nos turbi
lhões da superfície do oceano político da favela ou nele mergu
lharam profundamente podem ter uma noção de como essas pes
soas são verdadeiramente políticas e de como o sistema opera. Co
O B rasil e o M i t o d a R ural i dade U rbana 12 3

mo um estranho, mesmo participando, observando e morando na


favela por um período de um ou dois anos, pode-se ter vislumbres
mais ou menos plenos de segmentos isolados do sistema e de seus
acontecimentos. Alguns indícios mais importantes sempre pare'
cem conduzir a ocultos mistérios.
Já mencionamos acima os valores positivos relativos ao tra
balho. Em geral, descobrimos que as pessoas da favela valorizara
o trabalho
parte como geral
do valor um fim em sidomesmo
cristão — (cf.
trabalho presumivelmente,
Tilgher, 1930).como
O
trabalho é um estado apropriado, ao passo que a ociosidade e a
inatividade, especialmente se impostas e, particularmente sob cir
cunstâncias prementes, produzem expressões de desconforto, difa
mação, impaciência ou raiva. O trabalho — a atividade de fazer
alguma coisa produtiva — é em geral usado para avaliar o valor
dos outros (ele é muito trabalhador, ela trabalha muito). Deve-se
gostar, como regra, do trabalho (gosto de trabalhar), produzir
bens e valores, ser criativo. O trabalho é, evidentemente, também
valorizado como meio para obtenção de valores e objetivos maiores
— para a Boa Vida, a posição social desejada. No con jun to, o
conteúdo desses valores é urbano em seu caráter, como viemos
enfatizando.
A cidade é valorizada como o lugar do trabalho par excellen-
ee. O trabalho do campo é inerentemente estreito e constrangedor
para o brasileiro. Mais pragmaticamente, o trabalho no campo náo
serve bem como um meio para os fins que ele, como habitante da
cidade ou mesmo do campo (cf. Leeds, 1957, Capítulo 7) deseja
muito. A cidade propicia uma variedade de trabalho, oportunidades
de trabalho e recompensas de trabalho; propicia os caminhos para
seus valores máximos.
Deve-se observar que estamos falando de valores dos morado
res da favela, e nao de suas observações factuais e análises da si
tuação de trabalho, embora eles vejam esta última bastante clara
mente, em geral com extrema amargura e de forma intensamente
crítica. Eles sao eminentemente realistas na valoraçao de suas con
dições de vida.
A cidade é valorizada porque ela oferece uma ampla gama de
possibilidades de mobilidade econômica ascensional. Os valores cen
trais são os de melhores padrões de vida, regularidade de supri
mento alimentício e médico, capacidade de usufruir de serviços
recreativos, e assim por diante. O valor não é necessariamente o
de ascender a algum outro nível, ou estrato (cf. Mayntz, 1967 e
A. Leeds, 1967b) da sociedade, mas freqüentemente o de chegar
a uma vida plena e confortável no interior do quadro existente.
12 4 A S oci ol ogi a do B r asi l U rbano

De passagem, deve ser observado que o antropólogo está na:


posição peculiar de ser de alguma forma um participante, e sem
pre um observador de corpos nodais e transnodais estruturalmente
bastante diferenciados (cf. Leeds, 19 67 ) sejam estes ordenados
horizontalmente, verticalmente ou não apresentando nenhum ar
canjo particular. Assim, ele tem múltiplos pontos de vantagem e
variadas interpretações, ou experiência cuidadosamente relativiza-
da da estrutura social como um todo, que pode chegar a perceber
como
de umaninguém.
pequenaAssim,
cidadeporbrasileira,
exemplo, aA.vida
Leeds
da exp^imentou a vida
plantação, uma limi
tada quantidade de vida camponesa (Leeds, 1957), as cliques ur
banas ( 1964a), e participou da vida da “ classe baixa” urbana
(1966b; com E. Leeds e Morocco, 1966) e teve longo contato
com vários ramos da elite intelectual. Teve pouco ou nenhum con
tato com os militares e a Igreja (exceto a Escola de Serviço Social
no Rio) no Brasil. Por ter acesso a essas diferentes posições da
sociedade, ele conhece u as visões pequeno-burguesa, intelectual “ de
esquerda” , intelectual de “ centro” e a visão que os administrado
res públicos têm das “ classes baixas” , do trabalhador pobre, e d o
favelado. Sobre os três últimos, conhecemos os pontos de vista das
camadas “ superiores” . Não é nosso propósito aqui descrever todos
esses pontos de vista, mas simplesmente apresentar várias consi
derações.
Primeiro, os moradores da favela, em geral, não têm idéia do
que é a vida da alta burguesia, das elites intelectuais, do escalão
militar, superior ou da Igreja, ou mesmo da._pequena. burguesia
e da maior parte da burocracia. Eles nao têm como conhecer esses
padrÕes de vida, os valoresinternos essenciais que diferenciam cada
categoria das outras, as tarefas e significados ^nvolvidos em seus
empregos e nos empregos de seus amigos, o conteúdo e os seus ca
nais de comunicação (cf. Leeds, 1964a). A maior aproximação
entre_experiência dos .moradores da favela e_ estes gruposê o tra
balho femininq_çpmo doméstiça_em suas casas, mas isso representa
apenas um pegueno segmento das vidas daquelas categorias (le
pessoas, e j^ aquele
dps jnoradores segmento
da favela mais parecido
— cozinhar, comer,com o àa"
lavar própria
pratos, vida
limpar,
e assim por diante. 0 que a doméstica aprende disso são “ melho
res” padrões de vida e não canais de mobilidade ascensional. O
que é verbalmente expresso como valor é geralmente o primeiro, e
nao o último; essencialmente, a “ mobilidade ” concebida, para a
maioria, é uma expansão contínua do que eles têm hoje, e não
uma mudança de estado.
O B rasil e o M it o da R ural i dade U rbana 12 5

Alguns moradores da favela sonham em mudar-se para a ci


dade propriamente dita, onde podem usufruir, como o fazem as
pessoas da classe média, do tipo de haKitação e serviços da cidadg-
Em alguma medida, isto é_uma rejeição da favela e dos seus co-mo^
radores de lá, uma vaga olhada para fora dela e “ para cimar’,
mas o conteúdo deste “ para cima” consiste principalmente de ador
nos externos do que é avaliado como uma posição mais elevada
na sociedade. Por outro lado, também se encontra alguma depre
ciação dos “ gran imos” , dos ricos ou, com o pessoas altamente so
fisticadas, da própria “ classe média” .
O desejo de “ mobilidade, ascensional” tende a existir mais em
esferas particulares. Um desejo comum é o de subir na hierarquia
de cargos políticos, sendo o valor subjacente o da mobilidade para
posições de poder pessoal e influência e, talvez de alguns amigos
e coortes, mas não o de mobilidade a uma classe, nível de status
ou estrato diferente. É basicamente um desejo de mobilidade ao
longo de uma cadeia de posições que é vista, desejada e valori
zada. Qxitra aspiração é_a_ de treinamento profissional como médi
co, advogado .o u . talvez _ç om m en or freqüênc ia, como engenheiro.
Tais ambições não se dão tanto em termos de classe ou coisa se
melhante, mas em termos de uma posição, seu prestígio, o traba
lho que pode ser feito naquele tipo de profissão, o serviço que pode
ser prestado a sua própria gente, por exemplo, os moradores da
favela.
Essas aspirações, são, sem dúvida, valores altamente urbanos.
São ca_da_yez mais realizáveis, nem tanto porque haja mais posi
ções, abertas, ou porqu e as facilidades educacionais tenham aumen
tado oú sido democratizadas, mas antes porque ..a discriminação
contra os moradores da favela diminuiu e porque os moradores da fa
vela evoluíram, encontrando mais formas de contornar as bar
reiras...
Os moradores da favela têm um forte valor positivo pela or
ganização em si, apesar dos lugares-comuns de que os brasileiros
não gostam de organização, preferindo relações individual-persona-
lizadas, e de que eles não se organizam bem. O valor de organiza
ção parece refletido, ao menos de modo teórico, formalista, na<
preocupação com a lei, com o estatuto e o regulamento, com o pro
cedimento. Numa favela, assim que uma associação se constituía,
preocupava-se muito com que o instrumental fosse adequado às
condições específicas da favela em questão, de modo a que os ca
nais organizacionais formais estivessem presentes e fossem apro-
priados às condições de vida reais.
126 A Sociologia r>ó Brasil Urbano

Há, além disso alguns interesses que são servidos pela orga
nização, especialmente por organizações voluntárias. Assim, o fu
tebol, uma preocupação central de todos os brasileiros, gera muita
organização na favela. Uma favela do tamanho de Tuiuti tem trio
ou quatro clubes de futebol, cada um com seu equipamento pró
prio, seu uniforme único, geralmente cora uma sede, e com seu
calendário
ou externos.deAlguns
jogos com times pertencem
dos clubes da mesma a oufederações
de outrasde favelas,
clubes.
Os membros são orgulhosos, não apenas do seu futebol, ma3 da
próprio qualidade de organização e direção.
O samba é um interesse tão difundido como o futebol c tem
uma gama e uma complexidade de organização que provavelmente
excedem em muito às do futebol. Moroceo relata isto (1966; cf.
Cate, 1962, 1963, 1964). Os interesses no samba tornaram-se for
malizados em escolas de samba, blocos e cordões, bem como em
clubes sociais, festas e assim por diante. As _egcolas_e blocos estão
complexamente ligados a importantes indústrias têxteis, de cerveja
e de bebidas não alcóolicas, ao amplo negócio do jogo do bicho, ao
comércio "turístico, ao Departamento de Turismo do Governo esta
dual, inêsmo a instituições de bem-estar social e escolas estaduais e
privadas, possivelmente também a rodas de prostituição, interesses
imobiliários e cultos afro-brasileiros. Para compreender as ramifi
cações dos grupos de samba, é preciso ter assistido às inúmeras
reuniões da diretoria de uma escola de samba, observado as brigas
internas pelo poder, observado os coups d’état que ocorrem, apren
dido as trapaças, observado a organização dos ensaios, o desfile
aiiual e as festas. É preciso ter, observado a escola desamba re
presentada na Federação^de Escolas de_ Samba e na suposta confe
deração, bem como suas manobras com os representantes do Es
tado. É preciso ter visto o súbito aparecimento e saída de candi
datos, deputados, funcionários estatais (corno Lutero Vargas, filho
de Getúlio, no Jacarezinho e na Mangueira, e o Governador Ne*
grão de Lima e a secretária da Secretaria de Serviços Sociais do
Estado da Guanabara, Hortência Abranches, também na Manguei
ra) em ensaios, cerimônias e festas das escolas de samba.
tíãcT é apenas o samba e a sua execução propriamente dita
que são _vflknâzfldos, jn as _a própria organização é, ao menos ver
balmente, concebida como uma coisa boa, algo que trará benefí
cios à favela eomo um todo, que da (através do samba, é verdade)
uma orientação moral para a juventude, fornece um lugar adequa
do para recreação, um ambiente familiar . Que isso não correspon
da exatamente à realidade é_ outra coisa. Estes são_ os valores aber
tamente expressos. Mesmo para interesses ocultos, tais como su
O B rasil e o Mrro da R ur al i dade U rbana 127

borno e carreirismo político, a organização em si mesma é uma


coisa boa,
A organização pode ajudar a dar moralidade — o que é en
fatizado ainda mais marcadamente entre as fortes seitas protestan
tes nas favelas — , ajuda a dar segurança, ajuda a fornecer canais
para uma variedade de fins. Uma das mais severas críticas que-
pode ser feita à favela é “falta união aqui”m
Toda a preocupação com a organização e tanto o valor como
o conteúdo factual da organização nas favelas do Rio nos impres
sionam por serem eminentemente urbanos e diretamente contradi
tórios em relação ao quadro que se faz das favelas como organi
zadas, quase que exclusivamente, na base de laços familiares (Bo-
nilla, Pearse, et al) e por serem marcadamente diferentes do
quadro dos callejones no Peru (ver Patch) e das vecindades no
México (ver Lewis) a nós fornecido. Deve ser notado, a propó
sito, que as escolas de samba, que datam de 40 ou 50 anos em sua
forma atual e que foram precedidas por outras formas de grupos
de carnaval, estiveram, até recentemente, quase que totalmente
associadas às favelas. É apenas com a evolução das próprias fave
las e de seus arredores urbanos que algumas das escolas se mu
daram para as fronteiras das favelas e então, algumas, para a ci
dade propriamente dita. Outras foram fundadas mais recentemen
te fora das favelas, mas retiram basicamente da favela o seu pes
soal, como por exemplo o bloco Cacique de Ramos.
Outro conjunto de valores claramente orientados no sentido
urbano refere-se às possibilidades culturais mais amplas da cidade*
F.m geral, ter muitas coisas para fazer é uma boa situação (cf.
Morris, 1956; Leeds, 1957). O movimento da cidade pequena e
especialmente da cidade compreende cinemas, clubes, todos os tipos
de recreação; na maioria das cidades mais importantes, praias,
jogos de futebol, programas religiosos, circos, até teatro para al
guns. Dentre as muitas coisas a fazer e entre as possibilidades cultu
rais mais amplas, podem ser incluídos também o rádio com sua
miríade de programas,
de leitura, a TV,deos treinamento
os vários tipos vários jornaismencionados
e revistas, materiais,
anterior
mente, mesmo o aprendizado de línguas, especialmente o inglês.
Talvez uma expressão característica desse conjunto de valores seja'
a festa particular dada na casa de alguém por um jovem para
outros jovens. Bebidas alcóolicas, — vodca, rum, cachaça, mesmo»
o scotch nacional — e nao-alcóoücas sao servidas e a festa prosse
gue até o amanhecer. As pessoas vestem-se na última moda da?
minissaia, do tomara que caia e tipos de decotes familiares atra-
128 A S oci ol ogi a do B rasil U rbano

■ ves de program as da TV assistidos nos aparelhos que possu em, ou


vistos em revistas de moda que compram (ver Peattie, p. 24*).
Não duvidamos de que, para algumas pessoas, o valor do cr’’
me e suas recompensas seja alto. Para alguns, ele é visto como
uma alternativa, mais desejável que a luta para encontrar, manter
e sobreviver em um trabalho regular na cidade, sob as difíceis
condições de um mercado cheio de vicissitudes e da ausência de
qualificação. O crime na cidade é um conjunto complexo de ati
vidades,
treinados,com
seuseus especialistas,
pessoal seusseus
da direção, trabalhadores treinados
manda-chuvas, seus c siste
não-
mas de sanção e seu mercado de trabalho. Pouco conhecemos do
crime no R io, exceto de entrevistas com muitos “ trapaceiros” e com
amigos de criminosos25.
Um destes, o carioca Emílio, era, a seu modo calmo, uma for
ça da ordem e organização em Tuiuti. Ele queria que a favela
fosse bem organizada e funcionasse bem. Estava sempre muito
preocupado com o samba e o bem-estar organizacional do Grêmio
Recreativo Escola de Samba Paraíso de Tuiuti. Além desses inte
resses, mantinha um jogo de cartas e era, indubitavelmente, trafi
cante de maco nha. Para ele, es sas atividades eram legítimas —
havia consumidores e participantes interessados, nada, suspeitamos,
que fosse visto
do mundo como mais
de negócios. Eleousabia
menosé moral
claro, que
que as
a outras atividades
sociedade definia
tais atividades — e, certame nte, matar um homem — com o cri
mes, e conhecia os tribunais, o código penal e o decreto 59 relati
vo à vadiagem (aplicável se alguém não está com sua carteira
de identidade). Mas isso era exterior a ele e ao mundo que ele
amava e valorizava: seu jogo de cartas, seu negócio de maconha, a
maconha, a defe sa — até a morte (e houve mort es enqu anto vive
mos lá ) — daqueles interesses, sua família, amigos e vizinhos.
O conteúdo de seus valores e o seu conhecimento nos impressio
navam como essencialmente urbanos.
Finalmente, um valor que permeia a favela é a liberdade —
liberdade tanto de como para. Os moradores da favela estão bas
tante conscientes das restrições sociais da sociedade burguesa e bu
roc ráti ca exterior à favela — eles a vêem no vestuário, aparênc ia,
formalidade s de endereço, lin guag em, poses e assim por diante — ,
uma infinidade de indícios que identificam os outros, os estra
25 Prova velm ente, Cristina Schweter, uma assi stente Soc ial da Esco la de
Serviço Social da Universidade Católica do Rio, conhece como ninguém
o crime nas favelas. Ela contactou algumas gangs de diferentes especiali
zações e seus líderes, alguns dos quais ela chegou a conhecer bem. Com
muitos deles, teve repelidas entrevistas, cujo conteúdo básico ela nos
comunicou. Somos muito gratos por esta informação.
O B rasil e o M i t o d a R ural i dade U rbana 129

nhos, as “ classes” (cf. Leeds, 1964a). A favela propicia um refú


gio da retórica e do vazio, das formalidades e coações das pouco
compreendidas “ classe média'* e “ elites” , lá embaixo. Este refúgio
reforça a ausência de desejo de mobilidade ascendente parastatus
de classe “ média” ou “ superior” , embora não das vantagens mate*
riais a eles ligados.

dia” Os valores em
aparecem relativos
muitos àcontextos.
liberdade Um
das dia,
restrições
quandoda jáclasse “ mé
moráva
mos no Tuiuti há algum tempo, fomos chamados a um pequeno
bar por pessoas que nao conhecíamos, embora elas depois se tor
nassem nossos melhores amigos em Tuiuti. Quase que imediata
mente a conversa se voltou para a gíria. “ 0 senhor conhece a
nossa gíria?” Não, eu não conhecia. Seguiu-se meia hora de ins
trução sobre termos da gíria da favela. Perguntei se eles usavam
estas palavras lã embaixo. Maria Àntônia disse que não. Pergun
tei por quê. Ela disse: “ Por vexam e!” Ela não queria dizer que
eles ficariam embaraçados, mas antes que esta linguagem nao tem
lugar lá e que eles também, conseqüentemente, não teriam lugar
“ lá embaixo” . A linguagem da gír ia da favela é uma impropri e
dade para a maçante e apática classe média que define aqueles
que a utilizam como brutos, assassinos, ladrões, maconheiros, ma
landro,s.
No morro, eles sao livres para usar essa linguagem rica, en
graçada, irônica, alusiva e totalmente incompreensível para estra
nhos. Com ela, eles podem gozar o sistema que traz tantas encren
cas e privações. Alguma coisa aparece vez por outra nos sambas
que os moradores das favelas escrevem (baseados, observe-se, em
em temas pesquisados em bibliotecas!) e que o resto da cidade es
cuta e dança. Eles gostam da linguagem, gostam de usá-la, e po
dem apreciá-la como observadores da linguagem, com sofisticação.
No morro, há também liberdade muito grande para escolher
e manter relações com muito menos atenção para as formalida
des. Para muitos, o ato legal do casamento não é tao terrivelmente
importante, especialmente se a pessoa experimentou um casa
mento e achou-o desejável. A liberdade para casar-se na “ igreja
verde” (ou seja, estabelecer um casamento consuetudinário), a lua
de mel no “hotel das estrelas ” (isto é, na rua) estabelecer ou ao
menos tentar uma vida decente sem os cuidados e requintes — e
custos e dificuldades — das bodas e casamentos formais são de
finitivamente valorizados. Valorizados como humanos numa socie
dade que ainda não tem o divórcio. Em geral, sentimos que os
moradores da favela vêem e valorizam uma grande liberdade para
estabelecer relações e liberdade na qualidade daquelas relações —
130 A S oci ol ogi a d o B rasil U rbano

abortas, diretas, não instrumentais — mais do que vêem nas re»


lações externas à favela.
A preocupação predominante com a liberdade, com a escolha
das relações, em contornar as obrigações tradicionais, em encon
trar situações estruturais e enclaves sociais onde se pode gozar de
tal liberdade nos soa como a essência da vida urbana.
Para concluir, citamos uma canção cantada por várias meni
nas que pulavam corda em Tuiuti, um dia depois das eleições para
governador de 1966. A Situação -— que havia extinto favelas e
mandado seus moradores para fora da cidade, nas Vilas da Alian
ça para o Progresso, longe dos mercados de trabalho, das facili
dades e pouco custo em transporte e tempo de acesso à cidade ■—
havia colocado Flexa Ribeiro como candidato. Ele era contraparen-
te* de Carlos Lacerda, o então governador do Estado da Guanaba
ra, líder da Situação no Estado e participante proeminente do
movimento militar de 1964, que trouxe para o poder o impopular
governo de Castelo Branco e suas políticas economicamente devas
tadoras. Negrão de Lima era seu opositor. Negrão, ex-embaixador
em Portugal, prefeito anterior do Distrito Federal, depois Guana
bara,
siçao, foi favorecido
embora pelos moradores
esperassem pouco dele,daconhecendo
favela porque
seu ele era opo-
palavreado.
O verso indica a acuidade política daquelas meninas — a gozação,;
um pouco do uso da linguagem, a liberdade de opinião no morro
de Tuiuti.
Lacerda morreu
Precisa de um caixão
Flexa tá de luto
Negrão é campeão

Comentários Informais do Autor


O problema tratado no nosso trabalho é, na verdade, parte de

um muitocampo
primeiro maior,dea estudo
compreensão da sociedade
foi uma plantation>totàI“no‘ Brasil.
uma área de Meu
lati
fúndio da zona monocultora no Sul da Bahia; o segundo estudo
envolveu o trabalho em uma série de cidades, o estudo de elites,
e o terceiro foi nas áreas da classe trabalhadora urbana. Em outras
palavras, trabalhei em vários setores da sociedade tentando obter
diferentes perspectivas da estrutura institucional total, escolhendo
vários pontos do sistema^total. “— —

* A fílha de Flexa Rib eiro é casada com um dos filhos de Carlos Lac er
da. (N . da R .)
O B rasil e o M it o da R ural i dade U rbana 131

® que tento fazer nos comentários que se seguem é dizer al-


fuma fioisa sobre o quadro geral que empreguei, que é também
náef&ie^àra a questão da relação entre as áreàs agrícolas e ur-
h&m& S(L$jaç;ente a muito do meü pensámento neste tópico está
de que as distinções geralmente feitas entre os
• sfifn rw, e urbanos da sociedade sao errôneas.
m . "Êmei- êe mais nada, sugiro que o grande mercado de traba-
É o seja*Se
ítfu metrpjpplitapo da acidade
configura partir édaum mercado
política totaldee por
trabalho
vezes nacional,
de além
ideia A utilizaçao por Andrew Pearse do termo “ vendendo traba
lho à distância” reflete muUo bem o que tenho em mente. Creio
que i muito característico das cidades o fato do que, na verdad e,
èlas séjam mercado de trabalho ao menos para todo um segmento
do estado, ou de todo o próprio estado; a migração internacional
estã associada ao fato de sereni elas mercados de trabalho para
áreas ainda maiores.
Meu segundo ponto é <pie, quanto maior a massa absoluta da
cidade e quanto maior a massa relativa da cidade no estado, maior
ê a penetração da cidade em áreas nao-urbanas como um locus
de mercado de trabalho. Em outras palavras, quanto maiores as ci
dades, maior será a penetração externa em áreas não urbanas, que
Pearse descreve neste volume em sua dupla análise da penetração
— institucional e econômic a — comercial.
Terceiro: sugiro que a massa da cidade ou das cidades ê pro
porcional ao número de especializações nas operações tecnológicas,
sociais e econômicas da sociedade como um todo. Quanto maior o
número de especializações, maior a densidade e o tamanho, das ci
dades. Isto é visto a partir da perspectiva evolutiva geral para a
qual tendem os antropólogos. 0 aumento na densidade e no tama
nho da cidade e de suas especializações gira em torno de uma se-
leçao evolutiva, a longo prazo, de comunicações e operações efeti
vas ou minimizadoras de custos no sentido mais amplo possível.
O que introduzo aqui é um princípio eficiente que compreende a
efetividade dà comunicação entre os vários tipos de especializações
— técnica, socialda
Em termos e econômica
efetividade. de reunir essas coisas, o custo total
decrescerá se as unidades de especialização estiverem concentra
das num único lugar. A cidade pode ser vista, socialmente, como
o ponto de interação mais denso entre especialistas que devem,
pela natureza da especialização, estar em constante contato. A no
ção de um especialista implica a idéia de outro especialista e da
interação entre eles. A cidade é também, tecnologicamente, o ponto
de coordenação mais denso de instrumentos, tarefas e recursos es-
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134 * ■ A S ociologia do B rasil U rbano
•<

peeializados que devem estar numa contiguidade imediata entre


si. Economicamente, a cidade é o ponto mais denso de transação
«ntre especialistas. Na verdade, evidentemente, a cidade compre
ende a interação de todas essas especializações, de modo que há
interações sociais, tecnológicas e econômicas ocorrendo ao mesmo
tempo.
Minha tese é de que elas são mais efetivamente valorizadas
no menor espaço possível; em geral, este, então, é um argumento
que se refere ao que se pode chamar de intensividade espacial de
atividade. A cidade, ecologicamente e em termos de localização,
encontra-se em algum ponto geograficamente muito adequado a
certos conjuntos ou a um conjunto preeminente de especializações.
Por exemplo, com a substituição do transporte por terra pelo trans
porte por mar, um porto se desenvolve, com um conjunto de es
pecializações girando em tomo de atividades de navegação e pro
cessamento, e com as especializações econômicas e sociais corres
pondentes ligadas a elas, possivelmente com o serviço de recursos
de embarque e outras atividades comerciais a ele vinculadas.
Então, há o ponto (mais ou menos óbvio, mas que é útil co
locar) de que o aparato físico de todas essas especializações — os
edifícios, sistemas de transportes e instrumentos importantes • —
são os elementos visualmente marcantes que prontamente reco
nhecemos como uma cidade, e por vezes mesmo definimos como
uma cidade, erroneamente, creio, porque são apenas propriedades
físicas e não as meras características essenciais “ do que é” uma
cidade.
Em suma, uma importante característica da sociedade em
geral e a de que ela é feita de especializações. Através de proces
sos evolutivos, mais e mais especializações se desenvolvem e, con
seqüentemente, há mais e mais concentrações de especializações de
modo espacial-intensivo. Quanto mais especializações existem, maior
a concentração espacial-intensiva, maior a massa e maior a pene
tração em áreas não espacial-intensivas.
Volto-me agora para as áreas que sao espacial-extensivas.
Existem poucas especializações importantes, no interior da gama
total de especializações culturais, que não podem, sob qualquer
tecnologia atualmente conhecida, ser limitadas a áreas pequenas
nem localizadas tendo como referência os determinantes ecológi
cos de localização urbana. Há basicamente três delas — agri
cultura, mineração e pesca. Sob as atuais condições, elas são ne
cessariamente espacial-extensivas. Todavia, eu argumentaria que
as transações mais importantes que envolvem essas atividades não
estão nas áreas físicas de especialização, nas áreas rurais e agrá-
O B rasil e o M it o da R ural i dad e U rbana 135

rias, mas nas cidades. A maioria das decisões políticas e as ins


tituições de coordenação mais importantes da agricultura estão
concentradas nas cidades; tais instituições são urbanas (assumin
do momentaneamente que a dicotomia rural-urbano tenha algum
valor) e de forma alguma instituições propriamente rurais.
Segue-se que os traços essenciais — os controles, as decisões,
as políticas básicas, as instituições monetárias centrais, o sistema
de créditos e mercados para a produção agrícola — devem ser
buscados nas cidades, e nao nas áreas de especialização espacial-ex-
tensivas. Esta última não pode ser entendida sem uma rigorosa
descrição da primeira. Isto é, nunca se compreenderá plenamente
um sistema agrícola se não se observar o que está ocorrendo com
relação àquele sistema nas áreas de coordenação que sao as cida
des. Mesmo o sistema de posse da terra não pode ser plenamen
te entendido sem referência às transações fundamentais e de con
trole nas cidades.
Através da evolução do tempo, torna-se “ útil“ desenvolver
instituições de coordenação a que chamamos “ govern o” e “ admi
nistração” . Mesmo entre estas, há elevados níveis de instituições
de coordenação, a que cham amos “ governo” e “ administração” .
Ora, estes órgãos de coordenação central estão também refletidos
nas estruturas da cidade, de modo que encontramos, por exemplo,
cidades
ma administrativas
de transação total daque podem estar
sociedade. ou não ligadas
Por exemplo, Brasília aoé uma
siste
cidade muito peculiar no sentido de que as especializações admi
nistrativas e de coordenação estão mais ou menos separadas do
resto das especializações da sociedade. Lá não existe praticamente
nem uma indústria e nenhum comércio, exceto pequenos negó
cios e lojas para consumo. Camberra é outro exemplo, e Was
hington, DC, um terceiro. Novamente, sem a compreensão de onde
e como as funções administrativas se concentram, é impossível,
dar uma explicação coerente da situação da agricultura em qual
quer época ou espaço particular.
Assim, em vez de ver a agricultura como um setor separa
do, idéia que nosT ói- fõrm ilmè nlê impingida pela dicotomi a entre
Sociologia Rural e Sociologia Urbana (embora tenha mudado con
sideravelmente nos últimos anos), vejo uma única estrutura na
.qual a agricultura é simplesmente outro elemento do sistema to-
í/ tal de especializações da sociedade. Conforme a sociedade^ se torna
jmãis urbanizada a agricultura também se torna mais urbanizada^
1Creio que é correto falar de agricultura urbanizada, por exemplo,
com relação à agricultura americana, na medida em que institui
ções tais como o Departamento de Agricultura e todas as institui
m A S ociol ogia do B rasil U rbano

çÕes importantes do governo nacional, as universidades, mercados


e outras instituições centradas na cidade penetram no campo.
Resumindo, creio que toda a noçao de “ urbano” foi histori
camente jconcçfcida. basicamente, em termos do aparato físico da
cidade, mais do que da estrutura institucional da sociedade. Par.
rece mais próximo da_verdade dizer que muitos subsistemas espe
cializados de uma sociedade nao são nem urbanos nem , rurais.,
mas societais, e que conforme a sociedade se urbaniza, o mesmo
acontece com os subsistemas.
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Nota: 37.° iç a refere-se a um grupo de trabalhos lidos em um sim


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V

Tipos de Moradia, Arranjos de Vida, Proletarização,


e a Estrutura Social da Cidade1

A nthony L eeds

Conforme se examina a literatura de várias disciplinas sobre


as cidades* ou
arquitetura observa-se que elas urbano,
no planejamento tendem como
a ser entidades
concebidas,físicas
como ena
aparatos (edifícios, espaços abertos, sistemas de esgoto, redes de
comunicação, etc.) ou, nas ciências sociais, como o pano de fundo
diante do qual várias categorias de interesse para as respectivas
disciplinas (parentesco, migração, comportamento político, vida
associativa, etc.) devem ser observadas, ou ainda, nas disciplinas
estéticas, como expressões na forma e no desenho de tendências
ideológicas maiores de uma sociedade.
Minha própria visao orientou-se de modo crescente no sen
tido de ver aquilo que chamamos de “ uma cidade” , a localidade
mais ou menos discretamente delimitada, pequena ou grande,
como uma combinação de estruturas sócio-político-econômicas e do
aparato
aparato físico (acima acitado)
físico reflete ordem utilizado no seu funcionamento.
social e ideológica, O
se bem que sem
pre de modo lento, porque sua mera concretização física se presta
à perpetuação, enquanto a ordem social está mudando a sua volta.
Conseqüentemente, o interesse primordial no estudo das cidades,
exceto talvez paxa a estética, é não tanto o aparato físico, mas a es
trutura social da cidade e a estrutura societal que, como um todo,
lhe é subjacente.
1 Publicado srcinalmente in Lotin America Vrban Research, vol. IV,
1974, Wayne Cornelius e Felicity Tineblood, orgs.
M oradia , A rranjos de V i d a , P ro l etar i z açã o 145

Um tema deste trabalho, então, é mostrar, ao menos para al


guns casos, que o aparato físico é, num grau abrangente, um re
flexo ou cristalização da ordem societal e de seu subsistema cida
de.
Um segundo tema é seguir que as ordens societais de socie
dades construídas de acordo com o capitalismo e suas manifesta
ções sócio-estruturais nas cidades envolvem necessariamente a
proletarização,
cesso dual por embora a proletarização
ser amplamente seja, em da
um resultado si mesma, umauto-
luta pela pro
manutençao das elites da(s) classe(s) capitalista(s) e da compe
tição capitalista pela propriedade privada como meios de auto-en-
grandecimento pessoal e de controle social. Algumas conseqüên
cias secundárias desse processo total serão enfatizadas no decorrer
da discussão.
Um terceiro tema é sugerir, como conseqüência do argumen
to precedente, que as políticas e planos para cidades criados por
seus próprios órgãos políticos ou por aqueles de nível mais eleva
do são necessariamente não-efetivos, irrelevantes, ou mesmo de
sastrosos, e que o planejamento urbano pode, na melhor das hipó
teses, ter apenas uma eficácia muito limitada se, por um lado, não
lida explicitamente com as estruturas sociais globais da cidade na
primeira linha de ataque, e, por outro, com as condições nacional-
societais que afetam o sistema da cidade, como pressões, restrições
e exigências.
Volto-me, primeiramente, para alguns aspectos físicos, espe
cialmente a habitação, do Rio de Janeiro e outras cidades, e, en
tão, para alguns dos aspectos sócio-estruturais envolvidos na mora
dia e sua localização diferencial na cidade.

A Especialização da Moradia no Rio

Uma das coisas marcantes no Rio, da mesma forma que em


grande número de cidades da América Latina, como Lima, Cara
cas, Bogotá, e Santiago,2 é a especialização dos tipos de moradia.
Para a maioria dos leitores, os tipos familiares compreendem
as “ melhores áreas residenciais” , os bairros sabidamente de “ clas
2 Estas estão citadas na ordem da minha intimidade de conh ecimento,
seja em virtude do trabalho de campo, ou da revisão intensiva da litera
tura. Também visitei algumas outras cidades como Salvador, San Juan,
Ciudad Guyana, Bela Horizonte, São Paulo, Curitiba, Recife, o suficiente
para ter um quadro mais ou menos detalhado, embora algo superficial,
de cada uma.
146 A S oc i ol ogi a d o B rasil U rbano

se média e média-alta” de Copacabana, Flamengo, e algumas ou


tras partes da Zona Sul do Rio, à margem do Atlântico, bem como
a Tijuca c o Grajaú, na Zona Norte; e as “favelas” ou áreas inva
didas por posseiros.3 Diferenciações paralelas devem ser encontra
das em cada uma das cidades acima mencionadas, embora repou
sem em categorias e terminologias de folk que variam de lugar
para lugar,
A favela no Brasil e, mais geralmente, as áreas invadidas
por posseiros em qualquer lugar do inundo são mencionadas como
rnn “ problema” de modo análogo aos “ problemas” dos “ guetos
urbanos” das áreas pobres, dos “ imigrantes rurais” , da “ margi-
nalização” , das minorias étnicas, e da “ cultura da pobreza” , tão
freqüentemente encontrados nas mentes e falas dos povos em ques
tão por todo o mundo. Essencialmente, tudo isso se refere a as
pectos diferentes do mesmo problema — a proletarização discuti
da neste trabalho.
As favelas são concebidas como um problema •— como o fo
ram as bairiadas de Lima, os arrabales de San Juan, os ranchos
ou barrios de Caracas, as callampas de Santiago, as villas misérias
de Buenos Aires,
constituem, num dos etc. extremos
— porque,
do presume-se, suas populações
mal, de assassinos, ladrões, se
as
saltantes, maconheiros e viciados em drogas; em um outro extre
mo do mal, de comunistas e outros tipos de ameaças em termos
políticos e sociais; num terceiro e mais brando extremo, de pobres
ignorantes, não-educados, mal-adaptados, imigrantes rurais caipi
ras; ou, no melhor dos extremos, de seres humanos razoáveis, mas
tristes e pobres, morando em cabanas, criando promiscuidade um
câncer social e urbanístico na cidade.4
Mostrei alhures5 que quase todas estas concepções são falsas
ou distorções drásticas das realidades, mas quero realmente enfa
tizar que as favelas, “shanty-towns ”, “ áreas invadidas” , áreas ur
banas de moradia
geralmente a formanão autorizada,
visível chamem-nas
mais marcante como quiserem,
de moradia são
a ser obser
vada.

3 Cada um dos termos locais está grafa do em itálico em sua primeira


utilização; se usado mais vezes no trabalho, é tratado subseqüentemente
como uma palavra comum. Definição e discussão extensivas sobre favelas
podem ser encontradas em Leeds (9 6 9 ), e não serão re petidos aqui.
4 Para docum entaç ão de tais visões, ver Leeds e Leeds (197 2), especial
mente os apêndices.
5 lbid,, também em Leeds (1969, 1970 — com E. Leeds — , 1971, 1873b).
M oradia , A rranjos de V i d a , P roletarização 147

Não tão visível e geralmente visualmente difícil de ser des


coberta e distinguida é uma série de outros tipos de construção de
baixa renda ou de bairros residenciais que permanecem — como se
não existissem — quase que totalmente nao-descritos, não apenas
na literatura relativa ao Rio, mas naquela relativa a outras cidades
latino-americanas, onde habitações equivalentes existem.6
Em primeiro lugar, dentre estes tipos de moradia, comprcepden-
do cerca de um quarto a meio milhão de pessoas, ou por volta de
5% da população do Rio e uma percentagem muito maior em Lima,
estão as casas de cômodos ou cabeças de porco, no Brasil, e casas
subdivididas, em Lima. Estes termos referem-se a uma única cons
trução grande, de vinte, oitenta, ou mesmo cem apartamento de
um ou dois quartos. São geralmente ocupados por lares compostos
de famílias nucleares, subnucleares ou levemente nuclear-extensas* e
raramente por indivíduos ou pelo que no R io se chamam “ repúbli
cas” — grupos de pessoas solteiras do mesmo sexo dividindo o alu
guel ou todas as despesas do lar. A maior parte deste tipo de cons
trução, no Rio, srcinou-se no século passado, mas algumas se trans
formaram a partir de outros tipos de construção ou ampliaram-se vá
rias vezes neste século até o presente. Sao construções destinadas
quer srcinalmente, quer em sua conversão, a habitação de renda
muito baixa, especialmente para explorar pessoas ou grupos de pes
soas que precisam estar próximas do mercado de trabalho, mas não
podem pagar por outros tipos de acomodação, ou não tinham, como
se argumentará abaixo, capital para acomodações em áreas invadi
das, e, deste modo, eram forçadas a pagar aluguel. Seja no Rio,
lJma ou alhures, essas casas apenas recentemente começaram a ser
estudadas, de modo que não sabemos praticamente nada a seu res
peito, embora a impressão indique que internamente têm alguns
Iraços comunitários.7
Um segundo tipo de construção no Rio, talvez constituindo ou
tros 5%tais
cativos , é acomo
chamada
proletária, de ou
avenida vila, com
lavadeiras vários
, etc.8 Emadjetivos
Lima, o qualifi
equiva

6 Ver Lewis (1959 e outros); Patch (1961); Selmen (1971); Azevedo


(cerca de 1891); Ecksteín (1972); Banco Obrero (1959).
7 Isto parece claro a partir de alguns escritos de Osc ar Lewis — por
exemplo, Lewis (1969).
8 Um tipo relaciona do a este é o cortiço, hoje quase extinto, discutido
mais adiante no texto. Outro ainda encontrado tanto no Rio, como em
Lima, é a quinta, casas muito pequenas ou grandes apartamentos ligados
em torno de um jardim ou pátio central.
I

148 A S oci ol og i a do B rasil U rbano

lente é o callejón; no México, a vecindad;9 no Chile, o conventillo;


em Santo Antonio, o corrál (e em Midlands da Inglaterra, onde
talvez se srcinou, o “ back-lo-back''), etc. Consiste numa série hori
zontal de unidades de um ou dois quartos alugáveis, servidos todos
por três ou quatro banheiros e um número semelhante de bicas e
tanques de lavar. Há o que deve ser uma área comum — o pátio
central, alongado, e as entradas. No Rio, esse tipo é quase que to
talmente
tais como não
o deestudado, e falta
Patch para Limainformação acerca
e o de Lewis parados poucos do
a cidade estudos,
Méxi
co, uo que se refere a aspectos como a área de uso comum, distribui
ção interna, e assim por diante.10 No Rio, a mais antiga variante co
nhecida, chamada de cortiços , herança do século passado, tinha uma
proporção bastante elevada de ocupantes solteiros em muitos dos
apartamentos, especialmente no segundo andar. O tamanho médio
das famílias é de 3 pessoas, em contraste com 4,6-4,7% das favelas,
e um tamanho quase sinjilar para as casas de cômodo.11 Aqui, como
nas casas de cômodos, pagam-se aluguéis.
Um terceiro tipo no Rio é o parque pro letá rio , ou, no Chile e
em outros países, a vila de emergência — habitação governamental
temporária (c om maior freqüência “ temporária” ), cu jo objetivo é
proporcionar tetos e paredes a pessoas sem abrigo devido aos reno
vados ou drásticos acidentes urbanos que ocorrem com as áreas
invadidas, como enchentes e incêndios. Há pouco ou nenhum dado

ô O termo vecindad significa “ bairro" , mas é usado nos trabalhos de


Lewis referindo-se a muitos tipos diferentes de moradia. Aquele do qual
ele dá de longe a maior quantidade de dados é o tipo descrito no texto.
Ver Lewis (1959, 1969).
10 Minhas fotog rafias dos callejo nes em Lima, e visitas a casas de cô m o
dos e avenidas no Rio, pobremente documentadas em termos fotográfi
cos» indicam muita atividade econômica nesses locais: lojas» casas de
consertos, serviços, pequenas indústrias, como sapateiros e tipógrafos, e
assim por diante. Creio que a descrição de Patch (1961) ou foi distorcida
ou era de um callejón atípico. As descrições de Lewis tendem a superesti
mar o dramático, o digno de piedade e compaixão, e subestimar a eco
nomia e as estruturas sociais dos lugares que ele descreve, mas mesmo em
suas referências rascunhadas e no material do texto encontram-se indi
cações de tais economias internas, embora não o bastante para avaliar
sua importância qualitativamente.
11 Para detalhes sobre as casas de côm odo s, ver Salmen (1971); o tama
nho médio da unidade familiar para os cortiços foi retirado das estatístU*
cas obtidas em um survey de cortiços feito por dois estudantes do Museu
Nacional, Departamento de Antropologia, Rio. Praticamente toda esta
tística demográfica de favela apresenta os númeroe 4,6 — 4,7. Os dados
das casas de cômodos foram extraídos de um survey feito por dois outroi
estudantes da Antro polgia d o M useu, e de Salm em (1971 :156).
M oradia , A rranjos de V id a , P r ol etari z açã o 149

paia o Rio referente a este tipo,12 e não sei de nenhum para outros
países. Nem mesmo estou certo de que se pague aluguel, embora te
nha a impressão de que, oficialmente, o aluguel deve ser pago, mes
mo que, na prática, freqüentemente não o seja. Não vi nenhuma
estimativa do número de pessoas nos parques proletários. As unida
des habitacionais, como nas favelas, são ocupadas principalmente por
grupos familiares, mas entrar nelas é um problema complexo que
envolve
uma a solicitação
unidade a burocratas
habitacional — um ou instituiçõesmuito
procedimento para amais
cessão
consde
trangedor do que entrar para uma favela, embora não se exija cnpi-
taL
Um quarto tipo chama-se, no Rio, conjunto , com termos equi
valentes em outros países. Há vários tipos de arranjos habitacionais
chamados conjuntos , mas o termo sempre se refere a um estabeleci
mento multiunitário de algum tipo. Restringi-lo-ei aqui a um único
edifício de muitos andares ou um conjunto de edifícios compostos de
múltiplas unidades alugáveis como as unidades vacinales de Lima
ou os famosos (ou infames) superhloques de Caracas — o equiva
lente dos altos projetos habitacionais urbanos norte-americanos cons
truídos pelas companhias de seguro. Ao outro sentido do termo con
juntoúnica
uma —- tipo de habitação
família multiunitária,
— voltarei cada(ver
mais adiante unidade
vila). ocupada por
Os conjuntos no Rio, Lima, Caracas e outras cidades têm algu
mas características que os tornam particularmente interessantes e,
freqüentemente, levam à fusão como categoria para análise, embora
aqui, novamente, exista muito pouca literatura além do estudo finan
ciado pelo Banco Obrero de Venezuela (1959). A primeira é que o
termo conjunto é sociologicamente bastante enganoso, porque o pes
soal morador é muito diverso no que se refere a qualquer categoria
sociológica padrão, como classe, estrato, grupo étnico, ou salário,
quando se observa o universo dos conjuntos. Os conjuntos, como tal,
podem abrigar qualquer tipo de categoria social e o termo factual
mente nada denota em termos sociológicos. Um estudo dos conjuntos
teria que diferenciá-los segundo categorias sociologicamente relevan
tes. Interessam aos objetivos deste estudo os conjuntos de baixo
nível dc renda do Rio, espalhados aqui e ali, basicamente na Zona
Norte, industrial, da cidade.
Uma característica importante dos conjuntos habitados por pes
soas de baixo nível de renda no Rio e, como eu vejo, em outros lu
gares, é a sua especialização ocupacional, porque cada um foi cons
truído separadamente por um órgão, sindicato, associação ou outro
12 Caldas de Moura (19 69 ); ela também er a estudante de Antropolog ia
do Museu.
A S oci ol og i a d o B rasil U rbano

grupo corporativo atendendo a seus membros. Desta forma, há o


conjunto dos bancários, dos marinheiros, da Marinha, do iapi (o
Boje extinto Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários),
do iapc (o hoje extinto Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Co-
merciário s), do Pedregulho ( ftmcionários públic os), e assim por di-
,, ante. Assim, por todo o Rio e outras cidades, espalham-se enclaves
ocupacionais residenciais. Este fato ganha significação especial em
vista dos salários estabelecidos para a força de trabalho brasileira,
que tendem a impor parâmetros bastante claros para a renda fami
liar ou recursos de capital familiar, dos quais quantias igualmente
estabelecidas são subtraídas através de aluguéis ou amortizações. Em
contraste, não se encontra nem especialização ocupacional, nem uma
faixa de renda nas favelas e outros tipos de moradia, um ponto ao
qual voltarei adiante. Não existe qualquer estimativa de quantas
pessoas vivem nos conjuntos, de um modo geral, menos ainda na
queles de baixo nível de renda. Minha impressão é de que issoé da
ordem de 10% da população do Rio.
Um quinto tipo é constituído por vastas vilas populares — ou
seja, proletários (no Rio chamam-se também conjuntos, mas mais
comumente vilas), resplandecendo em nomes como Vila Aliança,
Vila Kennedy, Vila Esperança, Cidade de Deus, e*mais recente e
muito ironicamente, Vila Paciência e outras, no Rio; Ciudad Ken-
nedy em Bogotá; Caja de Água e Ventanilla em Lima, e assim por
(diante. As populações dessas vilas foram removidas de outras par
tes da cidade por ato do homem ou de Deus — pela remoção da
favela, renovação urbana, enchente, deslizamento de encosta, ou
outro desastre. Nessas vilas, as chamadas casas “ embrião” são ven
didas aos moradores, selecionados em virtude de sua suposta “ capa
cidade para pagar” — as taxas calculadas de amortização baseiam-se
nos custos de construção governamental — mas que são incapazes
de obter melhor moradia para substituir aquela que perderam. As
sim, os influxos de capital familiar dos moradores têm limites bas
tante estreitos e além deles, há, aparentemente, os pagamentos» de
amortização. Digo “ aparentemente” porque nas vilas do Rio cerca
de 60 a 80% não o fizeram até o momento. Todas as vilas, ou um
total de cerca de 250.000 pessoas ou mais, constituem cerca de 5 a
7 % da população do Rio. Deve-se observar que as principais vilas
do Rio estão a 50, 60 km do centro da cidade e dos principais lo
cais de trabalho, exigindo duas ou três conexões de ônibus ou trem
e, geralmente, de uma hora e meia, a três horas de viagem de ida
e volta. Praticamente nenhum mercado de trabalho, qualquer quç
seja, desenvolveu-se próximo a elas. Em Lima, a distância, o custo
e o cansaço do transporte são bem menos severos, mas ó mercado
M oradia , A rranjos de V i d a , P r ol etar i z açã o 15 1

de trabalho perto de Caja de Água e Ventanilla ê praticamente


inexistente. A mesma queixa era feita com relação a Ciudad Ken-
nedy, há alguns anos, embora ela se situe a apenas 8 km do centro
da cidade.
Um sexto tipo compreende o que é localmente referido no Rio
como “ subúrbios” , caracterizados em geral por vasto número de
casas privadas separadas, bastante humildes, situadas em ruas ofi
ciais
menteque
nãotêm pouca
há luz, ou nenhumade pavimentação,
o suprimento água é pobre, onde freqüente
há pouco ou ne
nhum serviço de esgoto ou outros serviços urbanos. Situam-se em
grande parte em regiões da cidade mais distantes do centro, mas
não são propriamente subúrbios no sentido norte-americano do ter
mo, uma vez que estão totalmente dentro dos limites jurídicos da
cidade central, o Rio de Janeiro, Cada casa, geralmente, tem seu
quintal ou jardim com espaço para árvores frutíferas, vegetais, ga
linhas, porcos, e assim por diante, possibilitado pelo loteamento
mais ou menos oficializado, realizado por especuladores de terra,
com maior ou menor grau de observância das normas jurídicas se
gundo sua honestidade. As áreas de subúrbio assemelham-se aos
pequenos povoados municipais do interior do Brasil que se con
fundem são,
búrbios com evidentemente,
as áreas agrárias circundantes,
cercados mas, no
pela cidade. As Rio, os su
estimativas
populacionais podem apenas ser conjeturadas, uma vez que as esta
tísticas não são inferidas de acordo com a categoria. Eu arriscaria
10 a 15% da população do Rio.
Um sétimo tipo consiste das áreas pobres propriamente ditas
(tugú rios) — áreas de habitação e serviços urbanos outrora bons,
hoje decadentes; quartos alugados, apartamentos, e casas; pensões,
quartos e refeições sobretudo para homens, hotéis baratos para via
jantes, bordéis, e assim por diante. Há vastas áreas assim em to
das as maiores cidades latino-americanas, grandes extensões no Rio
e talvez maiores ainda em Lima, e todas, pelo que sei, rigorosamen
te não estudadas. Nenhuma estimativa do número de pessoas em
taispopulação
da habitaçõesdoexiste,
Rio eaotalvez
que me consta: meu cálculo
consideravelmente maisseria de 10%
em Lima.13
O oitavo tipo compreende as áreas invadidas por posseiros, das
quais darei aqui apenas uma descrição sumária ( ver referências
acima). O único critério uniforme que distin gue as áreas invadi
das dos outros tipos de moradias na cidade é o fato de constituí-
*3 Há estatísticas para tugúrios em geral, mas elas nã o distinguem outros
tipos além das áreas invadidas com o opostos ao resto, A menos que se
reconh eça que há uma significaçã o para os tipos — ou seja, estratégias
diferenc iais de vida — > não liá raz ão para lhes dar estatísticas diferenciais.
152 A S oci ol ogia do B rasil U rbano

rem uma ocupação “ ilegal” da terra, já que sua ocupação não sc


baseia nem na propriedade da terra nem em seu aluguel aos pro
prietários legais.
Todos os outros critérios freqüentemente usados para distin
guir as áreas invadidas dos outros tipos de moradia apenas aplicam-
se parcialmente ou não-freqiientemenle. Além da ocupação, elas
geralmente também não são planejadas. Isto ê quase que unifor
memente o que ocorre no Rio, em São Paulo, e outras cidades brasi
leiras, embora em Salvador alguns dos alagados ou invasões de la
gos pareçam ter tido um traçado pré-concebido. Os barrios de Ca
racas também parecem não planejados. Bogotá as tem tanto plane
jadas como não-planejadas. Lima, todavia, é notável pelo número
e tamanho de barriadas “ ilegais” que foram planejadas antes da in
vasão, e algumas que parecem ter sido “ reguladas” antes de im
plantação ocorrer.
Devido ao padrão de desenvolvimento de melhorias habitacio
nais encontrado nelas, é errôneo, seja no Rio, Lima, Caracas ou
Bogotá, por exemplo, chamar as áreas invadidas de shantytowns,*
embora muitas o sejam e outras, que nao o sao primordialmente,
tenham vizinhanças que o sejam. Em alguns casos, as áreas inva
didas, com o decorrer do tempo, transformam-se em partes regula
res da cidade com construção padrão, através de seus próprios mo
radores.14
Raramente é verdadeiro que suas populações sejam primordi
almente migrantes “ verdadeiramente rurais” , apesar de muitas
pessoas terem vindo de áreas mais ou menos rurais, ria maioria
através de migração gradativa. Não se trata também de populações
uniformemente compostas de trabalhadores marginais, lumpen-
proletários ou meros proletários mas, antes, tais populações apre
sentam uma gama de estratificação que alcança até os níveis pro*
fissionais, burocráticos e de negócios médios-superiores em algumas
das maiores e mais evoluídas áreas invadidas, como o Jacarezinhò
no Rio e San Martin de Porras (com seus bancos e instituições go
vernamentais em Lima. Não se trata também de comunidades uni~
formes e unidas, mesmo naquelas áreas que têm associações de mo
radores
Emmais estruturadas.
suma, embora as áreas invadidas por posseiros compreen
dem um único tipo de moradia, em virtude de sua srcem e da

* O termo shantytcwns refere-se a áreas urbanas deterioradas, com o,


por exemplo, áreas onde o tipo de moradia predominante é composto de
cortiços. (N. da R.T.)
14 Ver, nesta con exã o, Mangin (19 63); Turn er (1963, 1968, 1969, 1970);
Uzzel (1972).
M oradia , A rranjos de V i d a , P r ol etar i za ção 153

característica comum da ocupação ilegal da terra, e, conseqüente


mente de seu estatuto jurídico especial diante da lei e da autorida
de pública, como um universo, elas apresentam uma gama muito
mais variada para todas as categorias de interesse sociológico do
que qualquer outro dos tipos de moradia, e, individualmente, a
maior parte delas é composta de áreas sociais e habitacionais bas
tante heterogênas. Talvez 20% da cidade jurídica do Rio e 22 a
25% da comirbação
Nilópolis, São João dedoMeriti,
Rio (Rio, Niterói,
etc. — todos, São Gonçalo,
exceto Caxias.
a primeira, que
tem cerca de 4.000.000 de pessoas, têm por volta de 400.000-
60 0.0 00 habitantes — um total hoje de cerca de 8 .0 00. 00 0) mo
ram atualmente em áreas invadidas. Em Lima, hoje, mais de 40 %
da população total de cerca de 3.000.000 vivem nas barriadas, en
quanto que aproximadamente 50% dos 1.200.000 habitantes de
Caracas vivem nos barrios.15
Finalmente, existem no Rio muitos tipos menores, como o
cortiço de que falei acima e a estalagem (equivalente ao solar li-
meno — uma espécie de casa de cômo dos) que existem apena»
como remanescentes do passado; a favela de quintal, equivalente ao
corralón em Lima. Os dois últimos termos referem-se a constru
ções do tipo do barraco e outras abaixo do padrão e não autoriza
das, erguidos com a permissão dos proprietários das casas oficial
mente registradas na rua, geralmente como meio de obter renda
através da imposição de aluguéis pela terra. Outro tipo ainda é a
azotea? construída no topo de uma casa oficialmente registrada
em Lima, e que não tem análogo no Rio. Nenhuma estimativa exis
te de quantas pessoas moram em tais construções especializadas,
mas provavelmente nao mais do que 1% no Rio, e uld pouco mais
em Lima.

15 Estes dados podem parecer altos. Todav ia, além do fa to de que as


áreas invadidas na maioria das cidades crescem num ritmo tão rápido
como o da cidade como um todo, e multo mais rápido do que as outras
partes da cidade, os dados do censo quase sempre subestimam o número
de moradores nas áreas invadidas, talvez porque o censo de unidade do
méstica a unidade doméstica seja mais difícil para pessoas que não sejam
antropólogos obsessivos, talvez porque mapear tais locais para fazer um
censo de unidades doméstica a unidade doméstica ou de amostragens seja
com freqüência excessivamente difícil, talvez porque seja por vezes po
liticamente desejável subestimar o tamanho dessas populações. Todavia,
se acrescentamos as estimativas tiradas de várias fontes, se as conferi
mos com o nosso próprio julgamento visual, os dados mais elevados pa
recem mais do que razoáveis.. Acreditamos mais neste tipo de estimativa
por sua correspondncia com dados derivados de áreas invadidas, a
partir de um survey de unidade a unidade doméstica, cuidadosamente rea
lizado.
* A S oci ol ogi a d o B rasil U rbano

testa forma, aproximadamente 70% da população da cidade


_jó de Janeiro e uma percentagem comparável em Lima e Cara-
nioram em habitações que, com exceção de algumas áreas mais
uídas, sã° quase <Iue exclusivamente proletárias.
Quero enfatizar que cada um dos padrões habitacionais aqui
iBsqutidog tem um aparato físico característico facilmente reconhe-
eível pela vista exercitada. Estes aparatos, mais os aparatos físicos
facilmente reconhecíveis
viços, transportes, etc —daouestrutura de trabalho
seja, fábricas, da indústria,
máquinas, ônibus, ser
va
gões, e semelhante — e a organização administrativa (edifícios de
escritórios públicos, aeroportos, instalações militares, etc.) consti
tuem juntos os adornos físicos da cidade, que lhe sao tão peculiares,
e que, em nosso pensamento, tendem a ser identificados c compre
endidos como a cidade. No que se segue, desvendarei as relações
sociais que acompanham e que sao subjacentes a estes aparatos e
sua distribuição espacial. 4
Po ponto de vista da forma urbana e, particularmente, da es
trutura social urbana a ser extensamente discutida abaixo, a distri
buição “ desordenada” de todos esses tipos de moradias deveria ser
observada. Embora, de fato, haja amplos trechos de tugúrios, eles

são descontínuos,
conjuntos de baixoentremeados nao parques
nível de renda, apenas por favelas, etc,
proletários, avenidas,
mas
também por conjuntos de nível médio, áreas residenciais de alto ní
vel, áreas de negócios, indústrias e assim por diante. Hoje, há ape
nas uma área inteiramente de alto nível no R io — Ipanema-Le-
blon, na parte mais nova da Zona Sul — e mesmo ela tinha, até
1968-1969, quando remoções em larga escala, foram iniciadas pelo
governo, um número significativo de favelas. A mundialmente
famosa Copacabana — um playground internacional de elite e um
centro do comércio chique de boutiques? galerias de arte, modernas
lojas de móveis, e coisas semelhantes — mesmo depois das remo
ções iniciadas em 1968, permanece uma área de tipos de moradia
diversificados, incluindo duas importantes favelas, dois ou três edi
fícios de apartamentos conjugados de má reputação,16 prédios su
fi?1 Estes são conhec idos no R io com o Jks. Trata-se de um trocadilho:
JK. são as iniciais de Juscelino Kubitschek, que estava tentando construir
o Brasil às pressas com resultados por vezes grandiosos, mas pouco sóli
dos; também significam “Janela e Kitchinette ’*, expressão que descreve
ironicamente o tamanho e vantagens dos apartamentos. O mais famoso
(ou mal-afamado) é conhecido como Barata Ribeira, 200 — o endereço
de um edifício que abriga muitas centenas de tais apartamentos, com
extrema densidade de ocupação, um constante fluxo de prostitutas, al
coviteiros, “ cabeleireiras” , jogado res, e policiais à procura cie um ou
outro. O lugar estava sob vigilância constante da polícia. Os dados pro*
M oradia , A rranjos de V i d a , P r ol etari z açã o 155

perlotados, edifícios palacianos, e assim por diante, todos entremea


dos. Botafogo, próximo a Copacabana, mas na Baía de Guanabara,
adentrando pelo Pão de Açúcar, montanha que a separa do Atlânti
co, que tem igualmente áreas de elite, intercaladas com favelas re
manescentes, algumas surpreendentes casas de cômodos, avenidas,
uma variedade de habitações de baixa renda, alguns conjuntos e
coisas semelhantes. A próxima subdivisão da cidade, Flamengo, é
ainda
velas, mais dispersa,
conjuntos, tendo algumas
habitação dasmédia”
de “ classe mais notáveis
e rica. avenidas, fa
Entre esse
bairro e a Zona Norte estão duas importantes áreas e o maciço mon
tanhoso central — o centro bancário e de administração pública da
cidade c do Estado da Guanabara (e, em parte, do Brasil), e a
montanhosa área residencial quase que exclusivamente de classe
alta de Santa Teresa, que abriga, num de seus extremos duas gran
des favelas, no outro, duas ou três pequenas, e em cujas encostas
mais baixas situa-se uma selvagem variedade de casas uni ou multi-
unitárias, tanto legais como ilegais em sua ocupação da terra e
padrões de construção.
A Zona Norte é a principal região industrial e artesanal da ci
dade, mas possui também duas importantes áreas residenciais do
estrato superior, circundadas por e contendo favelas, e fazendo fron
teira com conjuntos, subúrbios, avenidas. Para o Norte e o Leste,
não se encontra nada além de habitações de nível médio, mas mes
mo estas são totalmente entremeadas por uma extraordinária cole
ção de parques proletários e habitações de emergência, favelas dos
mais variados tipos, conjuntos, vilas construídas anos atrás pela
Fundação da Casa Popular, avenidas, favelas de quintal, instala
ções industriais, pequenas e grandes, lotes agrícolas, e assim indefi
nidamente.
Dei tantos detalhes para transmitir ao leitor o caráter calei
doscópico da cidade do ponto de vista não apenas dos tipos de mo
radia, mas também de características sociais, como renda, classe e
mesmo etnia (não importante no Rio, embora mais em Lima), pro
veniência, ocupação, que estão ligadas e são subjacentes a elas. 0
aspecto caleidoscópico ê claramente visível em fotografias aéreas e
tiradas do alto dos morros, mas não é facilmente reconhecível pelos
não iniciados como socialmente caleidoscópico, em termos da distri
buição de pessoal no espaço segundo características sociológicas.
Voltarei ao que significa esta dispersão caleidoscópica e desconti-
nuidade em termos da organização social da cidade no último capí
tulo.
vêm de um estudo realizado por dois estundantes de Antropologia do Museu
Nacional, 1969,
A S oc i ol ogi a d o B rasil U rbano

Lima é menos multifacetada, mas também apresenta conside


rável dispersão. Por exemplo, em Miraflores, sempre pensada como
uma das áreas residenciais e de centros recreativos de elite por ex
celência, há ao menos uma barriada e muitos corralones considerá
veis, bem como alguns callejones. La Victoria, área em grande
parte de média-baixa para média, é iun bom rebuliço de projetos
habitacionais, pequenas barríadas, callejones, corralones, casas sub
divididas e semelhante.
algumas habitações Rimac
de sólida é ainda
classe mais
média, complexa,
grande númeroincluindo
de calle
jones, algumas grandes barriadas (h oje chamadas pueblos jóvenes)
solares, casas de cômodos, corralones, unidades vecinales, instala
ções militares, as praças de touros da cidade, jardins públicos, etc.
A única área uniformemente superior é San Isidro.

Arranjos de Vida Alternativos


Começando com certos modelos a partir dos quais a situação
de campo foi abordada, foi apenas através de dolorosos passos, am
pliando e modificando o modelo, forçado pelos próprios dados do
campo — por vezes provocado por grandes dificuldades, por vezes
acertando
uma ordemquase
que que por todos
articula acidente — quedesemoradia
os tipos descobriu finalmente
acima discuti
dos.17
Talvez os dados de campo mais significativos a este respeito
sejam aqueles relativos à circulação de pessoas entre os tipos de
moradia, as razões de sua escolha, a estrutura das situações nas quais
as decisões de mudança sao tomadas e as restrições à sua mudança.
Dado o fato de que os dados para muitos tipos de casos ainda estão
apenas esboçados, posso apenas delinear as conclusões e fornecer
tentativas de hipóteses.
Em essência, cada tipo de moradia compreende arranjos caracte
rísticos de vida, eujos elementos foram identificados acima de pas
sagem. Envolvem números e proporções variáveis de algumas for
mas características de lar (uma unidade econômica, corporativa, or
17 O modelo srcinal é plenamente apresentado em Leeds (1973a escrito
em 19Ó4). Ainda pressupõe que as favelas são habitadas por "favelados”
— sentido de um estado permanente — antes do que por moradores da
favela — ou seja* pessoas que, em sua maioria, moram nas favelas por
escolha, no desenvolvimento de estratégias de vida (ver Leeds 1973).
Quando o aspecto da escolha e estratégia é por fim reconhecido, deve-se
indagar de onde os moradores vieram ao mudar-se para a favela. A
resposta é; majoritariamente de outros tipos de moradia na cidade. Isso
é verdade tanto para Lima como para o Rio, embora em ambos os
locais o padrão evolua com o desenvolvimento da estrutura residencial
total da cidade (yer os trabalhos de Turner acima citados).
M oradia , A rranjos de V id a , P roletarização 157

çamentária; ver Leeds 1973b), geralmente, mas nem sempre, um


segmento familiar (nuclear outro), combinando o fim econômico
com todos os outros fins da unidade doméstica. A unidade familiar
como unidade orçamentária, tem a tarefa de alocar seus recursos
__ evidentemente parcos em todos os tipos de moradia que estou
discutindo — a uma série de fins em diferentes proporções, dan
do prioridade a alguns, rebaixando outros, e ainda protelando ou
tros,
dessessefins
possível. Assumindo—que
são inelutáveis as pessoas algum
alimentação, querem abrigo,
viver, alguns
saúde;
outros, devido à sociedade contemporânea, quase inevitáveis —
educação , vestuário, etc; e outros ainda, mais periféricos, mesmo
se sentidos como necessários, como a recreação.
Em geral, o padrão de pesos e conteúdos dados a estes fins
corresponde a um determinado tipo de moradia, como o veículo
apropriado para maximizar o padrão de fins selecionado. Não sabe
mos ainda em detalhes que variáveis determinam a escolha que
uma unidade familiar faz de um padrão de fins, e não outro, mas
as linhas gerais são claras.
0 padrão de fins, em si mesmo, relaciona-se a percepções, cog-
niçoes, interpretações e experiências por parte dos membros da uni
dade doméstica
cialmente com relação
com relação ao mundo
ao mercado maior emà que
de trabalho, vivem, espe
burocracia, ao sis
tema político, ao sistema de saúde, à estrutura de serviços e do mer
cado, e talvez, especialmente, com relação aos sistemas de posi
ções hierárquicas que os atravessa, e que tanto os ordena como ar
ticula. Por este último, refiro-me tanto à hierarquia interna for
mal de cargos nas instituições burocráticas, partidos políticos, hos
pitais, órgãos de previdência, organizações de distribuição, etc,
quanto às redes informais de parentesco, amizade, relações de troca
de favores e patronagem que atravessam os limites dos vários seto
res, contribuindo para o elitismo e para a criação das fronteiras de
classe*
0 padrão de fins também se relaciona a, é coagido por, dois

outros
de fatoresmovendo-se
familiar, importantes. Primeiro:
através diferentes
do ciclo estados
doméstico da unida
determinamne
cessariamente diferentes avaliações dos fins. Segundo: diferentes
níveis absolutos de renda e capital disponível, relativos ao custo de
vida num dado momento, tendem a determinar diferencialmente
padrões de fins — por exemplo, quanto mais baixo o nível absoluto,
maior a percentagem atribuída à alimentação e ao custo do traba
lho.18 Ambos, além dos mecanismos externos de manutenção de
18 Numa amostra bastante grande de entrevistas para entrada no Plano
doa Pais Adotivos em Niterói, descobrimos que, na época das primeiras
m A S oci ol og i a do B rasil U rbano

classe, operam com restrições sobre as escolhas e como limitadores:


de possibilidades estratégicas.
Delineamos sinopticamente como estes vários fatores operam
na seleção dos arranjos de vida e, conseqüentemente, na circula^
çao das pessoas de baixo nível de renda por entre os tipos de padrões
habitacionais.
Uxna unidade familiar pode escolher viver nos subúrbios por
que pode possuir sua própria casa, o que maximiza sua segurança
de posse, permitindo que melhore as condições físicas de vida; por
que pode plantar frutas, vegetais e criar animais, reduzindo assim
os custos de alimentação; porque o meio é calmo e familiar para a
educação adequada das crianças. Todavia, viver nos subúrbios re
duz a acessibilidade ao trabalho, elevando conseqüentemente as des
pesas com o custo do trabalho; decresce a acessibilidade ao tra
balho por conta própria, especialmente biscates (que são mais fre
qüentes nas áreas de mercados de trabalho mais densos e nas áreas
residenciais de elite) e aqueles mais bem pagos; fica-se distante das
facilidades de saúde, escola e recreação; custa mais em termos de
serviços e bens a varejo; e sacrifica serviços urbanos, como água,
luz, esgotos, ruas pavimentadas e policiamento. A unidade familiar
deve ser
para também
capazter
de algum capital srcinal
fazer pagamentos para pagaT
de aluguel, pela terraououde
amortização,
hipotecas, a menos que possa encontrar um lote não vigiado que
possa ser invadido. Em geral, os subúrbios são vantajosos para lares
em melhor situação ou mais avançados no ciclo doméstico, quando
as crianças já se foram ou sao bastante grandes para trabalhar.
Novamente, uma unidade familiar pode escolher morar numa
favela. Fazer isso maximiza a poupança sobre os aluguéis e amorti
zações; permite grande liberdade em adaptar a estrutura física da
casa às mutáveis necessidades domiciliares; permite maior ou me
nor aumento da produção, especialmente frutas e animais; acima
de tudo, reduz os custos de transporte para o trabalho freqüente
mente a zero e maximiza o acesso ao mercado de trabalho em geral

bemespecialmente
como coloca osaos trabalhospróximos
moradores mais bem pagos e ao
a hospitais, s biscates
escolas, ■—
e facili-
entrevistas desses casos de muito baixo nível de renda, a percentagem
média de renda doméstica gasta com alimentação era de cerca de 70%.
Os outros 30%tinhamque ser gastos com roupas, transportes e remédios.
O plano deu alguma ajuda tanto m e espécie como em dinheiro para
uma fração moderada da renda doméstica na época da primeira entre
vista. A segunda entrevista dos mesm
os informantes ostrava
m que o
gasto com alimentação havia-se elevado a 75%, ou seja, toda a renda
adicional fora para a alimentação que estava antes num mínimo absoluto.
Nenhum gasto adicional foi feito para as outras necessidades.
M oradia , A rranjos d e V i d a , P r ol etar i z ação 159

dades de recreação.19 As favelas também tendem a permitir a proxi


midade física de extensões de redes sociais, contribuindo portanto no
sentido de um sistema de segurança social mais eficiente para mo
bilização imediata do que em áreas de baixo nível de renda e mais
fragmentadas da cidade. Elas também permitem o desenvolvimento
de grande solidariedade social, ponto ao qual voltarei adiante. As
desvantagens compreendem os reduzidos ou inexistentes serviços
urbanos com possíveis riscos para a saúde; restrições sobre as cons
truções em função de ameaças de represálias divinas, como incên
dios ou chuvas torrenciais; insegurança de posse; a necessidade, ab
soluta para mudar-se para lá, de capital, seja para comprar uma
casa já existente ou construir algum abrigo mínimo inicial, a pri
meira geralmente em favelas superlotadas ou supervisadas. Esta
última observação indica que o estado em que a unidade familiar
se encontra, em qualquer dado momento de sua historia, é uma im
portante restrição sobre a escolha feita realmente, ponto ao qual
voltarei adiante. A falta de um endereço oficial pode, também, ser
uma importante desvantagem em termos de acesso à comunicação
de um morador, e em termos de discriminação no trabalho contra
os moradores de favela, devido aos mitos existentes (ver acima,
pp. 10-11) com relação às favelas.
Uma circulação típica de uma unidade familiar entre tipos de
moradia pode ser de uma casa de cômodos para uma favela, para
um subúrbio, para uma vila e de volta para a favela, ou de um
quarto ou casa alugadas de uma área pobre para uma favela, su
búrbio ou conjunto habitacional. Todavia, ainda nao tenho esta
tísticas para indicar se há padrões de circulação, embora as hipó
teses indiquem que deveria haver.
As escolhas de tipos de moradia são analiticamente equivalen
tes, mas não o são como possibilidades reais. 0 que as torna não-
equivalentes são as condições ou estados de unidade familiar, ou da
empresa doméstica. Uma variável importante é o capital disponível
ou mobilizável, que determina, por exemplo, se se pode pretender
uma easa numa favela que, como procedimento padrão, é obtida
através de um único pagamento (uma vez que não há forma jurí-

*9 A discussão aqui refere-se à situação no R io antes que começasse a


remoção maciça das favelas, em 1968. Até essa época, as favelas apresen
tavam o que se poderia cha mar de uma distribuição “ natural” — ou
seja, uma distribuição que refletia as necessidades de localização dos
moradores srcinais e imigrantes subseqüentes. As remoções forçadas, evi
dentemente, perturbaram drasticamente este sistema, vomitando as pessoas
para os limites distantes da cidade, longe do trabalho, hospitais, escolas,,
áreas de recreação, parentes e amigos, e assim por diante.
A S oci ol ogi a do B rasil U rbano

fâfâí Me utilização de vendas a prazo na favela ilegal); se se pode


níaneiar séries de prestações ou pagamentos de 15, 20 anos por
uma chamada “ casa da cooperativa” . A quantidade de capital mo-
fôilizável ou disponível depende, ela mesma, de uma série de va
riáveis:
(а ) As extensões da rede social para mobilização de serviços
grátis para reduzir os custos.
(б ) Habilidades de membros da família que podem ser usa
das para obter salários ou outras formas de pagamento, como pre
sentes ou serviços prestados;
( c ) Trabalhos mantidos pelos membros do domic ílio;
(d ) Salários recebidos pelos membros da unidade familiar.
(e ) Capacidade de indenização por membro do domicílio;
( / ) Proporção dos salários que vai para os membros não tra-
Ibalhadores da unidade familiar.
( g ) Condições de saúde dos membros da unidade familiar;
( k ) Custos do trabalho para os trabalhadores da unidade fa
miliar — transporte, taxas, etc.
Como único exemplo,20 aqui, uma mãe abandonada e seus fi
lhos morando numa casa de cômodos de aluguel “ barato” . Por ser
ela lavadeira
dar-se, porqueounão
doméstica, temospouca
pode obter ou nenhuma
recursos chanceuma
para construir de mu-
casa,
menos aiuda para fazer os pagamentos da amortização ou pagar alu
guéis, nem pode mobilizar serviços para construir uma casa porque
está isolada das redes que poderiam fazer o trabalho para ela, e ela
mesma nao pode fazê-lo, uma vez que não pode estarin situ, e deve
ocupar o seu tempo trabalhando. Ela é pobre demais para escapar
ao pagamento de aluguel e pode apenas alugar locais em que os alu
guéis exigidos são exorbitantes em relação às vantagens por mais
“ baixos” que possam ser em termos absolutos. Os aluguéis hoje vão
de 15 a 90% do salário mínimo (que é fixado pelo Governo Na
cional e era, em meados de 1973, Cr$ 312,00 ou cerca de US$50/
mês). Se a pressão se torna bastante grande, ela pode não conseguir
pagar o aluguel e ser despejada, ou pode conseguir obter dinheiro
extra vendendo seu corpo a um homem ocasional; ou pode tentar
contrair um arranjo consuetudinário mais permanente. A limitação
desta última solução é que ela tem pouco a oferecer a um homem
em termos de serviços ou capital, de modo que, provavelmente, ela

CO Embora este exemplo se ja hipotético, foi construído a partir de al


guns casos conhecidos.
M oradia , A rranjos de V i d a , Pr ol etar i z açã o 16 1

só atrairá um homem que tenha pouco para dar e, freqüentemente,


muito para tomar. Eventualmente, um de seus filhos, se viver,
torna-se bastante grande para trabalhar, se está em condições de
saúde adequadas, situação que pode adicionar ganhos de capital
suficientes para permitir à unidade familiar fazer um arranjo do
méstico mais vantajoso, como comprar um segmento de uma cons
trução ou alugar um quarto ou apartamento numa favela. Fazen
do
lho isso,
maisela poupa
moço, recursos
talvez que podem
aumentando, ser forma,
desta usados suas
para futuras
educar opos
fi
sibilidades de trabalho.
Histórias de casos, hipotéticas ou reais, poderiam ser multi
plicadas indefinidamente, mas basta, aqui, indicar a situação ini
cial do estado da economia da unidade familiar. Seu estado é em
sL mesmo dependente de modo crítico da relação da unidade fami
liar e com o mercado de trabalho e das características deste, ambos
controlados, sociologicamente e com relação às suas manifestações
estatísticas, pelas classes e suas elites, externas ao proletariado, onde
se localizam as unidades familiares que consideramos.
Em suma, as unidades familiares, cujas economias dependem
do mercado de trabalho-salário das economias de trabalho intensivo,
tais como aquelas dos países neo-colonialistas da América Latina e
outras áreas “ subdesenvolvidas” do mundo, confrontam-se todas
com um sistema de restrições financeiras e institucionais (parte
da estrutura de proletarização) que estabelece os parâmetros das es
colhas que eles podem fazer, dentre os arranjos de vida. Essas es
colhas são diferentes daquelas abertas às unidades familiares cujas
economias dependem dos mercados de trabalho intensivos, salarial,
profissional ou empresarial. Volto às restrições sobre o primeiro
mais adiante, mas antes quero acrescentar mais alguns comentá
rios sobre as escolhas e suas conseqüências. Como um grupo, as
escolhas devem ser vistas como alternativas que permitem diferen
tes vantagens estratégicas e táticas com relação aos objetivos de
vida, mas todas no interior do quadro de um modo de vida prole-
tarizado, criado e mantido essencialmente pelos detentores dos re
cursos estratégicos de capital da sociedade.
As escolhas, como foi observado, refletem os estados mutáveis
das unidades familiares, mas podem também refletir condições ex
ternas, como mudanças nas ofertas de trabalho locais ou totais na
cidade, às quais, por sua vez, refletem elas próprias mudanças na
disponibilidade de habitações; mudanças na política relativa à fa
vela (ver Leeds e Leeds, 1972) ou outros tipos de habitação, e mui
tas outras modificações no meio.
A S oci ol og i a d o B rasil U rbano

Monseqüência das Escolhas entre Arranjos de Vida;


Solidariedade e Divisão
As conseqüências das escolhas feitas, todavia, não são mera
mente as mudanças nos arranjos de vida da unidade familiar, mas
' também na relação daquela unidade familiar com seu meio circun
dante, no sentido de criar relações solidárias entre pessoas destatus
soeietal
Nos casossemelhante
de todos os—tipos
isto deé, moradia
entre osdiscutidos
membros aqui
do proletariado*
(exceto, pos
sivelmente, algumas favelas de quintal), a relação se dá com a
meio imediato, no qual penetra ou do qual parte, constituído de
unidades familiares significativamente semelhantes, que se encon
tram no mesmo conjunto de condições ou que fizeram as mesmas
escolhas. Essas unidades familiares não são meramente semelhan
tes como categorias, mas também em virtude dos padrões sociais,
condições legais, elementos de comportamento e identidade seme
lhantes ao comunitário, que os acompanham, áreas de moradia
como o meu termo indica. Dentre grupos ou agregados totais de
tais unidades familiares, há o reconhecimento do “ nós” como opos
to ao “ eles” , os de fora — ou dos “ nossos interesses” como contrá
rios aos “ interesses externos” , da nossa gíria como oposta à dos
estranhos em outras aglomerações ou classes. As cristalizações de
tais redes de relação, sentimentos, auto-identificaçÕes e interesses
são vistas, por exemplo, na emergência de grupos de carnaval, ou
clubes de futebol associados a um conjunto, a um subúrbio, favela*
parque proletário — todos grupos solidários, freqüentemente co m
uma articulação muito forte de sua relação com a comunidade —
moradia à que pertencem.21
De extrema importância para este trabalho ê o fato de que mu
danças nos arranjos de vida — na verdade, migrações intra-urba-
nas — tecem redes intraproletárias de todos os tipos através da ci

21 Os nomes
Recreativo dos de
Paraíso grupos de com
Tuiuti, Carnaval
o qualindicam isso claramente:
tive contato Grêmio
contínuo durante
minha estadia lá; Unidos (referindo-se a dois ou três grupos anteriores
menores, bom co m o a seu próp rio pessoal) do Jacaré, do qual fui sócio
e no qual desfilavam dois colegas próximos; Acadêmicos do Salgueiro;
Império Serrano; Mangueira. Com exceção das duas primeiras, essas
agremiações competem pela fama, reconhecimento, honras nacionais, ex
cursões, etc, em cada Carnaval. Suas sortes, sucessos e fracassos suà po
liticagem dentro e fora das favelas» sua relação com outros grupos sociais
e políticos dentro e fora das áreas de moradia são seguidas de perto por
grande número de populações locais. Grupos semelhantes, embora menos
famosos, são encontrados nos parques, vilas, conjuntos e alhures, e evi
dentemente em ouíras cidades, sendo a mais famosa Recife, um centro de
difusão de danças nacionalmente populares como o baião e o frevo.
M oradia , A rranjos de V i d a , P r o l et ari z aça o 163

dade. O que impressiona depois de um trabalho etnográfico pro


longado é o número, variedade, multílocalização, freqüência de mo
bilização e utilidade dessas redes. Elas sao estendidas atrav és do
parentesco, compadrio, amizade, papéis de ajuda mútua, laços pa
tronais intraclasse, relações dc vizinhança, relações de troca de favo-
res, e também por meio da interação de grupos solidários, tais como
esco l as d e sam ba , bl ocos d e sam ba ? clubes de futebol, clubes sociais,
congregações
diante, religiosas,
que trocam visitassociedades de ajuda
ou encontram-se foramútua, e assim^
das áreas de morapor
dia em convenções de federação.22 Essas redes servem para uma
multiplicidade de funções, embora a maior parte do tempo de modo
esporádico — por exemplo, segurança soeial, ajuda mútua, apoio
político mútuo em atividade eleitoral, legal ou realização de pedi
dos, etc.
O que é mais significativo com relação a isso é a base poten
cial para a solidariedade da classe proletária e mesmo, certo3 em
contextos, uma tendência observada para a criação de tal solidarie
dade, Cito dois exemplos.
Depois do movimento militar de 196.4, as eleições de outubro
de 1965 foram mantidas nas modalidades anteriores, em nome da
imagem política nacional. Nesse mês, foram realizadas eleições para
governadores em alguns Estados-chaves, o mais importante dos
quais era a Guanabara, que fora anteriormente o Distrito Federal,
a capital nacional, e permanecia, em 1965, apesar da existência de
Brasília, como o principal centro da administração nacional, Um dos
candidatos era Flexa Ribeiro, o fantoche (e parente afim) do gover
nador da época, Carlos Lacerda, que fora o agente imediato do colap
so do segundo governo de Yargas, do Governo de Quadros, e do
Governo de Goulart, em 1964, e era uma figura central no golpe
de 1964, esperando mesmo tornar-se presidente. O Partido deles,
um importante sustentáculo do movimçnto militar, era a conserva
dora e reacionáriau d n (Uniao Democrática Nacional), Q outro
candidato (além
era Francisco de alguns
Negrão negligenciáveis
de Lima, de partidos
outrora prefeito menores)
do Distrito Federal
(1956-1959), embaixador em Portugal, que era quebra-galho do ex-
presidente Juscelino Kubitschek, um típico mercenário político do
centrista, pragmático, ideologicamente pouco fundamentado psd
(Partido Social Democrático). 0 p s d apresentou sua candidatura

22 Os vários tipos de grupos de Carnava l, clubes de futebol, coíigreg a-


ções religiosas de diferentes seitas, e outros, pertencem todos a, federa
çõe s a nível estad ual e c onfe de raç õe s nacionais (emb ora, estás tendarp a
ser fic tíc ia s), todas con for m es à lei de orga niza ção sindical ci vil' ^rásL*
leira.
m A S ociol ogia do Brasi l U rbano

•fem coalisão com a ala “direitista” do p t b ( Partido Trabalhista


Brasileiro), o partido populista, baseado no trabalho de Getulio
Vargas__ tuna coalisão de longa duração.
Em todas as favelas (e possivelmente outros tipos de moradia
do pessoa de baixa renda aos quais até agora não me referi), com a
exceção de muito poucos moradores, a resposta a essa situação era
sistemática, e pode ser parafraseada desta forma: “ Negrão é um
mal quem conhecem
n ão éu os — ele pouco
d el es ” (significando ou nada fez
os militares como forças
e suas prefeito,
de mas
apoio
representadas por Lacerda). 0 voto foi maciço em favor de Negrão,
mais claramente em áreas de ocupação proletária.23 0 esmagador
voto proletário contra Lacerda e seu candidato não significou uma
perda para os militares que, naquela mesma noite e como conse-
qüên ci a d i r eta d o vot o , eliminaram todo o sistema partidário, e cria
ram por decreto o atual sistema de um partido do governo (em
grande parte a velhaudn, elementos mais direitistas doPSD e ou
tros pequenos partidos) e um partido de “oposição” rigorosamente
castrado (absorvendoo resto do PSD, o velho ptb e outros) que so
çobrou num lamaçal de impotência, em grandeparte imposto “le
galmente”. Este movimento por partedos dirigentes militares não
significou, por sua vez uma derrota do proletariado que, nas últi
mas eleições, expressou seu protesto por meio de um maciço voto
em branco (sendo legalmente obrigados, ou forçados, a votar, eles
depositam votos nao assinalados para indicar a nulidade da eleição,
fato que foi censurado nos meios de comunicação pelo governo mi
litar).
0 caso relaciona-se àsredes de comunicação e de discussão —
de interpretação e compreensão —que articulam as favelas e ou
tras instalações proletárias. A mera posição categórica, como pro
letário, não pode explicar o voto de oposição, uma vez que, atomiza-
dos como o são, em termos de localização, eles também se confron
tavam com os meios de comunicação favoráveis ao governo, com as
representações populistas
diam a obscurecer de Lacerda
seu interesse. 0 que efoicom outros fatores
surprendenfe para que
um ten
observador estranho for
am as visitas de áre a a área proletária —
a mobilização de redes de comunicação — e a discussão constante
das questões políticas.

33 V er Leeds e Leeds (19 70 ). Apesar das dificul dades e m avaliar o vot o»


devido às peculiaridades de seu registro, não há qualquer dúvida quanto
à sua natureza; ver texto acima. Ver também em ibid. o poema cantado
por algumas meninas pulando corda na favela, citado no final daquele
texto,
M oradia , A rranjos de V íd a , P roletarização 165

0 segundo caso, discutido alhures em detalhe (Leeds e Leeds;


1972; Leeds, 1973b), precisa apenas ser brevemente revisto aqui.
Em 1964, foi fundada uma organização defensiva e representativa
chamada fàfeg (Federação das Associações das Favelas da Guana
bara). Ela promoveu um “Primeiro Congresso” naquele ano. Em,
1968, promoveu seu segundo Congresso e foi prontamente esmaga
da pelas forças policiais. No Congresso de 1964, os participantes;
discutiram
banização1 1, problemas bastante
eletricidade, específi
etc. Em cosquando
1965, das favelas
assisti—pela
água, “ur
primei
ra vez às reuniões da fàfeg e à hora no rádio do presidente da'
fafeg , era ainda esta a orientação. Depois das catastróficas huvas c
de fevereiro de 1966, seguidas imediatamente dos apelos de vários1
órgãos “ técnicos” de elite (ver Leeds e Leeds, 1972), para remover
as favelas, afafeg começou a ser mais explícita em seus ataques à
indústria de construção civil e outros interesses políticos e econô
micos envolvidos an Indústria das Favelas (significando “ a Indús
tria de exploração da favela”, como paralelo à “indústria das se
cas7’ do Nordeste brasileiro explorando as vítimas das secas). To
davia, o ponto de vista ainda se limitava às favelas. Depois dos anos
repressivos de 1967 e 1968, fafeg a mudou drasticamente. Os do
cumentos
mos e discursos
de problemas expressaram-se
nacionais em termos
e outros problemas de epela
classe
gerados em classe,
ter
tais como estrutura salarial, inflação, o sistema de lucros, explora
ção e coisas semelhantes. Emergira umaclara concepção de solida
riedade da classe, indo muito mais além dos interesses das fragmen-
lárias áreas de moradia, que são, na verdade, segmentos físico so-;
ciais do proletariado, divididos parcialmente pelo processo mesmo
de lidar com o meio urbano, por sua busca de ai*ticulação mais viá^
vel com as exigências e ofertas da vida na cidade, e, particialmente.
pela ação deliberada da classe “ superior”.
De modo semelhante, é de extrema importância para os temas
deste trabalho o fato de que tais áreas de moradia também apre
sentam atitudes antagônic as entre si. Se nos relembrarmos dos as
pectos
dia na caleidoscópicos acima mencionados
cidade, compreenderemos também ade fragmentação
localização dadas
mora
soli-
dariedades proletárias ou da classe trabalhadora em virtude dessas
atitudes. A especialização ocupacional do conjunto, a separação da
localização das vilas, a patronagem que vigora nos parques proletá-’
rios, a ilegalidade, a criminalidade e a marginalidade míticas da fa
vela, e assim por diante, todas funcionam, cada uma a seu modo,
de forma a estabelecer identidades celulares, ligadas à área de mo-1
radia, às expensas da identidade de classe como proletariado assala-;
riado ou sub-remunerado. A construção do conjunto, a localização'
A S ociologia do B rasil U rbano

j-iliís vilas, a patronagem dos parques, a ilegalidade das favelas, e


coisas desse tipo são aspectos controlados pelas estratégias de elite
Ha sociedade.
Por demais características são as atitudes contra as favelas, al-
^gumas das quais eu citei acima, que permeiam todas as classes e
"áreas da cidade. Ao mesmo tempo, muitos dos oradorem s das fave
las, especialmente de algumas mais confortáveis e evoluídas, des
prezam os parques, os conjuntos mais pobres e, especialmente, as
casas de cômodos,
Os moradores abominadas
de casas por todos
de cômodos, os que
por outro naodizem
lado, moramquenelas.
não
morariam nas favelas porque o ambiente épesado e os habitantes
são maus elementos.
Em outras palavras, as áreas de moradia de baixa renda, exa
minadas coletivamente, são, numa medida notável, organizacional-
mente centrífugas e estão separadas e divididas umas das outras.
Esse divisionismo é fortemente reforçado pela discriminação do tra
balho praticado pelos empregadores contra os moradores da favela
e pelas discriminações em serviços e preços; pelo tratamento pejo
rativo que a imprensa dá às favelas, como se viu anteriormente;
pela caracterização das condições na favela pelo rádio e televisão, e
assim por diante, ifma vez que 20 a 25% da população total, ou
talvez mais de 40% do proletariado, vivem em favelas, uma divi
são
visãomaior do proletariado
e divisionismo se criapelas
fomentados comclasses
base apenas na moradia,
não proletárias di
em ge
ral e pelas elites que controlam o sistema de comunicação e, em
particular, o mercado de trabalho.
Há evidência substancial e algumas próvas inequívocas de que
a divisão física do proletariado e dos baixos-assalariados é, em par
te, intencional, e freqüentemente reforçada de forma deliberada
pelo fomento às atitudes antagônicas divisionistas como, por exem
plo, pela manipulação dos meios de comunicação de massa. Mas
muito da ação divisionista da elite parece não ser «onsciente, ocor
rendo antes como conseqüênci a não pretendida de se us atos. Por
exemplo, uma ação de desenvolvimento comunitário tal como aque
la desenvolvida pela Aceión na Venezuela e em Lima, ou sua rami
ficação brasileira, Ação, no Rio e Sao Paulo; pelo Corpo de Paz
ou, no Rio, pelo bemdoc ( Brasil-Estados Unidos Movimentode De
senvolvimento e Organização de Comunidade, um programa de de
senvolvimento comunitário patrocinado pela A ID , realizado através do
Departamento de Serviço Social do Estado da Guanabara, ver Leeds
e Leeds, 1972), tende a colocar as favelas, barriadas ou ran
chos em competição entre si pelos recursos que o órgao de desenvol
vimento comunitário detém: eles trabalham em seu próprio inte-
M or adi a, A rra n jos de Vi da , P roleta rizaçã o 167

xesse, e nao no interesse cole


tivo. Ainda assim, o órgão trata da me
lhoria tanto da área de moradia individualmente como, a longo pra
zo, da coletividade das áreas de moradia.24 Como outro exemplo, a
-conversão de um velho edifício de um wbom" bairro em casa de cô
modos enquista seus moradores socialmente, seja ou nao pretendi
da tal atomização. Assim, as duas imensas casas de cômodos no fa
moso Morro do Pasmado, no Rio, cercadas pelo Iate Clube, clube
da elite carioca, pela Universidade Nacional, por uma boate im
portante
alta, estãoe por um cinema,
fisicamente além isoladas
bastante de algumas casas de outra
de qualquer classe popula
média
ção proletária. Juntas, constituem um enclave de talvez 500 pes
soas, que cresce rapidamente com o passar dos anos, conforme os
proprietários acrescentam novas unidades alugáveis à construção e
suas extensões que sobemo morro. De passagem,é interessante no
tar que aparecem anúncios nos jornais pedindo capital para empre
gar em empreendimentos do tipo casas de cômodos. Embora, ofi
cialmente, esse tipo de empreendimento seja hoje ilegal, ele pros
segue sub r osa, criando, pelos atos dos detentores de capital, novos
agrupamentos isolados do proletariado.
Outro exemplo de tal divisão é a construção das vilas. O obje
tivo da divisão era, pelo menos em parte, deliberado e articulado,
«mbora apenas em particular o de, por um lado, colocar os proletá
rios geograficamente
ver grandes enclaves fora
delesdo para
alcance
foradas
da elites e, separá-los
cidade, por outro, de
remo
suas
redes de relações, vizinhanças e comunidades anteriores, que fo-
24 A qu i, deveri a ser observ ado com justiç a que a lguns dos mem bros da
elite, em bases que parecem ser puramente ideológicas, contribuíram real
mente para a organização coletiva do proletariado através da ligação com
favelas ou seus líderes. Um caso é o de José Arfhur Rios, discutido ple
namente em Leeds e Leeds (1972), que reuniu os líderes das favelas na
chamada “ Operação Mu tirão” — para melhorar em col etivamente sua
condição, receberem informação legal e ajuda, auxílio material, orienta
ção na organização. Não há evidências, na mitíha opinião, de que Rios
estivesse tentando ganhar um eleitorado para si e menos ainda para o
Governador Lacerda, que na época precisava de bases populares e que,
quando teve acesso a grandes somas de dinheiro através do Acordo do
Fundo do Trigo Aiu-Estado da Guanabara, em 1962, não mais precisando
de uma
pode massaa organizada
ter dado base para opopulista, demitiu posterior
desenvolvimento Rios. O da
trabalhofafeode ,Rios
embora
não haja conexão direta entre os dois, tendo a última aparecido dois
anos depois do término abrupto do programa de Rios (ver Schimitter,
1971: 208, para o contrário). Estou certo de que Schimitter está errado,
uma vez que eu estive nas reuniões tanto da Operação Mutirão, em
1961 e 1962, como da fàfeg , em 1965-1966. Rios continuou a fazer o
tipo de trabalho que havia feito em 1961-1962 e 1968-1969 na Bahia,
on de também foi eventualmente expulso p elas elites que não queri am
ceder poder e controle para os moradores da favela.
P i Sociologia do Brasil Urbano

jiráS tfBbuptamente desarticuladas pelas remoções, A favela qur


eJtfétia no Morro do Pasmado foi arrancada independentemente de
t£iraisquer laços sociais, políticos ou econômicos que tinha com a
Siea circundante da cidade, e colocada a muitos quilômetros do
Dentro. Todas as remoções — de íavelas, casas de cômodos, ou o
'Çüe fosse — por motivos punitivos, por renovação urbana, para uti-
lídade pública, por segurança (real ou alegada) — desarticula re
des sociais e outros laços construídos entre as populações proletárias
contribuindo paraaosa traços
Adiante, voltarei atomizaçao e o divisionismo
institucionais do proletariado.
do divisionismo.
H estr i ções s obr éa E scolh a

A restrição chave sobre a escolha de qualquer dado tipo de


moradia é financeira, seja qual for o estado do ciclo doméstico.
Ela não é apenas a restrição sobre escolhas individuais específicas,
mas uma que não permite que se escape de todo um conjunto de
escolhas dos arranjos proletários para viver.25 No Brasil, hoje,
grande proporção da força de trabalho recebe oficialmente o salá
rio mínimo. A renda mínima necessária a uma unidade familiar,
para pagar aluguel, suprimentos alimentícios básicos, roupas, trans
porte e cuidados médicos fica entre 900 e 1,200 cruzeiros (3-4 sa
lários mínimos).
miliares Talvez
proletárias um máximo
alcance de 5dea renda,
este nível 10% das unidadesobtendo
a maioria fa
de 300 a 500 cruzeiros por meio de salários e outras fontes.26
Os resultadossão claros. Tal sistema desalários, com a estru
tura de renda que engendra, estabelece parâmetros para o conjun
to de escolhas com um todo ( “ o conjunto de escolha” ). Embora
haja um pequeno número de pessoas ou unidades familiares que es-
25 Esta si tuação é q uase tão verdadei ra para os Estados Unidos com o
o é para o Brasil ou qualquer outra sociedade capitalista. Todavia, nos
Estados Unidos» é mais marcada como um fenômeno total» e torna-se
mais complexa por uma elaborada estratificação interna do proletariado
baseado nas faixas de qualificação exigidas no mercado de trabalho norte-
americano, o nivelamento do pagamento conforme a qualificação» a vin-
culaçao do critério racial à taxa qualificação e o custo geral de vida

relativamente
ao Peru em graumais tão
elevado. Os dois primeiros não se ligam ao Brasil ou
significativo.
20 Etstes dados baseiam-se nos salários e preços de 1968* mas foram cor
rigidos para os aumentos que ocorreram em ambos desde então e confron
tados com os dados de Salmon (1971) e Rush (1974) que, em 1973, fize
ram um trabalho de campo de verão num survey de uma amostragem de
pessoas removidas de favelas. Deve ser lembrado, no último caso, que as
pessoas de mais baixa renda não são de modo algum enviadas para os
conjuntos, de modo que os dados de Rush são bem mais elevados que
os meus.
M oradia , A rranjos de V i d a , P roletarização 169

capem do conjunto de escolhas, penetrando num conjunto de esco


lhas estabelecido por parâmetros diferentes, ainda assim, provavel
mente, um número maiorentra em circulação no interior do con
junto de escolhas proletárias, talvez o mais baixo da escala de con
juntos da cidade, seja porque os salários reais baixam, uma vez que
os aumentos nos salários absolutos não guardam proporção com os
aumentos no custo de vida, ou porque pressões ou desastres os em
purram para fora do estrato mais baixo da pequena burguesia, os
autônomos, pequeno s burocratas e equivalentes,2 7 O número de
novas unidades familiares que têm que encarar o conjunto de es
colhas é também engrossado por imigrantes chegados de fora da
cidade em busca de oportunidades de emprego no mercado de tra
balho — salário, uma situação mais marcante em Lima do que no
Rio, já que Lima concentra uma proporção muito maior do merca
do de trabalho nacional do que o Rio, e seu crescimento em gran
de escala foi mais recente. Deveria ser observado que esses imi
grantes tornam-se competidores no mercado de trabalho, especial
mente, supõe-se,28 por trabalhos nao-qualif içados e de baixa qua-
27 Para uma discussão da pressão, ver Leeds e Leeds (1970:2 43-248 ),
com relação às populações proletárias; os mesmoa princípios aplicam-se
aos estratos citados no texto.

BS
tipos,D igincluindo
o “ supõe-se” porqentrevistas
algumas ue em vistcom
a depessoal
evidências etnográficas
administrativo de de
fábrivários
cas que realizei em 1968, não fica absolutamente claro que muito do
mercado de trabalho tipo trabalho-intensivo precise de elevadas qualifi
cações; não está claro que as qualificações aprendidas nas pequenas ci
dades, povoados e em fazendas, as quais os imigrantes trazem consigo,
não sejam as qualificações mais comumente necessárias (por exemplo,
habilidades de construção e serviços); conseqüentemente, não está claro
que os empregadores queiram realmente trabalhadores qualificados por
que, dada a unicidade técnica de cada fábrica, a falta de outras fábricas
semelhantes e a ausência de padronização entre as instalações industriais
brasileiras, eles devem treinar e retreinar seus trabalhadores para as exi
gências técnicas únicas e específicas dos empregos específicos, adequan
do-se aos arranjos usualmente únicos das características de cada fábrica.
A evidência sugere, pelo contrário, que a “não -qualifica çã o” é um estra
tagema retórico, útil para a desvalorização dos salários, para a manuten
ção de um elevado nível de competição entre os trabalhadores, para a
cooptação de alguns
assentimento trabalhadores
“generoso*’ paratreinamento
em dar-lhes obrigações de clientela
interno. através
Muita do
evidên
cia indica que esta é a forma em que o sistema trabalha, não que seja
conscientemente organizada e manipulada desta forma pelas elites. De
qual quer m odo, o procedi mento é de dista ncia mento — contri buindo p ara
a prole tarizaçã o e manuten ção dos l imites de clas se. Incidentalmente,
ocorre nos Estados Unidos — contrariando muito da discussão entre aca
dêmicos quanto ao credencialismo, a necessidade de educação para ò
treinamento de uma habil idad e e alguns tópicos relaeionados — que
grande parte do treinamento para trabalhos qualificados é feita no pró
A S ociologia do B rasil U rbano

Slfícacão. Esta competição, em parte deliberadam ente fomentada


pelos controladores dos recursos estratégicos e do mercado de tra
balho, e em parte estruturalmente induzida, contribui para a frag
mentação do proletariado acima discutida,
A estrutura salarial é mantida pela política nacional, atos ad-
"ininistrativos nacionais e instituições nacionais, todos controlados
pelas elites estratégicas nacionais. A maioria das instituições tem
suas representações locais — funcionários, administradores, conse
lheiros,
sed es d e equipe
m u n i cípei os,equipamento —, aodemenos
todos os cargos nase grande
decisão s cidades
toda política e
e pos
tos administrativos significativos controlados pelos membros da eli
te e da classe superior30 que estão ligados pelo sangue, laços de afi
nidade, co-parentesco, amizade e outras redes pessoais reunidas, que
criam as fronteiras de classe, excluindo todos os membros do prole
tariado (ver Leeds, 1957, Caps. IV e V; 1964, 1967, 1973c).
Subjacente à política salarial altamente desigual de países
como o Brasil e o Peru — as dependências capitalistas, semicolo-
niais dos grandes países capitalistasmetropolitanos — eslao os sis
temas de lucro capitalista privado e depropriedade privada. Este
não é o lugar para examinar esse tópico em detalhe; o argumento,
foi exposto por outros autores.00
O que pretendo enfatizar, aqui, todavia, é que este tiposis- de
tema capitalista dependente determina uma estrutura salarial quej
prio trabalho. Qualquer um que tenha trabalhado numa fábrica e tenha
entrevistado trabalhadores qualificados, coisas que eu fiz, o sabe. O de
sacordo quanto a como o sistema trabalha e como ele deve trabalhar —
também uma diferença de visões de class e do siste ma — levanta ques
tõe s e perspectivas in teressantes — po r exem plo, c om o questão: qual ,
ideológica e socialmente, é a função das concepções errôneas dos acadê
micos?; como perspectiva: ainda que os negros e outras minorias étnicas
obtenham credenciais para empregos, o sistema opera de modo a anulá-las
mesmo onde elas estão sendo real ou supostamente estimuladas pela su
pervisão federal contra a discriminação no mercado de trabalho.
29 N ão tentei aqui distinguir problem as term inoló gico s, e usei livremen
te os termos “ classe alta” , “ Classe capital ista” o u “ elites” . Discuti, nos
locais citados no texto, as bases da fronteira de classe no Brasil, e re-
firo^me aqui aos grupos lá descritos. Creio que o significado no presente
cont ext o é sufi cientemente claro, “ Elites” no plur al refere- se coletiva
mente às fileiras superior es, controlado ras d o pode r, da “ classe alta ” ou
a uma série de grupos amplamente informais no interior daquela classe,
os quais controlam os principais recursos de poder; o contexto deixa
claro de que utilização se trata.
30 Há uma gran de literatura sobre a dependência, a maioria de la com e
çando a partir de Frank (1967 ou versões anteriores desse trabalho). Ou
tros autores importantes são Aníbal Quijano, Fernando Henrique Car
doso, Oswaldo Sunkel, Stanley e Barbara Stein. e muitos outros. Ver
também meus próprios textos (1969; 1972b; Ms b).
M oradia , A rranjos de V i d a , P roletarização 171

envolve necessariamente a proletarização, ou é, na verdade, idêntico


a ela. A proletarização 6 construída no interior do sistema capitalis
ta, como já foi indicado há um século, m
as nos países “ subdesenvol
vidos” dependentes ela é ainda mais fortemente delineada, menos
suavizada pela “afluência” , menos melhorada por grand es massas
mais bem pagas, assalariados altamente qualificados, menos abran^
dada pelas oportunidades de mobilidade ascendente, menos recepti
va ao protesto político e à expressão eleitoral, e geralmente mais im
pressiva do que nas metrópoles como a Grã-Bretanha e os Estados
Unidos.
Na medida em que a proletarização se vincula ao capitalismo
e ao industrialismo, e na medida em que é intensificada pela açao
do Estado, tendendo, todos os três, a estar centrados institucional e
operacionalmente nas cidades, ela é peculiarmente um fenômeno
da cidade 7 mesmo que sua extensão possa também ser encontrada
nos setores agrários.No seu aspectoda habitação em m assa c mora
dia, ela ê intrinsicamente parte da cidade em sociedades estrutura
das de forma capitalista. Na medida em que a habitação, o traba
lho, os cuidados com a casa e o desenvolvimento das atividades diá
rias estão ligados, a proletarização também envolve a emergência de
um sistema social ou subsistema numa dada cidade, complemen
tando seu papel na estrutura societal.
Uma vez que a proletarização resulta da relação com os pro
prietários e controladores de recursos estratégicos, o capital e o Es
tado, ela é, na verdade, um processo único que envolve necessaria-
mente o desenvol vimento de papéis complementares — um desen
volvimento dialético. 0 aspecto complementar do processo pode ser
chamado de “elitização”, ou a contínua construção do poder da
classe superior, da auto-identificação, das condições de fronteira
para excluir o proletariado, e do proletariado necessário para sua
própria manutenção e progresso.
Dito de outro modo, o sistema de propriedade privada e lucro
privado envolve necessariamente um processo de desenvolvimento
de um conjunto de papéis complementares — a evolução do prole
tariado e das elites; e a cidade,
com o u m a or gan i zação para a p r o-

d u ção, com todos seus aparatos produtivos, é locus o primordial


desse processo.
D sustentáculo estrutural do processo é a exclusividade eco
nômica, social e política das elites. As elites, emtodas essas esferas,
desenvolvem meios para sua própria manutenção, dos quais o sis
tema salarial já mencionadoé talvez o mais efetivo. Todavia, há
um grande número de meios ancilares que operam junto com o
sistema salarial para manter as fronteiras* Com efeito, eles estabele-
A S ociologia do B rasil U rbano

ipf|ÍÉrâmètros no interior cios quais os arranjos proletários para a


escolha de vida podem ser feitos.
No Rio, em Lima e, de uma ou de outra forma, em outras ci
dades, tais meios ancilares incluem sistemas de contratação
e demissão; manobras de contratação especiais; demissão exa
tamente antes da época em que a manutenção no trabalho se tor
na obrigatória, resultando na perda de aposentadoria acumulada e
benefícios de pensão; repressão legalizada a pessoas (se proletárias)
querua
na nãosem
portam carteiras (mesmo
identificação de trabalho
que aoficiais,
tenhamouem
quecasa);
são recolhidas
aluguéi&
e extorsão de aluguéis; baixa acessibilidade ao treinamento qualifi
cado; alto custo da educação para todos os níveis, especialmente pa
gamento de uniformes, livros, suprimentos escolares; custo geral
mente alto da educação secundária; redução legal dos salários na
forma de pagamentos por doença de 70% do salário mínimo; não-
pagamento de benefícios como pensão familiar, hora extra e paga
mento por trabalho insalubre; pagamento adiado dos aumentos sa
lariais fixados; divisão de moradia; quebra das redes sociais prole
tárias pela mudança física de partes das áreas de moradia; relações
patrão-cliente numa rede de obrigação e cooptaçao secundada por
ameaças de sanção como naão ajuda do patrão em tempo de crise:
e assim indefinidamente.
O efeito conjunto de tudo isso é a fronteira de classe que en
fatizei, a qual opera ela mesma como uma restrição sobre o prole
tariado. Com relação ao proletariado, visualizo uma representação
possível dessa estrutura como envolvendo um vasto número de
partículas — indivíduos e unidades familiares — em movimento
enormemente variado, cujo estado, a qualquer dado momento, pode
ser apenas estatisticamente medido, e cujas características sao, em
parte, estabelecidas pelas açÕes da elite que criam a fronteira de
classe e, em parte, pela adaptação dos proletários aos parâmetros
no interior dos quais devem operar — estabelecido pa ra eles de
fora, pelas elites. Deste sistema, umas poucas partículas escapam
pela fronteira. Outras, que praticamente abandonam o sistema, ou
momentaneamente o fazem, são trazidas de volta pelas forças que
estabelecem os parâmetros, ao passo que as partículas da massa
raramente chegam ao menos peito da fronteira.
Cl i vagem de El i t e e Co al i sões com Gr u pos Proletá r i os

Mas, como sempre ocorre com sistemas sociais, a descrição não


é tão fácil e não termina aqui. Dado o sistema capitalista de pro
priedade privada, lucro e auto-interesse, segue-se também que não
há interesse único, comum, corporativo para a classe alta como
M oradia , A rranjos de V id a , P roletarização 173

um todo e para qualquer parte importante dela. A tendência éa


•divisão em sempre menores divisões de interesse, que chega até o
indivíduo, representado pelo conceito de individualismo no Brasil
e nos Estados Unidos, e a idéia do “indivíduo grosseiro” neste úl
timo. Estas divisões de interesse são competitivas de maneiras ego-
centradas e auto-engrandecedoras.31
Pode-se mapear redes e grupamentos estendidos por indiví
duos em seu próprio interesse, ou por um membro ou membros
de um grupo
lhantes mais ou
ou comuns menos
(ver estável
Maclver quando
e Page, os interesses
1949:32). são seme
Os próprios
grupos freqüentemente não têm, eles mesmos, absolutamente ne
nhuma base corporativa intrínseca, ou, na melhor das hipóteses,
têm uma base bastante tênue, como laços de parentesco egocêntri
cos característicos de sistemas de parentesco bilaterais como os do
Brasil, Peru e Estados Unidos. Freqüentemente, a estas redes de
parentesco semifechadas, ou mesmo a redes pessoais que não a de
parentesco, é atribuída certa formalização corporativa pela criação
de uma carta de garantia informal ou formal — no primeiro caso,
laços de compadrio e, no último, uma corporação. Redes de rela
ções de parentesco tomadas corporativas ou redes de relações pes
soais de parentesco e não parentesco sao ubíquas entre as elites
brasileiras, na forma de bancos familiares, companhias de constru
ção familiares, empresas individuais familiares, partidos políticos
familiares, etc. 32
Tanto as redes como os grupos competem em sua luta pelos
recursos e ganhos da sociedade que podem ser mobilizados pelo
sistema econômico ou por outros sistemas que detêm dinheiro e
poder, especialmente vários ramos do governo. Como será mos
trado, eles também competem através do sistema social por recursos
cujo locus se encontra no proletariado, mas que são taticamente
31 É notável o fato de que cientistas sociais, trabalhando em várias ins
tituições, e mes mo pessoal das universidades — t odo s das “ classes” su
periores” no sentid o discuti do na nota 28 — consta ntemente repe tissem a
frase ” Há falta de coleguismo aqui” , referindo-se a sua instituiç ão ou
sua situação de trabalho, Era sempre pronunciada no sentido de que eles
achavam que devia haver um sentimento coletivo em função do que
estavam fazendo e dos objetivos da instituição, mas que a realidade era
a competição e a maledicência entre colegas.
32 V er Leeds (1 964 ). A s entrevistas com mem bros detent ores de múlti
plos empregos feitas para este trabalho deixaram esses fenômenos bas
tante claros. Uma entrevista foi com um políítico-industrial-especulador
de terras de um pequeno estado do Nordeste. Um exemplo clássico de
coronetísm o (ver Leal, 1948), incluindo um s istema bi “ partidári o” , que
consistia de duas grandes redes familiares competindo entre si e trocando
bens políticos.
A S ociologia do B rasil U rbano

^ffcdis em sua competição intestitia — por exemplo, votos da massa


ou (especialmente em Lima) poupanças acumuladas em coopera
tivas de construção popular. Na medida em que os prêmios variam
em termos de fonte, localização e tamanho, e porque há tanta com
petição constante e aguda pelas redes e grupos das elites, a duração
; desses grupamentos é ndeterminada
i e flexível. A persistência do
grupo deve ser medida antes pela persistência da estrutura de inte
resse ou, mais fundamentalmente, pela duração do recurso, poder
eções
situação política
são bem que está por
consolidadas, comotrás no dos interesses.
Brasil Onde taisUnidos
e nos Estados situa
hoje, os grupos tendem a se manter por períodos relativamente'
mais longos, e os modos, tendências, conteúdo e estrutura de com
petição persistem com eles.
Os próprios recursos, ou as informações a seu respeito, loca
lizam-se e são coordenados nas cidades, especialmente as maiores.
Todos os aparatos para a detenção de recursos, sua coordenação,;
comunicações, e também a parafernália da competição pelos re
cursos e o controle da coordenação e comunicações, tende, na socie
dade capitalista, a se concentrar mais e mais na cidade, de modo
a diminuir os custos, maximizar os benefícios e o poder de con
centração. Em termos do aspecto f ísi c o da cidade, toda essa estru
tura social é disposta na distribuição dos aparatos que acabei de
omencionar, nos do
equipamento edifícios
porto, que os abrigam,
equipamento de econstrução
na maquinaria (como
de rodovias,
etc.) e infra-estrutura, como ruas, metrôs, aeroportos, torres de rá
dio e televisão, que facilitam seu uso.
Outra força que contribui para a clivagem entre as elites é
a imigração, especialmente de profissionais estrangeiros, ou elites
rurais e profissionais brasileiros, que entram na arena de opera
ções das elites urbanas já presentes. Obviamente, esses grupos che
gam em desvantagem, uma vez que ainda não são ligados às úl
timas de modo algum, ou têm com elas muito poucos laços. Devem,
portanto, competir duramente para reter o seu stalus ou gaühar
novos status e novos recursos. Eles contribuem para dividir a classe
superior em elites fragmentárias.
Ohviamente, qualquer grupo de elite terá vantagem na pro
moção de seus
social fora interessesdese recursos
dos domínios encontrarjá apoio tanto financeiro
comumente acessíveis. c<?mo
Isso
é feito pela entrada em vários tipos de c“oalisÕes” com vários seg
mentos solidários do proletariado, que estão também trabalhando
em seu próprio interesse ao entrar na coalisão. Essas coalisÕes sao,
evidentemente, ainda mais evanescentes do que as coalisÕes entre
grupamentos de elite, porque não têm características de interesse
M oradia , A kranjos de V id a , P roletarização 17 5

semelhantes às de elite para mantê-las juntas. Sua duração é total


mente governada pela medida do que há a ganhar para ambas
as partes, especialmente a elite: se um dos lados não tem mais ne
nhum recurso ou bem para dar, pára de dar ou faz propostas a
outras partes além daquela com a qual está em conluio, a coalisão
se desfaz. O que é fascinante, tendo descoberto este aspecto da es
trutura social urbana, é revelar as várias situações nas quais a$
coalisões entre segmentos de ambas as classes ocorrem, freqüente
mente sem externa.
sua forma nenhumaDois
deixaexemplos
com relação à interação
do que da coalisão
quero dizer em
serão sufi
cientes.
0 Carnaval não é apenas a festa anual da alegria,mas sim
uma estrutura social altamente complexa, perene, que foi descrita
alhures (Morocco, 1966). Basta aqui dizer que no Rio existe
uma relação mais elaborada entre instituições do Estado, especial
mente o Departamento de Turismo da Guanabara, grandes negó
cios, especialmente a Companhia Cervejaria Brahma e algumas das
Companhias têxteis, departamentos maiores do Estado, como a Se
cretaria de Serviço Social, ou até mesmo o governador; redes de
rádio e televisão; importantes casas noturnas; a indústria de dis
cos; os grandes “banqueiros” do jogo do bicho, muitos dos quais
são importantes proprietários de bens; e os próprios grupos de car
naval (ver nota 21), especialmente as grandes escolas de samba
como Salgueiro, Portela, M angueira, Império Serrano (as “ Quatro
Grandes”), que são mais ou menos ligadas a favelas ou a áreas
proletárias específicas, geralmente próximas a importantes favelas.
Um sistema de prêmios dado pelo Departamento de Turismo está
ligado a essa relação ea competição entre as escolas na época de
Carnaval, Os prêmios envolvem somas bastante consideráveis de
dinheiro. Outros prêmios adicionais importantes que fluem para os
grupos proletários através das escolas de samba vêm de contatos
com emissoras de televisão, gravadoras ou casas noturnas, e outros
tipos de apresentações.
Uma resposta a tudo isso é a crescente comercialização (ou
seja, apego a e comportamento semelhante aos valores comprados
e vendidos no mercado capitalista) dos grupos de Carnaval, uma
forma de cooperação com o Departamento de Turismo, as compa
nhias de cerveja e têxteis, e assim por diante, no interesse da pro
moção do turismo, vendas, consumo, ou, geralmente, atendendo à
saúde dos negócios de elite e do governo, controlados pela elite que
serve aos negócios.
Do ponto de vista da classe superior como um todo, além do
negócio e ganhos em termos de renda, ela pode usufruir coletiva
17 6 A S ociologia do Br asi l U rbano

mente dos grupos de Carnaval. Qualquer grupo de elite pode julgar


útil trabalhar com um grupo específico de carnaval ou com parte
dele para realizar manobras do interesse de ambos. A Brahma, por
exemplo, estabeleceu um monopólio virtual do fornecimento entre
as grandesescolas através do fornecimento de milhares de cadeiras
e mesas para suas quadras de ensaios, o que ajuda a atrair turistas
tanto nativos como estrangeiros, bem coxuo membros da comuni
dade, e ajuda a vender mais bebidas em proveito da Brahma e da
escola depor
pessoas samba,
noite»esta chega, no seu auge, a atrair de 30 a 50.000
Todavia, muito mais importante, do nosso ponto de vista, é
que os grandes grupos de carnaval fornecem amplos nódulos orga
nizacionais para a atividade política; para a conquista de um elei
torado por um político ou candidato, ambos representativos de al
gum fragmento de elite; para a aquisição de recursos financeiros
acumulados pelo grupo de carnaval ou por algum de seus líderes
através do grupo e através do j o g o d o b i ch o >do qual participa pelo
menos cerca da metade da população da cidade, para grande van
tagem financeira dos banqueiros. Os banqueiros do j o g o d o bi ch o
e os líderes dos grupos de samba freqüentemente parecem refor
çar-se reciprocamente com manobras financeiras nas épocas apro
priadas. Alguns desses fundos podem ser canalizados para as elites.
Deve-se observar que os grupos maiores podem ter sócios ou uma
clientela regular de cerca de 5.000 pessoas, consistindo (a) daque
les que assistem aos “ensaios'’ quase que diariamente, à noite, na
quadra, nas semanas anteriores ao Carnaval, e (6 ) de pessoas or
ganizadas pelo grupo para a coreografia da apresentação de rua no
Carnaval.
Para os grupos proletários de samba, o interesse na coalisão
são os pagamentos — obtenção de uma escola, um sistema de água
ou espaço de recreação para a escola de samba, mas utilizável pela
comunidade; obtenção de um patrão no governo que pode tentar
canalizar bens, serviços, empregos ou dinheiro para a favela; ob
tenção de alguns itens da legislação conduzidos através da assem
bléia do estado (quando funciona) com o objetivo de, por exem
plo, declarar uma rua, edifício ou área de “ utilidade pública”,
protegendo-a desta forma da remoção por lei, e assim por diante.
Os grupos de samba continuam a ajudar e a dar votos enquanto
seu homem continua a favorecê-las33. Tais coalisÕes podem manter-
se com sucesso durante anos contra a oposição.

33 Este era o caso de G eraldo M oreira, que det inha vários cargos no
Distrito Federal, especialmente o de vereador; ver Leeds (1972:50-52).
M oradia , A rranjos de V id a , P roletarização 17 7

Os esforços para mobilizar apoio e estabelecer laços para uma


coalisão podem ser vistos em qualquer ensaio importante. Por exem
plo, observamos, numa noite o Governador Negrão de Lima e seu
Secretário de Serviço Social na Mangueira; outra noite, um depu
tado, um cientista social e um embaixador na Unidos do Jacaré;
em outra, várias pessoas conhecidas de elite no Salgueiro.34
0 segundo exemplo é o das asso ciações de favelas. Nem mes
mo a presença dafafeg (ver pp. 27-28) impedia as associações
das favelas de tenderem a ligar-se aos órgãos administrativos exis
tentes, abertamente ou às escondidas, a alinhar-se com um ou outro
dos hoje legalmente “ não-existentes” (ou “ ex” , como o& brasilei
ros diriam) partidos políticos militarmente suprimidos, os quais
operam clandestinamente (especialmente op t b , o p s d e a u d n ) ,
ou suas antigas coalisões (ver E. Leeds, 1972). Os velhos partidos
políticos, suas divisões e coalisões, e as “sublegendas” de 1968 em
diante,85 representam eles mesmos facções, talvez mesmo paneli-
nhas (cliques de elite, ver Leeds, 1964), no interior da classe alta.
Facções do ex-PTB operam em coalisão com algumas associações de
favelas com o objetivo de criar eleitorados e seguidores que podem
ser usados de várias maneiras, particul armente nas eleições (se
e quando houver alguma), para obter o máximo de vantagem para
o partido, especialmente sob as restrições impostas pelo Governo
militar desde 1965, ou olhando para o futuro, quando eleições re
lativamente “livres” forem restabelecidas. Podem também ser usa
dos como grupos para uma representação pública perante o governo,
para apoio deste ou daquele burocrata com quem estejam em coali
são. O burocrata retribui esse apoio dando proteção, segurança de
posse, bens, serviços, dinheiro, empregos. A politicagem dessas coa
lisões, umas contra as outras, nas favelas, pode ser bastante com
plexa, ferrenha, envolvendo esforços para a obtenção do controle
34 T od o ano a esc ola de sa mba deve e scolher qual de v ários s ambas es
critos por sua “ ala de compo sitores” será o samba-enredo, descendo a
aveni da. A seleção é re alizada po r um quadro próp rio para este pro
pósito, que se reúne uma noite, cerca de seis semanas antes do carnaval,
e julga a apresentação das várias canções. No caso das grandes escolas,

pessoas de
exemplo, fama nacional
o novelista são convida
mundialmente famosodas, e de
Jorge fat o que
Amado, comparecem — por
controla (ou
controlava antes de 1964) uma linha de patronagem nas artes, a qüal
se liga a postos de embaixadores e adidos culturais e coisas semelhantes.
Pessoas de importância equivalente em outras área são também procura
das.
35 Os velhos partidos tentar em fazer com que o go vern o militar re co
nhecesse os grupos de interesse no interior do sistema bi-partidário sob
a rubrica de “sub-legendas”; estas eram essencialmente os velhos parti
dos tentando se reagrupar,
im A S ociologia do B rasil U rbano

das associações de favelas, das comissões de eletricidade; para in


fluenciar os clubes sociais e de futebol, as igrejas e as sociedades
recreativas. As técnicas vão da flagrante manipulação do voto a
complexas manobras entre vários grupos e a promessas de favores
'"bor parte de candidatos eleitos.36 Arranjos paralelos existem pro
vavelmente nas vilas, conjuntos, parques, e assim por diante, em
bora poucos dados existam sobre isso.
0 resultado destetipo de coalisão é adistribuição por toda
cidade de uma série de coalisões mais ou menos paralelas, mano
brando por proeminência, controle, liderança e influência, mas que
atravessam a fronteira elite-proletariado. Discuti alhures outras
formas dessa travessia com referência específicaoligarquias
às bra
sileiras (ver Leeds, 1964). Estas simplesmente intensificam o fe
nômeno das divisões tanto no interior da elite como do proleta
riado e a competição entre as coalisoes.
Condições semelhantes são encontradas em Lima, embora ela
não pareça ter paralelo com os grupos de carnaval do Rio, Os
principais grupos proletários solidários envolvidos em tais coalisões
são (a) as associações de barriadas e/ou associações de blocos no
interior das barriadas; (fr) as associações de construção cooperati
vas compostas inteiramente de pessoal proletário; (c ) as associa
ções de construção mútua, mais predominantemente de classe mé
dia, mas com algumas pessoas da classe trabalhadora, e, possivel
mente ( d ) associações regionais. Grupos específicos de cada uma
dessas categorias são envolvidos em negociações complexas com vá
36 D ou três exemplos, todo s de uma favela suficientemen te grande (2 %
da população do Rio)» para afetar criticamente os resultados das elei
ções em seu distrito eleitoral, e mesmo no estado como um todo. Pri
meiro: de 1965 em diante, havia uma Comissão da Luz (cr.), na referida
favela, vinculada a, e oficialmente reconhecida pela Comissão Estadual
de Energia (c e e )s a qual criou as cls em algumas favelas, começando por
volta de 1964-1965, A c l era responsável por organizar um sistema de
distribuição de eletricidade para toda a favela, freqüentemente às expen
sas forma
de dos proprietários
exploradora privados dos sistemas pessoal.
para engrandecimento de fornecimento elétrico
Numa favela de usados
mais
de 10.000 pessoas, como essa, grandes somas de dinheiro estão envolvidas
no conjunto das contas dos consumidores; o contato com os consumido
res também permite a extensão de redes cie patronagem pelos comissários
da Luz, através de favores ao consumidor (por exemplo, reduzindo os
cust os da instalação). A c l estava srcinariamente sob o controle de um
morador da favela intimamente ligado ao padre, que estabelecera uma
grande igreja e um centro social na favela, e ambos estava m ligados à
udn através de uma hierarquia de laços. O cee tamhém estava, srcina
riamente, nas mãos da udn, até que a eleição de outubro de 1965 trouxe
a coalizão ps d -pt b aos cargos que controlavam a patronagem estadual. O
controle do cee, muito embora certas pessoas de administração anterior
M oradia , A rranjos de V i d a , P roletarização 179

rios órgãos representantes das elites da classe alia, como bancos,


instituições do governo, detentores de cargos políticos ligados a
partidos políticos (quando estes eram ainda abertamente ativos,
particularmentea APRA, que tinha ampla base de massa nos pro
letariados industrial e agrário, mas não era forte nas barriadas)v
competindo com outros detentores de cargos políticos em outros
partidos, escritórios burocráticos e, possivelmente, firmas de negó
cios, como companhias de material de construção. 0 poder de bar
ganha das barriadas tornou-se muito claro imediatamente após a
tomada do governo pelos militares, em 1968, porque este não tinha
eleitorado ou apoio claro. Ele começou imediatamente a adular

fossem mantidas ainda no escritório central, passou para o ptb, mas a CL


da favela estava ainda nas mãos da facção udn. As regrs da cee exigiam
eleições periódicas, e ocorreu uma na favela poucos meses depois da
eleição estadual. O cee enviou supervisores para a eleição, dos quais uma
das obrigaç ões era a de inst ruir o s eleitores inseg uros — a maioria deles —
nos procedimentos do voto. Foram dadas instruções de modo tal a indicar
ao eleitor como votar nos candidatos do ptb, que, não surpreendentemen~
te, ganhou.
Segundo: os novos comissários da c l eram intimamente ligados ou
idênticos à clique do pib na favela, que por vezes tivera o controle de,
ou uma
muito forte nessa
viáveis influência
favela em, váriasregras
e, pelas associações
do dos moradores (nunca
c e e , exclusivas da c l , e vice-
versa — uma técnica deliberada de dividir e gove rnar po r parte do c e e
como um meio de dividir a organização proletária potencial). Esses ho
mens apareceram na noite da seleção (ver nota 33) da escola de samba,
que era bem grande, mas não do primeiro grupo, em companhia de Lu-
tero Vargas, filho de Getúlio Vargas e um dos líderes da ala esquerda
do PTjt, que esperava tornar-se candidato a deputado federal (antes que
o governo militar o desqualificasse). Ele se dirigiu à grande assembléia,
que consistia da comissão de seleção (de alguma importância local) o
cerca de 400 a 500 moradores reunidos paar essa importante ocasião, e
faíou, na retórica populista padrão, das necessidades do povo da favela,
do direito à autodeterm inação da favela, que não era ma is uma favela,
mas um bairro (um tema familiar aos moradores), de seu desejo de aju
dar o bairro e suas associações na melhoria de suas condições, etc., obvia
mente tentando ganhar a lealdade da escola.
Terceiro,
ofereceu um uma
jantarpequena escolapara
cerimonial na oparte
qualdosvárias
fundospessoas
da mesma favela
de alguma
importância na favela foram convidadas, em parte para ajudar a recuperar
a sua imagem , e aumentar novam ente a sua fortuna. A escola estive ra em
declínio, seu presidente era idoso, e es tava obscure cida pela ascensão
daquela discutida acima — as únicas pessoas que compareceram foram o
fiel antropólogo e um voluntário do Corpo de Paz. Todavia, o deputado
— espera ndo uma multid ão de pessoas inFluentes da favela — também
apareceu com um cabo-eleitoral extrafavela (ver E. Leeds, 1972:24-26)
na esperança de fazer negócios políticos em alguma forma de coalisão e
de encon trar um curral eleitoral através de memb ros inFluentes da co
munidade.
A Sociologia do Br asi l U rbano

as Barriadas (prontamente rebatizadas comopueblos jóvenes, para


apagar a pejorativa “barriada”) dando-lhes serviços melhorados,
ampliando esIradas e transportes, legalizando a posse e dando se
gurança de ocupação, distribuindo títulos, ajudando a melhorar a
infra-estrutura no interior das barriadas, etc. Esperava, em troca,
ser capaz de uni-las ao Sistema Nacional d e Mobilização Social
fsiNAMOS), mas as barriadas participaram apenas na medida em
que lhes convinha e que continuavam a obter recompensas — e
entãoEm resistiram.
suma, tanto no Rio como em Lima, que considero repre
sentativos do modelo genérico de uma classe de cidade, e suas or
dens sociais, encontramos um processo que separa as elites do pro
letariado, reforça continuamente as fronteiras entre eles, e tende
a gerar em cada um uma organização de classe plena. Ao mesmo
tempo, a estrutura da economia nacional e o mercado de trabalho
urbano, além da ação deliberada por parte das elites, tendem a
fragmentar o proletariado organizacionalmente, fato que se reflete
nos arranjos habitacionais e na necessidade que tem o proletariado
de circular entre um conjunto de tipos de moradia, de modo a ma
ximizar sua habilidade em alcançar seus objetivos no interior dos
estreitos parâmetros permitidos pelas elites, A fragmentação é in
tensificada pela imigração. A classe superior também tende a frag
mentar-se devido à natureza da própria empresa capitalista e de
vido à imigração. Seus membros estão constantemente em competi-
ção entre si, criando assim fragmentos de classes. Em sua luta com
petitiva, buscam apoio fora de suas fontes de recursos usuais, vol-
I ando-se para aqueles fragmentos do proletariado que podem dar-
lhes recursos utilizáveis ná luta pelo poder, riqueza e prestígio. Os
fragmentos proletários — especialmente sua liderança — acharam
vantajoso e conveniente entrar em coalisão com os fragmentos de
elite de modo a deles extrair recursos com os quais podem (a)
melhorar a vida da comunidade e (&) solidificar suas próprias po
sições ocmo líderes. Em troca, fornecem votos, eleitorado, dinheiro
e possivelmente outros valoresàs elites. 0 resultado é a articula
ção de grupos sociais, áreas geográficas e instituições da cidade nu
ma
à própria
ordem cidade
social em
complexa
termosque,
físicos,
nume grau
representa
marcante,
uma ésérie
coextensiva
de nós,
relações entre eles, e múltiplas trocas baseadas nos recursos exis
tentes na cidade e impossíveis sem eles.

Im pl i cações para o Pl an eja m en to

Em outras palavras, a cidade física é, em grande medida, uma


cristalização temporal da ordem socialtotal da cidade — das in
M oradia , A rranjos de V id a , P roletarização 181

teraçÕes e interesses das elites


e proletariados. A cidade física, como
vista na realidade, e não na prancheta dos planejadores, é ininte
ligível sem a compreensão do processo de proletarização e da ação
proletária. Em geral, certamente em sociedades capitalistas, se não
mais amplamente, o processo e ação proletária sao ambos negli
genciados, pensados com relação a características específicas —
como as áreas invadidas por posseiros— , como aberrações, ou pen
sados com relação a características específicas — como, por exem
plo, com relação às favelas, mas não a outros tipos de habitação-
Certamente, no Rio, a maior parte do pensamento sobre a cidade
física situou-se entre a primeira e a segunda dessas formas, en
quanto em Lima, até os últimos anos, quando foi bem mais além
(ver Leeds, 1973b), vinha se situando entre a segunda e a terceira.
Em conseqüência, os planejadores, que praticamente sem ex
ceção são recrutados nas elites, vêem a cidade física apenas de modo
parcial, Como membros da elite, vêem-na como um processo de
elite. Vêem a cidade futura para a qual o planejamento deve ser
feito em termos do futuro extrapolado da classe alta, ou, mais pro
vavelmente, daqueles subsegmentos mais intimamente ligados às
profissões e ao governo. Uma vez que a maioria deles vê a cidade
apenas parcialmente, eles sempre a planejam parcialmente.
Planejar
apenas parcialmente
para alguns significa
dos papéis que oda planejamen
sociais to é vez
cidade. Uma feitoque a
ordem social da cidade envolve inerentemente a interação com, e a
ação da(s), parte(s) para as quais não se planejou, sempre ocorre
que processos, acontecimentos e situações imediatamente ligadas a
cidade como um processo social não são levados em conta nos pla
nos. Na pior das hipóteses, a parte considerada e a não considerada
estão em contradição conflituosa direta e conduzem à luta social
intensifiead aeja cenários urbanos em deterioração — como no
ca&o do Rio hoje (ver Leeds, 1973b) e possivelmente importantes
cidades norte-americanas, como Washington e Nova York. Na me
lhor das hipóteses, pode haver uma coincidência acidental de inte
resses por um curto prazo, como talvez no caso de Lima, onde
ainda hoje, depois de contínua pregação desde que foi assumido
o encargo da realização de uma reforma urbana, nada existe ainda.
Em geral, então, qualquer planejamento urbano que não leva
em conta toda a ordem social da cidade está fadado ao fracasso,
como os planos urbanos que, em parte ou como um todo, fracas
saram continuamente. Nas sociedades marcadamente divididas por
linhas de classe, onde posições oficiais tais como aquelas dos pla
nejadores são preenchidas apenas por membros de uma classe, os
fracassos tendem a ser de grandeza ainda maior — por exemplo,
A S ociologia do B rasil U rbano

“p caso de Brasília (Epstein, 1973). A implicação pareceria ser a


ãe que o planejamento urbano bem sucedido requer a eliminação
Ha classe. Eu tendo a achar que esta, também, seri a uma visão de
masiado otimista. O problema é que um plano prevc apenas uma
gama de possibilidades, levando em consideração a forma da orga-
’-nizaçao social que existia na época do planejamento ou imediata
mente depois deste. Mas a dialética da mudança não segue neces
sariamente a visão do planejador, e o não-antecipado e o imprevisto
-ocorrem — “o super” crescimento de Moscou, num a sociedade su-
ipostameníc sem classes, é um caso em questão (Hall, 1966, ca
pítulo sobre Moscou). Possivelmente, teremos que chegar ao pon
to de vista de que o processo social elé,e m esm o, o processo de
planejamento.

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VI

Favelas e Comuisidade Política; À Continuidade da


Estrutura de Controle Social *

A nthony L eeds e E l i za bet h L eeds

I n t r od u ção

Pode-se perfeitamente dizer que, nas últimas décadas, houve


um crescente reconhecimento na América Latina, se não no mun
do, de uma intensificada crise de urbanização. A crise consiste no
imenso crescimento populacional das cidades, por um lado, e, por
outro, na falta de recursos, especialmente na habitação e infra-
estrutura urbana a ela relacionadas, para ocomodar os urbanitas
nativos recém-chegados, particularmente aqueles de baixa renda.
O grau dessa falta e, como conseqüência, a intensidade da crise
dependem um pouco dos padrões de habitação e infra-estrutura es
tabelecidos como normas. Estas normas e, com elas, as definições
do problema da “habitação social” ou “habitação de interesse so
cial” — eufemismos freqüentemente usados para a habitação ba
rata de baixa renda — são estabelecidas em larga medida pelos
membros das classes de renda superior que controlam também a
construção e as políticas e instituições urbanas.
0 Brasil não foi exceção tanto no que diz respeito à onda de
urbanização como no que se refere ao reconhecimento da crise

* O trabalho baseia-se, em part e, em dois anos de trabalho de cam po


no Rio, e, em parte, em fontes documentais e publicadas (ver Leeds e
Leeds, em elaboração). O trabalho de campo e o estudo foram feitos,
em todos os sentidos, em colaboração. Mas E. Leeds tem a responsabili
dade maior pela síntese das pontes documentais publicadas no estudo.
F avelas e C omunidade P olítica 187

crescente. O reconhecimentoéencontrado em um número imenso


de relatos sobre “o déficit habitacional” e em uma vasta literatura
de declarações publicas, estudos sociológicos e pronunciamentos su
perficiais especialmente com relação oa “problema da favela” . Os
temas da habitação e da favela aparecem já por volta de 1880,
mas, em termos de alcance e volume, tornam-se significativos ape
nas na década de 1940 e urgentes apenas na de 1950 *— refle
tindo o rápido crescimento das favelas e a elaboração de resposta
institucional, os quais devem ser, ambos, examinados, caso se quei
xa compreender a década de 1960.
A década de 1960, embora um corte artificial e mesmo im
próprio do fluxo histórico, tem certa significação para o Brasil e
para o estudo das favelas. O ano de 1960 é um divisor de águas,
no qual o Rio de Janeiro, o lugar de maior concentração de fave
las no Brasil, deixou de ser a capital nacional, enquanto Brasília,
então ainda quase um povoado, tornava-se da noite para o dia
uma capital e uma cidade com asu a própria _coleção de favelas.
Como um Estado, o Rio tornou-se verdadeiramente independente
politicamente — mais do que como Distrito Federal, um elemento
meramente administrativo da sociedade nacional — fato da maior
importância tanto internamente
(em suas políticas habitacional para oa,novo
e urban por Estado da quanto
exemplo) Guanabara
para o governo nacional, em relação ao qual ele permanecia ainda
numa certa oposição dialética, agora quase que totalmente ani
quilada.
À década de 60_se caracteriza também, pela crescente disso
nância das linhas eoqtrapontístiças de desenvolvimento no interior
da sociedade, de modo que a textura da composição em algum
ponto precisava quebrar-se para se estabelecer como uma nova for
ma de desenvolvimento* Essa quebra foi,o movimento militar de
1964, com todas as mudanças institucionais significativas que ele
produziu. Estas, em suma, gelaram mudanças no curso na poli-
tica de desenvolvimento de abordagens institucionalistas para abor
dagens monetaristas,
bitacional mudança
e urbana, no controleesta que senasrefletiu
salarial, na política
estratégias ha
de impor-
tação-exportaçao e. em desenvolvimentos in£ra-estruturais. Talvez
ainda mais importante, elas envolveram uma expansão drástica de
uma extensa inovação em uma feroz aplicação de controles sócio-
políticos.
Apesar das mudanças na política e na ação, as novas formas
de desenvolvimento perpetuaram velhos elementos e temas, seja
porque estes velhos elementos não podiam ser erradicados, seja
porque se julgava desejável mantê-los. Essa continuidade através
A S ociologia do B rasil U rbano

âos anos 60, com suas raízes no século passado, pode ser encon-
trãda átravés do exame de um certo conjunto de políticas, linhas
He pensamento e instituições através das quais essas políticas foram
implementadas ao longo dos últimos 80/90 anos.
Subjacente a essa continuidade nos anos 60 encontra-se uma
"estrutura societal brasileira cuja ordem básica foi mantida e irre
gularmente reforçada ao longo desse período, desde que a primeira
favela surge, por uma série de instituições variando em formas*
mas Umsemelhantes em objetivos
de tais conjuntos e efeitos.é o que se refere à popu
de políticas
lação urbana de baixo nível de renda, em grande parte, mas não
totalmente proletária, e especialmente, mas não exclusivamente,
àquele seu segmento que reside em áreas invadidas por posseiros»
ou favelas1. As favelas do Rio fornecem uma amostra especialmen
te interessante da população urbana de baixo nível de renda, não
apenas por causa de seu grande número, ampla variedade e grande
população, mas particularmente pelo fato de que elas se localizam
no que é, ainda hoje, o centro significativo da tomada de decisões
no Brasil, o Rio de Janeiro.
Neste estudo, mostramos que, nos anos 60, a política relativa
à favela, apesar de marcada por variações externas na forma, é
j essencialmente a continuação de uma política de controle, que re-|
monta,
se pelo menos,
de adornos aos anos —
mais populistas 30.
porPqe_ vezes,naesse
exemplo, controle
forma reveste-
de. “urba
nização”2 in loco das favelas, mas em outros momentos aparece
sob uma forma mais repressiva, como, por exemplo* a remoção to
stai das favelas e rigorosa supervisão administrativa das unidades
habitacionais governamentais de “emergência”, chamadas “ parques
Jproletários”. À natureza da solução política particular varia direta
mente com relação à ideologia nacional reinante e à ordem polí
tica. Assim, quando um regime mais populista controla a comuni
dade política, então tende a surgir uma política relativa à favela
mais comprometida com soluções “sociais” e “humanas”, ao passo
que o regime militar e outros regimes elitistas tenderam a pro
duzir políticas mecânicas, administrativas e repressivas. Ambos os
conjuntos de política, todavia, podem ser vistos como objetivando
um controle governamental sobre as massas. Ainda_ mais,_ a polí
1 Favela é a pala vra usa da para áre as invadi das por posseiros no R io
de Janeiro e outras cidades do Brasil, Para uma discussão detalhada, ver
A . Le ed s, 1969.
2 O term o “ urbaniza ção” , a não ser quando indicado, será usado neste
trabalho no sentido espanhol e português de fornecimento de serviços
urbanos e infra-estrutura para uma área da cidade.
F avelas e C omunidade P olítica 189

tica relativa à favela torna evidente, argumentamos, a natureza


essencialmente elitista da comunidade política brasileira que, mes
mo nas fases mais populistas da história do Brasil, significou sem
pre um firme controle sobre as classes mais baixas através de um
governo basicamente representativo das classes de elite proprietá
rias e ricas da sociedade.

Co nti nu ida de H is tó r ica na Es tr utu r a do Pr oble m a Habita cional


Os problemas de habitação do pobre urbano têm preocupado
os brasileirospelo menos desde a última metade do século XIX. Em
1886, o Conselho de Saúde do Distrito Federal escreveu alguns re
latórios, todos deplorando as condições dos cor t i ços 3 e concordando
em que as habitações eram higienicamente perigosas e que os mo
radores deveriam ser removidos“para os arredores da cidade em
pontos por onde passem rt ens e bondes”. Os relatórios pressiona
vam o governo a expropriar oscor t i ços , destruí-los, e construir casas
individuais para o pobre (Br., Conselho Superior 1886: 15-16).
Foi sugerido que as taxas de água e de limpeza sobre as “ casas hi
giênicas” fossem diminuídas para incentivar a elevação do padrão
de saneamento (p. 21). Pode-se verificar que pouco progresso foi
obtido, como nossa revisão das discussões e políticas correntes de
monstrará mais adiante.
0 reconhecimento de que o problema da habitação era de com
petência nacional é visto primeiramente nos trabalhos de Everardo
Backheuser, um engenheiro da Administração do Presidente Ro
drigues Alves, logo depois da passagem do século. Num relato bas
tante informativo ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores cha
mado H a bi ta ções Popu l a r es (1906), Backheuser descreve os tipos
de habitação proletária urbana numa época em que o Rio, sob a
administração de Pereira Passos, sofria uma “limpeza” e recons
trução maciças. A abertura das ruas e avenidas centrais da cidade
3 O termo "cortiço” no Rio refere-se a uma construção de vários cômo
dos, em fo rm ato de ferradur a, em L , ou r etangu lar, geral mente uma
construção de dois andares com um pátio interno comum, com banheiros
e serviços de lavanderia. O cortiço era um tipo comum de habitação na
passagem do século, embora poucos existam até hoje. O termo é ainda
usado em São Paulo para designar casas de cômodos de vários tipos e,
geralmente, casas decadentes de áreas pobres. Um clássico retrato do
tipo de cortiço de área pobre no Rio é dado por Azevedo, cerca de 1891,
no início de uma época em que houve preocupação pública com as ha
bitações de baixa renda (ver Backheuser, 1906, e as referências no texto),
tendo sido dada também cobertura por uma outra eminente figura lite
rária além de Azevedo, como Machado de Assis. O romance de Azeve
do é ainda a única fonte publicada abordando um estudo de cortiços.
m A S ociol ogia do B rasi l Urbano

e a demolição e extinção dos inumeráveis cortiços, sem a substitui


ção por outra habitação de baixo custo, deixaram os setores mais
pobres da população sem habitação e £orçaram-nos a morar com
outra família em outra habitação na cidade ou a mudar-se para os
“ subúrbios”.4 Só a abertura da Avenida Central (hoje Avenida Rio
Branco) exigiu a demolição de duas ou três mil casas, muitas com
famílias numerosas, deslocando com isso milhares de pessoas (Gou
lart 1957: 13 ).5 Novas habitações não substituíram as velhas num
ritmo suficiente para impedir a escassez, e como conseqüência os
aluguéis subiram como subiram de maneira geral os valores imo
biliários no centro da cidade. Dados os níveis de renda, o pobre pa
gava relativamente muito mais por sua moradia do que os ‘'mais re
mediados” » A situação tornou-se mais difícil com a lei municipal
de 10 de fevereiro de 1903, proibindo todos os reparos em corti
ços (Baekheuser; 1906, 1907). Somando-se à intensidade do pro
blema estava a imigração, que Baekheuser descreve para esse pe
ríodo de modo bastante semelhante às descrições dos anos 60^ época
em que se supunha que o problema fosse um fenômeno peculiar ca
racterístico:
“ A situação da classe pobre era, pois, mui
to precária, apesar da
existência de trabalh os bem remunerados no Rio atualmente. Mas
por isso mesmo chegavam diariamente, de todos os lugares circun
vizinhos, camponeses, que trocavam seu serviço na roça por ocupa-

4 O term o “subúrbio” , no R io e em outra s cidades brasileiras, refere-se


a áreas no interior dos limites jurídicos das cidades em questão, consti
tuídas basicamente por estabelecimentos residenciais de pessoas de classe
baixa ou média; uma área geralmente po uc o desenvolvida em termos
de serviços urbanos, rnas mais ou menos regularmente loteada e estabe-
cclida segundo um plano de ruas, embora estas, na melhor das hipóteses,
sejam muitas vezes de terra. Contrastam com os subúrbios americanos»
que são áreas geralmente de pessoas de classe média e alta, fora dos li-1
mites jurídicos das cidades centra is. N o Ri o , o s subúrbios s ituam a 10
ou 30 km do centro da cidade. Do ponto de vista dos moradores deste
centro, as grandes cidades vizinhas, como Caxias e Niterói (cada uma
com 500.000 pessoas), incl uem-se n o amplo termo "subúrbio” , mas do
ponto
tipo dcdeárea
vistaacima
dos definido
moradoresé propriamente
destas duas últimas cidades,
um subúrbio; não o são
elesapenas
moradores de subúrbio — difer entemente dos m oradores de Sca rsdale com
relação a Nova York ou dos moradores de Newton em relação a Boston.
Ass im , a articulação de interesses dos moradores de subúrbios diz respei
to ao governo da cidade central, e não ao governo da cidade satélite.
5 Ve r também ibge , 1953. Como conseqüência do movimento de massas
para os subúrbios, um aumento de 1.876.325 passageiros por ano foi obser
vado na Estrada de Ferro Central do Brasil, linha que serve as áreas su
burbanas (Goulart, ibid).
F avelas e C omunidade P olítica 191

çoes de operário, . . A população pobre aumentou sem que aumen


tasse o número de casas” (Backheuser — 1906/7).
A partir deste exemplo, fica claro que algumas características
básicas, como o crescimento urbano, a reconstrução urbana, migra
ção, a habitação decadente, a escassez de habitação, aluguéis rela
tivamente elevados para pessoas de baixa renda, superpopulação, e
propostas político-administrativas para soluções do problema habi
tacional, bem da
componentes como algunsnodosRiotipos
situação físicos
desde de habitação,
a década de 1880.têm sido
O “Pr ob le m a da Fa ve la ” Vir a M oda

Na década de 1880, a favela ainda não existia como um desses


componentes; é apenas por volta de 1895 que a primeira favela
— Favela Providência (ver fotosi n Backheuser, 1906) — aparece,
e o “problema da favela” começa a evoluir, embora despertando
pouca atenção durante as duas primeiras décadas deste século.
Discussões extensas sobre as favelas per se como elementos im
portantes do padrão habitacional do Rio aparecem pela primeira vez
em 1930, quando o Rio sofria novamente as dores de importantes
projetos de reconstrução urbana,0 quando crises agrícolas nos Estados
vizinhos estimulavam nova e intensa migração para o Rio,7 quando
o acelerado crescimento industrial atraía novas levas de imigrantes
e quando a política econômica essencialmente institucionalista de
Vargas visava a construção de mercados internos para criar um grau
de independência política e econômica para o Brasil. Ao mesmo tem
po, Vargas deu muita atenção ao proletariado urbano. Essa atenção,
como encontramos em nossos questionários surveys de e entrevistas,
é ainda muito valorizada por pessoas de 30-35 anos ou mais. A
atenção não era desprovida de seus controles, expressos por um po-
pulismo corporativo (ver abaixo) e através de instrumentos legais
tais como o Código de Obras(D i ár i o Ofi cia l Fe de r al , 7 de janeiro
de 1937), em sua tentativa de limitar a expansão e melhoria da fa
vela.
O código continha (segundo Modesto, 1960) o primeiro reco
nhecimento legal das favelas c o primeiro de muito apelos, tanto
6 O primeir o planej amento sis temáti co de conjunto pa ra o R io foi feito
por Alfredo Agache em 1928-1930, na Administração de Prado Júnior. O
plano foi apenas parcialmente realizado, sendo depois abandonado por
motivos políticos (Modesto, 1960:39, col. 5).
7 Durante a década de 192 0, um grande com ércio de exportaç ão de café
e a subida dos preços desse produto atraíram grande número de imi
grantes par a trabalhar nas áreas cafeeiras. A abrupta queda dos pr eço s
do café na época da Crise de 1929 levou muitos desses homens para
áreas urbanas em busca de outros meios de trabalho.
192 A S ociologia do B rasil U rbano

oficiais como nao-oficiais, para sua eliminação das favelas e subs-


tuição por “núcleos de habitação de tipo mínimo” (Artigo 347),
Vendo o problema basicamente como de ordem habitacional, esse
artigo pede a construção de habitações pop ulares ou “habitações
proletárias” a serem vendidas a pessoas reconhecidas como pobres,
" enquanto o Artigo 349 "proibia” a expansão das favelas: nas fave
las existentes ficava absolutamente proibida a construção de novas
casas
Assim,ounaa primeira
realizaçãopolítica
de qualquer melhoriaformal
governamental nas casas existentes.
relativa a fa . .
velas, os temas de erradicação, de uma “doença social” e da tentati
va de solução do problema habitacional por medidas puramente ad
ministrativas são apres entados — temas que se repetirão periodica
mente no decorrer dos 30 anos seguintes.
O interesse populista do período de Vargas e a abordagem ha
bitacional administrativa ao “problema da favela” cristalizou-se logo
depois do começo do Estado Novo, em 1937. O Governo de Hen
rique Dodswortb, Prefeito do Distrito Federal no início da década
de 1940, foi o primeiro de 11 mandatos, de 1940 até hoje, a lidar
administrativamente com as favelas.8 A era de Dodsworth deve
ser vista no contexto da ideologia do Estado Novo de Vargas, mo
delado
ideologiasegund o osuas
ditava fascismo europeu
relações do sEtado
populistas, corporativo.
paternalistas Essa
e essencial
mente controladoras do proletariado através de meios corporativis-
tas. Como diz Skidmore (1967 — 30-31):
“ Os objetivos do bem-estar social e do nacionalismo econômi
co. . . deveriam ser agora buscados sob umatutela autoritária. O
resultado foi um aprofundamento da dicotomia entre um estreito
constitucionalismo que havia negligenciado questões sociais econô
micas e um bem-estar social nacionalista que se tornava inequivoca
mente antidemocrático.”
As políticas relativas à favela desenvolvidas sob a Adminis
tração Dodsworth combinam os elementos aparentemente contradi
tórios de um profundo interesse pela situação angustiante do prole
tariado e um rígido
Dodsworth ( A Noitcontrole autoritário.
e , 17 de outubro de 1945) via sua política
relativa à favela como uma continuação das tentativas do Prefeito
Pereira Passos, 40 anos antes:
“ Depois de um intervalo demais de 40 anos, coube ao gover
no do Presidente Vargas reiniciar, por intermédio da Prefeitura, as
providências de ordem prática para a solução do problema das fa

■8 Para di scussão mais exte nsa da Administração Dodsw orth, ver P arisse,
1969.
F avelas e C omunidade P olítica 193

velas. Mais de quarenta anos decorridos, permanece o problema,


agravados os seus aspectos urbanos e médico-sociais, contribuindo
de forma nociva para complicar outros problemas.. . Porque assim
é, a Prefeitura na administração atual encarou a urgência e gravi
dade do caso, procedendo ao estudo sistemático das favelas.”
Na Administração Dodsworth, o indivíduo que teve a maior
responsabilidade para lidar com as favelas e que levou adiante o
estudo mencionado foi um médico, Victor Tavares de Moura, Di
retor do Albergue da Boa-Vontade e chefc do Serviço Social do Rio
de Janeiro, sob a direção de Jesuíno Carlos de Albuquerque, Dire
tor do Departamento de Assistência Social na Adiministração Dods
worth. Moura fala também do interesse de Pereira Passos por fa
velas, 40 anos antes, fazendo longa citação de um artigo de Back-
heuser em R en a scen ça (ca. 1902), prosseguindo para dizer (1943:
260);
“ Isso ocorria exatamente há 40 anos. Nessa época, Alcindo
Guanabara, noP a ís, Machado de Assis noJo rnal d o Bras il , Medei
ros e Albuquerque e Olavo Bilac naGa zet a d e N ot íci a s secundaram
Backheuser em sua campanha contra o corliço, a estalagem [uma es
pécie de casa de cômodos hoje extinta] e a favela. Bilac, tratando
solução
deste assunto,
é cometer
disse:umeste
crime
é o de
principal
desumanidade.”
problema agora; adiar sua
E surpreendente que pessoas tão eminentes como o novelista
de renome internacional Machado de Assis se preocupassem com o
problema nos inícios deste século!
Por iniciativa de Victor Tavares de Moura, estabeleceu-se uma
comissão para o estudo de saúde e saneamento nas favelas baseado
num censo sistemático. Apesar do enfoque mais limitado definido
pela comissão, as perspectivas de Moura acerca da favela eram bem
mais amplas e certamente mais extensas do que as da maioria de
seus contemporâneos.
Diversamente de muitas de tais comissões e planos propostos
desde então, depois dos quais nenhuma ação se efetiva, o estudo de
Mouraa realizou
para censos
época. Elas em 14 radicalmente
divergiam favelas chegando a conclusões
dosmitos — entãoraras
como agora — comumente sustentados de criminalidade, marginali
dade e desorganização social que são ainda usados para caracterizar
as áreas invadidas por posseiros.9 Como exemplos, (a ) foi encon

9 A permanê ncia de tai s mitos po de ser comprova da nas seguin tes ci


tações: ;
a. “ As péssimas con diçõe s de vida que caracter izam as favel as são
apenas em parte conseqüência do meio geográfico e das circunstâncias
históricas de sua construção. Eles refletem, sobretudo, a mentalidade &
194 A S ociologia do B rasil U rbano

trada elevada percentagem de “favelas organizadas”; (b ) uma “ ten


dência pronunciada” para uma ativa vida associativa incluindo clu
bes de futebol que participam em campeonatos com times locais
estaduais e de outros estados foi também encontrada; (c ) Moura
observou a existência de um sentimento distinto de interação social
e um sentimento de “ nós”; (d ) os pais cuidavam de seus filhos tão
bem quanto possível, exercendo sua influência educacional (1943:
264-265),
A conseqüência mais visível e duradoura da política de Dods-
worth relativa à favela foi a construção de parques proletários como
substitutos dos barracos de madeira sabidamente insalubres, carac
terísticos das favelas. As casas de madeira enfileiradas deveriam ser
os hábitos cte uma população que trouxe para as favelas um modo de
vida pré-formado e que o ambiente podia apenas agravar.
A anorm alidade não oco rr e apenas nas vizinhanças; ela se reflete
também na irregularidade de mais da metade das famílias, uma irregu
laridade, na maioria dos casos, anterior a sua chegada ao Rio. Ela se
expressa na ociosidade de grande parte dos homens, embora eles sejam
aptos para o trabalho. Ela se torna evidente no estado de abandono em
que as crianças se encontram. Essa situação se agrava mais ainda pelo
fato de que as favelas constituem um refúgio ideal para a camada in
ferior dos marginais, cariocas ou imigrantes, o que produz o contágio de
uma fração dos moradores, especialmente os jovens.” ( ipemb , 1957: 36)

b . '‘ Co m rela
que predominam çãoeles,
entre ao stem
favelados e especialmente
havido um às pessoadifun*
preconceito amplamente s de cor
dido e profundamente enraizado de que se tratava de uma população primi
tiva, não dotada de qualquer estrutura mental, seja por natureza ou por
conseqüência do deslocamento a que esta população se submeteu.
Nada mais errôneo! O favelado, como o sabemos agora, não tem
uma mente virgem. Pelo contrário, seu subconsciente carrega não ape
nas as tendências provenientes de seu substrato étnico, mas também aque
las nascidas através dos séculos e milênios de uma vida ancestral rica em
formas psíqu icas, sempre muito pecu liar es e> freqüentemente contraditó
rias. E em sua débil consciência criativa preponderam tradições e hábi
tos herdados de um passado familiar e freqüentemente pessoal no campo.
Desta forma, o favelado tem uma mente anquilosada por automatismos,
poucos, mas muito poderosos. É evidente que não por acaso, mas por
razões raciais, os nordestinos são mais beíicistas que os outros; não é
por acaso, mas por causa da pressão subconsciente do animismo ances
tral que os negros produzem duas vezes mais macumbeiros que os bran
cos
uma ouapreci
mulatos; e não é devidodeàsfavel
ável percentagem
contingências
ados, anteri
sociais o fato de que ou
orm ente cam poneses
filhos de camponeses, conseguiram, apesar de sua miséria, converter-se
em pequenos proprietários.
Assim , a vida mental d o favelado é dominada alternativam ente po r
um subconsciente anquilosado e por uma consciência maleável. Em ambos
os casos, ele é um inadaptado” . ( ipeme , 1958: 31)
c . “ A s fav e la s. .. apresentam as mais precárias condições de habi
tação e higiene, expondo seus moradores a situações de promiscuidade e
F avelas e C omunidade P olítica 19 5

temporárias como habitação e transitórias como local de moradia,


até que casas mais permanentes pudessem ser construídas para os
ocupantes. Na verdade, muitos dosparques permanecem até hoje,
“afavelaram-se” e são hoje popularmente chamados de “favelas da
chapu branca” (os carros do governo têm chapas brancas).
O primeiro parque construído (N.° 1 da Gávea) era srcina^
riamente em lugar agradável para morar. Tinha uma escola, uma
clínica médica, uma creche, um mercado, uma escola técnica, uma
cantina para desempregados, um posto de bombeiros e áreas recrea
tivas. Velhos moradores lembram hoje com prazer o primeiro ano
do parque (entrevistas, outubro, 1969).
0 primeiro administrador do Parque Proletário foi, em súa
atitude e modo de organização, um verdadeiro exemplar da ideolo-

delinqüência. Deve ser enfatizado que valores humanos como a êóesão


familiar, a solidariedde e o amor pela terra natal, característicos dessás
populações migrantes, são destruídos como conseqüência de tais condições
de vida.” (1963, Congresso do Movimento Universitário de Desfavela-
mento no Nordeste citado em ipes , 1966:8) ■
d . “ Nas favel as se constit uem aglomerações humanas extremam en
te populosas à margem da lei e da civilização. Verdadeiros cadinhos de
criminosos, selvagens e inadaptados, as favelas cohstituem um dos aspectos
mais negativos de nossa civilização” (seminário, 1967:64, para um tra
tamen to igualmente re velador, ver Sem inário, 1967:76-77, traduzido, em-
A . Leeds, 1968:40, nota).
e. “ Se, par a o favelado, tudo é ruim, se ele mora no meio d€t
emanações sulfídricas dos mangues ou numa encosta prestes a desabar,,
para a cidade as encostas de favelas são as mais nocivas porque afetam
os aspecto s estétic os, afrontand o o incom parável panorama do R iò de Ja
neiro; produzem o desflorestamento que afeta toda a higiene da cidade,
despejando suas imundícies e seus esgotos nas ruas das zonas urbanizadas
da cidade...” (Seminário 1967:77)
f. Da p. 2: “ Insta bilidad e de grupos, baixo padrão de vida, alto
índice de analfabetismo, messianismo, promiscuidade,, hábito de andar des
calço superstição e baixo espiritismo, falta de recreação sadia [!!], re
fúgio de marginais, Raríssímos são os filtros para água potável. Nos
barracos, fechados durante a noite como defesa contra ladrões, o ar é
confina do. A falta de asseio corporal e do barra co, as ema nações dos
alcoólatras tornam o ar nauseoso... as condições precárias do barraco
prolongam as tosses, as bronquites... B aí nascem e crescem as crian
ças e chegam à ida de ad ulta, quando chegam. A maioria dos barracos
obtém sua eletr icid ade de uma cabine” [um explora dor privado de um
relógio de luz].
Da p. 3: “ Os jovens iniciam sua vida prof issional sem um m ínimo dè
educação básica; eles aceitam qualquer trabalho, sem seleção vocacional
ou treinamento, aprendendo no trabalho, tornando-se trabalhadores prár-
ticos, mas nunca técnicos em algum ofício que não correspofida á
suas tendências, para eles, não há ideal em receber mais do que o me
nor salário m ín im o .. . famílias chegam d o interior pur as e unid as sejác
legaftnefifcf. ou par união natural, porém estável. O processo de desinte-
A S ociologia do B rasil U rbano

gía estadonovista.10 A autoridade da Administração sobre os mora-


dores era total. Todos os moradores tinham carteiras de identifica
ção, que apresentavam à noite nos portões guardados que eram fe
chados às 22 horas. Toda noite, às nove, o administrador davaum
“ chá” ( “chá das nove” ) quando ele falava num microfone aos mo
radores sobre acontecimentos do dia e aproveitava a oportunidade

gráção ocorre na favela como resultado da habitação promíscua, maus


exemplos e dificuldades financeiras,
A prom iscuidade é aceita com o co ndição natural.
A s jovens são seduzidas e abandonadas, engravidam, mas não se
envergonham com isso. É a seguinte a moral nas favelas: a mulher ho
nesta tem de ter um homem que a defenda, se possível que sefa marido;
è suspeita a mulher que não tem um homem, pois isso significa que fica
livre para ser de muitos.
Os rapazes se corrompem menos por serem obrigados a trabalhar
309 14 anos para ajudar no apoio à família.
Em algumas favelas, os adultos traficantes de maconha procuram
associar o jovem às suas atividades e o obrigam a ser portador da “erva
maldita”.
A s noites perten cem aos marginais qu e se acoitam nas favelas. Os
moradores pacatos recolhem-se após 0 trabalho diário e não mais sé
aventuram pelas vielas. Se em altas horas da noite ouvem-se gritos de
socorros, os ouvidos permanecem surdos: “Sou chefe de família, tenho de
ganhar o pão dos meus filhos. Se sair em socorro de alguém que esteja
sendo agredido, amanhã serei eu o sacrificado.” E assim perpetram-se oí»
erimes.
Na calada da noite, só aos pares os policiais penetram nas favelas.”
Da p. 4: “ A gente favelada é boa ; gente humilde, sofredora , dedicada,”
Deve-se observar que esse documento oficial de 1969 não menciona
a Comissão Estadual de Luz, que, desde 1965, vinha se introduzindo na
favela, especialmente nas favelas sob 0 controle da Fundação . Deve ser
observado também que muitas dessas mesmas favelas são as mais envol
vidas na cidade, e, como nos casos do Jacarezinho e Barreira do Vasco,
suas casas são entre 90-95% de tijolos e reforçadas de concreto, havendo
talvez 30-40% de casas de dois andares. Além disso, deve-se observar que
praticamente todos os moradores da favela, como todos os brasileiros, to
mam obrigatoriamente um banho diário (ver acima); que os moradores

das ção
pula favelas participam
brasil eira) com profundamente do inúmeros
inúmeros clubes, futebol (como
gruposo resto da po l (ver -
de carnava
Morocco, 1966), e outras recreações. Finalmente, cerca de 20-30% das
populações das favelas, em nossa experiência, são protestantes e grande
parte do restante relativamente devota à religião católica. Que tal quadro
dos moradores da favela seja pintado em 1969 por um órgão dessa es
pécie pode se dever apenas à má-fé, a motivos políticos, ou a ambos. Não
pode ser ignorância (Fundação, 1969).
10 Gostaríamo s de agradecer a Maria Coeli de Moura, R io, por su a
cooperação em ceder-nos os arquivos de seu pai sobre favelas, os quais
incluem correspondência, artigos de jornais,, fotos, memórias e confe
rências dadas por Victor Moura.
F avelas e C omunidade P olítica 197

para as lições “morais” que eram necessárias”11 (M. F. de Moura;


1969:4).
Os parques eram em grande parte uma criação do período do
Estado Novo de Vargas, que combinava controles administrativos,
“ consciência” social governamental, retórica eorporativista, e a re
verência da parte do proletariado por “pai Gegê” tido quase como
um santo.12 Jornais favoráveis a seu governo descreviam a visita
de Vargas ao Parque Proletário da Gávea, a 17 de julho de 1943:
“ Homenagens calorosas” , “ vivas” a Vargas e marchas agitadas to
cadas para o presidente caracterizam a ocasião (vários jornais de 18
de julho de 1943; arquivo Moura). Num relato sumário de Moura
sobre uma favela desejosa de ser transferida para um parque, ele
fazia a seguinte declaração ideológica (Moura, por volta de 1942):
“ Confio na fibra dos que, a frente de tão grande empreendi
mento — o Estado Novo —, procuram tudo fazer em benefício dos
que necessitam, e, estou certo, muito em breve lhes patentearão os
habitantes do Centro proletário n.° 1 a maior das gratidões,s sem
consciência de seus deveres no cumprimento de um Ideal .E este
Ideal é o devotamento, o labor perene e construtivo pala Pátria,
cuja
Novo.”mística nos cala fundo, na avalanche progressista do Estado
0 destino dos parques proleLários depois de 1945, quando Var
gas deixou o cargo,éindicativo tanto da falta de continuidade oom
relação à política da favela entre as administrações individuais como
da rápida mudança no complexo da política brasileira após a pri
meira Administração de Vargas. Como as eleições foram reinsti
tuídas na Administração Dutra, os rígidos controles da primeira
era de Vargas cederam lugar a uma série de relações livres nas
quais políticos e administradores de fora dos parques tentavam
conseguir eleitores e seguidores dentrodeles. A partir daí, “as re-

11 Outra
das declaração
de M oura: “ D ev od iro àadmini strad
Europa emormaio
numadoenpróxim
trevistao ano,
co m nã
M o.F posso
. Cal
deixar de ir à Alemanha . Aque les são os super-homens” (M F Caldas de
Moura, 1969:4).
12 N o ve rão de 196 8, os Leeds fizeram um survey em três favelas do
Rio. Como resposta à pergunta sobre que personagens políticos os indiví
duos mais admiravam, Vargas foi mencionado em 60% dos casos. Deste
grupo de entrevistas, quase todos tinham mais de 35 anos. Aqueles abai*-'
xo de 35 mencionavam mais freqüentemente Kubitscheck. Muitas casas
têm quadros de Vargas na parede, junto com santos como São Sebastião,
São Jorge, Iemanjá. Na favela Tuiuti, no Rio* há um busto de Vargas
sob a bica dágua, e um busto na casa de um de nossos informantes mais
pobres.
A S ociologia do B rasil U rbano

entre forças externas e populações locais seriam sempre cons-


iituídaa de acordo com interesses eleitorais” (MF de Moura,
1969:6). A instituição do sistema eleitoral foi acompanhada de
mudanças nos instrumentos de controle no interior do parque. En
quanto que, antes, a escola, a creche, e a igreja eram partes da es-
tjçutura administrativa de controle, depois de 1945, a escola de sam
ba ( ver Morocco, 1966) e as biroscas (ver Machado, 1969), bem
como as associações de favelas e igrejas, ganharam importância
como
líticos veículos organizacionais
de fora (ver, também, E. para a manipulação
Leeds, por dos
1966). Por meio parte de po
paga
mentos políticos aos cabos eleitorais locais no interior dos parques,
03 políticos asseguravam a “ permissão” (geralmente não oficial) a
seüs capangas para a construção de casas em terras vagas dentro e
atrás do Parque. Muito da regularidade que o Parque tiveraan
tes foi perdida na construção desordenada e ao acaso.

A “D em ocra cia ” Pó sVar gas

O final da primeira era de Vargas e a entrada do General Du


tra çomo presidente marcavam uma grande descontinuidade na po
lítica relativa à favela do Distrito Federal. Tais deseontinuidades
são um Iraçoacima.
assinalamos comumA na história
maioria dosdaprogramas
política social do Brasil,
iniciados como
sob Dods-
worth foi negligenciada, enquanto que as entativ
t as feitas para “so
lucionar o problema da favela” não introduziam nada de novo, re
petindo desnecessariamente trabalhos anteriores já realizados.
A Administração de curta duração de Hildebrando de Góis
{janeiro a junho de 1946) iniciou o que mais tarde se tornaria um
-elemento significativo do dramático contraponto das relações fave-
3a-governo. A criação da Fundação Leão XIII foi, além dc seus
-aspectos de bem-estar social um barômetro preciso das pressões po-
lílícas do Brasil do pós-guerra. A idéia de sua criação nasceu dc um
acordo entre Hildebrando de Góís e o conservador Cardeal D. Jai-
irc de Barros Câmara para tentar “recuperar os favelados”. Explí
cito nesse que
munista”, pensamento
era vista inicial estavacom
por muitos o ocontrole da “ infiltração
uma enorme co
ameaça numa
época em que o Partido Comunista tinha seu maior apoio popular;
embora o Partido estivesse em quarto lugar dentre os partidos em
número de votos, ainda assim o número absoluto de votos que ele
obteve nesta eleição de 1947 foi tão grande que parecia representar
um verdadeiro perigo eleitoral para o futuro. O p c foi posto fora da
lei no mesmo ano. Umslogan popular da época era “É necessário su-
F avelas h C omunidade P olítica 199

bir o morro antes que os cpmunisías desçam” (dados e citações de


sagmcs, Pt. I, 1960; 28)í^y
O plano da Fundação era o de criar, em cada favela, centros
sociais, escolas e clínicas de modo a dar orientação prévia para a
urbanização. A noção de “ orientação” permeia o pensamento do
bem-estar social e especialmente das escolas de Serviço Social no
Brasil; ela significa “estabelecer normas para, dar incentivos à, e
estimular
sfbidamentea motivação
não têm onaqueles
ponto dehabitantes do distrito
vista correto, eleitoral
tal como que
definido
pela instituição” . “Urbanização” refere-se à instalação de serviçus
urbanos numa área de terra acompanhada por construção apropria
da, conforme os códigos de construção urbana*
É significativo que as primeiras favelas selecionadas pela Fun
dação para a manutenção de centros sociais fossem as maiores do
Rio, abrangendo 1/3 a 1/2 de sua população favelada.1 1 Estas
eram também as favelas-chaves no sentido de que a maioria delas
-era bem conhecida por toda a cidade, e uma ou duas, como a do
Jacarezinho, tinham reputação folclórica a nível nacional (ver Car
doso, 1935). Assim, na época, talvez 100.000 pessoas estivessem
sendo “ salvas” dos “ perigos do comunismo”, e um número muito
maior era influenciado pela Fundação.

/ O estudo do sagmacs é ainda hoje o melhor e mais precioso relatório


I publicado sobre f avelas n o R io. Nele n os ba seam os em muito para cert os j
aspectos da história administrativa, uma vez que seu material factual pare- !
i ce dign o de confi ança. Con sider amos que el e também pode ser analisado j
. 1 co m o uma declaração p olítica n o conte xto bras ileiro, já que (a) pressu- !
i | põe uma certa vi são de qual dever ia ser a relação entre est ado e po vo,
11 especi almente o proletário, implí cita em várias críti cas feitas a ações e
, | políti cas anter iores, que permeiam o d ocum ento; ( b) foi elaborado numa
I \ época em que a participação política mais ampla das massas urbanas esta^
va, de um m od o geral, sendo encorajada e teve p aralel o na criação e ati- !
| vídade d e órgã os t ais com o o serfhau e instrumentos l egais co m o a Porta - 1
| ria n. ° 2 de 1965 do Distrito Federal, que abria caminho para a eletrici

dade oficial nasnos


las, realizada favelas;
anos (c) 1960-62
ele é subjacente
por José à Artur
nova abordagem
R ios (ver das fave
discussão do
texto), que tambcm tinha nela os meios de controle e cooptação (verij
Apêndice I — a su bordinação das favelas, através de suas associações, a \j
um organismo estatal, e o controíe deste sobre finanças e programas)./
14 Ent re 1947 e 1954 a Fu nd açã o trabalhou em 34 e mante ve centros
sociais em 8 das maiores favelas do Rio, entre as quais Jacarezinho, Roci
nha, Telégrafos, Barreira do Vasco, Morro de São Carlos, Salgueiro,
Praia do Pinto e Cantagalo (as seis primeiras estão entre as mais desen
volvi das da cidade) (Fun daçã o Le ão X II I, 1955). Embo ra a Fundação per
manecesse formalmente nessas fnvelas, ela esteve relativamente moribunda
até por volta de 1962, quando foi reativada pelo Governador Lacerda (ver
texto adiante').
A S ociologia do B rasil U rbano

A instituição foi criada pelo Decreto presidencial n.° 22.498,


de 22 de janeiro de 1947, com estatutos e recursos independentes e
coltí a cláusula de que, se dissolvida, os fundos reverteriam para a
prefeitura do Distrito Federal. Basta dizer aqui que a Fundação*
criada pelo governo federal e pelo governo do Distrito Federal,
existia como uma pessoa jurídica privada, estreitamente vincuiada
à diocese católica do Rio, até 1962, quando, por uma série de ma
nobras políticas do Governador Carlos Lacerda, tornou-se parte da
Secretaria de Serviços Sociais do recém-criado Estado da Guana
bara.
A Administração de Mendes de Morais, posterior à de Hil-
debrando de Góis, se caracteriza não apenas pela descontinuidade,
mas também pela falta de comunicação entre os membros de uma
única Administração. For exemplo, sob a estrutura da Secretaria
de Viação e Obras, foi criado, em 1946, o Departamento de Habita
ção Popular, pelo Decreto n,° 9124, para atender às necessidades
da habitação proletária. Os projetos do Departamento foram apro
vados pelo Departamento de Construção Municipal, mas não pelo
Departamento de Urbanismo (Modesto, 1960; 43). Este é apenas
um exemplo do que Modesto chama de desorientação na solu
ção do problema habitacional, manifestando a falta de mentali
dade planejadora entre aqueles responsáveis pela administração mu
nicipal. As medidas tomadas por muitas instituições munici pais
eram não apenas descoordenadas, mas demonstravam pouca refle
xão sobre as conseqüênciasfuturas da ação. “ As medidas tomadas
são generalizadas, isoladas, nao consideram adequadamente os fa
tores do problema e não têm relação com o resto do desenvolvi
mento da cidade” (Modesto, 1960: 43).16.
Pode-se observar que nesta relação nenhum dos órgãos ou co
missões discutidos adiante estabelecia qualquer modo formal de ar
ticulação de interesses para as populações da favela; estas eram con
cebidas como receptoras da ordem administrativa, mais do que como
participantes no processo de tomada de decisões concernentes a suas
vidas — isso apesar do ressurgimento da “ democracia eleitoral” no
regime de Dutra e nos seguintes.
leira Ode estabelecimento de comissões
“estudar o problema” ,10 sem na éverdade
uma maneira muito brasi
se tomar nenhuma
^ Hé lio M odes to foi ar quiteto na Coord enação de Plano s e Orçamento s
do Estado da Guanabara por alguns anos, sendo defensor constante da
necessidade de se encarar a favela num contexto bem mais amplo (nacio
nal) do que o Estado pretendia. Foi também diretor do cedug (ver abre
viações) .
16 A típica fras e brasileir a “ Va mos estudar o assunto” é uma re sposta
freqüente dada numa situação particular para adiar e eventualmente evi
tar completamente agir ou assumir um compromisso.
F avelas e C omunidade P ol í ti ca 201

medida definitiva para tratar dele diretamente. A Administração


Mendes de Morais não foi exceção a essa prática. Em 1946, uma
Comissão Interministerial foi criada pelo Presidente Dutra para
realizar um “ estudo extensivo da s causas de formação das favelas
e de suas condições atuais,” 17 As medidas específi cas propostas
pelo relatório da Comissão retomam os elementos de controle do
Código de Obras de nove anos antes. As medidas incluíam (a) a
proibição de construção de novas casas nas favelas; (b ) a super
visão severa nas favelas para impedir o aluguel ou venda de casas
abandonadas; (c j uma lista daquelas pessoas que exploram o&
residentes da favela pelo aluguel de c[uartos ou casas ou que co
bram taxas exorbitantes pela eletricidade; (d) o rápido término dos
projetos de urbanização em terras da Prefeitura do Distrito Federal
para evitar a invasão dessas terras e sua transformação em favelas;
(e) recomendações às instituições federais tais como os Institutos de
Previdência Social para prevenirem-se contra a formação de fave
las em suas terras; ( / ) reforço das medidas legais já existentes re
querendo esforços para o fornecimento de casas de trabalhadores.18
As propostas da Comissão tratam as favelas apenas em termos
de controle e repressão. Nenhum meio para amelhoria das ca sas
e de outras condições nas favelas é sugerido, nem a substituição da
habitação da favela é sugerida, nem mesmo se alude às causas mais
superficiais da formação das favelas.
O tema da repressão é reforçado pela criação, em 1947, de
uma comissão para a extinção das favelas por Mendes de Morais*,
Essa Comissão, ao menos, deu a contribuição positiva de iniciar o
censo das favelas de 1947-48. A iniciativa do censo deve ser enten
dida nos termos da política geral relativa às favelas de Mendes de
Morais. Numa entrevista (O Glo bo , de 26 de janeiro de 1966) 10
Mendes de Morais, na época legislador, descreveu melhor seu plano
anterior para a extinção das favelas, abrangendo o retorno dos mo
radores das favelas a seus estados de srcem, submetendo os mora
dores acima de 60 anos à tutela de instituições do Estado, e expul
sando das favelas famílias cujo salário excedesse um mínimo esti
pulado. O ex-prefeito disse que seu plano não funcionara devido à
falta
dores de
das apoio dosdos
favelas, governadores
diretores dados
Cia.Estados de Navegação
Lloyd de srcem dos emora
d<v
^ A Manhã , 1946, sem data, p. 2 (do arquivo Moura).
10 Press release governamental mimeografado encontrado nas colunas da
jorn al Tribuna da Imprensa , Rio, sem data (1946, depois de fevereiro).
O tema da extinção é expres so novam ente em 1949 num pro jeto
federal proposto para a remoção de todos os moradores das favelas para
colônias agrícolas nos seus estados de srcem. Projeto n,° 633, Diário do-
Congresso , agosto de 1949: 7149.
A So ci ologia do B rasi l U rbano

Chefe de Polícia do Distrito Federal. “ Mendes de Morais não aca-


iíoa com aâ favelas porque não teve apoio”ibid( ). Falando das ati
vidades dessa comissão nos fins da década de 1840 e inicio da de
1950, o estudo do sagmacs comentava (Pt. I, 1960:38, col 2-3):
“ Existia na Prefeitura uma comissão de favelas que não deixou
.jienhum vestígio ou traço de documentação de suas ações. Ela con
sistia de políticos que, durante oito anos, se reuniram sem realizar
nada,”
Em maio de 1948, o explosivo jornalista Carlos Lacerda desen
cadeou uma campanha nos jornais e no rádio objetivando forçar a
burocareia nacional e local a encarar as favelas como um comple
xo conjunto de problemas nacionais mais do que como um problema
localizado e unilateral (apenas habitacional, apenas de saúde, ape
nas educacional, apenas psiquiátrico). Essa campanha foi chama
da “À Batalha do Rio” .
Lacerda, cujas tendências e conexões políticas sempre haviam
sido ambíguas, mas cuja participação política anterior se dera no
Partido Comunista, permanecia ainda, nesse ano, aparentemente na
^esquerda”, embora nao mais vinculado ao Partido e talvez já li
gado a elementos conservadores e reacionários da direita anti-Var
gas, aos quais alguns anos mais tarde se encontraria abertamente
ligado. A ^Batalha” talvezpossa ser vista como um esforço ambí
guo, mobilizando as massas urbanas em favor dos interesses políti
cos representados por Lacerda e minando o apoio às forças getulis-
tas e de Dutra, talvez antecipando a próxima retomada da Presi
dência por Vargas. Vargas, enquanto apoiava acandidatura de
Dutra, também começou a reconstruir sua própria base política
pelo recrutamento das massas urbanas para p t bo , embora fosse elei
to senador (1945, pelo Rio Grande do Sul e Sao Paulo) no mesmo
partido (o p s d ) que Dutra (Skidmore, 1967: 73).
Os ataques de Lacerda, detalhados abaixo, podem apenas ser
«ntendidos como ataques indiretos ao então presidente Dutra e a seu
homem na Prefeitura do Distrito Federal, General Mendes de Mo
rais. É certamente significativo que esse mesmo Mendes de Morais
estivesse profundamente implicado na trama de assassinato —
como um
levaria des seus
Varga instiga
ao suícídiodores — contra
. É também Lacerda, que
significativo em essas
1954, mas
que
sas urbanas tenham desempenhado um papel central na política
brasileira desde os últimos anos do primeiros regime de Vargas, um
papel que culminou nos acontecimentos de 1954, quando Varges
assegurou a continuidade do getulismo por outra década pelo seu
suicídio, e nos de 1961-1964, quando o protegido de Vargas, João
Goulart, tentou sem sucesso desenvolver uma massa proletária ur-
F avelas e C omunidade Po l í ti ca 2 03

foana de apoio. O próprio relacionamento de Lacerdacom essa mas


sa urbana nos inícios dos anos 60 será discutido adiante.
Quaisquer que sejam os motivos políticos que Lacerda tenha
tido na época, o fato era que alguma coisa muito fundamental e
muito próxima ao cerne do problema da favela havia sido dita e
imediatamente captada pelos legisladores e meios de comunicação.
Durante todo o mês, os jornaisCo ir eio da Man hã e O Gl ob o tenta
ram excitar a opinião pública e tirar as autoridades de sua inércia.
Os artigos de Lacerda eram publicados no Co rr eio da Ma nh ã , mas
o Globo (parte dos bens da conservadora família Marinho, vincula
do aos interesses Time-Life) deu imediatamentecobertura a Lacer
da. Ambos os jornais estavam ligados à ala direita dau d n (União
Democrática Nacional) anti-Vargas (Skidmore, 1967: 69, 88, 125).
A “batalha” fazia as seguintes afirmações:
1. O problema da favela não era uma praga local, mas na*
cional, embora pudesse ser controlado localmente.
2. Era um problema complexo que não admitia soluções
simplistas nem podia ser atacado em apenas um aspecto.
3. Era resultado de um profundo desequilíbrio na vida do
país e da cidade, resultado, acima de tudo, de Administração escan
dalosamente inepta.
4. e Requeria
públicos privados,a sob
coordenação
um únicode comando.
órgãos federais e municipais,
Em seu começo, a “Batalha” pareceu conquistar a simpatia
dos líderes dos três maiores partidos políticos, figuras-chaves do Le
gislativo, e do Prefeito Mendes de Morais. Uma nota foi apresen
tada à Câmara Nacional dos Deputados pedindo apoio federal.20
Isso resultou na criação de mais outra comissão e 7 subcomissões por
Mendes de Morais, Todavia, segundo um modelo consistente, o
tema, a resposta, e os planos emergentes da “Batalha” logo se ex
tinguiram, sugerindo: (a ) gue qualquer movimento ameaçando
perturbar fundamentalmente ostatus quo tinha pouca chance de
sucesso, e/ou (6 ) que a “Batalha” era uma atitude retórica e polí
tica que nunca pretendeuproduzir mudança significativa. O estu
do do grupo sagmacs corrobora a noção de que aqueles que se en
contravam no poder eram basicamente hostis à realização de qual
quer mudança deste tipo:

£0 O D eput ado Sega das Viana apres entou à Câmara dos Dep utado s uma
lei solicitando apo io federal pa ra a “ Batalha” : “ O prefeito da capital J á
manifestou seu apoio, convém que o Governo Federal colabore porque o
problema das favelas não é um problema local, Grande parte dos mora
dores das favelas é composta de trabalhadores que vêm para esta capital
em busca de melhores condições de vida” (Correio da Manha),
'204 A S ociologia do B rasil U rbano

u{Dl plano (a “ Batalha” ) era radical, e modificações de tão lon


go alcance seriam introduzidas na Administração e no Governo que
implicariam uma verdadeira revolução. Para executar (o plano)
era necessária uma nova mental idade no povo e nas elites. . , Mais.
mna vez, a inépcia, a mediocridade e a rotina burocrática venceram.
Venceram também aqueles interesses inconfessáveis que têm seu
destino ligado às favelas, como outros são ligados à seca no Nordes
te e outros ainda ao analfabet ismo, . . todos conspirando contra o
levantamento das massas brasileiras...”( sagmàcs , Pt. I, 1960;
38, col 2).
JNuma retrospectiva, a política relativa à favela, ou a sua au
sência durante os anos Dutra, 1945-1949, não é surpreendente
quando vista no contexto da repressão geral deste período de cinco*
anos da história brasileira. Pensava-se ser o PC uma ameaça tão
grande, depois das eleições de 194>7, que ele foi posto totalmente
fora da lei pelo Governo Dutra, Os sindicatos, especialmente o grupo-
dos metalúrgicos e dos estivadores, foram também severamente atin
gidos. No primeiro ano desse Governo, os organizadores trabalhis
tas comunistas e de esquerda haviam ganho considerável poder nos
sindicatos até o ponto em que Dutra interveio, em 1947, demitindo
muitos dos elementos de esquerda.
Na estrutura do trabalho construída por Vargas no Estado
Novo, os sindicatos estavam sob controle direto do Ministério do.
Trabalho que, por exemplo, controlava a alocação dos direitos com-
pulsórios dos membros dos sindicatos. A estrutura permaneceu a
mesma sob Dutra, que “apenas explorou o controle do Ministério*
do Trabalho sobre as corporações sindicais para evitar a inquieta
ção do trabalho” (Skidmore, 1967: 114). Assim, as políticas de
controle geral e repressão podem ser vistas como o contexto insti
tucional para o controle e repressão encontrados nas políticas relati
vas à favela durante o período de “democracia eleitoral” de Dutra.
O Se gu n d o Per íodo d e Var gas e os A n os 50

O “ democrático” Vargas do início dos anos 50 estabeleceu uma


tendência ideológica, que, embora não favorecesse explicitamente a
causa do proletariado urbano, provia ao menos uma atmosfera na
qual as favelas e o proletariado em geral poderiam encontrar canais
para articular seus interesses. A suspeita da cla
sse média e a opo
sição d e elementos da conservadora UDN não deixaram outra esco
lha a Vargas senão a de buscar o apoio em grande escala da classe
trabalhadora. Inicialmente, houve um afrouxamento su bstancial
das restrições sobre os Sindicatos estabelecidas por Dutra, permi
tindo que os líderes sindicais mais radicais retornassem ao poder.
F avelas e C omunidade P ol í ti ca 205

Uma segunda tendência de maior alcance íoi o estímulo a uma polí


tica de desenvolvimento econômico nacionalista que, pessoas da
•classe trabalhadora o perceberam, seria benéfica a elas (ver Skid-
anore, 1967: 109).21
A abertura de canais para a classe trabalhadora parecia ser
tuna deixa para que as instituições legislativas e administrativas
começassem novamente a tratar mais diretamente das favelas. O
Serviço de Recuperação das Favelas, criado em 1952 pelo novo pre
feito
sob aJoão CarlosdaVital,
jurisdição ficara, depela
Secretaria primeira
Saúde vez em muitos
e Assistência, mais doanos,
que
sob a do Departamento de Segurança Pública, como, desde a épo-
-ca de Dodsworth, as instituições referentes à favela haviam ficado
(Berson, 1964-: 15). O novo chefe do Serviço, Guilherme Roma
no, declarou numa entrevista de jornal:
“ Nós não destruiremos asfavelas sem construirmos algo me
lhor que as substitua. A pior das favelas é melhor que nada. Tra
taremos de assegurar aos favelados uma habitação próxima do local
*de trabalho. {Tr ibun a da Impr ens a , 3 de inarço de 1952, citado em
Parisee, 1969: 124).
Pela primeira vez, a idéia de urbanização in loc o começou a
aparecer nadiscussão públi ca sobre as favelas. Essas idéias e decla
rações refletem um reconhecimeno genuíno das diferentes funções
sociais e econômicas das areas invadidas por posseiros, aqui especi
ficamente favelas.
O ano de 1952 viu também a maior atenção, a nível minis
terial, dada à habitação e às favelas em particular. Pela primeira
vez, o fenômeno das favelas eya vinculado a estabelecimentos seme
lhantes em outras partes do país — mocambos no Recife evila s de
malocas em Porto Alegre, A Comissão Nacional de Bem -Estar So
cial, nessa época parte do Ministério do Trabalho, Indústria e Co
mércio, realizou uma série de conferências de âmbito nacional
cujas conclusões gerais eram de que as favelas constituíam um
problema nacional, e deveriam ser vistas a partir de seu aspecto so
cial, econômico e legal; estudos deveriam ser feitos no contexto de

21 Skidmore
encontre diz: UA positiva
resposta classe a naclasse
é qualtrabalhadora
é mais certourbana.
que o apelo nacionalista
O entusiasmo
geradopela íetüíobrás foi, com certeza, entre os assalariados urbanos. A
linguagem do nacionali smo econômico parecia serde mais fácil entend i
mento para eles do que a idéia do conflito de classes doméstico.” Também
em oposiçãoà maioria dosrelatos sobre a ignorância da classe baixa em
relação aos objetivos nacionais, encontramos moradores de favelas muito
conscientes osd efeitos da polí tica econômica e a d política nacional em
suas próprias vidas diárias. Inúmeras entrevistasmostraram um agudo
senso analítico.
206 A SOCIOLOGIA DO tíRASIL URBANO

mn planejamento de esc ala nacional. Em afirmações semelhantes


àquelas de Victor Moura no início do período de Vargas, os relató
rios afastaram-se do modelo mítico. Um relatório descrevia as fa
velas como possuindo “populações heterogêneas variando de crimi
nosos procurados pela polícia a famílias legalmente constituídas
que, devido a uma série de razões, são forçadas a arranjar um abri
go na favela utilizando qaueles recursos de que dispõem ” , (ver
Brasil, Ministério... 1952: 5, 6, 20).
O Pape l do Adm in istr ad or Polí ti co

Há um importante elemento na relação burocracia-favela bre


vemente mencionado acima, que merece maior discussão neste pon
to. Os desenvolvimentos pós-1945 da relação entre o legislador-po-
lítico e a favela é um fenômeno bem documentado.22 Os legislado
res de então, vereadores, ou candidatos a cargos por eleição ou no
meação, comumente cortejavam o eleitorado da favela ou seu si
milar proletário, fazendo promessas de todos os tipos (geralmente
de serviços urbanos), regularmente não, ou apenas parcialmente,,
cumpridas. A prática comum era, e ainda é, apesar da suspensão
atual de eleições genuínas no Brasil, selecionar um ou vários cabos
eleitorais
didato. O dentro da favela
cabo eleitoral, se para colher o,votos
bem sucedid seriapara
pagoa deleição dos can
e diversa
maneiras, com uma nomeação, uma casa na favela ou num conjun
to habitacional, terra para construir uma casa (como no caso do.Par
que Proletário), uma vaga numa escola pública para um filho, ou
presentes menores, como roupas e utensílios. Em suma, a relação é
de uma “ troca de interesses” (na terminologia local) que benefi
cia ambas as partes.
Outra forma de relação éo vínculo entre a favela e o agente
administrativo que, em virtude de suas conexões oficiais, é capaz,
de formular ou influenciar a política relativa à favela e tornar essa
influência conhecida dos favelados, criando dessa forma seu próprio
“ ambiente” (no uso local) antes mesmo de anunciar sua candida
tura a um cargo eleitoral;para criar o “ ambiente”, ele utiliza um
poleiro que opera clandestinam ente. O fato de que o administra
dor oficial esteja utilizando o cargo para o qual foi nomeado para
ser eleito não significa necessariamente que seus esforços durante o
exercício do cargo não sejam sinceros e fundamentalmente benéfo
cos às favelas. Alguns o são, outros não.

22 Para a discussão da rela ção entre polít icos e favelas, ver E. Leeds.
1966; Machado, 1967; Rios, 1960; e sagmacs , 1960,
F avelas e C omunidade P olítica 207

O Administrador do Parque Proletário da Gávea, no primei


ro Governo de Vargas, que dava o “chá das nove” (ver acima) é
n m exemplo de tal caso. M. Arruda era candidato ao cargo de ve
reador (pelo Distrito Federal) em 1950, cerca de 14? anos após sua
atuação no Parque. Em um de seus discursos da campanha no
Parque, Arruda tentou capitalizar sua posição administrativa ante
rior:
“ Proletários, amigos, chefes de família,trabalhadores e ho
mens de respeito; venho mais uma vez buscar o seu apoio político
e moral para a vereança em 1958. Não sou político profissional e
não faço demagogia, pois tenho programa realizado. Dentre ou
tras coisas, realizei o Parque Proletário, Deus sabe com quanto
sacrifício, de modo a que famílias boas c honestas pudessem viver
com seus filhos numa atmosfera de respeito, conforto, higiene e in
dependência familiar. . , Quando eu oferecia o e‘ liá das nove’, era
como uma troca de idéias e conselho àqueles pais menos afortunados,
era como um conselho às crianças, ensinando o caminho do bem, e o-
resultado aí está. Com o meu ‘chá das nove1, ajudei a formar ho
mens e excelentes operários, o que não acontece nestes dias onde
impera desordem, a indisciplina e a falta de respeito. . . ”
( sagmacs , Pt, II, 1960: 45),
A posição do administrador regional (depois de 1960, chefe
de uma
pois subdivisão
da criação do Estado
de Brasília, da Guanabara)
o Rio é outro exemplo.
de Janeiro tornou-se o EstadoDe
da
Guanabara, dividido em cerca de 23 distritos administrativos, cada
qual com o seu administrador nomeado que possuía certa autorida
de para tratar da s favelas na sua área. Supervisionar as eleições da
favela e resolver as disputas entre os moradores da favela deram a
um de tais administradores ampla oportunidade para tornar-se a
pa t r ão da favela e para tentar, subseqüentemente, tornar essa rela
ção politicamente lucrativa.
Um secretariado no gabinete do governador é uma posição
igualmente vantajosa, Um ex-secretário da administração de ^Ia-
cerda descreveu numa entrevista como, em seu papel de promotor da
Comissão Estadual de Energia, foi capaz de selecionar um eficien
te time de cabos eleitorais na maior favela do Rio. Posteriormente*
ele venceu uma eleição para deputado federal.23
A recente restrição às eleições genuínas no Brasil e a institui
ção de um controle virtualmente total pelo Governo quanto a cniem
23 Ex ceto n os caso s em que fontes publi cadas (tais co m o sagmacs) já
tenham usado nomes reais, os nomes e cargos dos informantes foram em
geral oculta dos ou om itidos para protegê-los de possívei s recriminações,
políticas, tão drásticas no Brasil dc hoje. O indivíduo em questão* tam
bém um general do Exército» teve os seus direitos políticos suspensos.
208 A S ociologia do B rasil U rbano

pode aer candidato não pareceram fazer diminuir o jogo mútuo.


Em novembro de 1969, os seguintes acontecimentos ocorreram
numa das favelas poltiticamente mais desenvolvidas do Rio, que
seus moradores acreditavam estar ameaçada de remoção pelo que
chamaremos de Instituto de Construção de Casas do Estado da
Guanabara ( i c ac ) . Uma mulher, líder da favela, foi com a sua
delegação do Departamento feminino da associação da favela visitar
o Diretor do Instituto de Posses e Propriedade, um político jovem,
ambicioso, que também tinha uma coluna em dois jornais do Rio,
cujo eleitorado era em grande parte da classe trabalhadora. Depois
de obrigar o diretor a promover uma visita à favela, dizendo que ele
nada sabia das favelas (ele nunca tinha visitado este local parti
cular, tendo-o apenas visto em viagens aéreas ou de helicóptero), o
Departamento Feminino preparou elaboradas recepções para ele em
duas ocasiões distintas, sendo uma delas a comemoração de seu ani
versário. A seguinte canção foi composta para uma das recepções
e cantada pelas meninas do Departamento Feminino:
Dr. Dumont, as crianças deste Parque
Juntamente com seus pais
Reconhecem o seu valor,
E por isso nós lhe estimamos
E hoje te consagramos
Como nosso benfeitor
t

N o icac e nos Parques Proletários


Nas favelas e nos morros
O seu trabalho é sem igual
Ajuda ndo e a todos incentivando
Todos cantam e comentam
Como o amigo ideal

Coro; Salve O Dia e A Notícia


O icac e o Parque Federal
Parabéns Estado da Guanabara
Por esse grande assessor,
Nosso orgulho e paixão!

Pouco depois da ocasião, o homem em questão foi eleito um


dos delegados da Guanabara para o comitê nacional dom d b (Mo

vimento Democrático
finitivamente Brasileiro),
subordinado ao atualo menos conservador,
Governo menos de
dos dois partidos polí
ticos atuais do Brasil. Evidentemente, os motivos para que cada
lima das partes cortejasse a outra eram políticos. As vantagens
calculadas pelas respectivas partes eram a possível eliminação da
ameaça de remoção para a favela e o possível futuro apoio eleitoral
para o administrador.
F avelas e C omunidade P olítica 209

Um exemplo final dessa relação nos traz de volta aos meados


dos anos cinqüenta, e ao nosso relato seqüencial das relações favela-
burocracias, sendo o próximo período significativo o do regime de
Kubitschek. 0 indivíduo em questão é uma das poucas figuras nes
sa história que tentou abrir canais para o desenvolvimento das fa
velas e cedeu algum poder de decisãoaos favelados. O falecido
Geraldo Moreira, Secretário de Agricultura na primeira adminis
tração de Negrão
to Federal, e aindademais
Lima, em deputado
tarde 1956-57, depois
estadualvereador no Distri
na legislatura da
Guanabara, foi um dos mais bem falados políticos nas favelas da
Zona Norte do Rio (uma área densamente industrial, com exten
sas zonas de habitação proletária e muitas favelas enormes). Essas
favelas da Zona Norte abrangiam uma percentagem significativa do
total da população favelada da cidade.24 Havia uma certa identifi
cação com Geraldo Moreira porque ele era do Partido de Getúlio
Vargas, o p t b , mas também porque cie realizara as promessas de
sua campanhaantes das eleições — um fenômeno raro. Não há
dúvida de que ele seria capaz de utilizar sua posição administrativa
para obter vantagens políticas. Todavia, na mesma época, ele es
tava preocupado de maneira geral com o problema das favelas e
expressara pontos
nifestara mais de vista
fé nas agudos dos
capacidades e realistas
própriosacerca dele. das
moradores Ele fa
ma
velas para urbanizar e utilizar recursos do que nas instituições do
Governo. No estudo do sàgmacs (Pt. I. 1960; 38, col, 3-4), ele é
apresentado como tendo dito:
“ A grande maioria da população da favela é auto -suficiente,
carecendo tão somente de orientação, apoio e boa-vontade das auto
ridades (e ) há solução para sa favelas, masnão são as autoridades
que resolverão o problema — nem a Fundação Leão XIII nem a
Cruzada São Sebastião, nem qualquer outro órgão de serviço social.
A solução deve ser procurada pelo próprio favelado.’1
O primeiro passo na promoção do desenvolvimento da favela,
segundo Geraldo Morei ra, era dar terras aos moradores. A suges
tão é feita pela primeira vez em 1952 à mencionada Comissão Na-
24 Info rm ante s de todas a s 8 favelas da Zon a Nor te visitadas falaram
de Geraldo Moreira como um dos poucos políticos sinceros e bem-inten
cionados dos últimos anos. Suas atitudes com relação a outras insti
tuições opera ndo nas favelas nos par ece também perspicaz, sagmacs
(Pt. II; 38, col. 4) conta que Moreira acha que tanto a Fundação Leão
X III com o a Cruzada São Sebastião (um ór gão privado de serviço social
organizado pela ala esquerda da Igreja católica no Rio, sob a direção de
D . Héld er Câm ara) contribuem para aumentar a “ miséria deliberada17
(das favelas) e gastam dinheiro público sem produzir soluções para ó
problema . ; * .. . .
210 A S ociologia do B rasil U rbano

cíonal de Favelas para “expropriar aquelas terras nas quais as fa


velas se localizam, instalar água, luz e esgotos, loteá-los e distribuir
esses lotes, gratuitamente e de escritura passada, aos favelados que
possam construir suas próprias casas num período de 5 anos, de
acordo com as posturas municipais e os padrões de construção pro
letária ( sagmàcs , Pt- I, 1960:38 col. 4).
Geraldo Moreira, então, serve duplamente como exemplo: pri

que mais
meiro, como
tarde
umé elo
capaz
importante
de beneficiar-se
nas relações
de suas
favela/administração
atividades no cargo
administrativo oficial para ganhar apoio eleitoral substancial, e en
tão continua a cortejar, embora genuinamente, seu eleitorado atra
vés dos meios abertos aos legisladores eleitos —alocação de fun
dos legislativos paia serviços urbanos limitados em favelas selecio
nadas, assistência para conseguir registrar legalmente as associações
da favela. Segundo, a popularidade e relativa (embora limitada)
eficácia de um Geraldo Moreira nos últimos anos da década de
1950 e primeiros da de 1960 expressaram um certo tom dos tempos
de Kubitschek que prosseguiu nos anos de Goulart. A ideologia
de desenvolvimento nacionalista do período implementada nos mais
elevados níveis do Governo trouxe consigo a receptividade geral a
apelos
gas.5 populares
15 Isso que ao
refletiu-se haviam marcado
longo dos o segundo
anos de período
Kubitschek numadeexVar
pansão do voto proletário urbano, em parte devido à alfabetização
ampliada, à melhoria no sistema eleitoral, à abertura de canais para
a participação política relativa das massas urbanas,
à sua
e participa
ção através do trabalho e consumo no grande surto econômico na
cional e nacionalista daqueles anos. Este voto ampliado deve ser
lembrado no exame dos acontecimentos dos anos 1960.
Em 1956, foi aprovada uma lei autorizando o Ministério da
Justiça e do Interior a alocar fundos a órgãos que lidassem com
favelas em 4 cidades brasileiras — Rio, São Paulo, Recife, e Vitó
ria —^para a melhoria das condições habitacionais nas favelas da
quelas cidades. Mais específicos para o Rio eram dois dos artigos
( 5 e 6 ) (favelantes)
radores que davam proteção aos moradores
que os ameaçavam comdas favelas dara
expulsão contraextor
explo
quir dinheiro.20 Nos dois anos que se seguirama data de publica
ção da Lei, todas as expulsões de favelas do Distrito Federal esta
vam proibidas. Aos favelados, era garantida a continuidade da
25 C om o men cionam os na nota 12, a maioria da s pessoas abaixo de 36
anos citou o nome de Kubitschek.
26 Lei n.o 2875, 19 de setembro, 1956» publicada no Diário Oficial (Fed),
seção 1, ano XCV. no 220, 24 de setembro de 1956. Para uma discussão
da seção d» lei específica do Rio, ver Meuren (então advogado do ser-
p h a ) , 1959.
F avelas e C omunidade P olítica 211

moradia em suas casas enquanto nao recebessem uma casa construí


da com os fundos que essa lei provia. Meuren (1959) viu a lei
como uma forma efetiva de combater o problema da favela, porque
aqueles que estavam anteriormente interessados em explorar os fa
velados não mais achariam tais interesses lucrativos; a ameaça de ex
pulsão não seria mais efetiva.
Uma vez que o cargo de prefeito do Distrito Federal era uma
nomeação
tiam a postu federal, a política
ra ideológica do e Governo
as açõesnacional,
desse cargo sempredorefle
A criação
SERFHA (Serviço Especial de Recuperação de Favelas e Habitações
Anti-Higiênicas)27 na primeira Administração do nomeado de
Kubitschek, Francisco Negrão de Lima (1956-57) era um exem
plo. 0 serfha era um novo ponto de partida em muitos aspectos.
Primeiro como seu nome indica,tratava não apenas dos “can
cros” visíveis (Seminário, 1967: 76) na paisagem, as favelas, mas
também daqueles característicos das áreas pobres menos visíveis e
geralmente muito piores — cortiços, casas d e côm od os ou ca beça s d e
porco, vila e avenidas^ e, de um modo geral, áreas decadentes da
cidade legalmente constituída.
Segundo, ele buscava coordenar vários órgãos municipais
numa tentativa de reduzir o paralelismo de esforços e a falta de
comunicação entre eles, tão característicos das administrações an
teriores, como mencionado anteriormente. Foram unificados ór
gãos tais como o Departamento de Higiene, a Fundação da Casa
Popular, a Polícia de Vigilância, o Departamento Sanitário e a
Fundação Leão XIII.
Terceiro, ele tinha a filosofia de não ofender a dignidade dos
favelados. “ 0 fator básico, do nossoponto de vista, é que os mora
dores das favelas concordem em trabalhar espontaneamente [com
o serfha ] sem nenhuma imposição da parte de técnicos ou do po
der público” (Perucci, 1962:40).28 O decreto que estabelecia o
serfha exigia a criação de cooperativas de habitação para morado
res das
riam favelas adosprodução
na redução de materiais ede
custos habitacionais, construção que de
o estabelecimento ajuda
es
colas profissionais para moradores da favela não qualificados.

27 De cre to n.° 13.3 04, 28 de agosto, 1956, publicado no Diário Oficial


( D . F . ) , seçã o II, ano X IX , n.° 19 7, 29 de agost o, 19 56, pp. 7655-7656.
28 Perucci, 1962, relata sua colaboração com a equipe do serfha quando
este desapareceu na recém-estabelecida Secretaria de Serviços Sociais do
Estado d a Guanabara, q ue também abso rveu a Fundação Leã o X I I !, a
qual, todavia, manteve seu nome e atividades. Para um completo traçado
de todos os programas sugeridos pelo conselho técnico do serfha , ver
Duprat, 3958.
m A S ociol ogia do B rasi l U rbano
L*

Os primeiros anos de existência do serfha soh a administra


ção do Distrito Federal distinguiram-se por apenas uma tentativa
de suprimir novas construções na favela através do Serviço de Re
pressão de Construção. Nesses anos, oserfha sofria de típica falta
de fundos. Em 1958, uma alocaçãocapacitou-o para começar a es
tabelecer postos nas favelas em que a Fundação Leão XIII não es
tivesse operando. A obra mais positiva doserfha — sua filosofia
de ajuda
dores aos moradores
julgassem da —
mais válidas favela nas ou
só começ formas que os próprios
a se materializar mora
depois
que o Distrito Federal tornou-se Estado da Guanabara serfha e o
tornou-se parte da Coordenação de Serviços Sociais do Estado, che
fiado, por José Arthur Rios. Um primeiro objetivo desta última
versão doserfha era capacitar o moradorco m o tal a ganhar certa
independência para tratar com as autoridades estatais em vez de ter
de depender de favores de políticos que eram efetivos apenas oca
sionalmente, e de forma não sistemática. Foi precisamente esse obje
tivo que acarretou o fim dosekfha (Leeds, entrevista com Rios,
25 de agosto, 1969).
0 apelo e o tema do serfha , expressos nafrase “Operaçao Mu
tirão”, eram de cooperação entre o órgão e sa favelas. Nesse tra
balho conjunto,seas encontrariam
presentantes favelas deveriam organizar associações
regularmente cujos re
com o pessoal do
serfh ^ , o qual, por sua vez, deveria dar orientação quanto à orga
nização, informação legal, assistência financeira, social, e outras
formas de ajuda técniçai^ Com a ajuda de Rios e de outros mem
bros da equipe doSERFHA, foram organizadas asssociaçÕes em 75
favelas. Cada associação assinava um acordo com o órgao (ver
Apêncice I). Por um período de muitos meses, em 1961, Rios e
sua equipe mantiveram encontros semanais com_o^ representantes
de nove favelas diferentes a cada semana, ajudando a resolver pro
blemas legais ou dando assistência técnica na instalaçã o ^ .luz,
água, redes de esgoto, pavimentação de ruas, etc. ou na alocação —
dos Jixnitados recursos disponíveis.30

( 20J R ios, 196 1, A palavra “ mutirão” , de aco rdo com Rio s, vem do B rasil
rural e significa solidariedade de vizinhança e ajuda mútua. E. Leeds assis
tiu a dois dess es enco ntr os em 1961. A ansiedade dos representantes (p re
sidentes) das associaç ões das favelas em particip ar da organ iza ção de suas
próprias vidas e adquirir conhecimento útil pra fazê-lo era notável. Foi,
obviamente, graças à dedicação de Rios e de alguns membros de sua
equipe que Leeds fez suas primeiras visitas às favelas, assistindo a reuniões
d&jima associação de favela e ao mutirão em funcionamento.
30 Co mo exem plo de tipos de problema s resolvidos, ver Ò Mu ti r ão (Bole
tim Informativo do serfha, n.° 1-4 de outubro, 1961. Era um boletim
informativo distribuído em todas as favelas para ampliar as comunicações.
F avelas e C omunidade P olítica 213

Deveria ser observado que os esforços de Rios eram genuina


mente aceitos e altamente considerados pelos líderes da favela envol
vidos com o serfha . Os líderes que entrevistamos, nas favelas em
que o SERFHA havia sido ativo, foram unânimes em elogiar as ten
tativas de Rios para a abertura de canais entre as favelas e o Esta
do; em tratar os moradores da favela com dignidade, reconhecen
do suas capacidades, habilidades e humanidade; e em criar soluções
locais viáveis para a habitação e problemas da favela relativos a ela.
Essa comunicação efetiva teve um fim abrupto cm maio de
1962, quando Rios foi demitido por Carlos Lacerda, em meio a uma
onda de protestos públicos (todos os jornais do Rio, 17-24 de maio
de 1962), O contraponto político que envolveu o incidente éindi
cativo da visão essencialmente elitista dos legisladores da Guana
bara e do Governador Carlos Lacerda, apesar de suas declarações
anteriores na “ Batalha do Rio” de 1948, e marca o fim de um pe
ríodo de diálogo relativamente aberto entre favelas e Governo. Tra
tava-se de um final que, embora súbito, deve ter sido plauejado por
Lacerda e pelos interesses aos quais se ligava, porque, como será
descrito adiante com mais detalhes, o Estado empreendeu uma ex
tensa reorganização administrativa que começou precisamente na
época em que Rios foi demitido, o ressurgimento da Fundação Leão
XIII. Qualquer tentativa de dar um órgão corporativo às favelas
na forma de uma
dependência pessoa
política era,éjurídica e, desse
evidente, modo, garantir-lhes
mais ameaçadora a in
e prejudi
cial aos legisladores que dependiam das favelas para apoio nas elei
ções e que, na verdade, usavamas favelas como um “curral eleito-
ral5\31 Isto foi de certa forma semelhante ao ef eito da introdução
do bem-estar social no sistema de empreguismo políticos nos Esta
dos Unidos. À altura de maio de 1962, alguns legisladores poderosos
sentiram-se ameaçados o suficiente pára pedir a demissão de Rios,
e Lacerda obedeceu.
Dessa forma, foi suspenso o início de um intenso e prolonga
do esforço para quebrar os modos tradicionais de controle das mas
31 Rio s conta o caso de um con he cid o deputado da Guan abara que
dependia do Parque Proletário da Gávea para grande número de votos.
Numa tentativa de tirar o Parque da Gávea de seu rígido controle pelo
sistema de patr onagem, R ios deslocou o administrador do Parqu e, que
era seu cabo eleitoral local, ou seja, trocava favores especiais com os mora
dores por votos para seu patrão. O deputado, cuja mulher era uma assis
tente social da Goordenação de Serviços Sociais, o próprio órgão de Rios,
visitou o Parque num domingo e disse a seus moradores que nada havia
mudado, que eles não levassem em conta a mudança no pessoal, e ainda
prometeu favores relevantes para a vida do Parque. Embora o Governa
dor Lacerd a tive sse sido not ificado rios acontecim entos, ele ach ou que
não podia mexer no deputado e, em vez disso, demitiu a mulher»
214 A S oc i ol ogi a do B rasil U bbano

sas urbanas pelas elites, que as tratavam como dependentes, clien


tes e crianças cabeçudas precisando de “ orientação” e “ condução
moral”. Rios, com sua equipe, baseando seu trabalho com os fave
lados na rigorosa descrição sociológica por ele dirigida — o relató
rio do sagm acs — tentou criar condições nas quais grande parte
da população urbana, há muito sujeitada e submergida pelos ins
trumentos políticos e administrativos da elite, poderiam agir com
responsabilidade e independência econômica, social e política, e ao
mesmo tempo melliorar a infra-estrutura física de áreas significa
tivas da cidade pela melhoria da habitação e instalação de sistemas
de água, esgotos e luz por conta própria, em cooperação com o Es
tado. Essa forma de trabalho nãopropiciava muitas vantagens para
a construção; não se apropriava da terra ocupada por favelas situa
das em áreas valorizadas da cidade para usos mais lucrativos e es-
pecultivos; nao trazia para os cofres do Estado grandes subsídios
ou empréstimos para programas de construção de órgão tais como
a Agência Internacional de Desenvolvimento (aid) ou o Banco
Interamericano de Desenvolvimento ( b i d ) , que tendiam a fomentar
tais programas apoiando dessa forma grupos de interesses ligados
aos mercados de construção habitacional e de capital; desencoraja
va “ currais
torado eleitorais”. munido
independente, Todavia,deeleimportantes
abriu as portas para um legais
informações elei e
organizado em seu interesse próprio, além de numeroso, sobre o qual
o controle de qualquer político partidário ou grupo político seria
muito difícil. Em termos de continuidade docontrole de elite e de
classe — do qual, argumentamos, Lacerda era um agente — Rios
e seu programa tinhamque sair de campo,e assim o fizeram.

A. Er a do Co nt r ole Re n ovado , Er r a d i ca ção e Repressão


Os meses restantes de 1962 assistiram a tuna completa reorga
nização dos serviços sociais do Estado.serfha
O foi desfeito e, em
agosto, suas funções passaram ao Serviço Social das Favelas e suas
atividades físicas para o Departamento de Recuperação de Favelas
( d r f ) . 0 Serviço Social, por sua vez, autorizou cada administra
ção regional a tratar de suas próprias favelas, exceto em caso de
presença da Fundação Leão XIII32, que Lacerda, por uma série de
manobras, havia transformado em dezembro de 1962 de status seu
pré-1960 como pessoa jurídica privada operando sob o controle e
financiamento do Estado numa subordinada inoperante cohab da

32 De cret o n.° 1.16 2, 30 de agost o, 1962, publicado no Diário Ofíclal


( q b ) , 3 de setembro, 1962, pp. 19,627-19,628.
F avelas e C omunidade P ol í ti ca 215

(Companhia de Habitação Popular,3;í e em 1964, em um órgão


estatal semi-autônomo subordinado à Secretaria de Serviços Sociais
(entrevista com Josefina Albano, 1966). Também foram incluídos
sob a Secretaria, na extensa reorganização posterior da administra
ção do Estadofeita por Lacerda,4 em dezembro d e 1962, a cohab,
o d r f e o antigo Serviço Social.
A criação da COHAB inicia uma era de erradicação na política
relativa à favela tanto estadual quanto nacional, apesar dos objeti
vos expressos
construir casas da
e, com a de
cohab
assistência
ajuda às favelas
da subordinada para melhorar,
Fundação Leão XIII,
urbanizar. A criação de uma autoridade de construção habitacio
nal de baixo custo podia apenas significar uma intenção de cons
truir casas de baixo custo em grande escala. Sugeriu-se que a
cohab foi criada, em parte, para arrecadar uma soma considerável
de dinheiro através do Acordo do Fundo de Trigo Estados Unidos-
Brasil, dando assim ao orçamento do Estado da Guanabara um au
xílio significativo em dinheiro isento de taxas. Essa observaçãoé
de especial interesse em vista da criação do Conselho Federal de
Habitação, em 25 de junho de 1962, pelo Governo Goulart (De
creto Federal n.° 1, 281, 1962).
As cláusulas do decreto parecem orientar-se, em primeiro lu
gar para a ahertura de canais ao pobre (Art. 2, I e X, Art. 3,
Parag. 4), provavelmente uma continuação do populismo getulista
33 A Companhia de Habitação Popular do Estado da Guanabara , nome
completo do órgão, é tomada aqui como a Autoridade em Habitação do
baixo custo porque a palavra “popular” significa corretamente “das mas
sas” ou “ classe baixa” , “ Au toridad e” é utilizada porque é o que ela é —
um órgão estadual (e após 1964 nacional, mas organizado a nível esta
dual) com a maior autoridade para construir casas e autoridade secundá
ria para fazer uma série de outras coisas, inclusive, por vezes, o trabalho
social julgado necessário na remoção das favelas para preparar sua popu
lação inculta para a residência nas casas da cohab. O termo “companhia”
refere-se a uma forma jurídica de organização — um estratagema chamado
“companhia mista”;, isto é, com paTticipação tanto privada (em 1962 e daí
em diant e, for temente con trolada pelo grupo de Lacerda) quanto públic a — ,
o que, pel a lei brasileira, per mite ao órgã o faze r coisa s que um ó rgã o do
Esta do formalmente não pode fazer — por exem plo, expropriar , comprar
evado.
possuir
Esseterras, uma
estatuto função,
jurídico foi assim porquedesemprestatus
o cremos,
necessário foi o de seu setor
objetivo da pri
cohab desenvolver extensos projetos, exigindo grandes parcelas de terra
de propriedade privada, qu e ela mai s tarde parcelar ia em lotes. A maioria
das construções e financiamentos da cohab , mas não toda, foi de casas
de baixo custo; ela também construiu casas de classe média, bem como
edifícios no bairro da Glória que haviam sido destruídos pelas chuvas
de 1966.
34 Lei n.° 263, 24 de dezembro de 1962, publicada no Diário Oficial (gb)
a 24 de dezembro de 1962, pp. 26,907-26,914.
A S ociol ogia do B rasi l U rbano

Bem como parte da tentativa multifacetada do Presidente Goulart


He lançar uma base política firme no seio do proletariado urbano,
especialmente durante o período em que foi bloqueado pela impo
sição do parlamentarismo. Segundo, parece orientar-se no sentido
do estabelecimento do controle federal sobre o dinheiro vindo do
"’'exterior, uma característica importante nas jogadas de poder polí
tico no Brasil, quando era possível aos governadores estaduais —
como Lacerda e Aluísio Alves — agir como chefes de pa íses sobe
ranos para aünidos)
(os Estados obtenção(ver
de At.
empréstimos
2-III, XIII,deParágrafo
outras nações
único).soberanas
O
Conselho Federal de Habitação deveria também encorajar a pesqui
sa habitacional (Art. 2-VII, VIII) e criar pessoal técnico.
A criação da COHAB pode ser vista como uma resposta à cria
ção do Conselho Federal de Habitação e suas cláusulas porque, num
sentido formal, foi organizada para fazer exatamente as coisas esta
belecidas pelo decreto federal. Ao mesmo tempo, ela criava, num
sentido informal, um corpo independente sob o controle de Lacer
da (cujo vice-governador, Rafael de Almeida Magalhães, e o genro,
Flexa Ribeiro, controlavam 49% da percentagem permitida a acio
nistas privados) com acesso direto às massas proletárias urbanas que
ele tentava mobilizar desde a “Batalha do Rio” , em 1948. À cohab,
que, por seus estatutos, podia receber subsídios, forneceu uma base
organizacional para a constituição de uma oposição às forças de
Goulart. Essa base foi fortalecida e expandidapela captura e in
corporação da Fundação Leão XIII ao aparato do Estado nos vá
rios movimentos de 1960, 1962, e 1964. O serfha, como expres
são dos regimes de Kubitschek e de Quadros (sendo que com o par
tido do último, a u d n , Lacerda havia também chegado ao poder
como governador) representava uma base remanescente da amea
ça das massas urbanas ao controle político de Lacerda. Ele foi des
feito, uma vez que sua política significava uma crescente indepen
dência e participação do proletariado nas decisões políticas e sócio-
administrativas, um desenvolvimento antagônico aos interesses re
presentados por Lacerda: partido, Igreja, negócios e os seus pró
prios.
entreVoltemos
Lacerdaaoe acordo do Fundo
a Agência do Trigo. Ospara
norte-americana termos do acordo
o Desenvolvimen
to Internacional especificavam que, sob o título 1 da Lei 480 da
República dos Estados Unidos, da América, um bilhão de cruzeiros
(US$ 2.857.000) obtidos pela venda de produtos agrícolas ao
Brasil seriam usados para a urbanização parcial de algumas favelas,
para a urbanização completa de uma grande favela, para a constru
ção de 2.250 casas de baixo custo, para a “ reacomodaçao” dos mo
F avelas e C omunidade Po l í ti ca 217

radores das favelas, e para a construção de um grande posto de


Saúde numa distante região do Estado. 0 Estado da Guanabara
também contribuiria com 3 % de sua renda anual (u sis, 19 62 ).
Deve-se observar que um pedido anterior de dinheiro ao Banco Tn-
teramtsricano de Desenvolvimento, feito em maio, 1961, não havia
sido aceito na época do acordo com a AID (Fundação Leão XIIIt
1962: s/d).
A. jogada de Lacerda para a obtenção de apoio internacional
egrande
a tentativa,
escala àdasqual se deu
favelas grande
e sua publicidade,
posterior remoçãodedevem
construção em
ser vistas
no contexto da política nacional brasileira de pré-golpe, nos inícios
dos anos 60. Interessado na presidência, Lacerda, o ex-jovem jor
nalista radical, julgou oportuno seguir uma linha mais conserva
dora nos anos 60. Rios (1964:168) observa:
“ A candidatura de Carlos Lacerda para a presidência da Re
pública, num contexto claramente anti-reformista e de direita, mo
bilizando grandes recursos, parece anun ciar. . . a fusão de parti
dos do centro em torno de seu nome, numa reformulação das po
sições conservadoras que tendem a ir para os extremos de modoa
facilitar o ataque aos adversários,”
A coincidência parece sugerir que Lacerda já buscava a presi
dência desde os fins de 1961, ou em 1962 (ver Skidmore, 1967:
274, et passim).
Apesar de seu encargo, através do Acordo do Fundo do Trigo
da AID (ver Apêndice II), de reconstruir e urbanizar bem como de
erradicar as favelas, declarações em documentos da cohab criticam
as administrações anteriores por não terem pensado em termos de
erradicação, sugerindo que a erradicação era a única política rea
lista.
“ Depois de 1955, o Estado voltou seus olhos mais uma vez
para o problema. Criou vários órgãos e instituições que tentaram
por várias formas e meios minimizar os efeitos das pressões sócio-
econômicas que atuaram sobre a população favelada. Nenhum de
les tinha como objetivo a erradicação dessas aglomerações. O atual
governo (Lacerda) foi o primeiro a enfrentar o problema em ter
mos de
Foierradicação”
( g b , cohab
dado amplo apoio econômico
, 1963 - 65:4).
e institucional à política de
erradicação com a criação, em 1964, após o golpe militar, do Ban
co Nacional da Habitação ( b n h ) , com Sandra Cavalcanti, primei
ra secretária de Serviços Sociais de Lacerda, e primeira presidente
do b n h (L ei 4 .3 80, 21 de agosto de 19 64 ). A orientação do b n h
era decididamente a da escola monetarista do Ministro da Fazenda
Roberto Campos (que, em conexão com o ipea — Instituto de
218 A S ociologia do B rasil U rbano

P esquis as Econômicas e Aplicadas, e conselheiros americanos propôs


a idéia de um esforço habitacional maciço como forma de dar im
pulso a economia e que foi instrumento da criação de um banco da
habitação); os monetaristas baseavam o planejamento e a ação pre
dominante em políticas fiscais mais do que nas institucionais, ca-
'"racterístieas dos anos de Kubitscliek e de economistas como o Mi
nistro do Planejamento Celso Furtado, diretor anterior da Superin
tendência de Desenvolvimento do Nordeste e economista temporá
rio do0 grupo ecla .
Banco, operando no interior desse quadro, argumentava que
colocando grandes somas de dinheiro, como política fiscal de inves
timento, na habitação iria ( a ) criar muitos empregos; ( b ) contri
buir para elevar os níveis de qualificação dos trabalhadores, e conse
qüentemente a produtividade; ( c ) estimular a indústria nacional35;
(d ) estimular a indústria do aço; (e ) reativar o mercado de capi
tais, que durante^ um longo período de tempo antes de 1964 estive
ra notadamente em depressão, por causa da manutenção das leis de
controle de aluguel pela Administração Federal — ambas medidas
populistas e tentativas de manter suficientemente baixos os custos da
habitação disponível para acomodar a contínua migração para as ci
dades. 0 efeito havia sido, todavia, o de desencorajar novas constru^
ções — uma combinação de circunstâncias 0 BNH, desta forma, ar
gumentava quefavela”
“ problema da a construção
além de decontribuir
habitações em massa resolveria
poderosamente para o re o
nascimento da economia — em má situação, segundo o b n h , desde
as desastrosas políticas de Joao Goulart (e mesmo em razão delas),
mas segundo economistas como Werner Baer, desde os fins dos anos
50, por causa dos processos a longo-prazo de superexpansão das ca
pacidades de produção em relação aos mercados consumidores. Para
alcançar esses objetivos, percebia-se também como essencial a elimi
nação da duradoura inflação — o monstro monetarista — cuja
abrupta subida em 1963 foi também atribuída a Goulart e tem sido
enganosa e sistematicamente utilizada como base para a comparação
de cada administração desde 1964. Enquanto a inflação estava sen
do controlada, instituições especiais, tais como a “ correção monetá
ria” , que mantinha o valor dos capitais investidos, foram utiliza
das pelo BNH.
Pouca reflexão e ainda menos pesquisa foram dedicadas à ca
pacidade dos moradores da favela para pagamento do “ embrião” cons
truído pela cohab , ou das casas mínimas nos projetos habitacionais
como a Vila Kennedy. A capacidade de pagar era, e ainda é, con
35 Para discussão dessa linha de pensamento, ver “ Construção Civil absor
ve 30% da mão-de-obra do país”. Agente 2(6):22-29I1968.
F avelas e C omunidade Po l í ti ca 219

cebida como uma simples função percentual da renda familiar, e


não como uma complexa política de alocação a longo prazo levada
adiante pela família. Assim, por exemplo, a inclusão da “ correção
monetária” — uma contínua correção na som a paga sobre amortiza
ções das casas inacabadas e em apartamentos, baseada na taxa de
desvalorização do din heiro — nos pagamentos de amortização pro
duziu mais ou menos um acréscimo de 60% nos pagamentos dessas
casas mínimas, porque as políticas de financiamento a longo-prazo
para pessoas
absoluta, bemdecomo
baixorelativa,
nível de do
renda sempre
custo consideraramonde
dos pagamentos a quedanão
houvesse “ correção ” num sistema de pagamento por prestação. O
problema tornou-se mais grave em virtude do fato de que, desde
1964, os aumentos salariais não foram concedidos nem na mesma
época, nem na mesma medida em que o custo de vida aumentava.
Essa situação deriva diretamente do salário nacional, do con
trole da inflação e das políticas de investimento dos governos mili
tares da forma como são realizadas, no caso em questão, através do
órgão estatal da cohab e, mais tarde, através dele e da chisam
(ver adiante), ambas capazes de usar a política ou a força militar
quando necessário. Os interesses imediatamente ligados a essas po
líticas eram os da indústria de construção e dos mercados de capi
tal, ambos tendo apoiado vigorosamente Lacerda e as políticas na
cionais.
Além disso, nem a cohab , nem Lacerda refletiram sobre o fato
de que remover famílias faveladas para enclaves proletários isola
dos, distantes dos mercados de trabalho da cidade, criaria uma forte
pressão econômica sobre famílias cujos orçamentos já eram estica
dos até o limite máximo. Produziriam também fortes pressões so
ciais devido ao tempo de transporte necessário para chegar ao tra
balho, de modo que os homens geralmente permaneceriam na cida
de durante a semana. Muitas famílias removidas de favelas para
vilas desfizeram-se, tendo os homens encontrado novas famílias, vol
tando a inchar outras favelas, permanecendo suas mulheres isola
das, sem trabalho e com crianças, ou tendo voltado para favelas na
cidade.
Nesta são
as favelas última etapa davistas
novamente história da aberrações
como relação favela-administração,
sociais nocivas, de
vendo ser removidas do playground de elite da “ gente fin a” (ver
nota 11, ( d ) (e ) e ( / ) e a discussão de texto da Fundação Leão
X III adiante)* As poucas tentativas de oposição a essa política en
contraram reação vigorosa e efetiva por parte dos órgãos governa
mentais tanto a nível estadual como federal, como descreveremos
abaixo.
220 A S ociologia do B rasil U rbano

As realizações mais notáveis da cohab encontram-se na área


da remoção e transferência das populações faveladas e da constru
ção das vilas Kennedy, Aliança, Esp erança e Cidade de Deus ( ! ! ) ,
embora tenha havido algumas tentativas ao longo de 1965 de ur
banização in loco de algumas poucas favelas.30 Uma das duas pri
meiras favelas a serem removidas pela cohab foi a do Morro do
Pasmado, localizado numa área turística por excelência com vista
para a Baía da Guanabara. Correu amplamente o rumor de que essa
favela extraordinariamente visível foi removida para dar lugar a
um Hotel Hilton, e, com efeito, o Relatório Geral da c o i i ab lista*
entre seus projetos, “ Morro do Pasmado — construção do Hot el”
( g b , cohab , 1963-65:27).
A reação da população favelada às remoções iniciais e a amea
ça de novas remoções foi muito negativa. O estudo de Salmen, fei
to em 1966, relata um grau significativo de insatisfação por parte
dos moradores da favela removidos para as Vilas Kennedy e Alian
ça (Sa lmen , 1 96 9). 0 fracasso do candidato de Lacerda na elei
ção governamental de 1965, Flexa Ribeiro, seu contraparente*
parece ser, em grande parte, atribuível a essa reação negativa.

36 Na maior fav ela do Rio , com cerca de 80.000 hab itantes, a lac are -
zinho, planos para urbanização em larga escala foram implantados (ver
GB, cohab , 1963-65:78), incluindo a instalação de redes de água, esgotos
e galerias de águas pluviais. Na época em que a cohab deixara a favela,
parte de uma das ruas principais havia sido ampliada às expensas de algu
mas casas ao longo da rua, cujos proprietários viram o nível da rua tor
nar-se mais alto do que as suas portas de entrada e janelas, impedindo a
entrada, a ventilação e a luz. Milhares de metros de canos de água, arma
zenados em 1965, esperando para ser em instalados, usados co m o play-
grounds pelas crianças, ainda estavam nas ruas da favela em dezembro
de 1969, quatro anos e meio depois de nossa ú ltima visita lá. A urbani
zação da Favela Vila da Penha foi amplamente completada em 1965 {ibidT
p. 12). Na mesma época, as remoções das favelas prosseguiram apressa
damente como se segue (até junho, 1965; remoção total: T; parcial: P;
família: F; uma família, cerca de 5 pessoas): Vila da Penha (P, 180F);
Bom Jesus (T, 510F); Vila do Vint ém (P ); Álvaro Ramos (T, 25F );
Ponta do Caju (T, 30F); ccpl (T, 118F); Timbó (P, 104F); Morro São
Carlos (P, 253F); Avenida Brasil (P, 15F); Moreninha (T, 35F); Que
rosene (P, 210F);(T,
1961. Pasmado Morro dos Getúlio
911F); PrazeresVargas
(P, 10F);
(T, todas
113F);asMaria
precedentes
Angu em
(Tt
460F); João Cândido (T, 665F); Maneta (T, 41F); Conjunto São José
(P, 20F); Vila do sàse (T, 11F); Macedo Sobrinho (P, 14F); Del Casti
lho (P, 9F); Marquês de São Vicente (P, 32F); Ladeira dos Funcionários
(P, 8F), todas em 1964. Brás de Pina (P, 366F); Turano (P, 34F); Rio
Joana (T 23F ); M orro do Quieto (P, 46F); Pra ia do Pinto (P, 20F );
Favela do Esqueleto (2027F, 800 dos quais em 1961). Total 6290F ou
cerca de 31.000 pessoas ( g b , oohab , 1963-65, pp. 12-18).
F avelas e C omunidade P olítica 221

O maior número de votos contra Flexa Ribeiro foi sistematica


mente das áreas proletárias que incluíam o maior número de fave
las. A distribuição estatística reforça as impressões que tivemos em
algumas favelas a partir de entrevistas, sendo praticamente todas
explicitamente anti-Lacerda, contra o governo nacional militar a
quem ele e as dificuldades econômicas estavam associados, a seu
ver, e, evidentemente, contra o “ pupilo” de Lacerda, Flexa Ribeiro.
0 resultado da eleição de 1965 na Guanabara foi o de trazer
ao governo Negrão de Lima, um governo cujo apadrinhamento
p t b - p s d tornou-se oposição ao Governo federal e, por implicação, a
suas políticas expressas a nível estatal. Este reagiu imediatamente,
em crise, suprimindo todos os velhos partidos políticos e criando a
miragem do aparente sistema bipartidário atual.
As privações, que atingiram não apenas os entrevistados no es
tudo de Selmen, mas também os milhares de removidos desde 1966,
são de natureza econômica, social e emocional. Um breve estudo
de caáo de dois tipos de problemas tipicamente encontrados ilustra
rão essas dificuldades. A família que descrevemos está talvez em
melhor situação do que muitas retiradas à força das favelas, mas
seus problemas são típicos. Sua favela situava-se numa área de eli
te do Rio, mas com um pequeno enclave de indústrias com salá
rios comparativamente bons e algumas embaixadas requerendo tra
balho doméstico. Eduardo, 29 anos, ia a pé para o seu trabalho
numa fábrica têxtil; trabalhava de 16h. à meia-noite, ganhando
três salários mínimos na fábrica. Esse horário lhe permitia ter uma
série de trabalhos secundários (biscates, ver Silberstein, 1969) como
pintor de casas em suas horas vagas pela manhã, Vilma, sua mu
lher, 26 anos, ia também a pé para seu trabalho matinal como em
pregada numa embaixada, o que deixava livres as suas tardes para
dar almoço a seu marido e tomar conta de seu filho de 4 anos e de
sua sogra idosa e doente que morava com eles. Nao pagavam alu
guel, tendo construído a casa, e, com o salário de ambos e uma pe
quena pensão de sua mae, podiam se virar, sendo os gastos princi
palmente para alimentação, abastecimento doméstico, remédios,
peças de vestuário ocasionais, e alguma ajuda à mãe de Vilma. Em
março dehabitacional
conjunto 1966, a favela
numfoidistante
removida e a população
distrito colocadaduas
do Rio, exigindo num
Horas de viagem de ônibus, cada ida e volta, oito passagens de ôni-
bus^diárias (cerca de 50-60% de um salário mínimo), assistência
paga para o filho, o pagamento de uma amortização mais cara do
que eles podiam arcar, a redução dos biscates de Eduardo devido às
dificuldades de horário e o aumento da tensão emocional entre ma
rido e mulher porque seus horários sõ coincidiam aos domingos.
A S ociol ogia do B rasi l U rbano

Para muitas outras famílias, tal mudança significou também a


perda de uma parte ou de todo o salário da mulher, uma vez que
03 empregos domésticos mais bem pagos encontram-se apenas na
distante Zona Sul, longe dos novos conjuntos habitacionais. Além
disso, significou a perda do dinheiro de reserva obtido pelas cri
anças como carregadores para as matronas de classe média nas fei
ras da Zona Sul, ou como engraxates ou garotos de recados nas áreas
comerciais da cidade.
A era de erradicação, controle e repressão é também bem exem
plificada pela história e atividades da Fundação Leão XIII nos anos
60 e por suas subsidiárias de pouca duração, o bemdoc (Brasil-Es-
tados Unidos — Movimento para o Desenvolvimento e Organização
de Comunidade ).
Nos fins da década de 1950 e inícios dos anos 60, a Fundação
estava moribunda, tendo as suas atividades e muitas outras sido en
globadas pelo SERFHA e pela Coordenação de Serviços Sociais dirigi
da por Rios. Toda pequena atividade que a Fundação desenvolveu
havia sido, em sua maior parte, financiada pelo Estado (Berson,
1964:28). Assim, na verdade, ela já era instrumento do Estado?
Embora ainda existisse
cia conservadora de D. como
Jaimepessoa jurídica
de Barros privada
Câmara sob a influên
e possuísse ainda
oficialmente centros em um grande número de importantes favelas
eomo assinalamos anteriormente.
Esse status permaneceu durante os primeiros dois anos do Go
verno Lacerda na Guanabara ► Ainda não desemaranhamos total
mente a teia política de sua obtenção dessa agência em 1960, po
rém ela envolve entre outros os seguintes elementos. Lacerda já
havia sido intimamente ligado a Igreja e ao seu chefe da ala direi
ta no Rio, o Cardeal Câmara, em muitas questões políticas, especi
almente com relação às batalhas em apoio das escolas paroquiais
sob a nova lei nacional de educação (Maciel Barros, 1960:442,
504-522), enquanto ele era ainda deputado federal (ver, também
Skidmore, 1967:200, 299, com seus pontos de vista próprios).
Em segundo lugar, Lacerda assegurou a candidatura de Qua
dros à presidência da República, em 1959, pela legenda da u d n .
O próprio Lacerda — talvez, em parte, às custas de Quadros — ob
teve a vitória sob a legenda da u d n , embora essa aliança, como tan
tas de Lacerda, fosse provisória. Assim, Lacerda foi pioneiro numa
arena política nova — a cidade-estado do Rio de Janeiro, nao mais
um apêndice nacional como o Distrito Federal, mas um Estado au
tónomo, maduro, política e administrativamente igual aos outros
Estados.
F avelas e C omunidade P ol í ti ca 223

Desta forma, Lacerda chegou ao poder com o múltiplo apoio


da ala direita da Igreja e dos interesses corporativos de grandes ne
gócios, privados por um lado e, por outro, de um certo populismo,
derivado das posturas de Quadros no Governo e na campanha, e
das próprias declarações anteriores de Lacerda que pediam reforma
administrativa, bom Governo, e maiores benefícios para o povo. A
história dos cinco anos do seu Governo pode ser entendida noa ter
mos da predileção bastante clara de Lacerda pelo primeiro conjun
to de interesses, conexões e influências, a crescente e dissonante
oposição entre os dois conjuntos de interesses a nível federal duran»
te os regimes de Quadros e Goulart, o explícito e abrupto movimen
to em direção ao primeiro conjunto, começando com o golpe de 1964«
(n o qual — como na queda de Quadros — Lacerda, esperando al
cançar a presidência, desempenhou um papel ativo), e sua tentativa,
entre 1964 e a posse de Negrão no cargo, em 1966, de lançar raí
zes permanentes de poder na ampla população urbana, e especial
mente proletária, da Gunabara. A Fundação Leão XIII tem uma
história interessante com relação a esta seqüência. Como dissemos,
ela foi srcinalmente, e permaneceu até 1962 (ver Decreto [ g b ]
N.° 1041, 7 de junho de 1962) como uma instituição privada, esco
rada pela Igreja, para o bem-estar social. Como o Apêndice II in
dica,apoio
plo por volta de 1961
financeiro ela ehavia
estatal se tornado —7 do
da “ compreensão1 emCardeal
virtude Câmara
do am
— uin órgão estatal de facto. Lacerda escolheu este órgão ambigua
mente situado para representar o Estado e para ser o funil para a
verda da AI D fornecida pelo Acordo. Foi também designado como ór
gão para desenvolver atividades de urbanização. Assim, a organiza
ção privada, religiosa, de bem-estar social, estabelecida srcinalmente
com o objetivo principal de combater a influência comunista e ain
da supervisionar 34 favelas importantes, tornou-se, por curto espa
ço de tempo, o instrumento oficial de urbanização, e o receptor dos*
fundos internacionais concedidos ao Estado.
Na reforma administrativa geral de agosto/dezembro de 1962*
depois da demissão da Coordenação e da criação da Secretaria de
Serviços Sociais, aEstadual
cente Companhia FundaçãodeLeão XIII foiPopular
Habitação absorvida
da pela então reou
Guanabara,
GOHAB. Documentos da época são rotulados “ coHAB-Fundaçao Leão
X III” ou, ocasionalmente, vice-versa. No intervalo entre a assina
tura do Acordo do Fundo do Trigo e sua absorção pela cohab, a
Fundação havia começado a trabalhar na primeira das cidades pro
letárias — Vila Aliança — cujo estabelecimento, sob a direção da
cohab, já começara no início de 1963. Outros “ projetos” de “ vilas1’*
224 A S ociologia do B rasil U rbano

e o de urbanização da favela da Penha, listados no Acordo, foram


desenvolvidos sob a direção da cohab .
A cohab permanece, boje, como um organismo basicamente
habitacional. Sua relação específica com o Estado e, após 1964 —
com a fundação do BNH e sua divisão a nível federal (também
chamada cohab ) como autoridades em habitações de baixo custo —
com os governos federais, mudou muitas vezes. O que variou nessas
mudanças
estar social.foram suas atividades
A Fundação subsidiárias,
permaneceu comoporserviço
adormecida cerca de
de bem-
ano
c meio, mantendo em esqueleto serviços médicos e sociais em al
gumas favelas tradicionalmente sob seu controle, como uma espé
cie de ramificação de bem-estar social da cohab .
A renovação das atividades da Fundação Leão X III começa
ram com a proposta da AI D para um projeto de demonstração de de
senvolvimento comunitário baseado em pesquisa supondo que ( o )
as favelas continuariam a existir por muito tempo, {b ) a necessi
dade de fundos era inesgotável, ( c ) programas de desenvolvimento
comunitário poderiam ser feitos para a diminuição dos custos em
áreas pobres, e ( d ) com novas abordagens e práticas demonstrati
vas eles poderiam ter um efeito multiplicador significativo (Leavitt,
em Leeds, da
ao Estado 1966:1). A proposta
Guanabara atravésfoi,do eventualmente,
então Secretárioapresentada
de Serviços
Sociais de Lacerda, Sandra Cavalcanti, que lhe deu sua “ entusiásti
ca aprovação e subseqüente apoio” — com o aval de Lacerda, ao que
se supõe {ibid).
É interessante observar que a primeira formulação da propos
ta foi feita em outubro de 1963 — em meio às intensas atividades
populistas do Presidente Goulart e do Deputado Federal Leonel
Brizola, eleito pela Guanabara em 1962, embora tivesse poucas li
gações nesta, por um recorde de votos, na mesma eleição que trou
xe ao poder Elói Dutra, “ um franco op ositor de Lacerda” (S kid
more, 1 96 7:230) como vice-governador da Guanabara. Brizola es
tava presumivelmente desenvolvendo seu “ grupo dos onze” , exi
gindo mudança radical e atividades de esquerda no Brasil. Assim,
do ponto de vista de Lacerda, de seus objetivos políticos de sua po
lítica estatal, ele se confrontava com um vice-governador antago
nista, um deputado federal radical, da Guanabara, aparentemente
muito poderoso, ativo entre a população, e um presidente esquer
dista tentando radicalizar as massas urbanas. O “ entusiasmo” de
Sandra Cavalcanti, então, é mais do que compreensível, uma vez
que a ela, como agente de Lacerda, se apresentava uma proposta de
dirigir o dinheiro dos cofres do Estado, de criar um organismo
•cujas realizações redundariam em credito para o governador, en
F avelas e C omunídade P olítica 225

quanto neutralizariam o ônus das remoções de favelas já iniciadas


e forneceriam um canal adicional de influência nas favelas, mui
tas das quais eram sabidamente ligadas às atividades inspiradas por
Brizola e Goulart.
0 presidente da Fundação Leão X III, que, já há algum tem
po, era de algum modo subsidiária da Secretaria de Serviços So
ciais (sss), induziu a a i d a se colocar sob a égide da Fundação de
vido à sua flexibilidade e autonomia administrativa e financeira;
porque ela executava “ importantes planos da Secretaria de Bem-
Estar Social” ; e devido a seus longos anos de ligação com o proble
ma das áreas pobres (carta à A i d , 16/3/1964, citado em Leavitt
e em Leeds, 1 966:2 ). A Fundação era também a escolha de San
dra Cavalcanti.
Os fundos iniciais a partir da Lei 480 de fundos do trigo co
locava Crf! 424.000.000 disponíveis com a promessa de uma soma
posterior maior, dependendo de uma avaliação ao final de dois
anos; um subsídio adicional de Cr$ 270,000.000 era concedido
(u m total bruto de cerca de 450 .0 00 dólares na época). O Projeto
chamou-se bemdoc e iniciou suas operações por volta de outubro
de 1964.
À altura de dezembro de 1966, o bemdoc estava morto. Uma
análise desse desaparecimento, bem como dos últimos meses do regi
me de Lacerda e do primeiro ano do de Negrão de Lima, clarifica
a continuidade e as alterações na forma do controle que é o tema
do nosso trabalho. Esse último começou de modo nao auspicioso
sob a ira do derrotado Lacerda, chuvas catastróficas, crise militar,37
repressão dos partidos políticos, tentativas de se iniciar uma inves

37 Duran te toda a noite da eleiç ão de 1965, o edifSci o do Mini stério da


Guerra esteve iluminado. Do que se depreende a partir de notícias de jor
nal, ru mores e aconte cime ntos subseqüentes o seguinte: os militares
linha-dura, temerosos com a eleição de um candidato ptb-:psd e com a
rejeição popular maciça em relação ao governo militar, seus representan
tes e colaboradores, forçaram o Presidente Castelo Branco, anteriormente
um “legalista” entre os militares, a abolir a totalidade dos partidos exis
tentes e, por decreto, a criar um aparente sistema bipartidário (sendo hoje
reduzido a um
meio da qual foi sistema
permitidounitário).
a NegrãoAparentemente, fez-se mantendo
permanecer no cargo, uma trocadesta
por
forma a aparência de uma escolha democrtica — e também, segundo
algumas interpretações, permitindo ao Presidente Castelo Branco manter
como sua oposição um conjunto de homens mais fraco do que se 0 “mario
nete’* de Lacerda, Fl exa Ri bei ro, houves se ganho, minando desta forma
o poder de Lacerda, que fora uma ameaça real para Castelo Br anc o na
época em que este foi escolhido como presidente — em troca da criação
de uma fachada de uma estrutura partidária democrática que era na
verdade rigorosamente controlada pelo Governo Militar. Um outro aspec
A S ociologia do B rasil U rbano

tigação policial militar contra ele, e acusações de corrupção e de


brandura para com o comunismo.
O bemdoc nunca recebeu uin estatuto jurídico como institui
ção, exatamente como a Fundação, que permanecera por muito
tempo, equivocadamente, um órgão do Estado — e o era ainda
quando a AI D fundou o bemdoc , sob sua supervisão. A Fundação
devia fornecer sede para o projeto, incluindo pessoal de secretaria e
padres, manutenção de veículos e equipamentos, controle fiscal, in
cluindo a manutenção de contas abertas à a i d de todas ag operações
do projeto. Assim, na suprema questão de finanças, embora a
a i d alocasse fundos especificamente ao bemdoc , foram abertos ca
nais para a utilização por parte da Fundação de tais fundos para
objetivos que não os do bemdoc . O fracasso em tornar o bemdoc
juridicamente independente deixou-o, na verdade, simplesmente
como um programa desprotegido, muito rico, da Fundação.
A história do projeto é a história da utilização do bemdoc
pela Fundação como um veículo para se autopromover e promover os
interesses do Estado relativos às populações faveladas. O bemdoc
publicava um boletim informativo para divulgar suas atividades;
a Fundação insistiu em lançar notícias das atividades da Fundação»
bemdoc , usando apropriadamente os fundos da a i d , conforme
oO acordo, fez vários tipos de melhorias nas favelas. A Fundação
fez com que estas lhe fossem creditadas por meio de sua presença
nas cerimônias de inauguração e colocando placas com a ênfase no
seu nome. Os exemplos eram inúmeros*
Além de se promover, a Fundação, especialmente em 1966?
começou a pressionar tanto o bemdoc como a a i d para que o pri
meiro operasse em todas as suas favelas — contrariamente à inten
ção e ã carta dos objetivos srcinários do projeto ( açao-pesquisa pi
loto em duas a quatro favelas). Sendo a única parte da Fundação-
que, na época, funcionava efetivamente, e a única seção rica, essa
pressão pode ser vista como um esforço importante para estender
os laços do bemdoc e sua influência substantiva (embora limitada,
como realmente
tante o era)
da população nas favelas
favelada àquela proporção
da Guanabara que sempremuito impor
estivera sob
o domínio da Fundação.
Isso foi especialmente importante em 1966, quando Negrão
precisou consolidar sua posição política na Guanabara pela erradica
ção do pessoal de Lacerda das posições de liderança, cultivando

to da barganha, diz-se, foi a manutenção de Castelo Branco como pre


sidente — do que os militares linha-dura ainda precisavam naqueles dias
mais brandos, qua ndo se pensava ainda que lisonjas verbais criariam o
consenso para apoiar o novo Governo e suas políticas.
F avelas e C omunidade Po l í tí c a 227

apoio real no seio da população favelada, e tudo isso ao mesmo tem


po em que evitava constantemente qualquer antagonismo com es
segmentos médios e superiores, e acima de tudo não provocando ne
nhuma resposta do Governo central e seus homens de confiança
(especialmente o Secretário de Segurança Pública) no Governo do
Estado,
Assim, em 1966 e por algum tempo’ mais, a cohab declinou
em importância e se restringiu no alcance de suas atividades, ao pas
so que
nas a Fundação
favelas através expandiu
de todo osuas Rio,atividades e renovou
inicialmente tentandosuausar
açãoo
bemboc e, depois do desaparecimento deste, por sua própria conta.
Começou a ter crescente controle sobre a autorização de melhorias
Habitacionais e outroã problemas, reativou seits centros médicoã e
educacionais, e tentou exercer um controle sobre as organizaçóes
das favelas (ver Medina e Valadares, 1968:204-5).
À extinção do bemdoc teve como causa imediata a intransi
gência, por um lado, do pessoal do bemdoc e da A r o em insistir
em que ele devia permanecer como um projeto-pilotò de pesquisa
de comunidade operando em três ou quatro favelas, ou seja, úma
operação limitada, experimental, técnica. Por outro ládò, deveu-se
à intransigência da Fundação, ou, mais provavelmente de séu co
mando extraordinário, em insistir em que o bemdoc expandisse
suas atividades para muitas favelas* alterando a forma de suás ati
vidades —- ou seja, que ele se tornasse uma ampla operaçãopolíti
ca. Esse objetivo é coerente não apenas com as necessidades do
governador de ampliar seu controle na época, mas também,com os
interesses de controle populista da facção Tf ara Vargas no p t p ,
cujo representante no Governo dè Negrão era Hortênsia Dunçhee
de Abranches, então Secretária de Serviços Sociais. A intransigên
cia da Fundação manifestou-se em uma série de conversações insti
gadoras com a AID, criando facções dentrò dó bemdoc * retendo fun
dos para o pagamento de pessoal, e assim por diante. A a i d final
mente deu fim ao projeto ém dezembro de 1966.
Num sentido amplo, a extinção resultou da dissonância de um
novo contraponto que emergiu com â eleição de 1965: aquele enfre
o governo militar cada vez mais controlador e repressivo e o go
verno de oposição de base populista de Negrão de Lima, que bayia
sido eleito pela coalisao p t b - p s d . Por volta do final dos.anos 6-0,
este era o único governo nominal de oposição restante ilo Brasil,
uma relação dissonante a que voltaremos abaixo. A extinção do
bemdoc foi função do contraponto político que, na época governa
va a política relativa à favela. -
228 A S ociol ogia do B rasi l U rbano

É interessante observar uma tentativa paralela de utilização do


BEMDOC por outro organismo estatal. A Comissão Estadual de
Energia ( c e e ) foi estabelecida por volta de 1963 durante o re
gime de Lacerda, oficialmente para fornecer eletricidade às favelas
e para tratar de outras necessidades de energia do Estado da Gua
nabara que não se enquadrassem nas obrigações legais da compa
nhia privada, a Light canadense. A c e e deveria também tentar aca
bar _com a exploração dos moradores da favela ( “ a indústria das fa
velas” ) por aquelas pessoas privadas que possuíam relógios e redes,
vivendo dentro ou fora da favela, e cobrando taxas exorbitantes
pelo uso dessa eletricidade.
Usando como base muitas das favelas organizadas cujas asso
ciações haviam sido estabelecidas durante o período de Rios no
SERFHA, a c e e promoveu a organização nas favelas de Comis
sões de Eletricidade que deviam ser separadas das associações de fa
vela existentes. Ela optou explicitamente por esse procedimento e
também pelo controle das finanças das Comissões através de rela
tórios financeiros quinzenais a CEE? de forma a evitar a corrupção
que era sabidamente freqüente nas associações dos moradores de
favelas (entrevista com o Coronel Leitão, Diretor da cee, 18 de
novembro de 1969).
A implantação das Comissões de Luz foi entendida por mui
tos moradores e líderes de favelas como uma tentativa de enfraque
cer ou acabar com as associações existentes, de modo a estender o
controle estatal às favelas pela criação de dissidências e facções no
interior das favelas. (Primeiro Congresso de Favelas, 1964« )ss
Pode-se notar também que, além de pagar pela instalação do
equipamento de eletricidade estatal (transformadores, pólos, reló
gios, etc.) com seu próprio dinheiro, os moradores das favelas ti
nham que pagar uma taxa extra de 20% sobre o total de conta de
luz de cada favela (d a Companhia l ig h t), a ser depositada na con
ta de cada Comissão de Luz aparentemente para serviços de manu
tenção). As eontas deveriam ser mantidas no Banco da Guanabara.

As eontas
bunal do Banco
de Contas da do EstadoAonão
União. precisam
exigir serfundos
que os processadas no Tri
de manuten
ção fossem depositados no Banco do Estado, o Estado tinha o uso
38 Os moradores e a Ass ociaçã o da Favela Maced o Sobrinho rejeitaram
as proposta da c e e de construção de um sistema elétrico, com base no
fato de que isso dividiria a comunidade e quebraria a autonomia da asso
ciação. Esta última, eles o disseram, já tinha tido muitos problemas de
facções sem que acrescentasse à arena política da favela outra base de
poder independente e competitiva, controlada de fora. Eles julgaram pre
ferível manter as linhas de eletricidade privadas freqüentemente explo
radoras a perder a autonomia arduamente conquistada.
F avelas e C omunidade P olítica 2 29

dos 20% acumulados da c e e e de outras fontes, como uma verba


secreta a ser mobilizada para os objetivos políticos e públicos do Es
tado não divulgados. Uma parcela significativa desses fundos esta
va sendo obtida pela exploração da necessidade de eletricidade dos
moradores das favelas e pela sua necessidade de pagar mais por
isso do que as pessoas de fora de favela.
Embora a c e e já houvesse estabelecido algumas Comissões de
Luz por volta do final de 1964 (Primeiro Congresso de Favelas,
1964), a mudança na administração do Estado, no início de 1966,
iniciou um período de rápida irradiação da c e e nas favelas, pro
cesso paralelo à revificação da Fundação Leão XIII.
Por volta de meados de 1966, a c e e dirigiu-se ao bemdoc re
querendo sua assistência para ajudá-la a persuadir dezessete fave
las a aceitarem e cooperarem com a c e e . A Administração do
bemdoc viu o pedido eomo um desafio tanto às suas capacidades de
trabalho social como aos seus objetivos de desenvolvimento comuni
tário. O fato de esse órgão jamais ter trabalhado na verdade com a
c e e deve-se talvez à rápida deterioração de sua posição e à sua mor
te iminente. Todavia, o episódio é mais uma vez ilustrativo da
tentativa essencialmente provocadora de usar a base técnica, o fun
do e os objetivos sociais do bemdoc para fins de controle político.
O esforço de Negrão para tomar em mãos todas as rédeas no
início de 1966 pode ser também percebido na reconcentração do
controle sobre as administrações regionais, pela reatribuição às re
partições públicas centrais do Governo do Estado de tarefas que
haviam sido transferidas às repartições regionais por Lacerda. Ape
nas mais tarde naquele ano, e em 1967, houve novamente uma des
centralização, acompanhada por uma reorganização, tendo já Ne
grão estabelecido suas linhas de comando.
Essas linhas de comando com relação às favelas são de especial
interesse para nosso tema do contínuo controle sobre essas popula
ções. Os elos de comando através da Fundação Leão X III e da CEE
já foram discutidos. Um outro elo — a tentativa de vigiar a ativi*
dade política na favela — vinha da sss, através de suas subdivisões
semi-autôuomas em cada uma das repartições regionais, para as fa
velas. Os serviços regionais de bem-estar social deviam ajudar a or
ganizar as associações de favelas, supervisionar suas eleições, apro
var seus estatutos, aprovar reparos nas construções, enquanto as as
sociações deviam ser responsáveis diante deles por levantamentos
cadastrais das favelas, pelo controle de reparos nos “barracos” , a
prevenção de novas construções ( ! ! ) e assim por diante (Dec reto
“ N ” , N.° 870, 15 de junh o, 1967, Diário Oficial [72], 19 de junho
de 1967, ver Apêndice III).
230 A S ociologia do B rasil U rbano

Além disso, de acordo com essa medida, o Estado reconhece


apenas uma associação como o corpo representativo oficial da fa
vela, Essa associação deveria representar mais do que cinqüenta
por cento da população da favela. Se a associação existente age de
xná-fé (por exemplo não se submetendo quinzenalmente ao relató
rio financeiro do Estado, ou não depositando os fundos da favela
especificamente no Banco do Estado da Guanabara), a Secretaria
pode designar uma junta da favela de sua própria escolha. O Esta
do, então, tentou exercer controle substancial sobre as atividades
das associações de favelas, bem como sobre suas populações. A reali
zação da medida, como em muitos dos planos relativos a favelas,
foi ineficiente e inconsistente, mas a medida em si mesma é indi
cativa do ponto de vista de que as favelas devem ser controladas.
Os administradores regionais, além disso, deviam criar um con
selho de representantes de diferentes categorias sociais (organiza-
fÕes de classe) — uma de cada negóci o, favela ou grupos de inte
resse. Esses conselhos deviam ajudar a formular e a executar a po
lítica administrativa regional. Apenas dois ou três, como na re
gião de Copacabana, chegaram a funcionar. Certamente, um repre
sentante de todas as favelas de uma administração regional era mui
to pouco representativo da diversidade de problemas, interesses,
necessidades e objetivos das favelas em muito diferenciadas e de
suas populações igualmente diversificadas (ver A. Leeds, 1969).
Esse solitário representante parece ter sido completamente apagado
pelos outros grupos representativos nos conselhos ■— nos poucos
que funcionaram. Aqui, novamente, somos levados à conclusão de
que o objetivo era o controle, de que o pretendido era a cooptaçao;
e de que a difusão dos interesses políticos do Estado para as favelas
através desses conselhos era desejado pelo governador e seus conse
lheiros.
Nos últimos anos da década de 60 e nos primeiros da década
de 70, sobrepaira a ameaça e a possibilidade de remoção e reloca-
lização forçada, em massa, contrária ao desejo enfaticamente voci
ferado e prementemente expresso dos próprios moradores das fave
las e da Federação das Associações das Favelas da Guanabara
( fafeg ) , h qual voltaremos mais adiante.
O que é curioso, nessa atmosfera de coerção governamental e
de violência desenvolvida na base da política nacional estabelecida
pelo BNH com a — digamos, coagida — cooperação do Governo
Estadual, é a contínua tentativa, ein pequena escala, de oferecer
uma solução alternativa à remoção pelo organismo experimental do
Estado, a codesco (Companhia de Desenvolvimento Comunitário),
criada no início de 1968.
F avelas e C omunidade P ol í ti ca 231

A codesco foi, ein parte, uma continuação ou uma modifica*


ção da experiência da AID com o bemdoc . Em meados de 1966,
três especialistas em habitação {ver Wagner, McVov e Edwards,
1966 ; daqui por diante, chamados “ Plano Wagner” ) vindos de
Washington através da AID, tendo visitado favelas e revisto os pro
gramas urbanos e de favelas, propuseram suas ações principais, con
cebidas como um linico plano: o governo deveria (a ) promover
vm programa de ajuda própria de desenvolvimento habitacional-
comunitário e ( b(e) criar
tratar de todos uma autoridade
não apenas da favela)daosárea metropolitana
problemas do Riopara
de
Janeiro e suas cidades satélites mais ou menos importantes (Nova
Iguaçu, Nilópolis, São Joao de Meriti, Duque de Caxias, Niterói,
São Gonçalo, cada uma com 400.000-500,000 habitantes, e algu
mas cidades menores como Queimados, Belford Roxo, etc) com
uma população, no total, de cerca de 3.000.000 de habitantes es
palhada por ambos os lados da Baía de Guanabara.
A AID levou ao Governo do Estado essas propostas. Depois de
uma demora e de manobras consideráveis — que podemos enten
der como relacionadas às manobras políticas do governador no
tratamento das propostas em vista de todo o contexto político
qiíe circunscrevia o seu acesso ao cargo — , Negrão designou os
presidentes da cohab , sursan (Superintendência de Urbanização
e Saneamento) e do c p o (Coordenação de Planos e Orçamentos do
Estado da Guanabara, a comissão estadual de planejamento como
uma comissão para considerar essas propostas e ponderar um estudo
de viabilidade do Programa de Ajuda Própria de Desenvolvimen
to Comunitário.
Em suma, os três primeiros organismos, como era de se espe
rar pelo que dissemos antes de um deles, não mostraram interesse.
A cOH AB ? nessa época, estava sob o controle político do d n h , ape
sar do fato de seu presidente ser designado pelo Governador do Es
tado. Nem a sursan , nem o c p o eram de forma alguma órgãos
adequados para realizar a tarefa proposta, embora fossem relevantes
para alguns de seus aspeetos, Foi acopeg , da qual uma das fun
ções principais
construção era estimular
e semelhantes o setor privado — indústria, finanças,
— que encampou o projeto com interesse.
Isso é particularmente interessante em vista dos contrapontos
que vimos discutindo, porque o pensamento econômico orientador
da liderança da copeg era ínstitucionalista, apesar das formas mo-
netaristas e dos tipos de operação; seu cbefe de entao havia tido im
portantes ligações com ambos os campos do pensamento econômico
nas épocas em que estiveram no poder do Governo federal. É tam
232 A S ociologia do B rasil U rbano

bém significativo que tenha sido a copeg quem tomou a si essa


tarefa porque ( « ) a copeg era mais livre do que outros órgãos es
tatais que tinham uma ligação anterior com as forças agora contro
ladoras do Governo federal e ( 6 ) ela tinha o governador e muitos
secretários-chaves favoráveis de seu gabinete no quadro de diretores
(alguns dos quais posteriormente forçados a se retirar pelo Gover
no federal).
Esses pontos parecem-nos importantes porque todos os procedi
mentos
forços dede1956
Negrão quanto
e 1957, a essa
e de questão de
seu governo são1966-1970,
carentes com
paraseus es
fazer
alguma coisa útil para as favelas, mas no último período todas as
possibilidades foram cada vez mais restringidas pelo Governo fe
deral. Por exemplo, pelo seu controle direto sobre o Secretário de
Segurança de Negrão, Frauça, que freqüentemente contradizia dire
tamente as ordens e compromissos de Negrão, agindo cada vez mais
de forma independente; ou as remoções de outros secretários por
pressão do Governo central; ou a substituição sob pressão do chefe
da casa civil de Negrão, Luís Alberto Bahia, antigo populista de
tradição mais ou menos getulista, por Carlos Costa, primo do então
presidente do Brasil, Marechal Costa e Silva. Sob as condições po
líticas de então, fazer alguma coisa pelas favelas significava tam
bém a extensão do controle sobre elas — compreende-se assim a uti
lização de Negrão, como argumentamos, da Fundação Leão XIII e
da CEE, seu Decreto n.° 870 e sua presença na inauguração da Ação
do Brasil.39
A codesco foi estabelecida como uma subsidiária autônoma da
copeg , com membros do quadro desta última ocupando funções de
presidente e membros do seu quadro. Baseada no estudo de viabili
dade de três favelas da Zona Norte (Brás de Pina, Mata Machado
e Morro União), a codesco , com alguns jovens e imaginativos so
ciólogos e arquitetos, começou a completar planos de urbanização
para duas das três favelas estudadas, e outra acrescentada posterior
mente.40 A urbanização incluía regularização, pavimentação e ilu
39 Uma subsidiária da Acc ión International criada com o objet ivo pri
vado mais explicitamente declarado de lutar contra a influência comunista
nas favelas e com o objetivo público de desenvolvimento comunitário para
a melhoria das mesmas. A A ção Comu nitária do Brasil, organizada tanto
no Rio como em São Paulo, sob a égide do ipes, era um órgão cujos
membros, como o General Golbery, estavam intimamente ligados ao pes
soal e às ações do movimento militar de 1964.
40 Das três srcinalmente estudadas, Brás de Pina é hoje urbanizada,
enquanto que Morro União e Vigário Geral, uma terceira escolha poste
rior, ambas na Zona Norte industrial do Rio, como o é Brás de Pina,
tiveram as operações para esse fim apenas iniciadas. Não conhecemos o
presente staíus de Mata Machado, a terceira das três srcinais.
F avelas e C omunidade P olítica 233

minação das ruas, instalação de redes de água, esgotos e eletricida


de, auxílio financeiro e mínima supervisão da reconstrução de casas
(geralmente com ajuda própria), além da administração da venda
de terras que tinham sido expropriadas pelo Estado.
Do ponto de vista dos moradores da favela, o programa da
codesco tem rigoroso sentido econômico. Eles permanecem na
área, ou com fácil acesso a seu mercado de trabalho, minimizando
assim os custos
apropriadas de orçamentos
a seus transporte. domésticos,
Podem construir
no seu casas sólidas
próprio ritmomais
eco
nômico viáueh podem projetá-las de modo adaptado às suas neces-
áidades domésticas e ao seu estilo de vida. Um estudo das atitudes
dos moradores com relação à tentativa da codesco de urbanização
mostrou uma reação geralmente favorável ao programa.41
Uma equipe constituída de um arquiteto e um sociólogo, ob
servando que a AID no Brasil estima cada casa (unité urbanizée)
reabilitada in loco em 500 dólares e cada unidade construída num
novo projeto urbano para alojar favelados expulsos de suas favelas
err 1.000 dólares (Machado e Santos, 1969:55), forneceu elemen
tos para um estudo da codesco , mostrando o custo relativo de casas

Quadro 1. CUS TOS COMP


PRÓPRIA ARA TIVOS GOVERNAMENTAIS
E SOLUÇÕES (EST IMADOS) DEPARA
AJU DA
O “PROBLEM A D A FAV ELA ” 42
(em dólares de 1968)

Vila Kennedy Morro UniãojBrás


de Pina

Item Dólares % do total Dólares % do total'


Terra 19,6 1,2 148,45 18,1
Nivelamento da terra 105,62 6,5 2,75 0,3
Sistemas elétricos 110,36 6,7 29,80 3,6
Serviços (ruas, redes
pluviais e de esgoto) 88,94 5,4 201,42 24,5
Construção da Casa 1.310,38 80,2 458,35 53,5

Totais 1.634,92 100,0 820,77 100,0

41 A avaliaçã o afirmava mais adiante que os moradores julgavam-se ele


vados em siatus e se pensavam como parte de uma comunidade. Ver g b ,
oodesoo , 1969.
42 Machado e Santos, 1969:55-56. Os dados para M orro União e Brás
de Pina são confessad amente estimados, embor a quando a última fot»
i m A S ociologia do Brasi l U rbano

construída« pela cohab na Vila Kennedy e daquelas a serem cons


truídas em favelas urbanizadas para ajuda própria sob supervisão
<la CODESCO.
Um de nós argumentou (À . Leeds, 19 70) que, também do
ponto de vista da economia política, o tipo de abordagem da
CODESCO, onde fisicamente viável, tem sentido econômico. Os cál
culos de órgãos como a cohab , o b n h e seu órgão metropolitano
mais recente (discutido abaixo) são feitos quase que exclusivamen

te em termos
tratégias dos custos
de vida de construção
geral entre maisdas
os usuários do casas
que emdetermos
baixo de es
custo.
Dessa forma, uma série de custos dos usuários é caracteristicamente
não calculada na decisão de projetos habitacionais em larga escala
com casas anteriormente construídas para ocupação e sem a contri
buição do trabalho, projeto ou material do comprador-proprietário.
Tais custos incluem os custos — sobre e acima da amortização -—
de serviços; de transporte para o trabalho, difícil e comulativa-
mente caro; de tensão física e mental proveniente da pressão dos
horários e condições salariais, conseqüentemente crescentes índices
de doença e, a partir daí, de pagamentos de Previdência Social; de
aumentos nos índices de criminalidade, como ocorreu notavelmente
na segunda metade da década de 60; da deterioração do novo esto
que habitacional, pois os custos incluídos não permitem a manuten
ção ouO despesas
plano da de condomínio/5
codesco
e assim por diante.
está intrinsecamente em contradição com
as suposições subjacentes e com os interesses imanentes nos tipos de
cálculos envolvidos nas abordagens monetaristas do Governo fe
deral, como representado pelas políticas e ações do b n h , com rela
ção à “ habitação” ou ao “ problema da favela” . Tal plano, basean
do-se em grande medida nos recursos e julgamentos dos moradores
das favelas, nao é um programa que favoreça os interesses da in
dústria de construção civil, nem do b n h , embora este último tenha
financiado em parte a codesco , nem das companhias de finanças,
^poupanças e créditos.

urbanizada (o que termin ou em 1970) esses dados tenham sido rigorosa


mente confirmados. A razão pela qual o custo da te rra é tão mai s ele
vado para as favelas da codesco é que estas são muito próximas do cen
tro da cidade, competindo com os valores de terras vizinhas, especialmen
te, no caso de Brás de Pina, com aquelas de uso industrial. O custo mais
elevado dos serviços não se explica. Não é claro a partir dos números for
necidos, ou a partir da discussão no texto, se os dados para casas da
oohab incluem o custo do dinheiro e o custo da administração. SupÕe-se
que sim; se este não é o caso, então a disparidade de custos na razão de
mais ou menos 2:1 seria ainda maior.
43 Ver Correio da Manhã, 1.° de janeiro de 1971.
F avelas e C omunidade P olítica 235

Inerente a essa contradição, nos contrapontos do Estado fe


deral e nas dissonâncias monetaristas-institucionalistas que temos
traçado, estava o surgimento de um órgão administrativo federal
em oposição à codesco . £ uma curiosa ironia que a chisam — a
Coordenação de Habitação de Interesse Social* da Ãrea Metropoli
tana do Grande Rio de Janeiro — se tenha desenvolvido a partir
de, ou conforme à, se gunda recomendação do “ Relatório Wagne r” ,
aquela relativa a uma autoridade metropolitana para tratar conjun
tamente de alguns problemas em escala regional, inclusive favelas
e suas causas. É claro que a tentatitva do “ Relatório Wagner” era
de um plano incluindo dois níveis de ação baseados num ponto de
vista comum, objetivos comuns, estratégias e implementações. É
claro também que o programa de favelas foi proposto não apenas
como uma experiência de reabilitação, mas como modelo-base, ge
neralizável, para o tratamento da maior parte das favelas dentro de
um quadro de referência de planejamento metropolitano racional e
reorganização regional.
A chisam , criada pelo Decreto federal n.° 62, 654, 3-5-68
quatro meses depois da criação da codesco , tinha como diretor-
cbefe nessa época o então Ministro do Interior, General Afonso de
Albuquerque Lima, sob cuja égide também ficou o b n h . Foi cria
da, ao que se disse ( chisam , 1967:78), em função do reconheci
mento de que o problema da favela — que é encontrado pratica
mente em toda cidade do Brasil, n ão apenas no Rio — é um pro
blema nacional, requerendo ação nacional para resolver problemas
criados pela falta de recursos, diversidade de órgãos, políticas habi
tacionais inadequadas, e outros fatores que contribuem para o sur
gimento de favelas. Reconhecia-se, finalmente, que esses problemas
não podiam ser resolvidos a nível local, municipal ou estadual, mas
apenas a nível nacional, em cooperação com entidades estaduais ou
municipais. Em parte, as soluçoes eram vistas como envolvendo
o controle dos fluxos migratórios, o que não podia ser resolvido
a nível dos governos estaduais. Não ficou claro por que apenas a
chisam foi criada, nao tendo sido criados organismos análogos em
outras importantes áreas urbanas, ao que nos consta. As razões pa
recem ser principalmente políticas, como indicamos, uma vez que
outras cidades, como Recife e Salvador, tem conjuntos de áreas in
vadidas por posseiros de tamanho comparável às do Rio e geralmen
te em piores condições. A criação do b n h e de seu “ Sistema Finan

* Eiste cur ioso term o é amplamente usado na Am éric a Latina. “ Habi


tação de Interesse Social” significa sempre habitação da classe de baixo
nível salarial, ou especificamente baixa ou proletária.
236 A S ociologia do B rasil U rbano

ceiro da Habitação” (ibid., p. 7) abriu novas possibilidades, inclusi


ve a da CHISAM.
Todas as declarações políticas feitas pela chisam o u pelo seu
Diretor-Supervisor, o engenheiro Gilberto Coufal (também um dos
diretores do b n h ) , falam de “ eliminação” e “ desfavelamento” , ne-
gando-se a “ erradicação” das favelas como objetivo. A distinção
parece ( Agente, 1968 2[6]:85-86) indicar que “eliminação”
pode
locoj referir-se ao desaparecimento
pela substituição dos “ barracos”de (afavelas
única pela urbanização
espécie in
de habita
ção que a chisam reconhece como existindo nas favelas, seja por
informação imprecisa ou por representação imprecisa deliberada
por casas sólidas, bem como pela remoção e relocalização; “ erradi
cação” parece significar apenas o último aspecto. As declarações,
políticas da CHISAM também incluem a possibilidade de urbaniza
ção in situ e, realmente, o órgão declara (ibid., p. 85, citando Cou
fal) que o b n h estava examinando tal projeto em três favelas, estra
nhamente, aquelas cujo estudo de viabilidade (ver copeg , 1967)34
fora desenvolvido pela copeg , tendo o trabalho em uma delas já co
meçado, por iniciativa da codesco , antes da criação da chisam , em
bora nenhum dos dois órgãos anteriores seja mencionado nessa co
nexão.Com efeito, o b n h , como asinalamos anteriormente, deu na
verdade algum dinheiro para a codesco , para a urbanização no lo
cal daquelas três favelas, mas a chisam não iniciou qualquer novo
plano de urbanização após sua criaçao.45

44 A copeg tomou a liderança do estudo, mas deu várias partes para o


cenpha e para a Pontifícia Universidade Católica do Rio, e também para
uma ou duas pessoas privadas, contratadas através de uma das instituições.
45 O antagonismo à urbaniza ção demonstrado pelo b n h e seu órgão
chisam tornou-se claro quando a oodesoo procurou fundos para o seu tra
balho na favela Brás de Pina, e depois na Morro União. Embora planos
meticulosos baseados em estudos detalhados, incluindo custos de todos os
tipos, já existissem e o trabalho já estivesse começado, ainda assim o Banco
sempre devolvia o pedido, primeiro com pequenas críticas, depois com
outras, pedindo revisões, de modo que os meses se passaram até que a
soma fosse finalmente liberada. O Banco usou a mesma tática (também
em 1968) com o Instituto de Meio Ambiente Urbano da Universidade
Columbia, que fora convidado e contratado (através do cenpha ) . Fez isso
quando descobriu que o Instituto pretendia agir autonomamente na rea
lização das avaliações que o Banco pedira acerca dos efeitos de suas polí
ticas habitacionais na economia nacional, e que o Instituto podia até criti
cá-los, sobretudo no que diz respeito à política relativa à favela. O Pro
jeto do Instituto nunca recebeu a maior parte dos fundos prometidos, e
a avaliação nunca foi feita. Um aspecto interessante da situação foi o
papel da usaid . O acordo srcinal do estudo de viabilidade fornecia algu
mas centenas de milhares de dólares para o estudo, a serem seguidos p o r
F avelas e C omunidade P olítica 237

Essas declarações políticas devem ser vistas tanto em termos


das ênfases e atitudes nas declarações públicas como em termos dag
ações desenvolvidas pela CHiSAM. Assim, por exemplo, a chisám
declara ( chisam , 1969:6):
“ Apenas de 1962 em diante é que o problema da favela come
çou a ser abordado com maior profundidade.”
Em outras palavras, as abordagens e soluções do período de
Rios, 1964-62, ou aquelas que foram adotadas com sucesso em ou
tros
mentepaíses, como o Peru,
sob alegações são ibid
de (ver implicitamente
p. 7) faltarejeitadas, presumivel
de coordenação, fra
casso em consolidar a política, e “ pulverização” de recursos. O ano
de 1962 também marca o começo das políticas de remoção de La
cerda e da construção de vilas proletárias, das quais as política?; do
BNH e da C hisam são continuações.
A chisam baseia sua política nos seguintes princípios (ibid,.
p. 14):
a. “ Os favelados são seres humanos integrados na comunida
de, mas vistos por esta última como alienados por causa de sua ha
bitação.
b. Os aglomerados de favela, construídos de maneira irregu
lar, ilegal e anormal (eo m relação ao panorama urbano) ( . . . )
não que,
vez fazemnãoparte do complexo
participando habitacional
dos impostos, normal
taxas da taxações
e outras cidade
, uma
ine
rentes às propriedades legalmente constituídas, não deveriamfazer
jus aos benefícios públicos decorrentes dessas taxações.
c. Os favelados, todavia, têm iniciativa e vontade de melhorar
seu stalus, mas lhes faltam recursos.
d. Os favelados constroem “ barracos” próximos a seus em
pregos; qualquer remoção abrupta afetaria sua renda. Com isso em
mente, a chisam propõe ( ibid., p. 15) como objetivos a longo pra
zo:
a. A reabilitação econômica, social, moral e sanitária das fa
mílias faveladas.
fc. A integração total dessas famílias à comunidade, princi
palmente com relação às formas de habitar, pensar e viver-

uma quantia de 10.000.000 de dólares, se a viabilidades da urbanização


fosse demonstrada. A transferência des sa quantia para a codesco estava
em discussão durante a época entre sua fundação e a da cecsam , quatro
meses depois. Neste último período, a a i d não podia decidir o que fazer
— se dar o dinheiro à sua própria criação, a codesco , que seguia as ênfa
ses de desenvolvimento da a i d , ou se à cjhsam , que contradizia a tentativa
da autoridade metro politana do "rela tório Wagn er” , embora seme lhante
na forma. Ela deu o dinheiro à chisam.
A S ociologia do B rasil U rbano

c. A alteração do panorama urbano atualmente deformado


por núcleos de sub-habil ações7 por meio da substituição dos barra
cos por habitações, obras públicas ou pela própria natureza violen
tada.”
Os objetivos a curto-prazo (ibid, pp. 18ss) incluíam a utiliza
ção de 1559 casas da cohab e apartamentos em breve disponíveis-
para a absorção dos favelados, a serem removidos das áreas priori
tárias e dos Centros Habitacionais de Bem-Estar Social, especifica-
dos nas pp. 22 ss, todas na turística e elitizada Zona Sul, e também
a construção de dezenas de milhares de novas unidades habitacio
nais nos próximos dois anos (ver adiante). Agente (1963, 2[6]:85)
relata que Coufal já falava, em agosto de 1968^ três meses após a
fundação da chisam , da “ eliminação ” de 66 favelas no Rio.
Vemos claramente muitas coisas no <jue foi dito. Primeiro, as
falsas representações mitológicas das favelas e dos moradores das
favelas que validam certos tipos de políticas e objetivos políticos.46
4G Em suas publicações, a chisam distorce sistematicamente os fatos, só
se podendo supor que o faz deliberadamente. Por exemplo, o número de
moradores de favelas ou de casas fornecido é sempre demasiado elevado
— consideravelmente mais elevado do que o fidedigno censo realizado por
pu c
outros órgãos
completas (por exemplo,
de casas do cedug a aEscola
partirdedeServiço Social
fotografias da que ,correspon
áreas, as contas
deram de perto aos nossos cálculos de base, etc.). Hã uma longa história
dos cálculos de população das favelas, mais para mais do que para menos.
Cada caso parece envolver algum interesse particular em fazê-lo — maxi
mizar o problema de modo a mobilizar mais fundos para os órgãos que
tratam do problema, ou de modo a racionalizar o uso ainda maior das
atividades de construção civil; minimizar o problema de modo a desviar
fundos usados em serviços sociais e habitação para outros fins, etc.
A chisam , como a Fundação Leão XIII e a sss, deformaram siste'
maticamente a situação habitacional da favela. Esses órgãos referem-se
invariavelmente a “ barracos” , e nunca a “ casas” . Mesm o o cerisò féi to
pela cohab e m 1963 ( g b , cohab , 1963), que exagera gritantemente a
população das favelas, fornece apesar disso percentagens bastante precisas
dos tipos de construções de casas — por exemplo, o Jacarezinho com uma
populaç ão dada (absurda) de 17 6.000 habitantes, e 90 % de casas refor
çadas com tijolo
a população fosse eentão
concreto. Os 90%
de 66.000 aproximam-se do correto» embora
pessoas.
Esses organismos uniform emen te distorcem o trabalho e o status
ocupacional dos favelados, apresentados como não qualificados, itineran
tes, traficantes, biscateiros, etc. A maioria, em nossos materiais de censo
tanto na Zona Norte como na Zona Sul, bem como em nossos censos
nacionais e nos realizados pelas escolas de Serviço Social, indica uma ampla
gama de ocupações, que chega a profissionais e um nível de emprego
relativamente alto.
Finalmente, a chisam distorce sistematicamente a sua utilização de
fotos. Como exemplo, de seus 18 quadros panorâmicos de favèlas: (chi~
s a m , 1969), 6 ou 7 são da Catacumba, 7 parecem ser do conjunto Praia
F avelas e C omunidade P olítica 239

Segundo, a reorganização forçada dos modos de vida por pressão


coercitiva sobre os moradores das favelas acompanhada de remoção.
Terceiro, uma indicação das concepções elitistas subjacentes que
informam as orientações políticas. Estes pontos, e especialmente a
último, são evidentes no notável trecho que se segue (apresentando
um artigo de Coufal a um de Délio dos Santos, Presidente da Fun
dação Leão XIII, elogiando o programa da chisam ) , extraído de

Agente
“ No( 1969,
Rio 3de[9 ]Janeiro,
:17 ) : 47 existem 283 favelas, a maioria delas —
36 (sic !) — localizada na 6.a Região Administrativa (isso está er
rado; havia apenas 16 nessa região — (ver cedug , 1963, Apêndice
4«, p. 60), que abrange os bairros de Ipanema, Leblon, Lagoa* Jar
dim Botânico e Gávea, precisamente a região mais aristocrática da
Guanabara, onde se situam as casas mais luxuosas, as terras mais
valorizadas e os clubes mais finos ( . . . )
Mais adiante apresentamos um artigo de Gilberto Coufal, di
retor do BNH e coordenador da chisam , no qual são estudadas as
discussões sobre urbanização e remoção, e que conclui afirmando
que a política seguida pelo Governo tornará possível a modificação-
do programa físico e estético das áreas faveladas, integrando terras-
por elas ocupadas aos bairros em que se situam, e transformando a
do Pinto-llha das Dragas, incluindo o Centro Social Habitacional de lá,
2 são da Macedo Sobrinh o. Tod as essas favelas (a ) eram na Zo na Sul,
(&) estavam sob ameaça de remoção, de modo que os moradores evita
vam investir nas casas. Conseqüentemente, a vista aparente é a de barra
cos. Não é mostrado nenhum quadro dos interiores (com móveis, refri
geradores, etc.). Nenhuma foto de favela da Zona Norte, nem também
daquelas da Zona Sul com casas melhoradas (como o Parque da Cidade
ou a Barreira do Vasco, respectivamente). Finalmente, há uma foto de
parte da favela da Babilônia que se situa sobre a entrada do Túnel Novo,
que liga Botafogo a Copacabana. Os túneis, 30-40 pés abaixo, são corta
dos da foto de modo que se vê apenas um pedaço do muro, mas não o
túnel. A legenda diz: “ Vi&ta parcial da linha ou muro imagi nário que
impede a expansão territorial da favela.”
Embora ,da mesma forma que o braço de pesquisa do bnh, o Cen-
p h a , aparentemente um órgão independente, Agente ê de fato um órgão
do Banco. A maioria de seus artigos significativos é de um dos cinco
diretores do Banco, do seu pessoal técnico, ou do pessoal intimamente
ligado aos interesses e pontos de vista do Banco. Pontos de vista contrá
rios nunca aparecem. Agente , o meio proselitista do Banco, descrevè-se
na primeira página da seguinte maneira:
“Agente: um jornal que visa dar orientação técnica e difundir méto
dos e processos do Plano Nacional de Habitação, é enviado aos agentes
iniciadores e financeiros do b n h , a representantes dos Três Poderes da
República (Exec utivo, Legislativo, Judiciário), à in dústria de constrüçã o
civil, a instituições financeiras, à Bolsa de Valores e aos líderes finarlceiros
mais significativos dó mundo eco nô mico e financeiro do País.” J
A S ociologia do B rasil U rbano

mentalidade de seus moradores que, não se considerando mais como


favelados, serão também vistos pela comunidade como cidadãos nor
mais.”
Um outro ponto que vale a pena assinar é que a chisam es
tabeleceu como política, em suas primeiras reuniões, que ela seria
um corpo coordenador, porém não executivo dos trabalhos. Á
chisam orientaria:
u . . .tarefas
que suas o trabalho conjunto de umas
complementem-se setoresàs do Estado
outras. de atal
Para forma
execução
dessas tarefas específicas deverão ser creditados por nomeação dos
governos dos dois Estados aqueles órgãos especializados em cada se
tor de atividade necessária para o desenvolvimento de cada tipo de
programa a ser desenvolvido” ( chisam , 1969:13).
Para esta política foram autorizados os seguintes organismos
a agir na esfera social: a sss dag b ? a Fundação Leão XIII, a Se
cretaria de Trabalho e Serviços Sociais do Rio de Janeiro, e Ação Co
munitária do Brasil. Para agir na criação de novas habitações: as
cohabs de ambos os Estados. Para atuar na produção de casas nas
favelas para a substituição dos barracos: codesco (apenas na Gua
nabara; nenhum órgão foi designado para o Estado do Rio, o que
indica que a chisam não tinha intenção de prosseguir a urbaniza
ção lá).
Deve ser observado que a chisam — um órgão federal sob
controle do BNH, este último talvez o órgão do governo mais pode
roso no Brasil,48 então sob a direção do General Albuquerque Lima,
que fo i por um período uma possibilidade presidencial (1 969) — ,
através desse sistema de atribuição e coordenação, na verdade to
mou o controle dos órgãos do Estado, e, no caso da Ação, deu a tim
órgão privado status público e executivo (ver nota 39) ao passo que,
colocando-o sob seu controle, as políticas da chisam tornaram-se
necessariamente suas políticas. A partir de 1968, esse conjunto de
políticas domina as ações desempenhadas com relação às favelas no
Rio.

48 O BNH tem à sua disposição o uso do Fundo de Garantia por Tempo


de Serviço, o Fundo Nacional de Seguro Social, consistindo de 16% de
todos os salários oficiais pagos e constituindo uma quantia da ordem de
700.000,000 de dólares anualmente. Além das atividades maciças em esca
la nacional na área da habitação, o b n h tem desenvolvido a "urbanização
rural”, além de operações financeiras em grande escala, e mantido íntimos
vínculos com as indústrias de cimento e aço. Ver também artigo citado
na nota 35 que afirma que a construção civil absorve 30% da força de
trabalho de tod o país! A constr ução civil é controlada pelo b n h , que,
por sua vez, está diretamente ligado à Presidência e aos Ministérios de
Planejamento e Finanças.
F avelas e C omunidade P ol í ti c a 241

Essas ações podem ser resumidas rapidamente, Elas consis


tem na remoção total de pelo menos as seguintes favelas — (todas
na Zona Sul): Jóquei Clube (cerca de 200 pessoas)., Rio Rainha
(zh 20 0), Alto Solar ( ± 600 ) Ilha das Dragas ( ± 1,8 00), Babi-
lônia-Chapéu-Mangueira ( ± 3 .5 0 0 ), Macedo Sobrinho ( zt 4.000),
Praia do Pinto ( 7.000 ), Catacumba ( ± 12.0 00), e partes do
Parque Proletário N.° 1 da Gávea — um total de cerca de 30.000
pessoas.no Estas
Deus, forame inacessível
longínquo relocalizadas em projetos
distrito como a Cidade
de Jacarepaguá; de
na Cidade
Alta, no distante Cordovil; no conjunto do Guaporé, e outros. Aque
les que não tinham capacidade para pagar por essas unidades habi
tacionais eram mandados “ temporariamente15 para os Centros Ha
bitacionais de Bem-Estar Social e para os mal equipadosalbergues,
Os efeitos dessas remoções e relocalizações — em todos os casos
forçadas, contrárias à vontade dos moradores e em alguns casos
acompanhadas de açao policial, tratores, fogo (que se dizia aciden
tal), e outras formas de pressão, incluindo ameaças de não paga
mento das indenizações pelas casas (isto é, propriedade privada dos
moradores da favela) destruídas — foi a profunda desestruturação,
para »vn grande número de pessoas de sua organização de vida e um
desequilíbrio nas estratégias domésticas para lidar com a difícil
estrutura econômica que os moradores das favelas tiveram que en
frentar (ver A. Leeds, 1970:243-48). Particularmente agudo foi
o declínio na renda, acompanhado de uma desconcertante subida
nos custos, especialmente amortizações e transportes.40 Os ex-mora

49 Coufal, faland o da filoso fia da chisam (citado em Agente, 1968, 2(6):


85), diz; A situação geográfica das parcelas de teria permite uma pro
gramação que toma possível uma oferta de habitações num local perto
de quase todo o mercado de trabalho existente na Guanabara e no Efíta-
do do Rio, oferecendo desta forma aos beneficiários uma redução consi
derável nos gastos com transportes, bem como no total do tempo gasto
nas viagens.
( . . . ) o s moradore s das favelas da Zona Sul j á demonstraram inte
resse real em adquirir casas na Cidade de Deus e apartamentos em Cor
dovil, áreas bem distantes da atual localização de suas casas, mas próxi
mas aos locais de trabalho.”
Essas representações são distorcidas. Estudos após estudos demons
traram que os moradores tentam morar próximos ao locai de trabalho,
daí a sua escolha de uma determinada favela — ou tentam encontrar
trabalho pró ximo à fav ela se foram obrigados a m udar-se para uma. A
racionalidade da localização da moradia é predominantemente em termos
da proximidade do trabalho, de modo a evitar o pagamento do transporte.
Assim, por exemplo, a maioria dos moradores, digamos, do Alto Solar, na
Gávea, trabalhava nas proximidades em fábricas, embaixadas, na fabrica
da Coca-Cola ou em serviços. Agora foram removidos para Cordovil, estão
a duas viagens de ônibus, ou 1 hora e meia de seu local de trabalho. As
2*12 A S ociologia do B rasc, U rban o

dores das favelas são engolfados por uma interminável onde de no


vos gastos, contra a qual a política salarial do Governo Federal,
junto com a correção monetária sobre as amortizações, torna impos
sível qualquer reação para uma grande parcela deles. Sua única
solução é o retorno a, ou a criação de, novas favelas em outro lu
gar. A situação é vividamente descrita num longo e detalhado ar
tigo do Correio da Manhã60 (21/1/1971), que transcrevemos em

parte:“ Nem mesmo na Catacumba tinham eles tantos problemas


Eram 2.230 famüias ocupando 98.000 metros quadrados do Morro
da Catacumba. Não pagavam aluguel, nem condomínio, nem taxas
(inúmeras taxas impostas pelo uso da terra e por serviços urba
nos), nem a água que carregavam em grandes latas (desde 1961,
havia sistemas de bombeamento no alto do morro — A.L .) nas cabe
ças. Também não pagavam condução. Muitos tinham três emprego&
e ainda estudavam à noite para poder melhorar de vida. Então surgiu
a guisam e acabou com a favela, prometendo casas próprias para
aqueles que pudessem pagar mensalmente, cerca de 100 cruzeiros
durante 18 anos. E nos primeiros três meses, as .taxas seriam por
conta do Estado. Agora * passados quatro meses, a maioria nao con

“parcelas" e suas habitações são próximas ao mercado de trabalho ape


nas no sentido em que qualquer coisa na Guanabara ou no Estado do Ria
é alcançável ■— com tempo e dinheiro suficientes, por ônibus ou trem.
A remoção das favelas da Zona Sul, quando completa, significará a remo
ção de talvez 100.000 pessoas das vizinhanças de seus trabalhos, Isso sig
nifica um dia mais comprido por causa do desgastante transporte, mais uma
grande pressão num sistema de ônibus já sobrecarregado. Observem-se as
contradições entre as declarações d o Diretor da chisam , Coufal, citadas
acima, e os quatro princípios sobre os quais a chtsam diz basear gua polí
tica e os efeito? reais das expulsões.
50 o Correio da Manhã, até o ano de 1966, permaneceu o único jornal
em genuína oposição ao Governo militar. Sua contundente crítica acar
retou repr essão vigoros a, embora indi reta, por parte do Go vern o, de
modo que este pôde» mais uma vez, apresentar uma fachada de manuten
ção dasumformas
mente jornal.democráticas (verconsistiram
As repressões nota 37), de
nãoameaças
tendo fechado
de açãoaberta
punitiva
pelo Governo Federal a anunciantes no Correio, que em conseqüência
perdeu praticamente todas as suas rendas de anúncio, mantendo-se por
muitos meses apenas com as vendas e contribuições de homens, de boa
vontade. No final, 1969, a editora, Sra. Bittencourt, acabou por demitir-1
se com uma amarga explosão contra o Governo. O jornal reapareceu
somente depois de algum tempo, com novo formato, um intenso impulso
de venda e uma nov a e branda retórica. Em vista disso, é interessante
que o artigo 21 de janeiro de 1973 faça mais uma vez um violento ata
que a uma instituição federal, sobretudo a uma instituição qpe opera
através dos órgãos do Estado, que estão relativamente a salvo de ataque
nas condições políticas atuais.
F avelas e C omunidade P olítica 243

seguiu pagar: a prestação mensal de 60 cruzeiros para luz, 95


cruzeiros para taxas, 10 cruzeiros para o condomínio, conta de
água, e rateio para o conserto de instalações defeituosas, mais um
sem número de outras despesas, para não falar nos custos do trans
porte para o trabalho. Tudo somado, fica mais caro do que o alu-
güel de um apartamento médio localizado em Ipanema, próximo
à praia. Aquele que não pode pagar terá que sair, E ninguém sabe
dizer para onde. Para aqueles que conseguem permanecer, será um
péssimo negócio: os apartamentos não valem nada, não há acaba
mento nem áreas para as crianças brincarem. O prédio no conjunto
Guaporé foi construído às pressas e está rachado. Para os morado
res, a única diferença entre o novo edifício e os velhos barrâcos é
que eles não mais precisam carregar água. AgoTa eles têm; água
até de sobra, quando chove, tudo é inundado, e se eles làvám o
chão, o teto do apartamento de baixo vira chuveiro.”
Em suma, a chis am , quando criada — seja deliberadamen
te com este fim ou não — representou de fato uma proposta opos
ta à ênfase de Negrão e do Estado na urbanização: a da constru
ção habitacional em massa para permitir a relocalização dós mo
radores
conhecidadapelo
favela.61
pessoalÀdaoposição
codesco das(Machado
abordagens foi claramente
e Santos, 1969:55). re>
Os dois órgãos responsáveis pela política habitacional das fa
velas na Guanabara têm poderes básicos e princípios diametral
mente opostos. Essa situação indica não uma flexibilidade é adap
tação à realidade por parte do Poder Público ( le Pouvoir ), mas
sobretudo, sua ambigüidade, E, para complicar ainda mais os da
dos do problema, a plataforma da campanha do atual governador
(eleito em 1965) desenvolveu-se em tomo da defesa da urbanização,
ao passo que a chisam, órgao do Governo central, opta pela expid-
são, muito embora de modo mais flexível do que os primeiros esfor
ços da cohab ,
A criação de dois organismos, com um intervalo de poucos
meses entre um e outro, tratando dos mesmos problemas, ainda que
com orientações radicalmente diferentes e bases de apoio tão nitida
51 A escala é indica da pelo com entário do Gru po Execu tivo da chisam
(entre outros, Coufal, um parente do Ministro do Interior, General Albu
querque Lima, e Oswaldo Sampaio, um dos altos funcionários do cpo)
de que, em pouco mais de dois anos, 33.000 casa9 estariam construídas,
tendo 10.000 sido iniciadas naquele ano {Agente, 1968,2(6):34). Estima-
se que por volía de outubro (escrevendo em agosto) as concorrências
tenham sido realizadas, permitindo iniciar, ainda este ano, a construçfio
de 10.000 habitações, às quais se acrescentarão 1.500 a serem terminadas
pela cohab -g b num conjunto de apartamentos em Cordovil e um projeto
de casas na Cidade de Deus {ibid., p. 85).
A S ociol og i a do B rasi l U rbano

mente diferentes, é um fenômeno muito revelador não apenas com


TtÊçSê à favela, ou num âmbito mais geral, com relação à política
social e econômica, mas do conflito nas políticas nacionais brasilei
ras. A criação da chisam , um braço do b n h e do Ministério do
Interior, reflete a institucionalização a nível nacional das políticas
econômicas e sociais e uma ideologia funcionando para intensifi
car o controle exercido pela elites, servir a seus interesses políticos
e econômicos, concentrar a riqueza em poucas mãos e para contro
lar e reprimir qualquer pessoa que busque impedir esses desenvol
vimentos. A política relativa à favela é um espelho de todas essas
institucionalizações, operações, controles e repressões; na área do
Rio, a CHISAM é o agente da hierarquia nacional, como o BIVH
o é para o país como um todo.
Como um retoque final deste processo de controle e repressão,
crescente e centralizado, e a correspondente política relativa à favela
a nível nacional e estadual, podemos voltar rapidamente à fafeg .
A FAFJEG reagiu asperamente às políticas da chisam como reagira
às do CEE e do Decreto N.° 870, A Federação das Associações das Fa
velas do Estado da Guanabara, a única confederação de favelas exis
tente em âmbito estadual, foi fundada em 1964. Por volta de 1968,
depois de alguns altos e baixos, ela se tornara um corpo cada vez
mais articulado e de peso, representando ao menos 100 favelas do
Rio.
Enquanto suas declarações em seus primeiros anos giravam em
tomo de objetivos locais e práticos de urbanização de favelas, ser
viços urbanos, apoio financeiro para reabilitação, etc., seu Congres
so Geral de 1968 tratou de temas nacionais fundamentais de longo
alcance, como a inflação, a contribuição dos moradores da favela
para a economia nacional e seus direitos como contribuintes, níveis
salariais nacionais, as falácias das políticas habitacionais, o proble
ma da imagem do “ coitado do favelado ” sustentada pelo Governo.
O relatório final do Congresso Geral, critica especificamente as in
c e e ( fafeg ,
terpretações permitidas
1968:4-5 ). Com relação pelo
a estaDecreto
última, 870 e pelaafirma que as
o relatório
comissões do c e e em favelas não deveriam ser um “ 'instrumento
de desintegração da comunidade e que as comissões existentes já
haviam criado conflitos e facções dentro das associações de favela” .
A crítica explícita a política governamental de remoção, pre
sumivelmente endereçada à chisam (cuja eriaeao precedeu o Con
gresso de 8 meses), foi um ponto importa nte nas reuniões. “ Rejei
ção de qualquer remoção, condenação do desperdício humano e fi
nanceiro resultante dos problemas da remoção” forem especifica
mente discutidos no documento oficial do Congresso. Ao mesmo
F avelas e C omunidade P ol í ti ca 245

lempo, a urbanização era firmemente exigida como a única solução


viável para as favelas.52
Coerente com as posições tomadas no Congresso, a fafeg
tratou imediatamente de impedir a ação contra a primeira favela
(Ilha das Dragas, próxima a um clube social de elite na Lagoa Ro
drigo de Freitas, na Zona Sul a ser ameaçada de remoção pela
chisam , agindo através de seus órgãos subordinados executivos.
Quase que imediatamente, todos os diretores foram presos numa

ação policial
denação paraque
queincluiu sua anterior
a pressão localização
de nas
um favelas e grandeaos
não permitisse coorou
tros escapar. Estava bastante claro que a polícia estava muito bem
informada com relação às identidades dos líderes (nunca oculta
das), suas atividades e localização em momentos específicos. Ob
viamente, os líderes foram mantidos incomunicáveis por alguns
dias, sendo ameaçados de severas conseqüências caso a oposição
continuasse.53 Os homens foram soltos por causa da pressão da ala
mais liberal da Igreja Católica no Rio que, com outros setores ori
entados para a ação social da Igreja por todo o Brasil, só começaram
a ser severamente reprimidos pelo Governo Federal em 1969.
Desde a prisão em massa, as atividades públicas da fafeg
praticamente cessaram e nenhuma tentativa foi feita para impedir
as remoções em andamento das favelas da Zona Sul. Se tal esforço
tivesse sido feito, aquelas tentativas de impedir tal remoção seriam
enfrentadas por soldados armados com revólveres, como foi o caso
em 1964 quando o pessoal da fafeg tentou impedir a expulsão do
Morro do Pasmado, a primeira favela a ser removida pela €OiiAB
(contado nos jornais da epoca ). (

Conclusões

Os acontecimentos e as relações descritos neste trabalho para


as favelas da Guanabara, num certo sentido, são apenas um diag
nóstico da progressão de modelos maiores de acontecimentos e rela
ções na estrutura social brasileira como um todo.
As recentes castrações da fafeg , as remoções de favelas que
prosseguem,
Estado, tudo as
issointervenções legais edeadministrativas
acelerou o processo eliminação dos de órgãos
meios pelosdo
quais as favelas podem comunicar-se com os níveis administrativos
do Estado. A situação reflete as atuais tendências políticas elitistas
52 Ver fafeg , 1968, também notícias de jornais em 3, 10 e 17 de novem
bro de 3968, especialmente no Jornal do Brasil e no Correio da Manha.
53 “Favelados presos sem saber o mot ivo ” , Jornal do Brasil, 14/3/69,
p. 18.
146 A S ocíologia do B rasil U rbano

nas quais a comunicação tomou-se unilateral, de cima para baixo,


para todo mundo. A coerção e repressão dos moradores de favela,
assim como de seus líderes, e a erradicação das próprias comuni
dades, num total desrespeito pelas vontades das pessoas envolvidas
c pela consideração de alternativas, têm seu paralelo na coerção e
..repressão, políticas de sindicatos e ligas camponesas, sindicatos ur
banos, estudantes e associações, da Igreja e seus membros social
mente ativos, dos intelectuais, suas organizações e meios de expres
são, dos jornais, dos negócios, das tribos indígenas (cujo etnocídio
é justificado pelo interesse nacional por recentes leis promulga
das permitindo remoções forçadas e ressocialização semslhante
àquelas impostas aos moradores de favela),
O esboço da história dos últimos 30 anos mostrou a correlação
próxima entre forma, conteúdo e modalidades operacionais do Go
verno federal com seus representantes num dado momento e as po
líticas administrativas dos governos locais (por exemplo, o Estado)
com relação às favelas, Como a forma, as ideologias e os modos de
operação, também mudaram as políticas administrativas locais.
Assim, onde houve mudanças no que se chama “ populismo contro
lado” (Estado Novo de Vargas; as fases iniciais do Governo Jânio
Quadros), “ populismo democr ático” (Govern o Vargas, 1951-54 ;
Kubitschek; a segunda, fase do Governo de Quadros; o Governo

“Goulart);
elitismo ode“elitismo nacionalista”
favorecimento (a presidência
dos interesses de Dutra);
estrangeiros” e o os
(todos
governos desde 1964), essas mudanças têm seu paralelo a nível
local, como mostramos.54
Conforme a orientação do Governo central exigiu mais ou me
nos controle sobre as massas, assim se manifestou essa exigência mu
tável em várias formas e operações de política e de ação com rela
ção às favelas. Ainda, qualquer que seja o Governo, por mais po
pulista e “ democrático” , um forte elemento de controle e manipula
ção foi sempre importante por pelo menos três razões. Primeiro, em
pequena escala, o controle e a manipulação foram necessários por
simples razões de táticas políticas, isto é, eleitorais; segundo, o con
54 Para indicar que esta conclusão não é apenas algo que se deveria
esperar como automaticamente evidente, podemos apontar a história con
trastante (que precisa ser documentada detalhadamente em outra ocasião)
do Peru. Seu Governo, muito mais centralizado, também experimentou
dramáticas mudanças na form a, ideologia e modalidades operacionais,
tanto que se poderia esperar mudanças violentas correspondentes na polí
tica e ação relativas a suas áreas invadidas, as barriadasj ou, hoje em dia,
pueblõs jóvenes. Isto, na verdade, não foi o que realmente ocorreu, mas,
antes, pode-se demonstrar uma progressão ou direção bastante regular na
política relativa à barriada pelo menos de 1945 até hoje.
F avelas e C omunidade Po l í ti ca 247

trole foi cada vez mais necessário porque as populações faveladas


sabidamente já representavam uma ameaça à ordem política e so
cial estabelecida. Terceiro, o controle e a manipulação foram ne
cessários em termos da manutenção das fronteiras de classe por par
te daqueles que têm acesso aos governos federal e estadual, dos quais
todos, praticamente sem exceção, foram membros de uma ou outra
facção de elite das classes superiores no Brasil. Em determinados
com base nas vá
momentos
rias e locais,dessas
combinações o controle recebe
razoes, sua com
embora rationale
pesos diferentes, depen
dendo do modelo político vigente na época.
Assim, as oscilações entre as várias formas de governo —- às
vezes abrindo superficialmente maiores possibilidades para as po
pulações faveladas, em outras fechando-as novamente — deixaram
as favelas e, mais geral e precisamente, o proletariado, sem uma
voz significativa nas decisões sobre seus próprios destinos.
Todas as tentativas feitas nesse período de 30 auos para ga
rantir um grau de liberdade ou responsabilidade para os moradores
de favelas ou para o proletariado como um todo têm-se deparado
sempre com o simples abandono ou falta de continuidade, ou com
a oposição direta na forma de políticas e ações opostas que serviram,
ambas, para
resposta anular essas tentativas.
e responsabilidade Dada os
governamentais, a falta generalizada
moradores da favelade
são forçados a continuar a procurar a melhoria de sua condição
através dos canais racionalmente elaborados, paternalistas, indivi
dualistas, para a obtenção de favores e para a satisfação de interes
ses através da troca de benefícios. Quando tentativas de articula
ção de interesses das massas são tao sistematicamente reprimidas,
o avanço pessoal, a nível da favela ou de classe, deve ser desenvol
vido em níveis menos ameaçadores, até que a remoção de barreiras
permita um fluxo ascendente de comunicação acerca de diferentes
opções e decisões, e um fluxo descendente de reconhecimento, ser
viços e bens.
Austin, Texas
Fevereiro de 1971,
Ap ên di ce I

Forma padrão d e acordo entre o SERFHA e as Favelas*1


Estado da Guanabara
Serviço Especial de Recuperação das Favelas e Habitações
Anti-Higiênicas
Direitos e Deveres das Associações
Termos do Acordo
Federação das Associações de Lucas e Vigário Geral
(nomes de duas favelas vizinhas), registrada sob
± 10.657 no Livro A . 6 e do Protocolo ±: 24 7.337 , Livio
=fc A . 3 de 2 3 /4 /6 6 * 1

No dia 15 de novembro do ano de ............... compareceu a


este Serviço Especial de Recuperação das Favelas e Habitações Anti-
Higiênicas a Diretoria da Federação das Associações de Parada de
Lucas e Vigário Geral, que consciente das resoluções do Departa
mento de Bem-Estar Social em relação às favelas do Estado da
Gunabara, compareceu diante deste serviço [ serfha ] , e assumiu o
compromisso para cumpri-lo bem e sinceramente, como indicado
nos seguintes itens:
1. Cooperar com a Coordenação de Serviços Sociais na reali
zação de programas educacionais e de bem-estar.
2. Cooperar na urbanização da favela, recolhendo quaisquer
contribuições dos residentes para a melhoria do local, responsabili

•1 Este docum ento segue a forma-padrão de acordo , em bora seja u ma


cópia de um rascunho de um acordo específico com uma associação de
favela específica. O fato de que o ano não tenha sido preenchido sugere
que o acordo pode não ter sido fechado.
*2 isso deve ser um erro tipográfico. O serfha parou de funcionar em
]962, como também a Coordenação. Pode tratar-se de 1960.
F avelas e C omunidade P olítíca 249

zando-se pela utilização de tais contribuições e submetendo-se à su


pervisão da Coordenação.
3. Contribuir para a substituição progressiva dos barracos
por construções mais adequadas e cooperar através da mobilização
de trabalho para a realização de outros trabalhos de emergência na
favela — OPE RAÇ ÃO AUTO-AJUDÂ — confor me os planos téc
nicos e a orientação desta coordenação.
4. Cuidar das
5. Solicitar a construções
autorização edamelhorias feitaspara
Coordenação na favela.
a melhoria
de casas, especificando as necessidades de reparo e manutenção.
6. Impedir a construção dè novos barracos, vindo, quando
necessário, a esta coordenação para apoio policial.
7. Cooperar com a Coordenação para realocar os moradores
removidos das favelas.
8. Encaminhar a coordenação as necessidades e reivindica
ções da favela relativas a serviços públicos, manutenção, saneamen
to, polícia e higiene.
9. Na favela, manter a ordem, o respeito pela lei e, de um
modo geral, garantir o cumprimento das determinações da Coor
denação e do Governo.

lar e10. Dirigir para


educacional todos aosCoordenação.
pedidos de assistência médica, hospita

A Coordenação se abriga a:
1. Fortalecer a associação da favela e a nada fazer nas fa
velas ou vilas operárias sem anúncio ou acordo prévio.
2. Desenvolver um plano permanente de bem-estar para a
favela com relação a melhorias no local, suas habitações e a situa
ção de seus habitantes.
3. Supervisionar a utilização dos recursos recolhidos pela as«
sociação e aplicados para melhorias na favela.
4. Substituir progressivamente os barracos por construções
mais 5.
adequadas coma amelhoria
Autorizar ajuda dosdospróprios favelados.
barracos existentes, tendo &ido
os reparos aprovados pela associação.
6. Dar assistência às necessidades e reivindicações da favela,
procurando a ajuda de outros organismos, mas sempre em coopera
ção com as associações.
7. Impedir qualquer violência da parte dos detentores de
falsos títulos de propriedade contra os favelados.
8. Impedir a exploração dos favelados sob qualquer forma,
especialmente com relação ao aluguel de barracos e ao fornecimen
to de eletricidade.
A S ociol ogia do B rasi l U rbano

S. Estimular a criação de cooperativas pela Associação, de


znoflo a combater a exploração do favelado por intermediários.
Atender aos pedidos de assistência médica, hospitalar e
■ educacional sempre que a Associação levá-los à Coordenação, den
tro dos limites dos recursos existentes.

Rio de Janeiro,

Assinado
J o s é A rtur R io s
Cinco membros da Diretoria
Press Release de usis sobre o Acordo do Fundo do Trigo
Acordo assinado entre os Estados Unidos e o Brasil para
a Urbanização das Favelas do Estado da Guanabara

Numa cerimônia realizada no Palácio da Guanabara, com a


presença do Governador Carlos Lacerda, do Embaixador Lincoln
Gordon e outros altos dignitários, fo i assinado ontem, dia 12 [o
mês e o ano não são dados, mas foi por volta de agosto, 1961], sob
os auspícios da Aliança para o Progresso, um importante acordo
para a urbanização
financeira do Fundo edorecuperação das da
Trigo através favelas do pai*a
Agência Rio, com a ajuda
o Desenvol
vimento Internacional no Brasil e com recursos do próprio Estado
através de dotações de 3% de suas rendas anuais de impostos para
este fim.

A Crise Habitacional
A necessidade de habitações de baixo custo no Estado da Gua
nabara é da ordem de 23.500 por ano, resultando num déficit anual
de 11.500 habitações de baixo custo.
Conseqüentemente, 500,000 pessoas na Guanabara vivem hoje
em habitações com precárias condições de conforto, higiene e segu
rança. O objetivo do projeto, a ser desenvolvido com o auxüio da
Aliança para o Progresso, é resolver, ao menos em grande parte, o
problema das favelas no Rio de Janeiro.
De acordo com o Ato de Bogotá e com a Carta de Punta dei
Este, que fala em medidas de auto-ajuda, o Governo do Estado da
Guanabara, em maio do corrente ano, delegou à Fundação Leao XIII
a responsabilidade do planejamento urbano, reconstrução de habita
ções, administração e aplicação das linhas do orçamento, atividades
A S ociologia do B rasil U rbano

lifecnicas e sociais relacionadas a habitação e à urbanização do Estado


iâa Guanabara.

O Projeto
As partes do acordo assinado no Palácio Guanabara são o Exe
cutivo carioca, representado pela Fundação Leao XIII, a C eapa
(Comissão Especial para Acordos sobre Produtos Agrícolas) e a
Agência para o Desenvolvimento Internacional, o órgão criado pelo
Governo americano para executar os projetos da Aliança para ©
Progresso,
Conforme os termos do acordo, os Estados Unidos contribui
rão para a sua execução com a soma de um bilhão de cruzeiros pro
venientes da venda de produtos agrícolas no Brasil. Os itens prin
cipais do projeto incluem a urbanização parcial e reconstrução das-
favelas, a reacomodação dos seus moradores, a urbanização da fa
vela de Vila da Penha e a construção de uma clínica de saúde em
Madureira, região que possui 21 favelas com um total de 82.620
moradores.
O Estado da Guanabara, de sua parte, dotará a Fundação Leão-
X III, para a execução do projeto, de 3% de suas rendas anuais de
impostos, ou o equivalente a um bilhão de cruzeiros.

O Governador Fala
Convidando um delegado de cada um das duas primeiras fa
velas designadas para os benefícios da assinatura do acordo para in
tegrar a mesa que presidiu os trabalhos, e na presença de várias de
legações de favelas cariocas, o Governador Carlos Lacerda indicou os
principais pontos do projeto de renovação urbana da Guanabara,
que dará melhores condições de vida para a enorme população fave
lada do Rio de Janeiro. Disse o governador em um trecho de seu
discurso: “ Conforme as reformas estatutárias e graças à compre
ensão do Cardeal Dom Jaime de Barros Câmara, o Estado pode con
fiar a execução do projeto a uma instituição privada, como a Fun
dação Leão XIII, sob a supervisão do Estado. Os primeiros pro
jetos beneficiarão 43 favelas e 325.000 pessoas. Cerca de 124.000
favelados receberão assistência medica e 18.750 terao a oportuni
dade de comprar suas casas próprias, por pequenas que sejam. Os
projetos são de quatro tipos:
1. Completar a urbanização da Vila da Penha;
2. A construção de 2.2 50 casas de baixo custo em Bangu
e 1.500 em Botafogo;
3. Melhorias em 35 favelas do Rio de Janeiro;
F avelas e C omunidade P olítica 253

4. A construção de uma unidade médico-sanitária em Ma-


dureira, onde se situam inúmeras favelas. A reconstrução da Vila
da Penha já começou, com a construção de caixas d’agua.
Na cerimônia, o Governador assinou um decreto desaproprian
do» para uso público, uma área de um velho terreno abandonado na
Rua Casuarina, para construir lá novas habitações para abrigar os
moradores da favela Macedo Sobrinho, em Botafogo.
Segundo o chefe
de desapropriação se do Executivo
seguirão, da Guanabara,
quando outros
o governador decretos a
aproveitará
oportunidade para convidar os proprietários das terras onde os fave
lados se encontram a doarem parte dessas terrar para a Fundação
Leão XIII, para que possam ser urbanizadas. Com base no acordo
prévio, o governador concedeu a possibilidade de estes proprietários
venderem parte de suas terras à Fundação a preços razoáveis.

Casas para os Favelados


As casas a serem construídas com os recursos alocados pela as
sinatura do acordo entre os Estados Unidos e o Brasil terão inicial
mente uma sala, cozinha e banheiro, numa área urbanizada com
luz, água, ampliar
recursos, esgotos esua
ruas.
casa.Cada
As morador poderá,
casas serâo com seus
vendidas próprios
a prestações
mensais que não ultrapassarão 15% do salário mínimo local. A
importância recolhida ajudará na construção de novas casas. Ape
nas os favelados que moram nas favelas em questão serão ajudados;
não há cômodos ou meios para ajudar aqueles que vieram de outras
áreas [para as duas favelas] com o objetivo de serem beneficiados
com o projeto. As duas primeiras vilas populares nas quais a cons
trução começará imediatamente se localizarão em Bangu e Botafogo,
a primeira chamada “ Vila Alian ça” e a segunda “ Vila Reform a” .
. . . (u m convite ao presidente Kennedy para ver o entusias
mo com que a “ humilde classe dos favelados” receberá os meios
para viver com dignidade e com um mínimo de conforto próprio à
sua condição humana).
. . . (u m discurso do Embaixador Lincoln Gordon refe
rente à tradicional amizade brasileira-americana, a pi'oblemas urba
nos.; à solução do problema habitacional através da auto-ajuda indi
vidual e coletiva pelo povo da Guanabara com impostos e fundos
estrangeiros).
Apêndice III

Decreto UN ” N.° 870 de 15 de junho de 1967


[Diário Oficial ( g b ) , 16 d e junho, 1967]

O Governador do Estado da Guanabara, no uso de suas prerro


gativas legais e
considerando que todo o programa elaborado para uma admi
nistração eficiente e racional, requer a colaboração de grupos repre
sentativos;
considerando que urge obter a colaboração desses grupos ent:
cada favela, vila ou parque proletário e centro de habitação social*,
com a finalidade de representar os seus moradores perante os ór
gãos estaduais;
considerando que as associações de moradores ora existentes
em favelas poderão constituir o grupo representativo do locàl;
considerando que as associações que se organizaram à margem
de diretrizes orientadoras não atingiram seus objetivos, motivando
graves distorções que urge corrigir;
considerando que as associações em tela são muitas vezes fic
tícias e carecem por isso mesmo da necessária representatividade;
considerando que a formulação defeituosa de seus estatutos
têm sido causa de sua incapacidade de funcionar;
considerando que esta situação de fato prejudica sobremaneira
a solução dos problemas da comunidade, DECRETA:
Artigo 1 — Em cada favela, vila proletária, parque ou centro*
de habitação social, apenas uma associação será reconhecida e terá
a finalidade espeeífica de representar os moradores da comunidade
junto aos órgãos de Estado.
parag. 1 — Entende-se por associação de moradores a socieda
de representativa de mais de 50% dos moradores, à qual deverá
ser dado um estágio inicial de congregar 10% da popidação local e
um prazo de dois anos para completar os 50% mais 1.
F avelas e C omunidade P olítica 255

parag. 2 — Toda associação que objetiva representar, os mora


dores de uma comunklade deverá previamente submeter os seus es-,
tatutos à aprovação da Secretaria de Serviços Sociais.
parag. 3 — Após a aprovação e respectiva inscrição na Secre
taria de Serviços Sociais, a sociedade que se estiver constituindo rea
lizará o registro no Cartório competente.
Artigo 2 — À associação devidamente autorizada e registrada
compete:
— Trabalhar pela comunidade, no sentido de prestar assistên
cia e benefício de caráter coletivo, apresentando ao Serviço Social
Regional da Secretaria de Serviços Sociais o seu programa de ação:
— Manter cadastro completo dos moradores, cujas fichas de
verão ser preenchidas em 2 vias, uma das quais será enviada ao
Serviço Social da Secretaria de Serviços Sociais para a devida ano
tação e respectiva inscrição:
— Solicitar ao Serviço Social Regional da Secretaria de Serviço
Sociais, em caso de necessidade devidamente constatado, autoriza
ções para reforma e conserto de barracos;
— Não permitir a construção dè novas moradias;

viços —Sociais
Comunicar ao Serviço
as moradias Social Regional da Secretaria de Ser
desocupadas.
Artigo 3 — 0 Secretário de Serviços Sociais nomeará uma
junta para dirigir a Associação de Moradores, com a finalidade de
realizar novas eleições de diretoria:
a) quando não for depositada, no Banco do Estado da Gua
nabara, numa conta aberta em nome da Associação representativa
de cada favela, toda a arrecadação;
b) quando não for apresentado o balancete trimestral ao Ser
viço Social Regional da Secretaria de Serviços Sociais, relatando o
movimento financeiro da associação;
c ) quando não for cumpr ido qualquer dispositivo dos esta
tutos por parte da diretoria;
d ) quando for apurado qualquer ato que desvirtue a fina
lidade da Associação de Moradores.
Artigo 4 — As associações já existentes nas comunidades fa
veladas vilas proletárias e centros de habitação social, deverão pro
ceder de acordo com os parag. 2.° e 3.° do artigo 1.°, a fim de que
possam continuar a representar os moradores.
Parag. único — Será reconhecida e inscrita em cada comu ni
dade aquela que congregar maior número de moradores ou que me
lhores condições apresentar, a critério da Secretaria de Serviços-
Sociais.
A S ociologia do B rasil U rbano

Artigo 5: Os casos omitidos acima serao resolvidos pela Se


cretaria de Serviços Sociais, que expedirá ordens de serviço regulan
do a atuação da Associação dos Moradores.
Artigo 6: Revogam-se as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 15 de junho dc 1967, 79.° ano


da República c 8.° ano do Estado da Guanabara
assinado: Francisco Negrão de Lima [governador]
Humberto Braga
Victor de Oliveira Pinheiro [Secretário
de Serviços Sociais]

ABREVIAÇÕES DOS NOMES DE INSTITUIÇÕES

Em praticamente todos os casos que se seguem, a instituição


ê mencionada pela sua abreviação; raramente pelo seu nome com
pleto, que é por vezes quase que esquecido:
AID, usaid — Agency for International Development ( U .S .)
bemdoc — Brasil-Estados Unidos — Movimento para o Desenvol
vimento e Organização de Comunidade
b n h — Banco Nacio nal de Habitação
CEDUG — Comissão Executiva para o Desenvolvimento Urbano da
Guanabara
CEE — Comissão Estadual de Energia
cenpha — Centro Nacional de Pesquisas Habitacionais
chisam —- Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área
Metropolitana do Grande Rio de Janeiro
cohab — Companhia de Habitação Popular do Estado da Guana
bara
COPEG — Companhia para o Progresso d o Estado d a Guanabara
c p o — Coordenação de Planos e Orçamentos do Estado da Guana-

CRFbara
— Departamento de Recuperação de Favelas ( “ departamento”
é abreviado “ C” na g b )
e g b , g b — Estado da Guanabara, Guanabara
fafeg — Federação das Associações de Favelas do Estado da Gua
nabara
1DB ou BID — Inter-American Development Bank; Banco I nter-
Americano de Desenvolvimento.
1 PEA — Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (posteri
ormente tornou-se o Escritório)
PSD — Partido Social Democrát ico
F avelas e C omunidade P olítica 2 57

PTB — Partido Trabalhista Brasileiro


SA GM A C S — Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográfica» Apli
cadas aos Complexos Sociais
S E R F HA — Serviço Especial de Recuperação de Favelas e Habita
ções Antihigiênicas
sss — Secretaria de Serviços Sociais
SURSAN — Superintendência de Urbanização e Saneamento
UDN — União Democrática Nacional, um partido político
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mo A S ociologia do B rasi l U rbano

Seminário Interuniversitário
1967 Seminário Interuniversitário para o Exame das Conseqüên -
'% cias das Chuvas e Enchentes de Janeiro de 1966 na Região da
Guunabara e Áreas Vizinhas. Rio: Universidade Federal do Rio
de Janeiro,
Skidmore, Thomas E.
1967 Politics in BraziL Cambridge: Harvard University Press.

II. Periódicos
Agente (jornal, efetivamente o órgão do BNH). Rio.
Boletim Oficial do Estado da Guanabara, Rio,
Correio da Manhã (jornal) Rio.
Dut, O (jornal) Rio.
Diário do Congresso (Federal, abrev. Fed.), Rio.
Diário Oficial (Distrito Federal, abrev. DF.), Rio.
Diário Oficial (Federal, abrev. Fed.), Rio.
Diário Oficial (Guanabara) (abrev. g b ) ? Rio.
Estado de São Paulo (jornal), São Paulo.
Globo, O (jornal), Rio
Manhã,
Jornal doA Brasil
(jornal), Rio. Rio.
(jornal),
Mutirão, 0 (boletim mimeografado, serfha , 1960-62), Rio.
Notíciaf A (jornal), Rio
Tribuna da Imprensa (jornal), Rio»

II I. Leis e Decretos
1937 Lei 6.000 Diário Oficial (Fed), 7 de janeiro, lei estabe
lecendo os códigos de construção, conhecida em geral como o
Código de Obras.
1946 Decreto n.° 9.1 24, citado in Modesto» 1960; criou o Depar
tamento de Habitação Popular.
1947 XIII.
Decreto n.° 22.4 90, 22 de janeir o, criou a Fundação Leão
1949 Projeto n.° 633; Diário do Congresso, agosto, p. 7149; pro
pôs um projeto de remoção de favelas federal, enviando os mo
radores para colônias agrícolas em seus estados de srcem.
1956 Decreto n.° 13.3 04, 28 de agosto; Diário Oficial ( d f ) ,
seção II, ano XIX, n.° 197, pp. 7, 55-56; criou o serfha .
1956 Lei n.° 2.8 75, 19 de setembro; Diário Oficial (Fed.) seção I,
ano XCV, n.° 220 ; conhecid o como a Lei das Favelas — alo-
cou fundos federais a favelas de quatro cidades; deu também
proteção aos moradores das favelas contra expulsões.
F avelas e C omunidade P olítica 261

1962 Decreto n.° 1.0 41, 7 de jun ho; aprovou modificação dos
estatutos da diretoria da Fundação Leão XIII, de modo que
ela pudesse mais tarde ser incorporada ao Estado e desenvol
ver a urbanização, a construção de habitações de baixo custo,
e a remoção de favelas.
1962 Decreto n.° 1.2 81, 25 de jun ho; Diário Oficial (Fed); cria
ção do Conselho Federal de Habitação.
1962 Decreto n.° 1.1 62, 30 de agosto; Diário Oficial ( g b ) , 23
de setembro, pp. 19, 627-628; aboliu o serfha e transferiu
suas obrigações e propriedades para o Departamento de Serviço
Social da Secretaria Geral de Saúde do Estado; o Serviço de
Vilas e Parques passou ao Serviço Social de Favelas sob as
Administrações Regionais; a Fundação Leão XIII passou a
realizar urbanizações, remoções e desenvolvimentos habitacio
nais, especialmente daquelas favelas sob sua égide.
1962 Lei n.° 263, 24 de dezembro; Diário Oficial ( g b ) , 3 de se
tembro, pp. 26,907-914; reorganizou extensivamente toda a
administração do Estado da Guanabara; criou a cohab para
assumir as atividades de habitação e urbanização da Fundação
Leão XIII, deixando a Fundação com um órgão auxiliar li
vremente vinculada a ela.
1964 Lei n.° 4.380, 21 de agosto; criou o b n h .
1967 Decreto n.° 870, 15 de jun ho; Diário Oficial ( g b ) , ver
Apêndice III.
1968 Decreto n.° 62.6 54, 3 de maio; criou a chisam .

IV. Fontes Documentais e Não Publicadas t


Albano, Maria Josephina Rabello
1963 “ Estado da Guanabara ( Brasil-Monograph on Housing Ma
nagement and Tenant Educa tion” . Documento preparado para
o Expert Meeting on Housing Management and Tenanton
Education, Weelington Nova Zelândia, 8-22 de março de
1963 (mimeo). Rio: Fundação Leão X I I I - cohab .
Berson, Theodore
1964 “ The Favela; An Administrative Problem in Rio de Janei
ro: 1933-1964” . Nova York: Columbia University, Metropo
litan Graduate Summer Field Training Program in Latin
America ( datilograf. )
-CODESCO
1969 “ Avaliação do piano de urbanização de Brás de Pina” . Rio,
(mimeo).
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1963 “ Censo das favelas da Guanabara” . Rio (hectogra fado).
A S ociologia do B kasll U rbano

j&M cÈstudo de Viabilidade para as favelas Mata Machado, Mor-


■ fa»»?í3iiiSo, e Brás de Pina. Rio.
fafeg * "

1964 “ Relatório final do II Congresso Estadual das Associações


; -a rde <Moradores das Favelas e Morros do Estado da Guanabara” .
Rio. (mimeo)
1964 ' ^Primeiro Congresso de Favelas” (gravações das sessões; ar-

íjr‘1^TuvòLeão
Fundação Leeds),
XIII
ca, 1968 “ Favelas da Guanabara” . Rio (có pia ).
Leavitt, Howard
1968 “ History of the bemdoc Project J\ Apêndice II, em Leeds,
1966» ver abaixo, (mimeo),
Leeds, Anthony, Coordenador
1965 Evaluation of the Urban Communityy Development Pro -
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1970 “ Producer and Consumer Orientations Towards Housing:
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Comparisons” , Trabalho lido no simpósio User-Aproaches to
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Leeds, Abthony e Elizabeth
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tro Latino-Americano, Universidade da Califórnia, Los A n -
geles.
Leeds, Anthony e Elizabeth
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ternal Political Structure of Rio de Janeiro” . Trabalho apre
sentado no 37.° Congresso Internacional de Americanistas,
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1969 “ Implicações políticas na formação e desenvolvimento de
um núcleo habitacional para o operariado” . Rio: Museu Na
cional, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Urbana
(datilografado)*
Moura, Vítor Tavares de
1969 “ Relatório — Largo da Memória” . Rio ( datilografado do
Arquivo Moura)*
V*

F avelas e C omunidade P olítica 263

Silberstein, Paul
1970 “ Social Aspects of Odd-Jobbing in Rio de Janeiro” . Rio:
Museu Nacional, Progama de Pós Graduação em Antropolo
gia Social — Antropologia Urbana, trabalho de seminário ( da
tilografado).
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1962 “ Firmado acordo entre os Estados Unidos e o Brasil para a
urbanização das favelas do Estado da Guanabara” . Press re-
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Wagner, Bernard; David McVoy; e Gordon Edwards
1965 (“ Guanabara Housing and Urban Development Program —
Report and Recommendations by AI D Housing and Urban
Development Team” . Rio: a i d (mimeo).
V . Arquivos e coleções pessoais de documentos de instituições ou
pessoas selecionadas que, em algum momento, colecionaram
considerável material primário, que foi colocado à nossa dispo
sição. A todas somos muito gratos. Estão listados pelo nome
da(s) pessoa(s) que os coletou(aram).
Albano, Maria Josephina Rabello; Matérias da cohab; recortes,
1963-65; puc, Escola de Serviço Social; cenphà (Rio),
bemdocs boletins; Semana de Estudos; material de survey, etc.
(todo o material do bemdoc foi transferido para a Fundação
Leão XIII).
Brown, Diana: recortes, 1968-69 (Nova York.
Departamento de Recuperação de Favelas: fichário sobre 210 fave
las, incluindo material estatístico, mapas, algumas fotos, mate~
riais legais, etc, (todo material do CRF foi transferido para à
Fundação Leão XIII, que tambépi tem extensos fichários le
gais e outros tipos, de material) (R io ).
Leeds, Anthony e Elizabeth Leeds;» jornais e recortes, 1965-69; en
trevistas e falas gravadas; documentos, fotos; cópias de outros
arquivos e coleções (Aústin)_. '* 1
Modesto, Hélio: recóríes dps anps’60 ÇRxó). ’ ’/
Moura, Vítor Tavares de: recortes, relatórios, discursos, fotos, toclos
de por volta de 1941-4r5 (Rio:-de posse de Maria Coeli-Tava
res de Moura): ; --inr-Tvr ;
Rio, José Arthui* Rios: recorfôs dò'f]nal dá década de 1950 e iní
cio da <Je Í960;. dot s e i } f h £ (OgqraçãÒ Mutirão);, relátçs, fefc
(R io ). ' Ji ’ *
:gand, Sílvia Peréirá, recortes, 1964’65t; materiais ' da' c o H fAN .
. 1 l• I <‘t . »' * • ••í i .• ''tt ii •.*.K • •*•**-.)»> "I l
• . . : i, ?»'*•» / ? V. •t * •• *. v
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Considerações sobre Diferenças Comportamentais:
Três Sistemas Políticos e as Respostas das Áreas
Invadidas por Posseiros no Brasil, Peru e Chile

A nthony L eeds e E l i zab et h L eeds

Nossa questão neste capítulo é dar conta da variação nas for


mas de comportamento dos moradores das áreas invadidas por pos
seiros e dos tipos intimamente relacionados de ocupação urbana,1

Nota do Au tor : Gostaría mos de agradec er ao Professor Brnst Halperin,


Departamento de Ciência Política, Boston University, por seus provei
tosos comentários, e particularmente Shirley Darwin, outrora da Missão
Metodista no Chile, por seus detalhados comentários sobre as áreas inva
didas por posseiros, baseados em sua longa e intensa experiência de traba
lho e vida nelas. Public ado srcinalm ente em The City in Comparative
Perspective, org. por John Walton e Louis Marotti.
1 “ Tipos relacionad os de ocupa ção urban a” refere-se ao fato d e que a
distinção analítica entre áreas invadidas por posseiros e outros tipos de
áreas residenciais freqüentemente se relacionam apenas a um aspecto dos
muitos que caracterizam esses locais. Assim, por exemplo, no Chile, 6
errôneo falar de um tipo de moradia* onde, durante os últimos anos,
diferentes tipos de agrupamentos conhecidos como caítamoas, mejoras,
poblaciones (de vários tipos) e campamentos evohifram em resposta às con
dições sócio-políticas variáveis e à ação do governo. Uma rigorosa descri
ção dos diferentes tipos de moradia no Chile até 1965 é dado pela desal,
1965. Desenvolvimentos mais recentes são discutidos em Cucllar, et al.,
1971; ciDUj 1972b; “Experiências.,.*’, Castells, 1974; e Handelman, 1975,
Todavia esses quatro tipos têm em comum o fato de serem unidades geo
gráficas, cada uma composta de populações de baixa renda em condições
mais ou menos abaixo do padrão de vida médio (ou ocasionalmente
melhoradas em grau considerável) cada uma com um interesse investido
Considerações sobre D if eren ças Com port am entai s 26 5

individual e coletivamente, no Brasil, Peru e Chile, ao se confron


tar com os sistemas políticos daqueles países, dado o seu interesse
em extrair bens e serviços da comunidade política. Observamos va~
riagoes em suas formas de tratar, manipular, resistir, e, sob outros
aspectos, de lidar com o sistema político externo a eles, o que já foi
bastante explicado anteriormente em termos das caareterísticasima
nentes das próprias populações. Nessas explicações, as caracterís
ticas imanentes variam de país para país, de maneira que, até ago
ra, não foi, em si mesma, explicada. Argumentamos que as formas
diferenciadas de comportamento são explicadas efetivamente em
termos da variação nas formas dos sistemas políticos com os quais
às populações das áreas invadidas por posseiros se confrontam, e
que é totalmente desnecessário apelar para características imanen
tes como modo de explicação.
0 problema surgiu quando encontramos contradições relativas
às afirmações da literatura existente, durante as observações reali
zadas, primeiramente, no extenso trabalho de campo nas favelas
do Rio de Janeiro, e, depois, nas prolongadas visitas às barriadas de
Lima, e em visitas mais curtas às áreas invadidas de Caracas, San.
Juan (Porto Rico) e, no Brasil, Curitiba, São Paulo e Salvador«2
A argumentação geral deste trabalho é de que a ação política
de qualquer dado agente ou ator ê condicionada, constrangida, e

em sua área de moradia como tal. Paralelos a esses tipos são encontrados
no Peru (a) barriadas tugurisaãas(ver Delgado, 1968), (b) o que hoje
é chamado pueblos jóvenes (estas duas ca tegoria s subdivididas em seu
status com o “ reconhec idas” e “ não-reconhec idasw pela Junta Nacional de
la Vivienda), (c) projetos de conjuntos habitacionais de baixa renda,
(d) corralones, e, possivelmente, {e) as unidades vecinales . Paralelos bra
sileiros seriam ( a) as favelas, (b) as vilas e (c) os parques proletários (ver
Leeds e Leeds, 1970, A. Leeds, 1974a). A ausência de uma gama comple
ta de paralelos no Brasil está nitidamente relacionada à natureza do esta
do político e da ação e estrutura política, como se esclarece no texto.
Por causa dos traços comuns desses vários tipos e da dominância numé
rica no conjunto de posseiros e de áreas invadidas, bem como do fato de
os outros tipos envolverem parcialmente posse e invasão, empregamos o
termo áreas invadidas por posseiros, genericamente, para todos eles neste
trabalho, reconhecendo que algumas variações no comportamento política
ficam com isso inevitavelmente atenuadas. As diferenças entre eles pare
cem mais significativas no Chile.
2 Além de nossa próp ria pesquisa e de nossas visitas, lem os a litera
tura sobre áreas invadidas e habitações de baixa renda relacionada (ver
"Leeds e Leeds, em elaboração), particularmente àquela que Jida com a
política e a organização social, não apenas para o Peru, Brasil e Chile,
que são melhor documentados, mas também para a Venezuela, Colômbia*
Guatemala, Nicarágua e México, que vêm em seguida em qualidade de
material. A esta deve ser acrescentada a literatura comparativa sobrft
Hong-Kong, Deli, Lusaka Lisboa e Manila.
M Sociologia do Brasil Urbano

talvez mesmo determinada por uma ampla gama de variáveis exter


nas à comunidade política inclusiva. A descrição e compreensão
ou á previsão do comportamento de qualquer um de tais atores
nínna comunidade política requer especificação das variáveis que
operam como coatoras sobre, e/ou das opções disponíveis a aquele
átor, ou seja, uma descrição da ordem externa ao ator escolhido
para estudo — no nosso caso, as áreas invadidas por posseiros no
Brasil, Peru e Chile. Sem uma rigorosa discussão das variáveis da
comunidade política,deinclusive,
como os moradores o comportamento
áreas invadidas tende a ser de atores
vista, como tais
será
mostrado abaixo, em termos dos estereótipos e etnocentrismos pre-
valescentes na literatura existente, escrita em grande parte por nor
te-americanos ou por representantes de classes da sociedade em con
sideração, que são, na verdade, também estranhos aos tipo3 de mo
radia em questão.
Aqui, definimos “ políticow como compreendendo qualquer
ação, articulação de interesses ou tentativa feita por um ator para
manobrar com órgãos públicos e privados que têm como objetivo
a extração de bens e serviços de um dado sistema por outros meios
que não as trocas padronizadas de valor, em geral de dinheiro. Nos
casos em consideração, tal tentativa pode significar laços informais
e individualistas com políticos, pela saída intencional da participa
ção nos processos políticos formais, de modo ú reter o poder da
barganha, permanecendo fora dos compromissos políticos formais,
ou participando dos canais políticos formais, abrangendo a burocra
cia, ou ainda combinações dessas alternativas, variando conforme
as condições.

Uma Metodologia e um Modelo Holísticos:


"Contexto” como Variáveis Determinando a Ação

O leitor detectará, no que se colocou, uma certa orientação,


com sua terminologia, que queremos discutir brevemente antes de
prosseguir, uma vez que filosófica e metodologicamente ela permeia
a abordagem para a compreensão de nosso tema3 e leva a certas
■ conclusões acerca dos resultados de estudos anteriores.
3 O termo inglês srcinal é subject matter , cuja tradução é tema. O
autor fa z a seguinte observação a seu respeito: “ A esquisita expressão subject
matter ou subject matter de estudo é usada para evitar subect (que teria
o duplo sentido de sujeito e de tema) ou object (objeto) (de estudo) ,
com suas complexas e complicadas implicações filosóficas, especialmente
nas tradições marxista e hegeliana, por um lado, e, por outro, em suas
.formas adjetivas ‘subjetivo' e ‘objetivo', na tradição positivista britânica.
Também evitamos 'entidade’ ou ‘coisa’, uma vez que ambos envolvem,
C onsiderações sobre D iferenças C omportamentais 2 67

Nosso trabalho está construído sobre dois métodos interligados:


a compreensão de nossos casos por meio de uma forma específica
de liolismo, a análise geral de sistemas e uma comparação de casos.
Esses casos são escolhidos não apenas em função do acidente, duas
ou três unidades de estudo que por acaso nos são familiares, mas
com base numa tentativa de usar critérios de compatibilidade para
selecioná-los. Embora o procedimento de seleção esteja sabidamen-
íe ainda pouco desenvolvido, ele está distante do puramente aã hoc
e representa um passo na direção de um método propriamente com
parativo, seja para análises políticas, sociais ou outras. Isso ê me
lhor discutido adiante.
0 holismo foi, por um longo período, um modelo metodológi
co especial para a antropologia, amplamente para a história, e mar-
cadamente para certos tipos de economia política, especialmente o
marxismo. Ele afirma, em essência, que, para qualqueT tema a
ser estudado, é essencial entender sua estrutura, seu ambiente, a
cena em que é observado, e conseqüentemente é necessária alguma
descrição do contexto. De forma recíproca, o tema de estudo não
está isolado, não é completo em si mesmo, mas se relaciona de modo
significativo ao contexto, cuja especificação ilumina nossa compre
ensão do tema. O contexto também fornece bases para o julgam en
to na interpretação do significa do do tema — é uma espécie de
controle . 0 que a “ compreensão” do contexto acarreta ainda não
foi, na verdade, claramente estabelecido em termos filosóficos, nas
disciplinas ou subdisciplinas holísticamente orientada, mas ela ê
tomada — praticamente como um ato de fé de sentido estético —
com o essencial. Na prática, isso significa que um antropólogo ou
economista pol ítico conhecerá mais e mais aspectos de “ sua cultu
ra” ou “ sua sociedade” (ist o é, a entidade sócio-cultural em consi
deração) intimamente até que, idealmente, ele os conhece todos e os
vê todos inter-relacionados e interpenetrando-se. 0 fato de que “ sua
cultura” seja propriamente um todo nunca foi muito questionado
— isso é tomado (erroneam ente, do nosso ponto de vista) como
axiomaticamente auto-evidente, também como um ato de fé. Final
mente, a eficácia de um tratamento holístico não é explicada filoso
ficamente de modo claro, mas é antes concebida esteticamente, c
em conseqüência também como um ato de fé.
Gostaríamos de sugerir algumas idéias acerca deste problema,
esclarecendo o método subjacente ao nosso estudo. 0 “ contexto”
tem sido tradicionalmente pensado, em essê ncia, como o “ resto da
cultura” ou “sociedade” (outro que não o que se enfoca no estudo)

freqüentemente, reificações baseadas em axiomas incorporados, não explí


citos** (ver Leeds, 1974b).
M So ci ologi a d o B rasi l Urbano

funcionando para o tema como uma base ou cenário constante onde


sèXt papel é dessempenhado.4 Esse tratado antes como uma coisa
unitária que suporta o tema de estudo.
Rejeitamos a visão de um contexto imóvel. Em vez de vê-"lo”
como uma coisa , tratamos o contexto como um conjunto de variá
veis num sistema de variáveis, no sentido em que a teoria geral de
sistemas utiliza esses termos. Cada variável, ou “ elemento” , dire
ta ou indiretamente interagem — tem um papel ativo — e afeta
cada uma
mente uma,das
ou outras, das quais
um conjunto o nosso tema
que escolhemos, comde bases
estudoemé vários
simples
aspectos para atenção especial. Assim, mais do que ver nosso mo
delo como consistindo de uma estrutura de dois corpos de um tema
variável de estudo e uma base constante ou um conjunto de condi
ções chamadas de “ contex to” , ele é visto, Iiolisticamente, como uma
entidade com múltiplos corpos (se é que, na verdade, sc trata de
uma entidade e não de uma construção mental num modelo teó
rico) que consistem de elementos chamados variáveis, conhecidas,
idealmente, pela observação direta e por medidas de tipo quantita
tivo, todas interagindo entre si, em grau maior ou menor, às ve
zes direta, às vezes indiretamente, através de outras variáveis. Nes
sa concepção, o contexto como uma coisa conceituai desaparece;
resta-nos um tema de estudo com relação ao qual açÕes — “ for
ças” , pressões, etc. — e coações estão ocorrendo a partir de forças
externas a ele, sobre as quais, por sua vez, ele exerce ação e coa
ção.

4 A base é vista co mo constante tanto de form a ativa co m o passiva, de


uma maneira peculiarmente contraditória. A visão passiva vê a base di
gamos como um meio ambiente que para todas as pretensões e propósitos,
é fixo ou tão macrocósmico que suas variações são triviais e puramente
locais. A visão era (e ainda é, amplame nte) difusa nas aborda gens para
a compreensão do indivíduo na sociedade ou cultura, ou, muito freqüente
mente também, em estudos ecológ icos onde o m eio ambient e natural
(mesmo com variação sazonal ou de outro tipo) foi tomado simplesmente
como um dado externo com o qual os seres humanos devem lidar. A
visão mais ativa dessa base a pensa como determinando a ação humana
— os seres humanos, essencialmente, como fantoches do meio ambiente
físico ou social que age sobre eles. Ainda assim, esses meio ambientes são,
nessas visões, tratados como essencialmente fixos e externos, não tra
balhados, delineados e formados pela ação e atividade humanas de modo
que a base, embora determinante, é ainda vista curiosamente como pas
siva, enquanto que, uma vez que são determinados, os humanos são vistos
peculiarmente como passivos, embora na verdade constantemente agindo.
Achamos essas visões inerentemente contraditórias, construídas com ca
tegorias metafísicas e concepções causais na sabedoria herdada da ciência
social. Cremos que a visão geral de sistemas resolve o problema.
C onsiderações sobre D iferenças C omportamentais 2ó 9

Antes de detalhar outros aspectos de uma abordagem sistêmi


ca, consideremos como nosso tema tem sido comumente tratado.
Até recentemente, a maior parte da literatura sobre posseiros e áreas
invadidas tratou-as essencialmente, de modo isolado, como entida
des auto-suficientes (por exemplo, “ enclaves rurais na cidade” ,
Bonilla, 1961), cujas supostas características são explicáveis em ter
mos de seus atributos ou essências imanentes. Na versão mais ex
trema, praticamente nada da base ou do contexto é elucidado (ibid:
desal , 1965; Lewis, 1959, 1961, 1965, 1966 etc; Mangin 1967a,
1967b; Perase, 1956, 1959; Portes, 1971; Turner, 1963, 1966,
1968, 1969. À medid a que a literatura evoluiu, e particularmente
os cientistas políticos começaram a ter interesse nas áreas invadidas
por posseiros, mais atenção foi dada ao contexto, mas de modo es
sencialmente passivo. Assim, os posseiros, como indivíduos ou co
letividades, eram vistos como se comportando ou não se comportan
do na esfera política ( concebida sobretudo em termos de eleiçò es ,
fato que necessita da especificação do contexto em termos de parti
dos, eleições, e coisas semelhantes (ver Goldrich, Schuler e Pratt
1967-1968; Goldrich, 1970; Portes, 1970, 1972) ou no sistema le
gal (p or exemplo, Conn, 19 69). O reverso é também verdadeiro: o
■ estudo do sistema político com relação aos posseiros, mas tratando
estes últimos mais como uma base passiva (Collier, 1971; Leeds e
Leeds, 1972; Medina, 1964).
A visão de sistema do holismo, rejeitando essencialmente o
contexto como uma base passiva, requer que se especifiquem tan
to o tema de interesse e os aspectos apropriados da base, como os
“ atores” ou as variáveis no sistema. Do ponto de vista dos atores
^posseiros” como variáveis, somos obrigados a ver como as variá-
veis externas (neste caso, o sistema político em sentido amplo) se
inter-relacionam ativamente com os “ posseiros” como indivíduos e
coletividades — e a ver como os “ posseiros” se inter-relacionam com
as variáveis políticas externas. Nossa colocação aqui simplifica o
quadro porque fez dos “ posseiros” e sistemas políticos categorias uni
tárias — um tipo de modelo de dois co rpos — enquanto que, na ver
dade, numa análise mais completa, argumentaríamos que teria que
ser feita uma
poblaciones consideração, diferencial
, campamentos projetos de com relação“ popular”
habitação aos moradores das
(o u seja,
da classe trabalhadora), áreas invadidas por posseiros, e mesmo vá
rios tipos de áreas invadidas (ver A. Leeds, 1969). Além disso, te
ríamos que incluir, em nosso relato mais completo, relatos diferen
ciais dos sindicatos, do sistema partidário, da burocracia, do Legis
lativo, do Executivo e, muitas vezes, dos militares e da Igreja. De
qualquer forma, colocando o problema em outras palavras, ò mode-
870 A S ociologia do B rasil U rbano

lo geral de sistema exige que examinemos como as variáveis agem


umas sobre as outras num sistema de mútua causação — uma cau
sarão de grau, não de determinãncia absoluta.
A concepção de mútua causação tem as mais profundas im
plicações para os sistemas que envolvem populações humanas por
que os seres humanos avaliam não apenas situações e tendências,
mas, sobretudo, as ações de cada um e, então, governam suas pró
prias ações de acordo com tais avaliações. Esse efeito de avaliação
sobre o comportamento dos elem entos — nossos “ atores” ou varia-
veis — de um sistema é tecnicamente chamado de feedback. O
feedback faz parte da essência da interação humana, uma vez que
todos os atores envolvidos no sistema estão envolvidos em circuitos
de feedback, e adaptam constantemente o comportamento às
mudanças no comportamento das variáveis (atores, incluindo or
ganismos, instituições, condições) externas a eles, bem como ao seu
próprio comportamento modificado. Metodologicamente, isso signi
fica que o tratamento de qualquer grupo como uma entidade auto-
suficiente é inerentemente uma falsa representação e só pode ser
feito com base em suposições implícitas e bastante despropositadas,
mas amplamente sustentadas — por exemplo, que uma população
no interior de uma situação política pode ser de alguma forma wdes-
politizada” .5 Tal cognição,
liação, atribuição, suposiçãoconação,
afasta-nos
açãoda—pesquisa
com os sobre a ava
conseqüentes
quadros míticos que nos foram apresentados sobre posseiros (ver
adiante).
A existência de feedback nas populações humanas tem outras
implicações dè grande interesse para análises políticas (e outras)*
A possibilidade de feedback constitui uma coação sobre qualquer
variável dada porque as pessoas avaliam e governam seu compor
tamento segundo ele: o feedback limita sua gama de variação. Em
termos políticos, com relação aos posseiros, isso significa que um
ator político* como um partido que precisa de um eleitorado e que
produz bens para seu eleitorado — tais como melhorias infra-estru- 1
turais na área invadida — arrisca-se a perder seu eleitorado. Conse
qüentemente, é coagido —■ deve produzir algo se existem partidos
5 Fo i interminave lmente repetido na literatura de ciência política que
as pessoas que vivem sob ditaduras linha-dura são “despolitizadás”, uma
vez que não “têm” prática política (isto é prática eleitoral). Eles não
conseguem ver que exatamente essas condições agudizam o senso político
estratégico e a anál ise, e forta lecem a organização — co m o a recente h is*
tória de Portugal, depois de um regime totalitário de 50 anos, e os acon
tecimentos políticos antiautoritários de Portugal e Bspanha deveriam, de
uma vez po r todas, indicar. ' '
C onsiderações sobré D iferenças C omportamentais 271

concorrentes nas proximidades. Do ponto de vista das áreas inva


didas, a ausência de partidos concorrentes ou inacessibilidade ao sis
tema partidário constituem coações sobre suas possibilidades de
ação, a não ser que, por exemplo, os partidos estejam compe
tindo com a burocracia ou com o executivo por eleitorado, ou que
haja outros caminhos para pressionar os partidos ou o governo para
a produção de bens e serviços — por exemplo, através dos sindi
catos.Nosso tratamento holístico, então, di ssolve o “ contexto” em va
riáveis ativas relacionadas de modo importante, direta ou indire
tamente, à variável, do sistema também ativo, que escolhemos para
focalizar. Idealmente, descreve-se o si stem a d e i n t er a ção das va
riáveis especificadas como delineando o sistema. Esse conceito obri-
ga-nos a descrever para as populações humanas nao apenas a orga
nização dos atores ( “ estruturas das variáveis” ), mas também seus
procedimentos avaliativos, os mecanismos de feedback, e o sistema
de coações mútuas em operação — ou seja, limitações sobre os
atores que existem para cada ator em cena, quer individual ou cole
tivamente. Estamos metodologicamente obrigados a evitar o pro
cedimento tradicional de isolar algum tema de estudo unicamente
para
ternaoéexame interno, Em
autogeradora. baseados na suposição
vez disso, afirmamosde que
que aa estrutura
estrutura in in
terna é um produto da interação tanto do processo interno coma
da ação externa. Somos obrigados a evitar a busca de essências. Se
qualquer estrutura interna for autogeradora ou tiver qualquer es
pécie de “ essência1’, isso deve ser em pir icam ent e de m ons tr ado , e
não tomado como axioma.
Podemos explicar mais detalhadamente a relevância dessas
considerações para a nossa questão de modo mais completo. Pri
meiro, a ação de qualquer ator é limitada pela utilidade ou inutili
dade de sua açao na consecução de objetivos. Algumas ações que
podem ser imaginadas são impraticáveis porque, por exemplo, seus;
efeitos de feedback são indesejáveis (de modo que, por exemplo,
como as maldosas vinganças, elas são em geral remetidas à fanta
sia). Dito de outro modo, para qualquer sistema dado, as gamas de
ação útil são limitadas, e tais limites devem ser descritos empirica
mente.
Segundo, no interior dessas gamas limitadas, para qualquer
açao dada a gama de açao política é ainda mais restrita em virtude
das respostas políticas que o ator pode prever que outros atores-
produzirão. Uma reação política prevista pode ocorrer real ou ape
nas potencialmente, é puramente postulada como uma possibilida
de, ou é entrevista ou imputada ao outro partido. Nem mesmo pre*
E72 A S ociol ogia do B rasi l U rbano

‘cisa materializar-se num comportamento real para operar como


restrição sobre as ações de qualquer ator. A proposição refere-se,
pox ptincípio, a todos os atores. Na essência, o jogo político para
qualquer ator dado consiste na minimização das restrições sobre
sua açoã e na maximização das restrições que ele pode exercer
sobre outros.
Terceiro, a descrição e compreensão, e a possibilidade de pre
visão, do
modelo comportamento
construído requer adeinclusão
qualquer
de ator numa das
descrições sociedade pelo
várias restri
ções e de um modelo de sua interação. Isso também significa es
pecificar as opções disponíveis aos atores. No final das contas, essas
várias exigências significam uma descrição e um traçado do sistema
mais amplo de variáveis — ambas as ordens externas ao ator esco
lhido para estudo e ao próprio ator.6

A L it er atu r a so br e a Po li ti zaçao :
Al ega ções d e Não Pol i ti zaçao da s Ár ea s I n va d i d a s

A literatura recente que trata dos proletariados urbanos da


América Latina exemplifica calaramente alguns dos problemas me
todológicos que acabamos de discutir. Ela combina o erro funda
mental de tomar unidades de análise fora de contexto, isolando os
fenômenos em estudo — nesse caso, formas de articulação e organi
zação política. O tema é abordado com um forte etnocentrismo, am
plamente baseado nos postulados das análises sócio-políticas anglo-
americanas, mas também, às vezes, nas suposições de classe dos ob
servadores latino-americanos da intelligentsia — essencialmente
membros das elites ou seus congêneres americanos (Collier, 1971;
o grupo desal , 1965, 1966; Medina, 1964; Portes, 1970, 1971;
Schimitter, 1971; parte da literatura da dependência). Embora to
mar o tema fora do contexto e o tenocentrismo não estejam ineren
temente ligados, isolar o comportamento político de seu contexto po
lítico permitia que interpretações errôneas e ctnocêntricas floresces

6 é interessante observar que a utilidade e eficácia das explicações psi


cológicas, inclusive em termos de motivação, dos fenômenos sociais se
reduzem a um papel extremamente perif érico num mundo que é visto da
maneira descrita acima. Talvez a única suposição básica de tipo psicológico
que é preciso fazer é que, embora muitas pessoas possam agir também
altruisticamente, elas se comportam basicamente em termos de auto-in-
teresse individual e coletivo. Gostaríamos de evitar a reação de valor que
esta suposição sempre parece emitir, apontando para o fato de que o
interesse próprio não é necessariamente maligno, mas pode ser, e talvez
comumente seja, benigno e, na verdade, torna o possível altruísmo: quem
não se adaptou a um mundo real com alguma forma de interesse próprio
não pode também ser altruísta.
C onsiderações sobre D iferenças C omportamentais 273

sem, porque os observadores ficavam cegos para as restrições caracte


rísticas operando em cada país e conseqüentemente não percebiam a
rationale dos comportamentos observados dos atores posseiros (su-
pondo que as observações estivessem corretas).
A literatura tendeu a ver os tipos de população com que esta
mos preocupados quase que totalmente em termos de “ socializa
ção política” , “ marginalidade” , “ integração” , “ politização” e no

ções
metidosimilares, que provêm
com a idéia essencialmente
de desenvolvimento do pensamento
e que compro
parecem pensar que
a vida política é uma invenção recente na evolução cultural. As
noções são definidas de tal modo que elas se adequam apenas a este
tipo de orientação central.7 0 que estes termos significam é que al
guma população de pessoas, individual ou coletivamente, atraves
sa um processo por meio do qual aprende a “ participar” do “ pro
cesso polític o” e das “ instituições políticas” etnocentricamente con
cebidas pelo cientista social que observa tais fatos, supõe que antes a
população n ão era politicamente envolvida, mesmo de forma dife
rente, Esses conceitos carregam consigo as suposições de que ser po
litizado, participar, estar integrado nas formas de organização po
lítica anglo-americanas “ é mais racional” , mais “ maduro politica
mente ” , mais “de
demonstrativo estável” — e, conseqüentemente,
“ progresso” também
e “ desenvolvimento” “ melhor”
— que as for ,
mas de comportamento “ mais tradicionais” realmente observadas
com tanta freqüência. Estas últimas são vistas isoladas do contexto,
de modo portanto indeterminado, nao sendo, conseqüentemente,
entendidas, ao passo que a irrelevância dos modelos anglo-ameri
canos com relação aos contextos nos quais estariam ajustados esca
pa totalmente a esses observadores.
Característco de tais análises, desde que as noções de “sub
desenv olvimento ” , “ nações emergentes” , “ áreas do Terceiro Mun
do” e idéias semelhantes viraram moda no final dos anos 50 e iní
cio dos 60, é a expectativa de que os países “ em desenvolvimento” ,
natural e necessariamente, evoluirão ou adotarão certas práticas
políticas,
medida em e que
que suas populações
tais países adotarão
alcancem determinadas
os níveis exaltados atitudes, na
do “ desen-
7 A no ção de “integração” , por exemplo, significa apenas a vinculação
de populações de várias espécies ao tipo de participação e organização
pojítica e social característica da política ocidental. O fato de que outras
formas de integração sejam igualmente válidas, viáveis e valorizadas é
excluído de maior consideração científica por definição com a conseqüên
cia de que especialmente os observadores de ciência política foram inca
pazes de perceber modos de integração alternativas. Apesar disso, ver
Payne (1965) e E.J. Powell (1970) que são claros acerca das alternativas,
ásto é, não limitados por uma definição tautológica.
27 4 A S ggxologia do B rasil U rbano

*Volvi mento” europeu-ocidental ou norte-americano (ver suposição


semelhante em Leeds, 1964a). Tais práticas políticas, processos
e atitudes serão, dado o princípio evolucionista unilinear subjacen
te a tal pensamento, homólogas àquelas dos “países altamente de
senvolvidos” . As formas da articulação política além daquelas con
cebidas por tais escritores parecem-lhes irrelevantes ou sugerem um
baixo grau de politixação ou de “ socialização” política para essas
populações proletárias
0 cientista políticorurais e urbanas
american (e outras).
o Goldrich, em particular, lidou
com a socialização política dos moradores de áreas invadidas por
posseiros e dos projetos habitacionais governamentais de baixa ren
da em Lima e Santiago, no contexto de uma concepção unilinear
de desenvolvimento, desenvolvimento este que progrediria através
de uma seqüência determinada, que começa com a “ aão consciên
cia de governo” (pergunte-se quando, na história humana, isso
ocorreu) e procede aos seguintes estágios: “ consciência de gover
no” , “ percepções da utilidade do govern o” , “ realização de sua ma-
nipulabilidade” , “ desenvolvimento de uma prefe rência política” ,
“ avaliação da provável eficácia de algué m” , “ cálculos de ganhos e
custos da ação” e, finalmente, “ fazer demandas” . Outro cientista
político
tica dos americano
moradores (S. Powell,
de uma 1970)deconsidera
barriada a participação
Lima primária polí
e estreitamen
te em termos do comportamento eleitoral — novamente, uma for
ma ocidental, particular, anglo-americana de ver o comportamen
to político. Um sociólogo britânico (Bamberger, 1 968) é talvez
muito culpado do pensamento desenvolvimentista em suas discussões
da integração política nos “instáveis” bairros da Venezuela, cujas
condições “ tornam difícil alcançar a integração política essencial
para o funcioname nto da democracia” . Ray ( 1969) faz eco a essa
atitude de forma mais branda em todo seu livro.
O que se objeta a essa literatura é primeiramente, a suposi
ção normativa de que uma dada população deveria necessariamen
te alcançar um tipo particular de politizaçao ou socialização. Tal
suposição, por um lado, impõe um conjunto de valores políticos
sobre uma população cujo contexto histórico e estrutura socioló
gica podem indicar formas bem diferentes de comportamento polí
tico. Foi visto que no Brasil, por exemplo, a “ variável” “ eficácia
política”, geralmente empregada por autores que escrevem sobre a
politizaçao, era imprópria, no contexto brasileiro para o estudo das
atitudes políticas entre moradores de favelas no Rio. “ O morador da
favela que diz que pode fazer alguma coisa para influenciar o Go
verno não é mais eficaz, mais moderno, ou mais competente como
cidadão, mas simplesmente mais desapontado pela retórica do go-
C onsiderações sobre D iferenças C omportamentais 275

verno — menos em contato com a realidade. É um tributo ao sen


so comum do morador da favela que seu grupo esteja na minoria”
(Perlman, 1971:383).
Em segundo lugar, a imposição de suposições normativas pre-
julga certos tipos de comportamento político como “ subdesenvol
vidos”, quando, na perspectiva metodológica acima discutida, esse
comportamento parece ser a maneira mais eficaz e efetiva, dado um
certo conjunto
políticas e açõesdeexternas
limitações
aos estruturais
atores em impostas pelasexemplo,
questão. Por condiçõesa
relação “personalista” de patronagem comum, particularmente na
Venezuela, Brasil e em outros países, fo i caracterizada como contri
buindo para a “ imaturidade” da vida política do barrio (Bamber-
ger, 1 968). Outra forma de comportamento político, o afastamen
to da participação associativa ativa, e vista como um processo de
“ despoUtização” por Goldrich ( 1 9 70 ), e ocuparia um espaço infe
rior na sua escala de politização. Afirmaríamos que, sob certas con
dições, pode ser mostrado que é uma decisão racional e politica
mente conveniente da parte dos moradores de áreas invadidas. Pre
tendemos mostrar que tais tipos de comportamento político, como
as relações patrão-cliente ou o afastamento da associação política
aberta, mais do que indicadores de subdesenvolvimento político,
como é tão freqüentemente alegado, são, na verdade, respostas adap-
tativas, racionais e politicamente estratégicas às condições estrutu
rais externas a nossos atores na comunidade política mais ampla.
Ainda um outro problema com a literatura acerca do prole
tariado urbano é a suposição de que a relação entre uma dada po
pulação proletária e a comunidade política externa é necessariamen
te uma relação de exploração unilateral por parte dos atores exter
nos. O quadro do imigrante rural pobre e não sofisticado, à mercê
dos políticos demagógicos é apresentado nas descrições de áreas in
vadidas no Brasil, Venezuela e Chile. Embora devamos ressaltar que
existe uma série de controles e coações, que limitam severamente
os canais através dos quais as populações “ posseiros” podem extrair
bens e serviços do sistema mais amplo, no interior daquele conjunto
de controles (ver E. Leeds, 1972: cap. 2, “ Jogos que as Favelas jo
g a m U z z e ll , 1972: cap. 6, “ Play Lexicons and Chollo Self Crea-
tion” ). No caso do Brasil, por exemplo, a associação da favela ou
seu presidente usam o político ou administrador do Governo, ins-
tuição de previdência públiea ou privada, Corpo de Voluntários da
Paz ou provedores em potencial semelhante, tanto quanto a favela
é usada por agentes externos para apoio eleitoral ou de ouiro tipo.
Chamar a relação de exploração unilateral é, em primeiro lugar,
não ver de forma alguma esse jogo, é não entender o jogo jogado

ii
A S ociologia do B rasil U rbano

como uma resposta n ecess ár i a aos atores políticos do sistema mais


amplo, dadas as restrições que estes últimos estabelecem.
Como foi enfatizada anteriormente, a ausência de descrições
adequadas da comunidade política externa e de sua relação com gru
pos proletários tais como a área invadida por posseiros, é uma obje
ção maior a grande parte da literatura que lida com o comportamen
to político desses grupos. A literatura existente tende a tratar a
população dasmodo
em geral, de áreasisolado,
invadidas,
e nãoounosgrupos de baixo
contextos nível de renda
das estruturas polí
ticas mais amplas nas quais eles de fato operam.
Para reiterar este ponto argumentaremos que qualquer análise
do comportamento político ou da organização numa população como
o proletariado urbano deve conter uma discussão extensa dos canais
disponíveis através dos quais tal população opera, das pressões &
coações sobre a população que limitam sua operação e dão forma a
suas atitudes e comportamentos e, além do mais, da política re
lativa a tal população por parte dos organismos governamentais ex
ternos que, em última análise, fecham, abrem ou desviam os canais.
Depois de uma breve discussão de nossas razoes para escolher o
Brasil, o Peru e o Chile, voltamo-nos para descrições dessas caracte
rísticas
a elas. com relação a tais países e para a resposta aos “posseiros”

T r ês Com u n i d a d es Pol íti ca s — Bases d e S el eção

Os três países que escolhemos sao soeiedades com muitos as»


ospectos, grosso modo, aproximadamente comparáveis. Primeiro, os
três têm sistemas políticos claramente multipartidários, com ao me
nos três ou mais partidos independentes concorrentes desempenhan
do importantes papéis no jogo político nacional. Os três países têm
amplas e complexas estruturas burocráticas com evoluídos mecanis
mos de bem-estar social que existem há algumas décadas, como pos
suem organismos especializados que lidam com a habitação e áreas
de moradia. Além disso, todos os três têm longas histórias de uma
vasta organização sindical,a embora o grau de autonomia dos sindica
tos em relação à estrutura governamental varie consideravelmente
— fato que é, em si mesmo, um importante determinante do compor
tamento político. Quarto, todos têm ao menos uma cidade com vá
rios milhões de pessoas e também muitas outras cidades grandes.
Todos eles, desta forma, têm amplas e sofisticadas populações ur-
® É interessante notar a importância, também, da influência anarco-
sindicalista nos movimentos sindicais, ao menos no Brasil e no Chile, por
volta da passagem do século e depois, por quase 20 anos.
C onsiderações ' ' sobre D iferenças C omportam entais 277

banas com proletariados que já existem há um tempo considerável,


especialmente nas metrópoles urbanas. Finalmente, cada um dos
países tem há muito tempo uma indústria substancial, especialmen
te nas principais cidades, fato relacionado à proletarização, à mo
radia das massas urbanas e à política. Embora um país como o
México se ajuste à maioria dessas características, sua estrutura par
tidária em muito divergente modifica as variáveis políticas do nos
so modelo
mais de talnão
genuínos, forma que, na
sabemos ausência
como prever,daa formulação
partir dessadedivergên
modelos
cia, o efeito sobre a vida política dos atores em questão. Outros
países, sobretudo a Venezuela, poderiam ter-se ajustado aos nossos
critérios, mas o material descritivo necessário era inadequado.
Essas três comunidades políticas variam segundo uma ma
neira que pode ser ordenada logicamente de forma nítida, fato que
fornece a estrutura central do nosso argumento9. Em um deles, o
______________ l f

9 Acontecimentos polític os recentes em cada um dos três países (Brasil,


1964; Peru, 1968; Chile, 1973) alteraram algumas das estruturas discutidas
em diferentes graus.
Após as eleições de 1965, que, especialmente no R io de Janeiro,
foram-lhe
com o golpe contrárias,
de estadoo de
Governo militar brasileiro,
1964, decretou um sistema quebipartidário,
chegara aoembora
poder
os antigos partidos persistissem “clandestinamente” de várias maneiras
por muitos anos (se não até ho je). O Brasil, na verdade^ tem um sistema
funciona ndo com base em três (ou mais) part idos — o partido do G o
verno, arenà ; o Movimento Democrático Brasileiro, ou m d b , de oposição,
e ao menos um partido comunista altamente reprimido e clandestino.
Dada a excentricidade da políti ca eleitoral, nos quarenta anos ou mais
anteriores ao movimento militar de 1964, e dada a estrutura das estra
tégias políticas abertas às áreas invadidas sob tais condições, as condições
pós-1964 representam a continuidade de um extremo de um padrão fa
miliar.
No Peru, o golpe de estado de 1968 deixou a àpra e os partidos co
munistas, bem como os pequeno s partidos de elite, essencialmente in
tactos, enquanto tentava minar seu poder criando novos eleitorados, em
parte oriundos dos antigos partidos. Mas esse é, na verdade, um padrão
político-modelo para o Peru, de modo que nossa descrição se aplica con
tinuamente (inclusive sua aplicabilidade se mantém para os fortes sindi
catos, que na verdade, continuaram a deter muito poder ao longo da
divisa estrutural representada pela ascensão ao poder do atual regime
militar).
No Chile, o sistema multipartidário ainda existe, apesar da extrema
coação do repressivo regime militar. Na verdade, as coalisões governa
mentais pré e pós-Alíende persistem hoje (em parte clandestinas, em parte
no exílio; ver Engler Perez* 1975). Tanto os partidos como as coalisões ainda
tentam manter a organização política e mobilizar ação contra o atual.
Governo. Nossa descrição, todavia, restringe-se principalmente ao pe
ríod o de 40 anos a té 1973, caracterizado pela política eleit oral “ estável”
que, supunha-se, continuaria indefinidamente no futuro.
278 A So ci ologi a do B rasi l U rbano

Brasil, nenhum dos partidos tem (ou teve) base de massa, embora
muitos votos de massa possam ter sido mobilizados nas eleições. A
organização essencial, as escolhas pessoais e as articulações de inte
resse se davam, todas, intra-elite. No segundo, o Peru, apenas um
partido ( apra ) tem (ou teve) base de massa, basicamente nos sin
dicatos, tanto rurais como urbanos. No terceiro, o Chile, muitos
partidos têm uma base de massa, ou seja, têm unidades subsidiá-
irias operantes no interior das massas populares que funcionam po
liticamente, fazem escolhas locais do pessoal, articulam interesses
locais à hierarquia partidária. 0 jogo político nas três comun ida
des políticas, argumentamos, varia para todos os níveis sociais e se
tores da sociedade, conforme a variação nos sistemas partidários e
conforme a interaçao partidária com as burocracias, sindicatos e
vários ramos do Governo, especialmente o Executivo e os milita
res.

Brasil

A Comu n id ad e Po líti ca — 0 Brasil apresenta um quadro dos


canais para reivindicação e articulação de interesses muito diferen
te daquele do Peru ou Chile, que são descritos adiante. Essencial
mente, o sistema político formal
sas, bens e serviços da sociedade para a distribuição
é desprovido de recompen
de qualquer base de
massa. Conseqüentemente, como mostraremos, as respostas por par
te do proletariado a essa estrutura distinta de redistribuição de re-
É importante notar que nenhum dos autores esteve efetivamente no
Chile. Toda nossa informação vem de fontes publicadas ou comunicações
pessoais ocasionais. A literatura etno grá fica sobre áreas invadidas chi
lenas (princip almente de Santiago) ou outras form as de moradi a prole-
tária é quase que inteiramente de épocas recentes, a mais rigorosa sendo
pós-AIIende. Nem a profundidade do tempo, nem a riqueza de detalhes
etnográficos que temos para o Rio, Lima ou San Juan é disponível. Muitos
dos dados da desal , depois dos estudos de Portes, e mesmo da pesquisa
de Castells-ciDU, são essencialmente um trabalho de survey e entrevistas
mais ou menos detalhado, mais do que um trabalho etnográfico de

observação participante.
opinião, altamente A pesquisa
carregada de suposições a prioritambém
CastelIs-ciDU é, em
sobre classe nossa
e ideolo
gia, típicas do marxismo francês, que prefiguram suas interpretações (ver
sumário detalhado do último em Handelman, 1975). Excluímos a Vene
zuela como exemplo, embora ela se adequasse aos critérios comparativos»
porque as fontes (por exemplo, Karst, Schuartz e Schwartz, 1973) são
por demais dispersas por diferentes cidades e setores para permitirem uma
análise adequada. Também o período de sua organização multipartidária
foi bastante pequeno.
O leitor levará em conta, no nosso tratamento do caso chileno, o
fato de ser ele provisório, até que mais materiais etnográficos, tais como
os Teunidos, mas não publicados, de James C lift on se tom em disponíveis.
C onsiderações sobre D iferenças C omportamentais 279

compensas deve ser, necessariamente, bem diferente. Querer encon


trar formas eleitorais como aquelas observadas no Chile seria vão, e
julgar as do Brasil “ imaturas” , “ despolitizadas” , etc., é não apenas
fracassar como analista político, mas também colocar-se numa dú
bia posição étnica.
Em contraste com os do Chile e do Peru, nenhum dos parti
dos brasileiros tem base de massa. 0 único partido que, no nome,

pareceu Brasileiro
balhista pretender —ser foi,
umanaorganização do povo
verdade, criado pelo—Presidente
o PartidoGetií-
Tra
lio Vargas, em 1943, para formar uma massa seguidora manipulá
vel, controlável, que ele dirigia, essencialmente, no jogo político jd
antecipado que deveria emergir com as eleições prometidas para
1945, e o conseqüente fim necessário de seu status ditatorial. O p t b
foi construído a partir de uma coalisão dos sindicatos sob dominação
total do Governo e de outras forças “ progressistas” que apoiavam
programas de industrialização, nacionalização e previdência social
— programas que pretendiam, no seu lad o unicamente político, forta
lecer cada vez mais o poder de uma das importantes facyões de elite
da sociedade brasileira (ver Leeds, 1975). O p t b objetivava, então,
conquistar como curral eleitoral a população urbana, que havia au
mentado em muito durante a ditadura de Vargas, com o rápido
crescimento da indústria, especialmente em São Paulo. Basica
mente, ela era um fenômeno relativamente novo na sociedade bra
sileira, que precisava ser considerado nas estratégias políticas de
vários atores, na comunidade política, que tentavam ter acesso ou
acumular mais poder. Na época do maior crescimento inicial des
sas populações urbanas, Vargas era o único numa posição política
que permitia sua incorporação numa estratégia política, enquanto
todos os outros partidos permaneciam elitistas em eleitorado e con
trole, muito embora o Partido Social Democrático (PSD — nem so
cial nem democrático) freqüentemente drenasse o curral eleitoral
de massa do p t b nas eleições nacionais, quando trabalhavam em
eoalisão. Deve-se observar, de passagem, que mesmo essa massa se
PTB
guidora não Estados
alguns dos existia para o em todas
esmagadoramente as partes
agrários do país —o p em
do Nordeste, t b
não tinha seguidores na massa; seus eleitorados, diretorias e orien
tações serviam totalmente às aristocracias territoriais e comporta-
vam-se de modo quase idêntico à direitista União Democrática Na
cional ( u d n , ainda menos democrática que o p s d ) na metade Sul
do país.
0 único outro partido que tinha ampla base popular, em
grande parte entre as classes trabalhadoras tanto urbanas como
rurais, era o Partido Comunista, p c , que, entretanto, exisetiu como
A S ociologia do B rasil U rbano
280 »

partido legal por apenas poucos anos antes do estabelecimento do


Estado Novo em 1937 e por cerca de dois anos entre o final da
chamada ditadura em 1945 e sua Repressão Renovada, depois de
seus grandes sucessos eleitorais, em 1947. Permaneceu como in
fluência substancial mais ou menos subterrânea talvez por alguns
'anos, mantendo membros em postos ganhos por eleição, nomeação
ou outros meios (como nos sindicatos), e tem ainda importância
hoje como organização totalmente clandestina. Mas porque opera
va muito
foi na clandestinidade, sujeito
bem sucedido como a ser
canal reprimidopolítica
de manobra e molestado, não
para a ob
tenção de bens e serviços para as populações proletárias, como, por
exemplo, a maioria dos posseiros.
Assim, no Brasil, há um conjunto de partidos, nenhum dos
quais tem base de massa no sentido de eleitorados efetivos, formal
mente organizados, locais, auto-expressivos, agindo no interior das
normas operacionais do partido.10 Todos os partidos, tanto inten
cional como não intencionalmente (talvez!), seguem políticas, fa
zem escolhas e agem de uma forma que tal base de massa não se
pode desenvolver ou não se desenvolverá. Especificamente, seja de
forma deliberada ou não, eles agem para manter vínculos com os
eleitorados apenas através de laços patronais, e chegam a encorajar
seus clientes nas massas a operar, a nível mais baixo, como subpa-
seus clientes, eleitores em geral. O conceito entre tais sub-
trões a do
patrões partido ocorre freq üentemente na forma de redes — cli

10 Gostaríamos de enfatizar que não estamos afirmand o que “ eleitora^


dos efetivamente organizados” obtenham» necessariamente, muito mais
(não importa o que esteja sendo medido) das fontes externas via estru
tura partidária, mas que, daquilo que eles realmente obtêm, a maior
parte é obtida mais eficientemente através da estrutura partidária do que
através de outros canais. De fato, as áreas invadidas brasileiras combina
vam opções partidãrio-eleitorais, burocrático-personalistas, ciérico-patronais,
e outras opções menores, e parecem ter obtido, às vezes, quase tanto como
no Peru e no Chi]e, com duas diferenças notáveis. Primeiro, os resulta
dos brasileiros são mais irregulares e imprevisíveis (ver Leeds e Leeds,
1972); eles não têm o tipo de direção evolutiva que parece haver no
caso do Peru, e, até recentemente, do Chile; segundo, os bens e serviços
não são, no total, cumulativos para as coletividades, individualmente ou
como uma categoria — um processo muito marcado no Peru, com cres
centes taxas de regularização, legalização dos títulos e municipalização das
barriadas, agora ideologicamente elevadas ao status de “ cidades jovens*
(pueblos jóvenes) . N este sentido, as áreas invadidas no P eru, c omb inan do
operações puramente eleitorais* burocjrátiíío^personalistag, sindicais, mi-
litar-patronais e econômico-associativas (utilizando, por exemplo, a vasta
soma de poupanças coletadas em cooperativas habitacionais populares)
parecem ter extraído mais bens e serviços do Estado do que quisquer
oufero6 sistemas.

4
Consi der açõ es ^ sob re D if ere n ça s Com portam entai s 28 1

ques — informalmente organizadas que controlam os bens canali


zados a partir de cima, através deles, para a massa eleitora, mas os
controlam num grau significativo, em seu próprio interesse, não
constrangidos pela responsabilidade formal com uma associação
de eleitores. Os interesses dos eleitores, em última análise, estão
em grande escala nos pagamentos que eles podem dominar, mas
apenas perifericamente, na melhor das hipóteses no partido como
tal. A estratégia do eleitor é a de extrair bens de tantos subpatrões
do partido quanto possível.
Essa estrutura de organização partidária, evidentemente, defi
ne as regras do jogo que deve ser jogado entre os partidos. Por
exemplo, além de cada interesse de classe de elite do partido em
n ão permitir o desenvolvimento de uma base de massa organizada,
ele também é impedido de organizar tal base (que, idealmente, po
deria ter a esperança de manter sob controle) devido à ameaça de
que outros partidos também organizem uma base de massa — na
verdade, devido à ameaça de criação de um tipo de situação parti
dária como a chilena, idéia intolerável para o Brasil. A combinação
peculiar de circunstâncias que, no Peru, permitiu à apra desenvol
ver um partido único baseado nas massas nao ocorreu no Brasil. A
ação preventiva (tal como depois do movimento de 1964, a destrui
ção dos movimentos dos sindicatos, das associações de sargentos e
marinheiros e dos estudantes e clérigos de esquerda) é realizada ra
pidamente quando tal conjunto de circunstâncias parece estar se
desenvolvendo — geralmente, por uma ampla eoalisão elite-partido
dtt companheiros peculiares, que começam a brigar logo depois.
Assim o Brasil, do ponto de vista dos partidos de elite, é caracteri
zado por uma tensão latejante entre a mobilização controlada de vo
tos de uma massa excluída da participação real e a intensificação de
sua exclusão, às vezes até o ponto da repressão quase que universal.
Uma característica importante desse procedimento é a manutenção
daquele frágil elo, o político paternalista, que pode também ser fa
cilmente eliminado como um caminho de contato para o proleta
riado.
Em vista dessa organização partidária, nunca houve para o
proletariado,
tidos políticospara os posseiros
brasileiros que são amplamente
regularmente proletários,
utilizáveis como par
meios para
a canalização de pedidos e pressões numa base cotidiana. Nenhuma
estrutura formal sensível às condições locais sociais ou políticas que
tais populações possam utilizar jamais foi construída — além das
eleições periódicas nacionais e estaduais, mesmo depois de 1964
(realmente o único nível de expressão política eleitoral para as mas
sas, especialmente a urbana, uma vez que os m u n i cípi os — ampla
282 A S oc i ol og i a do B rasil U rbano »

mente rurais — eram basicamente controlados por cliques loc ais).


Mas mesmo as eleições estaduais e nacionais não podiam inspirar
confiança, já que ( a ) elas existiram apenas a partir de 1945, ate,
efetivamente, 1965 (época em que muitos candidatos eleitos, de
ampla popularidade proletária, como Miguel Arrais, governador de
' Pernambu co, já haviam sido violentamente removidos e declarados
inelegíveis); (6 ) elas haviam sido repetidamente ameaçadas pela
intervenção ou golpe militar (por exemplo, 1954, 1955, 1961, e,
efetivamente, 1964 — tenha
Embora Vargas ver Leeds, 1 97 5). aberturas, especialmente
feito grandes
para o proletariado urbano, nem o p t b ? nem o PSD jamais criaram
uma estrutura partidária de raízes permanentes em órgãos como co
mitês de bairro formalmente organizados, organizações partidárias
por zona eleitoral, ou coisas semelhantes. É notável que cm apro
ximadamente '250 favelas existentes no Rio, antes de 1968, com
uma população conjunto (substancialmente alfabetizada) de apro
ximadamente 20% da cidade, ao que nos consta, nenhuma comis
são partidária local ( como os com i t ês peruanos) ou outro órgão local
formal tenha existido, ou que não tenha havido um único candi
dato de raízes populares para um cargo loca l de uma favela. Em
bora se encontre ocasionalmente uma construção utilizada como
sede de campanha para um candidato específico, o candidato, ape
sar de uma filiação partidária explicitamente identificada, faz sua
apresentação basicamente em seu próprio nome.
Não pretendemos sugerir com isso que os partidos nao tenham
significado ou continuidade no Brasil, ou que o personalismo seja a
única forma significativa de interaç ão política. Pelo contrário, os
partidos têm sido muito consistentes ideologicamente e em termos
de pessoal. Todavia, para os nossos objetivos o que queremos enfa
tizar é que os partidos, especialmente o p t b > fizeram uso da forma
de organização personalista e paternalista em tentativas de manter
uma continuidade subjacente de política e ideologia, enquanto su
focavam quaisquer movimentos no sentido da independência ou ini
ciativa por parte do proletariado ou de seus subsegmentos “ possei
ros” . Este modo de operação política está intimamente vinculado
à automanutenção de elite-classe numa sociedade com mobilidade
ascendente extremamente limitada ( ve r Hutchinson, 19 60; A.
Leeds 1964a, 1964b, 197 3a; Leeds e Leeds, 197 0). Todavia, gran
de parte da diversidade ocupacional no interior das classes aumen
tou nas últimas três ou quatro décadas.
Embora todos os partidos significativos utilizem procedimentos
políticos paternalistas, sua utilização é mais significativa no caso do
PTB? partido que^ supostamente se dirigia às massas trabalhadoras, e
C onsiderações sobre D if eren ças C om port am entai s 283

que se tornou o primeiro herdeiro das políticas “ getulistas” de bem-


estar social e dos controles sobre o movimento trabalhista — sua
base mais importante para a negociação de poder interelite, para a
coali ao (cotno o p s d ) e para políticas de poder (como nas greves
“ espontâneas” de 1962 — ver Leeds, 197 5). Todo político que
era do p t b , estivesse num cargo ou fazendo campanha para eleição,
podia, e na verdade o fazia, apelar para o nome de “ Pai Gegê11 ou
do “ Grande Presidente Vargas” para santificar alguma medida
que estivesse preparando ou para indicar sua proximidade em re
lação aos objetivos sociais e ideológicos de Vargas, que eram do
interesse do proletariado. Muitos informantes das favelas disseram
que nas eleições passadas quase todo candidato que aparecesse e
apoiasse o regime de Vargas, invocasse, de alguma maneira, o seu
nome, ou fosse simplesmente membro do hoje ex-PTB, obtinha for
tes chances de ganhar. Como disse o astuto personagem político,
há muitos anos: “ Todos os candidatos que vêm na frente, nas cos
tas, ou atrás dele vencem. Todos os outros perdem.” O contato,
todavia, permanece controlado e paternalista,
O nome e a imagem de Getúlio Vargas, enquanto politicamen
te lucrativos, foram usados por políticos —■ mas podiam ser usa
dos apenas por políticos do p t b o u da ala esquerda do p s d , obser
ve-se para mostrar solidariedade com o “ povo” . Esta solidarieda
de* todavia, raramente se estendia para lém das épocas de eleições
— ■ um fato estrutural, tornado possível pela forma paternalista de
vincular a cotação de massa ao controle de elite dos partidos, utili
zada assiduamente por todos os partidos. Nenhuma obrigação for
mal perdura além da época de eleição.
Uma característica concomitante a este modo típico de utili'
%ação dos partidos por parte da elite é, evidentemente, o fato de ela
evitar deliberadamente a criação ou a permissão para criação de or
ganizações abertas, públicas, formais, para fins políticos a nível
local. O tipo de construção das sedes dos comitês de partidos perua
nos com os barracos com a estrela do apra em tantas barriadas de
Limasua
por quetotal
são ausência
superadosnas
pelas sedes vilas,
favelas, de outros partidos,
parques são notáveis
proletários e su
búrbios do Rio. Apenas se descobre as organizações políticas locais
depois de um trabalho intenso de observação participante e depois
de se ter desenvolvido amizades pessoais próximas nas favelas. Po
de-se então entrever, a partir de ambas as fontes de informação,
que tais órgãos — altamente informais — existem, e quem são os
seus quadros. Em outras palavras, os grupos políticos locais são
quase que exclusivamente cliques informais (cujos membros são
estáveis por longos períodos), sem eleitorados organizados* Suas
A S oc i ol og i a do B rasil U rbano

reconhecimento dessa política por parte dos encarregados de sua


realização. O mais recente e gritante exemplo do tema da erradi
cação de um umal social” foi a remoção das favelas — especial
mente na Zo na Sul do Rio — para regiões periféricas desprovidas
de mercados de trabalho, frequentemente de transporte, e geral
mente da ambiência urbana na qual o ex-morador da favela estava
integrado (ver Leeds e Leeds, 1972). Foi erradicada, com efeito,
junto com o aspecto físico das áreas invadidas (p or ação policial)r
a Federação das Associações da Favela, organização de nível esta-
dual, cujas ações e análises da relação entre o proletariado urbano
e a economia nacional, explicitamente em termos de classe, eram

vistas pelo Governo militar como uma ameaça direta (ver A . Leeds,
1973b).
A ausência de canais partidários, sindicais e burocráticos (in
clusive militares) para os posseiros extraírem retribuições, bens e
serviços do sistema tanto limita como solapa, em grande parte, os
tipos de opção abertos aos moradores das áreas invadidas brasilei
ras e as formas mais efetivas de tirar vantagem dessas opções para
as quais nos voltamos agora.
A Re spos ta da Fa ve l a — Dado esse quadro esquemático da ordem
política nacional no interior de cuja estrutura o proletariado urba
no é obrigado a operar — ou talvez, mais precisamente, é impe dido
de operar — , pode-se entender melhor suas formas de resposta
com relação ao aspecto do estado exterior ao segmento favelado da
proletariado. Essas respostas são, em grande parte, ditadas pela na
tureza do sistema através do qual prêmios, bens e serviços são dis
tribuídos e pelos muito limitados meios de acesso à sociedade exter
na politicamente organizada. Confrontadas com os tipos de barrei
ras acima discutidos, as populações das favelas foram forçadas a
operar de modos e através de canais que lhes possibilitassem alcan
çar mais efetivamente os poucos bens que pudessem.11
11 Um a diferença fundamental entre o mode lo de moradia d as áreas
invadidas nos três países deveria ser aqui observada. As favelas são, em
sua maior parte, estabelecidas por acréscimo, com quase nenhuma pré-
organizapão da invasão. A o que nos const a, apenas uma favela no R io
foi estabelecida de modo vagamente semelhante a uma invasão organiza
da, e o período de invasão prolongado por um ano, nada semelhante ao
processo descrito para cerca da metade das áreas invadidas de Lima e
para muitas daquelas de Santiago. Para descrições de invasões em Lima»
ver Mangin, 1963; Collier, 1971; Diets, 1969; para Santiago, Giusti, 1971;
Castells, 1974. A elevada freqü ênci a de oco rrência de tais invasões noturnas
tem, em Lima e Santiago, o sentido de criar como conseqüência partici
pantes solidários da invasão que então agem de modo relativamente unifi
cado para assegurar e melhorar seus ganhos, ao menos até que as priori
dades básicas sejam encontradas. Essa oportunidade para unificação, dessa
forma está amplamente ausente no Rio.
CONSrDERAÇÕES SOBRE DlFERENÇ AS COMPORTAMENTAIS 287

A política brasileira em geral, e a política relativa à favela em


particular, pode ser caracterizada pela expressão comümente usada
“ troca de interesses” . Esse modo de comportamento político é carac
terizado por interações tanto formais como informais. Se a trocaê
entre uma Associação legal de moradores da favela e um político
à procura de votos, um membro da estrutura burocrática estatal, ou
um morador e um político burocrata — o modo éo mesmo — a
barganha é estabelecida,
um risco para o político) sendo os apoio
ou outro bens promessas
eleitoral emdealguma
votos (sempre
data
futura, por um lado, e, por outro, serviços urbanos, emprego, prê
mios em dinheiro, lugar para uma casa, ou bens móveis, e assim
por diante (um risco equivalente para o pessoal da favela).
Do ponto de vista do morador da favela, o jogo duplo, além
de significar agir para obtenção de bens e serviços, serve também
para assegurar algum poder à favela por meio de sanções como
uma oposição eleitoral (quando as eleições são operativas)- Cal
culando quais possam ser seus ganhos políticos, os moradores estão
conscientes de que um grande número de “ benfeitores” pré-eleições
visitam as favelas, com planos e frases de efeito para sua melhoria,,
jamais voltará. Nessas circunstâncias, jogar um candidato contra,
outro é uma tática comum (frequentemente desenvolvida como
forma de arte) que envolve promessas de voto ou coleta de votos de
outros em troca de, se possível, bens e serviços imediatos em peque
na ou grande escala — e às vezes não entregando nada.
Embora jogar um partido político contra outro (notar a di
ferença do Brasil: um partido e não um candidato) seja também
uma tática no Chile e no Peru, a diferença-chave é que as outras
alternativas, tais como sindicatos, ou, no Peru, os militares em
busca de um eleitorado, estão quase que invariavelmente ausentes
no Brasil. A ausência de recrutamento no Brasil, para os partidos,
pelos quais o proletariado écortejado por votos, mas não para par
ticipação, também o mantém à distância do acesso aos canais para
prêmios, bens e serviços. Assim, como será mostrado abaixo, a soma
total de bens acessível dos setores externos públicos ou privados é
muito maior no Peru e no Chile, onde existem alternativas mais
viáveis.
Ao mesmo tempo, existe um limite estabelecido daquilo que o
político brasileiro pode oferecer em termos de serviços urbanos para
uma favela — porque ele deve tomar cuidado para nao dar demais*
Sua relação com qualquer população proletária dada pode ser
mantida apenas enquanto permanece a necessidade de bens, apoio ou
ajuda externa. Se as condições que ele aparentemente está tentan
do melhorar sao, de fato, melhoradas “ demais” , ele terá perdido sua
A S ociologia do B rasil U rbano
R Wi%&

razão de ser na favela e, conseqüentemente, terá perdido uma por-


ção significativa de sua base de poder. Assim, o interesse do polí
tico deve ser fundamentalmente o de perpetuar o sistema no qual
opera. Não é surpreendente o fato de que critérios para politização
como os que Goldrich usa para o Peru e o Chile, se aplicados ao
Brasil, teriam, pelas suposições de Goldrich, produzido uma ima
gem de uma população bastante “ não-politizada” , mas ao mesmo
tempo
lidades esses critérios
políticas fracassariam
no interior totalmente
das quais na descrição
aquela população das rea
necessaria
mente opera.
Devido à falta geral de resposta governamental positiva, devi
do ao fato de que os partidos e sindicatos não servem como canais
efetivos para o encaminhamento de pressões — em suma, devido
ao grau extremo de coações sobre a expressão política efetiva — os
moradores das favelas foram forçados a continuar procurando sua
melhoria através dos canais paternalistas, individualistas, de favo
res e trocas de interesse, embora realmente façam uso de outros ca
nais — o voto, o apoio burocrático, a Igreja, e mesmo o apoio sin
dical — nos momentos pouco freqüentes em que estes estão dispo
níveis. Agir
altamente dessa —forma
político é, nafoverdade,
a única não apenas
rma importante político,
de ação maa
política
realmente viável. Quando tentativas de articulação de interesses
de massa são sistemática e violentamente reprimidas, o avanço pes
soal ou de grupo deve ser levado adiante de um modo que não
ameace a estrutura governamental, até a época em que a remoção
<las barreiras ou a organização de base cumulativa permita um fluxo
de comunicação e pedidos acerca de valores, escolhas e necessida
des e um contrafluxo de reconhecimento, bens e serviços.

Peru

A. Comu n i d ad e Políti ca
sistema multipartidário —comA base
comunidade política
de massa peruana
em apenas umtem um
partido,
a Alianza Popular Revolucionária Americana (conhecida como
apra, e seus membros como apristas ). Os outros partidos, com a
possível exceção do pc, são todos mais ou menos representantes es
tabelecidos de duradouras cliques de elite ou partidos bastante per
sonalistas de exígua viabilidade (como a Ação Popular, ou AP, de
Belaimde Terry). O Partido Comunista paTece ter genuíno apoio
popular, especialmente entre trabalhadores industriais urbanos, mas
nunca representou significativamente uma potência eleitoral como
a APRA, nem teve jamais o apoio de massa na escala deste último.
C onsiderações sobre D iferenças C omportamentak 289

0 fato de haver apenas um partido com base de massa é o


elemento chave para as politicas interpartidárias no Peru. Em
qualquer eleição aberta, a àpra ou um de seus partidos d e írente,
sozinho ou em coalisao, pode quase sempre obter importantes vitó
rias e, com efeito, freqüentemente as obteve. A base de massa e
as capacidades de obtenção de voto da apra significam que, se ou
tros partidos ou atores políticos querem permanecer como concor
rentes viáveis
popular da aprana de
arena
modopolítica,
a quedevem operar
concorram comcomsucesso
relaçãocom
ao apoio
a po
lítica da apra. tenha ou não sido tal política jamais implementa
da.
A sólida estrutura partidária da A P R A visava, primeiro, che
gar ao poder, e, então, tendo tomado o Governo, no mínimo refor
mar o sistema sócio-político peruano ou, mais radicalmente, recons
truí-lo revolucionariamente de fio a pavio. Essa organização parti
dária penetrou nas esferas mais populares da sociedade,12 mais es
pecialmente nos sindicatos, e no setor do trabalho agrário, embora
também tivesse tido considerável influência nas áreas invadidas,
ponto ao qual voltaremos abaixo. 0 principal poder da apra —
sua base de massa — repousou por m uito tempo, sobretudo, em sua
íntima associação com o movimento sindical peruano, incluindo
os grandes sindicatos de trabalho rural nas plantações de açúcar
da costa Norte, onde a apra teve suas srcens. Embora a apra
tenha, relativamente, uma influência menos extensa nas sempre
crescentes populações das barriadas do que entre os trabalhadores
rurais, e menos do que a de outros partidos com base nasbarriadas ,
observamos todavia sua presença mais ou menos ubiquamente nas
áreas invadidas — identificada por seu emblema estrelado nos edi
fícios dos escritórios locais.
A base de massa da A P R A , que existe há 14 anos,13 é a carac
terística marcante da política peruana. Toda ação política, seja
ela tomada por qualquer um dos outros partidos, por coalisões, pela
burocracia, pelos ramos executivos ou legislativo d o Governo, pelos
militares ( m es m o hoje), ou pela Igreja estabelecida, tem que lidar
eom o fato d e que a apra podia e iria ( e queria) to m ar completa
mente o Governo. Todo partido, d e vida curta ou longa, entrando e
saindo de coalisões, teve que elaborar estratégias e táticas de sobre
32 A sede da apra em Lim a organi zava- fee em divisões que seriam m i
nistérios se a apra tomasse o Governo; entre essas divisões estava um
secretariado das barriadas.
13 N a realidade, a apra continua a existir até hoje (ver Latin America,
9(43):343, 1975) com o um poder na pol ít ic a pe rua na “ quas e ci nqüent a
anos decorridos desde a sua fundação. Seu fundador srcinário e ideólogo,
Haya de la Torre, também continua vivo.
390 A S ociologia do B rasil U rbano

vivência em vista do comando de voto da apra, sempre que havia


eleições abertas, ou,, na ausência de eleições abertas, em visla dos
vínculos organizacionais ocultos da APRA com a burocracia, os mi
litares, a legislatura, etc. Básico nesta situação também é o fato de
que todos os outros partidos tendiam a não ter qualquer base popu
lar ou a ter uma base popular muito pequena. Observe-se que o
eleitorado total em 1945 era de apenas 450.000 votantes, dos quais
metade, ou algoemassim,
era composto, eraparte,
grande a basededeeleitores apra; alta
“ massa”dadaclasse todoouo média
resto
(P ike, 19 67 :2 80 ). O único que desenvolveu um considerável apoio
popular foi a Union Nacional Odrista ( u n o ; e possivelmente tam
bém a ap) — basicamente nas barriadas (ver adiante). Todavia,
os odristas , e todos os outros partidos, exceto a apra, são essencial
mente partidos de frações de elite, representando interesses e ideo
logias consistentes, embora organizados, geralmente, em torno de
uma única pessoa, como Odría, Prado ou Belaúnde (para uma dis
cussão mais completa deste tipo de partido, ver a seção precedente
sobre o Brasil).
É inerente a essa estrutura que as estratégias e táticas dos parti
dos de elit e não bas eados na mass a — quando não são a tivamente
lijados nas eleições ou em seus resultados pela mobilização da in
terve nção m ili tar — requeriam esforços co opera tiv os em grande
escala, fosse para amortecer o entusiasmo eleitoral (que eles po
dia m esper ar g eralm ente que fosse pr o-APRA ) ou alte rar o voto para
outros partidos que não a apra , de modo a manter a presidência nas
mãos de um dos partidos ou coalisoes de elite e o legislativo muito
fragmentado entre diversos partidos. Uma tática mais vigorosa era,
periodicamente, declarar a apra ilegal, embora isso nunca sufocas-*
se suas atividades. Outra tática ainda, muitas vezes bem sucedida,
era buscar o apoio de uma coalisão com a apra contra outros gru
pos de partidos numa tentativa tanto de fazer fracassar estes últi
mos como de cooptar a apra (sem sucesso, uma vez que a apra
estava sempre em busca dos seus próprios fins, embora seus fins
“ revolucionários” srcinári os s e tenham tor nado mai s e mais retó
ricos, na medida em que ela adotou os meios de operação e obje
tivos a curto prazo também característicos dos outros partidos).
A ação governamental com relação às áreas invadidas deve
igualmente ser vista, em grande parte, como uma resposta às polí
ticas e açoes da apra que, embora nunca tendo estado no Poder
Executivo, forçou, através de seus próprios programas e de suas
coalisoes eleitorais com os partidos de elite, a ação por parte dos
partidos concorrentes. A própria presença da apra e o coiiuoí^ pe
riódico de poder nacional substancial foram fatores chavc/; rta proli
C onsiderações sobre D iferenças C omporta mentais 291

feração e desenvolvimento, e na atenção dedicada às áreas invadi


das por posseiros pelo Governo Nacional.
Assim, do ponto de vista de um eleitorado, particularmente da
sempre crescente população das áreas invadidas, o setor partidário
da organização política formal apresentou Uma ordem de coisas al
tamente imprevisíveis: às vezes receptiva, às vezes esvauecendo-se,
às vezes florescente, às vezes reprimida em seu funcionamento, às

vezes partidário
tema virtualmente inexistente.
significa que osAeleitores
própria tiveram
imprevisibilidade do sis
que desenvolver
estratégias políticas alternativas para obter os prêmios que deseja
vam. Um conjunto de estratégias fazia uso de qualquer Governo
em exercício; outro conjunto manipulava as burocracias relativa
mente estáveis; outros conjuntos ainda trabalhavam através dos
militares, da Igreja, de instituições autônomas e dos sindicatos. A
seguir, tentaremos mapear o que está envolvido por meio de um
breve relato histórico dos arranjos políticos mutáveis que apresen
tavam um quadro móvel ou um conjunto de parâmetros para a
ação das áreas invadidas, cada fase envolvendo uma estrutura dife
rente de opções com relação aos canais utilizáveis de resposta das
áreas invadidas.
Embora as barriadas tenham existido por décadas, o rápido
crescimento na formação das áreas invadidas peruanas começou
em 1945, época em que a apra , depois de um período de ilegalida
de durante o primeiro regime do Presidente Manuel Prado (1939-
1945), recuperou seu status Zegal e buscou formalmente reingres-
sar na arena política nas eleições de 194514 Collier (1971:60)
sugere que os grandes sucessos do congrèsso da apra e seu conse
qüente acesso aos recursos governamentais lhe permitiram tentar
ativamente ampliar sua base partidária e sindical, especialmente
através de seu envolvimento com as invasões de terras, um dos
meios usados para estabelecer aquela' base.
No Governo do Presidente Bustamante (1945-1948), o então
Ministro
creditar adoapra
Governo, Gal. Manuel
, tornou-se Odría,engajado
ativamente numa tentativa de desa
na contenção do
seu crescente apelo popular. Odría, como a APRA, tomoú medidas
que abrangiam a proteção das áreas invadidas contra sua extinção
pela polícia,15

14 Foi também n o primeiro Governo d e Prado q*e a apra foi declarada


ilegal, ato indicativo do fato de ser a apra tratada como uma ameaça ao
statu quo , ou ao menos ao controle de poder pelas velhas elites.
15 Nâo se deve entender que Odría tenha reagido positivamente a todas
as invasões. Nos primeiros dois anos de seu regime, quando dependia dos

i
282 A S oci ologi a do B rasi l Urbano

“ O apelo de Odría às áreas invadidas tornou-se necessário e


relévante pelo fato de que a reemergência da apra criara nesse um
período em que os líderes militares que queriam ganhar poder
político tinham que fazer alguma tentativa para obter apoio popu
lar» Desta forma, a reemergência da APRA é uma causa imediata
e crucial do crescimento da taxa de formação [de barriadas ], in
dependentemente da proporção exata de invasões nas quais elas
estavam envolvidas” (Collier, 1971:61).
Dever-se-ia observar que o papel dos militantes indicados nesse
trecho é um tema repetido e especialmente marcante na política
peruana dos últimos anos. 0 Governo militar que se instaurou em
1968 deu, até hoje, grande apoio ao que ele rebatizou de “pueblot
j áv en es 9’ *
O golpe abortado da apra em 1948 foi seguido do bem suce
dido golpe de Odría, que derrubou o Governo de coalisão de Bus-
tamante. Políticas paternalistas e de cooptação com relação às áreas
invadidas iriam caracterizar não apenas todo o seu regime (1948-
1956), mas também o segundo Governo de Prado (1956-1962) e
o atual regime militar (1968- ). As políticas desses três perío
dos podem ser mais bem entendidas como respostas a tentativas da
apra de promover uma base de massa independente tanto nas bar-
riadas como nos sindicatos. Enquanto que o objetivo da ação da
apra era o de corporativizar e institucionalizar tanto as barriadas
como os sindicatos, o contra-objetivo de Odría, e mais tarde de Pra
do e do atual Estado militar, tem sido de mantttr um controle tao
forte quanto possível sobre os dois grupos que sempre se sobrepu
nham, essencialmente através de sua divisão, vinculando-os a dife
rentes organismos, por relações paternalistas e de dependência, ou
às vezes meramente por sua separação ou pela tentatitva de mobili
zação em novos sentidos (especialmente a partir de 1968).
As tentativas de cooptação são, em grande parte, reconhecidas
como tais pelos moradores das barriadas, que então formulam de
modo correspondente, suas próprias contrapartidas, de modo a uti
lizarem as jogadas de cooptação para seus próprios objetivos. Em
outras palavras, eles fazem o jogo de estarem sendo cooptados en
quanto alguma coisa pode ser ganha com isso. Tais jogadas serão
discutidas adiante. O que é importante observar no momento é o
contraste entre o tipo de relação estabelecida entre as áreas inva
didas e os Estados do Chile e do Peru. Enquanto que um íoco-cha-
ve de contato entre o Estado e a área invadida no Chile repousa

membros conservadores da coalisão golpista, ele expropriou judicialmente


e com sucesso pouco menos de 1/3 de todas as invasões. Isso contrasta
com a ausência de extinções nos seis anos restantes (Collier» 1971:69),
C onsiderações sobre D if eren ças Com pok t am knt ai s 293

nas bases concorrentes, formalmente organizadas — os partidos —


o coniato no Peru, muito freqüentemente, tomou a forma de laços
de corretagem e trocas “ paternalistas” .
Exemplos do paternalismo governamental são numerosos. A
tentativa de Odiía acima mencionada de destruir a apra foi acom
panhada de uma tentativa de destruir os sindicatos com os quais a
A PRA estava intimamente ligada. 0 esforço de substituir uma estru
tura institucional por laços patronais diretos e descrito por Paybe
( 1 9 65-51).
“Enquanto, por um lado, ele deu aos empregadores o que equi
valia à completa liberdade para destruir os sindicatos em suas em
presas, por outro lado ele daria surpreendentes benefícios salariais
e sociais aos trabalhadores. Decretou, por exemplo, sete aumentos
salariais gerais enquanto ocupava o poder. . . A política trabalhista
de Odría era, de uma forma elefantina, paternalista. Destruindo
ou incapacitando as organizações dos trabalhadores, mas usando o
poder governamental para fazer os empregadores concederem recom
pensas aos trabalhadores, ele praticamente destruiu o pouco que
existia no sentido dos processos de solução de conflitos.”
A ativa promoção da formação das áreas invadidas levada a
efeito por Odría e o envolvimento de sua mulher, à l a Eva Peron,
fazendo excursões de boa-vontade às barriadas foram acompanha
das pela promoção das associações de moradores de tendência odrís-
ta.1G Enquanto o “ paternalismo” permanecia uma característica
chave do regime de Odría, do ponto de vista dos moradores das
barriadas, concessões substanciais estavam sendo feitas e ganhos
sendo obtidos. Visto na perspectiva de uma trajetória de 25 anos,
essas concessões e ganhos funcionavam de modo — uma espécie
de feedbach positivo — a estabelecer firmemente o fenômeno das
áreas invadidas como uma forma viável de habitação urbana e seus
moradores como uma força política por direito nato.
Exatamente como o regime de Odría se havia preocupado em
contrabalançar
de o apelo preocupava-se
Prado (1956-1962) de base de massa da apra em, oestabelecer
também segundo regime
seu
próprio apoio de massa no proletariado,17 em parte devido à neces

Das muitas áreas invadidas estabelecidas durante o período de Odría,


uma chamou-se Tarma Chica (lugar de nascim ento de Odría) e outra “ 27
de outubro”, o aniversário do golpe de Odría. Outras ainda tomaram o
nome de sua mulher e da mulher de um amigo próximo (Collier, 1971:
64).
17 Collier (1971:71-72) diz: “ Odría utilizara as áreas invadidas com tan~
to sucesso que qualquer político que quisesse opor-se a ele não apenas
tinha que devotar grande dose de atenção aos problemas de habitação,
mas também era inevitavelmente tentado a envolver-se diretamente com
294 A S ociol ogia do B rasi l U rbano

sidade política de contrabalançar a influência de Odría. Embora a


promoção de invasões fosse uma tática usada por Prado, o traço
mais característico de sua administração era a tentativa de institu
cionalizar canais para os pedidos das barriadas e estabelecer um
aparato administrativo formal para lidar com o fenômeno das
áreas invadidas. As duas administrações, vistas em conjunto, exem
plificam o processo descrito no início deste trabalho ■— de dois di
ferentes partidos,
te caso, ambos ambos competindo
operando com relaçãopelo apoio de massa — e, nes
à base de massa da apra . O
resultado da competição foi multiplicar as formas de ação e organi
zação disponíveis para a manipulação dos moradores da barriada —
outro fenômeno de feedback positivo —, aumentando o tamanho
absoluto e relativo das barriadas e fortalecendo sua posição política.
Embora as formas de açao e organização disponíveis para os
“ posseiros” peruanos e chilenos sejam provavelmente as mesmas
em numero, seu arranjo é bastante diferente. Gomo mostraremos
detalhadamente adiante, as do Chile, parecem ocorrer simultânea e
consistentemente, devido à consistência (até recentemente) dos
partidos políticos, ao passo que as do Peru ocorrem de modo se
qüencial, trazendo para os moradores das áreas invadidas uma con
tínua mudança na avaliação das formas usadas, ao mesmo tempoem
que mantendo todas as formas acessíveis de modo concorrente. Em
bora algumas das opções permaneçam adormecidas em qualquer
momento dado, elas devem ser mantidas prontas para a mobiliza
ção, à medida que a ordem política do Estado varia em resposta à
atuação recíproca dos partidos, militares, burocracia, Governo e sin
dicatos — uma atuação cuja estrutura é governada pela relação
básica com a apra , conforme esta se move através de sua repressão
periódica e vitórias eleitorais irregulares.18
A preocupação burocrática e legislativa com as barriadas nos
anos de Prado pode ser vista como o primeiro apoio institucional
aberto do Governo, às áreas invadidas. Ela culminou com a im
portante Ley de Barrios Marginales (Lei n.° 13517), de 1961, for

a formação das áreas invadidas... Portanto, não é surpreendente desco


brir que os opositores políticos de Odría faziam um apelo calculado às
áreas invadidas para apoio político, mesmo opositores políticos da direita.
O que CoIIier não vê é com quanto sucesso os moradores das barriadas
haviam feito um jogo político.
18 Ê interessante observar que» da classificação de Collier de seis tipos
de envolvimento político nas áreas invadidas, de uma amostra de 62 áreas
invadidas, apenas quatro tiveram intervenção de um partido político não
presidencial (p. 38). Isso também sugere que a competição partidária
simultânea predominante no Chile torna-se no Peru, menos nitidamente
definida, mais difusa.
C onsiderações sobre D iferenças C omportamentais 295

jada pelo Senador Alberto Arca-Parró (um economista, ex-diretor


do Serviço Nacional de Estatística do Peru e organizador de censos
para vários países latinos americanos), que estabeleceu os canais
através dos quais as barriadas existentes poderiam ser legalizadas
e reconstruídas, e elevou a antiga Corporación Nacional de la Vi-
vienda a, primeiro, Instituto e, pouco depois, a Junta Nacional de
la Vivienda, para promover tipos mais controlados de moradia cha
mados urbanizaciones
banização” das áreas (ver Leeds,(reconstrui-las
invadidas 1973a, 19 74) para
e ajudar na “ ur
especificações
urbanas apropriadas).
Os anos Prado foram também de extensa publicação de estu
dos governamentais sobre as barr iadas ™ Talvez o mais importante
de todos tenha sido o Informe sobre la Vivienda (1957), produ
zido pela Comisión Especial para la Reforma Agrária y la Vivienda
de Prado, que tinha sido organizada em 1956 sob seu Ministro de
Finanças, o economista Pedro Beltran (uma forte figura anti-APRA,
proprietário de um influente jornal, La Prensa ). Este relato foi
uma importante influência na criação da Ley de Barrios Margina-
les de 1961.
Além disso, o Governo de Prado estava desejoso de tentar ex
periências
didos inovadoras.
do arquiteto Por exemplo,
e planejador ele John
urbano acedeu às sugestões
Turner e pe~
para transfe
rir uma quantia de dinheiro, sem nenhuma restrição, para ser usa
da para melhoria de habitações e infra-estrutura por uma junta de
barriada, da forma como esta julgasse adequada. A idéia era tão
revolucionária quanto chocante para muitas pessoas que estavam
-certas de que o pobre não podia controlar o dinheiro de modo al
gum ou, seguramente, o malversaria. Na verdade, a barriada Hua-
rascan, com o dinheiro para ela canalizado através do Instiluto Na
cional de la Vivienda, fez um excelente e econômico trabalho de re
construção, com grande probidade.
Por volta do final do regime de Prado, as barriadas eram parte
integrante da vida limenha e peruana, “ reconhecidas” 20 (onde se
adequassem à lei)depelo
forma necessária Governo,e emoradia
habitação entendidas por sob
urbana este ascomo uma
condições
sóeío-econômicas reinantes do país. Iiá considerável evidência de
que tudo isso teve seus efeitos sobre o eleitorado dasbarriadas , onde
muitos ainda apóiam as políticas pradistas.

19 Leeds e Leeds, em elabo ração, listam não menos do que 20 relató


rios governamentais em estudos realizados de 1958 a 1962.
20 Sob certas condições, a Junta Nacio nal de la Vivienda “ reconh eceu”
as barriadas, ou seja, listou-as como tendo um status oficial como urba
nizáveis, ou senão, formalmente sob a supervisão e apoio físico da iny.
296
A S ociologia do B rasil U rbano
■ *r

0 curto interregnum. militar de 1962-1963 e o período de Be


laúnde representam uma quebra nas políticas paternalistas c aber
tamente cooptativas dos regimes anteriores, Belaúnde deu pouca
atenção às barriadas9 porém voltou seus cuidados, por um lado, para
a coustrução em grande cscala de habitações para níveis de renda
-média e superior, geralmente apoiando a indústria de construção,
à qual ele, como arquiteto, se achava ligado*1 e, por oulro lado, ao
desenvolvimento do interior do país. Esse desenvolvimento tinha
um aspecto cooptativo, também, na forma da Cooperación
Popular — uma espécie de braço de desenvolvimento de comuni
dade do partido político mais ou menos pessoal de Belaúnde, a A P .
Ê difícil demonstrar, mas ao que parece a Cooperación Popular de
veria ser vista como prestando serviços, ajudando os pobres a se
ajudarem a si próprios, e coisas semelhante. A Cooperación Popu
lar tinha pouco contato com as barriadas ? que foram deixadas
cada vez mais sem apoio ao longo do regime, à medida que os fun
dos para a Junta Nacional de la Vivienda e outras instituições ur
banas minguavam regularmente, ao passa que os partidos de oposi
ção bloqueavam a legislação que ajudaria os moradores porque não
queriam desperdiçar nada que revertesse em favor de Belaúnde
( Collier, 197 1:85 -86).
Embora o período fosse de relativa abertura política, de elei
ções abertas e liberdade de ação para osapr i sta s, oãr i sta s e outros
os '"posseiros” viram-se forçados a trabalhar tanto quanto possível
através dos organismos burocráticos (que, na verdade, continuaram
a dar-lhes apoio substancial, quando podiam, apesar da redução
de fundos — como, por exemplo, dando aos moradores das áreas *
invadidas assistência no planejamento para o traçado do povoamen
to) e através da Igreja.
Este éo período da maior atividade e influência da ala mais
a esquerda da Igreja, e especialmente do “ Bispo das Barriadas5’,
Monsenhor Luís Bambarem, que desenvolveu os pueblos jóvens
( ondepujop ). Outras numerosas organizações da Igreja de muitos
países também floresceram nas barriadas nessa época, fornecendo,
sobretudo, serviços de saúde e educação.
21 Há outros elos circunstanciais de con exão co m a indústria de cons
trução. Belaúnde promoveu uma auto-estrada periférica ao longo das terras
baixas na base Leste dos Andes — a ser edificada por Brown and Roote,
a poderosa firma construtora texana. Belaúnde é formado pela escola de
Arquitetura da Universidade do Texas. N o sistema americano de esta
dos» que têm “ países irmãos” , o país irmão do Texas é o Peru, através de
uma organização cliamada Parceiros do Texas para o Peru, cujo diretor
era um dos homens principais das relações públicas do Presidente John
son. Belaúnde e Johnson» evidenteme nte, se conheci am razoav elmente
bem.
C onsi derações sobre D if eren ças C om por tamentai s 297

Os moradores das barriadas também manipulavam significa


tivamente funcionários eleitos por meio de operação política pater
nalista. Um exemplo é o uso mútuo do alcaide de San Martin de
Porras (um município todo de barriadas perto de Lima) e dos mo
radores daquelas barriadas , interessados na segurança da posse de
seus lotes. 0 alcaide “ mobilizou-os” — e eles permitiram que
“ fossem mobilizados” — para uma marcha que caminhou em di
reção ao palácio presidencial de Belaúnde, para pedir a emissão
de títulos. Belaúnde, para não ter uma demonstração pública que
ele via como possivelmente perigosa, acedeu ao pedido, prometendo
que os títulos seriam emitidos. Essa promessa de meados de 1968
era um importante compromisso político (para um executivo eleito)1
com os moradores das barriadas de Lima, que agiam grandemente
com base nela em termos de investimento e construção. É interes
sante observar que o alcaide cooptador, recebendo um número in
significante de votos, foi derrotado numa eleição que ocorreu pou
co depois.
Novamente, a irregularidade de seqüência na política peruana
conduziu ao reajustamento e à flexibilidade da resposta na adapta
ção política dos “ posseiros” às condições políticas externas.
As políticas do atual regime militar com relação às áreas in
vadidas devem ser vistas à luz da discussão anterior dos partidos
políticos concorrentes e outros órgãos, porque eles também devem
competix pelo apoio de um eleitorado. 0 atual regime chegou ao-
poder praticamente sem nenhum eleitorado. Um dos primeiros
passos importantes foi, ao menos retoricamente, a remoção do es
tigma de marginalidade das barriadas e a adoção, oficial, do nome
pueblos jovenes para as áreas invadidas.2^ Pouco depois, a
ONDEPUJOP se constituía no serviço nacional oficial para tratar das
áreas invadidas.
Embora algumas pessoas achassem que o gesto fora previsto
muito demagogicamente com a intenção de trazer as populações
das áreas invadidas diretamente para o interior da esfera de aten
ção governamental e, desta forma, por um lado, remover sentimen
tos de alienação e dissidência potencial, e, por outro, tentar coop-
tar uma base de foram,
de incorporação apoio, entretanto
os prêmios substanciais.
reais distribuídos no processo
Os serviços urba
nos continuam a ser fornecidos e as áreas invadidas estão consilida-
das como partes permanentes da estrutura urbana (ver nota 16).

22 Na inauguração de uma estação de energia elétrica no pueblo jóven


Comas (ver A . Leeds, 1973b), um dos moradores disse “ todo o Peru é
um pueblo jóven! “O que significa: todo o Peru está na mesma condi
ção que nós; estamos todos juntos nisto, sem distinção.
i

A S ociologia do B rasil U rbano

I ©s objetivos do regime militar de exercer controle e de vin


cular moradores das barriadas aos seus vários organismos podem
sêií claramente percebidos no estabelecimento do Sistema Nacional
de Apoyo a la Movilización Social ( sinamos ) , em 1970, cujo alvo
£ preparar as massas para o advento da “ democracia social com
plena participação” (Latiu America, 1973, 7(9):65). A Oficina
Nacional de Cooperativas ( ondecop ) , também envolvida com as
barriadas, tornou-se uma subsidiária do SINAMOS. Como será vis
to na seção variam
mobilização seguinte,
comaso contexto
respostassituacional,
das massasistoa é,tais
comtentativas
as variá de
veis externas. Se é vantagem para elas ser mobilizadas, elas o per
mitem; se não, recusam vigorosamente a mobilização. Voltemo-
nos agora para essas respostas.

A s Res pos ta s Polí ti cas do s M or ad or es das Á r eas I n vad i da s no Per u

A relação entre as barriadas ou pu ebl os j òvenes peruanos e á


ordem política externa tendeu mais e mais a focalizar a crescente
mente diversificada estrutura burocrática, mais do que a lidar com
os partidos concorrentes, uma vez que estes últimos competem de
forma bastante duvidosa. Porque um complexo aparato administra
tivo foi implantado para lidar com as áreas invadidas ao longo dos
últimos 15 anos ou mais, os meios para obter bens tendem a ser vis
tos como associados mais ao establishment burocrático do que mes
mo a qualquer Governo em exercício, exceto quando possibilidades
eleitorais mais claras são abertas a nível nacional, estadual ou mu
nicipal (este último surgiu pela primeira vez como parte das expe
riências cooptativas de Belaúnde). A própria diversidade das insti
tuições e associações semipúblicas ou semiprivadas (como as igre
ja s), operando paralelamente com comunicação relativamente re
duzida entre si, permite uma ampla base de manobra aos morado
res de barriadas , que podem lançá-los uns contra os outros.
Em parte, essa possibilidade parece estar enraizada nas possibi
lidades de as burocracias (bem como os partidos) terem eleitorados
para se fazer representar ante o Executivo ou o Legislativo como
alocadores
seu própriode recursos.bem
interesse, As como
burocracias fazem dos
no interesse tal representação em
partidos políticos
que podem controlá-las (freqüentemente, gerando votos do eleito
rado numa antecipação das eleições). Elas também podem repre
sentar vários grupos de interesse que influenciam as burocracias
através do controle sobre burocratas-chaves, exercido por vários
meios (suborno, rede de relações pessoais), ou através de outras
formas de articulação de interesse. Os grupos de interesse podem
C onsiderações sobre D iferenças C omportamentais 299

ser servidos, por exemplo, pela burocracia com a alocação de recur


sos para o eleitorado. Assim, se a Junta Nacional de la Vivienda
urbaniza uma barriada, são usados recursos que beneficiam a in.
dústria de construção enquanto se cria um duplo apoio para os bu
rocratas da Junta. 0 grupo de interesse pode, por sua vez, fazer
hobby em favor das burocracias do Legislativo ou do Executivo, ou
em conjunto com outras burocracias.23
Como nas áreas invadidas chilenas, as associações de barriada
freqüentemente começaram com desenvolvimentos de comitês ini
ciais de invasão. Conforme as prioridades básicas que levavam à
ánvasao são satisfeitas e as necessidades passam a ser de tipo de vi
zinhança, familiar, pessoal (educação do filho, puxar um sistema
de água, etc.), opostas às tarefas que exigem a ajuda da comuni
dade como um todo (instalação de um sistema elétrico, de um sis
tema de esgotos, etc), as associações formais de barriada freqüente
mente deixam de existir, permanecem adormecidas ou dividem-se
em organizações de bloco para dar conta de problemas num âmbito
mais local, processo descrito por Mangin (1967a) para Lima nos
inícios da década de 1960.
Mas, como no caso chileno, quando surge uma causa coletiva
que requer mobilização e apelo conjuntos, toda uma barriada pode
ser rapidamente mobilizada para ação ( isto, certamente, acontece
também no Brasil, porém é mais raro). Inúmeros exemplos podem
ser citados, tais como a passeata acima descrita, mas um exemplo
recente será suficiente aqui. Em outubro de 1972, 1.000 famílias
de uma área invadida ao longo do rio Rimac escreveram uma carta
aberta ao jornal Expresso , de Lima, acusando o escritório local da
Sinamos de apoiar os supostos proprietários das terras, que deseja
vam expulsar os invasores. O oferecimento feito pelo Governo de
mudança da área invadida para um local a cinco milhas ao Sul de
Lima foi rejeitado pelos moradores que, em vez disso, exigiram re
conhecimento de seu direito à terra na marger do rio e chamaram
outras pessoas que se encontravam em situação instável de posse
de terra ao longo do rio para agir com eles.
“ Exigindo reforma urbana, expropriação da terra construível
e a abolição
guagem de aluguéis
da luta a longo
de classes, prazo, das
os líderes tudoáreas
na intransigente lin
invadidas desafia
ram não apenas as políticas urbanas governamentais — fundadas
23 Tanto quanto sabemos, não há uma teoria sistemática da natureza da
política em estados que não possuem sistema eleitoral ou outros me
canismos de articulação de interesse a nível local. Presumivelmente, isso
incluiria uma teoria da agregação de interesses do eleitorado articulados
através de burocracias, o conflito sendo canalizado entre e no interior
das facções dos organismos burocráticos.
A S o c i o l o g i a d o B r a s i l U kbano

no éSfímulo às sociedades de poupança e crédito e à propriedade in*


dívidual, obtida por esforço próprio, e presididas por almirantes
conservadores que prometeram repetidamente ao nervoso setor pri
vado que não haveria reforma urbana — mas também toda a base
de suas políticas de mobilização social. Com efeito, eles estão di-
■’zendo à sinamos que nao precisam de apoio externo para se mo
bilizarem” ( Latin America ? 7 (9 ):6 6 ; 1973).
Além disso, os “ posseiros” mostraram-se peritos em manipular
valores desejados por outro conjunto de órgãos externos, apenas
mencionado acima, que também concebe seu objetivo como “ a mo
bilização” das áreas invadidas. Estes órgãos freqüentemente tor
nam-se tão valiosos para as áreas invadidas como os partidos polí
ticos concorrentes e os canais burocráticos. Referimo-nos aos nume
rosos e diferentes órgãos semiprivados e religiosos24 como Acción..
Corpo da Paz, Oblate Fathers, Fé y Alegria, para citar uns poucos
que, nos últimos 10 a 15 anos, tentaram seu próprio tipo de inva
são — nas áreas invadidas, Cada grupo benfeitor externo geral
mente traz consigo um conjunto de benefícios — como o funde
americano de caridade religiosa, contribuições industriais america
nas e peruanas (a Acción), fundos americanos da AI D, serviços de
trabalho dos membros do Corpo da Paz americano ou Voluntários
Britânicos
grupos, comoInternacionais, e coisas
o Corpo de Paz semelhantes.
e a Acción, operemQue
sob muitos desses
a sanção di
reta ou implícita do Governo é em si mesmo um recurso para as
barriadas , uma vez que, por esse meio, eles a legitimam e conce
dem também proteção e visibilidade política adicional.
Desenvolve-se entre o agente “ benfeitor” e os líderes das áreas
invadidas uma relação de troca — com os líderes das áreas inva
didas considerando os órgãos úteis para quaisquer assuntos, servi
ços e freqüentemente coníatos (como colocação em emprego, dispu
tas burocráticas, serviços legais, etc) que eles podem oferecer, en
quanto que o benfeitor precisa da cooperação dos líderes das áreas
invadidas para o sucesso de seu programa, o que fornece a justifi
cativa de sua presença lá. O jogo é algumas vezes ampliado pelos
“ posseiros” de modo a criar competição entre grupos benLeítores se
a área àinvadida
lhante “ troca deé interesses”
bastante grande. Essa
brasileira relação
entre é muito das
os moradores seme
fa
velas e os políticos externos, como será visto adiante.
As ações de grupos benfeitores foram analisadas como sendo
fundamentalmente cooptativas. Rodrigues, Riofrio e Welsh (1972)
vêem a presença de benfeitores como mascarando objetivos
24 Esses tipos de grupo sem dúvida existem no Chile, embora não este
jam presentes na literatura, com o vimos.
C onsideraçõe s sobre D if eren ças C om por ta m ent aes 301

fundamentais tais como a distribuição de riqueza na sociedade como


um todo, atrás dos “ problemas” imediatos de instalação de serviços
urbanos e estabelecimento de clubes sociais. À crítica contra os
agentes benfeitores é semelhante àquela feita por Collier (1971),
referente às administrações de Odría e Prado, e por Cotler (1969)
com relação ao atual regime militar. Tais análises, por mais pre
cisas que sejam com relação às intenções dos governos ou dos ben
feitores privados, tendem a negligenciar aqueles que se encontram

no extremo
vos, receptor
totalmente das ofertas,
manipulados. ou éa negligenciado
O que tratá-los como
é osujeitos
fato de passi
que
■os moradores das áreas invadidas geralmente reconhecem as tenta
tivas da cooptação e astutamente acompanham o jogo enquanto é,
lucrativo fazê-lo, e dentro das vantagens limitadas representadas
pelas ofertas. O resultado é o contínuo fluxo de bens, serviços e
■ outros recursos, o que levou as barriadas a se tornarem pu ebl os j ó
venes , e estes a se tornarem, pouco a pouco, plenamente incorpora
dos à cidade e ao Estado, tanto em termos físicos quanto em termos
político-administrativos, como municípios com plenas funções le
gais. Tal incorporação nao ocorreu nem no Brasil nem no Chile.

Chile

— O Chile (ver nota 9) é o nosso caso de


A Co m un i da de Políti ca
um sistema multipartidário com uma base de massa em váxios par
tidos e com um movimento sindical que gozou de considerável in
dependência e dinamismo por cerca de meio século. Os partidos
com base de massa vão desde os Democratas Cristãos( p d c ) pas
sando pelos Comunistas ( p c ) , até os Socialistas (psn e suas subdi
visões independentes), o Movimiento Izqirierda Revolucionaria ( m i r )
e incluem até um ou dois partidos de direita. O Chile, até recente
mente, também teve eleições regulares e efetivas por quarenta anos
ou mais.25
Em tal caso, esperar-se-ia descobrir que ações e apelos políticos
de qualquer partido devem ser desenvolvidos no reconhecimento
de que, uma vez que os outros partidos têm, de modo semelhante,
bases de massa em grau variável, eles também podem acumular
apoio na as
exemplo, forma
áreasdeinvadidas)
atores tanto individuaistaiscomo
e incorporar coletivos
atores (por
à estrutura
ativa do partido — se o partido produz bens e serviços para eles.
Cada partido deve produzir para o seu eleitorado porque, se não
05 Uma vez que o caso c hileno é o nosso terceiro pa radigma, usamos o
tempo presente quando nos referirmos ao seu caráter paradigmático. Para
relatar acontecimentos históricos, usamos o passado. Que o paradigma
não mais exista na realidade em nada afeta nossa utilização.
302 A S ociologia do B rasil U rbano

consegue fazê-lo, os outros partidos estão prontos a capturar seu


apoio de massa através de apelos e ação mais efetivos. Os partidos
3o Chile, conseqüentemente, querem, precisam e devem gerar con
tinuamente suas bases de massa, e desenvolver mecanismos para
trabalhar com elas. Além disso, uma vez que todos os partidos im
portantes desempenharam um papel significativo em várias esferas
do Governo, cada um tem também importantes fontes de recursos
para distribuir, como bens, serviços, e outros prêmios a seus elei
torados, reais ou potenciais. A competição partidária também re
sultou num amplo entrelaçamento entre partidos e sindicatos. Com
efeito, muito da estratégia sindical é fortemente influenciada pelas
políticas partidárias (Angell, 1972).
Devido a essa estrutura, os partidos preocupam-se com as va
riações em seu poder eleitoral acumulado ou com outras formas de
ação eleitoral, como demonstrações de força do tipo dastomas (“in
vasões” ou “ tomadas de terra” ). Tal preocupação leva os partidos a
maximizar o acúmulo de poder eleitoral ou outro poder organizacio
nal pela diferenciação dos graus em que prêmios, bens e serviços
podem ser dados e em que a participação significativa de atores
“ posseiros” pode ser propociada ou não. Os partidos tentam mobili
zar apoio potencial utilizando uma variedade de meios e de lógicas.
Deve ser enfatizado que os partidos operam com os meios, apelos e
lógicas no interior das bases de massa em seuloci tanto geográfico
como social (por exemplo, áreas invadidas e sindicatos, respectiva
mente). Todavia, a articulação das organizações partidárias cen
trais e as bases de massa podem abranger controles internos muito
diferentes sobre uma base de massa no interior da hierarquia par-
tidária, bem como objetivos diversos dos poderes partidários cen
trais.
A seguir, as distinções entre os vários tipos de áreas de mora
dia mencionados anteriormenLe neste trabalho devem ser reitera
das, uma vez que os vários tipos apresentam diferentes comporta
mentos no contexto da estrutura multipartidária chilena. Será ob
servado que as callampas sao áreas invadidas geralmente estabeleci
das por ocupação gradual de um pedaço de terra, ao passo que õs
campamentos , como o nome sugere, são geralmente áreas invadidas
estabelecidas em investida instantânea num pedaço de terra por
uma massa organizada — a toma ou invasão (ver Handermann
1975 :65, 8; Castells, 1974:250 262). Mejoras e Poblaciones refe
rem-se a áreas de moradia estabelecidas^ de várias formas, ou me
lhoradas- pela ação governamental, embora o termo pobhcíóh seja
também usado genericamente para indicar qualquer tipo de área
de moradia. Usamo-lo apenas no primeiro sentido.
C onsiderações sobre D iferenças C omportamentais 303

A natureza da competição partidária a nível local varia com os


tipos de áreas de moradia nos quais os partidos estão agindo. Para a,
callampa , na falta de uma história do movimento político-social uni
ficado em sua própria criação (ver adiante), os partidos concor
rentes apresentam canais alternativos que as callampas podem jo
gar uns contra os outros, ou através dos quais elas podem operar
para extrair bens e serviços e outros valores dos níveis superiores
do sistema político. 0 jogo não se restringe aos partidos, mas pode
ser ampliado
agentes externos,através de laços
tais como patronais
sindicatos ( vera várias
burocracias e outros
passagens em
Castells, 1974-, por exemplo, pp. 248-b, 259-260, 264ss; Handel-
man, 1975, 58-63, passim ).
Há alguma evidência de que as poblaciones também se rela
cionam desta forma com o sistema partidário (ver Vaughan, 1968,
Castells, ibid.,). Geralmente, as poblaciones , ou projetos de habita
ção popular, são construídas inicialmente como lugares físicos, seja
na forma de infra-estrutura de localização e serviços, ou de infra-
estrutura com habitação mínima. Então, uma população mais ou
menos heterogênea, oriunda, por exemplo, de uma callampa ou de
muitas callampas e dos conventillos das áreas pobres dentro da ci
dade, é transferida pelo Governo, mais do que por um partido ten
tando criar um novo ramo de sua própria organização. Qualquer
Governo é, evidentemente,
mente, controlado por um em grande
partido ou parte, embora enão
uma coalisão, exclusiva
empreende
uma açao, como o fornecimento de moradia para uma população
pobre, com a intenção de conquistar eleitorado. Muito embora isso
seja evidentemente inadequado em qualquer sentido absoluto, o
Governo tem alguns recursos para utilizar neste tipo de esforço coo
perativo que não ê acessível a partidos individuais não represen
tados no J^overno. À relação estabelecida com a población, então,
é burocrática na medida em que diz respeito ao Governo, abrindo
desta forma a possibilidade de vínculos patronais bem como parti
dários para os moradores.
As afiliações da callampa ou da población tendem a ser bem
heterogêneas, em contraste com as dos campamentos . Às jogadas
políticas da callampa , são, conforme as circunstâncias, feitas dife
rentemente (ver adiante). Segundo Handelman (1975:55), as po
pulações das callampas tendem a ser diferentes daquelas dos cam
pamentos — as primeiras consistem mais marcadamente do “ luin-
pen-proletariado” e as últimas de trabalhadores industriais ou pro
letários.20 Suspeitamos que a distinção seja pouco significativo e
26 o term o não é definido de maneir a útil nestes trabalhos. Julgamo-lo
virtualmente inútil em geral — mesmo para a Europa, para a qual se
m A S ociol ogia do B rasi l U rbano

esconda estratégias alternativas, não apenas de ação política e de


invasão de terra vista num contexto político, mas também de comc
lidar com as restrições de mercado de trabalho. Voltaremos a esse
problema.
Os campamentos são quase <jue invariavelmente gerados ou
conduzidos por um partido ou por grupos políticos como o mir ou
possivelmente o Movimento de Acción Popular Unitária ( mapu ).
Tendo sido estabelecidos numa única investida em algum pedaço
de eles conão
terra,embora
ficados, m eça m como corpos altamente organizados e uni
fique claro a partir de nossas fontes quais são
os mecanismos para agregar tal corpo anteriormente à invasão.27
srcinou — e especificamente inútil para a América Latina, onde ele
não consegue, na nossa experiência empírica no Brasil e no Peru (e pro
vavelmente também nos Estados Unidos) distinguir sistematicamente qual
quer das duas populações. Achamos que o conceito reflete o preconceito
de classe dos observadores (semelhante à no çã o de “ cultura da pobreza” )
— todos de sólida classe média (ou , na retór ica, bourgeois ), a partir de
Marx e Engels. O preconceito de classe é também metodológico devido
ao fracasso em compreender realmente as opções e estratégias tíe vida do
obre e do relativamente pobre sob severas coações no mercado de tra
balho. Tal comprensão requer trabalho etnográfico intenso de observação
participante que nenhum dos q ue utilizam o termo fez, Eles conse
guiram, conseqüentemente, ver como as pessoas, confrontando-se com as
coações do mercado de trabalho, criam estratégias para utilizar várias
partes do mercado de trabalho, de modo a maximizá-lo ou otimizá-lo (ver
Gianella, 1970; Hart, 1973; Machado, 1971; Mayhew, 1849-1850,. 1861-
1862; Peattie, 1975; Uzzell, 1972). Eles não conseguiram, portanto, des
cobrir que pessoas — indivíduos dados — podem operar em dois ou mais
setores do mercado de trabalho simultaneamente numa estratégia otimi-
zadora-maximizadora, ou seja, as mesmas pessoas são trabalhadores in
dustriais, proletários, vendedores ambulantes, biscateiros ou lumpen-pro-
letãrios ao mesm o tem po. Os dois conc eitos, sustentamos, não distinguem
quaisquer categorias válidas de atores ou de estruturas nas sociedades em
discussão; o conceito de lumpen-proletariado é fundamentalmente retórico e
com base de classe, e como tal deveria ser abandonado.
27 o mecanismo é muito mais con hecid o para o Peru *— os grupos de
invasão utilizavam redes pessoais de parentesco, vizinhos, e laços e as
sociações da cidade natal para criar o corpo organizado de invasores. As
redes não apenas recrutavam o pessoal, mas também serviam de canais
de informação para estabelecer o lugar, data, e época da invasão e os
instrumentos
cial para as
contra esforços da táticas
polícia epara
material necessários
removê-los. Essas para a defesa
invasões poten
freqüente
mente tinham sanção partidária, como mencionamos no texto, mas não
eram organizadas como tal pelos partidos, mas sim pelos invasores através
de seus laços sociais. Isso ocorria também nos casos em que uma invasão
era encorajada por pessoas privadas (por exemplo, um proprietário de
terras cuja terra situava-se entre a cidade e o trecho sugerido de invasão
de modo que, no contexto peruano, ele avaliaria sua terra pelo valor ur
bano em vez d e rural) ou possivelmente por um orgã o bur ocrá tico com p
a Junta Nacional de la Vivienda.
C onsiderações sobre D iferenças C omportamentais 305

No Chile, este corpo organizado é de fato muito freqüentemente,


se não sempre, parte de, ou diretamente ligado a, uma organização
partidária: a toma foi promovida por um partido e organizada por
seus líderes, às vezes com e às vezes sem líderes dentreaqueles
que são mobilizados. Uma vez executada, a invasão é encorajada
e protegida pelo partido. O campamento, verdadeiramente, tanto
cm sua liderança interna como em sua resposta à estrutura parti
dária externa à localidade, representa uma ramificação e um clien
te do partido. Ao mesmo tempo, o partido precisa de uma ramifi
cação como uma fonte significativa de poder tanto para ação elei
toral como para açao coletiva.
Desta forma, os partidos concorrentes representam algo muito
diferente para os campamentos e para as callampas. O interesse
do campamento — e o interesse partidário externo — repousa na
manutenção de organização e da disciplina partidária, bem como
da disciplina interna relacionada ao partido. É importante observar,
todavia, que esse obietivo pararalelo não significa que os interesses
do campamento e da liderança partidária externa sejam idênticos.
Esta última, seja o pdc, o ps, o pc, o m ir, ou outro partido ou gru
po, age na esfera política nacional, tentando controlar ou acumu
lando poder. Faz isso através de uma variedade de meio, dos quais
a promoção de campamentos é apenas um — e um que pode não
ser desejável a longo prazo, já que pode criar grupos políticos mui
to fortes e independentes com uma organização social não direta
mente sob controle do partido. O PDC, por exemplo, enibora possa
ter ocasionalmente sugerido uma invasão, especialmente nos últi
mos anos do regime do presidente Eduardo Frei (1964-1970),
quando competia arduamente com a XJnidad Popular de Salvador
Allende (up), tentou evitá-los criando poblaciones e desenvolvendo
mejoras. Se o objetivo da organização partidária central é princi
palmente chegar ao controle do poder, como no caso do pdc do Pre
sidente Frei, o campamento pode ser visto como um veículo tático
a curto prazo, tornando-se seu poder mais tarde desgastado ou mais
retórico que real. Se o objetivo do partido é a mobilização social,
especialmente com reforma extensiva ou revolução com a tomada
total do poder mir, o campamento pode
ser visto comoem
ummente,
veículocomo no caso do
estratégico tanto a longo como a curto
prazo, um objetivo que requeríria treinamento ideológico além da
organização, de modo que a adesão a longo prazo e o controle pela
estrutura partidária central e seus interesses fossem garantidos.
Pode haver também partidos, segmentos de partidos ou líderes in
dividuais que encorajem a formação do campamento no interesse
da melhoria do “ posseiro” como ura fim em si mesmo, como re-
306 A S ociol ogia do B rasi l U rbano

fÜexo de seu forte compromisso ideológico. O recente apoio dado


aos campamentos pela U P é politicamente útil, bem como social
mente benéfico tanto no sentido de fornecer possibilidades habita
cionais às áreas invadidas através da auto-ajuda onde a construção
*de habitações pelo Governo não pode ser fornecida, quanto, e do
ponto de vista da up ? no sentido de ampliar a participação social
nos processos políticos e no bem-estar social geral. Esses diferen
tes interesses partidários, programas e estratégias são claramente
refletidos nos dados sobre as áreas invadidas no Chile, que damos
adiante com detalhes.
Ambas as formas de áreas invadidas, a partir de seu ponto de
vista, preocupam-se com a extensão de bens e serviços ou com a re-
distribuiçao de riqueza da sociedade inclusiva. Todavia, dados os
vários partidos com base de massa no Chile, com políticas bastan
te divergentes, todos vinculados ao Governo com maior ou menor
eficácia e todos operando (até 1973) num sistema eleitoral previsí
vel e efetivo, diferentes padrões de respostas deveriam, necessaria
mente, ser esperados. Ainda assim, dado o grau de importância
dos partidos na vida política de todos os setores e estratos da so
ciedade chilena, seria de se esperai* que o par áreas invadidas-par-
tidos, fosse muito mais estreito que no Brasil e no Peru; que muito
mais ações para
senvolvidas extrair
através bens, serviços
das relações e outros
partidárias prêmios
do que fossem
por outros de
meios
com laços patronais diretos com burocracias. Com efeito, seria de
se esperar que os laços patronais fossem aspectos da relação intra-
partidária,28 com relativamente poucas possibilidades de laços pa
tronais independentes fora do sistema partidário.
Em vista do que já foi colocado e da conhecida gama de ca
racterísticas dos partidos, esperaríamos que a distribuição de respos
tas das áreas invadidas variasse de nina virtual identidade de açao

28 Este tipo de organ ização é citad o para o sistema polít ico partidário
italiano, incluindo o p c — e constitui o modo característico d e controle
interno sobre o partido pela liderança, Darwin (comunicação pessoal,
1975) for nece algumas passagens que sugerem paralelos na organizaçã o
chilena de controles partidários internos, embora sua intenção não seja
a mesma, de modo algum. As “áreas invadidas no Chile são desenvolvidas
por um partido. A toma é estabelecida pelo partido X . A neg ociaç ão para
títulos infra-estrutura e organizações comunitárias, juntas de vecinos, cen
tros de madres, etc. é mantida pelo partido junto com escritórios gover
namentais — M inistério de l a Vivienda, etc ” . “ Na maioria dos caso s, as
áreas invadidas continuam sob a dominação do partido descobridor e de
seus representantes nelas.” “Durante os últimos anos, 1971-1973, de
Allende, as j a p s tornaram-se mais e mais ativas e decisivas... determi
nando, segundo o nível de organização e atividade, o acesso dos poblado-
res à comida, querosene, etc. segundo níveis de participação.”
Con si deraç ões sobre D i ferenças Com por tamentai s 307

entre o partido e a área de moradia, através de várias gradações e


mesmo relações mistas, a imi número relativamente reduzido de
casos nos quais as áreas invadidas fazem par com agentes externos
— partido, burocracia, ou algum outr o — por meio de laços pa
tronais, enquanto mantêm certa independência em relação aos par
tidos. Com a crescente importância da mobilização das bases de
massa pelos partidos de esquerda, surgida a partir da década de
1950 pela competição
transformação interpartidária,
gradual em poderíamos
direção ao primeiro esperar
extremo uma
do leque.
Os dois extremos da escala corespondem mais ou menos ao que £oi
designado por campamentos e callampas .
Com relação a essas expectativas, observe-se o resumo de Han-
delman (1975:44) dos achados de pesquisa do Centro de Desarollo
Urbano y Regional ( cidu ) referentes à “ liderança externa” nas
áreas invadidas.
“ Num extremo do espectro estavam os organizadores represen
tando partidos políticos legítimos, desejando estabelecer uma rela
ção patrao-cliente entre seu próprio partido e seu campamento. As
comunidades com tais líderes poderiam solicitar serviços específi
cos do sistema político em troca da promessa de apoio eleitoraL No
outro extremo do espectro político estavam os organizadores alta
mente radicais dos campamentos , que viam o movimento das áreas
invadidas urbanas como um meio para criar a consciência revolu
cionária entre as massas e desafiar a ordem política existente. Eles
estavam interessados em objetivos instrumentais, pragmáticos.”
Finalmente, devemos argumentar que a estrutura de ação
mais ou menos exclusiva através dos partidos reduz a vantagem es
tratégica a longo prazo para as áreas invadidas porque reduz suas
alternativas operacionais e a ambigüidade que tais alternativas re
presentam para as lideranças partidárias num sistema eleitoral em
funcionamento. Os fatos chilenos parecem confirmar essas expec
tativas em detalhe.20
A ação dos partidos políticos concorrentes com relação às áreas
de moradia proletárias pode ser mais bem percebida através de
exemplos dos últimos dez anos, embora pudéssemos citar inúmeros

29 Note-s e que Talton Ra y (1969) com efeito descreve essas duas ten
dências para as áreas invadidas da Venezuela sem compreender suas impli
caç ões, Ele lamenta o fa to de que algumas áreas de moradia não partici
pem mais plenamente do processo democrático, tornando-se mais vin
culados a partidos políticos e eleições. Por outro lado, ele observa que
são precisamente as áveas invadidas que não são tão comprometidas —
contrastando com aquelas diretamente vinculadas, na invasão srcinal e
na vida política subseqüente, a um partido particular — que obtem o
maior número de bens do sistema político externo.
308 A S ociologia do B rasi l U rbano

casos que remontara aos inícios da década de 1950. Os tipos de


“ intervenções” praticados pelos partidos vão, como observamos, de
invasões organizadas e fomentadas, direção de j u n t a s d e v ec i n os
( “ conselhos de comunidade” ) começando no período de Frei e flo
rescendo no regime de Allende, vários outros tipos de grupos nas
áreas de moradia, uma vez estabelecidas, à mera fundação de um
comité (comitê de defesa) numa dada área.
Tais intervenções devem ser vistas no contextos da ação gover
namental para acumular apoio político de massa pela produção de
bens e serviços — ação, evidentemente, não-divorciada dos interes
ses político-partidários dos funcionários eleitos em exercício, mas
canalizada_ através de funcionários apoiados pelo Governo e órgãos
burocráticos, em vez de através de partidos, de modo (entre outros
fins) a fortalecer o controle do partido sobre as posições governa
mentais básicas. Pode-se interpretar deste modo as políticas habi
tacionais do Governo democrata cristão do Presidente Frei, mais
marcadamente a Operación Sitio e os Planos de Ahorro Popular
(PAP).30
O partido no poder tem uma vantagem distinta com relação
à mobilização e manutenção do apoio popular em virtude de seu
controle do aparato burocrático do Estado. São exemplos a Opera
ción Sitio de Frei e o PAP acima mencionados e a Operación Invi-
erno de Allende, uma medida tomada para evitar os problemas ha
bituais do inverno como a sobrecarga e escassez de abrigo, ou o
controle dos recursos reais para levar adiante melhorias materiais,
títulos de concessão, decretos de emissão, e coisas semelhantes, que
estão à mão para o Governo e sua burocracia,
A Ley de Junta de Vecinos31 de 1968, proposta pelos demo-
cratas-cristãos, foi vista pelos partidos concorrentes como uma ten
tativa de mobilizar apoio eleitoral dos moradores das áreas invadi
das, por ser uma concessão política a estas permitindo-lhes estabe
lecer um canal para exigências sociais. Ccmo um plano para “ le
galizar” ou criarunânime
beu aprovação organizações das áreas
dos partidos invadidas, o concorrentes.
e congressistas projeto rece
Os partidos objetaram, todavia, à medida adicional do p d c de co
locar as j u n t a s soh autoridade da Consejaría Nacional de Promo-
30 A Operación Sit io, anunciada com o a “ solução habita cional* do Go
verno de Frei, permitiu às pessoas optarem por um sitio semi-urbanizado
que era pago a prestações mensais. O p a p é um esquema de poupanças «
crédito para famílias desejosas de ter ou um lote semi-urbanizado ou uma
casa acabada. A Unidade Popular do Presidente A llend e manteve este
esquema modificando-o apenas levemente.
3t Ley 16.880, que passou pelo Congresso chileno a 4 de novem bro de
1968. 1
Considerações sobre D iferenças C omportamentais 309

ción Popular, com base no argumento de que o pdc queria “ pene


trar nas áreas invadidas e canalizar, em vantagem própria, apoio e
votos do setor popular urbano” . A Promoción Popular fracassoii c
as organizayões das áreas invadidas foram vinculadas, de uma ma
neira difusamente mais acessível, a todos os partidas participantes
(inclusive os partidos de direita, que também votaram contra) da
burocracia ( Vanderschueren, 1971b: 73 e 6 8).

acimaO —casoqueda osPromoción


quatro oufornece
cinco oprincipais
exemplo de um ponto
partidos exposto
concorrentes
(especialmente antes da coalisão u p ) 32 são bastante conscientes do
apoio eleitoral potencial derivado da ação dos outros — variável
que, numa medida considerável, determina sua ação. Eles não de
sejam permitir açoes de natureza mobilizadora de apoio sem uma
tentativa de opor-se ou igualar, essa açao. As ações dos opositores
não podem envolver, por exemplo, um bloqueio totai à proposta
que auxiliaria os moradores porque os partidos que fizessem tal
bloqueio perderiam seu próprio apoio ou o novo apoio potencial; a
ação deve, desta forma, dividir o partido opositor, como no caso da
Promoción, ou tentar atrair novos seguidores, como, por exemplo,
dirigindo uma invasão de terra ou estabelecendo um comitê dentro
de uma área invadida. O contra-ataque deve ser positivo, traço*
marcante da situação chilena.
Assim, os programas burocráticos governamentais acima jnen^
cionados eram contra-atacados, em termos de mobilização de apoio*
popular, por algumas invasões dirigidas por partidos, especialmen
te o MIR* a ala extrema esquerda do ps. Um exemplo ê a invasão
do campamento La Victoria, ein Santiago, em 1965, dirigida pelo
PC. Conforme se aproximava o ano eleitoral de 1970, o número de
tomas ilegais, muitas fomentadas pelo m i r , aumentou notavelmen
te, como pode ser visto nos dados que se seguem (Informe de la
Dirección General de Carabineros dei Senado, relatado na cidu,
1972b:56)

* Invasões de Terras Urbanas


1966 1967 1968 1969 1970 1971 total
? ? 8 23 220 175* 426
* Apenas os primeiros seis meses; para o ano, estimadas em 350 ou mais,

32 Os principais partidos independentes pré-1970 — o pdc, o PC, o p s , o


Partido Radical e o Partido Nacional estavam, nas eleições de março de 1973.
alinhados do seguinte modo: code (Confederação Democrática), uma coa
lizão dos democratas cristãos, do Partido Nacional e do Partido de Izquier-
da Radical (puí); Unidad Popular, coalizão de comunistas, socialistas, ra
dicais e Organización de Izquierda Cristiana (oic), Acción Popular Indepen-
diente ( a p i ) e o mu.
A S ociologia do B rasil U rbano

A ação do MIR? tanto logo antes como no ano eleitoral, teve o


efeito de forçar o Governo p d c , então no poder, não apenas a evitar
a ação repressiva contra o que nos anos anteriores fora causa deste
tipo de ação __ as invasões ilegais — , mas mesmo a incorporar o
gjoçeso de tomas ilegais à sua própria ação política, de modo a
manter ou aumentar o apoio entre os moradores. Enquanto que,
logo após as eleições de 1970, a coalisão u p do Presidente Salvador
Allende tentava desacelerar o processo de invasões, os democratas-
cristãos, numa tentativa de se recuperarem de suas perdas eleito
rais, aumentaram sua participação nas invasões de terra e amplia
ram sua açao para abranger casas recém-construídas, não habitadas
( cidu , 1972b:56).
O objetivo político do m i r de impulsionar uma mudança re
volucionária mais rápida e mais drástica do que Allende parecia
estar preparado para desenvolver, complementava o crescente en
volvimento do p d c com invasões, um conflito de cúpula interparti-
dário ao qual grande parte do comportamento das áreas invadidas
se adaptou. O MIR, como parte de sua estratégia política tanto para
acumular mais poder no Estado chileno como para empurrar Al
lende para a açao revolucionária mais profunda, ampliou rapida
mente seu fomento às invasões de campamentos, envolvendo uma
organização sócio-política e ideológica mais explicitamente revolu
cionária em seus campamentos e, mesmo, notadamente, ajudando
a armar muitos deles. A pressão do p d c e do m i r forçou Allende
a ir muito mais longe na ação relativa às áreas invadidas do que
ele presumivelmente queria (já que ele pretendia diminuir o rit
mo das invasões), embora sem dúvida simpatizasse e apoiasse a
maioria dos objetivos sociais e de bem-estar da extrema esquerda.
Assim, de 1970 a 1973, quando o golpe militar acabou com tudo
isso, vemos um quadro de muitos partidos importantes e coalisões
partidárias operando em competição aguda com diferentes progra
mas e estratégias para ganhar eleitorados constituídos de amplos
segmentos (talvez 30-40%) da população urbana. Neste sentido
o período 1970-1973 é uma continuidade das décadas anteriores,
embora uma versão bastante acabada dos tempos procedentes. Os
detalhes das estratégias partidárias dados acima confirmam forte
mente nosso argumento geral.
Todos os princípios da ação partidária discutidos nos pará
grafos anteriores são bem ilustrados pela extraordinária coleção de
organizações e atividades promovidas por todos os principais parti
dos políticos que emergiram depois que Allende chegou ao poder
C onsiderações sobre D iferenças C omportamentais 311

em 197O.33 Durante os anos de Allende, a inflação e outras difi


culdades econômicas trouxeram graves problemas à distribuição
de alimentos e outras necessidades, especialmente durante o perío
do de crescente escassez, em 1972-73. Os partidos concorrentes
propuseram diferentes políticas em seus esforços para atrair públi
cos mais amplos, mas todos queriam dominar através do sistema
de distribuição. Por exemplo, o MA p u favoreceu o racionamento
público
Precios de cartões. 0 FC favoreceu as Juntas de Abastecimentos y
( j a p s ) e o controle dos preços. Os socialistas, o m i r e a
esquerda crista favoreceram a “ Canastra Popular” , ou seja, lotes
por família de gêneros de primeira necessidade (feijão, óleo, açú
car, arroz, café, chá, etc.). A forma de organização mais importan
te a emergir foi a j a p > que se tomou cada vez mais ativa e decisiva,
determinando o acesso dos moradores das áreas invadidas e pobla -
dores à comida, querosene e outros gêneros de primeira necessida
de. A distribuição era realizada de acordo com os níveis de parti
cipação. Este sistema, como era de se esperar “era disputado a
unhas e dentes” . Todavia, nos anos anteriores ao golpe, todos os
sistemas estavam funcionando ao mesmo tempo. Por causa do
crescente mercado negro, o controle sobre os preços e a entrega de
bens através da j a p havia diminuído muito. A Canastra Popular
era o único modo seguro de obter as necessidades familiares, a me
nos que se tivesse — e a maioria dos moradores não o tinha —
vinculaçoes e dinheiro para o mercado negro, ou seja, a menos
que se fosse membro das classes superiores. Os problemas de abaste
cimento e distribuição eram então capitalizados para objetivos de
constituição de apoio partidário, com o m i r em crescente vantagem.
As organizações formais com os campamentos e poblaciones
variavam de juntas de Vecinos (mencionadas acima como tendo
sido fomentadas pela ação governamental durante e depois do re
gime de Frei), a clubes de esporte aos quais muitos jovens perten
ciam. Os clubes de esporte freqüentemente respondiam à mobili
zação para objetivos comunitários, bem como aos partidos políticos
no interior da área de moradia. Outro conjunto de organizaçoes
eram os Comandos de Pobladores Sin Casa (Castells os chama Co
mités Sin Casa, 1975, pp. 273-280), organizações altamente mili
tantes dominadas pelo m i r e pelos socialistas. Os comandos, por sua
militância e extensa participação de moradores de áreas invadidas e
pobladores, foram capazes de realizar sempre mais para estes últi-
33 Muito d o que se segue, incluindo o item de r espostas, foi for ne cido
pela boa-vontade de Shirley Darwin (comunicação pessoal, 1975) e al
gumas passagens constituem uma transcrição livre de sua exposição. Seus
dados são os mais próximos dos etnográficos que encontramos, e deseja
mos agradecer-lhe por nos permitir usá-los.
312 A S ociologia do Br asi l U rbano

mis, especialmente nos Ministérios de Habitação e Urbanismo e do


Trabalho. Os partidos, através dos comandos, trataram do desempre
go nas áreas invadidas, apresentando listas de desempregados ao Mi
nistério do Trabalho de modo que muitos encontraram emprego,
especialmente na indústria de construção, durante o Governo de Al-
lende. Além disso, os Centros de Madres, iniciados sob o Governo
de Frei, eram muito importantes para a organização das mulhe
res — inicialmente em torno de atividades “ tipicamente” feminin i-
nas, mas sob Allende, em torno da educação política de mulheres
e como canais para a mobilização pela u p .
Vemos no relato precedente o complexo jogo entre os par
tidos, a burocracia, o Executivo, as associações desenvolvidas para
fins específicos e as áreas invadidas, vinculadas através de organi
zações formais intra-áreas invadidas fomentadas externamente, Es
se processo tem apenas um tosco paralelo no Brasil e não está ex
tensivamente desenvolvido no Peru. Como observamos acima, a li
derança no Chile é, de modo amplo, gerada externamente, contras
tando tanto com o Brasil como com o Peru, onde a liderança ten
de amplamente a emanar das próprias áreas invadidas — e a per**
manecer no seu interior.
O conjunto de organizações e de atividades geradas reflete os
crescentes
gular ondeconflitos entredeclaradamente
um partido os partidos no marxista
contexto chegara
da situação
ao posin
der numa eleição aberta. Do ponto de vista das áreas invadidas*
responder a tal conjunto só poderia ser um comportamento polí
tico viável no contexto muito peculiar do sistema político nacional
do Chile daquela época.
0 sistema político atravessava certa desordem, incapaz de re
solver os problemas econômicos maiores e confrontado com gran
de resistência política e retaliação dos eleitoralmente ainda pode
rosos partidos do centro e de direita, que ocupavam vários cargos
nacionais, especialmente no Congresso, entre os militares e as bu
rocracias. Ele também se confrontava de modo crescente com a vio
lência extralegal de direita e era nitidamente incapaz de exercer
controle sobre as instituições extralegais em desenvolvimento, co
mo o mercado negro.
V
A Resposta de Moradores das Âreas Invadidas e “ Pobladores ”
Argumentaremos que, embora a fermentação singular e a
abertura política da época tornasse possível grande número de res
postas das áreas invadidas, em vista da confusão política, a viabi
lidade de respostas era diversamente avaliada. Diferentes segmen
tos da população das áreas invadidas interpretavam as potenciali
C onsiderações sobre D iferenças C omportamentaís 315

dades daquela situação política de modo diverso e adotavam de for


ma correspondente diferentes formas de ação política: alguns, co
mo as callampas , eram mais cautelosos, mais guardados e auto-
protegidos; outros, como os campamentos , comprometiam-se mais
diretamerrte, eram mais abertos e — como os fatos o demonstra
riam34 — mais expostos. Às populações no extremo receptor das
ações partidárias de mobilização de apoio — os moradores das
callampas e campamentos, e os pobladores — desenvolveram vá
rias formas de organização interna e manobras e manipulações ex
ternas que, no contexto da ambígua situação política, eles julga
vam melhor, tirando vantagens das manobras partidárias para
“ cooptá-los” , ganhar seus votos ou mobilizá-los para obtenção de
bens, serviços e riqueza. Eles adaptam essas formas à organização
política externa e suas manobras de modo a miximizar seus próprios
ganhos. No Chile, estas organizações e manobras externas, apesar
de sua clareza retórica no período 1970-1973. eram muito ambí
guas com relação a onde o poder realmente repousava e quais po
deriam ser as conseqüências políticas. A resposta das áreas in
vadidas variava de acordo com isso.
Primeiro, é notável que o entrelaçamento entre a vida polí
tica intra-área invadida e o Estado externo seja mais firme, de um
ponto de vista organizacional, no Chile que no Brasil ou Peru. Em
termos de organização, como entendemos a partir de nossas fonte6
de dados, parece ser freqüentemente muito difícil separar o sis
tema político externo da resposta política interna (ou mesmo, às
vezes, vice-versa), exceto no limite da gama de respostas varian
tes que atribuímos às callampas, às áreas invadidas em sua maio
ria estabelecidas por justaposição. Nitidamente, dado o sistema
multipartidário com base de massas com eleições estáveis, uma
maior freqüência de participação da área invadida no estado por
laços diretos e ação partilhada deve ser esperada — e, deveras, en-
contra-se nos dados fornecidos acima e é demonstrada naqueles
relatos na literatura et al, 1972; Portes,
1970, 1971, 1972; cidu(ver Goldrich,
, 1972a; cidu 1970,
, 1972b; Rodrigues, eí aU
1972; Vanderschueren, 1971a, 1971b; Castells, 1974; Handel-
man, 1975). O que não é desenvolvido nestas fontes, especialmen
te naquelas recentes, é a incidência — aparentemente com fre

34 No período imediatamente posterior ao golpe, muitas fontes relata


ram a ocorrência de diversos fuzilamentos de massa, especialmente nas
áreas invadidas controladas pela esquerda, ou seja, nos campamentos,
onde os militares poderiam supor que as organizações de oposição seriam
muitas. Ver, por exemplo, o relato do violento bombardeio das áreas in
vadidas no National Guardian, 7 de novembro de 1973, p. 14, por M. Mann.
314 A S ociologia do B rasil U rbano

qüência relativamente baixa, mas existente — de áreas invadidas


que evitam tal participação desenvolvendo conexões patronais in
diretas e algumas que combinam estratégias de participação dire
ta com várias formas de manipulação patronal. Tais tipos de áreas
invadidas são percebidos aqui e ali (ver Handelman, 1975), mas
nenhum sarvey sistemático recente ou trabalho de entrevistas e
nenhum trabalho etnográfico intensivo de qualquer tipo foi feito
com eles (todavia, ver DESAL, 1965, 1966; Vaughan, 1968). A
ausência de qualquer etnografia sistemática, co-residencial, de ob
servação participante ocorre também com relação aos moradores
diretamente participantes das áreas invadidas e suas áreas de mo
radia — os campamentos — de modo que não sabemos, na ver
dade, se alternativas para a filiação partidária direta e a partici
pação política direta estão ou não presentes nesses locais e dis
poníveis como procedimentos táticos para as áreas invadidas. To
davia, as oblíquas indicações são suficientes, junto com a infor
mação de Darwin (comunicação pessoal), para sugerir algumas
observações relativas às respostas das áreas invadidas.
Numa población ou ccillampa, devido à presença de dois ou
mais comitês de partidos nacionais formalmente organizados, cada
um concorrendo por membros, os atores individuais permanecem
livres para avançar ou recuar entre os partidos e seus comitês se
o partido ao qual eles prometem sua fidelidade não produz (Vau
ghan, 1968). O mesmo argumento se aplica onde dois ou mais
partidos nacionais ou grupos partidários estão operando por meio
de qualquer modalidade organizada como o caso da j a p acima ci
tado indica claramente. Suspeitar-se-ia que onde existissem Cen
tros de Madres e Clubes de Esporte ocorreriam competições equi
valentes para filiação, deixando às associações e a seus membros
individuais a opção de jogar os partidos (ou ministérios) uns con
tra os outros. Para isso, todavia, não temos evidência. Apesar disso,
os casos acima fornecidos evidenciam que a tática era efetivamen
te utilizada.
0 fato de que tenha havido eleições competitivas cujos re
sultados tenham sido respeitados por 40 anos ou mais e de que
os partidos tenham competido no interior das áreas de moradia
significa que, para os moradores das áreas invadidas e os pobla -
dores, sempre existiu, necessariamente, um ponto de contato viá
vel e mobilizável para alcançar os níveis partidários mais eleva
dos. O fato de que existam muitos pontos de contato em compe
tição significa que a oportunidade para exercer pressão e mano-
brar Jjens e serviços permanece uma possibilidade, mesmo que um
ponto de contato deixasse de operar — fato pouco provável, que
C onsiderações sobre D iferenças C omportamentais 315

acarretaria o suicídio político, como os resultados eleitorais de


1973 parecem sugerir, especialmente no declínio agudo do conser
vador Partido Radical e crescente força do grupo socialista MIR
(ver Latin Am eri c a , 7(10):73).
O tipo de vida associativa encontrado em qualquer área de
moradia do tipo que estamos considerando reflete, sem dúvida, a
história desta — por exemplo, o caráter organizacional dc sua for
mação.
tas pelosReflete ainda,entre
moradores também indubitavelmente
diferentes as escolhas
opções de resposta. fei
As formas
de vida associativa encontradas nas poblaciones e áreas invadidas
variam consideravelmente com relação ao grau de participação dos
moradores, tipo de liderança e orientação ideológica da j u n t a ãe
vecinos (se exist e). A variação parece (isto é o máximo que pode
ser dito, em razão da pobreza de dados publicados) ser determina
da, em parte, pelos tipos de problemas e objetivos enfrentados pe
la área de moradia coletivamente e por seus membros individual
mente, em parte por sua localização, em parte, como foi dito, por
sua história, e possivelmente também por outras variáveis, tais co
mo a pressão externa direta. Na ausência de dados suficientes pa
ra definir que variáveis e que situações variáveis governam as va
riações, podemos apenas apontar a marcante diversidade a ser ob
servada, sugerindo que a diversidade indica tanto a ampla expe
riência das áreas invadidas com relação a fatores externos como
diferentes análises de possibilidades estratégicas e vantagens, de
um ponto de vista amplamente instrumental.
A variação é ilustrada de muitas formas. Por exemplo, a li
derança pode ser organizaciones de masa , co m i t é
s p ol ít i cos d e cau 
dillo ( cidu , 1972b:69), estudantes universitários, mercenários de
partido, patrões individuais, e assim por diante (ver também Han-
delman, 1975:43-45). A organização interna das áreas de mora
dia é caracterizada por um rico inventário de associações para di
versos propósitos — j u n t a s d e v ec i n o s9 c en t r os d e m a d r es , centros
d e padr es (um tipo de p t a ), clubes de esporte, grupos de jovens,
como a Juventude Socialista, a Juventude Comunista, etc. Todos
esses são, declaradamente, diretamente vinculados a órgãos exter
nos. Os clubes esportivos, por exemplo, têm vínculos com o Mi
nistério da Cultura, enquanto que as j u n t a s d e v ec i n o s mantêm
representação formal no Ministério de Habitação e Urbanismo.
Não se relata se existem grupos semelhantes a alguns desses po
rem não ligados ao exterior, mas pareceria ser esse o caso a par
tir dos breves comentários sobre as callampas organizadas de mo
do patronal (ver também as citações de Portes).
3K6 A S ociologia do B rasil U rbano

Qualquer que seja a incidência deste último caso, é mor-


cante o grau notável ein que os moradores das áreas invadidas no
Êhile, em contraste parcial, sob condições especificáveis externas,
com o Peru, e em marcante contraste, como regra, com o Brasil,
gao organizados em associações comunitárias formais. È sistemati
camente relatado — com poucas exceções evasivas na literatura
recente, porém mais freqüentemente na antiga — que o órgão
que negocia com o estado externo é a associação comunitária mais
do que
ma um patronal
relação indivíduo ouou degrupo privado como
corretagem, de pessoas operando
é, quase nu
que inva
riavelmente, o caso no Brasil, e como ocorre muito freqüentemen
te em muitos tipos de relação, notavelmente com a burocracia no
Peru.
Todavia, uma luz algo diferente é projetada na variação por
Portes, relatando seu estudo (por survey) de quatro áreas de mo
radia de Santiago, nas quais ele julga ser a participação em muito
uma “ função de consideração racional-utilitária” — uma visão
que apóia a interpretação que defendemos. Ele diz:
“ À participação em reuniões e atividades sociais consome
tempo e esforço; sua utilidade, conseqüentemente, deve ser avalia
da com relação aos lucros econômicos ou psicológicos de outras ati
vidades como o trabalho, melhoria do lar, vida familiar, interação
com amigos.”
Ele prossegue dizendo:
uConsiderações utilitárias ditam que, quando problemas que
exigem ação comunal se tornam relevantes, a participação em as
sociações comunais voluntárias aumenta. Por outro lado, a solu
ção de problemas, o preenchimento de aspirações, e a ausência em
geral de objetivos socialmente relevantes resultam no decréscimo
da participação. As organizações em tais épocas permanecem ador
mecidas. Elas permanecem, todavia, latentes como instrumentos
potenciais a serem utilizados em confrontos futuros. Do ponto de
vista dos habitantes das áreas pobres, a associação comunal nao á
um grupo artificial a ser mantido em seu próprio benefício, mas
uma ferramenta instrumental a ser empregada quando necessário
(Portes, 1972:273).”
Para os objetivos do nosso argumento, o significado dos acha
dos de Portes está na noção de ser a organização da comunidade
“uma ferramenta instrumental a ser empregada quando necessá
rio ” (a ênfase é nossa) — uma ferramenta para negociar no in
teresse da comunidade de moradores.
C onsi deraçõe s sobre D if eren ças Com por t am ent ai s 317

A habilidade instrumental para negociar com o estado exter


no étambém vista como crucial pela equipe do cidu (1972b:60)
que acha que

“la directiva es el elemento decisivo dei campamento, pero


no l o es tan to por s u pr opr io car acte r , si n o por se r el vín cu l o d e
relación entre los agentes externos (aparato dei Estado y, sobre
todo ? orga n i zacion es pol íti cas ) y el tratamiento de los problemas
concretos dei campamento
Como já foi visto, o problema de negociar com o estado ex
terno e a habilidade em fazê-lo são traços-chaves da política das
áreas invadidas nos três países em discussão. O que varia nos três
casos é a estrutura política externa, de modo que as opções por
canais de negociação — e, desta forma, os tipos de organização e
os comportamentos utilizados na negociação — devem variar de
modo correspondente. Conseqüentemente, não é de surpreender
que Goldrich ache, em sua comparação sobre a politizaçao nas
áreas invadidas de Santiago e Lima, que os moradores das áreas
invadidas chilenas tendam a “ obter mais pontos” que os peruanos
nos testes de “ consciência do Governo” , “ pei-cepção da utilidade
do Governo” , “ percepção de sua manipulabilidade” , “ desenvolvi
mento de preferência pol ítica ” , “ avaliação de sua provável efeti
vidade ” , “ cálculos de ganhos e custos da ação” e “ realização de
demandas” . (Goldrich, et aL , 1967-1968:14). Afirmamos que tu
do isso é inexpressivo. O maior número de pontos dos moradores
de Santiago não significa que eles sejam politicamente mais so
cializados — como co ncluem Goldrich e Handelman, oito anos de
pois parece reiterar (1975:59, falando do Peru), mas que as es
truturas políticas peruana e brasileira, sob condições políticas es
pecíficas, permitem poucas opções e canais para negociação do ti
po dos chilenos, tendo desenvolvido suas próprias possibilidades e
caminhos.
Muitos autores
não previram que escreveram
um importante sobre ou,
golpe militar, o Chile
se o antes de pos
julgaram 1973
sível, viram-no em termos da continuidade de uma sociedade ope
rando com um sistema eleitoral estável. A possibilidade de um
golpe não é prevista na literatura sobre as áreas invadidas chile
nas que lemos, muito menos são previstos os violentos extremos a
que o golpe de 1973 chegou. Tivessem eles examinado tal possi
bilidade, suas análises políticas das articulações das áreas invadidas
poderiam ter sido diferentes. 0 que as condições políticas do Chile
pós-1973 indicam é que uma estrutura de laços formais como des
crevemos acima, que é penetrante e quase exclusiva (tecnicamente
m A S ociologia do B rasil U rbano

um sistema firmemente articulado), também pode mostrar-se aita-


inente rígida e nao adaptativa sob diferentes circunstâncias. Em
contraste, a combinação de laços patronais que tanto unem como
separam, geralmente com outras modalidades de extração de bens,
ppssibilitam um grau bem maior de flexibilidade. Na perspectiva
das situações brasileira e peruana, a incidência no Chile de casos
em que se relata que callampas operaram através de relações de
Hpo patronal sugerecomo
desenvolvimentistas umaGoldrich,
interpretação
et aí7diversa tanto daquela
e Handelman, dos
como dos
marxistas ideológicos, como Casíclls e o pessoal do C i d u , que ob
servaram a situação chilena de um ponto de vista mirista , Por di
ferentes razões e de diferentes maneiras, ambos vêem as estruturas
patronais como atrasadas, conservadoras e poltiticamente subdesen
volvidas.
Apresentamos a interpretação alternativa, qual seja, as estru
turas patronais, especialmente quando usadas em combinação com
outras formas de vinculaçao, como no Peru, representam, primeiro
um reconhecimento de coações muito reais sobre a ação; segundo,
um reconhecimento histórico, cumulativo, de como, no sistema de
classes, os que utilizam as estruturas patronais estão interconectados
na prática política; e terceiro, uma astuta avaliação de es
tratagemas
vidual. e instrumentos
Laços usados para
patronais constituem uma oestrutura
interessenacoletivo
qual háe um
indi
amortecedor entre os fatores externos e a população das áreas inva
didas; um certo grau de autonomia dos laços externos é mantido.35
A autonomia tem algumas vantagens: ( 1 ) a população torna-se
objeto de vários esforços de “ cooptação” e “ mobilização” , e conse
qüentemente maximiza suas possibilidades de extrair bens, serviços
e outros ganhos do sistema político externo sob condições de subs
tancial coação; ( 2 ) deixa a população livre para mudar de palrão
quando nenhum bem é fornecido, ou, na verdade, de colocar vá
rios patrões uns contra os outros, ou de ter muitos ao mesmo tem
po; a ameaça de que isso aconteça, em si mesma, exerce pressão
para um flux o contín uo; ( 3 ) a autonomia maximiza a capacidade
de sobrevivência sob severas coações de classe como situações re*
pressivas que se seguem a golpes de estado do tipo daqueles do
Brasil, 1964, Peru, 1968, e Chile, 1973.
Uu*a decorrência dessa interpretação é que se as áreas invadi
das são predominantemente vinculadas ao Estado externo por laços

35 Estamos falando de laços patronais em situações urbanas. Esses laços,


no relativo isolamento das áreas rurais, são outra questão, de vez que,
na ausência de estruturas políticas de apoio, nenhuma alternativa está
disponível.
C onsideraç ões sobre D if eren ças C om por t am ent ai s 31 9

formais, com organização interna formal, e diretamente envolvi


das na ação ou acontecimentos políticos, elas se tornam extrema
mente vulneráveis, podendo perder a propriedade ou a vida se ocor
re uma súbita mudança na ordem política nacional. Ao contrário,
se as áreas invadidas multiplicaram seus laços e dependem, numa
medida considerável, de laços patronais mutáveis, elas reduzem a
vulnerabilidade tal como se reflete na manutenção ou no aumen
to de propriedade, relativa segurança de vida, e estabilidade de lo
calização da área invadida. Os casos chileno e peruano ilustram
claramente esses dois pólos.36

Conclusões

Pretendemos ter mostrado que as formas de respostas políti


cas dos moradores de áreas invadidas e populações a elas relaciona
das são previsíveis em função (a ) dos tipos de interesse e necessi
dade com os quais eles se confrontam na vida diária e aos quais
se articulam politicamente e (fc) das situações de um sistema ex
terno a eles e de suas variáveis que sao os elementos diversos da po
lítica institucional da socied ade — partidos políticos, o Governo
em exercício, as burocracias, os militares, os sindicatos, as Igrejas.
Os interesses e necessidades da população que tratamos são, para
muitas intenções e propósitos, comuns: alimentação e vestuário
decente, habitação, segurança de moradia, água, luz, e, mais ime
diato em termos de pressão, porém mais remoto em termos de ex
pectativa, melhor renda. 0 que varia em nossa amostra é a estru

36 Dada esta hipótese, seria interessante compara r o grau de vulnerabi


lidade e a conseqüente perda de opções depois dos golpes de 1964, no
Brasil, <íe 1968, no Peru, e de 1973, no Chile. Diríamos que as áreas in
vadidas brasileiras c peruanas e seus líderes sofreram menos repressão
aberta e perda de opções do que seus pares chilenos. Não conhecemos
paralelos ao violento bombardeio mencionado na nota 34, nem aos fu
zilamentos de massa relatados para as áreas invadidas, especialmente aque
las intimamente associadas à esquerda, ao m i r em particular. Estivemos
no Brasil anualmente de 1965 a 1969, e a cada ano vimos importantes
atos militares e institucionais da repressão — contra os sindicatos, os es
tudantes, a Igreja, etc. Mas estes contra as favelas, foram apenas limi
tados. Também estivemos brevemente no Peru em 1968, 1969 e 1970.
Nada de remotamente comparável a o Pinocheta zo era encontrado lá *
Apenas na grande invasão de 1971 houve algumas mortes, quando mi
lhares de invasores foram removidos. Deve-se notar que aos mesmos in
vasores foi dada imediatamente outra área para se estabelecerem, uni
pouco além de Lima, mas ainda bem acessível. Esse foi, essencialmente,
um acontecimento local. Os moradores de barriadas são ainda um pode
roso eleitorado político com o qual o Governo deve lidar.
A S oci ol ogia do B rasi l U rbano

turação do sistema mais amplo, da comunidade política. Em essên


cia «xamínamos a interação dos subsistemas dos moradores das
áreas invadidas que se inicia com necessidades e características fí
sica bem comuns e as situações variáveis dos sistemas hierarquica
mente inclusivos — as comunidades políticas. Mostramos que a
interação entre as comunidades políticas variantes e seus estados
mutáveis e as áreas invadidas prevêem, em alto grau, o comporta
mento destas
condições últimas.
iniciais Na os
de ambos verdade, argumentamos,
conjuntos que, dadas
de atores, a interação geraas
o comportamento, embora ura grau variável de liberdade exista de
caso para caso. Afirmamos que não é necessário postulado cultural,
moral, pessoal, psicológico ou racial — ou outra de tais variáveis
— para dar conta dos comportamentos.
Algumas generalizações de interesse emergem:
(а ) Quanto menos dependente for a operação de qualquer
variável do sistema de nível mais elevado ou do conjunto de va
riáveis daquele sistema, mais opções, as populações em questão ten
dem a desenvolver como resposta.
( б ) Quanto mais operacionais as opções, maiores os ganhos
a serem extraídos;
( c ) Quanto maior o número de opções e maiores os ganhos
a serem extraídos para a coletividade, maior o poder de barganha
política cumulativa, a longo prazo na comunidade política para o
ardil em questão.
A interpretação ou o modelo usados têm uma aplicação mais
ampla do que apenas para as áreas invadidas. Desse ponto de vis
ta, pode-se examinar a ação política de todas as unidades políticas
de nível local (os sistemas de ordem mais baixa nos tipos de siste
mas hierárquicos com que estamos preocupados) em confronto com
a ação das unidades políticas supralocais ( os sistemas de ordem
mais elevada da hierarquia), em termos de definição de variáveis
apropriadas, dos efeitos avaliados das variáveis, das mútuas coações
que exercem,
minado das opçoes
. De outro abertas,
ponto de e do
vista — comportamento
ainda mais geral —assim deter
, o modelo
se aplica a toda ação política em confronto com outra ação política,
a despeito da hierarquia ou nível (ver Leeds, 1973a, 1973c).

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CODE Confederación Democrática (Chile)
desal Desarrolo Económico-Social de America Latina (Um
grupo de pesquisa na Universidade Católica de San
tiago, Chile).
C onsider ações sobre D if eren ças Com port am entai s 327

EURE Estúdios Urbanos, Regionales y Economicos, San


tiago, Chile
ja p Junta de Àbastecimientos y Precios (C hile)
jv n Junta Nacional de la Vivienda (P eru )
jUAPU Movimiento de Acción Popular Unitaria (C hile)
iMDB Movimento Democrático Brasileiro
MIR Movimiento Izquierda Revolucionaria (Chile)
oondecoop
ic Organización de Izquierda
Oficina Nacional Cristiana
de Cooperativas (C hile)
(Peru)
ondepujop Oficina Nacional de Pueblos Jóvenes (Peru)
pap Plan de Ahorro Popular (Chile)
PC Partido Comunista (Brasil, Chile)
pdc Partido Democrata Gristiano (Chile)
PIR Partido de Izquierda Radical (Chile)
ps Partido Socialista (C hile)
PSD Partido Social Democrático (Brasil)
PTB Partido Trabalhista Brasileiro (Brasil)
PUJOP Pueblos Jóvenes (um serviço de organização de 6ar-
riada , Peru)
sinamos Sistema Nacional de Mobilización Social (Peru)
udn União Democrática Nacional (Brasil)
uno
UP
Union
UnidadNacional
Popular Odrista
(Chile) (Peru)

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