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História da Medicina

Histórico da Fonoaudiologia:
relato de alguns estados brasileiros

Speech Therapy History: A report on some Brazilian states


Poliane Cristina de Lima Aarão1, Fernanda Caroline Braga Pereira1, Karoline Lopes Seixas1, Hildinéia Graças
Silva1, Fernanda Rodrigues Campos1, Amanda Pereira Nunes Tavares2, Ana Cristina Côrtes Gama3, Stela Maris
Aguiar Lemos 3

RESUMO
1
Fonoaudióloga. Introdução: o objetivo deste estudo foi realizar revisão na literatura nacional sobre a
2
Acadêmica do Curso de Enfermagem da Escola
de Enfermagem da Universidade Federal de Minas
história da Fonoaudiologia e o percurso da ciência fonoaudiológica no Brasil. A maio-
Gerais-UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil. ria das informações sobre esse assunto consta, principalmente, em teses e dissertações.
3
Fonoaudióloga. Professora Adjunta do curso de
Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da UFMG.
Desenvolvimento: foram informadas datas e eventos marcantes que foram significativos
Belo Horizonte, MG – Brasil. para o desenvolvimento da profissional. O marco da história da Fonoaudiologia no Bra-
sil ocorre na época do Império, em 1854, e, desde então, sofreu várias transformações
até se consolidar no que é hoje. A história da fonoaudiologia é também descrita em
vários estados brasileiros. Conclusão: a reconstituição da história consolida as bases
para o entendimento das mudanças e direciona para novos caminhos.
Palavras-chave: Fonoaudiologia/história; Fonoaudiologia/legislação e jurisprudência; Fono-
audiologia/tendências; Associações Profissionais; Revisão de Integridade Científica; Brasil.

ABSTRACT

Introduction: This paper aims at providing a review of the national literature on both the
speech therapy history in general and the most important events of this science in Brazil.
Most information on this topic is found in thesis and dissertations. Development: Major
events and important dates are provided to account for the development of the speech
therapy profession. The landmark of speech therapy in Brazil takes place in the Imperium
period, in 1854, and several changes have taken place since then. The speech therapy
history is also described in several Brazilian states. Conclusion: Keeping track of history is
important to understand changes in the past and planning for new challenges.
Key words: Speech, Language and Hearing Sciences/history; Language and Hearing
Sciences/legislation & jurisprudence; Language and Hearing Sciences /trends; Scientific
Integrity Review; Brasil.

Recebido em: 10/07/2009


introdução
Aprovado em: 15/09/2009

Instituição: O registro da história da Fonoaudiologia no Brasil não está organizado e a maneira


Curso de Fonoaudiologia – Faculdade de Medicina
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) como se deu a sua implantação no estado de Minas Gerais é pouco documentada,
Belo Horizonte, MG – Brasil.
com dúvidas sobre o seu início e desenvolvimento e quais caminhos seguidos e as
Endereço para correspondência:
Poliane Cristina de Lima Aarão
influências que resultaram em seu estado atual. Entende-se que o conhecimento pre-
Rua: Doutor Mário Guerra da Paixão, 278
Bairro: Industrial
cede o reconhecimento. Deste modo, conhecer o caminho que a Fonoaudiologia per-
Contagem, MG – Brasil correu no Brasil e entender esse processo possibilita melhor reflexão sobre a profissão
CEP: 32235-340
Email: polianeaarao@yahoo.com.br na atualidade. E por que a reflexão é importante? Para que se possa traçar os novos

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caminhos da Fonoaudiologia, mudando paradigmas, ciativas e interesses de grupos da sociedade, passou a


quebrando preconceitos e derrubando barreiras. ter importante papel nas formas de organização social.1
Este estudo nasceu da iniciativa de discentes in- No início do século XX, mais precisamente em
gressantes no curso de Fonoaudiologia da Universi- 1912, o Dr. Augusto Linhares, um dos precursores
dade Federal de Minas Gerais com a finalidade de do- da Fonoaudiologia no Brasil, dedicava-se ao estudo
cumentar o histórico da profissão em Minas Gerais, e pesquisa na área de reabilitação de voz e da fala,
por meio de coleta de documentos e entrevistas com ministrando aula em cursos para professores.2
profissionais da área. Durante a constituição do ban- A estruturação da profissão foi determinada pelo
co de dados, observou-se que, apesar da existência contexto político do período entre 1920 e 1940. O
de alguns artigos sobre a história da profissão no Bra- Brasil, após a Primeira Guerra Mundial, vivenciava a
sil, grande parte das informações está presente em chegada de migrantes, a emergência da Revolução
teses e dissertações, pouco divulgadas e conhecidas. Industrial e acelerado processo de urbanização, tor-
Este estudo objetivou realizar revisão da literatura nando-se nação constituída por várias etnias. Nesse
nacional sobre a história da Fonoaudiologia e facilitar o cenário estava vigente o primeiro governo Vargas,
acesso às informações sobre o seu percurso no Brasil. caracterizado por poder centralizado no Estado, no
qual houve um processo de nacionalização da cul-
O histórico da Fonoaudiologia tura no Brasil. Dessa forma, nessa época, diferentes
no Brasil instrumentos de educação coletiva foram criados ou
desenvolvidos visando educar o povo a promover o
ensino de bons hábitos. O rádio, o cinema educativo,
Em diferentes períodos da história da humanida- o esporte, a música popular participavam do objeti-
de os distúrbios da comunicação foram identifica- vo comum de integrar os indivíduos no novo Estado
dos e descritos.1 Colombat, em 1880, criou o termo nacional, tendo como pressuposto a ação do Estado
ortofonia e o introduziu na primeira publicação que como salvador do povo.5
abordava temas como estudo da fonação, voz falada Na década de 30 surgiu o Ministério da Educação
e cantada, gagueira e reeducação de surdos, o Trata- e da Saúde. O poder centralizado e a força do Poder
do de Ortofonia.2 Executivo passaram a exercer um poder autoritário:
O marco da história da Fonoaudiologia no Brasil o Estado Novo, no qual o setor industrial foi definido
é da época do Império, quando foi criado, em 1854, o como carro-chefe da economia nacional.6
Imperial Colégio. Esse instituto era designado ao en- No final do século XVIII, início do século XIX sur-
sino de meninos cegos e hoje é chamado de Instituto giu pela primeira vez o conceito de higiene, entendi-
Benjamim Constant. Em 1854, foi criado o Colégio Na- do como “a arte de conservar a vida” 7. Esse conceito
cional, destinado ao ensino dos deficientes auditivos.3 indicou o rumo que a higiene tomaria como princípio
No final do século XIX, devido ao processo migra- por ideologias liberais (que afirmavam as responsa-
tório para as regiões de mais potencial e desenvol- bilidades individuais) e como conceito político nos
vimento industrial, a atenção à educação tornou-se movimentos utópicos e anarquistas da época (deter-
essencial, pois se acreditava que a educação era fa- minação social do processo saúde-doença).
tor determinante da mudança social.4 Motivados pela O projeto da higiene, em sociedade dividida em
preocupação com os sinais de autonomia desses cida- classes, com o conhecimento monopolizado no
dãos que se agrupavam por costumes, língua falada e interior das profissões, foi transformado em medi-
interesses, os órgãos responsáveis pela política da épo- das de controle e de autoritarismo. Apareceram no
ca identificaram tal situação como “patologia social”.1 Brasil ideários da existência do “caminho da civili-
Objetivando combater essa doença, a escola tornou- zação”7, que postulou entre os políticos brasileiros
-se lugar privilegiado onde era possível reorganizar o en- as seguintes premissas higienistas: possibilidade de
sino, levando o país à modernidade capitalista, capaz de aperfeiçoamento moral e material que teria validade
desenvolver-se industrialmente. Desta forma, a atuação para qualquer povo e a grandeza e prosperidade dos
de professores especializados, articulada à série de ini- países, acontecendo por meio da solução de proble-

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mas sanitários. Acreditava-se que haveria uma forma Os políticos da época acreditavam que o meio prin-
científica, supostamente acima dos interesses parti- cipal para a absorção desses valores era a escola,
culares e dos conflitos sociais em geral, de gestão dos por meio dos educadores que alcançariam não só
problemas da cidade e das suas diferenças sociais.7 a instrução, mas também a moralização de todos os
Baseado no percurso teórico-reflexivo era possí- cidadãos. As ideias escolanovistas encontram, dessa
vel realizar a aproximação da construção histórica forma, terreno ideal para sua implantação. Essa esco-
da higiene e sua representação nas sociedades hu- la teve como eixo principal de preocupação o aluno,
manas e mesmo de sua transformação em caminho com base no desenvolvimento integral do indivíduo,
possível para o progresso e bem-estar da população, inspirada na Psicologia e na Sociologia, com o intuito
seja por ações da então saúde pública ou pela ação de democratizar o ensino, tornando-o público e gra-
educativa. A higienização desempenhou papel so- tuito; e a aprendizagem decorrente do treinamento
cial integrado, com a capacidade de penetrar, mol- e do trabalho, estimulando também a convivência
dar e modificar a cultura global e de se apresentar social e a cooperação.4,9
oficialmente como o único caminho possível para o Esse ideário, entretanto, teria elevado custo em
desenvolvimento, progresso e a não degeneração do relação à escola tradicional, o que levou à criação de
país, ou seja, a civilização.8 escolas experimentais que serviram principalmente
O higienismo (eugenismo) no Brasil fez sua histó- à elite, em detrimento das camadas sociais popula-
ria a partir do movimento social que instituiu a Liga res, com a ideia de que é melhor boa educação para
Brasileira de Hygiene Mental. Ela foi criada em 1923 poucos do que educação deficiente para muitos.9
pelo médico Gustavo Riedel que, junto com outros As ideias higienistas e os avanços na Medicina
intelectuais da época, estava interessado em realizar colaboravam com a detecção e a classificação das
no Brasil o aprimoramento da raça, em prol do de- anomalias orgânicas e funcionais da fala, descreven-
senvolvimento da nação. do o perfil do portador da alteração e demonstrando
Na perspectiva positivista, que compreendia a necessidade de profissional responsável por sua
o funcionamento social a partir de leis naturais de eliminação, que seria o professor especializado, pro-
desenvolvimento e organização, as dificuldades pe- fissional da época que mais se assemelhava ao atual
las quais a nação passava eram devidas à natureza fonoaudiólogo. O higienismo pregava a existência do
multirracial de seu povo. Essa natureza conjugava homem sadio e culto, que promoveria o progresso do
aspectos hereditários negativos como indolência, país. Neste contexto, proliferava o combate ao estran-
preguiça, gosto pelo ostracismo, tendência à crimi- geirismo, na tentativa de instituir a língua brasileira.
nalidade, etc. Baseado na compreensão da natureza O movimento de defesa e preservação da língua
da organização social, a Liga Brasileira de Hygiene nacional também passou a indicar “impurezas”, “ví-
Mental visava defender a mentalidade da raça, com- cios” e “defeitos” no uso da língua, termos que car-
batendo alcoolismo e vícios sociais, selecionando a regavam conotação negativa, que discriminavam
imigração, controlando casamentos, esterilizando e estigmatizavam o indivíduo a partir de sua classe
compulsoriamente degenerados, fazendo seleção e social. Da mesma forma que a educação, o uso corre-
orientação profissional, dando atendimento à infân- to da linguagem foi considerado forma de ascensão
cia com vistas ao desenvolvimento mental sadio e social, sendo que quaisquer desvios do padrão mos-
eugênico. O ressurgimento dessas ideias no final do travam inferioridade social, determinando a classe à
século XIX foi consequência do desenvolvimento tec- qual o indivíduo pertencia.9
nológico que permitia conhecer os mecanismos de Na década de 30, os profissionais especializados
transmissão e contaminação de doenças e da neces- atuavam nas escolas com a profilaxia e correção dos
sidade dos homens de obterem algum controle sobre desvios de linguagem e defeitos dos escolares, em
a organização da vida em sociedade.8 que estavam incluídas as variações dialetais, comuns
Os ideais da Escola Nova com o fervor das ideias entre os filhos de imigrantes.2
higienistas influenciaram a educação brasileira, a A escola, sendo o local onde a detecção dos des-
partir da década de 20. A força do Movimento Nacio- vios ocorria, teve o socorro da Medicina e da Psico-
nalista pela Erradicação do Analfabetismo buscou logia quanto ao suporte científico, determinando o
número mais expressivo de eleitores e a emancipa- que é patogênico e o normal e verificando as capaci-
ção do país perseguiu a ampliação da rede escolar.

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dades e incapacidades de cada indivíduo, centrados vinculado à Clínica de Otorrinolaringologia do Hospi-


nos ideais escolanovistas.9 tal das Clínicas da Faculdade de Medicina, em 1960,
Apesar do discurso nacionalista, os cuidados com seguindo os moldes da formação na Argentina, rela-
a linguagem tomaram os mesmos rumos das demais cionado à demanda médica. O segundo surgiu na Pon-
medidas educacionais e de saúde populacionais, com tifícia Universidade Católica de São Paulo, ligado ao
o descaso do governo levando à criação de iniciativas Instituto de Psicologia, em 1962, a partir de questões
isoladas, como a de se fazer o cumprimento do Códi- educacionais verificadas pelos psicólogos. Inicialmen-
go de Educação do Estado de São Paulo. Esse código te, tais cursos tinham um ano de duração e em ambas
propunha a criação de classes especiais de Ortofonia as instituições a prática antecipou a formação.9-12
e a formação de professores especializados na corre- A sistematização acadêmica vem legitimar o per-
ção de vícios de linguagem. No Código de Educação fil do profissional anteriormente delineado, o que
citado, eram mencionadas as escolas ortofônicas des- reafirma que a Fonoaudiologia não surge com a ins-
tinadas a alunos com perturbações articulatórias, dis- titucionalização do ensino e sim com a prática que
lalias, balbucio, tartamudeio e gagueira.9 antecedeu a criação dos cursos. Da mesma forma,
As décadas de 40 e 50 marcaram as iniciativas a consolidação e valorização do profissional, nesse
concretas de atuação do professor especializado. O período, eram obtidas por meio do trabalho clínico
professor indicado para a eliminação dos problemas somado às escassas publicações. 6,9,11
recebia formação específica informal, apoiada na O crescimento do número de profissionais decor-
prática e na leitura de material estrangeiro, além de rido da institucionalização gerou a necessidade da
cursos que geralmente duravam três meses. Após a criação de órgãos de classe, o que resultou na fun-
conclusão destes, passavam a ser chamados de tera- dação da Associação Brasileira de Fonoaudiologia,
peutas da palavra ou logopedistas.4,6,9 em 1962, a primeira entidade de classe no Brasil. A
O título de ortofonista ou de audiologista dado definição da profissão enfrentou muitas lutas. A pri-
aos professores que se especializavam era valorizado meira delas veio com a busca da regulamentação da
socialmente pela proximidade com a área da saúde. profissão como curso superior, uma vez que cursos
O perfil do profissional prevalecia técnico, mas pas- de curta duração caracterizariam a Fonoaudiologia
sava de atuação exclusivamente educacional para o como curso técnico, cujo profissional estaria sob su-
contexto clínico, incentivando a criação de curso de bordinação de outro profissional. Eram usados, nes-
Logopedia ou Terapia da Palavra, voltado principal- se contexto, argumentos como a falta de experiência
mente para a reabilitação.1,2,4,6,9 e domínio dos otorrinolaringologistas sobre temas
Ainda nessa época, os primeiros movimentos de como a gagueira e a linguagem.11
reabilitação sistemática dos distúrbios da comunica- Em 1971, o senador André Franco Montoro propôs
ção foram formados, como a criação do setor de Te- projeto de lei que objetivava organizar e legalizar a
rapia da Palavra no AFAE, criação do curso de Logo- profissão. Nessa época, o principal trabalho fonoau-
pedia no Hospital São Francisco de Assis e o curso na diólogo no Brasil baseava-se na apresentação da pro-
Sociedade Pestalozzi. Tais iniciativas eram isoladas fissão para os deputados e senadores, pois estes não
a âmbitos restritos e isentas de intercâmbio entre si, conheciam o domínio de atuação da fonoaudiologia.
sendo ainda percebido caráter essencialmente técni- Esse primeiro projeto foi devolvido aos fonoaudiólo-
co cuja prática baseava-se na correção de desvios de gos para que fosse decidido o termo que seria utili-
voz e fala, sob a influência constante da Educação, zado para nomear a profissão: Logopedia, Terapia
Psicologia e Medicina.2 da palavra ou Fonoaudiologia. O projeto foi tentado
A década de 60 marcou o início da instituciona- mais uma vez em 1975, com fracasso.11
lização da Fonoaudiologia, com a vinda do Dr. Julio Em 1979, sob o respaldo do Deputado Pedro Fa-
Bernaldo Quirós e de sua assistente Rosa Vispó, da Ar- ria, o projeto foi levado mais uma vez para votação e
gentina, para o Brasil. Destacaram-se, ainda, os traba- novamente não alcançou êxito.11,12
lhos de dois médicos brasileiros: Dr. Mauro Spinelli e O processo de reconhecimento da profissão ainda
Dr. Américo Morgante, que estiveram à frente, respec- enfrentou obstáculos. Um deles foi a tentativa de obri-
tivamente, dos dois primeiros cursos de Logopedia do gar os fonoaudiólogos, juntamente com psicólogos,
país. O primeiro surgiu na Universidade de São Paulo,

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fisioterapeutas e outros profissionais da área da saúde O Histórico da Fonoaudiologia em


a atuar somente sob a supervisão de médicos.11,12 diversos estados brasileiros
O estudo sincrônico do histórico da Fonoaudiolo-
gia no mundo e no Brasil foram realizados com o ob- A Fonoaudiologia, em cada estado brasileiro, foi
jetivo de fornecer subsídios aos Poderes Legislativo e impulsionada por interesses distintos e em momen-
Executivo para a aprovação da Lei 6.965.2 tos diferentes, em relação ao que acontecia no Brasil.
Finalmente, em 1981, foi aprovada a regulamentação Desta maneira, é preciso descrever cada um desses
da profissão, pelo Deputado Otacílio de Almeida, ten- momentos: 1. São Paulo: as mudanças ocorridas
do à frente a Associação Brasileira de Fonoaudiologia na língua decorrentes dos movimentos imigratórios
(ABF). As diretorias que assumiram as gestões de 1979 e nacionais e internacionais caracterizaram a origem
1981 empenharam-se nesse período, formando a Comis- da Fonoaudiologia em São Paulo. No final do século
são Nacional pela oficialização da profissão.11,12 XIX e início do século XX, o estado passava por pro-
Em 09 de dezembro de 1981, a Lei nº 6.965, que cesso de urbanização bastante acelerado e, conse-
regulamenta a profissão de Fonoaudiólogo, foi san- quentemente, grupos de diferentes culturas e línguas
cionada pelo então presidente João Figueiredo. Com se formavam. Assim como foi local de entrada para
ela, também foram criados os Conselhos Federal e imigrantes, São Paulo também foi o local de origem
Regionais de Fonoaudiologia.13 da Fonoaudiologia no Brasil. Tanto no Brasil como
As atividades do CFFa (Conselho Federal de Fo- na América latina, o médico argentino Júlio Bernal-
noaudiologia) iniciaram-se em 1983 e, no ano se- do de Quirós foi o incentivador de estudos, cursos e
guinte, foi aprovado o primeiro Código de Ética da também formador de vários profissionais médicos e
Fonoaudiologia, determinando os direitos, deveres e fonoaudiólogos. Ele estabeleceu vínculos com várias
responsabilidades do fonoaudiólogo. instituições, principalmente em São Paulo, onde de-
O fonoaudiólogo é, então, definido pelo Conselho senvolveu seu trabalho. Segundo dados da Universi-
Federal de Fonoaudiologia como: dade de São Paulo, em 1961, o Dr. Américo Paulo Mor-
Profissional da saúde de atuação autônoma e gante, do serviço de otorrinolaringologia do Hospital
independente, que exerce suas funções nos das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, com
setores público e privado. É responsável pela a colaboração de Quirós, abriu o primeiro curso de
promoção da saúde, avaliação e diagnóstico, Fonoaudiologia do Brasil. Um ano depois, Quirós, em
orientação, terapia (habilitação e reabilitação) parceria com Ana Maria Poppovic, vinculada ao Insti-
e aperfeiçoamento dos aspectos fonoaudioló- tuto de Psicologia da PUC-SP, criaram o segundo cur-
gicos da função auditiva periférica e central, so, com duração de um ano, assim como o da USP. A
função vestibular, linguagem oral e escrita, partir desse momento, a Fonoaudiologia se estendeu
voz, fluência, articulação da fala, sistema para todo o país, revelando sua importância para a
miofuncional orofacial, cervical e deglutição. melhoria da qualidade de vida dos brasileiros.14
Exerce também atividades de ensino, pesquisa As atividades de ensino em Fonoaudiologia, se-
e administrativas.3 gundo dados da Universidade Federal de São Paulo,
começaram em 1968, sob a direção do Professor Dr.
O primeiro Congresso de Fonoaudiologia ocorreu Pedro Luiz Mangabeira Albernaz, com dois anos de
em 1978 e surgiu como incentivo científico à profis- duração. Em 1981, foi fundada a disciplina de Fonoau-
são, quando a formação do fonoaudiólogo já se en- diologia e, posteriormente, em 1985, foi denominada
contrava definida. Foram criados também periódicos disciplina dos Distúrbios da Comunicação. O grande
como a Revista de Atualização em Fonoaudiologia, desenvolvimento desta disciplina na Escola Paulista
por iniciativa do Dr. Orozimbo Alves da Costa Filho, de Medicina, em consonância com os avanços obser-
a revista Distúrbios da Comunicação, da PUC-SP, e a vados em outros centros de pesquisa e formação na-
revista Lugar em Fonoaudiologia, da Universidade Es- cionais e internacionais, mostrou a necessidade de se
tácio de Sá, no Rio de Janeiro, iniciando fase de mais reorganizarem os conhecimentos sobre os distúrbios
maturidade nos anos 80.11 da comunicação humana em, pelo menos, duas gran-
des áreas de concentração. Surgiu, então, em 1988, a

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disciplina dos Distúrbios da Audição, como integran- Assistência (LBA), por essa exigir das clínicas cre-
tes do Departamento de Otorrinolaringologia, e Dis- denciadas a presença do fonoaudiólogo na equipe
túrbios da Comunicação Humana, da Universidade de trabalho.19 A luta desses profissionais levou à cria-
Federal de São Paulo;15 2. Rio de Janeiro: na cidade ção de entidades regionais, como o Núcleo Mineiro
do Rio de Janeiro, a Medicina e a Educação tiveram de Fonoaudiologia em 1979 e a Associação Mineira
influência decisiva na constituição da Fonoaudiolo- de Fonoaudiologia (AFOMIG), em 1980, com o intuito
gia. Na matriz médica, o surgimento dos programas de unir os profissionais pela regulamentação da pro-
de higiene escolar, a atuação focada no estudo dos fissão, permitindo o reconhecimento da Fonoaudio-
distúrbios da comunicação e o desenvolvimento da logia como ciência.19,20 A década de 90 foi o período
Foniatria deram o impulso para a constituição e con- de institucionalização no estado. O primeiro curso
solidação do profissional logopedista. A Logopedia foi criado no Instituto Metodista Izabela Hendrix, no
seria a parte pedagógica da Foniatria, responsável ano de 1990, e no ano de 2000 surgiu o primeiro curso
pela solução de problemas de aprendizagem e aper- público de Fonoaudiologia, na Universidade Federal
feiçoamento dos padrões de voz e fala. No âmbito de Minas Gerais;21,22 5. Bahia: os primeiros fonoaudi-
médico, destacava-se o papel do foniatra Dr. Pedro ólogos atuantes na Bahia procediam de outros esta-
Bloch, como professor de cursos para Logopedia dos do país e chegaram à Bahia em meados dos anos
no Rio de Janeiro. A matriz educacional foi conside- 80.23 A Fonoaudiologia consolidou-se com o aumento
rada fundadora, com o estabelecimento de práticas do número de profissionais, o que ocorreu, principal-
educacionais voltadas para o tema de comunicação mente, devido à criação dos cursos de graduação, em
humana e seus distúrbios. Os cursos de Logopedia 1999. Nessa época foi criado o curso na Universidade
iniciaram-se com a proposta de cursos de especia- do Estado da Bahia (UNEB) e na Universidade Fede-
lização para professores, devido à necessidade de ral da Bahia (UFBA). Na década seguinte, foi criado
ampliar a compreensão quanto às dificuldades en- o curso na União Metropolitana de Ensino e Cultura
contradas no desempenho dos escolares. Assim, na (UNIME);23 6. Paraíba: os primeiros fonoaudiólogos
cidade do Rio de Janeiro, a necessidade e a existência atuantes na Paraíba foram de marcante importância
dos cursos de Logopedia possuíam uma base médica para a consolidação da Fonoaudiologia no estado e
sólida, mas prioritariamente voltada para as questões para a criação, em 1997, da FAP (Fonoaudiólogos As-
educacionais;16 3. Rio Grande do Sul: as práticas fo- sociados da Paraíba), órgão associativo voltado para
noaudiológicas no Rio Grande do Sul datam do início a promoção do trabalho fonoaudiológico. Em 1998,
do século XX, tendo grande ênfase na educação de foi criado o curso de Fonoaudiologia em João Pessoa,
surdos.17,18 Assim como em outras regiões do Brasil, a o que refletiu na expansão da profissão no estado da
Fonoaudiologia no Rio Grande do Sul foi constituída Paraíba.24 Dessa forma, os fonoaudiólogos atuantes
por profissionais de distintas formações. O primeiro na Paraíba eram graduados em cidades como João
curso de Fonoaudiologia do estado foi criado em 1970 Pessoa, Pernambuco e Petrópolis. A minoria concluiu
na Universidade Federal de Santa Maria. Nessa mes- o curso nos anos de 1970, 1980 e 1990 e a maioria nos
ma década, no ano de 1972, foi criada a Associação anos de 2000 a 2002.24
Riograndense de Fonoaudiologia (ASFA), a fim de lu-
tar pela regulamentação da profissão.16 Na década de
90, a Fonoaudiologia já estava estruturada como ciên- Conclusão
cia no Rio Grande do Sul, que contava com diversos
profissionais formados, pós-graduados, mestrandos No passado, a Fonoaudiologia encontrava-se
e doutorandos;18 4. Minas Gerais: nesse estado a Fo- conjugada a práticas exclusivamente técnicas, sen-
noaudiologia possuía mercado promissor e amplo e do hoje exclusiva dos fonoaudiólogos. Reconhecer
ainda não totalmente conquistado. Os fonoaudiólogos todas as lutas e conquistas reafirma a necessidade
começaram a se estabelecer no final da década de de mudar a imagem tecnicista, que por vezes ainda
70. Anteriormente a esse período, eram poucos pro- é atribuída aos fonoaudiólogos. Conhecer a própria
fissionais e havia desinformação sobre a profissão, origem é reafirmar no presente, de maneira conscien-
o que gerava reprimida demanda. A motivação que te, a capacidade transformadora dos fonoaudiólogos,
impulsionou o estabelecimento de fonoaudiólogos para garantir o futuro de desenvolvimento e valori-
no estado foi o convênio com a Legião Brasileira de zação da profissão e da ciência fonoaudiológica.

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Isso é possível pela análise reflexiva do cotidiano da 13. Brasil. Congresso Nacional. Lei n. 6965 de 9 de dezembro de
Fonoaudiologia e do conhecimento de suas práticas 1981. Dispõe sobre a regulamentação da profissão de Fono-
audiólogo e determina outras providências. [Citado em 2007
iniciais e da sua função social. A recapitulação da
ago 20]. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/legisla-
história permite conhecer as transformações sofridas cao/129429/lei-6965-81#art0
pela Fonoaudiologia ao longo do tempo e possibilita
14. Spinelli M. Histórico da Fonoaudiologia na PUC-SP. Distrib Co-
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