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Tendo sido convocado a falar sobre si e não sobre sua teoria, Rogers formula a
seguinte questão: “Quem sou eu?”, e responde: “Um psicólogo cujos interesses principais
foram, durante muitos anos, os da psicoterapia’’ (ROGERS, 2018, p. 04). Essa resposta
espontânea do autor explicita o entrelaçamento entre sua vida pessoal e profissional, sua
maneira de ser pessoa e psicólogo, pesquisador e autor.
Em suas publicações autobiográficas (ROGERS, 1987; ROGERS, 1967;
ROGERS in ROGERS e ROSEMBERG, 1977), Rogers explicita um percurso pessoal de
aprendizagens significativas desde a sua infância, cujas significações pessoais
repercutiram em seu trabalho como psicoterapeuta e pesquisador, bem como em sua
forma peculiar de ver o mundo, perceber a realidade e as relações interpessoais que
favorecem ou inibem o processo de crescimento psicológico das pessoas. Assim, o
primeiro passo na compreensão do autor e de sua teoria, para nós, não poderia ser
diferente do aqui traçado, mergulhar na história de Rogers e trazer dela passagens breves,
porém significativas, da vida desse que é considerado um dos mais influentes psicólogos
do século XX, com papel de destaque na história da Psicologia, uma vez que abriu o
trabalho psicoterapêutico aos psicólogos, antes atividade exclusivamente médica, e
introduziu a pesquisa rigorosa e quantitativa ao estudo da eficácia da psicoterapia.
Sua dedicação à construção de um método científico na Psicologia foi reconhecido
por prêmio da American Psychological Association (APA), uma das mais influentes
organização científica e profissional de Psicologia, fundada em 1892, cuja missão é fazer
avançar a criação, comunicação e aplicação do conhecimento psicológico para beneficiar
a sociedade e melhorar a vida das pessoas. Nessa organização foi premiado e também
eleito seu presidente em 1947 (APA, 2016). Além do prêmio da APA, Rogers também
foi indicado ao Nobel da Paz em 18 de janeiro de 1987, ano em que também nos deixou.
Convidamos, assim, o leitor a acompanhar um breve relato da história do autor.
Rogers (1902-1987) nasceu no subúrbio de Chicago nos EUA, filho de pais
tradicionais, religiosos e protestantes. Esses conduziam a educação dos seis filhos por
uma atmosfera religiosa, guiada para um comportamento moral, para a virtude e para o
trabalho árduo, em um clima raso de expressões e manifestações emocionais, mas ao
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mesmo tempo regado de afeto e união familiar. Com uma vida regrada onde quase nada
era permitidas – nada de álcool, danças, jogos de cartas ou espetáculos –, Rogers vivia
para o trabalho, sem vida social e diversão (ROGERS, 2018).
O tempo em família recorda Rogers, era um tempo agradável, mas de pouca
convivência e intimidade. Diz ter se tornado uma criança solitária, de poucas relações,
encontrando na leitura uma forma de sentir menos só, então lia muito, os mais variados
livros, de dicionários à enciclopédias (ROGERS, 1987). Desde muito cedo, assim, e
incentivado pelos pais, Rogers se torna um leitor atento e curioso. Segundo Schultz e
Schultz (2018), a solidão tanto influenciou a personalidade de Rogers, que passou a
confiar em sua experiência e nos próprios recursos, quanto sua teoria, conforme explicita:
“Ao olhar para trás, percebo que meu interesse em entrevistar e em fazer terapia
certamente originou-se da minha solidão anterior. Aqui havia uma maneira socialmente
aprovada para chegar realmente perto de indivíduos e assim saciar a fome que eu,
indubitavelmente, sentia” (ROGERS, 1980, p. 34, in Schultz e Schultz, 2018, p. 268).
Quando completou 12 anos seus pais decidiram mudar para uma fazenda a 50
quilômetros de Chicago, iniciar uma vida rural motivada pelo contato com natureza e o
afastamento da cidade, considerada como um risco moral para os filhos. Essa mudança
fomentou no pequeno Rogers o interesse pelos experimentos científicos no campo. Na
fazenda, Rogers (2018) conta ter se interessado por duas coisas em especiais, que teriam
influenciado o seu trabalho futuro. A primeira delas foi seu encantamento pelas borboletas
noturnas em que diz ter se tornado “uma autoridade na Bela Luna, no Polyphemus, na
Cecropia e nos outros lepidópteros que habitavam nossos bosques” (p.06). Conta com
entusiasmo que capturava com muito custo as borboletas, cuidava das larvas,
acompanhava cada metamorfoses, os casulos, o processo todo, até o despertar da
borboleta, acumulando dessa experiência algumas alegrias e frustrações próprias do
cientista.
O segundo interesse, incentivado pelo pai, foi pela organização da fazenda em
uma base cientifica, em que se interessa pela pecuária e pelas plantações. Com esse
propósito aprendeu a conduzir experimentos, a comparar grupos de controle com grupos
experimentais, a estabelecer as condições “variando os processos, para que se possa
estabelecer a influência de uma determinada alimentação na produção de carne ou na
produção de leite. Aprendi como é difícil verificar uma hipótese. Adquiri desse modo o
conhecimento e o respeito pelos métodos científicos através de trabalhos práticos”
(ROGERS, 2018, p. 07).
A psicoterapia não tem que ser diretiva, mas sim proporciona vivências e experiências que permitam o
crescimento, essa tendência positiva leva a resultados positivos 18
[...] me apaixonei por uma moça adorável, que já conhecia havia muitos anos,
desde a infância, e com quem me casei, com o consentimento relutante dos
nossos pais, logo que acabei a faculdade, para que pudéssemos prosseguir
juntos os estudos de pós-graduação. Não poderei ser muito objetivo nesse
assunto, mas estou convencido de que o apoio do seu amor e a afeição da sua
companhia ao longo de todos esses anos foram um fator de enriquecimento
extremamente importante na minha vida (ROGERS, 2018, p.08).
Nosso grupo sentia que nos forneciam idéias já prontas, quando o que nos
interessava principalmente era explorar as nossas próprias questões e as nossas
próprias dúvidas e descobrir aonde isso nos levava. Pedimos à administração
que nos deixasse organizar um seminário oficial, sem orientador, cujo
programa fosse constituído pelas nossas próprias questões. A administração
ficou compreensivelmente perplexa perante essa proposta, mas deferiram o
nosso pedido! [...]. Suponho não ser necessário acrescentar que esse seminário
foi extraordinariamente satisfatório e esclarecedor. Tenho certeza de que me
conduziu para uma filosofia da vida que me era muito pessoal. A maior parte
dos membros do referido grupo, prosseguindo o caminho traçado pelas
percepção ficou ainda mais evidente quando apresentou suas ideias em uma conferência
na Universidade de Minnesota, em dezembro de 1940, onde se deparou
Esse livro foi traduzido no Brasil com o título de Terapia e Consulta Psicológica,
e é considerado a obra inaugural do pensamento original do autor. Sobre essa publicação
há uma passagem curiosa, narrada por Rogers:
Aqui, mais uma vez, acho um pouco divertida a minha despreocupação pouco
“realista”. Quando propus ao editor o manuscrito, este o considerou
interessante e original, mas quis saber para que cursos poderia servir.
Respondi-lhe que apenas conhecia dois: o que eu dava e um em outra
universidade. O editor julgou que eu cometera um erro grave por não ter escrito
um texto que pudesse ser utilizado por cursos já em funcionamento. Tinha
muitas dúvidas de poder vender dois mil exemplares, número necessário para
cobrir as despesas. Somente quando lhe disse que procuraria outro editor é que
se decidiu a arriscar. Não sei qual de nós dois ficou mais surpreso com o
número de vendas: setenta mil exemplares até hoje, e a coisa continua
(ROGRES, 2018, p. 16).
As Condições Necessárias e
Suficientes para Mudança 1957
Terapêutica na Personalidade6
Uma Nota sobre a “Natureza
1957 2014 2014
do Homem”7
Uma teoria da Personalidade 8 1973 1977 1977
Teoria centrada no
1974 1978 1978
cliente: Carl Rogers9
Duas tendências divergentes10 1961 1969 1980
Carl Rogers: o homem e suas
1979 1979 1979
Capítulo de ideias, de Evans
Livro Momentos Milagrosos: a
natureza da mente nos
2004 2004 2004
Relacionamentos e na
psicoterapia, de Santos.
A essência da psicoterapia
1987 1987 1987
centrada na pessoa 11
Diálogos de Carl Rogers e 1957
Martin Buber12 (data da 2008 2008
entrevista)
Diálogo entre Carl Rogers e 1965
Entrevistas Paul Tillich13 (data da 2008 2008
entrevista)
Entrevista com o Dr. Carl 1971
Rogers14 (data da 1975 1975
entrevista)
1,2,3,4,5,6Publicado
na obra Abordagem Centrada na Pessoa, de Wood et all (Orgs).
7 Tradução publicada na Revista da Abordagem Gestáltica (tradução realizada por Holanda e Nunes).
8 Publicado na obra Teorias da Psicopatologia e Personalidade, de Millon.
9Publicado na obra Teorias Operacionais da Personalidade, de Burton.
10Publicado na obra Psicologia Existencial, de May.
11 Publicado na obra Quando fala o coração: a essência da psicoterapia centrada na pessoa, de Santos e Bowen
12 Tradução publicada na Revista da Abordagem Gestáltica (tradução realizada por Lima)
13 Tradução publicada na Revista da Abordagem Gestáltica (tradução realizada por Janzen)
14Psicologia humanista: entrevistas com Maslow, Murphy e Rogers, de Frick
Quadro 01. Levantamento dos documentos/textos de Carl Rogers traduzidos para a língua
portuguesa e em circulação nacional.
dos anos de 1950 e início dos anos 60 como reação ao panorama da Psicologia norte-
americana, dominada, pelas Forças da Psicanálise clássica e do Behaviorismo, conforme
anteriormente explicitado (Boainain Júnior, 1998).
Segundo Boainain Júnior (1998), o surgimento da Terceira Força se deu graças ao
trabalho de articulação inicial de Abraham Maslow e Anthony Sutich, que, em virtude do
interesse pelo tema da saúde psicológica, em especial, que não era agasalhado pelas
Forças anteriores, inclusive com dificuldades para publicação, organizaram em meados
dos anos 50 uma rede de troca de artigos entre inúmeros teóricos não identificados com
as Forças anteriores, viabilizando discussões no formato de uma rede de correspondência,
nomeada de Rede Eupsiquiana. Essa rede, no final dos anos 50, se transformaria nas bases
para a proposição de uma revista própria que acolheu o título de Revista de Psicologia
Humanista, oficialmente lançada em 1961. Segundo o autor
psicopatológicos, assim, não são o norte do trabalho e não há uma diferença de abordagem
no atendimento de pessoas tidas como normais, neuróticas ou psicóticas.
Outro postulado geral apresentado pelo autor é o de que a proposta “[...] visa
diretamente a uma maior independência e integração do indivíduo em vez de se esperar
que esses resultados se consigam mais depressa coma a ajuda do psicólogo na solução do
problema” (ROGERS, 2005, p. 28), implicando em uma responsabilização, por parte da
pessoa assistida, nas decisões e escolhas que necessitará realizar.
Para Rogers (2005), aliás, “É a pessoa, e não o problema, que é posto em foco”
(p.28). Nesse sentido, interessa a essa proposta o desenvolvimento da pessoa, de forma
geral, e não a remoção de um sintoma, particularmente. O objetivo, assim, é ajudar a
pessoa a desenvolver-se para que essa possa enfrentar não somente o problema presente,
mas também os futuros de uma maneira mais integrada.
A esse respeito, Rogers (2005) argumenta que se o cliente “[...] puder alcançar
suficiente integração para lidar com um problema de uma forma mais independente, mais
responsável, menos confusa e mais bem organizada será capaz de lidar também [...] com
os novos problemas que surgirem” (p. 28).
Procurando se fazer mais claro, Rogers (2005) enumera quatro outros aspectos de
sua proposta, a saber: (1) Há uma confiança muito mais profunda da pessoa poder
orientar-se para a maturidade, para a saúde e para a adaptação, (2) Ênfase nos aspectos
afetivos da situação, do que nos aspectos intelectuais; (3) Acentua muito mais a situação
imediata do que o passado da pessoa, (4) A própria relação terapêutica é uma
experiência de crescimento.
Quanto ao aspecto de haver uma confiança muito mais profunda da pessoa poder
orientar-se para a maturidade, para a saúde e para a adaptação, é possível perceber que,
desde a sua primeira publicação, é notória a ênfase concedida pelo teórico na tendência
autorreguladora dos organismos, que será discutida no tópico referente aos Fundamentos
da ACP. Esse fundamento permite a consideração de que a terapia e o terapeuta não
devem assumir o papel de fazer pelo cliente ou induzir esse a fazer algo para si, pois há o
pensamento de que as pessoas são portadoras de uma tendência ao crescimento e,
portanto, são capazes de chegar às suas próprias escolhas. O terapeuta e a terapia, assim,
funcionam como facilitadores do processo. Nas palavras de Rogers (2005), a terapia é
“antes um processo de libertá-lo para um amadurecimento e um desenvolvimento
normais, de remover obstáculos que o impeçam de avançar” (p. 28-29).
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[...] existe uma tendência direcional formativa no universo, que pode ser rastreada e
observada no espaço estelar, nos cristais nos microrganismos, na vida orgânica mais
complexa e nos seres humanos. Trata-se de uma tendência evolutiva para uma maior
ordem, uma maior complexidade, uma maior inter-relação. Na espécie humana, essa
tendência se expressa quando o indivíduo progride de seu início unicelular para um
funcionamento orgânico complexo, para um modo de conhecer e de sentir abaixo do nível
da consciência, para um conhecimento consciente do organismo e do mundo externo, para
uma consciência transcendente da harmonia e da unidade do sistema cósmico, no qual se
inclui a espécie humana (Rogers, 1983, p.50).
desenvolvem a partir de uma única célula, como a consciência humana que evolui do
inconsciente primitivo à uma consciência altamente organizada. Para o autor, “O
organismo é autocontrolado. Em seu estado normal move-se em direção ao
desenvolvimento próprio e a independência de controles externos” (ROGERS, 1978 p.
227).
Ao considerar a tendência à atualização das potencialidades do organismo,
KINGET (1977, in ROGERS, KINGET) esclarece que essa tendência “[...] opera tanto
na ordem ontogenética (desenvolvimento do indivíduo) como na ordem filogenética
(desenvolvimento da espécie)” (p.42). Do ponto de vista do desenvolvimento da pessoa,
a autora tanto considera a expressão da tendência atualizante das potencialidades de um
polo orgânico e físico, quanto do desenvolvimento do eu e da personalidade, considerada
como o polo psíquico do organismo. Ao considerar essa tendência, Rogers (1977, in
ROGERS, KINGET) argumenta que a mesma “[...] corresponde à seguinte proposição:
todo organismo é movido por uma tendência inerente para desenvolver todas as suas
potencialidades e para desenvolvê-las de maneira a favorecer sua conservação e seu
enriquecimento” (p. 159).
Ainda que sendo portadores de vastos recursos para o desenvolvimento saudável
e complexo, esses, segundo Rogers (1983), somente poderão ser acionados mediante um
ambiente psicológico facilitador, por meio das atitudes de autenticidade ou congruência;
consideração positiva incondicional, e compreensão empática. Essas atitudes, aliadas às
tendências atualizante e formativa, constituem os fundamentos de uma Abordagem
Centrada na Pessoa.
O autor (ROGERS, 2005) destaca a importância da consideração positiva, também
sinônimo de interesse ou aceitação, em uma experiência sem julgamentos, definindo-a
como uma atitude acolhedora, em que “[...] o calor da aceitação e a ausência de qualquer
coerção ou pressão pessoal, por parte do terapeuta, permitem a expressão máxima de
sentimentos, atitudes e problemas, por parte do cliente” (p. 113). Essa consideração de
cada aspecto de uma pessoa constitui o que Rogers (2018), prescreve como uma relação
de afeição e segurança, e “[...] a segurança de ser querido e prezado como uma pessoa
parece ser um elemento sumamente importante em uma relação de ajuda” (p.38).
A compreensão empática para Rogers (2018) permite a captação precisa dos “[...]
sentimentos e significados pessoais que o cliente está vivendo” (p. 39), mas, enquanto
atitude terapêutica, captar com precisão não basta, é preciso saber comunicar essa
compreensão ao cliente, envolvendo, assim, a percepção do outro, colocando-se em seu
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lugar a partir do entendimento de seus sentimentos. Significa ser “[...] sensível aos
sentimentos e às reações pessoais que o cliente experiência a cada momento, quando pode
apreendê-los ‘de dentro’ tal como o paciente os vê, e quando consegue comunicar com
êxito alguma coisa dessa compreensão ao outro” (ROGERS, 2018, p.72). Em adendo,
“[...] uma compreensão empática desse tipo – compreensão com uma pessoa, não sobre
uma pessoa – é um modo de contato eficaz que pode provocar importantes alterações na
personalidade” (ROGERS, 2018, p. 384).
A atitude de congruência, também denominada de autenticidade ou transparência,
é de fundamental importância para a criação de um clima facilitador de crescimento. Com
essa atitude Rogers (1983) quer dizer que “[...] quando o que estou vivenciando num
determinado momento está presente em minha consciência e quando o que está presente
em minha consciência está presente em minha comunicação, então cada um desses três
níveis está emparelhado ou é congruente” (p.09). Há, assim, na explicação do autor, um
estado de acordo interno, em que se experiência um fluxo coerente entre o que se vivência,
o que está presente na consciência, e o que se comunica.
Ser congruente significa que a pessoa deve estar em integração com sua
experiência real, encontrando-se livre e profundamente coerente com seu estado de
consciência. Significa ser real e genuíno. Rogers diz que em alguns momentos pensou
que o termo transparência ajudaria a descrever este elemento de congruência pessoal. Se
o outro pode ver tudo o que se passa em meu íntimo e que é importante para a relação, se
consegue ver "através de mim", e se estou disposto a deixar que essa autenticidade se
revele na relação, posso estar quase certo de que este seja um encontro significativo para
mudanças e desenvolvimentos em ambos (ROGERS, 1978).
A hipótese de Rogers é de que essas atitudes promovem um processo de mudanças
construtivas na Personalidade. Apesar de essas atitudes serem fundamentais para o
terapeuta centrado no cliente, a hipótese do autor é de que elas também sejam essenciais
para todas as relações de ajuda, quer entre professor e alunos, pais e filhos, empregador e
empregado, facilitador de grupo e pessoas assistidas (Rogers, 1959).
Essa ampliação da proposta de ajuda – da psicoterapia para quaisquer relações
interpessoais –, legitima a perspectiva de uma Abordagem Psicológica, com inúmeras
teorias e aplicações a ela associada. Em praticamente cinco décadas dedicadas aos estudos
psicológicos e a explicitação e desenvolvimento de algumas teorias – como a de
Psicoterapia, considerada a teoria mãe, seguida da teoria da Personalidade, das relações
interpessoais e sua ampla aplicabilidade, incluindo aí a teoria dos processos grupais e
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Carl Rogers, conforme mencionado, foi um teórico que buscou desenvolver a sua
teoria a partir da sua práxis, acumulando inúmeros aprendizados em sua vida pessoal e
profissional que foram, ao longo dos anos, incorporados em suas proposições teóricas
possibilitando uma evolução do seu pensamento, perceptível ao recorrermos a cronologia
de suas publicações.
Nesse sentido, Morato (1989) explicita esse entrelaçamento entre a teoria, prática
e vida, profissional e pessoal, presentes na obra de Rogers, e diz que “[...] através de sua
interioridade, o terapeuta recria uma compreensão de vida”. Podemos, então, procurar
interligar a vida e a teoria de Rogers de um mesmo modo, quer dizer, orientadas para uma
mesma procura” (p. 64). Esse enredamento possibilitou inúmeros avanços e achados,
incorporados nas pesquisas, práticas, teorias e publicações do autor, permitindo com que
conceituados estudiosos realizassem demarcações de fases no seu pensamento, que
servem de parâmetro para compreensão da evolução de sua teoria.
Diversos estudiosos, nessa linha, propõem que a teoria de Rogers possa ser
estudada por fases, e nesse tocante há muitas formas de fazê-lo, com esquematizações
bastante diferenciadas. Uma delas é proposta por De la Puente (1970, apud GOMES;
HOLANDA; GAUER, 2004), que distinguiu três fases na trajetória do pensamento de
Rogers, a saber: a fase técnica baseada em atendimento não-diretivo, tais como respostas
constantes e reações de sentimentos, conforme explicitado em Psicoterapia e Consulta
Psicológica (ROGERS, 2005); a fase das atitudes terapêuticas baseadas na autenticidade,
aceitação e compreensão empática, especialmente publicado em Terapia Centrada no
Cliente (ROGERS, 1992); e a fase da verificação do processo terapêutico, em que Rogers
foi influenciado pelo existencialismo, cujo livro de referência é Tornar-se Pessoa
(ROGERS, 1961/1970).
De outra maneira, Huizinga (1984), um grande historiador, ao considerar as
proposições de Hart (1970, apud HUIZINGA, 1984) e Dijkhuis (1970, apud HUIZINGA,
1984), coincidentes na explicitação de três fases e suas nomenclaturas, porém com
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Lembramos que tais características foram apresentadas por Rogers em seu livro
Psicoterapia e Consulta Psicológica, publicado em 1942, que, aliás, é a obra de destaque
da primeira fase se seu pensamento.
Torna-se relevante contextualizar que Rogers nessa época – período da primeira
fase –, trabalhava na Universidade de Ohio, após um trabalho realizado com crianças, e
ali começa a criar as bases de uma terapia não diretiva, se distanciando dos modelos de
outras correntes terapêuticas, mais voltadas para o diagnóstico clínico, e de posturas
diretivas e inflexíveis. Neste sentido, e por apresentar uma proposta inovadora, Rogers
(1977) esclarece que “Para a maioria dos autores, a melhor maneira de lidar comigo é me
considerar, em um parágrafo, como o autor de uma técnica – a “técnica não diretiva”.
Definitivamente, não pertenço ao grupo fechado da academia psicológica” (p.33).
Em resumo, Morato (1989), discorrendo sobre a fase não diretiva e ao
posicionamento de Rogers diz que essa fase “Marca, assim, sua luta por um lugar na
sociedade científica em oposição aos métodos psicoterapêuticos vigentes e refratários a
mudanças, bem como a batalha pela conquista do lugar do trabalho em psicoterapia do
psicólogo, além dos psiquiatras” (p. 67).
Essa é uma fase inaugural, em que Rogers começa a estabelecer a construção de
um pensamento e teoria únicos, que difere de outras concepções em Psicologia,
combatendo que o processo terapêutico fosse guiado pelo terapeuta, propondo que a
direção seja da própria pessoa que recorre a ajuda psicológica, uma vez que concebe ser
as pessoas portadoras de uma tendência direcional ao desenvolvimento pleno, positivo e
íntegro.
A Fase Reflexiva (1950 - 1957), a segunda do pensamento de Rogers, é marcada,
segundo Moreira (2010), por diversas publicações e inúmeras pesquisas, tendo por obra
de referência Client-Centered Therapy, traduzida como Terapia Centrada no Cliente,
publicado originalmente em 1951. Nela são apresentadas as atitudes de compreensão
empática, consideração positiva incondicional e congruência, que são facilitadoras do
crescimento do cliente, abordadas em nosso trabalho no subcapítulo intitulado Os
fundamentos da ACP.
A obra marco da segunda fase – Terapia Centrada no Cliente –, em meados dos
anos 50, a poucos anos de sua publicação, já havia se tornado uma referência na
Psicologia. Era inovadora, composta por uma nova forma de se praticar psicoterapia,
deste modo, Rogers criou um novo sentido de valorização da pessoa assistida, começando
por abolir o termo "paciente" para evitar a conotação de doença e passividade e o
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substituir por “cliente”, como também alterou a lógica de hierarquização rígida de papéis
que havia na relação terapêutica. Em adição, as condições essenciais para a transformação
terapêutica foram descritas por ele nessa fase com muita clareza (MESSIAS; CURY,
2006).
A fase Experiencial (1957 - 1970), terceira fase do pensamento do autor, tem
como principal obra On becoming a person, publicação de 1961, traduzida com título de
Tornar-se Pessoa. Nessa fase Rogers é influenciado pelo conceito de experienciação de
Gendlin, em que se passa a focalizar não somente a experiência vivida pelo cliente, mas
também do psicoterapeuta e entre ambos. O objetivo da psicoterapia passa a ser ajudar o
cliente a usar plenamente sua experiência no sentido de promover uma maior congruência
do self e do desenvolvimento relacional, em que se enfatizada a autenticidade do terapeuta
(MOREIRA, 2010).
Com isso, a teoria caminha para o sentido de que é necessário considerar que o
terapeuta deva “[...] estar consciente dos próprios sentimentos, o máximo que puder, ao
invés de apresentar uma fachada externa de uma atitude, ao mesmo tempo em que
mantenho uma outra atitude em um nível mais profundo ou inconsciente’’ (ROGERS,
1987, p. 37-38).
Por fim, a fase Coletiva ou Inter-Humana (1970 - 1987), é caracterizada, segundo
Moreira (2010), por ser uma fase de transcendência de valores e de ideais, em que Rogers
se apoia em outra área da ciência, como a física, a química e a biologia. Além disso,
Moreira, ao recorrer as considerações feitas por Wood et.al (1994 apud MOREIRA 2010),
observa que o interesse de Rogers nos últimos anos de sua vida, voltaram-se para “[...]
questões mais amplas, concernentes às atividades de grupo e à relação humana coletiva,
abandonando definitivamente a atividade de terapia individual no consultório e
assumindo em seu trabalho a definição de abordagem, em vez de psicoterapia” (p. 541).
Segundo Holanda (1998, apud MOREIRA, 2010) “Seria uma fase mais mística, holística
em seu sentido amplo, em que Rogers se voltaria para a consideração de uma relação mais
transcendental, ou para a transcendência da existência humana” ( p. 541).
Conforme visto, as fases da proposição teórica de Rogers demarcam a evolução
do pensamento do autor e a ampliação e desenvolvimento de suas teorias. Interessa-nos,
assim, percorrer essas fases identificando as evoluções, acréscimos e entendimento do
autor, no que concerne a suas discussões e proposições específicas sobre a Personalidade.