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Quem é você? Quais fatos fizeram você pensar ou ser como é hoje?

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1. CARL ROGERS E SUA PERSPECTIVA CENTRADA NA PESSOA

1.1. O Psicólogo Humanista Carl Ransom Rogers

Tendo sido convocado a falar sobre si e não sobre sua teoria, Rogers formula a
seguinte questão: “Quem sou eu?”, e responde: “Um psicólogo cujos interesses principais
foram, durante muitos anos, os da psicoterapia’’ (ROGERS, 2018, p. 04). Essa resposta
espontânea do autor explicita o entrelaçamento entre sua vida pessoal e profissional, sua
maneira de ser pessoa e psicólogo, pesquisador e autor.
Em suas publicações autobiográficas (ROGERS, 1987; ROGERS, 1967;
ROGERS in ROGERS e ROSEMBERG, 1977), Rogers explicita um percurso pessoal de
aprendizagens significativas desde a sua infância, cujas significações pessoais
repercutiram em seu trabalho como psicoterapeuta e pesquisador, bem como em sua
forma peculiar de ver o mundo, perceber a realidade e as relações interpessoais que
favorecem ou inibem o processo de crescimento psicológico das pessoas. Assim, o
primeiro passo na compreensão do autor e de sua teoria, para nós, não poderia ser
diferente do aqui traçado, mergulhar na história de Rogers e trazer dela passagens breves,
porém significativas, da vida desse que é considerado um dos mais influentes psicólogos
do século XX, com papel de destaque na história da Psicologia, uma vez que abriu o
trabalho psicoterapêutico aos psicólogos, antes atividade exclusivamente médica, e
introduziu a pesquisa rigorosa e quantitativa ao estudo da eficácia da psicoterapia.
Sua dedicação à construção de um método científico na Psicologia foi reconhecido
por prêmio da American Psychological Association (APA), uma das mais influentes
organização científica e profissional de Psicologia, fundada em 1892, cuja missão é fazer
avançar a criação, comunicação e aplicação do conhecimento psicológico para beneficiar
a sociedade e melhorar a vida das pessoas. Nessa organização foi premiado e também
eleito seu presidente em 1947 (APA, 2016). Além do prêmio da APA, Rogers também
foi indicado ao Nobel da Paz em 18 de janeiro de 1987, ano em que também nos deixou.
Convidamos, assim, o leitor a acompanhar um breve relato da história do autor.
Rogers (1902-1987) nasceu no subúrbio de Chicago nos EUA, filho de pais
tradicionais, religiosos e protestantes. Esses conduziam a educação dos seis filhos por
uma atmosfera religiosa, guiada para um comportamento moral, para a virtude e para o
trabalho árduo, em um clima raso de expressões e manifestações emocionais, mas ao
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mesmo tempo regado de afeto e união familiar. Com uma vida regrada onde quase nada
era permitidas – nada de álcool, danças, jogos de cartas ou espetáculos –, Rogers vivia
para o trabalho, sem vida social e diversão (ROGERS, 2018).
O tempo em família recorda Rogers, era um tempo agradável, mas de pouca
convivência e intimidade. Diz ter se tornado uma criança solitária, de poucas relações,
encontrando na leitura uma forma de sentir menos só, então lia muito, os mais variados
livros, de dicionários à enciclopédias (ROGERS, 1987). Desde muito cedo, assim, e
incentivado pelos pais, Rogers se torna um leitor atento e curioso. Segundo Schultz e
Schultz (2018), a solidão tanto influenciou a personalidade de Rogers, que passou a
confiar em sua experiência e nos próprios recursos, quanto sua teoria, conforme explicita:
“Ao olhar para trás, percebo que meu interesse em entrevistar e em fazer terapia
certamente originou-se da minha solidão anterior. Aqui havia uma maneira socialmente
aprovada para chegar realmente perto de indivíduos e assim saciar a fome que eu,
indubitavelmente, sentia” (ROGERS, 1980, p. 34, in Schultz e Schultz, 2018, p. 268).
Quando completou 12 anos seus pais decidiram mudar para uma fazenda a 50
quilômetros de Chicago, iniciar uma vida rural motivada pelo contato com natureza e o
afastamento da cidade, considerada como um risco moral para os filhos. Essa mudança
fomentou no pequeno Rogers o interesse pelos experimentos científicos no campo. Na
fazenda, Rogers (2018) conta ter se interessado por duas coisas em especiais, que teriam
influenciado o seu trabalho futuro. A primeira delas foi seu encantamento pelas borboletas
noturnas em que diz ter se tornado “uma autoridade na Bela Luna, no Polyphemus, na
Cecropia e nos outros lepidópteros que habitavam nossos bosques” (p.06). Conta com
entusiasmo que capturava com muito custo as borboletas, cuidava das larvas,
acompanhava cada metamorfoses, os casulos, o processo todo, até o despertar da
borboleta, acumulando dessa experiência algumas alegrias e frustrações próprias do
cientista.
O segundo interesse, incentivado pelo pai, foi pela organização da fazenda em
uma base cientifica, em que se interessa pela pecuária e pelas plantações. Com esse
propósito aprendeu a conduzir experimentos, a comparar grupos de controle com grupos
experimentais, a estabelecer as condições “variando os processos, para que se possa
estabelecer a influência de uma determinada alimentação na produção de carne ou na
produção de leite. Aprendi como é difícil verificar uma hipótese. Adquiri desse modo o
conhecimento e o respeito pelos métodos científicos através de trabalhos práticos”
(ROGERS, 2018, p. 07).
A psicoterapia não tem que ser diretiva, mas sim proporciona vivências e experiências que permitam o
crescimento, essa tendência positiva leva a resultados positivos 18

Esses interesses – pelas borboletas noturnas e pala base científicos da pecuária –,


possibilitaram muitos aprendizados, entre eles destacamos: (1) com relação ao trabalho
desenvolvido com as borboletas, tanto abriram caminhos para o Rogers investigador,
quanto parece ter possibilitado com que Rogers, desde muito jovem, apreendesse o que
Rubem Alves nos ensina: “Quem tenta ajudar uma borboleta a sair do casulo a mata.
Quem tenta ajudar um broto a sair da semente o destrói. Há certas coisas que não podem
ser ajudadas. Tem que acontecer de dentro para fora”. Esse aprendizado possivelmente o
ajudou na proposição de uma abordagem não-diretiva em psicoterapia, respeitosa, cujo
fundamento central reside na proposição de uma clima facilitador para o crescimento e
desenvolvimento, bem como na observância de que os organismos vivos são portadores
de uma tendência ao crescimento, tal como pontua: “A psicoterapia ou a experiência
grupal não surtiram efeitos quando tentei criar no indivíduo algo que ainda não estava lá;
no entanto, descobri que se criar as condições que permitem o crescimento, essa tendência
direcional positiva leva a resultados positivos” (ROGERS, 1883, p. 42); (2) quanto as
pesquisas cientificas realizadas na pecuária, essas ampliaram as bases cientificas do
Rogers investigador, inovador, que viria mais tarde, em sua vida profissional, a ser
reconhecido por suas contribuições científicas na Psicologia, tal como declara:

A Psicologia, como um todo, tanto a científica como a profissional, cobriu-me


de homenagens – muito mais do que creio merecer. Para minha surpresa, fui
distinguido com um dos três primeiros prêmios outorgados por contribuição
científica; isto em 1956, quando eu era muito mais controvertido do que
atualmente. Fui eleito presidente da American Psychological Association. Fui
indicado ou eleito presidente de importantes comissões e divisões, honras que
muitas vezes me sensibilizaram. Porém, jamais me emocionei tanto como por
ocasião da outorga do Prêmio por Contribuição Científica e da condecoração
pública que a acompanha. [...] este prêmio representou para mim, num certo
sentido, o reconhecimento mais “puro” que já havia recebido. Durante anos,
empenhei-me na tentativa de objetivar o conhecimento num campo potencial
da ciência. [...] a observação cuidadosa, a gravação de entrevistas, o
levantamento de hipóteses, o desenvolvimento de conceitos incipientes – eu
estava tão próximo de ser um verdadeiro cientista como jamais almejei ser.
(ROGERS, 1977, p. 33)

Aos 17 anos mudou-se para a cidade de Ohio para começar a faculdade de


agronomia, influenciado por tudo o que havia experienciado na fazenda. Nesse contexto,
e no âmbito das experiências acadêmicas, Rogers experimenta as relações sociais com
outras pessoas, visto que até então via-se restrito ao contato com os pais e irmãos, e toma
apreço por elas, buscando aproximações e intimidades reais, que antes desconhecia,
devido às restrições impostas pela família. No segundo ano da universidade decide
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abandonar os estudos em agronomia e começar uma nova faculdade em história, motivado


por uma forte vontade de seguir como missionário.
Entretanto, quando estava no terceiro ano de faculdade, em 1922, foi selecionado
para uma viagem que se destinava a Pequim, na China, para participar de uma conferência
da Federação Mundial de Estudantes Cristãos, que muda o rumo de sua vida. Rogers
confidencia que a partir dessa viagem “[...] meus objetivos, valores, propósitos e minha
filosofia passaram a ser os meus próprios, bastante divergentes das opiniões sustentadas
por meus pais, com os quais havia chegado até este ponto’’ (ROGERS, 1967, p. 351,
tradução nossa). Após seis meses de viagem retorna à universidade muito modificado
pela vivência no continente Asiático. Tantas transformações na maneira de sentir e pensar
demarcou certo distanciamento dos hábitos e pensamentos dos pais, assumindo as
próprias conclusões e opiniões que acreditava fazer mais sentido, sendo mais coerente
com ele próprio.
Essa viagem não somente possibilitou com que Rogers alcançasse independência
e desenvolvimento pessoal, mas também foi um marco na sua vida amorosa, pois nela se
apaixonou por Hellen Elliot, com quem se casou e teve dois filhos. Sobre essa passagem
Rogers diz:

[...] me apaixonei por uma moça adorável, que já conhecia havia muitos anos,
desde a infância, e com quem me casei, com o consentimento relutante dos
nossos pais, logo que acabei a faculdade, para que pudéssemos prosseguir
juntos os estudos de pós-graduação. Não poderei ser muito objetivo nesse
assunto, mas estou convencido de que o apoio do seu amor e a afeição da sua
companhia ao longo de todos esses anos foram um fator de enriquecimento
extremamente importante na minha vida (ROGERS, 2018, p.08).

A graduação em História pela universidade de Wisconsin e o casamento com


Hellen ocorreram em 1924. Após esses acontecimentos, decide iniciar os estudos de Pós-
graduação em Teologia pela Union Theological Seminary em Nova York, em que
permaneceu por dois anos. No Union, pode participar de uma experiência ímpar, um
seminário, que viria mais uma vez a mudar o curso de sua trajetória. Ao recordar desse
episódio, Rogers declara:

Nosso grupo sentia que nos forneciam idéias já prontas, quando o que nos
interessava principalmente era explorar as nossas próprias questões e as nossas
próprias dúvidas e descobrir aonde isso nos levava. Pedimos à administração
que nos deixasse organizar um seminário oficial, sem orientador, cujo
programa fosse constituído pelas nossas próprias questões. A administração
ficou compreensivelmente perplexa perante essa proposta, mas deferiram o
nosso pedido! [...]. Suponho não ser necessário acrescentar que esse seminário
foi extraordinariamente satisfatório e esclarecedor. Tenho certeza de que me
conduziu para uma filosofia da vida que me era muito pessoal. A maior parte
dos membros do referido grupo, prosseguindo o caminho traçado pelas

Faculdade de agronomia, história, pós graduação em teologia


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questões que levantaram, puseram de lado a idéia de uma vocação religiosa.


Eu fui um deles. (ROGERS, 2018, p.09)

Dessa experiência, Rogers parece ter extraído a importância de uma relação,


ensino, seminários, não diretivos, em que o interesse e organização fossem construídos
pelos envolvidos, tal como nos processos psicoterápicos centrados no cliente e nas
experiências intersubjetivas entre terapeuta e cliente, nos grupos de encontro, no ensino
centrado no aluno, na liderança centrada nos grupos.
O seminário e as experiências ali vivenciados, conduziram Rogers à Psicologia,
pois sentia que

[...] provavelmente sempre me interessaria por questões tais como o sentido da


vida e a possibilidade de uma melhoria construtiva da vida do indivíduo, mas
não poderia trabalhar no campo determinado por uma doutrina religiosa
específica em que devia acreditar. As minhas crenças já tinham sofrido
tremendas alterações e, possivelmente, continuariam a mudar. Tornava-se para
mim terrível ter de professar um certo número de crenças para poder me manter
na profissão. Eu queria encontrar um campo no qual pudesse estar seguro de
que a minha liberdade de pensamento não sofreria restrições (ROGERS, 2018,
p.09).

Tendo melhor demarcado seus interesses, decide por ingressar na Pós-graduação


em Psicologia Clínica e Educacional e, assim, começa a seguir um maior número de
cursos no Teacher College da Universidade de Columbia, onde recebe o título de Phd em
Psicologia.
O primeiro emprego de Rogers foi no departamento de estudo da Criança
pertencente à Sociedade para Prevenção de Crueldade Contra Crianças (Society for the
Prevention of Cruelty to Children) em Rochester, Nova York. As crianças eram enviadas
por agências sociais para receberem cuidados, o trabalho consistia em diagnosticar e tratar
crianças delinquentes e carentes. Atuou aí por doze anos e publicou estudos relacionados
aos trabalhos com as crianças nessa época. No início, Rogers investiu seus esforços na
criação de um teste de personalidade para crianças, porém abandona essa tese e em 1939
escreve o seu primeiro livro The Clinical Treatment of the Poblem Children (O
Tratamento Clínico da Criança Problema) (ROGERS, 2018).
Essa obra, entretanto, embora seja a primeira de Rogers, não é o marco do seu
trabalho original, reconhecido e premiado, mas, segundo declara, foi ela quem permitiu
com que em 1940 fosse admitido, na condição de professor efetivo, pela Universidade
Estadual de Ohio, dando início a sua vida acadêmica. Ao ensinar sobre tratamento e
aconselhamento aos acadêmicos, conta que começou a se dar conta de que talvez tivesse
elaborado uma perspectiva pessoal e original, advinda de sua própria experiência. Essa
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percepção ficou ainda mais evidente quando apresentou suas ideias em uma conferência
na Universidade de Minnesota, em dezembro de 1940, onde se deparou

[...] com reações extraordinariamente fortes. Foi a minha primeira experiência


do fato de que uma das minhas idéias, que para mim parecia brilhante e
extremamente fecunda, pudesse representar para outrem uma grande ameaça.
E a situação de me encontrar no centro das críticas, dos argumentos a favor e
contra, desorientou-me e me fez duvidar e questionar a mim mesmo. Todavia,
pensava que tinha algo a dizer e redigi o manuscrito de Counseling and
Psychotherapy, descrevendo o que, de alguma maneira, me parecia ser uma
orientação mais eficaz da terapia (ROGRES, 2018, p. 15-16).

Esse livro foi traduzido no Brasil com o título de Terapia e Consulta Psicológica,
e é considerado a obra inaugural do pensamento original do autor. Sobre essa publicação
há uma passagem curiosa, narrada por Rogers:

Aqui, mais uma vez, acho um pouco divertida a minha despreocupação pouco
“realista”. Quando propus ao editor o manuscrito, este o considerou
interessante e original, mas quis saber para que cursos poderia servir.
Respondi-lhe que apenas conhecia dois: o que eu dava e um em outra
universidade. O editor julgou que eu cometera um erro grave por não ter escrito
um texto que pudesse ser utilizado por cursos já em funcionamento. Tinha
muitas dúvidas de poder vender dois mil exemplares, número necessário para
cobrir as despesas. Somente quando lhe disse que procuraria outro editor é que
se decidiu a arriscar. Não sei qual de nós dois ficou mais surpreso com o
número de vendas: setenta mil exemplares até hoje, e a coisa continua
(ROGRES, 2018, p. 16).

A partir desse período Rogers passa a se destacar como docente, pesquisador e


psicólogo, com ampla contribuição acadêmica. Em praticamente cinco décadas de
trabalho dedicados aos estudos psicológicos publicou centenas de artigos e dezenas de
livros e capítulos, explicitando seus achados empíricos e fundamentos de sua proposta.
Na sequência, verificaremos as principais produções e os trabalhos do autor,
através de um percurso cronológico das suas obras.

1.2. As produções de Rogers ao longo dos anos

A fim de explicitarmos as publicações de Rogers traduzidas para língua


portuguesa e em circulação no Brasil, de 1940 a 1987 (período que abarca as quatro fazes
do pensamento de Rogers), percorremos algumas fontes, dentre elas destacamos: o
apêndice cronológico do livro Um jeito de Ser, o projeto de pesquisa intitulado A memória
do legado documental de Carl Rogers e suas influências nas publicações e pesquisa
brasileiras em abordagem centrada na pessoa (PECORA-CALHAO, 2016), o artigo
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Recepção e Circulação da Psicologia Humanista de Carl Rogers no Brasil (CASTELO-


BRANCO, CIRINO, 2017), e o texto História das Abordagens Humanistas em
Psicologia no Brasil (GOMES, HOLANDA, GAUER, 2004). Em acréscimos,
consultamos as plataformas online e espaços físicos como sebos e livrarias virtuais do
Brasil, bibliotecas universitárias do Brasil, sites referenciados a Rogers como
encontroacp e apacp.
O resultado obtido pode ser apreciado recorrendo-se ao Quadro 3, seguinte.
ANO DA ÚLTIMO ANO
ANO DE
TIPO DE PRIMEIRA DE
TÍTULO PUBLICAÇÃO
DOCUMENTO PUBLICAÇÃO PUBLICAÇÃO
ORIGINAL
NO BRASIL NO BRASIL
Psicoterapia e Consulta
1942 1987 2005
Psicológica
Terapia Centrada no Cliente 1951 1992 1992
Psicoterapia e Relações
Humanas: teoria e prática da 1959 1975 1977
terapia não diretiva Volume I
Tornar-se Pessoa 1961 1976 2018
Psicoterapia e Relações
Humanas: teoria e prática da 1962 1975 1977
terapia não diretiva Volume II
Livros de Rogers De Pessoa para Pessoa: o
1967 1976 1976
traduzidos problema do ser humano
Homem e a Ciência do
1968 1973 1973
Homem
Liberdade de Aprender 1969 1973 1979
Grupos de Encontro 1970 1978 2009
Novas Formas de Amor: o
1972 1974 1977
casamento e suas alternativas
Sobre o Poder Pessoal 1977 1979 1979
Um Jeito de Ser 1980 1983 1983
Liberdade de Aprender em
1983 1985 1986
nossa Década
A Pessoa como Centro, com
1977 1988 2011
Rosemberg
Em Busca de Vida: da terapia
Livros centrada no cliente à
1983 1983 1983
publicados no abordagem centrada na pessoa,
Brasil em com Wood, O’Hara e Fonseca
coautoria Quando Fala o Coração: a
essência da psicoterapia
1987 1987 2004
centrada na pessoa, com
Santos e Bowen
Aspectos Significativos da
1946
Terapia Centrada no Cliente1
Algumas Observações sobre a
1947
organização da Personalidade2
Conceito de Pessoa e
Artigos 1963 1994 2010
Funcionamento Pleno 3
A Equação do Processo de
1861
Psicoterapia4
Pessoa ou Ciência? Uma
1955
Questão Filosófica5
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As Condições Necessárias e
Suficientes para Mudança 1957
Terapêutica na Personalidade6
Uma Nota sobre a “Natureza
1957 2014 2014
do Homem”7
Uma teoria da Personalidade 8 1973 1977 1977
Teoria centrada no
1974 1978 1978
cliente: Carl Rogers9
Duas tendências divergentes10 1961 1969 1980
Carl Rogers: o homem e suas
1979 1979 1979
Capítulo de ideias, de Evans
Livro Momentos Milagrosos: a
natureza da mente nos
2004 2004 2004
Relacionamentos e na
psicoterapia, de Santos.
A essência da psicoterapia
1987 1987 1987
centrada na pessoa 11
Diálogos de Carl Rogers e 1957
Martin Buber12 (data da 2008 2008
entrevista)
Diálogo entre Carl Rogers e 1965
Entrevistas Paul Tillich13 (data da 2008 2008
entrevista)
Entrevista com o Dr. Carl 1971
Rogers14 (data da 1975 1975
entrevista)
1,2,3,4,5,6Publicado
na obra Abordagem Centrada na Pessoa, de Wood et all (Orgs).
7 Tradução publicada na Revista da Abordagem Gestáltica (tradução realizada por Holanda e Nunes).
8 Publicado na obra Teorias da Psicopatologia e Personalidade, de Millon.
9Publicado na obra Teorias Operacionais da Personalidade, de Burton.
10Publicado na obra Psicologia Existencial, de May.
11 Publicado na obra Quando fala o coração: a essência da psicoterapia centrada na pessoa, de Santos e Bowen
12 Tradução publicada na Revista da Abordagem Gestáltica (tradução realizada por Lima)
13 Tradução publicada na Revista da Abordagem Gestáltica (tradução realizada por Janzen)
14Psicologia humanista: entrevistas com Maslow, Murphy e Rogers, de Frick

Quadro 01. Levantamento dos documentos/textos de Carl Rogers traduzidos para a língua
portuguesa e em circulação nacional.

Como podemos notar, lamentavelmente, não há mais traduções e edições


atualizadas para a maioria das obras de Rogers. Atribuindo assim aos manuais de
personalidade que são recorrentemente atualizados, uma fonte corrente, fácil e sintética
de acesso introdutório as ideias dele.

1.3. As Características da Perspectiva Humanista Centrada na Pessoa

Apesar do livro inaugural da perspectiva rogeriana – Counseling and


psychotherapy, trauzido como Psicoterapia e Consulta Psicológica – datar de 1942
conforme vemos no quadro anterior, e as proposições de Rogers serem consideradas uma
das mais influentes da Psicologia Humanista, essa, enquanto terceira Força da Psicologia,
somente se explicita no cenário norte-americano praticamente duas década após a
primeira publicação de Rogers, tendo em vista que a Psicologia Humanista surgiu no final

Psicanálise, Análise do Comportamento, Humanista


Como surge a Psicologia Humanista
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dos anos de 1950 e início dos anos 60 como reação ao panorama da Psicologia norte-
americana, dominada, pelas Forças da Psicanálise clássica e do Behaviorismo, conforme
anteriormente explicitado (Boainain Júnior, 1998).
Segundo Boainain Júnior (1998), o surgimento da Terceira Força se deu graças ao
trabalho de articulação inicial de Abraham Maslow e Anthony Sutich, que, em virtude do
interesse pelo tema da saúde psicológica, em especial, que não era agasalhado pelas
Forças anteriores, inclusive com dificuldades para publicação, organizaram em meados
dos anos 50 uma rede de troca de artigos entre inúmeros teóricos não identificados com
as Forças anteriores, viabilizando discussões no formato de uma rede de correspondência,
nomeada de Rede Eupsiquiana. Essa rede, no final dos anos 50, se transformaria nas bases
para a proposição de uma revista própria que acolheu o título de Revista de Psicologia
Humanista, oficialmente lançada em 1961. Segundo o autor

O sucesso da revista acabou levando à organização da Associação


Americana de Psicologia Humanista, fundada em 1963, consolidando-
se o movimento de forma definitiva em 1964 quando, em uma
conferência realizada na cidade de Old Saybrook, compareceram em
aberta adesão grandes nomes inspiradores do movimento, inclusive
Carl Rogers (BOAINAIN JÚNIOR, 1998, p. 09).

Rogers, sem dúvida, é um dos principais colaboradores e representantes da


Psicologia Humanista; traçar as características se seu trabalho apresentada na obra
Psicoterapia e Consulta Psicológica, é, por certo, estabelecer articulações entre sua
proposição de ajuda e os princípios norteadores de uma Psicologia Humanista, em
especial, ao que tange ao relacionamento centrado na pessoa do cliente. Essa escolha se
deve ao fato da obra em questão representar o marco inicial do trabalho de Rogers em
Psicoterapia Centrada no Cliente, em que o autor se propôs a traçar as perspectivas
antigas e novas sobre consulta psicológica e a psicoterapia, analisando os métodos
antigos e apresentando uma proposta mais recente.
Enquanto postulado geral, Rogers (2005) estabelece que o processo terapêutico
não seja centrado na atuação direcional do terapeuta, mas sim centrado na pessoa que
recorre à ajuda psicológica. O suposto saber do profissional, assim, é questionado,
implicando no afastamento do modelo médico de tratamento em que o psicólogo realiza
o diagnóstico mediante uma anamnese detalhada da vida da pessoa e estabelece o
tratamento. Longe de desejar diagnosticar, a proposta visa uma compreensão das
problemáticas enfrentadas no aqui e agora da relação terapêutica. Os rótulos
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psicopatológicos, assim, não são o norte do trabalho e não há uma diferença de abordagem
no atendimento de pessoas tidas como normais, neuróticas ou psicóticas.
Outro postulado geral apresentado pelo autor é o de que a proposta “[...] visa
diretamente a uma maior independência e integração do indivíduo em vez de se esperar
que esses resultados se consigam mais depressa coma a ajuda do psicólogo na solução do
problema” (ROGERS, 2005, p. 28), implicando em uma responsabilização, por parte da
pessoa assistida, nas decisões e escolhas que necessitará realizar.
Para Rogers (2005), aliás, “É a pessoa, e não o problema, que é posto em foco”
(p.28). Nesse sentido, interessa a essa proposta o desenvolvimento da pessoa, de forma
geral, e não a remoção de um sintoma, particularmente. O objetivo, assim, é ajudar a
pessoa a desenvolver-se para que essa possa enfrentar não somente o problema presente,
mas também os futuros de uma maneira mais integrada.
A esse respeito, Rogers (2005) argumenta que se o cliente “[...] puder alcançar
suficiente integração para lidar com um problema de uma forma mais independente, mais
responsável, menos confusa e mais bem organizada será capaz de lidar também [...] com
os novos problemas que surgirem” (p. 28).
Procurando se fazer mais claro, Rogers (2005) enumera quatro outros aspectos de
sua proposta, a saber: (1) Há uma confiança muito mais profunda da pessoa poder
orientar-se para a maturidade, para a saúde e para a adaptação, (2) Ênfase nos aspectos
afetivos da situação, do que nos aspectos intelectuais; (3) Acentua muito mais a situação
imediata do que o passado da pessoa, (4) A própria relação terapêutica é uma
experiência de crescimento.
Quanto ao aspecto de haver uma confiança muito mais profunda da pessoa poder
orientar-se para a maturidade, para a saúde e para a adaptação, é possível perceber que,
desde a sua primeira publicação, é notória a ênfase concedida pelo teórico na tendência
autorreguladora dos organismos, que será discutida no tópico referente aos Fundamentos
da ACP. Esse fundamento permite a consideração de que a terapia e o terapeuta não
devem assumir o papel de fazer pelo cliente ou induzir esse a fazer algo para si, pois há o
pensamento de que as pessoas são portadoras de uma tendência ao crescimento e,
portanto, são capazes de chegar às suas próprias escolhas. O terapeuta e a terapia, assim,
funcionam como facilitadores do processo. Nas palavras de Rogers (2005), a terapia é
“antes um processo de libertá-lo para um amadurecimento e um desenvolvimento
normais, de remover obstáculos que o impeçam de avançar” (p. 28-29).
26

A Ênfase, conforme apontado, se dá nos aspectos afetivos da situação, do que nos


aspectos intelectuais. Para Rogers, esse postulado põe em prática a ideia de que a maior
parte das desadaptações não são falhas do saber, mas que o conhecimento é ineficaz por
estar bloqueado pelas satisfações afetivas. Rogers (2005) diz que a utilização do método
intelectual é uma tentativa de “[...] modificar as atitudes do indivíduo através da
explicação e da interpretação intelectual [...] na crença que para ajudar o indivíduo só era
preciso explicar-lhe as causas da sua conduta” (p. 25). A ênfase nos aspectos intelectuais,
assim, tende a reprimir parte das emoções, diminuindo a expressão delas. Por essa razão,
Rogers orienta o estabelecimento de um ambiente que permita o cliente se sentir à vontade
com suas emoções e afetos, mesmo que sejam negativos, permitindo com que a corrente
de sentimentos positivos pudesse posteriormente fluir com mais vigor. “O psicólogo
aceita, reconhece e esclarece os sentimentos negativos [...]. Se o psicólogo deve aceitar
tais sentimentos, tem de estar preparado para responder, não ao conteúdo intelectual
daquilo que a pessoa diz, mas ao sentimento que lhe está subjacente” (ROGERS 2005,
p.38).
O terceiro aspecto – acentua muito mais a situação imediata do que o passado da
pessoa –, implica na ênfase do aqui e agora das situações. Nesse sentido, o passado
importa na medida em que ele se atualiza no presente imediato. Para Rogers, a história
passada é importante para a compreensão da gênese do comportamento humano, portanto
se presta para fins de pesquisa, não tendo a mesma importância no processo psicoterápico.
A terapia para o autor, assim, implica no lidar da pessoa consigo mesma, com suas
atitudes, emoções, valores e metas da maneira como existem atualmente, visto que o
cliente “[...] aprendeu que é seguro abandonar as considerações menos perigosas de seus
sintomas, dos outros, do ambiente e do passado e centrar-se na descoberta do ‘eu, aqui e
agora (ROGERS, 1992, p.158).
A ênfase nos aspectos presentes e nas situações que ocorrem no momento
imediato da vida das pessoas, é o que importa para essa teoria, pois considera a pessoa e
não o passado da pessoa.
Por fim, Rogers evidencia que a própria relação terapêutica é uma experiência
de crescimento, salientado que esse ponto de vista é apresentado pela primeira vez.
Menciona que outras abordagens visam o crescimento, a maturidade, e que seu cliente
faça melhores escolhas após a psicoterapia, enquanto seu posicionamento é o de que as
mudanças acorrem no próprio processo e na relação psicoterápica estabelecida. Nas
palavras do autor: “[...] este tipo de terapia não é uma preparação para a mudança, é ele
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próprio mudança” (ROGERS, 2005, p. 30). A ênfase, portanto, recai na relação


terapêutica.
Ao definir uma relação terapêutica o teórico primeiramente esboça tudo o que ela
não é, e inicia dizendo que a relação terapêutica não é como a relação de pai e filho, de
uma ligação afetiva profunda e com laços de dependência, que de um lado tem a figura
de autoridade e responsável, e de outro o filho que recebe e obedece às diretrizes, uma
relação que permanece. A relação terapêutica também, segundo Rogers (2005), não é uma
relação de amizade, pois neste tipo de relação existe uma reciprocidade em dar e receber
e de intimidades e trocas. Também diz não ser uma relação de professor-aluno, onde um
ensina e o outro aprende, onde um detém o conhecimento e outro está em processo de
aprendizado. Esse tipo de relação de ajuda também não se baseia numa relação médico-
doente, que se caracteriza pelo diagnóstico do médico com seus conselhos e prescrições
e do outro lado a obediência e seguimento das recomendações. A lista se estende com os
variados tipos de relações interpessoais que se difere da relação terapeuta e cliente,
incluindo a relação entre dois colegas de trabalho, a relação chefe e subordinado ou a de
padre com seus paroquianos (ROGERS, 2005).
Após percorrer o caminho do que não se é, inicia um esboço sobre o que vem a
ser uma relação de consulta psicológica e diz que ela “[...] representa um tipo de relação
social que difere de todas aquelas que o cliente até então experimentou” (ROGERS, 2005,
p. 86), e passa a descrever os aspectos fundamentais desse tipo de relação, a saber: (1) A
primeira é um calor e uma capacidade de resposta por parte do psicólogo que toma a
relação possível e a faz evoluir gradualmente para um nível afetivo mais profundo; (2) A
segunda qualidade da relação de consulta psicológica é a sua permissividade em relação
à expressão de sentimentos; (3) Ao mesmo tempo em que há esta liberdade completa de
expressar sentimentos, existem limites definidos à ação do indivíduo na entrevista
terapêutica, como o tempo da sessão; (4) Uma quarta característica da relação de consulta
psicológica é ela estar livre de qualquer tipo de pressão ou coerção.
Rogers conclui que a atmosfera possibilitada pelos aspectos fundamentais da
relação terapêutica, constitui experiência única e provocadora de mudanças significativas
na personalidade dos que recorrem a esse tipo de ajuda. Ao investigar, recorrendo-se à
pesquisas, explicita os fundamentos de sua proposta de ajuda, em que aí se inclui as
atitudes psicológicas facilitadores de congruência, consideração positiva incondicional e
compreensão empática, que serão apresentadas no subcapitulo seguinte.
28

1.4. Fundamentos da Abordagem Centrada na Pessoa

No livro intitulado Um Jeito de Ser, Rogers (1983) apresenta de forma


sistematizada os Fundamentos de uma Abordagem Centrada na Pessoa, explicitados a
partir de uma hipótese central de que as pessoas “[...] possuem dentro de si vastos recursos
para a autocompreensão e para modificação de seus autoconceitos, de suas atitudes e de
seu comportamento autônomo” (p.38), e ainda acrescenta que “[...] esses recursos podem
ser ativados se houver um clima, passível de definição, de atitudes psicológicas
facilitadoras” (p.38).
Os recursos para autocompreensão e modificação dos autoconceitos, atitudes e
comportamentos são a expressão de uma tendência autorreguladora verificada nos
organismos vivos, conforme anteriormente mencionado. A essa força, Rogers (1983)
denomina de tendência à realização, uma característica da vida orgânica, e, a partir dela,
toma consciência de outra, mais ampla, denominada de tendência formativa, que seria
uma característica do universo como todo. Para o autor, “Juntas, elas constituem a pedra
fundamental da abordagem centrada na pessoa” (p.38). Rogers defende, assim, a hipótese
de que

[...] existe uma tendência direcional formativa no universo, que pode ser rastreada e
observada no espaço estelar, nos cristais nos microrganismos, na vida orgânica mais
complexa e nos seres humanos. Trata-se de uma tendência evolutiva para uma maior
ordem, uma maior complexidade, uma maior inter-relação. Na espécie humana, essa
tendência se expressa quando o indivíduo progride de seu início unicelular para um
funcionamento orgânico complexo, para um modo de conhecer e de sentir abaixo do nível
da consciência, para um conhecimento consciente do organismo e do mundo externo, para
uma consciência transcendente da harmonia e da unidade do sistema cósmico, no qual se
inclui a espécie humana (Rogers, 1983, p.50).

A ACP, assim, se baseia “[...] na confiança em todos os seres humanos e em todos


os organismos” (ROGERS, 1983, p. 40). Para Rogers, em cada organismo “[...] há um
fluxo subjacente de movimento em direção à realização construtiva das possibilidades
que lhe são inerentes” (p. 40). Nos seres humanos observa, ainda, que essa tendência
natural promove um desenvolvimento progressivo, mais completo e complexo.
Rogers (1978) defende a tese de que em continua operação, o universo como um
todo está em um processo criativo e integrado de desenvolvimento das potencialidades
naturais, como a galáxia que se forma a partir de uma massa menos organizada de
agrupamentos de corpos celestes e estrelas, como os organismos complexos que se
29

desenvolvem a partir de uma única célula, como a consciência humana que evolui do
inconsciente primitivo à uma consciência altamente organizada. Para o autor, “O
organismo é autocontrolado. Em seu estado normal move-se em direção ao
desenvolvimento próprio e a independência de controles externos” (ROGERS, 1978 p.
227).
Ao considerar a tendência à atualização das potencialidades do organismo,
KINGET (1977, in ROGERS, KINGET) esclarece que essa tendência “[...] opera tanto
na ordem ontogenética (desenvolvimento do indivíduo) como na ordem filogenética
(desenvolvimento da espécie)” (p.42). Do ponto de vista do desenvolvimento da pessoa,
a autora tanto considera a expressão da tendência atualizante das potencialidades de um
polo orgânico e físico, quanto do desenvolvimento do eu e da personalidade, considerada
como o polo psíquico do organismo. Ao considerar essa tendência, Rogers (1977, in
ROGERS, KINGET) argumenta que a mesma “[...] corresponde à seguinte proposição:
todo organismo é movido por uma tendência inerente para desenvolver todas as suas
potencialidades e para desenvolvê-las de maneira a favorecer sua conservação e seu
enriquecimento” (p. 159).
Ainda que sendo portadores de vastos recursos para o desenvolvimento saudável
e complexo, esses, segundo Rogers (1983), somente poderão ser acionados mediante um
ambiente psicológico facilitador, por meio das atitudes de autenticidade ou congruência;
consideração positiva incondicional, e compreensão empática. Essas atitudes, aliadas às
tendências atualizante e formativa, constituem os fundamentos de uma Abordagem
Centrada na Pessoa.
O autor (ROGERS, 2005) destaca a importância da consideração positiva, também
sinônimo de interesse ou aceitação, em uma experiência sem julgamentos, definindo-a
como uma atitude acolhedora, em que “[...] o calor da aceitação e a ausência de qualquer
coerção ou pressão pessoal, por parte do terapeuta, permitem a expressão máxima de
sentimentos, atitudes e problemas, por parte do cliente” (p. 113). Essa consideração de
cada aspecto de uma pessoa constitui o que Rogers (2018), prescreve como uma relação
de afeição e segurança, e “[...] a segurança de ser querido e prezado como uma pessoa
parece ser um elemento sumamente importante em uma relação de ajuda” (p.38).
A compreensão empática para Rogers (2018) permite a captação precisa dos “[...]
sentimentos e significados pessoais que o cliente está vivendo” (p. 39), mas, enquanto
atitude terapêutica, captar com precisão não basta, é preciso saber comunicar essa
compreensão ao cliente, envolvendo, assim, a percepção do outro, colocando-se em seu
30

lugar a partir do entendimento de seus sentimentos. Significa ser “[...] sensível aos
sentimentos e às reações pessoais que o cliente experiência a cada momento, quando pode
apreendê-los ‘de dentro’ tal como o paciente os vê, e quando consegue comunicar com
êxito alguma coisa dessa compreensão ao outro” (ROGERS, 2018, p.72). Em adendo,
“[...] uma compreensão empática desse tipo – compreensão com uma pessoa, não sobre
uma pessoa – é um modo de contato eficaz que pode provocar importantes alterações na
personalidade” (ROGERS, 2018, p. 384).
A atitude de congruência, também denominada de autenticidade ou transparência,
é de fundamental importância para a criação de um clima facilitador de crescimento. Com
essa atitude Rogers (1983) quer dizer que “[...] quando o que estou vivenciando num
determinado momento está presente em minha consciência e quando o que está presente
em minha consciência está presente em minha comunicação, então cada um desses três
níveis está emparelhado ou é congruente” (p.09). Há, assim, na explicação do autor, um
estado de acordo interno, em que se experiência um fluxo coerente entre o que se vivência,
o que está presente na consciência, e o que se comunica.
Ser congruente significa que a pessoa deve estar em integração com sua
experiência real, encontrando-se livre e profundamente coerente com seu estado de
consciência. Significa ser real e genuíno. Rogers diz que em alguns momentos pensou
que o termo transparência ajudaria a descrever este elemento de congruência pessoal. Se
o outro pode ver tudo o que se passa em meu íntimo e que é importante para a relação, se
consegue ver "através de mim", e se estou disposto a deixar que essa autenticidade se
revele na relação, posso estar quase certo de que este seja um encontro significativo para
mudanças e desenvolvimentos em ambos (ROGERS, 1978).
A hipótese de Rogers é de que essas atitudes promovem um processo de mudanças
construtivas na Personalidade. Apesar de essas atitudes serem fundamentais para o
terapeuta centrado no cliente, a hipótese do autor é de que elas também sejam essenciais
para todas as relações de ajuda, quer entre professor e alunos, pais e filhos, empregador e
empregado, facilitador de grupo e pessoas assistidas (Rogers, 1959).
Essa ampliação da proposta de ajuda – da psicoterapia para quaisquer relações
interpessoais –, legitima a perspectiva de uma Abordagem Psicológica, com inúmeras
teorias e aplicações a ela associada. Em praticamente cinco décadas dedicadas aos estudos
psicológicos e a explicitação e desenvolvimento de algumas teorias – como a de
Psicoterapia, considerada a teoria mãe, seguida da teoria da Personalidade, das relações
interpessoais e sua ampla aplicabilidade, incluindo aí a teoria dos processos grupais e
31

mediação de conflitos –, possibilitou com que a Abordagem desenvolvida por Rogers,


pudesse ser estudada por fazes, marcadas por pesquisas, aprofundamentos teóricos,
incorporações e propostas diversas de trabalho, como veremos na sequência.

1.5. As fases da Psicoterapia Centrada na Pessoa

Carl Rogers, conforme mencionado, foi um teórico que buscou desenvolver a sua
teoria a partir da sua práxis, acumulando inúmeros aprendizados em sua vida pessoal e
profissional que foram, ao longo dos anos, incorporados em suas proposições teóricas
possibilitando uma evolução do seu pensamento, perceptível ao recorrermos a cronologia
de suas publicações.
Nesse sentido, Morato (1989) explicita esse entrelaçamento entre a teoria, prática
e vida, profissional e pessoal, presentes na obra de Rogers, e diz que “[...] através de sua
interioridade, o terapeuta recria uma compreensão de vida”. Podemos, então, procurar
interligar a vida e a teoria de Rogers de um mesmo modo, quer dizer, orientadas para uma
mesma procura” (p. 64). Esse enredamento possibilitou inúmeros avanços e achados,
incorporados nas pesquisas, práticas, teorias e publicações do autor, permitindo com que
conceituados estudiosos realizassem demarcações de fases no seu pensamento, que
servem de parâmetro para compreensão da evolução de sua teoria.
Diversos estudiosos, nessa linha, propõem que a teoria de Rogers possa ser
estudada por fases, e nesse tocante há muitas formas de fazê-lo, com esquematizações
bastante diferenciadas. Uma delas é proposta por De la Puente (1970, apud GOMES;
HOLANDA; GAUER, 2004), que distinguiu três fases na trajetória do pensamento de
Rogers, a saber: a fase técnica baseada em atendimento não-diretivo, tais como respostas
constantes e reações de sentimentos, conforme explicitado em Psicoterapia e Consulta
Psicológica (ROGERS, 2005); a fase das atitudes terapêuticas baseadas na autenticidade,
aceitação e compreensão empática, especialmente publicado em Terapia Centrada no
Cliente (ROGERS, 1992); e a fase da verificação do processo terapêutico, em que Rogers
foi influenciado pelo existencialismo, cujo livro de referência é Tornar-se Pessoa
(ROGERS, 1961/1970).
De outra maneira, Huizinga (1984), um grande historiador, ao considerar as
proposições de Hart (1970, apud HUIZINGA, 1984) e Dijkhuis (1970, apud HUIZINGA,
1984), coincidentes na explicitação de três fases e suas nomenclaturas, porém com
32

demarcações temporais divergentes – para Hart, as fases compreendem os seguintes


espaços temporais: de 1940 a 1950 de 1950 a 1957, e de 1957 a 1964; para Dijkhuis as
seguintes datas são consideradas: de 1940 a 1947, de 1947 a 1957, e de 1957 a 1964 –,
propõe a seguinte classificação: Terapia Não-Diretiva, que compreende os anos de 1940
a 150; Terapia Centrada no Cliente, indo de 1947 a 1957; e Terapia Experiencial, de 1957
a 1964.
Era de se esperar que encontrássemos diferenças entre as proposições dos autores,
tanto no que concerne a denominações, quanto no período temporal, considerando que
cada um tem uma forma peculiar de observar, compreender e analisar a trajetória de
Rogers, e, assim, propor a evolução de sua teoria. Para Puente (1970, apud GOMES;
HOLANDA; GAUER, 2004) esse enfoque ocorre mais nas atitudes do terapeuta,
enquanto para Huizinga (1984), considerando as proposições de Hart e Dijkhuis, o
enfoque é mais voltado para a práxis e atualização da experiência terapêutica.
Entretanto, segundo Moreira (2010), a proposta mais adotada ao se considerar as
fases da produção dos autores tem sido a originalmente formulada por “Hart & Tomlinson
(1970), citada por Cury (1987), colocada por Wood (1983) em seu esquema das
tendências em meio século da Terapia Centrada na Pessoa e ampliada por Moreira (1990;
2001; 2007) e, posteriormente, por Holanda (1998)” (p. 538). De forma mais consensual,
três fases, conforme anteriormente mencionado, são propostas, e uma quarta fase, de
proposição da própria Moreira, que vai de 1940 – ano em que Rogers considera ter
apresentado a comunidade científica uma proposta divergente e inovadora –, a 1987, ano
de falecimento do teórico. As três primeiras fases, segundo Moreira (2010), se referem à
psicoterapia, nomeadas e datadas da seguinte forma: Fase Não-Diretiva (1940 - 1950),
Fase Reflexiva (1950 - 1957), Fase Experiencial (1957 - 1970); e uma fase referente à
ACP denominada de Fase Coletiva (Moreira 1990, 2001, 2007 apud Moreira 2010) ou
Inter-Humana (Holanda, 1998 apud Moreira, 2010), que ocorre de 1970 - 1987). Segundo
a autora

A primeira fase refere-se à Psicoterapia Não-Diretiva e parte dos conceitos e


características da proposta de Rogers, já apresentados no capítulo sobre As
Características da Perspectiva Humanista Centrada na Pessoa de Carl Rogers,
resumidos pela autora nos seguintes termos: A Psicoterapia Não-Diretiva parte
de conceitos que têm como base o impulso individual para o crescimento e para
a saúde. Dá maior ênfase aos aspectos de sentimento do que aos intelectuais,
enfatiza o presente do indivíduo em vez de seu passado, tem como maior foco
de interesse o indivíduo e não o problema, e toma a própria relação terapêutica
como uma experiência de crescimento (MOREIRA , 2010, p. 538).
33

Lembramos que tais características foram apresentadas por Rogers em seu livro
Psicoterapia e Consulta Psicológica, publicado em 1942, que, aliás, é a obra de destaque
da primeira fase se seu pensamento.
Torna-se relevante contextualizar que Rogers nessa época – período da primeira
fase –, trabalhava na Universidade de Ohio, após um trabalho realizado com crianças, e
ali começa a criar as bases de uma terapia não diretiva, se distanciando dos modelos de
outras correntes terapêuticas, mais voltadas para o diagnóstico clínico, e de posturas
diretivas e inflexíveis. Neste sentido, e por apresentar uma proposta inovadora, Rogers
(1977) esclarece que “Para a maioria dos autores, a melhor maneira de lidar comigo é me
considerar, em um parágrafo, como o autor de uma técnica – a “técnica não diretiva”.
Definitivamente, não pertenço ao grupo fechado da academia psicológica” (p.33).
Em resumo, Morato (1989), discorrendo sobre a fase não diretiva e ao
posicionamento de Rogers diz que essa fase “Marca, assim, sua luta por um lugar na
sociedade científica em oposição aos métodos psicoterapêuticos vigentes e refratários a
mudanças, bem como a batalha pela conquista do lugar do trabalho em psicoterapia do
psicólogo, além dos psiquiatras” (p. 67).
Essa é uma fase inaugural, em que Rogers começa a estabelecer a construção de
um pensamento e teoria únicos, que difere de outras concepções em Psicologia,
combatendo que o processo terapêutico fosse guiado pelo terapeuta, propondo que a
direção seja da própria pessoa que recorre a ajuda psicológica, uma vez que concebe ser
as pessoas portadoras de uma tendência direcional ao desenvolvimento pleno, positivo e
íntegro.
A Fase Reflexiva (1950 - 1957), a segunda do pensamento de Rogers, é marcada,
segundo Moreira (2010), por diversas publicações e inúmeras pesquisas, tendo por obra
de referência Client-Centered Therapy, traduzida como Terapia Centrada no Cliente,
publicado originalmente em 1951. Nela são apresentadas as atitudes de compreensão
empática, consideração positiva incondicional e congruência, que são facilitadoras do
crescimento do cliente, abordadas em nosso trabalho no subcapítulo intitulado Os
fundamentos da ACP.
A obra marco da segunda fase – Terapia Centrada no Cliente –, em meados dos
anos 50, a poucos anos de sua publicação, já havia se tornado uma referência na
Psicologia. Era inovadora, composta por uma nova forma de se praticar psicoterapia,
deste modo, Rogers criou um novo sentido de valorização da pessoa assistida, começando
por abolir o termo "paciente" para evitar a conotação de doença e passividade e o
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substituir por “cliente”, como também alterou a lógica de hierarquização rígida de papéis
que havia na relação terapêutica. Em adição, as condições essenciais para a transformação
terapêutica foram descritas por ele nessa fase com muita clareza (MESSIAS; CURY,
2006).
A fase Experiencial (1957 - 1970), terceira fase do pensamento do autor, tem
como principal obra On becoming a person, publicação de 1961, traduzida com título de
Tornar-se Pessoa. Nessa fase Rogers é influenciado pelo conceito de experienciação de
Gendlin, em que se passa a focalizar não somente a experiência vivida pelo cliente, mas
também do psicoterapeuta e entre ambos. O objetivo da psicoterapia passa a ser ajudar o
cliente a usar plenamente sua experiência no sentido de promover uma maior congruência
do self e do desenvolvimento relacional, em que se enfatizada a autenticidade do terapeuta
(MOREIRA, 2010).
Com isso, a teoria caminha para o sentido de que é necessário considerar que o
terapeuta deva “[...] estar consciente dos próprios sentimentos, o máximo que puder, ao
invés de apresentar uma fachada externa de uma atitude, ao mesmo tempo em que
mantenho uma outra atitude em um nível mais profundo ou inconsciente’’ (ROGERS,
1987, p. 37-38).
Por fim, a fase Coletiva ou Inter-Humana (1970 - 1987), é caracterizada, segundo
Moreira (2010), por ser uma fase de transcendência de valores e de ideais, em que Rogers
se apoia em outra área da ciência, como a física, a química e a biologia. Além disso,
Moreira, ao recorrer as considerações feitas por Wood et.al (1994 apud MOREIRA 2010),
observa que o interesse de Rogers nos últimos anos de sua vida, voltaram-se para “[...]
questões mais amplas, concernentes às atividades de grupo e à relação humana coletiva,
abandonando definitivamente a atividade de terapia individual no consultório e
assumindo em seu trabalho a definição de abordagem, em vez de psicoterapia” (p. 541).
Segundo Holanda (1998, apud MOREIRA, 2010) “Seria uma fase mais mística, holística
em seu sentido amplo, em que Rogers se voltaria para a consideração de uma relação mais
transcendental, ou para a transcendência da existência humana” ( p. 541).
Conforme visto, as fases da proposição teórica de Rogers demarcam a evolução
do pensamento do autor e a ampliação e desenvolvimento de suas teorias. Interessa-nos,
assim, percorrer essas fases identificando as evoluções, acréscimos e entendimento do
autor, no que concerne a suas discussões e proposições específicas sobre a Personalidade.

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