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OBJETO DE PESQUISA

Este artigo tem como objeto de pesquisa o conto de Machado de Assis “O Alienista”. Será
abordado, a princípio, os aspectos do insólito do texto, uma vez que o intento do
personagem Simão ao criar um asilo em sua época foi recepcionado como algo muito
diferente do normal. O conto “O Alienista” foi escrito no século XIX entre os anos de 1881
a 1882. A trama do conto se desenrola em um vilarejo do estado do rio de Janeiro,
Itaguaí. Em diversos momentos da obra torna-se possível perceber o caráter insólito do
texto, pois as reações, as atitudes e o desfecho da obra são fatos completamentes
inusitados. Na obra, o autor apresenta como, em sua época, era dispensado o tratamento
aos que sofriam de moléstias mentais pelo poder público, embora o estado cobrasse altos
impostos, no entanto não correspondia com a prestação de serviços essenciais. Diante
disso, o médico Simão apresenta seu projeto ao poder público do seu tempo que o recebe
com apreensão, mas acaba por aprová-lo e até mesmo criar um imposto para a criação
do hospício.

Em segundo lugar esse texto observará a reação entre a loucura e as relações poder e
ciência da época em que o conto foi escrito. Machado de Assis lança luz a uma discussão
a respeito do positivismo de sua época, as relações de poder na política e sociedade e
também do autoritarismo científico e religioso de seu tempo. Diante desse cenário, é
possível perceber relação que o autor faz entre o autoritarismo positivista e
condescendência da política de seu tempo, uma vez que o personagem principal da obra
terá poderes absolutos para prender pessoas dentro da chamada “Casa Verde”, o local de
prisão dos considerados loucos pelo médico. E essa decisão de aprisionar pessoas
dentro de um mesmo lugar é considerada, além de estranha, é autoritária, pois não há de
fato um estudo científico feito pelo médico para uma real avaliação de cada caso. O
personagem Simão faz isso com a desculpa de que é para curar essas pessoas.

Em terceiro ugar, é possível analisar também as questões do problema do Realismo em


Machado de Assis. É bem verdade que ao iniciar sua vida de escritor, Machado,
abertamente se declarava Realista e fazia suas críticas ao Romantismo. No entanto,
passados alguns anos, Machado de Assis começa a fazer críticas à escola a qual dizia
que pertencia. Chegou até mesmo a dizer que o Realismo não prestava e, em alguns
trechos da sua obra se mostrava um belo romântico. Diante disso, este trabalho analisará
alguns pontos da obra machadiana para refletir sobre a corrente literária desse autor, já
que há pontos discordantes do que a maioria afirma ser Machado de Assis um realista.
HIPÓTESES
Uma resposta intelectual para o problema do autoritarismo positivista na época de
Machado de Assis veio por meio do conto “O Alienista”, no qual Machado, de forma
irônica, aborda como era simplista e bastante pueril os conceitos de doença mental no
qual se baseia o personagem e médico Simão Bacamarte. Além disso, Machado também
levanta um questionamento a respeito do modo higienista em que foi tratado esses
considerados diferentes, ao trancafiar em mesmo lugar essas pessoas. Michel Foucault,
em seu livro “A História da Loucura” faz uma análise dos tratamentos que estavam sendo
dados aos loucos. Nele, Foucault descreve que assim como se fazia, na idade média,
com os leprosos, criando leprosários, da mesma forma estavam fazendo com as pessoas
com problemas mentais ou parecidos. Ainda no livro, o psicólogo compara a famosa
imagem chamada “Nau dos Loucos”, na qual os doidos eram colocados dentro de um
barco e lançados à deriva, para, assim, serem afastados do convívios com os normais.

Ainda na esteira da problemática da loucura, surge uma resposta para essa temática no
gênero insólito, no qual faz parte da narrativa de Machado, uma vez que o personagem
Simão faz uma coisa muito extraordinária em sua época. Segundo Flávio Garcia, a
manifestação do insólito pode ser tudo “, àquilo que foge do usual ou do previsto, que é
fora do comum, não é regular, é raro, excepcional, estranho, esquisito, inacreditável,
inabitual, inusual, imprevisto, maravilhoso” (A Banalização do Insólito, pg.20, 2017).
Diante disso, é possível perceber que na obra “O Alienista” o insólito é manifesto na
atitude do personagem Bacamarte ao fazer experiências com dois grupos de pessoas
que, arbitrariamente, as considera problemática, mas quem no fim, ele mesmo vem a
reconhecer que era o único problemático da cidade.

Portanto, o conto “O Alienista” pode ser analisado na perspectiva do insólito, uma vez que
essa ficção aparece eventos estranhos, paradoxais, extraordinários, para a realidade
social da época. Exemplo disso é o momento em que o personagem Simão prende na
casa de loucos sua própria esposa, alegando que D. Evarista estava com “mania de
santuário”, em razão do seu amor pelas joias e roupas finas. Além dela, o conto apresenta
prisões no asilo por motivos mais diferentes possíveis. Um exemplo disso na obra, foi um
jovem ter elogiado a mulher de Simão, D. Evarista, em um jantar com muitos convidados,
de uma forma radiante. Todavia, o narrador, desde o princípio da obra, já havia
desqualificado a beleza de D. Evarista. Diante disso, o personagem Simão Bacamarte
prende o tal jovem no asilo, pois o diagnosticou, sem exame algum, com lesão cerebral.
METODOLOGIA
1. O ALIENISTA E O INSÓLITO
O conto “O Alienista” traz uma narrativa bastante contundente sobre as relações humanas
e sociais da época, século XIX. É um conto com uma literatura realista-maravilhosa, onde
o autor é capaz de satirizar as estruturas de poder de sua época, de uma forma fora do
comum e extraordinária. O autor rompe com as expectativas positivistas de sua época,
consegue ir além de seu tempo para denunciar os abusos que eram feitos em diversas
áreas da sociedade. Outrossim, é possível ver como a narrativa “O Alienista” é insólita por
ela apresentar a realidade insólita, diferente, inusitada de sua época. Em “O Alienista” é
possível ter uma visão panorâmica da estrutura religiosa da época, uma vez que o padre
na narrativa aconselha Simão e até mesmo tenta interferir no projeto incomum que estava
em curso. Também é possível observar a estrutura políticas, os interesses, muitas vezes,
nada elogiáveis.

Uma das manifestações do insólito no conto inicia quando o personagem médico Simão
escolhe uma mulher para casar. Em um conto aos moldes românticos, o personagem
Simão, certamente, escolheria uma moça virgem, cabelos longos e com traços corporais
muito ressaltados. Todavia, não é isso o que acontece na obra. O narrador conta que ele
escolheu uma mulher viúva, não bonita nem simpática. E o mais curioso é motivo para o
personagem ter feito essa escolha: porque D. Evarista, a mulher escolhida, tinha
excelente estrutura corporal para engravidar, segundo o médico. Esse comportamento
estranho do personagem principal da obra é justificado pelo fato dele não querer ter
problemas conjugais e se dedicar exclusivamente à ciência. Além disso, dois pontos ainda
podem ser observados. Primeiramente, esse comportamento de Simão reflete uma
herança judaica a respeito do dever de deixar descendência; isso se reflete nas longas
narrações de gerações na Bíblia Sagrada. Em segundo lugar, esse comportamento
denuncia uma estrutura patriarcal e também critica, indiretamente, o positivismo.

O insólito também é manifestado nas estranhas relações políticas narradas no conto. O


narrador inicia comentando que, em Itaguaí, a vereança não tinha nenhuma política
pública em relação aos dementes. Só que antes dele citar esse que, para o personagem
Simão era um pecado, antes, o narrador afirma que os políticos tinham “outros pecados”
(pag.3). Essa iniciativa extraordinária da parte do personagem Simão gerou muito
estranhamento na população de Itaguaí, a ponto de achararem que o único louco era o
médico, talvez isso seja uma conclusão antecipada do narrador. O narrador cita, talvez,
somente alguns dos outros pecados dos políticos. Primeiramente, o narrador faz críticas
aos autos impostos cobrados à época da narrativa do conto, uma vez que era pouco o
serviço devolvido à população. Em segundo lugar, é possível perceber a facilidade para
permitir que houvesse corrupção, pois na hora de calcular o imposto, o tesoureiro se
perde no cálculo, ficando sem saber o quanto de fato aquele serviço público receberia de
receita do governo.

Em terceiro lugar, a narrativa traz um movimento que foi conhecido como revolta das
Canjicas – apelido familiar do líder do movimento. Nesse movimento que, inicialmente,
tinha um caráter civil, cujo o objetivo era conter os avanços do médico Simão, ganha um
contorno político. O líder do movimento, por nome Porfírio, que era barbeiro da cidade,
decide dar dar um golpe de estado agora com a desculpa que os políticos eram corruptos.
“Uma Câmara corrupta e violenta conspirava contra os interesses de Sua Majestade e do
povo” (pág.20). No entanto, esse golpe de estado não serviu para nada, uma vez que
esse líder irá se associar ao Alienista contra quem subiu ao poder, em nome do povo.

Diante dessa realidade insólita da politica em Itaguaí, é possível perceber o quanto o


discurso dos populistas está em desconexão com seus atos concretos. Fala-se uma
coisa, mas age em desconformidade com o prometido. Corruptos combatendo a
corrupção. “Entendeis bem, tirano; queremos dar liberdade às vítimas do vosso ódio,
capricho, ganância…” (pág.18). Antes de tomar o poder, Porfírio tinha discursos
inflamados como esse contra o Alienista, o qual estava sendo acusado de tirania e
corrupção. Além disso, o comportamento dos revoltosos contra a tirania do cientista
Simão é muito parecida, uma vez que eles também se tornam déspota.

“— Em todo caso, Vossa Reverendíssima não se alistará entre os


inimigos do governo? disse-lhe o barbeiro dando à fisionomia um
aspecto tenebroso.

Ao que o Padre Lopes respondeu, sem responder:

— Como alistar-me, se o novo governo não tem inimigos? ”

É notório nesse trecho o quanto o barbeiro, líder do golpe de Estado, se comporta como
um tirano, semelhantemente ao que Simão faz ao prender que ele achar que tem
problemas mentais. A pergunta sarcástica feita ao padre apresenta um grande problema
daquela época, que é a tirania, sobretudo, do Estado em querer obrigar seus cidadãos a
terem um padrão de comportamento. Porfírio prometia liberdade alívio da opressão, mas
quando chega ao poder, torna-se um tirano também. Nessa ocasião, a resposta do padre
esclarece quem realmente era esse nova liderança popular de Itaguaí, a qual, usa a boa
fé da população para depois usar o poder contra o povo.

Ao chegar na casa de Simão, Simão pede ao agora chefe de Estado para não ver a
destruição do asilo, segundo o narrador: “Só uma coisa pedia, é que o não constrangesse
a assistir pessoalmente à destruição da Casa Verde. Entretanto, o médico se assusta com
a reposta recebida do barbeiro: “— Engana-se Vossa Senhoria, disse o barbeiro depois
de alguma pausa, engana-se em atribuir ao governo intenções vandálicas” (pág.22). Note
que até mesmo o homem que achava que era o detentor da verdade e da sabedoria,
engana-se com as intenções do líder com um discurso radicalizado. E o estadista ainda
acrescenta:

O que lhe pede é que de certa maneira demos alguma satisfação


ao povo. Unamo-nos, e o povo saberá obedecer. Um dos alvitres
aceitáveis, se Vossa Senhoria não indicar outro, seria fazer retirar
da Casa Verde aqueles enfermos que estiverem quase curados, e
bem assim os maníacos de pouca monta, etc. Desse modo, sem
grande perigo, mostraremos alguma tolerância e benignidade.
(pág.22)

Portanto, é notório que a realidade da vida pública de Porfírio não é o seu discurso
polarizado ao povo, na verdade isso é o insólito, o irreal e o paradoxo político. A realidade
política do chefe de estado é a mentira, as tramas escondidas e ilusão vendida ao povo
sofredor.

Entretanto, nesta obra o que mais revela o caráter do insólito é o projeto de criação da
chamada Casa Verde, isto é, de um asilo de dementes, pois é a ação que mais causa
estranheza, perturbação e impressiona. Tudo inicia após o personagem Simão
Bacamarte, médico, ter suas expectativas patriarcais frutadas, já que a mulher que
escolhe com apenas um egoísta intenção de ter filhos não foi consumado. Diante disso, o
médico decidi estudar ainda mais a ciência, o que resulta na decisão de estudar “o
recanto psíquico, o exame da patologia cerebral”(pág.3). No entanto, o fato mais curioso
nesse episódio é o personagem Simão ter essa ideia, inesperada, após uma grande
frustração emocional e, quiçá, psíquica. É ainda mais surpreendente esse acontecimento
se for observado que o início da narrativa não cita nenhum estudo ou pesquisa científica
do personagem antes da chegada ao Brasil, uma vez que era, possivelmente, reitor de
uma universidade na Europa, aos seus trinta anos.

Ademais, o seu primeiro passo foi conseguir uma licença junto às autoridades políticas de
sua época, as quais o narrador teceu críticas quanto aos cuidados que eles tinham com
tais pessoas. O projeto insólito foi aprovado junto com a licença para ter um asilo, veio
também uma receita pública para a manutenção dos dementes que pudessem arcar com
os custos do tratamento. O primeiro caso de demência que foi caracterizado que entrou
no hospício foi de um rapaz que fazia, todos os dias, discursos acadêmicos, o que,
provavelmente, o autor pode estar mirando sua crítica a uma parte da comunidade
acadêmica de sua época. Esse caso é manifestado o quanto de realismo-insólito há
nesse conto, uma vez que o autor usa de um evento estranho para criticar a estrutura
intelectual de seu tempo. O segundo caso estranho de prisão de internação de dementes
foi um jovem bastante apaixonado que tinha matado sua ex-mulher e seu amante. Sua
loucura era querer achar o fim do mundo, afim de encontrá-los. Outro caso estranha era
um jovem que achava que era deus. Há aqui uma possível critica ao sistema religioso.
É importante também destacar o comportamento exótico do personagem Simão
Bacamarte. Ele foge dos padrões naturais ao escolher uma dama para casar, que seria a
sua beleza, doçura no jeito e no trato. Pelo contrário, ele quer tão somente uma mulher
com perfil para reprodução. Não apenas isso, o personagem Simão se mostra sempre
muito frio, calculista, muito equilibrado e sagaz. Esse comportamento estranho se revela,
logo no capítulo três da obra, quando sua mulher “se considerava tão viúva como
dantes”(pag.7), mas “não se irritou o grande homem, não ficou sequer
consternado”(pág.7). O Alienista revela ser um homem narcisista que não mede esforços
para alcançar seus objetivos, embora pessoas possam sofrer, até mesmo aquelas que
estão ao seu redor e o amam.

Todo esse comportamento estranho de Simão Bacamarte tem como fundamento um


sentimento de superioridade divina sobre os demais mortais por causa de seus estudos
científicos, o que o faz pensar ser o maior de todos as ciências. Ele não presta contas a
ninguém, nem mesmo ao Estado. Sente-se acima e qualquer suspeita, acima de qualquer
crítica. Em determinado momento na obra “O Alienista”, que já foi abordado
anteriormente, há um revolta chamada revolta das “Canjicas”. Nessa ocasião, a
população vai requerer do médico explicações ao seu autoritarismo científico, ao que ele
responde:
— Meus senhores, a ciência é coisa séria, e merece ser tratada
com seriedade. Não dou razão dos meus atos de alienista a
ninguém, salvo aos mestres e a Deus. Se quereis emendar a
administração da Casa Verde, estou pronto a ouvir-vos; mas se
exigis que me negue a mim mesmo, não ganhareis nada. Poderia
convidar alguns de vós, em comissão dos outros, a vir ver comigo
os loucos reclusos; mas não o faço, porque seria dar-vos razão do
meu sistema, o que não farei a leigos, nem a rebeldes. (pág.18)

Acima se tem a imagem divina do gênio, da pessoa acima de qualquer suspeita, homem
capaz de trazer a cura do problema da demência e que não pode nem sequer se
questionado, uma vez que sua profissão é soberana. É nessa linha de pensamento
positivista que o personagem Simão vai continuar suas experiências e estudos. De forma
grotesca, mais adiante desse acontecimento, Simão vai mudar sua concepção do que
loucura e cria uma outra caracterização segundo suas próprias experiências e estudos
subjetivos. Nessa esma revolta chamada “Canjica” ocorre, antes da chegada à Câmara,
que um dos vereadores diz que não podem interferir na Casa Verde, uma vez que a
ciência era um assunto de altíssimo conhecimento para um debate de leigos e o asilo era
“era uma instituição pública, e que a ciência não podia ser emendada por votação
administrativa”(pág.16).

2. LOUCURA NO ALIENISTA COMO ESTRUTURA DE PODER


“Em Stuttgart, o relatório de um magistrado indica em 1589 que
há já 50 anos não há mais leprosos na casa que lhes é destinada.
Em Lipplingen, o leprosário é logo povoado por incuráveis e
loucos” (Michel Foucault, pág.10)

Segudo o livro de Foucault, na Idade Média havia os Leprosários, casa que segregava os
doentes de lepra. Na bíblia Sagrada há expressamente uma ordem de não permitir que os
leprosos fiquem no mesmo local onde ficam os sãos. No livro do Levítico 13.46 está
escrito: “Todos os dias em que a praga houver nele, será imundo; imundo está, habitará
só; a sua habitação será fora do arraial”. Assim, seguindo esse pensamento vindo da
Escritura Sagrada, as autoridades públicas isolavam os leprosos, uma vez que não havia
cura para essa doença, à época – assim como é feito ainda hoje quando se isola o
infectado com a Covid, por exemplo. Todavia, Foucault traz uma discussão que vaia além
do problema científico somente. Para ele, essa atitude é uma questão de segregação
social, onde se isola aquela pessoa diferente para que não atrapalhe o convívio da classe
burguesa. Somando-se a isso, na idade média, a igreja via os leprosos como pessoas que
eram vítimas da ira divina, provavelmente por terem cometido algum pecado.
Michel Foucault atribui o fim do surto de leprosos e, consequentemente, da lepra à
segregação feita essas pessoas. E esse abandono e descaso é também concebido como
amor a eles, segundo a visão da igreja à época. Foucault também afiram que o fim da
multiplicação de leprosos se devem também ao fim das Cruzadas, as quais advinham as
infecções. Diante disso, os leprosários ficam sem utilidades. Todavia, esses mesmos
leprosários serão utilizados agora como abrigo de outras características de pessoas, a
saber, os “Pobres, vagabundos, presidiários e cabeças alienadas” (pág. 11 - História da
Loucura). Além disso, os antigos leprosários também foram casas de pessoas com
doenças venéreas, que também eram vista como vítimas do castigo de Deus por seus
pecados na área da sexualidade.

Entretanto, o fenômeno que de fato vai ocupar os antigos leprosários é a loucura. Antes,
porém, é importante ressaltar como eram vistos e tratados àqueles que tinham essa
doença. A Narrenschiff (Nau dos Loucos) era uma medida autoritária das autoridades
municipais com o intuito de lançar fora das cidades aqueles que tinham problemas
mentias, a fim de não importunar as pessoas sãs, segundo Foucault. Sem destino certo,
algumas vezes essas naus chegavam a certos locais, como em Nuremberg na Alemanha.
Ao chegar nesses lugares, muitos deles eram acolhidos, porém não recebiam ajuda para
seus problemas e, em alguns casos, erma jogados em prisões. Segundo Foucault “alguns
loucos eram chicoteados publicamente, e que no decorrer de uma espécie de jogo eles
fossem a seguir perseguidos numa corrida simulada e escorraçados da cidade a
bastonadas” (Michel Foucault, pág.15).

“E sabido que o século XVII criou vastas casas de internamento” (Michel Foucault,
pág.52). Segundo Foucault essas casas eram prisões arbitrárias destinadas a todos os
que sofriam de problemas mentais. Esses recintos representam o autoritarismo das
autoridades, o descaso com aqueles que sofrem com esses problemas e o desejo de
serem livres de qualquer importunação dessas pessoas. As condições humanas nesses
ambientes eram péssimas. Segundo relatos da época, os loucos não tinham roupas, não
tinham sequer cobertores adequados para se aquecer, tampouco um local confortável
para dormir. Não só isso, nesses asilos os loucos eram mal alimentados, como também
não tinham água adequada para beber e as coisas básicas para viver. Foucault também
vai relatar que em 1656 foi criado o projeto de um Hospital Geral na França, o qual seria o
hospício da época. Sua criação é fruto de uma proposta dos parlamentares. O Hospital
Geral foi criado e mantido pelas finanças públicas.
Assim como aconteceu em toda a Europa que, para a criação e manutenção de um
hospício foi criado um imposto, no conto “O Alienista” também não foi diferente.

Dali foi à Câmara, onde os vereadores debatiam a proposta, e


defendeu a com tanta eloqüência, que a maioria resolveu
autorizá-lo ao que pedira, votando ao mesmo tempo um imposto
destinado a subsidiar o tratamento, alojamento e mantimento dos
doidos pobres. A matéria do imposto não foi fácil achá-la; tudo
estava tributado em Itaguaí. (O Alienista – pág.4)

A proposta logo foi recebida com um certo estranhamento, mas logo foi acolhida e
debatido a manutenção o asilo. No entanto, assim como acontecia na Inglaterra e França,
o dever de assistir os lunáticos não era só do Estado; antes, a família dos dementes
deveriam contribuir com a estadia do internado. Apesar de todo esse esforço do médico
Simão para parecer que esse trabalho era científico e caridoso, o desenrolar da história
mostra que o interesse era expulsar do convívio social os considerados loucos.

Mas, o que da fato queria o personagem Simão Bacamerte ao internar sentenas de


pessoas de um mesmo lugar? Na Idade Média, o motivo foi a miséria e o desemprego,
uma vez que esses tidos como loucos viviam nas ruas e praças mendigando. Segundo
Foucault, “o único Hospital Geral de Paris agrupava 6 000 pessoas, ou seja, cerca de 1%
da população” (Michel Foucault, pág.70). No entanto, em Itaguaí qual era o real interesse
de Simão em prender os doentes? É necessário separar o narrador do autor.
Efetivamente, o que autor da obra quer discutir é o autoritarismo do positivismo e as
aberrações científicas feitas à época. Entretanto, o narrador afirma que o interesse do
médico Simão era a cura dos doentes mentais.

De todas as vilas e arraiais vizinhos afluíam loucos à Casa Verde.


Eram furiosos, eram mansos, eram monomaníacos, era toda a
família dos deserdados do espírito. Ao cabo de quatro meses, a
Casa Verde era uma povoação. Não bastaram os primeiros
cubículos; mandou-se anexar uma galeria de mais trinta e sete. O
Padre Lopes confessou que não imaginara a existência de tantos
doidos no mundo, e menos ainda o inexplicável de alguns casos.
(O Alienista – pág.5)

É interessante notar o espanto do padre ao ver a Casa Verde se encher de possíveis


loucos. No início da obra, o narrador afirma que os políticos não se preocupavam com os
que sofriam de demências. Também é interessante notar que, a princípio o médico não
forçou ninguém a entrar no internamento.
Essa atitude de prender os lunáticos em uma casa é bem mais grave do que aquela onde
se prendia os leprosos, uma vez que naquele caso o propósito era apenas caracterizá-los
como um perigo à saúde pública. Nesse caso específico do grande internamento
representado no conto “O Alienista” é possível perceber que há uma espécie de limpeza
moral ou religiosa, a fim de limpar de Itaguaí esses que não se encaixam dentro do perfil
aceitável das classes burguesas. De igual maneira, no século de XVII quando surgiu os
grandes internamentos, o propósito era limpar das cidades os mendigos e ociosos, para
os fazer cumprir obrigações cívicas dentro dos asilos, além de agradar as altas classes
sociais que não queriam conviver com os mendigos na rua.

Alguns casos de internação na Casa Verde são bastantes curiosos. É o caso de um


personagem do conto chamado Costa. Esse homem teve sua liberdade perdida e
trancafiado na Casa Verde por motivos banais do médico Simão. Segundo o médico, por
ele haver desperdiçado toda a sua riqueza de forma demasiadamente generosa é sinal de
anomalia psíquica. Não bastasse isso, uma parente desse moço preso foi tentar defendê-
lo desse terrorismo científico. Todavia não obteve muito sucesso. Ela argumentou que o
motivo do rapaz ser muito generoso é porque a herança deixada pelo pai dele estava
amaldiçoada por um homem da repreensão dele por ter cometido o roubo de um boi.
Deopis disso, acontece o previsível:

“Bacamarte espetara na pobre senhora um par de olhos agudos


como punhais. Quando ela acabou, estendeu-lhe a mão
polidamente, como se o fizesse à própria esposa do vice-rei e
convidou-a a ir falar ao primo. A mísera acreditou; ele levou-a à
Casa Verde e encerrou-a na galeria dos alucinados” (O Alienista
pág.11)

Logo que a mulher terminou de contar sua história, Simão Bacamarte tem a louca ideia de
tramar a prisão de uma mulher no Asilo. Em seguida, o coloca em prática sua ardilosa e
asqueroso meio de meio levar à mulher à Casa verde. Todavia, a parente do jovem preso
poderia estar com medo ou algum receio de ir à Casa de Orates. No entanto, Simão
convida ela para ir ver o jovem preso, a fim de colocar ela a força no internamento. E
assim foi feito. Toda a cidade relatada no conto ficaram em estado de choque. Dentro da
casa Verde também foram colocados pessoas com esquizofrenias religiosas, pessoas
com anomalias no amor, como é o caso de um homem traído que ficava rodeando à Casa
Verde a fim de procurar matá-lo. Também havia as pessoas que sofrem com sentimentos
exagerados de raiva e ódio.
A partir daí seguiu-se com uma internação em massa, o Alienista estava agora colocando
na Casa Verde qualquer caso que parecesse com loucura. Quaquer alteração por mais
simples era tio como loucura. “Tudo era loucura” (O Alienista – pág.24). Na Idade Média
não era diferente, Foucault relata que havia, antes mesmo dos centros de internamento,
pena capital para alguns comportamentos que à época não eram aceitos, como é o caso
da chamada sodomia – referência da Bíblia Sagrada aos pecados na área sexual, mais
precisamente a homossexualidade.

“Étienne Benjamin Deschauffours é declarado devidamente


culpado de ter cometido os crimes de sodomia mencionados no
processo. Como reparação, e outros casos, o dito Deschauffours
é condenado a ser queimado vivo na Place de Grève, suas cinzas
jogadas ao vento, seus bens confiscados pelo Rei” (Michel
Foucault, pág.94)

Foucault observa que os centros de internamentos serviam como uma forma de excluir do
convívio social das cidades burguesas os chamados “a-sociais” que são aquelas pessoas
que não enquadram no perfil social aceitável à época. Quando Machado de Assis
escreveu o conto “O Alienista”, o Brasil estava prestes a receber a sua primeira criação de
um Hospício. Logo, Machado sai na frente da sua geração para denunciar de forma
irônica os absurdos que poderiam ser feitos dentro desse ambientes. É interessante
também notar a qualidade dos loucos que entram na Casa Verde. São gente com
comportamento condenável do ponto de vista religioso e socialmente também, à maneira
como foi queimado acima aquela pessoa. Essa ironia de Machado evidencia sua crítica
ao positivismo e a forma higienista de fazer política e ciência.

É interessante também que em vários momentos dos avanços científicos do médico na


obra de Machado são tidos como loucura dele mesmo. Os políticos ao saberem de sua
intenção de criar um hospício acharam que ele era quem de fato era louco. Na revolta
popular, o líder afirmou que possivelmente o único alienado era o alienista ao prender
pessoas normais. Além disso, outras opiniões acerca do trabalho do personagem Simão
na obra eram questionadas. E ainda houve uma acusação quanto a idoneidade do
médico, uma vez quele o seu hospício recebia fundos público. Todavia isso foi rechaçado
pelo políticos, alegando que ele estava disposto a restituir os valores recebidos a mais.
No entanto, no capítulo “Deus sabe o que faz”, o narrador parece sugerir que Simão
estava dando uma destinação diversa do fim para o qual recebia o dinheiro, uma vez que
ele estava usando as verbas públicas para a ostentação de sua esposa.
Simão Bacamarte não para com a sua ideia fixa de curar os tais loucos de Itaguaí. No
penúltimo capítulo, Simão restitui todos os tais loucos que estavam presos uma vez que,
segundo ele, já estavam curados. “Todos. Assim o disse ele no ofício que mandou hoje de
manhã à Câmara.” (O Alienista – pág.25). É importante observar que essa libertação vem
acompanhada já de uma nova teoria que irá colocar mais pessoas dentro do
internamento. Um outro fato interessante dos tais loucos que foram curados que todos
estavam, segundo o narrador, completamente agradecidos ao médico por suas curas.
Exemplo disso é a sua mulher, D. Evarista que continua casada com o médio; o jovem
Martim Brito que fora preso porque elogiou D. Evarista e, agora, cria poesias com
honrarias ao médico. Resumindo, parece que houve mia uma lavagem cerebral doq ue
cura de fato.

Todavia, Simão já havia articulado com o Câmara da cidade uma nova licença para a
aplicar sua nova teoria. Agora seria colocado dentro do Hospício não mais quem sofria de
uma patologia mental, mas sim a todos os que “se achassem no gozo do perfeito
equilíbrio das faculdades mentais” (O Alienista – pág.27). De tal forma essa nova teoria
vem carregada de ironia que nenhum deputado foi imputado a entrar na Casa Verde, uma
vez que eles mesmos fizeram uma cláusula que eles não poderiam ser postos no
hospício. Nenhum foi preso, exceto Galvão que se opôs a tal cláusula. Esse deputado,
concluiu Simão, tem um cérebro bem organizado. Quando a população pediu a Câmara
para cassar a licença do médico, os vereadores se lembraram que isso faria com o que o
colega deles preso no Hospício fosse solto, logo deixaram a Casa Verde funcionando.
Simão viu o quanto de vingança eles tinham

Essa nova teoria pôs na Casa Verde o padre, a mulher do principal amigo do médico e
ainda quem já havia sido tido como curado, caso do barbeiro Porfírio. Isso aconteceu por
que ele se recusou a iniciar uma nova rebelião contra as internações compulsórias. Para
ele, aquela atitude só tinha trazido prejuízos a população, logo seria melhor esperar a
licença do médico terminar. Diante desse pensamento, ele foi recolhido ao Hospício.
“Preso por ter cão, preso por não ter cão! exclamou o infeliz” (O Alienista – pág.29). O
desfecho dessa cômica nova teoria é a corrupção trazida às mentes desses que estavam
em perfeito juízo, mas agora foram todos corrompidos. O excelente homem público
Galvão, agora estava usando de má-fé para ter direito a uma herança; a mulher do
boticário tão paciente e equilibrada, agora está irritada e magoada com seu marido e as
pessoas modestas foram corrompidas por fama e glórias humanas pelo médico.
Por fim, o ilustre médico começou a ter a seguinte indagação: “Mas deveras estariam eles
doidos, e foram curados por mim, — ou o que pareceu cura não foi mais do que a
descoberta do perfeito desequilíbrio do cérebro?” (O Alienista – pág.31). O ilustre médico
Simão chegava a conclusão que “não havia loucos em Itaguaí; Itaguaí não possuía um só
mentecapto”(pág. 31). Essa conclusão partia de novo comportamento das pessoas
curadas da segunda teoria, isto é, na segunda teoria as pessoas com perfeito equilíbrio
entrava na Casa Verde e saíam com um comportamento igual as pessoas consideradas
loucas da primeira teoria. Logo, na cabeça de Simão, ou ele tinha inculcado neles a
faculdade da loucura ou eles já eram assim, portanto, não há loucos em Itaguaí.

Uma vez comprovada a tese que não havia loucos em Itaguaí, o médico começa se
questionar a respeito da sua própria sanidade mental. É importante lembrar que, no conto,
o narrador deixa claro que em vários momentos foi levantada uma dúvida a respeito do
perfeito juízo do médico. Agora, ele mesmo se questiona sobre sua perfeita capacidade
mental aos seus colegas. Todavia, é importante lembrar que toda a cidade de Itaguaí
estava em completo estado de medo pelas inúmeras experiências feitas pelo ilustre
médico, uma vez que ele tinha poderes concedidos pelas autoridades públicas para,
arbitrariamente, trancafiar quem quisesse em seu hospício. Logo, ao questionar a respeito
de sua condição psíquica, ele escuta ao perguntar: “— Tudo perfeito? — Tudo”(pág.31).
Ele não acreditava nesse diagnóstico que, no fundo ele sabia, vim de pessoas que tinham
um certo temor dele. No entanto, o padre que, após sua morte, espalharia um boato
afirmando que o único louco de Itaguaí era o médico, afirmou: “Sabe a razão por que não
vê as suas elevadas qualidades, que aliás todos nós admiramos? É porque tem ainda
uma qualidade que realça as outras: — a modéstia.”(pág.31).

Logo, diante desse diagnóstico de sua perfeita capacidade mental, o médico toma a
decisão de se internar em seu próprio hospício criado, já que a sua nova teoria assim o
definia quem era de fato louco. Nesse sentido, Machado de Assis é brilhante ao concluir
sua obra apresentando uma grande discussão de sua época a respeito do limite do que é
ser louco ou estar em perfeitas condições psíquicas. Machado, crítica o positivismo de
sua época ao concluir sua obra apresentando como único louco o próprio senhor a razão.
Aquele que defendia a ciência e que se considerava acima dos meros mortais por seu
saber científico, agora se ver na condição de paciente precisando de ajuda. Todos agora
assistem seu triste fim. O homem que tinha tanta luz na cabeça, termina sua vida nas
trevas da dúvida e da solidão. Triste fim!
3. O PROBLEMA DO REALISMO PROBLEMA DO REALISMO
Sempre se ouve dizer que a corrente literária de Machado de Assis é o realismo.
Machado de Assis, em inúmeros momentos das suas obras, usa da metaficção ao se
relacionar com o leitor. Isso permiti um campo variado de interpretações de suas obras,
também é possível ver traços de contradição e incoerência, como também convida a
todos os leitores a um aprofundamento crítico e reflexivo de suas obras. E isso se revela,
em alguns momentos, quando o autor se refere ao leitor como “querida leitora” ou leitor.

O problema do Realismo em Machado de Assis se encontra em diversos dos seus contos


e novelas, uma vez que é possível perceber ali traços do Romantismo. A título de
ilustração desse problema apontado no realismo de Machado cabe citar um trecho da
obra dele, a saber, Dom Casmurro:
Pois sejamos felizes de uma vez, antes que o leitor pegue em si, morto de
esperar, e vá espairecer a outra parte; casemo-nos. Foi em 1865, uma tarde
de março, por sinal que chovia. Quando chegamos ao alto da Tijuca, onde
era o nosso ninho de noivos, o céu recolheu a chuva e acendeu as estrelas,
não só as já conhecidas, mas ainda as que só serão descobertas daqui a
muitos séculos. Foi grande fineza e não foi única. S. Pedro, que tem as
chaves do céu, abriu-nos as portas dele, fez-nos entrar, e depois de tocar-
nos com o báculo, recitou alguns versículos da sua primeira epístola: “As
mulheres sejam sujeitas a seus maridos... Não seja o adorno delas o enfeite
dos cabelos riçados ou as rendas de ouro, mas o homem que está
escondido no coração... Do mesmo modo, vós, maridos, coabitai com elas,
tratando-as com honra, como a vasos mais fracos, e herdeiras convosco da
graça da vida...” Em seguida, fez sinal aos anjos, e eles entoaram um trecho
do cântico, tão concertadamente, que desmentiriam a hipótese do tenor
italiano, se a execução fosse na terra; mas era no céu. A música ia com o
texto, como se houvessem nascido juntos, à maneira de uma ópera de
Wagner. Depois, visitamos uma parte daquele lugar infinito. Descansa que
não farei descrição alguma, nem a língua humana possui formas idôneas
para tanto. (Dom Casmurro, pág.219)

O início desse capítulo aborda um aspecto muito conhecido do Romantismo, que é a ideia
do “felizes para sempre” apresentada na frase “sejamos felizes de uma vez”. Logo,
Machado se apresenta como simpático a corrente Romântica ao apresentar o clímax da
obra no relacionamento entre Bentinho e Capitu. Outro ponto discutido nesse trecho e em
vários momentos de suas obras é a crítica ao sistema religioso de sua época. Nesse
trecho acima, Machado trata, em forma de crítica, de um ponto muito forte do sistema,
sobretudo, católico, que é a respeito da submissão da mulher ao seu marido, apresentado
em “As mulheres sejam sujeitas a seus maridos”. Nessa mesma esteira, os homens
devem amar suas esposas e protegê-las, mas sempre com o seu posicionamento firme,
como na visão patriarcal de liderança na família.
Todavia, embora Machado apresente essa critica a esse posicionamento subserviente, as
mulheres sem suas obras jamais tiveram um papel de menor importância na literatura
machadiana. Pelo contrário, elas são mais fortes, mais preponderantes e íntegras do que
os homens. É o caso desse romance entre Bentinho e Capitu, pois em vários momentos
da obra, Capitu se apresenta com uma mulher firme e corajosa, mesmo quando tem que
ir embora com seu filho.

Para Machado de Assis, o Realismo é uma fonte de pessimismo, aquilo que só consegue
enxergar o que há de podre na sociedade. O Realismo apresenta o apodrecimento das
instituições, das relações dos homens e dos valores. No entanto, há método dentro de
olhar realista ao ver o apodrecimento em tudo, o que talvez possa ser um sentimento de
compaixão. Uma vez apresentada a realidade decaída das coisas, o realista surge como
um salvador dessa realidade miserável. Logo, dado o caos que se encontra a sociedade,
o realista aparece como alguém com respostas satisfatórias a essa decadência. Diante
disso, o Realismo busca salvar a sociedade da lama e do caos, para a transformar em
uma realidade melhor.

Na época da obra “O Alienista”, por exemplo, havia um grande debate a respeito de ir se


abolindo a escravidão aos poucos, uma vez que estava em pauta a proposta do “Ventre
Livre”. Machado de Assis se posicionava ao lado dos escravos e desejava, portanto,
liberdade para os oprimidos escravos. Diante desse cenário, Gustavo Bernardo escreveu
em seu livro intitulado “O Problema do Realismo de Machado de Assis” que uma
possibilidade de leitura em “O Alienista” é a de “liberdade versus escravidão” dentro da
oposição entre sanidade versus loucura, uma vez que o asilo do conto retrata uma
privação de liberdade daqueles considerados, arbitrariamente loucos (O Que Diz
Machado de Assis – pág.6). E isso só foi possível graças ao demasiado poder da ciência
e da política ao permitir que se fizesse arbitrariedades.

Ainda no conto “O Alienista”, Machado de Assis apresenta sua crítica ao Realismo,


representado por sua crítica à ciência. Na obra, o personagem Simão Bacamarte é um
cientista demasiadamente egocêntrico ao se apresentar como representante da ciência
positivista. Os objetivos da ciência ao querer trazer cura ao problema da loucura são
buscados de forma insana. Ao findar a obra, o personagem Simão cria o critério de
prender na casa Verde somente os que tivesse em perfeito juízo. Diante disso, ele mesmo
se prende no asilo. Logo, nessa obra se percebe que Simão, representante da ciência,
sempre estará certo, mesmo quando estar errado. Nessa obra, o realismo representa a
ciência, e a crítica reflete na pretensão salvadora dos realistas.

“Quem considera Machado de Assis realista desconsidera, como se não


tivesse lido, a caricatura do realista encarnado no personagem Simão
Bacamarte, aquele que sempre estava certo e era o único a estar mesmo
quando se percebia completamente errado” (O que Diz Machado de Assis –
pág.7).

Para um realista, a realidade será sempre má e ele sempre a verá como ela é;
diferentemente dos demais mortais. Nesse sentido, o realista é alguém bom que tem
condições para ajudar a todos. No entanto, Machado de Assis não pode ser cpnsiderado
realista, uma vez que ele pensa diferente disso. No ensaio “A Nova Geração”, Machado
chega a dizer que “a realidade é boa, o realismo é que não presta para nada”(Machado
de Assis 1879:239). Logo, Machado, em suas obras, se mostrou mais simpático a
corrente Literária Romântica do que ao Realismo.
CONCLUSÃO
Neste trabalho foi feita uma discussão a respeito do conto de Machado de Assis “O
Alienista”. Foi levantado três pontos que, provavelmente, seja os principais pontos a ser
estudado nesse conto, a saber: O ALIENISTA E O INSÓLITO, LOUCURA NO ALIENISTA
COMO ESTRUTURA DE PODER e O PROBLEMA DO REALISMO. Diante desses
pontos, foi levantado aspectos relevantes para o aprofundamento do entendimento
desses temas apontados.

Em primeiro lugar, foi possível perceber a relação entre o conto e o insólito, uma vez que
quase tudo o que cerca “O Alienista” é insólito. O insólito se manifesta no conto,
sobretudo, no projeto de fazer um asilo para loucos, em uma época que ainda não havia
nada parecido até então no conto. A Casa Verde se torna um local estranho e repleto de
polêmicas. Além disso, o insólito se manifesta nas estruturas de poder, nas relações de
amizade e com a religiosidade, como a cada nova teoria do médico Simão Bacamarte. O
desfecho da obra “O Alienista” também é bastante insólito, uma vez que Simão deixa toda
a sua pompa de ilustre médico que viera da Europa, muito estudioso e que parecia estar
acima dos demais mortais se tranca no próprio asilo que criou. Em poucos meses, ele
vem a falecer dentro do próprio asilo.

Em segundo lugar, o asilo no conto chamado de Casa Verde representa uma crítica de
Machado de Assis ao cientificismo positivista de sua época. Machado critica o
posicionamento higienista da ciência de sua época. Nesse ponto, foi feito uma leitur
comparada com o livro de Michel Foucault “A História da Loucura na Idade Clássica”,
onde é lançado luz acerca da história da loucura. Nessa obra de Foucault, ele faz uma
anamnese de quando começou a fazer internações, que foi, inicialmente, com os
leprosos, depois os pobres e, por fim, os loucos. O texto conclui esse tópico afirmando
que a crítica machadiana afirma que a Casa Verde representa uma estrutura de poder
autoritária além de criticar a ciência falha e arbitrária de sua época.

Em terceiro lugar, o texto discutiu a respeito do problema que é definir Machado de Assis
como se ele fosse simplesmente um autor realista. Todavia, não é inteligente afirmar ser
realista Machado de Assis, uma vez que, em alguns comentários, o próprio autor faz
críticas pesadíssimas ao realismo, como também vem a afirmar que o realismo não presta
para nada. Além disso, há trechos românticos em sua literatura e também o autor já
afirmou que a realidade é boa (o que um bom realista nunca afirmará).

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