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Os perigos e prejuízos da cisticercose bovina

A cisticercose bovina é a doença de maior prevalência nos abates sob Inspeção Federal em Minas Gerais e no
Brasil. Além de sua importância para a saúde pública, por ser uma zoonose, também é responsável por um
grande volume de perdas e prejuízos para produtores e frigoríficos, decorrentes de condenações e
aproveitamento condicional das carcaças, depreciando seu valor comercial.

A cisticercose é uma zoonose que se expressa de duas formas distintas: uma parasitose intestinal, a teníase,
acometendo o homem e uma parasitose extra-intestinal, a cisticercose, provocada pela presença da forma
larvária nos tecidos de bovinos, suínos e do próprio homem. As cisticercoses animais e a teníase e
cisticercose humanas são importantes entidades do ponto de vista médico-veterinário e de saúde pública,
apresentando distribuição mundial e sendo conhecidas desde a antiguidade. Alguns fatores são determinantes
para o complexo teníase-cisticercose, como baixas condições sócio-econômicas da população, saneamento
básico precário, falta de orientação quanto aos hábitos de alimentação e de higiene pessoal, criação de
animais sem adequadas condições de higiene e em grande proximidade com o homem, precariedade e
ineficiência dos serviços de inspeção e de vigilância sanitária e ainda o elevado comércio clandestino de
carnes.

A cisticercose bovina é a fase larvar do ciclo da Taenia saginata, que, em estágio adulto, é um parasito do
intestino do ser humano (solitária). O bovino, hospedeiro intermediário, infecta-se ao ingerir o ovo da Taenia
saginata na água e pastagem contaminadas por fezes do ser humano parasitado. Após a ingestão do ovo, há a
liberação da larva, que se instala em diferentes órgãos e tecidos, tendo predileção por tecidos com alta
irrigação sanguínea, como cérebro e músculos. Ocorre então a formação de uma vesícula (cisto), contendo
em seu interior a larva Cisticercus bovis. O homem é um elo essencial na epidemiologia da teníase-
cisticercose , pois é o único hospedeiro definitivo da Taenia saginata, infectando-se através da ingestão de
carne bovina crua ou mal cozida com cisticercos viáveis, não inspecionada. A larva vai evoluir a verme
adulto, com o ser humano adquirindo a teníase, fechando o ciclo de vida do parasito. Um homem infectado
pode eliminar milhões de ovos ao dia, que podem sobreviver nas pastagens por vários meses. A teníase
provoca distúrbios digestivos e requer tratamento específico.

O complexo teníase-cisticercose é um grave problema de saúde pública particularmente nos países em


desenvolvimento. Em diversas regiões da Ásia, África e América Latina, os bovinos são criados em regime
extensivo e as condições de higiene da população são precárias, e a incidência de infecção por Taenia
saginata pode ser superior a 20%. Já em países da Europa, América do Norte, Austrália e Nova Zelândia,
onde as condições de saneamento básico e educação sanitária são mais evoluídas, bem como o serviço de
inspeção, a prevalência da cisticercose é baixa, atingindo menos de 1% das carcaças examinadas.

O diagnóstico da cisticercose bovina é realizado durante a inspeção post mortem que ocorre durante o abate
nos matadouros e consiste basicamente na avaliação visual macroscópica de cisticercos nos tecidos e órgãos
da carcaça, de acordo com o artigo 176 do Regulamento da. Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de
Origem Animal (RIISPOA), que determina a obrigatoriedade da inspeção para cisticercose no Brasil. A
inspeção das carcaças é feita rotineiramente mediante incisões praticadas em áreas consideradas de
predileção para o cisticerco, como coração, músculos da mastigação, língua, diafragma e seus pilares e
massas musculares da carcaça. A predileção do cisticerco por essas áreas está relacionada com o maior aporte
sanguíneo às mesmas, levando a um rico suprimento de mioglobina e taxas respiratórias mais elevadas.
Porém, a inspeção por si só não consegue detectar todos os cisticercos presentes na carcaça, uma vez que por
questões estéticas e comerciais, não são retalhados todos os órgãos, vísceras e músculos das carcaças, caso
contrário a depreciação da mesma seria muito grande.

Os prejuízos causados pela cisticercose são muitos, variando do aproveitamento condicional da carcaça

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(depois de submetida a algum tratamento específico) à condenação total (graxaria), acarretando enormes
prejuízos para produtores e frigoríficos. Além disso, prejudica ainda as exportações de carnes, uma vez que
os países importadores não aceitam carne de animais que tenham apresentado qualquer tipo de enfermidade
durante o abate. As perdas econômicas estão relacionadas à necessidade de condenação total ou
aproveitamento condicional da carcaça parasitada por cisticercos, conforme preconizado pelas normas
higiênico-sanitárias do Serviço de Inspeção Federal, para proteção da saúde dos consumidores.

Quando são encontrados cistos vivos apenas nas vísceras, as carcaças são destinadas são destinadas ao
tratamento pelo frio (15 dias na câmara de congelamento a –18 oC), sendo as carcaças submetidas a esse
tratamento remuneradas normalmente, sem deságio. Porém, são necessários dois dias para o congelamento de
15 dias de estocagem obrigatória, de maneira que o produto é comercializado com deságio de 20% no valor
do traseiro com osso e de 15% no valor do dianteiro com osso. Para um abate mensal de 12.000 cabeças e um
índice médio de 1,5% de carcaças congeladas, o prejuízo pode chegar a R$ 232.000,00. Quando os cistos são
encontrados na carcaça, ela é destinada a conserva (carne do tipo indústria, imprópria para consumo humano
in natura), apresentando deságio de cerca de 65%.

O uso de fossas higiênicas para evitar que as fezes humanas infectem as pastagens, o tratamento de esgotos e
adequado saneamento básico, para que não se contaminem rios e o combate ao abate clandestino estão entre
as principais medidas de prevenção de caráter sanitário. Além disso, educação sanitária à população e
orientações quanto ao consumo de carne bem cozida também são necessárias para controle da doença.

Com relação à saúde pública, fatores econômicos, culturais e religiosos tendem a expor mais ou menos certas
classes sociais à doença. Em humanos, a cisticercose pode trazer danos irreversíveis ao seu hospedeiro, pela
possibilidade de desenvolver manifestações de caráter neurológico, principalmente a neuro-cisticercose, que
é responsável pela morte de 50.000 pessoas por ano em todo o mundo, segundo a Organização Mundial de
Saúde. Além disso, um número bem maior de pessoas sobrevive apresentando grandes complicações ou
seqüelas neurológicas. Dados epidemiológicos têm demonstrado que em pacientes portadores de doenças
psiquiátricas, a prevalência da cisticercose chega a 12,% e que de cada 100.000 pessoas no mundo, 100
apresentam neuro-cisticercose e 30 apresentam cisticercose ocular. Entretanto, os dados epidemiológicos
disponíveis são baseados fundamentalmente no levantamento de casos de serviços especializados de
neurologia, neurocirurgia ou de tomografia computadorizada, não refletindo a verdadeira prevalência
populacional. O diagnóstico da neuro-cisticercose baseia-se na história epidemiológica do paciente, associada
a quadro neurológico de crises convulsivas, cefaléia, síndrome de hipertensão intracraniana e/ou alterações
psiquiátricas. No Brasil, a neuro-cisticercose é endêmica principalmente nos estados de São Paulo, Minas
Gerais, Paraná e Goiás.

Dessa forma, sendo a cisticercose um problema de saúde pública e também responsável por grandes perdas
econômicas, a mesma não pode ser desconsiderada nem pelos órgãos públicos fiscalizadores e nem pela
população.

Principais Referências Bibliográficas

MIRANDA, Z. B. Inspeção de produtos de origem animal. Revista CFMV, n.26, p. 21-26, agosto 2002.

QUEIROZ, R. P. V., SANTOS, W. L. M., BARBOSA, H. V., SOUZA, R. M., SANTOS FILHO, A. M. P. A
importância do diagnóstico da cisticercose bovina. Revista Higiene Alimentar, v.11, n.77, p.12-15, 2000.

Combate à cisticercose ganha novo impulso. Revista DBO Rural, p. 134-136, junho-2000.

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