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FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

Universidade Estadual de Campinas

RESENHA – A GRANDE PRAGA DAS CIDADES


CONTEMPORÂNEAS: A PROBLEMÁTICA DOS PROJETOS DE
REVITALIZAÇÃO DOS CENTROS URBANOS E URBANIZAÇÃO
COM BASE NOS MODELOS PROPOSTOS NO SÉCULO XIX

REFERÊNCIA - JACOBS, Jane. Morte e Vida das Grandes Cidades.


Editora Random House, Nova York, 1961. Versão brasileira tradução por
ROSA, Carlos S. Mendes. Editora Martins Fontes, 2000, p. 510.

Crygor Rian dos S. Lima – 169139

AU601 – Fundamentos do Urbanismo

Mogi das Cruzes, 06 de julho de 2021


Introdução

Após a grande explosão demográfica que se deu nas cidades industriais,


principalmente na Inglaterra, do século XIII para o século XIX, os centros urbanos, que
atraíam milhares e milhares de pessoas em busca de condições melhores de trabalho e
vida, viram suas ruas se tornarem grandes telespectadores, ou até mesmo causadores, de
grandes problemas. Por falta de planejamentos urbanos, a população dos operários sofria
de maneira direta as consequências da falta de saneamento básico, a pobreza extrema, a
violência, e tudo isso agravado pela proliferação de doenças, como a Febre Amarela. A
partir dessas problemáticas, muitos “modelos” de cidades ideias começaram a ganhar
força, até de fato saírem dos papéis e darem origem aos primeiros modelos de cidades
planejadas. Alguns dos mais famosos e replicados ideais de cidades são os conceitos de
Cidade-Jardim (Ebenezer Howard, 1898) e a Cidade-Linear (Arturo Sorya y Mata, 1894),
que, posteriormente, serviram de base para os projetos urbanos de Le Coboursie (como a
Unité d’Habitation) e entre outro.

No entanto, revestidas de um disfarce estético e de uma superficialidade advindas dos


precários estudos do funcionamento das relações sociais-urbanas, essas teorias do
urbanismo, aplicadas e replicadas cada vez mais ao longo do século XX, fizeram brotar
problemas ainda mais profundos e enraizados dos nossos centros urbanos, sejam eles
grandes metrópoles ou pacatos bairros residenciais. Problemas não só que continuaram
mesmo após as reformas urbanas, mas que, refutando todas as teorias especulativas,
pioraram ainda mais. Problemas esses principalmente relacionados à violência,
insegurança, luta de classes, etc. E são esses problemas, mais profundos e enraizados,
que, através das suas consequências, vão aos poucos causando a morte das cidades e
bairros. São esses problemas degenerativos, causados por essa “praga” da
superficialidade, que serão observados de perto, estudados e relatados pela escritora,
jornalista e ativista política do Canadá Jane Jacobs (Scranton, 4 de maio de 1916 –
Toronto, 25 de abril de 2006), juntamente com críticas severas aos modos de se olhar e
planejar as cidades contemporâneas, através do livro Morte e Vida das Grandes Cidades
(Nova York, 1961). Como diagnosticar a verdadeira doença dos centros urbanos? Como,
de fato, pensar um projeto eficaz, capaz de solucionar essas patologias?
A Morte disfarçada de Vida

Para entender de maneira mais alumiada o pensamento por trás desses grandes
modelos de cidades contemporâneas, deve-se observar o período em que foram
desenvolvidas. Diante do caos causado pela aglomeração de pessoas doentias nas ruas
insalubres, em uma espécie de Jogos Vorazes, onde se estabelecia uma luta incessante
por recursos básicos à sobrevivência, uma grande onda de violência e vandalismo,
epidemias, tudo atrelado juntamente às inovações tecnológicas automobilísticas, que
tomavam as ruas e aumentavam ainda mais a pressão nesta caldeira prestes à explodir, a
grande visão que se cria, observando de fora, é que o problema central são as relações
entre as pessoas, entre o desconhecido, e a separação de classes. Logo, como ideais de
soluções, surge o modelo que separa as grandes funções da cidade em setores específicos
no território, áreas residenciais baseadas no conceito de fuga da grande cidade para o
pacífico meio rural (de onde surge o conceito medonho de que “todos os problemas se
resolvem com áreas verdes bonitinhas”), resumindo a circulação e a função das cidades
como lugar de trabalhar, comprar, voltar para a casa e, quem sabe, tirar um momento de
lazer nas áreas verdes. Exclui-se totalmente a possibilidade socialização básica necessária
para um bom convívio.

Diante desse conceito de “não se misturar”, as funções da cidade foram sendo cada
vez mais encurtadas, e sua rede de socialização cada vez mais excluída, cada vez mais
superficial, principalmente com o advento dos conjuntos habitacionais, diversas vezes
criticados por Jane ao longo da obra. No entanto, o que deveria solucionar os problemas,
revela, na realidade, seu crescimento graças à negligência por parte dos urbanistas em
relação à observação da cidade, que se deu de maneira totalmente metafísica, teórica,
utilizando até mesmo de um “achismo inteligente” ao invés de experiências empíricas e
estudos de campo, como diz Jane:

As cidades são um imenso laboratório de tentativa e erro, fracasso e


sucesso, em termos de construção e desenho urbano. É nesse
laboratório que o planejamento urbano deveria aprender, elaborar e
testar suas teorias. Ao contrário, os especialistas e os professores
dessa disciplina (se é que ela pode ser assim chamada) têm ignorado
o estudo do sucesso e do fracasso na vida real, não têm tido
curiosidade a respeito das razões do sucesso inesperado e pautam-se
por princípios derivados do comportamento e da aparência de
cidades, subúrbios, sanatórios de tuberculose, feiras e cidades
imaginárias perfeitas – qualquer coisa que não as cidades reais.
Logo, cria-se uma sociedade desinteressada em socializar, uma vizinhança de
estranhos, que decidem por não criar laços para que sua individualidade e a segurança de
sua família não sejam prejudicadas, como argumenta Jane, dando como exemplo as
relações de um conjunto residencial de Nova York:

Em lugares da cidade que careçam de uma vida pública natural e


informal, é comum os moradores manterem em relação aos outros um
isolamento extraordinário. Se o mero contato com os vizinhos implica
que você se envolva na vida deles, ou eles na sua, e se você não puder
selecionar seus vizinhos como a classe média alta costuma fazer, a
única solução lógica que resta é evitar a amizade ou o oferecimento
de ajuda eventual. É melhor manter-se bem afastado. O resultado
disso na prática é que se deixam de realizar as obrigações públicas
comuns – como cuidar das crianças –, nas quais as pessoas precisam
ter um pouco de iniciativa pessoal, ou aquelas em que é preciso
associar-se por um propósito comum. O fosso que essa situação abre
atinge proporções incríveis.

Com a problemática dessas sociedades dessocializadas, surgem as ruas anônimas,


monótonas, desprovida dos olhares, que passam a servir como palco para as mais diversas
atrocidades, atos de vandalismos e violência. Sim, os locais que eram para ser de paz e
harmonia, os locais habitados majoritariamente, no começo, pela classe média-alta, se
tornam os locais mais indesejados e perigosos. Isso ocorre porque a socialização é a base
primária da sociedade, a segurança parte da confiança que a vizinhança passa, e isso só é
possível a partir das relações criadas corriqueiramente ao longo do cotidiano trajeto
urbano, e da ação dos chamados “indivíduos públicos”. Essas são funções básicas, que
devem ser exercidas da maneira mais natural e informal possível. A segurança do lugar
será feita pelos que ali estão, e não por uma imposição rigorosa, que acarretaria em um
verdadeiro pavilhão penitenciário disfarçado de segurança e liberdade.

Ao longo do discurso, Jacobs utiliza de diversos exemplos dessa boa cidadania que
infere diretamente na qualidade de vida naqueles determinados locais, até mesmo
acontecimentos corriqueiros do seu conjunto habitacional Greenwich Village, para
ilustrar os seguintes conceitos que devem estar presentes, e para isso pressupõe um bom
planejamento urbano por parte dos projetistas, para que haja uma verdadeira revitalização
dos centros urbanos, para que eles hajam verdadeiramente vida:
Em lugares da cidade que careçam de uma vida pública natural e
informal, é comum os moradores manterem em relação aos outros um
isolamento extraordinário. Se o mero contato com os vizinhos implica
que você se envolva na vida deles, ou eles na sua, e se você não puder
selecionar seus vizinhos como a classe média alta costuma fazer, a
única solução lógica que resta é evitar a amizade ou o oferecimento
de ajuda eventual. É melhor manter-se bem afastado. O resultado
disso na prática é que se deixam de realizar as obrigações públicas
comuns – como cuidar das crianças –, nas quais as pessoas precisam
ter um pouco de iniciativa pessoal, ou aquelas em que é preciso
associar-se por um propósito comum. O fosso que essa situação abre
atinge proporções incríveis.

Estes elementos urbanos, como uma vizinhança com comércios que funcionem dia e
noite, residências, indivíduos públicos, etc., são a grande chave para um local realmente
prático, seguro e agradável. Geralmente essa verdadeira revitalização parte não dos
poderes públicos, pois não enxergas essas como soluções, mas partem da cooperação
entre a vizinhança, como ocorreu, de acordo com Jane, em North End (anteriormente um
bairro taxado como perdido, marginalizado, que se tornou posteriormente um local
agradável, atraindo interesses de pessoas até mesmo da alta classe).
Não se trata de construir ruas orgânicas, boulevards ou praças, playgrounds e espaços
verdes, pois o que constrói um bom lugar urbano é o fato de ele atrair os olhares através
da movimentação, induzir á encontros corriqueiros informais onde se criam laços
públicos de socialização, trata-se de ver a cidade, a rua, a calçada como uma grande escola
de formação e construção, e não como a destruidora e depravadora máquina de
marginalização e vandalismo, e para isso é de suma importância um estudo verdadeiro,
observar de perto, adentrar na cidade real, palpável, e não permanecer preso nos ideais
imaginários especulativos.
Logo, pode-se concluir que Jane Jacobs, através de seus estudos, não nos oferece, de
forma alguma, um modelo de cidade ou metrópole, uma vez que é justamente isso o
grande vilão da urbanização. Ela nos induz a adentrar a cidade real e estuda-la na sua
particularidade (a própria autora pontua, diversas vezes, que cada espaço tem suas
diversas peculiaridades a serem estudadas, logo não deveríamos tomar como pressuposto
“soluções generalizadas”), para que se possa projetar as melhores soluções para a
população determinada do determinado local. Por mais que sejam apresentados conceitos
que devem sem observados de maneira geral nos centros urbanos, deve-se sempre
observar que cada vizinhança, cada população comporta-se de maneira diferente, são
formados de maneiras diferentes, levando-nos a entender que as medidas aplicadas em
metrópoles nem sempre se aplicam em cidades pequenas, soluções aplicadas nos bairros
de Nova York podem não funcionar nos bairros de São Paulo. Isso induz os pesquisadores
e projetistas a saírem de sua zona e conforto e colocarem “a mão na massa”, buscando
sempre as melhores aplicações e intervenções funcionais para as cidades urbanas. Há uma
grande fonte de vida nas grandes cidades, retrato da vitalidade da própria sociedade que
a utiliza.

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