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Para entender de maneira mais alumiada o pensamento por trás desses grandes
modelos de cidades contemporâneas, deve-se observar o período em que foram
desenvolvidas. Diante do caos causado pela aglomeração de pessoas doentias nas ruas
insalubres, em uma espécie de Jogos Vorazes, onde se estabelecia uma luta incessante
por recursos básicos à sobrevivência, uma grande onda de violência e vandalismo,
epidemias, tudo atrelado juntamente às inovações tecnológicas automobilísticas, que
tomavam as ruas e aumentavam ainda mais a pressão nesta caldeira prestes à explodir, a
grande visão que se cria, observando de fora, é que o problema central são as relações
entre as pessoas, entre o desconhecido, e a separação de classes. Logo, como ideais de
soluções, surge o modelo que separa as grandes funções da cidade em setores específicos
no território, áreas residenciais baseadas no conceito de fuga da grande cidade para o
pacífico meio rural (de onde surge o conceito medonho de que “todos os problemas se
resolvem com áreas verdes bonitinhas”), resumindo a circulação e a função das cidades
como lugar de trabalhar, comprar, voltar para a casa e, quem sabe, tirar um momento de
lazer nas áreas verdes. Exclui-se totalmente a possibilidade socialização básica necessária
para um bom convívio.
Diante desse conceito de “não se misturar”, as funções da cidade foram sendo cada
vez mais encurtadas, e sua rede de socialização cada vez mais excluída, cada vez mais
superficial, principalmente com o advento dos conjuntos habitacionais, diversas vezes
criticados por Jane ao longo da obra. No entanto, o que deveria solucionar os problemas,
revela, na realidade, seu crescimento graças à negligência por parte dos urbanistas em
relação à observação da cidade, que se deu de maneira totalmente metafísica, teórica,
utilizando até mesmo de um “achismo inteligente” ao invés de experiências empíricas e
estudos de campo, como diz Jane:
Ao longo do discurso, Jacobs utiliza de diversos exemplos dessa boa cidadania que
infere diretamente na qualidade de vida naqueles determinados locais, até mesmo
acontecimentos corriqueiros do seu conjunto habitacional Greenwich Village, para
ilustrar os seguintes conceitos que devem estar presentes, e para isso pressupõe um bom
planejamento urbano por parte dos projetistas, para que haja uma verdadeira revitalização
dos centros urbanos, para que eles hajam verdadeiramente vida:
Em lugares da cidade que careçam de uma vida pública natural e
informal, é comum os moradores manterem em relação aos outros um
isolamento extraordinário. Se o mero contato com os vizinhos implica
que você se envolva na vida deles, ou eles na sua, e se você não puder
selecionar seus vizinhos como a classe média alta costuma fazer, a
única solução lógica que resta é evitar a amizade ou o oferecimento
de ajuda eventual. É melhor manter-se bem afastado. O resultado
disso na prática é que se deixam de realizar as obrigações públicas
comuns – como cuidar das crianças –, nas quais as pessoas precisam
ter um pouco de iniciativa pessoal, ou aquelas em que é preciso
associar-se por um propósito comum. O fosso que essa situação abre
atinge proporções incríveis.
Estes elementos urbanos, como uma vizinhança com comércios que funcionem dia e
noite, residências, indivíduos públicos, etc., são a grande chave para um local realmente
prático, seguro e agradável. Geralmente essa verdadeira revitalização parte não dos
poderes públicos, pois não enxergas essas como soluções, mas partem da cooperação
entre a vizinhança, como ocorreu, de acordo com Jane, em North End (anteriormente um
bairro taxado como perdido, marginalizado, que se tornou posteriormente um local
agradável, atraindo interesses de pessoas até mesmo da alta classe).
Não se trata de construir ruas orgânicas, boulevards ou praças, playgrounds e espaços
verdes, pois o que constrói um bom lugar urbano é o fato de ele atrair os olhares através
da movimentação, induzir á encontros corriqueiros informais onde se criam laços
públicos de socialização, trata-se de ver a cidade, a rua, a calçada como uma grande escola
de formação e construção, e não como a destruidora e depravadora máquina de
marginalização e vandalismo, e para isso é de suma importância um estudo verdadeiro,
observar de perto, adentrar na cidade real, palpável, e não permanecer preso nos ideais
imaginários especulativos.
Logo, pode-se concluir que Jane Jacobs, através de seus estudos, não nos oferece, de
forma alguma, um modelo de cidade ou metrópole, uma vez que é justamente isso o
grande vilão da urbanização. Ela nos induz a adentrar a cidade real e estuda-la na sua
particularidade (a própria autora pontua, diversas vezes, que cada espaço tem suas
diversas peculiaridades a serem estudadas, logo não deveríamos tomar como pressuposto
“soluções generalizadas”), para que se possa projetar as melhores soluções para a
população determinada do determinado local. Por mais que sejam apresentados conceitos
que devem sem observados de maneira geral nos centros urbanos, deve-se sempre
observar que cada vizinhança, cada população comporta-se de maneira diferente, são
formados de maneiras diferentes, levando-nos a entender que as medidas aplicadas em
metrópoles nem sempre se aplicam em cidades pequenas, soluções aplicadas nos bairros
de Nova York podem não funcionar nos bairros de São Paulo. Isso induz os pesquisadores
e projetistas a saírem de sua zona e conforto e colocarem “a mão na massa”, buscando
sempre as melhores aplicações e intervenções funcionais para as cidades urbanas. Há uma
grande fonte de vida nas grandes cidades, retrato da vitalidade da própria sociedade que
a utiliza.