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A REVELAÇÃO EXCLUSIVA

EM JESUS CRISTO
NUMA REALIDADE RELIGIOSA
PLURALISTA
Euler R. Westphalr

Este artigo se propõe abordar a compreens


analogia entis [analogia do ser] e da analogia fidei [an
da fé] na célebre discussão entre E. Brunner e K. Bar
sua importância para a questão do pluralismo religio
atualidade.

INTRODUÇÃO
A preocupação com questão da exclusividade da
ção em Jesus Cristo é atual na discussão teológica e a
mo tempo não é algo completamente novo no cenário da
gia cristã. Especialmente no período posterior o raciona
questionou-se declaradamente aquilo que o regime de C
dade havia sufocado por longo período da história da
Antiga e ao longo da Idade Média. Perguntou-se pela
midade da reivindicação da exclusividade de Jesus
como único Senhor e Salvador para toda a humanidade
Lembramos da critica de G. E. Lessing quando
das três religiões positivas de revelação, postulando q
cristã seria uma religião positiva, revelada, como to
outras — portanto, igualmente verdadeira e igualmente
Segundo Lessing, a melhor religião é aquela que inc
mais elementos da religião natural. A essência da re
está contida em todas elas, a vida eterna está dentro de
elas, e o ser humano sincero descobrirá a verdade a seu
Para Lessing, o Cristianismo apresenta a religiã
madura, mas todas as religiões reveladas desaparec
medida em que a religião da razão se impuser. Este t
pensamento temos mais tarde em Schleiermacher, o
Teologia Liberal, que inspirou toda uma geração de teólo
Nas últimas décadas a questão do relativismo
lógico vem à tona com toda a força. Já no inicio do sécu

*Euler R. Westphall é professor de Teologia no CETEOL, C


Ensino Teológico em São Bento do Sul, SC, e está na fase de prepa
sua tese de doutoramento em Teologia no IEPG, São Leopoldo, RS.
—115—
Há novamente uma grande preocupação da
com a revelação. Pergunta-se pela possibilidade de h
revelação natural que possa ser depreendida das e
ontológicas, fora do círculo cristológico. Neste s
discussão entre Karl Barth e Emil Brunner pa
relevante na busca por pistas que apontem para r
diante dos novos desafios para a comunidade de Jesu
Estas reflexões divisam entender a questão da
como método de articulação teológica. Colocam
modelos diferentes de analogia em discussão, a analo
— analogia que parte do ser das coisas, postulada
Brunner e a analogia fidei — a analogia que tem a
como ponto de partida, postulada por Karl Barth.
Barth e Brunner foram companheiros de ca
no início da teologia dialética. Esta se colocou fron
contra a teologia liberal de matiz racionalista que pri
revelação natural. Segundo a concepção da teologia
lista, Deus se revela de forma salvífica no âmbito da
no espaço da existência humana, da cultura e da his
A teologia dialética, representada por Barth, B
Tillich, entre outros, afirmava que Deus é Deu
humano, enquanto criatura, é incapaz de reconhe
por meio de suas habilidades humanas. Para os teó
questão, Deus somente pode ser reconhecido em Jesu
Brunner era suíço, nascido em 23 de dezembro
Atuou a maior parte da sua vida na Suíça, mas tamb
na Alemanha, Inglaterra, EUA e Japão. Ocupou-se s
com a questão da relação entre fé e ciência, teologia e
pois sua preocupação estava orientada pela real
pensamento secularizado de sua época. Brunner dei
obra muito rica, vindo a falecer em 1966 na cidade de
Brunner tornou-se mais conhecido nos países anglo
também em virtude do perfeito domínio da língua ing
Barth, por sua vez, influenciou a teologia nos
língua alemã ao longo de várias décadas. Nasceu e
maio de 1886 em Basiléia, Suíça. Digno de nota foi a
tência ao nacional-socialismo [nazismo] durante o go
Hitler. Quando Hitler assumiu o poder em 1933, B
professor de Teologia Sistemática em Bonn e foi um
cipais articuladores da Igreja Confessante, a qual s

3Battista Mondin, Os Grandes Teólogos do Século Vinte


gos Protestantes e Ortodoxos (SP: Paulinas, 19872), trad. José
11:49-64; Heinz Zahrnt, Die Sache mit Gott. Die protestantische
im 20. Jahrhunclert (Muniqüe: Deutscher Taschenbuch, 19804), 5
expulso da Alemanha, estabelecendo-se em sua cida
Em 10 de dezembro de 1968 Karl Barth faleceu em Bas

I. A INTENÇÃO DA DISCUSSÃO ENTRE


BARTH E BRUNNER

Partimos da compreensão da teologia


apresentada em forma de tese por Emil Brunner
tratado "Natur und Gnade"5 [Natureza e Graça] e da
de Karl Barth encontrada no artigo sob o título "Nein!
Karl Barth e Emil Brunner foram companheiro
os inícios do movimento da teologia dialética. Havia
teológicos convergentes entre ambos, tanto na conco
como na distinção de conceitos teológicos. Emil B
diferente de Karl Barth, nunca negou a teologia natur
ela a analogia entis. Este foi um dos aspectos disco
entre os dois teólogos suíços:1
Brunner escreveu em 1934 o ensaio "Natur und
explicando que se tratava de um diálogo com Karl
Barth prontamente respondeu com seu artigo "Ne
prefácio do mesmo, datado de 13 de outubro de 193
reafirma suas críticas a Brunner, dizendo que ele
participando daquilo que ameaçava a Igreja.8
O tom enfático da negativa de Barth logo se evid
sua "Introdução Irada".18 Essa sua ira é condiciona
afirmação de Brunner no final do seu artigo: "A tarefa

4/bid., 15-17, 91-133.


5Emil Brunner, "Natur und Gnade — Zum Gesprãch
Barth", e "`Dialektische Theologie' in Scheidung und Bewãhr
1936" em W.Fürst (ed.),Theologische Bücherei. Neudrucke un
aus dem 20. Jahrhundert. Systematische Theologie (Muniqu
Verlag, 1966), 34:169-207.
6Karl Barth, "Nein! — Antwort an Emil Brunner" e "Di
Thenlogie'in Scheidung und Bewãhrung 1933-1936" em W. F
Theologische Bücherei. Neudrucke und Berichte aus
Jahrhundert. Systematsche Theologie (Munique: Kaiser Verl
34:208-258.
7Apresentamos as duas posições teológicas, colocando
seis teses de Brunner e na contestação de Barth.
8Brunner, "Natur und Gnade", 169.
6/bid., 208ss,
16/bid., 210ss.
da a compreender a revelação como graça e a graça
revelação. Em conseqüência disso, a sua geração de teó
deveria afastar-se resolutamente de toda teologia na
quer seja ela errada ou correta. Karl Barth se distan
Brunner a partir do momento em que este defende o "po
contato" como tarefa da teologia.
Emil Brunner apresenta em seis teses, segundo
ponto de vista, o resumo das falsas conclusões de Bar
relação à teolo-gia natural. Brunner, até mesmo observ
Barth nunca tratou dessa problemática de maneira exp
como uma questão pertencente ao todo da dogmática.12
Barth diz que a teologia natural não é um tema
nomo a ser tratado nem sequer para sua rejeição. O te
não deve se envolver com a teologia natural. Ela soment
ser encarada com medo e indignação pois constitui-se
tentação e fonte do erro. Para Barth, a partir do momen
que a própria rejeição da teologia natural se tornar in
sante, então o teólogo não está mais inserido na exis
teológica. A rejeição à teologia natural deve acontec
temor a Deus e em atitude de desinteresse último. Barth

Na verdadeira rejeição à teologia natural não se crava


olhos na serpente para não ser fitado novamente por el
ser hipnotizado e, assim, certamente deixar-se picar, mas
vê-la deve-se bater nela e matá-la com um bastão.13

II - A DISCUSSAO EM TORNO DA TEOLOGIA NATU

Emil Brunner procura colocar uma base comum


discussão, enfatizando a concordância entre ambo
questões fundamentais da teologia. Para eles, a prima
palavra de Deus e da revelação em Jesus Cristo como
salvador para o mundo e a justificação somente pe
excluindo outras fontes ou normas como a razão e a hi
seriam dados comuns.14

11Brunner, op. cit., 207.


12/bid., 172-175.
13Barth, op. cit., 215.
14Brunner, op. cit., 170ss.
suas teses fundamentando a teologia natura1.15
Barth com o crivo da analogia fidei, submet
declarações de Brunner18 a um rigoroso exame. Par
que aqui se concentra a discussão entre ambos. T
confronto entre a analogia fidei em Karl Barth e a a
entis em Emil Brunner.
Em relação à primeira tese de Brunner, Karl B
que o mesmo considera a imago Dei [imagem de Deu
sendo aquilo que diz respeito ao sentido formal, o ser
inserido no todo da criação. O humanum diz respeit
racionalidade e à sua responsabilidade.17 O ser h
permanece "sujeito reflexo" a partir do "sujeito ref
original, que é Deus. Como pecador ele é "sujeito refl
negação, mas este ser pecador não perdeu a capacid
diálogo com os seus semelhantes e com Deus. B
diferencia entre a imago formal e a material. No a
material a imago é totalmente pecadora, inclusive se
arbítrio foi perdido.18
Karl Barth suspeita que Brunner pudesse pe
forma sinergista quando este emprega a expressão "p
da revelação". Barth diz que Brunner não consegue
ciar o material do formal. A revelação poderia, então,
cer pela imago formal e não pela graça de Deus somen
Na segunda tese, Brunner entende que o ser h
tem a capacidade de reconhecer a Deus. O ser huma
sua capacidade de conhecer avariada, perturbada, m
não está destruída. A própria criação é auto-partic
revelação de Deus. Deus coloca seu selo sobre a sua
Segundo ele, o ser humano é indesculpável porque n
reconhecer este Deus. O pecado o cega para aquilo qu
colocado diante dos olhos pela criação de Deus. Para
existe uma revelação que se deriva da história. A p
revelação encontra-se na criação. A segunda é a revela
Jesus Cristo — esta transcende e ilumina a prime
duas revelações não constituem um problema teológi
sim, a definição da relação entre elas. De qualquer f

15/bid., 175-187.
16Barth, op. cit., 216-231.
17/bid., 217ss; Brunner, op. cit., 175ss.
15Brunner, op. cit., 176.
19j3arth, op. eii.,218, 219ss.
Barth suspeita que o ser humano, na concep
Brunner, tem seus olhos doentes, embora estes ain
estejam totalmente cegos. Poder-se-ia pensar que o ver
conhecimento de Deus aconteceria sem a revelação d
Considerando que houve perda total material da imago
em Brunner, Deus e a revelação seriam deuses e demô
Para Brunner, segundo Barth, o potencial h
para o conhecimento de Deus diz respeito ao verdadei
criador e justificador em Cristo e santificador p
Espírito. Barth critica a percepção de Brunner, de q
conhecimento seja tão indefinido e vago. Brunner e
repetidamente o termo alemão "irgendwie" (de uma o
maneira), o que manifestaria essa incerteza.21 De q
forma, o ser humano teria a capacidade de reconhec
sem Cristo e sem o Espírito Santo.
Barth dirige as suas críticas em forma de per
Para Brunner, segundo ele, a idolatria representaria u
estágio da adoração do Deus verdadeiro. O conhec
imperfeito de Deus poderia salvar, e este conhecimen
adquirido por meio da criação, sem Cristo e sem o E
Como ainda poder-se-ia afirmar que a imago mater
totalmente perdida e que nas questões referentes à pr
somente a Escritura é árbitro e que o ser humano nad
contribuir para a salvação?
Para Barth, Brunner encontra-se próximo da t
católica, pois apesar do pecado permanece ainda na im
potentia oboedientialis [a capacidade de obedecer
sentencia que aquilo que em Brunner é denominado
revelação, de fato, não é outra coisa que os deuses qu
mundo dos demônios e das idéias.22
Para Barth, a terceira tese da graça da conserva
Brunner seria uma abstração daquilo que se encontra
cria-ção e a salvação. Para Barth, as doutrinas da criaç
sua sus-tentação devem ser vistas à luz da redenção. A
da sustentação deve ser lida em relação à promess
cumprimento, da lei em relação ao Evangelho.23
Brunner entendia que na graça da suste
encontra-se o modo pelo qual Deus está próximo

20Brunner, op. cit., 177-180.


21Barth.,op. cit., 219s.
22/bid., 219, 241, 251.
"ibid., 222.
graça da sustentação da criação no estado e em tod
histórica. Ainda, a graça da sustentação não dis
atuação humana.24
Para Barth, estas argumentações significaria
fonte única do conhecimento estaria sendo obstruída.
mesmo, faz associações entre Brunner e os cristãos al
a ideologia do estado, tão atual e problemática no n
alemão.
Barth vê no sinergismo referente à graça da s
ção a existência da tradição agostiniana da identidad
ta do agir humano e divino e a tradição tomista
conjunta da causa materialis divina [causa materia
e da causa instrumentalis humana [causa instru
humana] 25
A insistência de Brunner com a graça da sust
desmereceria a sola gratia reformatória, além de com
ter a sola scriptura. Barth concorda com Brunne
graça de Jesus Cristo está a paciência de Deus, que d
ao arrependimento e sustenta e mantém o mundo e
nidade, e isto em função de Cristo, da Igreja e dos f
Deus. E por causa da graça que a humanidade e o mu
dos não estão em situação pior do que já encontram
afirma o seguinte: "A criação é, no seu conteúdo, ato e
verdadeiramente livre e imerecida graça do únic
dadeiro Deus".26
Na quarta tese, Brunner desenvolve a questão
enfatizando a ordem da criação, especialmente, a p
matrimônio, o que para ele seria uma ordem de maio
dade do que a do estado.27 O matrimônio pertenceria
da criação, enquanto que o estado à ordem da sustenta
Estas ordens somente são compreendidas no s
do correto e perfeito pela fé em Cristo. Assim mesmo,
to graça da sustentação de Deus, estas ordens são con
e respeitadas como necessárias e, de certa forma, san
homem natural. As ordens naturais não pertencem a
da Redenção e à Igreja, mas estão inseridas no R
Sustentação de Deus. Estas ordens naturais, tanto a

24Brunner, op cit., 180s.


25Barth, op. cit., 223.
26/bid., 221. .
27Brunner, op cit., 181ss.
Karl Barth concorda que há um senso comum
tuído por axiomas morais e sociológicos, que governa
vívio das pessoas crentes e descrentes.28 Mas parece
Brunner não mantém a distinção entre ordem da c
ordem da sustentação, pois os conceitos se entrelaç
confundem.28
Para Barth, esses axiomas instintivos e ra
reguladores do convívio da sociedade, postula
Brunner, estão sujeitos a interpretações arbitrárias, c
o estado mental e emocional de cada intérprete. Me
houvesse critérios reguladores, o ser humano cristão
é totalmente pecador e incapaz de cumprir as ordens d
Barth repete a sua crítica, insistindo que B
ultrapassa a linha divisória da imago formal e ma
potencial de revelação seria uma grandeza que ext
conteúdo da imago formal, pois o ser humano sem
poderia cumprir os mandamentos, ainda que, de cert
"einigermassen" [razoavelmente].
O cristão não pode cumprir, nem mais ou m
ordens da vontade de Deus, pois o crente é comple
pecador. Este estaria perdido se a Lei não tives
cumprida em Cristo?) Para Barth, um sinergismo
salvação estaria implícito na teologia de Brunne
humano poderia, por algum esforço próprio, auxili
salvação, sem a revelação e a graça de Cristo. Bru
opinião de Barth, estaria sendo arbitrário em rel
Escrituras, apesar de postular a sua primazia.31
Na quinta tese, Brunner afirma que é inegáv
um ponto de contato apriorístico no ser humano para
da salvação." Este ponto de contato seria a imago fo
não foi destruída pelo pecado. O "ser" é constituído
grandezas fundamentais, a capacidade dialog
responsabilidade. Brunner enfatiza que esta cap
dialogai é formal, excluindo qualquer grandeza ma

28Barth op. cit., 223ss.


28Brunrier, op cit., 182s,195.
38Barth, op. cit., 225.
31/bid., 225, 218s, 221.
32 Briumer, op. cit., 183.
"ibid., 183, n. 12a. Em 1965, Brunner reconhece ter em
termo 9Nortmãchtigkeit" de maneira inadequada, o que causou
indignação em ,Karl Barth.'
Esta capacidade dialogal, também, é pressupo
a responsabilidade e a decisão. Somente o ser respo
pode pecar e tem alguma consciência do pecado. Est
vago do pecado é condição para a compreen
proclamação da graça.
Para Brunner, também é verdadeira a afirma
que o reconhecimento do pecado somente venha pel
Trata-se de um paradoxo: o ser humano natural reco
mas ao mesmo tempo não pode reconhecer o pecado. S
nhecer a Deus não há conhecimento do pecado, pois o
diz respeito a Deus e no estado de pecado não há conhe
de Deus. Segundo Brunner, esta ambigüidade na qu
humano se encontra é própria da natureza do pecado.3
Karl Barth rejeita resolutamente a conceituaç
Brunner dá ao ser humano, como um ser formalmen
sível ao diálogo, quanto à palavra da graça de Deus.
conceituação seria imprestável para determinar qu
humano é humano e não um gato. Brunner diria que
de contato no ser humano o diferencia de pedras e cepo
Na concepção de Karl Barth, a afirmação d
imago material é totalmente pecadora exclui a possib
que a imago formal tenha algum resto de justiça orig
que fosse a partir de si mesma aberta a Deus." De
imago formal teria sido preenchida e enriquecida
aspecto humano, a capacidade dialogal, também abran
conhecimento natural de Deus.
Para Barth, Brunner não havia diferenciad
suficiente rigor nas teses anteriores, entre a imago fo
imago material. A afirmação de Brunner de qu
humano é humano nada significa. Barth espera
Brunner mudasse sua postura teológica quanto à que
imago Dei a partir da sola scriptura e da sola gra
tivesse havido essa mudança então Brunner nã
articulado a questão do "Anknüpfungspunkt" [po

34ibid., 184 - A Palavra de Deus não cria a capacidade


Esta capacidade nunca esteve perdida, mas é condição para que
ouvir a Palavra. Este ponto de contato pode estar confuso e des
assim mesmo, ainda permanece como condição para a ope
Palavra de Deus.
35/bid., 184.
36Barth, op. cit., 225.
3713runner, op. cit., 183.
"Barth, op. cit., 226.
Barth também pode argumentar com a antro
Os seres humanos, que não são dotados de r
responsabilidade, e de capacidade de decisão, como
deficiente mental, segundo a avaliação humana, são
de Deus e também por eles Cristo morreu na cruz."
Na última tese, Brunner defende que quando
turas se referem ao morrer do velho homem tratam
aspecto material e nunca do aspecto formal da imag
jeito e a sua capacidade de consciência não são revo
Deus pessoal se confronta com o ser humano enqu
soa. Brunner ressalta, então, a diferença entre fé e
místico.41
Karl Barth contesta a leitura que Brunner faz
tas 2:20 e de 1 Coríntios 2:20s. Para ele, as conclus
exegese somente vêem reforçar a suspeita de que
está interessado na funda-mentação e na legitim
pontencial de revelação42 inerente ao ser huma
Barth, depois de todas as coisas ruins ditas por Bru
seria a pior delas. Na exegese de Gálatas 2:20,43 "
não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim";
observa que antes vem a frase "eu morri para a
crucificado com Cristo".
Para o teólogo de Zurique a passagem bíblica
que a imago formal está conservada, perpassando
material, que está morta. A afirmação referente
formal logo é relacionada à tese da imago material:
eu, mas Cristo...em mim".
Segundo Brunner, o Novo Testamento não fa
ções místicas como fez Lutero quando este disse qu
se tornará Cristo na fé. Até na Bíblia, a fé é obra do
Santo, mas nunca encontraremos nada que diga qu
Santo crê em mim, e sim que eu creio no Espírito S
sim, em 1 Coríntios 2:10-12 a identidade do sujeito,
mano, é preservada exatamente onde se refere ao
Santo, e a sobriedade se impõe diante das expressõ

39/bid., 227.
40/bid., 226.
41Brunner, op cit 185.
42 Barth, op. cit., 228; Brunner, op. cit., 183, n. 12a
Brunner explica que estava se referindo à capacidade dial
humano e não ao seu potencial revelatória.
43Bnumer, op. cit., 185.
a partir de um dado ainda existente. Na reparação po
dizer que algo se tornou totalmente novo. A partir
sobriedade a fé tem a ver com responsabilidade e com de
Diante das asserções de Brunner, Barth desenvol
argumentação apaixonada e, por vezes, irônica.44 Na
pretação de Barth, Brunner estaria pretendendo prov
há um conhecimento de Deus como condição prévia,
ponto de contato, para o homem em Cristo por m
Espirito Santo.
Barth diz que nos 16 versículos de 1 Co 2 n
nenhum indicio que pudesse apontar para uma con
prévia e para um ponto de contato para um
conhecimento de Deus. Nada há antes e ao lado da reve
Segundo Barth, Paulo conhece a personalidade forma
não como afirmação e sim na negação da imago forma
para "o homem natural" as "cousas do Espirito de De
são loucura, e não pode entendê-las" (1 Cor 2:14 - ARA)
confessa atônito com a maneira em que Brunner inter
transformação da situação humana por intermédio da
lação a partir de 1 Co 2:10-12 e Gl 2:20, como se se trat
reparação.
Para Barth, essa reparação como capacidade h
não está no horizonte da discussão, mas trata-se
milagre. Este milagre consiste no fato do ser humano t
feito nova criatura. Barth rejeita completamente a dis
entre a imago formal e a material.

III. CALVIN() NA DISCUSSÃO ENTRE BARTH


BRUNNER

Brunner retoma o reformador Calvino para co


sustentação teológica às sua teses. Brunner justi
necessidade disso ao dizer que Barth, em sua argumen
limita-se a qualificar suas teses de tomistas e neo-prote
— até mesmo não especificando o que seriam exata
essas doutrinas na sua teologia natural. Ele quer prov
esta acusação é infundada e que suas teses são um
teologia da Reforma.45
Barth contesta de maneira veemente o fato de B
procurar em Calvino a fundamentação para a sua teo

44Barth, op. cit., 228ss.


45Brunner, op. cit., 187.
também dizendo que essa teologia estaria em boa comp
com os teuto-cristãos que aderiram a Hitler.48
Brunner coloca duas questões em discussão a pa
Calvino: o conhecimento de Deus por meio da nature
conceito da imago Dei. 47 Em Calvino o conceito de natur
ria respeito à toda a criação, incluindo a existência do s
mano. De qualquer forma, Deus pode ser conhecido na
reza, especialmente a partir da experiência de sua bo
na existência humana. Ainda assim, o conhecimento de
por meio da natureza é apenas parcial, pois conhecemo
mãos, seus pés, mas não conhecemos o seu coração.48
Para Brunner, em Calvino a revelação pelas Esc
serve como lente de aumento para a revelação natura
vendando o coração de Deus. Por intermédio das Escrit
revelação natural recebe o seu destaque. Além disso, co
mos a lei natural, que é idêntica à lei das Escrituras, p
zão e na consciência. Esta ordem natural, que está um
obscurecida, deve ser reconhecida à luz da revelaç
Cristo.
Na réplica, Barth concorda que Calvino fala d
duplo conhecimento de Deus: a partir da criação e de Cr
Mas Calvino, segundo Barth, limitou-se a dizer som
aquilo que encontramos nas Escrituras.50 As pass
citadas por Barth são as seguintes: Rm 1:19s; 2:14s; At 1
17:24s; a história da criação e os Salmos 19 e 104.
Calvino não deduziu das observações bíblicas qu
humano tivesse algum potencial recuperável ou um po
contato em direção à revelação de Deus em Cris
reformador não pleiteou por uma revelação que viesse
à revelação nas Escrituras. A teologia de Calv
basicamente interpretação das Escrituras e não antropo
ou qualquer tipo de filosofia.
Na concepção de Barth, em Calvino o verda
conhecimento de Deus a partir da natureza é poss
princípio, mas de fato, encontra-se diante da ra
impossibilidade. A possibilidade de conhecer a D
objetivamente possível da parte de Deus, mas subjetivam

48Barth, op. cit., 231-235.


47Brunner, op. cit., 190-195.
48/bid., 190.
48Barth, op. cit., 239s.
"ibid., 239s.
impossível por causa da queda.
Na argumentação de Barth, Calvino apont
princípio da Escritura para dizer que o ser humano f
por Deus e para Deus, e que a providência de Deu
natureza e o ser humano. Para Barth, Calvino está
às Escrituras no que diz respeito ao conhecimento de D
Brunner, diz que o conceito da imago De
fundamental na antropologia de Calvino.52 O con
imago, além de ter importância para a relação
teologia natural e a teologia revelada, também é tr
cristologia. Aqui, Cristo é a imagem primitiva enqua
humano é a imagem refletida. O conteúdo pleno da im
reconhecido somente pela regeneração por meio de Cr
Espírito. O ser humano é imagem de Deus, porém es
está corrompida e destruída sem a salvação de Cristo.
Para Brunner, o conceito do resto da imago em
é fundamental, pois por meio deste conceito categori
identifica tudo o que diz respeito ao ser humano. Ass
humano é um ser diferenciado e condecorado, agrac
imago estaria a razão, a responsabilidade e o lugar da
sidade. Na imago formal encontra-se a condição para
cimento de Deus na natureza. Em Cristo temos o ve
conhecimento de Deus que revoga o conhecimento
que consiste na inversão deste conhecimento para a m
Segundo Brunner, a partir do conceito da imag
no desenvolve a sua ética, que estaria voltada para o b
do ser humano. Para ele, há parentesco entre os sere
nos na condição de imago Dei. Mas a verdadeira étic
acontece somente a partir de Cristo. Calvino teria d
vido a sua ética do matrimônio e do estado a part
compreensão da teologia natural, pois ambos, o matr
o estado, encontram-se sob a graça da sustentação.53
Para Karl Barth, Calvino entendia que o ser
não conhece a Deus, mas de fato conhece e adora os d
seu próprio coração.54 Pela razão, o ser humano nem
se aproxima de Deus. O verdadeiro conhecimento
vem a partir do aprendizado das Escrituras e da obed
A possibilidade objetiva do conhecimento natu
Deus, em Calvino, sempre está relacionada ao con

51/bid., 241s.
52Brunner, op. cit., 191ss.
p.195.
53/bid.,
54Barth, op. cit., 241.
de não sermos capazes de reconhecê-lo se nos torn
culpa. A partir da revelação como dado objetivo se ju
ira e o juízo de Deus.55
O ser humano é capaz de reconhecer o bem e
Deus a partir de si mesmo, mas isto é concedido por D
riamente. Barth concorda que o conhecimento de De
tir de Cristo, em Calvino, inclui o verdadeiro conhecim
Deus na natureza. Barth cita Calvino para confir
tese: "Cristo é a imago na qual Deus não somente
seu coração, mas as suas mãos e os seus pés".56
A partir do momento em que o ser humano se
de Cristo ele se torna vítima de suas próprias ilusõe
rejeita a interpretação de Brunner de que pudesse h
segundo momento de conhecimento. Neste sentido,
após ter sido iluminada, seria capaz de conhecer a pa
mesma. Barth, rejeita a hipótese de que num m
posterior pudesse ser constituída uma filosofia, cristo
psicologia cristã a partir da razão autônoma.

IV. O OBJETIVO PRÁTICO DA TEOLOGIA NAT


Para Brunner, o posicionamento diante da
natural define o caráter da ética.57 O reconheciment
Deus colocou limites à arbitrariedade humana e esta
normas para a ordem no convívio da sociedade seria
saída para o caos. Assim, a ética da reforma seria r
proporcionaria alguma segurança para a soc
Brunner, diz que a dogmática de Barth també
incorporado a analogia." A razão humana, sob o enf
criação, é mais adequada do que a pedra ou o ce
designar a natureza de Deus. A partir dela é ad
estabelecer uma relação entre Deus e o ser humano.
Nessa linha de raciocínio, o sujeito "ser hum
análogo ao sujeito "Deus" e, em conseqüência disso,
outras analogias estão atreladas ao ser sujeito de De
conteúdo normativo da teologia.
Barth, por sua vez, limita-se em dizer que
empregado a analogia de maneira consciente e inte

55/bid., 241s.
56/bid., 242.
57Brunner, op. cit., 200s,
58/bid., 203s.
sua dogmática.59
Brunner afirma que também para Barth, o se
caído, por ser racional e sujeito, seria a única
legítima para Deus. Faz parte da natureza hum
antropomorficamente de Deus.69
Brunner defende a tese de que o problema fun
não seria a analogia em si, mas como e qual a an
empregada. A partir disto se constataria a diferenç
teologia católica e a teologia protestante.

V. A PRÁTICA MINISTERIAL
Na pregação, segundo Brunner, deve-se pr
palavras humanas mais adequadas para o anú
palavra de Deus.61 Ele insiste em dizer que a im
segundo o seu aspecto formal, não destruída
possibilidade objetiva para a revelação pela Palavra
A Igreja pode falar de Deus ao ser humano por
baseada no ponto de contato inerente ao ser hum
consiste no potencial da palavra e na responsabilidad
Segundo Brunner, apesar do Espírito Sant
condições favoráveis à palavra, a igreja não está
pregar de forma compreensível. Seria necessário h
correspondência entre o conteúdo e a forma deste c
ser transmitido a um doente terminal, por exemplo
da transmissão do conteúdo seria uma questão d
amor cristão.
Brunner tinha preocupações com a mi
poimênica [aconselhamento pastoral]. Em função
que no diálogo com descrentes e intelectuais de
atenção ao uso correto do ponto de contato existen
risticamente no ser humano. Deve-se procurar enco
quadro conceptual adequado para eliminar os obs
compreensão da pregação.
Karl Barth concorda com Brunner que deve ha
cupação quanto ao conteúdo e à forma da pregaç
preocupação quanto 'à forma deve ser lançada aos cu
próprio Deus.62

59Barth, op. cit., 258.


69 Brunner, op. cit., 203.
61/bid., 204.
62Barth, OP. Cit., 253s.
teologia como um todo. Em Barth, existe a suspeita d
tese de Brunner ao se interessar pelas necessidades
da Igreja se nutra de fontes estranhas à revelação d
Brunner, portanto, estaria mais orientado pelo suc
prática ministerial do que pelo comissionamento
promessa de Deus.63
Barth insiste que o pregador, ou o pedagogo
deve deixar o texto falar sem se preocupar com a di
antropológica da pregação. A teologia deve estar preo
com o anúncio da palavra, enquanto a capacidade ine
ser humano de se comunicar [a "Ansprechbarkeitl n
interesse da teologia como assunto próprio. Por isso
deveria estar centralizada nos mandamentos de De
convertendo-os em preceitos humanos.64
Assim, Barth rejeita a teologia natural de an
pois somente pode ser adequada para a teologia e a i
anticristo.65

VI. PERSPECTIVAS PARA UMA POSTURA DIAL


NUMA REALIDADE PLURALISTA
A discussão em torno da teologia natural confro
métodos distintos no labor teológico: a analogia entis
titui parte fundamental da teologia natural, enquan
negação da teologia natural é articulada a partir da a
fidei.

A. A Questão da Analogia Postulada por Emil Bru


Karl Barth.
Na compreensão de Brunner a respeito da a
entis há um dado apriorístico no ser humano que s
ponto de contato para a graça. A capacidade de contat
graça, de ser interpelado, diz respeito à imago formal
o ser humano tem a capacidade apriorística do conhe
de Deus,66 e de um conhecimento ambíguo a respe
mesmo.67

63/bid., 255-258.
641bid., 253-258.
65/bid., 285.
66Brunner, op. cit., 175ss.
67/bid., 184.
Deus.68 Ele protesta de maneira veemente, negando
humano possa ter a capacidade de reconhecer seus p
Por analogia, o ser humano faria aquilo que
somente a Deus, assim o homem estaria se colo
lugar de Deus como juiz. O reconhecimento do peca
dizer respeito somente à imago formal, mas d
pertence ao âmbito da imago materia1.69
Para Barth, não há lugar para a analogia ent
nem depois da graça, pois essa analogia leva fata
sinergismo." Neste sentido, a analogia não
compreendida como um dado apriorístico natural, m
realidade totalmente nova, pois a revelação de Deu
antigo e cria uma nova criatura.71
Para Barth, não existe analogia entis, mas
analogia fidei que é compreendida a partir da rev
graça de Cristo. Encontramos, assim, uma reduç
lógica aplicada à antropologia. Cristo seria então o
objeto da imago Dei, o seu brilho e o seu reflexo.72

B. A Critica

Parece-nos que a aplicação do método da ana


pode representar um estreitamente antropológico n
O ser humano natural, que está caído permane
imagem de Deus, embora o seja de modo opaco e def
A capacidade do ser humano de poder ser in
pela palavra de Deus está relacionada com a imag
que não foi perdida por causa do pecado. A imag
corresponde à estrutura do ser pessoal como ser hu
uma relação dialogal apriorística entre o ser huma
que também possibilita o conhecimen-to de Deus
analogia entis. Este conhecimento não seria en
exclusivamente na analogia fidei.73 A imago formal

68Barth, op. cit., 225; 229.


"ibid., 252; 241s.
76/bid., 218, 221, 223, 225.
•71/bid., 229s.
72 H. G. Põhlmann, "Analogia entis oder Analogi
Frage der analogia bei Karl Barth". em E. Schlink (ed.), Fors
systematischen und õikumenischen Theologie (Gõttingen: V
& Ruprecht, 1965 ) 16:55, 102s.
73Pühlmann, op. cit., 140
o Deus revelado, mas está em busca do Deus abscondi
Portanto, a imago formal jamais encontraria
mas sim a ira de Deus que não proporciona o aces
graça. O não-cristão, a partir da sua imago form
conhecer a Deus por intermédio da natureza e da con
ainda que este conhe-cimento natural seja imperfeito.
Na imperfeição do conhecimento de Deus, o se
no transforma o Deus absconditus em ídolos e d
imago formal somente reconhece o Deus irado porqu
lação natural proporciona acesso à Lei como alienu
[ação estranha] de Deus e não descortina o amor de
cruz de Cristo como o proprium opus [ação pró
Evangelho.75
A analogia fidei reconhece o amor de Deus n
crucificado. O próprio Deus morre na cruz por am
emana da sua própria natureza. "O Deus da sal
também o Deus do julgamento".76 A ira de De
julgamento, não é a sua segunda natureza, mas se
privação da sua natureza que é o amor.
Deus não é ira, mas Deus é amor, embora
somente seja graça enquanto estiver intrinsecament
ao juízo. A graça não diminui a santidade de Deus, m
Deus ser Deus. Assim, graça e juízo é o proprium
alienum opus do Deus revelado.77 Pela analogia da
humano reconhece Deus na sua completude. A analo
não pode conhecer a graça, mas é a graça que busca o
com o ser humano a partir da sua imago formal."
Parece que esta capacidade dialogal apri
poderia significar uma relativização do pecad
neutralizar tal suspeita devemos dizer que o ser hu
pecador na medida em que estabelece uma relação co
pela imago formalis. Esta relação consiste no apr
dialogal que é constituído pela capacidade de ou

74Fora do âmbito da analogia fidei o ser humano, sem C


ter apenas uma noção de Deus.
75Põhlmann, Abriss der Dogmatik. 124s.
76Gustaf Aulén, A Fé Cristã. (SP: ASTE, 1965), trad. por
V. dos Santos, 148.
77Põhlmann, Abriss der Dogmatik, 132.
78PiihImann, "Analogia entis oder Analogia fidei ? Die
analogia bei Karl Barth", 150.
A resposta do ser humano no pecado como
contra Deus consiste na negação da sua palavra. Só é
ofender a Deus se houver a possibilidade de uma
dialogal entre o ser humano e Deus." O ser human
imago material é totalmente pecador e assim é ne
que a sua imago perdida seja recuperada pela graça.8
Cristo é, em última análise, a imago Dei (Cl 1
sim o cristão é feito imagem de Cristo (Rm 8:29). E
acontece a recuperação da imagem de Deus materia
do cristão uma nova criatura. Assim, se estabelece a
ração da analogia porque Cristo incorpora o cristã
imagem e na imagem de Deus. O ser humano não po
çar a imagem de Deus, mas ela nos alcança como
como graça de Deus. A imago formal não é destruí
ponto de contato para a imago material. A criaç
excluída, pela redenção, mas é o espaço no qual ac
salv ação .82
A criação não pode ser diluída na redenção. O
e o segundo artigos do credo apostólico devem ser dev
respeitados na sua continuidade e descontinuidade.
fato uma analogia entis da criação em relação ao
Embora a redenção supere qualitativamente a criaç
assim, a substância da criação não é pecado, mas pe
sendo a boa criação de Deus.83
Entendemos que há semelhança entre
postulados teológicos de Barth com as posições ma
Para Marcião, Deus é aquele ser que não tem ana
mundo, como também não poderia haver revelação
na natureza. Entre outras questões, haveria semelh
que diz respeito à analogia exclusivista da graça e de
monismo cristológico.
Deus se revela por meio da sua criação antes
da revelação pela palavra. Mas no conhecimento n
Deus somente se conhece a ira de Deus, e não a sua g
qualquer forma, podemos concluir que Jesus Crist

"Branner, op. cit., 175s.


80 Piihlmann, Abriss der Dogmatik. 190.
81Brunner, op. cit., 176s.
82 Pühlmann, "Analogia entis oder Analogia fidei ? Di
analogia bei Karl Barth", 132.
83/bj4., 110s.
Observamos que no AT, nos inícios da hi
Israel, o termo ') I foi a designação cananéia p
Deus maior; este era, também, o nome cananeu pa
prio tetragrama MT(' [tradicionalmente Javé] dos
trri i7m ['elohim] é a forma plural de LM ['el], e
['elohin] significa "Deus". Este nome tem uma cono
aponta para o misterioso e o tremendo. Formas deri
L7k; ['el] são ainda: ['el `elyon] e "1e ['el sha
Em Gn 14:19-20 Melquisedeque emprega o ter
i7 ['el `elyoni para designar Javé. Abraão, o pai da p
rende-se ao sacerdote cananeu do Deus Altíssimo,
sedeque. É interessante observar que Abraão não
qualquer resistência ao nome cananeu para Deus.
Outro aspecto a ser considerado é que Melqu
não está na linhagem da promessa dada a Abraão. El
parte do povo de Israel; ainda assim, mesmo como "
denominado sacerdote de r1' 471) 42.k ['el `elyon],
Altíssimo. Ele é de Salém que em cananeu significa
termo hebraico é tILPC) [shalôni]).
Digno de nota é o fato de Gn 1-11 não tratar, e
mente, da história de Israel mas da humanidade. Te
rativas semelhantes em todo o mundo antigo, espec
na região da Mesopotâmia. Um equivalente à segun
dos Dez Mandamentos também encontra-se nesses po
Atentamos para um outro aspecto que diz r
Septuaginta, a tradução do texto hebraico para o gre
séc. a.C.]. Os tradutores incorporaram ao texto o ter
[theós] de matiz platônica e aristotélica. Platão e A
usaram OEN [theós] como nome pessoal para des
Deus supremo.
Os tradutores da Septuaginta rejeitaram utili
mo Zeus, pois Zeus era filho de dois outros deuses, R
nos. Zeus era, evidentemente, inadequado porque 1:1'
Min] é o Deus eterno, não-criado. Assim, o termo OE
No Novo Testamento temos a palavra kcryoç [
Evangelho de João. Heráclito utilizou o termo pela
vez, em torno de 600 a. C., para designar o plano ou
divina que coordena e sustenta o universo. No Evan
João temos a justaposição de duas palavras vindas da
grega, koyoç [lógos] e Oco; [theós] (Jo 1:1).
No discurso no Areópago (At 17:23-28), Paul
para o "Deus Desconhecido", que era exatamente aqu
apresentado pelo apóstolo. Embora os atenienses o ad
sem conhecê-lo, ele foi revelado não aos gregos, mas
Cristo no espaço cultural e religioso de Israel.
A rigor, o "Deus Desconhecido" e o Deus de Isr
mesmo Deus. De fato, Paulo corrobora o seu discurso
uma passagem bíblica do AT, mas com uma passa
filosofia, uma citação do escrito "Phaenomena" do
Arato.84
À luz de tudo isso, poderíamos concluir que a
já tem algo de verdade antes da revelação especial e
Cristo?
É verdade que Paulo fala da idolatria do
religioso em Rm 1. Contudo esta não é a condição on
do reconhecimento natural de Deus, mas trata-se
obediência em nível de consciência que o ser huma
partir da sua condição humana. Em Rm 1:28 fa
desprezo ao de Deus, conhecimento este que pode se
"desde o princípio do mundo, sendo percebido por
cousas que foram criadas" (v.20!).
Não é somente a palavra paulina que coloca lu
maldade humana. Paulo empresta o diagnóstico
filósofo grego de nome Eurípides para falar da inv
ética entre os cretenses. Em Tt 1:12 lê-se: "Foi mesm
eles, um seu profeta que disse: Cretenses, sempre me
feras terríveis, ventres preguiçosos". Vemos, tamb
Paulo não o chama de filósofo, mas de profeta!"
Deus não deixou de se revelar aos povos e às
não-cristãs. Em At 14:16s lemos: "o qual nas geraçõ
das permitiu que todos os povos andassem nos seus
caminhos; contudo, não se deixou ficar sem testemun

84Ver At 17:28 na margem do Novum Testamentum G


Nestle & K. Aland ( Eds.), (Stuttgart, Deutsche Bibelstiftung, 197
86Ver Novum Testamentum Graece, 557.
frutíferas, enchendo os vossos corações de fart
alegria".
Essas observações vêm corroboradas pela ob
empírica da existência de traços "crísticos" nas re
culturas de muitos povos pagãos. A estrutura rel
cultural de tribos dos muitos povos tem os elementos
judeu e do culto cristão. Todas as culturas apre
estruturas religiosas semelhantes ao testemunho bíb
elementos são os mesmos, como a criação e o Deus c
pecado, a desgraça humana, morte e vida eterna, sac
expiação, o anseio pelo mediador entre Deus e os ho
redentor da humanidade.
Há, ainda, estruturas semelhantes entre as cu
as Escrituras. O relato da criação, da queda do ser h
do dilúvio, do primeiro assassinato, da torre de Babe
Incas, segundo estudiosos destas culturas, aprese
poesias com conteúdo muito próximo aos Salmos d
Missionários protestantes do século passado desco
potencial revelatório da religião nativa da Coréia e p
a evangelizar com termos e conceitos emprest
religiosidade coreana.86

D. Uma abordagem cristológica

Diante destas reflexões perguntamos se ainda p


falar da exclusividade de Jesus Cristo, como Barth po
Qual a importância de Jesus Cristo para o ser h
secularizado e religioso do nosso tempo?
É mister considerar que a revelação em Jesu
não acontece isoladamente do âmbito da criação, p
não enviou o seu Filho ao mundo sem que tivesse hav
história anterior. O cenário no qual Jesus vem está p
pela revelação de Deus em todas as culturas e religiõe
As Escrituras são claras ao afirmar que D
deixou de testemunhar a sua bondade através da hist
todas as culturas na face da terra. Zinzendorf, um do
movimento de avivamento denominado Pietismo, co
deu isto muito bem, pois ao enviar os seus missionári

86Cf. Don Richardson, O Fator Melquisedeque (São P


Nova, 1986), 43-60. Esta é uma obra que trata a questão da relaç
analogia entis e fidei com propriedade, abrindo o horizonte p
culturas como real possibilidade de revelação. Richar
compreende essas revelações como demoníacas, mas como ace
caráter exclusivo da revelação em Jesus Cristo.
A revelação de Cristo não acontece isolada na
mas há todo um preparo ao longo da história da hum
para que a revelação em Cristo pudesse acontecer.
revelou na pessoa e na história de Jesus Cristo; t
portanto, de uma revelação histórica, concreta.
O Pai de Jesus Cristo é o Deus criador, por es
não existe somente uma ruptura entre o AT e o NT
antiga e nova aliança, entre criação e redenção, mas
de tudo uma continuidade entre o Deus criador e
redentor e salvador que se revelou em Jesus Cristo.
criador vem em direção às suas criaturas pelo Filho,
todos os seres da criação sempre estivessem
reivindicação do senhorio do Deus criador.
Assim, há um autêntico ponto de contato entre
ção em Jesus Cristo e a obra da salvação por meio do
dor e da providência de Deus. O Deus que fala pela c
que se faz presente de forma abscôndita nas religiões e
sente na pessoa de Jesus Cristo, pois o criador é o Pai
Cristo.
Devemos dizer também que o Deus da rev
original, universal e geral, encontra-se no "Deus De
cido". Mas este é facilmente confundido com os deu
ídolos. A religiosidade humana cria ídolos, afastand
Deus de Jesus Cristo, colocando-se em relação de co
direto com Deus.
A revelação na criação ainda não é a autocomu
de Deus em Cristo. O critério último para toda a discu
torno da revelação está em Jesus Cristo. Ele é o critéri
no diálogo com outras religiões e filosofias.
No testemunho do NT não há nada mais claro d
afirmação da exclusividade de Jesus Cristo. El
apresentado como um Senhor, mas como o Senhor, e
um salvador, mas o salvador. Ele é a luz, o cam
verdade, a vida. Não há nada mais cristalino d
afirmação de que somente no nome de Jesus há salva
toda a humanidade [Fp 2:10].
A exclusividade de Jesus Cristo não é um apên
conteúdo bíblico, mas se constitui no próprio cerne do
lho. Segundo o testemunho do NT, Jesus Cristo é o ú
vador ou então ele não é salvador, ele é a vida ou não é
Assim, a revelação em Jesus Cristo exclui toda
quer concorrência revelatória para a salvação, pois s
ele é o Deus vivo e verdadeiro. Nisto reside a concent
Evangelho. Sem a dimensão do caráter absoluto e
Jesus Cristo não há justificação do pecador, não
da morte.

CONCLUSÃO

A analogia da fé pressupõe a analogia do


Deus redentor não despreza a sua criação. Assim
entis e a analogia fidei não deveriam ser método
que se excluíssem mutuamente, mas que se rel
na continuidade e na descontinuidade, análog
entre o Deus obsconditus e o Deus revelatus , e d
Lei para com o Evangelho. A Lei não salva mas c
revela o pecado humano e a santidade de Deus
graça pode salvar, sendo que a graça é reconhe
profundidade à medida em que a Lei acusa o s
colocando-o diante da santidade e da ira de Deus.
O método postulado por Emil Brunner, pre
zir as Escrituras na linguagem do nosso tempo,
estabelecer uma correlação racional entre a fé c
humano da modernidade.87 Este método seria ma
à tarefa missionária da Igreja como preocupação
O ser humano como um ser "coisificado"
uma peça que pode ser substituída quando não
sistema opressor e explorador, poderá recupera
dade ao tomar consciência da sua condição ap
imagem de Deus. A partir disso poderá haver um
maior e os objetivos serão definidos para ações d
mais efetivas.
Somos da opinião de que a teologia não su
calismo revelatório e o monismo cristológico
teologia natural e com ela a analogia entis. Na en
Deus em Jesus Cristo se torna evidente que Deus
ao ser humano, mas respeita sua autonomia relat
revela ao ser humano na relação horizontal. Deus
com o ser humano como pessoa, estabelecendo um
requer o instrumento da razão. A salvação acont
ça somente, mas a salvação não acontece sem o s

Portanto, a primeira revelação encontra-s


na história. A segunda revelação encontra-se em
e esta transcende e ilumina a primeira re

87Brunner, Dogmcitik, 1:96s, 107.


única revelação possível, há, como vimos acima, a re
no nível das coisas criadas por Deus, que são revela
nível "ôntico" [do ser] da estrutura da criação.
A religião é a expressão da apreensão do sag
experiência humana. O ser humano sabe diante do fas
e do tremendo, que é o sagrado. Diante do sagrad
humano sente que está diante do mistério, embo
consiga compreender a extensão do mistério da vida, d
e de Deus. O homem apresenta uma capacidade dialo
permite ouvir a Palavra de Deus. Esta capacidade re
dialogal ainda permanece como condição para que Deu
falar ao ser humano.
A apreensão do sagrado na experiência human
não significa que se apreendeu a graça salvadora de D
Jesus Cristo. Estas não são revelações da graça salvíf
podem ser revelação da bondade de Deus no inte
criação e da existência humana. Nas estruturas "ôntic
encontramos salvação do pecado, da morte e do infer
encontramos o juízo, a Lei, a ira de Deus. Somente n
crucificado enxergamos o coração de Deus.
Perguntamos se a afirmação da exclusividade
Cristo não impossibilitaria o diálogo inter-religioso? O
no âmbito inter-religioso é legítimo a partir da conf
exclusividade de Jesus Cristo, e é legítimo a p
revelação de Deus no âmbito da criação, neste ca
religiões e das culturas.
Diante disso, não se pode desprezar as outras r
como distorções ou falsidades satânicas. A princípio
vem ser tomadas como expressão demoníaca. Diante
riência do sagrado, as igrejas cristãs devem respond
sabedoria, respeitando a alteridade das religiões e da
ras, pois os seus "profetas" também tem alguma luz d
de Deus.
Por outro lado, a crítica de Barth é procedente à
em que as culturas e religiões são idealizadas, c
tivessem em si mesmas elementos de salvação. As cu
religiões estão sob o signo do pecado, e elas são em si
em criar opressões e maldades. O pecado como tra
responsabilidade humana também se mostra no âm
culturas, pois o pecado é um poder pessoal e as
também estão cativas sob o pecado como sujeito da m
Devemos tomar o cuidado de não colocar a revelação
se insurgiu com tanta paixão. A identificação pura
da história ou religião com a revelação cria p
irreversíveis no seio da Igreja de Cristo.
O critério último para toda discussão inter-re
pessoa de Cristo e os seu caráter exclusivo, a
manifestações concretas de Deus no curso d
humana. A partir daqui é fundamental haver o ex
discernimento dos espíritos, provando todas a
retendo o que é bom no contexto religioso.
A questão é ver os dois aspectos na sua r
continuidade e descontinuidade, na sua ruptur
relação.88 O Pai de Jesus Cristo não é um Deus d
Deus criador. A graça em Jesus Cristo não
compreendida sem ver a criação, e a criação nã
isolada da redenção, para a qual todas as coisas co
se resumem no testemunho de que Jesus Cristo é O
O Salvador.

88 Há uma tensão entre os dois polos que precisa se


racionalidade da história da salvação movimenta-se n
paradoxo, sendo que são feitas duas afirmações por inteiro
lado a lado sem que uma das partes seja diluída. Por exem
verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, o crente é justo e peca
da salvação exige que os paradoxos bíblicos sejam mantidos
dialética para que nenhuma das partes seja diluída em favor
prejuízo da outra. A teologia procura representações lingüís
das para que os dois elementos sejam relacionados e
corretamente

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