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2- PSICOLOGIA APLICADA À ODONTOLOGIA

Inserir a psicologia na formação do médico dentista é uma experiência recente,


especialmente em Angola. Esta necessidade surge no intuito de entender e investigar como
as doenças bucais e os comportamentos (dos pacientes e dos profissionais) observados no
consultório odontológico se relacionam e como poderiam se beneficiar com os
conhecimentos científico da psicologia.

A psicologia como coma ciência estuda o psiquismo e suas funções que se manifestam no
comportamento, e a odontologia ocupa-se da parte do corpo que se relaciona com o
aparelho mastigatório. No entanto, actualmente torna-se cada vez mais claro que soma e
psíquico formam uma só unidade e que não existe dissociação possível entre corpo e alma.

Actualmente torna-se imprescindível ao médico dentista aplicar conhecimentos básicos de


psicologia em sua rotina diária, a fim de proporcionar um melhor e mais íntegro
relacionamento “médico-paciente”, favorecendo no diagnóstico global que envolve tanto
sintomas somáticos bem como psicológicos, que carecem de uma correlação no processo
de avaliação.

A psicologia pode ser aplicada a todas as especialidades odontológica, que abrange desde o
clínico geral até as especialidades em suas respectivas áreas de actuação, e também no que
diz respeito as tensões profissionais, a rotina de seu trabalho, a sua personalidade e ao
comportamento dos pacientes.

A junção dessas áreas, Psicologia e Odontologia, não é uma especialidade odontológica,


nem um ramo da Psicologia, mas uma atitude geral que postula uma visão integrada do
homem, como um ser biopsicossocial, em que tudo está interligado e qualquer alteração
em um desses aspectos altera o todo.

Em uma pessoa com dor, aspectos biológicos, psicológicos e sociais interferem nesse
desconforto. Um exemplo seria um paciente que começa algum procedimento estando
ansioso, aumentando sua dor. O medo, por exemplo, faz com que o organismo produza
inúmeros hormônios. Dependendo da duração do sentimento, mais sintomas orgânicos
aparecem. O distress, um stress crónico, causa inúmeras doenças como baixa imunidade,
gastrites, dermatites e gunas, entre outros.

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O objectivo principal da psicologia aplicada à odontologia é interferir nas variáveis
psicossociais que medeiam os processos de diagnóstico, tratamento e reabilitação em
odontologia, visando a promover e manter o estado geral de saúde do indivíduo, bem como
a prevenir e facilitar o enfrentamento eficiente de situações de tratamento dos transtornos
bucais de usuários de sistemas de saúde.

2.1- A psicologia e o paciente odontológico

O profissional de saúde não lida com um sintoma, distúrbio ou um órgão doente; sua
relação se estabelece com a pessoa única, com características especiais, que naquela
circunstância, é portadora desse sintoma, distúrbios ou órgão doente.

A simples constatação de que os dentes e as gengivas a serem tratados pertencem a um


homem particular, sujeito não só a problemas bucais como também a questão de natureza
psicológica e social, já define uma aproximação destas duas áreas.

A psicossomática, tipo de abordagem das doenças física que leva em consideração os


conflitos emocionais, já demostrou que os dados emocionais são capazes de determinar o
desenvolvimento de doenças orgânicas ou funcional. Os transtornos do dia-a-dia, quando
não são bem elaborados mentalmente, podem levar a estados de angústia que favorecem a
desorganização psicossomático, contribuindo para o desenvolvimento de doenças físicas.

2.2- Interacção médico paciente

O dentista interage, em seu dia-a-dia, com pessoas ansiosas e tensas. É uma actividade que
pode ser classificada como aversiva ou incômoda; todo o paciente, em certa medida, é
portador de algum grau de ansiedade e tensão que se expressa em relação com o dentista.

O tipo de contacto que se efectua entre o dentista e o paciente, determina a necessidade do


profissional desenvolver atitudes que permitem um bom relacionamento, tranquilizando o
paciente e não provocando ansiedade e tensões desnecessárias, o que é tão importante para
o sucesso do tratamento quanto os conhecimentos técnicos e científicos e a destreza
manual do dentista.

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Uma das qualidades que mais facilitam essa relação é a capacidade de empatia do dentista.
Essa característica permite que a pessoa se coloca no lugar de outra, assim consegui
perceber os sentimentos desta.

A experiência de tratamento dental vivido anteriormente pode ter sido traumática, o que
levaria o paciente a se sentir amedrontado contactos subsequentes com dentistas. Retratos
de amigos e parentes sobre tratamentos dolorosos também contribuem para criar ou
aumentar a expectativa da dor e do desconforto durante os procedimentos diagnósticos e
terapêuticos.

Esse receio de sentir a dor durante a intervenção, muitas vezes se justifica, seja porque o
doente está sensível ao toque, seja porque a exploração efectuada pela sonda atinge lugares
mais dolorosos da boca, seja porque a aplicação da anestesia ou o uso do motor provocam
realmente sensações desagradáveis.

Outras razões para estes estados emocionais são facilmente identificados apenas por meio
da observação do modo pela qual se processa normalmente o tratamento: a posição deitada
da cadeira, que expõe o corpo dom cliente ao olhar do profissional, pode provocar uma
sensação passividade e devassamento; o lugar ocupado pelo dentista que se debruça sobre
o paciente, estorva os seus movimentos, deixando-o vulnerável e indefeso; a boca aberta,
que o impede de falar; receio de que o seu corpo emana odores desagradáveis, como mau
hálito ou cheiro característico de infecção dental; a proximidade entre as faces dos
participantes da relação, que muitas vezes o induz a fechar os olhos para fugir da
intimidade forçada; o facto de estar submetidos a instrumentos perfuro-cortantes
desconhecidos que podem produzir dor ou outras sensações indesejáveis; os sons agudos e
dores intensas, nem sempre agradáveis, são circunstâncias que inibem a livre expressão do
cliente, levando-o a se impacientar e a ter sentimentos de inferioridade, dependência,
impotência e humilhação.

O contacto estreito com o paciente, a aproximação cotidiana e permanente com a dor,


ansiedade e o sofrimento expõem o dentista, por sua vez às emoções desses afectos. Neste
sentido, o profissional está sempre confrontando com manifestações psicológicas de
desamparo, medo, agressividade e tantas outras demostrações afectivas peculiares da
fragilidade humana.

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A dependência e a fragilidade que acometem o paciente podem induzi-lo a um estado de
regressão. Algumas vezes a relação fica determinada por factores perturbadores, quando o
paciente começa a nutrir sentimento e a desenvolver espectativas inadequada à situações
profissional. O profissional é idealizado, transformando-se em alguém capaz de cuidar
dele, de suprir suas carências e de resolver todos os seus problemas.

Essas situações complexas soram explicadas pela psicanálise que deu o nome de
“transferência” a esse processo. A transferência seria a expressão disfarçada de
sentimentos ou desejos antigos que não foram bem elaborados pelo sujeito e se tornando
inconscientes. Em busca da relação de conflitos infantis, a pessoa repete os afectos e as
condutas originais usando o parceiro actual de relacionamento como suporto, e na tentativa
de resolver as relações primitivas vividas em sua infância.

O dentista não está imune a este processo, sendo susceptível a desenvolver reacções
contratransferências inconscientes em relação a seu paciente, comportando-se de forma
ambígua, seduzi-lo ou tratando-o, ao contrário, com desespero e antipatia.

O paciente possui sua identidade que o caracteriza como único, então nenhum paciente é
igual ao outro e nem todo atendimento o será também. A cada visita deste, uma nova
realidade, que o faz ou não cooperar com o tratamento. E sempre lembrar que ele não é só
uma boca, ele tem desejos, tem opinião, tem informação, tem sentimentos, ou seja, é uma
unidade biopsicossocial. Uma unidade complexa e que deve-se respeitar.

Uma melhor relação profissional-paciente permite um diagnóstico global que envolve


sintomas somáticos e psicológicos que necessitam ser correlacionados e avaliados. E
entender como e quais os distúrbios psicogénicos que podem agravar certas doenças e suas
implicações no tratamento e no próprio paciente, facilitam a dinâmica laboral do médico
dentista.

Outro facto que se deve levar em conta é o significado psicológico da boca e dos dentes ao
longo do desenvolvimento do indivíduo, o que pode explicar o facto de muitas pessoas
sentirem a intervenção odontológica como um acto de invasão agressiva.

A psicanálise, assim como outras teorias psicológicas, demostrou que a boca, sendo um
órgão fundamental para a sobrevivência, é também o lugar pelo qual o ser estabelece as
primeiras relações com o mundo, através da sucção e engolir, é o órgão pela qual criança

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recebe as primeiras experiencias de prazer que serão registradas como o início da vida
psíquica.

A boca constitui-se, então, na primeira zona erógena do indivíduo, na medida em que sua
estimulação é fonte de prazer sensual e o principal elo de ligação entre o bebé e o mundo.

A relação que se estabelece entre o dentista e pacientes não é, portanto, das mais tranquilas
ou mesmo simpáticas. Ansiedade, o medo e a agressividade, somando a factores
inconscientes, provocam no paciente comportamentos inconvenientes que acabam por
influenciar o humor do dentista, levando-o ao estresse profissional.

O facto de defrontar continuamente com o sofrimento do paciente, sentindo-se responsável


pela causa ou alívio da dor, é outro factor que se reflecte no dentista, tornando-o mais
vulnerável à tensão emocional.

2.3- Da empatia ao exercício odontológico

Cultivar a habilidade de compreender as pessoas, nas suas mais diferentes dimensões, quer
seja física, psicológica ou social é uma das tarefas mais difíceis que um homem jamais
poderia se propor. Isto porque a habilidade de compreender abrange mais do que ser capaz
de perceber, entender, identificar e interpretar as comunicações ou expressões captadas
pelos sentidos.

O tipo de contacto que se efectua entre o dentista e o paciente determina a necessidade do


profissional de desenvolver atitudes que permitem um bom relacionamento, tranquilizando
o paciente e não provocando ansiedade e tensões desnecessárias, o que é tão importante
para o sucesso do tratamento quanto os conhecimentos técnicos e científicos e a destreza
manual do dentista.

Como já frisado anteriormente, uma das qualidades que mais facilitam essa relação é a
capacidade de empatia do dentista, essa característica permite que uma pessoa se coloca no
lugar de outra, e assim percebe os sentimentos presentes nela naquele momento.

Quando o paciente percebe que o dentista está realmente interessado e que está levando em
conta os vários aspectos envolvidos na situação, demostrando disponibilidade em ajudá-lo,

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e quando se sente compreendido em seus receios, sua confiança no profissional tende a
aumentar, assim como a aceitação e a colaboração com o tratamento proposto.

Assim compreende-se que a eficiência do dentista não depende apenas de sua competência
técnica, mas também dos conhecimentos psicológicos que permitem a compreensão de si
mesmo e de seu paciente em sua integridade bio-psico-social.

2.4- Elementos facilitador do relacionamento médico-paciente

Como demostram muitas pesquisas, o principal motivo de afastamento do sujeito do


consultório odontológico é o medo de sentir dor.

Alguns pacientes sentem o tratamento como potencialmente perigoso, tanto pela


possibilidade de dor e desconforto quanto por temerem que, ao longo dele, possam ocorrer
problemas que provocam danos estéticos e funcionais.

Sugundo Tollendal (1985), de forma consciente ou inconsciente, todos os clientes são


portadores de um certo nível de ansiedade ante a expectativa da consulta odontológica, que
constitui para eles, um acto agressivo no qual sua intimidade será invadida numa zona, por
excelência erógena.

A estrutura do consultório, aparência e as atitudes do dentista e seus auxiliares estão entre


os principais elementos capazes de promover a aproximação do paciente, ajudando-o a
superar eventuais receios e aumentando sua disponibilidade para o tratamento
odontológico

O consultório

- Conotação positiva, segurança, acolhedor, facilidade de acesso, endereço bem localizado,


organização da sala de recepção. Os cuidados higiénicos e o conforto do paciente pode
demostrar disponibilidade e cortesia no trato pessoal.

Não é aconselhável manter muito tempo os pacientes na sala de espera, só aumentará a


tensão, para alem do cansaço;

- se o paciente for uma criança, procura mantê-lo ocupado com brinquedos ou jogos, livros
de banda desenhada.
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- Asseio do dentista, higiene, seu material de trabalho.

2.5- Os primeiros contactos com o paciente

Assim como o tratamento odontológico, a aplicação da Psicologia também começa na


anamnese. O cirurgião-dentista precisa alimentar um relacionamento com o paciente,
ouvindo-o não para descobrir qual dente está incomodando, mas para saber o que o
incomoda e o que ele espera do tratamento.

As primeiras impressões são parte integrante da estruturação da relação médico-paciente.


As atitudes do dentista deve pautar-se pela valorização das necessidades, dos desejos,
sentimentos e problemas dos seus pacientes.

- Saudações cordeais, sorriso, chamar pelo nome, enfim, cria um vínculo afectivo.

- A anamnese é um recurso imprescindível para o planejamento das sessões, pois fornece


os dados da saúde física e mental do paciente, sua estabilidade emocional, sua história
odontológica, interesses actuais e eventuais sensibilidades a medicamentos ou
procedimentos, evitando surpresas desagradáveis ou perigosas ao longo do trabalho.

Após a avaliação das condições odontológicas, o tratamento necessário deve ser explicado
em palavras de fácil entendimento, de forma a permitir que o paciente possa tomar
decisões sobre o assunto.

Entre os contactos está a chamada consulta de orçamento, na qual o plano de tratamento e


os custos dele decorrente, após cuidadosa elaboração, são submetidos ao paciente. As
decisões devem abranger a natureza dos procedimentos e as alternativas terapêuticas,
respeitando-se a autonomia do paciente e sua concordância com o proposto pelo dentista.

O profissionalismo exige uma preocupação com as expectativas do paciente, assim como


um diálogo que deixe claro o que pode ser esperado no tratamento. Quando o profissional
não vê esses aspectos, acaba realizando os procedimentos de forma automática e, muitas
vezes, os pacientes não aprovam o trabalho porque ´imaginavam´ algo muito diferente, ou
por causa das dores etc.

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Além disso, o encaminhamento do paciente a um profissional de saúde mental também é
problemático. Muitos dentistas têm medo de perder os pacientes, de serem mal
interpretados. Isso ainda é sinal de que o profissional não entendeu realmente como se dá o
trabalho em equipa e nem o porquê da sua necessidade.

BIBIOGRAFIAS

 Atkinson, R. L. at al. (2002). Introdução à psicologia, 13ª edição, S. Paulo: Ertmed


Editora.
 Cabral, A & Nick, E. (2007). Dicionário técnico de psicologia, 13ª edição, S.
Paulo: Editora Cultrix.
 Manteiro, M. & Dos Santos, M. R. (1998). Psicologia. 2º Parte. Lisboa: Porto
Editora.
 Richard, M. (1998). As correntes da Psicologia. Lisboa: Instituto Piaget.
 Seger, L. (2009). Psicologia & Odontologia: uma abordagem integradora. São
Paulo: Editora Santos,
 Wolf, S. (2002) Psicologia no consultório odontológico. 2ª Ed. São Paulo: Arte e
Ciência.

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