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Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas

Faculdade de História

Whitechapel, 1888:

os crimes de Jack, o Estripador, a imprensa e a sociedade londrina

Amanda Suzana Ferreira Affonso – RA 15005101

Campinas

2018
AMANDA SUZANA FERREIRA AFFONSO

WHITECHAPEL, 1888:
OS CRIMES DE JACK, O ESTRIPADOR, A IMPRENSA E A SOCIEDADE
LONDRINA

Trabalho de conclusão do curso de


Bacharelado em História na Pontifícia
Universidade Católica de Campinas.

CAMPINAS
2018

2
Aos meus queridos pais, João e Alexsandra
Affonso, com muito amor e gratidão. Sempre
teremos Londres.

3
RESUMO

Os crimes cometidos pelo assassino desconhecido, famoso pelo nome de Jack, o


Estripador, que ocorreram no ano de 1888, no bairro de Whitechapel, na cidade de
Londres, tiveram como vítimas cinco mulheres pobres, sujeitas à prostituição como
forma de sobrevivência. Devido ao caráter misterioso do assassino, os eventos de
1888 ganharam forte repercussão midiática, indo contra os padrões jornalísticos
vitorianos e representando uma mudança significativa no espaço de fala dos
moradores dos bairros que compunham o Leste londrino. Esse trabalho buscou
realizar um panorama geral da moral vitoriana, do East End e seus problemas
sociais, e, principalmente, de como foi feita a cobertura jornalística dos crimes,
visando compreender em que medida a mídia pode auxiliar e conduzir mudanças na
estética da cidade de Londres.

Palavras-chave: imprensa; mídia; Jack, o Estripador; Londres; século XIX;


vitorianismo; Whitechapel.

4
ABSTRACT

The crimes committed by an unknown killer, famous by the name of Jack the Ripper,
that happened in the year of 1888, in the Whitechapel district of London, had as
victims five women of low-income, who were subject to prostitution as the main mean
of survival. Due to the mystery of who the killer was, the events of 1888 received
significant repercussion by the press, uncommon to Victorian journalistic patterns
that represented a change in the space for the complaints of the poor inhabitants of
East London. This project tried to put together the Victorian morals in perspective
with the social problems and conditions of the East End and, most importantly, with
the way the crimes were covered by the newspapers, the intent being the
comprehension of how the media was able to help and permit changes in the
aesthetics of the city of London.

Key-words: press; media; Jack the Ripper; London; nineteenth century; victorianism;
Whitechapel.

5
SUMÁRIO

Introdução..............................................................................................................8

1. O Outono do Terror..........................................................................................10

1.1 O Terror Continuado............................................................................22

2. Paradoxo e Poder............................................................................................26

2.1 Vitorianismo, ou o Fim da Espontaneidade.........................................26

2.2 Prostituição: “o grande mal social”......................................................28

2.3 O East End..........................................................................................32

3. “Extra! Extra! Read all about it!”.......................................................................39

Conclusão............................................................................................................49

Bibliografia...........................................................................................................52

6
“É justo evoluirmos com a ciência, festejando a prosperidade,

Quando crianças perdem a alma e o sentido em meio à lama da cidade?

Entre os becos sombrios, onde pés paralíticos travam o progresso

O crime e a fome lançam milhares de donzelas ao próprio sucesso

Lá onde o patrão negligencia à pobre costureira o pão de cada dia

E humildes sótãos imundos guardam vivos, mortos e moribundos

Onde o fogo latente da febre crepita através do apodrecido chão

E o abarrotado sofá do incesto multiplica os filhos da destituição”

Lord Alfred Tennyson (1886)

7
Introdução

O turbulento século XIX e seus muitos acontecimentos notáveis são vitais para
a compreensão de como foi construída a realidade como a conhecemos; é, por
assim dizer, um século bastante decisivo.

Suas últimas décadas – em especial a de 1880 -, porém, marcaram a história


da cidade de Londres, centro do Império Britânico, para sempre. Havia mais eventos
ocorrendo na cidade do que apenas o fervente capitalismo, sempre acompanhado
de seu avanço tecnológico desenfreado, que caracteriza o século como uma época
de grandes conquistas; havia, também, o turbilhão de problemas sociais que
atingiam a maioria extrema da população londrina.

No ano de 1888, ocorreu uma série de assassinatos envolvendo cinco


mulheres de baixíssima renda, moradoras de um caótico bairro de Londres,
denominado Whitechapel, e dependentes da prostituição para saciar a fome e evitar
o frio, presas a uma sobrevivência cruel. O assassino, nunca capturado, ficou
conhecido por Jack, o Estripador e tornou-se rapidamente uma lenda local.

Seus crimes obtiveram grande repercussão na mídia, atingindo a população


londrina como um todo. Ao descrever graficamente as circunstâncias dos crimes,
bem como as condições sociais do bairro, os jornais criaram, então, um espaço de
denúncia e debate dessas questões menos ‘agradáveis’.

Inicia-se, nessa época, então, um debate acerca de um vasto leque de


assuntos, em sua maioria, dizendo respeito à questão dos marginalizados.
Prostituição, pobreza, fome e poluição são alguns dos exemplos.

Londres estava dividida em duas: de um lado, havia um vitorianismo1 gélido e


pudico – restrito a uma minoria abastada –, detentor de poder e capital suficientes
para garantir uma série de caprichos, que hoje são tão característicos quanto a
famosa rigidez para com o comportamento em público. Oposto a isso, havia a
nuvem de fumaça, fome e doença que pairava sobre os bairros pobres, limitando
seus habitantes a uma existência breve e difícil.

1'Vitorianismo' é o termo utilizado para fazer referência tanto ao período de governo da Rainha Victória (1837-
1901) quanto à cultura inglesa vigente durante a maior parte do século XIX e, até mesmo, início do XX – mesmo
após a morte da mulher que nomeara tal cultura.
8
Para a primeira faceta londrina, as maravilhas tecnológicas representavam a
joie de vivre, enquanto que, para a segunda, em nada afetavam o cotidiano, pois
sequer pareciam algo a almejar. Os frutos do capitalismo inglês pareciam tão
inatingíveis aos pobres quanto, aos ricos, a vida da classe trabalhadora parecia
apenas um exagerado e grotesco penny dreadful2. A vida do pobre estava confinada
aos bairros distantes do centro – isolados em sua própria solidão e sem meios de
comunicação com o restante da cidade.

A frase de Charles Dickens que abre “Um Conto de Duas Cidades” pode ser
extrapolada para compreender essa “sociedade dual por excelência”3 tratada aqui: "It
was the best of times, it was the worst of times."4. Londres abrigava,
simultaneamente, o paraíso dos ricos e o abismo dos pobres.

2 Termo pejorativo utilizado no século XIX para se referir aos baratos (daí 'penny', como o centavo inglês) e
populares jornais contendo histórias de terror em série, publicadas semanalmente.
3 CHARLOT, M. & MARX, R. 1990.

4 Tradução Livre: "Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos."

9
1. O Outono do Terror

Cinco mulheres. Setenta dias. Vinte e cinco oficiais de polícia envolvidos.


Esses foram os acontecimentos que marcaram o outono cruel que Whitechapel

viveu naquele ano de 1888.

Whitechapel era como o palco das notícias trágicas – o alimento dos jornalistas
e espetáculo dos curiosos. Os oficiais da Divisão H da Polícia Metropolitana5 já
estavam acostumados com a condição caótica do bairro quando a figura misteriosa
do Estripador surgiu. Alguns meses antes da primeira vítima canônica de Jack, duas
mulheres haviam perdido suas vidas em circunstâncias grotescas e misteriosas.
Para os estudiosos do caso, os assassinatos de Emma Smith e Martha Tabram –
que ocorreram, respectivamente, em 3 de Abril e 7 de Agosto de 1888 – são

5 A Polícia Metropolitana de Londres (chamada, também, de ‘Met’), criada em 1829 por Sir John Peel, é
responsável pela região da ‘Grande Londres’, que engloba a extensão toda da cidade, com exceção do bairro
denominado ‘City’, ou ‘Square Mile’, que possui sua própria força policial. Seu quartel general é chamado de
Scotland Yard – nome que serve, muitas vezes, de metonímia para a própria Met.
10
desconsiderados como trabalho do Estripador por conta da quebra de um padrão
que estaria presente em todos os cinco assassinatos atribuídos a Jack.

Porém, historicizando os eventos, tanto moradores do bairro, como policiais e


jornalistas, pensavam tais crimes como o que de fato foram – uma vez que nos
desvinculamos do nome assombroso do assassino e da visão de algo já concluído:
uma série de eventos, cujas datas próximas apenas os tornava piores, que
aterrorizava não apenas as mulheres sujeitas à prostituição, mas também a
população local como um todo.

31 de Agosto de 1888

Um entregador chamado Charles Cross, de passagem pelas redondezas, às


3:45 da manhã, encontra o corpo de uma mulher em Buck’s Row. A identificação é
feita logo depois, por uma colega de workhouse6: aquela era Mary Ann Nichols, que
preferia ser chamada de Polly, quarenta e três anos, prostituta, tez escura, cabelo
quase grisalho e cinco dentes da frente faltando.

A indignação quanto ao assassinato de Polly Nichols.


Fonte: Illustrated Police News, 01/09/1888. Acesso: British Newspaper Archive.

6 Extremamente presentes na sociedade vitoriana britânica, as workhouses eram locais onde pessoas pobres
podiam trabalhar – na maioria das vezes em trabalhos braçais – em troca de abrigo e comida, geralmente
limitado a uma noite. Eram como refúgios do frio e da fome, de caráter temporário.
11
As condições do corpo, reportadas pelo médico legista, compuseram, então, a
principal notícia do jornal da manhã, que apresentava o novo assassinato como o
terceiro mistério de Whitechapel, cujo autor ainda não possuía nome nem face:

(...) ele a descobriu com um corte que ia quase de orelha a


orelha. (...) Um exame posterior mais detalhado do corpo apontou a
natureza horripilante do crime, pois a parte inferior do corpo da
mulher havia sido terrivelmente mutilado por três ou quatro cortes
profundos. Qualquer daqueles ferimentos teria sido suficiente para
causar sua morte.7

As últimas horas de vida de Polly Nichols chegam ao conhecimento popular


pelas palavras de Emily Holland8, ex-colega de quarto. Buscando trabalho, ela havia
perambulado pela rua Whitechapel, frequentado o pub9 Frying Pan, e assistido ao
incêndio na Doca Shadwell apenas uma hora antes de sua morte. Holland conta à
polícia, então, que Polly não podia retornar ao alojamento, que costumavam dividir,
pela falta de dinheiro, e que, por conta disso, optara por um abrigo mais barato e
menos seguro – homens e mulheres dormiam no mesmo ambiente -, o White House.
Segundo a colega, Nichols juntara o dinheiro do aluguel três vezes durante o dia,
mas não fora capaz de resistir ao gim, e, por isso, teve de prolongar a noite de
trabalho. Polly, confiante de que conseguiria o dinheiro antes do amanhecer, em
virtude do chapéu novo que comprara, gabou-se uma última vez: “Olhe só que lindo
chapéu eu comprei!”10.

8 de Setembro de 1888

De acordo com o testemunho de Elizabeth Long11, eram exatamente 5:30 da


manhã quando, caminhando para o Mercado de Spitalfields, avistara Annie
Chapman – posta contra a parede – conversando com um estranho na frente da
residência 29 da rua Hanbury. Apenas trinta minutos depois, a polícia seria acionada

7 Daily News, 1º de Setembro de 1888. Disponível via assinatura no British Newspaper Archive. Original: “(…) he
discovered that her throat was cut almost from ear to ear. (…) A further examination showed the horrible
nature of the crime, for the lower part of the woman's body was found to have been horrible mutilated by
three or four deep gashes. Any one of the wounds was sufficient to cause death.”
8 The Times, 4 de Setembro de 1888. Disponível via assinatura no British Newspaper Archive.

9 Tipo específico de bar inglês, cujo nome é um encurtamento de ‘public house’, que quer dizer ‘casa pública’.

10 Original: “See what a jolly bonnet I’ve got now!”.

11 Daily News, 20 de Setembro de 1888. Disponível via assinatura no British Newspaper Archive.

12
por John Davis, morador do terceiro andar desse mesmo endereço, que se deparara
com uma mulher morta em seu quintal.

O corpo de Chapman, identificado por Amelia Farmer – ex-colega de quarto da


vítima -, é encontrado em condições ainda piores que as de Polly Nichols. Farmer
descreve a falecida como uma pessoa sóbria e quieta, que buscava seu sustento da
maneira mais ‘respeitável’ possível – Annie se mostrava sempre relutante à
prostituição. Fisicamente, apresenta sua colega como uma mulher de quarenta e
sete anos, de tez pálida, truculenta e tuberculosa.

A reportagem do jornal Daily News, que data de dois dias após o assassinato,
além de mencionar a inadequação da polícia, acrescenta alguns detalhes acerca
das condições do corpo da vítima:

A cabeça de Annie Chapman, a falecida, havia sido quase


arrancada do corpo por um golpe de faca afiada, e suas entranhas
misturadas haviam sido expostas por cima dela, de uma maneira que
sugere deleite no ato de massacrar do assassino.12

Há, ainda, um destaque do médico legista para


a precisão dos cortes feitos no corpo da vítima,
presentes também no corpo de Mary Ann
Nichols, que indicavam um alto nível de
conhecimento de medicina e do corpo humano
no geral. Após indicar um instrumento possível
de ter sido utilizado, o médico em questão
afirmava, em entrevista ao jornal, que não poderia ter feito os cortes com a mesma
‘maestria’.

‘Brutal’, ‘chocante’ e ‘imundo’ foram alguns dos adjetivos escolhidos pelos


jornais para estampar suas manchetes. O quarto assassinato misterioso de
Whitechapel, então, parecia o pior até o momento.

12Daily News, 10 de Setembro de 1888. Disponível via assinatura no British Newspaper Archive. Original: The
head of Annie Chapman, the latest, had been nearly severed from her body by one stroke of a sharp knife, and
her mangled remains had been disposed about her in a way that suggested a delight in the slaughter for the
slaughter's sake.”.
13
10 de Setembro de 1888

Descontente com a performance da polícia e preocupado com o comércio local


– intensamente afetado pelos assassinatos –, George Lusk, construtor e decorador,
decide-se por montar sua própria patrulha de segurança, separada de qualquer
órgão oficial do governo. É criado, então, o Whitechapel Vigilance Committee
(WVC): grupo de voluntários locais decididos a aumentar a segurança nas ruas do
bairro, bem como a encontrar o assassino.

Armados com apitos, galochas e cassetetes, os membros do Comitê vigiam


becos escuros, principalmente durante a noite. Além da patrulha, suas funções
eram, também, ir atrás de informações sobre o assassino da maneira que
pudessem.

27 de Setembro de 1888

Um envelope chega na Central News Agency13 (CNA), destinado ao ‘Chefe’.


Dentro, uma carta, escrita em tinta vermelha, assinada por ‘Jack, o Estripador’: trata-
se da primeira menção ao nome. A carta em questão, famosa como “the ‘Dear Boss’
letter”, seria não apenas a origem da lenda do Estripador, mas, também, a primeira
de muitas que a agência de serviços de distribuição de notícias receberia.

Entre os estudiosos do caso, há divergência de opiniões acerca de sua


veracidade. O vocabulário utilizado na carta em questão é bastante simples e há
diversos erros de ortografia – o que divide a opinião dos especialistas acerca de seu
remetente. Apesar de ter sido recebida no dia 27 de Setembro, a carta só foi
publicada pelos jornais no dia 1º de Outubro. Em seu conteúdo, porém, há uma
previsão acerca dos eventos do dia 30 de Setembro:

Caro chefe,

Tenho ouvido mais e mais rumores de que a polícia conseguiu


me pegar, mas sabemos que isso não vai acontecer tão cedo. Eu rio
quando eles, com cara de espertos, dizem que estão seguindo a pista
certa. Aquela piada sobre o Avental de Couro14 me deu um ataque de

13Fundada em 1863, por William Saunders e Edward Spender, a Central News Agency era um centro de
distribuição de notícias – serviço que existe até hoje.
14
riso. Estou atrás das putas e não vou parar de estripá-las até que me
capturem. Meu último trabalho foi grandioso, a dama não teve tempo
nem de gritar. Como podem me capturar agora, eu amo meu trabalho
e quero recomeçar. Você em breve ouvirá falar de mim e de meus
joguinhos engraçados. Eu guardei um pouco da coisa vermelha do
último trabalho numa garrafa de cerveja para usar de tinta, mas ficou
espesso como cola e não consigo usar. Tinta vermelho dá pro gasto,
eu espero ha. ha. No próximo trabalho que eu fizer, arrancarei fora
as orelhas da dama e mandarei para a polícia, só pela diversão, você
não faria o mesmo? Guarde essa carta até que eu realize mais algum
trabalho e então passe adiante. Minha faca é ótima e afiada que a
quero colocar pra trabalhar assim que puder, boa sorte.

Inteiramente seu,

Jack, o Estripador.

Desculpe fornecer apenas o nome profissional.

Não estava boa o suficiente pra postar antes, pois sujei tudo de
tinta vermelha com as minhas amaldiçoadas mãos. Vocês não
tiveram sorte ainda. Estão dizendo agora que sou médico ha ha.15

Ao mencionar que cortaria as orelhas da próxima vítima, o autor previa algo


que de fato ocorreria com Catherine Eddowes.

30 de Setembro de 1888

Louis Diemschutz, vendedor de bijuterias e membro do International Working


Men’s Educational Club16, retornando do trabalho à 1 da manhã, nota a relutância de

14 ‘Leather Apon’, ou ‘Avental de Couro’, é o nome pelo qual o assassino foi chamado durante os dois primeiros
assassinatos canônicos, devido à uma falsa pista seguida pela polícia – um pedaço de um avental de açougueiro
de couro que fora encontrado na rua. A polícia divulgara a informação aos jornais, buscando encontrar a
identidade do assassino.
15 Fonte: Casebook: Jack the Ripper. Original: “Dear Boss, I keep on hearing the police have caught me but they

won't fix me just yet. I have laughed when they look so clever and talk about being on the right track. That joke
about Leather Apron gave me real fits. I am down on whores and shan’t quit ripping them till I do get buckled.
Grand work the last job was, I gave the lady no time to squeal. How can they catch me now, I love my work and
want to start again. You will soon hear of me with my funny little games. I saved some of the proper red stuff in
a ginger beer bottle over the last job to write with but it went thick like glue and I can’t use it. Red ink is fit
enough I hope ha. ha. The next job I do I shall clip the lady’s ears off and send to the police officers just for jolly,
wouldn’t you. Keep this letter back till I do a bit more work then give it out straight. My knife's so nice and
sharp I want to get to work right away if I get a chance, good luck.

Yours truly,

Jack the Ripper.

Don’t mind me giving the trade name. Wasn't good enough to post this before I got all the red ink off my
hands, curse it. No luck yet. They say I'm a doctor now ha ha.”

15
seu pônei em avançar diante de algo no escuridão de Dutfield’s Yard. Descobre,
então, com a ajuda de companheiros do clube, uma mulher cuja garganta havia sido
dilacerada. O corpo ainda está quente, então Diemschutz se gaba de ter assustado
o Estripador com seu cabriolé.

Na delegacia de Bishopsgate, também à 1 da manhã, o policial Hutt abria o


portão para que – ainda embriagada – Catherine Eddowes fosse solta, despedindo-
se ironicamente e mostrando bom humor. Ela se direciona para a rua Fenchurch,
onde poderia encontrar clientela. Quarenta e cinco minutos mais tarde, o policial
Watkins – após terminar sua ronda, interrompida por uma pausa para um chá –
encontra o corpo de Eddowes em Mitre Square.

Posteriormente identificada pela irmã como Elizabeth Stride, a primeira vítima


daquela noite fora uma exceção em meio ao padrão que vinha se repetindo: seu
corpo não havia sido estripado. Além disso, o corte em sua garganta não
apresentava a precisão de cirurgião encontrada nas demais mulheres, mas, sim,
marcas de tremor
típicas de pressa
e/ou nervosismo.
Por conta desses
fatos, é consenso
entre os estudiosos
do caso pensar que
o assassino ouvira
a chegada de Louis
Diemschutz e
decidira ir embora
sem ‘completar seu
trabalho’.

16 Localizado no número 40 da rua Berner, o International Working Men’s Club era um clube, frequentado
principalmente por anarquistas e social-democratas, onde aconteciam palestras sobre política, economia e
literatura. Era um local para o planejamento de greves, marchas e atos políticos, visando organizar os
trabalhadores. Ocasionalmente, o clube também organizava danças e teatros.
16
O corpo da segunda vítima, por sua vez, sofrera todo tipo de violências
encontradas nas demais mulheres – talvez configurando o assassinato mais brutal
da série, até então:

A cena encontrada foi extremamente horrível. A mulher, que


aparentemente tinha 40 anos de idade, estava de costas para o chão,
morta, embora seu corpo ainda estivesse quente. Sua cabeça estava
inclinada para a esquerda, sua perna esquerda esticada e a direita,
dobrada. Ambos os braços estavam estendidos. A garganta havia
sido cortada até a metade do pescoço, num ferimento apavorante, do
qual fluía sangue em grandes quantidades, deixando uma larga
mancha no pavimento. Da bochecha direita até o nariz, havia outro
corte, e parte de sua orelha direita havia sido arrancada. Seguindo o
padrão dos assassinatos de Whitechapel, o criminoso não se
contentou em apenas matar a vítima. A pobre mulher foi estripada e
tinha seus intestinos postos junto ao pescoço.17

Os assassinatos, embora próximos geograficamente, localizavam-se em


diferentes jurisdições – o que, na prática, acabava por afastá-los drasticamente: o
corpo de Elizabeth Stride fora encontrado no território da Metropolitan Police – tal
qual os anteriores -, enquanto o de Catherine Eddowes, no da City of London
Police18. Isso viria a acrescentar dificuldades na resolução do caso.

Essas mortes do tumultuoso dia 30 de Setembro ficariam conhecidos como ‘o


Evento Duplo’ e acrescentariam boas doses de terror à população local.

1º de Outubro de 1888

A carta “Dear Boss” é finalmente publicada pelos jornais, junto das conclusões
do médico legista acerca do Evento Duplo. A junção das duas informações causa
um alvoroço na população, que adota de imediato o nome apresentado,

17 Daily News, 1º de Outubro de 1888. Disponível via assinatura no British Newspaper Archive. Original: “The
scene then disclosed was a most horrible one. The woman, who was apparently about 40 years of age, was
lying on her back, quite dead, although the body was still warm. Her head was inclined to the left side, her left
leg being extended, whilst the right was bent. Both arms were extended. The throat was cut half-way round,
revealing a dreadful wound, from which blood had flowed in great quantity, staining the pavement for some
distance round. Across the right cheek to the nose was another gash, and a part of the right ear had been cut
off. Following the plan in the Whitechapel murders, the miscreant was not content with merely killing his
victim. The poor woman had been completely disemboweled, and part of the intestines had been laid on her
neck.”
18Previamente mencionado, o ‘Square Mile’ de Londres é um bairro praticamente independente do restante da
cidade. Possui sua própria prefeitura, bem como sua força policial, a City of London Police, fundada em 1839.
17
teoricamente, pelo próprio assassino. Dali para frente, a polícia estaria atrás não de
uma incógnita, mas, sim, de Jack, o Estripador – fosse ele quem fosse.

Na sede da CNA, chega uma outra correspondência assinada por Jack, o


Estripador. Dessa vez, trata-se de um cartão-postal. A caligrafia é bastante
semelhante àquela da primeira carta – e, inclusive, faz referências a ela:

Eu não estava brincando, caro chefe, quando te dei a dica,


você vai ouvir falar sobre o trabalho do Atrevido Jack amanhã. Evento
duplo dessa vez. A número um fez um pouco de barulho, então não
consegui terminar, ha. Não tive tempo de pegar as orelhas para a
polícia. Obrigada por manter minha carta aí até que eu voltasse a
trabalhar.

Jack, o Estripador.19

O postal se refere, ainda, ao Evento Duplo antes da divulgação nos jornais da


maneira exata como ocorreu, considerando o horário em que fora entregue à CNA.

16 de Outubro de 1888

George Lusk, ao coletar suas correspondências, depara-se com uma caixinha


de papelão. Em seu conteúdo, metade de um rim humano – preservado em vinho –
e uma carta ameaçadora, datada do dia anterior:

Do Inferno.

Sr. Lusk,

Te envio metade do rim que tirei de uma mulher e preservei pra


você. O outro pedaço eu fritei e comi, estava muito bom. Talvez eu te
mande a faca sangrenta que usei pra tirar ele, se você esperar mais
um pouco.

Assinado Prenda-me se for capaz, Senhor Lusk.20

19Fonte: Casebook: Jack the Ripper. Original: “I was not codding, dear old Boss, when I gave you the tip, you'll
hear about Saucy Jacky's work tomorrow. Double event this time. Number one squealed a bit, couldn't finish
straight off, ha. Not the time to get ears for police. Thanks for keeping last letter back till I got to work again.

Jack, the Ripper.”


20 Fonte: Casebook: Jack the Ripper. A carta, em seu original, contém diversos erros de escrita, talvez
intencionais. A tradução acima leva isso em consideração. Original: “From Hell.

Mr Lusk,

18
Há grande debate acerca da veracidade dessa carta. Sua caligrafia difere
bastante das demais – mencionadas previamente. O nível de instrução gramatical
do autor, a menos que fosse um disfarce, também se afasta por demasiado das
outras. Um fato a favor da crença de que teria sido escrita pelo assassino, porém, é
o relatório do Dr. Openshaw que, examinando o conteúdo, afirmara grande
compatibilidade, em tamanho e formanto, entre o pedaço de rim contido na caixa e
aquele tirado do corpo de Catherine Eddowes.

17 de Outubro - 8 de Novembro de 1888

Quase um mês se passa. O alvoroço local não diminui, mas, em compensação,


não aumenta. As críticas à polícia continuam ferozes. O WVC apela mais e mais ao
Parlamento, buscando que seja ofertado algum tipo de recompensa pela cabeça do
assassino. Os jornais especulam, baseados na avalanche de cartas – todas tidas
como falsas – recebidas pela Scotland Yard. O silêncio do assassino aflora o
imaginário popular.

9 de Novembro de 1888

Como primeira tarefa da manhã, Thomas Bowyer, militar aposentado e


funcionário de uma loja de velas, é mandado por seu chefe, John McCathy, para
coletar aluguéis atrasados. Um dos endereços que precisa visitar é o número 13 da
Miller’s Court, onde mora a jovem Mary Jane Kelly (MJK).

Thomas bate incessantemente na porta, mas não obtém sucesso. Preocupado


em retornar sem o pagamento, decide abrir uma fresta na cortina – através do vidro
quebrado – para espreitar. A visão do interior do quarto não é nada agradável,

Sor, I send you half the kidne I took from one woman and prasarved it for you tother piece I fried and ate it was
very nise. I may send you the bloody knif that took it out if you only wate a whil longer.

Signed catch me when you can, Misther Lusk.”

19
conforme sua própria descrição: “Eu vi dois pedaços de carne humana na mesa e
sangue no chão.”21.

Bowyer informa McCathy. O locatário, vendo a cena do crime com seus


próprios olhos, corre até a estação de polícia da rua Commercial. O corpo da vítima
é encontrado pelos oficiais em condições inimagináveis, reportadas com precisão no
relato postmortem do Dr. Thomas Bond:

O cadáver foi encontrado nu e no meio da cama, de ombros


retos, mas com o eixo do corpo inclinado para o lado esquerdo da
cama. A cabeça estava virada sobre a face esquerda do rosto. O
braço esquerdo estava próximo ao corpo, com o antebraço flexionado
em um ângulo reto e deitado sobre o abdômen.

O braço direito estava ligeiramente afastado do corpo e jazia


no colchão. O cotovelo estava dobrado, o antebraço inerte com os
dedos cerrados. As pernas estavam bem afastadas, a coxa esquerda
em ângulo reto em relação ao tronco, e a coxa direita formando um
ângulo obtuso com o púbis.

Toda a superfície do abdômen e das coxas foi removida e a


cavidade abdominal foi esvaziada de suas vísceras. Os seios foram
cortados fora, os braços mutilados por diversas feridas irregulares e a
face mutilada até a desfiguração. Os tecidos do pescoço foram
arrancados de todos os lados até os ossos.

A roupa de cama ao canto direito estava saturada de sangue e,


no chão abaixo, havia uma poça de sangue cobrindo algo em torno
de dois pés quadrados. A parede ao lado direito da cama e em
alinhamento com o pescoço estava marcada por sangue que a
acertou em diversos esguichos distintos.

O pescoço foi cortado além da pele e outros tecidos até as


vértebras, a quinta e a sexta delas estando profundamente marcadas.
Os cortes na pele da frente do pescoço mostraram equimoses
severas. A passagem de ar foi cortada na parte inferior da laringe
através da cartilagem cricoide.

Os dois peitos foram mais ou menos removidos por incisões


circulares, o músculo que chega até as costelas foi unido a eles. Os
intercostais entre as quarta, quinta e sexta costelas foram cortados e
o conteúdo do tórax estava visível pelas aberturas.

A pele e os tecidos do abdômen, do arco das costas ao púbis,


foram removidos em três grandes abas. A coxa direita foi descoberta
em sua frente até o osso, a aba de pele, incluindo os órgãos externos
de geração e parte da nádega direita. A coxa esquerda teve suas
fáscias e músculos removidos até o joelho.

21The Times, 13 de Novembro de 1888. Disponível via assinatura no British Newspaper Archive. Original: “I saw
two pieces of flesh lying on the table and blood on the floor.”.
20
A panturrilha esquerda mostrava um rasgo longo através da
pele e dos descidos até os músculos profundos, estendendo-se do
joelho até cinco polegadas acima do tornozelo.

Os dois braços e antebraços tinham feridas extensivas e


denteadas. O dedão direito mostrava uma incisão pequena e
superficial de aproximadamente uma polegada de comprimento, com
extravasamento de sangue sob a pele e havia diversas abrasões nas
costas da mão na mesma condição.

Na abertura do tórax foi descoberto que o pulmão direito estava


minimamente aderente por aderências velhas e firmes. A parte de
baixo do pulmão estava quebrada e arrancada. O pulmão esquerdo
estava intacto. Esse estava aderente no ápice e havia algumas
aderências em sua latera. Nas substâncias do pulmão haviam
diversos nódulos de consolidação.

O pericárdio foi aberto abaixo e o coração estava ausente. Na


cavidade abdominal havia alguma comida parcialmente digerida,
peixe e batata, e restos similares foram achados nos restos do
estômago que estava unido aos intestinos.22

22 Fonte: Casebook: Jack the Ripper. Original: “The body was lying naked in the middle of the bed, the shoulders
flat but the axis of the body inclined to the left side of the bed. The head was turned on the left cheek. The left
arm was close to the body with the forearm flexed at a right angle and lying across the abdomen. The right arm
was slightly abducted from the body and rested on the mattress. The elbow was bent, the forearm supine with
the fingers clenched. The legs were wide apart, the left thigh at right angles to the trunk and the right forming
an obtuse angle with the pubes. The whole of the surface of the abdomen and thighs was removed and the
abdominal cavity emptied of its viscera. The breasts were cut off, the arms mutilated by several jagged wounds
and the face hacked beyond recognition of the features. The tissues of the neck were severed all round down
to the bone. The viscera were found in various parts viz: the uterus and kidneys with one breast under the
head, the other breast by the right foot, the liver between the feet, the intestines by the right side and the
spleen by the left side of the body. The flaps removed from the abdomen and thighs were on a table. The bed
clothing at the right corner was saturated with blood, and on the floor beneath was a pool of blood covering
about two feet square. The wall by the right side of the bed and in a line with the neck was marked by blood
which had struck it in a number of separate splashes. The face was gashed in all directions, the nose, cheeks,
eyebrows, and ears being partly removed. The lips were blanched and cut by several incisions running obliquely
down to the chin. There were also numerous cuts extending irregularly across all the features. The neck was
cut through the skin and other tissues right down to the vertebrae, the fifth and sixth being deeply notched.
The skin cuts in the front of the neck showed distinct ecchymosis. The air passage was cut at the lower part of
the larynx through the cricoid cartilage. Both breasts were more or less removed by circular incisions, the
muscle down to the ribs being attached to the breasts. The intercostals between the fourth, fifth, and sixth ribs
were cut through and the contents of the thorax visible through the openings. The skin and tissues of the
abdomen from the costal arch to the pubes were removed in three large flaps. The right thigh was denuded in
front to the bone, the flap of skin, including the external organs of generation, and part of the right buttock.
The left thigh was stripped of skin fascia, and muscles as far as the knee. The left calf showed a long gash
through skin and tissues to the deep muscles and reaching from the knee to five inches above the ankle. Both
arms and forearms had extensive jagged wounds. The right thumb showed a small superficial incision about
one inch long, with extravasation of blood in the skin, and there were several abrasions on the back of the hand
moreover showing the same condition. On opening the thorax it was found that the right lung was minimally
adherent by old firm adhesions. The lower part of the lung was broken and torn away. The left lung was intact.
It was adherent at the apex and there were a few adhesions over the side. In the substances of the lung there
were several nodules of consolidation. The pericardium was open below and the heart absent. In the
abdominal cavity there was some partly digested food of fish and potatoes, and similar food was found in the
remains of the stomach attached to the intestines.”

21
Esse relato foi escrito por Bond um dia após o exame do corpo, para ser
enviado à Scotland Yard. O documento, que esteve na posse da polícia durante o
final do século XIX, perdeu-se no começo do XX e foi recuperado apenas em 1987,
anonimamente.

A vítima é descrita por uma amiga, Maria Harvey, como belíssima e “muito
superior às demais moças nas mesmas condições que ela.”23. Sabe-se, também,
através de relatos de diversos outros conhecidos, que era irlandesa, loira, de olhos
claros, forte, agradável, falava galês fluente e partia corações. Nunca tivera dinheiro
e recorrera à prostituição durante diversas fases da vida.

A brutalidade extrema – presente, dessa maneira, apenas no caso de MJK –


encerra o ciclo de assassinatos de mulheres sujeitas à prostituição no bairro de
Whitechapel. Embora tenha havido outras mortes semelhantes, apenas essas cinco
são consideradas canônicas e parte dos ataques do Estripador. A figura desse
assassino ficaria no imaginário do povo, no medo cotidiano e nas notícias por muito
tempo, até que se dissipasse e passasse a representar uma lenda da cultura
popular.

1.1 O Terror Continuado

O caráter misterioso da série de assassinatos de Jack, o Estripador – nunca


resolvida – tomou conta do imaginário popular de maneira geral, saindo do âmbito
das notícias de jornal para se perpetuar no gênero do entretenimento de terror.

Existem milhares de produções inspiradas, direta ou indiretamente, pela figura


do Estripador em diversos meios, tais como literatura, cinema, teatro, música,
quadrinhos, jogos, arte, etc. A figura do assassino de Whitechapel está sempre
presente no terror e no mistério de detetive, desde durante os crimes, ainda em
1888.

Em 1997, criou-se o Ripperological Preservation Society (RPS), grupo de


voluntários preocupados em trazer à luz, preservar e divulgar publicações menos

23 Original: “much superior to most persons in her position in life“.


22
recentes acerca do Estripador, fictícias ou não, num recorte temporal que vai de
1888 até 1940. Com a ajuda desse grupo, diversos documentos estão agora
digitalizados em formato original e/ou publicados em forma de livro.

Analisando as publicações fictícias mais antigas sobre Jack, temos, por


exemplo, “Lord Jacquelin Burkeny: The Whitechapel Terror”, escrito por Rodissi24 em
1889 e redescoberto pela RPS em 1998. Um dos primeiros romances escritos sobre
o tema, o livro de Rodissi aponta o Estripador como um cirurgião perturbado pela
morte do pai, que se autodenomina ‘O Vingador’ durante seus surtos assassinos.
Trata-se de um livro curto, de apenas 152 páginas, mas produzido num contexto
extremamente próximo dos crimes, o que nos fornece uma visão mais realista do
tato de um contemporâneo em relação às mortes brutais das cinco mulheres.

Do outro lado do Atlântico, no mesmo ano, Allan Pinkerton – fundador da


Pinkerton National Detective Agency – escrevia um livro bastante completo,
denominado “The Whitechapel Murders: Or, an American Detective in London”.
Nesse livro, Pinkerton apresenta dados factuais sobre o caso e ilustrações, além da
narrativa fictícia, onde narra como teria sido resolvido o caso, se estivesse nas mãos
de seus detetives.

A moda estadunidense de pensar o caso em seu território não se limita às


especulações, presente em jornais como The New York Times, acerca da
possibilidade do Estripador ter fugido de Londres para Nova York, mas, também,
configura dezenas de roteiros para o entretenimento do povo. Essa ideia está
presente no livro “Jack the Ripper in New York”, de 1891, escrito por W. B. Lawson,
que imagina o Estripador continuando seus crimes em território norte-americano.

Publicações como essas, porém, não se limitaram a países de língua inglesa.


Há exemplares franceses, alemães, espanhóis, portugueses, etc. Um dos escritos
mais famosos sobre o assassino de Whitechapel é da autoria de Adolf Paul, um
sueco. Seu livro, escrito em 1892, cujo título original é “Uppskäraren” (‘O
Estripador’), reúne uma série de contos sobre mais do que apenas os crimes de
Jack – tratam-se temas como pedofilia, incesto e homossexualidade (visto aqui

24 Pseudônimo para Jacob Ringgold.


23
como crime, devido ao contexto da época). Sua visão dos crimes é bastante famosa
por incluir um diário imaginado do assassino.

Datando do começo do século XX, porém, estão algumas das produções mais
conhecidas, como “The Lodger”, de Marie Adelaide Belloc Lowndes, publicado como
livro em 1913. A história de Lowndes foi adaptada diversas vezes para o cinema,
bem como para o teatro e o rádio. A versão mais famosa, porém, é a do clássico
filme de Alfred Hitchcock, de 1927.

Outra adaptação bastante famosa do livro de Lowndes é a do programa de


rádio “Hollywood Star Time”, de 1946, em que um dos episódios, narrado pelo ator
Vincent Price, aborda o livro em questão.

Na decáda de 1940, ainda, há duas publicações interessantes. A primeira é de


1943, publicada pela revista Weird Tales25: o conto de Robert Bloch, “Your Truly,
Jack the Ripper”. Nessa versão, o autor mostra o assassino como um ser imortal,
que usa as vítimas como sacríficio para garantir sua imortalidade. Percebe-se, ao
analisar essa visão do Estripador, a noção inquietante que a não-resolução do caso
deixara no imaginário popular, fazendo com que surgissem cada vez mais histórias
em que o assassino continua seus crimes de alguma forma, buscando por um ponto
final no caso.

A segunda publicação é de 1944, final do período do Terceiro Reich alemão, e


tem por título original: “Der Teufel von Whitechapel” (‘O Demônio de Whitechapel’). A
versão nazista apresenta não apenas o caso do Estripador, mas, também, diferentes
crimes grotescos, ocorridos em solo inglês. O autor Michael Graf Soltikov aponta, ao
longo da narrativa, ‘falhas’ no caráter dos britânicos e em seu sistema de justiça – há
claramente um discurso anti-britânico e anti-semita.

Mais recentemente, porém, num recorte que vai da metade do século XX até
os dias atuais, a figura do Estripador aparece de maneira mais complexa e melhor
desenvolvida; menos introdutória – devido, talvez, ao maior número de estudos
acerca do caso. Torna-se mais comum, então, incluir a figura lendária do assassino
25Revista pulp estadunidense, criada em 1923, que publicava contos de horror e literatura fantástica. Dentre as
histórias que tornaram a revista notável, estão obras de autores como H. P. Lovecraft, Seabunry Quinn e Clark
Ashton Smith.
24
nas produções televisivas sem o caráter central. O Estripador, já estabelecido como
parte essencial da mitologia britânica, não necessita ser explicado e/ou apresentado
na cultura popular.

Dessa forma, percebe-se a aparição do assassino em episódios de séries,


como The “Twilight Zone” (1963), “Star Trek” (1967) e “The Sixth Sense” (1972), e
em histórias em quadrinhos, como a clássica “From Hell” (1989) de Alan Moore. Em
produções mais recentes, o Estripador é mencionado em “Ripper Street” (2012) –
série que se passa um ano após o término dos crimes –, “Penny Dreadful” (2014) e
no jogo de videogame “Assassin’s Creed Syndicate” (2015).

Seja como inspiração para clássicos do terror – como o Drácula de Bram


Stoker – ou como ‘plano de fundo’ para séries de TV, jogos e até livros nazistas, a
figura do Estripador paira sobre o mundo do entretenimento, como referência e fonte
de inspiração inesgotável. Com o tempo, deixa de assombrar o bairro e passa a
fascinar aqueles que encontram diversão no gênero em questão.

2. Paradoxo e Poder

2.1 Vitorianismo, ou o Fim da Espontaneidade


“A civilidade é alcançada pelas conquistas no exterior e pela repressão em casa.” – Stanley
Diamond

A Era Vitoriana, marcada pelo imperialismo, o capitalismo fervente, os avanços


tecnológicos e pela cientifização generalizada, inicia-se junto da subida da Rainha
Vitória do Reino Unido ao trono, em 1837, e acaba com a morte da mesma, em
1901. Desconsiderando a cronologia de seu reinado, porém, a visão de mundo e o

25
modo de viver desse período, conhecidos como vitorianismo, acabariam apenas
com o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918, tendo surgido – ainda que com
menos força e contando com apenas algumas de suas características principais –
com a queda de Napoleão, em 1815 (GAY, 1988, p. 11).

Logo, o período vitoriano (1815-1918) inicia-se antes da ascensão da mulher


que o nomeia, vive o auge durante seu governo e encerra-se anos após sua morte;
dessa maneira, será tratado aqui o fim do século XIX, mas não o fim do período
vitoriano.

O vitorianismo, então, inserido nesse contexto caótico de mudanças e de


fumaça, configura um modo de vida específico, que foi alvo de admiração e almejo
ao redor do globo. Dentre as muitas características marcantes da moral vitoriana,
moldada a partir dos costumes protestantes e do ideal capitalista, estão: seriedade,
rigidez, discrição, autocontrole e domesticação dos instintos – em especial, da
sexualidade.

Cada aspecto do comportamento vitoriano pode ser compreendido como parte


de um ‘processo civilizatório’ – tido tanto como verdade absoluta, quanto como um
sinal de progresso –, de uma busca pelo afastamento dos instintos ‘selvagens’;
busca essa que tornava o vitoriano – pelo menos, em seu próprio julgamento – um
‘ser superior’.

Distanciar-se, então, de tudo aquilo que remetia a civilizações pensadas como


‘inferiores’ envolvia automatizar o comportamento e a aparência. Para tal finalidade,
prezava-se a etiqueta, sempre seguida à risca, e os ‘bons costumes’, ensinados às
crianças, para que os repetissem imprescindivelmente. Além dessa mencionada
autorregulação, a higiene e a vestimenta, sempre muito sóbria, “numa tentativa de
dessexualizar a imagem pessoal” (SCHMITT, 2010, p. 64), eram, também,
controladas austeramente. Assim, sexualidade, violência, sujeira, doença, vício e
morte eram coisas associadas à selvageria, aquilo que é feio e mórbido, e que
deveriam sempre ser evitadas.

Havia um padrão aceitável a ser seguido e esse refletia diretamente na


reputação do indivíduo, que podia ser visto como um role model ou como fracasso.
26
Aquilo que era exigido das pessoas, portanto, servia para caracterizá-las como
adequadas ou inadequadas à sociedade. Para ter uma família, um trabalho, uma
vida ‘digna’, o sujeito deveria ser civilizado e contido, mas não apenas; um vitoriano
ideal era, também, atento para com sua parte a cumprir. E é nesse sentido que se
inserem os papéis estabelecidos de gênero.

Na visão capitalista já há muito instaurada, a humanidade encontraria redenção


e satisfação no trabalho – caminho direto para o ‘progresso’. Cabia aos homens,
teoricamente dotados de maior capacidade física e intelectual – aqui se percebe a
tendência à cientifização generalizada, que servia como justificadora oficial de
segregações e preconceitos –, então, o trabalho, a ciência, o comando – o controle
do mundo externo.

Quanto às mulheres, compreendidas como dóceis, sensíveis, solícitas e


dotadas de sabedoria materna natural, estavam limitadas aos deveres do lar –
verdadeiro paraíso na terra; idealizado espaço de privacidade, calmaria e virtudes –,
dentre eles, a criação dos filhos. As habilidades femininas serviam, assim, para o
controle do mundo interno, apenas.

A separação das esferas de atividades servia para mantê-las


convenientemente distantes do direito de voto, do direito de
frequentar uma instituição de aprendizado superior ou possuir conta
bancária independente, da igualdade nos processos de divórcio e de
outros direitos considerados privativos dos homens.26

Com o apoio da ciência, as fronteiras rígidas entre o masculino e o feminino


são justificadas socialmente. Dita-se com qual gênero determinadas atividades
podem ser relacionadas, ou, ainda, quais características devem ser esperadas numa
mulher ou num homem. Cria-se, assim, uma hipocrisia consciente, no sentido de
que a subserviência feminina, que a torna devota ao marido e apenas a ele, passa a
ser vista como natural, enquanto a rigidez para com o controle dos instintos sexuais
masculinos, desde que fossem de caráter heterossexual, se afrouxa (SCHMITT,
2010, p. 60). O escândalo e as extravagâncias permanecem repreensíveis, mas com
ressalvas em relação ao mundo masculino.

26 GAY, 2002, p. 68.


27
Logo, pensar a Era Vitoriana implica levar em consideração seus muitos
paradoxos. Na teoria, rigidez e sobriedade para todos; na prática, exceções para
alguns. Aí está a relação dos paradoxos com o poder: seus detentores abrem
brechas disfarçadas e justificadas para que possam demandar comportamentos
específicos do restante, para que possam controlá-los sem a necessidade de se
incluir na regra. A high society vitoriana espera de seus integrantes menos
poderosos um comportamento digno de Dr Jekyll, obrigando-os a reprimir totalmente
o Mr Hyde.

2.2 Prostituição: “o grande mal social”

A temida fuga do padrão estabelecido, tão cruelmente julgada e punida pelo


restante da sociedade, que compreendia tal juízo como parte de seu dever cívico,
então, configurava um extenso leque de atividades-tabu – algumas praticamente
restritas ao mundo feminino, como a prostituição, tema central desse trabalho, por
exemplo.

Compreendida como uma praga urbana, a prostituição ia contra todos os ideias


vitorianos: envolvia mulheres, conhecidas como “fallen women”27, que, desviando de
seus ‘deveres naturais’ e do comportamento reservado, trajavam roupas
‘inadequadas’, ‘induziam’ homens à perda do autocontrole sexual e, ocasionalmente,
espalhavam doenças.

A revista satírica ‘Punch’, fundada em 1841, por Henry Mayhew, contava com a
participação de diversos ilustradores, abordando temas recorrentes e apresentando
críticas – geralmente, cômicas e duras. Através da ilustração de John Leech, a
revista apresentara sua visão da prostituição – que ficou famosa como um resumo
do entedimento vitoriano dessa prática: a imagem de duas prostitutas e a legenda
“the great social evil”, ou “o grande mal social”.

27“Mulheres Caídas”. Termo utilizado, especialmente ao longo do século XIX na Inglaterra, para definir a
mulher que ‘caiu da graça de Deus’, ou seja, é aquela que rendeu sua castidade, que se afastou daquilo que é
socialmente aceitável em relação à sexualidade. Remete, quase sempre, à promiscuidade e à prostituição.
28
Problemática em diversos aspectos, a prostituição era vista com clareza como
algo a combater e, nessa tentativa, diversos estudiosos vitorianos tentaram definir
esse ‘mal’ e apontar suas causas:

O desejo por prostitutas cresce através de seu uso. Não


devemos nos esquecer de que o desejo por relações sexuais é
sentido de maneira intensa pelo macho ao alcançar a puberdade e
continua através de sua vida como um sempre-presente e sensível
desejo. (...) Esse desejo do macho é o que produz a demanda da
qual a prostituição resulta e essa é, na verdade, o suprimento artificial
de uma demanda natural que toma o lugar de seu suprimento natural
através da falha do último ou do caráter viciado da demanda. É
impossível exagerar a força do desejo sexual. Nós devemos, no
entanto, ter em mente que o homem não é meramente uma
existência material; sua natureza também inclui mente e espírito e ele
é dotado de consciência para exortar, razão para regular e vontade
para controlar seus desejos e ações. (...) A demanda por prostituição
surge, então, do desejo mal regulado e descontrolado. (...) Tais
mulheres, ministras de paixões maléficas, não penas gratificam o
desejo, mas também o incitam. Compelidas pela necessidade de
procurar clientes, elas ocupam as ruas e lugares públicos em
multidões e aventam pensamentos e desejos maléficos que poderiam
não ser desenvolvidos de outra maneira.28

Justifica-se, então, a existência da prostituição pela incontinência da natureza


sexual do homem, provocada pela mulher, em sua busca por clientes. Afirma-se
que, através da sugestão de ‘pensamentos malignos’ – que o homem poderia
desenvolver ou não –, a mulher o estimula a se afastar de sua virtude. Logo, devido
à tal predisposição masculina ao desejo, o homem que consome o sexo ilícito é
menos culpado do que a mulher que vende o corpo, buscando sobrevivência.

Conforme aponta Mayhew, em ‘London Labour and the London Poor’, a


prostituição era geralmente controlada por homens, que, oferecendo alimentos,
vestimenta e/ou alojamento, recrutavam mulheres pobres, controlando e recebendo
uma parte de seus ganhos. A questão se estende, portanto, ao considerar que tais

28 ACTON, 1870, pp. 165-166. Original: “The want of prostitutes grows with the use of them. We must not here
lose sight of the fact that the desire for sexual intercourse is strongly felt by the male on attaining puberty, and
continues through his life an ever-present, sensible want. (...) This desire of the male is the want that produces
the demand, of which prostitution is a result, and which is, in fact, the artificial supply of a natural demand,
taking the place of the natural supply through the failure of the latter, or the vitiated character of the demand.
It is impossible to exaggerate the force of sexual desire. We must, however, bear in mind that man is not a
mere material existence; his nature includes also mind and spirit, and he is endowed with conscience to
admonish, reason to regulate, and will to control his desires and actions. (...) The demand for prostitution
arises, then, from ill-regulated and uncontrolled desire. (...) Such women, ministers of evil passions, not only
gratify desire, but also arouse it. Compelled by necessity to seek for customers, they throng out streets and
public places, and suggest evil thoughts and desires which might otherwise remain undeveloped.”.
29
‘contratantes’ buscavam não apenas mulheres, mas também meninas – a partir de
doze anos de idade.

Uma das entidades famosas pela denúncia da pedofilia foi Pall Mall Gazette,
jornal voltado à classe alta, criado em 1865. Durante o período em que teve William
Stead como editor, o jornal participou ativamente das denúncias que influenciaram
no Criminal Law Amendment Act29 de 1885, alterando a idade de consentimento de
13 para 16 anos.

Na Inglaterra, o consentimento havia sido definido em 1275, como parte da lei


de estupro, proibindo o ato sexual com menores de 12 anos – a idade aceita para
casamento. Essa lei permaneceu, com poucas alterações, até 1875, quando a idade
de consentimento foi alterada de 12 para 13 anos, no Offences Against the Person
Act30.

Havia um sentimento geral, portanto, da necessidade do controle e da


repressão policial de todas as formas de prostituição. A legislação acerca desse
tópico, existente em 1885, portanto, era quase a mesma de 1870 – apenas com
maior rigidez quanto aos bordéis e à idade de consentimento:

A lei faz necessário que a polícia reprima atos flagrantes de


indecência e desordem nas ruas e espaços públicos;

Impede a abertura de teatros e estabelecimentos de


divertimento ou de venda de bebidas sem autorização, que deve ser
requerida anualmente e é mantida apenas mediante bom
comportamento, logo tornando a desconsideração de problemas
flagrantes e a manutenção, como for possível, das formas aparentes
de decoro em seus estabelecimentos um interesse dos proprietários;

Proíbe a abertura de estabelecimentos de venda de bebidas


durante certas horas da noite, uma proibição imposta, a despeito das
dificuldades infligidas sobre algumas classes de homens
trabalhadores, com o propósito de colocar um fim, se possível, à
devassidão desenvergonhada exibida nas noites do Haymarket e
seus arredores;

29 Lei britânica de 1885, que aumentou a idade de consentimento, buscando combater a prostituição infantil,
bem como tornou mais rígida a vigilância acerca da formação de bordéis. Além disso, fez com que a
homossexualidade masculina configurasse crime novamente. Trata-se de uma lei famosa devido ao alvoroço
que causou na população, pois a discussão acerca da mesma se iniciou quatro anos antes.
30 Lei britânica de 1875, que subiu a idade de consentimento em um ano, de 12 para 13, e aumentou a

penalidade em relação ao abuso de garotas menores de 12 anos.

30
Encoraja a perseguição dos mantenedores de bordéis e outras
casas desordeiras;

Mas ignora a existência da prostituição como um sistema,


exercendo sua autoridade apenas naqueles casos que, por desvelado
desprezo pela ordem e a decência, são notados e demandam
repressão. Homens e mulheres são, na verdade, deixados para
decidirem sobre esses assuntos com suas próprias consciências; e,
enquanto respeitem a decência pública, sua conduta pública passa
incontestada, enquanto diferentes paróquias são deixadas para
decidirem por si mesmas se permitiriam ou não que prostitutas
tenham abrigo dentro de suas fronteiras.31

Há aqui mais uma prova do caráter paradoxal da sociedade vitoriana. O


repúdio social em relação à prostituição – e às prostitutas no geral – faz parte da
moral comum. É necessário criticar essa prática para que se confirme a posição
social das mulheres, a importância do pudor e a superioridade do casamento. No
entanto, não se reconhece a prostituição enquanto sistema; julga-se alguns casos
de flagrante. Não há a proibição do ato em si, apenas de alguns de seus aspectos: a
formação de bordéis, a idade de consentimento e os atos sexuais públicos – por
conta da ‘perturbação da paz’.

2.3 – O East End

“Whitechapel, com uma população semi-nua, rude e faminta, a City com suas vastas sacolas
de dinheiro.”32 – Fiódor Dostoiévski

Definir as fronteiras do East End constitui ainda mais uma questão de debate.
Há diversos estudos acerca do que constitui a região leste de Londres cultural,

31ACTON, 1870, p. 77. Original: “It requires the police to repress flagrant acts of indecency and disorder in the
streets and places of public resort; It restrains the opening of theatres and places of amusement or
refreshment without a licence, which must be applied for annually, and is continued only during good
behaviour, thereby making it the interest of managers and proprietors to discountenance gross disorders, and
to maintain so far as possible the outward forms of decorum in their establishments; It prohibits the opening of
refreshment houses during certain hours of the night, a prohibition imposed, notwithstanding the hardship
thereby inflicted on some classes of workmen, for the purpose of putting an end, if possible, to the shameless
debauchery nightly exhibited in the Haymarket and its environs; It encourages the prosecution of keepers of
brothels and other disorderly houses; But it ignores the existence of prostitution as a system, exerting its
authority in those cases only which, by open contempt for order and decency, obtrude into notice and demand
repression. Men and women are, in fact, left in this matter to their own consciences; and so long as they
respect public decency, their private conduct passes unchallenged, while the different parishes are left to
decide for themselves whether or not they will permit known prostitutes to find shelter within their borders.”.
32 Original: “Whitechapel with a populace half-naked, brutal and famished, the City with its vast moneybags.”.
31
social e geograficamente; há incertezas inclusive entre os moradores da área. Não
existe, nas ruas em si, demarcações dos bairros, muito menos da região leste e
seus limites. No entanto, esta questão não caracteriza um problema recente; a
fronteira do East End londrino sempre foi incerta e, acima de tudo, evitada. A
Londres dos párias era como um outro país (PORTER, 1994).

Jack London, escritor, ativista social e jornalista estadunidense, apresenta essa


questão local no início de seu livro The People of the Abyss (1903), no fragmento a
seguir:

Thomas Cook & Son, desbravadores e limpadores de trilha,


praticamente placas direcionais vivas para o mundo todo, e
prestadores de primeiros socorros aos viajantes perdidos – sem
hesitar e instantaneamente, com facilidade e firmeza, poderiam me
mandar para as regiões mais desconhecidas da África ou para os
locais mais profundos do Tibete, mas, para o East End de Londres,
localizado a uma distância tão curta de Ludgate Circus, não sabiam o
caminho!33

Embora essa análise vá ser focada no bairro de Whitechapel, o local exato dos
assassinatos de Jack, o Estripador, há extrema necessidade de trabalhar o
complexo do East End, pois as condições de vida encontradas durante o período de
recorte deste estudo, na região em questão, eram tão terríveis quanto as dos
arredores. É, de certa maneira, então, incoerente falar de um Whitechapel
problemático e omitir os demais bairros (separados uns dos outros, muitas vezes,
por apenas um quarteirão).

Abraçando apenas uma teoria, portanto, será considerado como 'East End' a
região londrina que inclui os bairros de Whitechapel, Spitalfields, Bethnal Green, Mile
End, Stepney, Shadwell, Wapping e Limehouse.

Dos horrores que afligiam a cidade de Londres como um todo, aqueles


presentes no East End pareciam ter sido elevados à enésima potência, acumulados
e soterrados. A lista dos problemas mais gritantes da região, criada a partir dos
relatos de contemporâneos dos crimes, conta com: criminalidade, superlotação das
favelas, ausência de saneamento básico, contaminação da água, proliferação de

33LONDON, 1903, p. 6. Original: “Thomas Cook & Son, path-finders and trail-clearers, living sign-posts to all the
world, and bestowers of first aid to bewildered travellers--unhesitatingly and instantly, with ease and celerity,
could you send me to Darkest Africa or Innermost Thibet, but to the East End of London, barely a stone's throw
distant from Ludgate Circus, you know not the way!”.
32
doenças, poluição, prostituição (inclusive infantil), fome, imigração em massa
(principalmente de judeus, chineses e irlandeses) e xenofobia.

Sobre as questões da saúde pública e do saneamento básico, George Sims


apresenta, em seu livro ‘How the Poor Live and Horrible London’ (1883) – um estudo
de campo realizado pelos bairros mais carentes da cidade, que vê como ‘versões
londrinas do Inferno de Dante’, buscando comprender as condições de moradia e de
sobrevivência do pobre – a seguinte conclusão:

Um dos maiores males dos distritos superlotados de Londres é


o abastecimento de água. Em muitas casas, mais água vem através
do telhado do que de um cano e um tonel ou outro recipiente no
quintal cheios até a metade com líquido malcheiroso e preto abastece
algumas dezenas de famílias com a água que bebem e com que se
banham também. (...) Quanto à água para usos sanitários, não há
provisão alguma em centenas das casas mais densamente
habitadas. Nas questões de água e ar, o selvagem mais degradado
que tenha sido adotado como animal de estimação devido à
filantropia britânica encontra-se em situação mil vezes melhor do que
o trabalhador de Londres e sua família, que jazem em áreas cujos
horrores os médicos finalmente divulgam ao público.34

Ao longo de seu estudo, Sims apresenta relatos de suas visitas, analisando, de


forma horizontal, problemas sociais – dentre os citados acima – presentes nos
bairros menos abastados, ajudando, assim, a construir um panorama geral daquilo
que compunha a realidade de locais como Whitechapel, ‘o sonho de poeta algum’.
Denuncia, ainda, as condições de moradia de seus entrevistados: “O aluguel do
porão sob a loja de tortas é de quatro xelins por semana; o cheiro pungente ascende
do apodrecimento gradual do porão e da negligência total quanto às precauções
sanitárias.”35.

Ainda sobre as condições de moradia dos pobres, temos o relato bastante


gráfico de Andrew Mearns, contido no panfleto ‘The Bitter Cry of Outcast London’
(1883), onde relata sua experiência ao visitar casas em bairros selecionados do Sul
de Londres. Embora Whitechapel não esteja contemplado nos escritos de Mearns, a

34 SIMS, 1883, p. 64. Original: “One of the greatest evils of the overcrowded districts of London is the water-
supply. In many houses more water comes through the roof than through a pipe, and a tub or butt in the back-
yard about half full of a black, foul-smelling liquid supplies some dozens of families with the water they drink
and the water they wash in as well. (…) As to water for sanitary purposes, there is absolutely no provision for it
in hundreds of the most densely-inhabited houses. In the matter of water and air, the most degraded savage
British philanthropy has yet adopted as a pet is a thousand times better off than the London labourer and his
family, dwelling in the areas whose horrors medical officers are at last divulging to the public.”.
35 SIMS, 1883, p. 25.

33
situação descrita fornece uma ideia geral acerca da realidade da classe trabalhadora
inglesa:

Nós não falamos sobre a condição de seus lares, pois como


aqueles lugares podem ser chamados de lares se o covil de um
animal seria considerado confortável e saudável em comparação?
Poucos daqueles que lerem essas páginas terão qualquer concepção
do que são esses antros pestilentos, onde dezenas de milhares são
amontoados em horrores que trazem à mente o que ouvimos das
passagens dos navios negreiros. Para chegar até eles, você precisa
penetrar em pátios empesteados por gases venenosos e
malcheirosos que surgem dos acúmulos de esgoto e restos
espalhados em todas as direções e que geralmente transbordam sob
seus pés. Pátios, muitos deles os quais o sol nunca penetra, que
nunca são visitados por uma brisa de ar fresco e que raramente
conhecem as virtudes de uma gota de água purificante. Você precisa
ascender por escadas podres que ameaçam ceder sob cada passo e
que, em alguns lugares, já desmoronaram e deixaram fendas que
colocam em perigo os membros e vidas dos desatentos. Você precisa
tatear para encontrar seu caminho em passagens escuras e imundas
repletas de vermes. Então, se você não for afugentado pelo fedor
intolerável, você será admitido nos ninhos em que esses milhares de
seres, que pertencem, como você, à raça daqueles pelos quais Cristo
morreu, se arrebanham. Você teve pena das criaturas que dormem
sob os arcos das ferrovias, em carrinhos ou caixas ou sob quaisquer
abrigos que possam achar a céu aberto? Você verá que esses devem
ser invejados em comparação com os que buscam refúgio por aqui.

Oito pés quadrados – é esse o tamanho médio da maioria


desses quartos. As paredes e o teto são pretos com as camadas de
sujeira que foram acumuladas sobre eles através dos longos anos de
negligência. Emana pelas rachaduras nas tábuas acima, corre pelas
paredes, está em todos os cantos. Aquilo que recebe o nome de
janela tem uma metade coberta por trapos ou tábuas para que a
chuva e o vento sejam afastados. A outra metade é tão enegrecida e
obscurecida que quase nenhuma luz entra ou nada pode ser visto do
lado de fora. Caso você tenha subido ao sótão, onde pelo menos
alguns aproximam-se do ar fresco que poderia se esperar que
entrasse por uma janela aberta ou quebrada, você olharia para os
telhados e beiradas dos cortiços mais baixos e descobriria que o ar
viciado que acha seu caminho para dentro do quarto passa pelas
carcaças putrefatas de gatos ou pássaros mortos ou de abominações
ainda piores. Os prédios estão em um estado de manutenção tão
miserável que parece ser possível que o vento poderia logo derrubá-
los sobre as cabeças de seus ocupantes. Quanto aos móveis – você
poderia, com sorte, encontrar uma cadeira quebrada, as relíquias
cambaleantes de um estrado ou o mero fragmento de uma mesa,
mas mais comumente você acharia toscos substitutos para essas
coisas na forma de tábuas rudes encostadas sobre tijolos, um velho
cesto ou caixa virados de ponta-cabeça ou, mais frequentemente
ainda, nada além de lixo e trapos.36

36MEARNS, 1883, p. 7. Versão original: “We do not say the condition of their homes, for how can those places
be called homes, compared with which the lair of a wild beast would be a comfortable and healthy spot? Few
who will read these pages have any conception of what these pestilential human rookeries are, where tens of
thousands are crowded together amidst horrors which call to mind what we have heard of the middle passage
34
Quanto à questão da prostituição, Henry Mayhew, jornalista e autor do conjunto
de livros ‘London Labour and the London Poor’ (1861), apresenta, no quarto volume
dessa obra, intitulado ‘Those Who Will Not Work’ (ou ‘Aqueles que se Recusam a
Trabalhar’), dados sobre a quantidade de prostitutas existente na cidade de Londres
– adquiridos através de seus estudos de campo e organizados em uma tabela.

Suas ideias acerca do tema são


bastante presas à noção de que
Fonte: London Labour and the London Poor. a mulher que se volta a essa
prática como forma de obtenção
de renda o faz por escolha, por
desdém ao trabalho ‘comum’ e
‘honrado’. Tal pensamento
desconsidera fatos deveras
gritantes – que ele mesmo
apresenta, ainda que de maneira
desconexa com sua interpretação do tema central – acerca dos baixos níveis de

of the slave ship. To get into them you have to penetrate courts reeking with poisonous and malodorous gases
arising from accumulations of sewage and refuse scattered in all directions and often flowing beneath your
feet; courts, many of them which the sun never penetrates, which are never visited by a breath of fresh air, and
which rarely know the virtues of a drop of cleansing water. You have to ascend rotten staircases, which
threaten to give way beneath every step, and which, in some places, have already broken down, leaving gaps
that imperil the limbs and lives of the unwary. You have to grope your way along dark and filthy passages
swarming with vemin. Then, if you are not driven back by the intolerable stench, you may gain admittance to
the dens in which these thousands of beings who belong, as much as you, to the race for whom Christ died,
herd together. Have you pitied the poor creatures who sleep under railway arches, in carts or casks, or under
any shelter which they can find in the open air? You will see that they are to be envied in comparison with
those whose lot it is to seek refuge here. Eight feet square — that is about the average size of very many of
these rooms. Walls and ceiling are black with the accretions of filth, which have gathered upon them through
long years of neglect. It is exuding through cracks in the boards overhead; it is running down the walls; it is
everywhere. What goes by the name of a window is half of it stuffed with rags or covered by boards to keep
out wind and rain; the rest is so begrimed and obscured that scarcely can light enter or anything be seen
outside. Should you have ascended to the attic, where at least some approach to fresh air might be expected to
enter from open or broken window, you look out upon the roofs and ledges of lower tenements, and discover
that the sickly air which finds its way into the room has to pass over the putrefying carcases of dead cats or
birds, or viler abominations still. The buildings are in such miserable repair as to suggest the thought that if the
wind could only reach them they would soon be toppling about the heads of their occupants. As to
furniture—you may perchance discover a broken chair, the tottering relics of an old bedstead, or the mere
fragment of a table; but more commonly you will find rude substitutes for these things in the shape of rough
boards resting upon bricks, an old hamper or box turned upside down, or more frequently still, nothing but
rubbish and rags.”.

35
informação e, também, de oportunidades dessas mulheres, muitas vezes sendo
criadas pelos próprios pais – que o autor denomina ‘pseudo-protetores’ – para que
comecem a se prostituir aos 12 anos.

Apesar de desconsiderar a situação desfavorável dessas mulheres desde seu


nascimento, Mayhew parece compreender que uma das causas para os elevados
níveis de prostituição na cidade de Londres é a questão da má-remuneração do
proletariado. O autor apresenta, para sustentar essa ideia, dados pessimistas quanto
à renda média de uma proletária, demonstrando que, na maioria das vezes, sem ter
os ganhos do marido somados a seus próprios, o salário da trabalhadora não
configurava o valor mínimo necessário para sua sobrevivência. O que a sociedade
espera, então, dessas mulheres é paradoxal.

Dentre seus resultados, nota-se que os bairros com maior número de


prostitutas – de conhecimento da Polícia – eram Stepney e Whitechapel, ambos
parte do East End londrino. O primeiro contava com 1015 prostitutas ao total, sendo
que, dessas, 705 haviam sido listadas como ‘mal-vestidas’ e ‘moradoras de rua’.

Quanto a Whitechapel, das 811 prostitutas listadas por Mayhew, 656


encontravam-se nas mesmas condições mencionadas acima: sujeitas a uma vida
nas ruas, inadequadas até mesmo para viver em um bordel; expostas, portanto a
todos os males da cidade grande.

A questão da criminalidade, por sua vez, estava estritamente relacionada às


demais precariedades da região. O descaso por parte do governo, no que se refere
à segurança e saúde – bem como aos demais serviços públicos básicos –, permitia
que ali brotassem oportunidades para o crime que pareciam praticamente
impossíveis de se conter. As ruas escuras do East End escondiam tanto o criminoso
quanto suas vítimas, isolando ambos dos olhos da justiça. O barulho, quase sempre
ensurdecedor, misturava os gritos repetitivos dos vendedores de rua com o ir e vir
dos cavalos, das crianças e com a leitura das notícias do dia, realizadas em voz alta,
visando incluir os analfabetos. Nesse contexto, imagina-se facilmente a cena
descrita por Sims:

O espírito do crime paira nesse lugar... De uma viela escura


ecoa um grito de socorro e uma mulher, apresentando um corte

36
horrível em seu rosto, atravessa a rua estreita perseguida por um
homem ensandecido. Trata-se apenas de um marido embriagado
brigando com sua esposa.37

Os policiais, muito ocupados com greves, roubos e homicídios, frequentemente


faziam vista grossa sobre ocorridos como o descrito acima. A violência doméstica
era tratada como um problema pessoal, banal e indigno de qualquer atenção, mas,
acima de tudo, configurava o tipo de crime local mais comum. As mulheres, além de
vítimas da própria miséria, eram, também, reféns de seus pais, filhos, maridos,
amantes, locadores, etc.

Torna-se impossível, então, pensar a vida no East End sem levar em


consideração aquilo que lhe é mais característico: o abandono absoluto do
patrimônio público, o mau cheiro que é reforçado a cada esquina, as crianças
famintas que dos pais nada sabem, os mendigos que há muito esqueceram o
conceito de conforto, o ar doentio, pesado e vil que traz consigo desânimo
instantâneo, e, finalmente, a violência que atropela aqueles a seu alcance. É preciso
pensar em todos esses aspectos da região mais pobre de Londres, pois, apenas
assim, constrói-se um retrato mais humano do lugar.

Whitechapel, portanto, oferecia um cenário ermo e atmosférico


para os assassinatos do Estripador; uma paisagem moral de luz e
trevas, uma região baixa de sexo ilícito e crime, ao mesmo tempo,
excitante e perigosa.38

O East End é tão repleto de vida quanto é assombrado pela morte. E é nesse
cenário mórbido que viviam as vítimas de Jack, o Estripador. Todas mulheres, todas
humanas, todas destituídas de recursos, esperança e segundas chances.

37 SIMS, 1883, pp. 137. Original: “Down from one dark court rings a cry of murder, and a woman, her face
hideously gashed, makes across the narrow road, pursued by a howling madman. It is only a drunken husband
having a row with his wife.”
38 WALKOWITZ, 1982, pp. 547-548. Original: “Whitechapel provided a stark and sensational backdrop for the

Ripper murders: a moral landscape of light and darkness, a nether region of illicit sex and crime, both exciting
and dangerous”.
37
3. “Extra! Extra! Read all about it!”

A visão vitoriana da violência como tabu tem forte correlação com a maneira
como os assassinatos cometidos pelo serial killer sem nome nem face foram
noticiados. A imprensa, até então, estava dividida em duas: a popular e a de elite.
Os eventos narrados pelos jornais variavam de acordo com o público alvo e seu
interesse, dando muito menos ênfase aos detalhes sórdidos de um escândalo
quando almejavam agradar e entreter a high society. O consumo, por parte da elite,
de uma dose do socialmente inaceitável se dava nas entrelinhas.

A divulgação explícita dos ocorridos em Whitechapel naquele outono de 1888,


feita quase que da mesma maneira para ricos e pobres, surge como evento inédito -
tanto para o jornalismo, quanto para o vitorianismo.

Tornou-se ainda mais fácil, com isso, associar conceitos negativos ao


proletariado e justificar a estagnação da pobreza, colocando a figura de Jack, o
Estripador, como a do típico 'homem urbano selvagem', dotado do 'privilégio' de
buscar o caminho 'civilizado', mas ainda assim cedendo ao status natural de seu
meio. Alguém capaz de matar – a morte sendo vista como um enorme drama
indesejado e escandaloso – só poderia ser inferior, animalesco.

Tal visão das tragédias de 1888 espalhava uma noção de perigo em relação ao
bairro e seu povo, mas não apenas isso. Aumentava, cada vez mais, a curiosidade
mórbida em relação ao 'povo do abismo', como Jack London denominaria os
habitantes do East End londrino, em 1902.

O vitorianismo, frígido e atônito, abrira os braços, então, ainda que de maneira


insegura, e deixara-se levar pela fofoca e pelo caos daquele verdadeiro inferno na
Terra, o temido Whitechapel, contradizendo um de seus princípios mais

38
fundamentais: a discrição. A high society desenvolveria uma relação interessante
com essa 'reforma jornalística', cobrindo o rosto com os dedos, mas deixando um
vão para os olhos – queria estar por dentro dos ocorridos, mas disfarçava sua fofoca
com uma máscara antropológica, um interesse repentino em estudar e denunciar o
'homem selvagem' no meio urbano.

Os jornais, além de noticiar graficamente os crimes – agora alvos de extremo


interesse e, por isso, geradores de renda –, debruçavam-se em cima de ideais
vitorianos para acalmar seus leitores: os crimes não seriam possíveis num bairro
‘civilizado’, seriam característicos de outro lugar e de outro ‘tipo’ de gente. Havia a
tendência de destacar ainda mais as atrocidades ocorridas em Whitechapel,
apelando para o lado ‘exótico’ da situação: tratava-se de um bairro pobre, primitivo e
repleto de estrangeiros e párias.

Whitechapel, e o East End como um todo, eram postos como esse ‘outro lugar’,
marginalizado e separado do restante da cidade de Londres. Saber disso mantinha o
interesse mórbido pela história, mas resolvia a questão ética ao redor da natureza
humana de tal maneira exposta. Os crimes de Jack, o Estripador, reforçavam uma
teoria evolucionista e civilizatória, já perfeitamente instalada nas mentes vitorianas.

De acordo com algumas ideias benevolentes agora largamente


divulgadas, toda forma de crime é fruto de doenças mentais; e há um
filósofo entre nós que profetiza um tempo quando a evolução natural
da sociedade tornará tão desnecessária a proibição do assassinato,
roubo e demais ofensas criminais menores como é, agora, a
proibição do canibalismo e do homossexualismo. (...) No caso dos
assassinatos de Whitechapel, porém, nenhum motivo, até agora, foi
encontrado para justificar tais atos. Quando surgem histórias nas
colunas de nossos jornais sobre atrocidades cometidas, geralmente
podemos nos gabar do fato de que tenham sido cometidos em uma
latitude diferente, e que pertencem a uma civilização menos
desenvolvida que a nossa. Há boa razão para que, sem preconceito
ao caso do homem em custódia, o povo aceite a teoria manicomial e
a encoraja. Há perigo certeiro no surgimento de qualquer outra teoria
em Whitechapel. Como dissemos, a mutilação de corpos, exceto em
raros casos em que isso defina as chances do assassino de
sobrevivência, é um estilo de crime diferente do inglês.39

39London Daily News, 11 de setembro de 1888. Disponível via assinatura no British Newspaper Archive.
Original: “According to some benevolent ideas now widely entertained, all crime is a form of mental disease;
and there is a philosopher among us who prophesies a time when in the natural evolution of society it will
become as needless to forbid murder, theft and the minor offences of our criminal code as it now is to forbid
man-eating and fetishism. (...) In the Whitechapel murders, however, no motive has, up to the present, been
imagined that would account for the atrocity of the acts. When stories appear in our columns of atrocities on
dead bodies we can generally boast that they are committed in a different latitude, and belong to a lower
39
O excerto acima, retirado do jornal London Daily News, encontra-se em meio à
notícia do assassinato de Annie Chapman, a segunda vítima canônica do Estripador.
Após uma descrição detalhada da situação em que Chapman fora encontrada – o
novo jornalismo investigativo posto em prática –, encontram-se termos relacionados
ao imaginário vitoriano, tais como “evolução natural da sociedade”, “civilização
inferior” e “estilo inglês de crime”, que evidenciam a tentativa de tranquilizar a high
society em relação a acontecimentos tais como aqueles em Londres, a ‘capital do
mundo civilizado’.

No entanto, ainda que a imprensa tenha moldado a maneira com que os crimes
foram sendo noticiados, através do acréscimo e encaixe de ideais vitorianos aos
acontecimentos, o fato das mortes de cinco prostitutas pobres do bairro mais
marginalizado da cidade terem sido amplamente noticiadas continua caracterizando
uma importante mudança na história de Londres.

Pela primeira vez, a morte do pobre recebia certo espaço no cotidiano do rico,
ainda que fosse apenas como fonte de curiosidade, conversa e especulação. O
espaço que tais tragédias ganharam nas manchetes dos jornais caracterizou um
fenômeno inédito, criando oportunidades para que aqueles mais diretamente
envolvidos com os crimes e/ou com o bairro pedissem por mudanças.

Como consequência direta do interesse, mórbido ou não, dos londrinos para


com os crimes – possibilitado pela mídia –, visitas ao local dos assassinatos
começaram a ocorrer, bem como o desenvolvimento de estudos antropológicos
centrados no bairro de Whitechapel. As tragédias do outono de 1888
desencadearam, então, uma onda de denúncias – inseridas no contexto das mortes
– sobre a condição do pobre, do proletário, do órfão e da mulher.

Os jornais tratavam não apenas de descrever graficamente o destino das cinco


vítimas, mas também de buscar culpados, fosse pelos crimes em si ou pelas

civilisation that ours. There is good reason why, without prejudice to the case of the man who is now in
custody, the public acceptance of the maniacal theory should be endorsed and encouraged. There is positive
danger in the growth of any other opinion at present in Whitechapel. As we have said, the mutilation of bodies,
excepting in rare cases to further the murderer’s chances of safety, is foreign to the English style of crime.”.
40
condições de vida do bairro; ora culpavam a polícia local, ora apontavam problemas
sociais de maior escala.

Há grande indignação por todas as partes da metrópole quanto


à incapacidade da polícia de prevenir a recorrência desses
escândalos. A cada novo assassinato da série de Whitechapel, o
pavor do público se acentua e, ao menos que algo seja feito logo para
restaurar a confiança nas habilidades investigativas da polícia, pânico
será o resultado.40

Ataques direcionados à polícia se formaram no modelo do excerto acima,


citando, principalmente, uma suposta ineficácia em deter o criminoso e de prevenir
outros ataques. Tais críticas aumentaram com o tempo devido à permanência do
caráter misterioso que rondava a figura mascarada de Jack, o Estripador.

O interesse do público, tanto dos moradores de Whitechapel, como dos


membros da high society de Londres no geral, estava fortemente ligado à urgência
pela prisão do culpado, por diversos motivos. Parte das pessoas buscava justiça,
outros desejavam se sentir seguros e alguns, ainda, temiam pelo que tamanha
repercussão traria de consequências ao bairro e à cidade:

Whitechapel está se tornando notória ao redor do mundo todo


como um lugar para ser evitado e temido; e, se a suposição de que
não é seguro para uma mulher caminhar nas ruas de Whitechapel no
crepúsculo se firmar, o resultado será a ruína de nossos negócios.41

O excerto acima trata a questão econômica do bairro de Whitechapel,


apresentada pelo jornal através da transcrição da reunião da Whitechapel Board of
Works42 (WBW), responsável pela infraestrutura e manutenção do bairro. O trecho
apresentado demonstra como os crimes representaram não apenas uma ameaça à
segurança pública do bairro, mas também às finanças, ferozmente afetadas pela
repercussão de uma ideia negativa do local. Além de se pronunciar quanto à

40 Evening Star, 1º de outubro de 1888. Disponível via assinatura no British Newspaper Archive. Original: “Great
indignation is being expressed in all parts of the metropolis at the inability of the police to prevent a recurrence
of these outrages. With each fresh murder in the Whitechapel series, public alarm has been accentuated, and
unless something can soon be done to restore confidence in the detective powers of the police, a panic will be
the result.”.
41 East London Observer, 6 de outubro de 1888.Disponível via assinatura no British Newspaper Archive. Original:

“Whitechapel is becoming notorious all over the world as a place to be shunned and feared; and if the
supposition once obtained a hold that it was unsafe for a woman to be in Whitechapel streets after nightfall,
the result must be utter ruin of all trades.”.
42 A Whitechapel Board of Works (WBW) era um setor da Metropolitan Board of Works (MBW), instrumento do

governo criado em 1855, responsável por tratar das questões relacionadas à infraestrutura da cidade de
Londres, cujos funcionários eram nomeados, e não eleitos, e cuja divisão repartia a capital inglesa em bairros.
41
questão financeira, portanto, a WBW também tocara no assunto da polícia, tão
criticada pelos londrinos no que se referia à sua ineficácia em encontrar o assassino,
visando amenizar os conflitos locais, as greves, etc, conforme é apresentado no
jornal East London Observer, em 06 de outubro de 1888: “Ele não faria quaisquer
críticas contra a polícia”43.

A divulgação de uma série de inconveniências locais por parte da imprensa


seria o primeiro passo para a reivindicação por mudanças e, até mesmo, para a
concretização dessas. Com o tempo, os jornais firmariam suas críticas e tomariam
um passo à frente quanto aos pedidos por melhorias. Jornalistas e cidadãos
interessados assumiriam posições de detetives amadores, investigando a história e
as condições de Whitechapel, denunciando publicamente a necessidade por melhor
iluminação, policiamento e limpeza.

Uma coisa nos é ensinada a cada assassinato e esse fato é


que Whitechapel deve ser melhor iluminada. Se nossos governantes
municipais pudessem acordar para a realidade e trazer luz para
esses lugares escuros; se eles deixassem que alguma luz entrasse
nessas favelas, as pobres mulheres poderiam ser salvas.44

Desesperadas, as pessoas pediam a ajuda da WBW, do Parlamento e, até


mesmo, da Rainha. Os crimes de Jack, o Estripador, funcionariam, então, como um
alarme que despertaria a indignação de grande parte do povo à realidade daquele
bairro abandonado, mas não apenas; prestava-se atenção, também, na condição de
vida das mulheres. De certa forma, o assassino desconhecido, por mais brutais que
tenham sido seus atos, realizara um papel, ainda que indireta e não-
intencionalmente, de reformador social, considerando que fora a partir daquele
momento que a imprensa criara um espaço, uma voz para a representação dos
pobres, encarcerados naquele labirinto de pobreza, crime e doença.

O Comitê de Vigilância de Whitechapel recebeu uma carta do


Secretário do Estado afirmando que ele entregou à Rainha uma
petição em favor de que uma recompensa seja oferecida para quem
descobrir o assassino do East End, mas que, embora tenha dado
instruções para que não sejam poupados esforços nessa busca, ele
não fora capaz de aconselhar Sua Majestade quanto ao

43 Original: “He would not bring any charge against the police.”.
44 Derby Daily Telegraph, 11 de setembro de 1889. Disponível via assinatura no British Newspaper Archive.
Original: One thing is plainly taught by every murder and that is that Whitechapel ought to be better lighted. If
our municipal governors would only wake up and see that all the dark places are lit up; if they would let some
light into the slums, the infortunate women might be saved.”.
42
comprometimento do conceito de justiça, como é entendida por nós,
caso seja feita a vontade do povo.45

Nesse trecho acima, retirado do jornal The Globe, pode-se apontar uma
novidade de considerável importância. A entrega da petição à Rainha Victoria,
inalcançável personificação de tudo o que representava o modo de vida vitoriano,
demonstra a marca que a exposição de Whitechapel, para além dos crimes, deixaria
na sociedade.

O contato da soberana com o caso do Estripador não se limitou a uma única


petição escrita pelo público. Para além das outras tentativas de apelar para que a
Rainha oferecesse uma recompensa pela cabeça do assassino, a própria Victoria
chegou a ditar sua preocupação quanto ao caso, bem como suas recomendações,
para que seu assistente pessoal, Sir Henry Ponsonby, enviasse para Henry
Matthew, o Secretário do Estado:

A Rainha teme que o departamento de Investigação não seja


tão eficiente quanto poderia ser. Não há dúvidas de que os recentes
assassinatos em Whitechapel tenham sido cometidos em
circunstâncias que tornaram a Investigação muito complicada.

Ainda assim, a Rainha pensa que, na pequena área em que


esses crimes horrendos tenham sido perpetrados, um grande número
de detetives possa ser empregado e que todas as possíveis
sugestões devem ser examinadas com cuidado e, se praticáveis,
seguidas.

Os barcos de gado e os barcos de passageiros foram


examinados?

Alguma investigação quanto ao número de homens solteiros


ocupando quartos individuais foi feita?

As roupas do assassino deveriam estar saturadas de sangue e


devem ter sido guardadas em algum lugar.

Há vigilância suficiente durante a noite?

Essas são algumas das questões que ocorrem à Rainha


enquanto lê os relatos desse crime horrendo.46

45 The Globe, 1º de outubro de 1888. Disponível via assinatura no British Newspaper Archive. Original: “The
Whitechapel Vigilance Committee have received a letter from the Home Secretary stating that he has laid
before the Queen their petition that a reward be offered for the discovery of the East End murderer, but that,
though he has given directions that no effort or expanse should be spared in the search, he has been unable to
advise Her Majesty that the ends of justice would be promoted by the course they propose.”.
46 EVANS & SKINNER, 2000, pp. 396-397. Original: “The Queen fears that the Detective department is not so

efficient as it might be. No doubt the recent murders in Whitechapel were committed in circumstances which
made Detection very difficult. Still The Queen thinks that in the small area where these horrible crimes have
been perpetrated a great number of detectives might be employed and that every possible suggestion might
43
O conteúdo das propostas da Rainha representa a falta de informação acerca
das condições de Whitechapel, que cegava os londrinos mais abastados. Isso fica
evidente quando é questionada a suficiência da vigilância durante a noite. Esse tipo
de problema local, existente nos bairros pobres do East End, deixariam de existir
apenas debaixo do tapete para vir à tona nas manchetes e notícias principais.

Numa das mencionadas tentativas de escrever para a Rainha, mulheres


proletárias do East End, buscando honra para os de seu bairro e voz para as de seu
gênero, criam uma petição, apelando para que a monarca exigisse o cumprimento
da lei que proibia prostíbulos:

“À Nossa Mais Graciosa Soberana Lady Rainha Vitória

Madame,

Nós, as mulheres do Leste de Londres, sentimos horror


perante os pecados terríveis que foram recentemente cometidos em
nosso meio e lamentamos a vergonha que recaiu sobre nossa
vizinhança. Pelos fatos que foram divulgados através dos inquéritos,
nós aprendemos muito sobre as vidas de nossas irmãs que se
distanciaram da bondade e que vivem vidas tristes e degradadas.
Enquanto cada mulher de nós fará tudo que pode para que os
homens sintam o horror desses pecados de impureza que causam
essas vidas de tamanha perversidade, nós também imploraríamos
que Vossa Majestade fale com seus servos com autoridade e ordene
que coloquem as leis que já existem em ação para que as más casas,
dentro das quais tanta perversidade acontece e em que há tantos
homens e mulheres arruinados de corpo e alma. Nós somos,
Madame, vossas leais e humildes servas.”47

be carefully examined, and if practicable followed. Have the cattle boats & passenger boats been examined?
Has any investigation been made as to the number of single men occupying rooms to themselves? The
murderer’s clothes must be saturated with blood and must be kept some where. Is there enough surveillance
at night? These are some of the questions that occur to The Queen on reading the accounts of this horrible
crime.”
47 Daily News, 26 de Outubro de 1888. Disponível via assinatura no British Newspaper Archive. Original:

“To Our Most Gracious Sovereign Lady Queen Victoria, Madame,

We, the women of East London, feel horror at the dreadful sins that have been lately committed in our midst
and grief because of the shame that has fallen on our neighbourhood. By the facts that have come out at the
inquests, we have learnt much of the lives of our sisters who have lost a firm hold on goodness and who are
living sad and degraded lives. While each woman of us will do all she can to make men feel with horror the sins
of impurity that cause such wicked lives to be led, we would also beg that your Majesty will call on your
servants in authority and bid them put the law which already exists in motion to close bad houses, within
whose walls such wickedness is done, and men and women ruined in body and soul. We are, Madame, your
loyal and humble servants.”.

44
A resposta48 a essa petição – que continha cerca de seis mil assinaturas – fora
bastante positiva, tendo sido recebida e lida pela Rainha ‘de bom grado’, assim
como pelo Secretário do Estado, que prometia um diálogo com as forças policiais,
para que fosse reforçado o exercício da lei.

Não havia mais como esconder e segregar esse aspecto da realidade, por mais
que a maioria da high society não o desse suficiente importância. A mídia
conseguira impor uma mudança permanente nas relações entre os pobres e ricos de
Londres.

Outra reação quase que imediata às reivindicações do público foi uma série de
pronunciamentos, principalmente por parte da WBW, afirmando que seriam postas
em prática algumas das mudanças requeridas, tais como a melhor iluminação das
ruas de Whitechapel:

A sacristia de Shoreditch, na noite de quarta-feira, resolveu


melhorar e consertar os postes de luz da rua Commercial. O sr.
Barham disse que, se eles fizessem sua parte, com certeza a WBW
também faria a deles e colocaria sua parte da rua Commercial em um
estado apropriado de iluminação, tido como duplamente necessário
devido aos eventos recentes.49

Para além da questão da má iluminação, previamente denunciada em livros


citados nesse trabalho – tais como ‘London Labour and the London Poor’ e ‘How the
Poor Live and Horrible London’ –, outras mudanças passaram a ser discutidas,
visando aumentar a segurança do bairro. O reforço da vigilância policial, por
exemplo, é posto em prática ainda durante a onda de crimes, conforme foi noticiado
no dia 8 de outubro:

48 Daily News, 26 de Outubro de 1888. Disponível via assinatura no British Newspaper Archive. O jornal
divulgara as duas cartas sobre o assunto: a petição das mulheres trabalhadoras e a resposta do Secretário do
Estado, completo a seguir:
“Madame, I am directed by the Secretary of State to inform you that he has had the honour to lay before the
Queen the petition of women inhabitants of Whitechapel, praying that steps may be taken with a view to
suppress the moral disorders in that neighbourhood, and that her Majesty has been graciously pleased to
receive the same. I am to add that the Secretary of State looks with hope to the influence for good that the
petitioners can exercise, each in her own neighbourhood; and he is in communication with the Commissioners
of Police with a view to taking such action as may be desirable, in order to assist the efforts of the petitioners
and to mitigate the evils of which they complain.”.

49Taunton Courier, 10 de outubro de 1888. Disponível via assinatura no British Newspaper Archive. Original:
“The Shoreditch vestry on Wednesday night resolved to fix improved lamps in Commercial-street. Mr Barham
said if they did their part, he was sure the Whitechapel Board of Works would do theirs in putting Commercial-
street in a proper state of lighting, rendered doubly necessary by recent events.”.
45
Grande exaltação e suspense prevaleceram no distrito de
Whitechapel tanto na noite de sábado quanto ontem, pois era temido
que o assassino pudesse estar de volta, mas a polícia estava em
alerta e em grande peso nas ruas, de forma que qualquer tentativa de
repetição das atrocidades era tida como praticamente impossível.50

Compreendida como uma forma mais eficiente de fortalecer a segurança das


ruas, o aumento do número – e do treinamento – de policiais permaneceu, então,
mesmo após os crimes cessarem. A Secretaria de Estado, responsável pela ordem
de aumentar a verba dedicada à patrulha especial de Polícia, decidira por manter o
valor, bem como o número de policiais extras.

Desde a manhã de domingo, uma mudança notável aconteceu


na disposição dos oficiais e o que havia sido até agora negado é
agora dado de boa vontade, possivelmente graças à investigação dos
chefes que, afinal, estão perto de admitir de maneira indireta que a
publicidade é o melhor detetive.51

Algumas outras formas de segurança foram averiguadas pela polícia, como a


utilização de cães farejadores treinados – que passariam a acompanhar os guardas
noturnos – e a contratação de médiuns espíritas. O jornal Taunton Courier, no dia 10
de Outubro de 1888, mencionou a autorização passada pelo chefe da Polícia
Metropolitana, Sir Charles Warren, quanto ao uso dos cães e informou sobre a
procura por animais habituados com trabalho urbano.

Quanto à questão espiritual, o jornal Dundeee Courier, no dia 8 de Outubro de


1888, apresentou o relato de uma mulher, idosa e ‘de aparência respeitável’, que
afirmava ser médium. Acompanhada por colegas da área, a mulher afirmou que
chamara o espírito de Elizabeth Stride, buscando compor um retrato falado do
assassino.

Algumas mudanças propostas pelos jornalistas, embora extraoficiais e alheias


ao governo, também foram adotadas, como, por exemplo, o armamento de mulheres

50 Glasgow Herald, 8 de outubro de 1888. Disponível via assinatura no British Newspaper Archive.
Original: “Great excitement and suspense prevailed in the Whitechapel district both on Saturday night and
yesterday, as it was feared that the murderer would be again at work, but the police were on the alert and in
great force, so that any repetition of the atrocities was rendered practically impossible.”.
51 Eastern Daily Press, 2 de outubro de 1888. Disponível via assinatura no British Newspaper Archive. Original:

“Since sunday morning, a remarkable change has occurred in the disposition of the officers, and what was
hitherto denied is now willingly supplied, possibly at the investigation of the chiefs, who, after all, are about to
admit in an indirect matter that publicity is the best detective.”.
46
e a investigação amadora realizada por moradores, separadas da Divisão H da
polícia, que possuíam um caráter deveras vigilante.

A questão do armamento feminino foi brevemente comentada no jornal The


Illustrated Police News, na edição do dia 22 de Setembro de 1888,

surpreendentemente ausente de críticas ou recomendações contrárias. Há aí outra


novidade: o fato de que mulheres deveriam poder se defender sozinhas do
assassino supera a necessidade vitoriana de posicionar mulheres como incapazes
de sua própria proteção.

A
Fonte: The Illustrated Police News, 22/09/1888. Acesso: British Newspaper Archive.
Tradução: “Prontas para o demônio de Whitechapel. Mulheres secretamente armadas.”

repercussão midiática dos eventos daquele outono de 1888 causariam efeitos


permanentes na cidade de Londres, tendo aberto espaço de fala para os mais
pobres que, indignados com sua própria situação, exigiriam mudanças estéticas e
funcionais para os locais em que moravam.

47
Conclusão

Em janeiro de 1889, o Reverendo George McCree, missionário batista, ao


responder o Pall Mall Gazette sobre “Londres estar melhorando ou piorando”,
afirmava seu otimismo e o justificava citando mudanças postas em prática no bairro
de Whitechapel52.

O sr. McCree, conforme aponta o jornal, estaria qualificado para responder tal
questão, pois “alguém que trabalhou tanto e por tanto tempo para mudar Londres
pode falar com certa autoridade sobre a cidade estar de fato melhorando ou não.”53.

A resposta positiva do missionário, apenas alguns meses após o assassinato


de Mary Jane Kelly, menciona novidades na educação pública, além do aumento
constante da ‘literatura barata e de qualidade’, que ele relaciona com a diminuição
da ignorância entre a juventude e sua tendência a “tornar-se mais civilizada, mais
responsável e menos bruta a cada geração”.

Quando confrontado quanto ao seu otimismo e questionado sobre o


‘apocalipse do mal que as atrocidades de Whitechapel trouxeram’, o sr. McCree
respondeu:

Eu passei pelos piores horrores de Whitechapel. Seus


jornalistas também passaram por eles; você visitou a cena dos
assassinatos e dos abrigos vizinhos e as pintaram em cores vívidas.
Mas eu também visitei os arredores onde vivem milhares de pessoas
esforçadas, honestas e decentes. O círculo em que esses
assassinatos ocorreram é uma mancha de vício em uma área de
cidadania decente. Além disso, pergunte àqueles que os vêem,
pergunte àqueles que seguem no movimento da meia-noite e eles te
dirão que essas mulheres miseráveis se comportam de maneira muito
mais modesta de que como costumavam fazê-lo. Novamente,
qualquer garota que realmente deseje pode achar ajuda para sair
dessa vida em vinte quatro horas. A legislação sobre os abrigos tem
feito muito para prevenir a superlotação. A migração para os
subúrbios tem feito muito, também, para o lar comum. Muitas outras
tentativas – geralmente malfadadas, mas ainda assim tentativas – de
uma condição de vida familiar decente são agora feitas em lares
lotados. Ao todo, acredito que o testemunho dos missionários da City
como um todo seria de que nenhuma vizinhança (a menos que seja
uma esvaziada de seus mais respeitáveis moradores pela migração
ao interior) está pior do que já foi e que muitas estão muito
melhores.54

Pall Mall Gazette, 04 de Janeiro de 1889. Disponível via assinatura no British Newspaper Archive.
52

Idem. Original: “One who has worked so hard and so long to make London better speaks with some authority
53

on the question as to whether it is becoming so.”.


48
Essa resposta nos fornece a perspectiva daqueles que possuíam maior contato
com os bairros afetados pela repercurssão midiática, e, também, traz à tona a
esperança gerada pelas poucas melhorias aplicadas em tão pouco tempo. As
mudanças nos quesitos iluminação, pavimentação, cumprimento da lei, vigilância
policial nas ruas, educação, dentre outros, mostram o efeito que as reivindicações
geraram, não apenas na estética do bairro, mas também no ânimo de seus
habitantes.

Conforme aponta McCree, a legislação acerca da superlotação das casas de


aluguel fez bem ao bairro – mesmo que, por muito mais tempo após os crimes, a
condição de moradia das famílias não seria a ideal. A proibição por lei – e o
cumprimento dessa sendo levado com maior seriedade pela polícia – fez com que o
povo de Whitechapel buscasse migração para os subúrbios ou, para aqueles que
permaneciam no bairro, condições de limpeza e saneamento melhores.

É importante ter em mente, porém, que o espaço de denúncia criado pela mídia
não fez milagres. O bairro de Whitechapel – e o restante do East End – não se
tornou o prime of civilization idealizado e ditado pelo restante da cidade. Os
problemas sociais, em sua grande maioria, permaneceram por conta da falta de
recursos.

Em 1902, Jack London demonstra que o bairro de Whitechapel ainda


representava um local evitado, temido e deveras ignorado pelo restante da cidade,
porém, o autor estadunidense menciona a semi-extinção de alguns dos problemas
locais, como a prostituição e a negligência policial.

54Idem. Original: “I have been through the worst haunts of Whitechapel. Your newspaper men have been too;
you have visited the scene of the murders and the neighbouring lodging-houses, and painted them in vivid
colours. But I have visited also the surroundings, where live thousands of hardworking, honest, decent people.
The circle in which all these murders lay is a patch of vice on an area of decent citizenship. Besides, ask those
who see them, ask those who carry on the midnight meeting movement, and they will tell you that these
wretched women are far more modestly behaved than they used to be. Again, any girl who really wishes to do
so can nowadays find help to leave the life in twenty-four hours. The legislation about lodging-houses has done
much by preventing overcrowding. Migration into the suburbs has done much, too, for the ordinary home. Far
more attempts – poor enough often, but still attempts – at decent conditions of family life are now made in
crowded homes. Altogether, I believe that the testimony of City missionaries as a whole would be that no
neighbourhood (unless it be one depleted of its more respectable dwellers by migration countrywards) is
worse than it was, and many are much better.”.
49
As pequenas alterações diretamente relacionadas ao Outono de 1888,
portanto, representam um início daquilo que viria a ser a diminuição – e não
eliminação – das desigualdades, que pode ser vista hoje nas ruas de Whitechapel:
trata-se de um bairro de classe média, cujas ruas oferecem segurança, e que
recebe, com frequência, reformas para manter as condições adequadas do
pavimento, do transporte, da saúde, etc.

O East End parece ter cada vez menos fronteiras em seu interior, em grande
parte devido ao transporte eficiente, configurando uma união dos bairros do Leste,
que formam uma espécie de identidade urbana. A região recebe a atenção dos
turistas, fascinados pela história dos crimes, mas não apenas por isso: atualmente,
representa um hotspot cultural, contando com diversas galerias de arte, feiras de
artesanato, mercados culinários, bares, casas de show, centros de compras e
bibliotecas. Um exemplo dessa integração cultural do Leste ao restante de Londres
é Mile End, bairro que faz parte do complexo e que conta com uma das mais
importantes faculdades da Universidade de Londres, a Queen Mary.

Hoje, como sempre, o East End de Londres emana história, humanidade e


cultura.

50
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