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PSICOLOGIAPOLICIALOmanual
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O ano era 2018 e eu estava sentado em uma das salas da Universidade Federal de
Alagoas, assistindo a uma das primeiras aulas de Psiconeurobiologia: “ O cérebro é como uma
máquina de calcular”, dizia o professor. “Ele processa os estímulos ambientais combinando essas
informações com o seu banco de dados e ‘algoritmos’ internos, respondendo ao ambiente a partir
do cálculo rápido com essas variáveis”. Pois bem. Este é um ebook sobre esse processo para
agentes de segurança pública que estão na linha de frente do combate ao crime, lidando com o
enfrentamento de situações de risco cotidianamente. Ao final, você será capaz de emitir
respostas mais assertivas de acordo com cada situação que se apresente na sua atuação
profissional.
Para alguns operadores eu até dispensaria essa leitura, porém, são os que mais irão
valorizá-la. Esses são os agentes que não se acomodaram. Eles se mantêm treinados e, na maior
parte do tempo, atentos. Estudam e procuram se aprimorar independentemente das iniciativas
institucionais de suas corporações que, na maior parte do país, negligenciam o treinamento
continuado. Enquanto isso, existe outro grupo de indivíduos que julgam já saberem o necessário.
Adeptos da filosofia NHS (Na Hora Sai), contam, implicitamente, com a sorte da calmaria a seu
favor. São assim por excesso de autoconfiança ou pura preguiça. Pena que não estão aqui para ler
isso. Porém, há outra parcela com quem consigo me comunicar - e fico feliz em saber que você faz
parte dela: os comprometidos, dedicados, não acomodados. Pobre daqueles que cruzarem os
vossos caminhos para fazer o mal, pois sei que, se necessário, serão eliminados (e é assim que
deve ser).
FORÇA E HONRA,
Dávidson Lima.
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Da calmaria ao caos:
Aquilo que você esquece -
mas não deveria - sobre a
natureza do trabalho
policial
[...] o perigo será silencioso, inexorável e descontínuo. Ele cairá
abruptamente após longos períodos de silêncio, talvez no exato
momento em que já se esteja acostumado com ele e já se tenha esquecido
de sua existência.
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Dessa forma, não quero trazer pessimismo para o seu cotidiano profissional, muito
menos a paranoia de que a qualquer momento você pode ser morto. Isso não é saudável e poderia
até gerar distúrbios psicológicos. Contudo, quero lembrá-lo da natureza do risco que nos envolve,
a fim de poder contribuir com o seu treinamento e, consequentemente, com a sua performance
nas trincheiras cotidianas. Embora pensar sobre isso nos ajude, não resolve o problema. Então,
sigamos.
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a ESCOLHA CERTA:
Processo de tomada de
decisão em situações de
alto estresse
Somos máquinas de sentimentos que pensam e não máquinas racionais
que se emocionam.
António Damásio
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Essa noção da evolução humana nos permite compreender que nosso cérebro ainda
possui características remanescente de milhares de anos atrás, como a reação de luta ou fuga,
descrita inicialmente pelo fisiologista Walter Bradford Cannon em 1927 e que foi importantíssima
para a nossa sobrevivência enquanto espécie. Quando estamos em uma situação real ou iminente
de perigo sentimos uma resposta adaptativa que, por mais valente que você seja, acredito que
conhece bem: o medo. A tensão extrema dos momentos perigosos em que nos envolvemos
provoca a reação luta-ou-fuga com o seguinte propósito: aumentar nossa força e vigor para que
possamos lidar adequadamente com a situação (PINEL, 2005).
Os medos nos animais são, em sua maioria, inatos. O animal já nasce com medo dos
perigos mais comuns em seu habitat. Por exemplo. Um macaco reage a com medo de
cobra mesmo que nunca a tenho visto. Mas eles podem também aprender a ter medo
por um processo de condicionamento. Em uma experiência clássica, um rato foi
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1Hormônios e neurotransmissores são mensageiros químicos. As principais diferenças entre eles são onde são
produzidos e por onde circulam no corpo. Hormônios são produzidos principalmente por glândulas e circulam em
nossa corrente sanguínea, enquanto os neurotransmissores são produzidos por neurônios e são responsáveis pela
comunicação química destes.
2 Ambos os sistemas são antagonistas na grande maioria dos casos. O que significa dizer que, quando um entra em
cena o outro é automaticamente suprimido. O sistema nervoso simpático (parte da subdivisão do sistema nervoso
autônomo) prepara o corpo para lidar com situações de estresse ou emergência.
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Na maior parte das ocorrências policiais, a resposta luta-ou-fuga além de deixar você
mais forte e rápido - o que é uma vantagem - pode te deixar mais burro também. Tal resposta
altera o funcionamento cerebral em seu processo de decisões mais analíticas e favorece a
ativação do sistema límbico do indivíduo, responsável por respostas mais emocionais e
instintivas. Porém, a resposta a uma situação-problema de alto estresse no contexto policial
normalmente irá envolver habilidades motoras e cognitivas mais complexas do que lutar contra
um felino ou correr de um urso. Entre lutar contra essas feras ou fazer, simultaneamente, I)
Progressão no terreno da forma mais adequada; II) Manter a comunicação e a sincronia com os
seus parceiros de equipe; III) Utilizar sua arma de fogo com precisão e estar pronto para resolver
panes de funcionamento; IV) Analisar possíveis ameaças que não estão no atual campo de visão;
V) Adequar o nível da sua agressividade para que ela não exceda os limites da lei... É, talvez seja
preferível os leões e ursos.
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É através do estado de fluxo que podemos explicar os grandes feitos de atletas de elite
dos esportes radicais que desafiam os limites da performance humana. Porém, o fluxo existe em
diferentes níveis, assim como há vários estados psicológicos que oscilam como consequência,
em grande parte, da relação entre o nível do desafio da situação e o grau de habilidade do sujeito
envolvido.
3Os dez componentes são: 1. Metas claras; 2. Concentração; 3. Perda da sensação da autoconsciência; 4. Sensação
distorcida do tempo; 5. Feedback direto e imediato; 6. Equilíbrio entre o nível de habilidade e o desafio; 7. Sensação
de controle pessoal sobre a situação; 8. Atividade intrinsecamente gratificante; 9. Falta de consciência das
necessidades corporais e; 10. Absorção.
4Buzzy Trent (1929-2006) é considerado o pioneiro no surf em ondas grandes. A frase original é “Waves are not
measured in feet or inches, they are measured in increments of fear (“Ondas não se medem em metros e centímetros,
mas pelo medo que nos causam”).
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Controle-se!
OS MAIORES princípios do
combatente de elite
Se você quer controlar os outros, primeiro deve controlar a si mesmo.
Miyamoto Musashi
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Nesse sentido, nos agarraremos aqui com os dois primeiros mandamentos dos
Operações Especiais que são adotados em unidades como o Comando de Operações Táticas
(COT) da Polícia Federal e o BOPE-RJ. Essas tropas são referência no Brasil quando o assunto é
grupo policial de elite. Muito além da qualidade técnica ou bons equipamentos, são esses valores
os “responsáveis pela formação de uma espécie de cimento invisível que mantém unidos seus
integrantes” (GRECO, 2014, p. 341). Eles são as peças fundamentais que fazem esses grupamentos
se destacarem até mesmo no cenário mundial e faço questão de citá-los aqui:
1. Agressividade controlada;
2. Controle emocional;
3. Disciplina consciente;
4. Espírito de corpo;
5. Flexibilidade;
6. Honestidade;
7. Iniciativa;
8. Lealdade;
9. Liderança;
5 Até mesmo facções criminosas ou grupos terroristas fazem uso de códigos de conduta. O PCC (Primeiro Comando
da Capital) possui um estatuto com 18 artigos que regem a conduta de seus membros. O Estado Islâmico, maior grupo
terrorista do mundo, começa o treinamento de seus novos membros com exaustivas aulas de doutrinação religiosa.
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CONTROLE EMOCIONAL
O medo
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A exposição periódica a situações que nos causam medo tenderá a melhorar o nosso
limiar de sensibilidade a essa emoção (exceto quando acarreta uma sobrecarga suficiente de
estresse no agente ao ponto de causar traumas ou distúrbios psicológicos. Falaremos sobre isso
no capítulo 06). Contudo, é difícil (e perigoso) manipular as variáveis de um treinamento para
que você sinta que pode morrer se vacilar em algum detalhe. Então, nos concentraremos naquilo
que podemos manipular com mais facilidade: nosso nível de habilidade e, consequentemente,
autoconfiança.
Não há ninguém que possua uma autoconfiança geral e absoluta em todas as áreas
da vida. Pessoas que nos parecem confiantes em todas as áreas na verdade possuem um histórico
positivo de experiências em situações importantes do seu passado. Assim, elas tendem a parecer
autoconfiantes em diversas outras áreas. Digo isso para que você entenda que você certamente
possui níveis distintos de autoconfiança nos diversos âmbitos da sua vida a depender do quanto
se percebe habilidoso naquela determinada área.
Segundo Betini e Duarte (2013, p. 73), o nível de confiança necessário ao trabalho policial
é resultado de quatro fatores: I) Nível de treinamento; II) Conhecimento de técnicas; III)
Experiência e; IV) Disponibilidade de instrumentos6. Então, se queremos mais autoconfiança na
nossa atividade profissional, precisamos treinar e nos desenvolvermos nos pilares da boa
preparação que citamos na introdução deste manual. Eles são equivalentes aos quatro fatores
citados acima, com exceção da variável experiência que, como já frisamos, não está totalmente
a nosso controle.
6 Eduardo Maia Bettini e Claudia Tereza Sales Duarte são autores do livro Curso de UDF - Uso Diferenciado da Força.
Claudia Duarte é Graduada em Direito e Psicologia pelo Centro Universitário de Brasília (UNICEUB) e advogada com
atuação nas áreas criminal, cível e administrativa. Eduardo Bettini é um dos operadores de segurança pública mais
capacitados do Brasil. Agente de Polícia Federal, possui um longo currículo na área de Operações Especiais. Passou
pelos principais cursos de formação policial operacional do país e fez intercâmbio em instituições internacionais.
Atuou por diversos anos no Comando de Operações Táticas da Polícia Federal (COT/DPF) e já operou juntamente
com o BOPE/PMERJ. Autor de diversos livros ligados à atividade policial, Bettini atualmente é Coordenador Geral de
Fronteiras pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública do país. Citaremos esses autores diversas vezes no decorrer
deste manual.
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A raiva
Para efeitos didáticos, abordaremos a raiva sob duas perspectivas: I) A raiva que
pode - e deve - ser evitada e; II) A raiva inevitável. Ambas possuem uma linha tênue que as separa,
mas, na primeira delas, devemos entender que a nossa interpretação da situação pode nos livrar
dessa categoria. Esse ponto aplica-se, principalmente, aos meus companheiros policiais
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Para isso, o primeiro ponto é: Evite descontrolar-se com o descontrole alheio. Como
já nos ensinou António Damásio, neurologista e neurocientista português, “ Pessoas são máquinas
de sentimentos que pensam, não máquinas racionais que se emocionam ”. Entenda que, pessoas
nas três categorias citadas, seja lá por qual motivo for, são inconsequentes e naturalmente mais
difíceis de lidar, exigindo um pouco mais de paciência da sua parte.
Porém, existem certos momentos em que a sua raiva será plausível e ampara pela lei.
Esses são os casos que provavelmente envolvem desacato, desobediência, resistência à prisão
ou legítima defesa. Aqui, apesar de você ter a lei ao seu favor, você sabe que não pode se exceder
com o uso desproporcional da força. Dessa forma, sinta a raiva, mas não aja pela raiva. Parece
simples, mas tente lembrar-se disso quando o sangue lhe subir à cabeça. Não tome decisões com
base na subjetividade do que você está sentindo, recorde que você é, antes de tudo, um técnico
em segurança pública. Use, de forma inteligente, a lei ao seu favor. As infrações penais
supracitadas no começo desse parágrafo são suficientes para lhe resguardar. Estude-as e aplique-
as - repito - com inteligência.
AGRESSIVIDADE CONTROLADA
Pouco após o final da Primeira Guerra Mundial o filósofo e poeta George Santayana
insere o seguinte em seus escritos: “Apenas os mortos verão o fim da guerra”. Parodiando tal
pensamento, eu diria que apenas os mortos verão o fim da violência e das injustiças. E ao
contrário de Rousseau, que nos disse que “O homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe”,
acredito em um discurso menos otimista e, com a ajuda da Psicologia, podemos observar que a
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7 De acordo com a SENASP (Secretaria Nacional de Segurança Pública), o Uso Diferenciado da Força “ Consiste na
seleção adequada de opções de força pelo policial em resposta ao nível de submissão do indivíduo suspeito ou
infrator a ser controlado”. Nos níveis do UDF, considera-se desde a simples presença do agente até a utilização de
arma de fogo. O termo Uso Diferenciado da Força foi cuidadosamente escolhido para trazer consigo a ideia de um
uso da força proporcional e funcional, podendo ser letal ou não letal, progressivo ou regressivo. Existem diversas
propostas de UDF pelo mundo (no Brasil, sugerida pela SENASP e em conformidade com a Portaria Interministerial
4.226 de 31 de dezembro de 2010 que estabelece diretrizes sobre o uso da força pelos agentes de segurança pública).
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Lembre-se, também, que o uso da força deve obedecer a alguns princípios. Eles
servem não somente para te livrar de problemas judiciais, mas podem facilitar o seu processo de
tomada de decisão. São eles: Legalidade, Necessidade, Proporcionalidade e Conveniência
(novamente, para efeitos práticos, desconsiderarei desse rol o princípio da Moralidade incluído
pela Portaria 4.226/10. Se for legal, necessário, proporcional e conveniente, certamente será
moral).
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O nível de força utilizado em uma situação, segundo Betini e Duarte (2013, p. 73),
“Depende, grandemente, do nível de confiança do agente da lei, pois, quanto maior o nível de
confiança, menor a tendência para se utilizar força excessiva”. Portanto, já entendemos que, para
exercer uma postura firme e assertiva é necessário, antes de tudo, autoconfiança nas suas
habilidades policiais. E isso, como vimos no capítulo anterior, só deveria ser possível com o
devido treinamento (há aqueles operadores que são autoconfiantes mesmo mal treinados porque
nunca enfrentaram situações que realmente exigiam deles grandes habilidades ou um bom nível
de treino. Mas essa autoconfiança é perigosa e pode, em algum momento, revelar a sua outra face
- a face da fragilidade e do despreparo).
Segundo o que aprendi com o grande professor Gérson Alves (conhecido também
como Professor Tamuia), mestre de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas, a
assertividade é a habilidade de negociação onde o sujeito consegue comunicar de forma clara e
efetiva o que deseja. É considerada uma postura comportamental ligada a autoconfiança, onde
age-se com firmeza e fora dos extremos da passividade e da agressividade desmedida.
Para o exercício profissional dos agentes de segurança pública, utilizarei outro termo
que julgo melhor se adaptar: resposta calibrada. Tal expressão nos remete a capacidade do
operador em calibrar as suas respostas de acordo com o que exige a situação. Aqui o agente não
deve ser passivo ou agressivo, ele apenas faz o uso da força necessária para fazer valer a lei. Em
alguns momentos, haverá a necessidade de agressividade extrema, em outros, um pouco de
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~
FIGURA 11. I lust r ação do que ser ia a r espo s t a calibr ada r elacionando o conceit o
a ext r em os disf uncionai s e per igo sos d e p assividade e agr es sividade.
Quando você ouve falar de linguagem corporal talvez lembre de algumas estatísticas
atribuídas a Albert Mehrabian, retiradas de seu livro Silent Messages (Mensagens Silenciosas)
de 1971. Segundo algumas interpretações dos estudos de Mehrabian, quando nos comunicamos
com alguém apenas 7% do que dizemos vem das nossas palavras. Os outros 93% da nossa
mensagem vêm de fatores como expressões faciais, tom de voz, volume e ritmo da fala, gestos e
postura corporal. Conforme nos alerta Sergio Senna, doutor em Psicologia pela Universidade de
Brasília e autor do artigo O Mito de Mehrabian (clique aqui para ver o artigo), muitas pessoas
esquecem de observar o seguinte detalhe: Albert se referia a comunicação de sentimentos.
Imagine você, ao comunicar-se com uma pessoa que fala um idioma que você não compreende.
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Esclarecido isso, uma coisa é certa, independente do preciosismo que tenhamos com
esses dados, as outras camadas da comunicação que vão além das meras palavras são
importantíssimas no resultado final do que queremos transmitir ao nosso interlocutor. Nas
ocorrências policiais que envolvem diálogo e negociação os sentimentos dos cidadãos envolvidos
estão, muitas vezes, aflorados. O operador precisa, dessa forma, aprender a modular a sua
comunicação para transmitir firmeza e clareza, conseguindo se sobressair em meio a toda a
bagunça do local situacional. Portanto, para efeitos didáticos, realmente podemos deduzir que,
no cotidiano policial, quando há a necessidade da comunicação interpessoal, cerca de 93% do
que comunicamos não são as palavras que falamos, mas a postura, voz e gesticulação que
adotamos.
Você já aprendeu, nos capítulos anteriores, como ter mais confiança ao executar a
sua atividade profissional e a importância disso. Já entendeu também que, para uma
comunicação assertiva e que demonstre a sua autoridade, é importantíssimo que você também
consiga transmitir isso. A boa notícia é que existem alguns comportamentos simples que você
pode adotar deliberadamente no momento da ocorrência policial que favorecerem a resolução do
problema, transmitindo essas posturas. Todavia, existem outras atitudes igualmente simples,
mas que são verdadeiras armadilhas em que o próprio operador se coloca. Para ilustrar isso,
citarei novamente Betini e Duarte (2013, p. 76 e 77):
O tratamento dispensado a qualquer cidadão, seja infrator ou não, deve ser digno e
respeitoso. Seja firme e austero. Utilize a “Técnica do CD Riscado” que consiste em
repetir várias vezes o mesmo comando, elevando-se e reduzindo o volume da voz, de
acordo com a reação do infrator. Lembre-se que ameaçar verbalmente o suspeito pode
gerar reação e agravamento da situação. Jamais faça promessas que não poderá
cumprir, do tipo: “Pare ou eu atiro!” Não prometa o que você não pode cumprir, lembre-
se de que, via de regra, a lei não o autoriza a atirar em uma pessoa simplesmente porque
se negou a cumprir seu comando. É o tipo de situação que policial nenhum precisa
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Nesse trecho supracitado temos importantes ensinamentos que, muitas vezes, não
são transmitidos nos cursos de formação policial. Devido a esses erros, alguns operadores
passam por situações-problema que começam de forma simples e, em poucos minutos, tornam-
se uma situação vultuosa e de difícil contenção. Tais dicas se tornam ainda mais preciosas
quando há aglomeração de pessoas no local situacional. Nestes casos, a dinâmica social muda
significativamente. Alguns indivíduos - pela confiança no grupo, pelo desejo de se exibirem
socialmente ou pelo conforto do anonimato que suas ações podem ter em grandes aglomerações
- ficam mais ousados e se comportam de forma diferente do que se comportariam se estivessem
em uma situação semelhante, mas sozinhos.
Então, fique atento às situações-problema que poderiam ser resolvidas de forma
breve, com uma verbalização assertiva combinada a instrumentos de menor potencial ofensivo
ou técnicas de imobilização. Frequentemente essas situações surgem como um pequeno incêndio
que deveria ser apagado ainda nas primeiras chamas, antes que passem a exigir o apoio de um
efetivo muito maior de agentes e do emprego mais intenso da força. No entanto, devido aos erros
ilustrados por Betini, alguns operadores ao tentarem apagar o fogo, o transformam em labaredas
ainda maiores. Portanto, não subestime esses conselhos, pois a grande maioria das ocorrências -
pelo menos no âmbito das polícias militares - podem ser resolvidas somente no nível da
verbalização.
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Mantendo-se treinado:
Como fazer a manutenção
do seu condicionamento
mental
Si vis pacem, para bellum8.
8
Provérbio em latim. Pode ser traduzido como “Se queres a paz, prepara-te para a guerra”.
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Abaixo, abordarei os tópicos que, na minha visão, são os mais relevantes quando
falamos de condicionamento psicológico para a boa performance do operador em situações-
problema.
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Você pode praticar esses ensaios mentais em situações cotidianas, onde você
imagina algo ocorrendo em torno de você e, com isso, qual seria a melhor resposta a ser dada.
Outro desdobramento dessa prática é, ao receber uma comunicação de ocorrência e se deslocar
a uma situação-problema, você tentar imaginar diversos cenários possíveis e respostas
equivalentes. Ou, ainda, ao ver algum vídeo envolvendo ocorrências com agente de segurança,
compartilhado através das redes sociais ou pelos veículos midiáticos, você pode aproveitar-se da
situação e, após assisti-lo, imaginar o que você faria naquele cenário.
Aconselho também que você tenha muito claro em sua mente qual a melhor
progressão (ou regressão) do uso da força que você pode adotar de acordo com as suas
habilidades atuais. Saiba quais são os seus pontos fortes e em quais habilidades você “se
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Não deixe para pensar nas respostas dessas perguntas quando você estiver imerso
em uma situação de alto estresse. Isso já deve estar muito bem claro na sua “caixa mental” de
ferramentas. Ter essa clareza possibilitará respostas mais rápidas e acertadas. Além disso, se
você não possui um leque mínimo de habilidades nos diversos níveis do uso da força sugiro que
escolha algumas técnicas úteis para diversas situações, como, por exemplo, um double leg
(técnica de queda contra um oponente) seguido de algumas possibilidades de imobilização;
estrangulamento pela retaguarda do infrator (o famoso mata-leão ou gravata) etc. Prefira
dominar algumas poucas técnicas de uso amplo do que improvisar com um nível diverso de
técnicas que você pouco domina. Bruce Lee já no advertiu: “Eu não temo o homem que praticou
10.000 chutes uma vez, eu temo aquele que praticou um chute 10.000 vezes ”. Nesses casos,
menos é mais (desde que seja na quantidade mínima viável).
No âmbito policial (e na vida como um todo, se assim preferir), você só não deve
cometer jamais três tipos de erros: I) Erro que tire a sua vida; II) Erro que tire a sua liberdade e;
III) Erro em que você não aprende nada.
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O MORAL ELEVADO
Essa é uma expressão comum em muitos cursos de instrução policial. Manter o moral
elevado é um conselho dado para os momentos de alta dificuldade em treinamentos ou
operações. Fora do meio policial ou militar, seria o equivalente a termos como “força de espírito”,
“força de vontade” ou “garra”. Este tópico não estava contido na primeira edição deste material,
pela dificuldade que este autor encontrou em inserir, de forma objetiva e sem devaneios
filosóficos dispensáveis, um conteúdo naturalmente subjetivo. Apesar disso, me arriscarei nesta
missão almejando a concisão e a objetividade.
Já abordamos no capítulo 3, sobre a importância dos princípios e a sua função como
bússola de condutas humanas. Lá, falamos sobre a aplicação deles enquanto uma forma de
“tática” para o bom desempenho do operador no seu dia a dia profissional. Aqui, no entanto, os
apontaremos como valores que fundamentam e fortalecem a sua atuação. O que abordarei aqui,
se aplica não só ao seu contexto profissional, mas pode ser útil também na formação de uma
personalidade forte e honrada fora das viaturas, batalhões, quartéis ou delegacias.
Em momentos de dificuldade, seja na sua vida pessoal ou profissional, será mais
difícil fazer escolhas virtuosas. Diante do desconforto os caminhos mais fáceis se tornam mais
tentadores. Defronte à oportunidade de fazer o mais conveniente e agradável, podemos,
facilmente, renunciar condutas mais nobres. Em resumo, o que quero dizer com isso é o seguinte:
padrões comportamentais virtuosos, como coragem, honra, resiliência e lealdade normalmente
não são o caminho mais fácil a ser seguido. Assim como uma grande árvore, que só dá bons frutos
com bons nutrientes ou um monumento de construção civil que não surge através de tijolos
jogados ao ar aleatoriamente, posturas comportamentais virtuosas não surgem à toa e precisam
ser nutridas.
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9 O Estoicismo é uma doutrina fundada por Zenão de Cício (335-264 a.C.), e desenvolvida por várias gerações de
filósofos, que se caracteriza por uma ética em que a imperturbabilidade, a extirpação das paixões e a aceitação
resignada do destino são as marcas fundamentais do homem sábio, o único apto a experimentar a verdadeira
felicidade (OXFORD LANGUAGES).
10Força e Honra é um lema frequentemente utilizado no meio militar. Não se conhece, ao certo, a origem dessas
palavras como expressão e lema. Mas, sabemos que virtudes semelhantes, como integridade e destemor, sempre
foram muito valorizadas em diversas culturas guerreiras.
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Saúde mental e o
trabalho policial:
mantendo o equilíbrio
O que importa não é o que acontece, mas como você reage.
Bruce Lee
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Então, como nos ensinou a física, para que você mantenha sua saúde mental
mediante a situações de alto estresse é necessário que atente para inserir na sua vida outras
forças que compensam esses momentos. O policial, como consequência da sua atividade, está
suscetível a diversos distúrbios psicológicos oriundos de basicamente dois tipos de estresse que
somam-se com os estresses da sua vida pessoal: I) O estresse contínuo, que pode estar sempre
presente no seu cotidiano, gerando consequências como a Síndrome de Burnout e; II) O estresse
pós-traumático que, como o próprio nome revela, surge a partir de uma experiência traumática,
como, por exemplo, uma situação de combate armado com criminosos onde o operador
presencia um companheiro de equipe sendo alvejado e, em seguida, vindo a falecer.
PREVENÇÃO
Os samurais, com o seu Bushido, eram muito mais que homens fisicamente
preparados e perigosos. Com um código moral muito claro e valorizado por toda a comunidade
na qual eles estavam inseridos, esses homens tendiam a ser também psicologicamente fortes,
conduzidos por valores nobres e fortalecedores. Sugiro, com isso, que você também adote valores
fortes não só para performar melhor através de um moral elevado. Valores fortes e claros te
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Existe também um TED Talk intitulado How to make stress your friend (Como Fazer
do Estresse um Amigo, em tradução para o português) da psicóloga Kelly McGonigal, professora
na Universidade de Stanford (clique aqui para acessar). Ela nos mostra, através de diversos
experimentos científicos, como o estresse pode ser nosso amigo a depender da forma que
olhamos para ele. De acordo com McGonigal, a nossa perspectiva interpretativa sobre a situação
de estresse faz toda diferença em como seremos impactados por suas consequências. As pessoas
que acreditam que o estresse é altamente negativo estão, de fato, se deteriorando com mais
facilidade do que as pessoas que o percebem de forma mais positiva. Conseguinte, trazendo isso
para a realidade policial, é importante olharmos para o estresse desse contexto como parte de
uma missão a ser cumprida, como um trabalho nobre a ser executado, como uma contribuição
importante para a sociedade em que estamos inseridos.
TRATAMENTO
Os heróis não são os sujeitos que não possuem fraquezas, o que os caracteriza são
outros valores e habilidades. Então, se nem nos quadrinhos, filmes ou desenhos animados eles
são sempre fortes, por que teríamos essa pretensão? Saiba reconhecer - e admitir - quando a sua
saúde mental estiver abalada e você não conseguir lidar sozinho com isso. Tenha cuidado com o
crescimento gradual dos sintomas que, muitas vezes, fazem do problema um processo
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CALAÇA, Irlan. O confronto armado fora de Hollywood (o estresse na vida real). Infoarmas, 19 de fev. de
2020. Disponível em: <https://infoarmas.com.br/confronto-armado-fora-de-hollywood/>. Acesso em: 10
de nov. de 2020.
HARARI, Yuval Noah. Sapiens - Uma breve história da humanidade. 26. ed. Porto Alegre: L&PM, 2017.
HÜBNER, Maria Marta Costa; MOREIRA, Márcio Borges. Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da
Análise do Comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2012.
KOTLER, Steven. Super-Humanos: Como os atletas radicais redefinem os limites do possível. Rio de
Janeiro: Sextante, 2015.
LIMA, João Cavalim de. Atividade Policial e o Confronto Armado. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2011.
MACHADO, Angelo B.M.; HAERTEL, Lucia Machado. Neuroanatomia Funcional. 3 ed. Atheneu, 2014.
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TALEB, Nassim Nicholas. Antifrágil: Coisas que se beneficiam com o caos.12. ed. Rio de Janeiro: Best
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Design e ilustrações:
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