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Psicologia Policial 6

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Sumário

INTRODUÇÃO: OS PILARES DA (BOA) PREPARAÇÃO ............................................................6


CAPÍTULO 1: DA CALMARIA AO CAOS ...........................................................................................8
CAPÍTULO 2 : A ESCOLHA CERTA .................................................................................................... 11
A Psicologia dos confrontos ..........................................................................................................12
A paralisia (ou, o famoso “colar as placas”) ...................................................................... 16
O flow e a atividade policial ........................................................................................................17
O Código de Cores de Cooper e Grossman ............................................................................ 22
CAPÍTULO 3 : CONTROLE-SE! ...........................................................................................................24
Controle emocional ...........................................................................................................................26
O medo.................................................................................................................................................26
A raiva .................................................................................................................................................28
Agressividade controlada .............................................................................................................29
CAPÍTULO 4: SEM TIRO, PORRADA E BOMBA ........................................................................ 33
Presença física e verbalização ................................................................................................... 35
CAPÍTULO 5: MANTENDO-SE TREINADO ..................................................................................38
Treine todos os outros pilares ....................................................................................................39
Visualização - ou ensaio mental - de eventos diversos ................................................39
Tenha o seu próprio modelo de UDF ...................................................................................... 40
Processo de auto -feedback e aprendizado contínuo ...................................................... 41
CAPÍTULO 6: SAÚDE MENTAL E O TRABALHO POLICIAL ............................................... 44
Prevenção ............................................................................................................................................. 45
Tratamento ........................................................................................................................................... 46
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................................ 49

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APRESENTAÇÃO

O ano era 2018 e eu estava sentado em uma das salas da Universidade Federal de
Alagoas, assistindo a uma das primeiras aulas de Psiconeurobiologia: “ O cérebro é como uma
máquina de calcular”, dizia o professor. “Ele processa os estímulos ambientais combinando essas
informações com o seu banco de dados e ‘algoritmos’ internos, respondendo ao ambiente a partir
do cálculo rápido com essas variáveis”. Pois bem. Este é um ebook sobre esse processo para
agentes de segurança pública que estão na linha de frente do combate ao crime, lidando com o
enfrentamento de situações de risco cotidianamente. Ao final, você será capaz de emitir
respostas mais assertivas de acordo com cada situação que se apresente na sua atuação
profissional.

A partir da década de 1990 a Psicologia ganhou novos horizontes. Com o começo do


uso das máquinas de Ressonância Magnética Funcional (fMRI) os pesquisadores puderam
aprimorar pesquisas que já utilizavam exames de imagem do cérebro através dos
Eletroencefalogramas (EEG). Com isso, através da neurociência, tivemos a oportunidade de
entender de forma mais precisa como o cérebro funciona, podendo observá-lo durante o seu
funcionamento. Assim, em grande medida, é com base nesses estudos e avanço científico que
este trabalho está embasado.

Após anos de experiência policial e análise de situações de enfrentamento, fica


evidente um triste cenário: mortes de agentes de segurança pública por falta do uso da força
necessária ou condenações judiciais pelo excesso dessa. Grande parte dos desfechos negativos
dessas ocorrências se devem a carência e negligência das habilidades psicológicas dos agentes
diante dessas situações, o que envolve, basicamente, dois pontos fundamentais que serão
abordados neste manual: I) Controle emocional e; II) Agressividade controlada.

Escrevo este material para contribuir com a performance dos operadores de


segurança que lidam com o caos e para suprir a lacuna deste tipo de literatura, em português, que
une a aplicação prática e científica da Psicologia moderna com as demandas da atividade

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policial. Estas páginas propõem-se a trazer um conteúdo objetivo e de fácil entendimento que
aborde os aspectos que considero mais importantes e fundamentais no âmbito da psicologia
aplicada ao trabalho policial.

Para alguns operadores eu até dispensaria essa leitura, porém, são os que mais irão
valorizá-la. Esses são os agentes que não se acomodaram. Eles se mantêm treinados e, na maior
parte do tempo, atentos. Estudam e procuram se aprimorar independentemente das iniciativas
institucionais de suas corporações que, na maior parte do país, negligenciam o treinamento
continuado. Enquanto isso, existe outro grupo de indivíduos que julgam já saberem o necessário.
Adeptos da filosofia NHS (Na Hora Sai), contam, implicitamente, com a sorte da calmaria a seu
favor. São assim por excesso de autoconfiança ou pura preguiça. Pena que não estão aqui para ler
isso. Porém, há outra parcela com quem consigo me comunicar - e fico feliz em saber que você faz
parte dela: os comprometidos, dedicados, não acomodados. Pobre daqueles que cruzarem os
vossos caminhos para fazer o mal, pois sei que, se necessário, serão eliminados (e é assim que
deve ser).

FORÇA E HONRA,
Dávidson Lima.

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INTRODUÇÃO

OS PILARES DA (BOA) PREPARAÇÃO

Adotaremos aqui, para efeitos didáticos, a seguinte divisão da preparação policial: I)


Técnica; II) Tática; III) Psicológica e; IV) Física. Para sermos objetivos ao nosso propósito com
este trabalho, vamos nos deter nestas linhas somente a parte psicológica deste processo. Se você
é um operador de segurança pública, saiba que é sua obrigação - caso queira voltar vivo para sua
casa - se desenvolver em cada um desses pilares. É importante ressaltar aqui que há uma forte
interdependência entre eles e quando treinamos qualquer um, impactamos automaticamente um
ou mais dos restantes. Com isso, a valência psicológica da preparação do operador é beneficiada
com o treinamento de todos os outros pilares, e o inverso também se aplica. Mais à frente você
irá entender isso com os devidos detalhes.

FIGURA 1. Os pilares da boa preparação

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O que mais motivou a escrita dessas páginas é o entendimento de que, dentre todos,
a valência psicológica é a mais importante. Mas, não entenda mal, não estou dizendo que
podemos dispensar ou negligenciar as outras. No entanto, se o agente não consegue observar com
clareza a realidade que o cerca, entendendo a importância de pensar sobre a qualidade das
respostas que ele é capaz de apresentar em situações-problema e discriminar o que precisa ser
melhorado ou desenvolvido no seu repertório de comportamentos, ele não chegará ao ponto de
sair da inércia e se desenvolver nos outros pilares. Com isso, quero dizer que, para você evoluir
nos outros fundamentos do trabalho policial é necessário que você vença a acomodação e seja
capaz de desenvolver e aprimorar comportamentos. Considero essa habilidade uma qualidade,
também, psicológica.

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CAPÍTULO 1

Da calmaria ao caos:
Aquilo que você esquece -
mas não deveria - sobre a
natureza do trabalho
policial
[...] o perigo será silencioso, inexorável e descontínuo. Ele cairá
abruptamente após longos períodos de silêncio, talvez no exato
momento em que já se esteja acostumado com ele e já se tenha esquecido
de sua existência.

Nassim Nicholas Taleb

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Certas vezes, o óbvio precisa ser lembrado e essa é uma delas. Certamente você já
entendeu os riscos inerentes à atividade policial, porém, se você não está sempre exposto, de
alguma forma, a situações sérias que te lembrem disso, há grandes chances de você esquecer
algumas coisas importantes a esse respeito. Não irei apenas te lembrar isso, mas iremos falar
sobre a natureza desses riscos que nos cercam, que são eles: a condenação judicial pelo excesso
do uso da força e, principalmente, a morte.

Primeiro, devemos entender algumas características especiais dos riscos envolvidos


nos confrontos policiais e uma delas é o problema do Cisne Negro. Essa proeza filosófica foi
denominada por Nassim Nicholas Taleb e é o centro da discussão de um dos seus mais famosos
livros: A Lógica do Cisne Negro. Taleb dedicou sua vida a analisar problemas ligados a incerteza
e como prosperar em um mundo repleto delas - assim como o nosso, enquanto combatentes.
Basicamente a sua teoria nos alerta da impossibilidade de prevermos e calcularmos a ocorrência
de importantes e raros acontecimentos. No nosso caso, acontecimentos que podem tirar nossas
vidas.

Além da imprevisibilidade, as piores situações-problema têm a seu favor a pouca e


súbita ocorrência. O fato de grandes riscos surgirem poucas vezes no contexto da maior parte dos
operadores pode gerar uma consequência negativa: a acomodação. Nosso cérebro funciona a
partir do princípio da economia de esforço e está sempre calculando o custo de resposta dos
nossos comportamentos. Então, por que o operador que não está em unidades operacionais
especiais ou em uma região de alta criminalidade iria treinar como se estivesse? Pelo mesmo
motivo que você usa cinto de segurança, tem plano de saúde e coloca o seu carro no seguro.
Assim, se esse for o seu caso, não se deixe enganar pela baixa ocorrência das situações mortais,
mantendo-se pouco preparado (conheço alguns sujeitos que se assustam com o estampido do seu
próprio disparo de arma de fogo, efetuado com a sua própria arma).

Falamos da quantidade dessas situações, agora falaremos do exato momento em que


elas surgem: a súbita ocorrência. Podemos denominar essa característica como assimetria de
estados. Em certo momento você encontra-se relaxado ou pouco alerta em uma viatura policial e,
pouco minutos depois, é possível que você esteja em um combate armado ou lidando com alguma
outra situação de alto estresse. O grande problema dessa assimetria é a dificuldade em simular
situações reais - mas seguras - em que o sujeito possa treinar respostas nessas condições, já que

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em situações de treinamento você normalmente já possui um elevado nível de atenção.
Conseguinte, você dificilmente experimenta esse salto brusco de estados emocionais.

Dessa forma, não quero trazer pessimismo para o seu cotidiano profissional, muito
menos a paranoia de que a qualquer momento você pode ser morto. Isso não é saudável e poderia
até gerar distúrbios psicológicos. Contudo, quero lembrá-lo da natureza do risco que nos envolve,
a fim de poder contribuir com o seu treinamento e, consequentemente, com a sua performance
nas trincheiras cotidianas. Embora pensar sobre isso nos ajude, não resolve o problema. Então,
sigamos.

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CAPÍTULO 2

a ESCOLHA CERTA:
Processo de tomada de
decisão em situações de
alto estresse
Somos máquinas de sentimentos que pensam e não máquinas racionais
que se emocionam.

António Damásio

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O que determina a qualidade das nossas escolhas nas ocorrências policiais? O que
acontece no nosso cérebro e corpo em situações de perigo? Conhecer o que está por trás de boas
e péssimas respostas a situações-problema nos permite manipular algumas variáveis
importantes desse processo a fim de respondermos a essas situações da melhor forma possível.

A PSICOLOGIA DOS CONFRONTOS

Somos estruturas moldadas por milhões de anos de processo evolutivo. Nossa


espécie conta com cerca de 200 mil anos de surgimento e, na maior parte desse tempo, fomos
caçadores-coletores com uma vida nômade. Há 12 mil anos atrás passamos pela revolução
agrícola e começamos a viver em pequenos assentamentos que foram dando lugar a reinos e,
posteriormente, cidades (HARARI, 2015). No entanto, ainda conservamos traços
comportamentais desses tempos mais primitivos, anteriores ao começo da nossa agricultura.

Essa noção da evolução humana nos permite compreender que nosso cérebro ainda
possui características remanescente de milhares de anos atrás, como a reação de luta ou fuga,
descrita inicialmente pelo fisiologista Walter Bradford Cannon em 1927 e que foi importantíssima
para a nossa sobrevivência enquanto espécie. Quando estamos em uma situação real ou iminente
de perigo sentimos uma resposta adaptativa que, por mais valente que você seja, acredito que
conhece bem: o medo. A tensão extrema dos momentos perigosos em que nos envolvemos
provoca a reação luta-ou-fuga com o seguinte propósito: aumentar nossa força e vigor para que
possamos lidar adequadamente com a situação (PINEL, 2005).

Segundo Angelo Machado e Lucia Haertel, no livro Neuroanatomia Funcional


(material frequentemente utilizado em graduações em Medicina e Psicologia),

Os medos nos animais são, em sua maioria, inatos. O animal já nasce com medo dos
perigos mais comuns em seu habitat. Por exemplo. Um macaco reage a com medo de
cobra mesmo que nunca a tenho visto. Mas eles podem também aprender a ter medo
por um processo de condicionamento. Em uma experiência clássica, um rato foi

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submetido a estímulos neutros, como, por exemplo, o som de uma campainha
(estímulo condicionado). Logo a este estímulo, segue-se um choque elétrico (estímulo
não condicionado) aversivo para o animal. Submetido a um certo número de vezes a
esses estímulos rapidamente, o animal passou a ter medo som, mesmo sem o choque.
No homem, onde os medos são aprendidos, o condicionamento ocorre exatamente
como nos animais. Pacientes com lesão da amígda não aprendem a ter medo. No
homem, o medo pode ocorrer mesmo sem condicionamento, por exemplo, se uma
pessoa for informada de que alguma coisa é perigosa, pode passar a ter medo dela,
mesmo sem tê-la visto.

FIGURA 2. Visão da Biopsicologia moderna sobre as relações entre


a percepção de estímulos que induzem emoções, as respostas
autônomas e somáticas aos estímulos e a experiência emocional
(Adaptado de PINEL, John P. J. Biopsicologia. 5. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2005).

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Portanto, em situações de perigo real ou imaginado, um coquetel bioquímico é
processado em seu corpo, partindo da ativação da amígdala cerebral (a primeira estrutura
responsável por disparar todo esse conjunto específico de reações). Neurotransmissores e
hormônios (como a adrenalina, noradrenalina e cortisol) entram em cena1. O sistema nervoso
simpático se sobressai ao parassimpático e, em poucos segundos, você está pronto para lutar
contra um felino, correr de um urso ou neutralizar um criminoso2. Essas reações que se
manifestarão por todo o seu corpo vão influenciar grande parte do seu comportamento em uma
situação-problema perceptivelmente perigosa.

1Hormônios e neurotransmissores são mensageiros químicos. As principais diferenças entre eles são onde são
produzidos e por onde circulam no corpo. Hormônios são produzidos principalmente por glândulas e circulam em
nossa corrente sanguínea, enquanto os neurotransmissores são produzidos por neurônios e são responsáveis pela
comunicação química destes.

2 Ambos os sistemas são antagonistas na grande maioria dos casos. O que significa dizer que, quando um entra em
cena o outro é automaticamente suprimido. O sistema nervoso simpático (parte da subdivisão do sistema nervoso
autônomo) prepara o corpo para lidar com situações de estresse ou emergência.

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A PARALISIA (OU, O FAMOSO “COLAR AS PLACAS”)

Na maior parte das ocorrências policiais, a resposta luta-ou-fuga além de deixar você
mais forte e rápido - o que é uma vantagem - pode te deixar mais burro também. Tal resposta
altera o funcionamento cerebral em seu processo de decisões mais analíticas e favorece a
ativação do sistema límbico do indivíduo, responsável por respostas mais emocionais e
instintivas. Porém, a resposta a uma situação-problema de alto estresse no contexto policial
normalmente irá envolver habilidades motoras e cognitivas mais complexas do que lutar contra
um felino ou correr de um urso. Entre lutar contra essas feras ou fazer, simultaneamente, I)
Progressão no terreno da forma mais adequada; II) Manter a comunicação e a sincronia com os
seus parceiros de equipe; III) Utilizar sua arma de fogo com precisão e estar pronto para resolver
panes de funcionamento; IV) Analisar possíveis ameaças que não estão no atual campo de visão;
V) Adequar o nível da sua agressividade para que ela não exceda os limites da lei... É, talvez seja
preferível os leões e ursos.

No entanto, a resposta luta-ou-fuga processada no seu corpo pode gerar um tipo de


comportamento muito perigoso: a paralisia. Em situações de perigo e alto estresse o sujeito
também pode se comportar paralisando, sem saber qual resposta emitir diante daquele contexto.
No meio policial é comum ouvirmos que algum companheiro “ colou as placas”, fazendo
referência a essa mesma resposta em que o indivíduo fica paralisado e não consegue esboçar
qualquer reação útil e funcional diante de uma ameaça.

Em outras espécies também podemos identificar comportamentos de paralisia ante


o perigo como um tipo de comportamento defensivo. Por exemplo, se um humano se aproximar
de um rato selvagem, este ficará imóvel até que essa aproximação penetre a zona de segurança
do roedor. Neste momento o roedor fugirá (PINEL, 2005). Na paralisia humana do contexto
policial, a tipografia (forma) do comportamento é parecida, porém a explicação que justifica o
fenômeno é diferente.

A percepção do perigo de uma situação-problema e a resposta que será dada a ela


surge a partir da relação entre o nível de desafio da situação e a habilidade do sujeito para resolvê-
la. Assim, algumas situações que exigem luta ou fuga geram tanto medo e estresse para alguns

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indivíduos que eles não conseguem encontrar respostas, nos circuitos neurais que possuem, para
lidar com a situação. Surpreso, com muito medo e não sabendo o que fazer, o sujeito paralisa - e
isso, na atividade policial, pode significar a sua morte ou deixar seu companheiro de serviço
muito mais vulnerável. Portanto, se queremos diminuir a probabilidade desse tipo de reação em
nosso cotidiano profissional devemos, como você já pode imaginar, aumentar as nossas
habilidades através do treinamento contínuo.

O FLOW E A ATIVIDADE POLICIAL

Existe um outro cenário, onde o nível do desafio da situação-problema e a habilidade


do operador são proporcionais. Nessa configuração, que chamaremos de estado de fluxo, é onde
o agente, além de não paralisar, utiliza o medo e as reações de luta ou fuga a seu favor. Aqui,
normalmente a sua concentração e força física são potencializadas e, por estar bem treinado para
aquele tipo e nível de situação, ele consegue performar muito bem. Isso ocorre porque, através do
treinamento, o indivíduo desenvolveu um repertório suficiente de respostas para aquela
ocorrência, sendo capaz de resolvê-la através do que foi treinado previamente ou com a
flexibilidade entre a rigidez da doutrina do treinamento e a adaptação às especificidades da
situação, surgindo o que, nesse caso, alguns chamariam de improviso (ou NHS - Na hora sai).

Contudo, quando falamos de improviso ou NHS, às vezes é difícil enxergarmos o que


está por trás disso. Nenhum jogador irá improvisar um gol de bicicleta se nunca chutou uma bola
na vida ou nenhum músico irá fazer um bom improviso com as notas musicais sem dominar
muito bem o seu instrumento. O teatro de improviso ou os repentistas nordestinos que parecem
ser improvisadores natos possuem técnicas e muito treino por trás de seus talentos. Então,
podemos perceber que até mesmo a boa improvisação, que nos parece surgir do nada, se baseia
em um repertório de experiências prévias e circuitos neurais que já foram criados.

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F IGURA 03 . Nessa
co nfigura çã o o opera do r se
sentirá , pro v a v elmente,
inundado pelo medo e
percepçã o de inca pa cidade.
S ão nessa s ci rcunstâ ncia s
em q ue a pa ra lisia o co rre.

F IGURA 04 . Nesse c ená rio o


a gente s e s entirá r ela xa do e
co nfia nte. Aq ui ele sa be q ue
está muito bem prepa ra do
pa ra a situa çã o que se
a presenta dia nte dele.

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FIGURA 5. Cir cunst âncias em que é e xigido do oper ador um alt o gr au
d e habilidade devido ao nível da si t uação - pr oblem a que se
apr esent a diant e del e. Por ém , est e sen t e - se f ocado e com vi gor
f ísico. A d epender de algum as out r as v ar iáveis, ir á se sent ir at é
m esm o f eliz. N ess e m om ent o o suj eit o est ar ia em flow ou algo
pr óxim o a isso.

O flow, também conhecido como estado de fluxo, é um conceito proposto pelo


psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi e se refere a um estado mental que possui algumas
características específicas. Trazendo para a realidade do agente policial, esse estado não surge
em todos os indivíduos nem em todas as situações, mas tenderá a surgir quando o sujeito está em
alguma missão que traz consigo um alto grau de desafio (seja um acompanhamento tático
veicular, uma incursão ou um combate armado) e, no entanto, ele possui - e sabe disso - um nível
equivalente de habilidade para saná-la.

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Alguns outros elementos podem ser necessários para que o agente experimente esse
estado. Steven Kotler aponta, em seu livro “Super-humanos: Como os Atletas Radicais Redefinem
os Limites do Possível”, dez componentes centrais do estado de fluxo que foram estabelecidos
inicialmente por Csikszentmihalyi3. Mas, se você sentir, somado ao que já foi dito, os seguintes
componentes mediante uma situação-problema, provavelmente você estará em flow:

1. Alto grau de concentração;


2. Sensação distorcida do tempo (alteração da experiência subjetiva do tempo);
3. Perda da sensação da autoconsciência (fusão entre ação e consciência);
4. Atividade intrinsecamente gratificante.

É através do estado de fluxo que podemos explicar os grandes feitos de atletas de elite
dos esportes radicais que desafiam os limites da performance humana. Porém, o fluxo existe em
diferentes níveis, assim como há vários estados psicológicos que oscilam como consequência,
em grande parte, da relação entre o nível do desafio da situação e o grau de habilidade do sujeito
envolvido.

Dessa forma, parafraseando Buzzy Trent, um ousado e habilidoso atleta de surf, o


desafio não se mede somente pela quantidade de tiros que virão em nossa direção, mas pelo medo
que nos causam4. Assim, ainda que o treinamento não elimine o medo, ao menos aumentará
nossa habilidade em lidar com ele, melhorando nossa performance.

3Os dez componentes são: 1. Metas claras; 2. Concentração; 3. Perda da sensação da autoconsciência; 4. Sensação
distorcida do tempo; 5. Feedback direto e imediato; 6. Equilíbrio entre o nível de habilidade e o desafio; 7. Sensação
de controle pessoal sobre a situação; 8. Atividade intrinsecamente gratificante; 9. Falta de consciência das
necessidades corporais e; 10. Absorção.

4Buzzy Trent (1929-2006) é considerado o pioneiro no surf em ondas grandes. A frase original é “Waves are not
measured in feet or inches, they are measured in increments of fear (“Ondas não se medem em metros e centímetros,
mas pelo medo que nos causam”).

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FIGURA 6. D if er ent es est ados psic oló gicos que oscilam com o
consequência da r elaç ão ent r e o nível d o desaf io da sit uaç ão e o
gr au de habilidade do suj eit o envolvido

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O CÓDIGO DE CORES DE COOPER E GROSSMAN

Ainda com o objetivo de entendermos os efeitos do estresse na performance dos


operadores, podemos nos debruçar também sobre estudos mais específicos, como aqueles
realizados pelo psicólogo e oficial do exército americano Dave Grossman e pelo coronel Jeff
Cooper. Este último foi fuzileiro naval nos Estados Unidos e deixou um importante legado no
conhecimento técnico de combate armado e uso de armas curtas. Grossman, por sua vez,
produziu obras mais recente e sugeriu uma adaptação do modelo de Código de Cores sugerido
inicialmente por Cooper.
Esse Código de Cores surge como uma ferramenta que tenta classificar e relacionar
as respostas mentais e fisiológicas dos operados com os níveis de estresse que o combatente
enfrenta. Dessa forma, o Código sugerido por Dave Grossman inicia na condição branca, onde o
indivíduo estaria totalmente relaxado e vulnerável e alcança a condição preta quando o agente
enfrenta um estresse tão alto que a sua capacidade de responder a situação está totalmente
deteriorada e o operador não encontra recursos cognitivos para lidar com ela.
Com relação ao modelo de Csikszentmihalyi, a condição branca seria o equivalente
a apatia (quadrante 1 da figura 6) e a faixa situacional preta refere-se a um grau de resposta que
ultrapassa a boa relação entre o nível da situação-problema e habilidade do operador. Naquele
modelo, essa derradeira condição aconteceria no quadrante 3 (ansiedade ou medo). É na
condição preta que ocorre as paralisias ou respostas de pânico inadequadas ou pouco funcionais
para a resolução da situação-problema. No entanto, é importante ressaltarmos que a condição
preta não surge somente quando o grau de habilidade do indivíduo é baixo ou em agente
despreparados. Essa condição de estresse extremo pode degradar até mesmo os operadores mais
treinados e experientes. A diferença entre ambos surge quando os mais bem preparados
minimizam a probabilidade dessa resposta e aumentam o seu limiar de estresse suportado.
Enquanto os indivíduos que contam com a sorte e são adeptos da escola NHS são submetidos a
essa condição muito mais facilmente.

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FIGURA 7. Estresse e performance segundo o Código de Cores de Grossman e
Cooper. Gráfico em versão adaptada retirado do artigo “O confronto armado fora
de Hollywood (o estresse na vida real)” (clique aqui para acessar o artigo).

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CAPÍTULO 3

Controle-se!
OS MAIORES princípios do
combatente de elite
Se você quer controlar os outros, primeiro deve controlar a si mesmo.

Miyamoto Musashi

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Toda tropa ou grupo de elite, desde uma empresa até os SEALs da Marinha
Americana, possuem fundamentos éticos, técnicos ou morais que se traduzem em valores bem
estabelecidos. Os samurais, guerreiros respeitados e temidos no Japão feudal, possuíam o
Bushido: um código de conduta muito rígido. Os Espartanos, lendários por sua bravura e honra
em batalhas, não possuíam tal código escrito bem estabelecido, porém, a sociedade na qual eles
viviam cultuava valores bem claros5. Então, essa estratégia é amplamente utilizada devido à sua
eficiência em manter uma equipe coesa e motivada a partir de objetivos comuns. Dessa forma,
estabelecer valores ou princípios é escolher quais aspectos devemos desenvolver no âmbito
individual e coletivo, delimitando assim aquilo que é importante e indispensável.

Nesse sentido, nos agarraremos aqui com os dois primeiros mandamentos dos
Operações Especiais que são adotados em unidades como o Comando de Operações Táticas
(COT) da Polícia Federal e o BOPE-RJ. Essas tropas são referência no Brasil quando o assunto é
grupo policial de elite. Muito além da qualidade técnica ou bons equipamentos, são esses valores
os “responsáveis pela formação de uma espécie de cimento invisível que mantém unidos seus
integrantes” (GRECO, 2014, p. 341). Eles são as peças fundamentais que fazem esses grupamentos
se destacarem até mesmo no cenário mundial e faço questão de citá-los aqui:

1. Agressividade controlada;
2. Controle emocional;
3. Disciplina consciente;
4. Espírito de corpo;
5. Flexibilidade;
6. Honestidade;
7. Iniciativa;
8. Lealdade;
9. Liderança;

5 Até mesmo facções criminosas ou grupos terroristas fazem uso de códigos de conduta. O PCC (Primeiro Comando
da Capital) possui um estatuto com 18 artigos que regem a conduta de seus membros. O Estado Islâmico, maior grupo
terrorista do mundo, começa o treinamento de seus novos membros com exaustivas aulas de doutrinação religiosa.

Psicologia Policial 25

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10. Perseverança;
11. Versatilidade.

Embora todos os mandamentos sejam muito importantes para o desempenho e a


honra do operador, quando se trata da alta performance em situações de estresse, os dois
primeiros mostram uma importância distinta - não à toa eles estão no topo da lista. Por essa
razão, nos aprofundaremos apenas neles.

CONTROLE EMOCIONAL

O nosso comportamento geralmente é multideterminado e existe sempre uma grande


quantidade de variáveis que o controlam. Sentimentos também podem ser considerados um tipo
(ou classe) de comportamento. A capacidade de lidar de forma correta com as próprias emoções
quando estas estão afloradas é uma tarefa difícil, mas, como você deve saber, extremamente
necessária na atividade policial. Para efeitos didáticos, começaremos falando do controle
emocional e vamos considerar a agressividade controlada como um subproduto dele. Vamos
considerar aqui duas emoções básicas que estão envolvidas no dia a dia dos operadores que
enfrentam situações-problema difíceis: o medo e a raiva.

O medo

No capítulo anterior, o medo foi um dos protagonistas. Percebemos que ele é um


sentimento que existe para nos ajudar a sobreviver e, a depender do operador e da situação, pode
até ajudar na performance do agente. No entanto, esse sentimento é disparado e se processa

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independentemente da nossa vontade, apenas reagindo de forma automatizada ao que
percebemos no ambiente que nos cerca. Com isso, a maneira mais efetiva para controlá-lo surge
de duas estratégias interligadas: I) Nos expondo mais a ele e; II) Aumentando a nossa
autoconfiança como operadores.

A exposição periódica a situações que nos causam medo tenderá a melhorar o nosso
limiar de sensibilidade a essa emoção (exceto quando acarreta uma sobrecarga suficiente de
estresse no agente ao ponto de causar traumas ou distúrbios psicológicos. Falaremos sobre isso
no capítulo 06). Contudo, é difícil (e perigoso) manipular as variáveis de um treinamento para
que você sinta que pode morrer se vacilar em algum detalhe. Então, nos concentraremos naquilo
que podemos manipular com mais facilidade: nosso nível de habilidade e, consequentemente,
autoconfiança.

Não há ninguém que possua uma autoconfiança geral e absoluta em todas as áreas
da vida. Pessoas que nos parecem confiantes em todas as áreas na verdade possuem um histórico
positivo de experiências em situações importantes do seu passado. Assim, elas tendem a parecer
autoconfiantes em diversas outras áreas. Digo isso para que você entenda que você certamente
possui níveis distintos de autoconfiança nos diversos âmbitos da sua vida a depender do quanto
se percebe habilidoso naquela determinada área.

Segundo Betini e Duarte (2013, p. 73), o nível de confiança necessário ao trabalho policial
é resultado de quatro fatores: I) Nível de treinamento; II) Conhecimento de técnicas; III)
Experiência e; IV) Disponibilidade de instrumentos6. Então, se queremos mais autoconfiança na
nossa atividade profissional, precisamos treinar e nos desenvolvermos nos pilares da boa
preparação que citamos na introdução deste manual. Eles são equivalentes aos quatro fatores
citados acima, com exceção da variável experiência que, como já frisamos, não está totalmente
a nosso controle.

6 Eduardo Maia Bettini e Claudia Tereza Sales Duarte são autores do livro Curso de UDF - Uso Diferenciado da Força.

Claudia Duarte é Graduada em Direito e Psicologia pelo Centro Universitário de Brasília (UNICEUB) e advogada com
atuação nas áreas criminal, cível e administrativa. Eduardo Bettini é um dos operadores de segurança pública mais
capacitados do Brasil. Agente de Polícia Federal, possui um longo currículo na área de Operações Especiais. Passou
pelos principais cursos de formação policial operacional do país e fez intercâmbio em instituições internacionais.
Atuou por diversos anos no Comando de Operações Táticas da Polícia Federal (COT/DPF) e já operou juntamente
com o BOPE/PMERJ. Autor de diversos livros ligados à atividade policial, Bettini atualmente é Coordenador Geral de
Fronteiras pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública do país. Citaremos esses autores diversas vezes no decorrer
deste manual.

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Portanto, tenha a certeza de que isso é o que você pode fazer de melhor para lidar com o
medo e ser capaz de agir apesar dele: treinamento (se você esperava ouvir algum macete secreto
ou fórmula mágica, sinto lhe decepcionar).

FIGURA 8. Fat or es que det er m inam o nível de


aut oconf iança do agent e (Adaptado de BETINI, Eduardo Maia;
DUARTE, Claudia Tereza Sales. Curso de UDF: Uso Diferenciado da
Força. 1. ed. São Paulo: Ícone, 2013).

A raiva

Para efeitos didáticos, abordaremos a raiva sob duas perspectivas: I) A raiva que
pode - e deve - ser evitada e; II) A raiva inevitável. Ambas possuem uma linha tênue que as separa,
mas, na primeira delas, devemos entender que a nossa interpretação da situação pode nos livrar
dessa categoria. Esse ponto aplica-se, principalmente, aos meus companheiros policiais

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militares que lidam mais frequentemente com situações que requerem diálogo e negociação,
como, por exemplo, as ocorrências que envolvem pessoas entorpecidas, emocionalmente
exaltadas ou com alguma deficiência mental. Cabe a você, meu caro amigo, lidar com a situação
da forma mais impessoal, técnica e objetiva possível.

Para isso, o primeiro ponto é: Evite descontrolar-se com o descontrole alheio. Como
já nos ensinou António Damásio, neurologista e neurocientista português, “ Pessoas são máquinas
de sentimentos que pensam, não máquinas racionais que se emocionam ”. Entenda que, pessoas
nas três categorias citadas, seja lá por qual motivo for, são inconsequentes e naturalmente mais
difíceis de lidar, exigindo um pouco mais de paciência da sua parte.

Porém, existem certos momentos em que a sua raiva será plausível e ampara pela lei.
Esses são os casos que provavelmente envolvem desacato, desobediência, resistência à prisão
ou legítima defesa. Aqui, apesar de você ter a lei ao seu favor, você sabe que não pode se exceder
com o uso desproporcional da força. Dessa forma, sinta a raiva, mas não aja pela raiva. Parece
simples, mas tente lembrar-se disso quando o sangue lhe subir à cabeça. Não tome decisões com
base na subjetividade do que você está sentindo, recorde que você é, antes de tudo, um técnico
em segurança pública. Use, de forma inteligente, a lei ao seu favor. As infrações penais
supracitadas no começo desse parágrafo são suficientes para lhe resguardar. Estude-as e aplique-
as - repito - com inteligência.

AGRESSIVIDADE CONTROLADA

Pouco após o final da Primeira Guerra Mundial o filósofo e poeta George Santayana
insere o seguinte em seus escritos: “Apenas os mortos verão o fim da guerra”. Parodiando tal
pensamento, eu diria que apenas os mortos verão o fim da violência e das injustiças. E ao
contrário de Rousseau, que nos disse que “O homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe”,
acredito em um discurso menos otimista e, com a ajuda da Psicologia, podemos observar que a

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nossa espécie - assim como diversas outras - não nasce naturalmente tão virtuosa como muitos
acreditam.

No entanto, há alguns perfis de indivíduos que se dizem contra toda forma de


violência. Se você é um agente de segurança pública, provavelmente não faz parte desse grupo.
Tais pessoas acreditam que farão um mundo melhor atirando flores aos algozes ou recitando
poesias para as injustiças (exceto quando alguém pisa em seus calos, aí a hipocrisia começa a
cair por terra). À essas pessoas, eu perguntaria: existe respeito sem temor? Alguns temem
apanhar dos pais, outros, temem perder o apoio dos melhores amigos ou, em diferentes casos,
serem abandonados por sua parceira amorosa. Por esses temores, nos esforçamos para manter
virtudes que possam garantir a existência dessas pessoas - e as vantagens que trazem consigo -
em nossas vidas. Nós, que combatemos o mal e a desordem, também precisamos desse princípio
funcionando ao nosso favor. “Que a nossa conduta estimule todos os homens a desejarem ser
nossos amigos e temer nossa inimizade”, já dizia Alexandre, o Grande.

Então, ser temido pela perceptível capacidade - e legalidade - no uso da força é


fundamental na atividade policial. A agressividade é, antes de tudo, uma ferramenta e, como tal,
pode ser usada para o bem ou para o mal, para gerar a justiça ou violentar injustamente os
indefesos. Tendo em vista isso, precisamos aprender a utilizá-la da melhor forma possível para
não sofrermos as consequências dos excessos - gerando violência desnecessária - nem tão pouco
as da ausência, traduzindo-se em fraqueza ou covardia.

Já falamos anteriormente sobre a raiva. A agressividade descontrolada normalmente


surge como um produto desse estado emocional. Aplicando o que foi dito no tópico anterior e
compreendendo o que foi posto nos parágrafos desta seção, só me resta mais alguns poucos
pontos a acrescentar a esse assunto: Domine o Uso Diferenciado da Força (UDF)7; Aprenda a
verbalizar com assertividade; Saiba quando usar a sua arma de fogo de forma dissuasiva e

7 De acordo com a SENASP (Secretaria Nacional de Segurança Pública), o Uso Diferenciado da Força “ Consiste na
seleção adequada de opções de força pelo policial em resposta ao nível de submissão do indivíduo suspeito ou
infrator a ser controlado”. Nos níveis do UDF, considera-se desde a simples presença do agente até a utilização de
arma de fogo. O termo Uso Diferenciado da Força foi cuidadosamente escolhido para trazer consigo a ideia de um
uso da força proporcional e funcional, podendo ser letal ou não letal, progressivo ou regressivo. Existem diversas
propostas de UDF pelo mundo (no Brasil, sugerida pela SENASP e em conformidade com a Portaria Interministerial
4.226 de 31 de dezembro de 2010 que estabelece diretrizes sobre o uso da força pelos agentes de segurança pública).

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resolutiva; Tenha guardada na manga algumas técnicas e instrumentos de menor potencial
ofensivo.

FIGURA 9. Pr opost a de m odelo de UD F sug er ida pela SENA SP .


(Versão redesenhada)

Porém, com vistas a facilitar a tomada de decisão em situações-problema de alto


estresse eu, particularmente, prefiro adotar uma versão enxuta e resumida dessa proposta (ver
figura 10). Não quero lhe dizer com isso que essa versão é a mais efetiva. Entenda somente que
você pode adaptar este modelo conforme a sua realidade de habilidades e padrão situacional de
ocorrência.

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FIGURA 10. Modelo de UDF que este autor adota (salvo algumas adaptações que
dependem da situação-problema, principalmente com relação ao uso dissuasivo
de arma de fogo).

Lembre-se, também, que o uso da força deve obedecer a alguns princípios. Eles
servem não somente para te livrar de problemas judiciais, mas podem facilitar o seu processo de
tomada de decisão. São eles: Legalidade, Necessidade, Proporcionalidade e Conveniência
(novamente, para efeitos práticos, desconsiderarei desse rol o princípio da Moralidade incluído
pela Portaria 4.226/10. Se for legal, necessário, proporcional e conveniente, certamente será
moral).

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CAPÍTULO 4

Sem tiro, porrada e


bomba: linguagem verbal
e não verbal para a
comunicação assertiva
Objetivo final das artes marciais é não ter que usá-las.

Miyamoto Musashi

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A maioria dos animais que se sente acuada é muito agressiva. O cachorro que rosna
ou o felino que mostra suas presas fazem isso porque sentem-se ameaçados. Um nível excessivo
e desproporcional de agressividade, ao contrário do que muitos pensam, pode significar medo e
despreparo. O extremo oposto também é verdadeiro: muita passividade equivale ao mesmo
significado.

O nível de força utilizado em uma situação, segundo Betini e Duarte (2013, p. 73),
“Depende, grandemente, do nível de confiança do agente da lei, pois, quanto maior o nível de
confiança, menor a tendência para se utilizar força excessiva”. Portanto, já entendemos que, para
exercer uma postura firme e assertiva é necessário, antes de tudo, autoconfiança nas suas
habilidades policiais. E isso, como vimos no capítulo anterior, só deveria ser possível com o
devido treinamento (há aqueles operadores que são autoconfiantes mesmo mal treinados porque
nunca enfrentaram situações que realmente exigiam deles grandes habilidades ou um bom nível
de treino. Mas essa autoconfiança é perigosa e pode, em algum momento, revelar a sua outra face
- a face da fragilidade e do despreparo).

No âmbito policial a comunicação normalmente visará a mudança de


comportamento dos sujeitos envolvidos para, em seguida, solucionar a situação-problema (seja
conduzindo os infratores à delegacia ou apaziguando os ânimos e promovendo a ordem no local
dos fatos). Nesse ínterim, podemos adotar diferentes formas para alcançar esse objetivo, sempre
prezando pelo menor uso da força possível.

Segundo o que aprendi com o grande professor Gérson Alves (conhecido também
como Professor Tamuia), mestre de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas, a
assertividade é a habilidade de negociação onde o sujeito consegue comunicar de forma clara e
efetiva o que deseja. É considerada uma postura comportamental ligada a autoconfiança, onde
age-se com firmeza e fora dos extremos da passividade e da agressividade desmedida.

Para o exercício profissional dos agentes de segurança pública, utilizarei outro termo
que julgo melhor se adaptar: resposta calibrada. Tal expressão nos remete a capacidade do
operador em calibrar as suas respostas de acordo com o que exige a situação. Aqui o agente não
deve ser passivo ou agressivo, ele apenas faz o uso da força necessária para fazer valer a lei. Em
alguns momentos, haverá a necessidade de agressividade extrema, em outros, um pouco de

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verbalização já será suficiente. Transitar entre esses níveis e saber emitir boas respostas em cada
um deles é o grande desafio dos agentes de segurança pública.

~
FIGURA 11. I lust r ação do que ser ia a r espo s t a calibr ada r elacionando o conceit o
a ext r em os disf uncionai s e per igo sos d e p assividade e agr es sividade.

PRESENÇA FÍSICA E VERBALIZAÇÃO

Quando você ouve falar de linguagem corporal talvez lembre de algumas estatísticas
atribuídas a Albert Mehrabian, retiradas de seu livro Silent Messages (Mensagens Silenciosas)
de 1971. Segundo algumas interpretações dos estudos de Mehrabian, quando nos comunicamos
com alguém apenas 7% do que dizemos vem das nossas palavras. Os outros 93% da nossa
mensagem vêm de fatores como expressões faciais, tom de voz, volume e ritmo da fala, gestos e
postura corporal. Conforme nos alerta Sergio Senna, doutor em Psicologia pela Universidade de
Brasília e autor do artigo O Mito de Mehrabian (clique aqui para ver o artigo), muitas pessoas
esquecem de observar o seguinte detalhe: Albert se referia a comunicação de sentimentos.
Imagine você, ao comunicar-se com uma pessoa que fala um idioma que você não compreende.

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Imaginou? Eu garanto que você entenderá muito menos que 93% do que ela tentará comunicar,
ainda que o indivíduo seja um exímio comunicador através da linguagem não verbal. Contudo,
não quero, com isso, deslegitimar essas estatísticas ou desprezar a parte da comunicação que vai
além das palavras. Aliás, muito pelo contrário: este tópico é justamente para falar sobre a
importância e aplicabilidade dela.

Esclarecido isso, uma coisa é certa, independente do preciosismo que tenhamos com
esses dados, as outras camadas da comunicação que vão além das meras palavras são
importantíssimas no resultado final do que queremos transmitir ao nosso interlocutor. Nas
ocorrências policiais que envolvem diálogo e negociação os sentimentos dos cidadãos envolvidos
estão, muitas vezes, aflorados. O operador precisa, dessa forma, aprender a modular a sua
comunicação para transmitir firmeza e clareza, conseguindo se sobressair em meio a toda a
bagunça do local situacional. Portanto, para efeitos didáticos, realmente podemos deduzir que,
no cotidiano policial, quando há a necessidade da comunicação interpessoal, cerca de 93% do
que comunicamos não são as palavras que falamos, mas a postura, voz e gesticulação que
adotamos.

Você já aprendeu, nos capítulos anteriores, como ter mais confiança ao executar a
sua atividade profissional e a importância disso. Já entendeu também que, para uma
comunicação assertiva e que demonstre a sua autoridade, é importantíssimo que você também
consiga transmitir isso. A boa notícia é que existem alguns comportamentos simples que você
pode adotar deliberadamente no momento da ocorrência policial que favorecerem a resolução do
problema, transmitindo essas posturas. Todavia, existem outras atitudes igualmente simples,
mas que são verdadeiras armadilhas em que o próprio operador se coloca. Para ilustrar isso,
citarei novamente Betini e Duarte (2013, p. 76 e 77):

O tratamento dispensado a qualquer cidadão, seja infrator ou não, deve ser digno e
respeitoso. Seja firme e austero. Utilize a “Técnica do CD Riscado” que consiste em
repetir várias vezes o mesmo comando, elevando-se e reduzindo o volume da voz, de
acordo com a reação do infrator. Lembre-se que ameaçar verbalmente o suspeito pode
gerar reação e agravamento da situação. Jamais faça promessas que não poderá
cumprir, do tipo: “Pare ou eu atiro!” Não prometa o que você não pode cumprir, lembre-
se de que, via de regra, a lei não o autoriza a atirar em uma pessoa simplesmente porque
se negou a cumprir seu comando. É o tipo de situação que policial nenhum precisa

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passar. Ou você atira, cumprindo sua “promessa” e arrisca perder a sua liberdade, ou
você não atira e corre o risco de “cair em descrédito”. Use as palavras com esmero e
cuidado. Quando estiver emitindo comandos, utilize verbos no modo imperativo.
Procure modular o nível da voz de modo a induzir o suspeito a cumprir suas ordens.
Aumente o tom de voz quando seus comandos não forem cumpridos e prontamente
reduza quando forem. Procure manter a calma e a respiração. Lembre-se, se você não
controla sua respiração ela controla você. Jamais “bata boca”, não discuta com o
suspeito, não é sua função entrar em diálogos e debater sobre o que está acontecendo,
mantenha sempre o domínio da situação, não vacile. Jamais ameace o suspeito.
Cuidado com o que se convencionou chamar “desafio verbal do local”, ou seja, algumas
abordagens são difíceis de se fazer justamente por estarmos em um ambiente
barulhento, onde a voz do policial não seja suficiente para prevalecer e se fazer ouvir.
Treine verbalização!

Nesse trecho supracitado temos importantes ensinamentos que, muitas vezes, não
são transmitidos nos cursos de formação policial. Devido a esses erros, alguns operadores
passam por situações-problema que começam de forma simples e, em poucos minutos, tornam-
se uma situação vultuosa e de difícil contenção. Tais dicas se tornam ainda mais preciosas
quando há aglomeração de pessoas no local situacional. Nestes casos, a dinâmica social muda
significativamente. Alguns indivíduos - pela confiança no grupo, pelo desejo de se exibirem
socialmente ou pelo conforto do anonimato que suas ações podem ter em grandes aglomerações
- ficam mais ousados e se comportam de forma diferente do que se comportariam se estivessem
em uma situação semelhante, mas sozinhos.
Então, fique atento às situações-problema que poderiam ser resolvidas de forma
breve, com uma verbalização assertiva combinada a instrumentos de menor potencial ofensivo
ou técnicas de imobilização. Frequentemente essas situações surgem como um pequeno incêndio
que deveria ser apagado ainda nas primeiras chamas, antes que passem a exigir o apoio de um
efetivo muito maior de agentes e do emprego mais intenso da força. No entanto, devido aos erros
ilustrados por Betini, alguns operadores ao tentarem apagar o fogo, o transformam em labaredas
ainda maiores. Portanto, não subestime esses conselhos, pois a grande maioria das ocorrências -
pelo menos no âmbito das polícias militares - podem ser resolvidas somente no nível da
verbalização.

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CAPÍTULO 5

Mantendo-se treinado:
Como fazer a manutenção
do seu condicionamento
mental
Si vis pacem, para bellum8.

Publius Flavius Vegetius Renatus

8
Provérbio em latim. Pode ser traduzido como “Se queres a paz, prepara-te para a guerra”.

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Estamos chegando ao fim deste material, mas de nada servirá se você concluir essa
leitura e não colocar em prática o que leu. Essa é mais uma daquelas coisas básicas que não
deveriam ser ditas se não fosse a nossa tendência natural de procrastinação e acomodação.
Comece com mudanças graduais e com aquilo que já está ao seu alcance. Estabeleça ordem de
prioridades e desenvolva primeiro o que é mais importante. Depois, mantenha a consistência e
faça da melhoria contínua um hábito. Lembre-se: seja protagonista da sua preparação, não
espere pelo Estado, é a sua vida e honra que está em jogo.

Abaixo, abordarei os tópicos que, na minha visão, são os mais relevantes quando
falamos de condicionamento psicológico para a boa performance do operador em situações-
problema.

TREINE TODOS OS OUTROS PILARES

Na introdução falamos como a valência psicológica da preparação do operador é


beneficiada com o treinamento de todos os outros pilares. Pode parecer contraditório, mas é isso
mesmo: você consegue desenvolver o seu condicionamento psicológico sem nem pensar em
treiná-lo. No entanto, a principal função da valência psicológica - e o que motivou a escrita deste
manual - é a compreensão que tudo isso é interdependente. Porém, existem meios específicos de
preparação que também são úteis para você tomar escolhas acertadas em meio ao caos de
algumas circunstâncias. Falaremos sobre isso a seguir.

VISUALIZAÇÃO - OU ENSAIO MENTAL - DE EVENTOS DIVERSOS

Não é novidade no meio científico que a vivência de uma determinada situação ou


apenas a imaginação dela pode ativar as mesmas áreas no cérebro. Essa máquina poderosa que

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possuímos não diferencia, em grande medida, aquilo que é real do que é imaginado. Uma prova
disso, por exemplo, é a hipnose - um fenômeno onde a imaginação é a peça fundamental do
processo. Um sujeito conduz, através de técnicas específicas, a imaginação do seu interlocutor
(ou a própria, no caso da auto-hipnose) e, com isso, manipula totalmente a percepção da
realidade de quem experimenta o processo. Isso acontece porque, ao pensar sobre um
determinado cenário, você automaticamente tende a ativar os circuitos neurais referentes a ele.
A diferença normalmente se concentrará na intensidade entre aquilo que é fruto da imaginação
ou de uma situação real, onde, nestes casos, na maior parte das vezes, os estímulos presentes se
fazem mais fortes, gerando, consequentemente, reações mais intensas.

Dessa forma, é possível desenvolvermos a nossa habilidade de resposta a diversos


cenários apenas nos colocando, hipoteticamente, diante deles. Você obriga seu cérebro a pensar
a respeito de uma situação-problema e, com isso, estimula partes cerebrais que, por serem
ativadas, tornam-se mais propensas a serem utilizadas novamente em uma circunstância
parecida. Essa, sem dúvidas, não é a melhor forma de treinamento, mas é uma forma possível e
complementar.

Você pode praticar esses ensaios mentais em situações cotidianas, onde você
imagina algo ocorrendo em torno de você e, com isso, qual seria a melhor resposta a ser dada.
Outro desdobramento dessa prática é, ao receber uma comunicação de ocorrência e se deslocar
a uma situação-problema, você tentar imaginar diversos cenários possíveis e respostas
equivalentes. Ou, ainda, ao ver algum vídeo envolvendo ocorrências com agente de segurança,
compartilhado através das redes sociais ou pelos veículos midiáticos, você pode aproveitar-se da
situação e, após assisti-lo, imaginar o que você faria naquele cenário.

TENHA O SEU PRÓPRIO MODELO DE UDF

Aconselho também que você tenha muito claro em sua mente qual a melhor
progressão (ou regressão) do uso da força que você pode adotar de acordo com as suas
habilidades atuais. Saiba quais são os seus pontos fortes e em quais habilidades você “se

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garante”. Quais técnicas de imobilização você domina? Como aplicá-las em diversas situações
distintas? Qual o seu padrão de verbalização? Em que momento você usa os instrumentos de
menor potencial ofensivo do seu rol de equipamentos? Ou seja: Como você, de acordo com as suas
habilidades, consegue transitar entre os níveis do Uso Diferenciado da Força e, se necessário,
progredir do nível da verbalização ao grau da força letal?

Não deixe para pensar nas respostas dessas perguntas quando você estiver imerso
em uma situação de alto estresse. Isso já deve estar muito bem claro na sua “caixa mental” de
ferramentas. Ter essa clareza possibilitará respostas mais rápidas e acertadas. Além disso, se
você não possui um leque mínimo de habilidades nos diversos níveis do uso da força sugiro que
escolha algumas técnicas úteis para diversas situações, como, por exemplo, um double leg
(técnica de queda contra um oponente) seguido de algumas possibilidades de imobilização;
estrangulamento pela retaguarda do infrator (o famoso mata-leão ou gravata) etc. Prefira
dominar algumas poucas técnicas de uso amplo do que improvisar com um nível diverso de
técnicas que você pouco domina. Bruce Lee já no advertiu: “Eu não temo o homem que praticou
10.000 chutes uma vez, eu temo aquele que praticou um chute 10.000 vezes ”. Nesses casos,
menos é mais (desde que seja na quantidade mínima viável).

PROCESSO DE AUTO-FEEDBACK E APRENDIZADO CONTÍNUO

No âmbito policial (e na vida como um todo, se assim preferir), você só não deve
cometer jamais três tipos de erros: I) Erro que tire a sua vida; II) Erro que tire a sua liberdade e;
III) Erro em que você não aprende nada.

Passe a enxergar toda situação-problema como um treinamento para a próxima e


todo erro como uma oportunidade única para aprender e se aprimorar. Até mesmo nas
ocorrências policiais que tiveram bons desfechos, quando observadas com atenção, guardam
detalhes que poderiam ser melhores. Dessa forma, habitue-se a procurar as falhas mesmo nas
situações que foram concluídas com sucesso. Pense naquilo que você poderia ter feito diferente

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e, se possível, ainda melhor. Isso garantirá um aprendizado contínuo e muito amadurecimento
das suas habilidades comportamentais no longo prazo (quando aliado, claro, a um processo ativo
de aplicação e correção). Erre, só não cometa os erros errados.

O MORAL ELEVADO

Essa é uma expressão comum em muitos cursos de instrução policial. Manter o moral
elevado é um conselho dado para os momentos de alta dificuldade em treinamentos ou
operações. Fora do meio policial ou militar, seria o equivalente a termos como “força de espírito”,
“força de vontade” ou “garra”. Este tópico não estava contido na primeira edição deste material,
pela dificuldade que este autor encontrou em inserir, de forma objetiva e sem devaneios
filosóficos dispensáveis, um conteúdo naturalmente subjetivo. Apesar disso, me arriscarei nesta
missão almejando a concisão e a objetividade.
Já abordamos no capítulo 3, sobre a importância dos princípios e a sua função como
bússola de condutas humanas. Lá, falamos sobre a aplicação deles enquanto uma forma de
“tática” para o bom desempenho do operador no seu dia a dia profissional. Aqui, no entanto, os
apontaremos como valores que fundamentam e fortalecem a sua atuação. O que abordarei aqui,
se aplica não só ao seu contexto profissional, mas pode ser útil também na formação de uma
personalidade forte e honrada fora das viaturas, batalhões, quartéis ou delegacias.
Em momentos de dificuldade, seja na sua vida pessoal ou profissional, será mais
difícil fazer escolhas virtuosas. Diante do desconforto os caminhos mais fáceis se tornam mais
tentadores. Defronte à oportunidade de fazer o mais conveniente e agradável, podemos,
facilmente, renunciar condutas mais nobres. Em resumo, o que quero dizer com isso é o seguinte:
padrões comportamentais virtuosos, como coragem, honra, resiliência e lealdade normalmente
não são o caminho mais fácil a ser seguido. Assim como uma grande árvore, que só dá bons frutos
com bons nutrientes ou um monumento de construção civil que não surge através de tijolos
jogados ao ar aleatoriamente, posturas comportamentais virtuosas não surgem à toa e precisam
ser nutridas.

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Dito isso, o moral elevado é, basicamente, a resiliência e a força que você impõe em
situações difíceis que lhe acometem. Ter um moral elevado é uma das formas de um bom
condicionamento mental. Então, como podemos desenvolver e manter essa característica? É
mais simples do que você pensa e mais trabalhoso do que parece.
Existem diversas maneiras de cultivar um moral elevado e o melhor caminho para
isso parte, inicialmente, de dois pontos: I) Ter clareza de quais valores você quer ter e de quem
você quer se tornar e; II) Nutri-los de forma correta e cotidiana. Epicteto, expoente da filosofia
estoica, já dizia: “Primeiro diga a si mesmo o que você deveria ser, depois faça o que tem de
fazer”.9
Eu, por exemplo, adoto o lema Força e Honra e o aplico em tudo que for possível,
incluindo-o, logicamente, na atividade policial10. Para nutrir esses valores e comportamentos,
procuro: I) Ler livros que falam sobre boas virtudes; II) Ler e assistir histórias de grandes homens
que seguiam tais princípios; III) Conviver com pessoas que se alinham com valores iguais ou
semelhantes e; IV) Inserir tais comportamentos até mesmo no cotidiano, em situações simples,
mas que reforçam a ideia do sujeito que quero ser. Dessa forma, se você quer manter o moral
elevado ou ser “moralmente preparado”, como diriam alguns, sugiro que faça o mesmo,
antecipando-se às dificuldades para que, quando elas chegarem, você esteja preparado para
responder de forma virtuosa.

9 O Estoicismo é uma doutrina fundada por Zenão de Cício (335-264 a.C.), e desenvolvida por várias gerações de
filósofos, que se caracteriza por uma ética em que a imperturbabilidade, a extirpação das paixões e a aceitação
resignada do destino são as marcas fundamentais do homem sábio, o único apto a experimentar a verdadeira
felicidade (OXFORD LANGUAGES).

10Força e Honra é um lema frequentemente utilizado no meio militar. Não se conhece, ao certo, a origem dessas
palavras como expressão e lema. Mas, sabemos que virtudes semelhantes, como integridade e destemor, sempre
foram muito valorizadas em diversas culturas guerreiras.

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CAPÍTULO 6

Saúde mental e o
trabalho policial:
mantendo o equilíbrio
O que importa não é o que acontece, mas como você reage.

Bruce Lee

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Para a física e segundo o Oxford Languages, “equilíbrio é a condição de um sistema
em que as forças que sobre ele atuam se compensam, anulando-se mutuamente”. Na filosofia e
religiões, é uma grande virtude. Na Psicologia, é sinônimo de saúde mental.

Então, como nos ensinou a física, para que você mantenha sua saúde mental
mediante a situações de alto estresse é necessário que atente para inserir na sua vida outras
forças que compensam esses momentos. O policial, como consequência da sua atividade, está
suscetível a diversos distúrbios psicológicos oriundos de basicamente dois tipos de estresse que
somam-se com os estresses da sua vida pessoal: I) O estresse contínuo, que pode estar sempre
presente no seu cotidiano, gerando consequências como a Síndrome de Burnout e; II) O estresse
pós-traumático que, como o próprio nome revela, surge a partir de uma experiência traumática,
como, por exemplo, uma situação de combate armado com criminosos onde o operador
presencia um companheiro de equipe sendo alvejado e, em seguida, vindo a falecer.

PREVENÇÃO

Para a prevenção de distúrbios de ordem psicológica, além do devido treinamento


que foi citado no decorrer deste manual que nos permite evitar algumas situações traumáticas ou
respondermos melhor a elas, temos outros meios para minimizar os riscos dessa natureza.

Começando pelo mais simples e óbvio, você certamente já sabe a importância de um


estilo de vida saudável como, por exemplo, sono regular, boa alimentação, prática de atividade
física e boas relações humanas interpessoais. Contudo, além disso podemos adotar outras
estratégias um pouco menos conhecidas.

Os samurais, com o seu Bushido, eram muito mais que homens fisicamente
preparados e perigosos. Com um código moral muito claro e valorizado por toda a comunidade
na qual eles estavam inseridos, esses homens tendiam a ser também psicologicamente fortes,
conduzidos por valores nobres e fortalecedores. Sugiro, com isso, que você também adote valores
fortes não só para performar melhor através de um moral elevado. Valores fortes e claros te

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guiarão por bons caminhos e irão ajudar a manter-se firme em momentos de dificuldade. Retomo
aqui a ideia colocada no último tópico do capítulo anterior e faço isso sem medo de ser repetitivo,
tendo em vista a importância desse aspecto nos confrontos pessoais e profissionais que a vida
nos impõe. Como disse, Força e Honra é parte do que adotei como uma espécie de Bushido
próprio. Acredito na Força não só como a capacidade de destruir, mas como a virtude de
permanecer firme diante de forças destruidoras que possam me acometer. Considero Honra
como a capacidade de seguir o caminho mais correto e virtuoso em detrimento daquele que seria
o mais fácil e agradável.

Existe também um TED Talk intitulado How to make stress your friend (Como Fazer
do Estresse um Amigo, em tradução para o português) da psicóloga Kelly McGonigal, professora
na Universidade de Stanford (clique aqui para acessar). Ela nos mostra, através de diversos
experimentos científicos, como o estresse pode ser nosso amigo a depender da forma que
olhamos para ele. De acordo com McGonigal, a nossa perspectiva interpretativa sobre a situação
de estresse faz toda diferença em como seremos impactados por suas consequências. As pessoas
que acreditam que o estresse é altamente negativo estão, de fato, se deteriorando com mais
facilidade do que as pessoas que o percebem de forma mais positiva. Conseguinte, trazendo isso
para a realidade policial, é importante olharmos para o estresse desse contexto como parte de
uma missão a ser cumprida, como um trabalho nobre a ser executado, como uma contribuição
importante para a sociedade em que estamos inseridos.

TRATAMENTO

Os heróis não são os sujeitos que não possuem fraquezas, o que os caracteriza são
outros valores e habilidades. Então, se nem nos quadrinhos, filmes ou desenhos animados eles
são sempre fortes, por que teríamos essa pretensão? Saiba reconhecer - e admitir - quando a sua
saúde mental estiver abalada e você não conseguir lidar sozinho com isso. Tenha cuidado com o
crescimento gradual dos sintomas que, muitas vezes, fazem do problema um processo

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imperceptível. Mediante qualquer indício de que as coisas não vão bem e estão persistindo além
do normal, procure ajuda especializada de profissionais sérios e confiáveis. Recomendo, nesses
casos, a consulta com bons psicólogos - principalmente de linhas comportamentais que adotam
a Análise do Comportamento ou a Teoria Cognitivo-Comportamental (TCC) como abordagens
clínicas. Tais abordagens são, comprovadamente, as mais efetivas quando falamos de
psicoterapia e saúde mental.

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Força e Honra

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Dávidson Lima | 2020
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Design e ilustrações:
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