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Shavuot: Os Dez Mandamentos

Shavuot, o sexto dia do mês de Sivan, é o dia mais importante do calendário judaico.
Nessa data OCORREU a revelação inédita de D-us perante o povo de Israel e a outorga
dos Dez Mandamentos, no Monte Sinai.
Se esse dia histórico não houvesse ocorrido, não teríamos a Torá e seus mandamentos,
as festas e preceitos religiosos. Seríamos um povo sem lei e sem propósito, sem princípios
e sem a Terra de Israel. Enfim, seríamos pessoas sem rumo na vida.
Os Dez Mandamentos foram entregues em duas tábuas de safira, conhecidas como as
Tábuas da Lei. Porém, na realidade, a Torá contém 613 mandamentos, não apenas dez.
Por que, então, diz-se que o Povo Judeu recebeu apenas os Dez Mandamentos no Monte
Sinai?
De acordo com Rav Saadia Gaon, os Dez Mandamentos sintetizam todos os 613
mandamentos do judaísmo. O grande sábio demonstrou em sua obra que todas as
instruções contidas na Torá são ramificações dos Dez Mandamentos entregues no Monte
Sinai. É, portanto, errôneo acreditar que a religião judaica se limita aos Asseret Hadibrot.
O Baal HaTurim, sábio que fez uso da Guimátria para revelar segredos da Torá, aponta
que o texto dos Dez Mandamentos contém 620 letras hebraicas. Esse é o número de
todos os mandamentos da Torá, pois além das 613 mitzvot há também 7 leis rabínicas
que, como ensina o Talmud, foram ratificadas por D'us. Estas incluem o acendimento de
velas em Chanucá, a leitura da Meguilá em Purim, a ablução das mãos antes de comer
pão e outras mais.
É também interessante notar que a soma dos algarismos das mitzvot, 613 (6+1+3),
equivale ao número 10, que faz alusão aos Dez Mandamentos. O número 620 também é o
valor numérico da palavra hebraica Keter, que significa coroa. Isto nos ensina que aquele
que cumpre todos os mandamentos da Torá merece uma coroa. No âmbito da Cabalá,
Keter é a primeira Sefirá, que representa a Vontade de D'us, que se revela ao homem
através dos mandamentos da Torá.
A Disposição dos Dez Mandamentos
Os Dez Mandamentos foram dados por D'us em duas tábuas. Um dos motivos para essa
divisão é que há uma relação intrínseca entre os ditames da tábua da direita e os da
esquerda. A ordem na qual os Dez Mandamentos foram gravados nas tábuas tem um
significado de máxima importância. O primeiro mandamento está relacionado ao sexto, o
segundo ao sétimo e assim por diante. Eis a ordem dos mandamentos em cada tábua:
1) Eu sou o Eterno teu D' us que te tirou do Egito 
2) Não terás outros deuses e estatuas diante de Mim 
3) Não jurarás no nome de D'us em vão 
4) Lembrarás e respeitarás o dia do Shabat 
5) Honrarás teu pai e tua mãe 
6) Não matarás 
7) Não cometerás adultério 
8) Não roubarás 
9) Não darás falso testemunho 
10) Não cobiçarás
O primeiro e o sexto mandamentos estão relacionados, pois o fato de acreditarmos em
D'us como o Criador do Universo, Aquele que dá a vida, leva-nos a respeitar os outros
seres humanos. O homem foi criado à imagem de D'us. Desrespeitar o homem é
desrespeitar a D'us. Portanto, devemos ter muito cuidado para não ferir outros seres
humanos e, sobretudo, não tirar a vida de outra pessoa.
Há uma ligação clara entre o segundo e o sétimo mandamentos, pois cometer idolatria é,
essencialmente, um ato de adultério, isto é, de traição a D'us. No Monte Sinai, houve um
casamento, firmou-se uma aliança eterna entre D'us e o Povo Judeu. Quem serve a
ídolos, está sendo infiel ao Eterno. O mesmo vale para o casamento. A união de um
homem e uma mulher simboliza o relacionamento entre D'us e o Povo Judeu. O judaísmo
ensina que a fidelidade é de suprema importância e a violação do casamento é um pecado
de extrema gravidade.
O terceiro e o oitavo mandamentos também são semelhantes, pois roubo e juramento em
falso são, ambos, atos desonestos, cometidos em busca do proveito próprio ou do lucro
indevido. Jurar em falso é tratar a D'us e à Sua palavra e Nome com leviandade; roubar é
cometer um ato semelhante, pois, de certa forma, é o mesmo que negar a onisciência de
D'us. Além disso, quando há suspeita de roubo, o tribunal pode exigir que um juramento
seja proferido, o que pode levar o réu a jurar em falso.
O quarto e o nono mandamentos também estão entrelaçados. O Shabat, o dia de
descanso, é, como diz a Torá, um sinal através do qual testemunhamos que o Criador
criou o universo físico em seis dias e, no sétimo, cessou de criá-lo. Aquele que conhece a
Lei Judaica e sabe da importância do Shabat e, mesmo assim, o desrespeita, está
testemunhando em falso contra o Criador.
Há, finalmente, uma relação muito curiosa entre o quinto e o décimo mandamentos. É raro
ver alguém cobiçar os pais de outros, pois isso é um fato imutável na vida do ser humano.
Da mesma forma, não se deve cobiçar nada que não é seu. Assim como cada pessoa tem
seus próprios pais que a trouxeram ao mundo, todo ser humano tem seu quinhão e sua
missão na vida. Não se deve, portanto, cobiçar o que pertence a outrem.
Pensamento, fala e ação
Outro aspecto a ser analisado no estudo dos Dez Mandamentos é a sua seqüência. Os
primeiros cinco mandamentos, contidos na primeira tábua, tratam do relacionamento entre
D'us e o homem. Já os mandamentos da segunda tábua dizem respeito às relações entre
seres humanos. Há quem diga que o que mais importa no judaísmo é a fé em D'us. Isto,
de fato, tem suma importância, tanto que é o primeiro mandamento; mas, certamente, não
é o único. Crer em D'us não é o suficiente. A Torá, portanto, nos ensina que a crença em
D'us deve ser traduzida por cada pessoa em pensamentos, sentimentos, palavras e atos
corretos e bondosos em relação aos outros.
O primeiro e segundo mandamentos tratam do pensamento: deve-se acreditar em D'us e
rejeitar a idolatria. O terceiro mandamento trata da fala: não se deve jurar em falso. O
quarto e quinto dizem respeito a ações: os atos referentes ao respeito aos pais e o
cumprimento das ordens de D'us, simbolizadas pelo Shabat, que é a aliança entre o povo
de Israel e o Criador.
É interessante notar que na segunda tábua, é invertida essa ordem -pensamento, fala e
ação. O sexto, sétimo e oitavo mandamentos tratam de ações que não devem ser
cometidas: assassinato, adultério e roubo. O nono mandamento trata da fala: o não
testemunhar em falso. O décimo mandamento diz respeito ao pensamento: não se deve
cobiçar. A segunda tábua ensina que não é suficiente não ferir nem prejudicar os outros.
Também não devemos falar ou pensar mal dos demais. De fato, o ser humano só
consegue alcançar sua plenitude quando age corretamente nesses três campos: o do
pensamento, da fala e da ação.
Uma revelação inédita
A revelação do Todo Poderoso no Monte Sinai foi um evento inédito - algo que nunca
ocorrera antes e que nunca voltará a ocorrer. Desde a Criação, nunca houve manifestação
Divina tão explícita. O povo de Israel muito se preparou para esse dia tão especial. Os
judeus tiveram que se refinar, física e espiritualmente, para receber a Revelação Divina.
Durante três dias, os judeus se purificaram espiritualmente. Foram proscritos o acesso ao
Monte Sinai e as relações conjugais. Quando D'us Se revelou, 50 dias após o Êxodo do
Egito, ouviram-se toques de Shofar e uma nuvem espessa cobriu a montanha. E quando
D'us proferiu os Dez Mandamentos, o mundo inteiro entrou em total paralisação.
Conta o Midrash que nesse momento nenhum pássaro piou, nenhuma ave voou, nenhum
animal emitiu som algum; as ondas do mar pararam e o vento cessou. Todas as criaturas
pararam para escutar as palavras do Eterno.
Mas se analisarmos os Dez Mandamentos, percebemos que as ordens de D'us são
relativamente simples. O conteúdo parece desproporcional ao preparo que foi necessário
ao povo e à reação do Universo frente à maior experiência de todos os tempos. Pode-se
pensar que o Povo Judeu se decepcionou ao ouvir preceitos tão elementares e básicos,
como "não matarás" e "não roubarás". Talvez eles esperassem que D'us revelasse algo
mais fantástico, completamente extraordinário - quiçá o desvendar dos segredos da
Criação e de toda a existência. Porém, o fato de os Dez Mandamentos serem
relativamente simples é uma prova de que a Torá foi dada para ser seguida por mortais
falíveis. A Torá e seus mandamentos se aplicam a uma vida vivida dentro da normalidade
do mundo. O fato de nos ligarmos a D'us, seguindo Suas leis, não exige que vivamos uma
vida sobrenatural. A meta fundamental do recebimento da Torá é que suas leis e espírito
permeiem todos os nossos atos, mesmo os mais cotidianos e mundanos.
Duas tábuas interligadas
Os mandamentos de nossa Torá estão divididos em duas categorias: as mitzvot ben Adam
laMakom - os mandamentos entre o homem e seu Criador; e mitzvot ben Adam leChaveró
- os mandamentos entre o homem e os outros seres humanos. Um dos motivos pelo qual
os Dez Mandamentos foram entregues em duas, e não em uma única tábua, foi para
delinear essas duas categorias de mandamentos e enfatizar que ambas têm igual
importância. O ser humano alcança a sua plenitude apenas quando age corretamente com
seus semelhantes e com o Eterno. É impossível ser um bom judeu, ou se considerar
observante, se não se trata os outros seres humanos com consideração, respeito e boas
maneiras. Por esse motivo, logo após a entrega dos Dez Mandamentos, as primeiras leis
ensinadas ao povo foram aquelas relacionadas a indenizações e justiça social. Isto revela
quão importante é para o Criador a responsabilidade financeira e o respeito em relação ao
que pertence a outrem.
Por outro lado, é errôneo acreditar que é possível ser um bom judeu sem preservar e
respeitar os mandamentos referentes às relações entre o homem e D'us. A Torá relata que
pouco após a outorga dos Dez Mandamentos, o povo de Israel pecou ao fazer um bezerro
de ouro. Eles cometeram esse grave erro porque acreditaram que Moshé Rabenu havia
falecido, pois, decorridos 40 dias, ele não havia voltado do Monte Sinai, como combinado.
Na realidade, o povo errou na conta e foi enganado pelo Yetzer Hará, o mau instinto. Os
judeus, portanto, decidiram substituir Moshé por outro líder, o bezerro de ouro, que
supostamente os guiaria. Este erro foi gravíssimo, pois violaram os dois primeiros
Mandamentos que haviam acabado de receber: "Eu sou o Senhor, teu D'us" e "Não terás
outros deuses". Está além do escopo desse artigo explicar os motivos, que na realidade
não são simplórios, por trás desse erro. O que é relevante ressaltar é que o bezerro de
ouro foi feito enquanto Moshé Rabenu encontrava-se no Monte Sinai, recebendo o texto
da Torá, que estava sendo ditado por D'us. De repente, o Eterno ordena a Moshé que ele
desça da montanha, pois o povo havia pecado produzindo um ídolo. Moshé, carregando
as duas tábuas da Lei, desce do Monte Sinai e se aproxima do acampamento de Israel. No
momento em que Moshé vê a estátua do bezerro de ouro e o Povo Judeu se curvando ao
seu redor, ele quebra as tábuas.
Pergunta-se: por que Moshé quebrou ambas as tábuas? É inegável que o povo pecou ao
desrespeitar os mandamentos contidos na primeira delas, os que dizem respeito à relação
entre o homem e D'us. Mas, por que quebrar a segunda, também? Talvez os que fizeram
o bezerro de ouro respeitariam as leis entre o homem e seus semelhantes. Moshé, no
entanto, sabia que ambas as tábuas eram indivisíveis, por isso assim agiu. Quem não
acredita em D'us e não O venera, mais cedo ou mais tarde acabará não respeitando,
tampouco, as leis entre o homem e seus semelhantes. De fato, a história comprovou que a
negação de D'us permite que o homem justifique tudo. Mesmo as civilizações
culturalmente mais avançadas foram capazes de perpetrar e justificar o genocídio e a
barbárie. Quando não há temor a D'us, o ser humano pode facilmente se tornar um animal
irracional, sem piedade por outros, e pode banalizar à sua máxima expressão o valor da
vida humana.
O grande sábio e cabalista, o Maharal de Praga, conhecido por ter criado o Golem, explica
que a existência do ser humano é o resultado da união entre o corpo e a alma. Ele explica
que esse é mais um motivo pelo qual os Dez Mandamentos foram dados em duas tábuas.
A primeira tábua - que trata de mandamentos entre o homem e o Criador - está
relacionada à alma; a segunda tábua - que dita as leis entre os homens - simboliza o
corpo. De acordo com o Maharal, assim como o ser humano não pode viver se não houver
união entre corpo e alma, também a Torá só se sustenta quando é composta pelos
mandamentos de ambas as tábuas. A beleza da Torá é revelada apenas quando há
harmonia entre todas as suas leis.
Todos os anos, em Shavuot, recitam-se os Dez Mandamentos nas sinagogas do mundo
todo. Através dessa prática, estamos revivendo a Revelação no Monte Sinai, novamente
aceitando os mandamentos e reafirmando não apenas o conteúdo de todos os preceitos,
mas também as mensagens e ensinamentos que deles derivam.

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