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Boa tarde e bem vindos à casa Fernando Pessoa.

Esta exposição está dividida em três pisos,


sendo o terceiro o piso onde começamos a nossa visita. Este piso é sobretudo dedicado à obra
literária de Fernando Pessoa, os heterónimos, enfim, das várias figuras que ele vai concebendo
com as quais assina parte da sua obra. O segundo andar, que depois veremos, é o coração da
casa, que tem a biblioteca particular de Fernando Pessoa. o primeiro andar no fundo é o piso
mais biográfico, é o apartamento onde ele terá morado os últimos 15 anos da sua vida, com os
seus objetos pessoais, fotografias e por aí fora.

Podemos então agora começar por esta máquina de escrever que, embora não pertencesse a
Fernando Pessoa (devido à falta de dinheiro, visto que até hoje em dia é bastante difícil viver
apenas da escrita), foi usada por ele bastantes vezes. Outro motivo para esta máquina estar
aqui presente é o facto de, apesar de Fernando Pessoa preferir escrever à mão (também para
dar alguma personalidade às suas personagens), acaba por usar este instrumento para
escrever cerca de 80% da obra de um dos seus heterónimos, de que vamos falar mais à frente,
e que tem um motivo por trás, tal como tudo o que ele faz, apesar de muitas vezes nos parecer
uma coisa completamente ao acaso.

Para continuar, penso que todos aqui têm uma noção do que são heterónimos e queria vos só
perguntar o que é que para vocês é um heterónimo e se têm alguma noção do número de
heterónimos criados por Fernando Pessoa.

Heterónimos - são pessoas inteiras, vivas e quase reais que são criadas por alguém, neste
caso estamos a falar de Fernando Pessoa, que lhe dá características próprias, como uma
biografia, características físicas, caligrafia, assinatura, opiniões e até relações sociais e
profissionais. A única coisa que diferencia os mesmos de uma pessoa real é o facto que
apenas existir na cabeça do poeta.

Em termos de número de heterónimos, Fernando Pessoa chega a criar cerca de 136 figuras,
sendo que apenas algumas ascendem à categoria de heterónimos (apesar das outras serem
também personagens bastante complexas, a maior parte delas deixando obra escrita).

Fernando Pessoa começa a cirar estas suas personagens apenas com 6 anos, sendo a sua
primeira o “chevalier de pas”, ou seja “o cavaleiro do nada”, que poderá ter sido uma forma de
preencher o vazio da ausência do pai, que teria morrido 1 ano antes. Aqui começamos a
perceber que Fernando Pessoa era uma criança mais complexa que o normal, isto porque o
conceito de “cavaleiro” é algo bastante normal para qualquer criança daquela idade mas tinha
noção de que este cavaleiro não existia, não tinha nenhuma função, por isso chama-lhe um
“cavaleiro do nada”, que se torna um amigo com quem ele até troca correspondência.

Aos 13 anos escreve vários jornais, dos quais apenas sobrevive um número de um dos jornais,
“O Palrador”. Todo o conteúdo do jornal é fictício e criado por Fernando Pessoa, constituído por
charadas, anedotas, histórias imaginadas, enigmas, e todas essas coisas.Ao folhearmos este
jornal conseguimos perceber a maturidade e a dedicação que tinha aos 13 anos apenas, tendo
criado até uma equipa composta por diferentes pessoas, que depois ressurgem mais tarde na
sua obra.

Um detalhe também bastante curioso é o facto de Fernando Pessoa não só comprar livros para
si próprio mas também para as suas personagens, baseados na sua personalidade e profissão,
e assinar esses livros com os seus nomes.

Neste piso podemos também encontrar este quadro de Almada Negreiros, que provavelmente
muitos de vocês conhecem, e 3 rascunhos de Júlio Pomar para o painel de azulejos, que está
na estação de metro do alto dos moinhos.

Para acabar este piso vamos voltar aos heterónimos. Aqui podemos ver breves descrições de
cada um deles que se podiam até considerar bilhetes de identidade, isto porque temos o nome,
a proveniência, a data, a hora e o local de nascimento, descrição física, profissão, percurso de
vida e, no caso concreto de um deles, temos até a data da morte. Temos também retratos,
feitos por Almada Negreiros, com as descrições dadas por Fernando Pessoa e mapas astrais,
porque Fernando Pessoa era bastante interessado na astrologia.

Destas descrições bastante detalhadas de cada heterónimo decidi destacar as que achei mais
importantes neste contexto, por estarem relacionadas com outras partes desta exposição.

Podemos então começar por Álvaro de Campos, um engenheiro naval. Por ser um engenheiro
naval estaria muito habituado a trabalhar com máquinas e, de modo a incorporar isso na sua
obra escrita também, maior parte desta está escrita com aquela máquina que vimos
anteriormente. Podemos também ver que o matra astral é bastante mais direito que os outros,
também pelo mesmo motivo.

Alberto Caeiro, por outro lado, é um poeta da natureza e, embora tenha apenas a instrução
primária, Fernando Pessoa considera-o o mais sábio e o mestre da sua obra literária. Este é o
único heterónimo com uma data de morte e acredita-se que o motivo pelo qual Fernando
Pessoa faz esta decisão é o de o imortalizar e deixá-lo intocável, digamos assim, tanto que os
outros são deixados em aberto e vários autores portugueses tentaram continuar a sua história
como José Saramago faz com “O ano da morte de Ricardo Reis”.Ricardo Reis é o mais
clássico destes 3 e interessava-se bastante na mitologia.

Por fim, chegamos a Bernardo Soares. Este é diferente dos outros por ser um semi-heterónimo,
uma mutilação da própria personalidade de Fernando Pessoa, não senod diferente dele o
suficiente para ser considerado um heterónimo nem parecido o suficiente para usar o nome de
Fernando Pessoa. É deste que é publicado um dos livros mais conhecidos de Fernando
Pessoa, o livro do desassossego.
Vamos agora então para o segundo piso, a biblioteca privada de Fernando Pessoa. Esta
biblioteca é bastante importante e podemos ver aqui 800 livros de um total de cerca de 1300
que teria nesta sua casa. Aqui temos livros de todas as classes da Classificação Decimal
Universal, ou seja, nos dias de hoje esta poderia ser considerada uma biblioteca pública.
Sabemos também que todos estes livros foram lidos devido às anotações que têm tanto na
capa, como nas margens ao longo dos vários livros.

Neste piso temos também um pequeno espaço de leitura.

Passamos então agora para o primeiro piso – o apartamento. Foi neste apartamento que
Fernando Pessoa efetivamente morou nos seus últimos 15 anos de vida, ou seja, de 1920 a
1935. Este apartamento é obviamente bastante diferente do original, tendo sido ocupado por
bastantes outras pessoas e deixado ao abandono durante algum tempo. As marcas das
divisões que podemos ver no chão foram feitas a partir das memórias da sua sobrinha, a única
parente viva de Fernando Pessoa, que tem hoje 93 anos. Apesar de ser um espaço bastante
pequeno este trata-se de uma grande melhoria na sua vida, pois até esse momento teria
morado em cerca de 19 diferentes quartos alugados em Lisboa, sendo esta a primeira casa
que teve e onde morou mais tempo.

Aqui podemos ver umas vitrines em que basicamente dividimos a vida de Pessoa em 3 partes:
os seus primeiros anos em lisboa, desde que nasce até aos seus 7 anos (1888-1896), a sua
juventude em Durban (1896-1905) e o seu regresso a lisboa (1905-1935).
Aqui penso que é importante referir que, enquanto está em Durban, apesar de ser a primeira
vez que muda de contexto radicalmente, ou seja, uma cultura diferente, língua diferente, estilo
de vida diferente, consegue se adaptar rapidamente e obter bastante bons resultados,
recebendo inclusivamente o Queen Victoria Memorial Prize, onde participaram cerca de 900
alunos.
Quando regressa a Lisboa, entra no curso de letras que abandona sem sequer completar o
primeiro ano. Depois tarbalha como, o que poderiamos chamar de “freelancer” hoje em dia e, num
dos seus trabalhos, cria um slogan para o lançamento da coca-cola em portugal que, apesar de não
ser utilizado (porque a venda autorizada da coca cola so comecou depois do 25 de abril) continuou
a fazer parte dos nossos vocabulários até hoje em dia; “primeiro estranha-se, depois entranha-se”.

Temos aqui também os dois únicos retratos que foram feitos em vida para qual Fernando Pessoa
posou, um feito por Adolfo Rodríguez Castañé e outro por Almada Negreiros e várias fotografias
suas.

Apesar da sua bastante extensa obra, Fernando Pessoa publica muito pouco – apenas 5 livros
e só 1 em português (“Mensagem”). Isto poderia ser devido a não ter muito dinheiro e ter de
financiar tudo o que publicava. Todo o resto da sua obra foi encontrado neste bau, cerca de
90%, sendo que ainda parte desta está por descodificar. Participou em várias revistas durante a
sua vida, não só na Orpheu, como já tinhamos visto antes, e é aqui que começam a surgir os
nomes de Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis.
Podemos passar agora para esta sala, dedicada ao dia triunfal da vida da obra literária de
Fernando Pessoa, como ele o diz numa carta:
“acerquei-me de uma cómoda alta (esta é a original), e, tomando um papel, comecei a escrever, de
pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de
êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter
outro assim.”
Estes 30 e muitos poemas a que se refere são “o guardador de rebanhos” de Alberto Caeiro,
que são estas folhas espalhadas pela sala e podemos-nos referir a este dia como o nascimento
do mestre.

Esta é a última sala da nossa exposição e com esta frase “I know not what tomorrow will bring”,
"não sei o que o dia do amanhã trará”, escrita no hospital na noite antes de morrer, podemos
acabar esta visita guiada. Espero que tenham gostado e obrigada.

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