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Fernando Pessoa

E seus heterónimos (e não só)


Fernando Pessoa – um homem, muitas faces

Escreveu sob ortónimo, heterónimo e semi- O conteúdo de Pessoa baseava-se no


heterónimo questionamento de valores
Entre seus pseudónimos (nome fictício usado por um Demonstrava euforia diante das inovações da
indivíduo como alternativa ao seu nome real), revolução industrial
heterónimos (autor fictício com personalidade ),
semi-heterónimos (a personalidade confunde-se Tinha um certo nacionalismo
com a do autor, porém ainda assim é distinta da Apresentava reflexões sobre identidade
mesma), personagens fictícias e poetas mediúnicos,
contam-se cerca de 127 nomes.

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Fernando Pessoa
O que é um ortónimo?
Características:
 Expoente modernista
• É quando o autor da obra assina com seu próprio nome
– o autor teve a experiência real daquela criação  Grupo de Orpheu (1915)
literária.  Criticava o conservadorismo
• Na revista Presença de 1928 (Nº17), Pessoa explicou  Possui um nacionalismo crítico
na sua própria tábua bibliográfica que ortónimo é o
termo usado para referir a autoria dos poemas, textos,  Saudosismo
obras publicadas e assinadas por Pessoa.

Fernando Pessoa 2
Livros publicados por ortónimo (nome próprio)

Fernando Pessoa 3
Poema ortónimo: Impressões do Crepúsculo – I» (1914)

Ó sino da minha aldeia,


Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minh’alma.

E é tão lento o teu soar,


Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem um som de repetida.

Por mais que me tanjas perto


Quando passo triste e errante,
És para mim como um sonho —
Soas-me sempre distante…

A cada pancada tua,


Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.
(A Renascença, fevereiro de 1914, p. 11)Poe

Fernando Pessoa 4
Poema ortónimo: Passos da Cruz – II» (1916)

Há um poeta em mim que Deus me disse…


A Primavera esquece nos barrancos
As grinaldas que trouxe dos arrancos
Da sua efémera e espectral ledice…

Pelo prado orvalhado a meninice


Faz soar a alegria os seus tamancos…
Pobre de anseios teu ficar nos bancos
Olhando a hora como quem sorrisse…

Florir do dia a capitéis de Luz…


Violinos do silêncio enternecidos…
Tédio onde o só ter tédio nos seduz…

Minha alma beija o quadro que pintou…


Sento-me ao pé dos séculos perdidos
E cismo o seu perfil de inércia e voo…

(Centauro, 1, outubro-dezembro de 1916)

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Poema ortónimo: Abdicação» (1920)

Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços


E chama-me teu filho.

Eu sou um rei
Que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.

Minha espada, pesada a braços lassos,


Em mãos viris e calmas entreguei;
E meu ceptro e coroa, — eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços.

Minha cota de malha, tão inútil,


Minhas esporas, de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.

Despi a realeza, corpo e alma,


E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.
(Ressurreição, 9, fevereiro de 1920, p. 4)

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Poema ortónimo: Autopsicografia» (1932)

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,


Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda


Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.

(Presença, 36, novembro de 1932, p. 9)

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Poema ortónimo: Conselho» (1935)

Cerca de grandes muros quem te sonhas.


Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.

Faz canteiros como os que outros têm,


Onde os olhares possam entrever
O teu jardim como lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.

Faz de ti um duplo ser guardado;


E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és
Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês…

(Sudoeste: cadernos de Almada Negreiros, 3, novembro de 1935, pp. 5-6)


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 Mensagem – obra completa publicada pelo ortónimo
 Contém 44 poemas e demorou 21 anos para ser finalizada
 Possui versos regulares com métrica e rima
 Publicada um ano antes da morte de Fernando Pessoa
 Trata do glorioso passado de Portugal de forma apologética
 Tenta encontrar um sentido para a antiga grandeza e a decadência existente na época em que o livro foi escrito
 É dividida em 3 sessões:Brasão, Mar Português e O Encoberto

 Parte I - Brasão: os poemas tratam das personagens míticas e históricas da origem, fundação e constituição de
Portugal. Figuras como a de Ulisses (presente na Ilíada e na Odisseia que teria fundado Lisboa), Viriato, d. Henrique, d.
Afonso I, entre outros nobres e monarcas que fazem parte da história estão presentes no enredo. Os poemas da
primeira parte foram edificados tendo como referência o Brasão de Armas de Portugal e é a partir dessa figura que o
poeta recria a história portuguesa.

 Parte II - Mar Português. Há na segunda parte da obra, Mar Português, uma diferença entre a primeira e a terceira, já
que nesta os 12 poemas não são divididos. O autor traz o momento da expansão marítima, tempo do apogeu do
império Português, refazendo a cronologia das navegações e de suas conquistas ao decorrer do tempo. Personagens
importantes também aparecem aqui, como é o caso de Vasco da Gama. Nessa seção também se encontra o poema
mais conhecido de Mensagem: Mar Português.

 Parte III- O Encoberto: Na terceira parte da obra, o autor dá enfoque aos mitos do sebastianismo e do Quinto império
nas três seções: Os símbolos, Os Avisos e Os Tempos. O mito do retorno de d. Sebastião faz referência ao momento
em que Portugal irá novamente se reestabelecer e voltar aos tempos de apogeu, já o Quinto Império refaz a ideia de
um império universal, cultural e captaneado pela influência de uma língua, e não pela ação bélica.

 Mensagem - obra completa

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Fernando Pessoa
Obras publicadas com ortónimo

Antinous
35 Sonnets
English poems I-II
English poems III
Mensagem
Quadras
Canções de beber
Poesia do cancioneiro
E cerca de 200 poemas avulsos

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 AUTOPSICOGRAFIA

 (Criador – O poeta cria uma realidade outra, advinda do pensamento, ou seja, finge a realidade ao escrever o
que pensa ou sentiu.)
 O poeta é um fingidor.
 Finge tão completamente
 Que chega a fingir que é dor → Dor fingida - pensamento
 A dor que deveras sente. → Dor sentida - sentimento
 E os que lêem o que escreve → Leitores
 Na dor lida sentem bem → Dor lida – pensamento (interpretação que o(s)
 Não as duas que ele teve leitores faz(em) do poeta que leu(ram)
 Mas só a que eles não têm
 E assim nas calhas de roda → Vida (metáfora)
 Gira, a entreter a razão,
 Esse comboio de corda → Coração
 Que se chama coração → Sentimento

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NOTA:
O fingimento poético é a teoria que diz que aquilo que se escreve não é o que se sente mas o que se
pensa que se sente, logo, não se sente, só se pensa.

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• ISTO
• Dizem que finjo ou minto → O poeta afirma que ao escrever não finge/mente.
• Tudo que escrevo. Não.
• Eu simplesmente sinto → Faz separação entre as emoções e as sensações.
• Com a imaginação. → Pensamento
• Não uso o coração.
• Tudo o que sonho ou passo,
• O que me falha ou finda, → Destino
• É como que um terraço
• Sobre outra coisa ainda. O poeta não consegue chegar ao sentimento porque
• Essa coisa é que é linda. → tem algo a impedi-lo, o “terraço”.
• Por isso escrevo em meio
• Do que não está ao pé, → O poeta não consegue sentir
• Livre do meu enleio,
• Sério do que não é. O poeta diz que cabe aos leitores terem um sentimento
• Sentir? Sinta quem lê! → diferente do que ele teve ao escrever (dor pensada)

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O que é um heterónimo?

É uma personalidade poética completa: é


uma identidade que, em princípio falsa, se torna
verdadeira através da sua manifestação artística
própria e diversa do autor original.
Pessoa usa os heterónimos para expressar uma
profunda reflexão sobre a relação
entre verdade, existência e identidade. Este último
fator possui grande notabilidade no famoso ar
misterioso do poeta
Heterónimos de Fernando Pessoa

ü Faustino Antunes
 Alberto Caeiro
ü Frederico Reis
 Álvaro de Campos
ü Frederick Wyatt
 Ricardo Reis
ü Henry More
 António Mora
ü I. I. Crosse
 Charles James Search
ü Jean Seul
 Alexander Search
ü Joaquim Moura Costa
 António Seabra
ü Maria José
 Barão de Teive
ü Pantaleão
 Bernardo Soares
ü Pêro Botelho
 Carlos Otto
ü Raphael Baldaya
 Charles Robert Anon
ü Thomas Crosse
 Coelho Pacheco
ü Vicente Guedes
Heteronímia

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Ricardo Reis - heterónimo
• Era médico
• Pagão e defensor da monarquia
• Se exilou no Brasil
• Estudioso
• Escrevia frases complexas com rigidez métrica
• Estudioso da cultura clássica
• Era racional, com autodisciplina e renuncia as fortes emoções
• Procura da ataraxia (ausência de preocupação)
• Elogio do carpe diem (aproveita o momento)
• Uso de volcabulário erudito e preciso
• Uso frequente de advérbios de modo
• Recurso ao gerúndio
• Uso do imperativo como manifestação filosófica
• Diálogo permanente com "tu" - coloquialidade (linguagem coloquial usada no cotidiano)
• Uso do hipérbato ou anástrofe

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Obras de Ricardo Reis
- 250 odres e poemas líricos, dentre elas:

Aqui (Ricardo Reis)


Aqui, neste misérrimo desterro
Onde nem desterrado estou, habito,
Fiel, sem que queira, àquele antigo erro
Pelo qual sou proscrito.
O erro de querer ser igual a alguém
Feliz em suma — quanto a sorte deu
A cada coração o único bem
De ele poder ser seu.

Antes de Nós
Antes de nós nos mesmos arvoredos
Passou o vento, quando havia vento,
E as folhas não falavam
De outro modo do que hoje.
Passamos e agitamo-nos debalde.
Não fazemos mais ruído no que existe
Do que as folhas das árvores
Ou os passos do vento.

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Para ser grande, sê inteiro: nada
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
.
14-2-1933 – Odes de Ricardo Reis.

Uns, com os olhos postos no passado


Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem; outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.

Porque tão longe ir pôr o que está perto —


A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.

Perene flui a interminável hora


Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.
.
28-8-1933 -Odes de Ricardo Reis.

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Álvaro de Campos - heterónimo
 Alter-ego de Fernando Pessoa
 Era um poeta que passou por fases simbolistas, niilistas e futuristas
 Era engenheiro diplomado no Reino Unido
 Apresentava versos livres, sem rimas
 Estilo informal e dramático
 Tratava sobre a melancolia e a vida urbana
 Coloca emoção em seus escritos
 Teve 3 fases: decadentista, futurista e independente
 Encontra-se um breve texto de Álvaro de Campos intitulado "Nota ao acaso" no número três
da revista Sudoeste (1935) dirigida por Almada Negreiros.
 Poemas muito extensos e poemas curtos;
 Versos brancos e versos rimados;
 Assonâncias, onomatopeias exageradas, aliterações ousadas;
 Ritmo crescente/decrescente ou lento nos poemas pessimistas.
 "Seus poemas mais famosos são Opiário e Ode triunfal.

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Obras de Álvaro de Campos

• Passagem das Horas, 1916


• Apontamento, 1929
• Tabacaria, 1929
• Magnificat, 1933
• Aniversário, 1930
• Lisbon Revisited, 1923
• Poema em Linha Reta
• Ode Triunfal
• Se te Queres
• Algumas obras completas de Álvaro de Campos: alguns poemas
• mais poemas de Álvaro de Campos
• É possível verificar que existiram três fases na escrita de Campos: a primeira, a decadentista, é a
que mais se aproxima da nossa poesia de final do século; a segunda, a modernista, corresponde à
experiência de vanguarda iniciada com Orpheu; e a terceira é a negativista, na qual a angústia de
existir e ser mais se evidencia e se radicaliza.

Fernando Pessoa ‹#›


Poema de Álvaro de Campos:

TABACARIA

Não sou nada.


Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,


Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.(...)

Fernando Pessoa ‹#›


Poema Magnificat de
Álvaro de Campos

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Alberto Caeiro - heterónimo

 Vivia no campo  Estilo discursivo.


 Não tinha profissão  Pendor argumentativo.
 Tinha educação primária  Transformação do abstrato no concreto,
 Teve contato direto com a natureza frequentemente através da comparação.
 Não crê em Deus pelo fato de não o  Predomínio do substantivo concreto sobre o
ver adjectivo.
 Tem uma linguagem simples
 Linguagem simples e familiar.
 Possui um objetivismo absoluto
 Liberdade estrófica e métrica e
 Visão sensorialista
 Conhece a verdade das coisas ausência de rima.
 Mestre dos heterónomios  Predomínio do Presente do Indicativo
 Órfão de pai e mãe

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Obras de Alberto Caeiro

 104 poemas, sendo:


 49 em O Guardador de Rebanhos,
 6 em O Pastor Amoroso e
 49 em Poemas inconjuntos.

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Poema de Alberto Caieiro - O Guardador de Rebanhos

IX

Sou um guardador de rebanhos.


O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la


E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor


Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.

Fernando Pessoa ‹#›


Bernardo Soares (semi-heterónimo)
ü Não possui uma personalidade muito A prosa de Bernardo Soares possui as
característica seguintes características:
ü Tem muitas semelhanças com o o fragmentação;
próprio Pessoa o traços estilísticos diversos;
ü Um homem comum
o cunho confessional;
ü Ficou órfão de mãe ainda na infância
o caráter modernista;
ü Ajudante de guarda-livros em Lisboa
ü Diário introspetivo (Livro do o sutileza;
Desassossego) o niilismo;
ü Digressões com angústia (fuga para a o reflexão.
infância)
ü O facto de Fernando Pessoa
considerar (em cartas e anotações
pessoais) Bernardo Soares um semi-
heterónimo faz pensar na maior
proximidade de temperamento entre
Pessoa e Soares.

Fernando Pessoa ‹#›


Obras de Bernardo Soares

 É o autor do Livro do Desassossego, escrito em forma de fragmentos. Apesar de fragmentário, o livro é


considerado uma das obras fundadoras da ficção portuguesa no século XX, ao encenar na linguagem várias
categorias que vão desde o pragmatismo da condição humana até o absurdo da própria literatura.

Frases de Bernardo Soares:


 O coração, se pudesse pensar, pararia.”
 “Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo.”
 “Tudo me interessa e nada me prende.”
 “Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir.”
 “Uns governam o mundo, outros são o mundo.”
 “Há em olhos humanos, uma coisa terrível: o aviso inevitável da consciência, o grito clandestino de haver
alma.”
 “A humanidade tem medo da morte, mas incertamente.”

Fernando Pessoa ‹#›


O Livro do Desassossego – Bernardo de Campos

• Prosa poética, em forma de diário fragmentado.

• Assim, Soares fala de sua solidão mas também de seu pertencimento:


Escrevo, triste, no meu quarto quieto, sozinho como sempre tenho sido, sozinho como sempre serei. E penso se a minha voz,
aparentemente tão pouca coisa, não encarna a substância de milhares de vozes, a fome de dizerem-se de milhares de vidas, a
paciência de milhões de almas submissas como a minha ao destino quotidiano, ao sonho inútil, à esperança sem vestígios. Nestes
momentos meu coração pulsa mais alto por minha consciência dele. Vivo mais porque vivo maior.

• Ele reflete sobre a sensação de ser menos do que humano ou ser tão pouco sendo humano:
Era a ocasião de estar alegre. Mas pesava-me qualquer coisa, uma ânsia desconhecida, um desejo sem definição, nem até reles.
Tardava-me, talvez, a sensação de estar vivo. E quando me debrucei da janela altíssima, sobre a rua para onde olhei sem vê-la,
senti-me de repente um daqueles trapos úmidos de limpar coisas sujas, que se levam para a janela para secar, mas se esquecem,
enrodilhados, no parapeito que mancham lentamente.

• A sua solidão é mencionada várias vezes na obra, como neste trecho:


O isolamento talhou-me à sua imagem e semelhança. A presença de outra pessoa — de uma só pessoa que seja — atrasa-me
imediatamente o pensamento, e, ao passo que no homem normal o contato com outrem é um estímulo para a expressão e para o
dito, em mim esse contato é um contraestímulo.

Fernando Pessoa ‹#›


• Apesar disso, ele revela seu interesse pelo outro, seu desejo de ser outra pessoa:
Quantas vezes me punge o não ser o manobrante daquele carro, o cocheiro daquele trem! Qualquer banal Outro suposto cuja vida, por
não ser minha, deliciosamente se me penetra de eu querê-la e se me penetra até de alheia!

• Essa solidão acaba se configurando também em independência:


Não me submeto ao estado nem aos homens; resisto inertemente. O estado só me pode querer para uma ação qualquer. Não agindo
eu, ele nada de mim consegue. Hoje já não se mata, e ele apenas me pode incomodar; se isso acontecer, terei que blindar mais o meu
espírito e viver mais longe adentro dos meus sonhos. Mas isso não aconteceu nunca. Nunca me apoquentou o estado. Creio que a sorte
soube providenciar.

• A saudade é um tema recorrente no diário do ajudante de guarda-livros. Saudade do patrão Vasques, da mãe, “do outro que
eu poderia ter sido”, “de não ser filho”, “dos tanques das quintas alheias”, “do futuro”, “do que nunca houve”, “da infância
de que não tenho saudades”, “do exílio impossível”, “do normal que nunca fui” e, por fim:
Saudades! Tenho-as até do que me não foi nada, por uma angústia de fuga do tempo e uma doença do mistério da vida. Caras que via
habitualmente nas minhas ruas habituais — se deixo de vê-las entristeço; e não me foram nada, a não ser o símbolo de toda a vida

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Links úteis:

resumos

exame nacional 12ºano Fernando Pessoa

exame A Mensagem com correção

apanhado de testes com Fernando Pessoa

poemas completos de Álvaro de Campos

Livro do Desassossego

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