4.1 Introdução
4.2 O ciclo reprodutor feminino
4.3 O controle hormonal do ciclo reprodutor feminino
4.4 Métodos contraceptivos
4.4.1 Métodos de barreira
4.4.2 Abstinência periódica
4.4.3 Métodos hormonais
4.4.4 Métodos cirúrgicos
4.4.5 Coito interrompido
4.4.6 Dispositivos intrauterinos
4.5 Conclusão
Referências
4.1 Introdução
A produção de gametas femininos não ocorre de maneira contínua ao longo da vida repro-
dutiva da mulher, ao contrário do que ocorre com os homens. Flutuações hormonais cíclicas
desencadeiam alterações ovarianas, responsáveis pelo desenvolvimento, amadurecimento e
liberação de oócitos em ciclos com duração de aproximadamente 28 dias. Durante esse período,
modificações na parede interna do útero, também estimuladas pelas flutuações hormonais, o
preparam para uma possível gestação. As modificações uterinas provocam a menstruação quando
não ocorre a gravidez e, por isso, podem ser chamadas de ciclo menstrual ou uterino, enquanto
as modificações ovarianas identificam o ciclo ovariano. Tanto o ciclo menstrual quanto o ciclo
ovariano garantem à mulher as características fisiológicas necessárias para iniciar uma gravidez;
por isso, esse conjunto de alterações é denominado ciclo reprodutor feminino.
A regulação do ciclo reprodutivo ocorre por meio de alças de retroalimentação entre
os hormônios secretados pelos ovários, pela hipófise e pelo hipotálamo. Suas características
funcionais, bem como o controle de suas secreções, serão detalhadamente discutidos ao longo
do texto. Entretanto, vale ressaltar que modificações em suas concentrações fisiológicas podem
impedir a adequada maturação dos oócitos, inviabilizando o desenvolvimento de uma gravidez.
Por isso, métodos contraceptivos fazem uso da administração de hormônios sexuais, impedindo
ou dificultando o desenvolvimento do oócito, bem como a sua fertilização e implantação.
Para compreender a fase folicular, é importante lembrar que os ovários possuem, em sua
região cortical, diversos folículos em diferentes estágios de desenvolvimento (Figura 4.1).
Os folículos são constituídos de oócitos em desenvolvimento, circundados por células que
participam de sua proteção e nutrição. Essas células também secretam hormônios sexuais. Nesta
fase, considerada a primeira fase do ciclo reprodutor, ocorre o crescimento e amadurecimento
de alguns dos folículos ovarianos sob influência hormonal. No final deste período, que tem
uma duração variável (em torno de dez dias a três semanas), apenas um folículo permanece se
desenvolvendo, enquanto os demais interrompem seu desenvolvimento e sofrem morte celular,
denominada atresia.
Figura 4.1: Ilustração da histologia do ovário, contendo folículos ovarianos em diferentes estágios de desenvolvimento.
/ Fonte: modificado de Tortora, 2002.
corpo lúteo terá uma vida útil de 12 dias. Esta fase tem uma duração relativamente constante,
quando comparada à fase folicular, cuja duração é bastante variável. O final da fase lútea carac-
teriza o encerramento de um ciclo reprodutor e o início do próximo.
Paralelamente às alterações ovarianas, ocorrem as alterações uterinas, que constituem o ciclo
uterino ou menstrual, onde podemos identificar a:
• menstruação;
• fase proliferativa;
• fase secretória.
A menstruação marca o início do ciclo reprodutor por ser facilmente identificada e
correspondente ao início da fase folicular nos ovários. A descamação do endométrio – ou
seja, a menstruação – é causada pela atresia do corpo lúteo, que tem papel fundamental na
manutenção das células endometriais. Sua duração pode variar em torno de três a sete dias,
sendo o fluxo menstrual bastante específico para cada mulher. Após a menstruação, as células
endometriais começam a se proliferar, reconstituindo a camada celular perdida durante a
descamação do endométrio. Esta fase, denominada fase proliferativa, coincide com o período
final da fase folicular dos ovários. Após a ovulação, inicia-se a fase secretória uterina, em que
as células endometriais depositam lipídeos e glicogênio para o fornecimento de energia para
uma possível gestação. Além disso, ocorre o crescimento de novos vasos sanguíneos nessa região.
Quando ocorre a atresia do corpo lúteo – finalizando a fase lútea e iniciando a fase foli-
cular nos ovários – ocorrem também o fim da fase secretória uterina e o início de uma nova
menstruação, caracterizando o começo de um novo ciclo reprodutor.
Podemos notar que existe correspondência entre os eventos uterinos e ovarianos do ciclo
reprodutor feminino. A relação entre os ciclos se dá pelo controle hormonal a que estão
submetidos os ciclos ovariano e uterino. Essa relação é essencial para que uma eventual gestação
se estabeleça, uma vez que o útero deve estar em condições adequadas para receber um embrião
logo após a ovulação, o que possibilitará a fecundação. Vamos agora compreender o controle
hormonal do ciclo reprodutor feminino e sua influência sobre o organismo feminino.
Figura 4.2: Esquema do controle da secreção Figura 4.3: Ilustração dos folículos ovarianos com
hormonal por retroalimentação negativa e positiva. detalhe para as células da granulosa e da teca. / Fonte:
/ Fonte: modificado de Silverthorn, 2010. modificado de Silverthorn, 2010.
Gráfico 4.1: Flutuações hormonais ao longo do ciclo reprodutor feminino e os eventos uterinos e ovarianos
relacionados. / Fonte: modificado de Silverthorn, 2010.
Veremos agora o controle intrínseco dessas secreções hormonais em detalhes e suas conse-
quências fisiológicas em cada fase do ciclo reprodutor.
Podemos observar que, no final do ciclo reprodutor, ocorre um aumento na secreção das
gonadotrofinas pela hipófise anterior. Esse aumento é responsável pelo recrutamento de
folículos ovarianos, que darão início à sua maturação sob influência do FSH, o que caracteriza
a fase folicular. O crescimento dos folículos provoca um aumento na secreção de hormônios
esteroides pelas células foliculares. Neste período, o aumento gradual de estrógeno é bastante
evidente, principalmente na fase folicular tardia. O aumento de estrógeno inibe a secreção de
FSH e LH, bem como de GnRH, por mecanismos de retroalimentação negativa (Figura 4.2).
A diminuição da secreção de LH e FSH impede o recrutamento de novos folículos no mesmo
ciclo. Entretanto, apesar da diminuição principalmente de FSH, permanece o aumento na
secreção de estrógenos, controlada por uma alça de retroalimentação positiva, em que os estró-
genos estimulam a secreção de mais estrógenos pelas células da granulosa (Figura 4.2).
Por volta do 6º dia da fase folicular, um dos folículos
torna-se dominante, interrompendo o crescimento dos
demais folículos recrutados. Isso ocorre por meio da secre-
ção de um hormônio chamado inibina, que também inibe
a secreção de FSH pela hipófise anterior (Figura 4.4).
A diminuição de FSH, associada à secreção de inibina, causa
a parada no crescimento dos demais folículos, fazendo com
que, em geral, apenas um folículo ovule a cada ciclo.
Durante a primeira metade da fase folicular ocorre a
menstruação uterina, que dura em torno de cinco a sete dias.
Esse fluxo menstrual uterino é composto de 50 a 150 ml
de sangue, líquido tecidual, muco e células epiteliais do
endométrio. A menstruação é causada pela diminuição
dos hormônios estrógeno e, principalmente, progeste-
Figura 4.4: Esquema do controle da secreção
rona (no final da fase lútea). Essa diminuição estimula a hormonal por retroalimentação negativa e positiva.
/ Fonte: modificado de Silverthorn, 2010.
liberação de prostaglandinas, que causarão constrição das
arteríolas uterinas do endométrio, privando-o de oxigênio. Com isso, ocorre a morte das células
endometriais e a posterior descamação, chamada de menstruação. O fluxo menstrual é elimi-
nado da cavidade uterina através do colo e da vagina. Após o final da menstruação, inicia-se a
fase proliferativa no útero, quando o aumento do estrógeno secretado pelos folículos estimula
nova proliferação celular no endométrio. Além disso, ocorre o aumento da vascularização do
endométrio e de seu suprimento de nutrientes e oxigênio. O aumento de estrógenos também
causa a secreção de muco claro e viscoso pelas glândulas mucosas do colo do útero. Essa se-
creção facilita a relação sexual e a entrada de espermatozoides na cavidade uterina em um
período próximo à ovulação, propiciando uma possível fertilização. A detecção do muco e suas
características viscosas são utilizadas por algumas mulheres para identificar o seu período fértil
próximo à ovulação. Neste período, o muco possui uma viscosidade que permite sua distensão
por alguns milímetros (Figura 4.5).
Figura 4.5: Fotografia do colo do útero contendo muco cervical à esquerda e fotografia ilustrativa da distensão do muco à direita.
/ Fonte: modificado de Aires, 2012.
Figura 4.6: Ilustração do rompimento folicular e expulsão do oócito envolto por células da
granulosa. / Fonte: modificado de Tortora, 2002.
Figura 4.7: Ilustração de ciclos reprodutores feminino com diferentes durações. / Fonte: modificado de Aires, 2012.
Os níveis de GnRH, bem como de FSH e LH, diminuem durante a fase lútea, pois suas secreções
estão sendo inibidas pela presença da progesterona, do estrógeno e da inibina lútea (Figura 4.8).
Assim, neste período não são recrutados novos folículos, uma vez que o organismo feminino está se
preparando para uma possível gestação.
Podemos considerar a progesterona como o principal hormônio da
fase lútea. Seus efeitos causam o contínuo crescimento do endométrio,
onde as glândulas endometriais se enrolam e novos vasos são formados,
além do depósito de lipídeos e glicogênio já mencionado. Também
causam o espessamento do muco secretado pelas glândulas do colo do
útero. Esse espessamento provoca a formação de um tampão no colo do
útero, que impede a entrada de microrganismos, assim como de novos es-
permatozoides. Portanto, o útero encontra-se protegido para desenvolver
uma possível gestação.
Quando ocorrem a fecundação e a implantação do embrião no útero pre-
parado, células endometriais se modificam e iniciam a secreção do hormônio
4.8: Esquema
gonadotrofina coriônica humana (hCG), que sustenta a presença do corpo Figura do controle da secreção
lúteo. Isso faz com que o corpo lúteo permaneça íntegro, secretando seus hor- hormonal por retroalimen-
tação negativa.
mônios durante o primeiro trimestre gestacional. Entretanto, na ausência da /SFonte: modificado de
ilverthorn, 2010.
Resumindo o que discutimos até agora, a Figura 4.10 mostra uma síntese do controle hor-
monal do ciclo reprodutor por mecanismos de retroalimentação positiva e negativa. Eles deter-
minam modificações temporalmente precisas para que a ovulação ocorra no momento em que as
demais condições do organismo feminino estejam adequadas para receber a implantação de um
futuro embrião. Além disso, podemos destacar a predominância de estrógeno na primeira metade
do ciclo e da progesterona na segunda metade.
Figura 4.10: Resumo do controle hormonal ao longo do ciclo reprodutor feminino por meio de retroalimentação.
/ Fonte: modificado de Silverthorn, 2010.
Modificações nas concentrações adequadas desses hormônios podem dificultar e, até mesmo,
impedir a ovulação, a fecundação ou a implantação. Por essa razão, podem ser utilizadas como
métodos contraceptivos.Veremos agora os principais métodos contraceptivos existentes.
Os métodos hormonais são largamente utilizados devido à sua grande eficácia. Além disso,
avanços significativos na anticoncepção hormonal ocorreram na década de 70, no sentido de
diminuir a quantidade de hormônios utilizados, além de combiná-los de maneira adequada
para maior eficácia e menores efeitos colaterais. Entre esses métodos, o mais utilizado é a
pílula anticoncepcional, que apresenta concentrações variáveis de estrógeno e progesterona.
A presença desses hormônios no organismo feminino inibe a secreção de GnRH pelo hipo-
tálamo, bem como de FSH e LH pela hipófise anterior, impedindo a maturação de oócitos e,
consequentemente, a sua ovulação. Além disso, a progesterona presente leva ao espessamento do
muco cervical, dificultando a entrada de espermatozoide na cavidade uterina. Modificações no
endométrio também podem ser provocadas, dificultando a instalação de uma gestação.
Os anticoncepcionais hormonais podem ser administrados por via oral (as pílulas), injetáveis,
adesivos transdérmicos, implante subdérmico e anel vaginal. A escolha entre cada um deles deve
ser feita com orientação ginecológica. Existem algumas vantagens para a utilização das pílulas de
baixa dosagem hormonal, que são as mais utilizadas nos dias de hoje. Podemos destacar entre elas:
• diminuição do fluxo e da cólica menstrual;
• controle das irregularidades menstruais;
• proteção ou tratamento contra tumores ovarianos benignos;
• proteção contra doenças mamárias benignas;
• proteção contra anemia ferropriva;
• proteção contra endometriose.
Figura 4.13: Ilustração da laqueadura tubária por meio da secção das trompas uterinas. /
Fonte: modificado de Zugaib, 2012.
Figura 4.15: Ilustração da laqueadura tubária por meio da amarração das trompas uterinas. /
Fonte: modificado de Zugaib, 2012.
O coito interrompido ocorre com a retirada do pênis da vagina antes que ocorra a
ejaculação. Entretanto, durante o ato sexual ocorre a emissão pré-ejaculatória de líquido da
uretra, já contendo espermatozoides. Por isso, e pela dificuldade de retirar o pênis no momento
adequado, a eficácia deste método pode ser comprometida.
O dispositivo intrauterino (DIU) é colocado na cavidade uterina (Figura 4.16), onde pro-
voca alterações no endométrio, impedindo a progressão do espermatozoide e a implantação do
embrião. Hoje em dia, o modelo mais utilizado libera pequenas quantidades de progestógeno
(hormônio sintético semelhante à progesterona), causando aumento da viscosidade do muco
cervical, atrofia do endométrio, inibição da ovulação e inibição da motilidade espermática.
Todos esses efeitos impedem a fecundação e a implantação, não permitindo, portanto, a gestação.
4.5 Conclusão
Discutimos aqui a sequência de eventos fisiológicos característicos do ciclo reprodutor
feminino, bem como o controle hormonal das diversas fases do ciclo ovariano e uterino, e a
relação temporal entre eles. Relacionamos as modificações uterinas e ovarianas com as variações
nos níveis de hormônios como os estrógenos, progesterona, LH e FSH. Além disso, descrevemos
alguns métodos contraceptivos, relacionando-os com a anatomofisiologia do sistema reprodutor
masculino e feminino.
Referências
Aires, M. M. (org.). Fisiologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2012.
Berne, R. M. et al. Fisiologia. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
Campbell, N. A. et al. Biologia. 8. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.
Curi, R.; Procópio, J. Fisiologia Básica. 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009.
Guyton, A.C.; Hall, J. E. Tratado de Fisiologia Médica. 12. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
Silverthorn, D. U. Fisiologia Humana: Uma Abordagem Integrada. 5. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2010.
Tortora, G. J.; Grabowski, S. R. Princípios de Anatomia e Fisiologia. 10. ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2012.
Zugaib, M. Zugaib Obstetrícia. 2. ed. Barueri: Manole, 2012.
Glossário
Retroalimentação: Mecanismo pelo qual parte do sinal de saída de um sistema é transferida para a sua
entrada com o objetivo de diminuir, aumentar ou controlar a saída desse mesmo sistema.