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Dogmática Cristã - John Theodore Mueller
Dogmática Cristã - John Theodore Mueller
4" Edição
Revista e Ampliada
EDJTOR:
Dieter Joel Jagnow
REVISORES:
Gerson Luís Linden, Paulo Moisés Nerbas,
Vilson Scholz,Paulo Proske Weirich, Anselmo Graff,
Clóvis Jair Prunzel, Acir raymann, Paulo Gerhard Pietzch
AUTORDOS ÍNDICES:
Fábio Igor Senger Werner
ÍNDICES ...........................................................................................................
598
Expressões .........................................................................................................
598
Índice de Passagens Bíblicas ............................................................................. 602
Índice Onomástico .............................................................................................603
Índice ~ernissivo................................................................................................616
A edição origem da Dogmática Cristã, em
língua inglesa, é de 1934. Posteriormente, foi
traduzida para diversas línguas. A primeira edição
portuguesa foi publicada em 1957.
Ao longo desses anos tem servido como livro-
texto para alunos de Teologia e pastores. Todavia,
todos esses anos também envelheceram a Dogmática.
Embora os fundamentos básicos da Teologia luterana
permaneçam os mesmos, o livro carece de atualização
em relação aos movimentos teológicos que surgiram
após o seu lançamento. De outro lado, certos
enfoques característicos típicos da época perderam sua
razão de ser.
Apesar disso, no entanto, a Igreja Evangélica
Luterana do Brasil (IELB) resolveu continuar investindo
na Dogmática, julgando que, mesmo que desatualizada
em alguns pontos, continua sendo um instrumento
valioso para o aprender e pensar teológicos. Esta edição
é o resultado deste investimento.
Após alguns anos fora do mercado, esta nova
edição é oferecida com uma série de procedimentos
que, de certa forma, rejuvenescem a Dogmática. O
texto foi totalmente revisado. Em certos casos, termos
que perderam o sentido ou tiveram o seu sentido
alterado, foram atualizados. O estilo foi trabalhado
no sentido de adequar-se um pouco mais ao que é
praticado hoje. As citações de documentos das
Confissões Luteranas foram substituídas por textos
de traduções que surgiram posteriormente, como o
Livro de Concórdia. A edição original era oferecida em
dois volumes. Julgou-se que a edição em apenas um
volume favorece o seu uso.
Esta edição revista e ampliada da Dogmática
valoriza-se ainda mais pela inclusão de uma série de
Dogrnática CuistB
- -
John TlzeodoreMueller
Saint Louis, Missouri, EUA
Em virtude da diversidade de opiniões e tendências que atualmente
. reina entre os teólogos, faz-se necessário ao teólogo cristão, antes que
-apresente o seu tratado dogmático, que declare, e m termos claros e
inequívocos, o ponto de vista que norteou a elaboração deste trabalho.
O pontpbe vista dos teólogos racionalistas consiste
-. nisto: que a verdade
- - -
L seja determinada pela razão humana à luz das 'entífica. Por i=;
3; o teólogo liberal não reconhece as Sagradas E s c r ~ r a S ' ~fonte
~ m ~e norma de
de Lutero, com respeito à autoridade das Sagradas Escrituras, era "um tanto
livre" (eine freiere Stellung) é desfeita pelas próprias declarações do Reformador,
que são claras e enfáticas. A semelhança de Lutero, todos os teólogos cristãos
têm, em todos os tempos, sustentado que a Bíblia é a Palavra de Deus inspirada
e, portanto, a única fonte e norma da fé cristã - verdade que mantiveram
firme contra todos os adversários.
Os teólogos racionalistas modernos declaram não poder identificar as
Sagradas ~ s c r i t i r a scom a Palavra de Deus ou aceitá-las como única norma
de-fé. Afirmam que o seu senso de realidade não permite (VZrklichkeitssinn),
reclamando ele outras normas fora e além das Sagradas Escrituras, por exemplo:
a sua "piedosa consciência de si mesmo", sua "experiência cristã" e outras da
mesma' qualidade. Na realidade, essa alegação 'não faz outra coisa senão
demonstrar quão seriamente se iludem; visto que somente da Palavra de Deus
se pode adq;irir o conhecimento da verdade. A fé cristã, por conseguinte, se
fundamenta unicamente n o a l a v r-a-- de Deus. Nosso divino
- - - - - _
- - Senhor-declara
- _
anunciada por ele mesmo e por seus profetas e apóstolos. (Jo 8 3 , 3 2 ; 17.20;
-
Ef 2.20)
J
+Ahistória da Igreja Cristã comprova a exatidão das Palavras de Cristo
_ - _-.
desprezaram as Sagradas Escrituras como única norma de fé, negaram, -
invariavelmente, as doutrinas cristãs afins, como a satisfação vicária de Cristo,
a justificacão pela graça
- mediante a fé, etc. (cf. Dr. F. Pieper, Christliche
Dogmarik, Vol. I, p.4ss). Assim Hofmann, o pai da Teologia moderna do "egoJ1
(Ichtheologie), negou a satisfação vicária de Cristo, ensinando a Teologia pagã
de salvação sem a obra redentora de Jesus. Isso está comprovado pela confusão
doutrinária que se produziu toda vez que se ignorou ou renunciou o princípio
de que as Sagradas Escrituras são a única autoridade em matéria de religião.
Essa confusão em assuntos de doutrina ocorrerá sempre que se tomem normas
que diferem das Sagradas Escrituras por base da doutrina cristã. A Teologia
subjetiva jamais poderá suprir a Igreja Cristã com u m fundamento de fé
verdadeiro. Sem a Bíblia como única fonte e padrão de fé, a Igreja se acha
d e s p r o v i ~ u a l q u e alicerce,
r seja ele qual for, sobre que se possa'
assentar a sua fé. Ela se encontra em meio a um turbilhão de idéias subietivas
contraditórias, todas nocivas à fé cristã.
2. DA RELIGIÁO
EM GERAL
A etimologia do termo religião continua sendo um ponto de controvérsia.
Escreve o dogmático luterano Hollaz: "Acham alguns que o termo religião
seja derivado de religare (Lactâncio), outros de relegere (Cícero). De acordo
com a primeira derivação, religião significa a obrigação de render-se
1 Dogmática Cristã
DE RELIGIOES
3. Do NUMERO NO MUNDO
Tem-se calculado o número de religiões no mundo de maneiras diversas.
Falamos c o m u m e n t e de q u a t r o religiões diferentes: cristã, judaica,
maometana e pagã. Mesmo que se possa empregar semelhante enumeração,
jamais se deve esquecer que, e m última análise, todas as religiões,
necessariamente, se reduzem a duas classes: as religiões da Lei, isto é, aquelas
que fazem por reconciliar a divindade mediante as obras da Lei, e a religião do
Evangelho, isto é, a crença, divinamente operada e produzida pelo Espírito
Santo mediante os meios da graça, de que Deus se reconciliou com o pecador
sem qualquer obra da parte deste, por meio da satisfação substituta de Cristo
Dogmática Crista
-
- -- diferentes, a religião
Conforme vimos, gó há duas religiões essencialmente
da fé ou do Evangelho e a religião das obras ou da Lei. Assim, só há efetivamente
L-
que vem a ser o mesmo, somente as Escrituras canônicas são a fonte absoluta
da Teologia, de sorte que só delas devem os artigos de fé ser deduzidos e
comprovados". Ainda, I. 36: "revelação divina constitui a primeira e última
fonte da Teologia cristã, além da qual não devem ir as discussões teológicas
entre os cristãos". (Doctr. Theol., p.127ss) É preciso que se mantenha essa
verdade escriturística contra toda e qualquer forma de racionalismo, pelo qual
os falsos profetas buscaram, em todos os tempos, perverter a verdade divina.
A doutrina racionalista (pelagianismo, semipelagianismo, sinergismo, etc.)
não vem de Deus, mas da carne, é antiescriturística e oposição a Deus. Na
essência, é paganismo que destrói a verdade divina onde quer que seja aceito
na Teologia e permitido que exerça sua influência. Quenstedt está com a
razão, quando escreve (I, p.38): "A razão humana ou natural não é fonte da
Teologia e nem das coisas sobrenaturais." (Doctr. Theol., p.28)
Nem mesmo a tradi~ãoé fonte da fé cristã. Calov está inteiramente de
acordo com as Sagradas Escrituras, ao declarar: "Negamos que haja, no
presente, além e acima da Palavra de Deus escrita, outra Palavra de Deus, não
escrita, que diga respeito a qualquer doutrina necessária à fé e vida cristãs,
ainda não revelada nas Escrituras, e que tenha sido transmitida pela tradição,
preservada pela Igreja e recebida com igual reverência." (Doctr. Theol., p.28)
Isso é verdadeiramente doutrina luterana e escriturística. Devemos procurar
a Palavra de Deus tão-só no Livro de Deus; jamais noutra parte qualquer,
conforme Quenstedt declara enfaticamente ao escrever (I, 44): "O
consentimento da Igreja primitiva ou dos padres dos primeiros séculos depois
de Cristo não constitui fonte de fé cristã, primária nem secundária, nem
ainda produz fé divina, senão puramente humana ou provável." (Doctr. Theol., p.28)
Por último, também devemos repudiar as chamadas revelações particulares
como fontes de fé pois, como Hollaz exprime corretamente "depois de
completado o rânon das Escrituras, nenhuma revelação nova e imediata foi
dada que constituísse fonte fundamental de doutrina. (1 Co 4.6; Hb 1.1)
(Doctr. Theol., p.28)
A doutrina de uma revelação fixa, isto é, de uma revelação divina que
nos é dada somente na Palavra de Cristo e dos profetas e apóstolos é,
verdadeiramente, a doutrina das Escrituras. (Ef 2.20): "Edificados sobre o
fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra
angular." Por essa razão, a Teologia cristã, baseada nas Sagradas Escrituras,
pode reconhecer apenas uma fonte da religião verdadeira, a saber, a inspirada
e infalível Palavra de Deus: a Bíblia.
A religião da fé tem origem no Antigo Testamento, visto que foi revelada
a Adão e Eva imediatamente após a queda. (Gn 3.15) Depois foi proclamada
continuamente pelos profetas e crida por todos os fiéis do Antigo Testamento.
(Gn 15.6): "E creu (Abraão) no Senhor, e isso lhe foi imputado para justiça."
No Novo Testamento, tanto Cristo como os seus apóstolos se reportam
Natuueza e Conceito da GzGg:.;
5. As CAUSAS
DAS DIVISOES
DENTRO
DA CRISTANDADE
Desde que todas as religiões não-cristãs são de feitura humana, tendo
origem no empenho do ser humano em adquirir a remissão dos pecados pelas
obras, não estranha que surjam divisões de muitas e diversas formas. Escreve
a Apologia: "E porque obra alguma traz a paz de consciência, novas obras
foram de tempos em tempos excogitadas em aditamento às ordenanças de
Deus (tinham, no entanto, os hipócritas por hábito inventar uma obra após
outra, um sacrifício depois outro, por cega suposição e num desenfreamento
sem pudor, e tudo isto sem a Palavra e mandamento de Deus, de má
consciência, como temos visto no papado)." (Art. 111, 87) A Apologia emprega
essa declaração primeiro para os papistas, porém ela corresponde a todas as
religiões das obras. Justamente porque as obras antigas jamais conseguem
tranqüilizar a consciência culposa, é preciso que se experimentem novas obras
para efetuar a cura da consciência atormentada pelo pecado. Desse modo,
em todas as religiões de feitura humana, há uma multiplicaçáo de "boas obras"
que não acaba mais.
Espera-se, portanto, que, conseqüentemente, haja divisões entre os
adeptos das religiões criadas pelos seres humanos. Um dá preferência a esta e
outro àquela boa obra, de sorte que toda seita pagã tem as suas próprias formas
de culto como seus próprios deuses. Já entre os adeptos da religião da fé, não
há necessidade alguma de divisões, pois essa religião só tem uma fonte de
doutrina, a saber, as Sagradas Escrituras que, por sua divina mensagem de
graça, contentam o coração humano e fazem serenar a consciência humana,
oferecendo gratuita remissão dos pecados a quantos crêem em Cristo. Em
outras Palavras, de posse dessa Palavra de Deus e firmes na fé em Cristo, não
há necessidade de que os cristãos estejam divididos em facções ou partidos.
As Sagradas Escrituras condenam toda divisão com muita severidade.
Requerem de todos os crentes que procurem preservar a unidade do Espírito no
vínculo da paz. CEf. 4.3) .Com muita clareza, Paulo dá a conhecer a razão
dessa exigência ao acreçcifrrtar (w.4-@: "Há somente um corpo e um Espírito,
como tamb6m fostes chamados numa só esperança da vossa vocação; há um
só Senhor, uma sS fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é
sobre todos, -e por ,meio de todos e está em todos." As divisões existentes
em CoI-into de tal modo encheram Paulo de horror, que ele escreveu: '!Acaso
Cristo está dividido<" (1Co 1.13) Todos os crentes em Cristo são igualmente
membros do seu corpo, não havendo, pois, motivo algum para qualquer
possível divisão da Igreja Cristã.
Contudo, exktem divisões desde a primeira proclamação da fé em Cristo,
de sorte que sempre tem havido seitas dentro da Igreja visível. Procurou-se
explicar essas divisões de diferentes maneiras, alegando diversidades climáticas
ou raciais, sob o pretexto de que as pessoas pertencentes às diferentes zonas
são afetadas diferentemente em suas emoções religiosas. Essas afirmações
são inadequadas e, mesmo, falsas. São refutadas pelo simples fato de que os
verdadeiros crentes em Cristo, que realmente guardam a unidade do Espírito
pelo víi~culoda paz, encontram-se espalhados pelo mundo todo, sejam quais
forem as diferenças climáticas ou raciais que existam entre os seres humanos.
Muito pelo contrário! As divisões dentro da cristandade devem ser
atribuídas a razões mais sérias. De acordo com as Sagradas Escrituras, são devidas
a falsos profetas e apóstolos, os quais, em deslealdade para com a pura Palavra
de Deus, disseminam as suas próprias noções perversas em nome da religião
cristã e rejeitam as doutrinas específicas do Cristianismo, sobretudo a doutrina
fundamental do Evangelho de que o ser humano é justificado pela graça por
meio da fé, independentemente das obras da Lei. Semelhantes pseudo-apóstolos
atribularam até as igrejas fundadas por Paulo e seus colaboradores. (Rm 16.17):
"Rogo-vos, irmãos, que noteis bem aqueles que provocam divisões e escândalos
em desacordo com a doutrina que aprendestes; afastai-vos deles." (1 Co 14.37):
"Se alguém se considera profeta ou espiritual, reconheça ser mandamento do
Senhor o que vos escrevo." (C1 1.6-8): "Admira-me que estejais passando tão
depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro Evangelho [..I
Há alguns que vos perturbam e querem perverter o Evangelho de Cristo. Mas,
ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue Evangelho que vá
além do que vos temos pregado, seja 'anátema." (Fp 3.18): "Pois muitos andam
entre nós, dos quais, repetidas vezes, eu yos dizia e, agora, vos digo, até chorando,
que são inimigos da cruz de Cristo." As maliciosas tentativas de semelhantes
pseudo-apóstolos de perverter o Evangelho de Cristo, em especial a doutrina
central do Cristianismo: a salvação unicamente pela graça, mediante a fé na
satisfação vicária do divino Redentor, explicam, de uma vez por todas, a
existência das divisões no seio da cristandade.
A verdade dessa afirmação torna-se manifesta ao examinarmos as
divisões maiores que existem no seio da Igreja Cristã: a divisão romana, a
Natureza e Conceito da Tec.iaj-
humanos. (Zwínglio, Fidei Ratio; Calvino, Inst., IV, 14.17; Hodge, System.
Theol., I1 684; etc.) Foi esse axioma racionalista, empregado consistente e
tenazmente, que motivou a divisão entre a Igreja Luterana e as Seitas
Reformadas. Contra o Romanismo, Lutero teve que defender a verdade de
que a Palavra de Deus não deve ser pervertida pelas idéias racionalistas da
"Igreja". Contra o Zwinglianismo, teve que afirmar a verdade: a Palavra de
Deus não deve ser pervertida pelas idéias racionalistas de alguns teólogos.
A Teologia reformada emprega um princípio racionalista, quando trata
das doutrinas acerca da pessoa de Cristo e da Santa Ceia. Nega, com ênfase,
a presença real do corpo de Cristo na Santa Ceia, sustentando que a presença
de Cristo no sacramento é apenas espiritual, isto é, presença realizada pela fé
do crente. Em outras Palavras, Cristo se acha presente na Santa Comunhão
sempre que o comungante crente estiver unido a ele pela fé. A negação da
presença real de Cristo na Santa Ceia contraria as palavras claras de Cristo na
instituição da Ceia do Senhor: "Tomai, comei; isto é o meu corpo." Baseia-se
unicamente no princípio racionalista de que o corpo de Cristo, realmente
humano, pode ter somente preseqa visível e local (visibilis et localis praesentia).
Não pode estar presente na Santa Ceia, porque está encerrado no céu. Isso
quer dizer que, guiada pela razão humana, a Teologia reformada nega a
presença ilocal do corpo de Cristo ensinada em passagens como Jo 20.19:
"Trancadas as portas [...I veio Jesus, e pôs-se no meio"; (Lc 24.31): "E desapareceu
da presença deles", etc. (àphantos egéneto)
A Bíblia atribui essa presença ilocal da natureza humana de Cristo a
ele, e m razão da união pessoal das duas naturezas e a conseqüente
comunicação dos atributos. Apoiada na razão, a Teologia reformada nega a
comunhão das duas naturezas de Cristo e a comunicação dos atributos.
Declara que "o finito não pode conter o infinito". Desse princípio racionalista
decorre um outro, a saber, que o corpo de Cristo não pode ter presença ilocal
e, por conseguinte, desde a ascensão, mantém-se encerrado no céu. A divisão
entre Zwinglianismo e Luteranismo deve-se atribuir à observância e defesa
desses dois axiomas racionalistas por parte do primeiro. Lutero não pôde (1529)
estender a mão de fraternidade cristã a Zwínglio em Marburgo, porque este
mostrou possuir "outro espírito", a saber, o espírito racionalista, que é
diametralmente oposto à fé cristã.
Por último, a Teologia calvinista nega a universalidade da graça divina
(gratia universalis), ensinando que a graça de Deus é particuiar (gratia
particularis), isto é, não abrange todos os seres humanos, mas somente os
eleitos, enquanto todos os demais estão predestinados para a perdição eterna.
Essa doutrina é contrária às Sagradas Escrituras, que afirmam a universalidade
da graça de Deus do início ao fim. Declaram, ainda, que a condenação do
pecador não é devida a qualquer falta da parte de Deus em providenciar a sua
1 salvação. (Jo 1.29; 3.16; 1 Jo 1.2; 1 T m 2.4-6; etc.) Baseada em que, pois, nega
Natureza e Conceito d'z fi;!:~:.;
ri
influente, pela divulgação de seus erros sinergistas, ocasionou divisões que
fizeram &nos incalculáveis e continuam perturbando a Igreja atualmente.
Finalmente, podemos falar das divisões no Cristianismo que devem
sua origem à moderna "Teologia científica". Essa Teologia racionalista, que
vem desde SchLeiermacher e Ritschl, nega a doutrina cristã de que as Sagradas
Escrituras são a infalível Palavra de Deus e, por isso mesmo, as despreza como
única fonte e norma de doutrina. Conseqüentemente, repudia o único
princípio pelo qual a Igreja Cristã pode conservar sua unidade inerente e
essencial, visto que essa unidade não consiste em fórmulas externas, mas em
concordância doutrinária, que não existirá mais, se as Sagradas Escrituras
forem rejeitadas como única norma de fé, doutrina e vida.
A Teologia moderna sugere a "experiência cristã", a "consciência cristã",
O "regenerado eu", e outros comportamentos como normas de fé. Todas essas
"normas", em última análise, coincidem com a razão carnal que, por sua própria
natureza, está em oposição à verdade divina. Isso fica comprovado pelos
resultados que se verificam onde quer que se tenham adotado as "normas"
anteriormente mencionadas. Vê-se, pois, que a Teologia racionalista moderna
nega unanimemente a doutrina cardinal da justificação pela graça, mediante
a fé. Ensina, porem, a doutnna pagã da salvação pela justiça das obras. Nega,
também, a doutrina cristã fundamental da inspiração divina das Sagradas
Escrituras e, conseqüentemente, a sua inerrância. Dessa maneira, rejeita dois
artigos distintivos da fé cristã, promove divisões e causa escândalos contrários
aos ensinamentos de Cristo e dos apóstolos. A Igreja Cristã exige que a Teologia
moderna acabe com sua oposição às Sagradas Escrituras, pois elas são a única
fonte e norma de fé e à satisfação vicária de Cristo como único meio para
justificação do ímpio. É o que o mesmo Cristo exige. (Jo 8.31,32; 1 Pe 4.11)
Está, pois, claro este ponto: As divisões no Cristianismo devem sua
origem ao total afastamento das Escrituras Sagradas e dos seus ensinamentos
divinos. Onde quer que elas existam, serão atribuídas à perversão e rejeição
da verdade divina, e é necessário que sejam condenadas como obra viciosa de
Satanás e dos seus profetas.
A própria Igreja Luterana confessional tem sido chamada uma "seita"
dentro da cristandade por escritores aluteranos. Essa acusação é muito injusta
e deve-se a uma interpretação errônea da Reforma. A Reforma Luterana não
foi um empreendimento que visasse à fundação de uma nova seita ou divisão
dentro do Cristianismo, mas à restauração da Igreja corrompida em busca da
primitiva pureza apostólica na doutrina e na prática. Logo, a Igreja Luterana
confessional é a primitiva Igreja de Cristo e dos seus apóstolos, expurgada
das corrupções dos erros papistas e restaurada no fundamento das Escrituras
Sagradas. Seu caráter é verdadeiramente ecumênico; porquanto as suas
doutrinas não são opiniões próprias, diferentes das opiniões e dogmas da Igreja
Natureza e C~ncertoda Tezicg:,;
6; O -
O RELIGLÃO
( ~ E ~ ~ A N I S MA ABSOLUTA
A religião cristã é a religião absoluta, visto ser perfeita e não necessita,
nem 6 passível de melhoramento ou desdobramento (ErHnzung). É dada por
DRUS(IJleÓsdotos) e é precisamente como Deus a quer, para que possa cumprir
sua beneficente finalidade de salvar os pecadores. Atribuindo perfeição à religião
cristã e um modo de ser absoluto, nem por isso queremos dizer que seja
considerada, à luz do entendimento humano, "um todo logicamente perfeito"
(ein logisch vollkommente Ganzes) ou um sistema logicamente completo e
perfeito, em que n50 faltem elos na cadeia de raciocínio. O conhecimento do
cristão, diz o apóstolo, e nisso inclui o seu próprio, não deixa de ser
fragmentário. (1Co 13.12):"Agora conheço em parte." O que o cristão conhece
da sabedoria divina através da revelação constituiu apenas parte do
inescrutável conhecimento de Deus.
A religião cristã, por outra, não é perfeita ou absoluta no sentido de que
constitua o sistema de moral por excelência (die vollkommente Moral), embora
isso, naturalmente, seja verdade. A Teologia moral das Sagradas Escrituras é,
Dogmática Cristá
7. A RELIGIÁOE A TEOLOGIA
CRISTAS
Há teólogos que sugerem a seguinte distinção entre religião cristã e
Teologia cristã: eles dizem que, no seu sentido subjetivo, a religião cristã é o
conhecimento de Deus que todo cristão possui, enquanto a Teologia cristã,
no seu sentido subjetivo, é o conhecimento de Deus que os mestres oficiais
da Igreja têm. Bem entendido, pode-se aceitar essa definição; pois enquanto
ensinam que todos os crentes têm o conhecimento de Deus, as Sagradas
Escrituras dão ênfase ao fato de que os mestres oficiais da Igreja devem possuir
essa sabedoria em grau mais elevado. (Jo 6.45; 1 Co 12.29; 1 T m 3.2; 2 T m
2.1) Nessas passagens, ensina-se que, embora os cristãos sejam "todos
ensinados por Deus", nem por isso são "todos mestres", e que os bispos ou
ministros devem ser "aptos para ensinar". Convém, portanto, que se Ihes
confiem as doutrinas da Palavra de Deus de tal modo que sejam "também
idôneos para instruir os outros". Apesar disso, deve-se sustentar que não há
diferença essencial entre a religião e a Teologia. Ambas têm o mesmo princípio
(principium cognoscendi), ou fonte, a saber, as Sagradas Escrituras; ambas são
recebidas de um mesmo modo, a saber, pela fé na Palavra de Deus. (Jo 8.31,32):
"Se vós permanecerdes na minha Palavra, sereis verdadeiramente meus
discípulos; e conhecereis a verdade."
Sustentamos, pois, que tanto o conhecimento religioso como o teológico
são, fundamentalmente, um e o mesmo, que se adquire pelo mesmo método,
a saber, com fé estudando a Palavra de Deus e meditando nela com preces.
Dogmátrca Cristã
Tudo que não se tome das Sagradas Escrituras ou que vá além delas, não é
religião nem Teologia, mas especulação humana. Quod non est biblicum, non
est theologicum. É preciso manter essa verdade contra os teólogos racionalistas,
os quais afirmam que a Teologia cristã é qualquer coisa fundamentalmente
diversa da religião cristã, que vai além dela, e, em particular, que o teólogo
cristão compreende os mistérios da fé intelectualmente, ao passo que o cristão
comum simplesmente os aceita pela fé. Semelhantes idéias são desastrosas,
quer para a religião, quer para a Teologia. Isso não precisa ser demonstrado.
Com efeito, a Teologia cristã não é sistema de filosofia especulativo cuja
substância fica em torno da compreensão intelectual do ser humano; mas é
"a sabedoria de Deus em mistério". (1 Co 2.7) ( O sentido da sentença de
Paulo é óbvio: "Em falando a sabedoria de Deus, proclamamos um mistério.")
Por isso mesmo, a fé na Palavra de Deus que há num menino não é menos
essencial para o teólogo cristão do que para o fiel cristão comum. O teólogo
só é teólogo cristão, quando crê implicitamente em Cristo e aceita
incondicionalmente a sua Palavra.
9. A TEOLOGIA
CONSIDERADA
COMOCAPACIDADE
Como capacidade ou habilidade, a Teologia vem descrita em todas as
passagens da Escritura que traçam o caráter e requisitos do verdadeiro ministro
cristão, o qual, na acepção das Sagradas Escrituras, é o teólogo verdadeiro, dispondo
de capacidade (hikanótees, suficiência) para exercer as funções do ministério pelos
moldes designados por Deus. Logo, com fundamento nas Sagradas Escrituras,
podemos definir a capacidade teológica da maneira que segue:
a. A capacidade teológica é uma capacidade espiritual (habitus spiritualis,
supernaturalis), isto é, uma habilidadeimplantada na alma pelo - v
(Apologia, 111, 212) As divisões no seio da Igreja não agradam a Deus e não é
por vontade dele que existem, porém são o justo castigo de Deus àqueles que
não amam a verdade. (2 Ts 2.10-12): "[ ...I não acolheram o amor da verdade
para serem salvos. É por este motivo, pois, que Deus lhes manda a operação
do erro; para darem crédito à mentira; a fim de serem julgados todos quantos
não deram crédito à verdade, antes, pelo contrário, deleitaram-se com a
injustiça."
e. Por último, a capacidade teológica abrange a habilidade para sofrer
por causa de Cristo e da sua Palavra. 2 T m 2.3; "Participa dos meus
sofrimentos como bom soldado de Cristo Jesus"(v.9): "[ ..I pelo qual
estou sofrendo até algemas, como malfeitor; contudo, a Palavra de
Deus não está algemada." O sofrimento dos cristãos em geral, e em
particular dos ministros cristãos, é produzido pelo ódio e desprezo
do mundo à Palavra de Deus. (1 Co 1.23): "Pregamos a Cristo
crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios." O
resultado do antagonismo do mundo para com o Evangelho de Cristo
vem descrito por nosso Salvador do seguinte modo: "Sereis odiados
de todas as nações, por causa do meu nome." (Mt 24.9) A má vontade
de sofrer por causa do Evangelho conduz a compromissos com erro,
à negação da verdade e, no final, à apostasia da graça divina. (2 T m
2.12): "Se perseveramos, também com ele reinaremos ; se o negamos,
ele, por sua vez, nos negará." A menos que o cristão e, acima de
tudo, o teólogo cristão esteja disposto a renunciar o sossego e a
amizade, por causa de Cristo, a sujeitar-se à perda de honra e
propriedade e, mesmo, a entregar sua vida por causa da verdade
divina, ele, de outro modo, não estará em condições de servir ao seu
Mestre como dele se requer.
A capacidade teológica (habitus practicus theósdotos) é, pois, a habilidade
concedida por Deus para ensinar a sua Palavra pura e inadulterada, para
anunciar todo o conselho de Deus para a salvação, para oferecer oposição à
doutrina errônea e refutá-la e para, por causa de Cristo, sofrer todas as
conseqüências que a proclamação da Palavra de Deus acarreta.
10. A TEOLOGIA
CONSIDERADA
COMODOUTRINA
Assim como em sentido subjetivo, a Teologia é a capacidade ou habilidade
para ensinar a Palavra de Deus como exposta nas Sagradas Escrituras em toda a
sua verdade e pureza, assim em sentido objetivo, ou considerada como doutrina,
a Teologia cristã é nada mais nada menos do que a apresentação verdadeira e
pura da doutrina das Sagradas Escrituras. (1 Pe 4.11): "Se alguém fala, fale de
acordo com os oráculos de Deus." ( T t 2.7-10) "No ensino, mostra
integridade, reverência, linguagem sadia e irrepreensível, [...I dêem prova de
Natureza e Conceito da Teologia
não basta para salvar os pecadores, por não incluir o Evangelho da graça de
Deus em Cristo Jesus. Por essa razão, a única Teologia ectípica que pode
constituir a fonte da religião cristã é a das Sagradas Escrituras, a Palavra de
Deus escrita. Tudo quanto excede e contraria as Sagradas Escrituras não
corresponde à Teologia arcetípica, e as Escrituras condenam como palavreado
vão (mataiologia). (1 T m 1.6): "Desviando-se algumas pessoas destas coisas,
perderam-se em loquacidade frívola. "
A suprema verdade de que toda doutrina ensinada na Igreja deve ser a
das Escrituras, tem merecido quase que a repulsa universal por parte dos
teólogos racionalistas modernos. A atual "Teologia científica" já não reconhece
a Bíblia como única fonte e norma de fé cristã. Muito pelo contrário, considera
a identificação da Teologia cristã com a doutrina das Escrituras "anormalidade"
e "restauração de um ponto de vista teológico já superado". Nitzsch-Stephan
escreve: "Já ninguém baseia a sua dogmática, segundo os moldes do velho
protestantismo, na norma normans" (Bíblia). (cf. Pieper, Christl. Dogmatik, I,
65) Em lugar das Sagradas Escrituras, a moderna Teologia racionalista aceita
os ditames da razão humana, mais ou menos disfarçados sob as expressões
"consciência cristã", "experiência cristã", "auto-segurança cristã" etc., por
norma e padrão de fé, ao passo que denuncia a verdadeira lealdade para com
a Palavra de Deus como "biblicismo", "intelectualismo", etc., que só poderá
produzir "mero cristianismo intelectual", "ortodoxia morta, sem alma", e coisas
do mesmo gênero.
Entretanto, pelo requerer para si mesma estas normas antiescriturísticas,
a Teologia racionalista moderna apenas se ilude, como Ctemonstrará um ligeiro
exame da questão. Assim, por exemplo, de modo algum a experiência cristã
serve de fonte ou norma de fé, porque jamais precede às Sagradas Escrituras,
mas depende e vem depois da aceitação dessas. Isto quer dizer que só quem
crê a Palavra de Deus, como exposta na Bíblia, experimenta, no seu coração,
tanto o terror da culpa como o conforto da graça. Alguém, estudando e
aceitando a Lei divina, convence-se de que é pecador; estudando e aceitando
o Evangelho, convence-se de que, mediante a fé em Cristo, o pecado lhe é
perdoado. Em suma, não há verdadeira experiência cristã do pecado e da graça
sem os meios da graça, ou a Palavra de Deus. Essa é a verdadeira razão de ser
da ordem expressa de Cristo que, em seu nome, se pregasse o arrependimento
e a remissão dos pecados a todas as nações. (Lc 24.47; At 26.20)
Dessa maneira, é só mediante a pregação e aceitação da Palavra de Deus
que a experiência cristã se processa; ou então, digamos, a Palavra de Deus
constitui o único meio pelo qual o Espírito Santo opera a experiência cristã
do arrependimento e da fé. (Rm 7.7; 1.16,17) Por outro lado, onde não se
prega a Palavra de Deus, não há experiência cristã. Os mesmos propugnadores
da experiência cristã como norma da fé fornecem prova dessa verdade.
SchLeiermacher, por exemplo, que insistiu na experiência cristã como norma
Dogmática Cristã
racionalista exige para si outras normas que não a Palavra de Deus pela simples
razão de que é racionalista e não cristã. O verdadeiro filho de Deus diz com
Samuel ao Senhor; "Fala, porque o teu servo ouve." (1 Sm 3.10) Só mesmo a
cega incredulidade e a rebelião perversa contra Deus se arvoram em juízes da
sua Palavra, mediante o estabelecimento de normas de fé que estão em
oposição à verdade divina revelada.
A Teologia racionalista moderna gloria-se do verdadeiro valor que dá ao
"caráter histórico" da religião cristã. A Teologia ortodoxa, porém, jamais tem
negado tal "caráter histórico". A historicidade do Cristianismo sempre tem
sido afirmada pelos fiéis, em virtude da sua fé sólida nas Escrituras Sagradas.
Na verdade, é justamente por causa da sua fé no "caráter histórico" da religião
cristã que se opõem a tudo quanto são normas contraditórias à Bíblia. Apenas
da Bíblia se aprenderá o "Cristianismo histórico", e de nenhuma outra fonte.
A tradicãò não o revelará, nem ainda terá ele a sua origem
- na razão humana.
Somente o que Cristo e os seus santos apóstolos nos transmitem da religião
cristã constitui o "Cristianismo histórico". O "Cristo histórico" que os teólogos
racionalistas pretendem construir e o "Cristianismo histórico" que eles desejam
erigir fora da Bíblia são, igualmente, falsos e destituídos de qualquer
fundamento histórico, por serem ficções de cérebros sem fé. Para obtermos a
verdadeira "religião cristã histórica", só podemos contar com a Bíblia. (Mt
28.19,20; JO 8.31,32; 17.20; Ef 2.20)
Resumindo, a Teologia racionalista é produto da incredulidade e, como tal,
intrinsecamente falsa, írnpia e antiescriturística. Nosso Senhor costumava declarar
invariavelmente: "Está escrito!" 0 s teólogos racionalistas relegam
desdenhosamente esta fórmula, dando-lhe como substituto a própria opinião
subjetiva: "Creio" ou "penso que". Dessa maneira, ensinam a própria Palavra,
não a de Deus. A Teologia racionalista poderá sanar-se de sua radicada falsidade
apenas pelo retorno às verdades bíblicas e adotando o princípio fundamental de
Lutero: "É vã toda confiança que não se fundamenta na Palavra de Deus. Apenas
por meio da sua Palavra, Deus quis informar-nos da sua vontade, dos seus
conselhos, não por nossos conceitos e imaginações." (S. L., XI, 70; 111, 1417)
11. DIVISOES
DA TEOLOGIA
CONSIDERADA
COMODOUTRINA
Tomada objetivamente, a Teologia é doutrina cristã, ou doutrina da
Bíblia, inspirada em todas as suas partes, de sorte que, em toda a Bíblia, não
há u m único ensino que não seja divinamente aprovado e proveitoso para a
Dogmática Cristã
maneira que segue: ",O Evangelho é propriamente uma tal doutrina que ensina
ser humano, que não cumpriu a Lei e por ela é condena&,
a saber: que a todos os pecados Cristo expiou e pagou e, sem nenhum mérito
da sua parte, para ele obteve e adquiriu o perdão dos pecados, a justiça de
Deus e vida'eterna." (Epítome,V, 2.4) Essa; definições estão de acbrdo-com
,as Escrituras e mostram claramente a diferenCa fundamental entre a L e i s
Evangelho. O quanto essa diferença é essencial, torna-se evidente do fato de
que as Sa~radasEscrituras, expressamente, excluem a Lei do terreno da
salvação. E sua declaração formal: "Pela graça sois salvos. [...I Não vem de
obras." (Ef 2.8,9) "Visto que ninguém será justificado diante dele por obras
da Lei." (Rrn 3.20) "Concluímos, pois, que o ser humano é justificado pela fé,
independentemente das obras da Lei." (v.28)
É preciso que o teólogo cristão observe conscientemente essa distinção
entre a Lei e o Evangelho, que vem tão claramente ensinada nas Escrituras,
não enfraquecendo a força condenatória da Lei, nem diminuindo o conforto
salvador do Evangelho. É preciso que declare sem restrição toda a culpa e
condenação do pecado que a Lei revela. (Ez 3.18): "Quando eu disser ao
perverso: Certamente, morrerás, e tu não o avisares e nada disseres para o
advertir do seu mau caminho, para lhe salvar a vida, esse perverso morrerá na
sua iniqüidade, mas o seu sangue da tua mão o requererei." Da mesma forma,
o teólogo cristão proclamará, também, inteiramente e sem nenhuma restrição,
Natureza e Conceito da Eologia
nas próprias boas obras e, desse modó, excluem-se da graça divina obtida
,Feia morte substituinte de Cristo. (G1 5.4) O mesmo se diz de quantos
se afastam da doutrina escriturística da justificação pela graça, mediante
a fé, e repelem o sola gratia e o sola fide. O semipelagiano, o arminianismo
e o sinergismo, por persistirem nesse erro, acham-se extra ecclesiam, da
mesma forma que os unitários e modernistas. Vem muito a propósito a
advertência da Apologia: "A maior parte desses erros que nossos
. adversários defendem, põe por terra a fé, como sucede c 0 4 a sua
condenação do artigo referznte à remissão dos pecados, no qual dizemm
que o perdão dos pecados se recebe mediante a fé. Igualmente é erro
manifesto e pernicioso ensinar-se que os seres humanos mereçam a
remissão dos pecados em virtude do amor de Deus anterior à graça.
Trocam Cristo pelas próprias obras, preceitos, missas, precisamente como
os judeus, gentios e turcos pretendem salvar-se por suas obras." (Art.
IV, 22) Se nessas igrejas que ensinam a doutrina pagã da justiça pelas
obras há pessoas que ainda permanecem cristãs, isso se deve à
incompreensível graça de Deus. Lembra-nos, também, a Apologia: "Por
isso, muito embora papas ou alguns teólogos e monges na Igreja nos
houvessem ensinado a procurar a remissão dos pecados, graça e justiça
mediante as nossas próprias obras e inventar novas formas de culto
que vieram obscurecer o ofício de Cristo, e fizeram de Cristo, não u m
propiciador e justificador, mas u m legislador apenas, contudo o
conhecimento de Cristo tem sempre continuado com algumas pessoas
piedosas." (Art. 111, 271)
11.2.4- A doutrina da Palavra de Dgus. A Palavra de Deus, isto é, a Palavra
externa do santo Evangelho, que Cristo mandou seus santos apóstolos
pregarem e ensinarem a todas as nações (Mt 28.19,20; Mc 16.15,16) e
que nas Sagradas Escrituras está exposta, tanto é o objeto --- como
- .-- -o meio
- A-
1 1.3 - DOUTRINAS
FUNDAMENTAIS PRIMÁRIASE SECUNDÁRIAS
As doutrinas fundamentais da religião cristã podem ser divididas em
fundamentais primárias e secundárias. Essa distinção não é apenas escriturística,
mas também prática e útil, porque auxilia o teólogo a discriminar corretamente
as doutrinas fundamentais entre si. Como já aprendemos, as doutrinas
fundamentais são as que constituem o fundamento da fé cristã; todavia, nem
todas as doutrinas fundamentais formam este fundamento de modo igual.
Hollaz observa corretamente: "É necessário que se conheçam todos os artigos
fundamentais da fé, porém os graus dessa necessidade são diferentes." (Doctr.
Theol., p.99) Os artigos ftlndamentais primários são de tão absoluta importância
que, se rejeitados, nenhum fundamento resta sobre o qual se firme a fé
salvadora. Todas as doutrinas sob a epígrafe "Artigos Fundamentais da Fé" se
classificam como artigos fundamentais primários; pois, se forem postas de lado,
o Cristianismo não subsistirá.
As doutrinas fundamentais secundárias, por outro lado, mesmo que
sirvam de fundamento da fé, não o fazem de modo principal e absoluto.
Exemplos de doutrinas fundamentais secundárias são as do Santo Batismo e
da Santa Ceia. Ambos esses sacramentos, instituídos por Cristo, nos foram
dados para fundamento da fé ao lado do Evangelho. A mesma graça e perdão
oferecidos e transmitidos pela Palavra de Deus, também se nos oferecem e
transmitem por eles. (At 2.38): 'Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado
em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados." (Mt 26.28; Lc
22.19s~):"Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, derramado em favor de
muitos, para remissão de pecados." Nesse gracioso oferecimento de perdão,
selado por Cristo nos sacramentos, firma-se a fé cristã, do mesmo modo e
num mesmo grau como ocorre no oferecimento de perdão de nosso Senhor
na Palavra. Por essa razão é que as doutrinas do Santo Batismo e da Santa
Comunhão são fundamentais; são o fundamento da fé cristã. Não obstante,
pode uma pessoa ignorar essas doutrinas, ou mesmo errar com respeito a elas
e, contudo, salvar-se contanto que se prenda à promessa de perdão oferecida
no Evangelho. A razão disso é manifestada. O inteiro perdão que Cristo
Dogmática Cristã
1 1.4 - DOUTRINAS
NÁo-FUNDAMENTAIS
São doutrinas não-fundamentais das Sagradas Escrituras as que não
constituem fundamento da fé, visto não oferecerem nem transmitirem o
perdão dos pecados aos pecadores, para fazer filhos de Deus pela fé em Cristo.
Natureza e Corzceits ii,z fi2,i:s:.;
Não formam o fundamento da fé salvadora, mas fortalecem a fé já existente.
Hollaz descreve as doutrinas não-fundamentais como "partes da doutrina
cristã que uma pessoa pode ignorar ou omitir e, ainda assim, ser salva". (Doctr.
Theol., p.92) Exemplificando, citamos as que versam sobre os anjos, o
anticristo, etc. Como vemos, essas doutrinas não criam a fé salvadora em
Cristo, mas foram dadas para conforto e advertência aos que já crêem em
Cristo. Isso não significa que as doutrinas não-fundamentais sejam inúteis;
em muitos casos, sua importância é realmente muito grande e, assim, não
podem ser dispensadas. A doutrina relativa aos anjos glorifica a divina graça e
robustece nossa fé na misericordiosa providência de Deus. Quer quantitativa,
quer qualitativamente, essa doutrina constitui parte valiosa da Teologia cristã.
O teólogo cristão nunca deve omitir esse fato. Por sua vez, a doutrina relativa
ao anticristo instrui a respeito da maior fraude jamais praticada dentro da
cristandade e previne sobre ela. A Teologia evangélica sofreria perda muito
séria, se eliminasse essa doutrina. Conseqüentemente, as doutrinas não-
fundamentais também são necessárias e devem ser apregoadas com a devida
seriedade e ênfase. (2 T m 3.16): "Toda Escritura é inspirada por Deus e útil
para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça."
Apesar disso, as doutrinas não-fundamentais não são, propriamente, o objeto
da fé salvadora, porquanto a fé confia na graciosa promessa evangélica do
perdão mediante a fé na redenção de Jesus Cristo. Apenas nesse sentido não
são fundamentais. Alguém que as declare não-fundamentais no sentido de
que possam ser dispensadas, nega tanto a autoridade divina como a perfeição
da Escritura Sagrada e conseqüentemente, uma doutrina fundamental. Cabe
notar aqui a advertência de Baier a respeito desse assunto. Escreve ele: 'Ao
mesmo tempo (admitindo nós a existência de doutrinas não-fundamentais),
devemos agir com cautela, a fim de não acontecer que, abraçando ou
professando o erro, pequemos temerariamente contra a revelação divina e o
próprio Deus. Especialmente, não aconteça que, por persuasão de outros,
mesmo contra a consciência, se sustente ensinamento pelo qual o
fundamento e a verdade de um ou mais dos artigos fundamentais da fé sejam
subvertidos. Porque, dessa maneira, como por pecado mortal, a fé e o Espírito
Santo podem ser completamente afastados, como de fato são." (Doctr. Theol.,
p.97) Essa advertência aplica-se, também, aos fatos e afirmações históricos e
arqueológicos contidos nas Sagradas Escrituras. Embora não sejam
fundamentais, repudiamos maldosamente a autoridade divina das Sagradas
Escrituras, se tivermos a ousadia de negar que são absolutamente verdadeiros,
porque Escritura que erra não tem autoridade. De modo algum uma Bíblia
que erra pode merecer crédito; pois, sendo errônea em questões não-
fundamentais, como poderá ser verdadeira nos seus ensinos fundamentais<
Se não nos podemos fiar nela quando ensina verdades terrenas, como podemos
fazê-lo quando fala de assuntos celestiaisc Quando o teólogo cristão reconhece
a existência de doutrinas não-fundamentais na Bíblia, ele crê e declara que
Dogmática Cristã
13. A FINALIDADE
DA TEOLOGIA
CRISTÁ
No desempenho de suas funções sagradas, o teólogo cristão deve ter
em mente, em todas as ocasiões, o verdadeiro objetivo de sua atividade
teológica. A finalidade da Teologia cristã, no que concerne à humanidade
perdida e entregue à morte, não consiste em difusão de cultura, nem no
estabelecimento de justiça civil sobre a face da terra, nem na satisfação de
ambição intelectual da mente humana, nem no enriquecimento do saber
humano, porém na salvação eterna (sooteeria/ salus aeterna) dos pecadores.
Sua Finalidade não é acadêmica ou especulativa, mas intensiva e absolutamente
prática. Consiste em conduzir almas perdidas a Cristo e, por meio dele, à
comunhão com o verdadeiro Deus, aqui n o tempo presente de modo
incipiente e, de modo perfeito, para o futuro na eternidade. As Sagradas
Escrituras estabelecem essa sublime finalidade da Teologia cristã claramente
em termos inquestionáveis. (1 T m 4.16): "Tem cuidado de ti mesmo e da
doutrina [...I; porque, fazendo assim, salvarás tanto a ti mesmo como aos
teus ouvintes." (Mc 16.15,ló): "Pregai o Evangelho [...I Quem crer [...I será
salvo." Se a Teologia racionalista moderna repudia a salvação eterna como
finalidade preeminente da Teologia cristã, é porque esse abominável tipo de
Teologia não é bíblico, mas carnal; porque não é a Teologia divina do Evangelho
de Cristo, porém a Teologia de um Evangelho social de feitura humana. O
teólogo luterano Meisner diz bem claramente: "Aquele que nem sempre age
com esta finalidade (a salvação do ser humano) e não tem em mira em todo o seu
Dogmática Cristá
pelo seu coração natural. Faça uso exclusivo da Palavra de Deus, poderosa e
viva, por obra da qual os pecadores são transformados em filhos de Deus,
dirigidos e mantidos na salvação apenas pela fé. Na Igreja Cristã, bem como
em toda a sua atividade, só a Palavra de Deus deve mandar. É o único meio da
graça eficaz, porque só ela foi prescrita por Cristo como tal. Lutero diz com
muita propriedade: "Os cristãos por nenhum outro meio serão governados,
senão somente pela Palavra de Deus. Porquanto cristãos são governados dentro
da fé, não com meios exteriores. A fé, porém, não virá por nenhuma Palavra
de seres humanos, mas unicamente pela Palavra de Deus, como diz Paulo,
(Rm 10.17): "A fé vem pelo ouvir, e o ouvir pela Palavra de Cristo." (S. L., X,
406). Fie-se, pois, o teólogo luterano somente na Palavra de Deus para feliz
execução da obra do santo ministério, por somente ela ser o fundamento
imperecível da santa Igreja de Cristo. (cf. 1 Co 3.10-14)
15. TEOLOGIA
E CIÊNCIA
Não foram poucos os debates que a pergunta se ficaria bem aplicar-se à
Teologia o termo ciência suscitou entre os teólogos. Alguns responderam com
grande veemência pela afirmativa; outros, com igual veemência, pela negativa.
A pergunta não é de difícil resposta, contanto que o termo ciência se empregue
e entenda exatamente no mesmo sentido. E óbvio que o termo ciência, tomado
em seu sentido comum, não pode ser empregado para designação da Teologia
cristã. Esta não é nenhuma ciência na mesma acepção em que, por exemplo, o
são a geologia, psicologia, biologia, etc. Não só difere dessas ciências na matéria
que tem por objeto, como também na fonte, método e finalidade. Sua matéria-
objeto é a verdade divina registrada na Bíblia; por fonte, a Santa Bíblia; por
método (medium cognoscendi), a fé; por finalidade, a salvação dos pecadores.
Logo, a Teologia cristã nada tem a ver com a sabedoria de seres humanos, que
se obtém 2 força de estudo, meditação e pesquisa, como fazem as ciências
comuns estabelecidas por filósofos e cientistas. O teólogo cristão adquire a sua
sabedoria diretamente da Bíblia, cujas verdades ele aceita pela fé. A mensagem
da satisfação vicária de Cristo forma o coração da Teologia cristã, que foi revelada
aos seres humanos; porque o ser humano não poderia saber dela nem descobri-
la por natureza. (1 Co 2.6-10) Por natureza, o ser humano conhece apenas a
Lei divina, que Deus lhe escreveu no coração (Rrn 1.18s~;2.14,15). O ser humano
possui conhecimento natural de Deus, e esse conhecimento inato de coisas
divinas pode ser alargado pela razão e experiência; pode, por meio de meditação
e estudo, ser ampliado tanto intensiva como extensivamente. Já o Evangelho
da redenção de Cristo não está situado dentro dos limites do conhecimento
natural do ser humano decaído. É um "mistério", cuja graciosa revelação se
deve inteiramente a Deus e o qual só se conhece pela fé na Escritura Sagrada.
De tudo isso fica mais do que claro que a Teologia cristã não se pode chamar
ciência no sentido usual do termo.
Natureza e Corzceitc kk9-i
16. TEOLOGIA
E CONVICÇAO
Especificamos, no capítulo precedente, a evidência de que é preciso o
teólogo cristão estar pessoalmente convencido da verdade que ensina. Tanto
no campo conservador como no liberal, discute-se com muito entusiasmo a
pergunta: como obter essa convicção subjetiva< (erkenntnis-theoretische
Frage). É muito comum julgá-lo u m problema que envolve dificuldades muito
sérias. Essas dificuldades, no entanto, apenas surgem se o teólogo renuncia a
verdade objetiva das Escrituras. Enquanto aceitar a Escritura como única fonte
e norma de fé, o problema será realmente muito simples. Nosso Senhor ensina
estas duas coisas: que existe a convicção pessoal cristã e que a mesma se
obtém mediante a fé na sua Palavra. (Jo 8.31,32): "Se vós permanecerdes na
minha Palavra, [...I conhecereis a verdade." Essa fé que, em si mesma, é
convicção perfeita, é despertada pelo Espírito Santo. (1 Co 2.5): "Para que a
vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana e sim no poder de Deus."
Lutero diz bem: "O ser humano está passivamente certo, bem como a Palavra
de Deus o está ativamente." (Homo est certus passive, sicut Verbum Dei est
certum active.) O que, segundo exposição do mesmo Lutero, significa: "Onde
esta Palavra (a Palavra de Deus) penetra o coração com verdadeira fé, ela torna
o coração semelhante a ela, firme, certo e seguro, de modo a se tornar o
mesmo por tal forma ereto e rijo frente a toda sorte de tentação, ao diabo e à
morte e ao que mais houver, que ousada e sobranceiramente faz pouco e
zomba de tudo que alimenta dúvidas, hesita e é mau e iracundo, porque sabe
que lhe não mentirá a Palavra de Deus." (S. L., 111, 1887) Essa afirmação é
verdadeiramente escriturística. A convicção pessoal e subjetiva se obtém por
meio da Palavra de Deus, segundo testemunho das Escrituras. Por outro lado,
toda e qualquer convicção subjetiva que não emane da Palavra de Deus
mediante a fé é de própria autoria e, por conseguinte, nada senão ignorância
e auto-ilusão. (1 T m 6.3,4)
Essa é a réplica do teólogo cristão 2 falsa alegação da Teologia racionalista,
a qual afirma que a verdadeira convicção pessoal ou subjetiva é autoconvicção"
(Selbstgewiszheit), ou convicção que o teólogo deve ao seu próprio "eu"
regenerado. Esse erro, proposto primeiro por SchLeiermacher, tem sido adotado
de modo geral, mesmo por alguns teólogos da ala positiva. Esse modo de ver
repudia as Escrituras como única fonte e norma de fé. Dessa maneira, os seus
defensores contam com a própria "consciência cristã" ou "experiência cristã"
como norma de sua fé. Adequadamente, a sua "Teologia cristã" não é
construída apenas sobre as Sagradas Escrituras, mas sobre o "coração
regenerado" ou o próprio "eu santificado"; e é disso que pretendem derivar a
convicção pessoal que têm acerca da verdade divina. Todavia, é preciso que
se rejeite toda convicção que se obtenha por esse processo como falsa, uma
vez que não é, nem cristã, nem científica, nem de forma alguma, convicção.
Não é cristã, porque se desvia do fundamento cristão da fé; tampouco é
Natureza e Conceitg d'7 7Pc'í;s:;
17. TEOLOGIA
E PROGRESSÁODOUTRINARIA
A Teologia racionalista de ambas as alas, a conservadora e a liberal, requer
uma progressão teológica, ou desdobramento doutrinário, que corresponderá
aos avançados e sempre progressivos usos religiosos da época (Lehrfortbildtrng).
Alega não se poder estagnar a Teologia cristã, mas que se tem de ajustá-la às
opiniões do momento em constante mutação. É tão insistente, com respeito
a esse assunto, que condena todos os teólogos cristãos que se opõem ao
desdobramento doutrinário, como infiéis no seu alto encargo. Nos círculos
do racionalismo moderno, os teólogos fiéis que se agarram à Escritura Sagrada
como única norma de fé, são tachados de "teólogos retrógrados",
(Repristinationstheologen) expressão que contém censura e desdém.
Entretanto, é coisa decidida que uma progressão teológica ou um
desdobramento doutrinário é impossível e deve ser condenado como apostasia
da fé cristã. A razão disso é evidente. De acordo com a Bíblia, a Teologia cristã
constitui um conjunto, que é ,em si mesmo, completo e perfeito e, portanto,
incapaz tanto de acréscimo como de diminuição. (Mt 28.20): "[ ...I ensinando-
os a guardar todas as cousas que vos tenho ordenado." (2 Ts 2.15): "[ ...]
permanecei firmes e guardai as tradições (doutrinas) que vos foram ensinadas".
(Ap 22.18): "Se alguém Ihes fizer qualquer acréscimo, Deus lhe acrescentará
os flagelos escritos neste livro." A Teologia cristã, de acordo com os claros
ensinamentos das Escrituras Sagradas, é, por conseguinte, um corpo fixo
Dogmática Cristã
de verdades divinas que nunca se devem alterar nem aumentar por meio de
acréscimos humanos, tampouco diminuir por omissões de espécie alguma. O
teólogo deve reconhecer e proclamar "todo o desígnio de Deus". (cf. At
20.20,21,27): "[ ..I jamais deixando de vos anunciar coisa alguma proveitosa
e de vo-la ensinar publicamente e também de casa em casa, testificando,
tanto a judeus como a gregos, o arrependimento para com Deus e a fé em
nosso Senhor Jesus. Porque jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de
Deus." Somando-se a isso, as Escrituras afirmam, com bastante vigor, que a
Igreja de Cristo está edificada "sobre o fundamento dos apóstolos e profetas,
sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular". (Ef 2.20) O "fundamento
dos apóstolos e profetas" é a doutrina fixa que esses seres humanos de Deus
escreveram na Bíblia por inspiração do Espírito Santo. Assim também, nosso
Senhor declara que somos salvos através da Palavra dos apóstolos. (Jo 17.20)
Além disso, a Palavra de Deus adverte, de maneira mais irnpressiva, todos os
cristãos contra todos os que erram nisso, pervertendo a Palavra fixa e definida,
quer por acréscimo, quer por diminuição. (At 20.29): "[...I depois da minha
partida, entre vós penetrarão lobos vorazes, que não pouparão o rebanho." (1
T m 4.1): "[ ...I nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, por obedecerem
a espíritos enganadores e a ensinos de demônios." Logo, Cristo e seus apóstolos
declaram que a doutrina cristã é um corpo perfeito de verdades inspiradas
que se devem manter puras. Fica, portanto, excluída toda possibilidade de
progressão ou desdobramento doutrinal. A evolução doutrinária é tão absurda
e tão contrária à Escritura Sagrada como é nos domínios da natureza ou
criação. De modo positivo, as Sagradas Escrituras afirmam que o mesmo Deus
que fez o ser humano, também lhe deu a doutrina divina pela qual deve
salvar-se. O ser humano não tem jurisdição sobre essa doutrina divina. Ela é
o santuário de Deus, que o ser humano não deve profanar mediante
acrescimento ou diminuigáo ou, para empregar o eufemismo moderno,
mediante desdobramento doutrinal.
A isso se tem feito a objeção de que, em todas as épocas, a Igreja Cristã
desenvolveu efetivamente a doutrina cristã mediante o estabelecimento de
credos e confissões. Essa objeção, porém, envolve intolerável falácia. A Igreja
Cristã, nos seus credos, jamais procurou desenvolver a doutrina cristã, mas
apenas afirmou a doutrina expressa das Sagradas Escrituras em toda a sua
verdade e pureza contra os erros dos heréticos e cismáticos. Desse modo, o
Credo Apostólico, o Credo Niceno, o Credo Atanasiano e outros similares
não constituem declaração de novos ensinamentos de autoria humana, mas
das próprias doutrinas de Cristo e dos seus apóstolos registradas na Bíblia.
Toda vez que a formulação de credos necessitava do emprego de termos que
não se encontravam na Bíblia (homooNsios, theotókos, meue pasçive, etc.), seu
uso visava à única finalidade de apresentar a doutrina escriturística com maior
clareza, nunca no intuito de aplicar à Igreja Cristã ensinamentos de criação
humana e antibíblicos. Assim também as Confissões Luteranas particulares
Natureza e Conceito d~ Gi-;;i;
18. TEOLOGIA
E LIBERDADE
ACADÊMICA
A Teologia racionalista moderna exige que os doutores oficiais da Igreja,
tanto no púlpito como na cátedra, gozem de inteira liberdade acadêmica.
Dogmática Cristã
Isso quer dizer que lhes deva ser permitido manifestar as suas opiniões
subjetivas, sem restrição alguma; nem mesmo as Sagradas Escrituras Ihes
devem ser impostas como única fonte e padrão de fé que Jhes caiba gravar. O
velho princípio cristão de que na Igreja Cristã só se deve ensinar a Palavra de
Deus, é repelido como "escravização à letran, "coerção acadêmica indigna",
"nomofilia", etc, (Buchstabenknechtschafr, unwurdiger Lehrmng, gesetzticher
Geist, usw.). Contudo, esse reclamo por liberdade acadêmica está em franca
oposição às Escrituras Sagradas; é liberdade carnal e írnpia, já que compreende
plena liberdade de criticar, condenar e rejeitar a Palavra de Deus. É preciso
que se repudie a liberdade acadêmica que a Teologia racionalista moderna
cobiça, como anticristã e ateísta, porquanto insiste na sua emancipação de
Deus e de Cristo.
A verdadeira liberdade do cristão consiste em que foi liberto da própria
vontade sujeita ao pecado e se converteu em servo de Jesus Cristo. (Rrn 6.22):
"Agora, porém, libertados do pecado, transformados em servos de Deus." A
essência da verdadeira liberdade cristã é a lealdade, a obediência e a sujeição à
Palavra do Senhor. (Jo 8.31,32): "Se vós permanecerdes na minha Palavra, sois
verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade e a verdade vos
libertará." No momento em que o teólogo abandona a Palavra de Deus como
sua única fonte e norma, deixa de ser doulos Christou, para se converter em
servo de seres humanos. De maneira nenhuma, terá obtido a liberdade, mas
permutado o sagrado serviço de Cristo pelo cativeiro de opiniões, alvitres e
juízes humanos. Em vez de servir ao Mestre divino, serve a um mestre-de-
obras humano, mesmo que esse não passe do seu próprio coração carnal. O
quanto de errado há em o teólogo reclamar liberdade para ensinar as suas
opiniões subjetivas em lugar da infalível Palavra de Deus ficará evidente
quando considerarmos o que as Sagradas Escrituras ensinam a esse respeito.
a. A Palavra de Deus afirma que, até o fim dos séculos, a Igreja Cristã
só tem um Mestre, Cristo Jesus, o Filho de Deus. (Mt 23.8): "Vós,
porém, não sereis chamados mestres, porque um só é vosso Mestre,
e vós todos sois irmãos." Nas suas atribuições de único Mestre, Cristo
ordenou aos apóstolos que ensinassem todas as coisas que Ihes tinha
ordenado a todas as nações. (Mt 28.20) A Palavra divina do mesmo
Cristo, conforme escrita nas Escrituras pelos santos profetas e
apóstolos, constitui a única verdade salvadora, verdade que a Igreja
Cristã deve crer e proclamar. (G1 1.8): "Mas, ainda que nós, ou mesmo
um anjo vindo do céu vos pregue Evangelho que vá além do que vos
temos pregado, seja anátema." (Ef 2.20): "[Estais] edificados sobre o
fundamento dos apóstolos e profetas." Dessa maneira, a Sagrada
Escritura assevera, de modo positivo, que todo ensino na Igreja Cristã
não deve ser outra coisa, senão o ensino da Palavra de Deus. De
modo negativo, as Escrituras condenam o fornecimento de opiniões
Natureza e Conceito da iaologia
TEOL~GICOS
19. SISTEMAS
A natureza peculiar da Teologia cristã deu origem a que se indagasse da
conveniência ou não de, no campo da Teologia, falar-se em sistemas teológicos.
A resposta a isso depende do sentido em que se emprega o vocábulo sistema.
A Teologia cristã é realmente u m sistema, pois apresenta u m todo perfeito ao
estudioso (ein abgeschlossenes Ganzes). É um sistema, por ser "a disposição
ordenada de partes e elementos n u m todo" ou " u m corpo da verdade
organizado". O único autor da Teologia cristã é o uno e verdadeiro Deus vivo,
o qual proclama a verdade divina no Antigo e Novo Testamentos, tanto por
Moisés como por Paulo, de maneira que as Escrituras Sagradas não apresentam
as idéias subjetivas de Moisés ou Isaías, Pedro ou Paulo ou João, etc. senão a
doutrina sagrada do próprio Deus. A doutrina da Escritura é, no todo e no
mesmo grau, doutrina divina (doctrina divina).
Bem assim, o artigo da justificação pela graça, por meio da fé em Cristo
forma, nesta doutrina divina afirmada de modo claro e infalível nas Sagradas
Escrituras, o ensinamento central para o qual os demais artigos conduzem
(articuli antecedentes) ou ao qual se reportam (articuli consequentes). (1 Co
2.2): "Decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado."
(At 20.27): "Jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus." Em toda
a pregação de Paulo que, segundo testemunho dele mesmo, abrangia "todo o
desígnio de Deus" para a salvação, a doutrina de Cristo crucificado pelos
pecados do mundo era básica e central.
Em vista dessa íntima conexão entre as diferentes doutrinas cristãs e o
seu ensinarnento central, e entre uma e outra, percebe-se que essa conexão
se revela t ã o estreita, que os erros que se registrarem n u m ponto,
inevitavelmente estarão também nos demais. Conseqüentemente, pode-se
chamar a Teologia cristã de sistema. Não será para assinalar apenas a unidade
absoluta de todo o corpo da verdade que empregamos o termo, mas para
marcar, também, a perfeita coerência das partes que o compõem. Lutero tem
razão, quando diz: "Em filosofia, um pequeno erro no princípio resulta, no
final, um erro do mais alto grau. Assim na Teologia, um pequeno erro destruirá
Natureza e Concetto da Teologia
TEOL~GICOS
20. METODOS
Na apresentacão do material dogmático, os teólogos luteranos
empregam, em geral, dois métodos: o sintético e o analítico. O método sintético
vai da causa ao efeito, enquanto o analítico segue o caminho oposto, do
efeito à causa. Disposto sinteticamente, o agrupamento dogmático apresenta,
primeiro, Deus como causa e princípio de todas as coisas criadas; a seguir, os
meios pelos quais a humanidade pecadora e apóstata é reconduzida --- - à
comunhão com Deus e, por último, a gloriosa salvação obtida pelo crente.
Analiticamente, o material dogmático seria agrupado da seguinte maneira: A
salvação, como objetivo final do ser humano; depois, os meios pelos quais se
obtém a salvação e, por último, Deus como doador e autor da salvação.
O método analítico tem merecido a preferência dos teólogos mais atuais
da Igreja Luterana pela razão de que, sendo matéria prática, a Teologia deve,
em primeiro lugar, apresentar o alvo final do ser humano como pensamento
vital na doutrina cristã. No final das contas, porém, o agrupamento do material
dogmático é de pouca importância, enquanto se reconhecem as Escrituras
Sagradas como única fonte e padrão de fé, donde somente, o teólogo deve
extrair os seus ensinamentos. Se a doutrina é tomada de outra fonte que não
a Bíblia, um e outro método deixam de ser satisfatórios. Se o teólogo se
mantém leal para com a Palavra de Deus, ambos os métodos poderão ser
empregados com igual sucesso. Em última análise, não é o método de
apresentação do material teológico, mas a fidelidade às Escrituras que constitui
o primeiro requisito de um genuíno tratado de dogmática.
O método sintético foi, na Igreja Luterana, comumente empregado pelos
primeiros dogmáticos, como Melanchthon, Chemnitz, Hutter, Gerhard. O
método analítico era seguido por Dannhauer, Koenig, Calov, Quenstedt, Baier,
Holaz e outros. Ocasionalmente, "encontramos" uma combinação de ambos
os métodos. Passou-se a época em que se julgava um tratado de dogmática
pelo seu método, embora agora se dê preferência, talvez, a uma forma
modificada do método sintético. Todavia, o que é preciso que a Igreja Cristã
exija de todos os tratados de dogmática ou livros dogmáticos é uma
apresentação clara, profunda e prática das verdades escriturísticas. A única
Teologia que merece um lugar na Igreja de Cristo, é a Teologia cristã que Deus
mesmo deu nas Sagradas Escrituras. O teólogo cristão não ouse desviar-se um
Dogmática Cristã
TEOL~GICA
2 1. A AQUISIÇÁO DA CAPACIDADE
Os dogmáticos luteranos têm, com acerto, ressaltado a grande verdade
de que "o teólogo não nasce, mas é feito". (Theologus non nascituv, sed fit.)
Mediante esse axioma, pretendiam dizer que, por natureza, ninguém é teólogo
nem, por própria razão ou força, poderá vir a ser. A Teologia é capacidade
outorgada por Deus (theologia est habitus practicus theósdotos). Por conseguinte,
o Espírito Santo é quem fará u m teólogo da pessoa. A maneira como o Santo
Espírito efetua está descrita por Lutero na máxima famosa: Oratio, meditatio,
tentatio faciunt theologum. Essa é a melhor descrição da metodologia teológica
já exposta. Ela cita, de modo conciso, porém completo, todos os elementos
que cooperam na formação do verdadeiro teólogo.
Ela reconhece, antes de tudo, a necessidade da oração. A respeito da
oração vista como meio para se adquirir a capacidade teológica, Lutero escreve:
"Por isso, deves prontamente desesperar de teu próprio juízo e entendimento
- porquanto com estes nada arranjarás, senão que por tal arrogância te
cuidado para que te não enfasties ou penses que com uma ou duas vezes
leste, ouviste e disseste o suficiente e compreendes tudo à perfeição; porque
disso jamais sairá algum teólogo de valor, porém [os que não estudam] são
como fruto verde, que cai antes de amadurar a meio. Por isso, vês no mesmo
Salmo [I191 como Davi constantemente se gaba de que dia e noite e para
sempre há de falar, meditar, declarar, cantar, ouvir e ler, todavia nada que não
seja da Palavra de Deus e dos seus estatutos. Porquanto Deus não te quer dar
o seu Espírito sem a Palavra exterior, portanto segue esta regra; porque não
foi em vão que ordenou se escrevesse, pregasse, lesse, ouvisse, cantasse,
declarasse com Palavras exteriores." Por meditação, Lutero entende o estudo
perseverante das Sagradas Escrituras como pura e infalível Palavra de Deus,
mediante a qual o Espírito Santo, não só converte e santifica os pecadores,
porém ainda habilita o teólogo para a realização da obra de u m verdadeiro
mestre cristão no temor de Deus, mediante a qual lhe confere a capacidade
teológica. É claro que tal estudo perseverante da Palavra de Deus é também
ordenado nas Sagradas Escrituras. (1 T m 4.13): 'Até à minha chegada, aplica-
te à Leitura." v. 15: "Medita estas coisas, nelas sê diligente, para que o teu
progresso a todos seja manifesto." (6.20): "Ó Timóteo, guarda o que te foi
confiado, evitando os falatórios inúteis e profanos, e as contradições do saber,
como falsamente lhe chamam."
Com referência à tentacão vista como meio pelo qual o Espírito Santo cria
ou incentiva a capacidade teológica, Lutero escreve: "Como terceiro, há aqui a
tentatio, as provocações [Anfechtung]. É o cadinho; não só te faz saber e
compreender, mas também provar o quão justa, o quão verdadeira, o quão doce,
o quáo agradável, o quáo poderosa, o quáo consoladora a Palavra de Deus é -,
sabedoria superior a toda sabedoria. Vês, por isso, como no referido salmo Davi se
queixa tanto de toda sorte de inimigos, de príncipes ou tiranos infames, de falsos
espíritos e facções que deve aturar por isso que medita, isto é, se ocupa com a
Palavra de Deus (como dito) de diferentes maneiras. Pois mal que medrou a Palavra
de Deus por teu intermédio, já o diabo te estará nos calcanhares, fazendo de ti
um doutor de verdade e pelos seus assaltos te ensinando a procurar a querer bem
a Palavra de Deus. Pois eu mesmo (ainda faltava o João Ninguém meter-se entre
os doutores) tenho muito que agradecer aos meus papistas, por me haverem
dado tantos sopapos, trazido em tão grande aperto e terror com os assomos de
fúria do diabo, o que vale dizer, por me haverem feito um teólogo de algum
mérito, ao que doutro modo não teria chegado."
Conforme diz Lutero aqui, toda a sua Teologia nasceu das provações e
tormentos, que o compeliram a buscar fortalecimento e conforto nas
Escrituras Sagradas. E Lutero curtiu provações que vieram tanto de dentro
como de fora. Primeiro se viu atormentado por tentationes dentro do coração.
Antes que viesse a ser u m teóloyo cristão, foi torturado pela agonia de uma
consciência aflita, produto de sua insistência na justiça das obras como meio
de obter o perdão. Foi, por fim, libertado desse estado de temor e angústia
pelo conhecimento e a compreensão do bendito Evangelho, pelo qual
realmente ficou conhecendo "o quão verdadeira, o quão doce, o quão agradável,
o quão poderosa, o quão confortante a Fdavra de Deus é". Quando começou
a proclamar o Evangelho de Cristo em sua pureza e verdade, acometeram-no
provações de fora. Foi acusado de herege e cismático, não somente pelos
romanistas, mas também pelos entusiastas d o seu tempo, de sorte que
novamente se viu compelido a "procurar e querer bem a Palavra de Deus".
Dessa forma, ficou tão consolidado na verdade divina e tão compenetrado
dela que podia dizer: "Aqui estou, não posso de outra maneira!" Assim as
provações, ou tentationes, fizeram de Lutero um "teólogo de algum mérito7'
porque o constrangeram a trazer sua esperança ancorada unicamente na
Palavra de Deus. Desse modo, cada cristão que aspira a tornar-se um teólogo
de verdade, tem de procurar e estudar as Sagradas Escrituras, a elas se
prendendo, até que passe a considerá-la "sabedoria superior a toda sabedoria".
Lutero conclui as suas observações em torno do seu famoso axioma
com as Palavras: "E [seguindo a norma de Davi apresentada no salmo 1191
perceberás como te parecerão insípidos e sem valor os livros dos padres, também
não só desprezarás os livros dos adversários, mas em ti mesmo terás sempre
menos prazer quer escrevas, quer ensines. Se a este ponto chegaste, então
podes ficar descansado na esperança de que já estás a caminho de te tornares
um teólogo legítimo, que não só a cristãos jovens e indoutos poderá ensinar,
como também aos cristãos adiantados e bem-instruídos; porquanto a Igreja
de Cristo encerra cristãos de todo tipo, jovens, velhos, fracos, enfermos, sadios,
robustos, vivazes, ociosos, parvos, sábios, etc. Se, porém, sentes ou presumes
estar de fato a bom caminho de sê-10, e te sentes lisonjeado com teus livretes,
ensinamentos ou escritos, como se o houvesse feito magnificamente e pregado
de maneira brilhante, sendo ainda do teu agrado que na presença de outros se
teça teu louvor, talvez mesmo queiras ser elogiado, do contrário te cobririas
de tristeza ou desistirias de tudo. Se és deste calibre, meu caro, então leva a
mão às tuas próprias orelhas, e, pegando bem, hás de dar com belo par de
grandes, longas e ásperas orelhas de burro; anda, pois, e arrisca mais alguns
vinténs e adorna-te com guizos de ouro, a fim de que, onde quer que passes,
possam ouvir-te, apontar para ti com o dedo e dizer: Vede, vede, ali vai o belo
espécimeme que livros tão primorosos sabe escrever e sabe pregar com tanta
mestria! Então te julgarás no céu, feliz e para lá de feliz; sim, naquele céu em
que para o diabo e os seus anjos foi preparado o fogo do inferno! Em suma,
saiamos atrás de vanglória e sejamos arrogantes, sempre que o possamos.
Neste Livro, a glória só cabe a Deus, e lhe diz: Deus superbis resistit, humilibus
autem dat gratiam. Cui est gloria in secula seculorum. Amen."
A ênfase que Lutero empresta à humildade considerada como requisito
do verdadeiro teólogo, tem certamente razão de ser, uma vez que o Espírito
Natureza e Conceiro da Teologia
mesmo assim, nos seus escritos, se acha, em abundância, tudo o que se requer
para a salvação, porque registraram o divino conselho da salvação mediante a
fé em Cristo Jesus com muita fidelidade. (Jo 21.25; Fp 3.1) Os santos apóstolos
insistiram contra todos os que, na época, trabalhavam em erro, que se
considerasse a Palavra escrita a única fonte e norma de fé. Exigiram, também,
que todos os que se consideravam profetas seguissem os mandamentos do
Senhor conforme expostos nos seus escritos. (1 Co 14.37,38; 2 Ts 2.2) Paulo
subscreveu, de próprio punho, as duas epístolas, a fim de que se diferençassem
das epístolas apostólicas espúrias. (2 Ts 3.17) Desse modo, tanto os profetas
como os apóstolos atestam que as Escrituras Sagradas, ou a Palavra de Deus
escrita, são a única fonte e norma de fé e vida, o verdadeiro principium
cognoscendi (Schrifiprinzip).
Essa verdade fundamental tem sido negada de vários modos. Tem-se
anulado o princípio de que as Escrituras são a única fonte e norma de fé, pela
substituição da Palavra de Deus por ensinamentos diferentes.
a. Em substituição às Escritúras, tomou-se a raziio humaua. Por razão
humana, entendemos tudo o que o ser humano sabe acerca de Deus
e das coisas divinas fora da Bíblia ou, simplesmente, o conhecimento
natural do ser humano acerca de Deus. Esse conhecimento natural
de Deus não pode ser fonte da fé do ser humano, visto limitar-se à
Lei e suas ordenações. (Rm 1.20,21,32; 2.15) Ele não inclui o
Evangelho de Cristo, ou a mensagem da reconciliação pela satisfação
vicária do Filho de Deus encarnado, mediante a qual somente, os
pecadores podem ser salvos. (1 Co 2.6s; Rm 1.6) Todo o que fizer da
razão humana norma da fé, comete a falácia lógica de metábasis eis
alio genos e se exclui da Igreja Cristã, pois porá a própria sabedoria
falível como substituta da verdade divina. A razão rejeita a salvação
gratuita de Deus que é oferecida no Evangelho. A Igreja Cristã repudia
todas as formas de racionalismo, unitarismo e modernismo, que
julgam a razão humana como fonte de fé. Condena, também, os
que propõem isso, porque os considera fora da órbita da Igreja (extra
ecclesiam).
Com razão humana, designamos, também, os meios pelos quais o ser
humano percebe e pensa. E o chamado uso ministerial da razão (usus rationis
misterialis, ouganicus), completamente diverso do seu uso magistral (usus
rationis magisterialis). A razão, nesse sentido, ocupa lugar legítimo e necessário
na Teologia, visto que o Espírito Santo implanta e mantém a fé salvadora
mediante a Palavra de Deus que é recebida na mente humana. (h 1014-1z
Jo 5.39; Mt 24.15; Lc 2.19) Pertence ao uso ministerial da razão, também, o
estudo das línguas em que a Sagrada Escritura foi escrita e, em particular, o
estudo da lógica e da gramática, porque o Espírito Santo, dando a Palavra de
Deus aos seres humanos, decidiu acomodar-se às Leis do pensar e falar humanos.
Dogmática Cristã
Lutero observa aqui que Deus "se fez ser humano" nas Sagradas Escrituras
(Scriptura Sacra est Deus incarnatus). Nesse mesmo sentido, os dogmáticos
luteranos dizem que a "Teologia tem de ser gramatical" (theologia debet esse
grammatica), isso quer dizer que, sendo da vontade do teólogo entender as
Escrituras, deve respeitar as Leis fixas que governam o falar humano. Lutero
insistiu tanto nessa verdade, que foi ao ponto de sustentar que todo aquele
que erra gramaticalmente, pode errar também na sua Teologia.
Fazendo distinção entre os usos ministerial e magistral da razão, os
nossos dogmáticos também decidiram a pergunta sobre se a Teologia cristã e
a razão humana, ou a verdade cristã e a filosofia humana realmente se
contradizem. Afirmavam que, sendo a verdade sempre a mesma, tal
contradição só poderia ocorrer, caso a razão depravada se imaginasse árbitro
em assuntos que ficam além dos seus domínios específicos. Com respeito aos
artigos de fé, asseguravam que os mesmos não são r;ontrúrios à razão, mas
apenas superiores a ela e que, se aparentemente contradizem a razão, isso
ocorre apenas pelo fato de a razão ser corrompida ou depravada, que tem por
fim a falsidade e inimizade contra Deus.
Em todo o caso, o teólogo cristão tem de contar com que a guerra entre
a Teologia e a razão depravada, ou a falsamente chamada ciência, há de
continuar, porque, a partir da queda em pecado, o ser humano se manteve
em inimizade contra Deus (Rrn 8.7) e considera loucura a essência da religião
cristã, o Evangelho de Jesus Cristo. (1 Co 2.14) Em conseqüência do seu ódio
natural contra Deus e as coisas divinas, sentimento que se revela sempre
através de orgulhosa e arrogante rejeição da sua Palavra, o ser humano natural
jamais deixará de fazer oposição à verdade divina à base de seu próprio suposto
saber. Os filósofos incrédulos e cientistas ateus hão de acusar sempre a
Escritura de ensinar falsidade. (evoluçáo ateística) Gerhard está inteiramente
com a razão, quando diz (11, 371): "Temos de fazer distinção entre a razão
anterior e a posterior à queda em pecado. A primeira, como tal jamais se opôs
à revelação divina; já esta última se tem oposto com freqüência por influência
da corrupção."
b. Tem-se substituído a Palavra de Deus pela razão iluminada, que é
ainda conhecida por "consciência cristã", "experiência cristã",
"convicção cristã", "certeza cristã", etc. Certo é que todo crente em
Cristo possui mente iluminada; todavia, como cristão, jamais insiste
em sua razão iluminada como fonte e norma de fé, uma vez que
deve a sua iluminação inteiramente ao poder vivo da Palavra de Deus
(Rrn 16.16) e ele sabe que sua razão retorna de pronto à ignorância
espiritual, tão logo se desvie do Evangelho iluminante de Cristo. Por
conseguinte, a si mesmos se enganam todos os que arvoram a mente
iluminada em principium cognoscendi fora das Escrituras. Seu próprio
desejo de entronizar a sua razão "iluminada" como juiz da fé procede
A Doutrina das Sagradas Escrituras
DA B~BLIA
3.A INSPIRAÇÃO
As Sagradas Escrituras não demonstram apenas o fato de serem a Palavra
de Deus. Explanam, t a m b é q a maneira peculiar como Deus deu a sua Palavra
aos seres humanas. Claramente ensinam que a Palavra de Deus foi inspirada
ou assaprada em determinados seres humanos santos, a quem Deus nomeou
escritores oficiais do seu Santo Livro, de sorte que "toda Escritura é inspirada
por Deus" @asa graphee theópnetrstos). (2 Tm 3.16) Referindo-se aos escritores
do Livro de Deus, a Bíblia dedara enfaticamente: "[. .I nunca, jamais qudquer
profecia foi dada por vontade humana; entretanto, seres humanos (santos)
falaram da parte de Deus, movidos (vherómenoi) pelo Espírito Santo." (2 Pe 1.21)
Uma vez que as seres humanos falaram da parte de Deus, movidos peIo Espírito
Santo, evidentemente não escreveram as ws próprias Palavras, mas as que
Deus Ihes colocou na mente. Essa verdade vem ensinada. p , x Paulo de modo
inconfundível. Ele escreve: "Disto também faIamas, não em Palavras ensinadas
pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo Espírito, conferindo coisas
espirituais com espirituais." (1 Co 2.13) O mesmo apóstalo declara, ainda, que
Cristo falava nele (2 Co, 13.3); e afirma dos seus escritos que são "mandammt~s
do Senhor". (1 Co 14.3) Os escritos dos profetas e apóstolos são, por conseguinte,
a Palavra de Deus. Esses seres humanos santos foram divinamente inspirados
para escrever os livros que são incorporados na Bíblia.
Nas passagens da Escritura que estabekcem a doutrina da inspiração,
encontram-se distintamente expressas as seguintes verdades:
a. A inspiração não constitui simplesmente "inspiraçáo dos pensamentos"
(suggestio realis), nem em "inspiração de pessoas" (inspiratio personalis)
porém inspiração verbal (suggestio vcrbalis, Verbalinspiration), isto é,
inspiração pela qual o Espírito Santo soprou as mesmas Palavras que
os santos escritores deviam pôr por escrito. Em 2 Tm 3.16, diz-se da
Escritura que foi "inspirada por Deus" (theópneustos), e que ela deve
a sua origem a Deus, não obstante o fato de que foi escrita por seres
humanos. Em 2 Pe 1.21, o apóstolo declara distintamente que os
seres humanos, impelidos (pherómenoi) pelo Espírito Santo, falaram,
isto é, emitiram Palavras (eláleesan). De modo semelhante, Paulo diz
em 1 Co 2.13: "Disto também falamos em Palavra que o Espírito
Santo ensina. (laloumen didaktois [logors] pneúmatos)" Em todas essas
passagens, vem claramente afirmada a inspiração verbal da Bíblia;
pois, uma vez que as Palavras são o meio necessário para a transmissão
dos pensamentos, é da própria natureza da inspiração que Deus
ministrasse, também, as Palavras aos santos escritores.
Todos os que negam a inspiração verbal da Bíblia, substituindo-a pela
"inspiração da pessoa" ou "inspiração dos pensamentos", negam por inteiro a
doutrina escriturística da inspiração e se vêem compelidos a, no lugar dela,
ensinar uma simples "iluminação", que é comum em todos os crentes. Em
A Doutrina das Sagradas Escritur~z_í
ESCRITORES
4. A RELAÇÁOENTRE O ESPÍRITOSANTOE OS SANTOS
A relação do Espírito Santo, inspirador, para com os santos escritores,
inspirados, vem claramente descrita em todas as passagens das Escrituras que
nos relatam haver o Senhor - ou Espírito Santo - falado "pelos profetas" (Mt
1.22; 2.15) ou "pela boca dos profetas" (At 1.16; 4.25), e isso de tal modo, que
a Palavra dos profetas e apóstolos, por esse ato, constituía-se Palavra de Deus.
(Hb 3.7; Rrn 3.2) Todas essas expressões declaram que o Espírito Santo se
serviu dos escritores como seus instrumentos. Os mesmos se fizeram "sua
boca" pelo revelar da sua santa Palavra, tanto oralmente como por escrito.
No intuito de descrever esse caráter instrumental dos santos escritores, nossos
dogmáticos, bem como os antigos Pais da Igreja, chamaram-nos "pena"
(caneta), "amanuenses" "a mão de Cristo", "escrivães e notários do Espírito
Santo". Essas expressões são perfeitamente corretas enquanto se observe
estritamente o tertium comparationis nessas figuras de retórica. Esses termos
exprimem o simples fato de que os santos escritores foram agentes de Deus
na transmissão de sua Palavra, oralmente e por escrito. É mais do que claro
que os santos escritores não representaram instrumentos automáticos, mas
conscientes e inteligentes, de sorte que escreveram "espontaneamente, de boa
vontade e com conhecimento". (Quenstedt) Convinha, pois, que os teólogos
racionalistas modernos aceitassem essas expressões como verdades
escriturísticas e deixassem de cobrir de escárnio os que as usam. Bem-
analisado, o desprezo que votam a esses termos reflete o desprezo que votam
à própria Santa Bíblia e à doutrina da inspiração divina.
A frase bíblica "pelos profetas" explica, também, a variedade de estilo
que se oferece na Sagrada Escritura. Se os diferentes livros da Bíblia denotam
vários estilos de escrita, isso ocorre, porque o Espírito Santo pôs seres humanos
diferentes (reis, lavradores, pescadores, eruditos, etc.) a trabalhar na
composição do seu Santo Livro. Quenstedt faz o seguinte comentário a esse
respeito (I, 76) : "Há uma grande diferença entre os escritores sacros no que
diz respeito ao estilo e modo de falar, que sem dúvida proveio do fato de o
Espírito Santo haver-se acomodado ao modo de falar comum, deixando a
Dogmática Cristã
cada um a sua maneira peculiar; contudo, nem por isso, negamos que o Santo
Espírito haja sugerido a estas pessoas as Palavras individuais". (Doctu. Theol.,
p.47ss) Perguntas como estas: "Foi o Antigo Testamento originalmente escrito
com os pontos representativos das vogais<" - "Poder-se-á chamar clássica a
língua da Bíblia<"- e muitas outras que se têm sugerido em conexão com a
doutrina da inspiração, são puramente históricas e nada têm a ver com a
doutrina da inspiração. Por esse motivo, nenhuma controvérsia sobre elas
devia-se tentar. Basta que se diga que, em todos os assuntos externos, o
Espírito Santo se acomodou às condições peculiares reinantes na época em
que entregou a sua Palavra ao mundo.
FEITASA DOUTRINA
5. OBJEÇÓES DA INSPIRAÇÁO
Já nos séculos XVI e XVII, papistas, socinianos, arminianos e entusiastas
acreditavam que as Sagradas Escrituras contivessem alguns erros. Mesmo
Calvino, de vez em quando, atribuía inexatidões e citações incorretas do Antigo
Testamento aos evangelistas. Na Igreja Luterana daquela época, Jorge Calixtus
desviou-se da doutrina bíblica da inspiração. Ensinou que, em todas as questões
que não são essenciais e eram conhecidas dos santos escritores, estes não foram
inspirados, mas apenas dirigidos ou mantidos à prova de erro. No final do século
XVIII e princípio do século XIX, o racionahsmo dominante renunciou a toda a
doutrina cristã, inclusive à da inspiração divina da Bíblia. O modernismo atual
é uma saliência direta desse racionalismo grosseiro. A moderna Teologia
OU "conservadora", que repudiou o racionalismo carinhoso e estúpido
da era precedente, não conseguiu retornar à doutrina escriturística da inspiração.
Mesmo teólogos "luteranos" modernos na Alemanha rejeitam a inspiração verbal
da Bíblia, doutrina segundo a qual as Sagradas Escrituras são, a priori, Palavra de
Deus. Sustentam que é preciso determinar o caráter da Escrituras historicamente
ou, a posteriori, por meio da investigação humana.
O resultado da sua "investigação" é o fato de que as Sagradas Escrituras
não são a Palavra de Deus, porém um relato humano das revelações divinas
("Offenbarungsurkunde") que, de alguma maneira, influenciado pelo Espírito
Santo, não deixa de conter erros, sendo necessário submetê-lo ao olho crítico
dos doutores da Bíblia. Esses teólogos ainda falam em "inspiração"; contudo,
não se referem à verdadeira inspiração, mediante a qual a Sagrada Escritura se
torna a fonte e norma única da fé até à consumação dos séculos. (Jo 17.20; Ef
2.20) Afirmam ser apenas uma iluminação intensificada que existe, em grau
maior ou menor, em todos os autores cristãos.
O mesmo acontece com a maior parte dos teólogos americanos, embora
alguns, entre os quais, Charles Hodge, William Schedd e Benjamin Warfield,
tenham defendido a doutrina escriturística da inspiração verbal e plena. Na
Alemanha, dificilmente haveria, em época mais recente, um único professor
A Doutrina das Sagradas Escrituras
DA INSPIRAÇAO
6. A DOUTRINA E O LUTERANISMOCONFESSIONA
Em resposta à alegação de que a doutrina da inspiração seria uma
"construção dogmática" que devesse a sua origem aos mais recentes
A Doutrina das Sagradas Escrituras
Espírito Santo a honra de admitir que mais douto é do que nós." (S. L., III,
21) Ao SI 127.3, diz ele que de Deus (divina) não são apenas Palavras (vocabula),
mas ainda o fraseado khrasis). (S. L., 1960)
Em vista dessas declarações expressas de Lutero, as supostas provas
que existiram nos seus escritos em favor de sua "posição liberal" desde logo
deixam de ter qualquer sentido. Querem que Lutero tenha ensinado que a
Bíblia conteria "feno, palha e restolho", em outras Palavras, verdade e erro.
Essa citação é, porém, inexata. Ao empregar tais Palavras, não foi aos escritores
da Bíblia que Lutero se referiu, mas aos seus intérpretes. (Kawerau, Theol.
Lit.- Ztg., 1895, p.216; cf. também Christl. Dogmatik/ Vol. I, p.346ss). O que
Lutero diz aqui dos intérpretes da Bíblia dos tempos antigos (S. L., XIY 150)
condiz com todos os intérpretes da Bíblia de hoje em dia; pois, muitas vezes,
erram na exposição do texto sagrado.
Outrossim, diz-se de Lutero que teria ensinado serem algumas
passagens da Escritura "inadequadas". Há, nesse caso, referência em especial
a C1 4 . 2 1 passagem
~~~ acerca da qual ele comentou que, num debate com os
judeus (contra Iudaeos), que não aceitavam a autoridade apostólica de Paulo,
comparada a outras, seria de pouca força num debate (in acie minus valet); ou,
de acordo com algumas versões alemãs, seria "zum Stich zu schwach", o que
quer dizer: não seriam convincentes. Lutero não pretendeu, contudo, negar,
com essa frase, a doutrina da inspiração, porém quis indicar apenas que a
alegoria de Paulo, como empregada nessa passagem, não convenceria um judeu
incrédulo que não reconhecesse a autoridade do apóstolo. Isso é exato,
especialmente porque Paulo se afasta, em sua interpretação, do sentido literal
das Palavras e Ihes demonstra o significado alegórico, como Lutero bem faz
ver. (cf. S. L., I, 1150)
Além disso, pretende-se que a "posição liberal" de Lutero em face da
Escritura transpareça na rigorosa distinção que, no cânon do Novo Testamento,
faz entre Homologumena e Antilegomena. Admitimos o fato de haver Lutero
feito distinções. (p.ex. epístola de Tiago chama de "epístola palhiça" em
comparação com as de Paulo. S. L., XIV, 91) Todavia, ao mesmo tempo,
considerava todas as Escrituras proféticas e apostólicas Palavra de Deus
divinamente inspirada. Também nós reconhecemos a distinção entre
Homologumena e Antilegomena. Além disso, diz-se de Lutero que teria admitido
um "cânon dentro do cânon", uma vez que haveria limitado a autoridade
divina da BíbIia aos livros que ensinassem mais Cristo. ("Christum treiben")
Os passos em que se baseiam tais atribuições, encontram-se registrados na
Edição de Saint Louis vol. XIY 129, e vol. XIX, 1441 e rezam: "O que não
ensina Cristo ainda é apostólico, também quando o tenham ensinado Pedro
ou Paulo. Por outra, o que prega Cristo será apostólico, ainda que o façam
Judas, Anás, Pilatos ou Herodes." E: "Se nossos adversários insistem na
Escritura, nós insistiremos em Cristo contra a Escritura." Por estranhas que
A Doutritia das Sagradas Escrittrros
E CONSEQUÊNCIA
7. CAUSA DA NEGAÇÁO
DA DOUTRINA
DA INSPIRAÇÁO
A apostasia da doutrina bíblica da inspiração por parte dos modernos
teólogos protestantes vem, admiravelmente, descrita na Encyclopedia de
Hastings, onde lemos: "Teólogos protestantes da atualidade, imbuídos do
espírito científico, não possuem uma teoria a priori da inspiração da Bíblia
[...I Nenhum livro abrem, do Antigo ou do Novo Testamentos, com o
sentimento de que Ihes seja necessário considerar os seus ensinamentos
sagrados e obrigatórios. Não condescendem em nada além do que reputem
irresistível lógica dos fatos [...I E se ao cabo formulam uma doutrina acerca
da influência divina sob a qual as Escrituras foram exaradas, esta é uma
dedução dos característicos que, após franca e honesta investigação, se vêem
constrangidos a reconhecer." E outra vez: "Para resumir, a velha doutrina da
inspiração uniforme e infalível de cada parte do Antigo Testamento [...I agora
desaparece rapidamente entre os protestantes. Realmente, não há uma linha
divisória distinta entre o que é e o que não é digno de figurar nas Escrituras."
(VIII, 346, et al.) Com compreensão similar; escreveu o falecido Theodor
Kaftan: "Somos gente com senso da realidaden (Wjrklichkeitsmensch), o que,
segundo ele, quer dizer: "Para nós não tem forca de Lei o que a Escritura de si
mesma ensina, porém unicamente o que declaramos verdade divina de acordo
com a impressão que a Escritura nos causa." (Moderne Theologie des alten
Glaubens, 2, pp. 108.113)
Essa negação explícita da inspiração divina das Sagradas Escrituras, apesar
do seu próprio testemunho claro e inconfundível, em última análise, vem
Dogmática Cristã
8. PROPRIEDADES ESCRITURAS
DAS SAGRADAS
Por a Bíblia ser Palavra de Deus, possui propriedades divinas ou atributos
divinos (affectiones divinae). São: autoridade divina (auctoritas divina), eficácia
divina (efficacia divina), perfeição divina (perfectio divina) e perspicuidade
(clareza) divina (pevspicuitas divina). É muito evidente ser preciso negar-se
essas propriedades divinas à Escritura, se se rejeita a sua divina inspiração,
porquanto aquelas resultam do fato de ser a Bíblia a Palavra inspirada e infalível
do próprio Deus.
provar a real presenq do Espírito Santo em seus corações; pois, sem o Espírito;
Santo, é impossível ter-se a fé salvadora. (1 Co 12.3; At 16.14)
Com relação aos efeitos do testemunho do Espírito Santo no crente, a
Fórmula de Concórdia argumenta de modo sensato que não devem ser
aquilatados ex sensu, ou à base de sentimento, visto o Espírito Santo se manter
sempre operoso no seu coracão, enquanto estiver apegado à Palavra de Deus,
sinta ele ou não a sua operação. O sentir da g r a p operante do Santo Espírito
pertence aos frutos da fé na verdade do Evangelho e, por isso, ao testemunho
externo do Espírito Santo (restimonium Syiri~usSancti externum). Já o seu
testemunho interno (testimonium Spiritus Sancti internum) se identifica com
fé salvadora, confiança nas promessas divinas ,da Palavra. Em sentido
semelhante, Lutero escreve: "Não separamos o Espírito Santo da fé, e ele
também não lhe é contrário, porquanto ele 15, na Palavra, a própria certeza,
fazendo-nos seguros dela, de modo que não vacilamos a seu respeito, mas,
alijados de qualper dúvida, cremos com toda a convicção que é tal qual nos
groclama a Palavra de Deus, não podendo ser de outra forma." (Edição de
Erlangen, 58, 153s)
Em virtude da sua autoridade normativa ou canônica, a Sagrada Escritura
é a única norma de fé e vida e, por conseguinte, também o único árbitro em
todas as controvérsias teológicas. Como única norma de fé, a Escritura
desempenha tanto uma função diretiva como corretiva; pois, por uma parte,
dirige os pensamentos da mente humana de tal modo, que os mesmos se
mantêm dentro dos limites da verdade. Por outra, corrige os erros, sendo o
padrão do correto e do errado (Hollaz). Calov diz acertadamente (I, 474): "As
Sagradas Escrituras são uma regra pela qual devem e podem ser decididas na
Igreja todas as controvérsias que se refiram à fé ou à vida (S1 19.7; C1 6.16; Fp
3.16) e, como norma, não são parciais, mas completas -e idôneas, porque não
há outra regra infalível em assuntos de fé e vida além da Escritura. Todas as
"emais regras, além da Palavra de Deus, são falíveis e, por isso mesmo,
dependemos das Sagradas Escrituras como única regra (Dt 4.2; 12.28; Js 23.6;
1s 8.20; Lc 16.29; 2 Pe 1.19), para as quais Cristo e os apóstolos apontaram
como única regra (Mt 4.4s; 22.29,31; Mc 9.12; Jo 5.45; At 3.20; 18.28; 26.22)."
(Docrr. Theol., p.61)
Quanto ao emprego da Escritura como norma de fé (norma doctrinae,
index conrroversiarum), é preciso saber que, não só os teólogos (2 T m 2.2),
como também todos os cristãos devem fazer semelhante uso da Palavra de
Deus (At 17.11),porque é de seu dever supervisar o ministério dos seus mestres
(C1 4.17), evitar todos os Falsos profetas (Rm 16.17; Mt 7.15) e difundir o
Evangelho puro de Jesus Cristo por meio de evangelismo pessoal. (C1 3.16; 1
Pe 2.9) As Sagradas Escrituras atribuem, com Palavras expressas, a todos os
crentes, a capacidade espiritual para julgar todos os assuntos de fé e doutrina.
(Jo 6.45; 10.4,5,27) Portanto, qualquer que negar a capacidade e autoridade
Dogmáticn Crista
("Was man aus den Schriftwahrheiten erschliesst, muss als in den Schriftworten
ausgedrucbt nachgewiesen werden.")
Por outra, se se fizer uso da lógica para proposição de novas doutrinas
não estabelecidas na Escritura, anula-se a autoridade da Escritura (Scrifiprinzip)
e põe-se a lógica a ensinar doutrinas falsas. Exemplos de lógica mal-aplicada
são os seguintes: "Visto que Deus não elegeu todos os seres humanos, ele
não quer salvar todos os seres humanos." Ou: "Visto que Pedro foi salvo, e
Judas se perdeu, deve ter havido em Pedro um motivo pelo qual se salvou."
Ou: "Visto que todo corpo está localmente no espaço, o corpo de Cristo não
pode estar realmente presente na Ceia do Senhor." Ou: "Visto que o finito
não é capaz do infinito, não é possível que haja comunicação dos atributos
na pessoa do Ser humano-Deus." Ou: "Quantas pessoas tantas essências;
logo, há, necessariamente, três essências na divindade." A lógica malconduzida
tem-se revelado como fonte de tantos erros em Teologia, que é bem oportuna
a advertência de Gerhard (11, 371): "Não é a humana razão, mas a revelação
divina que é fonte de fé; tampouco devemos formar juizo a respeito dos artigos
de fé de acordo com os ditames da razão; do contrário, nenhum artigo de fé
teríamos, mas tão só decisões da razão,. As cogitações e manifestações da
razão devem refrear-se e restringir-se à esfera de coisas que estejam sujeitas às
decisões da razão e não estender-se à esfera de assuntos que se situem
inteiramente fora do alcance da razão." (Doctr. Theol., p.32ss)
0 s dogmáticos luteranos disseram, sensatamente, com respeito ao uso
das Sagradas Escrituras como única fonte e norma de fé, que o Livro de Deus é
destinado a todos os seres humanos (Lc 16.29-31; Jo 5.39; At 17.11), também
às crianças. (2 Tm 3.15; 1 Jo 2.13) (Finis cui Scripturae sunt omnes homines.) Por
isso mesmo, é anticristã a imposição papal contra a generalização da Leitura
bíblica. É bem verdade que todos os seres humanos devem utilizar as Sagradas
Escrituras para obter a salvação. (2 Tm 3.15) Não apenas com o propósito de
enriquecer os seus conhecimentos em geral ou de melhorar o seu estilo. (Finis
cuius Scripturae Sacrae fldes in Christum et salus aeterna est.) Disso fica evidente
que é, também, da vontade de Deus que a Bíblia seja traduzida para as diferentes
línguas usadas no mundo. (Versiones Scripurae Sacrae non solum utiles, sed etiam
necessariae wnt.) O dever de traduzir a Bíblia para diferentes idiomas está in-
cluído na ordem de Cristo de ensinar-se as nações. (Mt 28.20)
Porque as Sagradas Escrituras são a norma de fé absoluta (norma normans,
norma absoluta, norma primaria, norma decisionis), a Igreja Luterana reconhece
como norma secundária as suas Confissões ou símbolos aceitos oficialmente
(norma normata, norma secundum quid, norma secundaria, norma discretionis),
ou como afirmações verdadeiras das doutrinas da Escritura Sagrada que todos
os teólogos luteranos têm de confessar e ensinar. Por essa razão, a Igreja
Luterana confessional requer de todos os seus professores e ministros a
subscrição bona-fide de todas as suas Confissões como afirmações puras e
A Doutrina das Sagradas Escrituras
quando não em uso (extra usum), a fim de que não se reduzisse a Palavra de
Deus ao nível das Palavras humanas (c£. Doctr. Tkeol., p.507). Fez-se, pois,
emprego da declaração referente à eficácia da Palavra de Deus extra usum com
a intenção de ressaltar a verdade escritura1 como "poder de Deus para salvação".
(Rm 1.16)
Apesar de sempre ativo através da Palavra, não devemos julgar a atividade
do Espírito Santo segundo o nosso sentir (ex sensu). A Fórmula de Concórdia
comenta sobre esse ponto: "No que tange à presença, operação e dom do
Espírito Santo, não devemos nem podemos formar sempre nosso juízo ex
sensu, pelo que respeita a como e quando se toma conhecimento deles no
coracão. Todavia, porque frequentemente vêm encobertos e sucedem em
grande fraqueza, devemos estar certos, em vista da promessa e de acordo
com ela, de que a Palavra de Deus pregada e ouvida é [realmente] função e
obra do Espírito Santo. Por essa Palavra, o Espírito Santo opera a fé em nossos
corações." (2 Co 2.14s~;3.5s~)(Decl. Sol., 11, 56)
Ao mesmo tempo em que atribuímos eficácia divina à inteira Palavra
de Deus, fazemos justa distinção entre a eficácia que é própria à Lei e a eficácia
própria ao Evangelho. A Lei divina tem o poder de tornar os seres humanos
"culpáveis perante Deus" (Rm 3.19), já que "pela Lei vem pleno conhecimento
do pecado". (Rm 3.20) Mais do que isso a Lei não pode fazer. Seu raio de ação
é a operação da contrição (contritio, terrores conscientae). O Evangelho, por outra
parte, produz a fé e, dessa forma, a regeneração e conversão. (Rm 10.17; 5.1)
No entanto, por essa mesma operação, grava a Lei divina n o coração. (Jr
31.31s~)Isso equivale a dizer que ela deixa o ser humano disposto a obedecer
à Lei com espírito alegre e voluntário. (SI 110.3; Rm 12.1; G1 2.20) (Lex
praescribit, evangelium inscribit.) Além disso, por essa mesma operação, livra o
ser humano do temor da morte e lhe confere poder para triunfar sobre esse
seu último inimigo. (1 Co 15.55) Pelo poder do Evangelho o pecador, que está
sujeito à morte por natureza (Hb 2.15) e sem esperança no mundo (Ef 2.12),
é recebido no Reino da graça de Cristo (Jo 3.16-18) e, finalmente, no seu
Reino da glória. (Fp 1.3-6; Ef 1.16-19; 1 Pe 1.3-5)
8.3. A D r v w ~PERFEIÇÁO
OU SUFICIENCIA
DAS SAGRADAS
ESCRITURAS
(PERFECTIO
SCRIPITURAE
SACRAE)
A divina perfeição ou suficiência das Sagradas Escrituras consiste na
sua propriedade, pela qual ensina tudo o que é necessário para a salvação.
Gerhard define essa propriedade da Bíblia nestes termos (11, 286): "Instruem-
nos as Escrituras completa e perfeitamente acerca de todas as coisas necessárias
à salvação." A prova da Escritura para essa doutrina está exposta claramente
em 2 T m 3.15-17; Jo 17.20; 1 Jo 1.3,4. Visto serem suficientes ou perfeitas, as
Escrituras Sagradas não requerem suplemento, seja de tradições (os papistas),
seja de novas revelações (os entusiastas), ou seja de progresso ou
Dogmátiu Cristã
pela Igreja, ou seja: o papa, ao passo que os entusiastas asseveram que é preciso
sejam explicadas por meio da "luz interior". Tanto papistas como entusiastas,
e m última análise, recorrem à razão h u m a n a para expor a Escritura,
precisamente como os racionalistas modernos fazem. Estes asseguram que se
deve interpretar a Bíblia à luz da inteligência moderna. Nesses três casos,
todo ataque que se faz ao santo e claro Livro divino da salvação, vem ditado
pela oposição deliberada ao bendito Evangelho de Cristo. (1 Co 1.22,23)
Tudo
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__humano sabe acerca de Deus, --- ele -o sabe pela pópria
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realidade da sua existência. A prova~cosmológic~
-\-
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deduz que o m u n o
forçosamente teve uma causa primária anterior a-todas as caus& secundárias
que operam na natureza. A prova teológica argumenta sobre os desígnios e a
finalidade que se evidenciam na natureza em toda a parte. A prova moral
argumenta da existência de nossa constituição moral para a existência de um
Supremo Ser Moral. A prova histórica conclui, da história do ser humano, que
existe um divino Governante que conduz todas as questões pertinentes ao
mundo para um alvo que tem em mira. A prova teológica deduz a existência
de Deus do fato de que não é preciso que jamais se explique aos seres humanos
a idéia acerca de Deus, visto todos os seres humanos no mundo saberem a
quem se entende por esse termo. Daí não se dever subestimar o conhecimento
natural que o ser humano tem de Deus, uma vez que Deus o outorgou ao ser
humano para governá-lo por ele no seu Reino do poder (in regno potentiae),
mantém-no responsável pela atitude para com ele (Rrn 1.18-32) e retribui a
sua observância e a obediência ao mesmo com bênçãos temporais. (Ex 1.20,21)
Apesar de tudo, o conhecimento natural de Deus não basta para assegurar
a salvação do ser humano. Sobre esse ponto, Quenstedt escreve (I, 261): "O
conhecimento natural de Deus não é adequado para alcançar a vida eterna, e
por ele só nenhum mortal jamais se salvou nem nunca ninguém poderá salvar-
se." (At 4.12; Rrn 10.17; Mc 16.15,16; G1 3.11; Ef 4.18; 2.12; G1 4.8) (Doctr.
Theol., p.110) Porque o conhecimento natural de Deus não abrange o Evangelho
A Doutrina de Deus
(1 Co 2.7-10), mas somente a Lei (Rrn 2.14,15), seu resultado prático não vai
além de uma consciência culposa (Rm 1.20; 2.15), medo da morte (Hb 2.15), o
estado de condenação (C1 3.10) e completa desesperança. (Ef 2.12) O ser
humano sabe por natureza que há um Deus justo e santo (Rm 1.21), porém
não sabe que as exigências eternas da sua justiça perfeita foram cumpridas pela
satisfação vicária de Cristo. (1 Co 1.21) Sabendo por natureza que há um Deus,
o ser humano natural não sabe que esse Deus é gracioso para com sua criatura
através de Cristo. (1 Co 1.21; At 17.24,25; Mt 28.19,20)
Embora o conhecimento natural de Deus que o ser humano possui
coincida, em alguns pontos, com o conhecimento de Deus sobrenatural ou
revelado (articuli mixti), o teólogo cristão toma por base de tudo quanto ensina
acerca de Deus apenas as Escrituras Sagradas, por serem a única fonte e norma
de fé designadas por Deus (principium cognoscendi). Só elas ensinam as preciosas
verdades evangélicas relativas a Deus, pelas quais o ser humano se salva (articuli
puri). O dogmático luterano Chemnitz escreve sobre isso (Loci Theol., I, 22):
"Conhecimento de Deus que salva, mediante o qual obtemos a vida eterna,
é o conhecimento que se revela através da Palavra, na qual Deus se dá a
conhecer a si e a sua vontade. Deus sujeitou a esta revelação sua Igreja, que
conhece, adora e glorifica Deus unicamente como se revelou nesta Palavra,
de forma que se pode, por aqui, distinguir a verdadeira e única Igreja de Deus
de todas as religiões pagãs." (Doctr. Theol., p.111)
O conhecimento cristão de Deus que adquirimos das Sagradas Escrituras,
e de nenhuma outra fonte mais, é teísta e trinitário; isto é, o cristão fiel
conhece e adora unicamente Deus como Santíssima Trindade - Pai, Filho e
Espírito Santo, três pessoas distintas numa só essência inseparável. Esse
conhecimento cristão de Deus não constitui mero suplemento ao
conhecimento natural de Deus que o ser humano possui, mas uma revelação
inteiramente nova, pela qual o ser humano está habilitado a conhecer Deus
verdadeira e amplamente (Mt 28.19,20; 1 Co 8.4-6) e, pela fé, adorá-lo como
seu Salvador. (1s 41.14; 42.5-8; 43.1-3; 10-12; 44.1-8; 45.20-25)
Por essa razão, é indispensável que toda descrição cristã de Deus também
encerre a Santíssima Trindade; vale dizer - sempre que o teólogo cristão descreve
Deus, deve descrevê-lo como o Deus uno que é Pai, Filho e Espírito Santo. Calov
está com a razão, ao dizer (11, 282): "Aqueles que, na descrição de Deus, não
incluem uma declaração referente às três pessoas, de modo nenhum apresentam
essa doutrina numa forma de todo genuína e completa, uma vez que sem estas
não se evidencia ainda qual seja o verdadeiro Deus." (Doctu. Theol., p.117)
TRINDADE
2. A SANTÍSSIMA
De acordo com as Sagradas Escrituras, Deus é, em essência, um só,
porém, nessa uma essência, há três pessoas distintas - Pai, Filho e Espírito
Dogmática Cristã
Santo. (Lutero: "Scriptura Sancta docer esse Deum simplicissime unum er rres, ut
vocant, personas verissime distinctas." S. L., X, 176ss) A essa doutrina da Escritura
a Igreja cristã dá expressão sob o termo "Trindade".
As Escrituras Sagradas ensinam claramente que Deus é um em essência,
embora três em pessoa; sua doutrina acerca de Deus, tanto no Antigo como no
Novo Testamentos, é exclusivamente monoteísta. De acordo com a Escritura,
Deus é um só e, além dele, não há outro Deus. (Dt 6.4: "Ouve, Israel, o Senhor
nosso Deus é o único Senhor." (1 Co 8.4: "Não há senão um só Deus.") As
Escrituras consideram todos os ídolos dos pagãos como "não sendo deuses"; (Jr
2.11; "ídolos", (Elilim), Lv 19.4, ou como coisas que estão inteiramente
destituídas de existência real. (cf. as descrições dos ídolos em 1s 44.6-20; Jr
2.26-28; S1 115.1-9; 135.15-17.) Em o Novo Testamento, Paulo escreve com
igual ênfase: "O ídolo de si mesmo nada é no mundo." (1 Co 8.4) E disso deduz
a doutrina cristã fundamental: "Para nós há um só Deus." (1 Co 8.6)
As Sagradas Escrituras associam o imperativo da adoração divina à
verdade suprema da existência de Deus. Esse um Deus verdadeiro, que se
revelou na sua Palavra, deve ser adorado e servido por todos os seres humanos.
(Êx 20.3: "Não terás outros deuses diante de mim.") (Mc 12.29,30: "Respondeu
Jesus: O principal é: Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor!
Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu entendimento e de toda a
tua força.") Do modo como o politeísmo elimina o verdadeiro conceito de
Deus, ele também destrói a verdadeira adoração. Daí os pagãos terem de
converter-se dos seus ídolos ao Deus verdadeiro, se quiserem adorá-lo. (At
14.15: "Que destas coisas vãs vos convertais, apó toutoon toon mataioon, ao
Deus vivo.")
Enquanto que a Bíblia propõe a doutrina da unidade de Deus com a
maior seriedade, ela ensina, ao mesmo tempo, que esse um Deus é a Santíssima
Trindade. Cristo, ao enviar os seus discípulos a ensinar todas as nações, mandou-
os expressamente que batizassem "em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito
Santo". (Mt 28.19) "Pai, Filho e Espírito Santo", todavia, são designações de
três pessoas; logo a Igreja Cristã ensina com base na Escritura: "Deus é uno e,
contudo, nesta uma essência divina, há três pessoas distintas." ("Pai, Filho e
- Espírito Santo, três pessoas distintas numa única essência e natureza divinas,
são um Deus, o qual criou os céus e a terra." Os Artigos de Esmalcalde, Prim.
Parte). Assim como as Escrituras associam à doutrina o imperativo de que se
deve prestar culto a esse um Deus, as Sagradas Escrituras também mandam
que se adore esse um Deus verdadeiro na Santíssima Trindade. Dito de outra
forma, não se deve adorar só uma pessoa da divindade, mas todas as três. (1 Jo
2.23): "Todo aquele que nega o Filho, esse não tem o Pai." (5.12) 'Aquele que
não tem o Filho de Deus não tem a vida." (Jo 5.23: "Que todos honrem o Filho,
do modo por que honram o Pai. Quem não honra o Filho não honra o Pai que
o enviou.") A base dessa clara doutrina da Escritura, a Apologia da Confisdo de
A Doutrina de Deus
Qual o Pai, tal o Filho, tal também o Espírito Santo. Incriado é o Pai,
incriado o Filho, incriado o Espírito Santo. Imenso é o Pai, imenso o Filho,
imenso o Espírito Santo. Eterno o Pai, eterno o Filho, eterno o Espírito Santo;
Contudo, não são três eternos, mas um único eterno; Como não há três
incriados, nem três imensos, porém um só incriado e um só imenso. Da mesma
forma, o Pai é onipotente, o Filho é onipotente, o Espírito Santo é onipotente:
Contudo, não há três onipotentes, mas um só onipotente.
Assim, o Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus; e todavia
não há três Deuses, porém um único Deus ..." (L.C. Credo Atanasiano,
20,21.3,16,24,25).
Para a mente humana, a doutrina escriturística da Santíssima Trindade
é absolutamente incompreensível; pois, à base da Escritura, professamos um
Deus indiviso e indivisível, de forma a ser cada pessoa o Deus completo (totus
Deus); e professamos, contudo, três pessoas realmente distintas, de modo
que, quando o Filho se encarnou, somente ele se tornou ser humano, e não o
Pai ou o Espírito Santo e quando o Filho sofreu e morreu, somente ele sofreu
e morreu, não o Pai ou o Espírito Santo. Essa verdade ultrapassa a razão, pois,
de acordo com a razão, a Unidade anula a Trindade e a Trindade, a Unidade.
Não pode conciliar a Unidade e a Trindade, tampouco a Trindade e a Unidade.
Em conseqüência disso, todos os que erraram nesse ponto, negaram, ou a
Unidade ou a Trindade.
EM TORNO
3. CONTROVÉRSIA DA DOUTRINA TRINDADE
DA SANT~SSIMA
A doutrina cristã da Santíssima Trindade tem sido energicamente -
controvertida, em parte, pelos que erraram,(-gando que h o u v e s s e m
(monarquianos L unitários - ' - -bntitrinitários) ra, pelos que erraram,
negando que houvesseFma s w c i a jtri monarquianos podem
ser divididos em duas classes: os m o n i u stas ou patripassianos,
conhecidos, no Oriente, por sabelianos. Esses sustentavam que as três pessoas
da Trindade fossem apenas três diferentes energias ou modalidades da mesma
pessoa divina, de forma que o Filho e o Espírito Santo seriam meram&te
manifestações diversas (irósoopa) do P a ~ 3 ~o?grquianoss _
dinâmicos ou ,
adorionistas, que acreditavamgue o Filho fosse mero ser hu0-1
_______l_l_~-
e oZpírito
Santo? a potêma divina do --- Pai nas criaturas_lPaulo
-- ---- - de Samosata, focinianos,
arianos, socinianos, unitários, modernistas). Em oposição ao monarquianismo,
que nega a existência de três pessoas distintas, a Igreja Cristã sustenta que o
Pai, o Filho e o Espírito Santo não são três'modalidades ou potências de uma
só pessoa, porém três pessoas distintas. Essa verdade se comprova precisamente
peios termos Pai, ~ i l h oe Espírito Santo, que jamais designam qualidades ou
potências inerentes a uma pessoa, mas sempre pessoas que subsistem por si
mesmas (Conf Augsb., Art. I: 'A Palavra pessoa não significa uma parte, nem
A Doutrina de Deus
uma qualidade noutro ser, porém o que subsiste por si, de acordo com o
sentido em que os doutores antigos da Igreja usavam esse vermo neste
respeito.") Essa verdade ainda fica comprovada pelas obras pessoais de cada
pessoa emseparado, como sejam falar, querer, repreender, etc., que a Escritura
não atribui só ao Pai, mas também ao Filho e ao Espírito Santo. (Actiones
semper sunt suppositorum intelligentium, [...I opera sunt personis propria.) Ao
Filho a Escritura atribui os atos de conhecer (Mt 11.27); declarar (Jo 1.18);
querer (Jo 17.24), etc. Ao Espírito Santo se atribuem os atos de falar (At 28.25);
ensinar (Jo 14.26); repreender (Jo 16.8), etc. Essa verdade fica demonstrada,
ainda, por passagens expressas da Escritura em que o Pai é considerado outro
(allos) do que o Filho g o 5.32-37), ou em que o Espírito Santo é considerado
outro (allos). (Jo 14.16)
Da forma como os monarquianos negam a existência de três pessoas
na divindade, outros que se desviaram da verdade, negam a Unidade de Deus
e ensinam a existência de três essências divinas distintas em vez de uma
essência divina indivisa e indivisível.~ses,os triteístas phem ast~êuê
n-u m mesmo plano. Já os subordinacianos as subordinam uma à outra,
atribuindo prioridade da essência ao Pai. Todos os subordinacianos negam o
verdadeiro Deus-uno e ensinam o politeísmo; pois, se afirmam que o Filho e
o Espírito Santo são "Deus num grau inferior" que o Pai, pressupõem três
essências divinas distintas, ou três deuses, dos quais um é o supremo Senhor
e os outros, divindades subalternas. ~ s p i L á o a esse erro,&rejaCristá
ensina que as três pessoas nesta Divindade estão perfeitamente num mesmõ
plano, iito é, que são Deus de modo idêntico e num mesmo grau, porquanto
a essência divina, que é, numericamente, uma só (una numero essentia),
pertence inteira e indivisa a cada pessoa. Essa doutrina fundamenta-se em
passagens claras e decisivas da Escritura. Em Mt 28.19, três pessoas diferentes
e perfeitamente coordenadas são descritas como de mesmo nome (ónoma).
Outrossim, atribuem-se ao Filho, bem como ao Espírito Santo: a) os mesmos
nomes divinos dados ao Pai, inclusive o Homem essentiale er incommunicabile,
Jeová, (ao Filho: Jr 23.6; Jo 1.1; ao Espírito Santo: 2 Sm 23.2; At 5.3,4); b) os
mesmos atributos divinos, como a eternidade, onipotência, onisciência,
onipresença, bondade, misericórdia, etc. (ao Filho: C1 1.17; Jo 10.28; Jo 21.19;
Mt 28.20; 2 Co 13.14; ao Espírito Santo: Hb 9.14; 1s 11.12; 1 Co 2.10-12; S1
139.7); c) as mesmas obras divinas, como a criação, manutenção, os milagres,
etc. (ao Filho: Jo 1.1-3; C1 1.16; Jo 5.17; 6.39; ao Espírito Santo: S1 33.6; Jó
33.4; At 10.38); d) divina adoração e culto (ao Filho: Jo 5.23: Fp 2.10; ao
Espírito Santo: 1s 6.3; 2 Co 13.14; Nm 6.26). Eis, pois, como se afirma a
verdadeira divindade do Filho e do Espírito Santo de maneira enérgica na
Escritura.
Toda vez em que o Pai é chamado a primeira, o Filho, a segunda e o
Espírito, a terceira pessoa da Divindade, não vai nisso nenhuma subordinação
ou disparidade com relação ao tempo (tempore) ou à dignidade (natura vel
dignitate), mas isso vem apenas indicar a verdade bíblica de que o Filho provém
do Pai (Jo 1.14); o Espírito Santo provém do Pai e do Filho (Mt 10.20; GI 4.6).
Ou melhor, essa ordem de enumeração mostra a maneira divina como as três
pessoas subsistem na divindade (modus subsistendi). O fato de o Filho ter sido
gerado do Pai não o diminui perante o Pai; tampouco a espiração do Espírito
Santo torna o Espírito inferior ao Pai e ao Filho, porque a geração e espiração
são atos eternos, processos fora do tempo, pelos quais o Filho e o Espírito
Santo, juntamente com o Pai, possuem a mesma essência e majestade divinas.
O Credo Atanasiano declara: "E dentre estas três pessoas não há primeira
nem última, nem maior nem menor; mas todas as três são igualmente eternas
entre si, igualmente grandes: Para que, segundo se disse, sejam adoradas três
pessoas numa só Divindade e um Deus em três pessoas." Quando Cristo diz
de si mesmo: "O Pai é maior do que eu7' (Jo 14.28), fala de si quanto à natureza
humana no seu estado de humilhação. Atanásio: Aequalis Patri secundum
divinitatem, minar Patre secundum humanitatem. O fato de o Pai ser "maior"
que o Filho em seu estado de humilhação deixou de ser quando Cristo foi
exaltado. (Jo 14.28, Ef 1.20-23; Fp 2.9-11)
Outra vez, quando a Escritura diz que Deus criou o mundo pelo Filho
(Hb 1.2; Jo 1.3) de nenhum modo ensina qualquer subordinação do Filho ao
Pai, mas, ao contrário, o modo divino de operar (modus operandi) ad extra. Pois
que, o Filho sendo do Pai, também a operação dele provém do Pai, ao passo
que a do Espírito Santo vem do Pai e do Filho. No entanto, com relação ao
número, a operação divina permanece a mesma (una numero potentia) e pertence
inteira a cada pessoa, de forma que não está distribuída entre as três pessoas.
Por essa razão, as Sagradas Escrituras de quando em quando atribuem toda a
obra da criação a uma única pessoa apenas, sem nomear as demais. A criação
é atribuída, também, ao Filho. (Jo 1.1-3; Hb 1.10) Gerhard escreve (I)V, 4):
"Porém este um verdadeiro Deus é Pai, Filho e Espírito Santo; por conseguinte,
a obra da criação é, na Escritura, atribuída ao Pai e ao Filho e ao Espírito
Santo. Acerca do Pai, afirma-se (1 Co 8.6); acerca do Filho (Jo 1.3; C1 1.16);
acerca do Espírito Santo (Jó 26.13; 33.4; SI 104.30). Por isso, concluímos que
a criação é uma ação indivisa unicamente do Deus uno e verdadeiro, a saber:
do Pai, do Filho e do Espírito Santo". (Doctr. Theol., p.162) Escreve Hollaz:
"Nas Sagradas Escrituras e no Credo Apostólico, atribui-se a obra da criação
de maneira muito peculiar a Deus Pai: a) em virtude da ordem da operação:
por essa razão, o que de si mesmo tem o Pai a fazer e criar, tem-no o Filho de
Deus e o Espírito Santo do Pai; b) em virtude de haver Deus Pai na obra da
criação manifestado por sua supereficiente Palavra de comando a sua própria
onipotência (Gn 1.3); c) em virtude de a criação constituir a primeira obra ad
extra e ser, por conseguinte, afirmada, por apropriação, como da primeira pessoa
da Divindade". (Ibid.)
A Doutrina de Dzlic
4. A DOUTRINA TRINDADE
DA SANTÍSSIMA E A TERMINOLOG
DA IGREJA
CRISTA
Tem-se debatido a questão sobre se se devem usar termos que não se
acham na Escritura, quando apresentada ou ensinada uma doutrina da religião
cristã, p. ex., a doutrina da Santíssima Trindade. Em resposta a essa pergunta,
dizemos que se podem usar, sem receio, todos os termos que expressem a
clara doutrina de Deus como revelada na Escritura, em especial aquelas em
que a Igreja Cristã defende a verdade divina contra o erro. Além disso, é preciso
afirmar que todos os que crêem conforme a Igreja, também devem falar
conforme a Igreja. Quem inventa inútil e frivolamente novos termos, não só
traz confusão à Igreja, com expressões novas às quais não se está habituado,
como ainda se torna alvo de suspeita por introduzir doutrinas novas e errôneas.
Daí ser necessário desencorajar o uso de termos novos na doutrina da
Santíssima Trindade.
A Igreja Cristã ensina por uma parte, contra o monarquianismo, por
outra, contra o triteísmo, que há três pessoas numa só essência (tres personae
in una essentia, treis hypostaseis kay mia ousia). Contra o arianismo, em
particular, que afirmou ser o logos criatura de Deus (ktisis, poíeema), o Concílio
Niceno declarou que o Filho é "de uma só substância" com o Pai (homooúsios,
coessentialis, consubstantialis). Esses termos não significam que o Filho apenas
seja de essência semelhante com o Pai (homoioúsios), porém que essa uma e
mesma essência que existe em Deus uma só vez, é igualmente a do Pai e a do
Filho (unius essentiae numero), de sorte que o Filho é "Deus de Deus" e
"verdadeiro Deus do verdadeiro Deus". Essa doutrina é realmente escriturística.
(Jo 10.30)
A Palavra essência (ousia, essentia), usada com relação a Deus, significa
a natureza divina com todos os seus atributos, que existe uma só vez
(singularis) nas três pessoas (una numero essentia). "Entende-se pelo vocábulo
essência ou ousia a natureza divina como esta é em si mesma, sendo ela toda,
com seus atributos, muito simplesmente, una e singular, e da mesma forma,
também, a essência das três pessoas é uma só." (Baier) Por isso mesmo, o
termo essência é aplicado a Deus num sentido único. Quando o aplicamos
aos seres humanos, a saber, com o intuito de assinalar alguma coisa que é
comum a todos os seres huxanos, emprega-se o vocábulo como termo
genérico (nomen universale) ou como substantivo abstrato (nomen abstractum),
que designa o que não existe concretamente, mas é abstraído dos seres
humanos que existem de modo concreto. (Ex: É da essência do ser humano
pensar ou querer). Todavia, quando falamos da essência divina que é comum
ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, o termo essência não é genérico nem
abstrato, mas concreto (nomen concuetum), designando o que efetivamente e
de modo concreto existe e é próprio das três pessoas divinas como uma só
coisa, quanto ao número (numero).Em outras Palavras, o termo essência designa
Dogmática Cristã ,
' atributos divinos (III,84): "Os atributos existem em Deus de modo inseparável;
pois assim como é impossível seja a essência de u m objeto separada deste
mesmo objeto, é também impossível separarem-se de Deus os atributos,
.- _porquanto são a própria essência de Deus." (Doctv. Theol., p.122) E Calov (11,
6.2 - Os ATRIBUTOS
NEGATIVOS
São negativos os a t r i b u t o ~ p e l o squais todas as imperfeições que-
verificamos
-_ _- nas criaturas são segregadas de Deus, __-
visto nada se poder
C_--__- ---
atrib;ir
a ele que, de algum modo,seja imp~feiKCkiamam-se,também, quiescentes
( á n z g ~ a ) T j o i nenhuma
s /-
rGia&o específica têm com o s o s f k D e u s , ou
atributos imaíílentes Ca-bsoluta), porque descrevem a e s s ê n c i d - o m o
absoluta e independente. São estes atributos: a divina unidade, simplicidade,
imutabilidade, infinidade, imensidade, eternidade, onipresença.
a. Unidade divina (unitas) é o atributo de Deus em virtude do qual a
essência divina é absolutamene uma só; não só indivisa, como
também indivisível. A Deus atribui-se unidade de modo absoluto, isto
é, a essência divina não é nem dividida nem divisível (Jo 4.24; Êx
Dogmática Cristã
sorte que Deus, a despeito de não estar confinado a nenhum lugar em virtude da
imensidade de sua essência, abrange contudo todos os lugares." (Ibid.) Contra a
objeção de que não possa estar presente em "lugares impuros" (Erasmo), cumpre-
nos manter que "Deus está em toda a parte e enche todas as coisa^.'^ Deum esse
ubique et replere omnia. (Lutero) Que Deus está em toda a parte enter et potenter, é
uma clara doutrina escriturística. (Ef 1.20-23; 4.10)
3. Deus é onipresente, porém: a) sem multiplicação (multiplicatio) de
sua essência (politeísmo); b) sem extensão (extensio); c) sem contração
(uarefactio); d) sem divisão (divisio); e) sem mescla (commixtio). Não devemos
tomar a onipresença de Deus em sentido corpóreo, como se ele, quando
presente, ocupasse espaço ou estivesse sujeito ao espaço (1 Rs 8.27; 1s 66.1);
porque "a presença de Deus é ilocal, indivisível, incompreensível para a nossa
razão, efetiva e operativa, em si compreende todas as coisas." (Gerhard) A
doutrina verdadeira da onipresença de Deus é de especial importância para a
exata compreensão da Santa Ceia (presença real).
A Doutrina de Deus
6.3 - OS ATRIBUTOS
POSITIVOS
São atributos positivos (attributa energeetika, positiva, operativa,
m o r dos quais atribgímoç seus, num
t r a n s e u n t r ~ , ~ e ~ a t i v a ~ - ameio -_
sentido específico e singular, todas as perfeições que deparamos-- nas-s
-
- - - _ _ _ / _
.~-C
-
H - Eles sáo: vida, conheciGentó, sabedoria, vontade, santidade, justiça,
verdade, poder, bondade (graça, misericórdia, amor, longanimidade, etc.).
a. Vida divrna (vira) é o atributo de Deus mediante o qual ele sempre é
e se mostra ativo. Deus, em particular, é vida 1) essencialmente,
visto ser ele autózoos e possuir vida en heautoo. (Jo5.26) Ele é vida em
si mesmo e de si mesmo, por virtude da sua própria natureza e
essência; 2) efetivamente, visto ser ele a causa e origem de toda a vida
fora dele. (At 17.28; D t 32.39) Esse atributo expressa-se de modo
negativo pela imortalidade (1 T m 6.16), e incorruptibilidade. (Rm 1.23;
1 T m 1.17) Deus, em contradição aos ídolos dos gentios, é o "Deus
vivo" (At 14.15), ao qual todas as criaturas devem a sua existência.
(At 17.25) A advertência que vem presa a esse atributo se deduzirá
de Hb 10.31; o consolo, de 1 T m 3.15; 4.10.
b. Conhecimento divino (scientia) é o atributo de Deus mediante o qual,
por um ato simples e eterno de sua mente, ele conhece todas as
coisas que existiram, existem e hão de existir ou até poderão, de
qualquer maneira, existir, isto é, todas as coisas que são
condicionalmente futuras ou possíveis. (1 Sm 2.3; 1 Jo 3.20; 1 Rs
8.39; SI 7.9; 34.15; 139.1; Pv 15.3) O conhecimento de Deus se
diferencia do conhecimento humano: a) por sua extensão, pois Deus
conhece todas as coisas (Jo 27.17: omniscientia), as coisas futuras (1s
41.22,23: praescientia), todas as coisas possíveis ou condicionalmente
futuras ou possíveis (1 Sm 23.12; Mt 11.23: scientia de futuro
conditionata, scientia media). b) pelo seu modo de conhecer, porquanto
Deus sabe todas e quaisquer coisas mediante um ato simples e eterno
de sua mente. (Deus res non per species intelligibiles, sed in se sive in
esse proprio cognoscit. Homo res adspicit, Deus perspicit.) Ele conhece
os pensamentos dos seres humanos. (1 Rs 8.39; At 15.8; Jo 2.25) A
revelação do conhecimento perfeito de Deus deve servir-nos de
advertência (1s 41.22,23; SI 139.12) e de consolo (1s 66.2; Mt 6.32).
A fim de descrever o perfeito conhecimento de Deus, nossos
dogmáticos o dividiram em: 1) conkecinzento natural (scientia naturalis,
essentialis), segundo o qual Deus se conhece perfeitamente; 2)
conhecimento livre (scientia libera), segundo o qual ele sabe todas as
coisas fora dele e 3) conhecimento mediato (scientia media), segundo o
qual ele conhece todas as coisas possíveis e condicionalmente
futuras.
Nessa conexão, podemos considerar a importante pergunta: ".Çomo a
presciência infalível de Deus concorda com a liberdade da vontade do ser
humano e a responsabilidade humana<" A pergunta é importante, uma vez
que os seres humanos, com base na presciência infalível de Deus, negaram a
liberdade da vontade e a responsabilidade humana (estoicismo), ou, com base
na responsabilidade humana, a infalível presciência ou onisciência de Deus
(ateísmo, agnosticismo). Embora a pergunta encerre mistérios que não podemos
desvendar nesta vida, a Escritura ensina o seguinte: a) A presciência de Deus
abrange todas as coisas e é infalível. (Si 139.1-4; Ap 3.15). b) Ela não é a causa
eficiente do que ele prevê. A Fórmula de Concórdia ensina acertadamente: "A
presciência de Deus nada mais é do que Deus saber todas as coisas antes de
as mesmas ocorrerem, como está escrito em Dn 2.28. Esse atributo estende-
se, igualmente, aos piedosos e aos maus; não é, contudo, causa do mal, seja
do pecado, o praticar-se o que é errado (que originalmente procede do diabo e
da vontade má e perversa do ser humano), seja da perdição dos seres humanos,
da qual Ihes cabe a culpa. O pressentimento divino apenas dispõe os fatos em
ordem, traçando-lhes um limite quanto ao tempo que devem durar e, dessa
maneira, apesar de ser mau em si mesmo, tudo deverá reverter para a salvação
dos seus escolhidos." (Epítome, XI, 2.3)
A Doutrina de Deus
conformidade com a sua Lei eterna (S1 92.15), também prescreve Leis
adequadas às criaturas. (SI 19.7) Igualmente cumpre as suas promessas
feitas aos seres humanos. (1s 45.23) Recompensa o bem (Rm 2.5-7; 2
Ts 1.6,7) e castiga os maus (SI 119.137; Rrn 1.32; At 17.31; 2 Ts 1.6;
Rm 3.8,13)." Uma vez que Deus é Deus, ele é exlex, isto é, não está
debaixo da Lei, mas é, ele mesmo, a norma perfeita de justiça. Deus
iustus est, quia omnia suae legi coltformiter vult aut facit.
Aplicada aos seres humanos, a justiça de Deus é a) iustitia legalis, ou a
justiça divina revelada na Lei e b) iustitia evcrnge2ica, ou a justiça divina revelada
no EvangeIho que foi assegurada aos pecadores mediante a satisfação vicária
de Cristo. A iuçtitia legalis, por sua vez, se poderá descrever como a) legislatoria,
por isso que é a norma da ~uçtigahumana (Mt 22.37s~);b) remuneratoria,
porque recompensa o bem (2 T m 4.8); c) vindicativa (punitiva, ultrix), pois
pune o maL (2 Ts 1.4-10) A iustitia evangelica constitui a essência da religião
cristâ, porquanto nela repousa a salvação do ser humano. A pergunta sobre
se Deus, de conformidade com a sua iustitia vindicativa, pune o pecado
adequadamente, deve ter resposta afirmativa.
g. A verdade divina (veracitas) é o atributo de Deus que lhe possibilita
ser infalível em falando a verdade e cumprindo as suas promessas.
(Nm 23.19; Hb 6.18; Dt 32.4) A revelação desse atributo envolve
peculiar condescendência da parte de Deus, visto que o ser humano,
por incredulidade, põe em dúvida tanto as ameaças da Lei, como as
promessas do Evangelho. (S1 90.11; 1s 53.1; Jo 12.38) Precisamente
por causa da incredulidade humana, Deus revelou-nos por graça que,
enquanto todos os seres humanos são mentirosos (S1 116.11; Rm
3.4), ele mesmo é a Verdade. (Tt 1.2; Jo 3.33; Hb 6.18; Mt 24.35; Jo
10.35) Em vista da verdade divina, devemos temer a sua ira (C1 6.7)
e confiar nas suas promessas. (Rm 10.11; T t 1.2)
h. O poder divino íjotentia) é o atributo de Deus que lhe permite efetuar
tudo o que é passível de realização sem que implique uma contradição
em sua essência divina. Assim Quenstedt define o poder de Deus (I,
293): "Poder é aquilo mediante o que Deus independentemente, por
meio da atividade eterna da sua própria essência, pode fazer
absolutamente tudo o que não envolva contradição." (Doctr. Theol.,
p.120) O poder perfeito de Deus se distingue do poder imperfeito e
relativo do ser humano quanto ao modo e à extensão. Pelo que respeita
ao primeiro, o poder de Deus é a sua vontade (Gn 1.3; S1 115.3) (Deus
producit volendo.), ao passo que, pelo que respeita à segunda, o seu
poder abrange todas as coisas que estão conformes à sua essência
perfeita. (Mt 19.26; Lc 1.37) Por ter Deus poder infinito, não devemos
falar dele como se se houvesse exaurido ao criar este universo
íjanteísmo). Tampouco devemos sugerir ao poder de Deus o que, em
A Doutrina de Deus
nossa opinião, lhe cumpre fazer. Está visto que é uma blasfêmia a
conclusão dos teólogos racionalistas de que, por ser onipotente, Deus
deverá perdoar o pecado sem padecimento e morte vicários de Cristo.
Deus exerce o seu poder de duas maneiras, a saber: a) com o uso de
meios (causae secundae) e b) sem meios. O primeiro é o poder mediato. de
Deus (potentia ordinata); o segundo é seu poder absoluto (potentia absoluta,
immediata). Em ambos os casos, é exercido o mesmo poder. (SI 30.6-9) Sempre
que Deus opera de modo absoluto, o que comumente efetua por meios,
defrontamo-nos com milagres. (Jo 2.11: seemeia; At 2.43: térata kai seemeia)
Pelo que respeita a milagres, cumpre-nos manter, baseados na Escritura, a)
que Deus pode realizar milagres sempre que lhe apraz, uma vez que é o Senhor
soberano e as Leis da natureza, que em si mesmas jamais são invariáveis
(evolucionistas), nada mais são que a própria vontade divina aplicada às coisas
criadas; porém b) que nos cabe usar os meios ordenados por Deus, quer no
reino da natureza, quer no da graça, e não exigir com presunção milagres a
nosso favor. (Lc 11.16; Mt 12.39) A fides heroica que, por sua extraordinária
confiança em Deus, opera milagres, não cabe nessa regra; que esteja, porém,
segura a pessoa que põe empenho em operar milagres de que a sua ufé" seja
realmente fides heroica e não presunção.
A negação da onipotência de Deus com base em que ele não pode
mentir, furtar, morrer, etc., deve ser condenada como sofisma blasfemo. Sunt
sophismata, quibus definitio rei tollitur.
i. A bondade divina (bonitas) em sentido objetivo é o atributo de Deus
em virtude do qual a sua essência divina está perfeitamente conforme
a sua divina vontade, ou seja, a sua perfeição absolqa. (Mt 19.17)
As criaturas de Deus também são, relativamente, boas (Gn 1.31),
mesmo após a queda, pelo fato de serem criaturas de Deus. (1 Tm
4.4) As criaturas, todavia, não possuem bondade essencial, ou seja,
perfeição, mas são boas somente por serem produtos da mão de Deus.
Em contraposição a todas as criaturas, apenas Deus é bom, ou seja,
bom em si e de si mesmo (to autoagathón). Gerhard escreve acerca da
bondade de Deus neste sentido: "Deus est vere bonus, et solus bonus et
omnis bonitatis A verdade escriturística de que só Deus é,
absolutamente e em si mesmo, bom (bondade essencial) e de que os
seres humanos são apenas relativamente ou dependentemente bons,
deverá preservar-nos de orgulho e inveja e induzir-nos à humildade
e gratidão. (1 Co 4.7; 1 Pe 2.1) Gerhard escreve: "Todas as boas coisas
vêm sobre nós e nosso próximo de Deus; quem do seu próximo tem
inveja opõe-se ao próprio Deus, doador de toda dádiva, e é, realmente,
théomachos (que combate Deus)."
Enquanto que em sentido objetivo, a bondade divina denota a perfeição
divina absoluta, ou seia, a bondade divina essencial, em sentido subjetivo,
Dogrnática Cristã
ela denota a graciosa disposição e conduta de Deus para com as suas criaturas.
(SI 145.9, 36.6,7) Segundo a Escritura, Deus é bom em geral, para com todas
as criaturas. (S1 136) Em particular, para com todos os seres humanos. (Mt
5.45) De modo mais especial, para com os seres humanos como pecadores
que são. (Jo 3.16) Num sentido todo especial, para com os seus santos crentes.
(Rrn 8.28; 1 Co 2.9; Dt 33.3; Jo 16.23) A bondade de Deus para conosco deve
induzir-nos sempre a lhe termos grato amor. (1 Jo 4.19)
Podemos agrupar sob o atributo da bondade divina (bonitas relativa): a
graça divina, como bondade imerecida por parte dos seres humanos (Tt 3.5;
Rm 3.24); a misericórdia divina, como bondade para com os seres humanos
em necessidade (Lc 1.78,79); o amor divino, como bondade desejosa de
comunhão com os seres humanos (Jo 3.16); a paciência e longanimidade
divina, como bondade que espera o arrependimento do ser humano (1 Pe
3.20; 2 Pe 3.9). Esses atributos merecem consideração sobre todos os demais,
porque constituem o verdadeiro escopo da Escritura e o grande tema em que
se centraliza a pregação cristã. (1 Co 2.2) No atributo divino da bondade,
pode-se resumir toda a mensagem evangélica, pois o que proclama não é outra
coisa senão a manifestação da graça, do amor, da misericórdia, da
longanimidade, da benignidade divinos em Cristo Jesus, nosso Senhor. (1 Jo
4.9) Seria realmente terrível a revelação de todos os demais atributos divinos,
se não fosse pela bondade de Deus em Cristo. Do modo como Deus é bom,
igualmente devem ser bons, graciosos, misericordiosos aqueles que, pela fé
em Cristo, foram convertidos em seus filhos amados. (Lc 6.36; Mt 4.44,45;
Ef 4.32; C1 3.12)
Tem-se feito objeção à bondade de Deus, tomando-se por base os
grandes flagelos que se abatem sobre o ser humano e a natureza, provocando
destruições de vidas e valores. A Escritura não nega esse fato (Mt 24.21,22),
ao contrário, põe-no em consonância com seus desígnios amorosos de chamar
os pecadores ao arrependimento. (Lc 13.1-3) Contudo, todos quantos negam
a Bíblia como única fonte de fé, o Deus tnúno como único Deus verdadeiro
e Cristo como único Salvador do pecado, jamais poderão esperar ter parte nas
bênçãos eternas da bondade, graça e amor de Deus.
6.4 - A DOUTRINA
DOS DECRETOS
DIVINOS
\ (DEDECRETIS
DIVINIS)
Os atos de Deus vêm divididos em duas espécies: internos (opera at
-
intra) e externos (opera ad extra). OS atos externos são imediatos (efetuados
sem causas instrumentais) ou mediatos (efetuados mediante causas
intermediárias).
Os atos ou operações internas de Deus constam, por sua vez, de duas
espécies: pessoais e essenciais. Os atos internos pessoais de Deus terminam
A Doutrina de Deus
De acordo com a Bíblia, Deus não criou todas as coisas "de uma só vez,
porém gradativamente, observando uma ordem admirável" (ordo creationis).
Segundo afirma o prime@ocapítulo do Gênesis, Deus, ao criar todas as coisas,
seguiu do inferior ao superior, até, finalmente, Fazer o ser humano como
coroa de sua obra criadora. &-obra
- da -criação
--- --comprgnde, em geral, três
etapas: a) a produção, no prim-eirodia, domaterial e-m-bruto, "que foi, p o ~ -
"ásslm-dizer, a fonte germina1 do universo---inteiro" (Quenstedt); Lutero: moles
L-
Dogmática Cristã
Fazemos-pois,
- - -
distinção entre criação
_- imediata e mediata, s e n k a
primeira-> criacão d e nadados &e> coeli e t terrae e a oÜtrao a r r a a do
material previamente criado.
Não se interpretará, porém, esta ordem da criação como se fosse um
processo evolucionário; porque, de acordo com a Escritura, o mundo não se
desenvolveu por virtude de forças que residissem na matéria mesma, porém
pelo ardor criativo de Deus. (Gn 1.1: "criou Deus"; v.3: "disse Deus") As
criaturas, por conseguinte, passaram a existir por meio da ordenação
onipotente do Criador pessoal, transmundano. Os nossos dogmáticos
expressam essa verdade com a declaração: "A causa eficiente da criação é Deus,
--e- somente
-- ele!"
- ) ciência experimental não pode contradizê-lo, visto
( C a l o ~A
não lhe ser possível provar que houve u m desenvolvimento das coisas
orgânicas a partir das inorgânicas (generativo aequivoca), nem u m
desenvolvimento das formas superiores a partir das inferiores.
(Deszendenztheorie; Transmutationshypothese)
É preciso rejeitar-se a evolução como insustentável, mesmo por razões
racionais, a) porque não esclarece a existência da matéria primitiva e b) porque
repousa n u m princípio desmentido pela natureza, a saber, na suposta
transmutação do homogêneo para o heterogêneo (transmutação das espécies).
A Escritura concorda com a razão nos seguintes pontos: a) a criação de todas
as coisas por um Deus onipotente; b) o procedimento metódico na obra da
criação; c) a propagação das criaturas segundo a sua espécie. (Gn 1.21) Bem
como vieram a existir pela ordenação criadora de Deus, as criaturas se mantêm
e se propagam por meio da vontade divina onipotente. (At 17.28) A existência
do universo atualmente com todas as suas variadas criaturas deve-se à bênção
que Deus pronunciou sobre toda a criação depois de consumada a sua obra
criadora. (Gn 1.22; C1 1.17)
O Primeiro
- - -Dia. - A expressão "No princípio" (berechit) quer dizer tanto
- - - - - -- -
como "quando e@ mu-ndo começou a existir7'. "Pelo que respeita às coisas
criadas no primeiro dia, não havia material para criação (materia ex qua)".
(Quenstedt) Apenas a partir do momento em que as coisas fora de Deus
',
começaram a existir, é que há um princípio. Antes disso, nenhum "princípio"
havia, porque Deus não tem princípio -(SI 90.1,2) e, fora dele, nada havia. O
tempo e o espaço devem, pois, ser adjudicados ao divino "fiat" onipotente da
criação; são criaturas do Deus infinito. As Palavras "No princípio" -- (Gn- 1.1),
-- - -
correspondem
. às mesmas Palavras -(en-archee)
-- - em Jo 1.1;
--
somente que
-- --- --- ---o
--livro
-
do Gênesis relata o que -. Deus
- - -- - então
- - -fez,
- ao passo que -o- Evangelho segundo
- -- -- - -
João nos informa
-- - -acerca
- -- -de- quem--exist~a
- no prcncípio
- - (o Pai. e o
" -- Filho). - -
(Kurtz). D_e-ser rejeitada como algo foriado pela -e_perulação --- -- humana.
A "luz" que Deus- criou - - -no-primeiro dia era a luz elementar, - - à qual, no
quarto-dia, acréScentog
-- -- "os dois grandeslum&ares na expansão dos céus"
para governar o dia e a nõite, verão e inverno; sementeira e se@. (Gn 1.14)
De-acordo %m a ~ z r i t u r a existia , luz antes dos - corpos cgestiais. Pela Palavra
do seu poder, Deus criou a luz elementar, deu-lhe existênciãem meio às
trevas e ordenou-lhe que resplandecesse das trevas. (2 Co 4.6) A partir do
primeiro dia do-mundo e sempre, a repetição regular de trevas e luz demarca
- --- -
o período de um dia, como -- nós agora o dividimos -- - -em vinte e quatro horas."
-
A -
-
a quidos deveriam
P -- - - separar-se,
- -- de sorte que se- -tornava
--a---- - -
v
visível
a
-- x r ç a o seca
- como a conhecemos." (I<retzmann, Pop. Com., I, 2) Tão logo
Qeus fez que aparecesse- - a-porGEecaL-ele
- -- a a d o r n o g - c o ~ k ~ v ervas
a L que
do a sua espécie e árvores que davam fruto, - -
=a
forme a sua espécie." (& 1.12)-(aLei da propagação)
ra, as plantas precederam a semente, visto que Deus
criou plantas maduras, "dando semente".
O Quarto
L -- .--Dia.---No quarto dia, Deus criou o sol, a lua e as estrelas
-- -(Gn
1.14s). Nada consta sob;e o "máterial para criáçáon (matéria ex qua) com que
Deus formou os corpos celestiais. O santo escritor, porém, descreve-lhes a
finalidade (finis cuius) e os que lhe auferem (finis cul) as bênçãos. (Gn 1.14-18)
Embora não ensinem um - sist_ema astronômico, as Escrituras Sagradas dão
ênfase às seguintes verdades: a) A terra e a luz existiram antes do s o-l b--) A
- - - - --
terra não serve ao sol
I-- - - L.mas
-_.-? I - --".I o_sol serve à terra e ambos,, sol e terra,
-vice-versa .
,
servem-
- ao ser humano, - criado com o propósito
--- ------- --- - de servir a Deus. Dentro dos
limites dessas verdades básicas, todos os conceitos astronômicos do teólogo
A Doutrina da Cria~áo
- --
pois, Deus-ggrandes
-. animais marinhos e todos=-.I- os seres -_-
viventes ~e rastelaq,
---=-"?-i-
assuas espécies. E viu Deus qu&isso era bom. (Gn 1.20,21) A materia er qua
dos primeiros foi a água. A das outras não se acha diretamente mencionada.
O material de que essas e outras criaturas foram formadas, em nenhum
respeito, foi autocriador (evolução). Materia est principium passivum; non
concurrit cum Deu ad aliquid creandum.
O Sexto Dia. - No último dia, criou Deus "animais-domésticos, répteis, -
animais selvátiios" e, como coroa de sua obra criadora, o ser humano. (Gn
1.24,27) A p e r g u n t a ~ C se r
tornaram nocivos ao ser humano após a queda, pode ser respondida como
segue: De fato, foram criados no decorrer dos seis dias da criação, porém as
suas funções estavam è m perfeita cznsonância com o bem-estar do ser
humano. Mesmo atualmente, as "coisas nocivas" (as plantas, animais e
minerais venenosos) podem ser empregados pelo ser humano em benefício
de alguém. Como, antes da queda a natureza ainda não se achava sob a
maldição e corrupção do pecado, também essas criaturas prestaram serviço
voluntário ao ser humano. A glória suprema do ser humano como coroa da
criação advém dos fatos que damos a seguir: a) A criação do ser humano foi
precedida de u m conselho divino do qual participaram as três pessoas da
Divindade. (Gn 1.26) b) Enquanto todas as demais criaturas receberam o ser
por meio da Palavra divina todo-poderosa, Deus formou o corpo do ser humano
do pó da terra (Gn 2.7) e soprou em seus narizes o fôlego da vida, e o ser
humano foi feito alma vivente. (Gn 2.7b) c) Deus fez do ser humano um ser
inteligente e racional para que governasse o mundo em seu lugar, pois o mundo
Dogmática Cristã
foi criado para ele pelo caridoso Criador. (Gn 2.7b; 1.28) - d) Deus -fez o ser
- --
humano à- sua
- -.
imagem,
- -- -
de forma que o -mesmo era semelhante a Ueus em
santidade,
--
justiça e sabedoria.
---
(Ef 4.24;
--
C1 3.10)
-- . - e) Deus proveu Adão de uma
aiudadora, que foi feita segundo a imagem - divina e dotada de inteligência
- e
aima imoitil. (Gn 2.22-24)
A pergunta sobre dicotomia e tricotomia deve ser decidida à base de
passagens que descrevem o ser humano no que concerne às suas partes
essenciais. (Mt 10.28; 16.26; Gn 2.7) Com base nessas passagens, a grande
maioria dos dogmáticos luteranos declararam-se a favor da dicotomia. As
passagens citadas pelos tricotomistas são Lc 1.46,47; 1 Ts 5.23, etc; todavia
nenhuma delas oferece prova irrefutável em prol da triconomia. Que a
Escritura emprega os termos espírito (pneuma) e alma (ysychee) alternadamente,
depreende-se do fato de serem chamados, ou espíritos (1 Pe 3.19) ou almas
(Ap 6.9) os que partem desta vida. A dicotomia certamente apresenta menos
dificuldades na explicação dos fenômenos da existência humana em geral.
A narração mosaica da criação do mundo não deve ser considerada como
alegoria ou mito, porém deve ser tida como um relato histórico exato de
acontecimentos reais. Somente uma interpretação literal está de acordo com
o texto.
"De conformidade com as Sagradas Escrituras, a criação consistiu no
ato espontâneo do Deus triúno mediante o qual, no princípio, para sua própria
glória, formou todo o universo visível e invisível, sem que fizesse uso de
material preexistente" (Strong). Essa doutrina está intimamente relacionada
com a santidade e benevolência de Deus. (Rm 8.20-23; 2 Co 4.15-17)
Relaciona-se, igualmente, com a sua sabedoria e livre vontade. (SI 104.24;
136.5) Quem nega a doutrina da criação conforme ensinada na Escritura,
pode, da mesma forma, negar também a doutrina escriturística da redenção,
uma vez que o relato daquela não é menos inspirado que o relato desta. "Toda
a Escritura é inspirada por Deus." (2 Tm 3.16), e a ordem de Cristo tem o
sentido de que todos aceitem toda a Bíblia por verdade divina. (Jo 5.39; 10.35)
5. A UNIDADE
DA RAÇA HUMANA
Sustentamos, fundamentados na Escritura, que Adão, criado por Deus
no sexto dia do hexaemeron, foi o primeiro de todos os seres humanos e o pai
da raça humana inteira através de todo o mundo. (1 Co 15~45~47; Gn 2.5; At
17.26; Rm 5.12) Daí rejeitarmos o erro de Isaac Peyrere (1655), o qual ensinou
que, como os judeus descendiam de Adão (Gn 2 . 7 ~ os ~ )gentios
~ procediam
dos pré-adamitas. (Gn 1.26s~)Assim, proviriam de épocas anteriores à criação
do antepassado dos judeus. A narração mosaica não admite á hipótese de pré-
adamitas nem de coadamitas, pois ensina, com a maior ênfase, que Adão é o
pai de todos os seres humanos. (At 17.26) Em consonância com essa doutrina,
A Doutrina drr Cri'zi";
8. A FINALIDADEPRINCIPAL
DA CRIAÇÃO
I De acordo com as Sagradas Escriturass,a p~inuiga.xn_alidade da criação
>
\
principalmentelor
----- de-
consiste na &rificação Deus;
- em- outras
--- -Palavras,
L -- - -- o mundo
-
são exortadas a bendizer a Deus. (SI 148) Deus, por meio da sua criação,
nianifestou sua bondade (SI 136); b) o seu poder (SI
115); c) a sua sabedoria. (SI 1 9 . 1 ~ 104.24;
~; 136.5) A objeção feita aiui de que
seria ter uma idéia indigna de Deus querer considerá-lo como tendo feito todas as
coisas para sua própria glória, é - a) antiescriturística, visto que as Escrituras
ensinam claramente esta verdade, Rm 11.36; - b) absurda, porquanto julga a
Deus segundo os padrões humanos; - c) ateística, por destronar Deus e pôr o
ser humano em seu lugar; pois que, se o mundo não foi feito primeiro que
Dogmática Cristá
-De-
acordo-com
-
as Sagradas
-- - - - -
Escrituras, a providência divina, não só
abrange o universo em geral (C1 1.17), como também todas - -- - as criaturas
individualmente: plantas (Mt 6.20-30); animais (Mt 6.26), seres humanos-- (At
17.26; S1 33.12-15). A Igreja Cristã constitui objeto especial da divina
providência, segundo a Escritura, pois, por sua causa, tudo existe e deve servir
para seu bem-estar. (Rrn 8.28; Hb 1.14; Mt 16.18) Muitas objeções se fizeram
à verdade escriturística de que a providência divina abrange todas as coisas,
mesmo as menores. (Mt 10.30; Lc 21.18; 12.6) Citamos como exemplo o
fato de que Deus ficaria muito sobrecarregado, se quisesse tomar conta de
todas as coisas, ou que os pequenos problemas da vida receberiam ênfase
indevida em comparação com os assuntos importantes. Essas objeções deyem-
ser rejeitadas como idéias pervertidas do coração carnal e incrédulo, que destrmm
o verdadeiro conceito de Deus; porquanto precisamente por Deus ser R?&&
que ele tem cuidado de todas as coisas. (At 17.28)
nutre, a medicina cura, a água mata a sede, etc. unicamente por causa da
constante influência de Deus sobre as suas criaturas (Dei continuus in creaturas
influxus). Essa a razão pela qual Deus é chamado a causa primária (causa
prima) e a criatura, causa secundária (causa secunda), ainda que a ação de
Deus e da criatura sejam simultâneas. Eis a doutrina escriturística da
cooperação divina, que se opõe ao deísmo, bem como ao panteísmo.
No que se refere às Leis da natureza, a Escritura ensina que elas não se
separam da vontade divina, porém são a vontade de Deus exercida na
existência e ação das criaturas, para que se conservem na sua existência como
na sua operosidade. A Escritura não sabe de Leis imutáveis na natureza
contrárias à vontade divina. Mesmo que possam ser imutáveis para o ser
humano fraco, não o são para o Deus onipotente, que governa tudo conforme
lhe apraz. (SI 115.3; 135.6)
DIVINA
4. A PARTICIPA~ÃO NAS BOASE MÁs AÇOES
Com referência à cooperação divina nas ações de agentes morais (seres
humanos, anjos), é necessário que se faça distinção entre boas e más ações.
No que concerne às más ações ( p ~ a d o s )a, Escritura ensina: que Deus, em
sua perfeita santidade, é tão inalteravelmente averso a qualquer má obra que
a proíbe e condena (Decálogo); que Deus evita frequentemente a prática de
más ações (Gn 20.6); que, toda vez em que Deus permite a sua realização,
controla-as de tal modo, que têm de servir aos seus sábios e sagrados propósitos.
(Gn 50.20; Rrn 8.28) Ainda assim, a pergunta fica em pé: "De que modo Deus
coopera nas más ações que realmente ocorrem<" Por uma parte, não podemos
dizer que tais atos se pratiquem sem Deus, porque isso viria negar a sua co-
participação divina (ateísmo); por outra parte, contudo, não devemos atribuir
semelhantes atos a Deus, porque são de má qualidade (panteísmo). A co-
participação divina não faz de Deus autor nem cúmplice das más ações.
A dificuldade estará removida a contento, se atentarmos para a linha
divisória que a Escritura sugere aqui. Ainda que seja verdade que Deus tem
sua participação nas más ações; ele participa delas somente enquanto são
ações (quoad materiale) e não enquanto são más (formale). "Deus coopera na
produção dos "feitos", mas não dos "defeitosn.A prova para o primeiro (quoad
materiale) está em At 17.25-28. Pois os seres humanos vivem em Deus,
movem-se e existem nele e dele recebem vida, fôlego e todas as coisas, não só
ao praticarem o bem, mas também quando praticam o mal. O segundo (quoad
formale) se prova de Dt 32.4; SI 92.15 e outros. Aí se afirma que o "Senhor é
reto" e que "nele não há injustiça". A obra de Deus é perfeita; pois "Deus é a
verdade, e não há nele injustiça; justo e reto é".
Isso, naturalmente, não esclarece todo o mistério que há na co-
participação de Deus, porém nos mostra dentro de quais limites nos cumpre
Dogmática Cristã
XXXXXXXXXX
5. A PROVIDÊNCIA
DIVINA
E O LIVRE-ARBÍTRIO
(LIBERTOS
A COACTIONE)
Embora vivam, se movam e existam em Deus, os seres humanos
continuam como seres livres, de vontade própria, que são pessoalmente
responsáveis perante Deus por tudo o que fizerem (libertas a coactione, liberdade
de coa~ão).Essa verdade é ensinada na Escritura (At 17.30) e confirmada pela
experiência. (Rm 1.32: "Conhecendo eles a sentença de Deus, de que são
passíveis de morte os que tais coisas praticam.")
Podemos, nessa conexão, considerar, ainda, a pergunta: "É indispensável
que as coisas sucedam precisamente como ocorrem (necessitas immutabilitatis),
ou poderiam acontecer de outra maneira (contigentia rerum)Z7' Baseados na
Escritura, mantemos tanto a necessitas immutabilitatis como a contigentia rerum.
A primeira, do ponto de vista da providência divina; a outra, do ponto de
vista da responsabilidade humana. Por conseguinte, foi necessário que se
efetuassem a traição, condenação e morte de Cristo, uma vez que, desde a
eternidade, Deus deliberara por seu gracioso plano de salvação, que tudo isso
haveria de acontecer. (At 4.27,28; Mt 26.54) Contudo, nem Judas nem Pilatos
foram coagidos por Deus a perpetrar os crimes mediante os quais o Salvador
foi entregue à morte. (Lc 22.21-23; Mt 26.24; Jo 19.12) Por isso, os nossos
dogmáticos disseram: Ratione providentiae Dei, quae omnia regit, necessario omnia
fieri recte dicuntur; respectu hominis libere et contingenter res fiunt et aguntur
omnia in rebus humanis. Se a necessitas for negada, o ateísmo ou o epicurismo
será a alternativa ("As coisas sucedem sem Deus7'); se se negar a contingentia,
o fatalismo ou estoicismo será a alternativa. ("O ser humano é coagido a
pecar ")
Em razão do fato de, "pelo que respeita ao ser humano, as coisas
sucederem livre e contingentemente", (respectu hominis libere et contingenter
res fiunt), tanto no reino da natureza, como no da graça, o ser humano está
confinado aos meios que Deus designou para seu bem-estar. Para a enfermidade
corporal, cumpre-lhe recorrer à medicina; para a enfermidade da sua alma,
cumpre-lhe recorrer aos meios da graça (a Palavra e os sacramentos), pelos
quais Deus opera e mantém a fé.(Rm 10.17) É tolice e pecado querer certificar-
se da providência divina a priori, pondo de parte os meios prescritos por Deus;
pois, nesse caso, arrogantemente, tentamos sondar Deus em sua majestade
soberana (Lutero: in nuda maiestate) e, dessa forma, o tentamos. (Mt 4.6,7)
Muito parecida com a verdade que acabamos de tratar é a pergunta
referente ao fim da vida humana (terminus vitae). Compete-nos, também aqui,
manter tanto a necessidade como a contingência. A Escritura, por um lado,
ensina que os dias do ser humano estão determinados de tal forma, que lhe é
impossível ultrapassar os limites demarcados. (Jó 14.5) Isso é dito com respeito
à providência divina (ratione provrdentiae Dei). Por outro lado, a Escritura ensina
que Deus, amiúde, altera os Emites da vida humana com respeito aos piedosos
e aos ímpios. Ele prolonga a vida dos piedosos, seja em recompensa pela sua
o M ê n c i a , (Êx 20.12; Pv 3.1,2; 4.10), seja pelo bem geral da sua Igreja, (2 Co
1.10,11; Fp 1.23,24) ou lhes abrevia a vida a fim de os preservar da aflição e
do mal. (1s 57.1,2) Sempre que Deus abrevia a vida dos ímpios, tem de
considerã-10 como justo castigo por sua maldade. (Gn 38.7,10) Tudo isso,
porém, se diz respcctu hominis, ou seja, do ponto de vista da contingência.
preciso que, do ponto de vista da contingência (respectu hominis),
digamos que o limite da vida humana não está absoluta e imutavelmente
fixado. (Is 38.5) Para fins de clareza, nossos dogmáticos ainda disseram que o
ser humano morre, ou pela providência divina dispensadora ou pela permissiva.
Se os seres humanos se servem dos meios prescritos (At 27.33s~:alimento; 1
T m 5.23: medicina; E£ 6.2,3: piedade; 2 Rs 20.1-6: oração; At 9.25: evitando
perigos, etc.], pela graga de Deus, alcançarão o limite de vida que a sua
providência dispensadora fixou. Se, todavia, repudiam os meios prescritos,
transgridem as Leis divinas e vivem em perversidade, a vida lhes será abreviada
~ providência permissiva. (2 Sm 18.14; 17.23; Gn 9.6; Êx 21.22; etc)
p o sua
Todas as passagens bíblicas que descrevem o terminus vitae em termos de
contingência devem ser consideradas como graciosa condescendência da parte
de Deus para nossa compreensão fraca, a fim de, para nossa admoestação ou
consolo, podermos fazer uso das verdades divinas que revelou por graça para
nosso bem temporal e eterno. Contudo, também nos casos em que a vida é
abreviada ou prolongada, não se deve ter Deus por mutável em sua essência
ou decisões, porque, desde a eternidade, foi decretado por ele o que se nos
afigura uma abreviação ou prolongação da vida. Em outras Palavras, o ser
humano mone exatamente quando Deus quer que morra. (Lc 12.20; 2.26;
Fp 1.23,24; Jz 6.23; SI 90.3-10) Para além disso, os nossos pensamentos não
se devem aventurar, uma vez que as próprias Escrituras estabelecem esse
limite.
A doutrina dos santos anjos não deve proceder da razão, pois, segundo
ela, a existência deles é, quando muito, apenas provável. Deve, sim, advir tão
somente da Escritura, que ensina a sua existência desde o Gênesis até o
Apocalipse (Gn 3.24; 32.1,2; 51 104.4; Ap 12-7) Também dessa doutrina, a
Escritura é o único principiam cognoscendi. A Teologia racionalista moderna
repudia a doutrina dos anjos ("Não existe a pessoa de um diabo. Nem mesmo
existência de anjos bons se pode provar."), precisamente porque gabou
da Escritura como única fonte de fé.
Embora
- --
as Sagradas Escrituras ensinem claramente
- -a existêncja
- de anjos,
elas não
- - - - ----
,
deterznam a época de s-ua criação, apesar de esta sesituar-dentro-
do hexaemeron, Os anjos, por certo, -@o foram s-iad- antes do mundo,
visto que--nen-ma
- criatura existiu anteriormente à criação. (Jo 1.1-3; C1
1.16) Tampouco foram criados após o sexto dia da criacão, ---
uma vez que,
-- - .-
naquele dia, Deus cessou--de criar. (Gn 2.2,3) As Escrituras informam-nos, de
modo definitivo, que, no sexto dia, "os céus e a terra e todo o seu exército
foram acabados" ( ~ 2.1);
n seguramente, os anjos são incluídos.
2. O NOME'ANJO"
O termo anjo (maleach, ángelos), pelo qual a Bíblia designa esta classe de
criaturas, não descreve a sua essência, porém, o ofício (nomen officii) e significa
"enviado", ou "mensageiro". A natureza dos anjos é descrita pelo termo espírito
(pneuma). Que o nome anjo é designação de ofício, evidencia-se pelo fato de
a Escritura atribuí-10 a ministros da Palavra divina (Mt 2.7; Mt 11.10), e ao
Filho de Deus, o "Anjo incriado", como Mensageiro supremo e único de Deus.
(M 3.1; Jo 3.17-34; 1s 63.9; Gn. 48.16) A importante pergunta: "Quando a
expressão escriturística o Anjo do Senhor (maleach jahveh) designa o Angelus
'
increatus, o Cristo<" - os nossos/ dogmáticos respondem do seguinte modo:
"Sempre que, na Escritura, se atribuem nome de Jeová, ou obras e cultos
divinos ao Anjo, entende-se que o Anjo é o Filho de Deus."
3. A NATUREZA
DOS ANJOS
0 s anjos_sã_o
- espíritos @neúmata),&o é, seres destituídos&od;híz_
qualquer forma corpórea. Atribuir-lhes mesmo que seja uma corporeidade
Dogrnhtica Cristã
definham.
- - C o n ~ d o não-são
, abscJu~gzete imutáveis, como Deus, mas
apena3 de modo relativo, em r_elaco aos seres humanos; d) imorlalidade,
visto que não morrem,--- embora Deus os pudesse aniquilar, se assim_quisesse;
e) duração . - infinita,porgue tive
a
ubi definitivo), apesar de não onipresentemente como Deus, que está presente
em toda a parte de modo repletivo; g) agilidade ou velocidade, capazes que são
de trocar o "ubi" de sua presença com celeridade extrema, ainda que sem
moção local como a que se deve atribuir aos corpos materiais.
Os anjos, como seres inteligentes que são, possuem, além disso, liberdade
de querer e, em vista do serviço para o qual são designados, grande poder. A
vontade dos anjos é livre tanto com respeito a atos imanentes, tais como
escolher e rejeitar (Jd ó), como a atos externos, quais sejam movimentar-se,
falar, louvar a Deus, etc. (Lc 2.9-15) Ainda que os anjos maus, como inimigos
declarados de Deus, não possam senão opor-se a ele, eles o fazem de própria e
livre vontade. (Jo 8.44) É muito grande o poder dos anjos. (SI 103.20; 2 Ts 1.7;
2 Rs 19.35) Ainda assim, é um poder infinito, inteiramente debaixo do controle
divino. (Jó 1.12) Embora o seu poder seja sobre-humano (SI 91.11,12; Lc
11.21,22), eles não são onipotentes, mas estão subordinados a Deus. (Dn
7.10) Ainda que só Deus opera milagres (SI 72.18), as Escrituras Sagradas
ensinam que os anjos bons (2 Rs 19.35), os profetas, (2 Rs 6.5,6) e os apóstolos
(At 3.6-12), realizaram milagres em seu nome e mediante o seu poder divino.
(Êx 15.23-25) Toda vez que o diabo realiza feitos que os seres humanos julgam
milagres (mirabilia seu mira), esses não passam de "prodígios de mentira" e de
"operação do erro", com os quais Deus lhe permite enganar aqueles que "não
deram crédito à verdade; antes, pelo contrário, deleitaram-se com a injustiça".
(2 TS 2.9-12)
A alegação de os anjos terem se misturado uma vez aos seres humanos
por casamento (Gn 6.2), é tão tola quanto antiescriturística. (Mt 22.30)
4. NÚMERO E CATEGORIA
DOS ANJOS
De acordo com as Sagradas Escrituras, o número de anjos é incontável
(Dn 7.10): "milhares de milhares o serviam, e miríades de miríades estavam
diante dele." (Lc 2.13): "uma multidão da milícia celestial." (SI 68.17): "Os
carros de Deus são vinte milhares, milhares de milhares". Todas essas
expressões representam números simbólicos, que significam milhares sem
conta. Como é grande a bondade de Deus que, para benefício dos seres
humanos, criou tantos santos ministros!
Há, entre os anjos, categorias ou ordens. Isso fica evidente dos diferentes
nomes que Ihes são dados na Bíblia: Gn 3.24: querubim; 1s 6.2: serafim; C1
1.16: tronos, soberanias, principados, potestades; 1 Ts 4.16: arcanjo. Também
entre os anjos maus, há espíritos maiores e menores. Mt 25.41: "o diabo e
seus anjos"; Lc 11.15,18,19: "Beelzebu, o maioral dos demônios". Não
podemos, todavia, determinar o número de anjos nem descrever as categorias
ou ordens que há entre eles, visto que a Bíblia não fornece nenhuma
informação precisa sobre o assunto, tampouco enumera as categorias angélicas
Dogmática Cristã
na mesma ordem sempre. (cf. C1 1.16 com Ef 1.21) Por isso, fica impossível
dizermos qual seja a superior e qual a inferior. Gregório de Nazianza: "Ordo
angelorum notus est ei, qui ipsos ordinavit."
Baier observa com muita propriedade que, posto que os anjos difiram
entre si no que se refere à categoria, não diferem um do outro quanto à espécie
e natureza (specie et essentia). Na instituição de categorias ou ordem entre os
anjos, vemos a sabedoria de Deus, que "não é Deus de confusão". (1 Co 14.33)
Com --respeito
-- - - ao
- - estado (status originalis), todos os anjos -
seu primeiro
-
foram-orjginalmente
- --->e --
criados na mesma_bus~&a,- b o ~ d d e santidade; pois-
- - glorificar a Deus e prestar-lhe servi(;lssag_ados
cabia-lhes -v--w
- -
.- (status gratiae).
Isso significa
- -- - que,
--- --no- princípio,
.- - -- todos os anjos eram positivamente
*" ---- bons, não
sendo indiferentes moralmente
- ---
nem estando
--
lnfectados de propensão para o
- Isso ressalta
mal. --r ---- no veredito divino "muito bom". - (Gn 1.31) Que agora há
duas
/
classes de anjos, bons e maus,
--- --
- d e v e s ao fato-de alguns- -deles nã,;
- - -
fossem
- - predestinados
- -- - - -
contrário. Foram os---a
d
pecando __
_-__ de livre vontade.
_I__=_--
6. Os SAGRADOS
SERVIÇOS BONS
DOS ANJOS
0 s anjos bons são, de tal forma, confirmados em santidade, que sempre
contemplam a Deus e desfrutam a sua bondade perpetuamente. (Mt 18.10)
Em combinacão com essa visão bem-aventurada, acha-se o mais puro amor
de Deus de maneira indissolúvel, visto que, no estado de glória, não podem
(impecabilidade) nem querem pecar. (2 Co 11.14, "anjo de luz") A objeção
feita de que os anjos bons já não são moralmente livres no estado de glória,
por isso que são impecáveis, baseia-se numa falsa concepção de liberdade
moral. 0 s anjos são agentes morais livres, contudo, a sua vontade está dirigida
apenas para o que é santo. (Ap 14.10: "diante dos santos anjos") Nesse sentido,
os santos no céu serão iguais aos anjos. (Lc 20.36) Com respeito à eleição dos
anjos (1 T m 5.21), devemos manter à base da Escritura: a) que os anjos não
foram eleitos com a perspectiva da redenção de Cristo, porquanto nunca se
fizeram pecadores (Hb 2.16); b) que os anjos maus não foram rejeitados por
um decreto eterno absoluto (papistas, calvinistas), porém reservados para o
juízo eterno por causa de sua apostasia. (2 Pe 2.4)
Em consonância com a sua visão beatífica e seu perfeito amor de Deus,
os anjos bons prestam serviços perpétuos ao Criador (1s 6.3; Lc 2.13), e aos
seus santos na terra. (SI 104.4; 103.20-21; Hb 1.14) Deus não tem necessidade
do serviço dos anjos, porquanto não o requer para a própria bem-aventurança
(non ex quadam Dei indigentia); não obstante, ele quis assim (ex volutate Dei
Dogmática Cristá
DOS ANJOS
7. A OBRA MAUS E O SEU ETERNO
CASTIGO
0 s anjos perversos são maus, não porque fossem criados assim, mas
porque apostataram livremente de Deus (non ortu, sed lapsu). Não estamos
em condição de dizer por que Deus não providenciou um Redentor para os
anjos caídos como fez para o ser humano caído; porém Quenstedt sugere,
como razão provável @robabilis ratio), que os demônios pecaram sem qualquer
tentação (Jd ú), enquanto que Eva foi ludibriada por Satanás (Gn 3.1-7), e
Adão, tentado por sua mulher. Em caso algum, porém, se usará essa explanação
para limitar a livre compaixão do Deus gracioso para com os seres humanos.
A queda dos anjos maus afetou-lhes a inteligência (vis intelligendi, intellectus).
As Escrituras descrevem-nos como extremamente astutos (Gn 3.lss; 2 Co
11.3; Ef 6.11); por outro lado, como indescritivelmente estúpidos, por
aniquilarem os próprios propósitos. Assim a morte de Cristo, promovida por
Satanás (Lc 22.53), foi a sua própria ruína. (Jo 12.31)
-Os --an@s
- - maus
- -.- revelam
----- e fazem agir constantemente sua inimizade
A Doutrina dos Anjos
IMEDIATASDA IMAGEM
4. CON~EQWÊNCIAS DIWA
Segundo a Escritura, as conseqüências imediatas da imagem divina no
ser humano foram a imortalidade e o domínio.
Que Adão e Eva foram criados imortai. vê-se claramente de Cn 2.17;
Rm 5.12; 6.23. Se eles não tivessem pecado, nunca teriam morrido. Deus os
ameaçou de morte para o caso de desobedecerem ao seu Criador. Se no Paraíso
teriam morado interminavelmente, ou se Deus os teria recebido no céu a seu
tempo, as Escrituras não o dizem. Com respeito à imortalidade, é com acerto
que fazemos distinção entre imortalidade absoluta e relativa ou condicional.
A absoluta denota liberdade absoluta da morte e do seu poder destrutivo,
sentido em que são imortais Deus, os anjos, as almas h u m a n a e os corpos
dos santos no céu e dos condenados no inferno. A relativa denota liberdade
da tendência natural para morrer, porém de tal mado que a morte poderia
sobrevir em alguma eventualidade. Nesse sentido, o ser humano foi imortal
no estado de integridade. Cojsa bem-drferentgé não--[ c q.a z--dc morreu,]-e- ser
- - -de não morreu, e ainda não ser capaz- de não
capaz -- -morrer.
-
A primeira declaraçãop
refere-se
- - - .- -aos
- - santos
- -L no céu;/a segunda, a Adáo e Eva ( e G-- u estado de
integridade; a terceira, a todos os pecadores depois da queda. (Quençtedt)
O domínio do ser humano sobre as criaturas, de acordo com a Escritura,
foi consequência imediata de sua posse da imagem divina (iusticia originalis
concreata). O domínio do ser humano deve ser considerado como soberania
efetiva, de forma que todas as demais criaturas de boa vontade lhe prestaram
serviço. Depois da queda, o ser humano possui apenas vestígio pálido desse
domínio absoluto (species dominii, nudus titulus dominii), porque, agora, é
obrigado a empregar a força e astúcia para controlar as criaturas sobre as quais
procura governar. A rebeldia das criaturas contra o ser humano é consequência
direta da rebeldia humana contra Deus, a perda do seu conhecimento,
santidade e justiça concriados. Essa realidade deve lembrá-lo, para sempre, da
atrocidade do pecado e terribilidade dos seus efeitos. (SI 39.4-6)
porque, embora não fosse tomada da cabeça de Adão para o governar, ela não
lhe foi tirada dos pés para ser calcada pelo ser humano. Lutero diz: "É preciso
ter a mulher em respeito; por ser de feitura divina. Foi criada para servir ao
marido como ajudadora, criar e educar filhos na fé e piedade." Tanto o homem
como a mulher prestam melhor serviço na relação ou esfera em que Deus
criou cada um deles (Ef 5.21-33; T t 2.3-5; 1 Co 7.20), ao passo que a anulação
da ordem divina resultará em confusão e detrimento da sociedade humana.
(Pv 1.24-33). (cf. Lutero, S. L., V, 1517; 11, 540; I1 687; XVI, 2280)
2
P
-Deus,
-- em su-aça - infinita,
-- - -- fez
-- concessão de sua imagem divina ao ser
humano, afim de que ele o pudesse conhecer e servir e pudesse experimentar
perfeito gozo em comunhão com Deus e fosse 1
11_seu
. _ -______ rexresentativo
governante _I___.
portanto, má, tanto em sua natureza, como nos seus efeitos. (Gn 3.22-24;
Rm 5.12) Por isso mesmo, é como pecador (homo peccator) que o ser humano
caído constituiu a matéria da Teologia Cristã (subiectum operationis theologiae),
cuja finalidade consiste em restaurar nele a imagem de Deus pela fé em Jesus
Cristo. (2 Co 3.5,6,18) Por essa razão, a doutrina do pecado constitui parte
essencial na Teologia Cristã. (Rm 1.18-32; 2.1-12)
A doutrina do pecado é, em geral, tratada sob-três- títulos: a) o Pecado
em geral (De peccato in genere); b) O
-- Pecado original (De peccato originali); c)
-
Pecados atuais (De peccatis actualibus).
DO PECADO
1. DEFINIÇAO
De-acordo com a Bíblia, o ser humano deveria estar em- perfeita .---
conforkidade com a vontade divea @onformitascum voluntate DeiLconforme
é revelada na Lei divina (nomos). Todo afastamento .__ da norma da _ Lei divina é -
_-I__
ecado (anomia), não importa que o mesmo consista num estado ou condição
P-_--
(status, habitus) ou em ações atuais (actiones internae et externae). Considerado
etimologicamente, o pecado é, em primeiro lugar, um conceito negativo (anomia)
e como tal denota falta de conformidade da parte do ser humano com a Lei
divina (carerltia corzformitatiscurn lege). É como a Escritura define o pecado. (1Jo
3.4: FQ_pe.c_a_doé a transgressão da Lei", anomia) O pecado é, também, um
conceito positivo e, como tal, denota oposição à Lei ou transgressão da mesma.
É como a Escritura também define o pecado. (1 Jo 3.4: "Transgride à Lei", teen
anomian poiei; Mt 7.23: "Vós que praticais a iniqüidade", evgazómenoi teen
anomian) A razão disso é óbvia. O ser humano, destituído de justiça, acha-se,
ao mesmo tempo, em rebelião constante e ativa contra a Lei divina. Depois da
queda, o ser humano se recusa propositadamente a reconhecer a obrigação que
tem para com Deus (Rm 1.18,32) e transgride constantemente a Lei divina,
uma vez que a sua inclinação carnal é inimizade contra Deus. (Rm 8.7) A base
das Sagradas Escrituras, pois, descrevemos o pecado a) pelo lado negativo, como
falta de justiça ou de conformidade com a vontade divina (carentia conformitatis
cum lege); b) pelo lado positivo, como oposição real à vontade divina. (carnalis
concupiscentia sive inclinatio ad malum)
Ao definirmos o pecado, devemos precaver-nos do erro dos papistas e
racionalistas, que condenam como pecaminosas unicamente aquelas más
ações que se pratiquem consciente e deliberadamente. Contra esse erro
pernicioso, a Apologia testifica: "Nas escolas, entretanto, para cá transferiram,
da filosofia, sentenças de todo em todo diversas: que por causa de paixões
não somos nem bons nem maus, nem louvados nem repreendidos. Igualmente,
A Doutrina do Seu Humano
que nada é pecado, a menos que seja voluntário. Essas opiniões foram
externadas entre filósofos relativamente à justiça civil, não com respeito à
divina." (Art. 11, 5 43). De acordo com a Escritura, tanto as más ações (2 Sm
12.13), como os maus pensamentos e desejos (Tg 1.15; Rm 7.17; M t 5.28)
são pecados, ainda que originados por ignorância e sem deliberação. (Rm 7.19;
1 T m 1.13) Na verdade, mesmo a corrupção herdada, que ainda está presa ao
cristão e que este deplora sinceramente, é pecado em sentido absoluto. (Ef
2.3; Jo 3.5,6; Rm 7.19,24)
(Decl. Sól., Art. V, 17) Essa definição é bíblica; porque só Deus pode decretar
Leis para os seres humanos, visto que é sua prerrogativa divina. (Tg 4.12) As
Leis estabelecidas por seres humanos somente são obrigatórias, quando o próprio
Deus conferiu autoridade aos seres humanos para as elaborar. Deus, assim,
sancionou as Leis humanas. Isso ocorre com todas as Leis do governo civil e
com todos os mandamentos paternos (Rm 13.1; C1 3.20), desde que não
contradigam a Lei divina. (At 5.29) Não é, porém, o caso das chamadas "Leis da
Igreja", visto Deus haver negado expressamente autoridade Iegislativa à Igreja.
(Mt 23.10) Por conseguinte, na Igreja só devem ser reconhecidas como
obrigatórias as Leis que foram estabelecidas pelo próprio Deus.
Em todas as questões para as quais não vigoram Leis divinas, os cristãos
devem obter as decisões mediante acordo mútuo com base no amor cristão. (1
Co 16.14) Lutero, com razão, diz que o papa encheu o mundo inteiro de
obediência satânica, porque ensinou os seres humanos a obedecer, não à Lei de
Deus, mas às Leis perniciosas da Igreja. (S. L., I, 765) Ao mesmo tempo em que
apenas a vontade imutável de Deus constitui a Lei divina obrigatória para todos
os seres humanos, igualmente toda a Lei divina, com todas as suas exigências
e proibições, deve ser ensinada pela Igreja. Da mesma maneira como a Igreja
não tem autoridade para fazer Leis próprias, também não tem autoridade para
repudiar qualquer Lei feita por Deus. (Mt 5.17-19; Mc 7.6-13)
Desde que as Leis cerimoniais do Antigo Testamento foram abolidas pela
vinda de Cristo (G14.9-11; 5.1-4), já não estão em vigor no Novo Testamento (C1
Dogmática Cristã
2.16), de sorte que a vontade imutável de Deus que agora é obrigatória para
todos os seres humanos deve ser identificada com a Lei moral. (Mt 22.37-40; 1
T m 1.5) Por esse motivo,- deflliimos
-- --- o pecado - em -- geral
-" --- como desvio da Lei moral
divina, não vindo ao caso se essa
- Lei foi escrita no
- - -- - coração humano ou transmitida
- - -- - -
ao ser humano de- - outras
- -- maneiras. - Para
- os judeus n o- h -t i-g o Testamento, cada
d--e s e das Leis cegmoniais ou políticas constituía pecado. Uma vez que essas
-Leis foram abolidas &ovo Testamento por vontade--- - e@GSsaadee~e;s
- --
(C1 2.16),
é pecado restabelecê-las como necessárias e obrigatórias sobre a conSGência dos
fiéis do Novo Testamento. (Mt 15.9; G1 5.1-4) O ser humano não deve declarar
permanentes as Leis que Deus estabeleceu para serem temporárias.
disso, depois da queda, a consciência pode errar (conscientia -" . --- erronea),
-- -- de forma
q ü e ó E ~ n o--
L - -
, - I g u-i d Z m T n f ~
- - -----
Õ n s ' l T ê r a
proibido
- . - --
v -a- L
o que Deus
-- ---
permite
(comer de determinados
-- - - - alimentos em certas épocas, o consumo - - .-de . bebidas
espirituosas,
--
etc.), ou vice-versa,
-
considera
-.- -. -- .permissível o que ---- proibiu
Deus
(adorar
+,-ídolos
---L - - - obras para a salvação).
confiar nas próprias --.--o- - -- Assim, a consciência
está sujeita .---
-- a manter dúvidas (conscientia dubia) quanto à con"eniência de
~ ~ r i atos,
o s ou não pode sugerir nada além da mera probabilidade (conscientia
probabilis) do que sija certo-ou errado. O ser humano continua, pór isso, na
incerteza com respeito ao rumo que deve seguir. A consciência, depois da
queda, já não constitui mais um padrão seguro daquilo que Deus permite ou
proíbe. A- única
- norma inerrante pelaqual sepode .- -- . conhecer com - --segurança a
imutável
-- vontade de Deus-A-
é
--
a Bíblia.
-- -
Ela contém a revelação completa da Lei
divina (Mt 5.18,19; C1 3.23,24), muito embora esta tenha sido dada aos seres
humanos por causa do Evangelho. (Rm 3.19-22)
Sabemos das Escrituras Sagradas, com certeza, quais Leis devem ser
temporárias e quais, por outro lado, todos os seres humanos em todos os
tempos devem cumprir. (C1 2.16,17; C1 5.1, 2) A vontade imutável de Deus é
a Lei moral, que é obrigatória para
---
todos os seres humanos-- e -os- constrange à
obediência.
--- --
( M t 22.37-40; Rm 13.8-10) Posto que a Lei moral esteja
sumariamente contida no Decálogo,os-Dez-Ma~damentg_s,_na forma em
que foram dados aos judeus (Êx 20.1-17), não devem ser identificados com a
Lei moral, porquanto contêm feições cerimoniais. (Êx 20.8-11; D t 5.12-15)
Somente em sua versão neotestamentária, pode-se identificar o Decálogo
com Lei moral, ou seja, a vontade imutável de Deus. (Rm 13.8-10; Tg 2.8; 1
T m 1.5) (cf. Lutero, S. L., XX,146ss).
A Doutrina do Ser Humani.
4. As CAUSAS
DO PECADO
Enquanto o ser humano caído em estado de depravação se vê sempre
inclinado a transferir a responsabilidade pelo seu pecado para Deus ou para
outras criaturas (Gn 3.12,13), as Sagradas Escrituras ensinam expressamente
que Deus, de nenhum modo, é a causa do pecado do ser humano. Deus não
deve, portanto ser acusado de pecado, quer direta ("Deus criou o ser humano
com a má tendência para o pecado"), quer indiretamente ("Deus é uma causa
do pecado enquanto compartilha dos maus atos", quoad materiale).
Perguntas tais como: "Por que Deus criou o ser humano sujeito à
tentação<" ou: "Por que ainda consente em que o ser humano seja tentado
pelo pecado<" - pertencem aos "juízos e caminhos insondáveis" de Deus, que
são inescrutáveis. (Rm 11.33,36) Não podemos respondê-las nem devemos
procurar respondê-las. (Jó 40.1-5; 42.1-6) A razão pervertida quer acusar Deus
de ser a causa do pecado (determinismo panteísta) ou negar a realidade do
pecado. (ateísmo) De acordo com a Escritura, contudo, Deus não foi a causa
do pecado, nem no diabo (Jo 8.44), nem no ser humano (Gn 1.31); tampouco
aprova ou incentiva o pecado em nenhuma pessoa. (Gn 2.17; 3.8; 4.6,7; SI
5.4,5) Nem mesmo em más ações, das quais compartilha quoad materiale,
Deus deseja a iniqüidade de semelhantes ações. (Jo 19.11 comparado com Lc
22.52,53) Também o fato de Deus permitir o pecado (At 14.16), ou punir
pecado com pecado (Rm 1.26; Ts 2.11), não deve ser interpretado como se ele
fosse, de qualquer modo, a causa do mal. Em todos esses casos, ele manifesta
a sua justiça punitiva (iustitia vindicativa). Conforme a Escritura, a causa-
-
externa ou remota do--pecado,
-- - --- contudo
- a principal
. é Satanás que pecou
primeiro e, ----
a seguir, induziu o ser humano ao-pecado. (Jo 8.44; 2 Co 11.3; Ap
- - - -- -
12.9) A causa interna do pecado, e diretamente eficiente, é a vontade corrompida
do ser humano, que permite ser seduzida por Satanás ao pecado (Gn 3.6,17; Jo
8.44: "Quereis satisfazer-lhe os desejos.") Diz a Confissão de Augsburgo (Art.
19): "Embora o Deus onipotente haja criado a natureza toda e a conserve,
todavia é a vontade pervertida que opera o pecado em todos os maus e
desprezadores de Deus. Logo, o ser humano é responsável por seu pecado, ou
seja, pecador (subiectum quod peccati), apesar do fato de ser induzido pelo
diabo ao pecado e neste mantido cativo. (Ef 2.2) O subjectum quo, ou seja, a
verdadeira sede do pecado é a alma (intelecto e vontade) do ser humano,
Dogrmítica Cristã
embora o corpo partilhe o seu pecado, por ser o órgão da alma. Considerar a
alma pura e o corpo poluto é erro pagão. (gnosticismo) Visto que as Sagradas
Escrituras condenam todos os seres humanos como pecadores (Rm 3.4-23), a
doutrina papista da imaculada conceição de Maria deve ser rejeitada como
anticristã. (2 Ts 2.9,10)
Por -ser
- - o pecado transgressão da Lei (anomia), a qual Deus proíbe
- ---- -- --
expressamente,
- - -- o s e r h u m a n o torna-s diante de Deus pelo-
- (Rm 3.19) (reatus culpae)
pecado. -- - -- castigos - justos.
-- . - -muito
(C1 3.10) (reattis poenae) O modo como se deve - - punir o pecado (maneira e
extensão do castigo) não compete ao ser humano culpado decidir, mas foi
determinado e decretado
- peropróprio Deus. (Dt 9.5; Rm 6.23; M t 25.41)
A transgressão de nossos primeiros pais veio i m e d i a t a m e n t s u i d a da
morte (Gn 2.17;
A 5.12), em seu trípfice aspecto como a) morteespiritual, por -
isso que perderam - -- a.imagem
- - - - divina
-. e s e r n a r a m estranhos a Deus e
in&iramentecorruptos em ---toda- a sua natureza (Cn 5.3; Jo 3.5,6); b) morte
a
temporal, por isso que se viram s u i e i ~ s dissoIÜ50 corporal com t-odas as suas
-
eventuais
- -- - enfermidades e misérias
h - (Gn 3.16-19); c) morte eterna,por isso que se
acham ago- &baixo dz_nlakJiçáo da etgna condenação (2 Ts 1.9; M t 25.41)
A sentença de morte todavia se contrapõe a promessa do divino Redentor da
raça humana pecaminosa. (Gn 3.15) Uma vez que todos os descendentes de
Adão compartilham a sua culpa e corrupção (Rm 5.12; S1 51.5), todos, sem
exceção, estão debaixo da maldição e condenação da Lei. (Rm 3.19-23) Como,
no entanto, compartilham o pecado de Adão, também compartilham a redenção
do Salvador que foi prometido aos nossos primeiros pais. (Rrn 5.15-21)
A culpa e o castigo do pecado devem ser constantemente ressaltados
-- -- -
pelo teólogo cristão, pois o ser humano, ão, se recu- a c r e ~
que a Lei divina ensina no tocante ao pecado e suas conseqüências. Ele nega
os castigos temporais e o castigo eterno do pecado (Mt 25.41; 2 Ts l.9),apesar
de a sua consciência o acusar e condenar. (Rm 1.32; 2.15) Até mesmo crentes,
enquanto carne, se recusam a crer na severidade das ameaças de Deus (SI
90.11,12) e, por isso mesmo, o próprio Cristo proclamou tão energicamente a
verdade de que o castlgo divino é eterno. (Mc 9.43-48)
Enquanto que o derramamento da ira divina sobre os ímpios deve ser
considerado u m verdadeiro castigo d o pecado (poena vindicativa), os
sofrimentos dos fiéis na vida presente (1Co 11.32) são, na realidade, correções
paternais (castigationes gaternae), que efluem, não da ira, mas do amor (S1
94.12; Hb 12.6; Ap 3.19), apesar de que, pela forma e aparência, não difiram
dos castigos dos ímpios. Lutero, com razão, chama os castigos dos santos de
Deus "castigo gracioso e prazenteiro".
1. DEFINIÇAO
DE PECADO
ORIGINAL
O pecado original (peccatum originale), ou seja, o estado de depravação,
que se seguiu à transgressão de Adão e que agora é inerente a toda a sua
posteridade, abrange a) a culpa hereditária (culpa hereditaria) e b) a corrupçáo
hereditária. (corruptio hereditaria) Que a culpa de Adão é imputada a todos os
seus descendentes, ensina-se em Rm 5.18: "Por uma só ofensa veio o juízo
sobre todos os seres humanos para condenação;" v.19: "Pela desobediência de
um só ser humano muitos se tornaram pecadores." A corrupção hereditária
de todos os descendentes de Adão vem claramente ensinada no SI 51.5: "Eu
nasci na iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe." (Jo 3.6): "O que
é nascido da carne, é carne." Que o termo carne (sarx) aqui exprime corrupção
(carne corrupta), está provado pelo v.5: "Quem não nascer da água e do
Espírito, não pode entrar no reino de Deus." Por conseguinte, o vocábulo é
empregado aqui precisamente como em Rm 8.7: "pendor da carne". (to
phróneema tees sarkós) Consoante à Escritura, Deus, portanto, atribui (chaschab,
logízetai) a culpa de Adão a todos os seus descendentes (Rm 5.12: "porque,
eph hoo, todos pecaram".)
Por isso, embora a expressão "pecado original" não seja t e r m o
escriturístico (vox ágraphos), mas termo cunhado pela Igreja, a matéria que
exprime é verdadeiramente escriturística. 9 pecado o r g n a l é -chamado -- assim, --
a) porque provém de Adão, raiz e princípio da raça humana; -b)gorque está-
- .
2. ENTENDIMENTO
E VONTADE
CORRUPTOS
DO SERHUMANO
As Escrituras são muito claras na descrição dos efeitos da corrupção
original sobre o intelecto e a vontade do ser humano. Quanto ao intelecto, o
pecado original subentende a falta completa de luz espiritual, de modo que o
ser humano, por natureza, não pode saber ou entender as verdades da Palavra
de Deus que dizem respeito à sua conversão e salvação. Realmente, é tão
cego, que tem o Evangelho por loucura. (1 Co 2.14) Ele encara a própria Lei
que o condena (G1 3.10-12), como verdadeiro caminho para a salvação. (C1
3.1-3; Ef 4.17-18) Essas trevas espirituais espessas não se removem pela
educacão ou cultura (1 Co 2.6-9; C1 2.8), mas apenas pelo Espírito Santo por
meio do Evangelho. (At 16.14; 2 Co 4.6) Apesar de o intelecto do ser humano
corrupto ser incapaz de conhecer o Evangelho e se achar em culpa pelo lado
negativo, ele é, pelo lado positivo, propenso a emitir juízos precipitados e
falsos em coisas espirituais (At 2.13; 17.18,32), e a endurecer-se contra a
vontade divina. (At 7.51)
A Fórmula de Concórdia descreve esse estado deplorável do ser humano
natural da seguinte maneira: "Contra ambos os partidos os puros mestres da
Confissão de Augsburgo ensinaram e argumentaram que, pela queda de nossos
primeiros pais, o ser humano foi corrompido de tal maneira, que em coisas
Dogrnática Cristã
3. Os LADOSNEGATIVO
E POSITIVO
DO PECADO
ORIGINAL
,Como já foi assinalado, as Sazad-as Escrituras dgscr-evem o pecado
original a) como d~~ek~~ou~car~ncia~~de~just~~concriada (carentia iustitiae
concreatae), e b) como co~cgpiscência,isto & _ m o inclinação-constante
- e
viciosa para o mal (habitualis inclinatio ad malum). Isso se ensina em Rm 7.23:
"Vejo nos meus membros outra Lei que, guerreando contra a Lei da minha
mente"; em G1 5.17: fiAcarne milita contra o Espírito"; etc. O pecado original
é algo positivo como concupiscência @ositivum quid). O pecado, porém, não
é positivo no sentido de que seja uma substância material que subsista por si
só (substantia materialis, quae proprie subsistit). Não é uma substantia, isto é,
uma essência de existência própria, mas um accidens, matéria acidental, que
não existe por si mesma de modo essencial, mas é inerente a uma essência de
existência própria. Daí termos de fazer distinção entre natureza humana que,
também depois da queda, é obra de Deus e corrupção da natureza humana,
ou pecado original, que é obra do diabo.
A Fórmula de Concórdia mantém essa verdade contra toda forma de
maniqueísmo (flacianismo, o qual admite duas substâncias existentes, das quais
uma seria essencialmente boa e a outra essencialmente má). (Fórmula de
Concórdia, Art. I. Agostinho: "O pecado original não é a própria natureza, mas
accidens vitiurn in natura, isto é, defeito e dano acidental." Ded. Sól., 1, 5 5 r
Por outro lado, nossa Confissão argumenta, com igual ênfase, contra o
pelagianismo e o sinergismo, que "o pecado original não passa de simples,
insignificante, externa mancha ou mácula aspergida, vel corruptio tantum
accidentium aut qualitatum, isto é, a corrupção de algumas coisas acidentais
da natureza humana, com as quais e sob as quais a natureza todavia possui e
retém sua bondade e força para coisas espirituais" (Decl. Sól., I, 21), porém
"dano indizível e corrompimento tal da natureza humana, que nela e em
todas as suas forças internas e externas, nada de puro e bom ficou, senão que
tudo está inteiramente corrompido, de modo que pelo pecado original, o ser
humano deveras está espiritualmente morto aos olhos de Deus e morreu
para o bem com todas as suas forças." (Decl. Sól., I, 60) A nossa Confissão
luterana, assim, evita tanto o Cila do maniqueísmo como o Caribdes do
pelagianismo.
4. A UNIVERSALIDADE
DO PECADO
ORIGINAL
As Sagradas Escrituras ensinam, com clareza, que todos os descendentes
de Adão se acham corrompidos pelo pecado original, de sorte que, depois da
A Doutrina do Ser Humano
5. A CAUSA
DO PECADO
ORIGINAL
A causa do pecado original (peccatum originale) não é Deus, que condena
e castiga esse pecado em sua justa ira (Ef 2.3), mas o diabo (causa remota), que
seduziu nossos primeiros pais. (Gn 3.lss; Jo 8.44; 2 Co 11.3) Também os
nossos primeiros pais (causa proprinqua), que permitiram ser enganados. (Rm
5.12; 1Tm 2.14) Escreve Hollaz: "Os nossos primeiros pais são a causa imediata
do labéu original, de cuja impureza a mancha original derivou para dentro de
nossos corações. Cada coisa procede do gérmen de sua própria natureza.
Nenhum corvo negro produzirá jamais uma pomba branca, nem o feroz leão
gerará um manso cordeiro; e nenhum ser humano poluído por pecado inato
jamais gerará um filho santo." (Doctv. Tkeol., p.239)
6. Os EFEITOS
DO PECADO
ORIGINAL
Os efeitos do pecado original no ser humano são: a morte com todos os
seus castigos temporais e eternos e os múltiplos pecados atuais, dos quais todo
ser humano, por haver nascido em pecado, traz a culpa.
O pecado original, antes de tudo, acarreta a morte espiritual, ou seja, a
alienação do ser humano pecador, do santo Deus. (Ef 2.1,5,12) A menos que
se remova a morte espiritual pela conversão, a morte temporal (S1 90.7-9),
que é um castigo direto da primeira transgressão (Gn 2.17) virá seguida de
morte eterna ou condenação perpétua. (Mt 25.41; 2 Ts 1.9) A imposição
divina: "No dia em que dela comeres, certamente morrerás." (Gn 2.17)
* hiperdulia = Forma especial de culto aos santos.
- 223 -
Dogmática Cristã
da
obediência do ser -humano,
- . o teólogo luterano Brenz responderá: "Visto que
a Lei mora1 já estava escrita n o coração do ser humano, aprouve a Deus prov-
a sua [do ser humano] fé por meio de um mandamento que ainda n ã o k e
fora dado c o n h e c z " Contudo, cumpre não esquecer que todas essas
pergintas,
. em última análise, pertencem aos inescrutáveis juízos de Deus,
que estão além do alcance da razão humana.
O pecado original é a fonte de todas as transgressões atuais, de sorte
que todo pecado atual provém do interior do ser humano. (Mc 7.21-23; S1
51.3-5) Uma vez contaminada a fonte, igualmente as águas que emanam
dela são impuras. Visto que Deus náo é o autor do pecado, mas o odeia e
condena (SI 11.5; 5.4,5), a sua ira e justos castigos pairam sobre o ser humano
culpado (Rm 3.19), por culpa tanto do seu pecado original como dos seus
pecados atuais. (Ef 2.3; Rm 5.18)
1. DEFINIÇAO
DE PECADO
ATUAL
Entendemos por pecado atual @eccatum actuale) toda e qualq~e~@olação
da Lei (anomia). Está, pois, em contradição àquela anomia que todos os seres
humanos herdaram dos pais por seu nascimento pecaminoso (qtrae in omnes
homines per carnalem generationem derivatur) e, em razão da qual, são
condenados como pecadores (imputatio peccati Adamitici; conuptio hereditaria),
mesmo que não tenham infringido a Lei divina por transgressão de
mandamentos isolados. (Rm 5.19) Descrito de maneira mais concisa:
--
"Transgressão atual é todo ato, quer externo, quer interno, que está em--conflito
com-a Lei de -
-Deus." (Hutter) Lutero chama, de modo muito apropriado, o
pecado o~ign&gecado da- pes~so7~pecado da naturega: "ou pecado de
essência", porque
-- "n2&kpecado que se-comete", mas está cravado na naturga,
substância e essência do ser humano desta maneira: ainda que jamais surgisse
um mau pensamento no coração do ser humano corrompido, nenhuma
A Doutrina do Ser Hutnano
Palavra ociosa fosse proferida, nem acontecesse má ação, mesmo assim a
natureza humana está corrompida pelo pecado original, que se nos torna
nato na semente pecaminosa e é fonte de todos os pecados atuais, como
maus pensamentos, Palavras e obras, conforme está escrito: "É mau o desígnio
íntimo do ser humano desde a sua mocidade." (29) (Fórmula de Concórdia,
Epít., I, 21) Os pecados atuais subdividem-se em pecados de cometimento e
de omissão, isto é, pecados que ocorrem quando se faz (agendo) o que a Lei
divina proíbe, ou se omite (omittendo) o que a Lei divina ordena. Por essa
razão, ~ o l l a define
z o pecado atual assim: "Pecado atual-- é- o-ato
--___----
L-- -
de afastar-se,
-----__--
Dor u m ato humano tanto de conhecimento como de omissão, da norma da
Lei divina, incÓrFnxeE-fê3>ofi<abilidade
-- - ---- - - - - -de
---culga (reaius cul&ae),?ficando--
se sujeito a castigo(reatus
- poenae)." (Doctr. Theol., p.252)
A omissão do bem que a Lei exige é pecado atual, porque é ditada peh3
ódio a Deus, pelo amor ao mal e negligência proposital do dever em oposição
à consciência. (Rrn 1.32; Lc 12.47,48) Pertencem, também, aos pecados atuais
todos os maus pensamentos e desejos referentes à doutrina e à vida. (Mt
5.28; Gn 20.9; M t 15.19; Rm 7.7) Os pecados atuais são, nas Sagradas
Escrituras
-----L- chamados "obras da carne" (C1 5.19); "obras
pp-ppp - - - infrutíferas &g~revwo
(Ef 5.11); "feitos do velho ser- - (C1 3.9); "obras mortas" (Hb 6.1; 9.14);
humano"
['obras-jnj@u;s" (2 Pe 2.8), expressões essas que caracterizam esses pecados
quanto à sua'natureza e origem. Nosso -- Catecismo
-.-. - luterano define c 0 5
propriedade o pecado atual como "toda transgressão-
da Lei- divina
--- por
-
desejos,
pensamentos,
- - Palavras e obras." Recomendamos es
simples e prática.
2. As CAUSAS
DO PECADO
ATUAL
0 s pecados atuais são suscitados por causas internas do ser humano
(causae peccati actualis intra hominem) e causas externas do ser humano (causae
peccati actualis extra hominem).
A verdadeira causa dos pecados atuais dentro do ser humano é a sua
natureza corrupta (corrupto hereditaria), segundo declara a Escritura. (Rm 7.17):
"Quem faz isto não sou mais eu, mas o pecado que habita em mim." Em
especial, a Escritura menciona como causas dos pecados atuais: a) a ignorância
espiritual que resulta da corrupção hereditária (1 T m 1.13; M t 26.65,66, cf
com At 3.17); b) as emoções e paixões pecaminosas, como o temor (Mt 14.30;
Mc 14.66s; C1 2.12), a ira (Lc 9.54,55; 4.28,29), e outros dessa natureza.
Nem a ignorância do ser humano nem as suas paixões pecaminosas desculpam
os maus atos praticados e m virtude delas, tampouco removem a
pecaminosidade de semelhantes ações (1 T m 1.15; Lc 22.62); c) a habitual
inclinação para o mal (habitus vitiosus) que é produzida e confirmada por
repetidos atos pecaminosos. (Je 13.23) Ainda que a inclinação para o mal seja
Dogmática Crista
3. A DOUTRINA
ACERCA
DOS ESCÂNDALOS
A Bíblia descreve o pecado que consiste em tentar-se alguém para o
mal, como pecado do escândalo. (Rm 16.17) Causar escândalo quer dizer
ensinar ou praticar qualquer ação pela qual outra pessoa é levada a não ter fé,
a crer o erro ou a levar uma vida ímpia, de sorte que a sua fé é posta em
perigo, ou mesmo destruída. Por isso, a Escritura nos adverte com a maior
seriedade contra o pecado que constitui o causar escândalo. (Mt 18.6s~;Mc
9.42s~;Lc 17.1,2)
De acordo com a Escritura, não se causam escândalos apenas praticando
o que é mau (doutrinas errôneas, vida ímpia), mas também por uso
imprudente dos adiáforos (Rm 14: comer carne, beber vinho); porque, dessa
maneira, os irmãos fracos podem ser induzidos a praticar o que as suas
consciências, em erro, consideram pecado. (Rm 14.20): "É mau para o ser
humano o comer com escândalo." (14.23): "Aquele que tem dúvidas, é
condenado, se comer, porque o que faz não provém de fé." O cristão não
deve acalentar idéias errôneas acerca dos adiáforos. (Rm 14.22) Se, como
cristão fraco, não possui o verdadeiro conhecimento (1 Co 8.7), não deve,
sob hipótese alguma, praticar o que considera errado. (Rm 14.15,21,23)
A Doutrina do Ser Humano
4. A DOUTRINA DA OBDURAÇAO
ACERCA
Sempre que os seres humanos ímpios se mostrem escandalizados com
a pregação da Palavra de Deus de tal forma que, quanto mais a ouvem, mais
resistem ao Espírito Santo, diz-se que endurecem os seus corações para com
a divina verdade. (Êx 8.15; S1 95.8; Jo 12.40) Cumpre admitir a existência de
graus no processo de endurecimento, de sorte que nem todos os casos são
irrecuperáveis. (At 3.14-17) Assim como Deus não é causa do escândalo
gratuito em sua Palavra, ele também não é a causa do endurecimento daqueles
que se recusam a crer. (At 7.51-54) A Escritura fala, às vezes, da obstinação
como de u m ato de Deus. (Êx 7.3; Rm 1.24-26) A causa direta da obduração
é o diabo, que cega o entendimento humano e enche o coração de perversidade
(2 Co 4.4; At 5.3; Ef 2.2) e o próprio ser humano que, por sua própria vontade,
rejeita a graça divina. (Mt 13; 15) Deus não endurece o ser humano, por
acaso, mas judicial e permissivamente. (Rm 1.24,26; At 7.42) Daí se poder
descrever o ato divino de obduração como ato judicial de Deus pelo qual, por
motivo de precedente, voluntária e persistente iniqüidade, ele permite, com
justiça, que o pecador obstinado se endureça, privando-se do seu Espírito
Santo e entregando-se ao poder de Satanás. (Lc 22.3)
Dogmática Cristã
5. A DOUTRINA ACERCA
ESCRITWRÍSTICA DA TENTAÇAO
De acordo com a Escritura, há a tentação para o bem (tentatio probationis)
e a tentação para o mal (tentatio seductionis). A primeira vem de Deus e é
designada para provação e fortalecimento da fé. (Gn 22.1-18; D t 13.1s; SI
66.10s~)Porque faz sobrevir aos seus filhos tentationes probationis, nem por
isso Deus se torna autor do pecado; porquanto proporciona todas as provações
à medida da força dos seus santos (1 Co 10.13) e sustenta, graciosamente, os
seus amados em sua fé, sempre que tentados. (Lc 22.31,32; 1 Co 10.13) Por
essa razão, aqueles que resistem e vencem a tentação, não o fazem por sua
própria força ou dignidade, mas tão somente pela graça de Deus. (Rm 11.20-
22; 2 Co 12.9)
As tentações para o mal (tentationes seductionis) provêm do diabo (Mt
4.1s; 1 Pe 5.8); do mundo (1Jo 2.11-17); e da carne. (Tg 1.14; cf. 1 Ts 3.5; 1
Co 7.5; 1 T m 6.9; Mc 14.38) O fato de Cristo, que também foi tentado, ter
prometido sustentar os seus seguidores nas tentações deles é de grande
conforto para todos os fiéis. (Hb 2.18; 4.15; 2 Pe 2.9)
6. A CLASSIFICAÇAO
DOS PECADOS
ATUAIS
A finalidade da classificação dos pecados atuais é descrever, com maior
clareza, as numerosas transgressões às quais o crente está sujeito. (Jó 9.2,3)
Nosso interesse nessa classificação é, portanto, inteiramente didático. Ela
nos estimula a tomarmos em consideração as multiformes tentações pelas
quais Satanás, o mundo e a nossa própria carne estão empenhados em nos
conduzir à vergonha e ao vício. (Mt 23.41; 1 Co 10.12) Incita, também, a nos
purificarmos de toda a imundícia da carne e d o espírito mediante
arrependimento diário, aperfeiçoando a santificação no temor de Deus. (2 Co
7.1; Hb 12.1,2) Eis por que a classificação dos pecados não deve ser considerada
desnecessária e inútil, mas altamente proveitosa, em especial porque as
próprias Escrituras fazem distinção entre pecado e pecado. (1 Jo 5.16; T g
4.17; Jo 19.11) Precisamente porque "toda Escritura é [...I útil para [...I a
correção, para a educação na justiça" (2 T m 3.16), ela descreve, de maneira
clara, as incontáveis transgressões que ameaçam o cristão em sua vida terrena
(S1 19.12,13), por Palavras expressas (1 Co 5.9-11), ou por exemplos. (2 Sm
11.4,24; M t 26.48s)
a. Pecados voluntáuios e involuntários. A base de afirmações claras da
Escritura, fazemos distinção e n t r e pecados voluntários e
involuntários. Aqueles (peccata voluntaria, maliriae, proaeretica) são
atos pecaminosos pelos quais o ser humano transgride a Lei divina
por vontade deliberada, contra os ditames de sua consciência. (Jo
13.26,27,30) Estes (peccata involuntária) são atos pecaminosos que
se cometem sem perfeito conhecimento (peccata ignorantiae, 1 T m
A Doutrina do Ser Humano
israelitas por parte dos egípcios (Êx 3.9); d) a opressão das viúvas e
dos órfãos (Êx 22.22,23); e) o defraudamento dos trabalhadores
contratados em seu soldo (Tg 5.4); f) a perseguição dos cristãos. (Ap
6.9,10) Em geral, podemos descrever como pecados que bradam aos
céus todos os crimes cometidos contra os indefesos (viúvas, órfãos,
pobres, oprimidos, etc.), cuja causa o próprio Deus tem de propugnar
e defender. (Êx 3.7-9; 22.21-24; 1s 3.13-15)
g. Os pecados perdoáveis e o pecado imperdoável. É perdoável (peccatum
remissibile) o pecado do qual é possível arrepender-se, ao passo que o
'pecado imperdoável" (peccatum irremissibile) exclui a possibilidade
de arrependimento. Considerando q u e todos os pecados são
perdoáveis, com excegão do pecado contra o Espírito Santo (Mt
12.31,32; Mc 3.22-30; Lc 12.10), que é o único pecado irremissível
que a Escritura registra, esse pecado requer consideração especial.
Não se deve, no entanto, abusar da classificação, proposta com vistas
à segurança carnal e indiferença para com o pecado. Todo pecado só
é perdoável, se o pecador, em sincero arrependimento, confia na
satisfação vicária de Cristo. É apenas do ponto de vista da graça divina
que os pecados são perdoáveis, não do ponto de vista do merecimento
humano. (Rm 4.5-8) Não há "pecado inocente" perante Deus. (Rm
3.19; Gl 3.10)
h. O pecado contra o Espírito Santo. O pecado contra o Espírito Santo é
descrito na Bíblia como "blasfemar contra o Espírito Santo". (Mc
3.28,29) Essa blasfêmia distingue-se da que é dirigida contra Cristo
(Mt 12.32), a qual, segundo o Salvador ensina, é expressamente
perdoável. Como textos de referência na Escritura para o pecado
contra o Espírito Santo, os nossos dogmáticos consideram, também
1 Jo 5.16 e Hb 6.4-6; 10.26,27.
O pecado contra o Espírito Santo é imperdoável, porque é di_gic-lo~~o
contra a pessoa divina do Espírito ~ a n t ó mas
, contra o seu ofício divino ou
sua gr&iosa
- operaçáo-no coragão human- Spivitum Sanctum nodn
in personam, sed in officium Sp1ritus Sancti committitur. Essa é a natureza ou
essência desse pecado. No entanto, nem toda resistência à obra do Espírito
Santo se classifica debaixo desse pecado; ao contrário, cada pessoa no mundo
cometeria esse pecado imperdoável, visto que, por natureza, todos os seres
humanos resistem ao ~ s ~ í r i Santo.
to (1 CO-2.14; Rm 8.7)
O pecado contra o Espírito Santo só é cometido, quando o Espírito
Santo revelou claramente a verdade divina ao pecador, e o pecador, ainda
assim, profere blasfêmias contra a mesma. Eis por que não se deve identificar
este pecado a) com o da impenitência final (impoenitentia finalis) nem b) com
a blasfêmia proferida contra a verdade divina que decorre da cegueira espiritual
A Doutrina do Ser Humano
(1 T m 1.13), nem c) com a negação da verdade divina feita por temor. (Lc
22.61,62) O pecado contra o E s ~ í r i t oSanto consiste
--
na negação e rejeição
pegversa e persistente da verdade ..---divina -d
- g o-
i s de- a -mesma haver sido
suficientemente
--
reconhecida
---
e --aceita como
- - --tal, acrescida de blasfêmia
voluntária e atroz. E a rejeição maldosa e blasfema d o Evangelho por parte do
pecador endurecido, o qual, pela graciosa iluminação do Espírito Santo, obteve
plena convicção de sua verdade divina. Escreve Hollaz: "Peccatum in Spiritum
Sanctum est veritatis divinae evidenter agnitae et in conscientia approbatae
malitiosa abnegatio, hostilis impugnatio,-horrenda blasphematio et' omnium
mediorum salutis obstinata et finaliter perseverans reiectio."
A maior parte dos dogmáticos ensinam que o pecado contra o Espírito
Santo só pode ser cometido por aqueles que foram regenerados; embora outros,
e e n t r e eles Baier, m a n t e n h a m que o mesmo ocorre, também, nos
irregenerados, a saber, no preciso momento em que o Espírito Santo está para
convertê-los e, para esse fim, os convence da verdade divina. A razão pela
qual o pecado contra o Espírito Santo é imperdoável vem de ser ele resistência
maldosa e persistente à obra de conversão e santificação do Espírito Santo,
pela qual, unicamente, os pecadores são salvos.
Os calvinistas erram ao ensinarem que o pecado contra o Espírito Santo
é imperdoável por haver Deus, desde a eternidade, predeterminado para a
condenação aqueles que resistem à verdade divina maldosamente. Contra
esse erro, pode-se demonstrar que Cristo desejara sinceramente salvar os
próprios fariseus que rejeitaram a sua Palavra e cometeram o pecado contra o
Espírito Santo. (Mt 12.22-32; 23.37)
A pergunta sobre se o pecado contra o Espírito Santo ainda ocorre, recebe
a resposta afirmativa, visto que M t 12.31,32 e as passagens paralelas são
afirmações generalizadas e, assim, se referem a todos os tempos. De 1 Jo 5.16,
concluímos que, em certos casos, se podem conhecer aqueles que cometem o
pecado contra o Espírito Santo; porque, nessa passagem, pede-se aos crentes
que não intercedam por eles. ("Por esse não digo que rogue.") Ao mesmo tempo,
não devemos ser precipitados, culpando deste pecado uma pessoa que nos dê a
impressão de ser culpada dele, mas, pelo contrário, prosseguir no testemunho
da verdade sempre que tivermos oportunidade, advertindo o malfeitor contra a
terrível ofensa que nosso Senhor condena com energia, assim como ele próprio
advertiu seriamente os fariseus contra ela. (Mt 12.22-32)
Se Hb 6.4-6 e 10.26,27 tratam do pecado contra o Espírito Santo, é uma
pergunta que cabe à exegese responder, embora muitos eruditos creiam que ambas
essas passagens falem desse pecado. Em Hb 12.17, o termo "arrependimento" se
refere antes a Isaque do que a Esaú, sendo este o sentido do texto: que Esaú não
pôde, com todas as suas lágrimas, convencer o pai a mudar de idéia e fazer reverter
em seu benefício a bênção de Jacó. (Gn 27.34-38)
Dogmática Cristã
OUTRAS
CLASSIFICAÇOES
1. Pecados ocultos e mar?ifestos. São pecados ocultos os que são conhecidos
somente pelo transgressor (SI 32.3-5), ou, além dele, apenas por
algumas pessoas mais que, correta ou erradamente (Mt 18.15-16;
Lv 5.1; Pv 29.24), querem que permaneçam ocultos. Pecados
manifestos são os que se tornaram do conhecimento de muitos. (1
Tm 5.20; 1 Co 5.1) Essa divisão é de muita importância para um
tratamento correto em casos de disciplina cristã.
Pecados pessoais e pecados alheios cuja culpa partilhamos. Pecados
pessoais são aqueles que o próprio pecador comete. (2 Sm 12.13)
Pecados alheios, cuja culpa partilhamos, são transgressões cometidas
por outras pessoas com a nossa sanção, nosso consentimento ou
nossa ajuda. Partilhamos os pecados de outros, quando ordenamos,
aconselhamos as suas más ações, consentimos nelas ou somos
coniventes. Igualmente, quando não nos opomos à prática do pecado
nem prestamos informações a seu respeito, de sorte que nos tornamos
responsáveis morais por tais pecados. (2 Sm 11.15-21)
As Sagradas Escrituras admoestam-nos de maneira enfática contra a
participação nos pecados de outros. (Ef 5.7,11; 1 Tm 5.22; 2 Jo 11; Ap 18.4)
Os crentes evitam os falsos mestres, para que não tenham parte nas ofensas
que causam, divulgando doutrina falsa. (2 Jo 11; 2 Co 6.14-18; Rm 16.17,18)
Pecamos nesse ponto, também, quando sentimos prazer nos pecados de outros.
(Rm 1.32) Tal prazer nos pecados alheios é despertado, especialmente, quando
damos ouvidos a conversações imorais ou blasfemas (1 Co 15.33; Ef 4.29; 1
Tm 6.20; 2 T m 2.16) ou nos associamos com malfeitores em geral. (unionismo,
SI 1.1; Ef 5.11; SI 26.4,5)
Entre os efeitos do pecado original, devemos citar, também, a perda do
livre-arbítrio em assuntos espirituais. O termo "livre-arbítrio" (liberum
arbitrium) é empregado em duplo sentido. Em primeiro lugar, designa a
faculdade de querer @cultas volendi), pela qual se distingue o ser humano de
todas as criaturas irracionais. O livre-arbítrio, nessa acepção, é chamado
também liberdade formal ou liberdade de coerção (libertas a coactione).
Quando empregamos o termo nesse sentido, dizemos que o ser humano
não perdeu o seu livre-arbítrio com a queda em pecado; visto que, apesar de
ser tão pervertido, o ser humano corrupto, que não pode senão pecar (non
potest non peccare), não obstante, não peca contra a sua vontade, mas de livre
vontade. Ele nunca é coagido a pecar, mas comete pecado por sua livre escolha.
(Jo 8.44) Hutter escreve: "Às vezes o termo vontade ou escolha é empregado
para designar faculdade da alma, realmente a verdadeira substância da própria
vontade, cuja função é, simplesmente, a de querer. Considerado dessa maneira,
dificilmente haverá quem negue o livre-arbítrio ao ser humano." Gerhard:
"Aqui não entra em questão se a essência da vontade teria sobrevivido à queda
em pecado; porquanto o sustentamos enfaticamente, a saber, que o ser
humano não perdeu o seu arbítrio, porém a integridade dele." (Doctu. Theol.,
p.260)
O termo "livre-arbítrio", no entanto, tem sido empregado, também, no
sentido de "poder espiritual" pelo qual o ser humano seria capaz de desejar o
que é espiritualmente bom, preparar-se para a graça divina, cumprir a Lei
divina em verdadeiro amor de Deus, aceitar e crer o Evangelho e, dessa maneira,
converter-se inteiramente, ou, pelo menos, cooperar na sua conversão. A fim
de distinguir o "livre-arbítrio", neste sentido, da mera faculdade de querer, os
dogmáticos chamaram-no liberdade espiritual (libertas spiritualis) ou liberdade
material.
Quando empregado nesse sentido, o termo "livre-arbítrio", baseados na
Escritura, negamos energicamente que o ser humano, depois da queda, tenha
"livre-arbítrio". (1 Co 2.14): "O ser humano natural não aceita as coisas do
Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas
se discernem espiritualmente". (Jo 6.44): "Ninguém pode vir a mim, se o Pai
que me enviou não o trouxer". (Rm 8.7): "O pendor da carne é inimizade
contra Deus, pois não está sujeito à Lei de Deus, nem mesmo pode estar". (Ef
2.1): "Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados."
Dogmática Cristã
crer, porém não a própria fé. Resposta: Esse argumento repousa sobre
falsa premissa; pois "Deus é quem efetua em vós tanto o querer como
o realizar, segundo a sua boa vontade." (Fp 2.13) (cf. também Ef
1.19; Fp 1.29) Em outras Palavras, precisamente a fé, pela qual somos
salvos, é dom gracioso e obra de Deus.
5. O ser humano natural tem de, forçosamente, possuir livre-arbítrio
em coisas espirituais; pois, sem a sua cooperação na conversão, não
seria ele, mas o Espírito Santo que creria. Resposta: O engano de que
esse argumento vem impregnado, torna-se claro, quando
consideramos que, embora a vida temporal seja dom de Deus,
conferido ao ser humano sem a sua cooperação, a pessoa assim dotada
de vida vive por si mesma, de sorte que Deus não vive por ela. Dá-se
o mesmo com a fé, que realmente é dom de Deus, todavia, ao mesmo
tempo, um dom que o próprio crente possui. (2 Tm 1.12): "Eu sei
em quem [eu] tenho crido."
6. O ser humano natural forçosamente deve possuir livre-arbítrio em coisas
espirituais, visto que pode ler a Bíblia, ouvir a Palavra de Deus, exercitar-
se na justiça civil, etc. Resposta: Todas essas obras são apenas externas
e não o fruto de fé sincera em Cristo e de sincero amor a Deus. Aquele
fariseu que se presumia justo em si mesmo, continuou inconverso,
mesmo havendo feito tudo isso e mais ainda. (Lc 18.10-14)
7. O ser humano natural tem de possuir livre-arbítrio em coisas
espirituais; pois, se pode condenar-se por não crer, segue-se daí, com
lógica irresistível, que também pode salvar-se, desejando crer.
Resposta: A Escritura ensina enfaticamente que um não resulta do
outro. (Os 13.9)
Todas essas e outras objeções ao monergismo divino na conversão
provêm do coração carnal, que é tão orgulhoso quanto presume ser justo em
si mesmo. Aqueles que apresentam esses argumentos podem ser divididos
em três classes:
a- "Rejeitamos também o erro dos pelagianos crassos, os quais ensinaram
que o ser humano, com suas próprias forças, sem a graça do Espírito
Santo, pode converter-se a si mesmo a Deus, crer no Evangelho,
obedecer de coração à Lei de Deus e assim merecer perdão dos pecados
e vida eterna." (Fórmula de Concórdia, Epít., 11, 9)
b- "Rejeitamos outrossim o erro dos semipelagianos (44), os quais
ensinam que o ser humano pode, com as próprias forças, iniciar sua
conversão, não podendo, entretanto, completá-la sem a graça do
Espírito Santo. (45)" (Epít. 11, 10)
c- Os sinergistas ensinam que " [...I depois que o Espírito Santo, com a
pregação da Palavra, fez o começo e nela ofereceu sua graça, pode
Dogmática Cristã
da parte dele. Ser salvo pelo Evangelho, pelo Batismo, pela fé, etc., equivale a
dizer ser salvo pela graça, sem as obras da Lei, pelos meios designados por
Deus, somente pelos quais os méritos de Cristo podem ser recebidos.
Do ponto de vista do ser humano caído, falamos da necessidade da
graça divina, uma vez que, sem a graça, é impossível que o pecador seja salvo.
Do ponto de vista de Deus, porém, a graça não deve ser considerada necessária,
mas livre, pois Deus não se viu impelido por nenhuma necessidade inerente
à sua essência a salvar a humanidade culpada, porém unicamente por sua
misericórdia e compaixão. (Jo 3.16; Lc 1.78) Deus est causa libera beatitudinis
nostrae. A opinião de que a redenção do mundo tenha sido um desdobramento
necessário da essência divina deve ser rejeitada como ilusão panteísta.
2. DEFINIÇAO DIVINA
DA GRAÇA
Graça salvadora (gratia salvifica, charis sootéerios), pela qual Deus se vê
impelido a perdoar o pecado e conceder a salvação à humanidade caída, é a
sua disposição graciosa (gratuitus Dei favor), ou inclinação benevolente,
proporcionada por mediação da satisfação vicária de Cristo revelada no
Evangelho e testificada perante o mundo, a fim de que possa ser crida por
todos os seres humanos. (Rrn 3.24,25; Jo 20.31) Lutero: "A afeição ou favor
de Deus que ele em si mesmo nutre por nós"; Gottes Huld oder Gunst, die er
zu U N S tragt bei sich selbst. Gratia dei aliquid in Deo, sc. affectus Dei benevolus,
est non qualitas animi in hominibus. São sinônimos de graça, nessa acepção,
amor (Jo 3.16), misericórdia (Tt 3.5), benignidade (Tt 3.4), etc. Em sua
totalidade, esses termos descrevem, de modo mais completo, a disposição
benevolente de Deus pela qual ele é impelido, não a condenar, mas a salvar a
humanidade perdida mediante a fé no seu amado Filho.
Ainda que o termo graça propriamente designe o favor imerecido de
Deus em Cristo Jesus, a Escritura o emprega, também, para descrição dos
dons espirituais ou virtudes excelsas que Deus, como Senhor gracioso que é,
opera em todos os crentes e, por efeito das quais, estes começam a cumprir a
Lei (serviço voluntário e fiel, 1 Pe 4.10; paciência no sofrimento, 1 Pe 2.19;
administração conscienciosa do ministério da pregação. Rm 15.15,16; etc.).
Nesse caso, o efeito é, por metonímia, designado pela causa, ou seja, os dons
da graça são designados pela sua fonte divina. Nomen gratiae per metonymiam
[effectus pro causa] pro donis ex benevolentia Dei in nos collatis sumitur.
A graça, nesse sentido, deve ser excluída como causa do perdão dos
pecados e da salvação, uma vez que a Escritura ensina que o pecador é
justificado e salvo sem as obras da Lei. (Rm 3.28; Ef 2.8,9) O crente não deve
a sua salvação a uma graça inerente ou infusa, ou seja, à graça que há nele,
porém unicamente à disposição benevolente em Deus ou o gratuitus Dei favor.
Em outras Palavras, ao dizermos que somos salvos pela graça, não nos referimos
à graça divina como se manifesta em nós, mas como se encontra fora de nós:
em Deus. Dessa maneira, também, a fé não justifica e salva porque fosse
uma boa qualidade (nova qualitas) ou uma boa obra (opus per se dignun) ou
um dom de Deus (donum Spiritus Sancti) ou a fonte das boas obras em nós,
porém unicamente porque é o órgão recipiente (órganon leeptikón) mediante
o qual o ser humano que, em si mesmo é ímpio, se apropria da graça de Deus
e dos méritos de Cristo por meio da confiança implícita nas promessas do
Evangelho.
Em síntese, a fé justifica tão somente por virtude do seu objeto, que é
Jesus Cristo, o crucificado. (C1 2.16; 1 Co 2.2) Lutero: Non per se aut virtude
aliqua intrinseca fides iustificat, sed simpliciter quatenus habet se correlative ad
Christum. A Escritura ensina claramente essa verdade, opondo a fé às obras
sempre que descreve a maneira pela qual o pecador é justificado. (Rm 4.5):
'Ao que não trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é
atribuída como justiça." (Ef 2.8,9): "Pela graça sois salvos, mediante a fé [...I
não (vem) de obras."
Essa rigorosa distinção entre graça como imerecido favor de Deus e
graça como dom de Deus (donum gratiae), no artigo da justificação, é da maior
importância, pois todos quantos ensinam que a graça, na acepção de graça
infusa kratia infusa), é a causa da justificação, inculcam a salvação pelas
obras e caíram da graça. (GI 5.4) Na realidade, mesmo que conservem a
terminologia cristã, ensinam a doutrina pagã da justiça pelas obras.
A confusão perniciosa de graça e dons da graça é o erro básico da Igreja
Católica Romana que, nas Decisões do Concílio de Eento (Sess. VI, Cân. XI),
amaldiçoou a definição da graça justificadora como sendo o gratuitus Dei
favor. É forçoso que se exclua a graça infusa desse favor divino. Contudo,
também os reformados se vêem obrigados a estar na dependência da graça
infusa para a justificação, visto negarem que a graça de Deus (gratia universalis)
seja oferecida a todos os pecadores no Evangelho e nos sacramentos. São,
pois, compelidos a depender, para certeza pessoal de sua justificação, de alguma
coisa dentro deles mesmos; ou de sua renovação ou suas obras, em síntese,
da graça infusa. O mesmo se aplica a todos os entusiastas que admitem uma
operação reveladora e santificadora do Espírito Santo à parte dos meios da
graça designados por Deus (a Palavra e os sacramentos), não importa por que
nome sejam conhecidos. Zwínglio, em Fidei Ratio: "Dux autem vel vehiculum
Spiritui non est necessarium." Uma vez que o crente, nesse caso, não pode fiar-
se, para sua justificação e salvação, nas promessas objetivas de Deus, é forçoso
que se fie na sensação da graça (sensus gratiae) dentro do seu coração, ou na
graça divina como se manifesta nele.
Verdade é que, onde a graça de Deus em Jesus Cristo é aceita em
verdadeira fé, as boas obras ocorrem necessariamente e, vez que outra, a
reconfortante sensação da graça divina estará presente também. Se, porém, o
Dogmática Cristã
3. Os ATRIBUTOS
DA GRAÇAJUSTIFICADORA
Os atributos, ou adjuntos, da graça justificadora são como segue:
a. A graga justificadora é graça em Cristo. A graça justificadora não é
graça absoluta, ou seja, uma graça concedida ao pecador mediante
um "haja" da vontade soberana de Deus, porém uma graça mediada
por Cristo, graça em Cristo, ou por amor de Cristo. Conforme as
Escrituras, Deus só é gracioso para com a humanidade pecadora e
condenada, em vista do fato de o seu Filho encarnado ter resgatado
todos os pecadores da maldição e condenação da Lei mediante a sua
satisfação vicária (satisfactio vicaria). (Rm 3.24): "Sendo justificados
gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo
Jesus." O preço que Cristo pagou pela redenção da humanidade
pecadora consistiu em sua submissão à obrigação (Gl4.4,5 obedientia
activa), à maldição e ao castigo (C1 3.13 obedientia passiva) da Lei
divina que o ser humano havia transgredido.
A graça divina, portanto, não exclui a justiça divina (iustitia Dei
vindicativa); porém, pelo contrário, pressupõe a satisfação de suas exigências
mediante a morte vicária de Cristo. (Rm 8.3,4) Por esse motivo, o Evangelho,
que oferece a graça divina a todos os seres humanos (Tt 2.11), não é uma
mensagem de graça separada da morte de Cristo (modernistas, racionalistas,
Harnack: "O Filho de Deus não cabe no E~angelho'~), mas "a Palavra da
Reconciliação", logos tees katallagees (2 Co 5.19), isto é, a mensagem única
de que Deus "nos reconciliou consigo mesmo por Jesus Cristo", ou de que
"Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo."
A Escritura não permite margem para uma graça sem o pagamento da
penalidade do pecado do ser humano. Deus não perdoa o pecado, ignorando
a sua justiça nem aceita o preço inútil de resgate (as boas obras) que os seres
humanos lhe oferecem no intuito de satisfazer as exigências externas de sua
justiça. Só pelo indizível sacrifício da obediência vicária de Cristo é que se
pode conseguir a graça divina para os pecadores. (Hb 7.26,27; Ef 2.13-16; C1
1.20-22) Dai o axioma: "14 graça divina e o merecimento humano se excluem
mutuamente; todavia a graça divina inclui os méritos divinos de Cristo."
Lutero escreve sobre o assunto com muita propriedade: "Já muitas vezes
tenho dito antes que não basta fé em Deus somente, porquanto é preciso
que se paguem também as custas. Também os turcos e judeus crêem em
Deus, todavia sem os meios e as custas. E a custa qual é< O Evangelho a
revela [...I Cristo ensina aqui que não estamos perdidos, mas que temos vida
eterna, isto é, que Deus nos amou ao ponto de estar disposto a pagar a custa,
pondo seu único e amado Filho em nossa miséria, no inferno e na morte,
fazendo-o bebê-lo até as fezes." (S. L., XI, 1085ss) Ainda: "Embora a graça
nos seja dada por nada, assim que nada nos custa, não obstante a alguém
Dogmática Cristã
outro custou muitíssimo em benefício nosso; pois foi obtida mediante um
tesouro incalculável, infinito, a saber, mediante o próprio Filho de Deus."
(Ibid.)
Inúteis e tolas são perguntas tais como: "Deus não poderia ter sido
gracioso para com os seres humanos em virtude do seu soberano poder como
supremo juiz, sem a satisfação de Cristo<" ou: "Isso não é uma idéia indigna
de Deus que a sua graça para com os pecadores tivesse de, primeiro, ser
comprada pela perfeita obediência de seu Filho<" O fato de que Deus é gracioso
para com os pecadores unicamente por amor de Cristo é estabelecido de modo
enfático em sua Palavra e deve ser crido por todos os seres humanos, caso
queiram alcançar a graça divina e a vida eterna. (2 Co 5.18-20) Todo aquele
que ensina ser Deus gracioso para com os pecadores sem a morte de Cristo
(unitários, modernistas, Ritschl, Harnack, etc.) rejeita a fé cristã, advoga
doutrina pagã e está fora dos muros da Igreja Cristã; porquanto a Igreja Cristã
é a comunhão de crentes que confiam na remissão graciosa dos seus pecados
mediante o sangue de Cristo. (G1 3.26; Ef 1.7) Chemnitz escreve: Extra
Christum nulla gratia et misericordia Dei erga peccatores nec debet nec potest recte
cogitari. (Harm. Ev., c. 28, p.152). Logo, os que negam a satisfação vicária de
Cristo, negam igualmente a graça de Deus.
A graça divina é, n o entanto, negada também por aqueles que
sustentam que a expiação de Cristo não era, em si mesma, suficiente para
que servisse de resgate, mas foi declarada e aceita como tal para absolvição
do pecador pela mera vontade do próprio Deus (teoria da aceptilação; os
adeptos de Scotus, arminianos). Em última análise, essa teoria atribui o perdão
dos pecados à soberana vontade de Deus e, assim, reduz o valor do
padecimento e morte vicários de Cristo. A Escritura, porém, fundamenta a
graça divina, não só em parte, mas totalmente, na obra expiatória de Cristo,
de sorte que não há, para os pecadores, senão a graça contida em Cristo
Jesus. (Rm 3.24; At 4.12) Conforme as Escrituras, as expressões uo Evangelho
da graça de Deus" (At 20.24) e "Jesus Cristo, e este crucificado" (1 Co 2.2),
são sinônimas, de forma que aquele que prega uma tem de forçosamente
pregar também a outra.
A Confissão de Augsburgo empresta ênfase a essa verdade, ao dizer:
"Ensina-se também que não podemos alcançar remissão do pecado e justiça
diante de Deus por mérito, obras e satisfação nossos, porém que recebemos
remissão do pecado e nos tornamos justos diante de Deus pela graça, por
causa de Cristo, mediante a fé, quando cremos que Cristo padeceu por nós e
que por sua causa os pecados nos são perdoados e nos são dadas justiça e vida
eterna. Pois Deus quer considerar e atribuir essa fé como justiça diante de si,
conforme diz São Paulo em Romanos 3 e 4 (31). (Art. IV cf. também Lutero,
S. L., XII, 261ss)
A Graça de Deus para com a Humanidade Ptxakr,i
seriamente aos seres humanos a sua graça (graça irresistível). Essa doutrina,
contudo, também é antiescriturística; pois a Bíblia afirma ser possível resistir
à operação do Espírito Santo feita mediante o Evangelho (At 7.51; Mt 23.37),
mesmo que a operação seja, em si mesma, operação do poder divino. (Ef 19.20)
Como no reino da graça é possível resistir-se a Deus, quando opera por meios,
assim também é no da natureza; pois a vida, que se origina e se mantém
somente pela onipotência divina (At 17.28), pode ser destruída pelo débil ser
humano. Não se pode resistir a Deus quando trata com o ser humano em sua
soberana majestade. (Lutero: in nuda maiestate, Mt 25.31s~)Quando, porém,
se acerca do ser humano pelo uso de meios, sempre é possível uma resistência
por parte deste.
Se for feita a objeção de que Deus se torna causa da condenação do
pecador, ao menos nos casos em que lhe endurece o coração (cf. o juízo divino
da obduraçáo), responderemos que, de acordo com a Escritura, Deus oferece
a sua graça com a maior seriedade mesmo àqueles que endurecem os seus
corações. (Rrn 10.21; Êx 5.lss) O juízo divino da obduração jamais é absoluto
ou arbitrário; Deus só endurece aqueles que se endureceram primeiro a si
mesmos por resistirem à sua Palavra e vontade. (Rm 11.7,20)
c. A graça justificadora é séria e eficaz (gratia seria et efficax). Apesar do
fato de se poder resistir à graça divina (gratia resistibilis), não a
devemos considerar um "desejo infrutuoso" ou "complacência
indiferente pela qual Deus não deseja efetuar ou obter as coisas que
lhe agradam7' (otiosa complacentia, nuda velleitas), porém considerá-
la séria e eficaz. Isto é, Deus tem o sincero propósito de, por meios
suficientes e eficazes, efetuar a salvação de todos os seres humanos.
(Rm 2.4; 1.16)
Essa verdade é comprovada a) pela ordem divina de que se pregue o
Evangelho a toda criatura (Mc 16.15,16) e se façam discípulos de todas as
nações. (Mt 28.19,20) Isso não se deve tomar por zombaria da parte de Deus;
b) por sua divina promessa de conceder o seu Santo Espírito a quantos ouçam
a sua Palavra a fim de que neles possa operar a fé salvadora. (Zc 12.10; At
2.17,18; Ez 11.19,20; 36.26,27; At 2,38; 7.51); c) por sua confortadora
afirmação de que, não só começará, como também efetuará, aperfeiçoará a
boa obra em todos os crentes. (Fp 1.6); d) pelo seu mais sério empenho em
operar a fé naqueles que resistem ao Espírito Santo (Mt 23.37; At 7.51), de
sorte que, os ímpios perecendo, fazem-no unicamente por sua incredulidade.
(2 C0 4.3,4)
A eficácia da graça divina, em oposição à Escritura, é negada a) por
todos os particularistas (calvinistas), que restringem aos eleitos o desejo eficaz
de Deus de efetuar a salvação nos seres humanos; b) por todos os sinergistas,
os quais ensinam que Deus só opera no ser humano a capacidade para crer,
não a própria fé, visto que esta, como dizem, depende da decisão ou boa
A Graça de Deus para com a Humanidade Pecadora
4. A TERMINOLOGLATEOL~GICA
CONCERNENTE
A DIVINA DA GRAÇA
VONTADE
O imerecido favor e amor de Deus que ele nutre por todos os pecadores
em Cristo Jesus é também chamado a boa e graciosa vontade de Deus. (1 T m
2.4: theós thelei) Fundamentados em claras passagens escriturísticas que
expõem a disposição de Deus para com a humanidade, dizemos que a vontade
divina é ordenada, condicional, antecedente e conseqüente, revelada e oculta.
É necessário cuidado para que esses termos sejam entendidos corretamente e
empregados convenientemente.
a. A vontade divina pela qual Deus deseja seriamente a salvação de
todos os seres humanos (voluntas guatiae) não é absoluta (voluntas
absoluta), mas ordenada (voluntas ordinata). Por isso, se alicerça na
obediência vicária de Cristo (sarisfactio vicaria) e, pelo que concerne
a Deus, compreende e m si os meios transmissores (Palavra e
sacramentos, media dotiká) e, pelo que concerne ao ser humano, os
meios receptores (a fé, medium leeptikón). Deus deseja sinceramente
salvar todos os seres humanos, porém somente por amor de Cristo e
pela fé, a qual ele mesmo opera no ser humano pelos meios da graça.
(Mc 16.15,16; Rm 10.17) Só se pode chamar a divina vontade da
graça absoluta no sentido de que é inteiramente independente de
merecimento e dignidade humanos. Não a consideramos, porém,
absoluta, quando atentarmos para o mérito de Cristo em que se
fundamenta.
b. A expressão vontade condicional (voluntas conditionata) é ambígua e
pode ser empregada tanto correta como erroneamente. Emprega-se
corretamente, quando tomada no sentido de vontade ordenada
(voluntas oudinata), vale dizer - quando expressa a importante verdade
de que Deus quer salvar os pecadores unicamente por Cristo, pelos
meios da graça e pela fé suscitada por estes. Emprega-se erroneamente,
quando tomada no sentido sinergista, que a salvação do ser humano
depende, ao menos em parte, de sua cooperação na conversão, ou que
a salvação do ser humano seria condicionada por sua boa conduta.
Se se fizer a objeção de que a própria Escritura condiciona a salvação do
ser humano à sua obediência, cumpre notar a distinção que fazemos entre a
vontade de Deus revelada na Lei e a sua vontade revelada no Evangelho
(Gesetzeswille, Evangeliumswille). A Lei divina exige de todos os seres humanos
perfeita obediência. (Mt 22.37-40; Lc 10.28) Semelhantes promessas da Lei
pressupõem sempre uma condição real; pois, se alguém guarda a Lei
perfeitamente, merece a vida eterna.
Contudo, porque o ser humano pecador, corrompido pela queda, não
está em condições de guardar a Lei divina completamente, Deus, em sua
A Graça de Deus para com a Humanidade Pecadora
1. INTRODUÇAO
A Escritura chama Cristo de verdadeiro Deus e dá-lhe todos os atributos
divinos; mas chama-o, também, verdadeiro ser humano e dá-lhe todos os
atributos comuns ao ser humano, ou seja, Homem-Deus (theánthroopos).
Por essa razão, devemos rejeitar como não-escriturística toda doutrina
que negue ou restrinja a verdadeira divindade de Cristo (monarquianismo,
unitarianismo); a sua verdadeira humanidade (os docetas, gnósticos,
anabatistas) e a união pessoal das duas naturezas numa só pessoa (unio
personalis) juntamente com as doutrinas resultantes da comunhão das duas
naturezas (communio naturarum) e a comunicação dos atributos (communicatio
idiomaticum). As controvérsias dos luteranos em defesa das duas últimas
doutrinas foram dirigidas contra os calvinistas e contra os papistas.
DIVINDADE
2. A VERDADEIRA DE CRISTO
A Bíblia atesta, de maneira incontroversa; que Cristo é verdadeiro Deus,
coeterno e consubstancial com o Pai. As provas para essa doutrina podem ser
agrupadas do seguinte modo: A Escritura confere a Cristo:
a) O nome Deus (théos, Jo 1.1) e Filho de Deus (hyiós thou theou, Mt
16.16), e não num sentido impróprio, em que são aplicados também
a criaturas (theói legómenoi, dei nuncupativi (1 Co 8.5; Jo 10.35), porém
no seu sentido próprio, ou metafísico, de forma a dizer-se que Cristo
possui, não só funções divinas, mas também aquela uma essência
divina. (Jo 10.30): "Eu e o Pai somos um (hen)"; (Jo 1.14): Glória
como do unigênito do Pai" (doxan h005 monogenous para patrós). Até
mesmo o nomen Dei essentiale et incommunicabile Jeová é conferido a
Cristo. (SI 97.1,7; cf. com Hb 1.6)
b) 0 s atributos divinos: eternidade (Jo 8.58; 17.5; 1.1); onisciência, (Jo
21.17); onipotência. (Jo 10.28-30)
c) As obras divinas: criação e conservação (C1 1.16,17; Jo 5.17-19); a
ressurreição dos mortos (Jo 5.21,29); os milagres operados pelo seu
próprio poder. (Jo 2.11)
d) Honra e culto divinos (Jo 20.28; 5.23; Fp 2.9s~).Assim a Escritura,
por todos os meios, descreve Cristo como sendo igual a Deus em
majestade, glória e honra divinas. (Fp 2.6)
Quando os modernos subordinacianos objetam que Cristo só é chamado
Deus no predicado, porém nunca no sujeito, respondemos que isso não é
A Doutrina de Cris::
3. A VERDADEIRA
HUMANIDADE
DECRISTO
A razão pela qual se fez necessária uma comprovação detalhada da
verdadeira humanidade de Cristo provém do fato de alguns terem incorrido
no erro de negar a verdadeira natureza humana de Cristo: a) totalmente
(docetas: O corpo de Cristo era um fantasma); b) Outros a negam em parte,
com a negação de sua alma humana. (arianos: O logos tomou o lugar de sua
Dogmatica Cristã
efetuou a união (unitio) das duas naturezas. A Escritura, porém, não ensina
uma união das duas naturezas em Cristo por coadunação, porém uma união
por encarnação. (Jo 1.14) Se a Teologia moderna se opõe a essa doutrina,
baseada em que a união do Filho de Deus com um embrião não poderia ser
considerada digna de Deus, retrucamos que essa "indigna conceição de Deus"
vem claramente constada na Escritura. (Lc 1.35) Outrossim, se objetar que
uma tal união íntima seria inconcebível, contrapomos que a Escritura mesma
descreve a encarnação como sendo um "mistério da piedade", que é
"evidentemente grande". (1 T m 3.16)
A fim de enfatizar a verdade segundo a qual o Filho de Deus realmente
assumiu uma natureza humana, porém não pessoa humana, os nossos
dogmáticos dizem: Deus assumpsit naturam humanam, ou seja humanitatem;
todavia não: Deus assumpsit hominem. Em vista do fato de a Teologia racionalista
moderna haver convertido a doutrina das duas naturezas (Zweinaturenlehre)
em doutrina de duas pessoas, essa distinção é de alta importância. A modalidade
mais extremista da Teologia moderna considera Cristo simples ser humano, no
qual Deus se teria revelado num mais alto grau que num ser humano comum
(Ritschl; modernismo); em outras Palavras, a diferença entre Cristo e todos os
demais seres humanos seria apenas de grau, não de espécie.
4. A UNIÁOPESSOAL
(DE UNIONE
PERSONALI)
Deus sempre se acha essencial e ativamente presente em todas as
criaturas. (Jr 23.24; Ef 4.10) A essa união com o Deus triúno, todas as coisas
criadas devem a sua subsistência. (At 17.28; C1 1.16-18) Essa união tem-se
denominado adequadamente união geral (unio generalis), por abranger todas
as coisas existentes, animadas e inanimadas, racionais e irracionais, em todo
o reino da natureza. Como acréscimo a essa união, a Bíblia ensina, também,
outra união (unio specialis, unio spiritualis), a saber, a graciosa união do Deus
triúno com os seus crentes (unio mystica), graças à qual a comunhão dos
santos é o templo vivo, espiritual de Deus. (Jo 14.23; 1 Co 3.16s; 6.17-19; Ef
1.22,23) A Escritura Sagrada ensina, ainda, a união sacramental (unio
sacramentalis), por efeito da qual o verdadeiro corpo e sangue de Cristo estão
real e substancialmente presentes na ceia do Senhor e são distribuídos e
recebidos em, com e sob o pão e o vinho.
Diferenciamos, dessas uniões, a união pessoal (unio personalis), graças à
qual as naturezas divina e humana de Cristo estão intimamente unidas na
única pessoa do Homem-Deus. (união hipostática, unio hypostatica) Assim
Hollaz define a união pessoal: "A união pessoal é a conjunção das duas
naturezas, a divina e a humana, as quais existem nesta uma hipóstase
(hypóstasis, persona) do Filho de Deus, produzindo uma comunhão mútua e
A D o u t r i n a de Cristo
o erro de Nestório que, embora afirmasse uma conexão (synápheia) das duas
naturezas, considerava-as separadas (A Fórmula de Concórdia: "Das tábuas
coladas uma à outra"), negando, assim, a união pessoal e, em particular, a
comunhão das naturezas e a comunicação dos atributos. (Mana não é theotokos)
Contra ambos esses erros, o Concílio de Calcedônia (451) declarou:
"Confessamos um e o mesmo Jesus Cristo, o Filho e Senhor unigênito, em
duas naturezas (en dyo physesin) sem mistura (asynchytoos), sem conversão
(atreptoos), [contra Eutíquio], sem divisão (adiairetoos), sem separação
(achooristoos), [contra Nestório] ." O erro de Nestório foi, mais tarde, defendido
por Zwínglio (allóioosis), que ensinou: " Sempre onde a Escritura diz Cristo
ter padecido, tens de ler: Somente a natureza humana padeceu."
Os nossos dogmáticos dizem, em refutação ao erro, tanto de Eutíquio
como de Zwínglio (Nestório): "As duas naturezas em Cristo estão unidas a)
de modo inconverso (a natureza divina não foi convertida em carne; contra
Eutíquio), b) de modo inconfuso (as duas naturezas não foram misturadas de
modo a produzir um terceiro objeto; contra Eutíquio), c) de modo inseparável
e ininterrupto. (contra Nestório) Isso quer dizer que as duas naturezas em
Cristo jamais são separadas por qualquer intervalo, seja de tempo ou de lugar.
A união não foi nem dissolvida por ocasião da morte (tempo), nem tampouco
o logos, depois da encarnação, se acha presente em parte alguma fora da carne.
(lugar) Depois da encarnação, o Filho de Deus é, sempre e em toda a parte,
Filius Dei incarnatus. Neque caro extra logon, neque logos extra carnem." (Jo 1.14;
C1 2.9; Rm 5.10; etc.)
A Igreja Cristã confessa, em oposição a todos os que professam esse
erro, sejam antigos ou modernos, que a união pessoal:
a) Não é unio nominalis, união nominal, como se o Filho do ser humano só
fosse Deus de nome. (Deus nuncupativus) Cristo é, verdadeira e
essencialmente, Deus (Jo 10.30), de modo que a união pessoal é real.
(uni0 realis) Embora todos os unitários estejam dispostos a chamar Cristo
Deus (Ritschl: "Para nós, Cristo tem o valor de Deus; logo, ainda que a
atribuição de divindade a Cristo não seja um juízo real [Seinsurteil], é
juízo de valor [Werturteií]"; Harnack: "Pode-se chamar Filho de Deus a
Cristo, porque aos seres humanos proclamou a paternidade de Deus"),
eles negam veementemente que Jesus seja Deus de fato.
b) Não é unio naturalis, união natural, como a da alma e do corpo, que
foram criados um para o outro. A união pessoal não é uma união
natural, visto unir íntima e inseparavelmente o Criador e a criatura,
Deus e o ser humano, numa só pessoa. (ens increatum et creatum)
Essa união é, por conseguinte, incompreensível para a razão humana.
(1 T m 3.16) No intuito de torná-la de algum modo inteligível à mente
humana, alguns teólogos escolásticos disseram que o Filho de Deus foi ligado
A Doutrina de Cristo
à natureza humana por meio da alma (mediante anima), uma vez que, só
desta maneira, dois seres imateriais podem ser ligados. (Deus e alma são
espúritos.) Todavia, a alma é, de igual modo, criatura como o corpo, de Forma
que, com isso, não fica resolvido o grande problema de como Deus poderia
unir-se a uma criatura numa só pessoa. Essa opinião é, também,
antiescritudstica; pois, enquanto Cristo rendeu o seu espírito na morte (Mt
27.50; Mc 15.37; Jo 19.30), de maneira que a união natural (unio naturalis)
do corpo e da alma cessasse, a união pessoal não cessou. (Rm 5.10: A morte
de Cristo foi a morte do Filho de Deus.) Por esse motivo, a união pessoal não
pode ser uma união natural ou união mediante anima.
c) Não é unio accidentalis, união acidental, como quando duas tábuas
estão coladas uma à outra, ou quando o corpo humano está envolto
em vestuário. Uma união acidental não liga - duas coisas em uma, da
maneira como a união pessoal une as duas naturezas numa só pessoa.
De duas coisas ligadas acidentalmente, uma pode estar danificada e
a outra não. (As vestes podem estar rotas, enquanto que o corpo
permanece ileso.) A natureza humana em Cristo se achava ligada à
divina de tal modo que, ao sofrer a natureza humana, ao derramar
sangue e morrer, o Filho de Deus sofreu, derramou seu sangue e morreu.
(1 Jo 1.1,7; 1 Co 2.8; At 20.28)
d) Não é unio sustentativa (nuda parousia sive parástasis), ou união
sustentante pela mera presença divina, mediante a qual Deus está
presente em todas as criaturas e as sustenta. (C1 1.17; At 17.28) É
verdade que a natureza divina sustentou a humana por ocasião do
grande padecimento de Cristo (Mt 26.42); apesar de que a essência
da união pessoal não consiste nesse ato de sustentação, mas, pelo
contrário, na mais íntima conjunção das duas naturezas na pessoa
única de Cristo. As criaturas jamais são assumidas pela Divindade,
apesar da presença sustentante de Deus. Pela união pessoal, porém,
a natureza humana de Cristo foi aceita na pessoa do Filho de Deus.
e) Não é uni0 habitualis (relativa, schetikée), união relativa que pusesse
duas coisas em certa relação uma para a outra, mas ainda assim as
deixasse separadas essencialmente. Assim dois amigos estão ligados
entre si pela união do amor recíproco; contudo, permanecem como
duas individualidades distintas separadas até mesmo pelo espaço.
Já a união pessoal das duas naturezas em Cristo não foi relativa
(Teodoro de Mopsuéstia, V, cerca de. 428), visto que a plenitude
da Divindade habita corporalmente em Cristo. (C1 2.9) As duas
naturezas em Cristo estão ligadas de modo inseparável e
constituem, pela sua união íntima e permanente, o Cristo
indivisível. Mesmo que a união efetuada pela amizade possa cessar,
a união pessoal jamais cessará.
Dogmática Cristã
5. A NATUREZAS
COMUNHÃO DAS
NATURARUM)
(DE COMMUNIONE
Fez-se necessária uma discussão especial da comunhão das naturezas
(communio naturarum) em virtude de terem, tanto os reformados como os
papistas, admitido a união da natureza humana de Cristo com a pessoa
(hypóstasis) do logos. Negam, porém, a comunhão real e direta das naturezas
entre si. Enquanto concordam com a uniu personalis, rejeitam a commcrnio
naturarum. A oposição que Fazem a esta última doutrina, que a Escritura
ensina com muita clareza, baseia-se no axioma racionalista: "O finito não é
capaz do infinito." Finitum non est capax infiniti. Escreve o teólogo reformado
Danaeus: "Nada do que seja próprio e da essência da Divindade pode ser
comunicado a uma coisa criada, como o é a natureza humana assumida por<
Cristo." (Pieper, Christl. Dogmatik, 11, 135ss) Os teólogos calvinistas insistem
tanto nesse ponto, que acusam os luteranos, que afirmam, com base na
Escritura, a communio naturarum, de eutiquianismo, ou seja a mistura das
duas naturezas.
Com a negação da communio naturarum, os reformados e papistas
contradizem e negam a sua própria doutrina da união pessoal. Se o finito não
é capaz do infinito, é impossível a união da natureza humana com a pessoa
do logos (união pessoal), visto a pessoa do Filho de Deus ser tão infinita como
a sua natureza divina. Não poderá haver uma união pessoal. Nesse caso, toda
Dognzática Cristã
6. A COMUNICAÇAO
DOS ATRIBUTOS
(DE COMMUNICATIONE
IDIOMATUM)
Visto que a união pessoal não pode estar perfeita e ser penetrativa
(pericorística) sem a participação das qualidades, a comunicação dos atributos
(communicatio idiomatum) das duas naturezas em Cristo é conseqüência
A Doutrina de Cristc
obrigatória da união pessoal. Ao assumir, na sua pessoa, uma natureza humana
verdadeira, o Filho de Deus assumiu, também, as qualidades que são próprias
à natureza humana. (ser criatura, nascer, sofrer, morrer, subir e descer,
locomover-se, etc.) Todo aquele que nega a comunicação dos atributos tem
de negar, também, a união pessoal, ou seja, o mistério sublime de que o Verbo
se fez carne.
Hollaz descreve da seguinte maneira a comunicação dos atributos
(communicatio idiomatum): "A comunicação dos atributos é a participação
verdadeira e real das propriedades da natureza divina e da humana em
conseqüência da união pessoal em Cristo, o homem-Deus, que é denominado
segundo uma ou segundo ambas as naturezas." (Doctr. Theol., p.321)
Não entendemos pelo termo propriedades (idióomata, propria), que é
empregado aqui em seu sentido mais amplo, unicamente as propriedades
naturais em si, mas também o que fazem e padecem (energéemata kai
apotelésmata, actiones et passiones), por cujo intermédio as propriedades são
externadas. (criar - ser criado; dar vida - perder a vida)
Embora os atributos de ambas as naturezas sejam atribuídos ao concreto
das duas naturezas (Cristo - O homem-Deus) ou ao concreto de cada uma de
ambas as naturezas (Deus - o Filho do homem), ainda assim não decorre
disso que as propriedades de uma natureza se converteram em propriedades
da outra (Deus não é mortal; o ser humano não é eterno); porquanto pela
união pessoal, as duas naturezas não se convertem em substância, mas cada
uma conserva os atributos que lhe são essenciais ou os que lhe são naturais.
(Doctr. Theol., p.313) É, pois, unicamente à pessoa que se podem atribuir sem
mais distinção os atributos de uma ou de outra natureza. Essa verdade será
considerada mais tarde com maiores detalhes.
Quando falamos do "concreto da natureza divina", referimo-nos a
termos como Deus, Filho de Deus, o logos, etc.; quando falamos do "concreto
da pessoa" ou das duas naturezas, referimo-nos a termos como Cristo, Messias,
Emanuel, etc., que significam a pessoa constituída de duas naturezas.
Embora cada verdade que se estabeleça sob o título "Comunicação dos
Atributos" esteja contida na doutrina da união pessoal, tratamos dos
ensinamentos da Escritura sobre esse ponto sob três epígrafes distintas, a fim
de que essa doutrina possa ser percebida com facilidade e clareza e a antítese
dos que professam o erro possa ser refutada com a maior eficiência.
Conseqüentemente, falamos de Tuês Gêneros de Comunicação dos Atributos.
reformada, a natureza humana de Cristo não recebeu dons divinos, mas apenas
dons finitos extraordinários, dos quais a natureza humana, em geral, é capaz.
Essa negação da comunicação dos atributos divinos à natureza humana é, no
entanto, também, negação da união pessoal; pois, se a natureza humana de
Cristo não pudesse participar dos atributos divinos, não poderia ser admitida
na pessoa do logos, de modo que não poderia haver encarnação (união pessoal),
mesmo que reformadores e papistas a mantenham teoricamente.
Em oposição ao erro dos reformados e papistas, a Escritura afirma que
Cristo, segundo a sua natureza humana, recebeu, no tempo, onipotência
divina. (Mt 28.18: "Toda a autoridade me foi dada"; Jo 5.27: "autoridade para
julgar "; 6.51: poder para vivificar; cf. também Mt 16.27; At 17.31), consciência
divina (C1 1.19; 2.3,9), onipresença divina (Mt 18.20; 28.20; Jo 3.13; Ef 1.23;
4.10), majestade divina (Mt 11.27; Lc 1.33; Jo 6.62; Fp 2.6; Hb 2.7), glória
divina. (Mt 26.64; Mc 14.62; Rm 8.34; Ef 1.20; 4.10; Hb 8.1) Como acréscimo
a essas passagens, o genus maiestaticum vem claramente ensinado em Jo 1.14,
onde se declara expressamente que a glória que foi conferida à natureza
humana se viu mesmo no estado de humilhação de Cristo. Em C1 2.9, também
se diz que a plenitude da Divindade habita corporalmente em Cristo de forma
que, na verdade, a majestade divina inteira foi comunicada ao corpo ou à
natureza humana de Cristo.
Em consonância com a Escritura, mantemos que a natureza humana
de Cristo, mediante a união pessoal, entrou na posse de todos os atributos
divinos do logos, naturalmente não de modo essencial((forma2iter), porém por
comunicação. (per communicationem) É precisamente isso que pretendemos
afirmar com o segundo gênero de comunicação dos atributos.
Como explicação adicional do genus maiestaticum, acrescentamos o
seguinte:
a. Temos de fazer distinção entre possessão (kteesis) e uso (clzreesis) dos
atributos divinos comunicados à natureza humana. Referente à
possessão, as propriedades divinas foram comunicadas à natureza
humana ao mesmo tempo, precisamente na hora ou no ato de
unificação (concepção), de sorte que o próprio infante Jesus estava de
posse de inteira majestade e glória divinas. (Jo 1.14, Lc 1.35) Cristo,
no entanto, durante o estado de humilhação, absteve-se do completo
uso da majestade atribuída, ainda que, frequentemente, se
manifestassem raios de onipotência divina, onisciência. (Jo 12.28;
; t 1 7 . 2 s ~ ) O exercício perfeito e
M t 3.17; Jo 14.11; 1 1 . 4 3 s ~ M
constante da majestade que lhe foi comunicada começou quando
de sua exaltação à destra de Deus. (Ef 1.23; 4.10; Fp 2.9s~)
b. A reciprocidade, que realmente se dá no primeiro gênero, não ocorre
no genus maiestaticum; porquanto não pode haver humilhação,
A Doutrina Jt Cr:x
DO ESTADODEHUMILHAÇAO
1. DEFINIÇAO DECRISTO
A encarnação de Cristo consistiu essencialmente no excelso milagre
que o Filho de Deus, com a plenitude da Divindade, formou uma união pessoal
indissolúvel com a natureza humana. (Jo 1.14; C1 2.9) A partir do momento
da sua concepção (Lc 1.35), a natureza humana de Cristo estava na posse
(kteesis) de todos os atributos divinos e de toda a majestade e glória divinas.
(Jo 1.14; 2.11) Para que pudesse redimir-nos mediante a sua santa obediência
(ativa, C1 4.4,s; passiva, 1s 53.4-6), Cristo, desde a hora de sua concepção até
a sua revivificação na sepultura, absteve-se do uso completo e constante
(chueesis) dos atributos da majestade e glória que Ihe foram comunicados. (Fp
2.6s) Durante toda a sua vida terrena, até a conclusão de sua obra redentora,
mostrou-se na forma de servo, tomando sobre si todas as fraquezas e
enfermidades da natureza humana depois da queda e sendo sujeito à obrigação
(Mt 3.15; G1 4.4) e maldição (G1 3.13) da Lei divina.
Essa condição de auto-renúncia denominamos "estado de humilhação
de Cristo." (status exinanitionis) A humilhação de Cristo não consistiu
essencialmente no ato da encarnação, embora houvesse sido condescendência
muito graciosa da parte do Filho de Deus assumir a nossa natureza humana;
pois, enquanto o estado de humilhação cessou com o seu sepultamento (Fp
2.8ss), a união pessoal que resultou da encarnação, jamais cessou. (Ef 1.20-
23; 4.10) Outrossim, apesar de, na encarnação, o Filho de Deus ter formado
uma união verdadeira e real com a natureza humana, o estado de humilhação
não pertence à natureza divina de Cristo, porém apenas à humana. (contra o
quenoticismo moderno) Baier define o estado de humilhação da seguinte
maneira: "Nisto consiste o estado de humilhação: que Cristo por algum tempo
renunciou, verdadeira e realmente, contudo espontaneamente, o pleno
exercício da majestade divina, para que pudesse padecer e morrer em prol da
vida do mundo." (Doctu. Theol., p.377ss)
A doutrina da humilhação de Cristo conforme se apresenta nas
Confissões da Igreja Luterana é, verdadeiramente, escriturística. A Escritura,
não só estabelece a doutrina dos dois estados de Cristo com clareza (Fp 2.6-
11), mas também atribui plena posse de todas as propriedades, majestade e
glória divinas à sua natureza humana nos dias da sua carne. (Jo 1.14; 2.11;
5.17; M t 11.27; C1 2.3,9, etc) Em outras passagens, apresenta o mesmo Cristo
sem fazer uso de suas prerrogativas divinas, de forma que o Cristo que é
infinitamente rico, também foi pobre. (Mt 8.20; 2 Co 8.9) Aquele que é o
Deus onipotente (Jo 6.68,69; 1s 9.6), também foi fraco. (Lc 22.42,43) Aquele
que é o Criador e Senhor de todas as coisas (Jo 1.1-4; M t 8.27,29), também
A Doutrina de Cristo
esteve sujeito ao ser humano. (Lc 2.51,52) Aquele que é o Autor da vida (At
- 3.15; Ap 1.18), também foi capturado e morto pelos seres humanos. (Lc
22.54,63; 23.33-37,46)
A Bíblia explica essas afirmações aparentemente contraditórias pelo fato
de o Filho do homem não ter feito uso constante e pleno das prerrogativas
divinas comunicadas a ele como ser humano. (Jo 10.18) Cristo morreu, porque
não fez uso do seu poder para viver. (Fp 2.6-8) Cristo morreu, porque a si
mesmo se humilhou. Disso decorre que o estado de humilhação se tornou
possível e real, porque Cristo se absteve do uso completo e ininterrupto da
plenitude da Divindade, que habitava nele corporalmente a partir do
momento de sua concepção.
A razão pela qual o nosso Salvador se absteve do uso pleno de sua
majestade divina plena a ele comunicada, consiste no fato que, segundo a
Escritura, executou a obra da redenção mediante a satisfação vicária. (1s 53.1-
6; 2 Co 5.19-21) Se ele fizesse uso pleno de sua majestade divina, como fez
na sua transfiguração e depois da ressurreição (Mt 17.1-8; Jo 20.17,19), não
poderia ser nosso substituto (Fp 2.6-8; 1s 53.1-6) nem render obediência total
(C1 4.4,5; 3.13) ao seu Pai celestial em nosso lugar. Porém, visto que se
humilhou (ekénoosen) pela abstenção do uso pleno de sua majestade divina,
tomando a forma de servo, aparecendo na semelhança dos seres humanos e,
dessa maneira, rendendo perfeita obediência ao Pai (Fp 2.6-8), tornou-se nosso
verdadeiro Salvador. (Jr 23.6: "Senhor, Justiça nossa") cuja pobreza é nossa
riqueza (2 Co 8.9), cuja obediência é nossa redenção (G1 4.4,5) e cuja morte é
nossa propiciação. (Rrn 3.24,25)
Sempre que se requeresse em prol da sua obra redentora, Cristo Fez uso
da majestade e glória que lhe foram conferidas, não só na operacão dos milagres
antes de sua paixão (Jo 2.11), ou no desempenho do seu ministério profético
(Jo 1.18), mas também quando, como nosso grande Sumo Sacerdote, entregou-
se por nós em oferta. (Lc 23.34) A sua natureza humana não Foi sustentada
apenas pelas propriedades divinas a ela comunicadas na terrível agonia de sua
paixão (Mt 26.38,39; 27.46), porém raios de glória divina também fulgiram
ad extra através do negrume intenso do seu padecimento. (Jo 19.25-27; Lc
23.43)
2. IDEIASERRONEAS DA HUMILHAÇAO
ACERCA DE CRISTO
a. A humilhação não deve ser considerada idêntica à encarnação, pois,
nesse caso, a humilhação pertenceria à natureza divina, por isso que
assumiu a natureza humana. (epídosis) A glorificação consistiria no
despojamento da natureza humana. Verdade é, a encarnação de
Cristo encerrava uma condescendência maravilhosa e, por vezes,
essa verdade tem sido expressa mesmo nos círculos ortodoxos pelo
Dogmática Cristã
4. O ESTADODE EXALTAÇÁO
O estado de exaltação de Cristo principiou com o seu retorno à vida na
sepultura e manifestou-se ao mundo inferior por sua descida ao inferno; ao
mundo, por gloriosa ressurreição e, aos mais altos céus, por sua ascensão e
pelo assentar-se à direita de Deus Pai.
Nossos dogmáticos definem o estado de exaltação como "estado de
Cristo, o homem-Deus, em que, segundo a sua natureza humana, depois de
haver posto de lado as enfermidades da carne, recebeu e assumiu o exercício
pleno da majestade divina". (Baier)
A doutrina da exaltação de Cristo é ensinada claramente em Fp 2.9-11;
Ef 1.20-23; 4.10; etc. A Fórmula de Concórdia repele expressamente o erro
Dogmática Cristã
(kénosis) de haver Cristo sido exaltado segundo a sua natureza divina. Declara:
"Rejeitamos e condenamos se ensine [...I que todo o poder nos céus e na
terra tenha sido restituído, isto é, conferido novamente a Cristo, por ocasião
de sua ressurreição e ascensão aos céus, segundo a sua natureza divina, como
se no seu estado de humilhação, o houvesse despido e abandonado também
segundo a sua divindade." A razão para essa rejeição vem nas Palavras: "Por
meio dessa doutrina, não só se pervertem as Palavras do testamento de Cristo,
mas também se prepara o caminho para a maldita heresia ariana, e se acaba
negando a divindade eterna de Cristo, perdendo totalmente Cristo
juntamente com nossa salvação, se não se contradiz esta doutrina errônea
do fundamento inamovível da Palavra divina e de nossa singela fé cristã /
católica." (Art. VIII, Epít., 39)
Assim como a humilhacão de Cristo, também a sua exaltação se efetuou
em prol de nossa salvação, de modo que, na doutrina dos dois estados, está
contido todo o Evangelho da reconciliação. (Rm 4.25; 2 Co 5.18-21) Nossa
fé cristã repousa tanto sobre o Cristo crucificado, como sobre o Cristo
glorificado. (1 Co 15.1-23; R . 4.25)
assumida e com ela, conforme a qual é nosso irmão e nós somos carne da sua
carne e osso dos seus ossos, como também instituiu a sua Santa Ceia para
firme segurança e confirmação de que também segundo a natureza humana,
consoante a qual tem carne e sangue, quer estar em nós, habitar, operar e ser
eficaz."
f. O segundo advento de Cristo. A doutrina do visível e glorioso retorno
de Cristo para o Juízo Final será considerado sob o título Escatologia,
que é onde pertence.
C. A DOUTRINA
DO OFÍCIODE CRISTO
SIVEOFFICIO
(DEOPERE CHRISTI)
A encarnaçáo do Filho de Deus realizou-se para que se pudesse cumprir
a obra da redenção determinada por Deus desde a eternidade. (Jo 17.4; 3.16;
Mt 18.11; Lc 19.10; 1 Tm 1.15) A Confissão de Augsburgo declara (Art. 111):
"O Verbo, isto é, o Filho de Deus se fez ser humano, nascido da bem-
aventurada virgem Maria [...] para ser a oblação não só pela culpa original,
mas, ao mesmo tempo por todos os demais pecados e assim nos reconciliar
com o Pai." Logo, tudo o que Cristo Fez, no seu estado de humilhação como
homem-Deus (Lc 1.30,31; Mt 1.21,25; Lc 2.21), e o que ainda faz como tal,
em seu estado de exaltação, pertence ao seu divino ofício ou obra.
Acerca do ofício medianeiro de Cristo, escreve Quenstedt: "O ofício
medianeiro consiste na função pertencente à inteira pessoa do homem-Deus
e constituída de ações teantrópicas pelas quais Cristo executou perfeitamente
e, ainda agora, executa em ambas as naturezas, com elas e por elas, por meio
de aquisição e aplicação, todas as coisas que são necessárias à nossa salvação."
(Doctr. Theol., p.338) Expresso de maneira mais exata, a obra medianeira de
Cristo abrange tudo o que ele fez para levar a efeito a nossa salvação e tudo o
que ainda faz para pôr a salvação à disposição dos seres humanos.
Se for feita a pergunta: Desde quando Cristo exerce o seu ofício
medianeiro< Responderemos: Não só a partir do momento de seu Batismo,
que foi a iniciação solene em seu ministério público de mediação, mas a partir
do exato instante de sua encarnação, visto que a sua concepção, nascimento,
circuncisão, obediência final, etc., se cumpriram para salvação da humanidade
pecadora e perdida. (G1 4.4,s; 1 Jo 3.8)
Aqueles que têm para si que o Filho de Deus encarnou por razões que
não Fossem a redenção da humanidade (socinianos, pelagianos,
SchLeiermacher, os teólogos modernos: "Cristo veio como segundo Adão para
aperfeiçoar a criação"), contradizem a Escritura que ensina claramente haver
Cristo vindo ao mundo unicamente para salvar os pecadores. (Jo 3.16; 1 Tm
1.15; 1 Jo 4.9,10)
Dogmática Cristã
Se se perguntar por que o logos esperou por mil anos para encarnar, não
temos outra resposta na Escritura, senão que assim aprouve a Deus. (C14.4,5)
Como Salvador do mundo pecador, Cristo teve de realizar três obras
distintas: a) Teve de ensinar o caminho da salvação aos seres humanos. (Lc
4.18; Jo 1.18; Hb 1.1; M t 17.5) b) Teve de reconciliar o mundo com Deus. (2
Co 5.18,19; Mt 20.28; Rm 5.10; 1 Jo 2.2) c) Teve de governar a Igreja como
sua Cabeça e todas as coisas como rei soberano do universo. (Lc 1.33; Ef 1.20-
23; Jo 18.33-37) Daí falarmos de um tríplice ofício de Cristo: a) o profético
(munus propheticum), b) o sacerdotal (munus sacerdotales) e c) o real. (munus
regium) O Messias foi, já no Antigo Testamento, descrito como divino Profeta,
Sacerdote e Rei. (Dt 18.15-19; S1 110; 2.6-12)
Todas as ações praticadas por Cristo, nosso profeta, sacerdote e rei, são
teantrópicas; em outras Palavras, todas as coisas necessárias à nossa salvação
são executadas por Cristo segundo ambas as naturezas.
Apesar de que os três ofícios jamais estivessem divididos ou separados
em Cristo, perseveramos nessa classificação que acabamos de fazer (munus
triplex) para fins de maior clareza na apresentação da obra de Cristo, embora
alguns dogmáticos coadunem os ofícios profético e sacerdotal, obtendo, dessa
maneira, apenas dois ofícios de Cristo.
1. O CUMPRIMENTO DESTE
OFÍCIO NO ESTADODE HUMILHAÇAO
Cristo, no seu estado de humilhação, não ensinou como fizeram os
profetas de Israel, porém como o Profeta, por excelência, enviado por Deus.
(Propheta bat exochéen, Propheta omnibus excellentior) (Lc 7.16; Jo 4.19; 6.14)
Vale dizer: ensinou de modo imediato (autoprosoopoos) e com autoridade
própria. (Jo 7.46; 1.18) Nosso Senhor não recebeu as suas doutrinas divinas
por divina inspiração (2 Pe 1.21), porém as possuía como onisciente Filho de
Deus. (Mt 23.8,10; Lc 24.19; 4.32; M t 7.29; Jo 6.63) Também não possuiu
seu conhecimento divino apenas segundo a sua natureza divina; porquanto,
pela união pessoal (comunicação dos atributos), também a sua natureza
humana participou da onisciência de sua natureza divina. (C1 2.3,9) (In Christo
agitur Deus ipse nunere prophetico fungitur. (Hb 1.2) Agostinho: "Doctor doctorum
Christus, cuius schola in terra et cathedra in coe10 est."
Com respeito à mensagem que Cristo proclamou, a Bíblia declara
nitidamente que a si mesmo se anunciou como aquele que salva do pecado,
da morte e do poder do diabo. (Mt 4.17; Jo 6.40; 3.14,15; M t 20.28; Jo 6.51-
65) Como Paulo pregou Cristo, e este crucificado, como sua mensagem central
A Doutrina de Cristo
C1 1.20; e) Cristo deu a sua vida em lytron kai antílytron por nós (Mt 20.28; Mc
10.45; T t 2.14; 1 Pe 1.18,19; Hb 9.15); f) Cristo foi feito pecado por nós (2 Co
5.21; Rm 8.3); g) Cristo fez-se maldição por nós (GI 3.13); h) Cristo tomou
sobre si os nossos pecados e o seu castigo (1s 53.4-6; Jo 1.29; 1 Pe 2.24); i) Cristo
derramou o seu sangue por nossos pecados (Mt 26.28; 1 Jo 1.7; Hb 9.12); j)
Cristo cancelou o escrito de dívida que era contra nós (C1 2.14); k) Cristo
resgatou-nos da maldição da Lei (G1 3.13; 4.5); 1) Cristo livrou-nos da ira de
Deus (1 Ts 1.10); m) Cristo libertou-nos da condenação eterna (1 Ts 5.9,10); n)
em Cristo somos justos e amados, (2 Co 5.21). (Doctu. Theol., p.357)
Decorre daí que, se alguém nega a satisfação vicária que Cristo, na
qualidade de Sumo Sacerdote designado por Deus, efetuou pelos pecados do
mundo, nega o coração da mensagem bíblica da redenção. Afastem da Bíblia
a obra expiatória de Cristo, e nada restará do Evangelho. É por essa razão que
o ofício sacerdotal de Cristo constitui o verdadeiro âmago da Teologia cristã.
1. A EXPIAÇAOVICÁRIA
(SATISFACTIO
VICARIA)
A doutrina escriturística da redenção de Cristo efetuada para todos os
seres humanos é conhecida, na terminologia eclesiástica, por satisfação vicária
(satisfactio vicaria) ou expiação vicária. (stellvertretende Genugtuung)
Sinônimos desse termo empregados na Escritura são: propiciação (hilasmós, 1
Jo 2.2); propiciatório (hilastéerion, Rm 3.25); reconciliação (katallagée, Rm
5.10; 2 Co 5.18); redenção (apolytroosis (Ef 1.7; C1 1.14); resgate. (lytron, M t
20.28) Todos declaram que a redenção de Cristo foi efetuada mediante
pagamento de um preço adequado pelos cativos.
Particularmente, o termo satisfação vicária é empregado para exprimir as
seguintes verdades: a) De acordo com sua perfeita justiça (iustitia legislatoria,
normativa), Deus exige, de todos os seres humanos, perfeita obediência à sua
Lei e, sobre todos os que não a cumprem, permanece a sua ira. (iustitia
vindicativa) (G1 3.10); b) Por sua perfeita obediência (ativa e passiva), Cristo
satisfez as exigências da justiça divina em lugar dos seres humanos (G1 4.4,5;
3.13; 1 Pe 3.18) e, dessa maneira, converteu a ira de Deus em graça, ou favor
(Rrn 5.10); c) Mediante a satisfação de Cristo, todos os seres humanos estão
reconciliados com Deus. (2 Co 5.18-21) Vale dizer: Deus já não está irado com
os pecadores e já não Ihes imputa as suas transgressões, porém Ihes perdoou
graciosamente todos os seus pecados. (Rrn 5.10,18,19)
A Fórmula de Concórdia acentua essa doutrina confortadora da seguinte
maneira: "Visto que a obediência (como acima ficou dito) é de toda a pessoa,
constitui perfeita satisfação e reconciliação do gênero humano, pela qual foi
satisfeita a justiça eterna, imutável de Deus revelada na Lei, e é portanto nossa
justiça, válida perante Deus, que vem revelada no Evangelho, sobre que se
Dogmática Cristã
firma a fé perante Deus, a quaí Deus atribui à fé, conforme se acha escrito em
Rm 5.19; 1 Jo 1.7; Hb 2.4; Rm 1.17." (Decl. Sól., 111, 57) A Apologia também diz
assim: "A Lei condena todos os seres humanos; porém Cristo, por haver tomado
sobre si o castigo do pecado e sido feito vítima por nós, sem pecado, eliminou
este direito da Lei de acusar e condenar quantos nele crêem, pois ele mesmo é
a propiciação deles, por cuja causa agora somos reputados justos. Todavia, uma
vez que são reputados justos, a Lei não os pode acusar nem condenar, ainda
que não tenham efetivamente satisfeito a Lei." (Art. 111, 58)
(RECONCILIATIO
OBIECTIVA,
SUBIECTIVA)
A reconciliação que Cristo efetuou pelo seu padecimento e morte
vicários é chamada reconciliação objetiva. Essa cumpriu-se há quase dois mil
anos atrás, quando nosso divino substituto morreu no Calvário. (2 Co 5.19,19;
Rrn 5.10) Visto que então estavam satisfeitas as exigências da justiça divina,
a ira de Deus fora convertida em graça, e o perdão universal era proclamado a
todos os pecadores. (Jo 19.30; Rm 5.16,18,19) Assim foi adquirida a
reconciliação (justificação) sem qualquer obra ou mérito da parte do pecador,
bem como a criação ocorreu sem a cooperação do ser humano. A reconciliação
objetiva não é, pois, levada a efeito pela fé do ser humano, mas, pelo contrário,
precisamente porque existe, o ser humano pode ser justificado pela fé.
A reconciliação objetiva, efetuada por Cristo mediante a sua morte, foi
proclamada e oferecida publicamente por Deus ao mundo pela gloriosa
ressurreição de Cristo; porque essa é a verdadeira absolvição ou justificação
de todo o mundo. (Rm 4.25) A reconciliação ou justificação objetiva de todo
o mundo é anunciada a todos os pecadores através do Evangelho, razão pela
qual o Evangelho é chamado "a Palavra da reconciliação" (logos tees katallagees)
(2 Co 5.19) Lutero escreveu: "O Evangelho é proclamação de Cristo,
verdadeiro Deus e homem que, por sua morte e ressurreição, expiou os pecados
de todos os seres humanos e subjugou a morte e o diabo." (S. L., XIV. 88)
Cada cristão se apropria, individualmente, da reconciliação objetiva, ou
seja: da absolvição ou justificação de todo o mundo pecador, pela fé nas
promessas evangélicas de perdão que, dessa forma, passa a ser reconciliação
subjetiva. (2 Co 5.20) O pecador obtém o perdão que Cristo, por seu
padecimento e morte, adquiriu para todos os seres humanos individualmente,
pela fé. Pode-se, pois, definir-se a fé salvadora ou justificadora como confiança
pessoal do pecador penitente na reconciliação efetuada para todo o mundo.
A fé salvadora não justifica porque, de si mesma, pudesse reconciliar Deus
com o ser humano, mas porque agarra e obtém a reconciliaçáo que já existe e
é oferecida gratuitamente no Evangelho a todos os pecadores. Diz a Apologia:
"Fé propriamente dita é a fé que anui a promessa." (Art. IV / II/, 113) E a
A Doutrina de Cristo
Fórmula de Concórdia: "A fé não justifica porque seja uma obra tão boa e uma
tão bela virtude, mas porque, na promessa do santo Evangelho, agarra e abraça
o mérito de Cristo." (Decl. Sól., 111, 13)
A distinção entre reconciliação (justificação) objetiva e subjetiva deve
ser observada com cuidado; pois todo o que rejeita a reconciliação objetiva de
Cristo não pode ensinar a justificação pela graça mediante a fé, sem as obras
da Lei. Tão logo se negue a doutrina escriturística de que "Deus estava em
Cristo, reconciliando consigo o mundo, não imputando aos seres humanos
as suas transgressões" (2 Co 5.19), tem de seguir a doutrina da salvação pela
justiça das obras (arminianismo, semipelagianismo, modernismo), visto que,
nesse caso, é necessário o pecador reconciliar-se com Deus mediante suas
boas obras. Do princípio ao fim, todo o conforto dos pecadores que esperam
a salvação assenta-se na reconciliação objetiva que Cristo efetuou no Calvário.
Sua própria reconciliação ou justificação subjetiva não é outra coisa, senão
bendito fruto daquele admirável ato de amor.
4. A INTERCESSAOSACERDOTAL
DE CRISTO
O ofício sacerdotal de Cristo compreende duas partes: a satisfação e a
intercessão.
Já durante o seu estado de humilhação, Cristo intercedeu pelos seres
humanos. (intercessio terrestris). (Jo 14.16; 17.9; Hb 5.6-10) Quanto à natureza,
as intercessões de Cristo dividem-se em duas classes: intercessões gerais
(intercessio generalis) (Lc 23.24), feitas pelos seres humanos em geral; e
intercessões especiais (intercessio specialis) (Jo 17.9ss), oferecidas pelos crentes.
Cristo, entretanto, continua sendo sacerdote também depois de sua
exaltação. (Hb 7.24,25) Nesse estado, exerce o seu ofício sacerdotal, não
com a repetição de sua obra expiatória (Rm 6.9,10; Hb 9.12-15; 7.26,27),
porém intercedendo pelos eleitos de Deus. (intercessio coelestis) Essa
intercessão perpétua do Cristo exaltado não tem valor expiatório (intercessio
Christi in statu exaltationis non est satisfactoria), porém meramente aplicativo.
(intercessio Christi in statu exaltationis est applicatoria). (Hb 7.24,25; 1 Jo 2,l;
Rm 8.34) Ela está relacionada com a congregação e conservação da Igreja,
com a salvação dos eleitos. (Christus est Mediator reconciliationis) (Rrn 8.34;
Hb 7.25; 1 Jo 2.1)
Conforme a Escritura, a intercessão celestial de nosso glorioso mediador,
t a n t o é real (intercessio realis), o que quer dizer que ele apresenta
perpetuamente ao Pai o santo sangue que derramou pelos pecados do mundo
(Chemnitz: Ostendit vultui Dei, quae stigmata pro redemptione Mostra accepit)
(Hb 9.12), como verbal. (intercessio verbalis) Isso quer dizer que efetivamente
ele ora em favor dos seres humanos. (Hb 7.25; Rm 8.34; 1 Jo 2.1) Deve-se
compreendê-lo de um modo condizente com o Senhor exaltado, que está
assentado à direita de Deus. (intercessio incomprehensibilis)
Por oposição à intercessão do Espírito Santo (intercessio Spiritus Sancti)
(Rm 8.26,27), o Cristo exaltado intercede como homem-Deus (intercessio
D~?n.íticaCristã
REALDE CRISTO
5. O OFÍCIO
(DENUMEREREGIO)
O ofício real de Cristo é descrito em todas as passagens das Sagradas
Escrituras em que se diz que, no tempo, lhe foi comunicado domínio universal.
(Ef 1.20-23; Mt 11.27; 28.18; S12.6,8; 8.6; 1 Co 15.27; etc.) O caráter universal
do regime de Cristo vem declarado na Escritura de modo enfático; porquanto
ensina, com muita clareza, que o domínio do Filho do homem se estende a
todas as nações e povos (Dn 7.13,14); a todas as coisas na terra, no ar e no mar;
e mesmo aos inimigos de Cristo. (S1 110.2) Em síntese, nada fica excluído do
reinado glorioso de Cristo, salvo o próprio Deus. (1 Co 15.27) Daí o ofício
real de Cristo ter sido definido corretamente como "função teantrópica de
Cristo, pela qual controla e governa todas as criaturas existentes nos reinos
do poder, da graça e da glória, com infinita majestade e poder, segundo ambas
as naturezas, divina e humana. (Esta última conforme se acha exaltada à
direita da majestade.)" (Quenstedt)
Também em seu estado de humilhação, Cristo foi verdadeiro rei, que
possuía e exercia o poder divino, não apenas segundo a sua natureza divina
(de modo essencial), mas também segundo a sua natureza humana (por
comunicação), conforme ficou demonstrado no artigo do segundo gênero de
comunicação dos atributos. (genus maiestaticum) A Escritura atribui governo
a Cristo encarnado (1s 9.6); realeza (Jo 18.37); poder divino (Mt 28.18), etc.
Em grau absoluto, vale dizer, do mesmo modo ao próprio Deus. Todavia,
nosso Salvador não exerceu o emprego perfeito e constante do domínio divino
comunicado à natureza humana até a sua exaltação à direita de Deus. (Ef
1.20-23; 4.10; Fp 2.9-11)
Baseados em passagens claras da Escritura, nossos dogmáticos falam de
um Reino tríplice de Cristo, do podev, da graça e da glória. Contudo, não se
deve tomar essa divisão tríplice como se houvesse três reinos separados,
governados por nosso Senhor. Na realidade, o domínio de Cristo é um só,
embora se exerça em esferas diferentes, de acordo com o caráter diverso de
como são governados. (Pro diversa ratione eorum, quos rex Christus sibi subiectos
respicit et diversimode gubernat. Baier) Assim Cristo exerce o seu reinado sobre
todos os incrédulos, os anjos apóstatas e as criaturas irracionais mediante
seu poder onipotente (regnum potentiae). (S1 2.9s~;45.5; 97.7,10; 1 T m 6.14-
16; Ap 17.14)
De um modo geral, todas as criaturas, como tais, pertencem ao reino do
poder de Cristo, porque o regnum potentiae consiste essencialmente no reino
da natureza. (regnum naturae)
Ele governa todos os que, em fé sincera, aceitaram o Evangelho da
reconciliação de Cristo. (1 Co 15.1) Esse governo acontece mui graciosamente
através de sua Palavra revelada (regnum gratiae). (Jo 8.31,32) Ao reino da
graça pertencem apenas os que foram justificados pela fé, que, pela fé, são
membros verdadeiros da Igreja Cristã na terra. (ecclesia militam). (Rm 5.1,2;
At 5.14) Enquanto Satanás opera em todos os incrédulos como "filhos da
desobediência" (Ef 2.2), o Cristo exaltado exerce o seu gracioso poder sobre
os que o reconhecem como seu Senhor pela fé. (Jo 14.23)
Todos os crentes verdadeiros que, nesta vida, estiveram sujeitos a Cristo
em seu reino da graça, serão, para sempre, súditos seus no reino da glória
(regnum gloriae), que é a continuação do reino da graça em perfeição. (At
7.55,56; 1 Pe 5.4; 1 Jo 3.2) Os que aderiram à Igreja Militante (membra ecclesiae
militantis) (Rm 8.17), serão, então, membros da Igreja Triunfante. (membra
ecclesiae triumphantis) (Rm 5.2; Jo 17.24) O peso real da pregação cristã reside
no fazer ver as bênçãos inestimáveis do reino da graça de Cristo e a felicidade
indescritível do seu reino da glória. A finalidade da pregação cristã consiste
em tornar os pecadores participantes da vida eterna e enchê-los do desejo
ardente do céu. (1 Co 1,7; Rm 8.23; T t 2.13; 2 Pe 3.13; Fp 3.20)
Neste mundo, o reino do poder serve ao reino da graça. (Mt 28.18; Rm
8.28) Em ambos os reinos, o mesmo Senhor governa todas as coisas para sua
glória (Ef 1.20-23), com o mesmo poder infinito (Ef 1.19; 1 Pe 1.5), sustentando
o mundo presente por causa dos seus eleitos (Mt 24.22; 2 Pe 3.9) e protegendo
a sua Igreja Militante contra todos os assaltos das portas do inferno. (Mt
16.18)
É necessário distinguir-se o reino da graça do reino do poder. A Escritura,
igualmente, faz essa distinção (1 Jo 3.2; Rm 8.24,25), embora, formalmente,
ambos não se possam separar. (Jo 5.24; 3.36; C1 3.2-4; C1 4.26) São uniformes
quanto a possuírem o mesmo Senhor e as mesmas bênçãos da graça divina,
porém diferem com respeito à maneira de perceber as coisas divinas; pois,
enquanto no reino da graça, todo conhecimento divino é mediato, isto é, se
obtém pela fé numa Palavra (cognitio abstractiva) (Jo 8.31,32), no reino da
glória ele é imediato, isto é, se recebe mediante visão beatífica (cognitio intuitiva)
(1 Co 13.12); e com respeito às diversas condições externas dos membros de ambos
os reinos; pois, enquanto a condição da Igreja Militante é de angústia e
tribulação (At 14.22), a da Igreja Triunfante é de glória suprema. (Ap 7.17;
21.3,4)
A doutrina do ofício real de Cristo é artigo de fé; isso quer dizer que,
baseados na Escritura, cremos que Cristo governa com glória nos seus reinos
do poder, da graça e da glória. No reino do poder, realmente vemos os objetos
do reinado de Cristo, contudo não o cetro governativo. (Hb 2.8) Na realidade,
muitas vezes, a impressão é que Satanás governa este mundo, e não Deus.
No reino da graça de Cristo, os meios são perceptíveis, porquanto ouvimos o
Evangelho e vemos os elementos externos dos sacramentos. O reino, porém,
nos é invisível, por ser interno, ou seja, por estar nos corações dos seres
humanos. (Lc 17.20,21; 1 Pe 2.5) Apesar da oposição do diabo (Mt 16.18),
dos falsos mestres (2 T m 2.17-19) e do mundo (Jo 16.33), cremos que a Igreja
Cristã, ou o reino da graça, existirá na terra até a consumação do século. (Mt
28.20) O reino da glória, que será revelado no dia determinado pelo Senhor
mesmo (At 1.71, constitui, no entanto, o objeto da mais devotada esperança
do cristão. (1 Jo 3.2; Rrn 5.2; 8.24,25) O cristão espera continuamente sua
vinda e roga por ela ardentemente. (Fp 3.20)
6. ERROSACERCA
DO OFICIO
DE CRISTO
Com respeito ao ofício real de Cristo, afastam-se da verdade divina todos
quantos negam a doutrina escriturística acerca da sua pessoa e da sua obra
divina. Dentre os muitos que erram, mencionamos os seguintes:
a. Os papistas e reformados, que separam a natureza humana da divina
com a negação da comunicação dos atributos e consideram Cristo
rei unicamente segundo a sua natureza divina. (Mt 28.18; 11.27; Fp
2.9-11)
b. Os quenóticos modernos, que negam a realeza divina de Cristo em
seu estado de humilhação e sustentam que Cristo, ao encarnar, se
esvaziou completamente (ekénoosen) dos atributos divinos da
onipotência, onisciência e onipresença. Nesse caso, Cristo não
poderia ser rei, nem segundo a sua natureza divina. (C1 2.3,9; Jo
1.14)
c. Os subordinacianos, que negam ser Cristo, segundo a sua natureza
divina, consubstancial (homoóusios) com o Pai e o excluem do eterno
regimento divino, ao passo que a Escritura lhe atribui domínio
eterno. (Lc 1.33; Ef 1.21) A sujeição de que Paulo fala em 1 Co
A Doutrina de Cristo
2. A NATUREZA
DA F É SALVADORA
L
Se ma tivermos firme que a salvação foi ganha para toda a humanidade
mediante a satisfação vicária de Cristo e que essa salvação é oferecida a todos
A Doutrina da Fé Salvadova
os seres humanos através dos meios da graça, deve ficar claro o que define a
natureza da fé salvadora.
a. Fé salvadora não é a crença geral na existência de Deus ou na Lei de
Deus; porquanto os gentios também têm essa crença. (Rm 1.19-20)
A fé salvadora também não é mera noção das verdades gerais do
Evangelho (notitia historica) ou simples assentimento às mesmas
(assensus historicus), isto é, que Cristo viveu e morreu pelos seres
humanos. Essa fé (fildes historica, fides generalis) também se encontra
nos demônios (Lc 4.34JgXl5'4 e nos-incrédulos (Jo 8.43,45) Assim,
fé salvadora (fides qua iustificad também não é mero conhecimento
dos e n s i n a m e ' n t ~ s d a ~ lem
i a geral, nem simples assentimento aos
mesmos (romanistas, arminianos, unitários) A Lei, por exemplo, não
é o objetivo da fé salvadora, visto que os pecadores são justificado&
sem as obras d a - L e L h 3.28; Ef 2.8,9) A "Escritura em geral" também
<nãoé o objeto da fé salvadora, e m b G os verdadeiros crentes aceitem
toda a Bíblia como Palavra de Deus; visto que a mesma testifica que
o pecador é justificado perante Deus apenas por sua confiança na
expiação objetiva efetuada por Cristo. (Rm 3.24) Mesmo / --
sendo*
verdade que nenhuma pessoa que rejeite a Palavra inspirada de-~eÜs .
possa salvar-se, é, também, verdade que a justificação-do ser humano
sucede unicamente mediante sua confiança pessoal nas promessas
divinas do Evangelho. Fides salavifica (iustificans) est certa persuasio
de venia peccatorum per Cristum obtinenda.
b. A fé s a l v a s i d e s iustificdns),é, por-- conseguinte,
A-
-- -- confianga
- -- pessoal
Fdes specialis) ou confiança cordial (fiducia cordis) na maravilhosa -
mensagem do-&a_ngefho segundo a qual Deus, por amor de Cristo, _
é gracioso-a to&s quantos crêem no sangue expiatório -de ---seu Filho,
vertido no-- Calváriopelos
-- pecados
----- do mundó.
- (G1 2.20; 1 Jo 1.7) Daí
a fé salvadora se achar somente no coração que diz: "Creio que Jesus
Cristo [...I é meu Senhor. Pois me remiu a mim, ser humano perdido
e condenado, me resgatou e me salvou de todos os pecados, da morte
e do poder do diabo, não com ouro ou prata, mas com seu santo e
precioso sangue e sua inocente paixão e morte." Em outras palavras,
a fé salvadora tem por objeto o perdão dos pecados adquirido pela
obediência perfeita de Cristo e agora oferecido a todos os pecadores
noYvangelho. (Mc 16.15,16; Lc 24.47) Todo aquele que despreza o
gracioso oferecimento que Deus faz do perdáo por amor de Cristo
perecerá na incredulidade, ainda que dê sua aprovação à Lei divina e
à "Escritura em geral". Lutero: "Nisto deves fiar-te com perseverante
confiança, que Cristo morreu por teus pecados; tal fé te justifica."
(S. L., VIII, 1376)
Dogmática Cristã
explicar esses termos e dar a relação de um com o outro. O que segue pode
servir à elucidação da terminologia:
a. Se conhecimento e assentimento são concebidos como fé histórica
(frdes historica), não constituem realmente parte da fé salvadora; pois
que também os demônios e incrédulos têm ambos. A respeito da fé
histórica, ou de uma fé tal que apenas conhece e considera a "históriaJ'
de Cristo, escreve Lutero (SI, 126): "É uma obra natural, sem a graça."
"De semelhante fé não fala a Escritura, a Palavra de Deus", isto é, ao
tratar da fé salvadora.
Contudo, embora a fides historica não forme parte da fé salvadora, é
condição prévia necessária à fé salvadora. As Sagradas Escrituras geram a fé
salvadora somente nos corações que conhecem e compreendem o Evangelho
de Cristo. (Rm 10.17) A chamada "fé implícita" íjides implicita, fides carbonaria)
dos papistas, segundo a qual o "crente" crê "o que a Igreja ensina", embora
mesmo ignore a doutrina, é um disparate. Sem conhecimento, não é possível
haver fé verdadeira. Ao enviar os seus apóstolos a fazer discípulos de todas as
nações, Cristo Ihes ordenou expressamente que pregassem o Evangelho a
toda criatura. (Mc 16.15,16; Mt 28.19,20) Demonstrou, assim, que a fé
salvadora deve fundamentar-se no conhecimento do Evangelho. Com muita
propriedade, o dogmático luterano Scherzer escreve: "Mente quem diz crer
no que a Igreja ensina, se não sabe o que ela ensina. Porque ninguém pode
crer naquilo que não sabe."
b. Se o termo notitia, no entanto, é tomado no sentido de verdadeiro
conhecimento espiritual de Cristo, que o Espírito Santo opera
mediante o Evangelho (notitia spiritualis), e o termo assensus é
concebido como assentimento (aceitação) espiritual às promessas
do Evangelho, que o Espírito Santo opera mediante o Evangelho
(assensus spiritualis), então ambos os termos incluem a fiducia cordis,
ou seja a sincera confiança do coração na graça de Deus oferecida no
Evangelho. Os termos, nesse caso, são sinônimos. Esse fato torna-se
evidente pelo uso bíblico dos termos, pois a Bíblia, uma vez, atribui
a salvação ao conhecimento (Jo 17.3; 2 Co 4.6; F1 3.8; Lc 1.77) e
outra, ao assentimento (1 Jo 5.1,5; 3.23) e, ainda outra vez, à
confiança. (Jo 3.16,18,36) Em todos esses casos, conhecimento,
assentimento e confiança são sinônimos de fé salvadora. Por isso,
cada um pode ser usado separado do outro na descrição da fimucia
cordis, pela qual o pecador é salvo. O dogmático luterano Buddeus
diz corretamente: "O conhecimento sem assentimento e o
assentimento sem a confiança não é aquele conhecimento nem
aquele assentimento que constituem a fé justificadora." Lutero: "A
fé é viva, ousada confiança na graça de Deus, tão certa que por ela
morreria mil mortes." (Trigl., p.941)
A Doutrina da Fé Salvadora
4. PORQUE A FÉ SALVADORA
JUSTIFICA
A fé salvadora nunca está sem boas obras. (G1 5.6) Realmente é, ela
mesma, uma virtude excelentíssima pela qual Deus é glorificado como o Senhor
do amor, o qual, por amor de sua graça em Cristo Jesus, recebe e absolve os
pecadores penitentes. (Ap 14.7) No entanto, embora a mesma fé seja uma
obra muito preciosa e a fonte infalível de boas obras, ela não salva como boa
obra que é ou como fonte de boas obras, mas sim como o meio (medium
leeptikón) pelo qual o crente apreende a graça de Deus e os méritos de Cristo
que lhe são oferecidos no Evangelho. Outrossim, apesar de que a fé seja um
ato tanto do intelecto como da vontade da pessoa - pois não é o Espírito
Santo, mas o próprio crente que confia na misericórdia de Deus - ainda assim
ela não justifica por ser um ato ou uma obra da pessoa.
Essas duas verdades são da maior importância para a compreensão exata
da doutrina cristã da salvação pela fé (sola flde) Nossos dogmáticos as englobam
na declaração: [A fé não justifica de si mesma, isto é, como ato ou hábito de
crer, nem pelas obras que produz, porém em vista do seu objeto, a saber,
porque apreende a graça adquirida por Cristo e oferecida no Evangelho."
Hollaz escreve: "A fé justificadora é o órgão receptivo e, por assim dizer,
a mão do pobre pecador com a qual aplica e toma para si mesmo, pega e
apreende as coisas que são oferecidas na promessa gratuita do Evangelho.
Deus, o soberano supremo, estende do céu a mão da graça, a graça obtida
pelo mérito de Cristo, e nela oferece a salvação. O pecador, no abismo da
miséria, recebe, como um mendigo, na mão da fé o que, desse modo, lhe é
oferecido. O oferecimento e o recebimento são correlativos. Por &o, a mão
da fé, que apanha e se apropria do tesouro oferecido, corresponde à mão da
graça que oferece o tesouro da justiça e salvação." (Doctr. Theol., p.420)
Do mesmo modo, a Fórmula de Concórdia (Decl. Sól., Art. 111, 11,38)
diz: "Essa fé é dom de Deus pelo qual acertadamente chegamos a conhecer
Cristo, nosso Salvador." "Que o único ofício e propriedade da fé continue a
ser isso de que somente ela, e nenhuma outra coisa, é o meio e instrumento
com o qual e pelo qual a graça de Deus e o mérito de Cristo na promessa do
Evangelho são recebidos, apreendidos, aceitos, aplicados a nós e tornados
nossos." Essa importante verdade é ensinada em todas as passagens da
Escritura em que a fé salvadora é situada em oposição às obras humanas.
(Rrn 3.28; 4.5; Ef 2.8,9)
Todos os que ensinam e crêem que a fé salvadora justifica por ser boa
obra ou a fonte das boas obras (papistas, arminianos, racionalistas,
modernistas) caíram da graça e renunciaram à fé cristã. Lutero: "Somente
Cristo me justifica frente às minhas obras más e sem as minhas boas obras.
Se considero Cristo desse modo, apreendo o verdadeiro Cristo." (S. L., IX,
619)
Dogmática Cristd
7. F É E CERTEZA
DA SALVAÇAO
Uma vez que fé salvadora é a confiança do crente na perfeita justiça
que Cristo adquiriu para todas as pessoas mediante a sua satisfação vicária e
que existe mesmo antes que a pessoa creia, é evidente que o crente está em
perfeita posse do perdão divino, da vida e da salvação a partir do momento
em que deposita a sua confiança em Cristo. A partir desse momento, todos
os méritos do padecimento e da morte de Cristo lhe são atribuídos. (At 16.31)
Por esse motivo, o crente também está certo de sua salvação, já que a fé
salvadora é, por sua própria natureza, a mais verdadeira e de maior certeza.
Dogmática Cristã
8. PODEO CRISTAO
ESTARSEGURO
DE POSSUIR
A F É SALVADOR&
Nas controvérsias em torno da fé, submeteu-se à apreciação a pergunta
sobre se o cristão pode estar seguro de possuir a fé verdadeira. Romanistas e
protestantes romanizantes têm respondido a essa pergunta com negativa
enfática, enquanto que as Sagradas Escrituras afirmam, com firmeza, que
sim. (2 T m 1.12; 4.7)
É verdade que o crente pode nem sempre estar consciente de sua fé. A
fé salvadora (fides directa, fides actualis) não é, necessariamente, sempre fé
consciente (fides reflexa) que seja percebida pelo cristão. (Fides reflexa et
discursiva, qua homo renatus credit et sentit se credere.) Dessa forma, os cristãos
adultos, enquanto dormem ou estão absortos em suas ocupações diárias, de
fato possuem fé direta, que apreende a graça de Deus em Cristo Jesus, porém
não fé reflexa e discursiva. Com isso, se diz que não meditam no seu ato de fé
nem no seu estado de fé. Podem mesmo encontrar-se em estado de coma,
não tendo condições de refletir de modo algum nas coisas espirituais. Podem,
também, achar-se acometidos de auto-reprovação espiritual (in statu
tentationes), quando crêem estar sem fé por haverem perdido a sensação ou
sentimento da fé (sensus fidei) Em todos esses casos, a fé salvadora, na verdade,
existe, embora o crente não esteja consciente dela. Até mesmo nas crianças
A Doutrina da Fé Salvadora
9. A F É DAS CRMNÇAS
Que não é só nos adultos, mas também nas crianças regeneradas que se
acha a fé salvadora (fides directa/ fides actualis), está provado na Bíblia pelo
seguinte: a) As Escrituras atribuem a fé salvadora diretamente a essas crianças.
(Mt 18.6; 1 Jo 2.13; SI 8.2), b) A Escritura atribui-lhes o fruto e efeito da fé
salvadora, a saber, a vida eterna. (Mc 10.14) Prova disso é o exemplo de João
Batista. (Lc 1.41-44) Ele esteve cheio do Espírito Santo quando ainda no ventre
de sua mãe. As crianças podem, portanto, crer antes de chegar à idade da
instrução confirmatória, mesmo que, nesse caso, não se tenham aplicado os
meios da graça ordinários (a Palavra e os sacramentos) Se, partindo desse caso
excepcional, se quiser concluir que seja desnecessário aplicar de cada vez às
crianças os meios da graça, responderemos que Deus de fato tornou o uso
desses meios obrigatório para nós (Mc 16.15,16; M t 28.19,20), porém não
são obrigatórios para ele.
Mesmo que nos seja impossível descrever detalhadamente a fé das
crianças, temos de manter que, mesmo assim, é confiança ativa nas promessas
divinas de graça, ou seja, apreensão ativa dos méritos de Cristo. (Mt 18.6; SI
71.6) Fides infantium fides actualis est, non habitus otiosus vel mera potentia.
Gerhard observa acertadamente: "Não estamos certos quanto ao modo desta
fé, porém, simplesmente concordamos no fato de que as crianças realmente
crêem." (Doctr. Theol., p.549)
10. O EMPREGO
DO TERMO
"FÉ" NA ESCRITURA
As Sagradas Escrituras nem sempre usam o termo fé num mesmo
sentido. Em algumas passagens, designa fidelidade ou fidedignidade, como se
encontra em Deus e no homem. A fé, nesse sentido, é atribuída a Deus em
Rrn 3.3 e, aos regenerados, em G1 5.22. A fé, no sentido de fidelidade, é, nos
crentes, fruto da fé justificadora e pertence ao artigo da santificação, não ao
da justificação. Em outras palavras, a fé justifica e salva, não como fidelidade
ou fidedignidade, isto é, não como boa obra no regenerado, mas como o meio
receptor (medium leeptikón) pelo qual o crente se apropria da graça de Deus e
A Doutrina da Fé Salvadora
dos méritos de Cristo que lhe são oferecidos no Evangelho. No seu sentido
próprio, isto é, considerada como o meio pelo qual o crente recebe a graça
divina, a fé sempre designa confiança nas promessas misericordiosas de Deus
em ~ i i s t o~esus:(Mc 16.15,16; 1.14,15; 9:23,24; Hb 11.1) A fé justificadora
é. nesse sentido. semare fdes vassiva. aue salva. não em vista do seu ar=
L I I L 1 L L
-valor como virtude, mas em vista do seu objeto, a saber, a graça de Deus e os
méritos de Cristo, dos quais o cristão se apropria. cf. a Ãpologia: "Pois a fé
justifica ou salva não por isso que seja obra de si mesma digna, (opus peu sese
dignum), mas tão-somente porque aceita a misericórdia prometida." (Ap., Art.
w 56)
Em algumas poucas passagens das Escrituras, tais como At 6.7; G1 1.23;
Jd 3.20; etc., o termo fé designa a doutrina cristã (fTdes, quae cueditur), ou seja,
o Evangelho da salvação pela graça mediante a fé em Cristo. Nesse sentido, a
fé se chama sde-f obiectiva) em contraste à fé justificadora, que é
d e n o m i n a s f é s u b j e m ( f i d e s subieaiva),
o ;isto
- q 6
crente individualmente. Para compreendermos esse emprego . - do termo fé,
precisamos ter em mente que a cokfiança pessoal na graça de Deus por amor
de Cristo (fiducia) é, na verdade, o artigo central de toda a religião cristã, de
sorte que, nesse caso, a doutrina cristã toma o nome de sua principal
característica. Toda vez que os nossos dogmáticos falam de fides,quae creditur,
referem-se à doutrina da salvação que deve ser crida. Quando falam de fides,
isto é, ao meio recipiente
da salvação (medium leeptikón) Diga-se de passagem que alguns exegetas
asseguram que, em o Novo Testamento, pistis jamais é empregada em sentido
objetivo, mas unicamente em sentido subjetivo, de modo a designar pistis
sempre a fides, qua cueditur e nunca a fides quae cueditur. (cf. Chuistil. Dogmatik,
Vol. 11, p.540ssj
Sobre a terminologia da Igreja nesse assunto, a título de recapitulação,
podemos observar o seguinte: 1) Fé implícita é aceitação das doutrinas, ainda
que as mesmas não sejam conhecidas do indivíduo (fides, carbonaria,
Koehleuglaube: "Creio o que a Igreja ensina"). 2) Fé explícita (fides explicita) é o
assentimento às doutrinas conhecidas distintamente. 3) Fé justificadora ou
salvadora é a confiança pessoal na graciosa remissão dos pecados por amor de
Cristo. 4) Fé direta é a fé que se apossa da graça de Deus em Cristo Jesus. A fé
justificadora é sempre direta. 5) Fé reflexa ou discursiva é a fé pela qual o
regenerado percebe que crê. As crianças bem como os adultos, durante o
sono ou em estado de inconsciência, possuem fé direta, porém não fé reflexa
'i ou discursiva. 6) Fé geral (fides generalis) é a aceitação de todas as verdades
', reveladas na Palavra de Deus. 7) Fé especial (fides specialis) é a fé justificadora,
p u seja a confiança pessoal na graça de Deus por amor de Cristo. O objetivo
ga fé geral é a Bíblia inteira; o objetivo da fé especial é a promessa do Evangelho
delativa à graça de Deus e à remissão dos pecados pela satisfação vicária de
Dogmática Cristã
3. O PONTODE PARTIDA
E O FIM DA CONVERSÁO
(TERMINUS
A QUO; TERMINUS
AD QUEM CONVERSIONIS)
Porque a conversão consiste essencialmente na outorga da fé em Cristo,
é óbvio que o terminus a quo da conversão é a incredulidade. O seu terminus
ad quem é a verdadeira confiança em Cristo Jesus. (At 26.18: epistrepsai apo
skotous eis phoos; 2 Co 3.14-16) Quenstedt: Conversio prima est infidelium, [...I
et sic notat conversionem ab infidelitate ad fidem.
O pecador estará convertido apenas quando, em lugar da infidelidade
em que se acha, por natureza, em todo coração humano (1 Co 2.14), for
achada a fé nas graciosas promessas de Deus por amor de Cristo ('yropter
Christum). Enquanto a pessoa está sem fé em Cristo, é irregenerada ou
inconversa. Não importa que, aos olhos humanos, seja um criminoso ou um
santo, um iletrado ou um sábio. Sobre todos os que estão sem Cristo, a
Escritura pronuncia o veredito de que estão sem Deus no mundo e não têm
esperança. (Ef 2.12)
Tão logo, porém, a pessoa crê em Cristo, sua volta para Deus se realizou,
ainda que essa fé seja uma simples centelha (scintillula). O apóstolo Paulo
escreve a respeito de todos os que crêem em Cristo: "Mas agora em Cristo
Jesus, vós, que antes estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo."
(EF 2.13) De acordo com essas palavras, é a fé em Cristo que diferencia os que
estão "longe", ou seja, os irregenerados, dos que "foram aproximados", ou
seja, os regenerados. A conversão se efetua mediante a fé no sangue de Cristo.
Somente se essa verdade for mantida sempre, será possível evitar o erro
de considerarem-se os inconversos convertidos, ou, vice-versa, os convertidos
inconversos.
Dogmática Cristã
i
trevas à luz, do poder do diabo a Deus (At 26.18), da idolatria à adoração do
Deus vivo (At 14.15; 1 Ts 1.9) e da transgressão à observância da Lei divina.
I (Ez 18.21 etc.)
Em todas essas passagens, a incredulidade e a fé são descritas segundo a
sua manifestação exterior, os seus frutos, de sorte que podemos dizer
corretamente: Todos os que estão em trevas espirituais, sob o domínio de
Satanás, no poder do pecado ou na servidão da idolatria são inconversos.
Todos os que possuem vida espiritual se acham em comunhão com Deus e
possuem capacidades espirituais para observância dos mandamentos divinos
são realmente convertidos. Todavia, não se deve esquecer que ser convertido,
no sentido próprio e restrito, sempre significa vir à fé no Evangelho de Cristo,
o Salvador dos pecadores. (At 11.20,21; 1 Pe 2.25) A vida espiritual, a
comunhão com Deus e a observância dos mandamentos divinos são fruto ou
efeito da conversão. A pessoa só faz a vontade de Deus depois de a sua vontade
ter-se inclinado ou voltado para Deus mediante a fé em Cristo, depois de
haver-se convertido.
4. A CAUSAEFICIENTE
DA CONVERSAO
(CAUSA
EFICIENS
PRINCIPALIS
CONVERSIONIS)
A pergunta relativa à causa eficiente da conversão tem sido respondida
de três diferentes maneiras. Em primeiro lugar, afirmou-se que a própria pessoa
é a causa de sua conversão (pelagianismo). Em segundo lugar, alegou-se que
Deus e a pessoa cooperam nToperação daconversão dela. O pecador fazendo
. .
o princípio da obra, e Deus a completando_(semipelagl_a_nismo,a r -
--
Em terceiro lugar, Deus dando início e o próprio pecador iluminado e desperto
a completando (sinergismo), .
A respeito do semipelagianismo e sinergismo, a Fórmula de Concórdia
(Epít., 11, 10.11) diz: "Rejeitamos, outrossim, o erro dos semipelagianos, os
quais ensinam que o homem pode com as próprias forças iniciar sua conversão,
não podendo, entretanto, completá-la sem a graça do Espírito Santo. Igualmente
o ensino de que, conquanto o homem antes de seu renascimento é
demasiadamente fraco para com seu livre-arbítrio fazer o início, e, com suas
próprias forças, converter-se a Deus e obedecer de coração à Lei de Deus, a
A Conversáo ou Outorga da Fé
ou b r o c m o resiste a quem o move, nem entende ou percebe o que lhe está ',
sendo feito, como o homem com sua vontade resiste ao Senhor Deus até ser
convertido. [..I Contudo, para sua conversão (conforme se mencionou acima)
absolutamente nada pode fazer e, neste respeito, é muito pior que pedra ou 1
bloco, pois resiste à Palavra e vontade de Deus até que Deus o acorde daL,
i\morte do pecado, o--
/d//
ilumine e renove." - -- -- - .-
-
boa obra do Espírito Santo, o qual opera por meio da Palavra de Deus." (Solus
Deus convertit hominem.)
A acusação de que nossa Confissão estaria dando demasiada ênfase a
este ponto, respondemos afirmando que os escritores da Fórmula de Concórdia
estavam perfeitamente convencidos de que a adoção do sinergismo pela Igreja
Luterana destruiria completamente o fundamento da Reforma. Reduziria,
também, a Igreja purificada ao pelagianismo, o erro fundamental do papado.
Eles compreenderam que uma Igreja Luterana sinergista não poderia ensinar
o sola gratia em sua verdade e pureza escriturísticas. Ao repelir os ataques dos
sinergistas, eles combatiam contra adversários que "saltavam à goela" do
Cristianismo. (cf. as palavras de Lutero dirigidas a Erasmo: "Unus tu et solus
cardinem rerum vidisti et ipsum iugulum petisti." Ainda a declaração do Dr. F.
Bente: "O luteranismo genuíno teria sido estrangulado, se o sinergismo tivesse
emergido vitoriosamente desta grande controvérsia da graça contra o livre-
arbítrio." Concórdia Triglotta, Introd. Histór. p.128.)
(CAUSAE
INSTRUMENTALIS
CONVERSIONIS)
Mesmo que só Deus seja a causa da conversão, ainda assim não converte
as pessoas de modo imediato ou por operação imediata, mas com o emprego
de meios definidos e ordenados. Nossa Confissão mantém esta verdade contra
todas as modalidades do entusiasmo (calvinismo, anabatismo, etc.).
Declara a Fórmula de Concórdia (Decl. Sól., 11, 4): "Os antigos e os novos
entusiastas, por sua vez, ensinaram que Deus converte os homens por
intermédio de seu Espírito e os conduz ao conhecimento salvífico de Cristo
sem qualquer meio ou instrumento da criatura, isto é, sem a pregação e audição
externas da Palavra de Deus."
A Fórmula de Concórdia indica, nessas palavras, os meios pelos quais o
Espírito Santo opera a conversão ou regeneração no coração humano, a saber:
"a pregação e a audição externas da Palavra de Deus". Como ficou dito acima,
a conversão, no seu verdadeiro sentido, não é outra coisa senão que uma
pessoa, uma vez aterrorizada pela Lei em virtude dos seus pecados, é
convertida num crente em Cristo, confiando para sua salvação nas divinas
promessa do Evangelho. O Evangelho é o objeto da fé convertedora e também
o meio de conversão. Pelo mesmo meio mediante o qual Deus oferece às
pessoas os méritos de Cristo (vis evangelii dativa vel collativa), ele também
opera neles a fé na graça oferecida (vis evangelii effectiva vel operativa).
Essa verdade é ensinada claramente nas Sagradas Escrituras, e. g., em
Rm 10.17: "A fé vem pelo ouvir e o ouvir pela palavra de Cristo." Tg 1.18:
"Segundo o seu querer, ele nos gerou pela palavra da verdade." 1 Ts 1.5: "O
A Conversão ou Outorga da Fé
nosso evangelho não chegou até vós tão-somente em palavra, mas sobretudo
em poder, no Espírito Santo e em plena convicção." 2 Ts 2.13,14: "Deus vos
escolheu desde o princípio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé
na verdade, para o que também vos chamou mediante o nosso evangelho." 1
Ts 2.13: "Tendo vós recebido a palavra que de nós ouvistes, que é de Deus,
acolhestes não como palavra de homens, e sim, como em verdade é, a palavra
de Deus, a qual, com efeito, está operando eficazmente em vós, os que credes."
Essas passagens provam que o Evangelho não é "letra morta", mas sim
testemunho vivo, cheio de poder (Jo 6.63), porque o Espírito Santo é sempre,
por ela, ativo e eficaz na gravação de suas divinas promessas no coração
humano. (G1 3.1-5; Rm 1.6; 1s 55.11)
Lutero escreve sobre esse ponto: "Tal é o poder que tem a palavra, que,
onde é seriamente considerada, ouvida e praticada, jamais pode ficar sem
fruto, mas desperta sempre nova compreensão, prazer e devoção, produz
coração e pensamentos puros, pois que não são palavras indolentes e mortas,
mas operosas, vivas." (Catecismo Maior, Terceiro Mandamento, $, 100) O
Evangelho é, por conseguinte, o meio eficaz pelo qual o Espírito Santo opera
na pessoa a fé ou a conversão.
Porque o Evangelho está aliado ao Batismo (At 2.38) e à Santa Ceia (Mt
26.26-28), também os sacramentos são meios eficazes (media salutis;
Gnadenmittel). Por eles o Espírito Santo opera a fé (Batismo: Tito 3.5) ou
fortalece a fé (Santa Ceia: 1 Co 11.26). Pelos sacramentos: portanto, o Espírito
Santo converte os pecadores (as crianças) ou confirma e mantém na fé os
que já estão convertidos. (Batismo de adultos; Santa Ceia)
Enquanto o Evangelho é o meio apto pelo qual o Espírito Santo opera a
fé, a conversão, no ser humano, a Lei divina é empregada por Deus na
preparação do pecador para a conversão. A fé salvadora jamais pode existir na
pessoa que não tenha sido previamente convencida de sua excessiva
pecaminosidade e do seu estado de ira e condenação. (S134.18; 51.17; 1s 66.2;
At 2.37-41; 16.27-31)
O arrependimento compreende, portanto, tanto a contrição (contritio;
terrores conscientiaej, que é operada pela Lei, como a fé (fiducia) que é produzida
pelo Evangelho. Para que os pecadores se convertam, é preciso que a pregação
do Evangelho seja precedida ou venha acompanhada da pregação da Lei. (Rm
3.19,20) A proclamação da Lei e a do Evangelho devem sempre andar lado a
lado, cada uma na relação que lhe cabe e com a devida distinção de suas
funções e finalidades. (Lc 24.47)
A Fórmula de Concórdia diz (Decl. Sól., V. 24-26): "Cremos e confessamos
que essas duas doutrinas devem ser promovidas contínua e diligentemente
na Igreja de Deus, até o fim do mundo, todavia com boa distinção da qual
ouvimos, a fim de que pela pregação da Lei e de suas ameaças [..I
os corações
Dogmática Cristã
cGvertida.
-- -
(SI 3 2 . 1 - W n d e e i e s r a o se apresentam, não se realizou á
conversão.
Escreve a Fóumula de Concórdia (Decl. Sól., 11, 70): "Pois sem dúvida, é
verdade que em genuína conversão deve ocorrer uma mudança, deve haver
novas atividades e movimentos no intelecto, na vontade e no coração, a
saber, que o coração reconheça o pecado, tema a ira de Deus, se desvie do
pecado, reconheça e aceite a promessa da graça e m Cristo, tenha bons
pensamentos espirituais, propósito e diligência cristãos e batalhe contra a
carne, etc. Pois, onde nenhuma dessas coisas acontece ou existe, aí também
não há conversão genuína."
Onde, porém, a contrição e a fé se acham no coração, a conversão se
efetuou, ainda que fossem fracos o conhecimento que o crente possui do
pecado e a sua confiança na graça divina. Em parte alguma, a Escritura requer
um grau específico de contrição e fé, embora, naturalmente, o regenerado
deva esforçar-se por crescer no conhecimento tanto do pecado como da graça.
(C1 1.9-11; 2 Pe 3.18) Pode-se dizer que a contrição existe toda vez que o
pecador penitente se considere eternamente perdido em virtude dos seus
pecados. (At 16.30) d
(CONVERSIO
MOMENTANEA
EST)
Na discussão do assunto da conversão, tem-se dado muita atenção -à
pergunta sobre se a conversão seria sucessiva (conversio sucessiva) ou
instantânea (conversio momentanea). Uma vez que a conversão se processa
pelo acendimento da fé no coração por obra do Espírito Santo, está claro que
sucede num momento (conversio momentanea). No preciso instante em que o
Espírito Santo, pelos meios da graça, gera a fé no pecador contrito. Daí, tão
logo o pecador penitente possua a primeira centelha ou desejo de fé, já está
inteiramente convertido. (Conversio temporis momento fit, [...I veluti en ripee
ommatos. Calov.)
Somente se dirá que a conversão é sucessiva (conversio sucessiva) no
caso de se considerarem parte da conversão certos atos (actus praeparatorii)
que comumente a precedem. Pertencem a esse actus puaeparatorii a noção
inata da Lei divina, a convicção por parte do pecador de sua culpa e
condenação, o incitamento dos terrores conscientiae e outros. Esses atos do
Espírito Santo, porém, apenas preparam o pecador para a conversão, mas não
o convertem, visto que a conversão só ocorre no justo momento em que o
Espírito Santo, pelo Evangelho, transforma o pecador alarmado em jubiloso
crente em Cristo.
Por essa razão, não devemos falar de um estado intermédio (status
medius) entre conversão e não-conversão (homo renascem, homo in statu medio
constitutus), visto que tal afirmação é antiescriturística e sinergista. É
antiescriturística, porque as Sagradas Escrituras reconhecem apenas duas
classes de pessoas: as convertidas e as inconvertidas, ou crentes e incrédulas.
(Jo 3.18-36; Mc 16.16; 1 Pe 2.25) Conforme a Escritura Sagrada, é impossível
que a pessoa se encontre num estado intermédio, mesmo por um momento,
porque não há região intermédia entre fé e incredulidade, entre vida e morte.
(Lc 11.23)
0 s teólogos que, em oposição à Bíblia, repudiam o caráter instantâneo
da conversão e afirmam que ela é um processo prolongado, durante o qual o
pecador é iluminado, depois despertado e, finalmente, levado à decisão de
aceitar Cristo, fazem isso em defesa do sinergismo. Igualmente, para apoiar a
sua idéia errônea de que o pecador desperto tem de, em última análise,
converter-se a si mesmo mediante os poderes espirituais conferidos a ele pelo
Espírito Santo (Latermann).
A Conversão ou 0ur:rsi - -G
É RESIST~VEL
8. A GRAÇADA CONVERSAO
(GRATIACONVERSIONIS
RESISTIBILIS
EST)
Embora a conversão do ser humano seja obra da onipotência de Deus
(Ef 119; 2 Co 4.6), a divina graça convertedora, porém, não é irresistível (gratia
irresistibilis), conforme ensinam os calvinistas, mas resistível (gratia resistibilis),
segundo afirmam as Sagradas Escrituras. (Mt 23.37; A t S A razão para
tanto é evidente. Apesar de que Deus seja<Gistível sempre que trate com a
pessoa segundo o seu poder soberano (in nuda maiestade) (Mt 25.31,32), pode-
se lhe resistir sempre que exerça o seu poder ilimitado através dos meios da
graça. (Mt 11.28; 23.37) Tanto no seu Reino do poder como no Reino da
graça, os meios pelos quais tencione abençoar o ser humano podem ser
rejeitados. Assim a vida, o maior dom terreno de Deus, embora criada e mantida
pela divina onipotência, pode, apesar disso, ser destruída pelo ser humano.
Assim também a vida espiritual, ou seja, a conversão, mesmo que oferecida
por meio da onipotente Palavra de Deus, pode ser rejeitada pela pessoa mediante
maldosa resistência.
Mantendo a resistibilidade da graça convertedora (gratia conversionis): a
Igreja Luterana confessional repudia tanto o calvinismo como o sinergismo.
Negando a universalidade da graça, o calvinismo declara que os eleitos se
regeneram pela graça irresistível, ao passo que aos não-eleitos só se concede a
graça comum. Os sinergistas, por sua vez, concluem, da resistibilidade dz
graça, que o pecador, assim como pode rejeitar a graça divina a ele oFereãdG.
também pode cooperar com o Espírito Santo em sua conversão, mediante
Dcgmatica Cristã
uso correto dos poderes espirituais que lhe foram conferidos. Ambos os erros
são contrários ao claro ensinamento das Sagradas Escrituras sobre esse ponto.
(1 T m 2.4; Fp 2.13)
(CONVERSIO
TRANSITIVA;
CONVERSIO
INTRANSITIVA)
Baseados nas Sagradas Escrituras, nossos dogmáticos falam numa
conversão transitiva e intransitiva (conversio transitiva; conversio intransitiva).
Diz-se que Deus converte a pessoa e, novamente, diz-se que a pessoa se
autoconverte. (Jr 31.18, haschibeni; At 3.19, metanoeesate; Jr 24.7, jaschubu) Entre
ambos os termos, porém, não há diferença (realis distinctio), visto que a pessoa
se converte apenas quando Deus a converte. Ambas as expressões,
conseqüentemente, descrevem o mesmo ato, do qual só Deus é a causa eficiente.
Por isso, essas expressóes não devem ser tomadas em sentido sinergista, como
se Deus começasse a conversão, e a própria pessoa a efetuasse ou completasse.
Mesmo sendo escriturística, a expressão "conversão
---
intransitiva" ,
("A pessoa
converte a si-mesma"),
- cumpre não esquecer que Deus, na conversão, "opera
tanto o querer como o efetuar". (Fp 2.13)
A observação de Baier sobre este ponto é escriturística. Ele escreve: "O
termo conversão é tomado na Escritura em duplo sentido: por isso que ora se
diz que Deus converte o homem, ora que o homem converte a si mesmo;
ainda que, no que concerne à coisa em si (quoad rem), a ação seja uma e a
mesma (una et eadem)". Que só Deus opera a conversão está comprovado na
Escritura. (Jr 31.18; Jo 6.44; Ef 1.19; etc.) Essas passagens não admitem sequer
uma modalidade modificada de sinergismo (a conversão da pessoa dependeria
de sua condição necessária de passividade e submissão em face da vocação do
Evangelho. (cf. Latermann, Dieckhoff, etc.)
10. CONVERSAO
CONTINUADA
(CONVERSIO
CONTINUATA)
Baseados na Bíblia, nossos dogmáticos falam, também, numa conversão
continuada, isto é, conversão que prossegue através da vida do crente. (Mt
18.3) A necessidade da conversão continuada baseia-se no fato de os
regenerados não estarem perfeitamente santificados, mas ainda conservarem
a velha natureza. (Hb 12.1; Rrn 7.21,23) Por causa da pecaminosidade de sua
carne e dos multiformes pecados atuais que dela emanam, têm de viver em
"arrependimento diário". (Rrn 6.3-6) É com esse "arrependimento diário" que
se deve identificar a "conversão continuada" (regeneração, ressurreição,
iluminação continuadas). (Poenitentia continuata sive quotidiana est dolor
hominis iam conversi de residua ad peccandum proclivitate et vitiositate.)
A Conversão ou Outorga da Fé
2
REITERADA
11. CONVERSAO
-
-i.-- , - 2
i
.
--
- e- /aq& e ?/,-
REITERADA)
(CONVERSIO ->* .+
O fato de aqueles que crêem em Cristo poderem
__1_--
cair&raça
- --
ou perder
a a 8 --
. 1 3-, 1 4 ; 1 ~ 1.19)m constitui doutrina clara da Bíblia. Isso e s t á
igualmente comprovado peIofexempIos de Davi e Pedro. É preciso dar ênfase
a essa verdade frente aos calvinistas, que afirmam que o crente perde o
exercício da fé (exercrtum fidei), mas não a fé em si ao cometer pecados mortais.
Nossa Confissão luterana condena essa doutrina calvinista como
antiescriturística e perniciosa. Diz (Os Artigos de Esmalcalde, 111, 42): "Por
outro lado, é possível que venham alguns espíritos sectários [..I
e sustentem
a opinião seguinte: Todos aqueles que alguma vez hajam recebido o Espírito
ou o perdão dos pecados ou que se hajam alguma vez se tornado crentes,
esses, caso depois disso pequem, mesmo assim permanecerão na fé, e tal pecado
não lhes fará mal E.. ] Tais criaturas insanas têm-me aparecido muitas vezes
pela frente, e temo que esse demônio ainda está alojado em algumas." Por
outro lado, é preciso manter que podem se converter de novo (conversio
reiterata) os que caíram da fé. (Poenitentia iterata lapsorum, qui ad meliorem
frugem redeunt.) "Condenam-se, também, os novacianos, que negavam a
absolvição aos que haviam pecado depois do Batismo e seus modernos
seguidores." (Conf: de Augsb., XII, 9)
Se a pessoa cometeu o pecado contra o Espírito Santo, não é possível a
conversão reiterada. (Mt 12.31-32; 1 Jo 5.16) Como, todavia, a pessoa, só em
raros casos, pode saber exatamente quem cometeu o pecado contra o Espírito
Santo, é dever da Igreja Cristã pregar o arrependimento e a fé a todas as pessoas
enquanto lhe for dada oportunidade. (Ez 18. 23-32; 3.16-21)
Com respeito à Controvérsia Terminista, basta manter a regra que
acabamos de estabelecer: A Igreja não deve reter, mas conferir a graça do
Dogmática Cristã
AO MONERGISMO
12. OBJEÇOES DIVINO
NA CONVERSÁO
Dentre as numerosas objeções que se fizeram à doutrina escriturística
segundo a qual somente Deus converte a pessoa (Solus Deus convertit hominem),
as seguintes merecem menção especial:
a. Como Deus, em sua palavra, exige da pessoa o arrependimento ou
conversão (At 16.31; Mc 1.15), esta terá de forçosamente poder, ao menos
em parte, converter-se a si mesma, Respondemos a isso que, da exigência
divina, não se pode tirar nenhuma conclusão com respeito à
capacidade da pessoa para satisfazer a vontade de Deus. A debito ad
posse non valet consequentia .
Assim, pelas advertências da Lei (admonitiones legales), Deus humilha a
pessoa e opera nela verdadeiro conhecimento do pecado (Lc 10.28; Rrn 3.20),
enquanto que, pelas exortações do Evangelho (admonitiones evangelicae), opera
nela a fé verdadeira. (Mt 11.28) Por analogia do método de Deus de operar
mediante a sua Palavra onipotente, podemos citar a ressurreição de Lázaro
(Jo 11.43,44; cf. também At 3.6) e a obra da criação. (Gn 1 . 3 s ) Por isso, não
devemos raciocinar: "Por que ordenar que os seres humanos façam o que são
absolutamente incapazes de fazert Por que mandar que as pessoas creiam,
quando não podem crert" Mas, pelo contrário, considerar, tanto as admonitiones
legales como as admonitiones evangelicae, os meios eficientes pelos quais Deus
realiza o seu propósito misericordioso de salvar os pecadores. Que é
insustentável argumento sinergista: A debito a d posse valet consequentia,
demonstra-o claramente a Escritura Sagrada. (Mt 11.28, comp. com Jo 6.44)
Com referência às cláusulas condicionais (Rm 10.9), pode-se dizer que
fazem ver, não condições verdadeiras, mas os meios pelos quais Deus efetua a
salvação da pessoa. Assim, a declaração: "Se em teu coração creres, [..I serás
salvo", outra coisa não é que: "Pela fé te salvarás."
b. A menos que a pessoa coopere em sua conversão, ela serk um ato de
coação (COACTIO) ou força; em outras palavras, a pessoa seria, nesse
caso, convertido, por graça irresistível, suposição essa que a Escrituua
condena. Respondemos que tal objeção ignora a verdadeira naturezz
da conversão, que consiste no ato divino pelo qual Deus, mediante
os meios da graça, transforma os que não querem em pessoas que
querem. (João 6.44) A conversão não é um ato pelo qual Deus impõe
ao pecador o que ele não quer ou o force a aceitar o que não deseja,
mas é um gracioso trazer divino (João 6.44: helkusee) pelo qual Deus
opera nele "tanto o querer como o efetuar". (Fp 2.13) Lutero faz a
observação correta de que Deus, na conversão da pessoa, não a arrasta
como o carrasco o criminoso à forca, mas com "abrandamento e
transformação do seu coração" pelos meios de graça. "Es ist ein
freundlich Locken und An-sich-Ziehen, wie sonst ein holdseliger M a n n
die Leute an sich zieht." (S. L., VII, 2 2 8 7 s )
c. B w q m r a n c a , v a c i d ~ a u _ w ~ - p - ( 1 o~a~t o-_c___
~ da
ã 0fé ou se&
-.
- - r -- ----- ,------
. ~ r e p a r d a - ~para
a a conversão mas não a efg~i4-gu-2g que.a--.
decisão final residena propria pessoa.-Respondemos a isso que, segundo
L-
as 5 a g ~ d ã Escrituras,
s o mesmo ato da fé é obra e dom de Deus. (Fp
1.29; Ef 1.19, 20; Fp 2.13) Concebemos que Deus opera na pessoa a
capacidade para crér. Tão logo - essa capacidade tenha sido conferida
ao pecador, ele já não se acha espiritualmente morto, mas vivo em
Cristo, já está convertido. A morte espiritual terá sido removida neste
caso e, em seu lugar, implantada vida espiritual no coração humano.
Deste modo entende a Fórmula de Concórdia, essa declaração tão
conhecida que os sinergistas, com tanta freqüência, citavam a seu favor (Decl.
Sól., 11, 83): '!A conversão é mudança tal no intelecto, na vontade e no coração
do homem, pela operação do Espírito Santo, que o homem, por essa operação
do Espírito Santo, pode aceitar a graça oferecida." (qua homo potest oblatam
gratiam apprehendere) Conforme a Fórmula de Concórdia, a pessoa que "pode
aceitar a graça oferecida7'já está regenerada; visto que a nossa Confissão declara
(Decl. Sól., 11, 85): "O homem irregenerado resiste inteiramente a Deus e é
totalmente servo do pecado. Mas o renascido se deleita na Lei de Deus segundo
o homem interior." Logo, não se pode afirmar que nossa confissão favorece
doutrina alterada dos sinergistas atuais, os quais afirmam que o ser humano
pode autoconverter-se pelo uso correto dos novos poderes espirituais que lhe
foram comunicados por Deus. (Latermann, discípulo de Jorge Calixto, 1662)
Afirmam que a pessoa pode converter-se depois de Deus tê-la dotado com a
capacidade para crer.
d. Se a pessoa não cooperar em sua conversão, não será ela mesma/ mas o
Espírito Santo quem nela crê. Nesse caso, não é a pessoa, mas o Espírito
Santo o sujeito da fé. Se esse argumento fosse correto, também se
aplicaria à vida natural do ser humano, porquanto Deus "mesmo é
quem a todos dá vida, respiração e tudo mais". (At 17.25) Ainda
assim, embora Deus seja o único autor e mantenedor da vida humana
Dogrnática Cristã
não quer em pessoa que quer. (Ex nolentibus gratiam volentes gratiam
facit.) Todavia o termo "livre" não deve ser aplicado à conversão no
sentido sinergista, que a pessoa seria "neutraJ' antes da conversão,
assim que pudesse decidir a favor ou contra a graça (ut possit velle
aut non). Com respeito à relação do ser humano para com Deus e
seu Reino, não há neutralidade, porque a pessoa está com Cristo ou
contra ele. (Mt 12.30; Lc 9.50) Lutero escreve: "Aqui não há meio-
termo; porque estamos, necessariamente, debaixo do poderoso
tirano, o diabo, em seu cativeiro, ou debaixo do Redentor Cristo no
céu. [...I Portanto, todo homem vive ou com Cristo contra o diabo,
ou com o diabo contra Cristo." (S. L., VII, 172)
h. A pessoa pode cooperar em sua conversão, desde que é capaz da justiça
civil (iustitia civilis, probitas naturalis). Dizemos, em resposta a esse
argumento, que, embora por natureza o ser humano seja realmente
capaz da justiça civil (iustitia civilis), é de si mesmo incapaz da justiça
espiritual (iustitia spiritualis). Pode, na verdade, abster-se
exteriormente de pecados grosseiros, mas interiormente não pode
amar Deus nem cumprir os seus mandamentos, visto que, com toda
a sua justiça exterior, não crê no Evangelho de Cristo, porém o odeia
e lhe resiste. (1 Co 2.14) 0 s fariseus gloriavam-se de sua justiça civil.
Cristo, porém, afirmou acerca deles: "Publicanos e meretrizes vos
precedem no Reino de Deus." (Mt 21.31) Apesar de sua "justiça
civil7', os poderosos deste século crucificaram o Senhor da glória. (1
Co 2.8) Mesmo para os "melhoresJ' judeus, o Cristo crucificado é
pedra de tropeço e, para os "melhores" gentios, é loucura (1 Co 1.23)
até que se convertam. (1 Co 1.24)
i. O ser humano é capaz de cooperar em sua conversão, visto poder usar OS
meios da graça externos, isto é, frequentar a igreja, ler a Bíblia, etc. Com
efeito, admitimos que a pessoa possa, por natureza, usar
externamente os meios da graça, como também declara a Fórmula de
Concórdia (Decl. Sól., 11, 53): "O homem ainda não convertido a Deus
e irregenerado pode ouvir e ler essa Palavra exteriormente; pois nessas
coisas externas, conforme acima dissemos, mesmo depois da queda,
o homem possui, até certo ponto livre-arbítrio, de modo que pode ir
à igreja, prestar ou não ouvidos ao sermão." Esse uso externo dos
meios da graça, entretanto, não pressupõe nenhuma capacidade, da
parte das pessoas, para se arrepender de seus pecados e crer em Cristo,
pois mesmo enquanto lêem ou ouvem a palavra, "o véu está sobre o
coração deles" (2 Co 3.15), véu esse que "foi removido por Criston(v.
14), isto é, mediante a fé em Cristo, operada pelo Espírito Santo.
(w. 16-18)
Dogmática Cristã
13. O CARÁTER
PERNICIOSO
DO SINERGISMO
Quando os sinergistas crassos afirmam: (Melanchton: "A vontade
anuente do homem é a causa eficiente da conversão"), bem como os sinergistas
sutis (Latermann, o moderno protestantismo evangélico em geral: "O homem
é capaz de decidir-se pela graçan), na realidade repudiam a doutrina
escriturística da salvação pela graça e inculcam a salvação pela justiça das
obras. Tanto o sinergismo crasso como o sutil, em última análise, atribuem a
salvação do ser humano em parte, à sua boa conduta, à sua decisão por Cristo,
à sua autodeterminação, à sua omissão de resistência maldosa, etc. O
sinergismo, por conseguinte, não reconhece a doutrina da graça como a
Escritura Sagrada e a Igreja Cristã ensinam. Muito pelo contrário, representa
o retorno ao campo do semipelagianismo romano, que Lutero e os
reformadores combateram sempre com tanto zelo. (cf. os termos em que
Lutero se dirigiu a Erasmo em resposta à Diatribe deste: "Unus tu et solus
cardinem rerum vidisti et ipsum iugulum petisti.") Diz a Apologia (Art. 111, 144).
"Verum opera incurrunt hominibus in oculos. Haec naturaliter miratur humana
ratio, et quia tantum opera cernit, fidem non intelligit neque considerat, ideo somniat
haec opera mereri remissionem peccatorum et iustificare. Haec opinio legis haeret
naturaliter in animis hominum, neque excuti potest, nisi quum divinitus docemur."
O sinergismo nega o monergismo da graça divina (sola gratia). Com
isso, torna impossível a conversão do pecador, visto que a pessoa se salva
unicamente pela graça, mediante a fé, sem as obras da Lei. (Rm 3.24-28; Ef
2.8,9) Com efeito, os que se converteram e se tornaram filhos de Deus por
confiar apenas em Cristo (sola fide), cairão da graça e perderão a sua fé
salvadora, uma vez que aceitem o erro pernicioso do sinergismo. (G1
5.3,4,9,11,12)
Dogmáttca Cristã
para significar que o pecador foi assustado pela Lei, ainda que não induzido à
fé em Cristo pelo Evangelho. Nesse sentido, pode-se dizer que Félix (At 24.25)
e o carcereiro de Filipos (At 16.30) foram despertos. Quando empregado assim,
o 'despertar" do pecador pertence aos atos preparatórios da conversão (actus
praeparatorii), ou seja, à graça assistente de Deus (gratia assistem), que reage
sobre o pecador unicamente de fora (extrinsecus), segundo disseram os nossos
dogmáticos.
O grande erro que os pietistas e sinergistas cometeram foi aplicar o
termo desperto àqueles que, não só foram aterrorizados pela Lei de Deus, mas
já possuíam "os primeiros indícios da fé" (prima initia fidei), que já estavam
convertidos. Os despertos, sustentavam eles, não eram convertidos nem
incorvertidos. Tal estado médio (status medius), porém, não é reconhecido
pela Escritura Sagrada, conforme demonstramos acima. Pelo contrário,
segundo a Bíblia, todo pecador penitente que possui os prima initia fidei
(scintillula fidei), já está convertido, conforme ensina a Fórmula de Concórdia
(Decl. Sól., 11, 14).
c. Iluminação (illuminatio). O termo designa a transferência das pessoas
de seu estado natural de trevas espirituais para um novo estado de
luz espiritual. (Ef 5.8) A iluminação é, portanto, em seu sentido
restrito, sinônimo de conversão, pois consiste essencialmente no
ato gracioso de Deus pelo qual ele "abre os olhos" aos espiritualmente
cegos e os converte "das trevas para a luz e da potestade de Satanás
para Deus, a fim de que eles recebam remissão de pecados e herança
entre os que são santificados pela fé". (At 26.18) Tanto a iluminação
como a conversão sucedem pela fé no Evangelho de Cristo. Ambos
têm o mesmo terminus a quo, a saber, as trevas, e o mesmo terminus
ad quem, a saber, a fé. Isso é comprovado pela Palavra de Cristo: "Eu
vim como luz para o mundo, a fim de que todo aquele que crê em
mim não permaneça nas trevas." (Jo 12.46) Portanto, enquanto a
pessoa é incrédula, não é esclarecida ou iluminada. No tocante a
esse ponto, andaram bem os pietistas, opondo-se aos seus
antagonistas ortodoxos, que, mesmo a ministros incrédulos,
atribuíam certa iluminação ou, antes, alumiação (alluminatio),porque
a iluminação só pode ser afirmada com respeito aos que crêem
verdadeiramente em Cristo.
d. Vocação (vocatio). O termo vocação, na Escritura, designa, algumas
vezes, unicamente a proclamação do Evangelho ou o estender do
convite divino da salvação aos pecadores. Nesse sentido, são
chamados todos os seres humanos que ouvem ou lêem a mensagem
graciosa do Evangelho. (Mt 20.16; 22.14) Contudo, na maior parte
das passagens da Escritura, o termo não designa simplesmente o
gracioso oferecimento da salvação pelo Evangelho, mas o verdadeiro
chamamento do pecador à vida espiritual, ou sua transferência efeth-ã
do reino de Satanás para o Reino de Cristo. Nesse sentido, o termo
vocação é sinônimo de conversão. Os que são chamados (kleetoi) são
os convertidos, vale dizer, os crentes verdadeiros, que se apropriaram,
pela fé, das graciosas promessas do Evangelho. (Rm 1.5,6; 8.30; 1 Co
1.2,26; 2 T m 1.9; etc.)
e. Arrependimento koenitentia). O termo arrependimento é empregado
t a n t o e m sentido restrito como e m sentido lato. A Fórmula de
Concórdia assim escreve (Decl. Sól. V, 7.8): "A palavra arrependimento
não é usada em apenas u m sentido nas Sagradas Escrituras. Em
algumas passagens das Sagradas Escrituras, é usada e tomada para a
conversão inteira da pessoa, como e m Lucas 13: "Se não vos
arrependerdes, todos igualmente perecereis." E no capítulo 15: "Assim
haverá júbilo por um pecador que se arrepende, etc." Mas nessa
passagem, Marcos 1, como t a m b é m e m o u t r o lugar, onde o
arrependimento e a fé em Cristo, At 20, ou "arrependimento e perdão
dos pecados", Lc 24, são distinguidos um do outro, arrepender-se
significa apenas reconhecer verdadeiramente o pecado, sentir pesar
de coração por causa dele e dele se abster." (Isto é, por motivos
exteriores de temor e castigo.)
Dessa maneira, o termo "arrependimento" designa: a) reconhecimento
do pecado e contrição operados pela Lei (terrores conscientiae). Esse é o sentido
do termo em todas as passagens em que o arrependimento é diferençado da
remissão dos pecados (Lc 24.47); b) contrição e fé, ou seja, a inteira conversão
do pecador. (Lc 13.5) Nesse último sentido, o termo "arrependimento" é
sinônimo de conversão.
Baier escreve sobre essa distinção (111, 310): "Conquanto, às vezes, o
arrependimento seja, em sentido restrito, empregado para aquela parte da
conversão que se chama contrição, é também frequentemente empregado
para toda a conversão." A Confissão de Augsburgo também descreve o
arrependimento, quando diz (Art. XII 3-6): "O arrependimento consiste
propriamente nas duas partes seguintes: uma é a contrição, ou os terrores
metidos na consciência pelo reconhecimento do pecado; a outra é a fé, que
nasce do evangelho ou da absolvição, e crê que os pecados são perdoados por
causa de Cristo, consola a consciência e liberta dos terrores."
A Confissão de Augsburgo acrescenta corretamente que as boas obras
que seguirão o arrependimento são frutos do arrependimento. Deinde sequi debent
bona opera, quae sunt fructus poenitentiae.
Essa importante verdade deve ser mantida contra o erro dos romanistas,
os quais sustentam que o arrependimento consiste de contrição, confissão e
satisfação (contritio cordis, confessio oris, satisfactio operis). O erro papista segundo
Dogmática Cristã
aquele que pretende justificar-se pelas obras está debaixo da maldição. (G1
3.10) Ilustra o fato com exemplos que não deixam dúvidas quanto à
necessidade de que as obras humanas sejam excluídas da justificação. (Rm
4.1-3; LC 18.9-14)
Segundo as Escrituras, a tentativa da parte do ser humano de obter a
justificação por seus próprios esforços é "zelo não com entendimento". (Rm
10.2) O insistir nas obras como necessárias à salvação é "doutrina da carne".
(C1 3.2,3) Por outro lado, é ensinamento característico da religião cristã, a
qual é de Deus, que os pecadores são justificados perante Deus unicamente
pela fé, sem as obras da Lei. (G1 1.8; 5.4,s) Daí temos de excluir do ato da
justificação:
a) todas as boas obras que Deus opera nas pessoas em seu Reino do
poder (iustitia civilis) (Rm 2.14,15),
b) todas as obras espiritualmente boas que emanam da fé (Rm 4.2,3).
Isso porque as partículas exclusivas (paniculae exclusivae) tais como
"sem a Lei", "sem as obras", "não das obras", etc. (Rrn 3.28; 4.5; Ef
2.8, 9), eliminam do ato da justificação toda e qualquer obra humana.
Diz a Fórmula de Concórdia (Decl. Sól., 111, 9): "Sobre a justica da fé ante
Deus, cremos [...I que o pobre pecador é justificado diante de Deus, isto é,
absolvido e declarado livre e isento de todos os seus pecados e da sentença da
bem merecida condenação, [...I sem qualquer mérito ou dignidade "de nossa
parte, também sem quaisquer obras antecedentes, presentes ou subseqüentes,
tão-só por graça, exclusivamente por causa do único mérito, da obediência
integral, do amargo sofrimento, da morte e da ressurreição de Cristo nosso
Senhor, cuja obediência nos é atribuída como justiça."
Como bem demonstra a Fórmula de Concórdia, as Sagradas Escrituras
também fazem ver as razões por que as obras humanas devem ser excluídas
da justificação, a saber:
a) porque Deus quer revelar a glória de sua graça na salvação imerecida
da humanidade pecadora (Ef 2.9; 1.6,7),
b) porque, em sua graça infinita, Deus se propôs providenciar para a
humanidade perdida uma salvação da qual o pecador, à base da
graciosa promessa divina, pudesse estar absolutamente seguro e certo.
(Rm 4.16)
As Sagradas Escrituras ensinam que a justificação sucede pela fé, sem
as obras da Lei. Com isso, elas rejeitam o erro papista:
a) de que a justificação se basearia na graça infusa (gratia infusa) ou
nalguma boa qualidade no homem;
b) de que a justificação seria um ato medicinal (actus medicinalis), pelo
qual o pecador seria feito justo mediante a santificação;
c) de que, na justificação, haveria graus (gradus), de sorte que um crente
estaria mais justificado que outro;
d) de que o crente não poderia estar seguro de sua salvação (monstrum
incertitudinis).
A Escritura afirma com sua doutrina do sola frde:
a) que a justificação se baseia no gracioso favor de Deus em Cristo
Jesus (gratuitus Dei favor propter Christum), ou seja, na graça divina,
a qual está do lado de fora da pessoa, "no próprio coração de Deus",
embora lhe seja revelada e oferecida no Evangelho. (Media gratiae
instuumenta iustificationis sunt.);
b) que a justificação é um ato forense (actus forensis) pelo qual Deus
declara justo o pecador que crê em Cristo;
c) que a justificação não tem graus, mas é instantânea e completa,
sendo o crente justificado tão logo confie em Cristo para sua justiça;
d) que a fé não justifica como virtude ou boa qualidade no homem,
mas unicamente como instrumento ou meio pelo qual o pecador
apreende a justiça perfeita do Salvador humano-divino;
e) que o crente pode estar seguro da salvação, pois a salvação não repousa
em sua própria dignidade, mas nos méritos atribuídos de Cristo.
A doutrina da justificação que os reformadores apresentaram no Art.
IV da Confissão de Augsburgo é escriturística. Reza a mesma: "Ensina-se
também que não podemos alcançar remissão do pecado e justiça diante de
Deus por mérito, obra e satisfação nossos, porém que recebemos a remissão
do pecado e nos tornamos justos diante de Deus pela graca, por causa de
Cristo, mediante a fé, quando cremos que Cristo padeceu por nós e que por
sua causa os pecados nos são perdoados e nos são dadas justiça e vida eterna.
Pois Deus quer considerar e atribuir essa fé como justiça, diante de si, conforme
diz São Paulo em Romanos 3 e 4," Com isso, a Igreja de Roma que, sobre esta
confortadora doutrina da Escritura, pronuncia o seu anátema, deu nova prova
de que está equivocada.
A doutrina da justificação pela fé, sem as obras da Lei, pressupõe como
postulados necessários:
a) a justificação objetiva, ou seja, a doutrina de que Cristo, por meio
de sua expiação vicária, obteve reconciliação para o mundo inteiro;
b) a graça universal (gratid unrziversalis), ou seja, a doutrina de que
Deus quer sinceramente a salvação de todos os seres humanos;
c) a salvação por graça somente (sola gra~ia),ou seja, a doutrina de que
o pecador se salva sem qualquer obra antecedente, atual ou
subseqiiente;
A Justificapio Pela Fé
DA JUSTIFICAÇAO -
3. A DOUTRINA
A DOUTRINA
CENTRAL DA RELIGIÁO CRISTA
Não é preciso muito esforço para demonstrar que o artigo da justificação
pela fé constitui a doutrina central (articulus fundamentalissimus, articulus
stantis et cadentis ecclesiae) de toda a religião cristã; pois é o ensinamento
superior das Sagradas Escrituras para o qual todas as verdades sagradas do
Evangelho convergem. O que a Palavra de Deus nos diz da encarnação, do
padecimento, da morte, da ressurreição, etc., de Cristo, é o fundamento dessa
excelsa doutrina, pois Cristo encarnou, sofreu, morreu, ressuscitou, etc., a
fim de que os pecadores, que não podiam se salvar por seus próprios esforços,
pudessem ser justificados pela graça, mediante a fé na sua satisfação vicária.
Conseqüentemente, os que negam a doutrina escriturística da justificação
pela fé, negam a inteira religião cristã. Eles se vêem compelidos a ensinar a
maneira pagã de salvação pelas obras, pela qual se anula o Evangelho de Cristo.
Esse é o motivo pelo qual a Escritura Sagrada insiste com tanta ênfase
na proclamação clara e inalterada da salvação pela fé em Cristo. (Jo 3.16; Rm
3.23-28; 1 Co 2.2s~;G1 2.21; 45.4; Ef. 2.8, 9; Fp 3.8, 9; G1 1.8,9; 3.1-3; 5.4;
etc.) Toda a polêmica da Escritura Sagrada culmina na refutação de todas as
heresias que pervertem o artigo da justificação peIa fé em Cristo. (Jo 8.24; At
10.42,43; G1 1.6-10; Fp 3.2-9, etc.) As suas supremas advertências e exortações
ao crente centralizam-se no apelo a continuar na fé no Senhor Jesus Cristo.
(2 Tm 3.8; T t 2.1-15; Hb 4.14-16; 1 Pe 4.1-5; 1 Jo 5.10s~;etc.). Todos os seus
ensinamentos apontam para ela (articuli antecedentes) (Lc 24.25-27) ou a ela
se referem (articuli consequentes). (Ap 5.9-14) A justificação pela fé em Cristo
é o tema predominante do Antigo Testamento (1s 53.4-6) e do Novo
Testamento. (2 Co 5.19-21)
Em síntese, a doutrina da justificação pela fé no Cristo crucificado e
ressuscitado constitui o inteiro Evangelho. Onde quer que seja crida, existe a
Igreja de Cristo, a comunhão dos santos. Onde quer que não seja crida, não
pode existir a Igreja Cristã, visto que esta possui como membros apenas aqueles
que crêem que Cristo morreu e rc:ssuscitou por eles. (Mc 16.15,16; 1 Co 15.3,4)
O pastor cristão deve, por conscguinte, exercer o seu ofício de tal modo t u e
Dogmática Cristã
este artigo estão fora da Igreja (G1 3.10) ou, como diz Lutero, "são ou judeus
ou turcos, ou papistas ou hereges". Todo fiel cristão confessa com Lutero:
"Creio que Jesus Gisto, verdadeiro Deus [...I e também verdadeiro homem,
I...] é meu Senhor, que me remiu a mim, homem perdido e condenado", etc.
Essa verdade achamos confirmada especialmente nos muitos hinos cristãos,
que são a expressão da fé pessoal de milhares de cristãos, os quais, mesmo
que sirvam em lugares e epocas diferentes e pertençam exteriormente a
denominaç6es diferentes, repetem o mesmo estribilho: "Pela graça sois salvos,
mediante a fé." (Ef 2.8)
4, A TERMINOLOGIA
CRISTA
COM A PRESERVA
QUAL SE
DO DA JIJSTIFICAÇÃOPEZA F É
ERROA DOUTRINA
a. "Por graça, por amor de Cristo, mediante a fé." Empregam-se esses termos
para eliminar, do artigo da justificação, todas as obras das pessoas,
antecedentes, atuais ou subseqüentes. Escreve a Fórmula de Concórdia
(Decl. Sól., 111, 25): "da justificação, ao qual apenas pertencem e são
necessários a graça de Deus, o mérito de Cristo e a fé."
A expressão por graça atribui a salvação unicamente ao gracioso favor
de Deus em Cristo (gratuitus Dei favor) e exclui da justificação, como causa
meritória a chamada "graça infusa" (gratia infusa) da Teologia papista. A
expressão por amor de Cristo significa tanto como "por amor da satisfação
vicária de Cristo", "já que ele satisfez a Lei por nós e pagou pelos nossos
pecados". (Fórmula de Concórdia, Decl. Sól., 111, 14)
A justificação por amor de Cristo tem de ser mantida: a) contra os
papistas, que consideram a graça infusa (gratia infusa), o amor, etc., como
causa da justificação; b) contra todos os entusiastas que não baseiam a
justificação nos méritos de Cristo, mas sim no "Cristo dentro de nós", ou
seja, na sua habitação e influência santificadora no coração (Osiandro); c)
contra todos os teólogos racionalistas modernos, que rejeitam o caráter forense
da justifica@ío como demasiado "jurídico" e a definem como processo ético
ou transformação do ser humano (Umgestaltung der Menschheit) pela influência
santificadora do Espírito Santo (actus medicinalis).
A expressão pela fé designa a fé como meio receptor (medium leeptikón)
pelo qual o crente se apropria dos méritos de Cristo que lhe são oferecidos
nos meios da graça (media dotika). Todas as três expressões conjuntamente
exprimem a verdade escriturística "que toda a nossa justiça deve ser procurada
fora dos méritos, obra, virtudes e dignidade nossos e de todos os homens, e
que ela repousa apenas sobre Cristo, o Senhor." (Fórmula de Concórdia, Decl.
Sól., 111, 55)
Essa verdade deve ser defendida contra todos os que erram nessa
doutrina, substituindo a justiça objetiva de Cristo, que está fora do pecador,
Dogmática Cristã
por uma justiça que se acha dentro da pessoa e a põem por fundamento de
sua justificação (papistas, entusiastas, teólogos vivencialistas
[Erlebnistheologen], etc.)
b. " A justificaçáo não é um ato flsico ou medicinal, mas forense e judicial." O
significado dessas expressões consiste em que a justificação não é
essencialmente a transformação interna do pecador ou sua
santificação, mas, pelo contrário, o ato divino pelo qual Deus declara
o pecador justo por amor de Cristo. Isso quer dizer que a justificação
não ê, essencialmente, uma transformação pela qual a pessoa é feita
justa, mas uma virtude da justificação perfeita de Cristo da qual ela
se apropria pela fé. A mudança que segue à justificação é fruto da fé
e pertence à doutrina da santificação, não à da justificação.
Quando falamos da justificação como ato forense ou judicial, temos de
considerar que há uma diferença distintiva entre o julgamento das cortes
civis e o de Deus. As cortes civis justificam ou declaram justo o justo e
condenam o ímpio. Aquelas que justificam o impio e condenam o justo são
abominação ao Senhor. (Pv 17.15) Deus, porém, no ato da justificação, justifica
o ímpio. (Rm 4.5) Isso com o justificado motivo de que Cristo, por sua perfeita
obediência, pagou a dívida pelos ímpios. (1s 53.5, 6; 2 Co 5.21)
Declara a Apologia da Confissão (Art. 111, pp. 161, 305-306): Mas
"justificar", nesta passagem, significa, segundo o uso forense, absolver o réu
e declará-lo justo. Contudo, em virtude da justiça alheia, de Cristo, justiça
alheia esta que nos é comunicada pela fé. Visto, pois, que neste passo nossa
justiça é imputação de justiça pertencente a outrem, deve falar-se aqui, acerca
de justiça, de maneira diversa da em que falamos quando em filosofia ou no
foro, inquirimos a justiça da obra pessoal." (161.305-306)
Essa distinção é importante. Se Deus quisesse justificar unicamente os
justos e condenar todos os injustos, tal como fazem as cortes civis, nem um
único pecador se salvaria (Lc 18.14; G1 3.10), visto que, apesar de todos os
seus esforços morais, todas as pessoas continuam injustas perante Deus. (1s
64.6) A doutrina papista segundo a qual Deus só pode justificar os que
realmente são justos, quer ao todo, quer em parte, cancela toda a mensagem
evangélica da justificação pela fé. Lutero apelidou corretamente essa doutrina
de "veneno de Satanás" e "peste pestilentíssima" (pestilentissima pestis; S. L.,
V, 517), visto destituir o pecador de todo o verdadeiro consolo e roubar de
Deus a honra que lhe cabe como gracioso Senhor, que perdoa gratuitamente
os pecados por amor de Cristo. (Rm 3.28; Ef 2.7-9)
É necessário dar ênfase a essa verdade, porque, não só todos os
protestantes romanizantes (André Osiandro, Schwenkfeld, Weigeld), como
ainda os arminianos e sinergistas negam o ato forense no seu sentido bíblico.
O verbo dikaioun significa "declarar justo" e não "tornar justo". Isso
A justificaq-doPela F4
d. "A justificação não requer nem mesmo a presença de boas obras." (Neque
PRAESENTIA operum ad iustificationem requiritur.) Deve-se entender
esta declaração à luz da importante verdade "que a fé nunca está só,
porém sempre justifica só." (Fides nunquam est sola, sed iustificat sola.)
Essa verdade vem claramente ensinada na Escritura Sagrada. Por um
lado, a fé salvadora é sempre seguida de obras (Rm 5.1-5; G1 5.6; Tg
2.20); por outro, a fé não salva jamais pelo fato de que produz boas
obras. (Rrn 3.28; 4.5)
Sobre isso a Fórmula de Concórdia diz (Decl. Sól., 111, 41): "Pois boas obras
não precedem a fé nem a justificação precede a santificação, senão que primeiro
o Espírito Santo, na conversão, através da audição do Evangelho, acende em
nós a fé. Esta apreende a graça de Deus em Cristo, pela qual a pessoa é
justificada. Depois, quando a pessoa está justificada, também é renovada e
santificada pelo Espírito Santo, renovação e santificação de que então se
seguem os frutos das boas obras. Não se deve entender isso como se a
justificação e a renovação estivessem separadas uma da outra de maneira tal,
que ocasionalmente fé verdadeira pudesse existir e permanecer por algum
tempo, lado a lado, com um mau propósito, senão que com isso apenas se
indica a ordem na qual uma coisa precede ou segue a outra, pois que todavia
fica verdadeiro o que acertadamente disse o Dr. Lutero: (387) 'A fé e as boas
obras bem acordam e se harmonizam, mas é somente a fé que apreende a
bênção sem as obras, e, contudo, jamais e em tempo algum esta está só."
As declarações: "Na justificação requerem-se boas obras", ou: "As boas
obras são necessárias à salvação" devem ser condenadas como errôneas bem
como favorecedoras da doutrina pelagiana da cooperação humana na
conversão. É contra declarações errôneas desse feitio que a Igreja Luterana
confessa: "A justificação não requer nem mesmo a presença de boas obras."
e. "A justificação não possui graus." (Iustificatio non admittit gradus, non
fit successive, non recipit magis et minus.) Essa afirmação luterana é
dirigida contra a doutrina dos papistas e protestantes romanizantes
que, confundindo santificação e justificação, dão a justificação como
sucessiva ou gradual. Por causa disso, a graça divina no homem (gratia
infusa sive inhaerens) visaria à perfeição, operando por graus, de
maneira que a justificação da pessoa, de fato, dependeria do seu
progresso na santificação.
Contra esse erro, a Igreja Luterana confessional, baseada na Escritura
Sagrada, ensina que a justificação é instantânea e, portanto, completa logo
que o pecador creia em Cristo. (Rm 4.7; Lc 18.24; Rm 5.1) Lutero, por
conseguinte, escreve: "A justificação não vem aos pedaços, mas num monte."
É certo que há graus com respeito à fé, pois a fé de um cristão é forte, ao
passo que a de outro é fraca. Todavia, a fé fraca justifica tanto quanto a forte,
AJustificaçáo Pela Fé
visto que mesmo a fé fraca é confiança na justiça de Cristo. Diz Lutero
corretamente (S. L., XI, 1840): "Por isso, pela fé somos todos iguais em Cristo.
São Pedro poderá ter fé mais forte que eu, e não obstante é a mesma fé em
Cristo. [...I Quem recebe [a Cristo], recebe-o inteiro, não vindo ao caso se o
recebe de modo fraco ou forte."
f. "A remissão dos pecados é a inteira justificação, não só parte da mesma."
Essa verdade as nossas confissões afirmam repetidas vezes. Escreve
a Apologia (Art. IV, [11], 76): "Obter a remissão dos pecados é ser
justificado, segundo o texto: 'Bem aventurado aquele cuja iniquidade
é perdoada." E a Fórmula de Concórdia declara (Epít. 111, 7): "De acordo
com o uso da Sagrada Escritura, a palavra "justificar" significa, nesse
artigo, absolver, isto é, declarar livre de pecados." E outra vez (Decl.
Sól., 111, 30): "A justiça da fé perante Deus consiste unicamente na
graciosa reconciliação ou perdão dos pecados."
Essa verdade é ensinada por São Paulo em Rm 4.5-8, onde descreve
aquele que é justificado como alguém cujos pecados são cobertos ou
perdoados. Aqueles dentre os nossos dogmáticos que dividem a justificação
em duas partes, a saber, a imputação da justiça de Cristo e a remissão dos
pecados, fazem isso para fins de clareza. Na verdade, a atribuição da justiça
de Cristo é pré-requisito necessário da remissão. Em outras palavras, atribuindo
ao pecador a justiça perfeita de Cristo, Deus perdoa-lhe os pecados. No divino
veredito da justificação, os dois atos coincidem, constituem um só ato, a
saber, o ato da justificação.
Ao se referir à causa da justificação, a Escritura Sagrada, vez que outra,
menciona Cristo (Rrn 3.22) e, a seguir, a justiça de Cristo (Rm 5.18) ou a
morte e o sangue de Cristo (1 Co 2.2) ou a sua ressurreição dos mortos (Rrn
10.9) ou o seu nome (1 Jo 5.13), etc. Contudo, todas essas frases expressam
a mesma verdade, a saber, que o pecador é justificado por virtude do
padecimento e morte vicários de Cristo, os quais Deus oferece às pessoas
gratuitamente no Evangelho. Para fins de clareza, nossos dogmáticos fazem
a seguinte distinção entre as causas da justificação: A graça divina é causa
impulsiva interna; Cristo (a sua satisfação vicária) a causa impulsiva externa
sive meritoria; o Evangelho, causa instrumentalis ex parte Dei. Essas distinções
servem para a nossa boa compreensão da grande verdade de que Deus perdoa
graciosamente os pecados de todos quantos, pela fé, se apropriam da justiça
de Cristo oferecida nos meios da graça. E tal remissão é justificação.
justificação, que é perante Deus (enoopion theou) e pela qual o pecador vem a
ser filho de Deus, sucede pela fé, sem as obras da Lei. (Rrn 3.20-22) Tal fé,
porém, só é conhecida de Deus; perante as pessoas permanece invisível. Por
essa razão, Deus justifica os seus crentes perante os homens mediante 5s
obras-Prova a sua fé e justificação pelos seus frutos. (Lc 7.47; Jo 13.35;
Mt 12.37; 25.34-40) Assim, também todos os cristãos devem reconhecer o
seu estado de graça pelos frutos que o Espírito Santo operou nos seus corações.
(1 Jo 3.14; 23, 4; 2 Pe 1.10; Mt 6.14)
Observa corretamente a Apologia (Art. IV, 275-276 p. 154): "E todavia
Cristo muitas vezes une às boas obras a promessa da remissão dos pecados,
não por julgar que as boas obras sejam propiciação, pois que seguem à
reconciliação, mas por duas razões. Uma é que necessariamente devem seguir-
se bons frutos. Lembra-nos, por isso, que é hipócrita e fingido o
arrependimento, se não seguem bons frutos. A outra é que precisamos sinais
externos de tão grande promessa, porque a consciência pávida necessita de
multíplice consolação. Assim, pois, como o Batismo e a Ceia do Senhor são
sinais que admoestam, erguem e fortalecem de modo contínuo as mentes
pávidas, assim é descrita e figurada a mesma promessa em boas obras, para
que essas obras nos admoestem a crer com mais firmeza." A justificação à
base de obras coincide, pois, com o testemunho externo do Espírito Santo
(testimonium externum sive indiuectum), que distinguimos do testemunho
interno (tesiimonium internum sive direcrum), ou seja, a fé.
Cumpre, porém, não confundir a justificação pela fé e a justificação
pelas obras. (G1 3.10) Mediante aquela o pecador obtém a salvação. Por esta,
dá-se prova de que é herdeiro da salvação. Para tornar o assunto claro, Lutero
fala, às vezes, de remissão interna e externa. Pela primeira, ele entende
justificação perante Deus. Pela última, justificação perante os homens. Por
aquela, o pecador torna-se filho de Deus; por esta, dá-se prova de que é filho
de Deus. Nisso consiste o erro básico do romanismo que considera a
justificação pelas obras a base da justificação do pecador e, dessa maneira, faz
a salvação depender das boas obras.
É evidente que a doutrina da justificação pela fé (sola fide) não pode ser
ensinada em sua pureza, a menos que se observe a distinção escriturística
entre Lei e Evangelho. Nunca se devem confundir Lei e justificação, já que
este ato gracioso de Deus pertence totalmente ao Evangelho. Todavia,
confundem-se Lei e justificação sempre que esta se baseia, no todo ou em
parte, em alguma virtude natural ou espiritual dentro do homem ou quando
se diz que a fé justifica por "boa qualidade" que é a fonte da santificação ou
conformação com as exigências da Lei ou começo da nova vida do cristão,
etc. Em síntese, confundem-se Lei e justificação sempre que a justificação se
baseia, quer ao todo ou em parte, nas obras humanas (pelagianos, sinergistas,
arminianos).
A Justificação Pela Fé
6. Os EFEITOSDA JUST~FICAÇAO
(EFFECTUS
IUSTIFICATIONIS)
Logo que a pessoa foi justificada pela fé, está na posse de todas as bênçãos
espirituais que Cristo adquiriu para o mundo por sua satisfação vicária. (1 Co
3.21; Rrn 5.1-5) Tendo recebido, pela fé, a adoção de filho (G1 4.5; Jo 1.12), é
herdeira de Deus e co-herdeira de Cristo. (Rm 8.17) Assim, não lhe falta
nenhum dom. (1 Co 1.4-7; Ef 1.3-8) Dentre os dons espirituais que a
justificação concede, podemos mencionar particularmente:
a. O estado de graGa {status gratiae) . O crente justificado já não se acha
debaixo da ira (Ef 2-1-31, mas no bendito estado em que tem paz
com Deus @ax conscientiae). (h 5.1) Pela fé em Cristo, não só está
seguro da graça de Deus na vida presente, mas também da salvação
eterna na vida porvindoura (spes vime aeteunae). (Rrn 5.2) É necessário
manter-se a certeza da graça divina e da vida eterna pela fé contra
todos os semipelagianos (papistas) e sinergistas. Eles afirmam que o
crente não pode estar seguro de sua salvação. Não há qualquer dúvida
de que todos aqueles que defendem o "monstro da incerteza"
(monsrrum incertitudinis) reveiam, com isso, que ignoram o que seja
realmente a justificação em sua acepçáo bíblica.
O "monstro da incerteza" é resultado infeliz da confusão de justificação
e santificação. É o erro fatal de que a salvação depende, ao menos em parte,
das obras humanas. As objeções feitas à certeza da salvação, também dentro
da Igreja Luterana exterior, são completamente destituídas de fundamento
bíblico. Passagens tais como 1 Co 10.12; Rm 11.20, etc., sobre as quais
Dogmática Cristã
----
-
--
1.3-6) Lutero emprega, em seu Catecismo Maior, o termo santiflcagão em sentido
amplo. (Art. 111, 40, 41) Ele diz ali: "Creio que o Espírito Santo me santifica,
conforme diz seu nome. Todavia, como ele faz isso< De que maneira ou por
que meios age< Resposta: Pela Igreja Cristã, pela remissão dos pecados, pela
ressurreição da carne e pela vida eterna." Assim também escreve Quenstedt:
"Vez que outra a santificação é empregada em sentido lato (late) e inclui a
justificação, como em Ef 5.26; Hb 10.10; doutro modo, porém, é empregada
em sentido restrito (stricte), e então coincide com a renovação em sentido
restrito, tal como em Rm 6.19,22; 1 Ts 4.3,4,7".
>0 - - 7 ---- - -..---a transformação
santificação designa - .- espiritual
i n t s d o crente que segue à jd~FEicaçáoe está inseparave~m~&* à
mesma. (Rm 6.22; 2 Co 7.1) A respeito da ordem entre justificaçãoê
santificação escreve a Fórmula de Concórdia (Decl. Sól., 111, 40. 41): "Da mesma
forma, deve permanecer e ser mantida a ordem entre fé e boas obras. Também
A Doutrina da Santificação e das Boas Obras
(Rm 4.5) A santificação, porém, sucedi dentro da pessoa, e, por ela, essa
pessoa é transformada em pessoa santa (iustitia inhaevens). (2 Co 7.1) A justiça
inerente (justiça da vida) não constitui, de modo nenhum, parte da justiça
imputada (Fp 3.9), mas segue à justificação (Rm 6.14; T t 3.7,8).
Na linguagem eclesiástica, os termos santificação e renovasão
empregam-se, comumente, como sinônimos. Sa~tificaçãoé renovação. - --- Por
isso, o crente começa, por meio dela, vida nova. Renovação é santificação.
Por isso que a vida nova do crente é santa. Nossa confissão, de vez em quando,
também faz distinção entre santificação e boas obras bem como entre causa
e efeito (antecedem et consequens). Nesse caso, toma-se a santificação como
princípio causativo de santidade da qual emanam todas as obras. (G1
5.25,26,22)
---Todavia,
, as boas obras do crente coincidem com a sua santificação,
visto que esta, considerada de modo concreto (in concveto), sucede pela prática
de boas obras individuais, sempre que o crente reprime-o que é mau ou cumpre
o que é digno de louvor. Tomada concretamente, a santificação jamais é um
estado ou qualidade ociosa (status otiosus; habitus otiosus), mas um ato
contínuo, uma atividade incessante, uma vez que o Espírito Santo se mantém
sempre operoso no crente. (Tt 2.11; G1 5.22-25)
faz isso pela fé e, por isso, o homem se torna, sem coerção, disposto e desejoso
de fazer o bem a todos, servir a todos e sofrer toda sorte de coisas por amor a
Deus e para sua glória, o qual lhe concedeu essa graça. É impossí&assim,
---
- do fogo-o queimar
rar v
e
uminar." (Fórmula de Concór l0ss)
Assim como Deus gera a fé na pessoa pelo seu poder ilimitado (Ef 1.19;
Jo 6.29), ele também opera no cre
5.23,24; 1 Co 3.16; Ef 2.10) Não obstante, há esta disti
f6,nixficação: Naquela, a pess-~ase
: - ), ?
a se; habet. ela
~-~---+-J------
INTERNOSDA SANTIFICAÇAO
3. Os MOVIMENTOS
INTERNISANTIFICATIONIS)
(MOTUS
Pela fé em Cristo o(a) crente converte-se em nova criatura (Ef 4.24; C1
3.10; 2 Co 4.16; 5.17), que concorda com a vontade de Deus (Rm 7.22) e vive
inteiramente para Deus, em novidade da vida espiritual para a qual entrou.
(Rm 6.1-11)
Apesar de que o(a) crente, por essa forma, serve a Deus segundo o ser
interno ou nova natureza implantada nele quando de sua conversão (Ef 4.24;
Rm 7.22-25), ainda continua dentro dele a velha natureza, a corrupção de
sua natureza. (Ef 4.22; 2 Co 4.16: Rm 6.6; 7.18) Segundo esta natureza,
ele(a) está sujeito(a) ao pecado (Rm 7.18-24) e contraria continuamente e
combate o Espírito. (G1 5.17: hee sarx epithymei katá tou pneumatos)
A santificação ocorre no crente desta Forma: Segundo a sua natureza
interna ou nova natureza, combate a carne com suas paixões e concupiscência
(C1 5.24), resiste aos seus maus desejos, impede os seus propósitos malignos
e realiza aquilo que agrada a Deus, contrário às instigações de sua natureza
perversa. Tal é o combate do espírito contra a carne que a Escritura exige com
tanta seriedade de todos os crentes. Eles, pela fé, se despojam sempre do
velha natureza (palaiós ánthroopos) e se revestem continuamente da nova
natureza (kainós ánthroopos) que, segundo Deus, é criada em verdadeira justiça
e santidade. (Ef 4.24; C1 3.10)
"Velha natureza" é a natureza ou entendimento corrupto. "Nova
natureza" é o entendimento que atua conforme a vontade de Deus. Embora
o cristão seja perfeitamente santo enquanto a ser nova natureza (Rm 6.1-11;
Ef 4.24; 1 Jo 3.9), a velha natureza é e permanece totalmente corrupta. (Rm
7.18). A santificação não se efetua pela reformação (Rrn 8.13; G1 5.24), mas
pela crucificação e mortificação da "velha natureza". (Mt 18.8,9)
Naquilo que diz respeito à luta do espírito contra a carne, o cristão
deve atender para o seguinte:
a. A luta constante entre as duas naturezas dentro do crente não prova
que ele tenha caído da graça, conforme muitos cristãos são levados
a acreditar em momentos de sofrimento espiritual. Pelo contrário,
porém, é comprovante de que vive no estado da graga. (Rm 7-.
Somente haverá morte espiritual, quando a luta cóntra a carne
houver cessado. (Rm 8.13)
b. Considerando que a velha natureza no cristão continua sempre
corrupto, de maneira que, segundo a carne, os cristãos não são
melhores que os incrédulos, que nunca nasceram de novo (Jo 3.5,6),
o cristão não deve surpreender-se caso se veja tentado por sua
natureza carnal a cometer, inclusive, pecados grosseiros. (Rm 7.18;
1 Ts 4.3-7) Esse fato deve induzir o cristão a continuar mortificando
incessantemente as obras do seu corpo e crucificando a carne. (Rrn
8.13; G1 5.24; C1 3.5; 1 CO 9.27; M t 18.8,9)
c. A luta contra a natureza carnal é tão difícil como dolorosa, uma vez
que visa à própria carne má do crente. (Hb 12.1) O bom combate da
fé contra a carne deve, porém, prosseguir até o fim. (1 T m 6.12; 2
T m 4.7) É muito consolador para os cristãos saber que mesmo os
grandes santos na Bíblia se viam, constantemente, obrigados a mover
guerra contra a carne perversa. (Rrn 7.24)
d. A Bíblia garante aos crentes que, na sua luta contra a carne, obterão
a vitória final, contanto que se atenham à Palavra de Deus e
permitam, assim, que o Espírito Santo opere com eficácia nos seus
corações. ÍJo 15.7,8; Ef 6.17; Rm 8.37; Lc 18.26,27; 2 Co 12.10; 4.8s~;
etc.) Entende-se que esse uso constante da Palavra de Deus seja
combinado com oração incessante e fervorosa. (Mt 26.41; Ef 6.18)
A substituição dos maus desejos e impulsos carnais pelo correspondente
\.
impulso santo e desejos da natureza interior constitui-se em regra muito
importante de combate cristão às tentações. Assim, se o cristão é tentado a
murmurar contra Deus, deve bendizê-lo e agradecer. Se é atribulado com
pensamentos impuros, deve empenhar-se pela castidade pedida pelo santo
Salvador. Se está cansado de fazer o bem; que continue com maior zelo para
o alvo da bondade que lhe está proposto. Para conseguir tudo isso, no entanto,
precisa conhecer a Palavra de Deus e, imitando Cristo, enfrentar toda tentação
para o mal com passagens apropriadas da Bíblia. (Mt 4.1-11)
Em conclusão, acrescentamos o que Lutero diz sobre esse importante
assunto: "Esta vida não é piedade, mas tornar-se piedoso. Não é saúde, mas
convalescer. Não é ser, mas vir a ser. Não é repouso, mas exercício. Ainda não o
somos, porém o seremos. Ainda não está feito e acabado, todavia está em
andamento e continua. Não é o fim; é, porém, o caminho. Tudo ainda não está
candente nem reluz, mas tudo se ajusta." "Dass also dies'leben nicht ist eine
Fromtnigkeit, sondern ein Frommwerden, nicht eine Gesundheit, sondern ein
Gesundwerden, nicht ein Wesen sondern ein Werden nicht eine Ruhe, sondern eine
~ b u n g ;wir sind's noch nicht, es ist aber in Gang und Schwang. Es ist nicht das Ende,
es ist aber der Weg; es glijhet und glanzt noch nicht alles, es fugt sich aber alles."
-, , A Fórmula de Concórdia dedara (Epít., VI, 4): 'Pois, ainda que estão
regenerados e renovados no espírito de sua mente, contudo, neste mundo,
tal regeneração e renovação não é completa, mas apenas começada. E com o
espírito de sua mente os crentes estão em contínua Iuta contra a carne, isto
é, a natureza e qualidade corrupta, que nos adere até a morte. Por causa desse
velho homem, que ainda está 'cravado no intelecto, na vontade e em todos
os poderes do hómem, é necessário que a Lei de Deus constantemente brilhe
diante deles, a fim de não acontece; que empreendam, a partir de devoção
humana, cultos divinos a seu talante e escolhidos por eles. Da mesma forma
também, para que o velho homem não empregue sua própria vontade, porém,
seja coagido contra sua vontade, não só pela admoestação e ameaça da Lei,
mas ainda com os castigos e as pragas, a seguir o Espírito e entregar-se como
cativo." (1 Co 9.27; Rm 6.12; G1 6.14; S1 119.1; Hb 13.21; Hb 12.1)
-
Apesar de que a Lei revela o pecado (eçpelho] L-refreia
-- exteriormente>
carne (Freio) e orienta o cristão na prática de boas obras (norma), o poderyara
__ll___ -
eketuar a santificaçáo e fazer boas obras provém unicamente através do
.oE
- (Rm 12.1; 1 Jo 4.10,11) ~e-s%o que seja verdade que, pela ~ e i r s e
produzem obras exteriormente boas nas pessoas (iustitia civilis), visto serem
feitas para temer a ira e os castigos de Deus, é tão somente o Evangelho que
produz obras espiritualmente boas (iustitia spiritualis) ou obras que emanam
de fé verdadeira em Cristo e sincero amor a Deus. (cf. Lutero, S. L., XII, 318s)
Com respeito às provações com que Deus visita os seus filhos na terra,
tais como pobreza, enfermidade, tristeza, etc., podemos dizer que, apesar de
que em si mesmas não santificam os crentes, são, contudo, o meio pelo qual
Deus os induz a que meditem em sua Palavra, de maneira que se inteirem
pelo estudo da Lei de que merecem realmente as tribulações corretivas de
Deus e, pelo estudo do Evangelho, se confortem de novo com o perene amor
de seu Pai celestial. (Rm 8.35-39) Também as bênçãos das quais Deus provê
os seus filhos na terra devem conduzi-los ao arrependimento (Rm 2.4),
levando-os a examinar as Sagradas Escrituras, onde a glória da graça divina
brilha no semblante de Cristo Jesus e de onde sempre extraem força para
maior fé e serviso mais santo. (SI 119.9-16, 105-112)
Na Igreja Luterana, tem-se debatido com grande ardor a pergunta sobre
se seria ou não correto dizer-se: "As boas obras são necessárias." (cf. a Fórmula
de Concórdia, Art. IV). Todos os que o negavam, faziam isso, porque
compreendiam a Palavra necessitas n o sentido de coação, de sorte que a
declaração: "As boas obras são necessárias" era interpretada por eles como
significando: "Os crentes são coagidos a fazer boas obras." Com
-----justiça,
- --. . --v -L
consideram"_sa ~ d e c ~ r a ç ã o - ã ~ ~ ~ ~ ~ forma, u ~ ~ impugnaram
t ~ --~ ~ ~ ~- a& S
reclamação enfá;ki de Lutero e dos gnésio-luteranos de que'hasboas obr-as
-- --- __ C_I____--- --- - - -- -
são neces2árW.-
-
Conquanto
-C- --
admite a verdade de que "as boas obras são feitas pelos
- ---
crentes, não medlãnte a coação, =as cÕmmespírito-voluntário e santificado
pela fé", aTórmuia de Concórdia insiste em que a declawaFYAS boas obras
sáo^~ecessárias"é escriturística. Ela diz assim (Decl. Sól., Art. IV; 3): "AIguns
-
também argumentaram que boas obras não são necessárias, mas espontâneas,
visto que não são extorquidas através de medo e punição da Lei, devendo, ao
contrário, ser feitas de espírito voluntário e coração alegre."
E outra vez (IV; 14.15): "No concernente à necessidade ou espontaneidade
das boas obras, é manifesto que na Confissão de Augsburgo e em sua Apologia as
seguintes fórmulas são usadas e muitas vezes repetidas: que boas obras são
necessárias; igualmente: que é necessário praticar boas obras, que também
devem seguir-se necessariamente à fé e reconciliação; da mesma forma que
necessariamente devemos e temos de praticar boas obras ordenadas por Deus.
Assim também nas próprias Sagradas Escrituras as Palavras "indispensável" e
"necessidade" e "necessário" como também "dever" e "ter de", são usadas para
o que temos de fazer em virtude da ordenação, mandado e vontade de Deus,
conforme Rm 13.5; 1 Co 9.9; At 5.29; Jo 15.2; 1 Jo 4.21. Por isso, nessa acepção
cristã e própria, as expressões ou proposições mencionadas são censuradas e
rejeitadas injustamente, por alguns. Devem elas ser corretamente usadas para
castigar e rejeitar a segura delusão epicuréia, já que muitos se imaginam uma fé
morta ou delusão destituídas de arrependimento e boas obras, como se fé
verdadeira e mau propósito de persistir e continuar em pecados pudessem
coexistir simultaneamente no coração, o que é impossível. Ou como se alguém
pudesse ter e reter verdadeira fé, justiça e salvação mesmo que seja e continue
a ser árvore deteriorada e infrutífera de onde nenhum bom fruto venha. Sim,
ainda que persista em pecados, contra a consciência, ou propositadamente
retorne a tais pecados, o que é injusto e falso."
; Dessa maneira, a Fórmula de Concórdia, por u m lado, exclui toda má
, interpretação possível dos termos necessidade, precisar, dever, etc., e, por outro
lado, estabelece, à base da Escritura, a necessidade da santificação e das boas
obras. O que a Escritura ensina a respeito da necessidade da santificação e
das boas obras pode ser formulado da-seguinte maneira:
A Doutrina da Saiztifica@o e das Boas Obras
l
-7 0 s teólogos católico-romanos ensinam a necessidade das boas obras
para a justificação e salvação. (Concílio de Trento, Sess. VIII, Cân. 24) 0 s
jesuítas sustentam que a salvação se adquire por Cristo e pelas boas obras.
\ (Concílio de Trento) Todavia, ambas as facções anulam a graça e conduzem o
Ii-P.ecador para o inferno. O s teólogos racionalistas modernos ensinam
igualmente a necessidade e meritoriedade das boas obras para a salvação. Esse
erro é conseqüência da doutrina errônea da justificação pelas obras.
Diz a Fórmula de Concórdia corretamente (Decl. Sól., IV, 22-24): "Mas
aqui é preciso ter muito cuidado, para não acontecer que obras sejam
introduzidas no artigo da justificação e nem a ele misturadas. Por isso, é com
razão que se rejeitam as proposições de que boas obras sejam necessárias para
a salvação dos crentes, de tal sorte, que seja impossível salvar-se sem boas
obras, pois são diretamente contrárias à doutrina de particulis exclusivis in
articulo justificationis et salvationis, isto é, conflitam com as Palavras em que
São Paulo exclui as nossas obras e méritos inteiramente do artigo da justificação
e salvação e tudo atribui à graça de Deus e ao mérito de Cristo, conforme
explicamos n o artigo precedente. Essas preposições também privam as
consciências tentadas e atribuladas da consolação do Evangelho, dão causa
para dúvidas, são de muitas maneiras perigosas, fortalecem a presunção da
justiça própria e a confiança nas próprias obras, sendo, além disso, aceitas
pelos papistas, e, para vantagem deles, usadas contra a doutrina pura da
solissalvante fé. Assim também são contrárias à forma das sãs Palavras, como
está escrito que é bem-aventurado somente o homem a quem Deus atribui
justiça, independentemente de obras." (Rm 4.6)
Enquanto nossa Confissão condena, de modo enfático, o erro crasso do
/ majorismo, a saber, que as obras seriam necessárias à salvação, ou para adquirir
I a salvação, rejeita, também com igual vigor, como antiescriturística, a forma
! recente de majorismo modificada (Major, Mênio), segundo a qual as boas
obras seriam necessárias à conservação da fé ou da salvação. Assim como a
I
salvacão não é concedida à pessoa em virtude das suas obras, também não é
'
conservada por ele por meio delas, mas unicamente pelo Espírito Santo,
mediante o Evangelho e a fé. (Fp 1.6; 1 Pe 1.5; 2 T m 1.12-14; 2 Ts 3.3)
A Fórmula de Concórdia repudiou com razão o erro do majorismo, visto
que a sua fonte má foi o sinergismo de Melanchthon. (Loci de 1535: "As boas
obras são a causa sine qua non/ e conseqüentemente são necessárias à salvação.")
Lutero condenou essa doutrina com tanta veemência e constrangeu o seu
colega, ao mesmo tempo, a retratar a sua doutrina errônea. Cf. Dr. Bente,
"Introduções Hiçtóricas aos Livros SimbólicosJ', Figl., p.ll2ss: "Esta é exatamente
a Teologia de Erasmo, também nada poderia ser mais contrário à nossa doutrina";
também: "Afirmar que a nova obediência é a causa sine qua non contingit vita
aeterna equivale a espezinhar Cristo e seu sangue."
r/ ç- -Embora
- ----
6 . 9 s ~G15.21:
--;<-.L-
: --_ I
s q a ~ e r d a d eque~.aobras más-destroem a fé (Ef 4.30; 5.5; 1 Co
Rrn 8.13: C1- 3.5.6). não é verdade uue as boas obras conservam
----L/
i
C
Mesmo na esfera da nova obediência ou da santificação é errado declarar-
se: "As boas obras são necessárias à salvação." A nova obediência do cristão é,
na sua essência, o cumprimento da Lei. (Rm 13.8-10) Do modo como não
podemos dizer: "o cumprimento da Lei é necessário à salvação", também não
podemos dizer que a nova obediência (as boas obras) seja necessária à salvação.
O majorismo tem de ser condenado, tanto em sua forma original quanto na
modificada, tanto quanto aplicado ao artigo da justificação como ao da
santificação. A afirmativa majorista: "As boas obras são necessárias à salvação"
é errada e contrária à sã doutrina.
Em oposição ao majorismo, Amsdorf asseverou que "as boas obras são
prejudiciais à salvação."
A Doutrina da Santificação e das Boas Obras
/-I
A Fórmula de Concórdia admite que essa declaração pretendesse
originalmente expressar a verdade de que as boas obras são prejudiciais à
, salvação, uma vez que o pecador deposite nelas sua confiança. Nesse sentido,
admite nossa Confissão, as boas obras são prejudiciais à salvação.
Sua declaração reza (Decl. Sól., Art. IV, 37): "[...I quanto à proposição de
que boas obras sejam prejudiciais à salvação, explicamo-nos claramente como
segue: Se alguém quiser introduzir as boas obras no artigo da justificação,
nelas fazer repousar sua justificação ou a confiança da salvação, a fim de com
elas merecer a graça de Deus e por elas ser salvo, a isso não nós, mas o próprio
Paulo diz, repetindo-o três vezes em Fp 3.7ss, que a tal homem suas obras
não são apenas inúteis e um impedimento, mas também perniciosas. Todavia,
a culpa não é das boas obras em si, mas da falsa confiança depositada nas
obras, contrariamente à expressa Palavra de Deus."
Por outro lado, a Fórmula de Concórdia condena a proposição de Amsdorf
' \por três razões: 1) porque "nos crentes as boas obras são indícios (indicia) da
~alvação,quando feitas propter veras causas et ad veros fines" (por causas
rdadeiras e para fins verdadeiros, Fp 1.28); 2) porque "a vontade e ordem
pressas de Deus são que os crentes devem Fazer boas obras, as quais o
pírito Santo opera nos crentes"; 3) porque Deus lhes promete galardão
rioso nesta vida e na vida porvindoura. Em virtude dessas razões, não
devemos dizer simplesmente: "As boas obras são, para os crentes, prejudiciais
à sua salvação ou naquilo que se refere à sua salvação." Devemos dizer que
"essas proposições são condenadas e rejeitadas por nossas igrejas, porque,
usadas isoladamente, são falsas e ofensivas. Por elas se poderia enfraquecer a
' disciplina e probidade, introduzir e fortalecer a vida &de, dissoluta; segura
vida epicuréia". (Ibid)
b. A declaração: "A santificação e as boas obras são necessárias" é
escriturística e deve, portanto, ser mantida. A Escritura fala da nova
obediência como coisa necessária, anankee (Rm 13.5), dei (At 5.29).
Aos fiéis cristãos "é necessário que estejam sujeitos aos governos"; "mais
importa obedecer a Deus do que aos homens". Essas expressões bíblicas
jamais devem ser enfraquecidas ou modificadas, mas devem ser
ensinadas com todo o seu sentido e força. Sempre que ocorrem falsas
interpretações, devem ser retificadas. Contudo, as exigências da
vontade divina não devem ser alteradas pelo ser humano, tampouco
a sua Palavra deve ser modificada com o propósito de agradar ao coração
carnal. A santificação deve ser seguida pelo crente, e as boas obras
devem ser feitas por ele, porque Deus o exige. (Necessitate voluntatis et
praecepri sive mandati divini.) (1 Ts 4.3; Jo 3.23)
A Fórmula de Concórdia é bastante insistente ao inculcar a necessidade
da santificação e das boas obras. Diz (Decl. Sól., IV; 31.32): "E por isso se deve,
em primeiro lugar, censurar e rejeitar seriamente a falsa ilusão epicuréia de
alguns que imaginam que a Fé, a justiça e a salvação recebidas não se perdem
Dogmática Cristã
por nenhum pecado ou más obras, mesmo que sejam voluntários e deliberados,
mas que o cristão, posto atenda a concupiscência sem temor e
despudoradamente, resista ao Espírito Santo, e entre propositadamente em
pecados contra a consciência, ainda assim retém a fé, a graça de Deus, justiça
e salvação. Contra essa fantasia perniciosa, devemos, com toda a diligência e
seriedade, repetir muitas vezes e inculcar aos cristãos, que foram justificados
,1 pela fé, as verdadeiras, imutáveis, divinas ameaças, e sérios castigos e
I admoestações que seguem: 'Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras,
1
1 nem adúlteros, etc. herdarão o Reino de Deus.' (61 5.21) Ef 5.5: 'Não herdarão
o Reino de Deus os que tais coisas praticam.' Rm 8.13: 'Se viverdes segundo
a carne, caminhais para a morte.' C1 3.6: 'Por estas coisas é que vem a ira de
Deus sobre os desobedientes."'
Ao mesmo tempo em que dá tanta ênfase à necessidade das boas obras,
a Fórmula de Concórdia acentua o fato de que tem esta necessidade, não por
necessitas coactionis (necessidade por coação), mas por necessitas ordinis, mandati
et voluntatis Christi ac debiti nostri (necessidade por ordem, mandamento e
vontade de Cristo e por dever nosso), visto ser verdade que "as obras realmente
boas devem ser feitas espontaneamente e de espírito voluntário por aqueles a
quem o Filho de Deus libertou." (SI 110.3; 54.6; 2 Co 9.7) Diz a Fórmula de
Concórdia (Decl. Sól., IV, 16.17): "Quando se emprega a Palavra necessário, deve
entender-se não de coerção, mas apenas da ordenação da imutável vontade
de Deus. (Vult enim mandatum Dei, ut creatura suo Creatori obediat.)
Se alguém perguntar por amor de quem os cristãos devem fazer boas
obras, a resposta será: 1) Por amor de Deus, a quem servem com obras santas
(Rm 12.1,2); 2) em favor de si mesmos, a saber, para que possam ter indícios
reais (indicia, testimonia) do seu estado de graça (1 Jo 3.14; M t 6.14,15; 1 Pe
2.9), uma vez que a nova obediência e as boas obras dos crentes são o
testimonium Spiritus Sancti externum; 3) por causa dos filhos deste mundo, a
quem os crentes devem provar a verdade e o poder do Evangelho com vida
santa, de forma que eles sejam induzidos pelo exemplo a ouvir a Palavra de
Deus e ser salvos. (1 Pe 2.12; 3.1.2; M t 5.13-16)
Essa nova obediência, contudo, não emana da coação da Lei (Rm 7.22),
conquanto a Lei sirva também para o crente de espelho, freio e norma (SI 1.2;
119.1; 1 Co 9.27; Rm 7.18,19; Dt 12.8, 28.32), fato este que deve ser mantido
em oposição a toda forma de antinomismo. (João Agrícola, cerca de 1535).
Ela, porém, vem da fé no precioso Evangelho de Cristo e, dessa maneira, torna
o crente pronto e zeloso para toda boa obra. (S1 110.3; 2 Co 9.7; 1 Pe 5.1-4)
"Mas é falso, e deve ser censurado, alegar e ensinar que boas obras são livres
para os crentes no sentido de que eles tenham livre opção quanto a praticá-
las ou não, ou quanto a quererem ou poderem agir contrariamente, e que
nada obstante possam reter a fé e o favor e a graça de Deus." (Fórmula de
Concórdia, Decl. Sól., Art. IV, 20)
A Doutrina da Santificaçãz s JJSI k s *L=
6. O ESTADOIMPERFEITO
DA SANTIFICAÇAO
CRISTA
NA VIDAPRESENTE
Enquanto que a justificação é completa e, por isso mesmo, não comporta
graus, a santificação, em virtude da remanescente pecaminosidade da carne
(Rm 7.24), na vida presente jamais será completa ou perfeita (Fp 3.12-14),
porém gradual e susceptível de constante aumento. (Ef 4.15, 16; C1 2.19)
Essa verdade, incutida pela Escritura nos crentes de modo relevante, é da
maior importância para a boa compreensão dos seus deveres cristãos.
Escreve Quenstedt acerca da imperfeição da santificação cristã na vida
presente: "A renovação (santificação) nesta vida presente é parcial e imperfeita,
comportando graus. Por isso mesmo, não atinge os mais altos graus da perfeição.
Isso porque o pecado continua nos regenerados, afetando o seu autocontrole,
e a carne cobiça contra o Espírito; razão por que nossa renovação progride,
dia a dia, e deve ser continuada durante toda a vida. (2 Co 4.16) A falta de
perfeição na renovação não provém de impotência da parte de Deus, que
renova, mas da fraqueza do ser humano, que é recipiente da ação divina."
(Doctu. Theol., p.490)
E novamente: "A renovação é aumentada por atos piedosos e esforços
frequentes. Se esses são interrompidos ou diminuídos, segue-se redução, de
sorte que uma vez há aumento, outra decréscimo. As Sagradas Escrituras
afirmam que a renovação dos regenerados na vida presente tem de aumentar
e crescer continuamente." (Ef 4.16)
Essas citações demonstram quão seriamente os nossos dogmáticos
luteranos frisam a imperfeição da santificação cristã e a necessidade diária de
o crente lutar por progresso na graça da santidade. Nossos mestres luteranos
reconhecem verdadeiramente o fato de que os regenerados segundo o novo
homem são espirituais (1 Co 2.15; 14.37; C1 6.1), mas, por outro lado, também
afirmam que os regenerados são carnais (Rm 7.14), enquanto ao que diz
respeito à sua carne má (saux). (Rm 7.22,23)
Hollaz faz sobre isso o seguinte comentário: "Quando o homem
renovado é chamado espiritual, a razão por que assim se denomina é derivada
do que prepondera, a saber, do espírito predominante (o homem interior ou
novo homem); quando, porém, o mesmo (o homem renovado) é chamado
carnal, a razão se deriva do que está subordinado, a saber, da carne, que foi
deveras subjugada, mas, ainda assim, se rebela e opõe resistência e com a qual
a pessoa justificada, posta no caminho da vida, está continuamente em pé de
guerra." (Doctu. Theol., p.491)
A doutrina da imperfeição da santificação cristã é apoiada pela Escritura.
Partindo do ponto de vista de sua imperfeição, admoesta os crentes a crescerem
"em tudo naquele que é a cabeça, Cristo" (Ef 4.15); a superabundar "em toda
boa obra" (2 Co 9.8); a ser muito dedicado "na obra do Senhor" (1 Co 15.58);
Dogmática Cristz
'' 1 O crente, na verdade, "tem pecado" (1 Jo 1.8,10), mas está perdoado e purificado
de toda injustiça (1 Jo 1.9) tão-somente quando confessa os seus pecados. Ao
i mesmo tempo, como nova criatura em Cristo, já não se acha sob o domínio do
i1 pecado para lhe "obedecer em suas paixões". (Rrn 6.12,14) Quando o crente fiel
peca, não é o seu regenerado eu ou o novo homem dentro dele que peca, mas a
sua natureza pecaminosa, ou seja, a sua natureza corrupta. Dessa maneira, na
passagem recém-citada (1 Jo 3.9), o apóstolo João apóia Paulo, que diz de si
mesmo: "Quem faz isto já não sou eu, mas o pecado que habita em mim." (Rm
7.17) Ele continua explicando o assunto ao dizer: "Porque, no tocante ao homem
interior, tenho prazer na Lei de Deus; mas vejo, nos meus membros, outra Lei
que, guerreando contra a Lei da minha mente, me faz prisioneiro da Lei do
pecado que está nos meus membros." (Rm7.22,23) Não se poderá, pois, provar
o perfeccionismo nem com 1 Jo 3.9 nem com Rm 6.14.
Podemos dizer, ainda, que o erro do perfeccionismo é, em si mesmo,
uma resultante da natureza má (sarx) ou da razão presunçosa da pessoa, que
recusa humilhar-se perante Deus. (Lc 18.9; 2 Pe 2.18,19; 1 Pe 5.5,6)
Dogmática Cristã
- -- acrescentou
A seguir, - --
-
--
A-
----
-
com
ISSO --
arrogância:
-
fazer boas obras
'Fosso
"Posso
-
fazer
- -- ----
/--. ---I--
d o q u i e gW--
- -_./--. i-----_--
Dogmática Cristã
E outra vez (Ibid., 32): "Também se diz com acerto que os crentes que
tiverem sido justificados pela fé em Cristo possuem, nesta vida, primeiro a
justiça imputada da fé, e depois também a justiça iniciada da nova obediência
ou das boas obras. Mas essas duas não devem ser misturadas uma com a outra
ou introduzidas simultaneamente no artigo da justificação pela fé perante Deus.
Pois, visto que essa justiça iniciada ou renovação em nós é incompleta e impura
na presente vida, por causa da carne, não se pode com ela e por ela subsistir
perante o tribunal de Deus. Apenas a justiça da obediência, do sofrimento e da
morte de Cristo, que é atribuída à fé, pode subsistir diante do juízo de Deus, de
modo que somente em razão dessa obediência a pessoa (mesmo depois de sua
renovação, quando já tem muitas boas obras e vive a melhor vida) agrada a
Deus e se torna aceitável, e recebe a adoção de filho e a herança da vida eterna."
(cf. Chvistl. Dogmatik, 111, p.4lss; também Lutero, S. L., 1551. 1554)
7. A DOUTRINA
DAS BOASOBRAS
(DEBONIS
OPERIBUS)
Estudaremos a doutrina das boas obras sob três títulos:
a) A definição de boas obras;
b) As obras dos gentios; e
c) O progresso do cristão em boas obras.
7.1. A DEFINIÇAO
DE BOAS
OBRAS
Boas obras são-> segundoas Sagradas __ _- _ E
_s c- r-i t-u r a s ~ f r u t o sda fé
justi-(I 16-5.4; Gl 2.20; 5.6; Hb 11.4-39) Resulta daí que, ao falaqmos
em boas obras no sentido estritamente escriturístico do termo, incluímos
cada pensamento, desejo, Palavra e ação que o crente produz pela fé em Jesus
Cristo. O elemento da fé é, pois, com justiça, posto em evidência em todas as
definições que os nossos dogmáticos formularam sobre as boas obras.
Assim Hollaz- define
- as boas obras: ' ~ B ~ o b r a s _ s & pessoas
~ ~ ~ e
__--
justificadas, s ~ ã d ã s - ~ e lgraça
a renovadora do Espírito Santo em acordo
com a prescr-50 da Lei d i y j a vindo antes a-fé em Cristo para honrãae-Deus
v- -C---
-boas obras. Escreve: "Não se entendem aqui por obras somente as ações
externas visíveis (que provêm das mãos ou da língua), mas os sentimentos
i n f e ~ o 0 T o Y á j e~ os
õ impulsos da vontade e, assim, a inteira obediência e
.- - -
a justiça Terente - - do r x n ---- - que se fazer,
e r a d o . Tem - - - -d&inção entre
"?
Quenstedt tem razão quando diz: 'R norma diretiva segundo a qual se
devem fazer e julgar as boas obras é a Palavra da Lei divina, que oferece uma
regra absolutamente perfeita de justiça e santidade divinas e prescreve o que se
deve fazer, bem como o que se deve deixar de fazer. (11, 1387; cf. Christl.
Dogmatik, 111, 45) "Não são obras realmente boas aquelas que qualquer um
mesmo inventa com boa intenção ou que se fazem de acordo com as tradições
dos homens, mas as que o próprio Deus prescreveu e ordenou." (Triglotta, p.939)
Pelo fato de estabelecer falsos padrões de "boas obras" (a própria devoção
ao ser humano, os mandamentos da Igreja, o sistema infame de costumes
criado pelos jesuítas), a Igreja Católica Romana prova ensinar erradamente.
Lutero condenou, com justiça, a santidade imaginária dos monges e freiras e
exaltou a verdadeira santidade das obras efetuadas por todos os crentes na
mais humilde vocação como obras santificadas pelos mandamentos de Deus.
(S. L., IX, 952ss)
A regra que se acaba de dar não é enfraquecida pelo fato de que Deus
ordena em sua Palavra que os súditos sejam obedientes ao governo civil e os
filhos, aos pais. (Ef 6.lss; C1 3.20; Rm 13.1-7) Isso, naturalmente, quando o
governo e os pais nada ordenam que seja contrário aos mandamentos divinos.
(At 5.29) Todas as ordens legais dos governos e pais são mandamentos do
próprio Deus, visto que ele mesmo Ihes conferiu autoridade para governar. O
mesmo diz respeito aos ministros cristãos sempre que, em nome de Deus e
pela autoridade da sua Palavra, ordenem e exortem os seus ouvintes a fazer o
que Deus exige. (Hb 13.7; 1 Ts 5.12,13; 1 T m 5.17,18) Em todos os outros
casos, porém, os cristãos não devem admitir como norma de suas obras a
vontade ou os mandamentos de outras pessoas. (Mt 15.9; G1 2.3,5,11-14)
Em certas circunstâncias, torna-se um dever sagrado dos cristãos renunciar a
normas e padrões humanos, a saber, em todos os casos em que os mesmos
colidem com a Palavra de Deus. (Gl 5.1-3)
A norma das boas obras não é a vontade humana. (Mt 15.9) Não é a
consciência (Jo 16.2; At 26.9s~)nem a Lei de Moisés conforme foi dada aos
judeus, contendo elementos cerimoniais e políticos determinados unicamente
para o Antigo Testamento. (Lv 11; Nm 15.32s~;cf. com C1 2.16,17) Essa norma
também não é mandamentos especiais dados a pessoas individuais (Gn
2 2 . 1 ~ ~nem
) ; à Igreja (Mt 23.8; Mc 7.7). Mas é tão-somente a Lei moral de
Deus, ou seja, a sua "vontade imutável" conforme é revelada em passagens
claras do Antigo e Novo Testamentos. (Mt 22.37-40; Rm 13.10) As pessoas
podem errar; a consciência é falível; as Leis temporais do Antigo Testamento
foram abolidas; os mandamentos especiais limitaram-se a indivíduos. A própria
Igreja está sujeita à Palavra de Deus; todavia a Lei moral ou vontade imutável
de Deus fica para sempre como norma e regra de vida cristã. (Jo 12.48)
Em seu Catecismo Maior, Lutero escreve com muita ênfase sobre a norma
das boas obras: "Toda hora em que se trata, prega, ouve, lê ou medita a Palavra
A Doutrina da Santifkasáo e das Boas Obras
i ia Deus." Com essas Palavras, ele indica a verdadeira fonte da qual toda
bbediência à Lei deve proceder.
Desse fato se deduz claramente que a verdadeira obediência à Lei divina
só é prestadapor cristãos fiéis, a quem o Espírito Santo tenha dotado de
poderes espirituais através da fé. (Fp 4.13) Os incrédulos praticam apenas
obras exteriormente boas que emanam de amor natural àqueles a quem servem
(pais, filhos, pátria, etc.), de ambição ou amor à fama e ao louvor, bem como
do desejo de obter a salvação mediante boas obras. Por causa da natureza má
remanescente neles, também os renascidos podem ser induzidos a praticar
boas obras por esses motivos. Toda "boa obra", porém, que se pratica segundo
a natureza corrupta, é pecaminosa e sem valor perante Deus. (Opera bona
non-renatorum coram Deo sunt peccata.)
Segundo o homem interior, ou como novas criaturas em Cristo, os
crentes praticam boas obras por amor e gratidão àquele que é seu Pai em
Cristo Jesus. (1 Jo 4.19) Tais obras espirituais não são feitas com a intenção
de se merecer o céu, mas são ditadas pela alegre certeza de que já possuem o
céu em Cristo. (Rm 12.1) (cf. Lutero, S. L., XII, 136) Lutero está, pois, com a
razão quando diz que primeiro a pessoa deve ser boa, para que as suas obras
possam ser boas. Vale dizer: a pessoa tem de ser santificada pela fé em Cristo,
para que suas obras possam agradar a Deus.
Assim também diz a Apologia (IV, 125-126): "Por isso, depois de
justificados e renascidos pela fé, principiamos a temer e amar a Deus, a rogar
e dele esperar auxílio, a render-lhe graças ... Passamos também a amar o
próximo, por ter o coração movimentos espirituais e santos. Não pode realizar-
se isto senão depois de sermos justificados pela fé, e, renascidos, recebermos
o Espírito Santo." Este é também o sentido do axioma teológico: "As boas
obras não só devem ser boas, mas devem também ser bem-feitasn(bene fieri
debent), isto é, devem ser feitas em fé. (Hb 11.6).
Embora as boas obras dos crentes emanem da fé, ainda assim não são
perfeitas em si, visto se acharem impregnadas do pecado e da corrupção que
ainda se apegam à sua carne. (Rm 7.14-19) As suas obras não são feitas inteira
e exclusivamente em acordo com a norma da Lei divina (sendo que outros
motivos ou considerações inspiram as suas ações), nem são feitas com espírito
completamente livre e voluntário, sendo inspiradas em parte, pelas ameaças
da Lei. (Rm 7.22,23) Por essa razão, as boas obras dos crentes são
qualitativamente deficientes e não tão perfeitas como Deus as quer. (C1 6.8)
Cumpre-nos acrescentar a isso uma deficiência quantitativa, pois o
cristão jamais efetua tantas boas obras quantas deveria. (Gl 6.9,10; 2 Co
8.7,10,11; 1 Co 16.1,2) As boas obras dos renascidos, por conseguinte, jamais
são "boas" no sentido restrito do termo, jamais se enquadram no perfeito
padrão da vontade divina. (Rm 7.24,25) Se são aceitas por Deus como boas, é
só porque a justiça perfeita de Cristo, da qual se apropriam pela fé Ihes cobre
as imperfeições. Deus perdoa misericordiosamente a sua insuficiência por
amor de Cristo. (1 Jo 2.1,2)
A Fórmula de Concórdia assim escreve (Decl. Sól., IV, 8): "Também é
incontroverso como e por que as boas obras dos crentes, conquanto impuras
e incompletas nesta carne, agradam a Deus e são aceitáveis para ele, a saber,
por causa do Senhor Jesus, mediante a fé, porque a pessoa é aceitável para
A Doutrina da Santifr'caçãoe das Boas Obras
Deus." E outra vez (Decl. Sól., VI, 22): "Mas como e por que as boas obras dos
crentes, ainda que nesta vida são imperfeitas e impuras em virtude do pecado
na carne, não obstante são aceitáveis para Deus e a ele agradáveis, isso não o
ensina a Lei, que, a dever agradar a Deus nossa obediência, exige que seja
absolutamente perfeita e pura. Mas o Evangelho é que ensina que nossos
'sacrifícios espirituais' são aceitáveis para Deus 'pela fé, por causa de Cristo.'
(1 Pe 2.5; Hb 11.4s)
Assim t a m b é m Quenstedt declara: "As obras dos regenerados,
consideradas em si, não são perfeitamente boas, mas se tornam sórdidas e
polutas por causa do pecado. Em Cristo, porém, são perfeitamente boas e,
nesse sentido, o que nelas não é feito se perdoa por Cristo e por causa dele, e
o que Ihes Falta em perfeição é compensado pela imputação da perfeita
obediência de Cristo." (Doctr. Theoi., p.493) Perdura, pois, o fato de que o
sangue de Jesus Cristo, Filho de Deus, nos deve purificar também da
pecaminosidade de nossas boas obras. (1 Jo 1.7)
7.2. As OBRAS
DOS GENTIOS
Visto que o apóstolo Paulo, em sua epístola aos Romanos, assevera que
os gentios "procedem por natureza de conformidade com a Lei" (Rm 2.14,15;
cf. também 1.19,20,32), torna-se necessário considerar-se a pergunta sobre
qual seria o sentido em que também os gentios ou irregenerados podem fazer
boas obras. Embora seja verdade que, propriamente dito, só podem ser
chamadas boas obras as que emanam da Fé e do verdadeiro amor a Deus (Hb
11.6), ainda assim podemos aplicar o termo "bom" a todas as obras dos
irregenerados que são feitas segundo a norma da Lei divina escrita em seus
corações. ( R . 2.15; 1.32) Tais obras, como dar de comer aos famintos, vestir
os que estão nus, assistir os oprimidos, ser diligente na sua vocação, etc.,
podem ser chamadas "boas". Disse Lutero certa vez, que, vistas exteriormente,
tais obras superam as dos crentes; pois "Alexandre Magno, Júlio César e Cípio
realizaram maiores feitos que qualquer cristão". (S. L., 461s)
Apesar desse fato, tanto Lutero como as Confissões luteranas declaram
que a diferença entre as boas obras dos crentes e a dos incrédulos é de qualidade
e não de grau. As boas obras dos irregenerados não cabem, de modo nenhum,
na classe das boas obras cristãs, mas só são boas exteriormente (quoad
materiale). Diz Lutero: "Malditas todas as obras que não são feitas em amor."
(S. L., X, 407; cf. também VII, 1862)
As obras dos incrédulos são, na verdade, também incitadas por Deus,
todavia não no seu Reino da graça (regnum gratiae), onde o Espírito Santo
produz, pelos meios da graça, obras espiritualmente boas (iustitia spiritualis),
mas no seu Reino do poder (regnum potentiae). Ali, Deus, no intuito de manter
este mundo, efetua obras civilp-iente boas (iustitia civilis) ou exteriormente
Dogmática Cristã
boas (opera externa), por meio de sua Lei inscrita no coração humano. Essas
obras exteriormente bõas -@ustitiacivi&s)--são--necessárias para o bem-esf&
---_
sociedade humana%, por bso, ~ e asurecompensa ~ com bênçãos temporais
_
no<éu-~eini-bpsde~
T d ã térrena.
as obras dos irregenerados po&m-r
chamadas boas. São f e T t à i - - s ~ ~ ~ & ~ ã ~ f i dvina
ó r K a e produzem muito&
-- /
- Quando considerãdZs com respeito à fonte de que provêm todas as
fora da Igreja (extra ecclesiam) e, por conseguinte, não podem senão produzir
obras más perante Deus. (Hb 11.6)
de boas obras" (Tt 3.8,14); "pratiquem o bem, sejam ricos de boas obras,
generosos em dar e prontos em repartir; que acumulem para si mesmos um
tesouro, sólido fundamentado para o futuro". (1 T m 6.18-19) 0 s pastores
cristãos são as sentinelas de Cristo (1 Pe 5.1-4), que têm a função obrigatória
de produzir, pela pregação da Palavra divina, obras tais que agradem a Deus
quer pela qualidade, quer pela quantidade. Para esse fim, devem empregar a
Lei e o Evangelho: a Lei para mostrar o que são boas obras (Mt 22.37-40) e o
Evangelho para tornar os homens dispostos a praticar boas obras. (Rm 12.1;
Hb 13.20,21)
É muito necessário que os ministros cristãos prestem sem cessar atenção
a essa importante função do seu sagrado ofício. Impelidos pelo amor a Cristo,
devem empenhar-se também nesse assunto por prestar às suas congregações
u m máximo de serviço, cumprindo o seu sagrado dever de fazer os seus
paroquianos zelosos de boas obras com infatigável zelo. Enquanto que os
profetas e pastores faltos de fé são "cães mudos, não podem ladrar; sonhadores
preguiçosos, gostam de dormir" (1s 56.10), os verdadeiros ministros de Cristo,
a exemplo do seu Senhor e dos seus apóstolos, procuram fazer com que os
seus paroquianos estejam atentos a todas as coisas conforme Deus deles espera
(1 Co 15.10, 1 T m 4.15; 2 T m 4.2) e, em particular, sejam frutuosos em toda
boa obra. (Tt 3.8,14)
A todos os ministui Dei ecclesiae, Lutero lembra esse fato ao escrever (S.
L., X, 5): "Por esta razão, caros pastores e ministros, cuidai que nosso ofício
agora se tornou coisa completamente outra do que era o debaixo do papa;
porquanto agora se fez sério e salutar. Todavia, precisamente por esse motivo,
importa em muito mais trabalho e inquietação, perigo e provações. Há, ainda,
pouca gratidão ou recompensa n o mundo. Cristo, contudo, será o nosso
galardão, se trabalharmos com fidelidade."
O ministro cristão deve, pois, insistir na prática de boas obras por sua
própria causa, a saber, para que seja achado fiel como bom despenseiro de
Jesus Cristo. (1 Co 4.1,2; 2 Co 6.3-10) Todavia, deve insistir nas boas obras
também por causa de sua congregação, a saber, para que aqueles que foram
entregues ao seu cuidado possam agradar a Deus com muitas obras dignas de
louvor. (Tt 2.11-14) Para consegui-lo, precisa insistir nas boas obras, não débil
ou timidamente, mas alegre, decidida e energicamente, sempre lembrado do
fato de que o próprio Cristo, constante e zelosamente, exortou os seus
ouvintes a que praticassem toda boa obra em grande quantidade. (Mt 5.13-
16) Para esse fim, deve fazer correta distinção entre justificação e santificação.
É impossível gravar a verdadeira santificação no espírito, a menos que se
retenha sempre a exata relação entre justificação e santificação. (2 T m 2.15)
É erro muito grave imaginar que a insistência na justificação levaria à
negligência da santificação. Pelo contrário, onde quer que não se grave no
espírito a justificação, não pode haver a verdadeira santificação. A justificação
Dogmática Cristã
fornece os motivos bem como o poder para a santificação. Daí resulta que, se
o ministro cristão quiser impelir os seus ouvintes à prática de boas obras,
deve chamar a sua atenção para a graça de Deus, pela qual os regenerados
foram dotados de todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo.
(Ef 1.3-7; Rrn 12.1; 2 Co 8.9)
Lutero tem razão, quando diz (S. L., XII, 318ss): "O pregador da Lei
obriga por meio de ameaças e castigos; o pregador da graça atrai e impele por
meio da divina bondade e misericórdia reveladas (ao homem); pois não quer
obras inespontâneas nem serviço de Deus que não seja alegre e prazeroso.
Quem não permite ser tocado e impelido pelas Palavras doces e amáveis da
misericórdia de Deus, que nos foram dadas e concedidas em Cristo, de modo
a fazer tudo isso alegre e com afeto para glória de Deus e o bem-estar do
semelhante, nada consegue, e a obra de amor foi nele desperdiçada. [...I Não
foi a misericórdia do homem, mas a de Deus que nos foi dada e que Paulo
quis que a considerássemos coisa em que devemos insistir e que nos deve
impelir."
Com respeito ao dízimo, que Deus impôs aos judeus no Antigo
Testamento (Lv 27.30), cumpre recordar que, por um lado, também essa
providência pertencia à Lei cerimonial, que foi abolida por Cristo (C1 2.16,17),
de sorte que já não é obrigatório para os cristãos em o Novo Testamento. Por
outro lado, porém, não se abusará da abolição da Lei do dízimo com vistas à
negligência da oferta liberal, visto que, também em o Novo Testamento, Deus
exorta os seus santos a que ofertem continuamente e com liberalidade. (2 Co
9.6 7)
Todavia, por mais que Deus queira em o Novo Testamento ofertas
constantes e liberais, tanto quanto quis em o Antigo Testamento, ele realiza
o seu propósito, não por meio de ordens e ameaças, mas de apelos ao amor
dos seus filhos, que está profundamente radicado em sua própria manifestação
de graça e misericórdia em Cristo. (2 Co 8.7-10)
Lutero chama a atenção para essa distinção entre o Antigo e o Novo
Testamentos, ao escrever (S. L., XII, 337): "No Antigo Testamento, era (aos
judeus) ordenado que, sobre e além de todo o dízimo anual, deviam dar aos
levitas, contribuíssem, cada terceiro ano, um dízimo especial para os pobres,
as viúvas e os órfãos, etc. Ora, tais ofertas não são, em o Novo Testamento,
expressamente determinadas nem exigidas por Leis específicas; porquanto é
este um tempo de graça, em que cada um é admoestado a fazê-lo de livre
vontade, conforme escreve São Paulo". (G1 6.6)
O mesmo Paulo elucida essa diferença, dizendo: "Assim também nós,
quando éramos menores, estávamos servilmente sujeitos aos rudimentos do
mundo; vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido
de mulher, nascido sob a Lei, [...I de sorte que já não és escravo, porém filho
-.
A Doutrina da Santip~aç~i:
zr i í 2 k . i ~u.c;;
e, sendo filho, também herdeiro por Deus." (G14.3-7) Porque em Cristo Jesus
os crentes são filhos de Deus, já não estão debaixo de Leis cerimoniais, para
que sejam compelidos a fazer a vontade de Deus por coação; porém, estando
sob a graça, aumentam pela fé na graça de u m serviço cristão voluntário (2
Co 8.9), amando-o (a Deus), porque ele os amou primeiro. (1 Jo 4.19; C1 6.6-
10) Isso não quer dizer que não se deva insistir com a Lei junto aos cristãos
ou que não se reprove a negligência das ofertas. (G1 6.7) Significa que o pastor
cristão, ao inculcar a liberdade cristã, deve fazer constantemente referência à
graça de Deus que se manifestou em Cristo Jesus, nosso Senhor, a fim de
estimular as ofertas cristãs. (Tt 2.11-15) É tão-só ao pé da cruz do Calvário,
pintada de sangue, que o crente aprende a arte da generosidade cristã.
8. A RECOMPENSADAS BOASOBRAS
As Sagradas Escrituras ensinam com clareza que o pecador não é
justificado pelas boas obras. (Rm 3.23-28; 4.4.5; Gl 2.21; 3.10; etc.) As boas
obras "não são, pois, necessárias à salvação." Tampouco são "necessárias à
conversão da fé", visto que o cristão se conserva na fé para a salvação pelo
poder de Deus. (Fp 1.6; 1 Pe 1.5) Por isso, estão debaixo da maldição todos os
que fazem boas obras para, por elas, obter a salvação; pois que caíram da
graça. (G1 3.10,11; 5.4) As Sagradas Escrituras, além disso, afirmam que as
boas obras emanam somente da fé ou da certeza triunfante do crente de que
Deus já lhe concedeu o céu como dom gratuito da graça por amor de Cristo.
Assim, são feitas livre, alegre e espontaneamente, sem a menor coação e sem
nenhum pensamento no sentido de, por elas, a pessoa merecer ainda que a
mínima graça. (G1 2.20) Em vista desses fatos, parece fora de propósito falar-
se em qualquer recompensa das boas obras cristãs.
Não obstante, a mesma Escritura Sagrada assegura em muitas passagens
aos crentes do modo mais enfático que as suas boas obras serão liberalmente
recompensadas. "É grande o vosso galardão nos céus." (Mt 5.12; Lc 6.23,35);
"Cada u m receberá o seu galardão, segundo o seu próprio trabalho." (1 Co
3.8); "Deus não é injusto para ficar esquecido do vosso trabalho e do amor."
(Hb 6.10). Nessas e em muitas outras passagens, as Sagradas Escrituras falam,
com clareza, da recompensa que será conferida aos crentes em vista das suas
boas obras. Tal recompensa é concedida tanto na vida presente (1 T m 4.8)
como na futura. (Lc 14.14)
De que maneira devemos entender essas declarações da Escritura<
Anulariam elas a doutrina da justificação pela graça por meio da fé (sola fide)<
A fim de evitar qualquer erro da razão presunçosa do ser humano, cumpre-
nos recordar dois fatos: Em primeiro lugar, embora fale em recompensa das
boas obras cristãs, a Escritura ensina que a recompensa é de graça (Gnadenlohn),
e não por merecimento. (Rrn 4.4) Lutero, em sua exegese de G1 3.22, esclarece
Dogmática Cristã
este assunto, quando diz que, pelo fato de o mundo não recompensar os
crentes por suas boas obras, antes odiá-los por causa delas (At 5.40; Rrn 8.36;
1 Co 4.13), Deus é tão bom que Ihes acrescenta promessas especiais de
graciosas recompensas. (cf. S. L., IX, 443) Assim também diz a Apologia (IV,
365): "Na pregação de prêmios mostra-se a graça." ("In praedicatione praemiorum
gratia ostenditur,")
Assim, mantemos à base da Escritura estas duas doutrinas: a) Aquele
que crê em Cristo receberá por suas boas obras grande galardão de graça.
(praemium gratixe), no misthós humoon polus (Mt 5.12); b) Todo aquele que
exige recompensa em vista de suas boas obras incorrerá na perda do galardão
gratuito de Deus, como ainda perderá a sua salvação. (Gl 5.4)
Ambas essas doutrinas são apresentadas claramente em M t 19.27-30;
20.1-16, onde Cristo, de u m lado, promete aos seus fiéis apóstolos segura
recompensa de graça e, por outro, declara que, sempre que se faça a exigência
de uma recompensa à base de merecimento, "os primeiros serão últimos".
(Mt 20.16) Isso quer dizer que os primeiros, ou seja, os que se presumem
justos em si mesmos, serão rejeitados.
Em segundo lugar, as promessas espontâneas de Deus no sentido de
recompensa feita aos seus fiéis servem ao excelente propósito de induzir o
crente individual a praticar, com zelo, boas obras. (Mt 5.12; Lc 6.23,35) A
Apologia chama a atenção para essa verdade, quando diz (Art. IV, 199): "Por
estas preconizações das boas obras indubitavelmente se movem os fiéis à
prática do bem." ("His praeconiis bonorum operum moventur haud dubie fideles
a d bene operaizdum.")
Lutero ressalta este ponto ao observar que em todas as passagens da
Escritura que falam na recompensa dos crentes (Gn 15.1: "O teu grandíssimo
galardão"; Rm 2.6,7 etc.), os piedosos são incitados, confortados e encorajados
a continuar, permanecer e triunfar, fazendo o que é bom e suportando o que
é mau, de sorte que não venham a cansar-se e desanimar." (S. L., XVIII, 1810ss)
As promessas graciosas de recompensa que a Escritura oferece aos
crentes negam, portanto, a doutrina da salvação por obras ou merecimento e
confirmam a da salvação por graça. É preciso que o fiel cristão tenha sempre
presente essa verdade, especialmente porque, tanto os papistas, como os
protestantes racionalistas modernos fazem mau emprego da doutrina bíblica
da divina recompensa das boas obras cristãs em favor da justiça das obras.
Lutero estabelece o assunto com muita clareza ao escrever (S. L., VII,
677s): "Aprende então a responder corretamente às passagens em que se fala
em mérito e recompensa: Ouço, em verdade, Cristo dizer: "Bem-aventurados
os humildes de espírito, porque deles é o Reino dos céus", e: "Bem-aventurados
sois vós, quando, por minha causa, vos injuriarem. [...I porque é grande o
vosso galardão nos céusJ', etc. Todavia, por essas Palavras não me ensina o
A Doutuina da Santificaçáo e das Boas Obr,::
fundamento sobre o qual faça repousar a minha salvação; dá-me, (com essas
Palavras) uma promessa: qual o conforto que devo ter em meu sofrimento e
em minha vida cristã. Essas duas coisas não deves misturar uma com a outra
nem amalgamá-las; também não deves converter em mérito aquilo que Deus
me dá gratuitamente em Cristo pelo Batismo e o Evangelho. Pois não diz
aqui que posso obter essas coisas ou que já não preciso de Cristo ou do Batismo,
mas, pelo contrário, que são verdadeiros discípulos de Cristo aqueles a quem
aqui prega e que, por causa dele, tem de sofrer muitas coisas, de forma que
não sabem como possam confortar-se. Visto que o povo não os tolera na
terra, devem, portanto, com muito mais razão, possuir todas as coisas." (cf.
também a excelente apresentação desta doutrina pelo Dr. Pieper, Christl.
Dogmatik, 111, 6 4 s . )
efeito, considero-o (cada uma destas obras) mais precioso que minha vida no
corpo, que seguramente é e deve ser para cada um mais cara que tudo no
mundo; pois que, sendo uma boa obra, Deus então a fez por mim e em mim.
Fê-la Deus, e é obra de Deus. Que é todo o mundo comparado a Deus e sua
obrat Embora por tais obras não me torne piedoso - pois que tal coisa deve
Aceder antes, pelo sangue e pela graça de Cristo, sem obras -, ainda assim se
fizeram para louvor e honra de Deus, em benefício e para o bem de meu
semelhante, coisas de que nem uma sequer se poderá pagar com os bens do
mundo nem a eles se comparar. E esta bonita gentalha por elas só pede um
centavo! Oh, como se escondeu a maravilha do diabo aqui! Quem não o
poderia deparar aquit"
Esta alta apreciação do valor das boas obras cristãs está em perfeito
acordo com o claro ensinamento da Escritura. As boas obras cristãs são
realmente de grande valor, e isto pelas seguintes razões:
a. São feitas segundo a norma da Lei de Deus. Ao passo que todas as
obras que não se fazem segundo a vontade de Deus são sem valor e,
para Deus, desaprazíveis, as que são feitas segundo a sua vontade
são por ele apreciadas como muito valiosas à sua vista. (Ap 2.2s~)
b. São obras do próprio Deus em nós; pois ele é a causa eficiente (causa
efficiens) de todas as boas obras cristãs. (Fp 2.13; 2 Co 3.5; 1 Co 12.6-
11; Ef 2.10) Enquanto todas as "boas obras" praticadas pelas pessoas
para merecer a salvação são condenadas nas Escrituras como "obras
da Lei" (GI 3.2,3,10), as boas dos crentes são louvadas e glorificadas
nas Sagradas Escrituras como "frutos do Espírito" (G15.22,23), que o
próprio Deus opera neles para sua glória. (Ef 2.10; C1 1.5, 6; 1 T m
6.17-19; T t 2.11-14; etc.)
c. São indícios e testemunhos (testimonia Spiritus externa) do estado de
graça em que o crente foi posto pela fé em Cristo. (Lc 7.47; 1 Jo
3.14) Como tais, são de grande valor para o próprio cristão (Ap 2.19)
e para todas as demais pessoas. (Mt 5.16)
d. São imperecíveis, seguindo após os crentes à vida eterna, onde são
premiadas da maneira mais graciosa. (Ap 14.13; M t 5.12; 19.29; 10.42;
G1 6.9) As obras terrenas, contudo, serão consumidas pelo fogo no
dia derradeiro. (Mt 24.35; 1 Co 7.31; 2 Pe 3.10)
e. Em virtude das boas obras dos crentes, das quais a primeira é a
pregação do Evangelho, Deus protela o dia do juízo. (Mt 24.14; 1 Pe
2.9) Por esse motivo, os cristãos devem ser sempre os mais diligentes
na prática de boas obras (G16.10; Ef 5.16; C1 4.5), e os ministros
cristãos devem insistir nelas constantemente. (Tt 3.8; 1 T m 6.17s~)
f. A prática de boas obras é o verdadeiro objetivo da vida dos cristãos na
terra. Tão logo tenha recebido a fé em Cristo, a pessoa já não pertence
A Doutrina da S~attjr;.ig.i: í i r s A-.;LP-Z
;
a este mundo, mas ao Reino dos céus. (Fp 3.20; Jo 5.24) Todatla.
Deus quer que os seus santos vivam por algum tempo na terra, para
que possam servir a Cristo, difundir o seu Evangelho e praticar muitas
boas obras para louvor ao seu nome. (Mt 5.13-16) De tudo isso se
depreende claramente que as boas obras cristãs (opera spirituali) são
do mais alto valor. Diz Lutero (S. L., I, 867): 54s obras que em nossa
vocação fazemos pela fé no Filho de Deus resplandecem perante
Deus, perante os santos anjos e perante toda a Igreja."
10. A PERVERSAO
DAS BOASOBRAS
Visto que a Igreja Católica alega ser a verdadeira promotora das boas
obras (o cardeal Gibbons: "A Igreja Católica é uma sociedade para santificação
dos seus membros") e que condena a Igreja da Reforma como Igreja que,
por dar ênfase indevida à d o u t r i n a da justificação, h a b i t u a l m e n t e
negligenciaria a santificação, faz-se necessário demonstrar que a Igreja de
Roma não é promotora, mas, muito pelo contrário, perversora da doutrina
das boas obras.
A acusação de que Lutero teria desprezado as boas obras foi feita já nas
primeiras fases da Reforma (Édito de Worms, 1521: "Lutero ensina uma vida
desenfreada, autodeterminada, que exclui todas as Leis divinas e é
completamente bestial.") Essa acusação injusta e inverídica tem continuado
até os nossos dias, apesar do fato de, por Palavras e atos, se haver demonstrado
que não passa de maldosa mentira. Precisamente porque Lutero ensinou a
verdadeira doutrina da justificação, também ensinou a verdadeira doutrina
da santificação. Ele insistiu enérgica e incessantemente nas boas obras como
frutos e provas da viva fé dos crentes fiéis.
Por outro lado, o papado, por todos os meios que estão em seu poder, torna
impossível a realização de obras cristãs, quando amaldiçoa o artigo básico da fé
cristã, a doutrina da justificação pela graça, da qual emanam todas as obras
realmente boas. As boas obras cristãs são frutos da justificação pela fé. Logo,
onde quer que esta doutrina seja abolida e anatematizada, não entram em questão
as boas obras no sentido de Cristo e da Bíblia. A Igreja Católica Romana realmente
insiste nas obras, contudo não são obras "boas", mas pagãs, visto serem feitas
com o propósito de adquirir a salvação. (G1 3.10; 5.4) Sempre que, na Igreja de
Roma, ocorram boas obras cristãs, isso acontece unicamente porque crentes
individuais, por sua parte, rejeitam a doutrina pagã da justiça pelas obras ensinada
pelos seus sacerdotes. Eles crêem no gracioso perdão dos seus pecados por amor
de Cristo, sem as obras da Lei. (Rm 3.28) Essa fé deixa-os em situação de eles
poderem praticar obras verdadeiramente boas.
Condenamos as "boas obras" do romanismo por duas razões. Em primeiro
lugar, compreendem uma negação e rejeição maldosa da suficiência da obra
Dogmática Cristã
obediência de sua própria mente pervertida. Foi por causa dessas odiosas
perversões que Lutero chamou o papado de um confluxo de todas as heresias
e afirmou que o papado em Roma foi fundado pelo diabo.
Fato é que todos os hereges ensinam doutrinas ímpias. Todavia, o papa
não só adorna as suas doutrinas ímpias com o nome de Cristo e da Igreja
Cristã, como também o mestre infalível da verdade divina. Ser um verdadeiro
papista equivale a crer doutrina ímpia e praticar obras más, contrárias à Palavra
de Deus, com vistas à salvação.
Tal qual a Igreja de Roma, também o protestantismo racionalista
moderno perverte a doutrina das boas obras. Enquanto que a Igreja Católica
é dominada pelo pernicioso erro do semipelagianismo, o protestantismo
racionalista corrompe-se pelos erros igualmente perniciosos do arminianismo
e sinergismo. O resultado é idêntico em ambos os casos.
Como o romanismo rejeita a doutrina da justificação, que é o postulado
obrigatório das boas obras, também o protestantismo racionalista, tanto nos
círculos luteranos como nos reformados, rejeita essa doutrina central da
Escritura. Uma vez que o conceito forense da justificação, conforme ensinam
Lutero e as Confissões luteranas, é considerado demasiado "jurídico" e não
suficientemente "ético", é entregue ao ferro-velho do esquecimento teológico,
e se ensina ao pecador a cooperação em sua conversão e a confiar nas suas
boas obras para a salvação. Disso resulta que também o protestantismo
racionalista ensina a justificação por via da santificação, ou seja, salvação
pela boas obras. A velha alegação melanchtônica (maiorista) de que "as boas
obras são necessárias à salvaçãoJ' é, assim, restaurada como dogma da Igreja.
Dessa maneira, a justiça das obras faz o protestantismo moderno aterrissar
no campo do romanismo semipelagiano. Ambos são inimigos do Evangelho
de Cristo.
11. A SANTIFICAÇÁO
E A VIDACRISTÁ
Trataremos este assunto sob três epígrafes: a) A vida cristã e a cruz; b)
A vida cristã e a oração; c) A vida cristã e a esperança da vida eterna.
bem-aventurança. Deus é "por eles". (Rm 8.31) São filhos de Deus e herdeiros
da vida eterna. (Jo 1.12, 13; C1 3.26; Rm 8.17) Os santos anjos servem a favor
deles. (Hb 1.14) Eles têm na Palavra de Deus conforto abundante para cada
aflição na vida e fortalecimento para cada dúvida pertinente à sua salvação.
Todavia, além de tudo isso, ainda não Ihes é revelada a glória que Ihes pertence
em Cristo Jesus. (1 Jo 3.2) Andam na mesma humildade, humilhação e
sofrimento que caracterizaram a vida do próprio Cristo na terra. (1 Pe 4.1)
Essa vida de pesar e tribulação a Escritura denomina a cruz (crux) dos cristãos.
(Mt 10.21,38; 16.24; Lc 14.27). (cf. também Lutero, S. L., XII, 729ss)
Que está contido na cruz cristã. As Sagradas Escrituras jamais aplicam
o termo cruz às tribulações dos ímpios. (SI 32.10; 34.21; 16.4). Diz-
se que apenas o cristão leva a cruz e isso, na verdade, quando exerce
a sua vocação no mundo. Lutero escreve (S. L., XII, 544ss): "O cristão
está sujeito à querida cruz por isso que se chama cristão, de sorte
que tem de padecer, partindo das pessoas ou do próprio diabo. Este o
atormenta e aterroriza com miséria, perseguição, penúria,
enfermidade ou, interiormente no coração, com os seus dardos
venenosos." Especialmente quando dão testemunho fiel de Cristo e
do seu Evangelho, ou quando levam uma vida santa segundo a
Palavra de Deus, os cristãos devem esperar padecer aflições e carregar
cruzes. (Mt 10.25) Entendemos por cruz o sofrimento que os cristãos
suportam por amor de Cristo. (Mt 10.16-22)
É verdade que os renascidos também são pecadores e, por essa razão,
não só merecem castigos temporais, como também a condenação eterna.
(Rm 7.24) Como, porém, vivem em arrependimento diário e, pela fé, recebem
constante perdão de todos os seus pecados, os castigos que Deus, em seu
amor paternal, Ihes distribui não são castigos na acepção restrita do termo,
visto que não procedem da ira divina, mas, pelo contrário, são graciosos
corretivos (castigationes paternae) que se destinam ao seu bem temporal e
eterno. (Rm 8.28; Hb 12.6; 1 Co 11.32; 1s 26.16)
Entretanto, não é por causa dos seus pecados que Satanás e o mundo
mau afligem os renascidos. Lutero diz com muita propriedade (S. L., XIII,
434ss): "O inimigo mau e o mundo não querem mal aos cristãos por serem
pecadores, por tropeçarem e caírem aqui e ali. Não, o diabo e o mundo
certamente tolerariam isso e estariam satisfeitos com eles. É por causa da
Palavra e da fé, por eles depositarem a sua esperança no Filho de Deus e se
consolarem com a sua morte e ressurreição. É, também, por eles temerem a
Deus e desejarem viver em acordo com a sua vontade. Eles desejam que, pela
sua confissão, outros também cheguem à fé e ao conhecimento de Cristo.
Essa verdade nem o diabo nem o mundo podem tolerar. Razão por que de
todos os lados acometem os cristãos."
Dogmática Cristã
Lutero observa que a pessoa que não está segura da vida eterna e não
guarda aquela bem-aventurada esperança (Tt 2.13) não pode ser submissa
nem paciente (S. L., IX, 956), ao passo que os cristãos, cuja convivência é no
céu, têm poder para regozijar-se mesmo nas suas maiores tribulações.
Lutero escreveu de São Paulo (S. L., XII, 717s): "Vede só como [Paulo]
dá as costas ao mundo e volta o rosto para a revelação futura, como se não
visse em parte alguma desgraça nem miséria, mas apenas pura alegria.
Realmente, embora as coisas nos andem más, diz ele, que é, afinal, o nosso
padecimento comparado à indizível alegria e glória que em nós há de ser
revelada< [...I Dessa maneira, São Paulo faz de todo padecimento na terra
uma gotícula e uma centelhazinha, mas daquela glória que devemos aguardar,
um mar infinito e uma fogueira. [...I Com isto que chama uma glória que há
de ser revelada, faz ver onde está o mal de se sofrer tão contra a vontade, a
saber, que a fé ainda é fraca e não quer enxergar dentro da glória oculta que
ainda há de ser em nós revelada. Pois que, se fosse uma glória que se tivesse
diante dos olhos, ah, que mártires primorosos, pacientes não seríamos!"
Lutero encerra esse belo parágrafo com o comentário oportuno que,
porque pela cegueira de nossa carne miserável e fraca, não podemos
compreender a grande, transcendente bondade e graça a que Deus nos chama,
ao pôr sobre nós as nossas cruzes cristãs, "é preciso que o Espírito Santo seja
nosso Mestre e deite este consolo no coração!" Todo cristão que carrega
verdadeiramente sua cruz concorda com isso. A menos que o Espírito Santo
nos conceda a graça para carregarmos a nossa cruz, jamais teremos forças
suficientes para carregá-la, nem mesmo a mais leve.
6. O porte cristão da cruz e o pecado do cristão. Em conexão com esse
assunto, suscitou-se a pergunta sobre se o pecado que ainda se apega
ao cristão também pode ser considerado parte da cruz que o mesmo
deve suportar. A resposta a essa questão é afirmativa, porquanto,
sempre que peca, o crente faz aquilo que abomina. (Rm 7.15) O
cristão fiel deplora sinceramente o fato de ser de tal forma "vendido
à escravidão do pecado" (Rm 7.14), que comete constantemente os
pecados que não quer fazer. (Rm 7.15) Ele roga fervor com fervor a
Deus que o livre "do corpo desta morte". (Rm 7.24) Por esse motivo,
os nossos dogmáticos dizem com razão que também a natureza má,
que está vendida sob o pecado (Rm 7.14-19), pertence à cruz que os
crentes devem carregar na vida presente. (cf. Lutero, S. L., XII, 735)
11.2. A VIDACRISTA
E A ORAÇAO
1. A conexão íntima (nexus indivulsus) entre a vida cristã e a oração.
Enquanto a pessoa continua em seu estado natural de pecado e ira,
teme e, por conseguinte, Foge também de Deus. (Hb 2.15; Gn 38)
A Doutrina da Santificação e das Boas Obras
cristão não pode, pois, estar filiado a uma loja maçônica sem pôr em risco a
salvação de sua alma.
Lutero escreve (S. L., VIII, 361ss): "Onde o Espírito da graça se acha
presente, ele faz com que também possamos e devamos, até mesmo com que
tenhamos de principiar a orar. [...I Pois que primeiro, antes de nos tornarmos
cristãos e crermos, não sabemos também que e como devemos orar. E posto
que a pessoa ore com o maior fervor visto exteriormente, não obstante, antes
da conversão, não está presente o Espírito da graça. [...I Não há, pois, nenhuma
fé na graça e misericórdia divina por Cristo, e o coração fica em constante
incerteza, de forma a não poder concluir que tenha sido, com certeza,
atendido. Ele quer tratar com Deus apenas à base de sua santidade ou da de
outrem, sem Cristo, como se Deus tivesse de humilhar-se perante ele e deixar
que a sua graça e ajuda lhe fossem por nós mesmos arrebatadas à força e
destarte fazer-se nosso devedor e servo; o que não significa ter merecido graça,
mas ira, e nem ter orado, porém antes ter escarnecido de Deus".
3. O que a oração cristã opera e dá. Visto que Deus, só por causa dos seus
santos, conserva o mundo, especialmente para que possam pregar o Evangelho
em testemunho a todas as gentes (Mt 24.14), e todos os cristãos fiéis oram
em perfeito acordo com a boa e graciosa vontade de Deus, a qual sustenta e
governa todas as coisas (1 Jo 5.14), podemos dizer que as suas orações
sustentam e governam (instrumentaliter) todo o universo. Essa doutrina,
expressa da Bíblia, nos assevera que todas as coisas que ocorrem no Reino do
poder e no Reino da graça são mediadas pela oração cristã.
Em particular, por causa da oração cristã "a Palavra do Senhor se
propaga". (2 Ts 3.1) Por meio dela, Deus abre aos seus fiéis "a porta à Palavra,
a fim de falarmos do mistério de Cristo". (C1 4.2-4; Ef 6.19,20) Por meio dela,
todos os ministros da Palavra são "livres dos rebeldes". (Rm 15.30-32) Por
meio dela, é mantida a paz no mundo. (Jr 29.7) Como resultado dela, os
cristãos levam uma vida tranqüila e mansa, com toda piedade e respeito (1
T m 2.1-3) e os piedosos são preservados dos ímpios. (S1 55.24; 2 Pe 2.7) Tudo
o que Cristo opera como causa efficiens, ele realiza por meio dos seus cristãos,
como também por causas instrumentais (causae instrumentales), segundo a
Escritura ensina. (At 1.8; 1 Co 3.9)
Lutero escreve sobre esse assunto (S. L., VIII, 350s): "Não se deve
segregar a cabeça dos seus membros, isto é, Cristo dos seus apóstolos e de
toda a cristandade. Cada cristão individual é pessoa como foi o próprio Senhor
Cristo na terra e realiza tão grandes coisas que pode, em assuntos divinos,
governar o mundo inteiro. Pode ajudar e ser de utilidade a cada um e pratica
as maiores obras feitas no mundo. Ele também é tido perante Deus em maior
conta que o mundo inteiro. Por causa dele, Deus dá e conserva ao mundo
tudo quanto possui. Se não houvesse cristãos na terra, nenhuma cidade e
nenhum país teriam paz; na verdade, num só dia, tudo o que há na terra seria
Dogmática Cristã
11.3. A VIDACRISTA
E A ESPERANÇA
DA VIDAETERNA
A vida é levada em constante e alegre expectativa d o segundo e
derradeiro advento de Cristo. (Tt 2.13) (cf. o grande sermão de Lutero sobre
essa passagem; S. L., IX, 930ss). Da maneira como os crentes no Antigo
Testamento esperaram a graciosa vinda de Cristo na carne (Lc 1.67-79; 2.29-
32), os cristãos em o Novo Testamento aguardam com verdadeira alegria e
paciência a sua gloriosa vinda para julgar os vivos e os mortos. (Lc 21.28)
Esta expectativa, toda alegria e esperança do dia do juízo são uma
característica do cristão fiel. (1 Co 1.7; T t 2.13; Fp 3.20) Segundo a Escritura,
os cristãos, por u m lado, "invocam o nome do Senhor Jesus Cristo"
(epikaloumenoi eis to ónoma kuriou Ieesou Christou) (At 9.14,21; 1 Co 1.2; 2 T m
2.22) e, por outro lado, "aguardam a revelação de nosso Senhor Jesus Cristo,"
(apekdechómenoi teen apokálypsin tou kuriou Ieesou Christou). (1 Co 1.7)
A preciosa certeza de sua perfeita salvação final pelo glorioso retorno
de seu Senhor motiva toda a vida dos cristãos e os faz diligentes na realização
das boas obras. (Mt 24.45s~;25.14) Tornam-se cautelosos e ponderados em
sua vida terrena (Tt 2.12-14); precavidos contra a segurança carnal (Mt
24.36ss), satisfeitos com sua peregrinação na terra. (1 Pe 2.11; Hb 13.14)
Acautelam-se no uso dos bens terrenos (1 Co 7.3,1) e são afáveis para com
Dogmática Cristã
todas as pessoas. (Fp 4.5) Estão prontos, a qualquer hora, para receber o Senhor
por ocasião de sua última vinda. (Mt 25.1s) São indiferentes para com as
tribulações de sua breve vida terrena (Rm 8.18); alegres ao carregar a sua cruz
(Rm 8.18; Lc 6.23; Mt 5.12; 1 Pe 2.12,13) e triunfantes na morte. (1 Ts 4.13-
18)
Em síntese, a encorajadora esperança do glorioso advento de seu Senhor
impele-os sempre a andar como é digno de sua sublime vocação em Cristo.
(Ef 4.1s; C1 1.10s; 1 Co 16.22; 1 Pe 4.7; Tg 5.8; Fp 4.5) Os cristãos devem
levar vida piedosa também com vistas à morte (Fp 1.21-23; S1 90.12); todavia,
principalmente toda a vida cristã é orientada pelo último advento de Cristo
com sua gloriosa salvação eterna (sub specie aeternitatis).
É bem verdade que, mesmo esperando o glorioso retorno de seu Senhor
e vivendo em razão dele, os cristãos não são perfeitos. Por isso, devem porfiar
pela perfeição dia após dia. Lutero chama esse porfiar, com muito acerto,
"uma arte cristã e verdadeira obra-prima" o cristão "dar as costas à vida presente
como a coisa que passa e ter continuamente diante dos olhos a vida futura
no além, ter dela firme e segura esperança como coisa que permanece, e onde
pertencemos".
Ele escreve: "Isso é corretamente ensinado, mas não logo aprendido,
corretamente pregado, mas não logo crido; primorosamente admoestado, mas
não facilmente seguido; bem dito, mas malfeito. [...I Ainda por cima, vem a
timidez nisto que sempre temos medo da morte, pomos luto e desfalecemos
quando as coisas nos vão mal. É isso um sinal de que não aguardamos como
devíamos a bem-aventurança."
Outra vez: "Quem não dirige nem prepara o seu coração para a vida
imperecível do além e se apega unicamente à vida temporal, perecível do
aquém, não entende o que seja Batismo, Evangelho, Cristo e fé. Não fomos
batizados para a vida do aquém, também não nos chamamos cristãos para
sermos cidadãos, colonos, padrões, peões, donas de casa, criados, para governar
e deixar que nos governem, para trabalhar e exercer a mordomia, mas para
isto fomos batizados e para isto ouvimos o Evangelho e cremos em Cristo,
para que abandonemos essas vocações em sua totalidade [..I e partamos deste
mundo para outra existência e vida, onde não há peão nem patrão, criada
nem dona de casa, esposa nem marido, mas onde somos completamente iguais
e um só em Cristo Jesus. (G1 3.28) Esta igualdade principia aqui, na fé, mas se
completa além em contemplação. [..I Para esta vida eterna somos batizados,
para isto nos redimiu Cristo com sua morte e sangue e para isto recebemos o
Evangelho."
Uma das perguntas mais importantes relacionadas com a vida cristã é a
que diz respeito à perseverança dos crentes na fé até o fim. (cf. Lutero, S. L.,
IX, 1807) O próprio nosso Salvador nos incita a considerar essa pergunta,
quando nos lembra a grande verdade que só "aquele, porém, que perseverar
até ao fim, esse será salvo". (Mt 10.22; 24.13) A ênfase nessas passagens
repousa no verbo perseverar, de sorte que as palavras de Cristo são exortação
seriíssima dirigida aos seus seguidores no sentido de eles perseverarem até o
fim.
Essa admoestação subentende que muitos não perseveram na fé, e isso,
por sua vez, sugere a ponderável pergunta: Como pode o crente perseverar na
fé até o fim< Em resposta a essa interrogação, as Sagradas Escrituras ressaltam
dois fatos vitais: 1) Todos os que perseveram na fé até o fim fazem isso
unicamente por divina graça, pois a perseverança cristã é obra da graça
onipotente de Deus. 2) Todos os que caem da fé fazem isso por culpa própria.
Só a rejeição proposital da Palavra de Deus por parte da pessoa e a sua maldosa
oposição à operacão do Espírito Santo na Palavra de Deus são a causa da
apostasia. Essas verdades precisam ser mantidas e defendidas frente ao
calvinismo e ao sinergismo.
a. Frente ao calvinismo. O calvinismo ensina com persistência que é
impossível, aos que já uma vez foram dotados de fé, perdê-la, mesmo
quando cometam crimes enormes (peccata enormia). Alegam que,
mesmo que o exercício da fé (exercitium fldei) possa cessar, a fé em si
não pode. Calvino: Tenendum est, quantumvis exigna sit ac debilis in
electis fldes, quia tamen Spiritus Dei certa illis arrha est ac sigillum suae
adoptionis, nunquam ex eorum cordibus deleri posse eius sculputuram.
(Inst,, 11, 2, 12)
A doutrina da inamissibilidade da fé é ensinada pelos calvinistas no
intuito de afastar a incerteza que o crente reformado individual deve sentir
com respeito ao seu estado de graça em vista do fato de não dever crer na
graça universal (gratia universalis).
Lutero, por outro lado, que afirmava a gratia universalis, ensinava,
também, a doutrina escriturística da amissibilidade da fé. (1 Co 10.12; Lc
Dogmática Cristã
8.13; 1s 1.2) Ensina a Confissão de Augsburgo (Art. XII, 8): "Condenam [...I os
que argumentam chegarem alguns, nesta vida, a perfeição tal, que não podem
pecar." Aqueles que eram acometidos de dúvidas quanto ao seu estado de
graça, Lutero os consolava com as graciosas promessas de Deus em Cristo
Jesus, reveladas e oferecidas a todos os pecadores no Evangelho (Tt 2.11), e
não com "experiência passada ou presente da presença e habitação de Cristo
no coração", conforme fazem os calvinistas.
Unicamente o método de Lutero é escriturístico; pois que o Evangelho não
só conforta realmente o pecador atemorizado, como ainda é o meio divino pelo
qual os que caíram da graça podem ser restaurados na fé em Cristo. (Rrn 10.17)
Não é preciso dizer que todo aquele que nega agratia universalis é incapaz
de consolar os pecadores desesperados com as graciosas promessas evangélicas.
Visto que ensinam a graça particular (gratia particularis), impossível que dêem
ao pecador individual certeza de que a graça de Deus lhe diz respeito. Graças
a uma feliz inconseqüência, a prática dos pregadores calvinistas é, muitas
vezes, melhor que a sua teoria.
b. Frente ao sinergismo. Do modo como a doutrina calvinista da
perseverança final é antiescriturística, também é a dos sinergistas.
Enquanto que os calvinistas negam a gratia universalis, os sinergistas
negam o sola gratia. Daí serem compelidos a induzir o pecador a basear
sua salvação, ao menos em parte, em sua própria dignidade. A declaração
de que "as boas obras são necessárias à manutenção da fé", declaração
que a Fórmula de Concórdia rejeita com tanta energia, é a verdadeira
expressão da cooperação sinergista. Constitui doutrina sinergista isto
que, como o pecador tem de entrar com a sua quota a bem de se tornar
cristão, assim também tem de cumprir com a sua parte para poder
perseverar na fé. Em última análise, o sinergismo ensina, de comum
acordo com o calvinismo, que a certeza cristã depende de alguma coisa
em seu próprio coração, quer seja a percepção da habitação de Cristo
(calvinismo) ou a sua boa conduta ou boas obras (sinergismo). Por
conseguinte, tanto o calvinismo quanto o sinergismo atribuem à pessoa
a capacidade para perseverar na fé até o fim.
Contrariamente a esse erro, as Sagradas Escrituras afirmam que o cristão
deve a sua perseverança exclusivamente à graça e ao poder de Deus. O
monergismo divino é, também, responsável pela conservação para a salvação.
(Fp 1.6; 1 Pe 1.5; Jo 10.28-30) A Escritura, conseqüentemente, toma a salvação
do crente de suas próprias mãos débeis e impotentes e a deposita na mão
onipotente, fiel de Deus. (1 Ts 5.24; 2 Ts 3.3)
Mesmo quando exorta os cristãos fiéis a operar a sua salvação com
temor e tremor, a Escritura, ao mesmo tempo, os certifica de que é Deus que
neles fiefetuatanto o querer como o realizar segundo a sua boa vontade". (Fp
A Doutrina da Perseverança
- - -
fazem isso por graça divina; os que caem da fé devem culpar-se de sua apostasia
(incredulidade; pretensa justiça própria; negligência ou rejeição maldosa dos
meios da graça). Estabelecendo-se um paralelo entre duas pessoas, tais como
Saul e Davi, Judas e Pedro, o teólogo cristão reconhece neste ponto u m
mistério que ele é incapaz de elucidar, visto que a própria Escritura não
responde à embaraçosa pergunta: Por que Saul pereceu na incredulidade e
Davi se arrependeu< ou: Por que Judas morreu no desespero e Pedro foi
redirnido da perdição<
O conselho da Fórmula de Concóudia sobre esse assunto é bíblico e
ortodoxo (Decl. Sól., XI,63): "Com referência aquilo, entretanto, que nessa
discussão remonta excessivamente o vôo, ameaçando transpor as balizas, é
dedo na boca, a exemplo de Paulo, e lembrar e dizer com ele: 'Quem és tu, ó
homem, para discutires com Deus<'" (Rm 9.20)
1. DEFINIÇÃODO TERMO
Para oferecer e transmitir aos homens os méritos que Cristo adquiriu
para o mundo por sua morte na cruz (2 Co 5.21; Rrn 5.18), Deus emprega
certos meios externos, visíveis, pelos quais o Espírito Santo opera e mantém
a fé e assim cumpre a salvação do pecador.
Esse é o claro ensinamento de nossas confissões. Assim escreve a Fórmula
de Concórdia (Decl. Sól., XI, 76): "O Pai, entretanto, não quer fazer isso sem
meios, senão que ordenou para esse fim sua Palavra e sacramentos como
meios ou instrumentos ordinários." Os Artigos de Esmalcalde (111, VIII, 3): "E
nessas partes, que dizem respeito à palavra falada, externa, é preciso
permanecer com firmeza nisso que Deus a ninguém dá o seu Espírito ou a
graça a não ser por intermédio da palavra exterior precedente ou com ela." A
Confissão de Augsburgo (Art. Vj 4): "Condenam-se os anabatistas e outros que
ensinam alcançarmos o Espírito Santo mediante preparação, pensamentos e
obras próprias, sem a palavra física do evangelho."
Os nossos dogmáticos definem os meios da graça como "media externa
a Deo ordinata, qtlibus Deus gratiaun a Christo acquisisitam hominibus offert et
fidem ad gratiam accipiendam necessariam in hominibus efficit et conservat". A
base da Bíblia, eles reconhecem como meios da graça ordenados por Deus
apenas a Palavra (o Evangelho) e os sacramentos, o Batismo e a Santa Ceia.
Esses dois como a palavra visível (Verbum visibile).
Segundo as Escrituras, esses meios, divinamente ordenados, têm uma dupla
função ou poder, a saber: a) Um poder que apresenta, oferece e confere (vis
exhibitiva dativa, collativa) e b) Um poder eficaz ou operativo (vis effectiva sive
operativa). O primeiro consiste em que, pelos meios da graça, o Espírito Santo
oferece a graça de Deus (Dei favor) e a justiça de Cristo (meritum Christi) aos que
ouvem ou lêem a Palavra. O segundo que, pelos meios da graça, ele opera, fortalece
e mantém, nos corações das pessoas, uma fé viva na graciosa remissão dos seus
pecados, de sorte que são convertidos, justificados, santificados e, finalmente,
glorificados. Por esse motivo, chamamos com razão os meios da graça media
communicationis remissionis peccatorum sive iustifiationis ex parte Dei.
Essa doutrina dos meios da graça foi corrompida pela razão humana
presunçosa de dois modos. Por um lado, declarou que os meios da graça são
desnecessários à salvação (zwinglianismo: O Espírito Santo não requer veículo
A Doutriiza dos Meios da Graça
- -
para as suas operações divinas). Por outro, acrescentou aos dois sacramentos
ordenados por Cristo sacramentos adicionais (romanismo: penitência,
confirmação, matrimônio, ordenação dos sacerdotes, extrema-unção). Em
última análise, toda perversão da doutrina dos meios da graça faz-se em
proveito da doutrina da justiça pelas obras.
3. DOUTRINAS ACERCA
ERRONEAS DOS MEIOS
DA GRAÇA
A doutrina escriturística dos meios da graça tem sido pervertida de
maneira crassa pelos romanistas, calvinistas e racionalistas sinergistas
(arminianos). Em atenção à importância do assunto, passaremos a considerar
detalhadamente os seus erros que mais se destacam:
a. O erro do romanismo. O romanismo realmente ensina que Cristo, por
sua morte, adquiriu a graça para os pecadores. Logo, rejeita de modo
enfático a doutrina de que o pecador se possa justificar e salvar "sem
a graça divina por Cristo". (Concílio de Trento, Sess. VI, Câns.
1.2.3.10.22) De acordo com a doutrina papista, essa graça divina,
adquirida por Cristo, destina-se a todas as pessoas, de forma que o
Concílio de Trento repudia sem reserva a graça particular (gratia
particularis) do calvinismo. (Sess. VI, Cân. 17)
Em vista desses fatos, a Igreja Católica Romana deveria defender a
doutrina luterana da justificação pela graça mediante a fé na satisfação vicária
de Cristo; contudo Roma anatematizou essa doutrina fundamental da Igreja
Cristã.
A fim de compreendermos tal atitude, cumpre-nos recordar o que os
teólogos católico-romanos entendem pelos termos "graça-divina", "graça
justificadora", etc. Segundo a doutrina papista, Cristo morreu pelos pecados
do mundo para que Deus, por infusão, possa introduzir no pecador (com sua
própria cooperação constante) tanta graça que o mesmo seja capacitado a
merecer a justificação e a salvação (Concílio de Trento, Sess., VI, Câns. 4.32),
A Doutrina dos Meios da Graça
que opera com o uso de meios. (Ef 1.19; Rm 10.17; T t 3.5) Por isso
mesmo, Hodge não deveria escrever: "Salvando o evangelho e os
sacramentos, já não é Deus quem salva". (Syst. Theol., 11, 683, 685.
Cf. a seguinte reductio ad absurdum: "Mantendo o pão da vida, já
não é Deus quem mantém a vida.")
c. Indigno conceito de Deus é considerá-lo adstrito a meios no trato
com os seres humanos. Resposta: Uma vez que aprouve a Deus
empregar meios, tanto no Reino da natureza como no da graça, não
nos convém querer julgá-lo.
d. Se Deus de fato operasse mediante meios da graça, então todos
aqueles a quem os meios fossem aplicados teriam de salvar-se.
Resposta: Esse argumento é insustentável, visto que se pode resistir
à graça por operar mediante meios. (Mt 23.37; At 7.51)
e. Os meios da graça são supérfluos, visto a fé salvadora basear-se em
Cristo. Resposta: Admitimos que a fé salvadora se baseia em Cristo;
todavia, a menos que se baseie nos meios da graça, não se baseia em
Cristo. (Jo 8.31, 32; 17.20; 1 Tm 6.3s~)
f. Muitos se fiam no fato de serem batizados e destarte se deixam ficar
em segurança carnal. Resposta: Apesar desse fato, a Escritura ensina
a eficácia do Batismo. (At 2.38; 1 Pe 3.21)
g. Ensinam as Sagradas Escrituras que nos salvamos somente pela fé
em Cristo; portanto o Batismo não regenera. (cf Hodge, Syst. Theol.,
111, 1600) Resposta: A Escritura ensina ambas as coisas: A fé salva, e o
Batismo salva. As duas declarações não se excluem, mas estão
contidas uma na outra.
h. A passagem de Jo 3.8 opõe-se à doutrina dos meios da graça. Resposta:
Essa passagem descreve o caráter misterioso da obra do Espírito Santo,
mas não diz que o Espírito Santo opera sem uso de meios. (cf. v. 5; Jo
6.45; Ef 3.6; 1 Pe 1.23; Jo 17.20)
Dessa forma, os entusiastas contrapõem as suas concepções
racionalistas acerca do que para Deus seria possível e conveniente fazer às
passagens claras da Escritura que afirmam que Deus designou e emprega os
meios da graça para a poderosa operação de sua graça. (1s 55.11; Jr 23.29; At
2.38; 20.32; Rm 10.17; 1 Pe 1.23; 3.21; etc.) (cf. Dr. Engelder, Dogmatical
Notes)
A doutrina escriturística dos meios da graça é de tão alta importância,
que todos os cristãos têm motivo para se examinar e ver se, acerca desse
ponto, "estão na fé". (2 Co 13.5) Se os cristãos negligenciam os meios da
graça (o ouvir da Palavra e o uso dos sacramentos), estão em perigo de cair da
fé e perder a sua salvação. (Jo 8.43-37) Todos os cristãos vêem-se
A Doutrina dos Meios da Graça
4. A IMPORTÂNCLADA DOUTRINA
DOS MEIOS
DA GRAÇA
Nos círculos reformados, bem como nos racionalistas e m geral,
comumente se considera a doutrina dos meios da graça como de nenhuma
importância. O fundamentalismo americano, por exemplo, ressalta as
doutrinas: a) que a Bíblia é Palavra de Deus; b) que Cristo é Homem-Deus,
que morreu pelos pecados do mundo; c) que o pecador se salva pela fé no
sangue de Cristo; d) que Cristo retornará gloriosamente na hora que ele mesmo
determinou; e) que Cristo ressuscitou dos mortos; f ) que haverá uma
ressurreição final de todos os mortos. Todavia, o fundamentalismo não
concede espaço no seu sistema de Teologia para a doutrina escriturística dos
meios da graça.
Por outro lado, Lutero é acusado pelos teólogos modernos de haver
conferido indevida importância a essa doutrina; nesse aspecto, seguindo muito
de perto nas pegadas da Igreja de Roma. E verdade que a ênfase que o grande
Reformador deu à doutrina verdadeira dos meios da graça foi afastamento
real e a mais decidida rejeição do romanismo. Não ensinou a doutrina dos
meios da graça porque "estivesse ainda preso pelos grilhões do tradicionalismo
escolástico", mas porque a própria Escritura atribui grande significação a essa
doutrina. Em última análise, foi a lealdade de Lutero para com a doutrina
escriturística do sola gratia e sola fide que levou a abraçar e manter o ensino
bíblico dos meios da graça. Sem o mesmo, não poderia ter ensinado o artigo
central da fé cristã, o chamado princípio material da Reforma, a saber: a
justificação pela graça mediante a fé na satisfactio vicaria de Cristo.
Já explicamos que a doutrina do sola fide permanece ou cai com a dos
meios da graça. O romanismo rejeitou a doutrina escriturística dos meios da
graça, como também o sola flde. Embora em toda a teoria afirme o sola fide, o
calvinismo, na prática, o nega. Em virtude de sua negação da graça universal,
vê-se constrangido a confortar o crente atemorizado e em dúvida com a
percepção de sua "iluminação interior" ou santificação. Por conseguinte,
também nesse caso, a perversão da doutrina dos meios da graça leva
praticamente à negação do sola fide. O mesmo se poderá dizer das religiões
entusiásticas e do racionalismo em geral. Em todos os casos, um erro vai, lado
a lado, com o outro. A perversão da doutrina dos meios da graça conduz
sempre à perversão do artigo central da fé cristã, a doutrina da justificação
pela fé sem as obras. Depreende-se daí claramente que a doutrina dos meios
A Doutrina dos Meios da Graça
DA GRAÇA
5. Os MEIOS EM FORMADE ABSOLVIÇAO
Baseado em passagens claras da Escritura, Lutero ensinou que todo o
Evangelho nada mais é que a absolvição gratuita de todos os pecadores por
amor de Cristo. (2 Co 5.19-21; Rm 4.25) Nessa verdade fundamental, o
Reformador baseou sua doutrina da absolvição, ou seja, a aplicação das
promessas evangélicas gerais do perdão às pessoas individualmente, quer na
confissão particular (Pvivatbeichte) quer na confissão geral (allgemeine Beichte).
Como Lutero, também as Confissões Luteranas inspiram a doutrina da
absolvição com grande ênfase. Declaram Os Artigos de Esmakalde (Art. VII):
"As chaves são um ofício e poder dados à Igreja por Cristo para ligar e desligar
os pecados." E a Apologia (Art. XII) diz: "O poder das chaves administra e
exibe o Evangelho através da absolvição, que é a verdadeira voz do Evangelho.";
Dogmática Cristã
-
Art. XI: "[ ..I que creiamos na absolvição e pensamos com certeza que a
remissão dos pecados nos é dada gratuitamente, por causa de Cristo"; Art.
VI: "Pois nós também mantemos a confissão, mormente por causa da
absolvição, a qual é a Palavra de Deus que o poder das chaves pronuncia, por
autoridade divina, com respeito a indivíduos." Semelhantemente o Catecismo
Menor: "A confissão compreende duas partes: primeiro, que confessemos os
pecados; segundo, que se receba a absolvição ou remissão do confessor como
de Deus mesmo, sem duvidar de modo algum, mas crendo firmemente que
por ela os pecados são perdoados perante Deus no céu." (V, 16)
A absolvição tem sido definida corretamente como "a forma especial de
administração do Evangelho segundo o qual o ministro da Igreja ou qualquer
outro cristão perdoa os pecados a uma ou mais pessoas, após sua confissão."
(cf. Lutero, S. L., XVI, 1795; X, 1235) Lutero: "Was ist die Absolution anders
denn das Evangelium einem einzelnen Menschen gesagt, der uber seine bekannte
Sunde Eost dadurch empfangec" ("Que outra coisa é a absolvição senão o falar-
se o Evangelho a cada pessoa em especial, a qual por meio disso receberá
consolo diante do seu pecado confessado<") A absolvição, portanto, nada
mais é d o que o Evangelho aplicado a indivíduos (Mt 9.2; Lc 7.48),
precisamente como sucede nos sacramentos. O que o Evangelho oferece a
todas as pessoas, a absolvição oferece ao indivíduo.
A doutrina bíblica da absolvição tem sido sempre uma pedra de tropeço
para aqueles que rejeitaram a doutrina verdadeira dos meios da graça. Disse
Zwínglio: "A certeza de nosso espírito de que somos filhos de Deus provém
do Espírito Santo, não do confessor que fala." Os pietistas chegaram a garantir:
"O tribunal da penitência é tribunal do diabo (Satansstuhl)." Por não ter sido
diferenciada por eles a doutrina escriturística da absolvição da do romanismo,
que, na verdade, é uma perversão da verdade escriturística, foi a mesma
condenada como "mandamento do Anticristo".
A doutrina da absolvição, contudo, está firmemente fundamentada na
Escritura. As palavras de Cristo são claras e inequívocas: "Em verdade vos
digo que tudo o que ligardes na terra terá sido ligado nos céus, e tudo o que
desligardes na terra terá sido desligado nos céus." (Mt 18.18) Ainda: "Se de
alguns perdoardes os pecados, são-lhes perdoados; se lhos retiverdes, são
retidos." (Jo 20.23) (cf. também M t 9.8; 2 Co 2.10)
Dessas passagens, evidenciam-se as seguintes verdades: a) Todos
quantos receberam o Espírito Santo, isto é, todos os crentes fiéis devem remitir
ou perdoar pecados; b) Esse perdão se refere a pessoas distintas ("se de alguns
perdoardes os pecados"); c) Todos os pecados, assim perdoados pelos seres
humanos, também são perdoados perante Deus no céu ("são-lhes perdoados").
Deve-se entender bem que, na absolvição, o perdão dos pecados não é
apenas anunciado às pessoas ou invocado sobre elas, mas realmente conferido
Dogmática Cristã
indivíduo. Todo o que crê nesse glorioso fato está realmente de posse do
perdão total.
Toda objeção à doutrina da absolvição baseia-se, portanto, em falta de
compreensão do que realmente ela é. A absolvição é mal-interpretada, porque
as pessoas deixam de compreender a reconciliação objetiva que Cristo efetuou
por sua satisfação vicária. Também deixam de compreender isso por atribuir a
salvação do pecador, ao menos em parte, à sua própria dignidade e não
exclusivamente à graça de Deus e á obediência vicária de Cristo (sola gratia,
sola flde), oferecidas a todas as pessoas nos meios da graça como dom gratuito.
Tão logo o cristão compreenda que a absolvição só é aplicação do perdão
geral oferecido e transmitido pelo Evangelho, também compreenderá,
prontamente, por que se devem considerar o Batismo e a Santa Ceia formas
de absolvição particular. Em ambos os sacramentos, Deus oferece
individualmente a graça que Cristo, por sua morte, adquiriu para toda a
humanidade (At 2.38; Mt 26.26-28) e é recebida pela fé nas suas graciosas
promessas evangélicas. Não vem ao caso a maneira como se aplica o Evangelho
aos homens. Se por proclamação geral ou pelo Batismo ou pela Santa Ceia ou
pelo ato da absolvição, o pecador é sempre absolvido; o seu pecado é perdoado;
pois em todos igualmente se ouve a mensagem alegre, confortadora: "Tem
bom ânimo, filho; estão perdoados os teus pecados." (Mt 9.2)
Vê-se, por aí, claramente que não se deve pronunciar a absolvição
condicionalmente ("Se estás verdadeiramente arrependido e crês
verdadeiramente, os teus pecados te são perdoados"), mas sempre
irzcondicionalmente ("Estão perdoados os teus pecados"). É verdade que o perdão
só se recebe pela fé, e a fé verdadeira habita apenas no coração contrito. Desse
ponto de vista, diz Lutero corretamente que "toda absolvição tem a condição
da fé"; porém acrescenta: "todavia unicamente enquanto a fé receber a
absolvição e disser sim a ela". (S. L., XXI b, 1847s) Por outro lado, Lutero
rejeita com muita ênfase a doutrina de que o perdão se basearia na contrição
e fé da pessoa e, por isso, contrição e fé seriam obras boas ou meritórias.
Se a contrição e a fé fossem atos meritórios, a absolvição deveria ser
pronunciada condicionalmente. Como, porém, o perdão não reside em
nenhuma boa obra das pessoas, mas exclusivamente na graciosa disposição
de Deus para com o pecador em Cristo Jesus, nenhuma condição vem presa
à mesma. Deus perdoa as transgressões a cada pecador por amor de Cristo, e
essa gloriosa verdade deve ser anunciada a cada pecador, e cada pecador deve
confiar nela com fé. Portanto, como nem o Batismo nem a Santa Ceia são
condicionais ("Eu te batizo caso creias"; "Tomai, comei; isto é o meu corpo, i
se o credes"), também a absolvição não é condicional. O perdão de Deus é
oferecido a cada pecador em cada forma de pregação do Evangelho; pois a
incredulidade da pessoa jamais torna sem efeito a fé de Deus. (Rm 3.3) A
absolvição será, pois, em todos os casos, pronunciada incondicionalmente.
A Doutrina dos Meios da Graça
6. Os MEIOS
DA GRAÇANO ANTIGO
TESTAMENTO
O Evangelho de Jesus Cristo, isto é, a graciosa mensagem do perdão dos
pecados pela fé no Salvador prometido, foi também o meio da graça durante
todo o tempo do Antigo Testamento. (At 15.11) Este é o claro testemunho
da Escritura, que relata: "Dele todos os profetas dão testemunho de que, por
meio de seu nome, todo aquele que nele crê recebe remissão de pecados." (At
10.43) Creu Abraão no Cristo prometido e Moisés dele escreveu. (Jo 8.56; Jo
5.46) Assevera-nos São Paulo expressamente que todos os crentes do Novo
Testamento são "filhos de Abraão" (G1 3.7) e "descendência de Abraão" (G1
3.29), porquanto crêem conforme fez Abraão.
As Escrituras do Novo Testamento declaram que a doutrina cristã da
justificação pela graça, mediante a fé, sem as obras da Lei, "tem o testemunho
da Lei e dos profetas". (Rm 3.21) Todo o quarto capítulo da Epístola aos
Romanos destina-se a provar que a doutrina da justificação pela fé é doutrina
do Antigo Testamento. Mesmo depois de estabelecido o concerto de Moisés,
o Evangelho de Cristo ainda estava em vigor como meio da graça. (GI 3.17)
É bem verdade, quando o Messias prometido surgiu na plenitude dos
tempos, os judeus não creram nele. Isso não sucedeu, porém, por falta de
testemunho adequado acerca dele, mas por causa do seu desprezo ao
testemunho claro de Moisés. (Jo 5.45-47) Assim também a fé frágil dos
discípulos no Salvador crucificado e ressuscitado proveio de sua
desconsideração para com as claras profecias do Antigo Testamento. (Lc 24.25)
Pelo mesmo motivo, também a Teologia racionalista moderna nega o fato
incontestável de que, já desde a queda no pecado, o Evangelho de Cristo tem
sido o meio da graça pelo qual os pecadores se converteram em filhos de Deus
pela fé na promessa divina. A Teologia racionalista repudia o caráter messiânico
Dogmática Cristã
das profecias claramente messiânicas (Gn 3.15; 4.1; etc.), precisamente, porque
se recusa a crer o testemunho dos profetas e, o que é pior, o do próprio Cristo
e dos seus apóstolos. (Lc 24.25) Em síntese, o racionalismo não pode encontrar
Cristo e sua satisfação vicária no Antigo Testamento, porque não crê o
Evangelho tão claramente exposto no Novo Testamento.
Como o Evangelho de Cristo, também a cú-cuncisão e a páscoa eram meios
da graça, que ofereciam e transmitiam o perdão dos pecados. Ao ato da circuncisão
prendia-se a promessa divina da graça: "Serei o seu Deus." (Gn 17.8),isto é, seu
Deus gracioso, que, em puro amor, perdoa o pecado gratuitamente. Isso fica
evidente pela fato de que em o Novo Testamento, Paulo chama o sinal da
circuncisão "selo da justiça da fé". (Rm 4.11) Com respeito à páscoa, a Escritura
diz claramente que a mesma transmitia graça aos israelitas; pois foram poupados
à praga, não por serem judeus, mas porque o cordeiro pascal fora morto e seu
sangue passado na verga da porta e em ambas as ombreiras. (Êx 12.21-27) Por
isso, Deus ordenou: "Guardai, pois, isto por estatuto para vós outros e para vossos
filhos, para sempre." (Êx 12.24)Assim, tanto à circuncisão como à páscoa, vmham
presas promessas divinas de graça e é, portanto, com justiça que falamos delas
como dos sacramentos do Antigo Testamento.
Escreve Lutero: "É erro crer que os sacramentos do Novo Testamento
diferissem dos sacramentos do Antigo Testamento segundo o poder e
significado [a saber, como meios da graça designados por Deus]. [...I Tanto os
nossos sinais e sacramentos como os dos pais têm presa a eles uma palavra de
promessa que exige fé e não se pode cumprir com nenhuma outra obra. São,
por isso, sinais ou sacramentos de justificação." (S. L., XIX, 62ss) Assim,
também no Antigo Testamento, o Evangelho e os sacramentos (circuncisão e
páscoa) ofereciam e transmitiam aos crentes divina graça e perdão. Em outras
palavras, a sua função era precisamente a mesma que é a dos meios da graça
instituídos por Cristo no Novo Testamento.
DA GRAÇAE A ORAÇAO
7. Os MEIOS
Em conexão com a doutrina dos meios da graça, discutiu-se a pergunta
sobre se também a oração pode ser classificada entre os meios da graça. Esse
quesito foi respondido afirmativamente pelos calvinistas. Assim escreve
Hodge: "Os meios da graça, segundo os padrões de nossa Igreja, são a Palavra,
os sacramentos e a oração." (Syst. Theol., 111, 466; cf. p.708) Entretanto,
enquanto o termo meios da graça é vox ágraphos e, como tal, o seu sentido
não é determinado pela Escritura, de sorte que podemos empregá-lo de várias
maneiras, traz confusão aplicá-lo à oração no mesmo sentido em que se aplica
ao Evangelho e aos sacramentos.
A Palavra e os sacramentos são, na expressão de Lutero, "a obra de Deus
em nós", isto é, os meios pelos quais Deus trata conosco. A oração,
A Doutrina dos Meios da G r d p
propriamente dita, é fruto da fé cristã e não o meio pelo qual se gera a fé. Por
meio da Palavra e dos sacramentos, Deus nos oferece e transmite a sua graça
e o seu perdão. Mediante a oração, pedimos bênçãos temporais e espirituais e
rendemos graças a Deus pelos bens recebidos.
Logo, quando, sem qualquer restrição se chama a oração de meio da
graça, ignora-se a diferença distintiva entre ela e a Palavra e os sacramentos,
bem como também se confundem as suas finalidades diversas. Além disso,
considerando-se a oração um meio da graça, segue-se necessariamente o erro
de que, pela oração, ou seja, pela obra do homem, se pode merecer o perdão
dos pecados e a salvação.
Na verdade, aqueles que consideram a oração um meio da graça declaram
que Deus é reconciliado por meio dela. Insistem, pois, para que os pecadores
que buscam certeza da salvação orem, enquanto deveriam apontar-lhes a
graça de Deus em Cristo Jesus, graça oferecida a todas as pessoas no Evangelho
e nos sacramentos. Deveriam, também, exortá-los a depositar sua confiança
inteiramente nas promessas divinas de perdão e paz.
Se alguém fizer objeção de que o próprio Cristo torna a oração um meio
da graça por nos ensinar a orar: "Perdoa-nos os nossos pecados7' (Lc 11.4),
responderemos que os cristãos realmente recebem o perdão dos pecados, como
também todas as outras bênçãos de Deus, através da oração. Não porque a
oração cristã seja um meio da graça, mas apenas porque a verdadeira oraçáo
cristã é expressão de fé nas promessas divinas. Não é a oração em si, isto é, a
enunciação de palavras, mas a fé cristã, da qual a oração cristã é manifestação,
que adquire o perdão. Disso resulta que, toda vez em que o crente fiel ora, ele
não considera a sua oração outro meio da graça somado à Palavra e aos
sacramentos, mas sua oração se fundamenta nas promessas divinas que lhe
são oferecidas nos meios da graça. O que ele realmente pede é que Deus lhe
seja gracioso e lhe perdoe os pecados por amor de Cristo, conforme, em seu
bendito Evangelho, prometeu fazer.
Sempre que a pessoa ora na suposição de que sua oração seja obra
meritória, em virtude da qual Deus perdoará pecados, sua oração não é
oferecida em nome de Jesus, mas contrariamente às instruções de Cristo.
Não é manifestação de fé, porém manifestação de incredulidade. Não é, de
modo nenhum, boa obra, mas abominação aos olhos do Senhor. (C1 3.10) A
uma tal oração se aplicam as palavras de Cristo: "Orando, não useis de vãs
repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão
ouvidos." (Mt 6.7)
Que os calvinistas considerem a oração um meio da graça é, do seu
ponto de vista, perfeitamente compreensível. Por negarem sua graça universal,
estão incapacitados para confortar o pecador atemorizado com as promessas
gerais de graça oferecidas no Evangelho; pois que essas, segundo a doutrina
calvinista. só pertencem aos eleitos. Daí terem de procurar outro meio que
náo o Evangelho e os sacramentos pelo qual possam dar ao pecador
aterrorizado a certeza da salvação: atos devocionais (entre eles a oração) que
produzam sensação ou sentimento de graça (sensus grutiue). Tal certeza,
entretanto, por basear em esforços humanos, não passa de imaginação e não
é a verdadeira certeza cristã, conforme já foi visto.
Contudo, não só os calvinistas, como também os sinergistas e arrninianos
consideram a oração um meio da graça e, da mesma forma, sugerem que o
pecador atemorizado que deseja certeza da salvação a procure mediante a
oração (os agitadores reformados, os pietistas luteranos). Atrás desse conselho
antiescriturístico está a negação do sola gratiu e, juntamente com ele, a rejeição
da reconciliação objetiva adquirida pela satisfação vicária de Cristo e dos meios
da graça como verdadeiros meios conferentes (media dotikd), pelos quais Deus
oferece de graça a perfeita justiça de Cristo a todas as pessoas. De tudo isso,
fica evidente que é erro fatal considerar a oração um meio da graça. Os que
oram na compreensão de que as suas súplicas sejam meio meritório que adquire
graça e salvação, praticamente rejeitaram o Evangelho de Cristo e deslizaram
para o paganismo.
Embora as doutrinas até aqui focalizadas necessitassem constante
referência e discussão da Lei e do Evangelho, de maneira que se dissesse tudo
o que fosse preciso dizer sobre esse assunto, ainda assim não seria supérfluo
expor os ensinamentos escriturísticos acerca da Lei e do Evangelho sob um
título especial. O racionalismo moderno, bem como o romanismo e
zwinglianismo (Zwínglio: "Em si mesma, a Lei nada mais é que Evangelho";
cf. Introdução Histórica aos Livros Simbólicos, Concórdia Tuiglotta, p.lólss),
praticamente aboliram a distinção entre Lei e Evangelho, de forma que ambos
os ensinamentos são confundidos, e o caminho bíblico da salvação é
completamente obscurecido (negação do sola frde; salvação mediante a justiça
das obras).
O Luteranismo confessional, por seu turno, considera "[ ...I a distinção
entre Lei e Evangelho é luz de particular brilho, que serve ao propósito de
dividir corretamente a Palavra de Deus e explicar e entender apropriadamente
os escritos dos santos profetas e apóstolos" (Fórm. de Conc., Decl. Sól., V, 1) e
concede-lhe, portanto, u m lugar de destaque em cada tratado dogmático
ortodoxo. Apesar desse fato, porém, o antinomismo, que é uma perversão da
doutrina escriturística de Lei e Evangelho, originou confusão também nos
círculos luteranos (João Agrícola, os filipistas, Poach, Otto, etc.), de modo
que é realmente necessário tomar o assunto em especial consideração. Esses
são os motivos, pelos quais tratamos aqui desta matéria mais por extenso e
sob um título especial.
DE LEI E EVANGELHO
1. DEFINIÇAO
A mesma Escritura faz, muito claramente, distinção entre Lei e
Evangelho. Também nossas Confissões Luteranas fazem isso. Segundo a
Fórmula de Concórdia (Decl. Sól., V, 17), a Lei é, em seu sentido restrito ou
próprio (lexproprie accepta), "doutrina divina em que a justa e imutável vontade
1 de Deus é revelada, de como o ser humano deveria ser em sua natureza,
pensamentos, palavras e obras para ser agradável e aceitável a Deus e ameaça
os transgressores dela com a ira de Deus e com castigos temporais e eternos."
Mais sucintamente define a Fórmula de Concórdia (Epít. V, 3 e 4) "[ ...I a Lei,
propriamente, é doutrina divina que ensina o que é justo e agradável a Deus
e reprova tudo o que é pecado e contrário à vontade de Deus. Por isso, tudo o
que reprova pecado é pregação da Lei e a ela pertence."
Dogmát ica Cristã
2. PARTICULARIDADES
COMUNSA LEI E AO EVANGELHO
Se estabelecermos um paralelo entre as duas doutrinas, descobriremos
que elas possuem vários elementos importantes em comum. Em primeiro
lugar, tanto a Lei como o Evangelho são Palavra de Deus divinamente inspirada.
Este ponto é essencial. Embora as funções da Lei sejam totalmente diversas
das do Evangelho, ainda assim ela é a santa e inspirada Palavra de Deus tanto
quanto o Evangelho. (Mt 22.37- 40; Rm 3.21) Em segundo lugar, ambas essas
doutrinas dizem respeito a todas as pessoas, de sorte que devem ser ensinadas
sempre lado a lado até a consumação dos séculos.
A Fórmula de Concórdia ensina: "Desde o princípio do mundo essas duas
proclamações têm sido promovidas lado a lado na Igreja de Deus com a devida
distinção [...I Cremos e confessamos que essas duas doutrinas devem ser
promovidas contínua e diligentemente na Igreja de Deus." (Decl. Sól. \í 23,
24)
Lei e Evangelho
- -
3. RELAÇÁO ANTAGONICA
ENTRE LEI E EVANGELHO
Foi Lutero quem proclamou novamente ao mundo que a Lei e o
Evangelho são tão profundamente distintos quanto possível, separados por
mais do que contradição ("inter se longissime distincta et plus quam contradictouia
separata sunt"). (S. L., IX, 447) "Não se deve considerar uma declaração
extremista e "mal-interpretável" (Tomásio, Dogmengeschichte, 11, 425); porque
é reafirmação da verdade que a mesma Escritura ensina.
Comparando as duas doutrinas segundo o seu conteúdo, descobrimos
que se contradizem de modo absoluto. A Lei exige perfeita obediência do ser
humano em todos os sentidos, e condena todo aquele que é desobediente. O
Evangelho, por sua vez, nada exige, mas oferece, gratuitamente, a todos os
pecadores, graça, vida e salvação por amor de Cristo. Os mesmos pecadores
que a Lei destina à condenação eterna, o Evangelho, por amor de Cristo, os
nomeia para a glória eterna no céu. (Rm 5.18-21) A Lei requer obras. (Lc
10.28) O Evangelho declara que o pecador "é justificado pela fé,
independentemente das obras da Lei." (Rm 3.28)
O apóstolo Paulo estabelece admiravelmente o contraste entre Lei e
Evangelho, ao escrever: "Não há distinção, pois todos pecaram e carecem da
glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a
redenção que há em Cristo Jesus." (Rm. 3.22-24) De acordo com essas palavras,
a Lei condena, ao passo que o Evangelho justifica. (cf. também G1 3.10-14)
A mesma diferença entre Lei e Evangelho evidencia-se ao considerarmos
as suas promessas, que também são contraditórias. As promessas da Lei são
condicionais @romissionesconditionales). As do Evangelho são promessas de pura
graça (promissiones gratuitae). Nisso vai dito que a Lei promete vida ao pecador
sob a condição de que lhe obedeça perfeitamente. (C1 3.12; Lc 10.28) Já o
Evangelho lhe promete vida e salvação "independentemente das obras da Lei",
"sem obras", "gratuitamente", "por graça" (particulae exclusivae), de sorte que,
na verdade, Deus "justifica o impio". (Rm 4.5) Em outras palavras, a Lei justifica
as pessoas que são, por si mesmas, justas (C1 3.21), ao passo que o Evangelho
justifica as pessoas que são, por si mesmas, injustas. (Rm 4.5)
O chamado imperativo evangélico (impeuativus evangelicus, At 16.31) é
"Evangelho concentrado". Ao ordenar ao carcereiro da prisão de Filipo: "Crê
no Senhor Jesus Cristo, e serás salvo", Paulo pregou-lhe fé ao coração. Assim
também a "ordemJ1de 1 Jo 3.23 não é ordem legal, mas um convite muito
gracioso, expresso do modo mais energético, a aceitar o oferecimento evangélico
da remissão. A fé exigida pelo Evangelho é descrita na Escritura exatamente
como o oposto de qualquer realização humana. (Ef 2.8,9)
Considerando o exposto acima, fica evidente que as condições da Lei
(Lc 10.28) são condições reais, que requerem cumprimento absoluto das
obrigações impostas (C1 3.12), ao passo que as do Evangelho (Rm 10.9: "Se
Lei e Evangelho
creres C..], serás salvo") apenas indicam o meio pelo qual Deus aplica ao
pecador a vida e a salvação (modus applicationis). A declaração "se creres [...I,
serás salvo" significa unicamente isto: Sem nenhuma obra ou dignidade da
tua parte, és salvo unicamente pela fé no Senhor Jesus, a quem Deus
ressuscitou dos mortos. Rm 3.23-28
Uma vez, pois, que a Lei e o Evangelho, considerados segundo o seu
teor e suas promessas, são contradições absolutas (plus quam contradictoria),
cumpre-nos fazer clara distinção entre as duas esferas a que pertence cada
um na economia da salvação. É a única maneira correta de afastar a
"dificuldade insuperável" que nos confronta ao examinarmos essas duas
contradictoria contradições em acordo com sua apresentação escriturística.
A Lei deve ser pregada em todo o seu rigor e severidade, e nada deve-se
omitir dela. (Mt 5.17,18; G1 3.10; Rm 1.18; 3.9-19) A única finalidade com
que ela será proclamada é levar o pecador ao claro conhecimento do seu pecado
e da condenação. (Rm 3.20) Essa é a verdadeira esfera da Lei, conforme a
Escritura demonstra com evidência (2 Co 3.9: "o ministério da condenação").
É mensagem de ira e, como tal, nosso "aio para nos conduzir a Cristo, a fim
de que fôssemos justificados por fé". (C1 3.24)
Quando, no entanto, a Lei cumpriu com sua finalidade e o pecador clama,
atemorizado: "Que devo fazer para que seja salvo<" (At 16.30), a proclamação
da Lei tem de cessar e o anúncio do Evangelho deve iniciar. (At 16.31) A função
da Lei é aterrorizar o pecador seguro de si, mas a função do Evangelho é confortar
o pecador contrito com a graça de Deus em Cristo Jesus. (Jo 3.16; Rm 10.4)
Essa rigorosa distinção entre as duas esferas da Lei e do Evangelho sempre é
observada na Escritura. (2 Sm 12.13; At 2.37-39; 1 Co 5.1-5; 2 Co 2.6-8)
Escreve Lutero: "Tem a Lei o seu alvo: até onde deve ir e o que deve
realizar, a saber, conduzir a Cristo, atemorizar os impenitentes com a ira e o
desfavor de Deus. Tem o Evangelho igualmente o seu ofício e função especial
de pregar às consciências aflitas o perdão dos pecados [...I Ora, quando atingida
em cheio a consciência, de sorte que verdadeiramente sente o pecado, se vê
em agonia de morte, [...I é chegada então a hora de saber-se fazer separação
de Lei e Evangelho e indicar a cada um o seu lugar." (S. L., IX, 798ss)
Em termos gerais, portanto, a Lei pertence à esfera do pecado, e o
Evangelho, à da graça. A primeira é mensagem do arrependimento (contrição);
o segundo é notícia da remissão dos pecados. (Lc 24.47) Ambos devem ser
ensinados em sua pureza e verdade escriturísticas. Não se deve diminuir o
rigor e a severidade da Lei nem alterar a doçura e o aspecto cativante do
Evangelho, porque apenas dessa maneira a divina mensagem do pecado pode
penetrar no coração do pecador e transformá-lo.
A Lei e o Evangelho diferem entre si também com respeito aos seus principia
cognoscendi. A Lei está escrita no coração dos seres humanos (Rm 2.14,15) e
pode, assim, ao menos em parte, ser conhecida mesmo sem o conhecimento
revelado da Escritura. O Evangelho é "a sabedoria de Deus em mistério outrora
oculta", dada a conhecer à pessoa por revelação especial (1 Co 2.7-12; Rm
16.25), de maneira que nenhuma pessoa a pode conhecer, caso não lhe seja
revelada. (Mt 16.15; Rm 10.14,15,17) Isso se demonstra e prova pelo fato de
que todas as religiões de feitura humana são "religiões da Lei" ou das boas
obras, ao passo que a religião cristã, extraída da Bíblia como sua única fonte,
é "religião da fé". Além disso, todas as pessoas que se devotam à religião natural
das boas obras, rejeitam a religião da fé como loucura (1 Co 1.23; 2.14), até
que o Espírito Santo, pelo Evangelho, afasta delas a opinio legis. (2 Co 3.15,16)
No decorrer da controvérsia antinomista, debateu-se a pergunta sobre se
o pecado da incredulidade deveria ser condenado pela Lei (gnésio-luteranos)
ou pelo Evangelho (filipistas). A resposta dos gnésio-luteranos foi adotada e
incorporada à Fórmula de Concórdia (V e VI). Os filipistas talvez tenham sido
ludibriados pela consideração de que a Lei, por ignorar Cristo e a fé nele, não
poderia condenar o pecado da incredulidade. Todavia a questão se decidirá
prontamente, se retivermos em mente as esferas e funções específicas da Lei e
do Evangelho; pois, enquanto a Lei sempre julga, condena e repreende, o
Evangelho, em seu sentido próprio, jamais julga, condena e repreende. Condenar
é, portanto, contrário à própria natureza do Evangelho.
A declaração: "O Evangelho condena o pecado." (Melanchton) será
defendida unicamente se o termo Evangelho for empregado em sentido lato,
designando toda a doutrina de Cristo. Todavia, que o Evangelho em sentido
restrito, não condena o pecado da incredulidade ou qualquer outro pecado,
fica evidente do fato de que, se o Evangelho fosse uma mensagem de
reprovação e condenação, a salvação seria absolutamente impossível. Não
haveria mensagem de salvação em que todos os pecadores que, por natureza
são incrédulos, pudessem confiar. O Evangelho salva (Rm 1.16) precisamente,
porque tem função salvadora e não reprovadora ou condenatória. Involuntária,
porém efetivamente, os filipistas transformam o Evangelho em Lei ao lhe
atribuírem, em seu sentido próprio, função reprobatória.
A Fórmula de Concórdia admite que se possa empregar o Evangelho (antes
os fatos evangélicos, a saber, o padecimento e morte de Cristo) na descrição
da grande ira de Deus em virtude do pecado da pessoa, assim como o próprio
Cristo o empregou dessa maneira. (Lc 23.31) Contudo, quando empregado
dessa forma, o Evangelho não desempenha seu ofício particular e próprio
(proprium suum officium), mas um ofício estranho (alienum opus). Diz nossa
Confissão (Decl. Sól., V, 12): "Na verdade, onde mais séria, mais terrível
indicação e pregação da ira de Deus contra o pecado do que a paixão e morte
de Cristo, seu Filhot Mas enquanto isso tudo proclama a ira de Deus e
aterroriza o homem, ainda não é o Evangelho, nem a pregação própria de
Cristo, senão que é a pregação de Moisés e da Lei sobre os impenitentes.
Lei e Evangelho
Porque o Evangelho e Cristo não são ordenados e dados para aterrorizar, nem
para condenar: mas a fim de consolar e erguer os que estão. aterrorizados e
pusilânimes." A última verdade aqui sublinhada jamais deve ser perdida de
vista; pois que o Evangelho, em seu sentido próprio, nunca revela o pecado
ou aterroriza o pecador, mas sempre mostra a graça divina e consola o pecador
inquieto.
Ao concluirmos este capítulo, chamaremos a atenção para o fato de
que a Lei e o Evangelho são apenas aspectos diferentes do próprio Deus em
sua relação com o pecador. A Lei mostra Deus condenando o pecador em
virtude do seu pecado (Deus puopteu peccata dammans), enquanto que o
Evangelho descreve Deus perdoando e justificando gratuitamente o pecador
por amor de Cristo (Deus propter Christum absolvens et iustificans.) O teólogo
cristão deve ter esse fato sempre presente ao determinar as esferas e funções
da Lei e do Evangelho.
do pecado, Rm 3.20) e o seu usus paedagogicus ("nos serviu de aio para nos
conduzir a Cristo" - Gl 3.24). É preciso, porém, considerar que a Lei, em si,
não conduz a Cristo, mas unicamente ao desespero. Todavia, serve para a
vinda a Cristo (cornpulsus indirectus) por fazer o pecador ver a sua necessidade.
Havendo a Lei atemorizado o pecador, Cristo está ao alcance para lhe proclamar
o conforto do Evangelho. Passagens como 2 Co 3.6b; Rm 7.5,8 ensinam que
a Lei por si mesma não efetua nenhuma transformação moral nem melhora o
coração do pecador, predispondo-o à recepção do Evangelho. É, pois, preciso
que o Evangelho vá lado a lado com a Lei, caso o pecador deva ser convertido
e salvo.
0 s antinomistas negaram essa relaçáo íntima entre Lei e Evangelho ao
tentar banir a Lei da Igreja. Em última análise, porém, a sua oposição à Lei
constituía oposição ao Evangelho, conforme Lutero diz com razão (S. L., XX,
1646): "Tirando-se fora a Lei, ninguém sabe o que Cristo é Cristo ou o que
Fez realizou ao cumprir a Lei por nós." O Reformador percebeu claramente
que "por este assim chamado entusiasmo (o antinomismo), o diabo não
pretende tirar fora a Lei, mas Cristo, o cumpridor da Lei". (XX, 1614)
Igualmente, a íntima relação entre Lei e Evangelho torna-se evidente
também ao considerarmos a santificação do crente. É verdade que, segundo o
homem interior ou novo homem, o cristão não requer a Lei (1 T m 1.9), visto
que, como nova criatura em Cristo, tem a Lei de Deus escrita em seu coração
(Jr 31.33; Ez 36.26) e lhe obedece tão alegre e voluntariamente como fazia
Adão antes da queda. (S1 110.3). A Fórmula de Concórdia declara com razão
(Decl. Sól., VI, 17): "Quando, porém, o homem nasce de novo do Espírito de
Deus e é libertado da Lei, isto é, quando está livre desse propelidor e é impelido
pelo Espírito de Cristo, aí então vive de acordo com a imutável vontade de
Deus, compreendida na Lei, e, enquanto renascido, tudo faz de espírito livre
e disposto."
A situação torna-se, porém, completamente diferente, quando
examinamos o crente segundo a natureza pecaminosa, que ainda se apega a
ele. (Rm 7.14-24) Segundo a natureza corrompida, o crente não conhece a
Lei profundamente nem a cumpre d e livre vontade (Rm 7.15), mas
constantemente se opõe a ela e a transgride. (Rm 7.18)
Diz Lutero (S. L., IX, 881): "Segundo o espírito, o crente é justo, sem
qualquer pecado, não necessita de nenhuma Lei; todavia, segundo a carne,
ainda tem pecado. [...I Visto que tal coisa ainda existe [em nós], a Escritura
nesta parte nos considera iguais aos injustos e pecadores, precisando nós,
segundo a carne, tanto da Lei como aqueles."
Assim também a Fórmula de Concórdia comenta (Decl. Sól. VI, 18ss):
"No entanto, como os crentes não são perfeitamente renovados neste mundo,
porém o velho homem se lhes apega até à sepultura, neles também continua
Lei e Evatrgeih:
a luta entre o espírito e a carne. Por isso, deveras têm prazer na Lei de Deus
no tocante ao homem interior, mas a Lei em seus membros guerreia contra a
Lei em suas mentes. Destarte nunca estão sem Lei, e contudo não estão
debaixo da Lei senão na Lei, vivem e andam na Lei do Senhor, e todavia nada
fazem por impulsão da Lei."
O crente, portanto, tem de empregar juntamente com o Evangelho
também a Lei divina, a saber, a) como freio para crucificar a natureza má (Rm
8.7; 1 Co 9.27); b) como espelho, que lhe revela constantemente os seus
pecados (Rm 7.7, 13; G15.19-2 1); c) como norma, segundo a qual deve pautar
e dirigir toda a sua vida. (G15.22-25) Daí o mesmo regenerado ter de empregar
continuamente a Lei em relação íntima com o Evangelho. A Lei para refrear a
sua carne exteriormente, a Lei para destruí-la interiormente. A Lei para indicar
as boas obras. O Evangelho a fim de lhe conferir poder para fazer boas obras.
A Lei para mostrar-lhe os seus pecados, e o Evangelho para ensinar-lhe como
purificar-se do pecado.
Não há, naturalmente, nenhuma contradição entre passagens tais como
1 T m 1.9: "Não se promulga Lei para quem é justo" e passagens que aplicam
a Lei, em todo uso que dela se faz ao cristão, por exemplo, Rm 7.23, 24; 1 Co
9.27; etc. Naquela passagem, descreve-se o cristão segundo a nova natureza;
nestas, segundo a sua velha natureza, sua natureza corrupta. Diz Lutero
com razão: "Ein Christ ist zwischen zwei Zeiten geteilt. Sofern er Fleisch ist, ist er
unter dem Gesetz; sofern er Geist ist, ist er unter der Gnade." (cf. S. L., IX, 452.880)
("O cristão está dividido entre dois tempos. Enquanto carne, está debaixo da
Lei; enquanto espírito, está debaixo da graça.")
A conversão e a santificação são, portanto, conseqüências da cooperação
entre a Lei e o Evangelho. A pregação tão-só da Lei redunda em hipocrisia ou
desespero; a pregação tão-só d o Evangelho redunda e m indiferença e
segurança. (cf. Lutero, S. L., V, 988; também Dr. Engelder, Dogmatical Notes)
Para completar, podemos acrescentar aqui que nossos dogmáticos falam
de um emprego quádruplo da Lei divina, cada um dos quais aplicáveis também
ao cristão. A Lei põe em cheque a natureza pecaminosa do cristão e o constrange
à disciplina externa (usus politicus); revela-lhe o seu pecado e o convence dele
(usus elenchticus); é seu aio para conduzi-lo a Cristo (usus paedagogicus); provê-o
de norma de vida segura. (perpetua vivendi regula, Mt 5.17; usus didacticus)
5. A ARTEDE FAZERDISTINÇAO
ENTRE LEI E EVANGELHO
Enquanto é relativamente fácil fazer-se distinção entre Lei e Evangelho
na teoria, é extremamente difícil aplicar essa distinção na prática. Lutero
comenta acertadamente que a verdadeira distinção entre Lei e Evangelho
na prática fica além das faculdades naturais do ser humano e só se pode
conseguir pela operação do Espírito Santo. A razáo disso deve se encontrar
Dogt7záticn Cristã
maldição sobre todo aquele que, dessa maneira, priva o Evangelho de seu
glorioso conteúdo. (C1 1.8; 6.14) Em suma, não se deve afastar a contradição,
abrindo mão de qualquer das duas doutrinas, mas fazendo a devida distinção
entre ambas e confinando cada uma à sua própria esfera. Feito isso, podemos
compreender facilmente por que, por u m Iado, a Escritura diz: "Aquele que
observar os seus preceitos, por eles viverá." (G1 3.12) e, por outro: "O homem
não é justificado por obras da Lei e sim mediante a fé em Cristo Jesus." (G1
2.16) Nesse caso, nos lembramos de que a Lei nos foi dada para que
pudéssemos chegar ao conhecimento dos nossos pecados (Rm 3.20), e o
Evangelho para que pudéssemos obter a remissão dos pecados. Em resumo,
se fizermos a devida distinção entre Lei e Evangelho, a Bíblia será para nós
um livro claro; se não fizermos, permanecerá obscura e incompreensível para
sempre.
A veracidade dessa declaração é comprovada pela atitude errada dos
romanistas e sinergistas protestantes referente à questão vital da certeza da
salvação (certitudo salutis). Errando nessa parte, confundem Lei e Evangelho
pela negação do sola gratia e pelo ensino, direto ou indireto, da salvação pelas
obras. Conseqüentemente, mantêm o ensino de que o crente não pode estar
seguro de sua salvação (monstrum incertitudinis). Isso constitui rejeição
proposital de uma clara doutrina escriturística. (Rrn 8.38,39) Mesmo assim,
procuram basear sua falsa alegação na Escritura. (1 Co 10.12) Deixam, porém,
de fazer distinção entre Lei e Evangelho. Ludibriados por seu erro, esquecem
que passagens como 1 Co 10.12; Hb 1214; etc., são Lei, destinadas a advertir
e atemorizar os seguros e indiferentes, enquanto passagens como Rm 8.38,39;
Jo 10.27-29; 3.16-18; etc., são Evangelho, determinadas para conforto dos
contritos e penitentes. Segundo a velha natureza, os crentes necessitam
sempre de advertências da Lei, ao passo que, segundo a nova natureza, se
regozijam na esperança da salvação que Ihes é oferecida no precioso Evangelho.
(Rm 5.1-50) É, pois, absolutamente necessário que o crente em geral, ao julgar
em particular o seu estado de graça, mas especialmente o ministro cristão, ao
proclamar oficialmente o divino caminho da salvação, faça clara e rigorosa
distinção entre Lei e Evangelho. (2 T m 2.15)
Isso, porém, só pode ser feito, quando Deus nos concede a sua graça e
nos conserva nela. O seu Santo Espírito tem de nos ensinar e levar a fazer
distinção entre Lei e Evangelho e aplicar ambos na devida ordem. Sem a
iluminação e orientação d o Espírito Santo, ninguém pode apelar da
condenação da Lei para as benditas promessas do Evangelho de perdão dos
pecados, vida e salvação e nelas confiar. Isso é obra graciosa do Espírito em
nós. (Ef 1.19, 20; Fp 1.29; C1 2.12) Assim também a perseverança na fé,
mediante confiança constante nas promessas do Evangelho, é obra de Deus
em nós. (1 Pe 1.5) Igualmente, embora a Lei acuse e condene a pessoa, o
nomismo, que faz da Lei o meio de salvação por via da santificação, está tão
Lei e Eva~gelko
A ordem divina de batizar requer sempre água como elemento visível que
se deve empregar neste sacramento uo 3.23; At 8.3ó), de maneira que o emprego
de qualquer substituto invalida o Batismo. Todos aqueles de cujo Batismo não
possamos obter comprovação segura devem considerar-se como não-batizados.
Embora o emprego de água no Batismo seja necessário, a maneira de sua aplicação
(modus applicandi) é facultativa, visto que o verbo grego baptizein não significa
apenas imergir, mas também lavar (cf. Lc 11.38; Mc 7.23, onde baptizesthai
significa o mesmo que niptesthai, ou seja, lavar.) Por isso, nosso Catecismo luterano
sustenta com razão que batizar significa "lavar, regar, aspergir com água ou
submergir na água". Aos que insistem em que o Batismo deve ser por irnersão por
simbolizar o sepultamento na morte (Rrn6.3,4), nossos dogmáticos respondem
que o Batismo significa, não só sepultamento, mas também lavagem dos pecados
(At 22.1ó), derramamento do Espírito Santo (Tt 3.5,ó) e aspersão com o sangue
de Cristo. (Hb 10.22 cf. com Êx 24.8; Hb 9.19; 1 Co 10.2) Assim cada um dos
diferentes modos de aplicação da água simboliza o seu significado.
Se alguém fizer a objeção de que seria necessária a imersão, porque
toda a pessoa deve ser purificada pelo Batismo, respondemos que o poder
purificador do Batismo não reside na quantidade de água empregada, mas no
próprio sacramento, de maneira que todo aquele que o recebe, sob qualquer
forma, é completamente purificado. (Jo 13.9,10)
De passagem, queremos lembrar ao leitor que comumente os que
insistem na imersão, porque "o Batismo tem de simbolizar o sepultamento
na morte", negam a própria eficácia do sacramento em sepultar a pessoa
batizada na morte de Cristo, isto é, em adquirir os benefícios da morte
substituta de Cristo. Enquanto insistem na forma, rejeitam a parte essencial
do Batismo; guardam a casca e põem o miolo fora.
Todas as objeções à instituição divina do santo Batismo têm sua origem
na razão presunçosa, incrédula, que põe propositadamente de lado as Sagradas
Escrituras como única fonte e norma de fé. Quando as pessoas declaram que
o Batismo é supérfluo - tal qual o são todos os meios da graça -, porque tão-
só se requer o "Batismo do Espírito e do fogo" (Quacres); ou porque é
"cerimônia judaica" (Exército de Salvação); ou porque o Batismo é apenas
u m rito eclesiástico (modernistas; teólogos racionalistas); ou porque dizia
respeito unicamente à Igreja Primitiva (socinianos); ou porque a fórmula
trinitária em M t 28.19 é uma interpolação, visto que o conceito da Trindade,
conforme expresso nessa passagem, era estranho ao espírito da Igreja Primitiva
(teólogos modernistas; cf. 2 Co 13.14; Tt 3.4-7; 1 Pe 1.10-12); ou porque o
relato do Evangelho de Mateus é anti-histórico, porquanto Cristo não
ressuscitou dos mortos; porque, em vista de 1 Co 1.14; Jo 3.22; 4.2, não se
pode considerar a passagem de M t 28.19 uma ordem batismal dada por Cristo
- provam que se opõem propositadamente às Sagradas Escrituras e exaltam a
sua cega razão acima da Palavra de Deus.
A Doutrina do Santo Batismo
2. O QUETORNA
O BATISMO
UM SACRAMENTO
@E FORMABAPTISMI)
Para que o Batismo seja válido, é preciso aplicação de água no indivíduo;
pois que a água e sua aplicação constituem elementos essenciais dessa
ordenação sagrada. A água em si, porém, não torna o Batismo um sacramento.
Conforme diz Lutero corretamente em seu Catecismo: "O Batismo não é
apenas água simples, mas é a água compreendida no mandamento divino e
ligada com a Palavra de Deus." Santo Agostinho expressa a mesma verdade
com as Palavras: "Une-se a Palavra ao elemento, e constitui-se o sacramento."
(Accedit Verbum a d elementutn, et fit sacramentum.) O ato se converte em
sacramento, quando realizado em acordo com a instituição de Cristo. Embora
a aplicação da água seja importante, é realmente a Palavra de Cristo ligada à
aplicação que torna o Batismo "uma lavagem da regeneração e da renovação
do Espírito Santo".
É dupla a natureza dessa Palavra de Cristo. Em primeiro lugar, é uma
ordem. (Mt 28.19: "Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações,
batizando-os.") Assim como deviam ir, os apóstolos também deviam fazer
discípulos, batizando. É, pois, bastante clara a ordem de batizar.
Em segundo lugar, a Palavra divina ligada ao Batismo é uma promessa.
(Mt 28.19: "em nome [eis to ónoma] do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.")
Essas Palavras expressam que o Batismo não constitui uma cerimônia vazia,
mas um meio da graça eficaz pelo qual a pessoa batizada entra (pela fé,
naturalmente, e não apenas ex opere operato) em comunhão com o Deus triúno.
As Palavras são, por conseguinte, uma promessa mui graciosa e, como tais,
explicam por que os apóstolos podiam "fazer discípulos, batizando".
A promessa batismal está mais claramente estabelecida em Mc 16.16,
como vemos:
"Quem crer e for batizado serd salvo." Em Rm 6.4, a promessa é
apresentada de modo ainda mais definido: "Fomos sepultados com Cristo na
morte pelo Batismo." (na morte de Cristo) Em G1 3.27, Paulo declara que
todos quantos foram batizados em Cristo já se revestiram de Cristo, a saber,
de sua justiça e seus méritos. (justificação)
Define-se, portanto, corretamente o Batismo como água compreendida
no mandamento divino e ligada com a divina promessa de remissão dos
pecados, vida e salvação.
Tem-se mostrado (Tertuliano, De Bapt., c. 5) que algumas religiões pagãs
dispunham de batismos por elas mesmas estabelecidos (Sacris quibtrsdam
[nationes exterae] per lavacrum initiantur Isidis alicuius aut Mitharae.) Esses
batismos eram de feitura humana e, portanto, ineficazes; todavia Cristo, o
Senhor onipotente, onisciente, estabeleceu por sua ordem divina o verdadeiro
Dogmhtica Cristã
- -
obra que nós realizamos para Deus (não como cumprimento de uma obrigação),
mas, pelo contrário, como obra de Deus em que ele age conosco e nos abençoa.
"Não se trata aqui de uma obra feita por nós, mas de um tesouro que ele nos
dá. " (Lutero, Catecismo Maior: DO Batismo).
O Batismo não confere nada além do que também o Evangelho oferece
e transmite: opera remissão dos pecados (At 2.38), lava o pecado (At 22.16),
santifica e purifica. (Ef 5.26), regenera e salva. (Tt 3.5; 1 Pe 3.21; etc.) Além
disso, o que o Espírito Santo faz pelo Evangelho, operando e fortalecendo a fé
(Rm 116; 1 Co 2.4), também faz pelo Batismo. (1 Pe 1.23; T t 3.5) Com efeito,
o Batismo confere todas as bênçãos divinas espirituais exatamente por ser
água ligada às promessas evangélicas da graça e salvação. Assim como são
eficazes sempre que ouvidas e lidas, essas promessas divinas também o são,
quando aplicadas no Batismo. "Tamanho é o poder que a Palavra transmite
ao Batismo, que o mesmo é um banho de regeneração." (Lutero, Catecismo
Maior: DO Batismo)
A diferença distintiva entre Batismo e Evangelho, em geral é esta: que o
divino oferecimento individual da graça no santo Batismo, por intermédio de sua
aplicação pela água à pessoa individual, torna-se Palavra visível (Verbum visibile).
Com razão, comenta a Apologia (Art. XIII, 5): 'Rssim, porém, como a Palavra
entra nos ouvidos para tocar os corações, assim o rito entra nos olhos a fim de
mover os corações. O mesmo é o efeito da Palavra e do rito, como preclaramente
disse Agostinho: que o sacramento é verbo visível; porquanto o rito é recebido
pelos olhos e é como que pintura do verbo, significando o mesmo que a Palavra.
Razão por que é idêntico o efeito de um e outro."
A verdade que se acaba de afirmar deve ser mantida tanto contra os
romanistas como contra os calvinistas. Os papistas realmente ensinam que,
pelo Batismo, se confere graça à pessoa batizada (gratia ilzfusa), todavia erram
ao sustentar que isso sucede ex opere operato, isto é, sem fé por parte da pessoa
batizada. Contra esse erro, testifica a Apologia (XIII, 18ss): "Isso de julgar
que somos justificados por uma cerimônia, sem movimento bom do coração,
isto é, sem fé, simplesmente é opinião judaica. [...I Assim ensinamos nós que
no uso dos sacramentos deve aceder-se a fé que creia essas promessas e recebe
as coisas prometidas, que são oferecidas no sacramento. [...I Inútil a promessa
a menos que recebida pela fé."
O Concílio de Trento (Sess. VII, Cân. 8) amaldiçoa expressamente a
doutrina escriturística (Rm 4.11) segundo a qual a graça divina oferecida nos
sacramentos é recebida apenas pela fé. A Igreja Católica torna, assim.
impossível aos seus adeptos a obtenção da graça, visto que as Sagradas
Escrituras ensinam que a fé é o único meio eficaz pelo qual se pode adquirir
remissão dos pecados, vida e salvação. (Mc 16.15,16; Rm 4.20-25) Sua doutrina
do Batismo não se destina a conferir graça, mas a privar o pecador da graça.
Não se destina a confortá-lo, mas a incutir nele o monstrum incertitudinisgratiae.
A Doutrina do Santo Batismo
dogmáticos declaram que tais "adultos recebem aumento naqueles dons por
meio do Batismo" (Gerhard), visto que são confirmados e mantidos em sua fé
pela confirmação batismal da promessa do Evangelho. O Batismo, tal qual o
próprio Evangelho, a semente da regeneração (1 Pe 1.23), não gera a fé só na
hora da conversão, mas continuamente. (Rm 10.17)
Todas as demais bênçãos do santo Batismo, tais como a santificação ou
o renascimento contínuo começado no Batismo (Tt 3.5), a crucificação da
velha natureza, a justificação da nova natureza (Rm 6.9-6), etc., resultam da
justificação e regeneração que o mesmo opera. Assim também nossa
implantação no corpo de Cristo, que se efetua pelo Batismo (1 Co 12.13), é o
concomitante necessário de sua transmissão da fé e operação do perdão dos
pecados. Escreve Lutero: "Por isso, se vives em arrependimento, estás andando
no Batismo, que não significa apenas semelhante vida nova, mas a produz,
começa e mantém em andamento. No Batismo se proporciona graça, espírito
e poder para subjugar o velho homem, de modo a poder surgir e fortalecer-se
o novo." (Lutero, Catecismo Maior: -Do Batismo) Por conseguinte, é o Batismo
que nos torna capazes de manter o nosso voto batismal.
Em relação com o Batismo, os dogmáticos luteranos debateram,
também, a questão sobre se seria admissível afirmar a existência de rnateria
coelestis (elemento celestial) nesse sacramento, bem como na Santa Ceia a
materia coelestis é o corpo e sangue de Cristo. Enquanto que alguns levavam
a questão pelo lado afirmativo (Gerhard, Calov, Quenstedt; "A materia coelestis
no Batismo é a Palavra de Deus, o Espírito Santo, o sangue de Cristo, a
Santíssima Trindade", etc.), já outros (Baier, etc.) sugeriam que seria melhor
não se falar em materia coelestis no Batismo, especialmente por não se poder
chamar o Espírito Santo, a Palavra, a Santíssima Trindade, etc., materia coelestis
mas apenas em sentido lato (Hollaz). O
em sentido restrito (stricte loq~endo)~
ponto foi atingido em cheio; pois que não há: no Batismo, um elemento que
corresponda ao corpo e sangue do nosso Senhor na Santa Ceia.
Entre a Palavra e a água no Batismo, há uma tão íntima união que não
devemos fazer distinção entre baptismus internus et externus. "Há só um Batismo
e uma lavagem. " (Artigos da Vlsitação Saxônica ; Triglotta, p. 1153). Cf. também
[Rejeitamos a doutrina falsa e errônea dos calvinistas segundo a qual] "o
Batismo é uma lavagem externa com água pela qual se dá unicamente a
entender uma lavagem [ablução] dos pecados". (Artigos da Visitação Saxônica;
Triglotta, p.1155)
4. O Uso DO BATISMO
Enquanto que a Santa Ceia deve ser usada com freqüência pelos crentes
(1 Co 11.26), a Escritura em parte nenhuma ordena que se aplique o Batismo
a uma e a mesma pessoa mais do que uma vez. Ao contrário, o Batismo, uma
Dogmática Cristá
vez aplicado, deve confortar e exortar o crente durante toda a sua vida. (1 Pe
3.21; C1 3.26,27; Rm 6 . 3 s ) Por esse motivo, os apóstolos em o Novo
Testamento lembram aos cristãos reiteradamente o seu Batismo (1 Co 2.1 1,12;
Tt 3.5,6; 1 Pe 3.21; etc.), e os incitam a atentar não só para o seu doce conforto,
mas também para a sua grande importância na santificação. Baptismus semper
exercendus est. (Lutero, Catecismo Maior: Do Batismo, 65)
O arrependimento diário do cristão fiel (poenitentia stantium) nada mais
é que o constante retorno penitente ao concerto de graça que Deus
estabeleceu com ele no Batismo, ou seja, a apreensão contínua pela fé das
graciosas promessas de remissão, vida e salvação a ele oferecidas e transmitidas
nesse precioso sacramento. Assim também o arrependimento dos que
apostataram da fé cristã @oenitentia lapsorum) é apenas um retorno ao seu
Batismo (reditus ad baptismum), não um agarrar-se por parte deles à "segunda
tábua" (secunda tabula) da penitência papista (satisfactio operis). O ministro
cristão deve sempre incutir essa verdade nos seus ouvintes, especialmente
quando chamado a instruir e confirmar os catecúmenos.
A confirmação não é "confirmação do Batismo" tampouco "um
sacramento que suplemente e complete o Batismo", porém unicamente
profissão pública de lealdade ao Deus verdadeiro, que, no Batismo, estabelece
o seu concerto de graça com as pessoas. É a resposta pública do crente ao seu
Batismo, ou seja, sua confissão púb!ica de Cristo, que o purificou no Batismo.
(Ef 5.26; Mt 10.32) A confirmação, naturalmente, não foi instituída por Cristo;
todavia a conservamos como costume cristão louvável e útil (contudo não
como sacramento), por lembrar ao crente, de maneira tão vívida, o seu Batismo
e a transcendente graça que Deus lhe concedeu naquele sacramento de valor
inestimável.
5. A QUEM A IGREJA
DEVE
BATIZAR
BAJTISMI)
(OBIECTUM
As Sagradas Escrituras ensinam que tanto adultos como crianças devem
ser batizados. Com respeito aos adultos, a Escritura faz ver expressamente
que só devem ser batizados os que crêem em Cristo e o confessam. (At 2.41;
8.36-38) As crianças serão batizadas se forem trazidas a nós para o Batismo
pelos pais ou por pessoas que tenham autoridade paterna sobre as mesmas.
(Mc 10.13-16) A Igreja Luterana tem condenado sempre a praxe papista
antibíblica de batizar crianças sem o conhecimento ou contra a vontade dos
pais (Batismo às ocultas). Batizamos, por isso, apenas as crianças que são
apresentadas para o Batismo pelos que têm autoridade paterna sobre elas.
r ,
A respeito das crianças, filhos de cristãos fiéis que morrem sem Batismo,
o melhor é recomendá-las à infinita misericórdia de Deus, que tem poder
para operar a fé também sem os meios da graça ordenados. (Lc 1.44, cf. com
Lc 1.15; cf. também as crianças de sexo feminino no Antigo Testamento, que
não eram circuncidadas.) Já, com respeito às crianças dos incrédulos e pagãos,
não ousam afirmar que se salvem. (Ef 2.12) Defrontamo-nos aqui, ao
contrário, com os insondáveis juízos de Deus (Rrn 11.33), a cujo respeito a
Fórmula de Concórdia nos adverte "que não devemos com nossos pensamentos
tirar conclusões, deduzir nem esmerilhá-10". (Fórmula de Concórdia, Epítome
XI. Da eterna presciência de Deus)
O batismo de todas as res iizanimatae (sinos, navios) é escárnio do santo
Batismo e deve receber enfática desaprovacão da parte de todos os cristãos
sinceros.
Partindo de 1 Co 15.29, não se pode argumentar que o Batismo possa
ser realizado em favor daqueles que morreram sem esse sacramento (mórmons).
A preposição grega lzyper, nesta passagem, tem, sem dúvida alguma, significado
local, e não vicário. Enquanto que o "Batismo pelos mortos" era praticado por
alguns hereges, a história eclesiástica não refere nenhum exemplo em que
estivesse em uso no seio da antiga Igreja Cristã. Rejeitamos, portanto, essa
praxe como anticristã. Que o justo viverá pela sua fé e não pela de outrem é
doutrina clara da Escritura (Mc 16.16; Jo 3.15-18) e, em si mesma, um
argumento concludente contra essa praxe herética.
(CAUSA BAPTISMI)
MINISTERIALIS
Do modo como todas as bênçãos espirituais que Cristo adquiriu por
sua morte vicária pertencem a todos os crentes (1 Co 3.21-22) direta e
imediatamente (isto é, sem a mediação de um estado clerical), assim também
o Batismo. Por isso mesmo, torna-se fácil a pergunta quanto a quem deva
administrar o sacramento do Batismo (ministrantes do Batismo). Na ausência
de pastores chamados e ordenados, todo cristão fiel tem não só o privilégio,
como também o dever de batizar. (Batismo de emergência; Batismo laical)
Nas congregações cristãs organizadas, os pastores chamados e ordenados, em
virtude do seu ofício, ministram o sacramento em nome dos crentes que os
chamaram. Os calvinistas, que desaprovam o Batismo feito por leigos,
especialmente por mulheres, afirmando que só ministros ordenados podem
ministrar este sacramento com direito, vão além da Escritura, na verdade,
contra a mesma. (1 Co 3.21) A verdadeira razão por que tomam essa atitude
é que crêem erroneamente não ser necessário o Batismo, visto a salvação não
depender de "batismo de água", mas da graça da eleição e do concerto divino.
(cf. Alting, Syllabus Controversiauum etc., p.263; cf. Pieper, Chuistl. Dogmatik,
A Doirtvina do Santo Batismo
DO BATISMO
7. A NECESSIDADE
Embora o Batismo não seja um adiáforo, mas uma instituição e ordenação
divina, não podemos considerá-lo absolutamente necessário no sentido de
que ninguém que não tenha recebido esse sacramento possa obter o perdão
dos pecados. "ATecessitas baptismi non est absoluta." A razão dessa afirmação é
que a pregação do Evangelho já oferece graça divina com perdão dos pecados,
vida e salvação de maneira tão completa e perfeita, que todo aquele que crê
nas suas promessas está de posse de todas as bênçãos espirituais.
Lutero e todos os dogmáticos Iuteranos mantiveram firmemente essa
verdade contra os teólogos papistas, que procuraram provar a necessidade
absoluta do Batismo, embora alterassem um pouco a sua doutrina. Eles
ensinaram que todas as crianças que morrem sem Batismo sofrem apenas
negativamente (poena damni, isto é, não verão Deus), e não positivamente
(poena sensus, isto é, não padecerão os tormentos dos condenados). A alegação
de Hodge de que os teólogos luteranos também ensinariam a necessidade
absoluta do Batismo (Outlines, p.502) desconhece o fato de que constitui
doutrina verdadeiramente luterana que "não é a falta, mas o desprezo do
Batismo que condena." (Contemptus sacramenti damnat, non privatio.)
Embora a Igreja Luterana confessional sempre tenha ressaltado a
necessidade absoluta da fé na remissão dos pecados por amor de Cristo (sola
fide), jamais ensinou a necessidade absoluta do Batismo. Àqueles que, a partir
de Jo 3.5, procuram provar a necessidade absoluta do Batismo, respondemos
que Cristo aqui repreendeu o desprezo farisaico do Batismo, considerando
que nos é relatado expressamente que os fariseus e doutores da Lei "rejeitaram,
quanto a si mesmos, o desígnio de Deus, não tendo sido batizados por ele"
(João Batista). A respeito de "todo o povo que o ouviu e até os publicanos",
os santos escritores, no entanto, declaram que "tendo sido batizados com o
Batismo de João, reconheceram a justiça de Deus" (isto é, reconheceram o
conselho divino da salvação - Lc 7.29,30). Como Cristo, nós também devemos
insistir na necessidade do Batismo (necessitas praecepti; necessitas medii) frente
a todos os que zombam desse santo sacramento. Repitamos as Palavras de
nosso Senhor: "Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no
Reino de Deus." Essa pregação enfática da Lei divina não deve ser enfraquecida
Dogmática Cristã
- -
sob pretexto algum, quando tivermos de tratar com pessoas que manifestam
desprezo ao Batismo.
BATISMAIS
8. SOBRECOSTUMES
É válido todo ato batismal em que se aplica água à pessoa em nome do
Deus triúno. Contudo, no decorrer do tempo, muitos costumes e cerimônias
se ligaram a esse importante sacramento. Gerhard (Locus de Baptismo, $ 258-
269) divide esses costumes em três categorias, a saber, a) Aqueles que se
baseiam no mandamento divino. b) Aqueles que foram estabelecidos pelos
apóstolos. c) Aqueles que foram acrescentados posteriormente.
Falando-se de costumes e cerimônias batismais, contudo, cumpre-nos
excluir todos os atos ordenados por Deus (a aplicação da água em nome do
Deus triúno) e considerar somente os usos que se multiplicaram com o correr
dos tempos no seio da Igreja. O que Deus estabeleceu por divino mandamento
não está num mesmo nível com o que foi acrescentado pelos homens.
Segundo o Dr. C. F. W. Walther (Pastorale, p.l30ss), estes são os costumes
e cerimônias reconhecidos do Batismo: a) a referência ao pecado original; b) a
indicação do nome; c) o chamado "pequeno exorcismo"; d) o sinal da cruz; e)
uma oração e a bênção; f) o "exorcismo maior"; g) a leitura de Mc 10.13-16;
h) a imposição das mãos; i) o Pai-Nosso; j) a renúncia e o Credo Apostólico; 1)
o uso de padrinhos; m) a cobertura da criança com o manto batismal; n) a
bênção final. Todos esses usos são, em si, apenas res indiferentes (adiáforo),
que se podem empregar ou omitir sem prejudicar o ato batismal; não obstante,
conforme observa com propriedade a Fórmula de Concórdia (Epít. X, 3),
"convém evitar aqui toda leviandade e escândalo, e particularmente mostrar,
com todo empenho, consideração para com os fracos". (1 Co 8.9; Rm 14.13)
A referência ao pecado original é importante; pois que, chamando a
atenção para esse pecado, faz-se ver a necessidade do santo Batismo. A
indicação do nome é tão confortante quanto exortativa; visto que, por um
lado, lembra à pessoa batizada que, por Deus haver estabelecido o seu concerto
com ela, é chamada desta maneira pessoalmente pelo nome. Ela pode, assim,
consolar-se sempre com a certeza da graça batismal quando vem a lembrança
dos seus pecados. Por outro, é convidada a andar continuamente em novidade
de vida, o que significa a lavagem da água pela Palavra. (Rm 6.4) O exorcismo
foi, em geral, abandonado por completo. Onde ainda é conservado, faz-se
necessário cuidado em demonstrar que o mesmo não se refere a qualquer
obsessão corporal, mas à servidão espiritual em que Satanás, por natureza,
mantém todas as pessoas. (Ef 2.2,3)
Considerando que o uso de padrinhos traz, muitas vezes, embaraços
ao ministro cristão, ele fará bem dando a necessária instrução neste particular
em tempo oportuno. Não é preciso dizer que só irmãos na fé podem ser
solicitados a preencher as obrigações de padrinhos (por exemplo, a educacão
cristã da criança em caso de morte dos pais), de modo que, nas igrejas luteranas,
somente irmãos luteranos podem servir como padrinhos. Os amigos não-
luteranos da pessoa batizada podem servir apenas como testemunhas do ato
sagrado do Batismo. Se essas pessoas não-luteranas forem inimigos professos
da fé verdadeira, não devem ser admitidas nem mesmo como testemunhas,
pois mais tarde poderão impedir a pessoa batizada em sua fé cristã. (1 Co
15.33) Caso não haja, entre as pessoas convidadas a servir como padrinhos,
ninguém que possa ser admitido como padrinho, o pastor, tratando-os todos
como simples testemunhas, não os deve obrigar a preencher os deveres de
verdadeiros padrinhos cristãos. A doutrina católico-romana, segundo a qual
os padrinhos entrariam em relação espiritual com a pessoa batizada, não se
baseia na Escritura, mas em tradição antiescriturística.
A renúncia (abrenu~tiatioSatanae) em conexão com o Credo Apostólico
faz ver o efeito do santo Batismo. Por esse meio da graça, a pessoa batizada é
transplantada do reino de Satanás para o de Jesus Cristo, nosso Senhor. (Jo
3.5) As perguntas feitas a esta altura são endereçadas ao neófito, não aos
padrinhos, embora estes as respondam em nome da criança; porquanto quem
é batizado (inclusive também as crianças) é batizado segundo a própria fé, e
não segundo a fé de seus padrinhos ou segundo uma fé potencial Futura.
O próprio Batismo opera essa fé como meio de renascimento (Tt 3.5),
pelo Evangelho (Rm 1.16,17), ao qual está ligado. (Mc 16.15,16) Onde o
Evangelho é proclamado, o Espírito Santo está presente para operar a fé e o
renascimento. (1 Co 2.4, 5; Rm 10.17; Tg 1.18; 1 Pe 1.2-5)
A Escritura ensina claramente que a graça de Deus oferecida nos meios
conferentes (media dotiká) é apreendida unicamente pela fé como meio receptor
(medium leeptikón), de modo que devemos rejeitar como erro pernicioso
qualquer doutrina que afirma o Batismo ex opere operato (At 16.31; Rm 1.16,17),
ou seja, sem fé.
Que também as crianças (ta brephee) podem crer evidencia-se das
próprias Palavras de Jesus. (Mt 18.6; Lc 18.15s~;2 Tm 3.15)
Falando do Batismo de crianças em geral, Lutero declara corretamente
(S. L., XI, 497): "O Batismo e consolo das crianças estão nas Palavras: "Deixai
vir a mim os pequeninos e não os embaraceis, porque dos tais é o Reino de
Deus." Ele o disse e não mente. Por isso, deve ser coisa correta e cristã trazer-
lhe as criancinhas. Isso não pode suceder senão no Batismo. Portanto, também
deve ser coisa certa que as abençoe e dê o Reino dos céus a todas as que assim
váo ter com ele, segundo rezam as Palavras: "Dos tais é o reino de Deus."
Falando de modo mais explícito acerca da fé das crianças, Lutero
argumenta còm razão que podemos estar mais seguros da fé das crianças do
que da dos adultos, porque estes podem resistir-lhe propositadamente, ao
Dogmática Cristã
passo que tal resistência proposital não se acha nas criancinhas. (S. L., IX,
496ss)
Se alguém fizer a objeção de que seria um tanto estranho requerer
profissão de fé da criança e, em seguida, exigir resposta dos padrinhos,
respondemos que isso constitui confissão pública de nossa sincera crença de
que a criança realmente possui fé, embora seja incapaz de fazer profissão
pública da mesma. Tanto mais necessária se faz essa confissão, porque há
tantos que negam que as crianças possam ter fé verdadeira (Mt 18.6), ainda
que aleguem ser cristãos fiéis (calvinistas).
A sugestão de que realmente se façam aos adultos as perguntas: "Crês
em Deus Pai, Filho e Espírito Santo+" etc., mas não às crianças, respondemos
que a Igreja não tem duas espécies de Batismo (Algumas seitas: as crianças
são "borrifadas", ao passo que os adultos são "batizados", isto é, imersos.),
mas, conforme S. Paulo declara, apenas um. (Ef 4.5: "Um só Senhor, uma só
fé, um só Batismo.") (cf. S. L., IX, 490)
A pergunta: "A que altura no ato batismal a fé é gerada na criança<" não
nos deve preocupar muito. É como Lutero considera a pergunta. É seu
argumento que tragamos as criancinhas ao Batismo em obediência à ordem
de nosso Senhor, não importa que creiam "antes ou em qualquer momento
durante o Batismo". (S. L., SI, 489) Uma vez que há a ordem divina (Mc
10.13-16; C1 18.15-17), devemos levar nossos filhinhos a Jesus e confiar em
que ele os abençoará, quando e como lhe aprouver. (S. L., SI, 495)
Como nenhuma cerimônia humana faz parte do Batismo e, por
conseguinte, não traz, em si, nenhuma promessa divina, é correto afirmar
que a fé é gerada no momento em que se aplica a água em nome do Deus
triúno. Se, antes deste ato solene, se faz à criança a pergunta: "Crês em Deus
Pai, Filho e Espírito Santo<" isso é feito por antecipação, a fim de conferir
destaque especial à verdade escriturística e à confissão segundo a qual o
Batismo é realmente medium iustiflcationis, ou seja, meio de regeneração, pelo
qual se gera a fé.
Em conclusão, queremos observar que a doutrina escriturística da fé
infantil constitui um teste da fé da pessoa na Palavra de Deus. Se, nesse particular,
consultarmos a razão, negaremos que as criancinhas possam crer e, à imitação
dos discípulos equivocados, repreenderemos os que levam as crianças a Jesus
para serem batizadas. (Lc 18.15) Contudo, neste caso, Jesus "indigna-se"
também conosco e, repreensivo, nos ordena: "Deixai vir a mim os pequeninos
e não os embaraceis, porque dos tais é o Reino de Deus." (Mc 10.14) Realmente
nos adverte também de que não entraremos no Reino de Deus, a menos que o
recebamos "como uma criança". (Mc 10.15) Também com respeito à fé das
crianças regeneradas, Cristo nos exorta: "Não sejas incrédulo, mas crente. [..I
Bem-aventurados os que não viram e creram." (Jo 20.27-29)
A Doutrina do Santo Batismo
DE JOAO BATISTA
9. O BATISMO
Nossos dogmáticos luteranos (Chemnitz, Gerhard, Aegidius Hunniys,
etc.) sempre identificaram o Batismo de João com o da Igreja Cristã no tocante
à sua finalidade e eficácia. Os teólogos modernos censuram esta "identificação
essencial e completa" de ambos. (Tomási, Dogmatik, IV, 10) Todavia, nossos
antigos dogmáticos basearam seu ensinamento em razões firmes da Escritura;
pois que, segundo a Escritura, o Batismo de João era meio da graça verdadeiro,
possuindo tanto a vis dativu como a vis effectiva do Batismo cristão.
O evangelista relata-nos expressamente que João pregou o "Batismo do
arrependimento para remissão dos pecados" (Mc 1.4; Lc 3.3), exatamente
como Pedro, por ocasião do Pentecostes. Seguindo as instruções de nosso
Senhor, pregou o Batismo "para remissão dos pecados". (At 2.38) Por esse
motivo, o Batismo de João deve ser considerado idêntico ao que Cristo
instituiu tempos depois, conforme afirmam corretamente os nossos
dogmáticos mais antigos.
Visto que João Batista foi o pregador do caminho de Cristo e apareceu
em nome do Senhor (Lc 1.76-79), seu Batismo não foi menos por ordem
divina que sua pregação. (Jo 1.32-36; 5.33-35) Conseqiientemente, o Batismo
de João também era "água compreendida no mandamento divino e ligada
com a Palavra de Deus" e, como tal, legítimo meio da graça.
Atualmente, a questão certamente não tem nenhuma importância
prática, visto que o Batismo de João já não está em vigor. Todavia, a Igreja
Cristã primitiva teve de tomá-lo em consideração, e a Escritura refere um
exemplo em que "alguns discípulos" que haviam sido batizados "no Batismo
de João", foram, por instigação de Paulo, "batizados em nome do Senhor Jesus".
(At 19.1-6) A razão por que isso foi feito é bastante evidente. Embora o Batismo
de João fosse sacramento legítimo, só era válido durante o tempo da
preparação, até que Cristo aparecesse e completasse a sua obra. Depois do
Pentecostes, o Batismo de João, portanto, já não tinha valor algum, assim
como o sacramento da circuncisão do Antigo Testamento, embora ainda
praticado pelos cristãos judeus, se converteu em simples cerimônia.
(Kretzmann, Popular Commentary, Vol. 1, 630)
Além disso, provavelmente não agiremos mal, admitindo que aqueles
"alguns discípulos" em Éfeso não foram batizados pelo próprio João, mas por
alguns seus adeptos, que desprezaram a ordem de seu mestre de se unirem a
Jesus como "Cordeiro de Deus" que era. (Jo 1.35-37; Mt 9.14,15; Lc 5.33) Os
"discípulos de João", por se recusarem a aceitar Jesus como o Salvador
prometido, degeneraram em seita judaica, de sorte que o seu Batismo já não
era "Batismo de João", mas ímpio "Batismo de oposição". (At 19.2: "Nem
mesmo ouvimos que existe o Espírito Santo"; cf. com Jo 1.33: "Esse é o que
batiza com o Espírito Santo.") O testemunho de João acerca de Cristo
evidentemente já não era conhecido deles.
Dogmática Cristã
2. A RELAÇAO
ENTREA CEIAE OS MEIOS
DEMAIS DA GRAÇA
Assim como o Evangelho em sentido próprio e o santo Batismo são
meios de justificação e remissão dos pecados (rnedium iustificationis sive
remissionis peccatorum), também o é a Santa Ceia. Isso quer dizer que a Santa
Ceia não é lei ou obra que as pessoas realizassem para Deus, porém puro
Evangelho ou obra muito graciosa pela qual Cristo trata com as pessoas,
oferecendo a todos os comungantes a graça e os méritos que obteve para o
mundo mediante a sua morte na cruz. E, pois, a Santa Ceia legítimo meio da
graça, pelo qual o Espírito Santo assegura a todos os comungantes que possuem
um Deus gracioso que lhes perdoa os pecados de graça por amor de Cristo.
Essa verdade é ensinada nas palavras da instituição: "Tomai, comei;
isto é o meu corpo, que é dado por vós"; e: "Bebei dele todos; porque isto é o
A Doutrina da Santa Ceia
ENTREA CEIAE
2. A RELAÇAO OS DEMAIS DA GRAÇA
MEIOS
Assim como o Evangelho em sentido próprio e o santo Batismo são
meios de justificação e remissão dos pecados (medium iustificationis sive
remissionis peccatorum), também o é a Santa Ceia. Isso quer dizer que a Santa
Ceia não é lei ou obra que as pessoas realizassem para Deus, porém puro
Evangelho ou obra muito graciosa pela qual Cristo trata com as pessoas,
oferecendo a todos os comungantes a graça e os méritos que obteve para o
mundo mediante a sua morte na cruz. E, pois, a Santa Ceia legítimo meio da
graça, pelo qual o Espírito Santo assegura a todos os comungantes que possuem
um Deus gracioso que lhes perdoa os pecados de graça por amor de Cristo.
Essa verdade é ensinada nas palavras da instituição: "Tomai, comei;
isto é o meu corpo, que é dado por vós"; e: "Bebei dele todos; porque isto é o
A Doutrina da Santa Ceia
3. A DOUTRINA
ESCRITURÍSTICA
DA SANTACEIA
A respeito da Santa Ceia têm-se ensinado na cristandade as seguintes
três doutrinas:
a. Há, na Santa Ceia, apenas corpo e sangue de nosso Senhor Jesus
Cristo, vale dizer: na eucaristia, o pão e vinho transformam-se
(transubstanciam-se) e m corpo e sangue de nosso Senhor
(transubstancia~ão;estabelecida pelo Concílio Latrão de 1215 como
dogma da Igreja Católica Romana e confirmada pelo Concílio de
Trento, Sess. XIII, Cân. 2.)
b. O pão e vinho são, na Santa Ceia, apenas símbolos ou meros sinais
do corpo e sangue ausentes de Cristo ("Abesse Christi corpus et
sanguinem a signis tanto intervallo dicimus, quanto abest terra a b
altissimis coelis"; cf. A Fórmula de Concórdia, Decl. Sól., VII, 4. 5;
também o Consensus Tigurinus, XXII, Niemeyer, p.196, em que se
rejeita a doutrina luterana como "absurda".)
c. Dá-se, na Santa Ceia, por virtude da instituição de Cristo, uma união
peculiar (a união sacramental) entre o pão e o vinho, de um lado e,
do outro, o corpo e sangue de Cristo e, por causa dessa união, todos
os comungantes (manducatio generalis) recebem em, com e sob o
pão e o vinho, de maneira sobrenatural, incompreensível, o verdadeiro
corpo e sangue de Cristo (manducatio oralis) como penhor da graciosa
remissão dos seus pecados.
Essa união não é pessoal, como é a união das duas naturezas em Cristo,
nem mística (unio mystica), como a que existe entre Cristo e o crente, mas
sacramental. Vale dizer que a unio sacramentalis só se dá na Santa Ceia
(praesentia sacramentalis). Não é natural nem local, porém sobrenatural e
incompreensível, todavia real.
Essa doutrina tem sido sempre mantida pelo luteranismo confessional
como doutrina legítima da Escritura. É exposta no Catecismo Menor de Lutero:
"É o verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue de nosso Senhor Jesus Cristo,
para ser comido e bebido por nós cristãos sob o pão e o vinho, instituído por
Cristo mesmon. Na Confissão de Augsburgo (Art. X ) : "Da ceia do Senhor se
ensina que o verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue de Cristo estão
verdadeiramente presentes na ceia sob a espécie do pão e do vinho e são nela
distribuídos e recebidos. Por isso, também se rejeita a doutrina contrária". Na
A Doutrina da Santa Ceia
Fórmula de Concórdia (Epít., VII, 6,7), lemos: "Cremos [...I que na Santa Ceia
o corpo e o sangue de Cristo estão verdadeira e essencialmente presentes e
são verdadeiramente distribuídos e recebidos com o pão e vinho. Cremos [...I
que as palavras do testamento de Cristo não devem ser entendidas de nenhuma
maneira, senão em seu sentido literal, de forma que o pão não significa corpo
ausente e o vinho o sangue ausente de Cristo, mas, em virtude da união
sacramental, são verdadeiramente o corpo e sangue de Cristo."
Se compararmos os três dogmas com as Sagradas Escrituras, vamos descobrir
que, na verdade, apenas a doutrina luterana pode ser comprovada como escriturística.
Paulo demonstra que a transubstanciação não ocorre na Santa Ceia, em 1 Co
11.27; 1 Co 10.16. Ali ele declara que os elementos terrenos (pão e vinho) se
conservam como tais mesmo depois da consagração. A argumentação dos
romanistas segundo a qual apenas permaneceriam "a aparência e o sabor
externos"(visus et gustus corporeus), enquanto que a sua substância teria
desaparecido, é "sutileza sofística". Em 1 Co 10.16 e 1 Co 11.28, Paulo declara
exatamente o contrário. Ali ele fala do pão consagrado como ainda sendo pão, etc.
Lutero está com razão, quando diz (Os Artigos de Esmalcalde. Parte 111,
Art. VI - 5): "No que concerne à transubstanciação, temos em nada a sutil
sofistaria de ensinarem que pão e vinho abandonam ou perdem sua substância
natural, ficando apenas a aparência e a cor do pão, não pão verdadeiro. Pois
harmoniza-se perfeitamente com a Escritura que o pão esteja e permaneça
presente. O próprio São Paulo assim lhe chama: "O pão que partimos"; e: "E
assim coma do pão". (1 Co 10.16; 11.28)
Os erros papistas citados a seguir estão intimamente ligados à perniciosa
doutrina da transubstanciaçáo: do "sacrifício da missa", pelo qual o corpo de
Cristo "se oferece continuamente de modo incruento pelos pecados dos vivos
e dos mortos", da "adoração da hóstia" (a celebração do corpus Christi; os
congressos eucarísticos) e da sub una specie, isto é, a proibição do cálice aos
leigos. (cf. a doutrina preciosa da concomitância: juntamente com a hóstia
consagrada, o comungante recebe o corpo e o sangue de nosso Senhor.) Para
esses três erros papistas, não se acha, nas Sagradas Escrituras, sequer um
fragmento de comprovação. A Palavra de Deus está em estrita oposição aos
mesmos. (Hb 10.10-14; M t 26.27; 1 Co 11.24-26)
A doutrina reformada ("O corpo e o sangue acham-se ausentes da Santa
Ceia, todavia são recebidos espiritualmente, ou seja, pela fé".) é refutada pelas
palavras da instituição, onde Cristo diz claramente: Tomai, comei: isto é o
meu corpo; tomai, bebei: isto é o meu sangue". Nosso Senhor declara
expressamente que o pão que se come é o seu corpo e o vinho que se bebe é
o seu sangue. Afirma Chemnitz corretamente que, ao dizer Cristo: "Comei,
bebei", prescreve diretamente a maneira ou modo de recep~ão(modus sumptionis),
de sorte que realmente recebemos o seu corpo e o seu sangue com a boca
(recepção oral; manducatio oralis).
Dogmática Cristã
pela fé, porque pelo Espírito de Cristo, que está em toda a parte, nossos corpos,
nos quais o Espírito de Cristo habita aqui na terra, seriam unidos ao corpo de
Cristo, corpo esse que está no céu."
A acomodação de Calvino à terminologia luterana deu-se principalmente
com o objetivo de efetuar-se uma união protestante entre reformados e
luteranos. Está com a razão o Dr. Bente, quando diz: "A doutrina de Calvino
nada mais era que uma forma polida do tosco ensinamento de Zwínglio,
expressa em frases que se aproximavam o mais possível da terminologia
luterana". (Concórdia Triglotta, Introd. Hist., XVIII, p.174ss)
Contudo, enquanto os reformados concordavam acerca da doutrina
que o corpo de Cristo estaria ausente da Santa Ceia e, portanto, só seria
recebido espiritualmente pelo comungante crente, discordavam a respeito da
interpretasão das palavras da instituição. Carlstadt afirmava que o termo isto
não se referia ao pão, mas ao corpo do Cristo presente, que teria "apontado
para o seu próprio corpo" ao pronunciar as palavras da instituisão. ("Tenho
sempre explicado isto assim que Cristo apontou para o seu corpo ao dizer:
"Isto é o meu corpo." S. L., XX, 2325)
Zwínglio, por sua vez, explicou as palavras da instituição, tomando o
verbo é no sentido de significa (significat), de forma que a idéia seria: "Isto
significa ou representa o meu corpo."
Calvino, (Oecolampádio) procurou, nas palavras "meu corpo", a figura
de retórica, explicando-as da seguinte maneira: "O que vos dou é o sinal do
meu corpo (signum corporis)." Enquanto que a explicação de Carlstadt das
palavras da instituição foi logo rejeitada como absurda mesmo por doutores
reformados (Schenkel), a de Zwínglio e Calvino, embora igualmente arbitrária,
foi geralmente aceita.
Contra a argumentação de Zwínglio de que o verbo é teria o mesmo
sentido de significa, IZrauth declara corretamente (Cons. Ref, p.619): "A própria
linguagem cometeria suicídio, se pudesse tolerar a idéia de que o verbo é não
expressaria substância, mas símbolo." Sobre esse ponto confira-se também
Lutero (S. L., XX, 909ss; também Meyer sobre 1 Co 10.16, o qual, ainda que
favorecendo pessoalmente a interpretação reformada, declara: "Estí jamais
quer dizer outra coisa que est; jamais t e m o sentido de significat; é u m
copulativo, exprimindo sempre o que é (die Kopula des Seins)."
As passagens apresentadas por Zwínglio para comprovação de sua
doutrina (Jo 10.9; 15.5; 1 Co 10.4; Lc 8.11; M t 13.38; 11.14; G1 4.24) não
apóiam as suas pretensões. Quando, por exemplo, se diz que "Cristo é a porta",
o verbo é não tem o sentido de significa, mas de é; visto que, na esfera das
coisas celestiais, Cristo efetivamente é o que a porta é na esfera das coisas
terrenas. Em outras palavras, assim como a porta dá à pessoa acesso à casa,
Cristo dá á pessoa acesso ao céu. Conseqüentemente, a figura de retórica
A Doutrina da Santa Ceia
- -
(tropus) nas declarações citadas, não deve ser procurada no verbo é, mas no
nome predicativo (porta, rocha, vinho, etc.). Lutero está com a razão, quando
diz que nenhum homem pode jamais provar que numa única passagem da
Escritura, na verdade, em todas as línguas do mundo, o verbo é tem o mesmo
sentido de significa. (S. L., XX, 905ss)
Dr. Krauth escreve corretamente (Com. Ref, 618ss): "Dificilmente se
conceberá uma distorção de interpretação mais perigosa que a pretensão de
que se pode explicar a palavra é no sentido de significa ou é símbolo de. Sob
ação dela quase toda doutrina da Palavra de Deus se dissolveria. "O Verbo era
Deus" teria o sentido de: "O Verbo significava Deus, era dele um símbolo."
"Deus é Espírito" teria o sentido de: "Deus é símbolo de um espírito." Quando
se diz de Jesus Cristo: ['Este é o verdadeiro Deus", isto teria o sentido de que
ele teria o símbolo ou imagem do Deus verdadeiro. Cristo, por meio disso,
deixaria de ser o caminho, a verdade e a vida para ser simples símbolo deles.
[...I A criação, a redenção e santificação haveriam de, todas elas, fundir-se e
dissipar-se no cadinho dessa espécie de interpretação. Ela nos arrebataria a
Bíblia e oprimiria o peito com um pesadelo de correspondência, frio e pesado."
Entre os teólogos reformados que rejeitaram a interpretação de Zwínglio,
podemos citar IZecltermann (+ 1609) e João Piscator (+ 1625). Piscator assim
descreve: "Não pode haver tropo no copulativo é". (in copula EST non posse
esse tropum)
Contudo, não seria o caso, então, adotarmos a interpretação de Calvinoz
Calvino, segundo se disse anteriormente, interpretou as palavras da instituição
de modo a rezar: "Isto é o sinal do meu corpo (signum corporis). Em outras
palavras, ele afirmou que as palavras "meu corpo" e "meu sangue" devem ser
explicadas de modo figurativo. Em oposição a essa pretensão, os luteranos
afirmam que as palavras não admitem uma interpretação figurativa, porquanto
Cristo fala aqui do corpo que foi entregue a morte e do sangue que foi derramado
para remissão dos pecados. (Lutero, S. L., 1046ss)
Diz Hollaz: "Infere-se de pronto que na eucaristia não nos é dado a
comer com o pão consagrado um corpo típico ou corpo figurativo, qual foi o
corpo do cordeiro pascal que foi a sombra do corpo de Cristo e o prefigurou;
nem um corpo místico, que é a Igreja (Ef 1.23); nem o sinal de um corpo, pois
que este não foi crucificado por nós; porém o corpo verdadeiro e pessoal de
Cristo, que pertence ao Filho de Deus." (Doctr. Theol., p.561)
O mesmo Beza, calvinista decidido, afirmou que o termo corpo aqui não
pode figurar como sinal do corpo, porquanto Cristo descreve como matéria o
corpo que foi dado e o sangue que foi derramado. Por esse motivo, a palavra
corpo deve ser tomada como designativo do corpo verdadeiro, substancial ou
essencial de Cristo. (Beza, Hom. 2, De Coena: "Confiteor hic nullum tropum
esse, guia SIGNUM proprie EXPONI necesse fuit, ne FALLEREMUR."
Beza rejeitou, também, a explicação de que, nas palavras da instituição,
as palavras corpo e sangue indicariam o fruto e o efeito da morte de Cristo,
explicação essa que até mesmo Hodge adotou ("Receber o corpo e o sangue
conforme são oferecidos no sacramento E.] é receber e apropriar-se da virtude
ou efeitos sacrificais da morte de Cristo sobre a cruz." Syst. Theol,, 111, 646)
A respeito desse gênero de explicação, Beza declara: "Certamente seria
absurdo interpretar as palavras corpo e sangue em relação ao fruto e efeito da
morte de Cristo." (Epist. 5 ad Alemannum, p.57, ed. Genebra) O próprio Beza
rejeitou a doutrina da presença real que os luteranos tão energicamente
ensinaram, rejeitou, porém, igualmente a interpretação de Calvino como
absurda e impossível. (Cf. Christl. Dogmatik, 111, 368s)
O erro de Calvino é plenamente refutado por Paulo, que ensina (não
que a palavra corpo deva ser interpretada como sinal do corpo, mas) que o pão
é a comunhão (kainoonia) do corpo, e o cálice (o vinho) a comunhão do sangue
de Cristo (1 Co 10.16), de forma que "aquele que comer o pão ou beber o
cálice do Senhor, indignadamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor". (1
Co 11.27) Paulo também diz que "quem come e bebe, sem discernir o corpo,
come e bebe juízo para si". (1 Co 11.29) Essa explicação, fornecida por divina
inspiração, decide a questão de uma vez por todas e estabelece a verdade
tanto da união sacramental como da recepçáo oral.
Alguns teólogos reformados (Keckermann, Zanchi, Bucanus, etc.)
pretendiam que não se devesse procurar o tropo ou figura de retórica em
expressões particulares das palavras da instituição, mas, pelo contrário, em
toda a declaração ("Isto é o meu corpo"; "Isto é o meu sangue"). Sua explicação,
em última análise, no entanto, é a mesma que a de Calvino (PPani~est
symbolum sive signum corporis Christi.")
Não é preciso dizer que, se toda a declaração deve ser interpretada de
modo figurativo, então todas as palavras devem ser interpretadas em sentido
figurado, e não somente algumas. Krauth chama a atenção para isso, ao
escrever (Cons. Ref, p.608ss): "A palavra comer [os reformados] interpretam
literalmente. Não sabem dizer, porém, por que o comer não precisa ser
simbólico ou mental, para corresponder ao caráter simbólico ou mental do
corpo. Certamente há boa quantidade de casos do uso figurativo da palavra
comer, enquanto nenhum existe de uso semelhante da palavra é. Os quacres
são mais conseqüentes."
Em síntese, está claro que os reformados não dispõem de base
escriturística para a interpretação figurativa das palavras da instituição. A sua
doutrina baseia-se unicamente no axioma racionalista que (como diz Lutero
"o corpo de Cristo tem de estar num só lugar física e palpavelmente, como o
camponês está dentro do seu gibão e de suas calças" (S. L., XX,950. 1776),
somente o consideram de presença local e visível (localis et visibillis praesentia).
A Doutrina da Santa Ceia
4. A DOUTRINA DA INSTITUIÇAO
LUTERANAE AS PALAVRAS
Tem-se dito que as diferentes doutrinas concernentes à Santa Ceia
seriam apenas resultado das diversas "interpretações" das palavras da
instituição. Contudo, a doutrina luterana n ã o é propriamente uma
"interpretação" das palavras da instituição, mas apenas a simples e sincera
apresentação da doutrina escriturística exposta nessas palavras.
Os papistas necessitam realmente de muita "interpretação" para
demonstrar que o pão é transuhstanciado em corpo, que o cálice deve ser vedado
aos leigos (concomitância) e que todo o ato sacramental deve ser realizado
como sacrifício incruento pelos pecados dos vivos e dos mortos. Certamente, é
preciso u m bom bocado de distorção e "eisegese" para provar essas crassas
perversões de passagens claras da Escritura que ensinam o totalmente oposto.
(1 CO 10.16; LC 22.19, 20; H b 9.11-15)
Semelhantemente, os reformados, por suas muitas opiniões diversas,
deram provas de que, para eles, realmente é "canseira e enfado" estabelecer os
seus erros sobre a base da Escritura. Vêem-se obrigados a demonstrar mediante
muita "interpretação" penosa que as palavras "isto é o meu corpo dado por
vós; isto é o meu sangue derramado por vós" não significam o que dizem,
mas, pelo contrário, o que a razão rebelde de zwinglianos duvidosos quer que
digam, a saber, que a fé dos crentes deve elevar-se aos céus e lá se unir
espiritualmente a Cristo, cuja natureza humana, dizem, está encerrada no
céu.
Exige-se, especialmente, que eles forneçam uma explicação que dê outra
feição a 1 Co 10.16 e 11.27-29. Insistimos, além do mais, em que expliquem
por que Cristo não disse das palavras da instituição o que, segundo a versão
deles, deveria ter dito. Exigimos, a seguir, que expliquem por que a Santa
Ceia é, de qualquer maneira, necessária, se já não é mais do que um símbolo
de uma união da fé, que sucede também fora do sacramento. Em resumo,
eles se defrontam com a tarefa impossível de provar a ausência do corpo de
Cnsto. quando a Escritura ensina e comprova a presença real com tanta ênfase.
Os luteranos, ao contrário, tomam as palavras em seu sentido simples,
precisamente como se lêem, e confiam em que Cristo, que fez a promessa,
também será capaz de cumpri-la. Nessa tarefa, seguem a regra hermenêutica
respeitada em todas as épocas que não devemos afastar-nos do sentido literal
do texto, a menos que o próprio texto nos constranja a tanto. A doutrina
luterana fundamenta-se, pois, em base escriturística e se acha em consonância
não só com as palavras da instituição, como também com cada passagem da
Escritura que verse sobre a Santa Ceia.
Em oposição à alegação dos luteranos de que a sua doutrina repousa no
sentido literal das palavras da institui@o, os reformados (inclusive Hodge,
Syst. Theol., 111,662) levantaram a contra-alegação de que os luteranos também
"abriram mão do sentido literal" das palavras. Essa acusação baseia-se no fato
de os luteranos admitirem que "o cálice é empregado metonimicamente pelo
vinho no cálice". Respondemos a isso que, com efeito, admitimos essa
metonímia (sinédoque), sendo a coisa que contém ("este cálice") nomeada
em lugar da coisa nela contida; pois a mesma Escritura nos diz: "E todos
beberam dele." (Mc 14.23) Os discípulos não beberam a taça, mas o vinho no
cálice. Assim, a própria Escritura, nesse caso, estabelece a metonímia. Todavia,
esse ponto está fora de questão, visto que a interpretação literal em que os
luteranos insistem não se aplica à expressão cálice, mas, pelo contrário, às
declarações: "Isto é o meu corpo"; "isto é o meu sangue". O pão é realmente o
corpo de Cristo, e o vinho é o seu sangue, todavia não, como ensinam os
papistas, em virtude de transubstanciação, mas em virtude da união sacramental
(propter unionem sacramentalem).
Os reformados também procuram justificar sua acusação contra os
luteranos ("abriram mão do sentido literal"), reportando-se à sua explicação
'(em, com e sob". Contudo, o emprego dessa expressão não importa em
afastamento do sentido literal das palavras da instituição. É apenas uma
amplificação do sentido literal das palavras. Hodge faz o mesmo, quando
amplifica as palavras "que está no seio do Pai" (Jo 1.18) da seguinte maneira:
"que está, estava e sempre estará no seio do Pai". O que Hodge escreve aqui é
correto, e nenhum teólogo reformado nem luterano o acusaria nesse caso de
emprego de "linguagem figurada". A frase "em, com e sob" tem por finalidade
repudiar o erro papista da transubstanciação e afirmar, em oposição ao erro
dos reformados, a doutrina escriturística da união sacramental.
Hodge ainda baseia a sua acusação em outro ponto. Escreve: "Se as
palavras de Cristo se devem tomar IiteraImente, o corpo de Cristo já não é
pão; visto que ninguém asseveraria que a mesma coisa pudesse ser pão e
A Doutuirta da Santa Ceia
5. DIFERENTES
RELATOS DAS PALAVRAS
DA INSTITUIÇAO
Qualquer estudioso da Bíblia sabe que as palavras da instituição não
são citadas precisamente do mesmo modo por todos os escritores sacros. Os
exegetas modernos viram-se, por conseguinte, em grandes apuros para
determinar as palavras originais (ipsissima verba) que Cristo teria empregado
ao instituir o santo sacramento. Cremer, todavia, diz corretamente (RE. 3 I,
35): "Quais teriam sido as ipsissima verba não é possível determinar." Dos
diferentes relatos, no entanto, não devemos concluir que a Bíblia não seja
verbalmente inspirada (cf. Kahnis, Dogmatik, 7 I, 666ss), mas, pelo contrário,
Dogmática Cristã
6. Os ELEMENTOS
MATERIAIS
NA SANTA
CEIA
A Igreja Luterana confessa com a Igreja Cristã primitiva, "em acordo
com as palavras de Irineu, que, neste sacramento, há duas coisas, uma celeste
e uma terrena." (A Fórmula de Concórdia, Decl. Sól., VII, 14). 0 s elementos
celestes (materiae coelestes) são o verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue de
Cristo. Assim diz a Fórmula de Concórdia: "Com o pão e o vinho o corpo e o
sangue de Cristo estão verdadeira e essencialmente presentes, são oferecidos
e recebidos. E ainda que não crêem numa transubstanciação, isto é, numa
transforma@o essencial do pão e do vinho no corpo e no sangue de Cristo, e
também não mantêm que o corpo e o sangue de Cristo são inclusos no pão
localiter, isto é, totalmente, ou que em alguma outra maneira são
permanentemente unidos com ele à parte do uso do sacramento, concedem,
todavia, que pela união sacramental o pão é o corpo de Cristo etc."
Enquanto que, na Igreja primitiva, os hereges frequentemente
empregavam substitutos para o vinho (Encratites: leite, mel, suco de uva não
fermentado), a Igreja Cristã sempre condenou tais substitutos como
inadmissíveis. Não tem fundamento o argumento de que a expressão "fruto
da videira" é termo genérico, que abrange todos os produtos da videira e,
conseqüentemente, também o suco de uva, porquanto Cristo usou a expressão
em consideração como termo especial para vinho, que era empregado
invariavelmente pelos judeus nas suas festas sagradas. É bastante claro que a
expressão genneema tees ampelou é o grego correspondente a peri haggâphen
que os judeus ortodoxos ainda hoje empregam na consagração do cálice do
Kiddush ("Bendito és tu, Senhor, nosso Deus, Rei do universo, Criador do
fruto da videira": attâh jejâ elohênu melek hâôlâm bôrêh peri haggâphen.)
Jamais se teria feito objeção ao emprego de vinho na Santa Ceia, não
houvesse o fanatismo declarado condenável o uso de vinho em geral,
contrariamente às palavras explícitas da Escritura. (1 T m 5.23; Ec 9.7; S1
104.15)
Dogmática Cristã
A respeito das hóstias, que são usadas na Igreja Luterana, cabe ao ministro
cristão instruir cuidadosamente a sua gente, mostrando que as hóstias são
pão no verdadeiro sentido do termo, todavia não são, em si mesmas, materia
terrena melhor que o pão comum.
Para a união sacramental, é necessário que os elementos materiais sejam
realmente distribuídos (distributio) e recebidos pelos comungantes (sumptio);
pois que a união sacramental se dá somente no ato sacramental e não fora
dele. Ipsa sacramentalis unio non fit nisi in distributione. Daí não ser a "hóstia
consagrada" usada pelos romanistas para adoração: e o seu culto constituir
idolatria. Panis extra usum a Christo institutunz tzon est corpus Christi.
O axioma dos cristãos primitivos e da Igreja Luterana: "Nada tem
natureza de sacramento fora do uso instituído por Cristo"(l\Tilzit habet rationem
sncramenti extra usum a Christo institutum), baseia-se diretamente nas palavras
da instituição ("Comei, bebei") e é, por conseguinte, escriturístico. (cf. A
Fórmula de Concórdia, Decl. Sól., VII, 85)
Se se recebe o pão diretamente com a boca como oferecido pelo pastor,
ou primeiro se toma na mão do próprio comungante, isto é coisa sem
importância (adiáforo). Alguns reformados mantiveram erroneamente que a
segunda forma seria a correta.
Mesmo o "partir" do pão deve ser considerado um adiáforo, embora alguns
teólogos reformados insistam neste ato, visto que, de acordo com a sua opinião,
o partir do pão significa a morte de Cristo na cruz (cujos ossos não foram
partidos, Jo 19.33,36).Por ocasião da primeira comunhão, o "partir" foi acidental;
partiu-se o pão, para que pudesse ser distribuído. (Lc 24.30; 1 Co 10.16)
Assim como os elementos materiais que Cristo empregou não devem
ser trocados, também os elementos celestes devem permanecer intactos. Não
devemos designar como materia coelestis nada além do corpo e do sangue de
Cristo. Particularmente, não devemos considerar materia coelestis:
a) O "Cristo inteiro" ou "a pessoa de Cristo" (calvinistas, romanistas,
alguns teólogos luteranos modernos), porquanto Cristo nos oferece
expressamente o seu corpo e sangue para ser comido e bebido. Além
das palavras da instituição ("Isto é o meu corpo; isto é o meu
sangue"), não devemos levar a argumentação com respeito a qualquer
presença sacramental de Cristo. "Somente seu corpo e sangue estão
unidos aos elementos e são recebidos oralmente." (Luthardt). A
doutrina papista da "concomitância" (juntamente com o corpo, o
comungante recebe o sangue) é tão antiescriturística como a da
transubstanciação.
b) Também não apenas os benefícios de Cristo (beneficia )ou a eficácia
do seu corpo e sangue (virtus) ou os seus méritos (merita), etc. (os
teólogos reformados e modernos). Enquanto que é verdade que
A Doutrina da Santa Ceia
recebemos todos os benefícios de Cristo pela fé, também é verdade
que não foram "dados e derramados" por nós, de sorte que na Santa
Ceia não os recebemos com a boca (recepção oral).
c) Igualmente o Espírito Santo ou sua operação sobrenatural (Calvino).
Mesmo Beza declarou ser absurdo substituírem-se o corpo e o sangue
de Cristo, no sacramento, pelo Espírito Santo e sua divina operação,
visto que não foram entregues à morte por nós.
d) Nem ainda a comunhão espiritual com Cristo e o enxerto do crente
no seu corpo, a Igreja. Embora a comunhão espiritual seja realmente
fruto e efeito do sacramento sobre todo aquele que crê na promessa
divina, nem por isso é a materia coelestis pela razão supramencionada.
e) Também o corpo glorificado de Cristo ou o Cristo glorificado,
segundo alegam Calvino e alguns teólogos modernos, uma vez que
nosso Senhor designou como tais unicamente o corpo que foi dado e
o sangue que foi derramado. A glorificação de Cristo nada tem a ver
com a sua presença real na Santa Comunhão, a qual se baseia
inteiramente a) em sua divina promessa: "Tomai, comei, isto é o
meu corpo"; b) no fato da união pessoal, pela qual a natureza humana
de Cristo recebeu, em verdade, atributos divinos (onipresença), de
forma a poder estar realmente presente na Santa Ceia. Em outras
palavras, a presença real fundamenta-se no fato de o corpo de Cristo
ser o corpo do Filho de Deus.
Em resumo, não devemos substituir o corpo e o sangue de Cristo como
materia coelestis por nada que nosso Senhor mesmo não tenha nomeado nas
palavras da instituição, porquanto seria antiescriturístico e, ademais disso,
originaria confusão. A união sacramental consiste tão-só na união do pão
com o corpo e do vinho com o sangue.
Enquanto que os papistas rejeitam a doutrina escriturística da união
sacramental in toto e a substituem pela transubstanciação, os calvinistas, por
outro lado, professam ensinar a unio sacrarnentalis. Todavia, o que pretendem
com esse termo é que a união do crente, pela fé, com o Cristo ausente, de sorte
que na realidade, a sua união sacramental é apenas significativa, representativa,
simbólica (unio significativa) repraesentativa/ symbolica).
A sua união sacramental não tem, por conseguinte, mais de união real
do que a que se produz por um olhar ao crucifixo ou a uma estampa de
Cristo, o qual, pela evocação de nosso Salvador à memória, o torna presente
em nosso espírito. Os calvinistas também falam frequentemente de sua união
sacramental como de uma unio vera, realis, substantialis, etc.; contudo, apesar
desse fato, negam a presença substancial (realis praesentia) do corpo de Cristo
no sacramento, de sorte que, afinal de contas, não ensinam absolutamente
nenhuma união sacramental.
Dogmática Cristã
Igualmente: "Da mesma forma também aqui, mesmo que sobre todo
pão pronunciasse: "Isto é o corpo de Cristo", nada resultaria disso. Todavia,
quando, em acordo com sua instituição e ordem, dizemos na Santa Ceia:
"Isto é o meu corpo", então é o seu corpo, não por causa de nossa fala ou
anunciação de palavras, mas por causa de sua ordem, por nos haver ordenado
que assim falássemos e agíssemos e por haver condicionado sua ordem e
operação ao nosso falar." (Ibid., 78)
Essa doutrina é escriturística; porquanto nem a fé da pessoa (reformados)
nem o poder do sacerdócio (romanistas) nem qualquer influência mágica das
palavras pronunciadas fazem do comer ou beber uma Santa Ceia ou
sacramento, mas unicamente a instituição e ordem de Cristo: "Fazei isto".
A Fórmula de Concórdia assenta sobre sólido fundamento escriturístico
ao declarar: 'As palavras verdadeiras e onipotentes de Jesus Cristo, que ele
falou na primeira instituição, não foram eficazes apenas na primeira Santa
Ceia, senão que perduram, valem, operam e ainda são eficazes, de modo que
em todo lugar onde a Santa Ceia é celebrada segundo a instituição de Cristo
e suas palavras são usadas, o corpo e o sangue de Cristo verdadeiramente
estão presentes, são distribuídos e recebidos, por virtude e potência daquelas
palavras que Cristo pronunciou por ocasião, da primeira Ceia [...I Como diz
Crisóstomo (in Serm. de passione) no Sermão da Paixão: (601) "O próprio Cristo
prepara e abençoa esta mesa. Pois homem nenhum faz do pão e vinho postos
diante de nós corpo e sangue de Cristo. Senão o mesmo Cristo, que foi
crucificado por nós. C...] E assim como a palavra "crescei, multiplicai-vos e
enchei a terra", foi pronunciada uma só vez, sendo, porém, eficaz na natureza,
de sorte que ela cresce e se multiplica assim, também essa palavra foi dita
uma só vez, mas até ao dia de hoje e até a sua vinda, [de Cristo] ela é eficaz,
e fazendo com que na Santa Ceia da Igreja seu verdadeiro corpo e sangue
estejam presentes." (Ibid., 75. 76)
A acusação dos calvinistas de que os luteranos, à imitação dos
romanistas, atribuiriam a presença real na Santa Ceia à palavra e autoridade
da pessoa é, pois, absolutamente falsa.
Precisamente porque os luteranos ensinam que a presença verdadeira
do corpo e do sangue de Cristo na Santa Ceia depende da instituiçáo e ordem
de Cristo, conservam, de conformidade com a Igreja Cristã primitiva (1 Co
10.1@, as palavras da instituição para a consagração (consecratio, eulogia) dos
elementos materiais. Calvino, que se opôs à consagração papista como sendo
u m "encantamento mágico", negou enfaticamente a necessidade da
consagração, baseado em que a mesma nada teria a ver com o ato sacramental.
Contrariamente a essa idéia antiescriturística (cf. 1 Co 10.16), a Fórmula
de Concórdia (Decl. Sól., VII, 79-82) insiste na recitação das palavras da
instituiçáo por três razões:
Dogmática Cristã
--
Por mais que rejeitemos com razão a "ceia" dos reformados como não sendo,
de maneira nenhuma, Santa Ceia, reconhecemos como válido o seu Batismo,
visto que os seus erros com respeito a este sacramento não se referem à sua
essência, mas apenas aos seus frutos e efeitos. (cf. Dr. Walther, Pastorale, p.181)
Com respeito à pergunta sobre se a união sacramental (unio
sacramentalis) se dá diretamente e m seguida à consagracão e antes da
distribuição e recepção (ante usum), ponto esse em que João Saliger (pastor
em Lubeck e Rostock) insistia, A Fórmula de Concórdia dá o seguinte parecer
(Dec!. Sól., VII, 83. 84): "Todavia, essa bênção, ou a recitação das palavras da
instituição de Cristo, se a ação toda da ceia, conforme Cristo a ordenou, não
é observada (como quando o pão abençoado não é distribuído, recebido e
comido, mas é encerrado, oferecido em sacrifício ou levado de um lugar a
outro), por si só não faz sacramento, senão que a ordem de Cristo: "Fazei
isto", que abrange toda a ação ou administração desse sacramento: [...I como
São Paulo, com efeito, nos põe diante dos olhos a ação toda do partir do pão
ou da distribuição e recepção." (1 Co 10.16)
Essa decisão é de grande significação prática; porque apenas a
consagração em conexão com a distribuição e recepção efetivas, conforme
Cristo determinou, nos garante a presença real do corpo e sangue de Cristo
na Santa Ceia. Se os elementos só são consagrados, mas não distribuídos e
recebidos, não há Santa Ceia.
Quenstedt defendeu essa verdade habilmente contra a argumentação
de Belarmino. Belarmino afirmou que o corpo de Cristo deveria estar presente,
em virtude da consagração, mesmo sem a distribuição, porquanto Cristo diz:
"Isto é o meu corpo." Quenstedt respondeu que Cristo disse: "Isto é o meu
corpo" com referência ao pão do qual primeiro dissera: "Tomai, comei". (11,
1268) Por conseguinte, o corpo e sangue de Cristo só estão realmente presentes
nos elementos terrenos consagrados, quando os comemos e bebemos." "Ad
externam actionem requiritur consecrario, distuibutio et s u p t i ~ (A
. ~ Fórmula de
Concórdia, VII, 86)
8. A FINALIDADEDA SANTACEIA
A respeito do objetivo da Santa Ceia já falamos em capítulo anterior,
visto que a finalidade deste sacramento está muito intimamente ligada à sua
essência (forma). Em virtude da importância desse assunto, repetimos aqui o
que anteriormente foi dito para fins de maior clareza e ênfase.
Em seu Catecismo Menou, Lutero sintetiza a finalidade da Santa Ceia
sob a pergunta: "Que proveito há neste comer e beber<" da seguinte maneira:
'as palavras: Dado e derramado por vós para remissão dos pecados nos mostram
que, no sacramento, nos são dadas por estas palavras remissão dos pecados,
vinda e salvação." O reformador faz ver aqui que a exposição de Cristo: "que
A Doutrina da Santa Ceia
é dado por vós" e: "que é derramado por vós" é acrescentada às palavras: "Isto
é o meu corpo; isto é o meu sangue" a fim de mostrar o benefício ou objetivo
do comer e beber da Santa Ceia.
É bem verdade que essas palavras descrevem o corpo e sangue de Cristo
como seu corpo e sangue reais. Ao mesmo tempo, porém, mostram também
a finalidade do comer e beber; pois, assim como o corpo foi entregue à morte
e o sangue derramado para remissão dos nossos pecados, assim na Santa Ceia
são oferecidos e dados ao comungante para remissão dos seus pecados. É por
causa desse fato que alguns dos santos escritores (Lucas e Paulo) dizem
diretamente: "Este é o cálice da nova aliança no meu sangue." (Lc 22.20; 1
Co 11.25) Essas palavras significam: "Com este corpo e sangue, ofereço-te a
nova aliança, ou seja, o gracioso pe;dão dos pecados." O dom peculiar da
Santa Ceia é, por conseguinte, como diz Lutero acertadamente, o perdão dos
pecados, vida e salvação, ou seja, precisamente a mesma bênção que o
Evangelho transmite em geral, e o Batismo em particular. O Batismo oferece
esse dom pela aplicação da água. A Santa Ceia, pela recepção, por parte do
comungante, do corpo e sangue de Cristo em, com e sob o pão e o vinho.
Nessa conexão, pode-se chamar a atenção para o fato de que, tanto os
reformados como os teólogos modernos (Harnack), acusam Lutero de haver
posto em tanta evidência a presença real, que perdeu de vista a finalidade
última da Santa Ceia, a saber, a apreensão dos méritos de Cristo pela fé. Isso,
no entanto, é uma das falsidades manifestadas que o estudioso em história
eclesiástica encontrará em grande quantidade. É verdade que Lutero deu ênfase
à doutrina da presença real, mas pela simples razão de que este foi o principal
status controversiae em sua luta com os sacramentários. Na verdade, contudo,
ele considerou a presença real somente como um meio para um determinado
fim. Insistiu na presença real do corpo e sangue de Cristo no sacramento a
fim de, com tanto maior clareza e segurança, poder proclamar o seu conforto
e declarar o seu benefício, a saber, o gracioso perdão dos pecados.
Lutero não pôs a presença real em lugar do sola fide, conforme Harnack
alega erroneamente, mas, pelo contrário, ensinou que o sola fide é o único
meio pelo qual se pode obter de Deus o gracioso perdão dos pecados oferecido
na Santa Ceia. Ele escreve assim no Catecisnzo Menor: "O que crê nesta palavra
["dado e derramado por vós para remissão dos pecados"] tem o que elas dizem
e expressam, a saber, a remissão dos pecados." Lutero, além disso, deu realce
à doutrina escriturística segundo a qual a recepção oral do corpo e sangue de
Cristo, sem fé, para nada aproveita; mas sim, é perniciosa. (1 Co 11.29) Diz
ele no Catecismo Menor: "Todavia aquele que não crer nestas palavras ou delas
duvidar, é indigno e não está preparado, porque as palavras "por vós" exigem
corações verdadeiramente crentes."
É a doutrina de Lutero, proclamada do princípio ao fim, que a Fórmula
de Concórdia declara ao afirmar (Decl. Sól., VII, 53): "Está por isso, fora de
Dogmática Cristã
todos os pecadores, uma vez que, por um lado, a graça não se destina a todos
(negação dagratia universalis) e, por outro, não há meios da graça que ofereçam,
selem e dêem perdão dos pecados, vida e salvação. (Na obra da regeneração,
estão excluídas todas as causas secundáriasu- "Nada intervém entre a volição
do Espírito e a regeneração da alma"- "A infusão de nova vida na alma é obra
imediata do Espírito.")
Contudo, em vista desse fato, os calvinistas não têm o direito de falar
da Santa Ceia como sinal, selo e penhor (signum, tessera, pignus) da graça
divina adquirida por Cristo Jesus, porque, para eles, constitui apenas uma
"festa comemorativa", celebrada em memória da morte de Cristo.
O perdão gracioso dos pecados, com a vida e salvação, é o dom primacial
da Santa Ceia. Todas as demais bênçãos (beneficia) oferecidas nela são apenas
concomitantes seus. Entre essas bênçãos, podemos mencionar os efeitos
graciosos do sacramento, tais como o fortalecimento da fé, a união com Cristo
e com seu corpo espiritual, a Igreja, o progresso na santificação, o aumento
no amor a Deus e ao próximo, o aumento na esperança da vida eterna, maior
alegria na confissão de Cristo (1 Co 11.26), etc. Ao lado, a Santa Ceia serve
também para distinguir os crentes cristãos dos heterodoxos e dos ímpios.
Todos esses benditos efeitos devem-se ao fato de a Santa Ceia ser medium
iustificationis, ou seja, um meio pelo qual recebemos o perdão dos pecados. A
proporção que o crente se certifica do perdão dos seus pecados, sua fé é
fortalecida, seu amor é aumentado e sua esperança da vida eterna se confirma.
Certo de sua adoção como filho de Deus em Cristo Jesus, ele também luta
contra o pecado e vive para aquele que por ele morreu e ressuscitou. Em
suma, ele ama Deus, porque Deus o amou primeiro. (1 Jo 4.19)
Todo aquele que nega que a Santa Ceia seja, antes de tudo, um meio de
justificação ou de perdão (romanistas, calvinistas, etc.), realmente torna
impossíveis estes graciosos efeitos da Santa Ceia. Converte esta benéfica
"operação de Deus em nós" em "obra humana para Deus". Transformam a
mensagem evangélica da Santa Comunhão em mensagem da Lei e de boas
obras e, dessa maneira, deixam o comungante debaixo da maldição. (GI 3.10)
Realmente, como comensais indignos, que confiam em sua justiça própria,
comem e bebem para sua própria condenação. (1 Co 11.29)
Das seguintes deliberações do Concílio de Trento, podemos ter idéia de
como os romanistas perverteram profundamente a doutrina da finalidade da
Santa Ceia: "Si quis a'ixerit, praeciputrm fructum eucharistiae esse REMISSIONEM
PECCATORUM, anathema sit." (Sess. XIII, Cân. 5) "Si quis dixerit, itz missa
nom offerri Deo verum et propritím SACRIFICIUM, anathenza sit." "Si quis dixweiit,
missae sacrificium[ ...I N O N ESSE PROPITIATORIUM, [...I non puo peccatis,
poenis, satisfacrionibus et aliis necessitatibus offerri a'ebere, anathema sit." (Sess.
XXII, Cân. 1, 3). Todavia, a despeito dessa ênfase no sacrifício da missa, o
Dogmática Cristã
Catecismo Romano declara (11, C. IV, 41) que, na eucaristia, são perdoados
apenas os pecados veniais.
A imitação dos romanistas, também os calvinistas negam que na Santa
Ceia Cristo oferece e confere o perdão dos pecados. Zwínglio: "Coena dominica
mortis commemoratio est, non peccatorum remissio. Strong: "Ela simboliza a morte
de Cristo por nossos pecados." - "O Batismo e a Santa Ceia contam-nos a
história da redenção." (Watchman-Examiner)
9. QUEM SERÁADMITIDO
A SANTACEIA
(FINISCUICOENAE
SACRAE)
Os ministros cristãos são apenas "despenseiros" e não senhores dos
mistérios de Deus. (1 Co 4.1) Por esse motivo, devem administrar os meios
da graça (o Evangelho e os sacramentos) precisamente como Cristo os
instituiu. (1 Co 4.2; Mt 28.20) Os ministros e as congregações que se afastam
da instituição de Cristo na administração da Santa Ceia rejeitam a sua
autoridade, opõem-se à sua vontade, abusam do precioso sacramento e,
portanto, "reúnem-se para juízo". (1 Co 11.29-34) C o m respeito à
administração da Santa Ceia, as Sagradas Escrituras ensinam as seguintes
verdades:
a. A Igreja Cristã não deve praticar comunhão livre, mas privativa,
visto que é da vontade de Deus que só os crentes se aproximem da
mesa do Senhor. (1 Co 11.26-28) Enquanto o Evangelho deve ser
pregado indiferentemente a crentes e incrédulos (Mc 16.15,16), a
Santa Ceia se destina somente aos regenerados, conforme comprovam
as palavras da instituição de Cristo e a praxe normativa dos apóstolos.
(1 C0 10.16; 11.126-34)
Lutero escreve sobre este ponto (S. L., XI, 616): "Assim fez Cristo: deixou
que a pregação fosse multidão a dentro sobre cada um, bem como depois
também os apóstolos, de sorte que todos a escutaram, crentes e incrédulos;
quem a apanhava, apanhava-a. Assim também nós devemos fazer. Todavia,
não se deve atirar o sacramento às pessoas multidão a dentro. Ao pregar o
Evangelho, não sei a quem atinge; aqui, porém, devo ter para mim que atingiu
aquele que vem ao sacramento; aí não devo ficar em dúvida, mas ter certeza
de que aquele, a quem dou o sacramento, apreendeu e crê corretamente o
Evangelho."
A doutrina da comunhão privada deve ser mantida não só contra as
seitas reformadas, mas também contra os luteranos que erram nesse ponto.
(cf. Geschichte der Luth. Kirche, de A. L. Graebner, sob A Santa Ceia; Lehre und
Wehre, 1888, pp. 257ss, 302s)
b. Dos cristãos, só se admitirão 2 mesa do Senhor:
A Dotrtuina da Santa Ceia
[..I não são a Igreja, muito embora nesta vida, em razão de o Reino de Cristo
ainda não haver sido revelado, estejam misturados com a Igreja e nela exerçam
ofícios. E o fato de a revelação ainda não haver ocorrido não faz que os ímpios
sejam o Reino de Cristo. Pois que Reino de Cristo é sempre aquilo que ele
vivifica por seu Espírito, quer esteja revelado, quer esteja encoberto pela cruz."
A Igreja Luterana professa a doutrina escriturística de que todos os
crentes fiéis são membros da Igreja, ao passo que os incrédulos não são
membros, embora estejam exteriormente filiados a uma Igreja visível. Embora
creia e confesse sinceramente que seja, ela mesma, a verdadeira Igreja visível,
ao mesmo tempo sustenta que todos os crentes fiéis nas igrejas transviadas
são verdadeiramente membros da Igreja de Cristo (ecclesia invisibilis).De acordo
com a doutrina luterana, a fé é, de modo tão absoluto, o meio pelo qual a
pessoa está filiada à Igreja, que nem mesmo a suspensão ou a excomunhão
de uma Igreja local, caso seja aplicada injustamente, pode anular sua filiação
à Igreja de Cristo.
É evidente
-- - - - que adultos que ainda não tenham sido batizados, mas- _
tenham
--- recebido
--- -- a jé em ~ e s b sCristo, são membros verdadeiros da Igreja,
visto que o Batismo não é absolutamente necessário, conforme foi visto em
capí$ulo anterior. Por outro lado, também é verdade que o crente fiel jamais
despreza as ordenações de Cristo (Lc 7.29,30), de sorte que o verdadeiro
membro da Igreja não negligencia o Batismo nem a Santa Ceia.
2. DOUTRINAS
ERR~NEAS DA IGREJA
ACERCA
É óbvio que todo aquele que erra com respeito às doutrinas distintivas
da religião cristã tem de errar, também, com referência à doutrina da Igreja. O
erro sobre a Igreja que mais se destaca é aquele que afirma ser a Igreja um
"governo externo" (externo politia, "ausserliche Polizei'; "Heilsanstalt") "de bons
e maus" (Apologia, VI1 [VIII], 13ss), à qual as pessoas estão vinculadas por
sua filiação externa.
Está intimamente relacionado com esse erro, que diz respeito à essência
(forma) da Igreja, o que se refere à sua finalidade, a saber, que a Igreja é uma
"sociedade para santificação de seus membros", ou que é uma organização
cujo objetivo consiste em salvar almas por meio das boas obras. Esses erros
básicos não são acidentais, mas, pelo contrário, o resultado da rejeição do
artigo cristão fundamental da justificação pela graça, mediante a fé.
Na verdade, todos quantos repudiam a satisfactio vicaria, a eficácia dos
meios da graça e o sola flde têm de considerar a Igreja uma espécie de escola de
correção em que as pessoas devem aprender como ser boas e, dessa maneira,
merecer a salvação. Por outro lado, a doutrina bíblica da Igreja está edificada
sobre a doutrina central da justificação pela graça, mediante a fé, de sorte
que permanecerá ou cairá com essa doutrina. Ela se fundamenta, em particular:
Dogmática Cristã
ECCLESIAE)
(ATTRIBUTA
De acordo com as Sagradas Escrituras, a Igreja Cristã tem certos
característicos incontestáveis pela simples razão de ser a comunhão de todos
os crentes fiéis (communio omnium fidelium). Podemos classificar esses
característicos da seguinte maneira:
a. A Igreja é invisível. (Ecclesia est invisibilis). Isso decorre do fato de a fé
salvadora, que constitui o meio pelo qual a pessoa se torna membro
da Igreja e como tal permanece, ser invisível à pessoa. (1 Rs 8.39;
19.18; Rrn 11.3-5; At 1.24) A invisibilidade da Igreja, contudo, só é
afirmada com respeito aos seres humanos, não com respeito a Deus.
Para as pessoas valem as Palavras de Cristo em Lc 17.20,21. A Deus
aplicam-se as Palavras de São Paulo em 2 Tm 2.19. (cf. Jo 10.14,27,28)
Todos aqueles que afirmam que a Igreja é inteiramente (papistas) ou
parcialmente (os teólogos luteranos modernos) visível destroem o conceito
bíblico de Igreja e a transformam de comunhão dos crentes em "governo externo
de bons e maus" (externa yolitia bonorum e t malorum; ausserre Attstalt;
Heilsanstalt), na qual os crentes apenas têm um papel de importância relativa.
De quando em quando, os teólogos luteranos Falam de dois aspectos da
Igreja, o aspecto visível: a Palavra e os sacramentos, e o invisível: os membros
A Doutrina da Igreja Cristd
quando desvirtua o ensino das Sagradas Escrituras; quando ele declara a sua
própria Palavra norma e padrão de fé e vida. É verdade que Deus, em todos os
tempos, confere dons especiais a determinados membros da Igreja e chama-
os para mestres sobre seus irmãos na fé. (Ef 4.11-13) Esses mestres da Igreja,
porém, devem inculcar somente a Palavra divina (1 Pe 4.11; Jr 23.16,18), jamais
a própria.
Conforme a Escritura Sagrada, todos os mestres que pregam a própria
Palavra e doutrina são "enfatuados que nada entendem", os quais a Igreja
deve rejeitar e evitar como perversores e corruptores. (1 Tm 6.3-5) Na verdade,
são espíritos enganadores, que ensinam doutrinas de demônios. (1 Tm 4.1-3;
C1 2.18-23) Os próprios apóstolos não exigiram obediência em se tratando de
sua pessoa (1 Co 3.21-23), mas sua Palavra tinha de ser escutada e observada
unicamente por ser Palavra de Deus, concedida por inspiração divina. (1 Co
4.1; 2.12,13)
Os ministros cristãos não são mediadores entre Deus e os cristãos
' (sacerdotes); pois que todos os cristãos têm acesso ao trono de Deus por
meio do único Mediador, Cristo, em quem crêem. (Rm 5.1.2; Ef 3.12; Hb
4.16) Todos os crentes são possuidores imediatos de todos os dons e benefícios
que Cristo adquiriu para sua Igreja, tais como os meios da graça e as chaves
do Reino dos céus. (Mt 16.19; 18.18; Jo 20.23; 1 Co 5.3-5,13) Somente eles
têm o privilégio de pregar o Evangelho e administrar os sacramentos, enfim,
de exercer todo o ofício das chaves. Os pastores chamados e ordenados
exercem as suas funções ministeriais apenas em nome da Igreja que os chamou.
A afirmação dos romanistas de que, em Mt 16.18, Cristo edificaria sua
Igreja sobre Pedro, é respondida por Lutero acertadamente: "todos os cristãos
são pedros em virtude da confissão de Cristo que Pedro fez aqui; esta confissão
é a rocha sobre a qual Pedro e todos os pedros estão edificados". As Palavras
de nosso Senhor, acima indicadas, não podem referir-se à pessoa de Pedro
como primeiro apóstolo ou como representante dos apóstolos, pois, conforme
demonstra o contexto, Pedro não agiu, na ocasião, como apóstolo, mas
unicamente como cristão fiel. A idéia não era que o próprio Pedro fosse a
rocha sobre a qual a Igreja seria edificada, mas sim a sua confissão cristã. É
isso que as Palavras do texto indicam de maneira inconfundível. (Petrós, petra)
Lutero está com a razão quando diz que, nessa passagem, Cristo
distingue claramente Pedro de sua confissão. Se sua intenção fosse fazer de
Pedro a rocha da Igreja, teria dito: "Tu és Pedro, e sobre ti edificarei a minha
Igreja." (cf. Lutero, S. L., XX, 282; XVIII, 1375ss)
Entre os exegetas protestantes modernos, alguns (como Meyer) atribuem
o termo petra i pessoa de Pedro, como se aqui lhe fosse dada primazia entre
os apóstolos (primus inter pares), embora neguem as conclusóes que os
papistas tiram dessa premissa com respeito ao pontífice romano. Outros
Dogmatica Cristá
1. DEFINIÇAO
DO TERMO
O que até aqui se disse referiu-se à Igreja universal, ou seja, à Igreja em
seu sentido primitivo, a saber, aquele "um rebanho" (Jo 10.16) ou a comunhão
dos crentes (Mt 16.18) que o Espírito Santo congrega continuamente pela
pregação do Evangelho (Rm 11.2-5). A Escritura, no entanto, emprega o termo
igreja também para congregações locais (1 Co 16.19; 1.2; 11.16; At 8.1; Rm
16.16), que se conhecem, portanto, como igrejas locais (ecclesiae particulares).
Semelhantes igrejas locais são assembléias de crentes ou cristãos reunidos
num lugar para pregar o evangelho e administrar os sacramentos, em síntese,
para exercer o ofício das chaves. (At 20.28; 14.23,27; 1 T m 3.5; Mt 18.17; 1
Co 14.23)
Com respeito à relação entre a Igreja universal e as igrejas locais, a
Escritura ensina claramente que não são duas igrejas diversas ou duas
diferentes espécies de igrejas, mas a Igreja universal consiste em todos os
verdadeiros crentes que se acham nas igrejas locais. Visto que é da vontade
de Deus que todos os crentes estejam filiados a igrejas locais, todos os casos
e m que u m crente individual, por circunstâncias especiais, não é,
temporariamente, membro de uma igreja local, devem ser considerados
excepcionais e, por conseguinte, não precisam ser considerados nesta conexão.
As igrejas locais são, portanto, crentes fiéis, ou membros fiéis da Igreja
universal unidos numa comunhão visível com o propósito de exercer o ofício
das chaves ou poder eclesiástico peculiar que Cristo deu à sua Igreja na terra.
É preciso compreender claramente esse ponto, pois as igrejas locais, no sentido
próprio do termo, consistem unicamente de crentes fiéis.
11
'i Todos os hipócritas, que não são membros da Igreja universal, da mesma
forma não são membros das igrejas locais. (Mt 24.32; 22.12-14; 20.10-16;
13.47- 48) Sua ligação com as igrejas locais é apenas externa e acidental.
i
' Conseqüentemente, quando São Paulo se dirigiu à Igreja local de Corinto ("à
Igreja de Deus que está em Corinto"), dirigiu-se aos seus membros como "os
santificados em Cristo Jesus, chamados para ser santos, com todos os que em
I
1
A Doutrina da Igreja Cristá
' todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo". (1 Co 1.2) Nessa
I
descrição, certamente não se enquadram os hipócritas (mali et hypocritae) que
só eram ligados exteriormente à Igreja (ecclesiae admixti secundum societatem
extertzam). -_
Outrossim, quando os hipócritas se manifestam como tais, Cristo ordena
que sejam excomungados. (Mt 18.15-18) Visto que não são membros da Igreja,
não devem desgraçar ou causar dano à congregação local pela sua presença.
(1 C0 5.6-13)
Todas as obrigações das igrejas locais impostas por Deus pressupõem
que aqueles que as cumprem sejam crentes verdadeiros, porquanto esses
deveres cristãos só podem ser desempenhados corretamente por pessoas que
são realmente renascidas; por exemplo, instrução e admoestação recíprocas
(C1 3.16,17); disciplina eclesiástica (Mt 18.15-18; 1 Co 5.1-13); conservação
da doutrina verdadeira e a vigilância sobre os ensinadores (Rm 16.17; C1 4.17);
a pregação do Evangelho (1 Pe 2.9); a conduta criçtã no temor de Deus (1 Pe
3.8-17); etc. Antes de os hipócritas poderem tornar-se membros das igrejas
locais, têm de "arrepender-se e converter-se". (At 3.19)
É, pois, com justa razão que definimos as igrejas locais como assembléias
de crentes verdadeiros que estão congregados em determinado lugar com o
objetivo de pregar o Evangelho e administrar os sacramentos. Se, de um modo
geral, empregamos o termo também para congregações heterodoxas ou mesmo
para cultos anticristãos, isso ocorre em sentido lato, por sinédoque, porque
também em igrejas locais heterodoxas podem existir membros da Igreja
universal, ou impropriamente (improprie), isto é, segundo a maneira comum
de se falar (cultos não-cristãos).
DIVINA
2. A INSTITUIÇAO DAS IGREJAS
LOCAIS
É de grande importância a pergunta sobre se as igrejas locais existem
por instituição ou ordem de Deus, de forma que os crentes que vivem em
determinado lugar têm de organizar essas igrejas onde elas não existem, ou
filiar-se às mesmas onde existam.
A objegão daqueles que negam esse ponto sob a alegação de que a filiação
na Igreja universal é suficiente para a salvação e que Cristo não transmitiu
aos seus seguidores nenhuma ordem direta para estabelecimento de igrejas
locais ou filiação às mesmas, assim que as igrejas locais são organizações livres,
fundadas pelas pessoas assim como os imperativos práticos dos crentes neste
mundo as tornavam necessárias, respondemos que é realmente vontade e
determinação de Deus:
a) que todos os crentes que vivem num lugar devem estabelecer o
ministério público no seu meio e fazer uso diligente dele ouvindo e
aprendendo a Palavra de. Deus conforme é proclamada pelos ministr.0~
Dogmática Cristã
3. IGREJAS
ORTODOXAS
E HETERODOXAS
E vontade e ordem de Deus que todos os crentes ouçam, aprendam e
proclamem somente a Palavra pura que ele próprio deu nas Sagradas Escrituras.
(Jr 23.30-32; 1 Tm 6.3-5) Todo aquele que perverte a Palavra de Deus e ensina
sua própria doutrina em lugar das verdades reveladas por Deus (Mt 15.9), é
condenado pela Escritura como falso profeta (Mt 7.15), doutor de fábulas e
heresias destruidoras (1 Tm 1.3-7; 2 Pe 2.1), homem ímpio (Jd 3; 4), pessoa
corrompida na mente e réproba quanto à fé (2 T m 3.1-8), enganadora e
anticristo (2 Jo 7), de quem todos os cristãos devem afastar-se (Rm 16.17; 2
Jo 10) como de enfatuado que nada entende (1 Tm 6.3-5), que está debaixo
da maldição de Deus (GI 1.8), etc. Assim como proíbem toda conduta
pecaminosa (1 Co 5.9-11; Ap 21.8; 22.15), as Sagradas Escrituras proíbem
igualmente toda corrupção da fé cristã conforme vem exposta na Palavra de
Deus. (G1 3.10; 5.10-12; Ap 22.18,19; Mt 18.6,7; 5.19)
Todas as igrejas que toleram e seguem tais perversores da verdade divina
são conhecidas como igrejas heterodoxas (ecclesiae hetevodoxae, ecclesiae
A Doutrina da Igreja Cristã
igrejas porque ainda dão sua adesão à verdade cristã e, assim, estão ligadas à
Igreja, contanto que os seus erros não neguem os artigos fundamentais da fé
cristã. Nesse último caso, deixariam de ser igrejas heterodoxas para se converter
em cultos anticristãos. (cf. o calvinismo com o unitarismo; 1 T m 6.20,21; 2
T m 2.16-18)
Embora as igrejas heterodoxas, no sentido comum do termo, ainda dêem
sua adesão às doutrinas fundamentais da fé cristã e, dessa forma, abriguem
em seu meio crentes verdadeiros, todos os crentes que reconhecem os erros
delas têm o dever de romper as suas relações com elas, porque um erro
forçosamente leva a outros (G1 5.9), e a tolerância para com uma falsidade
reconhecida constitui uma negação da verdade divina. (Mt 10.32-36) Isso é
incompatível com a verdadeira profissão cristã. (Rrn 16.17; 2 Co 6.14-18)
4. As IGREJASHETERODOXAS
E O VERDADEIRO
DISCIPULADO
As igrejas heterodoxas não existem por vontade de Deus (Mt 28.20),
mas contra a sua vontade. (Jr 23.29-40; 1 Co 3.15-17) Deus permite que
existam para pôr à prova a fé dos seus verdadeiros discípulos (1 Co 11.19) e,
em parte, para punir o indiferentismo, a ingratidão e a infidelidade dos ímpios.
(2 Ts 2.11,12)
Os cristãos, por conseguinte, não devem olhar a existência das igrejas
heterodoxas com indiferença, mas com horror, visto cada erro constituir ofensa
(skándalon) que não só provoca a ira de Deus (Dt 32.5,6; 28.15-68), mas
ainda põe em perigo a salvação de todos quantos tiverem contato com ela. (1
Co 15.33; 2 T m 2.16,17)
Até mesmo nas igrejas heréticas encontram-se crentes sinceros, não
porque sejam heterodoxas - pois a falsidade sempre se opõe à fé salvadora,
mas porque, pela graça de Deus, ainda conservam os elementos fundamentais
do Evangelho.
O próprio Salvador nosso, embora denunciasse a religião e o culto dos
samaritanos (Jo 4.22), ainda assim reconhecia o verdadeiro discipulado de
crentes samaritanos individuais. (Lc 17.16; 10.33) Também Lutero, embora
condenasse o papado como instituição fundada pelo diabo, reconhecia,
também nessa Igreja corrupta, a existência de crentes fiéis (as crianças
batizadas; os adultos que aderiam ao sola gratia contra os ensinamentos do
papa). O Reformador, outrossim, admitia haver sinceros crentes entre os
adeptos de Zwínglio e Calvino, pois aderiam aos líderes em ignorância. (S. L.,
IX, 44)
A Igreja Luterana confessional, embora sempre insistisse na prerrogativa
de ser a verdadeira Igreja ortodoxa, jamais se identificou com a una sancta
ecclesia, extra quam nulla est salus, mas tem sempre ensinado que a Igreja
A Doutrina da Igreja Cristã
verdadeiras, corretas e certas, não pode ficar num só estábulo com outros
que têm doutrinas errôneas ou lhes são favoráveis." (c£. XVIII, 1996)
O argumento dos teólogos racionalistas modernos de que as "diferentes
tendências teoIógicas" (as divisões denominacionais) seriam pretendidas por
Deus, não é bíblico nem racional.
6.SEPARATISTAS
OU CISMÁTICOS
O termo separatismo ou cisma designa a separação denominacional de
grupos religiosos das igrejas por razões não-escriturísticas, tais como costumes
eclesiásticos, formas, usos e outros (donatismo). Os cismas são, por
conseguinte, contrários à Palavra de Deus e pecaminosos. Por motivos práticos,
fazemos distinção entre separatismo maldoso e não-maldoso. Aquele é
causado por despeito e Falta de amor e vem misturado com eles; este é fruto
da ignorância ou do preconceito e não vem ligado ao desrespeito intencional
pelo princípio do amor fraterno.
É injustificável a aplicação dos termos separatistas e cismáticas a pessoas
que se separam de igrejas em erro em virtude de sua doutrina nociva ou prática
não-escriturística.
Com respeito ao uso correto da doutrina da Igreja, o Catecismo luterano
traça-nos as seguintes diretrizes importantes. Fazemos uso apropriado da
doutrina da Igreja a) quando cuidamos ser e permanecer membros da Igreja
invisível (2 Co 13.5; Jo 8.31,38); b) quando, para esse fim, aderimos à Igreja
da Palavra e Confissão puras e evitamos todas as igrejas falsas (Mt 7.15; 1 Jo
4.1; Rm 16.17; 2 Co 6.14-18); e c) quando, segundo a nossa capacidade,
contribuímos para o seu sustento e propagação. (1 Co 9.14; C1 6.6,7; 1 T m
5.17,18; 1 Ts 5.12,13; Mc 16.15,16; M t 28.19,20) Esses pontos merecem
consideração constante da parte de cada cristão fiel e devem ser inculcados
pelo pastor com a maior diligência tanto em sua instrução pública como
particular.
3. O MINISTÉRIO
PÚBLICO É INSTITUIÇAO
OU ORDENAÇAO
DIVINA
O ministério público é instituíção ou ordenação divina. Isso decorre,
conforme demonstramos:
a) da praxe dos apóstolos (At 14.23) e de sua ordem aos seus sucessores
que ordenassem presbíteros ou bispos (Tt 1.5), de sorte que
regularmente se designavam ministros ou pastores em todos os lugares
em que fossem estabelecidas igrejas locais. (At 20.17,18; Tt 1.5);
b) da descrição dos requisitos pessoais dos ministros públicos. (1 Pe
5.3; 1 T m 3.2-7);
c) da descrição de suas funções e deveres. (Tt 1.9-11; 1 T m 3.5; At
20.28,31; 1 Pe 5.1s; Hb 13.17; etc.);
d) da distinção que a Escritura faz entre os presbíteros ou bispos e
todos os demais crentes. (1 Co 12.28,29);
e) da honra e dignidade que se atribuem a todos os que ensinam
oficialmente a Palavra. (Hb 13.7; 1 Co 4.1)
Repetimo-lo para fins de maior ênfase, visto que a presente doutrina,
ensinada com tanta clareza na Escritura e tão enfaticamente exposta por
nossos dogmáticos luteranos, também tem sido negada no seio da Igreja
Luterana.
Alguns alegaram, por exemplo, Hoefling, que o ministério da Palavra,
em sua forma concreta (Pfarramt), é de origem humana ou mero "desenvolvimento
Do Ministério Público
4. O MINISTÉRIO
PÚBLICOÉ NECESSÁRIOC
Embora o ministério público (o ofício pastoral), outorgado de modo
mediato aos pastores por intermédio da congregação, seja instituição divina,
Do Ministério Público
5. O CHAMADO
AO MINSTÉRIO
(DEVOCATIONA
MINISTERIALI)
Com respeito à necessidade do chamado ministerial, declara a Confissão
de Augsbtlrgo (Art. XIV): "que ninguém deve publicamente ensinar na Igreja
ou administrar os sacramentos, a menos que seja legitimamente chamado."
Dogmáticn Cristã
-
multidão (yan to pleethos) eleger os ministros das igrejas por voto popular.
(Estêvão, Filipe, etc., At 6.5) Por esse motivo, concluímos corretamente que
o verbo cheirotoneoo (estender a mão para a frente, eleger por levantamento
das mãos, "durch Aufheben dev Hand abstimmen") tem esse sentido especial
tanto em At 14.23 como em 2 Co 8.19 ("o irmão foi também escolhido pelas
igrejas: cheirotoneetheis hypó toon ekkleesioon). Os apóstolos, por conseguinte,
não ordenaram presbíteros arbitrariamente, apenas por sua autoridade
apostólica (Loehe), mas com o consentimento expresso e mediante cooperação
ativa das igrejas locais.
b. Não foram as igrejas locais, mas Pedro quem recebeu o ofício das chaves.
(Mt 16.18,19) Esta objeção não procede, visto que Pedro, naquela
ocasião, não entrou em consideração como apóstolo ou chefe dos
apóstolos (yrimus inter pares), mas unicamente como crente seguidor
de Cristo, que deu profissão da verdade divina. (cf. M t 16.17) A pedra
@etra) sobre a qual Cristo construiu sua Igreja não é a pessoa de
Pedro (Petros), mas a confissão que Pedro fez como quem cria em
Cristo.
Lutero assim escreve: "Todos os cristãos são pedros em virtude da
confissão que Pedro faz aqui, a qual é a pedra sobre que se acham edificados
Pedro e todos os pedros." (Nota marginal a Mt 16.18) As "chaves do reino dos
céus" são os meios da graça, particularmente o Evangelho, que Cristo confiou
a todos os crentes. (1 Pe 2.9) E Chemnitz diz (Examen, 1667, p.223): "Lutero
ensinou da Palavra de Deus que Cristo deu e recomendou as chaves, isto é, o
ministério da Palavra e dos sacramentos, a toda a Igreja." Por isso, todos os
crentes são depositários dos meios da graça e possuem as chaves do Reino
dos céus.
c. As Confissões Luteranas ensinam que o ministério público decorre
diretamente do ofício dpostólico. Respondemos a isso que, bem
compreendida, a afirmação é correta; pois, embora os ministros
cristãos não sejam apóstolos no sentido em que foram os doze eleitos
(e Paulo), que, por divina inspiração, foram mestres infalíveis da
Palavra de Deus quer como pregadores, quer como escritores do
cânone do Novo Testamento, ainda assim o seu ofício, no que se
refere ao seu conteúdo e à sua eficácia, é precisamente o mesmo que
foi o dos apóstolos. Os ministros cristãos de hoje pregam a mesma
Palavra de Deus e administram os mesmos sacramentos que os
apóstolos. Esses meios da graça por eles empregados são precisamente
tão eficazes hoje como quando foram empregados pelos doze.
Não se trata de uma "construção dogmática", mas do ensinamento
expresso da Escritura Sagrada, pois, quando Cristo ordenou aos seus discípulos
que pregassem o Evangelho e administrassem os sacramentos (Mt 28.20; Mc
Do Ministéuio Público
6. DA ORDENAÇAO
A ordenacão de ministros chamados não é instituição ou ordenação
divina, mas um ritual eclesiástico; pois, embora mencionada (At 14.23), não
é ordenada na Escritura. Por isso, classificamos acertadamente a ordenação
como adiáforo e afirmamos, com razão, que não é a ordenação, mas o chamado
que torna a pessoa ministro.
Dogmática Cristã
Lutero escreve (S. L., XVII, 114): 'Rimposição das mãos que abençoam
vem confirmá-lo e atestá-lo, tal como o notário e as testemunhas atestam
em assunto secular, e tal como o pastor, que abençoa o noivo, confirma o seu
matrimônio ou atesta que já antes se aceitaram reciprocamente e participaram
publicamente."
Também o Tuatado sobre o Poder e o Primado do Papa declarara que a
ordenação é apenas ratificação pública do chamado. Dizem (70): "Pois que
antigamente o povo elegia os pastores e os bispos. Depois vinha um bispo
dessa Igreja ou de uma vizinha, o qual, pela imposicão das mãos, confirmava
o eleito, e a ordenação outra coisa não foi senão essa aprovação."
Por esse motivo, a Igreja Luterana confessional não pratica a chamada
ordena620absoluta, isto é, a ordenação de uma pessoa que ainda não tenha recebido
chamado, uma vez que isso pode causar uma falsa impressão de que, pela
ordenação, a pessoa ordenada esteja sendo admitida a um "estado espiritual"(in
einen geistlichen Stand aukenommen) e feita um sacerdote consagrado, que seria
elegível para um chamado de uma congregacão exatamente por causa de virtudes
especiais conferidas a ela pela ordenação. (c£. Walther, Pastorale, p.65)
Não é preciso que se diga que também o direito de ordenação é um
direito de que estão originalmente investidas as igrejas locais, conforme o
declaram Os Artigos de Esmalcalde: "Pois onde quer que esteja a igreja, [...I é
necessário que a igreja retenha o direito de chamar, eleger e ordenar ministros."
De acordo com a doutrina católico-romana, só são ministros (sacerdotes)
cristãos os que são ordenados por bispos criados pelo papa, enquanto que são
ladrões e assassinos os pastores chamados e ordenados por congregações cristãs.
(Concílio de Trento, Sess. XXIII, Cân. 4) Do ponto de vista do papa, essa
doutrina anticristã é perfeitamente compreensível; pois, de acordo com o
ensinamento papista, o "sacramento" da ordenação confere, ex opere operato,
o Espírito Santo à pessoa ordenada e imprime-lhe um "caráter indelével"
(character indelebilis), que o transforma em sacerdote para sempre, mesmo
que, em virtude de pecados grosseiros, se torne indigno do sagrado ofício.
Isso, porém, não é tudo. Por ordenação, o sacerdote, segundo a doutrina
católico-romana, recebe ainda o poder sobrenatural de transubstanciar o pão
e vinho na Santa Ceia em corpo e sangue de Cristo e de apresentá-lo em
sacrifício pelos pecados dos vivos e dos mortos. (Concílio de Trento, de Sacram.
Ord., Câns. 1-8) É tão grande poder que nem mesmo os santos anjos ou os
maiores santos se têm como possuidores dele. Na verdade, esse poder é
superior mesmo ao da natureza humana de Cristo que, segundo alegam, tem
de obedecer à ordem do sacerdote, sempre que lhe diga que apareça na terra
para ser sacrificada pelos pecados dos vivos e dos mortos. A doutrina papista
da ordenação e da missa compreende, pois, afronta a Cristo e à sua santa
Palavra.
Do Ministério Público
7. O MINISTÉRIO
CRISTAO UM ESTADOESPIRITUAL
NÁO CONSTITUI
Chamamos a atenção para o fato de que também Lutero, em acomodação
ao usus loquendi, vez que outra fala dos ministros, isto é, dos que "servem em
ofícios eclesiásticos" (S. L., X, 423ss), como de "sacerdotes", de "espirituais"
(Geistliche), de u m "estado espiritual", etc. Todavia, declara que o emprego
desses termos não só não tem fundamento na Escritura Sagrada, como
também é enganoso, visto que, em acordo com as Sagradas Escrituras, todos
os cristãos são "ungidosJ' (1 Jo 2.27), "espirituais" (C1 6.1), "casa espiritual" e
"sacerdócio espiritual". (1 Pe 2.5,9) "Alle Christen sind wahrhafi heistliclzen
Stands, und ist unter ihnen kein Unterschied denn des Amnts halber allein."
("Todos os cristãos realmente pertencem ao estado espiritual, e não há entre
os mesmos diferença alguma além da que se refere unicamente ao ofício.")
Lutero, além disso, declara que o Espírito Santo no Novo Testamento
tem o cuidado de evitar a aplicação do nome sacerdote (sacerdos) aos apóstolos
ou aos seus cooperadores, enquanto que aplica o termo a todos os cristãos
batizados. Diz ele (S. L., XIX, 1260): "Nenhum dentre nós [re] nasce no
Batismo apóstolo, pregador, professor, pastor, mas todos igualmente nascemos
sacerdotes e padres; por isso, tomam-se desses nascidos padres e se os chama
e elege para esses ofícios, os quais devem exercer tal ofício por incumbência
de todos nós." Desse modo, Lutero rejeita a opinião errônea de que os ministros
ou pastores constituam um "estado espiritual".
A posição de Lutero está em estrita conformidade com o ensino das
Sagradas Escrituras, porque a Escritura não descreve os presbíteros e bispos
como "espirituais" de preferência a outros, mas como ministros (servos) dos
crentes (ministrantes inteu Christianos). (2 Co 4.5) É verdade que todos os pastores
são também servos de Cristo e de Deus (1 Co 4.1; Tt 1.7; 2 T m 2.24; Lc 12.42);
todavia, são isso unicamente como ministros da Igreja ou porque a Igreja os
chamou para "ministros de Cristo e despenseiros dos mistérios de Deus".
Lutero escreve sobre isso (S. L., X, 1590): "Paulo diz-se também servum,
isto é, servo; também mais de uma vez declara: 'Servio in Evangelio', sirvo no
evangelho. Ele o faz, não para em toda a parte estabelecer u m estado ou uma
Dogmática Cristã
10. O MINISTÉRIO
PÚBLICO
É O OFICIO
SUPREMO
NA IGREJA
Lutero volta sempre, em seus escritos, à idéia de que o ministério público
(Pfarramt) é o ofício supremo da Igreja. Ele, todavia, mostra também por que
se deve considerar o ofício do pastor cristão mais elevado.
E supremo por causa da Palavra de Deus que o ofício ensina e aplica.
Lutero diz (S. L., X, 1592): "Quando se outorga a alguém o ministério da
Palavra, também se lhe outorgam todos os ofícios que se exercem na Igreja
pela Palavra, a saber, o poder de batizar, abençoar [administrar a Santa Ceia,
X, 15761, ligar e desligar, orar, julgar ou decidir. Pois o ofício da pregação do
Evangelho é o maior de todos, porquanto é o ofício apostólico genuíno, que
lança as bases para todos os demais ofícios, os quais compete edificar sobre o
primeiro, como sejam: os ofícios dos professores, dos profetas, dos governantes
e dos que têm o dom de curar." (cf. ainda X, 1547)
Acerca dos bispos que, segundo 1 T m 3.5, devem ter cuidado da Igreja
de Deus, escreve Lutero (S. L., XII, 338): "Estes são, pois, os que devem
supervisionar todos os demais ofícios a ver que os professores cuidem do seu
ofício, não sejam negligentes, a ver que os diáconos repartam devidamente
os bens e não sejam desleixados" Ainda (X, 1548): "Ao que se incumbe o
ministério da pregação, incumbe-se o supremo ofício da cristandade: o mesmo
Do Ministério Público
11. D o ANTICRISTO
As Sagradas Escrituras empregam o termo anticristo, tanto em sentido
lato, como restrito. Empregado em sentido lato, o termo designa todos os
docentes que solapam a Palavra de Deus com doutrinas humanas. (1 Jo 2.18)
Todos os falsos doutores devem ser considerados anticristos (antíchristoi,
adversários de Cristo), uma vez que nosso Senhor insiste em que não se
ensine, na Igreja, nenhuma doutrina além da contida nas Sagradas Escrituras.
(Mt 28.20; Jo 8.31,32; 17.20; 5.39; Rm 16.17; 1 Pe 4.11; 1 T m 6.3s~;2 T m
3.15-17; 2 Jo 10; Ap 22.18,19) Todos quantos desconsideram essa ordem divina
são rebeldes e adversários de Deus. (Lc 11.23)
Em sentido restrito, o termo antichuistos designa, porém, o grande
Anticristo, cuja vinda é predita em 2 Ts 2.3-12. Em Jo 2.18, faz-se cuidadosa
distinção entre esse Anticristo kat exocheen, e os "muitos anticristos", e sua
aparição figura como sinal dos últimos tempos. Nele culmina o
anticristianismo. (2 Ts 2.7s)
Visto que as Sagradas Escrituras retratam o Anticristo como o iníquo,
de quem todos os crentes devem se acautelar e a quem podem, por
conseguinte, conhecer (2 Ts 2.8), cumpre-nos considerar diligentemente os
característicos com os quais a profecia divina o assinala. São os seguintes,
segundo 2 Ts 2.3-12, estes característicos inconfundíveis:
a. A apostasia (hee apostasia). Paulo demonstra claramente, em 2 Ts
2.10-12, que não se deve tomar essa apostasia em sentido político
(comunismo e anarquia; o aparecimento de soberanos despóticos),
conforme alguns opinaram erroneamente, mas em sentido espiritual
ou religioso. A apostasia é causada pela "operação do erro", cujo
resultado consiste em que os homens crêem a mentira e são
condenados por sua incredulidade. É, portanto, apostasia de Cristo
e de sua Palavra. (2 Ts 2.4)
b. O "assentar-se no santuário de Deus". (2 E 2.4) A grande apostasia de
Cristo e do Evangelho não sucede fora, mas no seio da Igreja; pois o
Dogmática Cristã
1. DEFINIÇAO
DO TERMO
O ensinamento central das Escrituras é a doutrina confortadora da graça
de Deus em Cristo Jesus para com a humanidade caída e perdida. (Rm 3.23,24;
Ef 2.8,9) O cristão deve a sua conversão, justificação, santificação e
conservação na fé a essa graça divina. (2 T m 1.9; T t 3.7; 1 Co 15.10) É a
doutrina do sola gratia, que a BíbIia ensina de maneira tão nítida e consoladora.
As Sagradas Escrituras acrescentam a essa doutrina a verdade confortadora
que toda e qualquer bênção espiritual que Deus concede aos crentes no tempo,
ele, em sua graça infinita, desde a eternidade, determinou conceder. Assim,
também encontramos na Escritura a doutrina da eterna eleição.
A doutrina da eleição pode ser resumida nas palavras: A eleição é o ato
eterno de Deus a respeito de todos os que se salvam, pelo qual, movido
unicamente por graça e por amor de Cristo (Praedestinatio gratuita et libera
est), Deus se propôs dotá-los, no tempo, das bênçãos espirituais da conversão,
justificação e conservação para a vida eterna. Essa definição abrange todas as
verdades divinas que a Escritura apresenta em conexão com a doutrina da
eleição eterna.
Dogmática Cristd
2. COMOOS CRENTES
DEVEM
CONSIDERAR
A SUA ELEIÇÃO
A Fórmula de Concórdia insiste em que todos os crentes "pensar ou falar
correta e proveitosamente da eterna eleição ou predestinação e ordenação dos
filhos de Deus para a vida eterna (Ibid., 13); pois, "se alguém apresenta a
doutrina da graciosa eleição de Deus de modo que cristãos perturbados não se
possam consolar nela, sendo, ao contrário, levados por ela ao desespero, ou de
feicão que os impenitentes sejam fortalecidos em sua voluntariosidade, então é
indubitavelmente certo e verdadeiro que aquela doutrina não está sendo
praticada segundo a palavra e vontade de Deus, porém consoante a razão e a
instigação do abominável diabo." (Ibid., 91)
Visto que Satanás deseja induzir as almas ao desespero ou à segurança
carnal também mediante falsa aplicação da doutrina da graciosa eleição de
Deus, a Fórmula de Concórdia faz a todos os crentes esta advertência: "Devemos
acostumar-nos a não especular em torno da nua, secreta, oculta e inescrutável
presciência de Deus, senão que devemos meditar o conselho, propósito e
preordenaçáo de Deus em Cristo Jesus, que é o genuíno e verdadeiro livro da
vida." (Ibid., 13)
O próprio Lutero queixa-se de que a doutrina da eleição eterna o encheu
de terror, enquanto teve idéia incorreta e inútil acerca da mesma. (S. L., 11,
182) Posteriormente, contudo, depois de aprender a compreender o Evangelho
da livre graça de Deus em Cristo Jesus, a doutrina da eleição proporcionou-
lhe consolo permanente.
De que ponto de vista devem, pois, os crentes considerar a eleição< De
um cuidadoso estudo de todas as passagens afins depreende-se claramente
que os santos apóstolos são coerentes no emprego da doutrina da eleição
com a finalidade distinta de confortar os crentes. Na maneira em que
apresentam essa doutrina, ela nunca aterroriza, mas sempre anima e consola.
Realmente, a doutrina da eleição eterna é empregada por eles para
despertar alegria suprema e sinceras ações de graça nos seus ouvintes. (Ef 1.3:
"Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo." Rm 8.28-30: "Todas as coisas
cooperam para o bem daqueles [...I que são chamados segundo o seu propósito."
1 Pe 1.2-3: "Eleitos segundo a presciência de Deus Pai. [..I Graça e paz vos
sejam multiplicadas. Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo", etc.)
Aprendemos, pois, do exposto acima, como devemos considerar a nossa
eleição de maneira apropriada e para nosso conforto. As Sagradas Escrituras
declaram claramente que Deus nos elegeu "por meio de Jesus Cristo" (Ef 1.3-6)
Dogmática Cristã
DA ELEIÇAO
3. 0 OBJETO ETERNA
Segundo as Sagradas Escrituras, Deus não elegeu todos os seres humanos
(erro de Samuel Hube, 1624) tampouco os crentes constantes (finaliter
credentes) juntamente com os crentes temporários (erro da escola da Tubíngia
e de alguns teólogos modernos, J. A. Osiandro, (1697; Frank), mas somente
os que realmente se salvam (praedestinatio est particularis). Isso decorre do
ensinamento claro da Escritura de que todos os eleitos se salvarão.
(praedestinatio est immutabilis est infallibilis) (Mt 24.24; Rrn 8.28-30) A Fórmula
de Concórdia escreve (Decl. Sól., XI, 23): "Deus graciosamente considerou e
elegeu para a salvação as pessoas dos eleitos - cada qual e todas - que devem ser
salvas por Cristo.
Os que negam a imutabilidade e infalibilidade da eleição, ensinando
que os eleitos podem perder-se, fazem da predestinação mera presciência divina
(puaescientia), que seria determinada ou condicionada pela conduta da pessoa
no tempo. Negam, assim, a doutrina escriturística da eleição in toto.
O termo eleição não é, por conseguinte, empregado na Escritura,
conforme alguns alegam erroneamente, em sentido ultralato (todos os seres
humanos são eleitos), lato (os que serão salvos), mas apenas num único
sentido: !'A predestinação ou eterna eleição de Deus, entretanto, diz respeito
apenas aos piedosos, agradáveis filhos de Deus, sendo uma causa da salvação
deles." (Epít., XI, 5)
Aqueles que empregaram o termo eleição em sentido lato ou geral
confundiram erroneamente o plano eterno da salvação de Deus com sua
eleição eterna da graça.
O conselho geral da graça de Deus (Gottes allgemeiner Gnadenwille,
benevolentia Dei universallis) certamente se estende sobre todos os pecadores.
(1 T m 2.4) Sua eleição eterna da graça, porém, estende-se apenas sobre os
que devem ser salvos. (Mt 20.16; 22.14)
A alegação de que a Fórmula de Concórdia também estaria ensinando
uma eleição em sentido lato, baseia-se na interpretação errônea dos parágrafos
(Decl. Só1.,15-22) em que descreve a ordo salutis compreendida na eleição eterna
Da Elei~ãoEterna ou Predestinacão
de Deus. (Praedestinatio non est absoluta, sed ordinata, i.e., fundatur in Christo.)
Na determinação do objeto da salvação, alguns dogmáticos afirmam
erroneamente que a predestinação eterna de Deus consistiria no princípio ou decreto
geral: "Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo." (Mt 24.13) Embora
esse princípio ou decreto geral seja uma verdade em que a Escritura insiste com
muita ênfase (Jo 3.18,36), não deve ser confundido com o divino decreto da
eleição, uma vez que, de acordo com as Escrituras, não foram eleitos princípios
gerais para a salvação, mas pessoas. (2 Ts 2.13: vós; Ef 1.4: nós)
Por essa razão, rejeitamos também as seguintes afirmações: a) que a
eleição eterna de Deus consiste na designação dos meios da graça (ordinatio
mediorum, chamada por alguns eleição em sentido lato); e b) que o objeto da
graciosa eleição de Deus é a Igreja em geral (Hofmann, Luthardt, Vilmar,
Thomasius). A última afirmação contém contradição, visto que a Igreja é a
"comunhão dos santos" e, por isso, se constitui de pessoas individuais.
As Sagradas Escrituras, sem qualquer restrição, descrevem todos os
verdadeiros crentes como santos eleitos de Deus. (Ef 1.4; 2 Ts 2.13; 1 Ts 1.4; 1
Pe 1.2) Conseqüentemente, todos os cristãos sinceros devem considerar-se
eleitos de Deus pela fé em Cristo Jesus. (Rm 8.33,34) Todos os que alegam
não poderem saber se são ou não eleitos ou que põem em dúvida a sua eleição,
devem examinar-se se realmente crêem em Cristo como em seu genuíno e
único Salvador. (2 Co 13.5)
É bem verdade que o crente jamais pode ter certeza de sua eleição e
salvação, enquanto considerar a questão do ponto de vista da pura presciência
de Deus, visto que ninguém pode saber em definitivo o que Deus conheceu
nele antecipadamente ou previu (intuitu fidei finalis). A opinião de que
Deus teria eleito as pessoas em vista de sua fé final (ex praevisn fide finali),
não é escriturística nem confortante. Não é escriturística, porque não há
sequer uma fração de prova na Escritura para ela. Não é confortante, por
introduzir o crente nos domínios da verdade inescrutável de Deus. Para
todos os fins práticos, é uma doutrina impossível, situada na região do
desconhecido.
A Fórmula de Concórdia argumenta corretamente com respeito ao intuitu
fidei finalis (Decl. Sól., XI, 54.55): "Destarte, não há dúvida de que antes do
tempo do mundo, Deus previu, exatíssima e certissirnamente, e ainda sabe,
quem dentre os que são chamados crerá e quem não. Da mesma forma quem
dentre os convertidos vai perseverar e quem não. [...I Como, porém, Deus
reservou tal mistério para a sua sabedoria, nada nos havendo revelado a respeito
na palavra, muito menos ordenado que o esquadrinhássemos com nossos
pensamentos, havendo, ao revés, obviado seriamente a semelhante empresa
Rm 11.8-18, não devemos com pensamentos nossos inferir, concluir, nem
cismar nisso, mas devemos ater-nos à sua palavra à qual nos remete."
Dogmática Cristã
da qual Deus nos elegeu para a vida eterna. Pois não só nos elegeu ele em
Cristo, antes de havermos praticado qualquer ato bom, senão mesmo antes
de nascermos, na verdade, antes da fundação do mundo."
Todavia, enquanto que nem o calvinismo (negação da gratia universalis)
nem o sinergismo (negação do sola gratia) podem tornar qualquer pessoa segura
de sua eleição e salvação, tal certeza é recebida pela fé nas promessas
evangélicas universais da livre graça. Essas promessas graciosas oferecem a
todas as pessoas, de modo muito sério e eficaz (gratia seria et effrcax), perdão
dos pecados, vida e salvação por amor de Cristo, o qual derramou o seu sangue
pelos pecados do mundo. (1 Jo 2.2; 4.10) Cada cristão deve crer com segurança,
com base na Escritura, que Jesus Cristo o remiu como ser humano perdido e
condenado, o resgatou e salvou de todos os pecados, da morte e do poder do
diabo, [...I para que ele lhe pertença e viva submisso a ele em seu Reino e lhe
sirva em eterna justiça, inocência e bem-aventurança. Com respeito à graciosa
promessa de Deus em Cristo Jesus (Jo 3.16-18), deve dizer com fé verdadeira:
"Fiel é essa palavra!" e alegrar-se muito por causa de sua eleição e salvação.
Essa é a linha de argumentação que Paulo expõe em Rm 8.32,33, onde
escreve: "Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o
entregou, porventura não nos dará graciosamente com ele todas as coisas< Quem
intentará acusação contra os eleitos de Deus< É Deus quem os justifica."
Seguindo a linha de argumentação do apóstolo, todo cristão deve
confessar, confiante: "Se Deus, em sua graça, me deu seu Filho unigênito
para Salvador meu e, pelo Santo Espírito, renovou meu coração mediante a
fé, perdoou meus pecados e, por sua graça, me justificou, quem fará contra
mim a acusação de que não sou eleito de Deus< Uma vez que Deus me justificou
em Cristo Jesus, creio de todo o meu coração que me escolheu em Cristo Jesus."
A certeza da eleição e salvação que segue essa confiança nas promessas
divinas, naturalmente, não é certeza absoluta no sentido de que repousaria na
revelação direta e imediata do Espírito Santo, mas é certeza da fé e, por isso mesmo,
certeza bendita. A fé divina não consiste em dúvida e incerteza, mas na mais
positiva segurança operada pelo Espírito Santo mediante o Evangelho Vdes divina).
São Paulo descreve essa divina certeza nestas palavras memoráveis:
"Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos,
nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes,
nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-
nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor." (Rm 8.38,39)
O verdadeiro crente está convencido de sua eleição e salvação, porque o
Espírito Santo o convence disso pela fé mediante o Evangelho. (2 T m 1.12)
Com respeito às numerosas advertências contra a apostasia, advertências
essas que as Sagradas Escrituras dirigem também aos crentes, cumpre-nos
recordar que só dizem respeito aos cristãos quanto a serem carnais (sarx).
Dogmática Cristã
A Fórmula de Concórdia escreve sobre isso (Decl. Sól., XI, 44): "Deus
resolveu e decretou, antes do tempo do mundo, ele mesmo quer criar e operar
em nós tudo o que pertence à nossa conversáo." Também Walther assim se
expressa: "Ensinamos que, bem como no tempo nos salva pela fé, Deus
também na eternidade deliberou salvar os eleitos pela fé; e é esta precisamente,
segundo a Palavra de Deus, segundo as Confissões e nossa doutrina, a resolução
da eleição da graça. [...I Cremos, ensinamos e confessamos, em acordo com a
Escritura e com as nossas Confissões, que Deus pela fé fez a eleição para a
salva~áo."(Christl. Dogmatik, 111, 548ss)
Visto, pois, que Deus escolheu os eleitos para a fé em Cristo,
consideramos a fé que os eleitos recebem no tempo, bem como todo o seu
estado de graça, que se segue a esta fé, também como efeito ou resultado de
sua eleição eterna. 2 Tm 1.9: "que nos salvou e nos chamou [..I conforme a
sua própria determinação e graça". At 13.48: "E creram todos os que haviam
sido destinados para a vida eterna." A fé, segundo a Escritura, é vista como
efeito da eleição e como o meio pelo qual se cumpre a sua finalidade. Chemnitz
escreve (Enchiridion, p.109): "A eleição de Deus não vem depois de nossa fé e
justiça, mas precede como causa de tudo isso." A Fórmula de Concórdia diz
(Decl. Sól., XI, 8): "A eleição eterna de Deus [...I por graciosa vontade e
beneplácito de Deus em Cristo Jesus, também é a causa que cria, opera, ajuda
e promove a nossa salvação e tudo o que a ela pertence."
Os dogmáticos luteranos mais recentes (desde Hunnius, 1603)
afastaram-se dessa doutrina das Escrituras e das Confissões Luteranas,
ensinando que Deus elegeu os que são salvos em consideração à sua fé final
prevista (intuitu fidei finalis, ex praevisa fide finali). Procuraram justificar essa
opinião, tomando o verbo conhecer antecipadamente (Rm 8.29: proegnoo) no
sentido de saber antecipadamente ou prever (nudam scientiam denotans).
Coerentemente, deram a seguinte interpretação à declaração de São
Paulo em Rm 8.29: "Aqueles de cuja fé final soube antecipadamente (ou cuja
fé Final previu) (quorum fidem finalem praescivit sive praevidit) também os
predestinoun (kai prooorisen). Essa exposição tem sido adotada por alguns
exegetas modernos (Philippi), que aceitam a teoria do intuitu fidei por motivos
sinergistas ou em virtude de sua suposta maior clareza e propriedade.
Todavia, substituir as palavras claras do apóstolo "aqueles que de
antemão conheceu" (hous proegnoo) pelas palavras quorum finalem praescivit sive
praevidi, representa uma violação do texto, pois isso encaixaria, à força, na
afirmação do apóstolo, uma coisa que ela não expressa (eisegese). São Paulo
não diz: "aqueles de cuja fé final soube de antemão", mas: "aqueles que de
antemão conheceu." O objeto de "de antemão conheceu" @uoegnoo) não é fé,
mas certo número de pessoas que o apóstolo denomina os "que são chamados
segundo o seu propósito". (v. 28)
Dogmática Cristã
5. A FINALIDADEDA DOUTRINA
DA ELEIÇAO
ETERNA
De acordo com as Sagradas Escrituras, a doutrina da eleição eterna não
tem por finalidade negar ou restringir a gratia universalis (Calvino e outros),
mas, pelo contrário, inculcar o sola gratia. Deve induzir os crentes cristãos,
toda vez que se comparem aos incrédulos, a não atribuir o seu estado de
Dogmática Cristã
6. As SAGRADASESCRITURAS
NAO ENSINAM
UMA ELEIGAO
PARA A CONDENAÇAO
O calvinismo argumenta com seriedade que, uma vez que Deus elegeu
alguns para a vida eterna, também deve ter predestinado outros para a
condenação eterna. Deve haver uma eleição da ira (eine Zornwahl) que se
oponha à eleição da graça ("die notwendige Kehrseite", o reverso necessário).
A negação luterana de uma reprovação eterna para a condenação (electio
aeterna, qua Deus [...I alios a d interitum praedestinavit) foi reprovada por
Calvino nos mais ásperos termos (inscite nimis et pueriliter; plus qunm insulse.
Inst., 111, 23, 1).
Também os seguidores de Calvino designam a posição da Fórulzula de
Concórdia com respeito à predestinação como "fundamento insustentável".
(Hodge, Syst. Theol., 11, 325) Shedd ignora completamente a posição luterana
e divide todos os cristãos em calvinistas (negação da graça universal) e
arminianos (negação do sola gratia). Em seu sistema de Teologia, não há espaço
para a doutrina escriturística da eleição eterna conforme professa a Igreja
Luterana. (Dogm. Theol., I, 448)
As Sagradas Escrituras, contudo, nada sabem de um "reverso" da eleição
eterna da graça de Deus. Enquanto que uma (a eleição para a vida eterna)
vem claramente ensinada em muitas passagens, a outra (a eleição para a
condenação eterna) é nitidamente rejeitada.
Em At 13.48 nos é dito: "E creram todos os que haviam sido destinados
para a vida eterna." Essa passagem, porém, não acrescenta: "Não creram todos
os que haviam sido destinados para a condenação eterna." Ao contrário, dá
como verdadeira razão pela qual os demais não creram a sua rejeição proposital
e perversa da graça oferecida. (v. 46): "Posto que a rejeitais e a vós mesmos
vos julgais indignos da vida eterna, eis aí que nos volvemos para os gentios."
A razão pela qual alguns não crêem, Cristo declara ao dizer deles: "E vós não
o quisestes." (Mt 23.37,38)
Em acordo com esse veredito das Sagradas Escrituras, a Igreja Luterana
ensina: Todos quantos se salvam, salvam-se pela graça; todos quantos se
perdem, porém, perdem-se por causa de sua própria oposição perversa ao
Espírito Santo. (Os 13.9) O calvinismo declara que Deus oferece certa espécie
de graça (graça comum) também aos que reprovou para a condenação desde
a eternidade, ao passo que oferece "graça irresistível" aos seus eleitos. Isso, no
entanto, é mais um erro destinado a ratificar o erro da reprovação eterna. O
calvinismo, dessa maneira, ensina que há vontades contraditórias em Deus.
Pelo chamamento exterior, extensivo aos não-eleitos, quer a sua salvação.
Conforme o seu decreto eterno de reprovação (horribile decretum), pelo qual
reprovou os não-eleitos para a condenação, ele não quer salvá-los. A Escritura,
pelo contrário, ensina com clareza que os que rejeitam o divino oferecimento
Dogmática Cristã
causa de sua perversa rejeição da graça divina (cf. M t 25.34: "Vinde, benditos
de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação
do mundo." (v. 41: "Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno,
preparado para o diabo e seus anjos.")
A voluntas consequens, segundo a qual Deus julga e condena todos
quantos não crêem o Evangelho (Mc 16.16; Jo 3.16-18.36), não se a deve, por
isso, interpretar como se fosse um decreto eterno de condenação, porque, de
acordo com sua voluntas antecendens, Deus deseja a salvação de todos os
pecadores. (2 Pe 3.9; M t 18.11; 1 T m 2.4)
Se alguém fizer a objeção de que não devemos falar de uma voluntas
prima e uma voluntas secunda por não haver nele um primus nem um posterius,
respondemos que Deus é, em verdade, o Senhor eterno, imutável, em quem
não há transformação ou não há primus ou posterius. (M1 3.6; 1 Sm 15.29)
Todavia, visto que Deus, acomodando-se à nossa débil compreensão, se revelou
como amoroso Senhor, que deseja salvar todas as pessoas (Jo 3.16,17), e, por
outro lado, como justo Senhor, que pune eternamente todos os que não
crêem nele (Jo 3.18,36), somos obrigados a falar conforme as Escrituras e, a
respeito dele, afirmar uma vontade de salvar e uma vontade de condenar.
Contudo, essa vontade de condenar não é o "reverso" de sua graciosa eleição
para a vida, mas, pelo contrário, o justo castigo (iustitia vindicativa) que inflige
a todos os que desprezam maldosamente a sua voluntas antecendens e não
querem escutar a sua Palavra. (Rm 10.21)
Assim como não devemos demonstrar pela Escritura que "há um decreto
eterno de condenação", também não devemos demonstrar esse erro pela
história. Esse é, em verdade o erro do calvinismo, que argumenta: "O resultado
é a interpretação dos propósitos de Deus." (cf. Calvino, Inst., 111, 24. 12) Do
fato de que nem todas as pessoas são salvas ou de que nem todas as nações
desfrutam as bênçãos do Evangelho, o calvinismo conclui que Deus não deseja
salvá-los. Essa atitude também é antiescriturística, pois a Escritura manda
que não tiremos conclusões dos juízos insondáveis de Deus, mas o adoremos
com temor e respeito. (Rrn 11.33-36)
Diz a Fórmula de Concórdia (Decl, Sól., XI, 57-63) acerca dos insondáveis
juízos de Deus: "Da mesma forma, quando vemos que aqui Deus dá a sua
Palavra, acolá não: tira-a desse lugar, noutro deixa-a naquele. Também, que
u m é endurecido, obcecado, entregue a mente pervertida, outro deveras na
mesma culpa, ao contrário, convertido, etc. Paulo nos fixa um limite definido
quanto ao até onde nos cabe ir, nessas questões e em outras similares a elas.
A saber: que devemos, relativamente a um dos grupos, reconhecer o juízo de
Deus. Pois que se trata de bem merecidos castigos de pecados quando Deus
em uma terra ou povo castiga o desprezo da sua Palavra de tal maneira que o
castigo se estende também à posteridade, como se pode ver no caso dos judeus.
[...I "Com referência àquilo, entretanto, que nessa discussão remonta
Dogmática Cristã
A MORTE
TEMPORAL
(DEMORTE
TEMPORALI)
a. Que é a morte temporal. A morte temporal ou corporal não é aniquilação
total do ser humano (russelismo; ateísmo), mas a perda da vida natural,
que ocorre pela separação da alma e do corpo. (Baier)A morte temporal
não é aniquilação da alma. Isso está evidente em M t 10.28. Ela
também não é aniquilação do corpo conforme Jo 5.28,29, onde Cristo
nos diz que os corpos mortos, embora convertidos em pó, aguardam
em suas sepulturas o dia da ressurreição. (cf. também D n 12.2) Que
a morte temporal consiste na separação da alma do corpo vem
claramente ensinado em Lc 12.20: "Esta noite te pedirão a tua alma"
Dogmática Cristá
-~ - -
Cristo na cruz. Com efeito, aqueles que negaram a culpa do pecado como
causa exclusiva da morte (racionalistas) coerentemente negaram também a
satisfação vicária (satisfactio vicaria) de Cristo.
c. As pessoas que estão sujeitas a morte. A Escritura ensina que todos os
descendentes de Adão estão sujeitos à morte. (Rm 5.12: "[ ...I a morte
passou a todos os homens, porque todos pecaram".) Esse fato é
confirmado pela experiência. Coerentemente, toda tentativa que
vise a encontrar cura para a morte é a priori inútil. A única maneira
de o pecador poder libertar-se da morte é pela fé em Cristo, "o qual
não só destruiu a morte, como trouxe à luz a vida e a imortalidade".
(2 T m 1.10) Embora também o cristão esteja sujeito à morte
temporal, ele não "provará a morte". (Jo 8.52; 11.25,26)
Se alguém perguntar por que os que crêem em Cristo também têm de
morrer, a Escritura responde: a) que também são pecadores segundo a natureza
corrompida @alaiós ánthroopos), de sorte que também no seu caso a morte é o
salário do pecado. (Rrn6.23; 7.24): b) que, no seu caso, a morte não está associada
à sensação da ira divina (sensus irae divinae) ou ao "aguilhão da morte" (1 Co
15.55-57), de forma que, para eles, a morte já não é morte no sentido próprio,
mas um sono bendito em Jesus. (1 Ts 4.13,14; Lc 23.43; Fp 1.23)
A Apologia escreve (XII, 153): 'R própria morte serve ao propósito de
abolir esta carne de pecado, a fim de ressurgirmos inteiramente novos. Na
morte do crente, porém, depois que pela fé venceu os terrores da morte, já
não há aquele aguilhão e aquele sentimento de ira de que fala Paulo: "O
aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei." Esse poder da
morte, esse sentimento de ira, a morte não é propriamente pena."
Em vez da sensação da ira divina (sensus irae), o cristão experimenta,
pela fé, a sensação da graça divina (sensus gratiae), de modo que, ao se
aproximar a morte, ele recomenda, com júbilo, a sua alma ao Redentor e
parte em paz. (Lc 2.29,30; At 7.59)
Além disso, o crente sabe, pela fé, que está livre da "segunda morte"
(Ap 20.14), ou condenação eterna (Jo 3.16-18; 5.24; 1 Jo 3.14), de modo que
a morte temporal não tem pavor para ele. (Ap 14.13).
Por último, o crente cristão é confortado pelos "doces nomes" (epitheta
ornantia) que as Sagradas Escrituras atribuem à morte dos santos de Deus.
Esses doces nomes (mortis dulcia nomina) não são títulos vazios, mas afirmações
evangélicas verdadeiras e benditas da graça e d o amor de Deus, que
proporcionam inefável consolo ao crente que está morrendo.
2. As CONDIÇOES
DA AM ENTRE A E A RESSURREIÇAO
MORTE
É pequeno o número de passagens da Escritura que descrevem as condições
Dogmática Cristã
Das muitas promessas das Escrituras feitas aos crentes, fica evidente
que a alma do cristão que morre está inteiramente purificada de todo pecado
original e atual; pois se acha, então, no "paraíso", a santa morada dos santos
perfeitos de Deus. (Fp 1.23; Lc 23.43) Lutero chama a morte o "último
purgatório" dos cristãos, querendo com isto dizer que a alma do crente, depois
de partir em Cristo, está completamente liberta do pecado.
Com respeito ao purgatório, escreve Hafenreffer: "Tudo o que se atribui
às satisfações do purgatório bem como da intercessão dos santos é subtraído
do mérito de Cristo, o qual somente nos purifica do pecado." (Doctr. Theol.,
p.636) A Igreja Luterana rejeita, por conseguinte, a doutrina do purgatório
por colidir com a da justificação só pela Eé.
Dentre os teólogos protestantes modernos, alguns (Schleiermacher)
ensinaram q u e d u r a n t e o status medium (o t e m p o entre a m o r t e e a
ressurreição), a alma tem de ser dotada de uma espécie de corpo temporário
(Zwischenleib), visto que de o u t r o modo dificilmente poderia existir.
(Macpherson: "O indivíduo usa um corpo adequado às suas condições durante
aquele período.") A Escritura, porém, nada sabe de semelhante corpo
temporário. O crente pode ficar certo de que Deus, que criou a alma para o
corpo tão maravilhosamente, é capaz de cuidar dela também enquanto está
fora do corpo. (2 Co 5.1-9)
A aparição de "Samuel" (1 Sm 28) explica-se melhor como sendo engano
de Satanás (1 Sm 28.19: "Tu e teus filhos estareis comigo.") Aqueles que
crêem que, nesse caso, Deus realmente permitiu que Samuel aparecesse
devem considerar essa aparição uma exceção à sua regra fixa e devem sustentar,
com base na Escritura, que o espiritismo é obra e fraude de Satanás. (Dt
18.10-12)
A respeito das almas dos finados, podemos resumir os ensinamentos da
Escritura da seguinte maneira: a) As almas que partiram não voltarão à terra
(Lc 16.27-31); a aparição de Moisés e Elias por ocasião da transfiguração de
Cristo (Mt 17.3) não constitui exceção à sua regra, visto que esses santos
podem ser classificados entre os ressuscitados. (Dt 34.6; 2 Rs 2.11) b) As
almas que partiram ignoram os que vivem sobre a face da terra e os seus
negócios. (1s 63.16) c) A adoração dos cristãos falecidos é uma insensatez e
também idolatria. (Mt 4.10) d) A Escritura nega com ênfase a opinião errônea
dos teólogos racionalistas que afirmam ser possível a conversão mesmo depois
da morte. (Hb 9.27)
Em 1 Pe 3.18,19, Pedro não fala da pregação do Evangelho, mas, pelo
contrário, da proclamação do juízo divino àqueles que, durante a sua vida,
desprezarem a Palavra salvadora de Deus. O ekeeryxen ("pregou") denota
pregação da Lei e não pregação do Evangelho, segundo demonstra o contexto.
Das Últimas Coisas
DE CRISTO
ADVENTO
3. O SEGUNDO
As Sagradas Escrituras ensinam com muita ênfase que, na hora
determinada por ele (At 1.7; Jo 5.28,29), Cristo, o Homem-Deus (Mt 25.31),
aparecerá visivelmente (At 1.9,11) a todas as pessoas ao mesmo tempo (Mt
24.27,30; 1 Ts 5.2) em glória divina e cercado dos seus anjos ministradores (Mt
25.31; 1Ts 4.16; M t 13.41,42), para julgar "todas as nações da terra" (Mt 25.31),
tanto os vivos como os mortos, sendo que estes depois de sua ressurreição (1
Co 15.51; Dn 12.2; Jo 5.28,29), a fim de lançar os ímpios no fogo eterno do
inferno (Mt 25.46) e levar os seus santos à glória eterna (Hb 9.28), de sorte que
a Igreja militante (ecclesia militans) seja transformada para toda a eternidade em
Igreja triunfante (ecclesia triumphans). (cf. Lutero, S. L., IX, 951ss)
A doutrina bíblica da volta gloriosa de Cristo deve receber ênfase frente
às blasfêmias dos ímpios (2 Pe 3.3,4) e à negligência dos crentes cristãos que,
em virtude da fraqueza de sua carne, são propensos a desconsiderar sua gloriosa
esperança. (Mc 13.23)
Com respeito ao tempo exato da segunda vinda de Cristo, as Sagradas
Escrituras ensinam que o mesmo é desconhecido das pessoas (Mt 24.36; M t
13.32) bem como é impossível os seres humanos o conhecerem. (1 Ts 5.2,3;
Mt 24.44; M t 13.33-36) Se, a despeito da advertência de Cristo, mesmo
teólogos crentes (Bengel: 1836 é o dia da volta do Senhor) procuram calcular
a época de seu segundo advento, isso é uma prova de quão profundamente a
curiosidade pecaminosa está arraigada no coração humano. (At 1.6)
- , Embora os cristãos não devam procurar calcular a época da volta do
Senhor (contra o RusseIismo, Adventismo, etc.), devem observar, com cuidado,
os sinais dos tempos, os quais Deus estabeleceu para estimular os seus fiéis à
maior vigilância e preparação. (Mt 24.32,33; Lc 21.29-31; 2 Ts 2 . 3 s ~ )Com
relação aos sinais dos tempos, Lutero diz corretamente que "todas as criaturas
servirão este dia com sinais".
Entre os sinais dos tempos, as Sagradas Escrituras mencionam as
condições anormais: a) na esfera da atividade e vida humanas (guerras, ódio A
Igreja, pestilências, fomes, aflição geral, grande iniqüidade, esfriamento do
amor, violência) (Mt 24.5-14, 37-39); b) no reino da natureza (terremotos,
enchentes, distúrbios nos movimentos dos corpos celestes) (Lc 21.25,26); c)
na esfera da Igreja (o surgimento de falsos mestres, a apostasia de Cristo, o
Anticristo) (Lc 21.8,16, 17; 2 Ts 2.3,4); etc. Assim como a enfermidade é sinal
da iminente dissolução da pessoa individual (microcosmo), também os
distúrbios no mundo (macrocosmo) prenunciam sua destruição final.
Esses sinais não são reconhecidos como tais pelos seres humanos. Essa
é uma prova do espantoso estupor (mirnbilis stupor) que o pecado produziu
no homem. Tal como diz Lutero com precisão, o ser humano, depois da queda,
vive em verdadeiras "trevas egípcias".
3:gmdiica Cristã
@ERESSURRECTIONE
MORIUORUM)
A doutrina da ressurreição dos mortos tanto é posta em dúvida (1 Co
15.35) quanto blasfemada (At 17.32) pelos írnpios, contrariamente à noção que
eles têm de Deus como Criador e Rei onipotente do universo, que pode fazer
todas as coisas (Rrn 1.19,20), de sorte que sua incredulidade fica inescusável. (1
Co 15.35s~)Para o cristão, porém. é fonte de suprema alegria e doce consolação.
(1 Co 15.20-22) (Terceiro Artigo: "Creio na ressurreição da carne.")
A doutrina da ressurreição é ensinada tanto no Novo Testamento como
também no Antigo. (Jó 19.25,26; 1s 26.19; Dn 12.2) Os saduceus, que negavam
a ressurreição, foram repreendidos por Cristo como laborando em erro, "não
conhecendo as Escrituras". (Mt 22.29) Ao mesmo tempo, Jesus lhes indicou
o grande número de passagens no Antigo Testamento que atestam a
ressurreição, quando disse: "Quanto à ressurreição dos mortos, não tendes
lido o que Deus vos declarou: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o
Deus de Jacó< Ele não é Deus de mortos, e sim de vivos." (Mt 22.31,32) Daí,
sempre que, no Antigo Testamento, lemos a promessa: "Eu sou teu Deus",
temos uma passagem que ensina a ressurreição dos mortos, visto que "Ele
não é Deus de mortos, e sim de vivos". (Gn 17.7; 26.24; 28.13; Ez 37.27; etc.)
É, pois, com plena justificação que Lutero diz que, em Gn 3.15, também
se ensina a abolição da morte e a ressurreição, uma vez que a morte é o
salário do pecado. Escreve ele "Este versículo abrange ao mesmo tempo a
libertação da Lei, do pecado e da morte e revela uma clara e segura esperança
da ressurreição e renovação na outra vida que se segue a esta. Porquanto, se
se há de ferir a cabeça da serpente, também se abolirá e aniquilará a morte."
Mantemos, por conseguinte, que a fé cristã na ressurreição dos mortos
é tão velha quanto a proclamação do Evangelho. É erro da parte dos teólogos
modernos a alegação de que a doutrina da ressurreição teria se desenvolvido
gradualmente entre os crentes. (Luthardt; Dogmatik, p.412; Voigt: 'IA doutrina
da ressurreição só se acha nos últimos livros do Antigo Testamento." Biblical
Dogmatics, p.239)
Contra esse erro, sustentamos que a doutrina da ressurreição não se
acha apenas em passagens como Dn 12.2; SI 1715; Os 1314; 1s 26.19; Ez
37.1-10; Jó 19.25-27, mas também em todas as passagens em que Deus se
revela como Deus do seu povo, individual ou coletivamente. (Êx 3.6,13; 4.5,
etc.) Hofmann diz com razão: "Nada pode ser mais errôneo que a opinião de
que a ressurreição dos mortos seria uma idéia surgida posteriormente apenas
por especulação humana. Não se achará época nenhuma em que se pudesse
imaginar a fé sem essa esperança."
Visto que a doutrina da ressurreição pertence aos artigos fundamentais
primários, sem os quais não pode existir a fé cristã (2 Tm 2.17,18; 1Tm 1.19,20),
Das Últimas Coisas
a declaração de Hofmann de que "não se pode imaginar a fé sem essa esperança"
é realmente escriturística. Os crentes do Antigo Testamento certamente teriam
"naufragado na fén (1 Tm 1.19), se eles não tivessem crido na ressurreição.
É verdade que a revelação perfeita e completa a respeito da ressurreição
veio com Cristo e a plenitude da pregação do Evangelho. (Jo 5.28,29; 6.39,40;
1 Ts 4.16; 1 Co 15, etc.)
Segundo a Bíblia, a ressurreição dos mortos consiste formalmente a) na
restauração do mesmo corpo que pereceu pela morte por meio dos seus átomos
ou partículas que foram espalhadas e dispersas (Jó 19.25-27; 1 Co 15.42-49);
b) na reunião do corpo e alma (1 Ts 4.14-17). A ressurreição situa-se além da
compreensão humana; é milagre da onipotência de Deus, exatamente como
a criação. (2 Co 1.9; Rm 4.17)
Porque o poder divino, precisamente como a essência divina, pertence
às três Pessoas na Divindade sem divisão ou multiplicação (una numero essentia,
una numero potentia), a Escritura atribui a ressurreição ora ao Pai, ora ao Filho
da mesma maneira (Jo 5.21), e a este apenas segundo a sua natureza divina,
mas também segundo a humana. (Jo 5.22,27: "Porque é o Filho do homem".)
O humano-divino Redentor do mundo é também seu divino Ressuscitador e
Juiz. (Jo 5.28: fiTodos os que se acham nos túmulos ouvirão a sua voz [do
Filho do homem]"). O fato de o Verbum incarnatum (logos énsarkos), ou seja, o
Homem-Deus, ser o Senhor onipotente que, no dia derradeiro, dará a bem-
aventurança ou a condenação (At 17.31: "Por meio de um varão") é de grande
conforto para todos os crentes (Jo 11.23-27; Ap 1.5,6), enquanto que é causa
de indizível terror para todos os incrédulos. (Jo 19.37; Ap 1.7; 6.16,17)
A negação da comunicação das ações divinas (actiones) à natureza
humana constitui erro sumamente pernicioso (cf. a negação calvinista do
genus maiestaticum). Isso se comprova de modo convincente pelas passagens
da Escritura que descrevem a ressurreição e o juízo final como sendo obra do
Filho do homem.
Com respeito à pergunta: Quem será ressuscitado dos mortos<
(subiectum quod resurrectionis), a Escritura responde com muita clareza que
todas as pessoas ressuscitarão, tanto as crentes (1 Co 15.20-22; 1 Ts 4.13-18)
como as incrédulas. (Jo 5.28; At 24.15) 0 s unitários e outras seitas anticristãs
têm negado a ressurreição dos ímpios (socinianos, adventistas, russelitas, etc.).
A Escritura, porém, confirma esse fato em termos inconfundíveis. Ainda que
se possa resistir à exortação de Cristo a ressuscitar espiritualmente pela fé em
suas promessas evangélicas divinas (Mt 11.28-30; Mt 23.37), porque, agora,
opera por meio (potentia ordinata), não se poderá resistir à sua ordem no dia
do juízo para ressuscitar corporalmente da sepultura (Mt 25.31,32), visto
que, então, exercerá seu poder divino sem o uso de meios (potentia absoluta,
efficacia irresistibilis, in nuda maiestate, en tee doxee autou).
Dogmática Cristã
5. O Juízo FINAL
(DEIUDICIOEXTREMO)
Imediatamente após o segundo advento de Cristo e a ressurreição dos
mortos, virá o juízo final. (Mt 25.31,32: "Quando vier o Filho do homem na
sua majestade, [...I então se assentará no trono da sua glória; e todas as nações
serão reunidas em sua presença.") Essa conexão imediata da segunda vinda
de Cristo com a ressurreição geral e o juízo final exclui toda e qualquer
possibilidade de um milênio; pois, quando a Escritura fala das últimas coisas
ex professo (sedes doctrinae), não deixa espaço para um reino terreno milinarista
de Cristo.
Serão julgados todas as pessoas sem exceção, tanto as piedosas como as
ímpias (2 Co 5.10; Rm 14.10), tanto as vivas como as mortas (At 10.42), bem
como também os anjos maus. (2 Pe 2.4; Jd 6)A base para o julgamento de
Cristo será sua verdade revelada, a Palavra de Deus, segundo o afirmam
claramente as Escrituras. (Rm 2.16; Jo 12.48; Ap 20.12) A norma de julgamento
(norma iudicii) será as obras das pessoas. (2 Co 5.10; Mt 25.35-45). Os justos,
no entanto, serão julgados apenas segundo as suas boas obras (Mt 25.34-40;
Ap 12.11), uma vez que as suas obras más, ou pecados, foram lançadas nas
profundezas do mar (Mq 7.19) ou seja, foram perdoadas.
Quando as Sagradas Escrituras declaram que todas as pessoas serão julgadas
(2 Co 5.10; Rrn 14.10, e, por outro, que aquele que crê em Cristo não entra em
juízo (Jo 5.24: eis krisin ouk érchetai), essa aparente contradição nada mais é do
que a velha contradição entre a Lei e o Evangelho. Segundo a Lei, todos os seres
humanos devem comparecer perante o tribunal de Cristo. Segundo o Evangelho,
os crentes não entrarão em juízo. O comparecimento dos crentes perante o
tribunal de Cristo não terá, portanto, a natureza de um juízo condenatório,
visto que os seus pecados estão perdoados pela fé em Cristo. (Mt 25.34)
Gerhard comenta com razão que também os ensinamentos
escatológicos de Cristo são tanto Lei como Evangelho e que, também nesse
caso, a Lei admoesta e adverte todos os cristãos no que concerne ao fato de
serem carne (2 Co 5.10; Rm 14.10), enquanto o Evangelho os conforta em
seus temores e dúvidas. (Lc 21.28) Lutero declara: "O iuízo está ab-rogado;
ele concerne aos crentes tampouco quanto concerne aos ánjos.~odosos crentes
passam sem julgamento desta vida para o Reino do céu e ainda são feitos
juízes de outros." Essa afirmação é correta; pois Cristo declara expressamente
que os justos serão segredados dos injustos antes de principiar o juízo. (Mt
25.32,33)
De acordo com a Escritura, o juízo não consiste num processo demorado
(iudicium discussionis) mas num ato momentâneo. (actio momentanea; Mt 24.27;
Lc 17.24) Realizar-se-á em atomoo, num momento, em ripee ophthalmou, num
abrir e fechar d'olhos. (1 Co 15.51,52)
Das Últinzas Coisas
(DECONSUMMASTIONE
MUNDI)
Com respeito ao céu e à terra, ou seja, o mundo que Deus criou no
princípio (Gn 1.1), as Sagradas Escrituras ensinam, em termos inconfundíveis,
que hão de "passar". (Lc 21.33: pareleusontai; H b 1.10-12: apolountai,
"perecerão"; allageesontai, "serão mudados", SI 102.26-28: wejachalophti jobêdu.)
O sentido das palavras passar, perecer, ser mudado, etc., nessas passagens,
fica evidente no contraste em que as obras perecíveis "das mãos de Deus"
estão para com ele, o Criador eterno, imperecível. Enquanto ele permanece,
elas perecem. Enquanto ele continua imutável e os seus anos não falham, elas
envelhecerão como um vestido, e "serão mudadas". Num mesmo contraste
estão "o céu e a terra" (Lc 21.33) para com "as palavras de Cristo", pois, enquanto
as palavras de Cristo não passam de modo nenhum, o céu e a terra passarão.
-Em 1 Co 7.31, São Paulo escreve: "A aparência deste mundo passa"
(paragei to scheema tou kosmou toutou). A "aparência deste mundo" é sua forma
atual, ou seja, as "presentes circunstâncias ou condições das coisas terrenas".
Semelhantemente escreve São João: "O mundo passa" (ho kosmos paragetai; 1
Jo 2.17). Com base nessas passagens da Escritura, a Teologia cristã ensina que
o mundo, em sua forma atual, será totalmente destruído. (2 Pe 3.10: "Os
céus passarão com estrepitoso estrondo, e os elementos se desfarão abrasados;
também a terra e as obras que nela existem serão atingidas.")
Nossos dogmáticos, porém, estão divididos no que concerne à maneira
em que isto ocorrerá. Enquanto que a maior parte dos teólogos luteranos
(Gerhard, Quenstedt, Calov, etc.) ensinam uma destruição total (aniquilação)
do mundo quoad substantianz, outros (Lutero, Brenz etc.) afirmam que apenas
a forma deste mundo como agora se apresenta passará. Que o mundo será
destruído apenas quanto à sua aparência atual. Esse ensinamento baseia-se
também em Rm 8.21, onde o apóstolo escreve: "A própria criação será redimida
do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória de filhos de Deus."
Lutero escreve coerentemente: "O sol aguarda outro adorno, o qual há
de ter, juntamente com a terra e todas as demais criaturas, a saber, que há de
ser purificado de todo abuso do diabo e do mundo."
Quenstedt rejeita essa doutrina e escreve: "A forma desta consumação
não consiste em mera transformação, alteração ou renovação de qualidades,
Dogmática Cristá
7. A CONDENAÇAO
ETERNA
(DEDAMNATIONE
AETERNA)
Por ocasião do juízo derradeiro, será feita uma separação completa e
eterna entre os ímpios e os piedosos. M t 25.46: "E irão estes para o castigo
eterno, porém os justos para a vida eterna."
O fato de que haverá um castigo eterno pode-se deduzir, até certo ponto,
também do conhecimento natural que o ser humano possui das coisas divinas.
(Rm 1.18-21) O conhecimento do juizo de Deus (dikaiooma) faz parte da Lei
divina que Deus escreveu no coração humano. (Rrn 1.32) Fundamentada na
Lei, a consciência condena os atos pecaminosos da pessoa como sendo
transgressões, pelas quais é considerado responsável. (Rrn 2.15; 1.20,32) Daí,
também entre os gentios vamos encontrar como que uma doutrina de uma
retribuição eterna, muito embora seja, naturalmente, pervertida por muitas
especulações fantasiosas. (cf. Christl. Dogmatik, 111, 611ss)
Das Últimas Coisas
Em contraposição aos russelitas, que alegam que nem sheôl nem hades
podem significar inferno no sentido de "lugar dos condenados", respondemos
que não dependemos só desses termos para provar a existência do inferno,
visto a doutrina do castigo eterno ser claramente ensinada noutros termos
na Escritura. (cf. geenna, Mc 9.43,44; Lc 12.5)
O vale de Hinom (Gehinom) próximo de Jerusalém, com seu fogo
queimando ininterruptamente no consumo dos despojos da cidade, certamente
constituía símbolo apropriado do fogo eterno do inferno "onde não Ihes morre
o verme, nem o fogo se apaga". É muito significativo que nosso amado Salvador,
que é amor (1 Jo 4.8), ensinou, ele mesmo, com tanta persistência e ênfase o
castigo eterno dos condenados. (Mt 5.29,30; 10.28; 11.23; Lc 16.23) O castigo
eterno dos condenados também é comprovado pela descida de Jesus ao inferno.
(Eis en phylakee pneumasin apeitheesasin; 1 Pe 3.18-20.)
Com base em passagens claras das Escrituras, ensinamos que a forma
(forma) ou essência da condenação eterna consiste no banimento perpétuo
da graça e comunhão divinas, ou seja, na separação perpétua dos condenados
do amor e da misericórdia de Deus. (Mt 25.41; 8.12; 2 Ts 1.7-9)
Originariamente, o homem foi criado para comunhão com Deus, e só nisso
- ele encontra suprema felicidade. (Jo 17.20-23; SI 17.15; M t 1 1 . 2 8 s ~ )
Conseqüentemente, a separação de Deus, o Sumo Bem (summum bonum) e
única fonte de toda boa dádiva e de todo dom perfeito (Tg 1.17), significa,
em si mesma, padecer a maior angústia corporal e espiritual.
As Sagradas Escrituras, além disso, descrevem com muita exatidão os
padecimentos indizíveis dos condenados como sendo "tribulação e angústia"
(Rm 2.9), "estar em tormentos" (Lc 16.23), "estar atormentado nesta chama"
(Lc 16.24), "ir para o fogo inextinguível, onde não Ihes morre o verme, nem o
fogo se apaga" (Mc 9.43,44), "choro e ranger de dentes" (Mt 8.12), etc. Em
resumo, a Escritura emprega os termos mais fortes para mostrar que os
padecimentos dos condenados na alma e no corpo são os maiores que se
podem conceber. Com efeito, excedem nosso fraco entendimento, visto serem
contínuos e perpétuos, ardendo o fogo incessantemente e, ainda assim, não
se consumindo. (Mc 3.29)
Enquanto o padecimento do corpo no fogo do inferno será extremo, a
alma será torturada perpetuamente com a sensação da ira de Deus (sensus
irae) e a sua condenação eterna (C1 3.10), bem como pelos terrores de uma
consciência completamente desperta (terrores conscientiae) . (Lc 16.27,28)
Hollaz acrescenta o comentário oportuno de que "os tormentos do inferno
sobrevirão às almas dos condenados tão logo tenham saído do corpo", isto é,
por ocasião da morte. (Lc 16.23)
No intuito de descreverem com mais exatidão os tormentos dos
condenados, nossos dogmáticos dividem-nos em padecimentos privativos e
___/
Das Últimas Coisas
Crisóstomo nesse ponto, o qual afirma: "Não procuremos saber onde fica,
mas como dele escaparemos."
Hollaz encerra este assunto com a observação oportuna: "É coisa certa
que a prisão infernal é uma localidade real (Lc 16.28; 1 Pe 3.19), separada da
habitação dos bem-aventurados. (Ap 22.15; Lc 16.23) É provável também
que se situe fora deste mundo habitável. (2 Pe 3.10; M t 8.12) Todavia, onde
fica exatamente esse lugar, é coisa desconhecida para os homens durante a
vida presente." (Doctr. Theol., p.658)
Com respeito à causa da condenação eterna, é óbvio que embora todo
pecado (tanto original, E£ 2.3, como o atual Ez 18.20), seja por sua própria
natureza (natura sua, ut sic, meritorie) condenável (1 Co 5.11; Ap 21.8; G1
3.10), é o pecado da incredulidade que, em última análise, condena. (Jo 3.16-
18,36; Mc 16.16) Por meio de sua satisfação vicária (satisfactio vicaria), Cristo
adquiriu reconciliação perfeita com Deus para todos os seres humanos, de
sorte que, nele, todo pecador neste m u n d o é absolvido de todas as
transgressões (2 Co 5.19-21) (justificação objetiva). Em razão disso, o pecador
é castigado eternamente somente se recusar o perdão gracioso de Deus pela
fé em Cristo. Essa é uma ofensa tão grande, que é punida com justiça através
da condenação perpétua no inferno.
Contudo, se o pecador não aceitar o perdão gracioso de Deus em Cristo
Jesus, então o pecado original bem como os seus pecados atuais o condenarão
também, visto que jamais poderá expiá-los e, desta maneira, são para todo o
sempre lançados em sua conta. É por esse motivo que a Escritura, por um lado,
atribui a condenação eterna ao pecado da incredulidade (Jo 3.18) e, por outro,
também a todos os demais pecados. (Ef 5.6; G15.19-21; 1 Co 6.9,10; Ap 22.15)
Se conservarmos em mente a explicação que acaba de ser dada, não
menosprezaremos a satisfação vicária de Cristo (ensinando a justiça das obras)
nem ainda o caráter condenável da transgressão h u m a n a . (Rm 6.1:
"Permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante<") Tanto
mais, porém, confiaremos em Cristo Jesus, nosso divino Salvador e, no poder
da fé, fugiremos do pecado e o combateremos. (Rm 6.2,11-15) O objetivo das
Sagradas Escrituras, ao nos revelar a doutrina da condenação eterna, é advertir-
nos contra a incredulidade (Mc 16.16) bem como contra a segurança carnal
(Mt 26.41; 1 Co 10.12), e, assim, induzir-nos a procurar a salvação gratuita
de Cristo, oferecida a todas as pessoas nos meios da graça. A doutrina da
condenação eterna é o gênero mais severo de pregação da Lei, e seu objetivo
é o arrependimento. (Mt 3.7-12)
Essa advertência, contida na doutrina do castigo perpétuo, não se
destina, contudo, apenas aos incrédulos, mas também aos crentes enquanto
ainda forem carnais (Mt 8.11,12, dirigida aos "filhos do reino"; 26.24, dirigida
a Judas; 24.42-51, dirigida aos discípulos).
Das Últimas Coisas
(DEBEATITUDINE
AETERNA)
a. O fato da salvação eterna. A existência de uma vida perpétua em
glória e ventura para todos os que crêem verdadeiramente em Cristo
Jesus, é a culminância de toda a revelação evangélica das Sagradas
Escrituras. (Rm 5.1,2; Ef 2.4-6) Assim diz a explicação do Segundo
Artigo do Credo: "Creio que Jesus Cristo me remiu [...I, para que eu
lhe pertença e viva submisso a ele em seu Reino e lhe sirva em eterna
justiça, inocência e bem-aventurança, assim como ele ressurgiu dos
mortos, vive e reina para sempre." Da mesma forma, também a
Dogmática Cristã
Cristo (Fp 3.21) e resplandecerá como o sol (Mt 13.43), estando livre de todas
as conseqüências do pecado. (1 Co 15.42,43)
A língua que será usada no céu não é terrena, mas celestial, de sorte
que não pode ser conhecida na terra (2 Co 12.4: "palavras inefáveis, as quais
não é lícito ao homem referir".)
Embora não haja graus de Felicidade, uma vez que todos os santos de
Cristo verão Deus e, assim, serão completamente bem-aventurados, a
Escritura ensina que há graus de glória (doxa, gloria), proporcional à fidelidade
e aos sofrimentos dos crentes cristãos na vida presente. (2 Co 9.6; 1 Co 15.41,
42; D n 12.3) (Omnibus una salus sanctis, sed gloria dispar; cf. Lutero, S. L.,
VIII, 1223ss.) Essas diferenças de glória não suscitarão inveja, visto que o
ciúme é pecado (G1 5.20,21) e o pecado estará completamente abolido no
céu. (S1 17.15; 16.11)
É realmente preciso que se conceba o céu como u m determinado lugar
@ou) onde os bem-aventurados verão Deus e gozarão a glória suprema de
modo perfeito. (Mt 5.12; 6.20; 1 Pe 1.4; Mc 16.19). Não devemos, porém,
tomar esse "determinado lugar" em sentido material. Assim como o pou
damnatorum é toda parte onde Deus revela a sua eterna justiça punitiva, o
pou beatorum é toda parte onde Deus revela sua graça e amor eternos em
glória desvelada. Dessa forma, os anjos estão sempre no céu, mesmo quando
ministram aos santos na terra. (Mt 18.10; Lc 1.19)
d. Os santos no céu. A Escritura descreve como santos de Deus que
herdarão a vida eterna todos quantos crêem em Cristo. (Jo 3.16-
18,36) Por essa razão, é errado atribuir-se a vida eterna também aos
que não são crentes com base em sua iustitia naturalis et civilis.
( ~ w í n ~ l i oHofmann;
, cf. Lutero, contra Zwínglio, que expressou a
esperança de encontrar n o céu gentios como Hércules, Teseu,
Sócrates, etc.) Cristo ordenou expressamente aos seus discípulos
que pregassem o Evangelho a toda criatura, acrescentando a
advertência de que todo aquele que não cresse seria condenado. (Mc
16.15,16; Lc 24.47; c€. também At 26.18)
Que só os verdadeiros crentes serão salvos eternamente, transparece
também em todas as passagens na Escritura a) em que se ordena aos ministros
cristãos sejam fiéis e diligentes em seu sagrado ofício, a fim de que nenhuma
alma se perca por incredulidade (Ez 3.18,19; 2 T m 4.1,2; 2.23-26; 1 T m
4.15,16); b) em que todos os cristãos são exortados a instruir, repreender e
advertir os irmãos que erram, a Fim de que não percam a salvação de sua alma
por apostasia (Mt 18.15-17; 1 Co 5); e c) em que todos os cristãos são
admoestados a viver vida santa, para que não se tornem culpados da
condenação de ninguém em virtude do escândalo de se negar a fé e profissão
cristã. (Mt 18.6,7)
Dogmática Cristã
GLORIA!
- consensus ecclesiae p a t m [I081
A debito ad posse non valet consequentia [342] Consequentiae legitimae [I371
A praecepto ad posse non valet consequentia [2381 Conservatio [ 1931
3831 Consubstantialis [16 11
Actio praevia 11941 Contemptus sacramenti damnat, non privatio [469/
Actus personales [163] 5 O41
Adhortationes, legales, evangelicae, r2381 Contritio cordis, confessio oris, satisfactio operis
Admonitiones, legales, evangelicae, 13421 i4631
Agraphos, vox [52] Conversio prima [341]
- secunda [341]
Aliquid discrimen in homine 1951
Alloiosis [270] - reiterata [341]
- alloiosis em Zwínglio aplicado a absolvição 14351
Creatio continuata [I941
Allos, o Pai é chamado outro, allos, diferente do Crimen laesae maiestatis [97
Filho [I591 Cmx theologomm [76]
Analogia fidei 11481 Culpa, todos os homens por natureza estão in eadem
Angelus increatus r1991 culpa 17615641
Antigraphos, vox 1521 Cur alii, alii non? [76/96/249/346/416/567]
Antilegomena [122/128/140] Cur aiii prae alús? [76/96/346/551/567
Appetitus sensitivus [221] Cur non omnes? 1761
Apokalypsis [52]
Apokatastasis [591]
Apotelesmata, o que se quer dizer com 12801 Dei mors, Dei passio, Dei sanguis [281]
Appetitus sensitivus [207] Desertio Christi 12891
Apprehensio, simplex [149] "Desperto" r3501
- spiritualis [I491 Deszendenztheorie 11841
A priori. Escritura deve ser aceita como verdade a Deus assumpsit naturam humanam, non hominem
priori [37] i2601
Argumentum in circulo [I331 Deus non dat interna nisi per externa [336]
Articuli antecedentes, consequentes, 19413571 Dicta probantia [ I 071
Articulus fundamentalissimus [68] Diesseitigkeitstheologie 1781
Articulus stantis et cadentis ecclesiae r2531 Dii nuncupativi r1671
Autopistos (autoritativo), A Escritura é, L1321 Doctrina divina 591
Auctoritas normativa et causativa [I321 Donatio fidei é conversão [330]
Donatio virium spiritualium est conversio r3321
B Donum supernaturale 12081
Baptismus fluminis et flaminis [474 - snpperadditum [208]
Buchstabendienst 11091 - concreatum 12081
Buchstabenknechtschaftl unwurdiger Lehrzwangl
gesetzlicher Geist 1921 E
Ecclesia est invisibilis [5 111
- una [511]
Castigationes paternae [216/403] - sancta [512]
M
Habitus Mandatum divinum [I191
- spiritualis [54] Manducatio generalis, indignonim [496]
- practicus r811 Mater ecclesia saiicta [43]
- exhibitivus [87]
Materia coelestis [477/493/492]
- demonstrativus [87] - materia terrena [492]
- practicus é adquirida [I001 - o que ela não é [493]
Heilanstalt, Igreja não é uma [507] Materia est principium passivum [I871
Hominis voluntas in conversione non est otiosa, Media dativa, effectiva [310]
etc. 13391 Media dotika 12501
Homo certus est passive, etc. [88] Meditatio; Meditação na Teologia [100/101]
Homo in conversione passive sese habet [333] Medium cognosceudi [84]
Homologumena [122/128/140] Medium iustificatiouis [Sol]
Homo peccator [82] Medium leptikon 12501
Hombile decretum 15631 Medius, status [569]
Meritum de congruo, de condigno [400]
Dogmática Cristã
v
Tabula secunda [401/465/101] Verbum internum [465/144/53 111441
Terminus peremptorius [342] Versiones Scripturae Sacrae [138]
Terminus vitae [I981 Verstockung eine Folge der Selbstverstockung [564]
Terrores conscientiae, não meritórios [337] Vis dativa, effectiva [334]
Tertium comparationis [I191 Vocatio immediata, mediata [531]
Testimonium Spitirus Sancti [I321135132113641 Vocatio seria [564]
37614041 Voluntas
Theologesantes [53] - gratiae [250]
Theologia debet esse grammatica 11061 - ordinata [250]
Theologia irregenitorum [54] - antecedens [2511565/590]
Theólogos, ho; theologus [53/101] - consequens [25 115651590]
Theopneustos [I1411 1611171 - divina, - prima, - secunda, porque falamos de [565]
Theorie, kiinstliche [I301
Theósdotos [47] W
Tohuvabohu [185] Wirklichkeitsmenschen [I291
Transmutationshypothese [I841 Wirklichkeitssinn [28]
Tres causae efficientes conversionis (não há) [333]
U
z
Zorneswahl, não há [563]
Unio Zweinaturenlehre [260]
- nominalis [262]
Dogmática Cristá
TEXTOS
B ~ B L ~ CEXPLICADOS
OS
Atos João
2.24 r2911 19.34 [2991
11.21 [326]
13.48 [564] 1 João
19.1-6 [473] 1.8-10 [381]
3.9 [381]
Apocalipse
16.11 [589] Lucas
20 [578] 22.20 r4981
1 Coríntios
7 . 1 0 s ~[I251
11.25 [498]
15.29 [467]
2 Coríntios
5.18-21 [302]
1 Pedro
Filipenses 1.10-2 L1131
2.12,13 [415] 3.18-20 [290/575]
4.6 L2911
Gálatas
3.3 [39] 2 Pedro
3.22 13961 1.10 [560/561]
Gênesis Romanos
1 e 2 [I891 8.29 [557]
3.15 [581] 9.18 [566]
9.22 [565/579]
Hebreus
6.4-6 L2331 1 Samuel
10.26-7 [233] 28.19 [575]
12.14 [376]
2 Tessalonicenses
2.3-12 [541]
ABF.LARDO APOLOGIA
- nega a satisfação vicária [37] - obras [38]
ADOCI0hml0 - heresias [57]
- modalidade de nestorianismo [264] - sola fide [69/70]
ADOPCIOMSTAS
11581 - livre-arbítrio [236]
AG~osnm~ o
11741 - reter o Evangelho [245]
Ammmo - expiação de Cristo [301/302]
- atributos e essência divinos [I681 - fé [303]
- Trindade [I561
- hexaemeron [I851
- providência divina [I931
- definição errônea do pecado pelos papistas [212]
- opinio legis [332]
- corruptio hereditaria [218]
- erros dos papistas sobre o arrependimento [352]
- pecado original como dano acidental [222]
- significado de justificaçáo [360/363]
- livre-arbítrio [238]
- doctor doctorum Christus, cuius schola in terra
- justificação por obras [364]
- fazer boas obras [388]
et cathedra in coe10 est [296]
- 'vícios fúlgidos' [391] - recompensa da graça [396]
- Batismo é água ligada à Palavra de Deus r4661
- exaltação das boas obras 13961
- sacramentos [421]
JoÃo
AGRÍCOLA,
- absolvição [433/434]
- o decálogo pertence no tribunal, não no púlpito
- propósito da Santa Ceia [478]
14451 - membros da Igreja [506/507]
- antinomista [445]
- instituição divina do ministério público [529]
kWíiV0
- contra a reivindicação de que os sacerdotes devem
- natureza de Cristo [264] ser obedecidos em todas as coisas [539]
AMB~ósr0 - propósito da morte [570]
- fé 13841 - castigo eterno dos ímpios [587]
AMmALDm AQUINO, TOMÁSDE
- [247] - sobre o significado e função da Teologia [52]
AMSDORF A ~ M O
- boas obras são prejudiciais à salvação [376] - [158/161/255]
AMYRALW,
MOISÉS
- Deus oferece a graça a todos, mas somente aos - theologeesantes 1531
eleitos concede fé [247] - conhecimento natural de Deus pelas obras divinas
ANALÍTICO,
&TODO da criação [I521
- [I001 ARMINIANOS
ANTQUILACIONISTAS - [45/69/244/245]
- das últimas coisas (escatologia) [591] ASTRUC,
JEAN
ANSELMO
DE CANTUÁRIA - Gênesis 1 e 2 não se coadunam [189]
- sua filosofia religiosa [36] ATANÁSIO
- negou a obediência ativa de Cristo [37] - aequalis patri secundum divinitatem, minor Patre
- como homem, Cristo obedeceu à Lei divina para secundum humanitatem [I601
seu próprio bem [2121 - hexaemeron [I851
~ C R I S T O S OS
, - Deus opera milagres não separadamente da
- L921 natureza humana [28 11
ANTE~OMLSMO - sobre o genus apotelesmaticum [281]
- [378/445] ATEÍSMO
APOLINÁRIO - [151/153/174/192/196/198/215]
- o 'logos' tomou o lugar do 'nous' [255]
Dogmática Cristã
AUGSBURGO,
CONFISSÃO
DE
- o termo 'pessoa' 11581 - porque o comer do fmto proibido trouxe morte
- causa do pecado 12161 [223]
- efeitos da Queda [220]
- pecado original [221/222] - figura retórica no todo da declaração 14841
- fé justificadora [247] BLDDEES
- o ofício de Cristo [295] - conhecimento sem assentimento [317]
- arrependimento [35 I ]
B U S ~ Z LHORÁCIO
L,
- justificação [355] - transformação de caráter [304]
- essência das boas obras [384]
- iuamissibilidade da fé 14131
C.U.CED~N~,
CONC~LIODE
- [262]
- meios da graça [418]
- finalidade dos sacramentos [422] C m s , JORGE
- absolvição [435] - inspiração [I 1711201
- essência da Santa Ceia [479] cmv
- o que propriamente é a Igreja L5061 - tradicão não é fonte de fé [40]
- o Estado, uma ordenação de Deus [515] - método analítico [I001
- necessidade do chamado [531] - inerrância das Escrituras [I181
AURÉOLO,~ R O - autoridade canônica das Escrituras [I361
- [I681 - a essência eterna de Deus e os atributos divinos
AUTO-HIPOSTASISMO
(autohypóstatos) i1681
- criação [I831
- Cristo se coadunava gradativamente ao logos
- causa eficiente da criação 11841
12651
- Estado de integridade [2061207]
AXIOMA
RACIONALISTA
C A L ~ T TEOLOGIA
A,
- a graça eficaz age imediatamente [44]
- Teologia reformada 1431441
BAIER
- nega a 'gratia universalis' 1451961
- doutrinas não-fundamentais 1751
- erra com relação ao pecado contra o Espírito
- questões abertas [78]
Santo [233]
- método analítico [I001
- ensina que Deus é a causa da perdição de alguns.
- perspicuidade da Bíblia [I471
12481
- nossas atitudes frente aos anjos [204]
- graça divina não pode ser resistida [249]
- Estado de humilhação de Cristo [282]
- limita a graça divina ao eleito 12491
- eficácia da Bíblia [I431
- explora a vontade oculta, insondável de Deus
- conversão transitiva e intransitiva 1541
r2521
- arrependimento [352]
- nega a comunhão das naturezas r26612681
- definição de Igreja r5061
- nega o 'genus maiestaticum' [272]
BAS~LIO - seu 'ou - ou' concemente ao 'genus maiestaticum'
aplicou o termo 'Teologia' à doutrina da Trindade
r2781
i531 - erra a respeito da descida de Cristo ao inferno
B E L ~ O ~2921
- o pontífice romano como o vigário de Cristo -sua visão de céu1 espaço criado [293]
C5091 - ensina que 'peccata enormia' dos cristãos não
- Igreja, ajuntamento de homens tão visível [511] destroem a fé [231]
B m - nega a inamissibilidade da fé 14131
- uma eventual 'vitória do sinergismo' [334] - não conforta o pecador atemorizado [414]
- sola gratia 13481 - atribui habilidade ao homem no que tange à
- aritinomianismo [445] perseverança na fé L4141
- doutrina da Santa Ceia em Calvino [482] - seu erro com relação aos meios da graça 14191
- doutrina da eleição e salvação [566] 4231
BEZA - faz a eficácia dos sacramentos depender da fé
- contra a explicação das palavras da instituição [4231
em Calvino [483] - nega a necessidade dos sacramentos [423]
BIBLICISMO - não tem meios da graça para os não-eleitos [4251
- mero cristianismo intelectual [61] 4261
- razão humana como 'principium cognoscendi' - em última análise, não tem meios da graça nem
11251 mesmo aos eleitos [426]
- baseia a certeza da salvação na iluminação interna
r4261
Índice Onomástico
- seu erro com relação à operação imediata do - graça divina [245]
Espírito Santo [44/426/433] - necessidade da morte de Cristo [247]
- destrói a doutrina da graça e fé salvadoras [427/ - genus apotelesmaticum [279]
4281 - redenção 12811
- sua relação próxima junto ao Romanismo [428] - artigo da justificação [359]
- rejeita a absolvição/ zwinglianismo [434/436] - direito da Igreja na vocação [533]
- faz da oração um meio da graça [442] - fé como conseqüência que segue a eleição [557]
- confunde Lei e Evangelho 14561 - ressurreição do corpo [583]
- nega~aeficácia do Batismo [464] CÍCERO
- desaprova o Batismo ministrado por leigo [468] -termo 'religião' [29]
- perverte a doutrina da Santa Ceia [478] -theologi [53]
- ensina o beber e comer espirituais [480] - conhecimento natural de Deus pelas divinas obras
- concorda com relação à doutrina da Santa Ceia da criação (1521
[482] - corrupção original [2 181
- seu erro quanto à doutrina da Santa Ceia é refutável - prova teológica [591]
148.33 - argumeiitum e consensu gentium [592]
- acusa Luteranismo de ter dado sentido literal às C~ÊNCIA
E TEOLOGIA
palavras da instituição [488] - debate [84]
- ensina que o corpo de Cristo é somente presença - em qual sentido a Teologia não é uma ciência
local [488] [84/85]
- fé faz do comer e beber um sacramento [494] - em que sentido a Teologia é uma ciência [85/86]
- acusa Luteranismo de ensinar que a palavra do - é preferível não definir a Teologia cristã
homem produz presença real 14951 primariamente como uma ciência 1871
- não tem Santa Ceia, mas Batismo procede [497] CIPRIANO
- ressalta que não se deveria falar da Santa Ceia
- 1 João 5.7 [I661
como sendo um selo da graça divina [500/501]
CJSMÁTICOS
- ensina eleição absoluta r5511
- (separatistas) [522]
- limita 'gratia universalis' [554]
- ensina que o resultado é a interpretação do
propósito de Deus L5661
- ensina reprovação eterna à condenação 15901
C..u.m-o - interpretação das Escrituras [43]
- ensinou a doutrina zwingliana da Santa Ceia [482/ - boas obras necessárias para a justificação [49]
4831 - confunde a graça e os dons da graça [243]
- anatematiza a definição luterana de graça
- acomodação quanto à terminologia luterana
justificadora 12431
14831
- blasfema a doutrina escriturística da justificação
- sua explicacão das palavras da instituição [483/
4841 pela fé 13541
- argumentação racionalista com relação à presença
- ensina a necessidade de boas obras para a salvação
real [484/485] i3751
- ensinou que o sinal visível não confere graça - perverte e condena o Evangelho [401/402]
15001
CONTROVÉRSIA
CRIPTOQUEN~TICA
CAWT~T - [283/284]
- opositor fanático de Lutero [476] CREDOS
- explicação quanto à Ceia foi rejeitada por - oposição dos modernistas que advogam uma
reformados [483] religião sem credo [78]
CEIA - católicos [79]
- dos calvinistas e papistas estl fora da instituição - não desenvolvem doutrinas [90]
de Cristo r4931 CREMER
- julgamento de alguns teólogos luteranos com - defende a instituição divina da Santa Ceia [4761
relação à ela [497] CRIACIONISMO
CESAROPAPISMO - 1761
- [522] CRISOSTOMO
CmMNmz - Santa Ceia [495]
- método sintético [I001 - inferno [589]
- fixar o cânone bíblico [140/141] DANAEUS
- o conhecimento de Deus que salva [I541 - essência divina não pode ser comunicada a algo
- Deus, o Criador r1901 criado [266]
Dogmática Cristã
GROTIUS,
HUGO(Teologia da Nova Inglaterra) - artigos não-fundamentais [74]
- teoria governamental 13051 - método analítico [I001
IJ[ADES/SHEOL - artigos de fé [78]
- [587] - inspiração i1171
HAFENREFFXR - impulsus divinus i1181
- autoridade das Escrituras [132/135]
- purgatório C5741
- uso ministerial da razão [I371
HARNACK,
A
- eficácia da Palavra divina [I441
- graça de Deus sem a morte de Cristo [2461
- três pessoas em Deus [164/165]
- cristão vive pela convivência pessoal com Deus.
- unidade divina [I701
não por meios da graça [430]
- criação [183]
- sobre a Santa Ceia [498/499]
- Deus. o Criador [1?11
&SE, CARLOS - cooperação [I951
- fé robusta na vida eterna [592] - providência permissiva [I961
HASTINGS,
SUA ENCYCLOPAEDIA - conhecimento dos anjos perversos [202]
- inspiração [I291 - pecado original [2181
HEERBRAND - causa do pecado original [223]
- 'fides non est conditio...' [251] - definição de pecado atual [224]
- abster-se de ensinamento definitivo quanto a - vontade conseqüente [252]
passagens obscuras [585] - comunicação dos atributos [268]
IIÉRcULFS - genus idiomaticum [268]
- gentios no céu, esperança zwingliana [595] - descida de Cristo ao inferno [291]
HERMANN,
H - ascensão [293]
- vivencialista moderno [430] - fé [318]
HETERODOXAS,
IGREIAS - conversão i3261
- [519/521] - justificação [353]
HEXAEMERON - imperfeição da santificação [379/380]
- [I851
- definição de boas obras [384]
- palavras da instituição [483]
HILÁRlo - onde é o inferno L5891
- hexaemeron [I 851
HOLT~ANN
HILEY,R. W - nega a instituição do Batismo L4571
- inspiração [I1511 161
- Herrenmahl r4761
HODGE,
CHARLES HOMERO
- systeinatic theology i441451 - argumentum e consensu gentium i5921
- defende a inspiração verbal e plenária [I211
- graça eficaz age imediatamente [I441
HORÁCIO
- corrupção original i2181
- ensina que o resultado é a interpretação dos
propósitos de Deus [248] HUBER,
SAMUEL
- morte de Cristo [281/282] - objeto da eleição eterna [552]
- bênção do cálice [496] HUMBOLDT,
ALEXANDRE
DE
HOEFLING - antropólogo quanto a unicidade da raça humana
- 152915301 [1881
HOFM
ANN Hmrus
- pai da Teologia subjetiva [29] - erra sobre a doutrina da eleição [557/558]
- imagem de Deus [209] Hus
- Cristo se esvaziou de seu conhecimento divino - reconheceu no Papa o anticristo [544]
i2651 H m
- teoria da garantia 13051 - método sintético [I001
- repudia a 'satisfactio vicaria' I5081 - pecado atual [224]
- objeto da eleição eterna [553] - significado do termo 'livre-arbítrio' [235]
- doutrina da ressurreição no Antigo Testamento - instituição divina do ministério i5261
15811 - abster-se de ensinamento definitivo quanto a
HOU passagens obscuras [586]
- define religião i291341 hxALAPsARL4Nos
- revelação privada não é fonte de fé [40] - [248]
- artigos fundamentais [71] ~ ~ A L I S M O
- artigos fundamentais secundários [72/73] - 1611
Índice Onomástico
MONARQU~A~\?SMO PARSIMOMO,
JOÃO
- [I581 - descida de Cristo ao inferno [291/292]
MONERGLSMO PARTICULARISMO
- da graça divina a qual devemos nossa perseverança - [248/249/250]
[125/126] PATRIPASSIANOS
MOXOTELF~.~SMO - [I581
- 12551 PELAGJANOS
MopsuÉsn~,TEODORO
DE - afirmam que pecado alheio não pode ser
- união relativa nas duas naturezas de Cristo [264] imputado [218]
MUELLER,
MAX - negam a corrupção hereditária1 Caribdes do
- diferença entre a religião cristã e as outras assim pelagianismo [22 112391
chamadas religiões 1311 PERFEICIONISMO
MUEN~IEYER - [380-3851
- geistlicher Stand r52915341 hX3IMTSM0
MUENZER - [I531
- entusiasta [430] PEYRERE,
ISAAC
NAZIANZA,
GREGÓRIO
DE (hó theólogos) - judeus procedem de Adão; gentios, dos pré-
- defendeu a divindade de Cristo [53] adamitas [I881
- categorias angelicais [201] PFEFFINGER
NESTORIANISMO - recebidos por crer no Filho [554]
- [262/267/268] PFEIFFER
NIEMEYER - Teologia positiva [59]
- Consensus Tigurinus [478/479] PmLlPP1
NITZSCH-STEFAN - imagem de Deus [209]
- fonte da fé [61] - intuitu fidei finalis, ex praevisa fide finali [557-
NOESGEN 5591
- Herrenmahl [476] PrnzsTAs
- as palavras de Cristo na instituição da Ceia [489] - como endereçam o pecador atemorizado [431]
OECOLAMPÁDIO - rejeitam a absolvição1 Satanstuhl 1434-436,4421
- a figura retórica em 'meu corpo' [481] - fazem da oração um meio da graça [442]
- finitum non est capax infiniti r4841 PJSCATOR,
JoÃo
OLSHAUSEN - in copula 'est' non posse tropum E4821
- santidade de Maria r2571 ~ T Ã O
ORÍGENES - prova metafísica [592]
- Batismo infantil na Igreja primitiva [467] POACH
OSIANDRO
(OSIANDER),
J.A. - Lei como assunto do Estado [445]
- natureza angelical [199] POI~&.MO
- Adão criado somente à semelhança de Cristo - definição de [153/172]
~2071 PONTO
DE VISTA
- habitação e influência de Cristo [360] - teológico [27]
- nega o 'actus forensis' [361] - das várias secções [27]
- objeto da eleição eterna [553] - cristão [27]
OTIMISMODE LEIBNIZ - único e correto [27]
- [190] POSIT~TLSMO
Om, - [153/154]
- lei como assunto do Estado [445] PRÉ-ADAMITAS
PANTEÍSMO - [I881
- [153/1711190/195/196/211] PRESBITERIANA,
CONFISSÃO
DE F É
- determinismo panteísta [215] - poderes das convenções eclesiásticas [523]
PAPA PSICOLOGIA
DA RELIGIÃO /FILOSOFIA
DA RELIGIÃO /
- o anticristo, visto que anatematiza a doutrina RELIGIÃOCOMPARADA
escriturística do 'sola fide' [365] - (religionsgeschichte) 1351
PAPISTAS PSICOL~GICOS,
FENOMENOS
- ensinam que o homem foi originalmente - [35/36]
indiferente [208] PSICOPANIQUISMO
- negam a comunhão das naturezas em Cristo [266] - [572]
Dogmática Cristã
QUACRES~
QUACRE~SMO/
QUACRELKA R~-SCII
- negam a instituição do Batismo [458] - problemas teológicos [77]
- rejeitam a Santa Ceia [475] Rlmcm
QUENOTICISMO - teólogo racionalista moderno [46]
- [265/273/283/284] - rejeita o Evangelho de Cristo [97]
QUE~oncis~As - Deus gracioso sem a redenção de Cristo [247]
- [284] - teoria declaratória r3051
QUENSTEDT Rom
- o termo 'religião' [34] - definicão de .igreja' [508]
- as Escrituras, única fonte de fé 1391
- - B, IGREJA
ROMXY CAT~LICA
- consentimento da Igreja não é fonte de fé [40/ - aceita tradicão como fonte de fé [27]
801 - anatematiza justificação pela fé [43]
- método analítico [I001 seu principal erro [49]
- de que forma escreveram os escritores sagrados - ensina justificação por obras e paganiza 0 Cristianismo
i1171 i491
- impulsus scribendi [ I 1811191 - perverte os antigos credos por erros anticristãos
- fides divina [132] i791
- argumentos da razão [I341 - estigmatiza Lutero como herético [I021
- eficácia da Bíblia [I431 - sua Teologia é mero entusiasmo [I091
- caráter resistível da palavra eficaz [143/144] - nega 'impulsus scribendi' [119]
- passagens obscuras [I481 - acusa os luteranos de argumentarem em círculo
- conhecimento natural de Deus [I541 i1331
- empíreo [I861 - aceita apócrifos [I401
- providencia permissiva [197] - faz da Vulgata o único texto autoritário r1421
- Estado de corrupção 12111 - rejeita a clareza das Escrituras [I471
- pecado original [218] - ensina que o homem esteve originalmente em
- comunhão das naturezas (2671 um Estado de indiferença moral [208]
- imperfeição da santificação [379] - imagem de Deus, um dom sobrenatural [208]
- norma das boas obras [386] - definição errônea de pecado [212]
- porque obras agradam a Deus [389] - enche o mundo de obediência satânica [213]
- eficácia da Palavra divina [421] - imaculada coiicepção de Maria [218]
- necessidade da ação completa na Santa Ceia [497] - minimiza pecado original, negando a corrupção
- salvação eterna [593] total do homem decaído [219]
QUILIASTM - seu caráter anticristão prova-se pela hiperdulia
- (OUmilenaristas) [309/577] r2221
RACIONAI,ISMO - definição errada de pecados atuais [231]
- axioma racionalista dos reformados [44] - livre-arbítrio em assuntos espirituais [238]
- sistema unificado (ein einheitliches Ganzes) [97] - confunde graça e dons da graça [243]
RACIONAI,ISTA,
TEOLOGIA - anatematiza a graça justificadora como 'gratuitus
- procura construir um sistema unificado [97] favor Dei' [243]
- nega a comunhão das naturezas em Cristo [266]
- imperfeita e incompleta [99]
- ensina que o finito é incapaz do infinito [272]
- fia-se na 'experiência cristã' [I091
- nega o 'genus inaiestaticum' [272]
- nega a encarnação de Cristo L2591
- nega adoração à natureza humana de Cristo [277]
REFORMADA,TEOLOGIA
- ensina que Cristo foi um novo Legislador [297]
- (conforme Teologia Calvinista) [44]
- ensina justiça por obras [304]
RELIGIÃO - ensina a abominação da Missa [305]
- definição [29/32]
- nega a comunicação dos atributos [308]
- sinônimos [29] - substitui a Palavra de Deus por ordenanças
- número de religiões [31]
humanas r3081
- comparativo [34]
- é a Igreja do Anticristo [308]
- filosofia da religião [36]
- ensina que fé é assentimento, não confiança no
- fontes [38]
Evangelho [3 121
- religião da fé [39]
- anatematiza a fé como confiança em Cristo
- religião no Antigo Testamento [40/41] [313/314]
- religião da carne [43]
- ensina que a fé é 'otiosus habitus' [313]
- fé salva porque é uma boa obra ou a fonte de boas
obras L3181
Índice Onotnástico
G, DE (1536)
W ~ A ' B E RCOSC~RDIA z'ANc%I
- Lutero sobre a 'manducatio indignorum' [496] - figura retórica no todo da declaração [484]
WIEmER ZWÍNGLIO
- atribui as palavras à confissão de Pedro [514] - Espírito Santo não necessita de guia ou veículo
WORW,EDITO DE 1144,2441
- condena Lutero r3991 - canibalismo, banquete tiesteano [478]
WYCLIF - palavras da instituicão [481]
CONSAGRAÇÃO
(ato de consagrar) - corrupção e vontade da pessoa r2191
- o que deve ser lembrado quanto à [73] - segundo advento de Cristo i5751
- indiferença em relação à i731 - ressurreição dos mortos r5801
DÚVIDAS C O N C E R N E ~
A SALVAÇ~~O - Juízo Final [584]
- quando emergem [127] - fim do mundo [585]
E M - r2591
- como foi criada [187] w HOMEM
FILHO
- subordinada a Adão [189] - [259]
- como sua alma foi criada [I891 FIRMAMENTO
EVANGELHO - [186]
- definido pela Fórmula de Concórdia [64] FOGO
DO INFERNO
- como absolvição [419/420] - [589]
- erro dos teólogos modernos quanto a este assunto FRUTO
DA ÁRVORE PROIBJDA
14201 - por que comer dele foi fatal [223]
- seu poder sobrenatural [420] Gmos
- definicão [444] - estar sem o Evangelho não desaprova a graça uni-
- uso peculiar do termo [444] versal [249]
- imperativos [447] GRAÇA
DMNA
- não condena o pecado [448] doutrina [241]
-
- racionalistas modernos o modificam para Lei necessidade da 12411
-
14541 - definição 12421
E V ~ O S D E M A R ~ ~ ~ E L ~ E -Aatributos T O da S graça
D ~divina
~ ~ justificadora
~ [245]
- unânimes como 'homologumena' na Igreja Antiga - terminologia 12501
i1411 - graça divina salvadora é 'Dei favor' [357]
Evo~uçÃo GRAÇA
EFICAZ
- [184/185/208/211] - [i091
EXALTAÇLO DE CRISTO
12891 GRAÇA
INFUSA
- seus estágios [290] - L491
EXcoMUNIIÃo GRAÇA
IRRESISTÍVEL
- [518/539] - [248]
EXPERIÊNCIA CRISTA GRAÇA
JUSTIFICADORA
- [28/61/2] - não absoluta 12451
FÉ - é graça em Cristo [245]
- fontes da [38/52/86/105/124] - não exclui a justiça divina [246]
- como justifica [243] - é universal 12471
- doutrina da fé salvadora [312] - é séria e eficaz [249]
- sua natureza [3121 GRAÇA UNIVERSAL
- seus sinônimos [315] - negada pelos calvinistas [248]
- porque justifica [317] - deve ser mantida ainda que gentios morram sem
- ato ou instrumento passivo (3181 o Evaiigelho [249/250]
- verdadeira, vivificadora [319] - deve ser mantida ainda quando Deus endurece
- fé e certeza da salvação [319] aqueles que endureceram a si mesmos [248]
- s e o crente pode ficar seguro de possuir a fé H A s r r a ç Ã o DO ESPWTO
SANTO
salvadora [320] - [366]
- fé das crianças [322]
Dogmática Cristã
E
D
AIG
R
E
T
NI - é Palavra de Deus [444]
- do Novo Testamento [I411 - promessas da Lei [446]
- do homem [207] -ministério de condenacão [447]
- Estado de [208] -o objetivo da Lei [448]
INTELKÊNCIA DMNA - reprova o pecado e o ímpio r4481
PODER
DIVINO - quando foi dada à humanidade [49]
- quando pode ser resistido e quando não o pode - não meramente 'a mais elevada' I501
[I4411781 - e Teologia cristã [511
POLÊMICAS DE CRISTO
E SEUS AP~STOMS - conhecimento religioso e teológico é funda-