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Um Manual Sistemático

dos Ensinos Bíblicos

John Theodore Mueller


Dogmática Cristã
Um Manual Sistemático dos Ensinos Bíblicos

O 2004 Concórdia Editora Ltda.


Todos os direitos reservados

4" Edição
Revista e Ampliada

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP

M946d Mueller, Jonh Teodore.


Dogmática Cristã 1 John Theodore Mueller; [tradução de]
Martinho L. Hasse. - 4. ed., rev. e ampl. - Porto Alegre -
Concórdia, 2004. 632 p.

1. Religião. 2. Cristianismo. 3. Dogmática. 4. Teologia.


1. Hasse, Martinho L, trad. 11. Título

Bibliotecária responsável - Simone da Rocha Bittencourt - 1011171

EDJTOR:
Dieter Joel Jagnow

REVISORES:
Gerson Luís Linden, Paulo Moisés Nerbas,
Vilson Scholz,Paulo Proske Weirich, Anselmo Graff,
Clóvis Jair Prunzel, Acir raymann, Paulo Gerhard Pietzch

AUTORDOS ÍNDICES:
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Apresentação .................................................................................................... 15
Prefácio ............................................................................................................
17

NATUREZA E CONCEITO DA TEOLOGIA ..........................................


Introdução à Teologia Cristã ....................................................................
1. O Ponto de Vista Escriturístico do Teólogo Cristão .......................
2 . Da Religião em Geral .....................................................................
3. Do Número de Religiões no Mundo ...............................................
4 . As Duas Fontes das Religiões Existentes ......................................
5. As Causas das Divisões dentro da Cristandade ............................
6. O Cristianismo - a Religião Absoluta .............................................
7.A Religião e a Teologia Cristãs ......................................................
8.A Teologia Cristã ............................................................................
9.A Teologia Considerada como Capacidade ...................................
10.A Teologia considerada como Doutrina .......................................
11. Divisões da Teologia Considerada como Doutrina .......................
11.1. Lei e Evangelho ...................................................................
11.2. Doutrinas Fundamentais e Não-Fundamentais ...................
11.3. Doutrinas Fundamentais Primárias e Secundárias ..............
11.4. Doutrinas Não-Fundamentais ..............................................
11.5. Questões Abertas ou Problemas Teológicos .......................
12. A Igreja e seus Dogmas ...............................................................
13.A Finalidade da Teologia Cristã ....................................................
14. Os Meios Externos pelos quais a Teologia Cristã
Cumpre a sua Finalidade de Salvar os Pecadores .......................
15. Teologia e Ciencia ........................................................................
. A

16.Teologia e Convicção ...................................................................


17. Teologia e Progressão Doutrinária ...............................................
18. Teologia e Liberdade Acadêmica .................................................
19. Sistemas Teológicos .....................................................................
20.Métodos Teológicos.....................................................................
21.A Aquisição da Capacidade Teológica .........................................

A DOUTRINA DAS SAGRADAS ESCRITURAS ...................................


104
1. As Sagradas Escrituras .a Única Fonte e Norma de Fé .............. 104
2. As Sagradas Escrituras .a Palavra de Deus ................................ 111
3.A Inspiração da Bíblia .................................................................... 114
4 . A Relação entre o Espírito Santo e os Santos Escritores .............. 119
5. Objeções feitas à Doutrina da Inspiração ...................................... 120
6. A Doutrina da Inspiração e o Luteranismo Confessional .............. 126
7. Causa e Conseqüências da Negação
da Doutrina da Inspiração .............................................................. 129
8. Propriedades das Sagradas Escrituras ........................................... 131
8.1. A Autoridade Divina das Sagradas Escrituras ...................... 131
8.2 A Eficácia Divina das Sagradas Escrituras .......................... 142
8.3 A Divina Perfeição ou Suficiência
das Sagradas Escrituras ....................................................... 145
8.4 A Divina Clareza das Sagradas Escrituras ........................... 147

A DOUTRINA DE DEUS .............................................................................


1. O Conhecimento Natural de Deus .................................................
2 .A Santíssima Trindade ....................................................................
3. Controvérsia em Tomo da Doutrina da Santíssima Trindade ........
4 . A Doutrina da Santíssima Trindade
e a Terminologia da Igreja Cristã ....................................................
5 . A Santíssima Trindade Revelada no Antigo Testamento ................
6. Essência e Atributos de Deus ........................................................
6.1 A Doutrina em Geral ..............................................................
6.2 0 s Atributos Negativos ..........................................................
6 3 Os Atributos Positivos ............................................................
6.4. A Doutrina dos Decretos Divinos .........................................

-3 A DOUTRINA DA CRIAÇÃO ....................................................................


1. Definição de Criação .....................................................................
2 . A Ordem da Criação ......................................................................
3. O Hexaemeron ...............................................................................
4 . 0 s Seis Dias da Criação em Detalhes ...........................................
5. A Unidade da Raça Humana .........................................................
6. Questões Especiais Concernentes ao Relato da Criação ..............
7. A Criação - um Ato Externo de Deus ............................................
8. A Finalidade Principal da Criação ..................................................

A DOUTRINA DA PROVIDÊNCIA DIVINA .......................................... 193


1. Definição de Providência Divina .................................................... 193
2 . Os objetos da Providência Divina .................................................. 194
3. A Relação entre a Providência Divina
e as Causas Secundárias ............................................................... 194
4 . A Participação Divina nas Boas e Más Ações ........................... 195
5. A Providência Divina e o Livre-Arbítrio ........................................ 197
A DOUTRINA DOS ANJOS .......................................................................
199
1.A Existência dos Anjos ................................................................... 199
2 . O Nome "Anjo" ............................................................................. 199
3. A Natureza dos Anjos ....................................................................199
4. Número e Categoria dos Anjos ...................................................... 201
5. Anjos Bons e Maus ........................................................................202
6. Os Sagrados Serviços dos Anjos Bons .......................................... 203
7. A Obra dos Anjos Maus e o seu Castigo Eterno ........................... 204

A DOUTRINA DO SER HUMANO ...........................................................


207
A . O Ser Humano antes da Queda .......................................................... 207
1. O Ser Humano Criado à Imagem de Deus ................................... 207
2 . A Definição de "Imagem de Deus" ............................................... 207
3. A Relação entre a Imagem Divina e a
Natureza do Ser Humano ..............................................................208
4. Conseqüências Imediatas da Imagem Divina ................................ 210
5 .A Imagem Divina e a Mulher .........................................................210
6. O Fim Último da Imagem de Deus no Ser Humano ...................... 211
B. O Estado de Corrupção .................................................................... 211
C. Do Pecado em Geral ........................................................................... 212
1. Defmição do Pecado ......................................................................212
2.A Lei Divina e o Pecado ................................................................213
3. Como se conhecerá a Lei Divina ................................................... 214
4 . As Causas do Pecado ................................................................. 215
5. As Conseqüências do Pecado ........................................................ 216
D . O Pecado Original ............................................................................... 217
1.Definição de Pecado Original ................................................... 217
2 . Entendimento e Vontade Corruptos do Ser Humano ..................... 219
-3 . Os Lados Negativo e Positivo do Pecado Original ........................ 222
4 . A Universalidade do Pecado Original ............................................ 222
- 5. A Causa do Pecado Original .......................................................... 223
6. Os Efeitos do Pecado Original ....................................................... 223
.
E Os Pecados Atuais ..............................................................................224
1. Definição de Pecado Atual ............................................................ 224
2 . As Causas do Pecado Atual ...........................................................225
3. A Doutrina Acerca dos Escândalos ............................................... 226
4. A Doutrina Acerca da Obduração .................................................227
5. A Doutrina Escriturística Acerca da Tentação .............................. 228
6. A Classificação dos Pecados Atuais .............................................. 228
7. Outras Classificações .................................................................... 234
Dogmática Cristã

A GRAÇA DE DEUS PARA COM A


HUMANIDADE PECADORA ...................................................................
24 1
1. A Necessidade da Graça Divina ................................................... 241
. .
2 . Definição da Graça Divina ............................................................. 242
3. Os Atributos da Graça Justificadora .............................................. 245
4 .A Terminologia Teológica Concernente
à Divina Vontade da Graça ............................................................. 250

A DOUTRINA DE CRISTO ......................................................................


253
A .A Doutrina da Pessoa de Cristo ........................................................ 254
1. Introdução .................................................................................... 254
2 . A Verdadeira Divindade de Cristo ................................................. 254
3. A Verdadeira Humanidade de Cristo ............................................. 255
4. A União Pessoal ........................................................................... 260
5. A Comunhão das Naturezas ........................................................... 265
6.A Comunicação dos Atributos ........................................................268
6.1. O Primeiro Gênero (Genus Idiomaticum) ............................. 269
6.2. O Segundo Gênero (Genus Maiestaticum) ........................... 271
6.3. O Terceiro Gênero (Genus Apotelesmaticum) ..................... 279
B - A Doutrina dos Estados de Cristo ...................................................... 282
1. Definição do Estado de Humilhação de Cristo .............................. 282
2. Idéias Errôneas Acerca da Humilhação de Cristo .........................283
3. As Diversas Fases da Humilhação ................................................287
4 . O Estado de Exaltação ................................................................... 289
5. As Diversas Fases da Exaltação de Cristo .................................... 290
C - A Doutrina do Ofício de Cristo ........................................................... 295
C.1. O Ofício Profético de Cristo ...................................................... 296
1. O Cumprimento desse Ofício no Estado de Humilhação ........ 296
2 . O Cumprimento do Ofício Profético
no Estado de Exaltação ........................................................... 297
C.2. O Oficio Sacerdotal de Cristo ....................................................298
1. A Expiação Vicária ..................................................................301
2 . Reconciliação Objetiva e Subjetiva ........................................ 302
3. Rejeição dos Erros Pertinentes a
Satisfação Vicária de Cristo ....................................................303
4. A Intercessão Sacerdotal de Cristo ........................................305
5. O Ofício Real de Cristo ...........................................................306
6. Erros Acerca do Oficio de Cristo ............................................ 308

A DOUTRINA DA SOTERIOLOGIA ....................................................... 310


A DOUTRINA DA FÉ SALVADORA ........................................................ 312
1. A Necessidade da Fé ..................................................................... 312
2. A Natureza da Fé Salvadora ......................................................... 312
3. Acerca dos Termos "Conhecimento".
"Assentimento" e "Confiança" .................................................... 315
4. Por que a Fé Salvadora Justifica ....................................................317
5. A Fé Vista como Ato Passivo ou Instrumento Passivo .................. 318
6. Acerca das Expressões "Fé Verdadeira" e "Fé Viva" .................. 319
7. Fé e Certeza da Salvação ...............................................................319
8. Pode o Cristão Estar Seguro de Possuir a Fé Salvadora? ............ 320
9. A Fé das Crianças ...........................................................................322
10. O Emprego do Termo "Fé" na Escritura ..................................... 322

A CONVERSÃO OU OUTORGA DA FÉ ..................................................


325
1. O Fundamento Escriturístico desta Doutrina ................................. 325
2. A Definição Escriturística da Conversão ....................................... 325
3. O Ponto de Partida e o Fim da Conversão .................................... 329
4 . A Causa Eficiente da Conversão .................................................... 330
5 . Os Meios de Conversão ..................................................................334
6. Os Movimentos Internos da Conversão ........................................337
7. A Conversão é Instantânea .............................................................338
8. A Graça da Conversão é Resistível ................................................339
9 . Conversão Transitiva e Intransitiva ...............................................340
10. Conversão Continuada ..................................................................340
11. Conversão Reiterada .....................................................................341
12. Objeções ao Monergismo Divino na Conversão ..........................342
13. O Caráter Pernicioso do Sinergismo ........................................ 347
14. Sinônimos de Conversão ...............................................................349
.
A JUSTIFICAÇAO PELA FÉ ......................................................................
353
1. Definição de Justificação ................................................................353
2. Justificação Somente pela Fé ......................................................... 354
3. A Doutrina da Justificação - a Doutrina
Central da Religião Cristã ...............................................................357
4 . A Terminologia Cristã com a qual se Preserva
do Erro a Doutrina da Justificação pela Fé ....................................359
+p 5 . Justificação à Base de Obras .........................................................363
6. Os Efeitos da Justificação .............................................................. 365

A DOUTRINA DA SANTIFICAÇÃO E DAS BOAS OBRAS ..............


368
1. Definição de Santificação ...............................................................368
2. A Causa Eficiente da Santificação ................................................. 370
3. Os Movimentos Internos da Santificação ...................................... 371
4 . O Meio pelo qual se Efetua a Santificação .................................... 372
-3' 5 . A Necessidade da Santificação e das Boas Obras ........................ 374
Dogmática Crista

6. O Estado Imperfeito da Santificação Cristã na Vida Presente ..... 379


+7
--
-7.2.
. A Doutrina das Boas Obras ............................................................ 384
.. 7.1. A Definição de Boas Obras ...................................................
As Obras dos Gentios ............................................................
384
389
7.3. O Progresso do Cristão em Boas Obras .............................. 392
. . A Recompensa das Boas Obras .....................................................395
.L
\
-
-- . O Grande Valor das Boas Obras .................................................... 397
10. A Perversão das Boas Obras ........................................................ 399
1I . A Santificação e a Vida Cristã ...................................................... 402
11.1. A Vida Cristã e a Cruz ......................................................... 402
11.2. A Vida Cristã e a Oração ..................................................... 406
11.3. A Vida Cristã e a Esperança da Vida Etema ...................... 411

A DOUTRINA DA PERSEVERANÇA ....................................................... 413


A DOUTRINA DOS MEIOS DA GRAÇA ................................................. 418
1. Definição do Termo ........................................................................ 418
2. Os Meios da Graça em Geral ......................................................... 419
3. Doutrinas Errôneas Acerca dos Meios da Graça ......................... 424
4. A Importância da Doutrina dos Meios da Graça ........................... 432
5. Os Meios da Graça em Forma de Absolvição ............................... 433
6. Os Meios da Graça no Antigo Testamento .................................... 439
7. Os Meios da Graça e a Oração ...................................................... 440

LEI E EVANGELHO .................................................................................... 443


1 . Definição de Lei e Evangelho ......................................................... 443
2. Particularidades Comuns à Lei e ao Evangelho ............................. 444
3. Relação Antagônica entre Lei e Evangelho ................................... 446
4. A Relação Íntima entre Lei e Evangelho ....................................... 449
5. A Arte de Fazer Distinção entre Lei e Evangelho ......................... 451
6. Os que Abrem Mão da Verdadeira
Distinção entre Lei e Evangelho .................................................... 455

A DOUTRINA DO SANTO BATISMO ..................................................... 457


1. A Divina Instituição do Batismo ...................................................... 457
2. O que Toma o Batismo um Sacramento ........................................ 459
3. O Batismo .um Meio da Graça Verdadeiro .................................. 461
4 . O Uso do Batismo ........................................................................... 465
5. A Quem a Igreja Deve Batizar ....................................................... 466
6. Os Ministrantes do Batismo ............................................................ 468
7. A Necessidade do Batismo ............................................................. 469
8. Sobre Costumes Batismais ............................................................. 470
9. O Batismo de João Batista ............................................................. 473
A DOUTRINA DA SANTA CEIA ...............................................................
475
1. A Instituição da Santa Ceia ............................................................. 475
2 . A Relação entre a Ceia e os demais Meios da G r a ~ a................... 476
3. A Doutrina Escriturística da Santa Ceia ......................................... 478
4. A Doutrina Luterana e as Palavras da Instituição ......................... 487
5. Diferentes Relatos das Palavras da Instituição ............................. 489
6. Os Elementos Materiais na Santa Ceia .......................................... 491
7. Que Faz da Santa Ceia um Sacramento ........................................ 494
8. A Finalidade da Santa Ceia ............................................................. 498
9 . Quem Será Admitido à Santa Ceia ................................................. 502
10. A Necessidade da Santa Ceia ....................................................... 504

A DOUTRINA DA IGREJA CRISTÃ .........................................................


505
A . A Igreja Universal ................................................................................ 505
1. Definição do Termo ........................................................................ 505
2. Doutrinas Errôneas Acerca da Igreja ............................................ 507
3. Atributos da Igreja Cristã ................................................................ 510
4. A Glória da Igreja Cristã ................................................................. 512
5. Como se Funda e se Mantém a Igreja ........................................... 514
B. Das Igrejas Locais ................................................................................ 516
1. Definição do Termo ........................................................................ 516
2. A Instituição Divina das Igrejas Locais ........................................ 517
3. Igrejas Ortodoxas e Heterodoxas ................................................... 518
4 . As Igrejas Heterodoxas e o Verdadeiro Discipulado ..................... 520
5.A Inadmissibilidade de Comunhão Espiritual
com Igrejas Heterodoxas ................................................................. 521
6. Separatistas ou Cismáticos ............................................................. 522
7 . A Igreja Representativa .................................................................. 522

DO MINISTÉRIO PÚBLICO .....................................................................


525
1. Definição do Termo ........................................................................ 525
2. O Ministério Público e o Sacerdócio
Espiritual de Todos os Crentes ....................................................... 526
3. O Ministério Público é Instituição ou Ordenação Divina .............. 528
4 . O MUiistério Público é Necessário? ........................................ 530
5 . O Chamado ao Ministério ............................................................... 531
6. Da Ordenação ................................................................................ 535
7. O Ministério Cristão não Constitui um Estado Espiritual ............... 537
8. O Poder do Ministério Público ........................................................ 539
9. A Relação dos Ministros Cristãos entre si ..................................... 539
10. O Ministério Público é o Ofício Supremo na Igreja ..................... 540
11. Do Anticristo ..................................................................................541
Dogmática Cristã

DA ELEIÇÃO ETERNA OU PREDESTINAÇÃO ..................................


545
1. Definição do Termo ....................................................................... 545
2. Como os Crentes Devem Considerar a sua Eleição ...................... 549
3. O Objeto da Eleição Eterna ............................................................552
4 . A Relação entre a Fé e a Eleição Eterna ....................................... 556
5. A Finalidade da Doutrina da Eleição Eterna .................................. 559
6. As Sagradas Escrituras não Ensinam uma
Eleição para a Condenação .......................................................... 563
7 . Por que Muitos Rejeitam a Doutrina
Escriturística da Eleição Eterna ..................................................... 566

DAS ÚLTIMAS COISAS (ESCATOLOGIA) ........................................


569
1. A Morte Temporal ...........................................................................569
2. As Condições da Alma entre a Morte e a Ressurreição ............... 571
3. O Segundo Advento de Cristo ........................................................ 575
4 . A Ressurreição dos Mortos ............................................................. 580
5. O Juízo Final ....................................................................................584
6. O Fim do Mundo .............................................................................585
7. A Condenação Eterna .....................................................................586
8. A Salvação Eterna ...........................................................................591

ÍNDICES ...........................................................................................................
598
Expressões .........................................................................................................
598
Índice de Passagens Bíblicas ............................................................................. 602
Índice Onomástico .............................................................................................603
Índice ~ernissivo................................................................................................616
A edição origem da Dogmática Cristã, em
língua inglesa, é de 1934. Posteriormente, foi
traduzida para diversas línguas. A primeira edição
portuguesa foi publicada em 1957.
Ao longo desses anos tem servido como livro-
texto para alunos de Teologia e pastores. Todavia,
todos esses anos também envelheceram a Dogmática.
Embora os fundamentos básicos da Teologia luterana
permaneçam os mesmos, o livro carece de atualização
em relação aos movimentos teológicos que surgiram
após o seu lançamento. De outro lado, certos
enfoques característicos típicos da época perderam sua
razão de ser.
Apesar disso, no entanto, a Igreja Evangélica
Luterana do Brasil (IELB) resolveu continuar investindo
na Dogmática, julgando que, mesmo que desatualizada
em alguns pontos, continua sendo um instrumento
valioso para o aprender e pensar teológicos. Esta edição
é o resultado deste investimento.
Após alguns anos fora do mercado, esta nova
edição é oferecida com uma série de procedimentos
que, de certa forma, rejuvenescem a Dogmática. O
texto foi totalmente revisado. Em certos casos, termos
que perderam o sentido ou tiveram o seu sentido
alterado, foram atualizados. O estilo foi trabalhado
no sentido de adequar-se um pouco mais ao que é
praticado hoje. As citações de documentos das
Confissões Luteranas foram substituídas por textos
de traduções que surgiram posteriormente, como o
Livro de Concórdia. A edição original era oferecida em
dois volumes. Julgou-se que a edição em apenas um
volume favorece o seu uso.
Esta edição revista e ampliada da Dogmática
valoriza-se ainda mais pela inclusão de uma série de
Dogrnática CuistB
- -

índices. Ao todo, foram adicionados quatro índices:


onomástico, remissivo, de passagens bíblicas e de
expressões estrangeiras. Este trabalho foi realizado por
Fábio Igor Senger Werner, estudante de Teologia do
Seminário Concórdia.
Além da equipe da Concórdia Editora, esta
nova edição da Dogmática foi trabalhada por
professores de Teologia da IELB. Também merece
destaque o fato de que parte dos custos de produção
e impressão foram cobertos pela Lutheran Heritage
Foundation, dos EUA.
O retorno da Dogmática Cristi ao mercado
brasileiro é motivo de gratidão a Deus, na certeza de
que ela continuará sua jornada de sucesso como um
manual sistemático dos ensinos bíblicos.

Dieter Joel Jagnow


Julho de 2004
ATENDENDO AO FATO DE QUE O PRESENTE MANUAL DE DOGMÁTICA CRISTÁteve
sua primeira publicação em 1934 e, salvo a correção de algumas poucas errata,
não sofreu nenhuma alteração essencial, bem que se pode, agora que o mesmo
aparece em tradução vernácula, acrescentar, num prefácio, um breve apanhado
da moderna concepção liberal da doutrina cristã.
A intencão deste livro, ao ser publicado há vários anos, foi fornecer um
manual conciso para uso dos estudantes que desejassem familiarizar-se com
os dogmas da ortodoxia luterana. Conquanto não fosse uma tradução da
Dogmática Cristã do Dr. Franz Pieper, composta de três volumes, nem
tampouco simples antologia de parágrafos ou pensamentos reunidos em
coleção, ainda assim se orientou por essa obra grandiosa no seu objetivo geral.
Dessa forma, as referências do presente compêndio não vão além da tecnologia
experimental conforme representada pelo Dr. Ludwing H. Ihmels (falecido
em 1933), o último teólogo luterano conservador do tipo moderno positivo
da escola de Erlangen. E se o Dr. F. Pieper, em sua Dogmática Cristã (de 1917 a
1924), não aludiu à teologia dialética, tinha por razão primordial o fato de
que o pensamento bartiano ainda não se havia desenvolvido o suficiente
para possibilitar uma opinião adequada sobre os seus possíveis méritos ou
deméritos.
Ao compor o seu compêndio de Teologia doutrinária, o autor estava
muito menos interessado nas discussões duvidosas de tendências liberais
modernas específicas em Teologia do que na apresentação positiva dos
ensinamentos sagrados das Santas Escrituras e das Confissões Luteranas nas
suas divergências fundamentais do Romanismo, Calvinismo e Unitarismo.
Isso veio aumentar consideravelmente o valor do livro, que, agora, foi
traduzido para o espanhol, o francês e o português e, em forma de ensaio
detalhado, também para o japonês; porque, enquanto as tendências liberais
em Teologia vêm e passam, a Palavra de Deus, conforme exposta na Escritura
e declarada nas Confissões Luteranas está definitivamente fixada como a
Verdade que permanece para sempre. Professando o princípio do sola scriptura,
ou seja, da Escritura como única fonte e regra de fé e vida cristã, a ortodoxia
luterana tira os seus ensinamentos tão-somente da Bíblia como Palavra
inspirada de Deus. Mantendo o princípio do sola gratia, ou seja, da salvação
só pela graça, examina todos os ensinamentos à luz escriturística do amor
salvador de Deus pela humanidade pecadora revelado em Cristo Jesus e, assim
é, em todos os sentidos, cristocêntrica. Finalmente, fiel ao princípio da gratia
universalis, ou seja, da graça universal, proclama a graça gratuita de Deus em
Cristo a todos os pecadores e não faz a mínima restrição à redenção pelo
Dogmática Cristã
- - -

Salvador divino. Em última análise, todo erro doutrinário na cristandade vai


de encontro a u m desses três princípios fundamentais da Escritura e,
eventualmente, a todos os três. A verdade dessa afirmativa fica comprovada
pelas muitas aberrações da Teologia cristã nos tempos modernos. Toda heresia,
em última instância, opõe-se ao Cristo divino como único Salvador do ser
humano e ao seu precioso Evangelho da salvação pela graça por meio da fé no
seu sangue vertido no Calvário como a última esperança escatológica do ser
humano.
A Teologia liberal moderna principia com Schleiermacher (1834), o qual,
depois do estúpido reinado do crasso racionalismo, desejou reconduzir os
teólogos de sua época a uma nova apreciação dos valores positivos na religião.
A Teologia que Schleiermacher desenvolveu em seu A Fé Cristã (Der Christliche
Glaube) não era a da Escritura nem das Confissões cristãs ortodoxas.
Conquanto empregasse a terminologia cristã tradicional, Schleiermacher não
permitiu que uma só doutrina bíblica ficasse incontestada, mas subverteu
cada verdade da Escritura, desde a inspiração divina até a escatologia. Fazendo
da religião uma questão exclusiva de sentimento, sustentava que, se a pessoa
sente estar em comunhão de vida com Cristo, ou se sente consciente de sua
união real e duradoura com Deus, pode estar segura de sua salvação, creia ou
não na mensagem evangélica. Influenciado pela filosofia panteísta de Spinoza
e o racionalismo niilista de Kant, Schleiermacher advogou u m sistema de
liberalismo panteísta que, em todos os sentidos, tinha efeito subversivo para
a fé cristã.
Aproximadamente meio século depois de Schleiermacher, Albrecht
Ritschl (1889) apresentou um sistema de doutrina liberal um tanto diverso,
embora conservasse idéias fundamentais de IZant e Schleiermacher. Segundo
Ritschl, os fatos da Teologia se produzem e têm sua origem na consciência
religiosa pessoal do indivíduo. A imitação de Schleiermacher, Ritschl também
repudiou as Sagradas Escrituras como única fonte de fé e substituiu-as pela
percepção de Deus por meio da experiência individual. Sustentou ser Cristo
mero gênio religioso e não o Filho eterno de Deus, embora tenha o valor de
Deus. Negou enfaticamente a satisfação vicária ou substituinte do divino
Redentor e considerou a imortalidade da alma, como também a esperança
cristã da vida eterna em Cristo Jesus, questões indiferentes. Viu, além disso,
no Reino de Deus, no qual centralizou o seu ensino, uma simples organização
geral ou uma comunhão dos seres humanos e considerou sua principal
característica a assistência mútua no espírito de amor cristão. Em virtude de
sua ênfase viva e constante com respeito a uma Teologia do aquém, Ritschl é
considerado o pai do Modernismo e do Evangelho social, embora tivesse o
cuidado de revestir os seus pensamentos negativos e liberais com expressões
ortodoxas positivas da tradição cristã. Como Schleiermacher, também Ritschl
possui numerosos adeptos tanto no continente europeu como entre os liberais
anglo-saxões. O pioneiro e representante na América foi Rauschenbusch,
frequentemente chamado pai do Evangelho social naquele continente.
Da escola liberal de Schleiermacher e Ritschl, o pensamento religioso
liberal passou facilmente para o desenvolvimento novo e niilista extremo da
escola histórico-religiosa, também conhecida como escola de religião
comparativa, cujo representante máximo no campo da sistematização foi
Ernst Troeltsch (1923). A religionsgeschichtliche Schule, como é largamente
conhecida também em áreas fora da Alemanha, era ardorosamente subsidiada
pelo bispo sueco Nathan Soederblom (1931), que foi ferrenho adepto de
Ritschl. Ao passo que Schleiermacher procurava ancorar a verdade religiosa
no sentimento e Ritschl na percepção intuitiva do divino, o produto histórico-
religioso do Liberalismo obteve as verdades básicas da religião dos fatos
conhecidos da revelação geral conforme se apresentam universal e
continuamente nas várias religiões étnicas da humanidade. Segundo essa
escola, o estudo e o confronto de todos os sistemas religiosos do mundo
capacitam o teólogo a alcançar as verdades religiosas que são centrais e básicas
e, dessarte, constituem a religião verdadeira. O Cristianismo é apenas uma
das muitas religiões, mas nele a revelação divina atingiu o clímax. Jesus, na
opinião dessa escola, é único, por isso que é o supremo revelador histórico de
Deus. Contudo, a exemplo de Schleiermacher, também os proponentes da
escola histórico-religiosa repudiam a divindade de Cristo e sua satisfação
vicária e, com isso, a espinha dorsal do Cristianismo, a saber, o Evangelho da
redenção pela morte substituinte de Cristo.
Desta forma crassamente anticristã de Liberalismo, desenvolveu-se
gradualmente um Humanismo mais do que pagão, o qual, sob a influência
do pessimismo niilista de Nietzche e da autoglorificação quase insana que se
seguiu à sua filosofia de desespero, tentou destronar Deus e entronizar o ser
humano como substituto do soberano Senhor. O rude desesperar dessa ilusão
perversa ocorreu quando, ao término da primeira guerra mundial, os sonhos
otimistas de uma evolução progressiva e de efeitos super-heróicos da parte do
super-ser humano foram desfeitos. O otimismo desiludido agora deu lugar ao
desespero total. O ídolo de poder em que o Humanismo confiara havia
fracassado.
Essa grande crise proporcionou a Karl Barth (nascido em 1886) uma
oportunidade para se aproximar do mundo liberal paralisado, com nova
Teologia, que recebeu os vários nomes de "Teologia da crise", "Teologia da
palavra", "Teologia dialética", "Teologia existencial", "Teologia bartiana",
"bartianismo" ou também "nova ortodoxiaJ7.Embora influenciado por Kant,
Schleiermacher e Ritschl, Barth, opostamente aos tipos antiquados do
pensamento liberal, construiu sobre os três dogmas fundamentais do
Calvinismo: a soberania de Deus, a pecaminosidade e falibilidade do ser
humano e a necessidade de confiança em Deus, um sistema de pensamento
I Dogmática Cristã

dogmático que, a despeito dos seus muitos remanescentes do Racionalismo


e Humanismo, representava tentativa nova em orientação religiosa e
despertou, a princípio, interesse geral, visto converter o pensamento teológico
em novos canais de idéias. O ponto central no ensino de Barth era sua
insistência na necessidade de ir além de Schleiermacher e Ritschl, de volta a
Lutero e Calvino. Utilizou os seus dogmas teológicos fundamentais para uma
nova forma de Teologia que possuísse uma mensagem alentadora, estimulante
para os que haviam falhado em sua confiança otimista e humanística no
progresso evolucionário, tanto em religião como em moralidade. Em pouco
tempo, ele tornou-se para muitos u m ser humano novo com mensagem nova.
Dificilmente se poderão atribuir a Barth ensinamentos definidos além
dos dogmas puramente fundamentais do seu sistema, visto que t ã o
frequentemente modificou suas opiniões teológicas. A muitos ele parece ter-
se tornado mais conservador, por reafirmar os seus dogmas teológicos de ano
para ano. A diferença evidente entre o jovem e o velho Barth dificilmente se
poderá negar. Além disso, os numerosos companheiros de Barth, com
predominância de Emil Brunner, suprem a nova ortodoxia de tantas idéias
religiosas pessoais novas, as quais Barth, em parte repudia e, em parte aceita,
que se torna muito difícil saber o que é central no Liberalismo neo-ortodoxo.
Todavia, perduram os três elementos básicos do pensamento bartiano. O
primeiro consiste em que Deus é o "Santo Alguém Outro" que difere do ser
humano, não só quantitativamente, mas também qualitativamente e que,
por conseguinte, não admite nenhuma glorificacão do ser humano nem o
seu próprio destronamento como soberano Senhor. O segundo elemento
básico no sistema religioso de Barth consiste nisto: que o ser humano é
completamente pecaminoso e tão desamparado e, por isso mesmo, não pode
ser seu próprio salvador. Deve-se, portanto, condenar como arrogância e
idolatria o otimismo humanístico, que espera se salve o ser humano a si
mesmo. O terceiro elemento fundamental da Teologia bartiana consiste nisto
que o ser humano deve confiar em Deus, embora a sua fé nele constitua um
"salto n o vácuo" (ein Spuung in einem Hohluaum). É essa insistência nos
princípios religiosos tradicionais que induz muitos a considerar a Teologia
bartiana "ortodoxia", ainda que a qualifiquem de "nova" ortodoxia, ou
ortodoxia "neo-reformada". Evidentemente, essa ortodoxia deve significar
alguma coisa. Diga-se, de passagem, que a mensagem bartiana foi ouvida por
teólogos, não só no continente europeu, mas também na Inglaterra, Escócia
e, sobretudo, na América, onde muitas escolas teológicas, entre elas o
Seminário Teológico de Princetown, que noutros tempos foi presbiteriano
ortodoxo, se converteram em seus ardorosos seguidores.
A nova ortodoxia, conforme foi desenvolvida por Barth, Brunner,
Thurneysen, Gogarten e outros, demonstrou ser um apelo religioso excitante,
mas um apelo que não é ortodoxo no sentido de Teologia cristã tradicional.
Esse fato reconheceu-o o Dr. Hermann Sasse, de Erlangen, há muitos anos, o
qual, e m sua excitante obra "Was heisst lutherischL", teceu o seguinte
comentário: "Em Karl Barth, a Teologia liberal produziu seu próprio
conquistador. Pôde ele dominar a Teologia liberal por ser osso dos seus ossos
e carne da sua carne.
Torna-se, naturalmente, impossível caracterizar com exatidão a nova
ortodoxia por meio de poucas citações; todavia, algumas declarações
características extraídas dos seus criadores e defensores podem indicar, tanto
o seu afastamento da Teologia cristã tradicional, como sua orientação pelo
Liberalismo. Em seu opus magnum, a Kirchliche Dogmatik, Barth, por exemplo,
se opõe com veemência à doutrina da infalibilidade da Bíblia. Os profetas e
apóstolos, afirma ele, eram seres humanos falíveis e, portanto, sujeitos ao
erro também quando escreviam a revelação de Deus. As Escrituras Sagradas
são, por conseguinte, falíveis mesmo no seu conteúdo religioso ou teológico.
(Kirchliche Dogmatik/ 2,p.558ss) Segundo a nova ortodoxia, a Bíblia não contém
a Palavra de Deus nem tampouco é a Palavra de Deus. Ela tão-somente se
torna Palavra de Deus, quando ele a emprega como meio para sua auto-
revelação mediante um encontro que submete o ser humano a uma convicção
existencial. Segue-se a isso que os verdadeiros ensinamentos da Escritura não
têm, em si, nenhuma importância e, por conseguinte, não se pode fundar
sobre a Bíblia nenhum sistema de doutrina cristã nos moldes tradicionais da
Igreja Cristã. Barth repudia, não só a inspiração verbal (Deus revelou-se aos
santos escritores mediante palavras inteligíveis a serem gravadas na Escritura),
mas também o próprio conceito da inspiração bíblica no sentido da Teologia
tradicional. A inspiração verbal, segundo Barth, ocorre na vida da Igreja e de
seus membros individuais, pois é a "divina decisão" que se repete
continuamente na vida da Igreja e de seus membros. (Kirchliche Dogmatik, 2;
p.594) Conseqüentemente, os propugnadores da nova ortodoxia não se opõem
de modo algum à obra destrutiva do alto criticismo radical; porquanto a
revelação, na opinião deles, não ocorre na história ordinária, mas unicamente
na história original, ou na super-história. Isso significa que nem a revelação
divina, nem a queda do ser humano, nem mesmo o nascimento de uma virgem
e a obra redentora de Cristo se devem classificar propriamente como
acontecimentos históricos. (cf. Davi Hedegard, Ecumenism and the Bible;
Concílio Internacional das Igrejas Cristãs. Singel 386, Amsterdam - C,
Holanda; p.47ss) Ao negar, assim, a verdade cristã fundamental do sola
scriptura, a nova ortodoxia nega toda a verdade cristã objetiva, substituindo-
a por um subjetivismo teológico altamente ilusório. Finalmente, segundo a
nova ortodoxia, não tem lá muita importância o que a pessoa crê com respeito
à Bíblia e seus sagrados ensinamentos. Desse modo, o Liberalismo bartiano
dinamita o fundamento da fé cristã e, com isso, destrói toda a fé cristã no seu
sentido histórico.
I
Dogmática Cristã

A nova ortodoxia, contudo, nega t a m b é m o princípio cristão


fundamental do sola gratia. Tanto Barth como Brunner falam na verdade da
expiação de Cristo, todavia não apresentam a morte expiatória de nosso
Redentor "segundo as Escrituras". (1 Co 15.3) Diz, por exemplo, Brunner: "A
expiação não constitui história. A satisfação, a expiação da culpa humana, a
cobertura do pecado pelo seu sacrifício não é coisa que se possa compreender
do ponto de vista da história. Esse acontecimento não pertence ao plano
histórico. Seria absurdo dizer-se: "No ano 30, deu-se a expiação do mundo".
(The Mediator, p.504ss) Todavia, se a expiação não é histórica e se, no ano 30
A.D., não ocorreu a expiação do mundo, então a humanidade não foi redimida
pelo Cristo histórico e pela redenção histórica; então também todos os seres
humanos ainda permanecem nos seus pecados e não existe, de modo nenhum,
a fé cristã nem o Evangelho. (cf. 1 Co 15.13-19) A nova ortodoxia anula o
elemento fundamental mais central da fé cristã: a salvação somente pela
graça por meio da fé no sangue do Salvador humano-divino, Jesus Cristo,
derramado no Calvário para remissão dos pecados do ser humano.
Semelhantemente, a Teologia subjetiva da nova ortodoxia anula todos
os demais ensinamentos fundamentais da fé cristã histórica. S. Paulo, ao
escrever acerca de Himeneu e Fiíeto, que negaram a doutrina da ressurreição,
declara que esses hereges "perverteram a fé" (2 T m 2.18) e "vieram a naufragar
na fé". (1 T m 1.19) Brunner, contudo, escreve em The Mediator (p.277): "Todo
o que afirma que o Novo Testamento nos dá um relato definido e sólido da
ressurreição, ou é ignorante, ou inconsciente." (cf. também Brunner; A
Doutrirza Cristã da Criação e da Rederz~ão;pp.366-372.) Os propugnadores da
nova ortodoxia realmente empregam a terminologia tradicional da Igreja Cristã,
contudo, nas suas elocuções e escritos, esses termos não têm o sentido que
possuem na Teologia cristã tradicional. A Teologia bartiana é, por conseguinte,
essencialmente falsa e enganosa e, em última análise, apenas um novo aspecto
e nova aplicação do Liberalismo.
Muitos teólogos na Escócia, na Inglaterra e na América advogaram a nova
ortodoxia como uma espécie de medida teológica equidistante, ou seja, o
caminho do meio entre a ortodoxia cristã e o modernismo radical, que repudia
a doutrina cristã totalmente. A nova ortodoxia, todavia, não pode satisfazer
nem o confessor cristão, nem o modernista incrédulo para quem o Evangelho
da redenção de Cristo constitui extrema estupidez. Rejeita-a o Modernismo,
por fazer-se passar por uma espécie de ortodoxia cristã, ou não estar disposta a
acompanhar inteiramente os extremistas liberais no repúdio a um sistema
dogmático positivo. Deve rejeitá-la o crente cristão, por ser "nova" a sua chamada
"ortodoxia", isto é, por ser um Liberalismo ardilosamente dissimulado que não
permite a ortodoxia cristã permanecer no seu sentido tradicional.
Em seguida à nova ortodoxia, a Teologia lundense, na Suécia, ocupou,
durante muitos anos, o espírito dos teólogos como movimento que reconduzia
a Teologia à fé cristã tradicional. A Teologia lundense, em sua forma a t d .
deve sua existência, em grande parte, a Gustaf Aulen e Anders Nygren, dois
professores de Teologia que, por muitos anos, exerceram suas atividades na
universidade sueca de Lund; daí o nome "lundense". Posteriormente, ambos
se tornaram bispos na Igreja Luterana Sueca do Estado. Houve, naturalmente,
outros que desenvolveram esse novo tipo de Teologia, tais como Elinar Billing,
Gustaf Ijungren, Ragnar Bring e Hjalmar Lindroth, para mencionar apenas
alguns. Todos foram escritores prolíficos no intuito de "aprofundar" a herança
da Reforma de Lutero, particularmente, de "aprofundar" os conceitos de Deus,
da revelação, da graça e outros mais empregados pelo grande Reformador de
Wittenberg. Sua pesquisa em torno de Lutero foi benéfica nisto: estimulou
u m estudo mais diligente da Teologia de Lutero e restaurou à eminência
determinados pontos de doutrina que o Racionalismo havia pervertido ou
condenado a completo esquecimento.
A despeito desse fato, é, contudo, verdade que o lundenismo não é a
Teologia da Igreja Cristã tradicional. Há, naturalmente, diversidades nas
atitudes dos lundenses para com a ortodoxia luterana. Não há dúvida de que
Anders Nygren está muito mais perto dos conceitos fundamentais de Lutero
acerca da Teologia cristã do que Aulen, para não mencionar Nathan
Soederblom, a quem, pode-se dizer, remontam as investigações em torno de
Lutero na Suécia. Em sua obra muito conhecida Agape e Eros, Nygren expõe,
muito primorosamente, a antítese entre o ponto de vista cristão e o pagão
acerca da salvação, ou entre a graça divina e o merecimento humano, assim
como o lundenismo deu grande ênfase ao sola gratia e sola fide em geral. Há,
porém, nessa Teologia, remanescentes da Teologia de Ritschl e Barth, de sorte
que ela é considerada, com justiça, como pertencente à linha de pensamento
neoliberal (cf. Hedegard, O Ecumenismo e a Bíblia, pp.55ss),especialmente no
que se refere ao problema crucial da autoridade e m religião e, muito
particularmente, no que diz respeito à pergunta sobre se a autoridade religiosa
está ancorada unicamente nas Sagradas Escrituras ou, também, na experiência
humana.
A respeito dessa importante pergunta, o manual de Dogmática Cristã
de Aulen, conhecido sob o nome de A fé da Igreja Cristã, não deixa dúvidas
quanto ao fato de que, bem como Ritschl e Barth, também Aulen adota o
que se conhece como ponto de vista "histórico" da Bíblia. Isso quer dizer
que, na sua investigação bíblica, ele emprega o chamado método científico
ou crítico de análise da Escritura. Esse método racionalista submete a Palavra
de Deus à investigação negativa e crítica da presunçosa razão humana e
proclama como veredito seu que as Sagradas Escrituras se contradizem mesmo
nas suas doutrinas mais centrais. (cf. A fé da Igreja Cristã, p.190ss.)
Essa aproximação negativa da Escritura vem desde o arcebispo sueco
Nathan Soederblom, que era pessoalmente um adepto da escola histórico-
I Dogmática Cristã
I
religiosa e por quem Aulen foi grandemente influenciado no seu tempo de
estudante. Imitando Soederblom, também Aulen acredita que a revelação de
Deus é "contínua", de sorte que o plano divino de salvação revelado no
Evangelho de Cristo não está definitivamente consumado nem, tampouco,
integralmente exposto nos livros canônicos da Bíblia. (cf. op. cit., p.45.)
Outrossim, a exemplo de Soederblom, Aulen repudia os milagres no sentido
bíblico do termo, (cf. op. cit., p.101) e, sobretudo, o milagre do nascimento de
Cristo de uma virgem, conforme sustenta a Teologia cristã tradicional. (Ibid..,
p.222) Segundo Aulen, a fé significa que o ser humano é dominado por Deus
e que, assim, se volta para Deus e se confia a ele. (Ibid,, p.22). Essa afirmação
contradiz a Teologia luterana, a qual, baseada na Escritura, sustenta que a fé
é essencialmente confiança nas promessas divinas do Evangelho em Cristo
Jesus, produzida pelo Espírito Santo mediante a Palavra e os sacramentos. A
definição da fé de Aulen segue o conceito de Barth e confunde Lei e Evangelho,
obscurece o sentido da fé e introduz nela u m elemento pernicioso de
sinergismo.
Pode-se acompanhar o afastamento de Aulen da fé cristã tradicional
através do seu modo de tratar as doutrinas da cristologia e da soteriologia em
sua obra de doutrina cristã. Ele deixa de afirmar, aí, os ensinamentos da
ortodoxia luterana e m termos corretos, ou chega mesmo a rejeitá-los
integralmente. Não se pode, naturalmente, avaliar o Lundenismo com
exatidão, apenas pelos ensinamentos de Aulen. Todavia, enquanto os seus
ensinamentos continuarem incontestados pelos lundenses, não podem
escapar à crítica de que, "a exemplo do bartianismo, a Teologia lundense não
é ortodoxia nova", mas "efetivamente uma forma nova e pior de modernismo".
(Hedegard, O Ecumenismo e a Bíblia, p.57). Mesmo o teólogo liberal Nels Ferre
Has definiu o pensamento lundense como "~etornodo relativismo total para
a afirmação absoluta da religião, mas não para o literalismo bíblico do passado1'
(isto é ortodoxia cristã; o grifo é nosso; cf. Neve, História do Pensamento Cristão
11, p.184ss).
Nesse breve apanhado da história do pensamento liberal nos dias
modernos, pudemos focalizar apenas alguns líderes liberais de destaque e
algumas doutrinas liberais que se salientam. Poder-se-iam mencionar muitos
outros líderes e muitas outras objeções à Bíblia e suas doutrinas sagradas. Às
vezes, a gente fica perplexo, analisando como, apesar dessa avalanche de
confusões teológicas liberais e de ataques contínuos ao Evangelho da salvação,
a Palavra de Deus pôde permanecer, não apenas numa forma conservadora,
mas em toda a sua verdade e pureza escriturísticas. Ela, todavia, permaneceu,
e isto se deu pela graça e poder de nosso exaltado Senhor Jesus Cristo, ao
qual todas as coisas serão sujeitas. (1 Co 15.28) Nem o crasso racionalismo,
nem tampouco as opiniões racionalistas de Schleiermacher, Ritschl, Troeltsch,
Barth e Aulen, com todos os seus adeptos e suas muitas heresias, puderam
destruir o Evangelho salvador de nosso divino Redentor. 'A palavra do Senhor
permanece eternamente." (1 Pe 1.25) Essa promessa divina demonstrou sua
veracidade também no período moderno de luta tecnológica liberal contra o
Evangelho de Cristo. O Cristo eterno permanece e vence todos os seus
adversários finitos e perversos.
O número dos inimigos da fé cristã tem sido, na verdade, grande, porém,
o grupo heróico dos confessores cristãos que se levantaram em defesa da
Bíblia inspirada e de suas verdades sagradas, tem sido grande. Se houve um
Adolfo Harnack, devotado seguidor de Ritschl, que acabou negando toda a
verdade cristã, houve também um Theodósio Harnack, seu pai crente, que
defendeu a ortodoxia luterana corajosamente. Frederico Delitzsch, estudioso
da civilização assíria, considerou as narrativas bíblicas do Velho Testamento
essencialmente mitos orientais. Todavia, Franz Delitzsch, seu piedoso pai,
defendeu a autoridade divina das Sagradas Escrituras em suas brilhantes obras
exegéticas. Um judeu converso, o professor Frederico Philippi, teólogo
luterano afamado, foi quem pediu aos seus contemporâneos liberais que não
rejeitassem o Cristo divino, pois o teólogo renunciara a tudo o que lhe era
caro da herança recebida, por amor a Cristo. Não repudiassem a doutrina
escriturística da inspiração bíblica em razão da qual a Bíblia era o fundamento
seguro onde podia firmar a sua fé. Se o professor congregacionalista liberal
Calhoun, por ocasião da convenção do Concílio Mundial das Igrejas, realizado
em Evanston no inverno de 1954, levantou a voz contra Cristo como
esperanga do mundo no sentido cristão tradicional, o professor luterano
Schlink, ergueu-se ousadamente em defesa da fé cristã no sentido da ortodoxia
luterana tradicional. Em toda a parte do mundo atual - no continente europeu,
na Inglaterra, na Escócia, nos Estados Unidos da América do Norte e onde
quer que predomine o Cristianismo - as testemunhas cristãs defendem as
doutrinas da Bíblia inspirada, em especial a preciosa verdade evangélica da
salvagão pela graga mediante a fé no Cristo humano-divino. Com fidelidade
e poder se prega, em todo o mundo, o Evangelho do gracioso Reino de Cristo
para testemunho a todas as nações ao se aproximar o fim do mundo. (Mt
24.14) As portas do inferno não podem prevalecer contra os muitos heróis da
fé que divulgam a Palavra divina em tantos lugares e de tantas maneiras
diferentes. Como nosso Senhor, também sua Palavra divina tem a promessa
do Pai: "Domina no meio dos teus inimigos." (S1 110.2)
O abaixo assinado não se desculpa por rejeitar o falsamente chamado
"método dogmático científico", mediante o qual seres humanos incrédulos e
arrogantes subordinaram a Palavra de Deus à sua investigação presunçosa e
injusta. Nem por se servir da aproximação tradicional da Dogmática Cristã
que se curva em obediência às Sagradas Escrituras como Palavra de Deus
inspirada, infalível e autorizada. Aceita, também, sem qualquer dúvida e
crítica, os sagrados ensinamentos da Santa Bíblia como Palavra de Deus
i Dogmática Cristã

inspirada e eterna. Desse método cristão, serviram-se os piedosos mestres:


Dr. Franz Pieper, Dr. C. F. W Walther, líder e fundador da Igreja Luterana -
Sínodo de Missouri, o Dr. Martinho Lutero, Reformador destemido da Igreja,
e S. Paulo, grande apóstolo de Cristo, chamado e eleito para ensinar e defender
a verdade eterna das Sagradas Escrituras. Este apóstolo ainda apela para nós
em nome do divino Senhor, o Cristo exaltado, para que sejamos fiéis a esse
método cristão, nas suas palavras inspiradas: "Toda Escritura é inspirada por
Deus." (2 T m 3.16) E disse o Senhor Jesus: "Bem-aventurados são os que
ouvem a Palavra de Deus e a guardam!" (Lc 11.28)
O autor encerra com as palavras do último parágrafo de seu "Prefácio"
da edição inglesa publicada em 1934; porquanto, mesmo que muitas coisas
desde então sofreram mudanças, a doutrina cristã não se alterou, mas, à
imitação de seu divino Autor, continua sendo a mesma ontem, hoje e
eternamente:
"Que esta obra cristã saia para a sua missão de ajuda a todos os estudiosos
da dogmática que desejam fazer uso dela no seu aprendizado da doutrina
cristã. Apesar das deficiências que possa ter, não obstante é u m testemunho
claro e correto da Palavra de Deus e da doutrina pura de Lutero", pois foi
composta com permanente consideração do mandamento de nosso Senhor:
"Se alguém fala, fale de acordo com os oráculos de Deus." (1 Pe 4.11)

John TlzeodoreMueller
Saint Louis, Missouri, EUA
Em virtude da diversidade de opiniões e tendências que atualmente
. reina entre os teólogos, faz-se necessário ao teólogo cristão, antes que
-apresente o seu tratado dogmático, que declare, e m termos claros e
inequívocos, o ponto de vista que norteou a elaboração deste trabalho.
O pontpbe vista dos teólogos racionalistas consiste
-. nisto: que a verdade
- - -

L seja determinada pela razão humana à luz das 'entífica. Por i=;
3; o teólogo liberal não reconhece as Sagradas E s c r ~ r a S ' ~fonte
~ m ~e norma de

O ponto de vista do moderno teólogo protestante racronalizante consiste


no seguinte: embora admita serem as Sagradas Escrituras um "arrolamento
de verdades reveladas", contendo as doutrinas que, para salvação, os
cristãos devem crer, essas verdades salvadoras devem ser determinadas, náo
mediante qualquer declaração autoritária da Bíblia, mas pela "consciência da
Dogmática Cristã

fé cristãn, OU O ['eu regenerado" ou, ainda a "experiência cristã" do teólogo


(das christliche Glaubensbewusstsein, das wiedergeborene Ich, das christlicle
Erlebnis). Em sua opinião, não é propriamente a declaração objetiva das
Sagradas Escrituras, porém a "piedosa consciência de si mesmo do sujeito
dogmatizante" (das fromme Selbstbewusstsein des dogmatisierenden Subjekts) a
norma que, em última análise, decide sobre o que é ou não verdade divina. A
moderná Teologia racionalista é, pois, um movimento de independência das
Sagradas Escrituras (eine Los-von-der-Schrift-Bewegung) rumo a uma fonte e
norma de fé estabelecidas pelo próprio ser humano. Esse movimento pode
diferir quanto ao grau, contudo é sempre o mesmo quanto à natureza. É
fundamentalmente antiescriturístico e tem sua origem na incredulidade da
carne corrompida. O ponto de vista do teólogo racionalista moderno deve,
igualmente, ser rejeitado como contrário às Sagradas Escrituras.
O ponto de vista do qual o presente tratado de dogmática foi escrito.
c o n s i s t e a de fé-e vida
cristãs, pela simples razão de que a Bíblia é a Palavra de Deus divinamente
knspirada, absolutamente i n f a l í i l e inerrantel tanto no seu todo, como em,
cada passagem isoladamente. Portanto, toda vez que a Bíblia s e pronuncia&
'assunto se dá por plenamente decidido. ~ c r i ~ t u locuta,
ra res decisa est. Essy
ponto de vista identifica as Sagradas Escrituras com a Palavra de Deus; nãn
,sustenta apenas que a Bíblia contém a Palavra de Deus, mas também que é a
-fi~lavrade Deus, completa e absolutamente, em todas as suas partes.
0 fato de que esse ponto-de-vista é o único exato se comprova --
pelas
-
declarações e pela atitude, tantode Cristo, c o m de w u s inspirados apóstolos.
Nosso Salvador não aceitou nenhuma outra forma senão as Sagradas
Escrituras. Rejeitou as tradições dos fariseus e as "argumentações" d ~ s
saduceus. Ao afirmar as suas doutrinas divinas e refutar o erro, baseava os
s e u s ensinamentos no firme fundamento da Palavra de Deus. Assim e n f r e n G
as tentações de Satanás com a enfática afirmativa: "Está escrito" (Mt 4 4 L e
permaneceu fiel a esse principio durante todo o seu ministério. (cf. Jo 5.39;
M t 5.17-19; JO 8.31,32)
Os apóstolos consideravam também as Sagradas Escrituras, incluídos
os seus próprios ensinamentos inspirados, orais ou escritos, como a única
fonte e norma de fé. (cf. G1 1.8; 2 T m 3.15-17; T t 1.9; 1 Co 14.37; 2 Pe 1.19-
21) Na época da Reforma, ao se restaurar a Bíblia como única autoridade da
fé cristã, Lutero novamente a. proclamou como "fonte de toda a sabedoria".
(Lutero, Edição de Saint Louis, I p . 1 2 8 9 ~ ~Declarou
). o grande Reformador:
"Deves crer que o próprio Deus fala na Bíblia, e a tua atitude deve-se conformar
com esta fé." (S. L., 111, 21) Aqueles que, à imitação dos teólogos escolásticos,
se desviaram da Palavra de Deus, baseando suas opiniões e doutrinas no
fundamento da razão ou da filosofia, eram acusados de "monstros" (portenta)
por Lutero. A alegação dos teólogos racionalistas modernos de que a atitude
Natureza e Conceito da Teologia

de Lutero, com respeito à autoridade das Sagradas Escrituras, era "um tanto
livre" (eine freiere Stellung) é desfeita pelas próprias declarações do Reformador,
que são claras e enfáticas. A semelhança de Lutero, todos os teólogos cristãos
têm, em todos os tempos, sustentado que a Bíblia é a Palavra de Deus inspirada
e, portanto, a única fonte e norma da fé cristã - verdade que mantiveram
firme contra todos os adversários.
Os teólogos racionalistas modernos declaram não poder identificar as
Sagradas ~ s c r i t i r a scom a Palavra de Deus ou aceitá-las como única norma
de-fé. Afirmam que o seu senso de realidade não permite (VZrklichkeitssinn),
reclamando ele outras normas fora e além das Sagradas Escrituras, por exemplo:
a sua "piedosa consciência de si mesmo", sua "experiência cristã" e outras da
mesma' qualidade. Na realidade, essa alegação 'não faz outra coisa senão
demonstrar quão seriamente se iludem; visto que somente da Palavra de Deus
se pode adq;irir o conhecimento da verdade. A fé cristã, por conseguinte, se
fundamenta unicamente n o a l a v r-a-- de Deus. Nosso divino
- - - - - _
- - Senhor-declara
- _

gue só conheceremos a verdade, se permaxcer_mosna<ua


-- Palav-
- conforme
- -

anunciada por ele mesmo e por seus profetas e apóstolos. (Jo 8 3 , 3 2 ; 17.20;
-

Ef 2.20)

J
+Ahistória da Igreja Cristã comprova a exatidão das Palavras de Cristo
_ - _-.
desprezaram as Sagradas Escrituras como única norma de fé, negaram, -
invariavelmente, as doutrinas cristãs afins, como a satisfação vicária de Cristo,
a justificacão pela graça
- mediante a fé, etc. (cf. Dr. F. Pieper, Christliche
Dogmarik, Vol. I, p.4ss). Assim Hofmann, o pai da Teologia moderna do "egoJ1
(Ichtheologie), negou a satisfação vicária de Cristo, ensinando a Teologia pagã
de salvação sem a obra redentora de Jesus. Isso está comprovado pela confusão
doutrinária que se produziu toda vez que se ignorou ou renunciou o princípio
de que as Sagradas Escrituras são a única autoridade em matéria de religião.
Essa confusão em assuntos de doutrina ocorrerá sempre que se tomem normas
que diferem das Sagradas Escrituras por base da doutrina cristã. A Teologia
subjetiva jamais poderá suprir a Igreja Cristã com u m fundamento de fé
verdadeiro. Sem a Bíblia como única fonte e padrão de fé, a Igreja se acha
d e s p r o v i ~ u a l q u e alicerce,
r seja ele qual for, sobre que se possa'
assentar a sua fé. Ela se encontra em meio a um turbilhão de idéias subietivas
contraditórias, todas nocivas à fé cristã.

2. DA RELIGIÁO
EM GERAL
A etimologia do termo religião continua sendo um ponto de controvérsia.
Escreve o dogmático luterano Hollaz: "Acham alguns que o termo religião
seja derivado de religare (Lactâncio), outros de relegere (Cícero). De acordo
com a primeira derivação, religião significa a obrigação de render-se
1 Dogmática Cristã

devidamente culto a Deus ou a qualquer coisa que imponha obrigações e


deveres ao ser humano. De acordo com a outra etimologia, religião vem a ser
atenção diligente que se dá às coisas referentes à adoração de Deus. A primeira
derivação 6 a mais aceita. (Doctr. Theol., p. 21). O dogmático luterano Quenstedt
menciona os termos gregos threeskeia, Tg 1.26; eusébeia, 1 T m 4.8; logikee latreia,
Rm 12.1 como sinônimos de religião. Contudo, nenhum desses termos é
sinônimo perfeito de religião, embora cada um deles designe e realce um aspecto
particular do vocábulo religião. A verdadeira religião consiste na comunhão com
o verdadeiro Deus mediante a fé em Jesus Cristo. Ainda assim, a controvérsia em
torno da acepção etimológica de religtão não nos deve perturbar, visto que, em
última análise, o significado de u m vocábulo não depende da sua derivação
etimológica, porém, do seu uso corrente (usus loquendi).
Não poderemos deduzir nenhuma - definição satisfatória do emprego
.-usual do termo religião, se preten rmos incluir nele tanto a religião cristã: .
,como as não-cristãs. Embora ambos, cristãos e pagãos, façam uso do termo
religião, cada grupo lhe associa as próprias idéias e acepções específicas que,
s g u n d o veremos, se contradizem. Esse assunto requer atenção especial.
A investigação revela
- --- que todas as religiões pagãs se acham em o~osi@o
i
direta à relig?ão cristã. São todas, sem exceção, religiões da Lei. Para o pagão,
------

religião quer dizer u m sério - empenho do ser humano em reconciliar as


- divindades por seus próprios esforços ou obrag,como sejam: adoração,
sacrifícios, conduta moral, ascetismo, etc. Nesse particular, todas as religiões
náo-cristãs estão acordes, não importa o quanto possam diferir nos detalhes
em separado. Também não podemos esperar outra coisa, porquanto os pagãos,
por natureza, nada sabem do Evangelho (1 Co 2.6-10: "Falamos [...I a sabedoria
[...I -oculta, [...I a qual nenhum dos poderosos deste século conheceu"), mas
apenas sabem da Lei divina que está escrita no seu coração. Daí todos os seus
pensamentos religiosos girarem em torno da Lei, de maneira que, do princípio
ao fim, as suas religiões são, e na verdade têm de ser, reltgiões legalistas.
Os cristãos crêem que a verdadeira religião consiste exatamente no
oposto. fira os cristãos, a religião significa verdadeira fé no Evangelho de Jesus
Cristo ou na mensagem da graça revelada nas Sagradas Escrituras. De acordo
com-essa notícia, efetuou-se perfeita reconciliação entre Deus e o ser humano
mediante a satisfação vicária (satisfactio vicaria) do Cristo divino-humano, o
Redentor do mundo. Disso decorre que religião, no verdadeiro significado do
termo, deve ser atribuída somente aos que crêem em Jesus Cristo. E é
precisamente o que a Palavra de Deus ensina ã ésse respeito. De acordo com
ela, a verdadeira religião consiste na comunhão com Deus mediante a fé em
Jesus Cristo. Testifica, por isso, Paulo: "Sabendo, contudo, que o ser humano
não é justificado por obras da Lei e sim mediante a fé em ~ r i i t Jesus,
o também
temos-crido em ~ i i s t Jesus,
o para que fôssemos justificados pela fé em Cristo,
e não por obras da Lei." (C1 2.16)
Natureza e Cotzceis ,i; G:.zgz

Toda vez que teólogos ou denominações inteiras dentro da cristandaae


negarem a doutrina central da justificação pela graça, mediante a fé em Cristo.
seja em seu todo ou em parte, tais indivíduos ou corporações eclesiásticas
estarão abrindo mão da acepção cristã de religião e adotando o modo de ver
pagão. Serão apóstatas da fé cristã, como declara Paulo: "De Cristo vos
desligastes. Vós que procurais justificar-vos na Lei: da graça decaístes." (G1
5.4) Em síntese, a doutrina da salvação pela fé e a da salvação pelas obras são
antagônicas (opposita), uma excluindo necessariamente a outra, de maneira
que, se alguém de algum modo confia em suas próprias obras para a salvação,
na realidade já não professa a religião cristã.
-
A diferença fundamental entre a religião cristã e todas as demais assim(
chamadas religiões foi indicada pelo prof. Max Mueller da Universidade de
Oxford, o qual escreve: "No desempenho dos meus deveres durante quarenta
anos de professor do sânscrito na Universidade de Oxford, devotei muito
tempo ao estudo dos livros sagrados do Oriente. Identifiquei esta nota
r' fundamental, este diapasão, por assim dizer, de todos os ditos livros sagrados
4$ [...I este é u m estribilho através de todos eles- salvação pelas obras. Todos
dizem que a salvação deve ser adquirida, comprada mediante certo preço. O
\

T' único preço, a única moeda capaz de adquiri-la é as nossas obras e


f
merecimentos. A santa Bíblia, nosso Livro Sagrado, é, do começo ao fim, um
protesto contra essa doutrina. As boas obras são-nos, na verdade, impostas
nesse livro sagrado, contudo, apenas como resultado de u m coração ,
3- agradecido; são apenas sacrifícios de louvor, frutos de nossa fé. Jamais ser20 o
preço do resgate dos verdadeiros discípulos de Cristo. Não ignoremos o que
/ há de excelente, verdadeiro e meritório nesses livros sagrados; ensinemos,
1' porém a hindus, budistas e maometanos que existe apenas um Livro sagrado
que lhes pode servir de verdadeira luz naquela hora terrível em que tem de
passar para o mundo invisível. É a Bíblia que contém esta Palavra fiel, digna
de ser crida por todos os seres humanos, mulheres e crianças, não somente
por nós cristãos - que Cristo veio ao mundo para salvar pecadores". (cf. Pieper,
\\ Christliche Dogmatik, I, p.15ss) I
\ /"

DE RELIGIOES
3. Do NUMERO NO MUNDO
Tem-se calculado o número de religiões no mundo de maneiras diversas.
Falamos c o m u m e n t e de q u a t r o religiões diferentes: cristã, judaica,
maometana e pagã. Mesmo que se possa empregar semelhante enumeração,
jamais se deve esquecer que, e m última análise, todas as religiões,
necessariamente, se reduzem a duas classes: as religiões da Lei, isto é, aquelas
que fazem por reconciliar a divindade mediante as obras da Lei, e a religião do
Evangelho, isto é, a crença, divinamente operada e produzida pelo Espírito
Santo mediante os meios da graça, de que Deus se reconciliou com o pecador
sem qualquer obra da parte deste, por meio da satisfação substituta de Cristo
Dogmática Crista

Jesus e que, desse modo, a salvação é u m presente, do qual o pecador se


apropria mediante a fé em Cristo.
Essa divisão de religiões em dois grupos distintos e mutuamente
excludentes está de acordo com as Escrituras. A Escritura Sagrada reconhece
I tão-somente como religião verdadeira a que ensina que o pecador é salvo pela
fé em Cristo. Afirma que desalojar todas as religiões de origem humana e
estabelecer, por todo o mundo, a religião do Evangelho salvador de Jesus Cristo
é missão da Igreja Cristã. O Grande Mandamento de nosso Senhor diz: "Ide
por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for
batizado, será salvo; quem, porém, não crer, será condenado." (Mc 16.15,16)
O Salvador glorificado disse a Paulo: Envio-te aos gentios "para Ihes abrires os
olhos, e os converteres das trevas para a luz e da potestade de Satanás para
Deus, a fim de que recebam remissão de pecados e herança entre os que são
santificados pela fé em mim." (At 26.17,18) De acordo com essa declaração
expressa na Escritura Sagrada, todos quantos não crêem no Evangelho são
mantidos em trevas e no poder de Satanás, do qual só poderão ser libertos
mediante a santificação pela fé.
Desse modo, a Palavra de Deus reconhece unicamente a religião cristã
como verdadeira e apta para trazer a salvação aos seres humanos; apenas ela
merece o nome de religião, pois só ela concilia Deus com o ser humano pecador.
Chamando-se as formas de culto de feitura humana de religião, está-se usando
o termo n u m sentido impróprio, do mesmo modo como os ídolos são
chamados "deuses", apesar de, na realidade não o serem. Sendo assim, torna-
se impossível achar-se u m conceito generalizado que agrupe, numa só classe,
todas as religiões existentes n o mundo. Em virtude de sua origem, o
Cristianismo não pertence à categoria de religiões humanas.
Todos quantos negam essa verdade, embora acreditem que se possa
estabelecer definição generalizada de religião, não consideram a diferença
fundamental entre a religião de Cristo e as religiões de origem humana. Definiu-
se a religião como sendo "a relação pessoal do ser humano para com Deus".
Essa definição é muito abrangente para referir-se tanto à religião cristã como
às pagãs. Todavia, à primeira análise da "relação do ser humano para com
Deus", evidencia-se a insuficiência do conceito. Visto que todos os seres
humanos são pecadores, a sua relação com Deus é, por natureza, de temor,
de desespero e, conseqüentemente, de ódio a Deus. Essa situação desgraçada
é comprovada, tanto pela Escritura, como pela experiência. De acordo com
os claros ensinamentos da Palavra de Deus, todo ser humano que não nascer
de novo pela fé em Cristo, está "sem Cristo", "não tendo esperança", e "sem
Deus no mundo". (Ef 2.12) Apesar do seu grande empenho em reconciliar-se
com Deus mediante as suas obras, continua no seu temor e desesperança,
pois permanece debaixo da maldição e condenação da Lei divina. Paulo atesta
a realidade disso, quando escreve: "Todos quantos, pois, são das obras da Lei,
Natureza e Cctzícis d.1 Tc-~i-c

estão debaixo de maldição." (G1 3.10) O mesmo apóstolo declara, ainda. q . ~ e


"as coisas que os gentios sacrificam, é a demônios que as sacrificam, e não c
Deus". (1 Co 10.20) Em resumo, enquanto o indivíduo estiver sem a fé em
Cristo, a sua relação pessoal com Deus será feita de terror, desespero e desolacáo
e, por conseguinte, também de inimizade contra Deus. (Rm 8.7)
Entretanto, a relação pessoal com Deus se transforma tão logo o
indivíduo se torna filho de Deus pela fé em Cristo; é quando obtém "boa
consciência," (1 Pe 3.21), a certeza da graça de Deus, a convicção de que os
pecados lhe são perdoados e a feliz esperança da vida eterna. "Se alguém está
em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizerem
novas." (2 Co 5.17) Com lindas Palavras, Paulo descreve em Rm 5.1,2 esta
bendita relação, onde diz: "Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com
Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo, por intermédio de quem
recebemos igualmente acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes; e
gloriamo-nos na esperança da glória de Deus." E outra vez, no versículo 11:
"também nos gloriamos em Deus por nosso Senhor Jesus Cristo, por
intermédio de quem recebemos, agora, a reconciliação." É, pois, a relação
pessoal do crente para com Deus exatamente o oposto da relação pessoal do
incrédulo para com Deus. E uma relação feita de paz, alegria e felicidade.
Definiu-se, ainda, religião como sendo "o método da adoração de Deus".
,Essa definição é perfeitamente adequada, quando diz respeito à religião cristã,
- -s iv
mas não como definição de religião em geral,
'cristãs certamente não são "métodos da ad8ração de Deus". Verdadeira
w - -u- -- --- s é ~ s & g apenas-mediante
l a fé-& Cristo conforme nos
C
afirma nosso Senhor, ao declarar: "1 ...I que todos honrem o Filho do modo
por que honram o Pai. Quem não honra o Filho não honra o Pai que o enviou.''
(Jo 5123) Toda "adoração de Deus" sem Cristo desonra a Deus: pórtanto, longe
de ser adoração, é, em verdade, blasfêmia e oposição a Deus. Na verdade, é
adoração de Satanás, conforme diz Paulo: "As coisas que os gentios sacrificam,
é a demônios que as sacrificam, e não a Deus." (1 Co 10.20) Nessas Palavras,
o apóstolo afirma, em termos que não deixam dúvidas, que os gentios não
podem adorar o verdadeiro Deus. Por mais fervorosos que sejam no seu
empenho e m apaziguar as suas divindades, a sua adoração é culto aos
demônios.
A razão disso é óbvia. Todas as religiões não-cristãs erram, tanto quanto
ao objeto, como quanto ao método de adoração. Os gentios adoram objetos
que não são divinos e, com isso, dão a outrem a glória que pertence a Deus, e
o seu louvor às imagens de escultura. (1s 42.8) Semelhante adoração blasfema
é abominação aos olhos de Deus e, por conseguinte, justamente o oposto da
adoração verdadeira. As religiões não-cristãs trabalham em erro, também. no
que concerne ao método de adoração. Uma vez que os gentios desconhecem
o Salvador dos seres humanos e, portanto, ignoram que devem confiar nele
r Dogmatica Cristã

para a salvação, procuram tranquilizar as suas consciências mediante boas


obras, toda vez que eles adquirem plena noção do seu pecado e culpa, e querem
reconciliar os objetos da sua adoração. Porém, confiança em boas obras para a
justificação é coisa que ofende a Deus e o provoca à ira. "Todos quantos,
pois, são das obras da Lei, estão debaixo de maldição." (G1 3.10) Esse é o
veredito de Deus, segundo o qual condena uma adoração que se lhe oferece à
base de méritos humanos.
Em síntese, não se pode definir a religião em geral como "o método da
adoração de Deus", porquanto essa definição se aplica somente à religião cristã.
Esse fato tem sido defendido ardorosamente por nossos dogmáticos luteranos.
Escreve Hollaz: "Religião, impropriamente dito, significa método falso;
propriamente dito, o método verdadeiro de adorar a Deus." (Doctr. Theol.,
p.22) Essa distinção é tão vital quanto exata.
,
\
i'
Ultimamente se tem definido religião, ainda, como sendo o "empenhe
do ser humano em se garantir, suprir e aperfeiçoar a vida partjculax e mcial
com a ajuda de um poder superior, sobrenatural". Esse e m p w b q dgg o t d o g . ,
alemão IZirn, é comum a todas as religiões, de sorteque nos brnece um
conceito geral para definição de religião. Sem dúvida, essa c l k i k m i y ~adapta- i
,$ I se unicamente às religiões da Lei, ou religiões não-cristss qye, ccrtmente,
empenham-se em "se garantir, suprir e aperfehsmria vidã par~da" mediante
esforços e obras humanos. Constitui o d e n o m i n a h comum de todas as
religiões fora do Cristianismo; é, por na-tíW:ezajj i n a e n t e a todos os seres
humanos a opinião errônea de que é w i ç o w ser- hummo! se salvar através
"'
'
de boas ações (opimo legis). A religião c&& p r é q &E radicalmente desse
\

falso conceito. Do princípio ao fim, é- um pokestm contra a doutrina falsa de


que o ser humano necessita de "se_gpíxmth,supriir: e aperfeiçoar a vida" po'r ,
meio dos seus próprios esforços. R ~ p u & htegxalmente a doutrina da justiça
das obras e estabelece como princípl~p"%xdriafundamental o fato de que o
1 pecador é justificado somente peka grãqa, sem as obras da Lei. Em grande '
parte por causa dessa larga diva@cra entre a religião cristã e as religiões da
justiça pelas obras, o Evangelho i euYdalo para os judeus e loucura para os
, gentios. (1 Co 1.23; 2.14) Cego pelo pecado, o ser humano não deseja um ,
1 meio de salvação que seja p m e n t e por graça, pela fé no divino Salvador.
Torna-se evdeate;. a partir das afirmações acima, que, por ser a única
religião verdadeira, o Cristianismo não deve ser colocado na mesma categoria
das religiões de feitura humana. Não há conceito ou definição geral que abranja
os dogmas distintivos do Cristianismo e os das religiões de criação humana.
O Cristianismo constitui uma classe para si. Somente ele é religião verdadeira,
ao passo que todas as demais são falsificações. Como a moeda falsa não pode
sex dinheiro de verdade, as religiões criadas pelo ser humano jamais poderão
jiustificar sua pretensão de serem verdadeiras. Se Ihes aplica o termo religião,
isso se faz num sentido inteiramente impróprio. Designando-as como
Natureza e C L ' M CJLZ
Z ~7;.~
d;+C
%-

"religiões7', fazemo-lo no mesmo sentido em que chamamos "dinheiro' às


moedas falsas ou acepção na qual as Sagradas Escrituras empregam o termo
"deuses7'(elohim) para os ídolos pagãos. O emprego do nome, nesse caso, nunca
significa que o objeto assim designado seja, realmente, o que o nome exprime.
Os ídolos pagãos não são deuses, tampouco as formas pagãs de adoração são
religião na verdadeira acepção do termo.
Em conformidade com isso, escreve Quenstedt (1,28): "Emprega-se o
termo religião, ou imprópria e abusivamente, ou propriamente. Imprópria e
abusivamente, é empregado para falsa religião, p. ex., para as pagãs, a
maometana e a judaica, sentido este em que, no seu Apparatus teologici/ Calixto
trata das diferentes religiões do mundo, apesar do fato de que uma só religião
verdadeira existe, a saber, a Cristã". No intuito de manterem esta doutrina,
os dogmáticos luteranos jamais procuraram um conceito ou definição religiosa
geral que abrangesse tanto a religião cristã como as não-cristãs, mas puseram
a religião cristã numa categoria à parte como única religião e qualificaram de
falsas e indignas do nome todas as demais. Tão-somente essa classificação é
escriturística.
Fez-se, porém, aqui a objeção de que os dogmáticos ortodoxos não
dispunham de adequado conhecimento psicológico, filosófico e histórico das
diversas religiões não-cristãs, compreendendo-se daí por que fracassaram ao
avaliar essas formas de adoração. Essa deficiência de avaliação, garante-se,
vem sendo suprida por modernos trabalhos de pesquisa no campo da psicologia
da religião, da filosofia da religião e da religião comparada (Religionsgeschichte).
Entretanto, veremos que mesmo os resultados dessas investigações refutam
a exatidão da antiga dupla divisão das religiões em verdadeira e falsa.
A moderna psicologia da religião esforça-se por dar a conhecer "a analogia
dos fenômenos psicológicos" (die GLeichartigkeit der psychologischen
Erscheinungen) que se percebem, tanto na religião cristã, como nas não-cristãs.
Essa analogia, afirma-se, passou despercebida aos teólogos mais antigos e a
esse fato se atribui sua incapacidade de encontrar um conceito ou definição
genérica que abrangesse todas as religiões. Contudo, em resposta a essa
acusação, podemos constatar que os fenômenos psicológicos da religião cristã
e das não-cristãs em nada se assemelham. Na essência, são totalmente opostos
entre si. No coração do incrédulo, percebemos geralmente "fenômenos
psicológicos", tais como a consciência de culpa, uma consciência acusadora e
condenadora, medo do castigo, fuga e ódio de Deus - tudo isso aliado a um
constante desejo de apaziguar a divindade com boas obras. Como, porém,
boas obras não podem reconciliar Deus, somam-se a isso "fenômenos
psicológicos" de terror da morte, desesperança e desolação. Esses "fenômenosn
vêm claramente citados na Bíblia (Ef 2.12): "[...I não tendo esperança7'; (Hb
2.15): "[ ...I os que, pelo pavor da morte, estavam sujeitos à escravidão por
toda a vida". Confirmam as inocentes confissões de honestos e sérios
I Dogmática Cristã

pensadores pagãos de modo vigoroso o que as Sagradas Escrituras ensinam a


esse respeito: todos eles repercutem a nota trágica do desespero espiritual ao
considerarem a pecaminosidade e a culpa humanas.
Já na alma do filho de Deus, encontramos "fenômenos psicológicos7~
inteiramente opostos, tais como a consciência de culpa eliminada e de pecado
perdoado, a paz com Deus (Rm 5.1-3), o amor filial de Deus e a confiança
implícita na sua graça, o triunfo sobre a morte e a firme esperança da vida
eterna. Todos esses "fenômenos psicológicos" vêm unidos ao sagrado desejo
de servir a Deus por obras e em verdade, em sincera gratidão por seu dom de
graça imerecido (C1 2.20): "[ ...I esse viver que agora tenho na carne, vivo pela
fé no Filho de Deus, que me amou e que a si mesmo se entregou por mim".
Paulo enumera a diversidade dos "fenômenos psicoIógicos" pelos quais passou
antes e depois de sua conversão. Escreve em (1 Co 15.9,lO): "[ ...I pois persegui
a Igreja de Deus. Mas, pela graça de Deus, sou o que sou". Com o propósito
de convencer os seus Leitores da ventura que, para eles, significa a sua vocação
cristã, chama-lhes continuamente a atenção para a diversidade "das
experiências psicológicas" a que se viram sujeitos, primeiro como pagãos
obscurecidos e, depois, como cristãos iluminados (Ef 2.5): "[ ...I estando nós
mortos em nosso delitos, nos deu vida juntamente com Cristo". (cf. Ef 2.11-
22; 1 Co 12.2,27; etc)
A analogia dos "fenômenos psicológicosJ' que os modernos estudiosos
da psicologia da religião sustentam, é apenas formal, não material. Dessa
maneira, vê-se que tanto cristãos como pagãos se empenham na adoração;
mas quão radicalmente diferente é a sua adoração no que se refere à sua
essência! 0 s cristãos oram, também os pagãos o fazem; contudo, quão grande
é a diferença entre a oração cristã e a pagã! Daí não poder a psicologia da
religião negar a diferença essencial que existe entre as religiões cristãs e as
não-cristãs, e ter de admitir que a classificação das religiões em verdadeira e
falsa é a única possível.
O mesmo se aplica ao estudo histórico da religião. A religião comparada
(Religionsgeschichte) demonstra o fato de que todas as religiões, fora da cristã,
são legalistas ou "religiões das obras". Elas mantêm como princípio básico o
fato de o ser humano dever adquirir a sua salvação mediante obras meritórias.
A alegre nova da salvação pela graça mediante a fé, ao contrário, se acha
apenas na Bíblia. Desse modo, o estudo histórico da religião também não
pode estabelecer nenhuma outra classificação de religiões, senão a dos
dogmáticos luteranos, que puseram no primeiro grupo a religião cristã, que
ensina a salvação pela graça e, no segundo grupo, todas as religiões de origem
humana, que ensiriam a salvação pelas obras. As "religiões das obras" poderão
diferir em detalhes não-essenciais, que dependem de fatores climatéricos,
psicológicos e raciais, mas todas estão acordes no princípio fundamental
comum da salvação pelas obras.
Natureza e Conceito da Z,.i-:.;

Finalmente, também o estudo filosófico da religião, ou a filosofia da religião,


não nos pode conduzir além da classificação das religiões em duas categorias
distintas, conforme já mencionadas. O estudioso da filosofia da religião pode,
naturalmente, operar tão-só com o conhecimento natural de Deus, ou seja, a Lei
divina escrita no coração do ser humano. Se, porém, define religião por premissas
puramente naturais, isto é, se examina a religião completamente separada da
revelação divina, chegará obrigatoriamente à conclusão de que a religião consiste
essencialmente no esforço do ser humano em se reconciliar com Deus à base de
conduta meritória. Assim Sócrates, o maior dentre os filósofos gregos, embora
sobrepujasse todos os demais pela elevação e sublimidade de suas idéias filosófico-
religiosas, ainda assim exigiu que, na hora de sua morte, se sacrificasse um galo a
Esculápio. Sócrates compreendeu a necessidade de um salvador bem maior do
que qualquer possível salvador humano; porém, como lhe fosse desconhecido o
verdadeiro Salvador, viu-se obrigado a confiar nas próprias obras para sua salvação.
Também Emanuel Kant, geralmente considerado o primeiro filósofo da religião,
sendo ainda o maior de todos os filósofos modernos, afirmou que, do ponto de
vista puramente filosófico, é necessário que se considere a essência da religião
"moralidade", e que a doutrina cristã da reconciliação não pode ser incluída em
nenhum sistema especulativo de religião. A filosofia da religião deve, pois,
entender por religião o esforço do ser humano em ganhar a salvação por meio de
obras. Portanto, é preciso que também hoje se mantenha a divisão das religiões
em duas classes estabelecidas, há séculos, pelos teólogos cristãos.
Há, porém, um sistema de filosofia da religião que procura construir as
suas especulações racionalistas, baseando-se nas Sagradas Escrituras. Admitem
os defensores desse tipo de filosofia da religião que as verdades reveladas nas
Sagradas Escrituras ficam além da compreensão intelectual do ser humano.
Por essa razão, devem ser cridas e aceitas como verdadeiras a priori. Todavia, o
teólogo não deve dar-se por satisfeito com esse mero ato de crer. Deve, pela fé
nas verdades divinas da revelação, progredir até a sua apreensão intelectual.
O que o crente comum sabe por meio da fé, o teólogo deve compreender.
Assim declarou Anselmo de Cantuária, o pai do Escolasticismo medieval:
"Credo, ut intelligam". A intenção de Anselmo é, de certo modo, louvável. Ele
procurou enfrentar e refutar os cépticos de seu tempo, que, a priori, repeliam
como falsas as verdades reveladas, por ininteligíveis que eram para a razão
humana. Anselmo pedia que primeiro se cressem as verdades reveladas, para
que depois se pudesse demonstrá-las dialeticamente e compreendê-ias
racionalmente. Tinha por princípio fundamental que "o cristão deve avançar
por meio da fé rumo à compreensão, e não por meioda-co-m~eensão - - -.2
--rumo
-
--
féJ'. "Ghristianus per frdem debet ad intellectuam profrcere, non per intellectum ad
fidem accedere." Os modernos defensores da falsamente chamada "Teologia
científica" são discípulos de Anselmo. A imitação do seu mestre medieval,
sustentam dever-se elevar a fé à ciência, porque só então se poderá
compreender e demonstrar a religião cristã como a Verdade absoluta.
No entanto, esse empenho em conciliar a fé e a razão não é
escriturístico. Assegura-nos Jesus que só conheceremos a Verdade, se, pela fé,
permanecermos na sua Palavra. 00 831,321 No mesmo espírito, Paulo afirma
que todo mestre da Igreja que não aderir à verdade de Cristo Jesus pela fé
singela, "i enfatuado, nada entende, mas tem mania por questões e contendas
de &lavras". (1Tm 6.3,4) Tanto Cristo como Paulo são contrários ao empenho
dos "teólogos cientificos" em elevar a fé a um conhecimento, e a Verdade
revehda â ciência humana. A razão disso é evidente. Não se pode baixar a
religião cristã ao nível da compreensão intelectual do ser humano, sem que
se perca o seu earáte~e conteúdo sobrenaturais. A história demonstra, com
clareza, como o empenho em "elevar" a fé ao nível do saber tem se revelado
fatal. Anselrno negou a obediência ativa de Cristo, Abelardo negou-lhe a
satisfação visária e, em tempos mais recentes, adeptos da "Teologia científica"
negaram, tanto a inspiragão divina das Sagradas Escrituras, como a justificação
do pecador pela graça, mediante a fé em Cristo. Dessa maneira, contestaram-
se tanto .os princípios formais como os materiais do Cristianismo. A religião
cristã t e m sido despojada do seu conteúdo divinamente revelado. A
conseqüência final do emprego da filosofia na Teologia 6 o modernismo ou
agnosticimo.
Casualmente, também esta última consideração vem comprovar a
exatidão desta classificação dualista das religi8es: verdadeira e falsas. O
conteúdo da religião mistã é de natureza tal que, ou é bem aceito na íntegra
pela fé, ou é inteiramente repudiado, uma vez que os mistérios da Verdade
revelada não são reconhecidos pela razão humana. A razão pervertida do ser
h u m a m reconhece como verdadeira apenas a religião da Lei ou das obras,
enquanto que se opõe à religião da fé. De outro lado, a Palavra divina condena
como falsas todas as religiães das obras, do mesmo modo que declara a razão
humana não-regenerada cega, morta e absolutamente incapaz de compreender
as coisas do Espírim de Deus. (1 Co 2.14)

-
- -- diferentes, a religião
Conforme vimos, gó há duas religiões essencialmente
da fé ou do Evangelho e a religião das obras ou da Lei. Assim, só há efetivamente
L-

duas fontes (principia cugyloscend~>rinúpios do conhecimento) de onde ambas


essas rdigi6es divergentes são extraídas. A religião das obras é de origem humana;
é religião de feitura humana (man-made religion), com sua fonte e origem no
comção humano, no qual Deus gravou a sua Lei divina, de modo que também
os gentios, que não possuem a Escritura, (Rm2.14) "conhecem a sentença de
Deus" (dikaiooma, norma da justiça, Rechtssatzung), (Rrn 2.32) e "mostram a
norma da Lei gravada nos seus corações". (Rm2.15) Fundamentada na Lei divina
Natureza e Ccnceiu drz Ti-htY

gravada no coração do ser humano, a consciência acusa e condena o ser humano


toda vez que o mesmo pratica o maI e, dessa maneira, ele é oprimido pela
consciência de culpa, "[ ...I são, por isso, indesculpáveis" (Rm 1.20), "1..I
testemunhando-lhes também a consciência e os seus pensamentos.
mutuamente acusando-se, ou defendendo-sen. (Rm 2.15)
Condenado assim pela própria consciência, o ser humano busca reconciliar
a divindade mediante "boas obras", como sejam: adoração, sacrifícios, etc. Diz
acertadamente a Apologia: "Porém as obras se tornam visíveis entre os seres
humanos. A razão humana naturalmente as admira e, porque só vê obras e &'O
compreende ou toma em consideração a fé, sonha que tais obras mereçam
remissão dos pecados e justifiquem o pecador. Essa opinião da Lei (haec opinio
legis) está ligada intimamente à razão humana por natureza; também não pode
ser expulsa, a menos que sejamos divinamente iluminados. Contudo, é preciso
que se preserve a mente (revocanda mens est) de semelhantes opiniões humanas
a respeito da Palavra de Deus." (Art. 111, 197)
A "opinião da Lei" de que a Apologia fala aqui, a saber, o conceito errôneo
de que as obras mereçam remissão dos pecados e justifiquem o pecador, Paulo
a chama de "religião da carne". Escreve, assim, aos gálatas, que procuravam a
justificação nos seus merecimentos: "Sois assim insensatos que, tendo
começado no Espírito, estejais, agora, vos aperfeiçoando na carne<" (C1 3.3,)
Lutero interpreta corretamente essa passagem da seguinte maneira: "Carne
aqui nada mais é que a justiça, a sabedoria da carne e os pensamentos da
razão, que se esforça por justificar-se pela Lei." (S. L., IX, p.288ss) Que esse .é
realmente o sentido da Palavra carne nessa passagem, o contexto comprova
claramente. Essa passagem, por conseguinte, ensina a verdade de que toda
religião que procura adquirir a graça divina e remissão dos pecados por esforças
humanos, não é de Deus, mas do ser humano. Sua fonte é o coração
pervertido, não-regenerado.
A religião do Evangelho ou da fé, pelo contrário, não é de seres humanos,
mas de Deus, que a revelou nas Sagradas Escrituras por intermédio dos seus
profetas e apóstolos inspirados. (1 Co 2.6-10) "Expomos sabedoria entre os
experimentados; não, porém, a sabedoria deste século [...I mas falamos a sabedoria
de Deus em mistério, outrora oculta, a qual Deus preordenou desde a eternidade
para a nossa glória; sabedoria essa que nenhum dos poderosos deste século
conheceu [...I Mas, como está escrito: Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram,
nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles
que o amam. Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito", etc.
A religião da fé é, pois, no mais estrito sentido do termo, "sabedoria de
Deus". (1 Co 1.24) É "feita por Deus" (God-made), e sua única fonte é o Livro
de Deus, a Bíblia inspirada. (Jo 5.39; Rm 16.25,26; Ef 2.20; 1 Jo 1.4). Escreve
Quenstedt (I, 33): 'A única própria, adequada e ordinária fonte da Teologia e
da religião cristã é a revelação divina contida nas Sagradas Escrituras; ou. o
Dogináttca Cristã

que vem a ser o mesmo, somente as Escrituras canônicas são a fonte absoluta
da Teologia, de sorte que só delas devem os artigos de fé ser deduzidos e
comprovados". Ainda, I. 36: "revelação divina constitui a primeira e última
fonte da Teologia cristã, além da qual não devem ir as discussões teológicas
entre os cristãos". (Doctr. Theol., p.127ss) É preciso que se mantenha essa
verdade escriturística contra toda e qualquer forma de racionalismo, pelo qual
os falsos profetas buscaram, em todos os tempos, perverter a verdade divina.
A doutrina racionalista (pelagianismo, semipelagianismo, sinergismo, etc.)
não vem de Deus, mas da carne, é antiescriturística e oposição a Deus. Na
essência, é paganismo que destrói a verdade divina onde quer que seja aceito
na Teologia e permitido que exerça sua influência. Quenstedt está com a
razão, quando escreve (I, p.38): "A razão humana ou natural não é fonte da
Teologia e nem das coisas sobrenaturais." (Doctr. Theol., p.28)
Nem mesmo a tradi~ãoé fonte da fé cristã. Calov está inteiramente de
acordo com as Sagradas Escrituras, ao declarar: "Negamos que haja, no
presente, além e acima da Palavra de Deus escrita, outra Palavra de Deus, não
escrita, que diga respeito a qualquer doutrina necessária à fé e vida cristãs,
ainda não revelada nas Escrituras, e que tenha sido transmitida pela tradição,
preservada pela Igreja e recebida com igual reverência." (Doctr. Theol., p.28)
Isso é verdadeiramente doutrina luterana e escriturística. Devemos procurar
a Palavra de Deus tão-só no Livro de Deus; jamais noutra parte qualquer,
conforme Quenstedt declara enfaticamente ao escrever (I, 44): "O
consentimento da Igreja primitiva ou dos padres dos primeiros séculos depois
de Cristo não constitui fonte de fé cristã, primária nem secundária, nem
ainda produz fé divina, senão puramente humana ou provável." (Doctr. Theol., p.28)
Por último, também devemos repudiar as chamadas revelações particulares
como fontes de fé pois, como Hollaz exprime corretamente "depois de
completado o rânon das Escrituras, nenhuma revelação nova e imediata foi
dada que constituísse fonte fundamental de doutrina. (1 Co 4.6; Hb 1.1)
(Doctr. Theol., p.28)
A doutrina de uma revelação fixa, isto é, de uma revelação divina que
nos é dada somente na Palavra de Cristo e dos profetas e apóstolos é,
verdadeiramente, a doutrina das Escrituras. (Ef 2.20): "Edificados sobre o
fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra
angular." Por essa razão, a Teologia cristã, baseada nas Sagradas Escrituras,
pode reconhecer apenas uma fonte da religião verdadeira, a saber, a inspirada
e infalível Palavra de Deus: a Bíblia.
A religião da fé tem origem no Antigo Testamento, visto que foi revelada
a Adão e Eva imediatamente após a queda. (Gn 3.15) Depois foi proclamada
continuamente pelos profetas e crida por todos os fiéis do Antigo Testamento.
(Gn 15.6): "E creu (Abraão) no Senhor, e isso lhe foi imputado para justiça."
No Novo Testamento, tanto Cristo como os seus apóstolos se reportam
Natuueza e Conceito da GzGg:.;

constantemente às promessas de fé reveladas no Antigo Testamento. (Lc


24.27): "E, começando por Moisés, discorrendo por todos os profetas, expunha-
lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras." (At 10.43): "Dele
todos os profetas dão testemunho de que, por meio de seu nome, todo aquele
que nele crê recebe remissão de pecados." (Rm 3.21): "Mas agora, sem Lei, se
manifestou a justiça de Deus testemunhada pela Lei e pelos profetas." (Rm
4.3): "Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça." Todas essas
passagens vêm confirmar a verdade de que, também no Antigo Testamento,
os seres humanos se salvaram unicamente pela fé em Cristo. A Lei divina
jamais teve a função de salvar pecadores. A sua finalidade principal consiste
em convencer os pecadores do seu pecado e culpa. (C1 3.24): "De maneira
que a Lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos
justificados por fé." (cf. Rrn 3.20; 7.7)

5. As CAUSAS
DAS DIVISOES
DENTRO
DA CRISTANDADE
Desde que todas as religiões não-cristãs são de feitura humana, tendo
origem no empenho do ser humano em adquirir a remissão dos pecados pelas
obras, não estranha que surjam divisões de muitas e diversas formas. Escreve
a Apologia: "E porque obra alguma traz a paz de consciência, novas obras
foram de tempos em tempos excogitadas em aditamento às ordenanças de
Deus (tinham, no entanto, os hipócritas por hábito inventar uma obra após
outra, um sacrifício depois outro, por cega suposição e num desenfreamento
sem pudor, e tudo isto sem a Palavra e mandamento de Deus, de má
consciência, como temos visto no papado)." (Art. 111, 87) A Apologia emprega
essa declaração primeiro para os papistas, porém ela corresponde a todas as
religiões das obras. Justamente porque as obras antigas jamais conseguem
tranqüilizar a consciência culposa, é preciso que se experimentem novas obras
para efetuar a cura da consciência atormentada pelo pecado. Desse modo,
em todas as religiões de feitura humana, há uma multiplicaçáo de "boas obras"
que não acaba mais.
Espera-se, portanto, que, conseqüentemente, haja divisões entre os
adeptos das religiões criadas pelos seres humanos. Um dá preferência a esta e
outro àquela boa obra, de sorte que toda seita pagã tem as suas próprias formas
de culto como seus próprios deuses. Já entre os adeptos da religião da fé, não
há necessidade alguma de divisões, pois essa religião só tem uma fonte de
doutrina, a saber, as Sagradas Escrituras que, por sua divina mensagem de
graça, contentam o coração humano e fazem serenar a consciência humana,
oferecendo gratuita remissão dos pecados a quantos crêem em Cristo. Em
outras Palavras, de posse dessa Palavra de Deus e firmes na fé em Cristo, não
há necessidade de que os cristãos estejam divididos em facções ou partidos.
As Sagradas Escrituras condenam toda divisão com muita severidade.
Requerem de todos os crentes que procurem preservar a unidade do Espírito no
vínculo da paz. CEf. 4.3) .Com muita clareza, Paulo dá a conhecer a razão
dessa exigência ao acreçcifrrtar (w.4-@: "Há somente um corpo e um Espírito,
como tamb6m fostes chamados numa só esperança da vossa vocação; há um
só Senhor, uma sS fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é
sobre todos, -e por ,meio de todos e está em todos." As divisões existentes
em CoI-into de tal modo encheram Paulo de horror, que ele escreveu: '!Acaso
Cristo está dividido<" (1Co 1.13) Todos os crentes em Cristo são igualmente
membros do seu corpo, não havendo, pois, motivo algum para qualquer
possível divisão da Igreja Cristã.
Contudo, exktem divisões desde a primeira proclamação da fé em Cristo,
de sorte que sempre tem havido seitas dentro da Igreja visível. Procurou-se
explicar essas divisões de diferentes maneiras, alegando diversidades climáticas
ou raciais, sob o pretexto de que as pessoas pertencentes às diferentes zonas
são afetadas diferentemente em suas emoções religiosas. Essas afirmações
são inadequadas e, mesmo, falsas. São refutadas pelo simples fato de que os
verdadeiros crentes em Cristo, que realmente guardam a unidade do Espírito
pelo víi~culoda paz, encontram-se espalhados pelo mundo todo, sejam quais
forem as diferenças climáticas ou raciais que existam entre os seres humanos.
Muito pelo contrário! As divisões dentro da cristandade devem ser
atribuídas a razões mais sérias. De acordo com as Sagradas Escrituras, são devidas
a falsos profetas e apóstolos, os quais, em deslealdade para com a pura Palavra
de Deus, disseminam as suas próprias noções perversas em nome da religião
cristã e rejeitam as doutrinas específicas do Cristianismo, sobretudo a doutrina
fundamental do Evangelho de que o ser humano é justificado pela graça por
meio da fé, independentemente das obras da Lei. Semelhantes pseudo-apóstolos
atribularam até as igrejas fundadas por Paulo e seus colaboradores. (Rm 16.17):
"Rogo-vos, irmãos, que noteis bem aqueles que provocam divisões e escândalos
em desacordo com a doutrina que aprendestes; afastai-vos deles." (1 Co 14.37):
"Se alguém se considera profeta ou espiritual, reconheça ser mandamento do
Senhor o que vos escrevo." (C1 1.6-8): "Admira-me que estejais passando tão
depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro Evangelho [..I
Há alguns que vos perturbam e querem perverter o Evangelho de Cristo. Mas,
ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue Evangelho que vá
além do que vos temos pregado, seja 'anátema." (Fp 3.18): "Pois muitos andam
entre nós, dos quais, repetidas vezes, eu yos dizia e, agora, vos digo, até chorando,
que são inimigos da cruz de Cristo." As maliciosas tentativas de semelhantes
pseudo-apóstolos de perverter o Evangelho de Cristo, em especial a doutrina
central do Cristianismo: a salvação unicamente pela graça, mediante a fé na
satisfação vicária do divino Redentor, explicam, de uma vez por todas, a
existência das divisões no seio da cristandade.
A verdade dessa afirmação torna-se manifesta ao examinarmos as
divisões maiores que existem no seio da Igreja Cristã: a divisão romana, a
Natureza e Conceito da Tec.iaj-

divisão reformada, as várias divisões dentro da Igreja Luterana e as modernas


escolas racionalistas de Teologia com suas inúmeras ramificações.
Mesmo que, em princípio, reconheça a autoridade divina das Sagradas
Escrituras, a Igreja
- . Católica Romana insiste e m que a Bíblia deva ser
interpretada de acordo com as resoluções da Igreja, que, em última análise,
são do Paria. Lutero, em Os Artigos de Esmalcalde (Parte 111, Art.VII1, 4),afirma
que o papa alega possuir todos os direitos no sacrário do seu coração (in scrinio
pectoris). O resultado de semelhante interpretação das Sagradas Escrituras de
- . (sancta mater ecclesia) é este: que
acordo com a idéia da "Santa Madre Igreja"
não somente rejeita o artigo fundamental da fé cristã, a doutrina da justificação
unicamente pela graça, por meio da fé em Cristo, mas o maldiz expressamente,
de sorte que todos os cristãos que alicerçam a sua esperança de salvação tão
-somente em Cristo Jesus e não nas próprias obras e nos méritos dos santos,
são declarados malditos. (Concílio de Tuento, Sess. VI. can. 11.12.20) Desse
modo, a divisão ou seita romana destitui a religião cristã do seu caráter e
conteúdo específicos, e toda a sua Teologia é, como denomina Paulo, "religião
da carne". O Romanismo está edificado sobre dois erros fundamentais que as
Sagradas ~scriturascondenam com o maior rigor: a infalibilidade papal em
matéria de religião e a meritoriedade das boas obras do ser humano. São,
sobretudo, esses dois erros que fazem da Igreja de Roma uma seita anticristã.
A facção reformada reconhece, também em princípio, a autoridade divina
das Sagradas Escrituras. Na realidade, frente ao Luteranismo, a Igreja Reformada
sustenta ser "mais exclusivamente escriturística" do que a Igreja Luterana.
Ela diz que esta sempre foi propensa a ser "histórica" e "conservadora" de
acordo com o principio de que as tradições da Igreja se devam manter sempre
que se possam conciliar com a Palavra de Deus. Todavia, essa distinção entre
i ~eolokia
- reformada e a luterana não se baseia em fatos. Aquela não é "mais
exclusivamente escriturística" do que esta. Pelo contrário-e&a
romana r - a g r a d a s Escrituras de acordo com a
sancta mater ecclesia, a Teologia reformada insiste em que se deva interpretar
a Bíblia de acordo com a razão humana, ou de acordo com os axiomas
r-
Dessa maneira, guiada por axiomas racionalistas, a Teologia reformada
repudia, antes de tudo, a doutrina dos meios da graça, isto é, a doutrina de
que a Palavra de Deus e os sacramentos são os meios divinamente ordenados
pelos quais o Espírito Santo opera diretamente a regeneração, a conversão e a
santificação. A doutrina dos meios da graça vem afirmada claramente nas
Sagradas Escrituras. (Rm 1.16; T m 3.5,6; At 2.38; etc.) Em oposição a essa
verdade escriturística, porém, a Teologia reformada sustenta o axioma
racionalista df- que "a graça eficaz age imediatamente". Separa as operações
santificadoras do Espírito Santo dos meios da graça sob o pretexto de que o
Espírito Santo não necessita de veículo pelo qual entre nos corações dos seres
Dogmática Cristã

humanos. (Zwínglio, Fidei Ratio; Calvino, Inst., IV, 14.17; Hodge, System.
Theol., I1 684; etc.) Foi esse axioma racionalista, empregado consistente e
tenazmente, que motivou a divisão entre a Igreja Luterana e as Seitas
Reformadas. Contra o Romanismo, Lutero teve que defender a verdade de
que a Palavra de Deus não deve ser pervertida pelas idéias racionalistas da
"Igreja". Contra o Zwinglianismo, teve que afirmar a verdade: a Palavra de
Deus não deve ser pervertida pelas idéias racionalistas de alguns teólogos.
A Teologia reformada emprega um princípio racionalista, quando trata
das doutrinas acerca da pessoa de Cristo e da Santa Ceia. Nega, com ênfase,
a presença real do corpo de Cristo na Santa Ceia, sustentando que a presença
de Cristo no sacramento é apenas espiritual, isto é, presença realizada pela fé
do crente. Em outras Palavras, Cristo se acha presente na Santa Comunhão
sempre que o comungante crente estiver unido a ele pela fé. A negação da
presença real de Cristo na Santa Ceia contraria as palavras claras de Cristo na
instituição da Ceia do Senhor: "Tomai, comei; isto é o meu corpo." Baseia-se
unicamente no princípio racionalista de que o corpo de Cristo, realmente
humano, pode ter somente preseqa visível e local (visibilis et localis praesentia).
Não pode estar presente na Santa Ceia, porque está encerrado no céu. Isso
quer dizer que, guiada pela razão humana, a Teologia reformada nega a
presença ilocal do corpo de Cristo ensinada em passagens como Jo 20.19:
"Trancadas as portas [...I veio Jesus, e pôs-se no meio"; (Lc 24.31): "E desapareceu
da presença deles", etc. (àphantos egéneto)
A Bíblia atribui essa presença ilocal da natureza humana de Cristo a
ele, e m razão da união pessoal das duas naturezas e a conseqüente
comunicação dos atributos. Apoiada na razão, a Teologia reformada nega a
comunhão das duas naturezas de Cristo e a comunicação dos atributos.
Declara que "o finito não pode conter o infinito". Desse princípio racionalista
decorre um outro, a saber, que o corpo de Cristo não pode ter presença ilocal
e, por conseguinte, desde a ascensão, mantém-se encerrado no céu. A divisão
entre Zwinglianismo e Luteranismo deve-se atribuir à observância e defesa
desses dois axiomas racionalistas por parte do primeiro. Lutero não pôde (1529)
estender a mão de fraternidade cristã a Zwínglio em Marburgo, porque este
mostrou possuir "outro espírito", a saber, o espírito racionalista, que é
diametralmente oposto à fé cristã.
Por último, a Teologia calvinista nega a universalidade da graça divina
(gratia universalis), ensinando que a graça de Deus é particuiar (gratia
particularis), isto é, não abrange todos os seres humanos, mas somente os
eleitos, enquanto todos os demais estão predestinados para a perdição eterna.
Essa doutrina é contrária às Sagradas Escrituras, que afirmam a universalidade
da graça de Deus do início ao fim. Declaram, ainda, que a condenação do
pecador não é devida a qualquer falta da parte de Deus em providenciar a sua
1 salvação. (Jo 1.29; 3.16; 1 Jo 1.2; 1 T m 2.4-6; etc.) Baseada em que, pois, nega
Natureza e Conceito d'z fi;!:~:.;

a Teologia reformada a universalidade da graça divina< Aqui empregam outro


axioma racionalista como premissa sobre a qual procuram alicerçar a sua
doutrina errônea. O princípio racionalista consiste nisto: "Temos de presumir
que o resultado seja a interpretação da intenção de Deus." (Hodge, Syst. Theol.,
11, 323) A Teologia reformada raciocina assim; "Porque nem todos se salvam,
somos obrigados a concluir que Deus não pretende salvar a todos." Assim, a
Teologia calvinista repudia as Sagradas Escrituras em favor de um argumento
tirado da razão ou um axioma racionalista. Nesse afastamento da Palavra de
Deus e a conseqüente entronização da razão é que a facção reformada está
alicerçada. No instante em que a sua Teologia deixar de ser racionalista,
também deixará de ser separatista.
Dentro das próprias fileiras das denominações reformadas, a doutrina
calvinista da particularidade da graça divina tem sido negada com ênfase pela
facção arminiana. A Teologia arminiana rejeita o erro calvinista de que Deus
tenha, desde a eternidade, predeterminado certo número de seres humanos
para a condenação. Contudo, de outro lado, a Teologia arminiana erra, quando
nega que somente a graca (sola gratia) salva os pecadores. Em franca oposição
à doutrina do sola gratia, tão claramente ensinada por Lutero, ela argumenta
que a conversão e salvação do ser humano dependem, ao menos até certo
ponto, da sua cooperação e do uso de seu livre-arbítrio. O Calvinismo nega a
gratia universalis, enquanto que o Arminianismo nega o sola gratia. Desse
modo, também o Arminianismo constitui afastamento das Sagradas Escrituras,
as quais atribuem a conversão do ser humano exclusivamente ao monergismo
divino. (Ef 1.19; Fp 1.29; 1 Co 1.23; 2.14) O Arminianismo não fez outra
coisa senão retornar ao erro de Erasmo, o qual, no dizer de Lutero, "lhe foi ao
gasnete" ensinando que o ser humano tem, por natureza, a faculdade de se
aplicar à graça divina (facultas se aplicandi a d grariam), cooperando assim na
sua conversão.
O que se acabou de dizer acerca do Arminianismo, também tem aplicação
ao Sinergismo. Também este nega o sola gratia e, em oposição às Sagradas
Escrituras, afirma que a conversão do ser humano depende, em parte, da sua
boa conduta, decisão própria, menor culpa, etc. O Sinergismo tentou
introduzir na Teologia luterana, por intermédio de Melanchthon, a doutrina
das três causas da salvação: o Espírito Santo, a Palavra de Deus e a vontade
aquiescente do ser humano. Essa doutrina é inconfundivelmente anticristã
e, quando crida, impedirá a conversão do pecador, uma vez que a fé salvadora
se produz unicamente no coração contrito que, para a sua salvação, confia
tão-só na graça divina. Os sinergistas se salvarão unicamente se renunciarem
à sua doutrina errônea, apegando-se tão somente à graça de Deus em Jesus
Cristo, ao sofrerem os terrores de consciência (terrores conscientiae). Diz-se de
Melanchthon que, pessoalmente, não cria na sua doutrina errônea, porquanto
sempre que se dirigia em súplica a Deus como pecador penitente, apelava
Dogmática Crisrã

exclusivamente à graça divina para a salvação. Apesar disso, esse mestre

ri
influente, pela divulgação de seus erros sinergistas, ocasionou divisões que
fizeram &nos incalculáveis e continuam perturbando a Igreja atualmente.
Finalmente, podemos falar das divisões no Cristianismo que devem
sua origem à moderna "Teologia científica". Essa Teologia racionalista, que
vem desde SchLeiermacher e Ritschl, nega a doutrina cristã de que as Sagradas
Escrituras são a infalível Palavra de Deus e, por isso mesmo, as despreza como
única fonte e norma de doutrina. Conseqüentemente, repudia o único
princípio pelo qual a Igreja Cristã pode conservar sua unidade inerente e
essencial, visto que essa unidade não consiste em fórmulas externas, mas em
concordância doutrinária, que não existirá mais, se as Sagradas Escrituras
forem rejeitadas como única norma de fé, doutrina e vida.
A Teologia moderna sugere a "experiência cristã", a "consciência cristã",
O "regenerado eu", e outros comportamentos como normas de fé. Todas essas
"normas", em última análise, coincidem com a razão carnal que, por sua própria
natureza, está em oposição à verdade divina. Isso fica comprovado pelos
resultados que se verificam onde quer que se tenham adotado as "normas"
anteriormente mencionadas. Vê-se, pois, que a Teologia racionalista moderna
nega unanimemente a doutrina cardinal da justificação pela graça, mediante
a fé. Ensina, porem, a doutnna pagã da salvação pela justiça das obras. Nega,
também, a doutrina cristã fundamental da inspiração divina das Sagradas
Escrituras e, conseqüentemente, a sua inerrância. Dessa maneira, rejeita dois
artigos distintivos da fé cristã, promove divisões e causa escândalos contrários
aos ensinamentos de Cristo e dos apóstolos. A Igreja Cristã exige que a Teologia
moderna acabe com sua oposição às Sagradas Escrituras, pois elas são a única
fonte e norma de fé e à satisfação vicária de Cristo como único meio para
justificação do ímpio. É o que o mesmo Cristo exige. (Jo 8.31,32; 1 Pe 4.11)
Está, pois, claro este ponto: As divisões no Cristianismo devem sua
origem ao total afastamento das Escrituras Sagradas e dos seus ensinamentos
divinos. Onde quer que elas existam, serão atribuídas à perversão e rejeição
da verdade divina, e é necessário que sejam condenadas como obra viciosa de
Satanás e dos seus profetas.
A própria Igreja Luterana confessional tem sido chamada uma "seita"
dentro da cristandade por escritores aluteranos. Essa acusação é muito injusta
e deve-se a uma interpretação errônea da Reforma. A Reforma Luterana não
foi um empreendimento que visasse à fundação de uma nova seita ou divisão
dentro do Cristianismo, mas à restauração da Igreja corrompida em busca da
primitiva pureza apostólica na doutrina e na prática. Logo, a Igreja Luterana
confessional é a primitiva Igreja de Cristo e dos seus apóstolos, expurgada
das corrupções dos erros papistas e restaurada no fundamento das Escrituras
Sagradas. Seu caráter é verdadeiramente ecumênico; porquanto as suas
doutrinas não são opiniões próprias, diferentes das opiniões e dogmas da Igreja
Natureza e C~ncertoda Tezicg:,;

Apostólica; mas exatamente as mesmas doutrinas em torno das quais se


centrdizm os antigos credos ecumênicos d'í~cristandade. Sua Teologia é a da
Santa Bjblia, e somente da B%lia; sua daumna é a verdade divina da Palavra
de. Deus. E'oxtant~~ a Igreja Luterana é r;t. Igreja visível ortodoxa de Cristo na
terra. Ism tanto é sua reivindicação coma sua glória, e ela desafia toda acusação
d e z-ctarismo que se fizer contra ela
Admitimos, naturalmente, com franqueza, que também no seio da Igreja
Lu-terana, as divisões se deram em virtude do afastamento das Sagradas
Escrituras e das Confissões Luteranas, por parte de alguns teólogos, na
doutrLna, como na praxe. Por isso, ao usarmos o termo Igreja Luterana, não
incluimos essas divisões ou facgm, porém nos referimos exclusivamente à
Igreja ou Igrejas Luteranas que são inteiramente escriturísticas e luteranas,
seja na doutrina, seja na praxe. Em outras Palavras, Igreja Luterana é a que se
mantém perfeitamente enquadrada nos princípios da Reforma.
No que se refere à unidade cristã, é preciso que se declare com vigor que
tal bênção não é obra de ser humano, mas da graça divina. (Jo 17.11-15,20,21;
S1 86.11) Não bastam a influência, a sabedoria e o engenho humanos para
conservar a unidade na fé;e na doutrina. Essa preciosa dádiva é dom do Espírito
Santo, que o outorga e mantém graciosamente mediante a Palavra de Deus.
Por isso mesmo, todm os cristãos devem orar diligentemente pela unidade do
Espírito e fazer uso cmâtante dos meios da graça, pois apenas por eles, a unidade
se conserva. Onde quer que se despreze ou ironize a Palavra de Deus, a
verdadeira unidade ma fé não pode prevalecer. Os cristãos permanecerão unidos
na fé somente quando se mantiverem unidos em torno da Palavra de Deus.

6; O -
O RELIGLÃO
( ~ E ~ ~ A N I S MA ABSOLUTA
A religião cristã é a religião absoluta, visto ser perfeita e não necessita,
nem 6 passível de melhoramento ou desdobramento (ErHnzung). É dada por
DRUS(IJleÓsdotos) e é precisamente como Deus a quer, para que possa cumprir
sua beneficente finalidade de salvar os pecadores. Atribuindo perfeição à religião
cristã e um modo de ser absoluto, nem por isso queremos dizer que seja
considerada, à luz do entendimento humano, "um todo logicamente perfeito"
(ein logisch vollkommente Ganzes) ou um sistema logicamente completo e
perfeito, em que n50 faltem elos na cadeia de raciocínio. O conhecimento do
cristão, diz o apóstolo, e nisso inclui o seu próprio, não deixa de ser
fragmentário. (1Co 13.12):"Agora conheço em parte." O que o cristão conhece
da sabedoria divina através da revelação constituiu apenas parte do
inescrutável conhecimento de Deus.
A religião cristã, por outra, não é perfeita ou absoluta no sentido de que
constitua o sistema de moral por excelência (die vollkommente Moral), embora
isso, naturalmente, seja verdade. A Teologia moral das Sagradas Escrituras é,
Dogmática Cristá

na verdade, perfeita, porque gira em torno do perfeito amor de Deus e do


próximo, tendo-o por seu objetivo. (Mt 22.37-40) Tanto suas exigências como
o fim a que visa é o perfeito amor. (Mt 5.48): "Portanto, sede vós perfeitos,
como perfeito é o vosso Pai celeste." Todavia, essa moral perfeita não constitui
a essência da religião cristã; é, antes, o efeito, o fruto da fé cristã, que o Espírito
Santo implanta n o coração h u m a n o pelos meios da graça; ou, como
poderíamos dizer mais sucintamente, é o resultado do Cristianismo em si. (1
Jo 4.9-21; Rrn 12.1)
Ainda assim, a religião cristã é absoluta, isto é, completamente perfeita
e insuperável. Há, para tanto, duas razões. Em primeiro lugar, ela não é nenhum
código moral que instrua os seres humanos da maneira como possam
reconciliar-se com Deus mediante boas obras, mas é a fé divina no admirável
fato de que Deus, por Cristo, "reconciliou consigo o mundo, não imputando
aos seres humanos as suas transgressões". (2 Co 5.19) Nesse sentido, a religião
cristã é absoluta, isto é, perfeita e insuperável; pois, pelo Evangelho de Cristo,
apresenta perfeita e incomparável reconciliação à humanidade pecadora
efetuada mediante a satisfação vicária do Filho de Deus, o divino Redentor
do mundo que satisfez as exigências da justiça divina (obediência ativa) e
pagou o castigo do pecado (obediência passiva) por nós e em nosso lugar. (C1
4.4,5; 3.13; 1s 53; 2 Co 5.21) Todo pecador que crê nessa reconciliação ou
remissão dos pecados é justificado, ou declarado justo pela graça,
independentemente das obras da Lei. (At 26.18; Lc 24.46,47; Rm 10.17; 1 Co
2.4,s; Rm 3.28; 5.1) Esse é o glorioso dom que o Cristianismo oferece
gratuitamente a todos os pecadores. Ele anuncia à humanidade perdida que,
por graça, Deus atribui a perfeita justiça de Cristo ao ser humano pecaminoso,
ímpio e condenado, pela fé, ou cobre a injustiça do crente arrependido com a
perfeita justiça do seu divino Filho, Jesus Cristo. (Rm 4.5): "Ao que não
trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é atribuída
como justiça." (1 Jo 2.2): "Ele (Cristo) é a propiciação pelos nossos pecados e
não somente pelos nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro." Esta
é a maravilhosa perfeição da religião cristã: ela proporciona reconciliação e
salvação perfeitas por graça e faz o crente entrar na posse perfeita e completa
dos mais excelentes dons de Deus - a sua graça divina, o seu completo perdão,
a sua paz que excede todo entendimento, enfim, a vida espiritual e eterna.
Dessa maneira, o Cristianismo realiza perfeitamente o que a religião deve
realizar - une de novo a humanidade pecadora e o santo Deus e lhe restitui
tudo o que havia perdido pelo pecado. (C1 2.10-14): "Nele estais aperfeiçoados"
(pepleeropménoi) etc.
Subentende-se que a religião cristã é absoluta ou perfeita apenas enquanto
mantida em pureza; isto quer dizer: enquanto o seu caráter de religião da graça
e da fé se conservar intacto ou, ainda, enquanto a sua doutrina central da
justificação pela graça, mediante a fé na satisfação vicária de Cristo se mantiver
Natureza e Conceito da lèologi~z

inalterada. Se se perverte ou elimina a doutrina principal da religião cristã, o


Cristianismo fica descristianizado, uma religião neopagã, indigna do nome que
tem e incapaz de salvar os pecadores. Dessa maneira, o Romanismo, que ensina
a justificação por meio da "graça infusa" kratia infusa) e, por conseguinte, das
"boas obras" (Concílio de Trento, Sess. VI, Cân. 11.12.20), paganiza o
Cristianismo em sua doutrina central. Disso resulta que o pecador deixa de
obter o perdão divino e se sobrecarrega com a maldição da incerteza (monstrum
incertitudinis) no que respeita ao seu estado de graça. (C1 5.4): "De Cristo vos
desligastes, vós que procurais justificar-vos na Lei; da graça decaístes."
Semelhantemente, a doutrina da justificação pela graça mediante a fé
em Cristo é corrompida pelos teólogos protestantes racionalistas atuais que
desprezam a doutrina escriturística da satisfação vicária de Cristo. Em seu
lugar, incluem suas próprias errôneas "teorias da conciliação". Eles também
negam a verdade evangélica central de que os seres humanos são justificados
somente pela fé e, dessa forma, paganizam a religião cristã. Teoria do Exemplo
Moral: Cristo morreu simplesmente para mostrar ao ser humano que o pecado
desagrada a Deus, uma vez que o divino governo do mundo necessita de
semelhante manifestação de ira contra o pecado. Teoria Declaratória: Cristo
morreu para mostrar o quanto Deus ama o ser humano, etc. O artigo central
do Cristianismo é semelhantemente negado e pervertido por todos os
pelagianos, arminianos e sinergistas, pois sustentam que a salvação do ser
humano depende, ao menos em parte, da sua boa conduta e das boas obras.
Assim pervertida, a religião cristã se vê destituída de sua própria essência e
deixa de ser, portanto, absoluta ou perfeita, visto que, e m sua feição
paganizada, é incapaz de salvar os pecadores.
Em segundo lugar, a religião cristã é absoluta, isto é, perfeita e
insuperável, porque sua fonte e norma não são a Palavra falível de seres
humanos, mas a infalível Palavra do Deus inerrante, conforme registrada nas
Sagradas Escrituras. (Jo 10.35; 2 T m 3.15-17; 1 Pe 1.10-12; Ef 2.20). Por serem
divinamente inspiradas, as Sagradas Escrituras são a verdade divina absoluta.
(Jo 17.17) A religião cristã, que procede dessa verdade absoluta, constitui a
única religião verdadeira, enquanto que todas as demais nada têm de religião.
É preciso que se dê grande ênfase a esse fato; porque atualmente, mesmo nos
círculos cristãos, as tendências unionistas e sincretistas são muito fortes e
são vistas adotando normas antiescriturísticas com alguma facilidade. A s
Sagradas Escrituras são a única norma de fé, e só é verdadeira a religião que
ensina exatamente conforme está escrito na Bíblia.
Afirmamos energicamente essa verdade, não apenas contra o
Modernismo o qual repudia as Sagradas Escrituras totalmente, mas também
contra a Teologia racionalista moderna que, ao lado das Sagradas Escrituras,
estabelece "consciência cristã", "convicção cristã", experiência cristã, etc.,
como normas de fé e vida. Igualmente, contra o Romanismo, que declara a
Dogmáticn Cristã

tradição constituir fonte e regra de fé. Em síntese, todos quantos quiserem


manter a religião cristã como absoluta, têm de aderir, tanto à doutrina da
justificação pela graça, mediante a fé na satisfação vicária de Cristo, como à
doutrina de que as Sagradas Escrituras, como Palavra de Deus inspirada e
inerrante, são a única fonte e norma de fé. A religião cristã é absoluta apenas
guando apresentada e ensinada conforme Deus -- orienta
-
-
--
em sua Palavra.
--
A religião cristã foi dada à humanidade pecadora imediatamente após a
queda no pecado e era então, como agora 6, a única religião absoluta, porque
só oferecia e concedia a salvação dos pecados aos seres humanos pela fé no
Redentor prometido por Deus. (Gn 3.15; At 10.43) Através de todo o Antigo
Testamento, não se proclamou menos o Evangelho de Cristo do que no Novo
Testamento, (Jo 5.39; 8.56; At 10.43) mesmo que, no Novo Testamento, a
pregação do Evangelho seja mais clara e abundante que no Antigo. Quando
fala da anulação do Antigo Testamento e da instituição do Novo, a Bíblia não
se refere à pregação do Evangelho, que é a essência do Cristianismo, mas ao
concerto mosaico da Lei, que foi abolido com a vinda de Cristo. (Jr 31.31-34;
H b 8.6-13; G1 3 . 1 7 s ~ ;C1 2.16) Desse modo, ao passo q u e n o Antigo
Testamento a revelação divina foi progressiva no sentido de que a mensagem
do advento de Cristo e sua redenção era anunciada sempre com maior clareza
e mais detalhadamente, a religião que Deus deu a Adão e Eva depois da queda
foi absoluta desde o começo, isto é, perfeita e completa, porque adequada
para efetuar a salvação dos pecadores. A alegação de que o Antigo Testamento
nos apresenta religiões essencialmente diversas, tais como a patriarcal, a
mosaica, a profética, etc., é improcedente e contradiz as declarações
incontestáveis das Sagradas Escrituras. (At 15.10,ll; Rm 4.3-6; Hb 11) Cristo
foi sempre o único Salvador de todos os pecadores, e jamais alguém foi salvo
senão pela fé nele. (At 4.12): "E não há salvação em nenhum outro; porque
debaixo do céu não existe outro nome, dado entre os seres humanos, pelo
qual importa que sejamos salvos."
Atendendo ao fato de que a religião cristã é a única verdadeira, é
incorreto que se fale dela como da "religião mais elevada" ou da "religião mais
perfeita" ou, ainda, do "clímax de todas as religiões". Tais superlativos expressam
tão-só uma diferença em grau, quando a diferença entre o Cristianismo e
todas as demais chamadas religiões é de espécie. O Cristianismo é a religião
criada por Deus; todas as restantes são de feitura humana. Por essa razão, é
de se objetar tais comparações, mesmo que se diga oferecer o Cristianismo ao
ser humano "a suprema satisfação". Na realidade, apenas o Cristianismo oferece
satisfação aos pecadores, visto que somente ele transmite e sela a graça de
Deus, a remissão dos pecados e a vida eterna. O caráter de absoluta cabe
unicamente à religião de Jesus Cristo.
Considerando-se a questão de qual seja a diferença essencial entre o
Antigo e o Novo Testamentos, é preciso que se procure, não na religião em si,
Natureza e Conceito da í'èclqi,i

porém no aspecto acidental de maior clareza e plenitude. Na essência, ambos


são o mesmo. O conteúdo doutrina1 não apresenta diversidade; porquanto
em ambos encontramos a mesma Lei Moral e a mesma mensagem evangélica
da salvação dos pecadores somente pela graça de Deus em seu Filho, nosso
Salvador. Cristo mesmo confirma isso. Ele não só declarou que o Antigo
Testamento é verdade divina, (Jo 5.45-47; 10.35; 5.39), mas ainda afirmou
ser ele o Cristo do Antigo Testamento. (Lc 24.25-27) Nosso divino Senhor
não encarnou com o propósito de ensinar uma nova religião, mas para cumprir
as profecias que lhe diziam respeito e para, por meio do seu santo padecimento
e morte, adquirir a salvação prometida pelos profetas. (Mt 5.17-19; Rm 3.28-
31; C1 2.10-14) Assim como Cristo, também os apóstolos, em especial Paula,
declaram que as Escrituras do Antigo Testamento podem fazer os crentes
sábios para a salvação pela fé em Cristo. (2 T m 3.15-17) Semelhantemente,
Paulo ensina de modo claro que a doutrina da justificação pela graça, mediante
a fé, não é doutrina nova, mas a doutrina proclamada pelos profetas e crida
por todos os crentes do Antigo Testamento. (Rm 3.21-22; cap. 4) De tudo
isso, depreende-se claramente que a religião do Antigo Testamento é, na sua
essência, a religião cristã, a qual, por sua própria natureza, é perfeita e
insuperável, a religião absoluta de Deus.

7. A RELIGIÁOE A TEOLOGIA
CRISTAS
Há teólogos que sugerem a seguinte distinção entre religião cristã e
Teologia cristã: eles dizem que, no seu sentido subjetivo, a religião cristã é o
conhecimento de Deus que todo cristão possui, enquanto a Teologia cristã,
no seu sentido subjetivo, é o conhecimento de Deus que os mestres oficiais
da Igreja têm. Bem entendido, pode-se aceitar essa definição; pois enquanto
ensinam que todos os crentes têm o conhecimento de Deus, as Sagradas
Escrituras dão ênfase ao fato de que os mestres oficiais da Igreja devem possuir
essa sabedoria em grau mais elevado. (Jo 6.45; 1 Co 12.29; 1 T m 3.2; 2 T m
2.1) Nessas passagens, ensina-se que, embora os cristãos sejam "todos
ensinados por Deus", nem por isso são "todos mestres", e que os bispos ou
ministros devem ser "aptos para ensinar". Convém, portanto, que se Ihes
confiem as doutrinas da Palavra de Deus de tal modo que sejam "também
idôneos para instruir os outros". Apesar disso, deve-se sustentar que não há
diferença essencial entre a religião e a Teologia. Ambas têm o mesmo princípio
(principium cognoscendi), ou fonte, a saber, as Sagradas Escrituras; ambas são
recebidas de um mesmo modo, a saber, pela fé na Palavra de Deus. (Jo 8.31,32):
"Se vós permanecerdes na minha Palavra, sereis verdadeiramente meus
discípulos; e conhecereis a verdade."
Sustentamos, pois, que tanto o conhecimento religioso como o teológico
são, fundamentalmente, um e o mesmo, que se adquire pelo mesmo método,
a saber, com fé estudando a Palavra de Deus e meditando nela com preces.
Dogmátrca Cristã

Tudo que não se tome das Sagradas Escrituras ou que vá além delas, não é
religião nem Teologia, mas especulação humana. Quod non est biblicum, non
est theologicum. É preciso manter essa verdade contra os teólogos racionalistas,
os quais afirmam que a Teologia cristã é qualquer coisa fundamentalmente
diversa da religião cristã, que vai além dela, e, em particular, que o teólogo
cristão compreende os mistérios da fé intelectualmente, ao passo que o cristão
comum simplesmente os aceita pela fé. Semelhantes idéias são desastrosas,
quer para a religião, quer para a Teologia. Isso não precisa ser demonstrado.
Com efeito, a Teologia cristã não é sistema de filosofia especulativo cuja
substância fica em torno da compreensão intelectual do ser humano; mas é
"a sabedoria de Deus em mistério". (1 Co 2.7) ( O sentido da sentença de
Paulo é óbvio: "Em falando a sabedoria de Deus, proclamamos um mistério.")
Por isso mesmo, a fé na Palavra de Deus que há num menino não é menos
essencial para o teólogo cristão do que para o fiel cristão comum. O teólogo
só é teólogo cristão, quando crê implicitamente em Cristo e aceita
incondicionalmente a sua Palavra.

Do ponto de vista etimológico, o termo Teologia pode ser definido como


"a Palavra concernente a Deus" (lógos perí theou). No sentido subjetivo, o
termo designa o conhecimento de Deus (Gottesgelehrtheit) como inerente ao
i teólogo. No seu sentido objetivo, indica a doutrina acerca de Deus como
I apresentada em livro ou tratado. (cf. o sentido de psicologia, fisiologia, biologia,
1 geologia, etc.) Tomás de Aquino resume significado e função da Teologia da
I
I
maneira que segue: "Teologia a Deo docetup, Deum docet et ad Deum ducit". O
nome Deus em conexão com lógos, porém, sempre designa o objeto, de modo
!
que, em sentido objetivo, a Teologia é a doutrina que ensina Deus (Deum
I
docet).
I Na sua acepção comum (usus loquendi), o termo Teologia não aparece
I
nas Sagradas Escrituras. É, pois, "vox non égguaphos, sed ágraphos, quamvis
non antígraphos", o que quer dizer, um termo usado fora das Escrituras,
todavia que não é contrário a elas. A epígrafe do Apocalipse de João,
Apokálypsis Iooánnou tou theológou, como Gerhard assinala corretamente,
não foi escolhida pelo autor do mencionado livro, mas acrescentada
posteriormente por copistas. Esse fato comprova que o termo Teologia já
era, entre os primitivos escritores cristãos, largamente empregado e entendido
no seu sentido específico. Contudo, também autores não-cristãos usavam
o termo Teologia. Esse fato não nos deve surpreender, visto que o ser humano
tem, por natureza, certo conhecimento de Deus, através da Lei divina
gravada no seu coração. (Rm1 e 2) Os escritores pagãos aplicavam o termo
Teologia à doutrina de Deus como ensinada pelos seus poetas e filósofos, a
quem alguns deram o título de teólogos. Assim diz Aristóteles de Tales dos
filósofos que o precederam, os quais especularam a origem das coisas. çire
teologizavam (theologeesantes). Cicero diz claramente: "Princípio Ioves tr2c
numerant, qui THEOLOGI nominantur". (cf. Aristóteles, Metaf., 1,3; Cícero.
De Natura Deorum, 111, 21)
O termo Teologia nem sempre tem sido empregado no mesmo sentido.
Esse uso diverso não nos deve preocupar, pois o mesmo vocábulo não aparece
nas Sagradas Escrituras e, por conseguinte, pode ser empregado na Teologia
cristã em diferentes sentidos, desde que não represente algo que, por si, é
condenado pela Palavra de Deus. Os conceitos devem ser escriturísticos.
Emprega-se o termo "Teologia" corretamente e de acordo com a Bíblia, quando
o mesmo designa:
1. O conhecimento especial de Deus que possuem os que são chamados
a exercer o ministério público. Em outras Palavras, o conhecimento
especial dos pastores e professores da Igreja. (1 T m 3.2)
2. O conhecimento especial de Deus se requer daqueles que são
chamados a preparar os ministros e professores cristãos para a sua
sublime vocação, ou conhecimento especial dos professores de
Teologia. (1 T m 2.2)
3. O conhecimento geral de Deus que possuem todos os verdadeiros
crentes, em especial os cristãos experientes, cujo conhecimento das
coisas espirituais haja sido aprofundado pela muita meditação com
orações e experiência prática na sua profissão de Cristo, de modo
que eles próprios, no seu âmbito limitado, estão capacitados para
ensinar a outros. (1 Pe 3.15; C1 3.16)
4. O conhecimento especial de determinadas partes da doutrina cristã,
em particular, a doutrina da divindade de ~ i i s t oe da Trindade. Nesse
sentido, foi Gregório de Nazianza (morto em cerca de 390) chamado
ho theólogos por haver defendido a divindade de Cristo com especial
distinção. Basílio aplicou o termo "Teologia" à doutrina da Santíssima
Trindade. (cf. Pieper, Christliche Dogmatik, Vol. I, p.47)
Como geralmente é empregado, o termo designa no seu sentido abstrato
ou objetivamente, a doutrina cristã total (usus generalis), ou a doutrina
particular que se refere a Deus (usus specialis).
Quando se emprega o termo Teologia nas acepções acima, ele é usado
e m conformidade com as Sagradas Escrituras e, por conseguinte,
corretamente. Todavia, aplicando-se a qualquer doutrina que vá além das
Escrituras ou a u m sistema de doutrina que não se baseia exclusivamente
nas Escrituras, mas antes na "consciência cristã", "experiência cristã", "tradi@o
cristã", etc., está mal-aplicado. Tudo o que não procede das Escrituras nada
tem de Teologia, não passando de especulação humana, e isso, afinal de contas.
nada mais é do que erro e ilusão. (1 T m 6.3,4): "nada entenden.
Dogmática Cristã

Empregamos o termo Teologia, nesta obra, de modo subjetivo, ou concreto,


para designar a capacidade espiritual (hikanótees, habitus) para ensinar e
defender a Palavra de Deus, em suma, para exercer as funções do ministério
cristão nos moldes escriturísticos (2 Co 3.5,6), de modo objetivo, ou abstrato,
para designação da doutrina cristã, seja em seu todo, seja em parte, apresentada
t a n t o oralmente como por escrito. (2 T m 1.13) Ambos esses usos são
escriturísticos. A Teologia subjetiva ou concreta é a capacidade espiritual do
mestre cristão; a Teologia objetiva ou abstrata é o produto ou resultado dessa
capacidade. Temos, para nós, que o primeiro sentido do termo é o principal,
uma vez que é preciso que se encontre a Teologia na alma de um indivíduo
antes que ele possa ensinar e apresentar, seja oral ou graficamente. A Teologia
é o produto da capacidade cognitiva inspirada por Deus no ser humano através
do estudo da Palavra. Para o teólogo cristão, esse conceito é de importância
capital, porque o lembra constantemente de que estudar Teologia não significa
mera apreensão intelectual de uma série de conhecimentos, mas verdadeira
regeneração, conversão e santificação do seu coração, do qual deve emanar
todo o seu serviço ministerial.
Nos seus Esboços da Teologia Doutrinária (Outlines of Doctrinal Theology),
p.1, o Dr. A. L. Graebner define a Teologia no seu sentido subjetivo ou concreto:
"Teologia é uma capacidade prática da mente, que abrange o conhecimento e
a aceitação da verdade divina conjuntamente com a aptidão de instruir outros
para aquisição desse conhecimento e para defender tal verdade contra os seus
adversários." Teologia no sentido objetivo ou abstrato, ele a define (p.2) como
sendo uma "exposição oral ou escrita das verdades, doutrinas, princípios, etc.
por obra de cujo conhecimento, aceitação, manutenção e aplicação prática o
teólogo é teólogo".

9. A TEOLOGIA
CONSIDERADA
COMOCAPACIDADE
Como capacidade ou habilidade, a Teologia vem descrita em todas as
passagens da Escritura que traçam o caráter e requisitos do verdadeiro ministro
cristão, o qual, na acepção das Sagradas Escrituras, é o teólogo verdadeiro, dispondo
de capacidade (hikanótees, suficiência) para exercer as funções do ministério pelos
moldes designados por Deus. Logo, com fundamento nas Sagradas Escrituras,
podemos definir a capacidade teológica da maneira que segue:
a. A capacidade teológica é uma capacidade espiritual (habitus spiritualis,
supernaturalis), isto é, uma habilidadeimplantada na alma pelo - v

Espírito Santo, não põr meio de dons naturais. Pressupõe fé


na satisfação vicária de Cristo e, por conseguinte, a regeneração ou
conversão do teólogo. Ministros e professores incrédulos não
merecem o nome de teólogos. Na acepção das Sagradas Escrituras,
eles não são teólogos que tenham apreendido intelectualmente as
Natureza e ConceitoALIki:gi-;

doutrinas da Palavra de Deus e que estejam e m condições de


apresentá-las com clareza e exatidão. Em outras Palavras, não há
theologia irregenitorum, ou Teologia dos irregenerados, uma vez que
as almas dos inconversos e incrédulos não são habitadas nem
movidas pelo Espírito Santo, mas pelo "príncipe deste mundo", isto
é, Satanás. (Ef 2.2): "Nos quais andastes outrora, segundo o curso
deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que
agora atua nos filhos da desobediência." As Sagradas Escrituras sempre
descrevem o verdadeiro ministro de Cristo como fiel e penitente
filho de Deus, que atribui tanto a sua capacidade como a sua vocação
ao ministério à graça divina. (2 Co 3.5,6): "Não que por nós mesmos
sejamos capazes de pensar alguma coisa, como se partisse de nós;
pelo contrário, a nossa suficiência vem de Deus, o qual nos habilitou
para sermos ministros de uma nova aliança." (2 T m 2.1s): "Fortifica-
te na graca que está em Cristo Jesus", etc. O verdadeiro ministro de
Cristo, ou teólogo, é portanto, crente santificado. (1 T m 3.2s): "É
necessário, portanto, que o bispo seja irrepreensivel, [. ..] modesto,
[...I apto para ensinar", etc.
Ministros incrédulos e irregenerados não exercem o seu sagrado ofício,
porque Deus o queira, mas porque ele apenas o consente. Muito embora a
sua incredulidade pessoal não torne ineficiente a Palavra que pregam e os
sacramentos que administram, desde que preguem a Palavra de Deus em
verdade e pureza e administrem os sacramentos em conformidade com a
instituição de Cristo. Não obstante, que se incumbam do sagrado ofício e o
exerçam hipócritas, isso constitui grave desonra ao Senhor e ofensa à Igreja e
perene ameaça à fé e piedade dos seus ouvintes.
Foi esta importante verdade, a saber, que o verdadeiro teólogo é crente
sincero, que induziu nossos dogmáticos a conceituarem a Teologia, primeiro
que tudo, como habitus spiritualis vel supernaturalis (theósdotos), conferido
pelo Espírito Santo mediante a Palavra de Deus. Baier assim escreve: "A Teologia
é, em sua própria natureza, uma capacidade sobrenatural que não se adquire
por nenhum poder nosso que seja, mas pelos poderes da graça, mediante a
operação do Espírito Santo." Acrescenta ele que toda Teologia que não seja
operada pelo Espírito Santo, apenas num sentido impróprio é assim chamada.
(ita nonnisi AEQUIVOCE dicta theologia est.) Assim também Lutero escreve:
"Doutor das Sagradas Escrituras, ninguém senão o Espírito Santo do céu te
poderá fazer, como diz Cristo (Jo 6.45): 'E serão todos ensinados por Deus.' "
(S. L., X, 339) A capacidade teológica espiritual compreende, ainda, a fé nas
Sagradas Escrituras como infalível Palavra de Deus, divinamente inspirada.
Também essa fé é obra e dom do Espírito Santo.
b. A capacidade teológica compreende, ainda, a habilidade para se abster
de toda e qualquer opinião e pensamento humanos acerca de Deus
Dogmática Cristã

e das coisas divinas, para extrair todas as doutrinas das Sagradas


Escrituras, não ensinando senão a Palavra de Deus. (Jo 8.31,32): "Se
vós permanecerdes na minha Palavra, sereis verdadeiramente meus
discípulos." Escreve Paulo a Timóteo (1 T m 6.3,4): "Se alguém ensina
outra doutrina, e não concorda com as sãs Palavras de nosso Senhor
Jesus Cristo, e com o ensino segundo a piedade, é enfatuado, nada
entende, mas tem mania por questões e contendas de Palavras." Está
comprovado por diversas passagens que as "Palavras de nosso Senhor
Jesus Cristo" não são apenas as Palavras que o mesmo Salvador falou
durante a sua demora na terra, mas todos os escritos inspirados dos
profetas e dos apóstolos. (Jo 17.20; 1 Pe 1.10-12; Ef 2.20; etc). Essas
passagens desqualificam e põem barragem a todos os mestres da Igreja
que, enquanto repudiam as Sagradas Escrituras como única fonte e
norma de fé, tiram suas doutrinas de falsas fontes, como sejam: as
"tradições cristãs, o "coração regenerado", a "consciência cristã", etc.
Na sua exposição de Jr 23.1.6, Lutero observa com justeza: "Vede,
pois, que todos os profetas que não pregam da boca de Deus,
enganam, e Deus proíbe que Ihes demos ouvidos." (S. L., XIX, 821)
c. A capacidade teológica abrange, além do mais, a habilidade para
ensinar a inteira Palavra de Deus como exposta nas Sagradas
Escrituras. Para confirmar a sua fidelidade ministerial, Paulo disse
aos anciãos de Êfeso, At 20.27: "Jamais deixei de vos anunciar todo o
desígnio de Deus." É necessário que os ministros de Deus proclamem
a inteira Palavra de Deus em sua verdade e pureza para poderem
"estar limpos do sangue de todos", conforme testifica Paulo de si
mesmo. (At 20.26): "Portanto eu vos protesto, no dia de hoje, que
estou limpo do sangue de todos." É por essa mesma razão que o
apóstolo exorta Timóteo tão encarecidamente (1 T m 4.16): "Tem
cuidado de ti mesmo e da doutrina; continua nestes deveres; porque,
fazendo assim, salvarás tanto a ti mesmo como aos teus ouvintes."
O mestre cristão deve, pois, "ter cuidado da doutrina", estudá-la
com grande zelo e diligência, pregá-la integralmente e sem mistura
de conceito humano, dando assim, de si mesmo, prova de fidelidade,
apresentando todas as doutrinas da Palavra de Deus aos seus ouvintes.
(Mt 28.20) "Ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho
ordenado." (1 Co 4.2): "Além disso, o que se requer dos despenseiros
é que cada um deles seja encontrado fiel." (Jr 48.10): "Maldito aquele
que fizer a obra do Senhor Fraudulentamente." (glosa:
"negligentemente") Entretanto, semelhante habilidade não provém
do próprio poder do ser humano, mas de Deus.
d. A capacidade teológica também compreende a habilidade para
convencer os contradizentes. (Tt 1.9): "Apegado à Palavra fiel que é
Natureza e Conceitc d~ Z:i:ps

segundo a doutrina, de modo que tenha poder, assim para exortar


pelo reto ensino, como para convencer os que contradizem." As
Sagradas Escrituras jamais proíbem que se polemize, aliás o ordenam,
uma vez que a controvérsia, quando conduzida no recomendável
espírito de caridade cristã, jamais será destrutiva, mas altamente
proveitosa para a Igreja. Toda espécie de polêmica suscitada por um
espírito carnal ou faccioso, naturalmente outra coisa não é, senão
abuso da controvérsia cristã e, por isso mesmo, se proíbe. (Tt 3.9):
Evita discussões insensatas, e genealogias, e contendas, e debates
sobre a Lei; porque não têm utilidade e são fúteis." (2 Co 10.3):
"Porque, embora andando na carne, não militamos segundo a carne."
Por outra, a verdadeira polêmica requer a refutação da doutrina
errônea, como também a apresentação clara e escriturística da
doutrina correta, a fim de que o antagonista seja conquistado para a
verdade divina; porquanto esta é, enfim, a finalidade última de toda
verdadeira polêmica: a eliminação da falsidade e aceitação da verdade
divina. Tolerância para com falsa doutrina dentro da Igreja não passa
de infidelidade para com a Palavra de Deus e, portanto, para com o
próprio Deus, que confiou a sua verdade aos cuidados da sua Igreja.
(Mt 28.19,20)
Por essa razão, o ministério de Cristo e dos seus apóstolos também foi,
em boa parte, destinado à polêmica; pois enquanto ensinavam a verdade,
davam testemunho contra o erro. (Mt 7.15): "Acautelai-vosdos falsos profetas,
que se vos apresentam disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos
roubadores." (Rm 16.17): "Rogo-vos, irmãos, que noteis bem aqueles que
provocam divisões e escândalos, em desacordo com a doutrina que aprendestes;
afastai-vos deles." A doutrina errônea é tão perniciosa e repugnante para Deus,
que ele não só exige a refutação de todo erro, como ainda a excomunhão do
que erra e permanece nessa mentira. (Rm 16.17): "Afastai-vos deles." (2 Jo
10): "Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em
casa, nem lhe deis as boas-vindas." Com clareza e ênfase, as Sagradas Escrituras
repudiam toda forma de sincretismo e unionismo.
Não importa quais sejam os motivos que induzam os seres humanos a
se apartarem das Sagradas Escrituras, promovendo dissensões e escândalos
contra a verdade da Palavra de Deus. Todos devem ser condenados como
carnais e pecaminosos. Não há motivos "nobres" para a promoção de divisões
no seio da Igreja; são todos igualmente repreensíveis e ímpios. As Sagradas
Escrituras os descrevem da maneira que segue: servir ao ventre (Rm 16.18, 1
Tm 6.4); o desejo desordenado de honra (Jo 5.44); má vontade de sofrer por
causa de Cristo (C1 6.12); inveja (Mt 27.18); perversidade (1 Tm 6.4; Jo 16.3;
1 Tm 1.13); vaidade pessoal e paixão dos teólogos (2 T m 3.1-8); etc. "Muitas
heresias surgiram na Igreja unicamente em virtude do ódio dos mestres."
Dogmática Cristã

(Apologia, 111, 212) As divisões no seio da Igreja não agradam a Deus e não é
por vontade dele que existem, porém são o justo castigo de Deus àqueles que
não amam a verdade. (2 Ts 2.10-12): "[ ...I não acolheram o amor da verdade
para serem salvos. É por este motivo, pois, que Deus lhes manda a operação
do erro; para darem crédito à mentira; a fim de serem julgados todos quantos
não deram crédito à verdade, antes, pelo contrário, deleitaram-se com a
injustiça."
e. Por último, a capacidade teológica abrange a habilidade para sofrer
por causa de Cristo e da sua Palavra. 2 T m 2.3; "Participa dos meus
sofrimentos como bom soldado de Cristo Jesus"(v.9): "[ ..I pelo qual
estou sofrendo até algemas, como malfeitor; contudo, a Palavra de
Deus não está algemada." O sofrimento dos cristãos em geral, e em
particular dos ministros cristãos, é produzido pelo ódio e desprezo
do mundo à Palavra de Deus. (1 Co 1.23): "Pregamos a Cristo
crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios." O
resultado do antagonismo do mundo para com o Evangelho de Cristo
vem descrito por nosso Salvador do seguinte modo: "Sereis odiados
de todas as nações, por causa do meu nome." (Mt 24.9) A má vontade
de sofrer por causa do Evangelho conduz a compromissos com erro,
à negação da verdade e, no final, à apostasia da graça divina. (2 T m
2.12): "Se perseveramos, também com ele reinaremos ; se o negamos,
ele, por sua vez, nos negará." A menos que o cristão e, acima de
tudo, o teólogo cristão esteja disposto a renunciar o sossego e a
amizade, por causa de Cristo, a sujeitar-se à perda de honra e
propriedade e, mesmo, a entregar sua vida por causa da verdade
divina, ele, de outro modo, não estará em condições de servir ao seu
Mestre como dele se requer.
A capacidade teológica (habitus practicus theósdotos) é, pois, a habilidade
concedida por Deus para ensinar a sua Palavra pura e inadulterada, para
anunciar todo o conselho de Deus para a salvação, para oferecer oposição à
doutrina errônea e refutá-la e para, por causa de Cristo, sofrer todas as
conseqüências que a proclamação da Palavra de Deus acarreta.

10. A TEOLOGIA
CONSIDERADA
COMODOUTRINA
Assim como em sentido subjetivo, a Teologia é a capacidade ou habilidade
para ensinar a Palavra de Deus como exposta nas Sagradas Escrituras em toda a
sua verdade e pureza, assim em sentido objetivo, ou considerada como doutrina,
a Teologia cristã é nada mais nada menos do que a apresentação verdadeira e
pura da doutrina das Sagradas Escrituras. (1 Pe 4.11): "Se alguém fala, fale de
acordo com os oráculos de Deus." ( T t 2.7-10) "No ensino, mostra
integridade, reverência, linguagem sadia e irrepreensível, [...I dêem prova de
Natureza e Conceito da Teologia

toda a fidelidade, a fim de ornarem em todas as coisas a doutrina de Deus,


nosso Salvador." Só poderá reclamar o título de teólogo cristão com
propriedade quem ensinar unicamente a doutrina das Escrituras.
A função do teólogo cristão consiste, pois, no simples agrupamento
dos vários ensinamentos que a Bíblia inclui nas diferentes passagens sobre
determinado assunto. Aplicando a síntese e a análise, ele fará esse
agrupamento das várias doutrinas bíblicas numa disposição formal. Quanto
ao que diz respeito às doutrinas, ele as deixa como estão, nada Ihes
acrescentando nem h e s tirando. Pouco se importa se são compatíveis com a
razão e a experiência ou não. É dessa maneira que o teólogo cristão adquire o
seu "sistema de doutrina" ou a sua "Teologia dogmática".
Em consonância com esse princípio, escreve o teólogo luterano Pfeiffer
(Thes. Herm., p.5): '54 Teologia positiva (Teologia dogmática), numa avaliação
precisa, nada mais é do que as mesmas Sagradas Escrituras dispostas segundo
as suas diversas doutrinas e colocadas em boa ordem; razão pela qual neste
corpo de doutrina nenhum termo deve haver, seja qual for, nem mesmo o
mais ínfimo, que não se firme nas Sagradas Escrituras corretamente
entendidas." (Baier, I 43-76) Com muito acerto, Lutero chama todos os
verdadeiros teólogos, ele incluído, "catecúmenos e discípulos dos profetas,
que só repetimos e pregamos o que ouvimos e aprendemos dos profetas e
apóstolos." (S. L., 111, 1890) Questão de tão grande relevância é, para Lutero,
a fiel repetição (Nachsagen) dos ensinamentos dos profetas e apóstolos por
parte do teólogo cristão, que ele escreve: "Na Igreja, nenhuma outra doutrina
se deve ensinar ou ouvir, senão a pura Palavra de Deus: isto é: as Sagradas
Escrituras; doutro modo, sejam anátemas com sua doutrina, tanto doutores
como ouvintes." (cf. Pieper, Christliche Dogmatik, I. p.56). A mesma verdade
vai expressa no axioma: Quod non est biblicum, norn est theologicum.
Por isso mesmo, o teólogo cristão deve excluir todas as opiniões e
especulações de seres humanos, do seu sistema de doutrina. Cumpre-lhe nada
ensinar além da própria verdade e doutrina imutável de Deus (doctrina divina)
como exposta nas Sagradas Escrituras (doctrina e Scriptura Sacra Hausta). É
pelo próprio Deus que se faz essa exigência. (C1 2.8): "Cuidado que ninguém
vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição
dos seres humanos, conforme os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo."
Essa exigência divina não só diz respeito às doutrinas principais, das quais a
salvação do ser humano depende diretamente, mas a todos os ensinamentos
das Sagradas Escrituras. (Mt 28.20): "Ensinando-os a guardar todas as coisas
que vos tenho ordenado." Seja em que assunto for que as Sagradas Escrituras
se hajam pronunciado em definitivo, o teólogo cristão tem de suprimir os
seus pareceres, opiniões e especulações pessoais e aderir, sem titubear, às
verdades divinas reveladas nas Sagradas Escrituras. Em caso algum, ele está
permitido a injetar coisas de própria invenção no corpo da verdade divina. Em
Dogmática Cristã

tempo algum, deve conceder a prerrogativa da dúvida, do criticismo e da


negação à sua razão; porém levar, em toda a parte, seu pensamento cativo à
obediência de Cristo. (2 Co 10.5) Essa é a exigência que o próprio Deus faz a
todos quantos, na qualidade de teólogos, lhe quiserem servir. Em todas as
ocasiões, é necessário que testifiquem e proclamem a Palavra divina, não a
própria.
Todos os doutores da Igreja que se recusem a fazê-lo, não são teólogos
cristãos, mas apenas falsos profetas, contra cujo trabalho pernicioso Deus
previne os seus santos. (Jr 23.16): "Não deis ouvidos às Palavras dos profetas
que entre vós profetizam. [...I Falam as visões do seu coração, não o que vem
da boca do Senhor." No Novo Testamento, a sua advertência é repetida com
igual ênfase. (1 Trn 6.4; 2 Jo 8-11; Rm 16.17) etc. É importante a insistência
de Lutero quanto à fidelidade no ensino da Palavra de Deus. Escreve ele: "Se
alguém quiser pregar, que guarde silêncio no que respeita às suas próprias
Palavras. Aqui na Igreja é preciso que não se fale coisa alguma além da Palavra
deste hóspede generoso; caso contrário, a Igreja verdadeira não será esta. Por
conseguinte, tem de dizer: Deus fala." (S. L., XII, 1413)
Dando ênfase à grande verdade de que toda doutrina ensinada na Igreja
tem de ser doutrina divina, os dogmáticos luteranos sustentaram que toda a
Teologia que se proclama pelos teólogos cristãos, forçosamente será Teologia
ectípica, ou Teologia derivada (theologia éktypos), isto é, uma reprise ou reprodução
da Teologia arcetípica (theologia archétypos), ou Teologia original, como,
originalmente, contida em Deus. Hollaz explica essas expressões do seguinte
modo: "A Teologia arcetípica é o conhecimento que Deus tem de si mesmo e
que é o modelo daquela outra Teologia transmitida às criaturas racionais. A
Teologia ectípica é o conhecimento de Deus e das coisas divinas transmitidos
por ele às criaturas racionais segundo os moldes de sua própria Teologia."
(Doctr. Theol., p.16)
A Teologia racionalista moderna repudiou essa distinção, considerando-
a sem sewentia e equivocada; na realidade, porém, ela é muito útil, visto que
expressa a verdade escriturística de que os ministros de Deus só devem falar
o que ele próprio ensina na sua Palavra. Além disso, essa distinção declara,
pública e claramente que todo verdadeiro conhecimento de Deus lhe é original
e essencialmente inerente e que é mediante a graça divina que o conhecimento
necessário à salvação do ser humano foi revelado por Deus aos seus profetas
e apóstolos. (Mt 11.27): "Ninguém conhece o Filho senão o Pai; e ninguém
conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar." Pertence,
ainda, à Teologia ectípica o conhecimento natural de Deus que o ser humano
recebe pela Lei escrita no seu coração ou pelas obras de Deus. (Rm 1 . 9 s ~ ;
2.14,15) O ser humano deve esse conhecimento natural de Deus, também, à
revelação que Deus faz de si mesmo. (At 14.17; 17.26,27) Não obstante, esse
conhecimento natural de Deus, embora verdadeiro e útil no seu devido lugar,
Natureza e Conceito d a Teologia

não basta para salvar os pecadores, por não incluir o Evangelho da graça de
Deus em Cristo Jesus. Por essa razão, a única Teologia ectípica que pode
constituir a fonte da religião cristã é a das Sagradas Escrituras, a Palavra de
Deus escrita. Tudo quanto excede e contraria as Sagradas Escrituras não
corresponde à Teologia arcetípica, e as Escrituras condenam como palavreado
vão (mataiologia). (1 T m 1.6): "Desviando-se algumas pessoas destas coisas,
perderam-se em loquacidade frívola. "
A suprema verdade de que toda doutrina ensinada na Igreja deve ser a
das Escrituras, tem merecido quase que a repulsa universal por parte dos
teólogos racionalistas modernos. A atual "Teologia científica" já não reconhece
a Bíblia como única fonte e norma de fé cristã. Muito pelo contrário, considera
a identificação da Teologia cristã com a doutrina das Escrituras "anormalidade"
e "restauração de um ponto de vista teológico já superado". Nitzsch-Stephan
escreve: "Já ninguém baseia a sua dogmática, segundo os moldes do velho
protestantismo, na norma normans" (Bíblia). (cf. Pieper, Christl. Dogmatik, I,
65) Em lugar das Sagradas Escrituras, a moderna Teologia racionalista aceita
os ditames da razão humana, mais ou menos disfarçados sob as expressões
"consciência cristã", "experiência cristã", "auto-segurança cristã" etc., por
norma e padrão de fé, ao passo que denuncia a verdadeira lealdade para com
a Palavra de Deus como "biblicismo", "intelectualismo", etc., que só poderá
produzir "mero cristianismo intelectual", "ortodoxia morta, sem alma", e coisas
do mesmo gênero.
Entretanto, pelo requerer para si mesma estas normas antiescriturísticas,
a Teologia racionalista moderna apenas se ilude, como Ctemonstrará um ligeiro
exame da questão. Assim, por exemplo, de modo algum a experiência cristã
serve de fonte ou norma de fé, porque jamais precede às Sagradas Escrituras,
mas depende e vem depois da aceitação dessas. Isto quer dizer que só quem
crê a Palavra de Deus, como exposta na Bíblia, experimenta, no seu coração,
tanto o terror da culpa como o conforto da graça. Alguém, estudando e
aceitando a Lei divina, convence-se de que é pecador; estudando e aceitando
o Evangelho, convence-se de que, mediante a fé em Cristo, o pecado lhe é
perdoado. Em suma, não há verdadeira experiência cristã do pecado e da graça
sem os meios da graça, ou a Palavra de Deus. Essa é a verdadeira razão de ser
da ordem expressa de Cristo que, em seu nome, se pregasse o arrependimento
e a remissão dos pecados a todas as nações. (Lc 24.47; At 26.20)
Dessa maneira, é só mediante a pregação e aceitação da Palavra de Deus
que a experiência cristã se processa; ou então, digamos, a Palavra de Deus
constitui o único meio pelo qual o Espírito Santo opera a experiência cristã
do arrependimento e da fé. (Rm 7.7; 1.16,17) Por outro lado, onde não se
prega a Palavra de Deus, não há experiência cristã. Os mesmos propugnadores
da experiência cristã como norma da fé fornecem prova dessa verdade.
SchLeiermacher, por exemplo, que insistiu na experiência cristã como norma
Dogmática Cristã

de fé, repudiou a doutrina central do Cristianismo, negando a satisfação


vicária de Cristo e, por conseguinte, também a doutrina da justificação pela
graça, mediante a fé. A experiência de SckLeiermacher levou-o, afinal, a confiar
nas suas obras para a salvação. Tal experiência, porém, como está visto, não é
cristã, mas carnal, racionalista e pagã, justamente o oposto do Cristianismo.
Assim também a "fé cristã" ou "consciência cristã" não pode, de maneira
nenhuma, servir de fonte e padrão da Teologia cristã; porquanto, bem como a
"experiência cristã", também a "fé cristã" ou "consciência cristã" resulta da fiel
aceitação das Sagradas Escrituras. Ora, uma vez que a "fé cristã" é fruto das
Sagradas Escrituras, jamais poderá ser fonte e norma da Teologia cristã, bem como
também a maçã que cresce na árvore, não poderá ser a sua própria causa ou
fonte. Assim como a maçã é produzida pela árvore, assim a fé cristã é produzida
pelas Sagradas Escrituras; só se acha onde as Escrituras são aceitas e cridas. (Rrn
10.17): "A fé vem pelo ouvir." (Jo 17.20): "Que vierem a crer em mim por
intermédio da sua Palavra." Daí, toda "fé cristã" ou toda "consciência cristã" que
não tiver suas raízes na Palavra de Deus, mas se achar com direito de julgar sobre
a Palavra de Deus, não é cristã, mas carnal e anticristã. (1 T m 6.3-5)
O que Lutero escreve sobre esse ponto corresponde certamente à
verdade e merece conscienciosas reflexões. Ele diz: "A fé ensina a verdade e
nela permanece; porque se apega às Escrituras, que não mentem nem
enganam. Tudo o que não tem a sua origem nas Escrituras, seguramente
provém do diabo." Todos quantos desejarem fazer da "fé cristãvou "consciência
cristã" norma de fé, farão bem tomando nota desse severo, porém exato
veredito condenatório. Nosso Salvador declara: "Se permanecerdes na minha
Palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos." Afirmações como essa põem
termo à controvérsia que se refere ao teólogo cristão. O seu discipulado, bem
como sua Teologia, se fundem unicamente na Palavra de Deus. Toda Teologia
que não deriva da Palavra de Deus, contrapõe-se ao Evangelho e subverte a fé
cristã, como comprova a Teologia racionalista de todos os teólogos subjetivos
ou "teólogos do Eu", a começar por Aquino, Scotus e SchLeiermacher, até os
modernistas atuais. Onde quer que não se aceite a Palavra de Deus em sua
verdade e pureza, não poderá existir uma Teologia cristã genuína.
Tampouco o "coração regenerado", ou o "regenerado eu", poderá servir de
fonte e norma à fé cristã, visto que o indivíduo só é verdadeiramente regenerado
enquanto, em singeleza de fé, crer nas Sagradas Escrituras. (Mc 16.16): "Quem
não crer, será condenado." O "coração regenerado", que os teólogos racionalistas
modernos gostariam de elevar a padrão de fé, numa última análise, não passa
de um espírito carnal e incrédulo de pessoa irregenerada que se levanta contra
os mistérios da fé. Isso se comprova pelo fato de que praticamente todos quantos
aceitam por norma de fé o seu "coração regenerado", negam tanto a inspiração
como a infalibilidade da Bíblia. No entanto, nenhum coração realmente
regenerado há de cometer tamanho ultraje.
Natureza e Conceito da Teologia

Disso se depreende claramente que todos os teólogos que rejeitam as


Sagradas Escrituras como única fonte e padrão de fé, incidem no erro da mais
perniciosa auto-ilusão. A sua teimosa persistência em querer outra fonte e
norma fora das Escrituras vem provar o espírito de incredulidade que,
consciente ou inconscientemente, governa a sua mentalidade. A Teologia L

racionalista exige para si outras normas que não a Palavra de Deus pela simples
razão de que é racionalista e não cristã. O verdadeiro filho de Deus diz com
Samuel ao Senhor; "Fala, porque o teu servo ouve." (1 Sm 3.10) Só mesmo a
cega incredulidade e a rebelião perversa contra Deus se arvoram em juízes da
sua Palavra, mediante o estabelecimento de normas de fé que estão em
oposição à verdade divina revelada.
A Teologia racionalista moderna gloria-se do verdadeiro valor que dá ao
"caráter histórico" da religião cristã. A Teologia ortodoxa, porém, jamais tem
negado tal "caráter histórico". A historicidade do Cristianismo sempre tem
sido afirmada pelos fiéis, em virtude da sua fé sólida nas Escrituras Sagradas.
Na verdade, é justamente por causa da sua fé no "caráter histórico" da religião
cristã que se opõem a tudo quanto são normas contraditórias à Bíblia. Apenas
da Bíblia se aprenderá o "Cristianismo histórico", e de nenhuma outra fonte.
A tradicãò não o revelará, nem ainda terá ele a sua origem
- na razão humana.
Somente o que Cristo e os seus santos apóstolos nos transmitem da religião
cristã constitui o "Cristianismo histórico". O "Cristo histórico" que os teólogos
racionalistas pretendem construir e o "Cristianismo histórico" que eles desejam
erigir fora da Bíblia são, igualmente, falsos e destituídos de qualquer
fundamento histórico, por serem ficções de cérebros sem fé. Para obtermos a
verdadeira "religião cristã histórica", só podemos contar com a Bíblia. (Mt
28.19,20; JO 8.31,32; 17.20; Ef 2.20)
Resumindo, a Teologia racionalista é produto da incredulidade e, como tal,
intrinsecamente falsa, írnpia e antiescriturística. Nosso Senhor costumava declarar
invariavelmente: "Está escrito!" 0 s teólogos racionalistas relegam
desdenhosamente esta fórmula, dando-lhe como substituto a própria opinião
subjetiva: "Creio" ou "penso que". Dessa maneira, ensinam a própria Palavra,
não a de Deus. A Teologia racionalista poderá sanar-se de sua radicada falsidade
apenas pelo retorno às verdades bíblicas e adotando o princípio fundamental de
Lutero: "É vã toda confiança que não se fundamenta na Palavra de Deus. Apenas
por meio da sua Palavra, Deus quis informar-nos da sua vontade, dos seus
conselhos, não por nossos conceitos e imaginações." (S. L., XI, 70; 111, 1417)

11. DIVISOES
DA TEOLOGIA
CONSIDERADA
COMODOUTRINA
Tomada objetivamente, a Teologia é doutrina cristã, ou doutrina da
Bíblia, inspirada em todas as suas partes, de sorte que, em toda a Bíblia, não
há u m único ensino que não seja divinamente aprovado e proveitoso para a
Dogmática Cristã

salvação. Contudo, embora a finalidade de toda a Bíblia seja salvar os pecadores


da perdição eterna, é necessário que se façam distinções entre as várias
doutrinas da Bíblia relativamente à sua função e importância. Assim é que
falamos de: 1) Lei e Evangelho; 2) doutrinas fundamentais e não-fundamentais;
3) problemas teológicos ou questões abertas.

11.1- LEI E EVANGELHO


A distincão- e-ntre Lei e Evangelho é feita pelas próprias Sagradas
E s c r i t u r ~@
. q u e----
A o termo- Lei é,&vezes, empregado p r a - designartoda _çi
palavra de Deus ~ ~ adoutrina l a r m í b 1 i a . - (SI 1.2; 19.7; 119.97)
Ainda assim, no seu sentido próprio e mais restrito, o termo teruma
significação distinta. Assim também o_termo Evangelho, vez que outra,&
&ado à doutrina total da Bíblia. (Mc 1.1-15; Fp 4.15) Contudo, em sua
acebçao restrita -cada um desses termos apresenta
I - - _ s _ - - _- uma mensagem__definida,
que ná.0 se deve identificar com t
tomando-se no sentido próprio ou restrito, a Lei não é Evangelho, nem
tampouco o Evangelho é Lei, mas ambos são opostos. Definições precisas
que se dêem de ambos, logo comprovarão isso. A Fórmula de Concórdia assim
define a Lei: "A Lei é propriamente uma doutrina divina que ensina oé-
justo e agradável a Deus e condena tudo o que é pecado e contrário 2 v o n d e
de Deus." A mesma confissão define o Evangelho em seu sentido restrito da
- -

maneira que segue: ",O Evangelho é propriamente uma tal doutrina que ensina
ser humano, que não cumpriu a Lei e por ela é condena&,
a saber: que a todos os pecados Cristo expiou e pagou e, sem nenhum mérito
da sua parte, para ele obteve e adquiriu o perdão dos pecados, a justiça de
Deus e vida'eterna." (Epítome,V, 2.4) Essa; definições estão de acbrdo-com
,as Escrituras e mostram claramente a diferenCa fundamental entre a L e i s
Evangelho. O quanto essa diferença é essencial, torna-se evidente do fato de
que as Sa~radasEscrituras, expressamente, excluem a Lei do terreno da
salvação. E sua declaração formal: "Pela graça sois salvos. [...I Não vem de
obras." (Ef 2.8,9) "Visto que ninguém será justificado diante dele por obras
da Lei." (Rrn 3.20) "Concluímos, pois, que o ser humano é justificado pela fé,
independentemente das obras da Lei." (v.28)
É preciso que o teólogo cristão observe conscientemente essa distinção
entre a Lei e o Evangelho, que vem tão claramente ensinada nas Escrituras,
não enfraquecendo a força condenatória da Lei, nem diminuindo o conforto
salvador do Evangelho. É preciso que declare sem restrição toda a culpa e
condenação do pecado que a Lei revela. (Ez 3.18): "Quando eu disser ao
perverso: Certamente, morrerás, e tu não o avisares e nada disseres para o
advertir do seu mau caminho, para lhe salvar a vida, esse perverso morrerá na
sua iniqüidade, mas o seu sangue da tua mão o requererei." Da mesma forma,
o teólogo cristão proclamará, também, inteiramente e sem nenhuma restrição,
Natureza e Conceito da Eologia

toda a consolação do Evangelho com sua oferta incomparável da graça divina,


do perdão e da vida eterna. (Mt 11.28): "Vinde a mim, todos os que estais
cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei." (1 Co 2.2): "Porque decidi
nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado."
*

A menos que se preguem desta maneira a Lei e o Evangelho como duas


doutrinas distintas e contraditórias entre si (Lutero: "plus quam contradictoria"),
,.
d i ã o cristã se verá despojada de seu conteúdo espedco; -se
pela introdução da iustica das obras como causa da salvacão e, por conseguinte,
incapacitada para salvar os pecadores. O pecador, na verdade, necessita da Lei,
. ~ c o n d e n a ç ã de Decs
g
gue, em virtude do pecado, pesa sobre ele; porém negssita do Evangelho, a fim
de_ podertomar conhecimento- da graça divina que,-p-o: meio de Cristo Jesus,
.eliminou completamente o seu pecado e lhe oferece inteiro perdão. (G1 3.10):
"Maldito todo aquele que não permanece em todas as coisas escritas no livro
da Lei, para praticá-las"; v.13: "Cristo nos resgatou da maldição da Lei, Eazendo-
se ele próprio maldição em nosso lugar". Sempre que se enfraquece a Lei com
sua condenação e se ensinam os pecadores a confiar nas obras da Lei para
salvação, ainda quando só em parte, também o Evangelho se corrompe, visto
que uma Lei enfraquecida significa tanto como um Evangelho enfraquecido.
Disso tudo resulta que o pecador é roubado na salvação que se oferece no
Evangelho; pois essa oferenda só é recebida por quantos confiam nas suas
promessas divinas e se entregam à misericórdia de Deus, por quantos repudiam
o erro da salvação por obras. (C15.4): "De Cristo vos desligastes, vós aue procurais
iustificar-vos na Lei; da graça decaí~íes.~' (GI 3.10): "Todos qtiantbs, bois, são
das obras da Lei estão debaixo de maldição." Assim como a Lei ficará sendo o
"ministério da condenação para sempre", o Evangelho ficará, para sempre, sendo
o "ministério da justiça" (2 Co 3.9), porquanto o indivíduo só é cristão enquanto
se consola dos terrores de consciência com a livre e inteira promessa de perdão,
"independentemente das obras da Lei".
Atualmente, essa verdade Fundamental requer ênfase especial pelo fato
de o Romanismo, bem como o moderno sectarismo protestante, terem-se
desligado da distinção escriturística entre a Lei e o Evangelho e confundido
ambos. (cf. Pieper, Christl. Dogmatik, I, 84ss) A razão disso é clara. Tanto o
Romanismo como o moderno sectarismo são fundamentalmente pagãos, por
.-
insistirem ambos na iustica das obras como condição para--a saIvaç4p. Ora,
2
a distinção entre Lei e Evangelho, e ambos se vêem despojados de seu caráter
distintivo. A saIvação por obras se enquadra apenas--
no padrão
- .-
de- Teologia
que afirma nao ser o pecado tão horroroso como as Escrituras
- o pintam, e~ão-
ser a graça divina tão gloriosa como o proclama-- - o E v a ~ e I h o Em
- . outras
Paiavrás, só é possivel o erro pagão da salvação por meio da j u z a das obras,
quando não se ensinam nem a Lei nem o EvangeIho em sua verdade e pureza.
Dogmática Cristã

Que todo verdadeiro teólogo se previna contra essa perniciosa corrupção da


santa Palavra de Deus. Nosso Senhor diz: "Aquele, pois, que violar u m destes
mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos seres humanos,
será considerado mínimo no reino dos céus." (Mt 5.19) Paulo escreve: "Mas,
ainda que nós ou mesmo u m anjo vindo do céu vos pregue Evangelho que vá
além do que vos temos pregado, seja anátema." (G1 1.8) Com respeito ao uso
da Lei e do Evangelho, é preciso que se respeitem conscienciosamente as
seguintes distinções:
11.1.1- O conhecime~ztodo pecado será ensinado da Lei; a remissão dos pecados,-
do Evangelho. (Rm 3.20): "Visto que ninguém será justificado diante
dele por obras da Lei." (Rm 1.16,17): "Não me envergonho do Evangelho,
porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê. [..I
visto que a justiça de Deus se revela no Evangelho, de fé e-m fé, como
está escrito: O justo viverá por fé." Todo aquele que ensina da Lei a
remissão dos pecados ou baseado na justiça das obras, não é teólogo
cristão, mas falso profeta. (G1 5.4) "Tomara até se mutilassem os que
vos incitam à rebeldia." (C1 5.12) Uma vez que pela Lei vem o
conhecimento do pecado, ela deve ser pregada aos pecadores endurecidos
que, cheios de orgulho carnal, se recusam a admitir a sua culpa. (Rm
3.19): "[...I para que se cale toda boca, e todo mundo seja culpável perante
Deus." Por outro lado, o Evangelho deve ser pregado a corações contritos,
isto é, a pecadores penitentes, que têm sido humilhados pela Lei, que
nenhuma alegação fazem de terem qualquer merecimento, aceitando
prazerosamente a salvação como dom gratuito. (Lc 4.18): "[ ...I pelo
que me ungiu para evangelizar aos pobres; enviou-me para proclamar
libertação aos cativos[...]" Não há necessidade de que se diga que a
distribuição proporcional na pregação da Lei e do Evangelho ficará sendo
uma questão de sabedoria pastoral. Assim sendo, o verdadeiro ministro
de Cristo é, sobretudo, pregador do Evangelho e, portanto, não negará
aos seus ouvintes medida cheia e abundante do conforto evangélico.
11.1.2- Por meio da Lei, o teólogo cristão ensina o que são boas obras; por
meio do Evangelho, porém, produz verdadeira alegria e zelo para fazer
boas obras. (Mt 15.1-6; 22.33-40; 19.8,9); etc. Essas funções diversas
da Lei e do Evangelho têm sido expressas com acerto pelo axioma: Lex
praescribt; evangelium inscribt. Lutero escreve: "O pregador que exagera
no emprego da Lei, amedronta com ameaças e repreensões; o pregador
da graça chama e atrai com divina bondade e misericórdia demonstradas."
(S. L., XII, 318)
11.1.3- A Lei apenas susta o pecado exteriormente, ao passo que o
incrementa interiormente; o Evangelho, porém, pelo converter 0-
pecador, aniquila o pecado quer interior, quer exteriormente. (Rm 7.5):
"Porque, quando vivíamos segundo a carne, as paixões pecaminosas
Natureza e Ccnízirc ü a i E-i-c,i_r

postas e m realce pela Lei operavam em nossos membros, a fim ae


frutificarem para a morte." v. 6: "Agora, porém, libertados da Lei, estamos
mortos para aquilo a que estávamos sujeitos, de modo que servimos
em novidade de espírito, e não na caducidade da letra." (Rm 6.14): "O
pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da Lei e sim
da graça." Essa verdade importante vem expressa no axioma: "Lex necat
peccatorem, non peccatum; evangelium necat peccatum, non
peccatorem." Lutero escreve: "Por isso qualquer que bem entender desta
arte de distinguir entre a Lei e o Evangelho, ao tal põe à testa e chama-
o doutor das Sagradas Escrituras." (S. L., IX, 802)

As-doutrinas das Sagradas Escrituras têm-se dividido corretamente em 4

doutrinas fundamentais e não-fundamentais. Essa divisão não tem por


.fi~álidadepôr determinados ensinamentos da Palavra de Deus de lado como,
praticamente insignificantes e desnecessários. Semelhante procedimento
estaria em oposição direta às próprias Escrituras. (Mt 28.20): "Ensinando-os
a guardar t o d a r a s coisas que vos tenho ordenado.: (Rm 15.4): "Pois tudo
quanto outrora foi escrito, para nosso ensino foi escrito, a fim de que - pela
.
paciência e pela consolação~dasEscrituras tenhamos esperança." Conforme
essas Palavras, Deus requer do teólogo cristão que ensine todo o conteúdo
cTaS Escrituras, nada acrescentando nem subtraindo. Apesar disso, essa
cdlstlnção está perfeitamente de acordo com as Escrituras e serve a u m fim
excelente. Auxilia o teólogo cristão a reconhecer e distinguir as doutrinas da -

Palavra de Deus, que "tão necessariamente precisam';;sercõnhecidas;semo


que não se aprende ou retém salutarmente o fundamento da féJJ.(Hollaz)
Ém outras ~aiavras,$0 doutrinas fundamentais
- - --- aguelas [ ' q u ~n& se podem
negar sem anular a fé- e a salvg~&_constitui& como const$uemo próprio
\ -=-

funaamento da fé cristã". (Quenstedt)


Para que possamos entender, cumpre-nos lembrar que nem tudo quanto
as Sagradas Escrituras ensinam é objeto ou fundamento da fé justificante e
salvadora. Por exemplo, não somos salvos pelo crermos que Davi foi rei ou
que o papa em Roma é o grande anticristo. Contudo, o teólogo cristão nem
por isso repelirá esses fatos, porque ensinados na Palavra infalível de Deus.
Porém, ess& verdades não deixam de ser não-fundamentais no que diz respeito
à fé salvadora. É fé salvadora a fé na remissão dos pecados mediante a satisfação
vicária de Jesus Cristo, ou a confiança na declaração das Escrituras de que
justifica o pecador sem as obras da Lei, por amor de Cristo. Essa é a essência
da religião cristã, o fundamento sobre o qual se edifica toda a esperança cristã.
Dessa essência e fundamento nada se pode remover sem que se destrua toda
a religião cristã. Qualquer que negue seja ainda uma partícula dessa doutrina
fundamental, está além das fronteiras da Igreja Cristã. Lutero diz muito
Dogmática Cristã

acertadamente: "Esta doutrina (da justificação) é a cabeça e pedra fundamental


a qual só gera, nutre, edifica, preserva e protege a Igreja; e sem ela a Igreja de
Deus não pode subsistir por uma hora que seja." (S. L., XIV, 168) Ainda:
"Quantos houver no mundo que a negam (a saber, a doutrina da justificação),
ou são judeus ou turcos ou papistas ou hereges." (IX, 24) Em virtude da sua
importância do mais alto grau, os nossos dogmáticos luteranos chamaram a
doutrina da justificação pela graça, mediante a fé na santificacão vicária de
Cristo, "dentre todas as doutrinas, a mais fundamental" (articulus omnium
fundamentalissim~~s).
___-
Todavia, a doutrina da justificação pela graça, mediante a fé na satisfação
--_-----
-
vicária de Cristo, pressupôeee coinpreende ainda outras doutrinas
f a L São elas:
11.2.1- A doutrina do pecado e suas conseqüências. Todos quantos negarem
a doutrina escriturística do pecado, não poderão possuir a fé salvadora,
por ser a fé salvadora confiança implícita na graciosa remissão de pecados
concedida por Deus. O crisEão crê que todos os seus pecados, seja o
original, sejam os atuais, estão completamente perdoados por amor de
Jesus. Em outras Palavras: Ele crê tanto na Lei divina, que condena o
pecado, como no divino Evangelho, que perdoa o pecado.
Ambas as doutrinas;a do pecado e a da remissão dos pecados,&o
~fundamentais.Nosso ~álvadòrafirmou essa verdade, quando disse que "em
seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados a todas as
-
nasóes7'. (Lc 24.47) Consoante à ordem de Cristo, a pregação d o
arrep&dimento do pecado, ou da contrição, tem de preceder a pregação do
perdão. Nosso divino Senhor ainda ilustra esta grande verdade com a parábola
do fariseu e do publicano. O fariseu, que náo cria na doutrina escriturística
do pecado e, por conseguinte, não se considerava pecador, não podia ser
justificado. Em sua opinião, não necessitava de justificação e perdão. O
publicano, por seu turno, cria na doutrina fundamental do pecado, declarou-
se culpado e perdido e, confiante na graça divina, obteve a remissão pela f6.
Resumindo, fé salvadora só pode existir num coração contrito, isto é, num
coração que se tomou de terror e pesar por causa do seu pecado. (1s 66.2): "O
ser humàno para quem olharei é este:-o aflito e abatido de espírito, e que
treme da minha Palavra." (1s 57.15) "Habito com o contrito e abatido de
espírito." (SI 34.18) "Perto está o Senhor dos que têm o coração $ebrantado
e salva os de espírito oprimido." (S1 51.16,17; Lc 4.18; Mt 11.28) ?esse modo,
com muita justiça, classificamos a doutrina do pecado entre as doutrinas
fundamentais das Sagradas Escrituras.
11.2.2- A doutrina da pessoa de Cristo. A doutrina de Cristo é fundamental
porque a fé salvadora é confiança no Redentor divino-humano, que
morreu pelos pecados do mundo. Por isso mesmo, a negação da
verdadeira divindade de Cristo ou da sua verdadeira humanidade torna
Natureza e Conceir; dd Eik+

a fé salvadora impossível. Nosso Senhor desaprovou, com muita


severidade; as opiniões dos que o consideravam João Batista, Elias.
Jeremias ou um dos profetas e quis que seus discípulos cressem nele
como "o Cristo, o Filho do Deus vivo", (Mt 16.13-17; cf. ainda 1 Jo 1.1-
4). Os teólogos racionalistas modernos negam a divindade de Cristo e
só íhe atribuem divindade honoris causa (como a declaração de Ritschl:
"Em o nosso sentir, atribuímos-lhe o valor de Deus.") Eles não são
cristãos, mas unitários e, portanto, se acham extra ecclesiam; isto quer
dizer que a doutrina de Deus apregoada pela Teologia racionalista
moderna é, em essência, pagã, por rejeitar o verdadeiro Deus da Bíblia.
Compreende-se logicamente que a verdadeira fé no Cristo divino inclui,
-triúno. O-c~istão, que crê na d i v i n d a d e d e r a
também crê no verdadeiro Deus triúno Pai, Filho e Espírito Sanfo; ~ o i s
sem a fé no Pai, ninguém crerá no Filho (Mt 16.17; 11.27), e ainda, sem
o Espírito Santo, ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor. (1 Co 12.3;
Rm 8.15; Jo 16.13-15) A doutrina escriturística da Santíssima Trindade
é, pois, tão fundamental como a da divindade de Cristo. Contudo,
também é fundamental a doutrina da verdadeira humanidade de Cristo;
porque a negação dessa verdade (cf. o erro dos docetas) implica a negação
do seu padecimento e morte. Fé salvadora é a confiança na satisfação
vicária do Cristo teantrópico (thaánthroopos). (Jo 1.14-17): "O Verbo se
fez carne; [...I e todos nós temos recebido da sua plenitude, e graça
sobre graça. [...I A graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo."
Logo, é com muita propriedade que, entre as doutrinas fundamentais
da religião cristã, classificamos as doutrinas da Santíssima Trindade, da
divindade e da humanidade de Cristo.
11.2.3- A doutrina da satisfa~ãovicária de Cristo. A fé salvadora é fé em
'Cristo, não apenas como Mestre da Lei divina ou exemplo de virtude
ou "ser humano idealn, segundo a Teologia modernista mantém, mas fé
como"o-~edia$or entre Deus - --e os seres huma>os", 9 qual deu a vida
=resgate de muitos e como "o ~ o r d e i r ode Deus, que tira o pecado do
'mundo." (I T m 2.5,6; M t 20.28; Ef 1.7; Jo 1.29) Todos quantos se
recusam a depositar a sua confiança na satisfação vicária de Cristo (1s
--
-'33.1-6) para òbter r&onciliação e perdão, vêem-se obrigados a confiar
A

nas próprias boas obras e, desse modó, excluem-se da graça divina obtida
,Feia morte substituinte de Cristo. (G1 5.4) O mesmo se diz de quantos
se afastam da doutrina escriturística da justificação pela graça, mediante
a fé, e repelem o sola gratia e o sola fide. O semipelagiano, o arminianismo
e o sinergismo, por persistirem nesse erro, acham-se extra ecclesiam, da
mesma forma que os unitários e modernistas. Vem muito a propósito a
advertência da Apologia: "A maior parte desses erros que nossos
. adversários defendem, põe por terra a fé, como sucede c 0 4 a sua
condenação do artigo referznte à remissão dos pecados, no qual dizemm
que o perdão dos pecados se recebe mediante a fé. Igualmente é erro
manifesto e pernicioso ensinar-se que os seres humanos mereçam a
remissão dos pecados em virtude do amor de Deus anterior à graça.
Trocam Cristo pelas próprias obras, preceitos, missas, precisamente como
os judeus, gentios e turcos pretendem salvar-se por suas obras." (Art.
IV, 22) Se nessas igrejas que ensinam a doutrina pagã da justiça pelas
obras há pessoas que ainda permanecem cristãs, isso se deve à
incompreensível graça de Deus. Lembra-nos, também, a Apologia: "Por
isso, muito embora papas ou alguns teólogos e monges na Igreja nos
houvessem ensinado a procurar a remissão dos pecados, graça e justiça
mediante as nossas próprias obras e inventar novas formas de culto
que vieram obscurecer o ofício de Cristo, e fizeram de Cristo, não u m
propiciador e justificador, mas u m legislador apenas, contudo o
conhecimento de Cristo tem sempre continuado com algumas pessoas
piedosas." (Art. 111, 271)
11.2.4- A doutrina da Palavra de Dgus. A Palavra de Deus, isto é, a Palavra
externa do santo Evangelho, que Cristo mandou seus santos apóstolos
pregarem e ensinarem a todas as nações (Mt 28.19,20; Mc 16.15,16) e
que nas Sagradas Escrituras está exposta, tanto é o objeto --- como
- .-- -o meio
- A-

Ldafé salvadora. E o objeto porque essa fé crê no Evangelho. (Mc 1.15;


Rrn 1.1,2) E o m e ~ v i s t oque a fé salvadora só-Evan"&o.
(Rm 10.17; 1.16; Jo 17-20;T g 1.18) Toda "crença" que não for produzida
pela Palavra de Deus, não é ré, mas invenção da mente, ou fantasia. Tal
fé Lutero caracteriza corretamente como "fé no ar". A verdadeira fé
çalvadora é sempre de origem divina (God-made) (1 T m 6.3; 1 Co 2.1-
5): "Para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana e sim no
poder de Deus." Por essa razão, a doutrina da Palavra de Deus é,
igualmente, fundamental. A pena para a rejeição do Evangelho é a
condenação. (Mc 16.15,16)
11.2.5- A doutrina da ressuureição. A Teologia racionalista moderna repele a
doutrina escriturística da ressurreição, negando, - t a n t o a gloriosa
-
ressurreição de Cristo, como a ressurreição de todos os mortos .--
no--
Dia
--
do__Iu&. Em lugar da ressurreição, ensina a imòrtalidade da alma. A
Bíblia, n o entanto, afirma que a negação da ressurreição -
-- implicaá
~ e g a ç ã ototal
- - -do Ev-g_elho_de Cristo. (1 Co 15.12-19) - Sem --- restrição, a-
palavia
-. .-- - declara
- -
que quem nega a ressurreição
- nauiragou ---
na fé e se
desviou
.-- da verdade. (1 T m 1.19,20; 2 T m 2.17,18) Himeneue ~lexandre,
que negaram a doutrina da ressurreição, foram entregues - por Paulo "a
~ataná;, para que aprendam a não blasfemar.", Negar _ -.-a ;essurreição
equivale, portanto, a blasfemar contra Cristo. E por esse motivo que,
-entre os conteúdos tundamentais
C_-- - da religião cristã, classificamo_s~
doutrina da ressurreicã~.
d~TG-JC~L-
Natureza e Con~~irc

Falando das doutrinas fundamentais da religião cristã, certamente as


temos em mente na forma em que elas se apresentam nas Escrituras Sagradas.
não na formulação dogmática destes ensinamentos, ou os dogmas da Igreja.
A formulação de um dogma pode ser imperfeita; já os ensinamentos das
Escrituras são infalíveis. Não obstante, é preciso tomar em consideração que,
toda vez e m que se formulam corretamente as doutrinas das Sagradas
Escrituras, a rejeicão desses credos é a rejeição da própria Bíblia. Dessa maneira,
os teólogos que repudiam os Credos Apostólico, Nireno e Atanasiano,
repudiam a própria Palavra de Deus, porquanto as doutrinas expostas e
defendidas nessas confissões são os ensinamentos claros do Evangelho divino.

1 1.3 - DOUTRINAS
FUNDAMENTAIS PRIMÁRIASE SECUNDÁRIAS
As doutrinas fundamentais da religião cristã podem ser divididas em
fundamentais primárias e secundárias. Essa distinção não é apenas escriturística,
mas também prática e útil, porque auxilia o teólogo a discriminar corretamente
as doutrinas fundamentais entre si. Como já aprendemos, as doutrinas
fundamentais são as que constituem o fundamento da fé cristã; todavia, nem
todas as doutrinas fundamentais formam este fundamento de modo igual.
Hollaz observa corretamente: "É necessário que se conheçam todos os artigos
fundamentais da fé, porém os graus dessa necessidade são diferentes." (Doctr.
Theol., p.99) Os artigos ftlndamentais primários são de tão absoluta importância
que, se rejeitados, nenhum fundamento resta sobre o qual se firme a fé
salvadora. Todas as doutrinas sob a epígrafe "Artigos Fundamentais da Fé" se
classificam como artigos fundamentais primários; pois, se forem postas de lado,
o Cristianismo não subsistirá.
As doutrinas fundamentais secundárias, por outro lado, mesmo que
sirvam de fundamento da fé, não o fazem de modo principal e absoluto.
Exemplos de doutrinas fundamentais secundárias são as do Santo Batismo e
da Santa Ceia. Ambos esses sacramentos, instituídos por Cristo, nos foram
dados para fundamento da fé ao lado do Evangelho. A mesma graça e perdão
oferecidos e transmitidos pela Palavra de Deus, também se nos oferecem e
transmitem por eles. (At 2.38): 'Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado
em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados." (Mt 26.28; Lc
22.19s~):"Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, derramado em favor de
muitos, para remissão de pecados." Nesse gracioso oferecimento de perdão,
selado por Cristo nos sacramentos, firma-se a fé cristã, do mesmo modo e
num mesmo grau como ocorre no oferecimento de perdão de nosso Senhor
na Palavra. Por essa razão é que as doutrinas do Santo Batismo e da Santa
Comunhão são fundamentais; são o fundamento da fé cristã. Não obstante,
pode uma pessoa ignorar essas doutrinas, ou mesmo errar com respeito a elas
e, contudo, salvar-se contanto que se prenda à promessa de perdão oferecida
no Evangelho. A razão disso é manifestada. O inteiro perdão que Cristo
Dogmática Cristã

adquiriu para os pecadores por sua morte na cruz, é oferecido e transmitido


ao crente no Evangelho. Se ele confia na promessa do Evangelho, pela fé está
na posse de todos os merecimentos de Cristo, juntamente com a vida espiritual
e a salvação eterna. Isso não quer dizer que a promessa sacramental seja
supérflua. A Igreja Cristã jamais poderá prescindir dos sacramentos, visto que
transmitem as bênçãos espirituais do Salvador de modo particularmente íntimo
e confortante. Os sacramentos são a Palavra visível (Mrbum visibrle) e a aplicação
individual da graça divina (applicatio individualis). Todavia, o crente que confia
na promessa divina de perdão oferecida no Evangelho a todos os seres humanos,
já está na posse da salvação. Os sacramentos nada de novo oferecem; apenas
selam e confirmam a mesma graça e absolvição que o Evangelho anuncia, dá e
confere. Nesse sentido, os sacramentos não são absolutamente necessários.
Por essa razão, chamamos as doutrinas do Santo Batismo e da Santa Comunhão
doutrinas fundamentais secundárias. Não devemos repudiar essa distinção,
porque nos indica a linha divisória entre cristãos e não-cristãos. Dessa maneira,
os filhos de Deus nas igrejas reformadas erram quanto à essência e finalidade
dos sacramentos. Devemos considerar esse erro tão perigoso quanto pernicioso.
Ainda assim, confiam na graça que Ihes é oferecida no Evangelho. Enquanto
fizerem assim, não Ihes podemos negar a fé salvadora. Em outras Palavras, ainda
devemos considerá-los cristãos, se bem que cristãos fracos e em erro, e que
põem em perigo seu estado de graça pela não-aceitação da Palavra total de
Cristo. O que se acabou de dizer dos filhos de Deus nas igrejas reformadas,
cabe também aos crentes em outras denominações religiosas e na Igreja Católica
Romana. Enquanto o crente confia na graça de Cristo oferecida na Palavra,
como fez o ladrão na cruz, ele está salvo, mesmo que nunca haja auferido as
bênçãos dos sacramentos. Holíaz está perfeitamente com a razão, quando diz
acerca dos artigos fundamentais secundários em si: "A simples falta de
conhecimento deles não impede a salvação, mas a sua obstinada negação e
hostilização subverte o fundamento da fé." (Doctz Theol., p.98ss)
Nas suas observações a respeito das doutrinas fundamentais secundárias,
Hollaz chama a nossa atenção para uma verdade importantíssima. Jamais se
deve abusar da distinção entre doutrinas fundamentais primárias e secundárias
com o objetivo de tolerar doutrina errônea. A obstinada negação e hostilização
pública das doutrinas fundamentais secundárias - o mesmo acontece com
respeito a todas as doutrinas das Sagradas Escrituras - acabam necessariamente
por subverter o fundamento da fé, por implicarem resistência oferecida ao
Espírito Santo. Urge que se faça lembrar isso continuamente a todos os que
persistem nesse erro, ainda que não Ihes possamos negar o estado de graça.
Todo teólogo cristão esteja lembrado:
a. De que tem a ordem de Cristo de ensinar as doutrinas da Palavra de
Deus, não ignorando ou negando uma só que seja. (Mt 28.20):
"Ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado."
Natureza e Ccnceitz ~ L kZ -kgg

b. De que todo e qualquer afastamento da Palavra de Deus, de acordo


com a declaração divina expressa, constitui escândalo (skândalorr)
ou ofensa. (Rrn 16.17): "Rogo-vos, irmãos, que noteis bem aqueles
que provocam divisões e escândalos, em desacordo com a doutrina
que aprendestes." Nenhum teólogo ensinará erros sem fazer ofensa
a outros; e é esse um assunto seriíssimo. (Mt 18.7): "Ai do ser humano
pelo qual vem o escândalo!" (Cf. também Lc 17.1; Rm 14.13): "Tomai
o propósito de não pordes tropeço ou escândalo ao vosso irmão." (2
Co 6.3): "Não dando nós nenhum motivo de escândalo em coisa
alguma, para que o ministério não seja censurado."
c. Todo aquele que põe de lado o claro testemunho da Palavra de Deus
num único ponto, rejeita, conseqüentemente, toda a Palavra divina
como fonte e padrão de fé. As Sagradas Escrituras devem ser cridas e
ensinadas, não só na sua aplicação geral, mas em todas as suas
mínimas partes. Todas as suas Palavras devem ser aceitas como
verdade divina. Lutero diz acertadamente: "O Espírito Santo (quando
fala nas Sagradas Escrituras) não pode ser separado ou dividido, de
modo que nos ensine e de nós requeira que creiamos uma doutrina
como verdadeira e outra, como falsa." (S. L., XX, 1781) Todos os
ensinamentos da Palavra de Deus estão tão intimamente
entrelaçados que, ao se negar um, todo o restante é atingido por tal
negação. Isto quer dizer que "um erro produz outro7', segundo
comprova a história dos dogmas. Havendo exceções a essa regra,
devem ser atribuídas unicamente à maravilhosa graça divina. Por
essa graça, vez que outra um teólogo que erra, numa estranha "feliz
inconsequência", pessoalmente não crê no que oficialmente ensina;
ou, por outra, ele não tira, em sua própria vida de fé, as conclusões
fatais que sua rejeição racionalista da verdade divina lhe sugere. Assim,
muitos sinergistas que afirmavam oficialmente a cooperação do ser
humano na conversão, nas próprias relações pessoais com Deus,
como pecadores penitentes, repudiavam esse erro pernicioso e
confiavam unicamente na graça de Deus para sua salvação.
Outrossim, teólogos em erro que de público e oficialmente, negavam
a universalidade da graça divina, quando pregavam o Evangelho ao
povo em geral, proclamavam e afirmavam o caráter universal da graça
de Deus e da redenção através de Cristo. Essa feliz diferença entre
teoria e prática, eles a deveram à infinita misericórdia de Deus que,
sinceramente, deseja a salvação dos pecadores.
Todavia, também não se deve abusar dessa verdade com o fim de
estimular indiferença em assuntos de doutrina. Ao mesmo tempo em que
admitimos existir uma "feliz inconsequência", devemos lembrar que existe
uma "infeliz conseqüência", mediante a qual os teólogos, que ofendem num
Dogmática Cristã

ponto, são induzidos a desviar-se em muitos pontos e, até mesmo, em todos.


Em outras Palavras, a proclamação de um erro conduz à publicação de outros
e, no final, à negação de toda a verdade escriturística. Dessa consequência
fatal advinda de negar-se a Palavra de Deus e condescender no erro, Lutero
adverte seriamente todos os teólogos cristãos, quando escreve: "Não deves
dizer: Proponho-me errar como cristão. O errar de cristão ocorre somente por
ignorância." (S. L., XIX, 1132) Lutero admite a existência de semelhante
anomalia: "o errar de cristão". Isso quer dizer que mesmo o verdadeiro cristão
erra de quando em quando em consequência de fraqueza ou ignorância. Esse
"errar de cristão", entretanto, transforma-se em "errar de não-cristão" tão
logo a pessoa consinta no erro deliberada e conscientemente. Tal "errar de
não-cristão" subverterá necessariamente o fundamento da fé e porá em perigo
a salvação. Que o teólogo cristão esteja, portanto, de sobreaviso. O
indiferentismo para com as doutrinas da Escritura Sagrada e o unionismo
espiritual dele decorrentes são diametralmente opostos à Palavra de Deus,
que declara: "Evita o ser humano faccioso, depois de admoestá-lo primeira e
segunda vez, pois sabes que tal pessoa está pervertida, e vive pecando, e por
si mesma está condenada." (Tt 3.10,11) A Bíblia nunca justifica o ensino do
erro, mas o condena sempre e com a maior veemência como escândalo.
d. Para manter a pureza de doutrina inalterada, toda a Igreja precisa
precaver-se continuamente contra todo e qualquer erro, por meio do
qual Satanás possa suscitar dissensões e escândalos. Para isso, é preciso
que censure, também, o erro mais leve e desvio da verdade em Cristo
Jesus. (G15.9): "Um pouco de fermento leveda toda a massa." É com o
"pouco de fermento" de falsa doutrina que a total corrupção de toda a
Teologia cristã normalmente principia. O modernismo, com sua estúpida
rejeição de todas as verdades escriturísticas necessárias à salvação, é
uma consequência do indiferentismo de teólogos e igrejas que concedem
lugar ao "pouco de fermento" no seu sistema de dogmas. Negue-se a
doutrina da inspiração verbal, e toda a doutrina da inspiração ruirá.
Removendo-se o sola gratia do corpus doctuinae, imediatamente virá a
rejeição da satisfação vicária de Cristo. O teólogo cristão não pode errar
em "pequenas coisas" sem que, mais cedo ou mais tarde, erre também
nas "coisas maiores" pertinentes à salvação. Essa a "infeliz consequência"
de tolerar-se o erro. Todos os cristãos sinceros que, à luz da Palavra de
Deus, tenham estudado a história da Igreja Cristã, sabem como o erro é
pernicioso e fatal para a unidade doutrinária da Igreja.

1 1.4 - DOUTRINAS
NÁo-FUNDAMENTAIS
São doutrinas não-fundamentais das Sagradas Escrituras as que não
constituem fundamento da fé, visto não oferecerem nem transmitirem o
perdão dos pecados aos pecadores, para fazer filhos de Deus pela fé em Cristo.
Natureza e Corzceits ii,z fi2,i:s:.;
Não formam o fundamento da fé salvadora, mas fortalecem a fé já existente.
Hollaz descreve as doutrinas não-fundamentais como "partes da doutrina
cristã que uma pessoa pode ignorar ou omitir e, ainda assim, ser salva". (Doctr.
Theol., p.92) Exemplificando, citamos as que versam sobre os anjos, o
anticristo, etc. Como vemos, essas doutrinas não criam a fé salvadora em
Cristo, mas foram dadas para conforto e advertência aos que já crêem em
Cristo. Isso não significa que as doutrinas não-fundamentais sejam inúteis;
em muitos casos, sua importância é realmente muito grande e, assim, não
podem ser dispensadas. A doutrina relativa aos anjos glorifica a divina graça e
robustece nossa fé na misericordiosa providência de Deus. Quer quantitativa,
quer qualitativamente, essa doutrina constitui parte valiosa da Teologia cristã.
O teólogo cristão nunca deve omitir esse fato. Por sua vez, a doutrina relativa
ao anticristo instrui a respeito da maior fraude jamais praticada dentro da
cristandade e previne sobre ela. A Teologia evangélica sofreria perda muito
séria, se eliminasse essa doutrina. Conseqüentemente, as doutrinas não-
fundamentais também são necessárias e devem ser apregoadas com a devida
seriedade e ênfase. (2 T m 3.16): "Toda Escritura é inspirada por Deus e útil
para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça."
Apesar disso, as doutrinas não-fundamentais não são, propriamente, o objeto
da fé salvadora, porquanto a fé confia na graciosa promessa evangélica do
perdão mediante a fé na redenção de Jesus Cristo. Apenas nesse sentido não
são fundamentais. Alguém que as declare não-fundamentais no sentido de
que possam ser dispensadas, nega tanto a autoridade divina como a perfeição
da Escritura Sagrada e conseqüentemente, uma doutrina fundamental. Cabe
notar aqui a advertência de Baier a respeito desse assunto. Escreve ele: 'Ao
mesmo tempo (admitindo nós a existência de doutrinas não-fundamentais),
devemos agir com cautela, a fim de não acontecer que, abraçando ou
professando o erro, pequemos temerariamente contra a revelação divina e o
próprio Deus. Especialmente, não aconteça que, por persuasão de outros,
mesmo contra a consciência, se sustente ensinamento pelo qual o
fundamento e a verdade de um ou mais dos artigos fundamentais da fé sejam
subvertidos. Porque, dessa maneira, como por pecado mortal, a fé e o Espírito
Santo podem ser completamente afastados, como de fato são." (Doctr. Theol.,
p.97) Essa advertência aplica-se, também, aos fatos e afirmações históricos e
arqueológicos contidos nas Sagradas Escrituras. Embora não sejam
fundamentais, repudiamos maldosamente a autoridade divina das Sagradas
Escrituras, se tivermos a ousadia de negar que são absolutamente verdadeiros,
porque Escritura que erra não tem autoridade. De modo algum uma Bíblia
que erra pode merecer crédito; pois, sendo errônea em questões não-
fundamentais, como poderá ser verdadeira nos seus ensinos fundamentais<
Se não nos podemos fiar nela quando ensina verdades terrenas, como podemos
fazê-lo quando fala de assuntos celestiaisc Quando o teólogo cristão reconhece
a existência de doutrinas não-fundamentais na Bíblia, ele crê e declara que
Dogmática Cristã

na totalidade das suas partes e aFirmações, todas as Sagradas Escrituras são a


verdade divina, que deve ser proclamada aos seres humanos. A distinção entre
doutrinas fundamentais e não-fundamentais é feita unicamente para
distinguir claramente entre os ensinamentos de Deus que são o fundamento
da fé justificante e aqueles que não o são.

11.5 - QUESTOES ABERTAS TEOL~GICOS


OU PROBLEMAS
As questões abertas não se definirão como pontos doutrinários "sobre
que não se tenha chegado a um acordo7'ou "que, em suas Confissões, a Igreja
deixou sem decisão", mas como questões que a própria Bíblia deixou abertas,
ou sem resposta, ou a que não respondeu com clareza. Essa definição de
questões abertas 9. de grande importância; porque não é a autoridade humana,
senão apenas a das Escrituras que determina o que se deve ensinar na Igreja
Cristã, a saber, todo o conteúdo das Sagradas Escrituras (Mt 28.20),n5o uma
plataforma doutrinária definida que certos teólogos ou igrejas tenham
formulado. Apenas a Palavra de Deus é o mestre espiritual dos seres humanos;
não a Igreja ou o teólogo dentro da Igreja. O espírito de indiferentismo e
unionismo tem estabelecido falsos padrões no que concerne ao assunto das
questões abertas. Levados por vicioso princípio de tolerância religiosa, os
teólogos sempre de novo caíram no erro de elevar a sua limitada razão humana
acima da Palavra inspirada de Deus, "abrindo" ou "encerrando" questões a
seu bel-prazer. Urge se sustente que as questões abertas devem sua existência
unicamente ao silêncio das Escrituras e a nenhuma fixação de doutrina por
parte da Igreja ou adoção de expediente advogada por facções em controvérsia.
Uma vez que a doutrina bíblica é Palavra de Deus, os seres humanos nenhum
direito têm de julgar o que se deva ensinar e o que não, ou de determinar o
que seja questão encerrada e o que aberta. É assunto fora da sua jurisdição.
Estudando as Escrituras Sagradas, descobrimos que, fiéis ao seu objetivo
e finalidade, não respondem a toda questão que os seres humanos desejariam
ver respondida. Por exemplo, não esclarecem como se originou o pecado, visto
que todas as criaturas foram originalmente criadas, sendo "muito boas".
Tampouco respondem à pergunta: se a alma de um infante se produz por
criação imediata de Deus (criacionismo); ou se a alma é transmitida pelos
pais ao filho (traducionismo). Questões sobre as quais a Palavra de Deus guarda
silêncio, chamamos problemas teológicos ou questões abertas. A essas questões
poderemos acrescentar ainda a crux theologorum, que tem sempre intrigado o
espírito de teólogos curiosos: Por que alguns se convertem e outros não,
embora, por natureza, todos os seres humanos estejam em mesma culpa
(eadern culpa) e se salvem unicamente por graça (sola gratia)l- (Cur alii, alii
nont Cur non omnest Cur alii prae aliis4). Já que a Palavra de Deus não responde
a essas perguntas, o teólogo não deve procurar fazê-lo. Todas as tentativas
nesse sentido são antiescrituríst~cas,porque o teólogo tem de falar tão-somente
Natureza e Conceirc Ai 1i,-.:s;

segundo as Palavras de Deus, (1 Pe 4.11). Igualmente são anticientíficas, visto


que quem pretende responder a essas questões, presume saber aquilo que
não pode saber. A verdade divina só se aprende por meio da fé, ou por simples
crença no que a Bíblia ensina- (Jo 8.31,32) Daí, toda e qualquer doutrina que
se extraia de outra fonte que não a Palavra de Cristo, não é Teologia e, sim,
mera especulação ou completa ignorância. (1 T m 6.4)
A atitude correta do teólogo cristão em face das questões abertas ou
problemas teológicos é, pois, de confissão da própria incapacidade para os
resolver, visto que a fonte de sua fé, as Sagradas Escrituras, não lhe fornece a
informacão necessária. Reusch diz muito oportunamente: "Inutills est eorum
cognitio, et vanae sunt de eisdem disputationes." (Annotationes in Baíeri Comp.,
1757, p.52) Seja como for, semelhantes discussões não só são inúteis, como
até perigosas. Lutero nos lembra disso, quando afirma que o Evangelho é
impedido, em grande parte, por dois fatores, a saber: primeiro, ensina-se aos
pecadores a confiarem nas suas boas obras, e segundo, propõem-se questões
inúteis cuja resposta faz com que as partes principais da doutrina cristã sejam
negligenciadas. (S. L., IX 8 6 3 s ) As questões abertas certamente não são
"abertas" no sentido de que o teólogo cristão possa permitir que sua
imaginação decida livremente em assuntos que Deus se recusou revelar. Se
transigem em especulações, estas devem se conservar sempre dentro dos
limites da analogia da fé, ou da clara revelação da Palavra de Deus. É melhor e
mais seguro para o teólogo que, de nenhum modo, se dê a especulações,
porque, facilmente, os seus próprios juízos poderão alojar-se no seu sistema
teológico e passar a ser ensinados como parte da verdade divinamente revelada.
Que o teólogo cristão aprenda a dizer néscio onde quer que as Sagradas
Escrituras sifenciem, lembrado de que Deus teve em mira a nossa salvação,
quer revelando verdades, quer retendo fatos que, de boa vontade, gostaríamos
de conhecer.
Nessa conexão, podemos discutir também a importante pergunta: "Que
são artigos de fé<" Os artigos de fé, pelo que sempre afirmam os nossos
dogmáticos, têm sua origem unicamente na Palavra de Deus. Isso quer dizer
que a Igreja Cristã aceita e crê somente as doutrinas que se ensinam de modo
inequívoco nas Sagradas Escrituras. Hollaz descreve o artigo de fé como "parte
da doutrina revelada na Palavra de Deus escrita, concernente a Deus e às
coisas divinas, e oferecida ao pecador, a fim de que creia para sua salvação".
Contudo, por ser um fato que alguns artigos de fé contêm verdades que o
conhecimento natural do ser humano acerca de Deus e a contempla~ãodas
obras divinas na natureza lhe revelam, por exemplo, as que se referem à
existência de Deus, os artigos de fé têm sido divididos em artigos mistos, isto
é, artigos que são manifestos, também, à luz da natureza e artigos puros, ou
artigos que só se conhecem do estudo das Escrituras Sagradas. (Baier) Mas os
artigos mistos também são artigos de fé unicamente quando ensinados
Dogmática Cristã

diretamente na Palavra de Deus. O verdadeiro teólogo cristão não reconhece


nenhuma outra fonte da verdade divina além da Bíblia.

12. A IGREJAE SEUSDOGMAS


Uma vez que o teólogo só deve ensinar o que as Escrituras Sagradas
ensinam, aventou-se a pergunta se é correto que, na Igreja Cristã, se permita
um lugar aos credos, dogmas ou confissões. Essa pergunta tem sido respondida
negativamente tanto pelos teólogos conservadores como pelos modernistas.
A Teologia modernista favorece um cristianismo sem credo, ou adogmático.
Tem por argumento que a verdadeira função da Igreja é propagar o "Evangelho
social" e não o Evangelho sobrenatural de Cristo, com o qual a nossa era
progressista já não simpatiza. A Teologia modernista é, pois, absolutamente
deste mundo, não do outro. Oferece uma Teologia do aquém e não uma
Teologia do além (eine Diesseits, nicht eine Jenseitstheologie). Essa Teologia, alega-
se, é Teologia de boas obras que devem ser feitas já, não uma Teologia de
Palavras de conforto com respeito a uma possível existência futura. Por ser
assim constituída, a Teologia modernista não só tem os credos, dogmas e
confissões como desnecessários, mas também como ofensivos. Alega-se que
os credos impedem o livre progresso e desenvolvimento da Igreja e de sua
atividade. Por essa razão, a Teologia modernista se vê constrangida a combater
os dogmas. Teólogos modernos de caráter mais conservador opõem-se aos
dogmas por outra razão. Argumentam que os dogmas e confissões impedem
a necessária "evolução doutrinária" (Lehrforbildung), que é indispensável, se
se quer que a Igreja continue um organismo vivo. Com efeito, essa classe de
teólogos sustenta que as doutrinas da Igreja são fatores continuamente
dinâmicos e passíveis de expansão, sujeitos a mutações, à medida que
revelações novas, mais completas e profundas se fizerem aos seres humanos.
Por isso, não se deve agrilhoar a Igreja com as cadeias de credos, já que estes
impedem o desenvolvimento da doutrina. Pelo visto, numa última análise,
não é tão grande a diferença entre ambos os tipos de teólogos. É diferença em
grau, não na espécie. Ambos rejeitam as Sagradas Escrituras como única regra
e norma de fé e entronam a razão e a ciência em seu lugar.
Das objeções que acabamos de considerar, é óbvio que a animosidade
da moderna Teologia liberal e racionalista não é dirigida propriamente contra
os credos, dogmas ou confissões, mas contra a Palavra de Deus. Esses
racionalistas opõem-se aos credos, porque se opõem às verdades reveladas
por Deus. Sua Teologia sem credo é equivalente a uma Teologia sem a santa
Bíblia. Querem seguir as próprias Palavras, não a Palavra de Deus.
No entanto, também em igrejas que favorecem os credos, verifica-se
esse ódio às Sagradas Escrituras. A Teologia católico-romana, por exemplo,
está constituída inteiramente sobre credos definidos. Porque aceita as velhas
Natureza e Conceit; 'Li k.':~:;

confissões da Igreja Cristã inadulteradas, ainda a consideramos dentro da


cristandade. Todavia, ela barrou esses credos mediante dogmas ulteriores cujo
teor é anticristão e tornam nulo o que as antigas confissões cristãs afirmam.
Além do mais, esses credos especificamente papistas est2o em oposição às
Escrituras Sagradas, por rejeitarem-nas como única regra e norma de fé e
contradizerem suas doutrinas centrais. Declaram que o papa, como a cabeça
da Igreja, é a norma infalível de fé, que o pecador é justificado pelas obras,
que a doutrina da justificação por graça, mediante a fé em Cristo, é anátema,
que os méritos e as intercessões dos santos são proveitosos para a salvação,
etc. Credos como esses não merecem um lugar na Igreja Cristã, porque são
anticristáos. Também, nas próprias igrejas calvinistas, encontramos credos
que se opõem à Palavra pura de Deus. Seus credos negam a universalidade da
graça de Deus e da redenção de Cristo, a eficácia dos meios da graça, a presença
real do corpo de nosso Senhor na Santa Ceia, a comunhão das naturezas na
pessoa de Cristo e a conseqüente comunicação dos atributos, etc. Semelhantes
credos não devem ser tolerados na Igreja Cristã, por serem antiescriturísticos
e racionalistas.
A Igreja Cristã, que tem unicamente a Palavra de Deus como fonte de
fé (Ef 2.20), sob condição alguma deverá reconhecer como exato e legítimo
qualquer dogma ou doutrina que não seja claro ensinamento da Bíblia. Ou
diríamos: Dogma da Igreja Cristã é a doutrina das Santas Escrituras. Seja o
que for que a Palavra de Deus escrita declare e ensine, eo ipso, é um dogma da
Igreja, esteja ou náo especialmente formulado. A questão não é: Esta ou aquela
doutrina estará claramente exposta nas Confissões< mas: Esta ou aquela
doutrina estará prescrita na Palavra de Deusl- Se estiver ordenada na Bíblia
Sagrada, ser6 um dogma da Igreja, ainda que em suas Confissões não se
mencione Palavra a seu respeito. Não é difícil perceber a razão disso. A Igreja
Cristã não é proprietária da doutrina de Deus, mas apenas sua serva. Não
tem por finalidade criar novas doutrinas, mas pregar as doutrinas que o seu
Senhor revelou. (Mt 28.20): "Ensinando-os a guardar todas as cousas que
vos tenho ordenado." Aplica-se aqui, cem por cento, o dito de Lutero: "A
Igreja de Deus não tem autoridade para estabelecer qualquer artigo de fé,
bem como jamais estabeleceu algum nem nunca há de estabelecer algum."
Da mesma forma, diz Quenstedt acertadamente (1:36): "A revelação divina é
a primeira e última fonte da Teologia sacra, além da qual não deve seguir a
discussão teológica entre cristãos." (Doctv. Theol., p.28) Isso não significa que
a Igreja não deva ter artigos de fé ou confissões de espécie alguma, porém
significa que todos os dogmas devem ser "declarações" da fé que lhe foi dada
por Deus na sua santa Palavra. Desse modo, os cristãos aceitam as velhas
confissões da Igreja Cristã, porque as mesmas não professam nem defendem
nada além da doutrina das Escrituras. Isso corresponde à verdade, apesar de,
nas Sagradas Escrituras, não se encontrarem os termos técnicos teológicos
que empregam para expressar a doutrina da Palavra de Deus, como sejam.
Dogmática Crista

"Trindade", "consubstancial", etc. Da mesma forma, também, as Confissões


Luteranas professam unicamente as doutrinas escriturísticas que foram
acrescentadas para defesa dos ensinamentos da Palavra de Deus contra o
romanismo, o sectarismo e os entusiastas ao tempo da Reforma e após a
morte de Lutero. Não o dizemos num espírito de orgulho, porém na sagrada
convicção da lealdade a Cristo e à sua Palavra que o Senhor requer dos seus
discípulos. Os dogmas (credos, confissões) ocupam, com justiça, um lugar na
Igreja Cristã, desde que ensinem as doutrinas de Deus e não as humanas. Se,
no entanto, produzem doutrinas contrárias à Palavra de Deus, devem ser
renunciadas e repelidas; porque à Igreja Cristã compete ensinar a Palavra do
seu divino Senhor, nada mais.
O mesmo que se disse dos dogmas e credos em geral, corresponde, com
igual força, aos tratados teológicos de mestres individuais da Igreja. A nenhum
teólogo se prestem ouvidos e a nenhum tratado dogmático se repute digno
de consideraç50, a menos que professem e defendam a verdade que há em
Cristo Jesus. O dogmático que busca os seus ensinamentos teológicos em
qualquer outra fonte que não a Bíblia, comete fraude inescusável contra a
Igreja e merece excomunhão dela como falso profeta. (Rm 16.17; 2 Jo 10.11;
1 T m 4.16) Deus exige com persistência e seriedade: "Se alguém fala, fale de
acordo com os oráculos de Deus." (1 Pe 4.11)
Os ministros, professores e missionários cristãos proclamem a Palavra
de Deus aos seus ouvintes, não a própria, de modo que em toda a Igreja
Cristã, nas suas escolas, nas suas igrejas e lares, nenhuma doutrina se ensine
que não esteja em harmonia com a Escritura Sagrada.
Quando escriturísticos, os dogmas e credos da Igreja são de grande valor,
também, para manter a íntima conexão das diversas disciplinas teológicas e
assegurar-lhes o caráter teológico. Falamos, em geral, da Teologia como
dogmática, histórica, exegética e prática. Essa divisão é tanto prática como
útil. Auxilia o estudante de Teologia a fazer distinção entre uma e outra matéria
e evita confusão quando principia o estudo da Teologia cristã. Apesar disso,
numa última análise, a finalidade das diversas disciplinas teológicas é a mesma.
Cada uma deve ensinar a Palavra de Deus juntamente com as aplicações que
lhe são próprias. O teólogo dogmático recomenda as diferentes doutrinas
bíblicas com ênfase especial. O teólogo exegeta apresenta as mesmas doutrinas
e, ao mesmo tempo, interpreta o sentido das Palavras do texto sagrado para
os seus ouvintes. O teólogo histórico expõe as mesmas doutrinas de acordo
com as suas reações sobre os seres humanos através da história. O tedogo
prático emprega as mesmas doutrinas para as necessidades especiais da
congregação cristã. As quatro disciplinas teológicas podem diferençar-se, uma
da outra, pelo seu objetivo, porém todas elas se centralizam na finalidade
superior de proclamar, expor e defender a Palavra de Deus, conservar-lhes a
íntima Iigação, unificando todo o Curso de Teologia. Essa finalidade de apregoar
. -
Natureza e C~tzízl~;
,r.;
; >.::L

a Palavra divina mantém o caráter teológico de cada disciplina. É esse fator


que faz com que a Teologia histórica ou a Teologia exegética ou a Teologia
prática sejam Teologia na verdadeira acepção do termo. Se qualquer delas for
além da Palavra de Deus, não será teológica. Essas ramificações são Teologia,
porque ensinam e expõem a Palavra de Deus como as Escrituras Sagradas
ensinam. A partir do momento em que apresentarem suas próprias opiniões,
estarão ensinando filosofia ou especulação, não Teologia.
Em vista da apostasia geral entre os teólogos atuais, a verdade exposta
acima deve ser colocada em evidência sempre. A crise que aflige a Igreja Cristã
no presente clama por renovada fidelidade para com a Palavra de Deus. Para
sanar a Igreja dos seus diversos males, é preciso que a mesma lance mão do
antiquíssimo remédio precioso que Deus prescreveu para a salvação dos seres
humanos: a Palavra de Deus inalterada. A ordem de Cristo exige: "Pregai o
Evangelho." (Mc 16.15) Essa imposição divina mantém todos os cristãos e,
em particular, todos os doutores cristãos, enlaçados à Palavra divina para
sempre. "Quod non est biblicum, non est theologicum." A Igreja Cristã sempre
deve respeitar esse axioma e se dirigir por ele. Se não o fizer, será apóstata e
desonrará nosso Senhor que edificou sua Igreja sobre o fundamento dos
apóstolos e profetas, sendo ele mesmo a pedra angular dela.

13. A FINALIDADE
DA TEOLOGIA
CRISTÁ
No desempenho de suas funções sagradas, o teólogo cristão deve ter
em mente, em todas as ocasiões, o verdadeiro objetivo de sua atividade
teológica. A finalidade da Teologia cristã, no que concerne à humanidade
perdida e entregue à morte, não consiste em difusão de cultura, nem no
estabelecimento de justiça civil sobre a face da terra, nem na satisfação de
ambição intelectual da mente humana, nem no enriquecimento do saber
humano, porém na salvação eterna (sooteeria/ salus aeterna) dos pecadores.
Sua Finalidade não é acadêmica ou especulativa, mas intensiva e absolutamente
prática. Consiste em conduzir almas perdidas a Cristo e, por meio dele, à
comunhão com o verdadeiro Deus, aqui n o tempo presente de modo
incipiente e, de modo perfeito, para o futuro na eternidade. As Sagradas
Escrituras estabelecem essa sublime finalidade da Teologia cristã claramente
em termos inquestionáveis. (1 T m 4.16): "Tem cuidado de ti mesmo e da
doutrina [...I; porque, fazendo assim, salvarás tanto a ti mesmo como aos
teus ouvintes." (Mc 16.15,ló): "Pregai o Evangelho [...I Quem crer [...I será
salvo." Se a Teologia racionalista moderna repudia a salvação eterna como
finalidade preeminente da Teologia cristã, é porque esse abominável tipo de
Teologia não é bíblico, mas carnal; porque não é a Teologia divina do Evangelho
de Cristo, porém a Teologia de um Evangelho social de feitura humana. O
teólogo luterano Meisner diz bem claramente: "Aquele que nem sempre age
com esta finalidade (a salvação do ser humano) e não tem em mira em todo o seu
Dogmática Cristá

estudo (ou gnoosis, conhecimento), não merece o nome de verdadeiro teólogo."


(Lehre u. Wehre, 14,76)
Em harmonia com esse princípio que se estabeleceu, os teólogos
luteranos têm dado a seguinte definição à finalidade da Teologia cristã: "O
objeto a que a Teologia visa é o ser humano pecador, enquanto importa ser
reconduzido à salvaçáo eterna." (Baier, I, 40) Essa definição é, realmente,
escriturística. O objeto da Teologia cristã não é o ser humano em geral, mas o
homo peccator, ou ser humano pecador, para cuja salvação Deus enviou o seu
Filho unigênito ao mundo, "para que todo o que nele crê não pareça, mas
tenha a vida eterna". (Jo 3.16) O Estado, ou o Governo Civil, certamente tem
a ver com os seres humanos como pecadores (homines peccatores), todavia não
tem por finalidade a salvação eterna deles, mas apenas o seu bem-estar terreno,
em especial, a proteção da vida e da propriedade. O seu interesse prende-se,
pois, exclusivamente à vida presente, e não à que se manifestará depois da
morte. Por conseguinte, o Estado não tem jurisdição na órbita da vida espiritual
e eterna do indivíduo. Suas funções cessam onde esta principia. A função
própria e especial da Teologia cristã é oferecer e conceder felicidade eterna na
vida futura aos seres humanos pecadores, e isso mediante a fé em Jesus Cristo,
produzida pelos meios da graça de instituição divina. A sua mensagem à
humanidade caída em pecado diz: "Quem crê no Filho tem a vida eterna; o
que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele
permanece a ira de Deus." (Jo 3.36)
A finalidade última da Teologia cristã (finis ultimus) consiste, pois, na
eterna salvação dos seres humanos. A finalidade intermédia (finis intermedius)
pode ser definida como sendo o operar e manter da fé salvadora em Cristo
Jesus para a vida eterna. (Rrn 1.55): "Por intermédio de quem viemos a receber
graça e apostolado por amor do seu nome, para a obediência por fé, entre
todos os gentios", (para que seres humanos de todas as nações possam ser
conduzidos à obediência de Cristo em verdadeira fé). O teólogo cristão
desempenha o seu sagrado ofício, antes de mais nada, para que os pecadores
possam crer em Cristo e, por meio dele, obter a salvação. Todavia, a Teologia
cristã não visa apenas à conversão, mas também à santificação e às boas
obras. O teólogo cristão retém essa finalidade sempre na mente, instando
com zelo junto àqueles que foram entregues aos seus cuidados, para que
sejam zelosos de boas obras. (Tt 3.8): "Quero que, no tocante a estas coisas,
faças afirmação, confiadamente, para que os que têm crido em Deus sejam
solícitos na prática de boas obras." As boas obras, porém, não são o meio pelo
qual se obtém a salvação eterna, mas, pelo contrário, são os efeitos e frutos
da fé. Boas obras, no sentido escriturístico do termo, são as obras feitas por
aqueles que já obtiveram a salvação pela fé em Cristo. (Rm 3.28): "O ser
humano é justificado pela fé, independentemente das obras da Lei." (6.22):
"Agora, porém, libertados do pecado, transformados em servos de Deus, tendes
o vosso fruto para a santificação." (Ef 2.10): "Pois somos feitura dele, criados
em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou.
que andássemos nelas." Conclui-se disso que todos os que pregam as boas
obras como condição ou meio de salvar-se, estão debaixo da maldição. (C1
3.10) Por outro lado, o ministro cristão que, em harmonia com a Palavra divina.
proclama a salvação unicamente pela graça de Deus, porque prega o Evangelho
realmente, produz boas obras que são do agrado de Deus e o glorificam. (Tt
2.14): "O qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniqüidade
e purificar para si mesmo um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras."
(1 T m 6.18): "Que sejam ricos de boas obras." Isso não quer dizer que o teólogo
cristão negligencie a Lei divina, porquanto ela é Palavra de Deus juntamente
com o Evangelho. Ele emprega a Lei quando necessário, para mostrar o que
são boas obras e o que Deus requer do crente a respeito delas. A disposição e
o poder para praticar boas obras são produzidos somente mediante a pregação
do Evangelho. Por isso mesmo, o teólogo cristão deve ser capaz para empregar
corretamente tanto a Lei como o Evangelho.

14. Os MEIOSEXTERNOS PELOS QUAIS A TEOLOGIACRISTÁ


CUMPREA SUA FINALIDADEDE SALVAR OS PECADORES
Os meios externos que o teólogo cristão emprega, para efetuar a salvação
dos pecadores não consistem em armas sugeridas pela sabedoria humana,
como sejam: a coação externa, a espada do governo civil, prescrições de Lei,
serviço social, o aperfeiçoamento da organização eclesiástica, etc. 0 s teólogos
são propensos a confiar nessas coisas, quando guiados por princípios racionais,
segundo comprova a história da Igreja Cristã. Teólogos equivocados dentro
da Igreja Cristã sempre advogaram o emprego de meios humanos para conservar
e difundir o poder da Igreja. A Escritura Sagrada, porém, condena semelhantes
meios, não só como inaproveitáveis, mas mesmo até extremamente injuriosos,
porquanto se baseiam na Lei. A Lei pode conter as manifestações grosseiras
do pecado e melhorar o pecador exteriormente, todavia, não consegue
transformar-lhe o coração, produzindo nele a fé verdadeira em Cristo. Onde
não há fé verdadeira em Cristo, também não haverá salvação. O Evangelho
de Cristo é o único meio pelo qual o teólogo poderá cumprir a sua missão
preeminente e prescrita por Deus de salvar os pecadores para a vida eterna.
(Mt 28.19,20): "Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-
os [...], ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado." (Mc
16.15): "Pregai o Evangelho a toda criatura." (At 20.32): "Encomendo-vos [...I
à Palavra da sua graça, que tem poder para vos edificar." (2 T m 3.15): "Sabes
as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação." (Rm 10.17): '24
fé vem pelo ouvir, e o ouvir pela Palavra de Cristo." Urge que o teólogo cristão
guarde essas injunções divinas das Sagradas Escrituras sempre em mente a
fim de que não se veja seduzido a fiar em algum meio sugerido e abonado
Dogmática Cristã

pelo seu coração natural. Faça uso exclusivo da Palavra de Deus, poderosa e
viva, por obra da qual os pecadores são transformados em filhos de Deus,
dirigidos e mantidos na salvação apenas pela fé. Na Igreja Cristã, bem como
em toda a sua atividade, só a Palavra de Deus deve mandar. É o único meio da
graça eficaz, porque só ela foi prescrita por Cristo como tal. Lutero diz com
muita propriedade: "Os cristãos por nenhum outro meio serão governados,
senão somente pela Palavra de Deus. Porquanto cristãos são governados dentro
da fé, não com meios exteriores. A fé, porém, não virá por nenhuma Palavra
de seres humanos, mas unicamente pela Palavra de Deus, como diz Paulo,
(Rm 10.17): "A fé vem pelo ouvir, e o ouvir pela Palavra de Cristo." (S. L., X,
406). Fie-se, pois, o teólogo luterano somente na Palavra de Deus para feliz
execução da obra do santo ministério, por somente ela ser o fundamento
imperecível da santa Igreja de Cristo. (cf. 1 Co 3.10-14)

15. TEOLOGIA
E CIÊNCIA
Não foram poucos os debates que a pergunta se ficaria bem aplicar-se à
Teologia o termo ciência suscitou entre os teólogos. Alguns responderam com
grande veemência pela afirmativa; outros, com igual veemência, pela negativa.
A pergunta não é de difícil resposta, contanto que o termo ciência se empregue
e entenda exatamente no mesmo sentido. E óbvio que o termo ciência, tomado
em seu sentido comum, não pode ser empregado para designação da Teologia
cristã. Esta não é nenhuma ciência na mesma acepção em que, por exemplo, o
são a geologia, psicologia, biologia, etc. Não só difere dessas ciências na matéria
que tem por objeto, como também na fonte, método e finalidade. Sua matéria-
objeto é a verdade divina registrada na Bíblia; por fonte, a Santa Bíblia; por
método (medium cognoscendi), a fé; por finalidade, a salvação dos pecadores.
Logo, a Teologia cristã nada tem a ver com a sabedoria de seres humanos, que
se obtém 2 força de estudo, meditação e pesquisa, como fazem as ciências
comuns estabelecidas por filósofos e cientistas. O teólogo cristão adquire a sua
sabedoria diretamente da Bíblia, cujas verdades ele aceita pela fé. A mensagem
da satisfação vicária de Cristo forma o coração da Teologia cristã, que foi revelada
aos seres humanos; porque o ser humano não poderia saber dela nem descobri-
la por natureza. (1 Co 2.6-10) Por natureza, o ser humano conhece apenas a
Lei divina, que Deus lhe escreveu no coração (Rrn 1.18s~;2.14,15). O ser humano
possui conhecimento natural de Deus, e esse conhecimento inato de coisas
divinas pode ser alargado pela razão e experiência; pode, por meio de meditação
e estudo, ser ampliado tanto intensiva como extensivamente. Já o Evangelho
da redenção de Cristo não está situado dentro dos limites do conhecimento
natural do ser humano decaído. É um "mistério", cuja graciosa revelação se
deve inteiramente a Deus e o qual só se conhece pela fé na Escritura Sagrada.
De tudo isso fica mais do que claro que a Teologia cristã não se pode chamar
ciência no sentido usual do termo.
Natureza e Corzceitc kk9-i

A Teologia cristã não é nenhuma ciência no sentido de que represente


um conhecimento cristão mais elevado, que paire acima da singela religião
de fé professada pelo cristão comum e que, à semelhança das ciências
humanas, comporte compreensão intelectual e demonstração lógica. Não
constitui uma espécie de cristianismo avançado; não é uma filosofia
religiosa, ocupa-se exclusivamente das verdades reveladas da Escritura, as
quais o teólogo tanto aceita como Ihes apreende o sentido pela fé. (Jo 8.31,32;
Rm 1.5, 1 Co 13.12) Tudo o que o teólogo cristão conhece das coisas
divinas e espirituais procede unicamente da Palavra de Deus. Ele sabe que,
acerca das verdades divinas reveladas por Deus, o seu conhecimento excede
o do não-teólogo apenas extensivamente, jamais intensivamente. Ele está
bem mais a par das verdades inspiradas, simplesmente porque devota mais
tempo ao estudo da Santa Bíblia do que o cristão faz em média. Assim, a
diferença entre o seu conhecimento e do cristão comum reside no grau e
não na qualidade. Queremos dizer com isso que o teólogo não conzpreende
os divinos mistérios da fé, ao mesmo tempo em que o simples membro da
Igreja apenas crê neles; pois também o teólogo só sabe o tanto que crê. Usando
o u t r a expressão, também com respeito ao teólogo cristão, a fé é
conhecimento e o conhecimento, fé. Os elementos filosóficos, filológicos
e históricos de que ele tem noção e de cujo exame faz sua ocupação distinta
da do crente comum, não pertencem à essência da Teologia, porém
constituem apenas o aparato científico exterior, ou meios externos pelos
quais se acerca da Escritura Sagrada e a estuda. São meros utensílios ou
instrumentos seus, nunca, porém, uma fonte de conhecimento espiritual
da qual deva extrair opiniões ou doutrinas que vão além da Palavra de
Deus e que são contrárias a ela. As tentativas da Teologia racionalista
moderna para elevar a fé cristã à categoria de ciência nada mais são do que
auto-ilusão, e, numa última análise, equivalem à rejeição das Sagradas
Escrituras como princípio único do conhecimento cristão ou única fonte
de fé @rincipium cognoscendi).
Apesar disso, pode-se chamar a Teologia cristã de ciência, se, por esse
termo, entendemos um conhecimento definido, uma informação precisa e
fidedigna. Tomada nesse sentido, a Teologia cristã é a ciência das ciências, ou
a ciência par excellence, a ciência perfeita. Fazemos essa reivindicação e a
sustentamos em prol da Teologia cristã, por ela ser a própria infalível sabedoria
de Deus e não sabedoria falível dos seres humanos. Errar é humano (errare
humanum est), mas é impossível a Deus errar (errare in Deum non cadit). (Jo
17.17): 'A tua Palavra é a verdade." (Jo 10.35): "A Escritura não pode falhar.'
As Escrituras são livres de erro em todas as suas partes individualmente e, por
essa razão, a Teologia cristã, que se extraiu das Sagradas Escrituras, é a ciência
mais definida no mundo, a única precisa e fidedigna. É a ciência divina, que
não erra.
Dogmática Cristã

Essa é a convicção de todo teólogo genuíno. Se ele puser em dúvida a


veracidade daquilo que proclama aos seus ouvintes, certamente não é u m
teólogo verdadeiro, mas uma cana agitada pelo vento. Nenhuma habilitação
tem para ensinar e pregar na Igreja Cristã. E preciso que o teólogo cristão
esteja tão compenetrado da veracidade da sua mensagem, que se veja em
condições de dizer com Paulo: "Mas, ainda que nós ou mesmo u m anjo vindo
do céu vos pregue Evangelho que vá além do que temos pregado, seja
anátema." (G1 1.8) É preciso que se dê especial destaque a essa verdade em
oposição à moderna Teologia agnóstica, que nega a possibilidade de conhecer-
se a verdade e afirma ser impossível que o teólogo esteja certo de possuir a
verdade. Essa negação põe de parte a explícita promessa de Cristo: "Se vós
permanecerdes na minha Palavra, [...] conhecereis a verdade." (Jo 8.31,32)
Essas Palavras são a garantia que o próprio Cristo dá de que, se, em verdadeira
fé, aceitarmos a sua Palavra como mencionada na Bíblia e como a temos e
confessamos em nossos dogmas, credos e confissões cristãs, haveremos de
convencer-nos de sua veracidade absoluta. A fé é e será sempre a afirmação
da verdade revelada na Bíblia e apresentada na Teologia ou doutrina cristã.
Tal afirmação não vem de convicção meramente pessoal ou humana (fides
humana) que se originasse por manifestação da razão, mas é uma certeza de
procedência divina (fides divina), produzida diretamente pelo Espírito Santo,
por meio da Palavra de Deus. (1 Co 2.5): "Para que a vossa fé não se apoiasse
em sabedoria humana e sim no poder de Deus." (Jo 16.13): " [...I quando vier,
porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade." O teólogo
cristão é guiado na verdade por obra do Espírito Santo mediante o emprego
da Palavra externa da Escritura Sagrada, de tal modo que se vê em condições
de conhecer e ensinar a verdade que há em Cristo com absoluta certeza. (1
Co 2.12): "Temos recebido [...I o Espírito que vem de Deus, para que
conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente." A verdadeira
Teologia cristã não é, portanto, menos correta que as Sagradas Escrituras. É
preciso que o teólogo cristão esteja tão seguro da veracidade da doutrina que
ensina quanto da verdade objetiva: "Não é céptico o Espírito Santo e não
descreveu em nossos corações dúvidas ou opiniões, mas afirmações mais certas
e consistentes que a própria vida e toda a experiência." (S. L., XVIII, 1680) É,
pois, com muita justiça que a Teologia se chama ciência, porquanto é u m
conhecimento absolutamente verdadeiro.
No entanto, apesar desse fato, é preferível que não se defina a Teologia
cristã como sendo ciência, porque o termo ciência está sujeito a tantos mal-
entendidos e abusos excessivos. A Teologia racionalista emprega o termo
indiscriminadamente para indicar a demonstração científica da verdade divina
de acordo com os princípios da razão humana. Fundamentalmente, a Teologia
é considerada apenas a mais elevada forma filosófica; a seguir, aplicam-se os
mesmos princípios e métodos que ordinariamente se empregam na
demonstração de verdades filosóficas. É preciso que o teólogo cristão se
oponha a essa maneira de proceder; pois a Teologia cristã, com seus mistérios
revelados, não é passível de comprovação racional ou demonstragão
intelectual. (1 Co 2.14): "O ser humano natural não aceita as coisas do Espírito
de Deus, [...I e não pode entendê-las." Enquanto o indivíduo não for
convertido, nenhum acervo de raciocínios fará com que as verdades divinas
da revelação lhe sejam aceitáveis; de fato, quanto mais permitir que a razão
as esquadrinhe, tanto mais insensatas e desarrazoadas lhe parecerão. A filosofia
jamais poderá conduzir à fé; levará invariavelmente para longe da fé verdadeira,
conforme prova a "teologia" dos teólogos racionalistas modernos. Sendo, pois,
que a razão h u m a n a é incapaz de sondar os mistérios divinos da fé
intelectualmente, Cristo incumbiu os seus apóstolos simplesmente de pregar
o Evangelho sem fazer demonstração racional aos seres humanos. (Mc
16.15,16)Deviam sair a proclamar a verdade, porém não para converter a sua
mensagem de procedência divina n u m sistema filosófico plausível ao ser
humano natural. De acordo com esse mandamento, Paulo dá o testemunho
do seu ministério em Corinto: "A minha Palavra e a minha pregação não
consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do
Espírito e de poder." (1 Co 2.4)
Nossos dogmáticos, à base da verdade que se acaba de estabelecer,
definiram a Teologia cristã como Iiabitus exhibitivus, e não como habitus
demonsrrativus. Pretendiam dizer com isso que a Teologia cristã é a capacidade
para expor ou pregar o Evangelho, e não para, com argumentos humanos da
razão ou da filosofia, lhes provar a veracidade. Proclamando a verdade é que o
teólogo cristão ganha almas para Cristo, e não fazendo isso para demonstrar
a verdade dos mistérios da fé mediante os princípios da razão humana. Esse é
também o sentido do axioma: "A melhor apologia da religião cristã consiste
na sua proclamação." Torne-se o Evangelho conhecido, e ele, de si mesmo,
comprovará o seu caráter divino. Cabe, por conseguinte à apologética cristã
uma só função: revelar a tolice da incredulidade. Jamais será capaz de
demonstrar a verdade, servindo-se de "linguagem persuasiva de sabedoria". A
razão disso é obvia. A incredulidade é insensata e falsa; pretexta inteligência,
quando, no fundo, não há nela senão a tendência viciosa para fazer o mal. (Jo
3.20): "Pois todo aquele que pratica o mal aborrece a luz e não se chega para
a luz, a fim de não serem argüidas as suas obras." Pôr às claras a malignidade
do coração carnal e a estultícia da infidelidade em manter suas alegações
corruptas, nisso consiste tudo quanto se possa esperar da apologética cristã.
Ela jamais substituirá a singela pregação da Palavra de Deus. Nessa conexão,
também será oportuno deixar dito que não existem razões científicas de
espécie alguma contrárias à fé cristã. Sempre que houver oposição à fé, não é
na verdadeira ciência que ela tem sua origem, mas na infidelidade viciosa. Em
caso algum se justificará a rejeição da verdade divina revelada com razões
plausíveis; somente a razão pervertida do ser humano desaprova a verdade
que há em Cristo Jesus.
Dogmática Cristá

16. TEOLOGIA
E CONVICÇAO
Especificamos, no capítulo precedente, a evidência de que é preciso o
teólogo cristão estar pessoalmente convencido da verdade que ensina. Tanto
no campo conservador como no liberal, discute-se com muito entusiasmo a
pergunta: como obter essa convicção subjetiva< (erkenntnis-theoretische
Frage). É muito comum julgá-lo u m problema que envolve dificuldades muito
sérias. Essas dificuldades, no entanto, apenas surgem se o teólogo renuncia a
verdade objetiva das Escrituras. Enquanto aceitar a Escritura como única fonte
e norma de fé, o problema será realmente muito simples. Nosso Senhor ensina
estas duas coisas: que existe a convicção pessoal cristã e que a mesma se
obtém mediante a fé na sua Palavra. (Jo 8.31,32): "Se vós permanecerdes na
minha Palavra, [...I conhecereis a verdade." Essa fé que, em si mesma, é
convicção perfeita, é despertada pelo Espírito Santo. (1 Co 2.5): "Para que a
vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana e sim no poder de Deus."
Lutero diz bem: "O ser humano está passivamente certo, bem como a Palavra
de Deus o está ativamente." (Homo est certus passive, sicut Verbum Dei est
certum active.) O que, segundo exposição do mesmo Lutero, significa: "Onde
esta Palavra (a Palavra de Deus) penetra o coração com verdadeira fé, ela torna
o coração semelhante a ela, firme, certo e seguro, de modo a se tornar o
mesmo por tal forma ereto e rijo frente a toda sorte de tentação, ao diabo e à
morte e ao que mais houver, que ousada e sobranceiramente faz pouco e
zomba de tudo que alimenta dúvidas, hesita e é mau e iracundo, porque sabe
que lhe não mentirá a Palavra de Deus." (S. L., 111, 1887) Essa afirmação é
verdadeiramente escriturística. A convicção pessoal e subjetiva se obtém por
meio da Palavra de Deus, segundo testemunho das Escrituras. Por outro lado,
toda e qualquer convicção subjetiva que não emane da Palavra de Deus
mediante a fé é de própria autoria e, por conseguinte, nada senão ignorância
e auto-ilusão. (1 T m 6.3,4)
Essa é a réplica do teólogo cristão 2 falsa alegação da Teologia racionalista,
a qual afirma que a verdadeira convicção pessoal ou subjetiva é autoconvicção"
(Selbstgewiszheit), ou convicção que o teólogo deve ao seu próprio "eu"
regenerado. Esse erro, proposto primeiro por SchLeiermacher, tem sido adotado
de modo geral, mesmo por alguns teólogos da ala positiva. Esse modo de ver
repudia as Escrituras como única fonte e norma de fé. Dessa maneira, os seus
defensores contam com a própria "consciência cristã" ou "experiência cristã"
como norma de sua fé. Adequadamente, a sua "Teologia cristã" não é
construída apenas sobre as Sagradas Escrituras, mas sobre o "coração
regenerado" ou o próprio "eu santificado"; e é disso que pretendem derivar a
convicção pessoal que têm acerca da verdade divina. Todavia, é preciso que
se rejeite toda convicção que se obtenha por esse processo como falsa, uma
vez que não é, nem cristã, nem científica, nem de forma alguma, convicção.
Não é cristã, porque se desvia do fundamento cristão da fé; tampouco é
Natureza e Conceitg d'7 7Pc'í;s:;

científica, porque faz da mente humana uma autoridade em assuntos que o


ser humano natural desconhece por completo. Finalmente, nem é convicçáo,
porém imaginação, porque o teólogo cristão só poderá conhecer a verdade
divina enquanto permanecer na Palavra de Deus. O caráter anticristão da
Teologia racionalista moderna dá prova concludente de que é impossível a fé
cristã provir de qualquer outra fonte que não as Sagradas Escrituras, porquanto
Teologia deste gênero não só rejeita as doutrinas específicas da religião cristã,
como ainda implanta ensinamentos contraditórios às Sagradas Letras e à fé
cristã. É necessário ver-se que a Teologia racionalista moderna nega a doutrina
escriturística da justificação pela graça, mediante a fé e, em lugar dela, ensina
a salvação por meio da justiça das obras. Tal "convicção", pois, repousa sobre
bases que a Palavra de Deus condena terminantemente.
Em suma, a verdade divina pode ser conhecida dos seres humanos, ou,
a mente humana é capaz de convicção pessoal da verdade divina. Entretanto,
essa convicção só é efetiva, se o teólogo se prende às Sagradas Escrituras e,
com fé singela, crê o que Deus falou na sua Palavra escrita. A Palavra de Deus
tem como características tanto o ser verdade absoluta como o tornar o crente
absolutamente certo dessa sua natureza. Para negá-lo, é preciso que se negue
igualmente a possibilidade e efetividade da fé; pois a convicção pessoal não é
outra coisa senão a fé pessoal.

17. TEOLOGIA
E PROGRESSÁODOUTRINARIA
A Teologia racionalista de ambas as alas, a conservadora e a liberal, requer
uma progressão teológica, ou desdobramento doutrinário, que corresponderá
aos avançados e sempre progressivos usos religiosos da época (Lehrfortbildtrng).
Alega não se poder estagnar a Teologia cristã, mas que se tem de ajustá-la às
opiniões do momento em constante mutação. É tão insistente, com respeito
a esse assunto, que condena todos os teólogos cristãos que se opõem ao
desdobramento doutrinário, como infiéis no seu alto encargo. Nos círculos
do racionalismo moderno, os teólogos fiéis que se agarram à Escritura Sagrada
como única norma de fé, são tachados de "teólogos retrógrados",
(Repristinationstheologen) expressão que contém censura e desdém.
Entretanto, é coisa decidida que uma progressão teológica ou um
desdobramento doutrinário é impossível e deve ser condenado como apostasia
da fé cristã. A razão disso é evidente. De acordo com a Bíblia, a Teologia cristã
constitui um conjunto, que é ,em si mesmo, completo e perfeito e, portanto,
incapaz tanto de acréscimo como de diminuição. (Mt 28.20): "[ ...I ensinando-
os a guardar todas as cousas que vos tenho ordenado." (2 Ts 2.15): "[ ...]
permanecei firmes e guardai as tradições (doutrinas) que vos foram ensinadas".
(Ap 22.18): "Se alguém Ihes fizer qualquer acréscimo, Deus lhe acrescentará
os flagelos escritos neste livro." A Teologia cristã, de acordo com os claros
ensinamentos das Escrituras Sagradas, é, por conseguinte, um corpo fixo
Dogmática Cristã

de verdades divinas que nunca se devem alterar nem aumentar por meio de
acréscimos humanos, tampouco diminuir por omissões de espécie alguma. O
teólogo deve reconhecer e proclamar "todo o desígnio de Deus". (cf. At
20.20,21,27): "[ ..I jamais deixando de vos anunciar coisa alguma proveitosa
e de vo-la ensinar publicamente e também de casa em casa, testificando,
tanto a judeus como a gregos, o arrependimento para com Deus e a fé em
nosso Senhor Jesus. Porque jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de
Deus." Somando-se a isso, as Escrituras afirmam, com bastante vigor, que a
Igreja de Cristo está edificada "sobre o fundamento dos apóstolos e profetas,
sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular". (Ef 2.20) O "fundamento
dos apóstolos e profetas" é a doutrina fixa que esses seres humanos de Deus
escreveram na Bíblia por inspiração do Espírito Santo. Assim também, nosso
Senhor declara que somos salvos através da Palavra dos apóstolos. (Jo 17.20)
Além disso, a Palavra de Deus adverte, de maneira mais irnpressiva, todos os
cristãos contra todos os que erram nisso, pervertendo a Palavra fixa e definida,
quer por acréscimo, quer por diminuição. (At 20.29): "[...I depois da minha
partida, entre vós penetrarão lobos vorazes, que não pouparão o rebanho." (1
T m 4.1): "[ ...I nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, por obedecerem
a espíritos enganadores e a ensinos de demônios." Logo, Cristo e seus apóstolos
declaram que a doutrina cristã é um corpo perfeito de verdades inspiradas
que se devem manter puras. Fica, portanto, excluída toda possibilidade de
progressão ou desdobramento doutrinal. A evolução doutrinária é tão absurda
e tão contrária à Escritura Sagrada como é nos domínios da natureza ou
criação. De modo positivo, as Sagradas Escrituras afirmam que o mesmo Deus
que fez o ser humano, também lhe deu a doutrina divina pela qual deve
salvar-se. O ser humano não tem jurisdição sobre essa doutrina divina. Ela é
o santuário de Deus, que o ser humano não deve profanar mediante
acrescimento ou diminuigáo ou, para empregar o eufemismo moderno,
mediante desdobramento doutrinal.
A isso se tem feito a objeção de que, em todas as épocas, a Igreja Cristã
desenvolveu efetivamente a doutrina cristã mediante o estabelecimento de
credos e confissões. Essa objeção, porém, envolve intolerável falácia. A Igreja
Cristã, nos seus credos, jamais procurou desenvolver a doutrina cristã, mas
apenas afirmou a doutrina expressa das Sagradas Escrituras em toda a sua
verdade e pureza contra os erros dos heréticos e cismáticos. Desse modo, o
Credo Apostólico, o Credo Niceno, o Credo Atanasiano e outros similares
não constituem declaração de novos ensinamentos de autoria humana, mas
das próprias doutrinas de Cristo e dos seus apóstolos registradas na Bíblia.
Toda vez que a formulação de credos necessitava do emprego de termos que
não se encontravam na Bíblia (homooNsios, theotókos, meue pasçive, etc.), seu
uso visava à única finalidade de apresentar a doutrina escriturística com maior
clareza, nunca no intuito de aplicar à Igreja Cristã ensinamentos de criação
humana e antibíblicos. Assim também as Confissões Luteranas particulares
Natureza e Conceito d~ Gi-;;i;

apenas constituem declarações específicas de doutrina escriturística contra


os erros do Romanismo, Calvinismo e dos entusiastas. Lutero escreve com
muito acerto: "Nada de novo excogitamos, senão que nos mantemos firmes
e permanecemos na velha Palavra de Deus, como a tinha a Igreja antiga; por
isso, com esta somos a verdadeira Igreja antiga, que uma só Palavra de Deus
ensina e crê. Em razão disto, os papistas blasfemam de novo o próprio Cristo,
os apóstolos e toda a cristandade, quando nos acusam de inovadores e hereges.
Porquanto nada em nós encontramos senão as coisas antigas da Igreja antiga."
(S. L., XVII, 1324)
Que é impossível uma progressão teológica ou desdobramento doutrinário
está provado pelo fato de que todas as tentativas feitas para desdobrar a doutrina
cristã conduziram invariavelmente à deturpação da verdade divina. A Teologia
racionalista moderna, que propugna o desdobramento doutrinário como pré-
requisito para a existência continuada da Igreja, renunciou por completo
precisamente às doutrinas com as quais a cristandade, ou permanece ou cai,
como sejam: as doutrinas da inspiração, da satisfação vicária de Cristo, da
justificação só pela graça, mediante a fé, etc. O seu desdobramento doutrinário
tem-se revelado de tal modo fatal, que destruiu virtualmente a Teologia cristã e,
em seu lugar, entronizou um corpo de princípios e ensinamentos pagãos. Não é
difícil encontrar a razão disso. Na raiz de todo desdobramento doutrinário está o
racionalismo cego, perverso e satânico do coração carnal, que não pode aturar a
sã doutrina da santa Palavra de Deus e, por conseguinte, está resolvido a ensinar
o que é contrário à verdade salvadora que há em Cristo Jesus. Nosso divino
Senhor condenou esse espírito racionalista de incredulidade, dizendo aos fariseus:
"Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele foi
homicida desde o princípio e jamais se firmou na verdade, porque nele não há
verdade. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso
e pai da mentira." (Jo 8.44) Traga o teólogo cristão na lembrança que a religião
cristã é religião absoluta, sendo em si mesma, completa e perfeita, de modo que
Paulo pôde escrever: "Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos
pregue Evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema." (G1 1.8)
Se é forçoso que a sã Teologia bíblica circule sob o nome de "Teologia retrógrada",
que o teólogo cristão se ufane deste termo. Esse é o único gênero de Teologia que
merece um lugar na Igreja Cristã, tanto assim que é o único gênero de Teologia
que Jesus Cristo, Cabeça e Rei da Igreja, reconhece como verdadeiro e divino.
Queira Deus, em sua misericórdia, manter na sua Igreja "teólogos retrógrados",
por serem teólogos segundo o coração dele, a quem, para toda a eternidade,
conferirá honra e glória de verdadeiros artífices de sua Sião.

18. TEOLOGIA
E LIBERDADE
ACADÊMICA
A Teologia racionalista moderna exige que os doutores oficiais da Igreja,
tanto no púlpito como na cátedra, gozem de inteira liberdade acadêmica.
Dogmática Cristã

Isso quer dizer que lhes deva ser permitido manifestar as suas opiniões
subjetivas, sem restrição alguma; nem mesmo as Sagradas Escrituras Ihes
devem ser impostas como única fonte e padrão de fé que Jhes caiba gravar. O
velho princípio cristão de que na Igreja Cristã só se deve ensinar a Palavra de
Deus, é repelido como "escravização à letran, "coerção acadêmica indigna",
"nomofilia", etc, (Buchstabenknechtschafr, unwurdiger Lehrmng, gesetzticher
Geist, usw.). Contudo, esse reclamo por liberdade acadêmica está em franca
oposição às Escrituras Sagradas; é liberdade carnal e írnpia, já que compreende
plena liberdade de criticar, condenar e rejeitar a Palavra de Deus. É preciso
que se repudie a liberdade acadêmica que a Teologia racionalista moderna
cobiça, como anticristã e ateísta, porquanto insiste na sua emancipação de
Deus e de Cristo.
A verdadeira liberdade do cristão consiste em que foi liberto da própria
vontade sujeita ao pecado e se converteu em servo de Jesus Cristo. (Rrn 6.22):
"Agora, porém, libertados do pecado, transformados em servos de Deus." A
essência da verdadeira liberdade cristã é a lealdade, a obediência e a sujeição à
Palavra do Senhor. (Jo 8.31,32): "Se vós permanecerdes na minha Palavra, sois
verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade e a verdade vos
libertará." No momento em que o teólogo abandona a Palavra de Deus como
sua única fonte e norma, deixa de ser doulos Christou, para se converter em
servo de seres humanos. De maneira nenhuma, terá obtido a liberdade, mas
permutado o sagrado serviço de Cristo pelo cativeiro de opiniões, alvitres e
juízes humanos. Em vez de servir ao Mestre divino, serve a um mestre-de-
obras humano, mesmo que esse não passe do seu próprio coração carnal. O
quanto de errado há em o teólogo reclamar liberdade para ensinar as suas
opiniões subjetivas em lugar da infalível Palavra de Deus ficará evidente
quando considerarmos o que as Sagradas Escrituras ensinam a esse respeito.
a. A Palavra de Deus afirma que, até o fim dos séculos, a Igreja Cristã
só tem um Mestre, Cristo Jesus, o Filho de Deus. (Mt 23.8): "Vós,
porém, não sereis chamados mestres, porque um só é vosso Mestre,
e vós todos sois irmãos." Nas suas atribuições de único Mestre, Cristo
ordenou aos apóstolos que ensinassem todas as coisas que Ihes tinha
ordenado a todas as nações. (Mt 28.20) A Palavra divina do mesmo
Cristo, conforme escrita nas Escrituras pelos santos profetas e
apóstolos, constitui a única verdade salvadora, verdade que a Igreja
Cristã deve crer e proclamar. (G1 1.8): "Mas, ainda que nós, ou mesmo
um anjo vindo do céu vos pregue Evangelho que vá além do que vos
temos pregado, seja anátema." (Ef 2.20): "[Estais] edificados sobre o
fundamento dos apóstolos e profetas." Dessa maneira, a Sagrada
Escritura assevera, de modo positivo, que todo ensino na Igreja Cristã
não deve ser outra coisa, senão o ensino da Palavra de Deus. De
modo negativo, as Escrituras condenam o fornecimento de opiniões
Natureza e Conceito da iaologia

humanas em lugar da Palavra de Deus e qualificam de anticristos os


que teimam em ensinar doutrina diferente da que Cristo ensina na
Bíblia. (1 Jo 2.18): "[ ...I como ouvistes que vem o anticristo, também
agora muitos anticristos têm surgido."; v. 22; "Quem é o mentiroso,
senão aquele que nega que Jesus é o Cristo< Ele é o anticristo, o que
nega o Pai e o Filho." A exigência da Teologia racionalista moderna
de que se deva dar carta branca ao teólogo para apresentação da sua
própria Teologia é contrária às Escrituras.
b. Todos os cristãos receberam ordens claras de que só prestem ouvidos
a mestres que pregam a Palavra de Deus em toda a sua verdade e
pureza. Todos os que são desleais para com as "Palavras de nosso
Senhor Jesus Cristo" devem ser rejeitados como impostores,
ignorantes e inimigos da fé e devem ser evitados. (2 Jo 10): "Se alguém
vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em casa,
nem lhe deis as boas-vindas." (1 Tm 6.3,4): "Se alguém ensina outra
doutrina e não concorda com as sãs Palavras de nosso Senhor Jesus
Cristo, [...I é enfatuado, nada entende, mas tem mania". (Rm 16.17):
"Rogo-vos, irmãos, que noteis bem aqueles que provocam divisões e
escândalos, em descordo com a doutrina que aprendestes; afastai-
vos deles." Essas admoestações não são dirigidas apenas aos ministros
do Evangelho, mas também aos professores de Teologia, que foram
chamados a instruir os futuros mestres e pregadores da Igreja Cristã.
Também a sua vocação e profissão cristãs requerem deles que sejam
absolutamente fiéis à Palavra de Deus em todo o seu ministério de
instrução. (Jo 8.31,32)
As conseqüências desastrosas da liberdade acadêmica permitida aos
ministros e professores de Teologia estão aí a saltar aos olhos em todas as
igrejas em que tal liberdade tem andado em vigor. Encontram-se, nessas
denominações, como resultado dessa liberdade ímpia: 1) total confusão
doutrinária e infindáveis contendas acerca de problemas teológicos que
levaram essas igrejas a sofrer completo desmantelamento (p.ex. denominações
em que os modernistas e fundamentalistas se empenham em controvérsias
que nunca terminam); 2) negação absoluta das verdades cristãs básicas
ensinadas nas Sagradas Escrituras, como inspiração divina da Bíblia, a satisfação
vicária de Cristo, a justificação do pecador só pela graça, mediante a fé, a
ressurreição dos mortos, etc. A liberdade acadêmica redundou de imediato
em "Teologia progressiva", isto é, na emancipação da Teologia de acordo com
os padrões da razão humana e da ciência moderna, acabando por se transformar
completamente em antibíblica. O modernismo do presente, que é
conseqüência direta da liberdade acadêmica, constitui rebeldia contra a
Teologia cristã da Palavra de Deus e, conseqüentemente, repulsa ao
cristianismo bíblico.
Dogmática Cristã

O teólogo cristão rejubila-se de possuir a verdade divina conforme se


oferece nas Sagradas Escrituras, por meio da qual se libertou de todo engano
e erro. Esforça-se por dar a conhecer as verdades salvadoras de Cristo, o divino
Libertador dos pecadores aos seres humanos presos e perdidos no pecado.
Lealdade, obediência e sujeição à Palavra de Deus constituem, para ele, a
liberdade suprema, gloriosa e perfeita, que deverá conservar, guardar e defender
a todo preço. (Jo 8.36): "Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis
livres." Essa é a razão por que recusa tão energicamente a liberdade acadêmica,
que os teólogos incrédulos e infiéis reclamam para si.

TEOL~GICOS
19. SISTEMAS
A natureza peculiar da Teologia cristã deu origem a que se indagasse da
conveniência ou não de, no campo da Teologia, falar-se em sistemas teológicos.
A resposta a isso depende do sentido em que se emprega o vocábulo sistema.
A Teologia cristã é realmente u m sistema, pois apresenta u m todo perfeito ao
estudioso (ein abgeschlossenes Ganzes). É um sistema, por ser "a disposição
ordenada de partes e elementos n u m todo" ou " u m corpo da verdade
organizado". O único autor da Teologia cristã é o uno e verdadeiro Deus vivo,
o qual proclama a verdade divina no Antigo e Novo Testamentos, tanto por
Moisés como por Paulo, de maneira que as Escrituras Sagradas não apresentam
as idéias subjetivas de Moisés ou Isaías, Pedro ou Paulo ou João, etc. senão a
doutrina sagrada do próprio Deus. A doutrina da Escritura é, no todo e no
mesmo grau, doutrina divina (doctrina divina).
Bem assim, o artigo da justificação pela graça, por meio da fé em Cristo
forma, nesta doutrina divina afirmada de modo claro e infalível nas Sagradas
Escrituras, o ensinamento central para o qual os demais artigos conduzem
(articuli antecedentes) ou ao qual se reportam (articuli consequentes). (1 Co
2.2): "Decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado."
(At 20.27): "Jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus." Em toda
a pregação de Paulo que, segundo testemunho dele mesmo, abrangia "todo o
desígnio de Deus" para a salvação, a doutrina de Cristo crucificado pelos
pecados do mundo era básica e central.
Em vista dessa íntima conexão entre as diferentes doutrinas cristãs e o
seu ensinarnento central, e entre uma e outra, percebe-se que essa conexão
se revela t ã o estreita, que os erros que se registrarem n u m ponto,
inevitavelmente estarão também nos demais. Conseqüentemente, pode-se
chamar a Teologia cristã de sistema. Não será para assinalar apenas a unidade
absoluta de todo o corpo da verdade que empregamos o termo, mas para
marcar, também, a perfeita coerência das partes que o compõem. Lutero tem
razão, quando diz: "Em filosofia, um pequeno erro no princípio resulta, no
final, um erro do mais alto grau. Assim na Teologia, um pequeno erro destruirá
Natureza e Concetto da Teologia

a doutrina inteira. 'Pois a doutrina é qual ponto matemáf~co;não se pode,


pois, dividir, isto é, não pode tolerar nem diminuição nem acréscimo. Logo, a
doutrina deve ser como que um anel de ouro contínuo e redondo em que não
haja ruptura. Sobrevindo a menor ruptura, já o anel não estará inteiro." (S.
L., IX, 644s). Quem, por exemplo, erra com respeito à Santíssima Trindade,
forçosamente errará também quanto à divindade de Cristo; ou quem ensina
o sinergismo, não poderá ensinar a doutrina da graça divina em forma
inadulterada. Precisamente por isso que a Teologia cristã é u m sistema, ela
não permite uma só corruptela ou negação seja de qual for de suas doutrinas,
visto q u e qualquer corruptela de suas partes integrantes acarreta
necessariamente a destruição do sistema inteiro.
Não obstante, não se poderá chamar a Teologia de sistema no sentido
em que os sistemas humanos de ciência são chamados. Em ciência e filosofia,
u m sistema é "o conjunto ordenado de princípios e fatos logicamente
relacionados, dispostos de tal maneira que expressem a verdade em toda a
sua dimensão no respectivo setor". Nesse sentido, a Teologia cristã não é um
sistema; visto não ser construída pela razão humana à base de um determinado
princípio fundamental. O ser humano não é seu autor, porém Deus. Nela a
razão tem apenas função instrumental, e não magistral (usus itzstrumentalis,
non magisterialis). Ela não deduz ou demonstra as suas verdades de uma
determinada premissa ou princípio, simplesmente inculca as verdades escritas
na Bíblia, dando o devido relevo à doutrina essencial da justificação pela graça.
Em outras Palavras, a análise e síntese que o teólogo emprega, jamais
ultrapassam a Palavra de Deus. Onde quer que as Sagradas Escrituras
contenham lacunae ou omissões, igualmente o sistema do teólogo cristão
contém lacunae ou omissões. O verdadeiro teólogo ensina somente o que as
Escrituras ensinam. Seu sistema é apenas uma declaração e estabelecimento
da doutrina escriturística.
Esse é u m ponto da maior importância, e só enquanto o teólogo o
observar contínua e conscienciosamente, será preservado do erro fatal de
acrescentar à Palavra de Deus opiniões e doutrinas humanas, uma perversão
da doutrina cristã contra a qual as Escrituras advertem com muita seriedade.
O teólogo cristão retenha, pois, na mente, a verdade fundamental de que se
pode falar em elos que faltam no sistema de doutrina cristã, embora o sistema
esteja completo quanto aos objetivos da Palavra de Deus - a salvação dos
pecadores. Há, no entanto, questões não respondidas na Bíblia. Por exemplo,
as Sagradas Escrituras estabelecem da maneira mais relevante o sola gratia e a
universalis gratia; quer dizer, os pecadores se salvam somente por graça, e a
graça divina quer a salvação de todos os pecadores. Assim sendo, surge a
pergunta: "Por que, pois, nem todos os seres humanos se salvamCnA explicação
oferecida de que a diferença está nos seres humanos (aliquid discrimen in
homine), por serem alguns melhores que outros, é o mais negado
Dogmática Cristá

enfaticamente pela Palavra de Deus, que declara se acharem todos os seres


humanos por natureza em mesma culpa (in eadem culpa). (Rrn 3.22-24): "[ ...I
porque não há distinção, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus,
sendo justificados gratuitamente, por graça, mediante a redenção que há em
Cristo Jesus."
Com igual vigor, as Sagradas Escrituras negam também a explicação
calvinista de haver Deus predeterminado alguns para a condenação desde a
eternidade. Está claro que a Bíblia não responde à pergunta: Cur alii, alii nonL
Não significa que as Sagradas Escrituras não nos dêem nenhuma informação
concernente ao assunto que trata da salvação e condenação. Elas nos dizem
claramente que, se o pecador se salvar, será somente por graça, e que, se ele se
perder, será por culpa dele mesmo. Ainda assim, comparando dois pecadores
como Davi e Saul, ou Pedro e Judas, e inquirindo: "Por que u m foi salvo
enquanto que o outro não<" (Cur alli pune aliisL), a pergunta continua sem
reposta. Também não convém que o teólogo cristão tente responder à
pergunta, pois neste caso será obrigado a se socorrer da razão humana para
decidir sobre um assunto da revelação divina. As tentativas que se fizeram
para solucionar este ponto especial deram, ou em calvinismo - a negação da
graça universal; ou em sinergismo - a negação do sola gratia. O teólogo cristão,
porém, tem de sustentar tanto a universalis gratia como o sola gratia. É preciso,
pois, que se admitam lacunae, ou doutrinários "elos que faltam" no sistema
da doutrina cristã, conforme declara S. Paulo quando escreve: "[ ...I em parte,
conhecemos e, em parte, profetizamos". (1 Co 13.9) O teólogo cristão só
deve conhecer e ensinar em parte, isto é, somente assim como as verdades
divinas, que lhe cabe sugerir, vêm expostas com clareza nas Escrituras.
Conjuntamente com esse ponto, podemos tomar em consideração também
as seguintes verdades:
a. As Sagradas Escrituras, no total de suas partes, são a Palavra de Deus
divinamente inspirada e infalível, na qual o Senhor ensina ao ser
humano o único caminho para a salvação. O teólogo cristão nada
deve acrescentar a esse caminho da salvação, tão completo e perfeito,
tampouco deve diminuí-10. (Jo 10.35; 2 T m 3.16; 2 Pe 1.21; Jo 8.31,32;
Ap 22.18-21) Qualquer alteração da Palavra divina constitui
escândalo que ofende a Deus e expõe grave risco à salvação dos
pecadores, a qual Deus propôs, dando a sua Palavra aos seres
humanos.
b. A Teologia racionalista moderna nega os pontos fundamentais da
doutrina cristã pela simples razão de que rejeita a Palavra de Deus de
inspiração divina como única fonte e norma de fé. Trata de construir
seu próprio sistema unificado de ensinamentos (ein einheitliches
Ganzes) sobre o fundamento da "consciência cristã", experiência
cristãn, "razão regenerada", etc. Substitui, assim, o verdadeiro
Natureza e Conceito da Teologia
-

principium cognoscendi por u m falso padrão doutrinário e destitui as


Escrituras Sagradas de sua alta posição como a única autoridade em
religião. Para o teólogo racionalista, a Bíblia não passa de u m
"documento autêntico" da revelação divina, em que elementos
divinos e humanos se acham inconvenientemente misturados e do
qual a sua "mente esclarecida" tem de rebuscar as verdades que
deverão constituir o seu "sistema de Teologia". A Teologia racionalista
moderna recusa-se a identificar a Palavra de Deus com as Sagradas
Escrituras, porquanto considera que as Sagradas Escrituras apenas
contêm a Palavra de Deus. Esses teólogos sustentam que o critério
subjetivo do indivíduo é que deve decidir o que realmente seja a
Palavra de Deus ou verdade divina nas Escrituras Sagradas. É preciso
que se condene esse procedimento como crimen laesae maiestatis
contra o divino Senhor, como rebeldia contra a sua autoridade divina
estabelecida e como rejeição de sua Palavra. O resultado disso tudo
será confusão e perversão indescritíveis. Isso se evidencia do fato de
que o sistema panteísta de SchLeiermacher e o sistema moderno de
Ritschl, ambos construídos sobre a autoridade subjetiva da razão
humana, rejeitam o Evangelho de Cristo e propõem doutrinas que
lhe são totalmente opostas. A apelação dos teólogos racionalistas
para a "consciência cristã", a "experiência cristã" e coisas semelhantes
como fundamentos de sistemas da fé é mero pretexto para encobrir
o seu empenho ímpio em pôr as Sagradas Escrituras de lado e ensinar
a sua própria Palavra.
c. Ao desempenhar as suas funções de doutor da Igreja, o teólogo cristão
deve estar sempre lembrado de que todas as afirmações das Escrituras
são verdades infalíveis, que nada poderá destruir e, portanto, o seu
dever sagrado é apresentar essas verdades precisamente como se
acham contidas nas Sagradas Escrituras. Os sistemas de filosofia ou
de ciência são construídos pelo raciocínio humano à base de fatos
ou teorias. A Teologia cristã, porém, é uma ciência que o próprio
Deus, seu autor, apresenta completa e perfeita aos seres humanos;
inteiramente adequada à finalidade a que ele designou. Os seres
humanos, por isso, têm o dever de pregar a Palavra de Deus; não de
filosofar sobre ela. Devem ser pregadores da verdade, n ã o
demonstrantes dela. O teólogo cristão terá cumprido a sua missão,
se tiver anunciado, com clareza, as verdades sagradas que são
ensinadas por Deus nas Santas Escrituras. Nada mais se exige dele,
mas também, nada menos.
d. O trabalho de sistematização do teólogo cristão consiste unicamente
em colocar as diversas verdades divinas apresentadas nas Escrituras
Sagradas debaixo de títulos apropriados. Essas verdades são derivadas
Dogmárica Cristã

de textos-chave (sedes doctrinal), isto é, das passagens claras e


inequívocas em que tal ou qual doutrina vem registrada e não das
"Escrituras em globo" ou "o todo das Escrituras" (vom Schriftgdnzen).
Essa sistematização tem por objetivo apresentar "todo o desígnio de
Deus" ou ensinar cada uma das doutrinas que a Palavra de Deus
apresenta. Se o teólogo for além disso, se der as suas próprias opiniões
por doutrina da Palavra de Deus, já não será mais um teólogo cristão,
mas um falso profeta.
e. A acusação tão frequente de que Lutero mesmo desenvolveu as suas
doutrinas, em especial a doutrina da justificação pela graça, tem sua
refutação nas próprias declarações dele acerca desse ponto. De acordo
com a confissão que ele mesmo fez, o Reformador jamais operou
com a "Escritura in toto", senão com passagens da Escritura tão claras
e inequívocas, que suas doutrinas se firmavam sobre elas como sobre
rocha inexpugnável. Eis a razão de a Teologia de Lutero ser tão
profundamente escriturística. Ele não construiu nenhum sistema
doutrinário fora ou além da Palavra de Deus escrita, mas, em fé
singela, acolheu e ensinou as verdades divinas expostas de maneira
expressa nas sedes doctrinae das Sagradas Escrituras. Foi u m
sistematizador cujo sistema doutrinário se radicava por inteiro na
Palavra de Deus e era por ela governado. Escreve: "Certo é que aquele
que não crê fielmente ou não quer u m só artigo [...I, seguramente
não crê em nenhum a sério e com verdadeira fé. E quem tiver o
desplante de se dar a negar a Deus ou acusá-lo de mentira numa
Palavra [das Escrituras], e o fizer deliberadamente, [...I o tal se prestará
também para negar a Deus e acusá-lo de mentira em todas as suas
Palavras. Por isso, faz-se mister crer pura e simplesmente tudo por
completo ou não crer nada. O Espírito Santo não se pode separar ou
dividir de maneira a permitir que uma parte seja ensinada e crida
conforme a verdade e a outra erradamente." (S. L., XX, 1781)
f. Diga-se, em conclusão, que os sistemas teológicos racionalistas que,
pretensiosamente, se gloriam da harmonia e perfeição existentes
entre eles, n o final de contas n ã o passam de imperfeitos e
incompletos. Não pode ser diferente, visto que a razão humana é
incapaz de responder de maneira satisfatória aos supremos quesitos
próprios à esfera da revelação divina. A menos que Deus responda às
questões pertinentes aos grandes fatos do conhecimento espiritual,
jamais serão respondidas. Conseqüentemente, onde o Espírito Santo,
o infalível revelador das verdades divinas, houve por bem guardar
silêncio em assuntos doutrinários, a razão humana deve guardar
silêncio também. Os teólogos que se propõem construir inteiros
sistemas da verdade fundamentados na própria razão ou em sua
Natureza e Conceito da Teologia

Teologia subjetiva, cometem engano que não se pode perdoar e que


conduz à compIeta apostasia da Palavra de Deus, à incerteza em
assuntos espirituais e à confusão e contradição sem fim. Todos os
que se desviam das Escrituras, desviam-se da verdade em geral. 0 s
sistemas doutrinários que não são escriturísticos também não são
racionais. Para tanto, a história dos dogmas fornece abundante prova.

TEOL~GICOS
20. METODOS
Na apresentacão do material dogmático, os teólogos luteranos
empregam, em geral, dois métodos: o sintético e o analítico. O método sintético
vai da causa ao efeito, enquanto o analítico segue o caminho oposto, do
efeito à causa. Disposto sinteticamente, o agrupamento dogmático apresenta,
primeiro, Deus como causa e princípio de todas as coisas criadas; a seguir, os
meios pelos quais a humanidade pecadora e apóstata é reconduzida --- - à
comunhão com Deus e, por último, a gloriosa salvação obtida pelo crente.
Analiticamente, o material dogmático seria agrupado da seguinte maneira: A
salvação, como objetivo final do ser humano; depois, os meios pelos quais se
obtém a salvação e, por último, Deus como doador e autor da salvação.
O método analítico tem merecido a preferência dos teólogos mais atuais
da Igreja Luterana pela razão de que, sendo matéria prática, a Teologia deve,
em primeiro lugar, apresentar o alvo final do ser humano como pensamento
vital na doutrina cristã. No final das contas, porém, o agrupamento do material
dogmático é de pouca importância, enquanto se reconhecem as Escrituras
Sagradas como única fonte e padrão de fé, donde somente, o teólogo deve
extrair os seus ensinamentos. Se a doutrina é tomada de outra fonte que não
a Bíblia, um e outro método deixam de ser satisfatórios. Se o teólogo se
mantém leal para com a Palavra de Deus, ambos os métodos poderão ser
empregados com igual sucesso. Em última análise, não é o método de
apresentação do material teológico, mas a fidelidade às Escrituras que constitui
o primeiro requisito de um genuíno tratado de dogmática.
O método sintético foi, na Igreja Luterana, comumente empregado pelos
primeiros dogmáticos, como Melanchthon, Chemnitz, Hutter, Gerhard. O
método analítico era seguido por Dannhauer, Koenig, Calov, Quenstedt, Baier,
Holaz e outros. Ocasionalmente, "encontramos" uma combinação de ambos
os métodos. Passou-se a época em que se julgava um tratado de dogmática
pelo seu método, embora agora se dê preferência, talvez, a uma forma
modificada do método sintético. Todavia, o que é preciso que a Igreja Cristã
exija de todos os tratados de dogmática ou livros dogmáticos é uma
apresentação clara, profunda e prática das verdades escriturísticas. A única
Teologia que merece um lugar na Igreja de Cristo, é a Teologia cristã que Deus
mesmo deu nas Sagradas Escrituras. O teólogo cristão não ouse desviar-se um
Dogmática Cristã

mínimo que seja desse transcendente tesouro da verdade divina. Se o fizer,


estará sendo desleal para com o encargo que lhe foi confiado. No seu sistema,
os dois princípios distintos da fé cristã, o sola Scriptura e o sola gratia devem
ocupar posição elevada. Do contrário, toda a sua Teologia converter-se-á em
racionalista, pagã e destrutiva, uma desonra ao nome de Cristo e ameaça à
sua Igreja. Quod non est biblicum, non est theologicum. Todo dogma que não se
funde nesse axioma, não merece o nome de Teologia cristã.

TEOL~GICA
2 1. A AQUISIÇÁO DA CAPACIDADE
Os dogmáticos luteranos têm, com acerto, ressaltado a grande verdade
de que "o teólogo não nasce, mas é feito". (Theologus non nascituv, sed fit.)
Mediante esse axioma, pretendiam dizer que, por natureza, ninguém é teólogo
nem, por própria razão ou força, poderá vir a ser. A Teologia é capacidade
outorgada por Deus (theologia est habitus practicus theósdotos). Por conseguinte,
o Espírito Santo é quem fará u m teólogo da pessoa. A maneira como o Santo
Espírito efetua está descrita por Lutero na máxima famosa: Oratio, meditatio,
tentatio faciunt theologum. Essa é a melhor descrição da metodologia teológica
já exposta. Ela cita, de modo conciso, porém completo, todos os elementos
que cooperam na formação do verdadeiro teólogo.
Ela reconhece, antes de tudo, a necessidade da oração. A respeito da
oração vista como meio para se adquirir a capacidade teológica, Lutero escreve:
"Por isso, deves prontamente desesperar de teu próprio juízo e entendimento
- porquanto com estes nada arranjarás, senão que por tal arrogância te

precipitarás a ti e a outros contigo (como a Lúcifer sucedeu) aos abismos do


inferno; portanto ajoelha-te em tua recâmara e com verdadeira humildade e
fervor pede a Deus que por seu amado Filho te conceda o seu Espírito Santo,
que te ilumine, guie e dê entendimento." (S. L., XIV, 434ss) Que a oração
sincera e constante é fator indispensável na aquisição da capacidade teológica,
é fato comprovado, não apenas por todos os teólogos que serviram à Igreja
Cristã no espírito do seu Senhor, como também pela Escritura Sagrada. (Jo
15.7,8): "Se permanecerdes em mim, e as minhas Palavras permanecerem em
vós, pedireis o que quiserdes, e vos será feito. Nisto é glorificado meu Pai, em
que deis muito fruto; e assim vos tornareis meus discípulos." (16.24): "[ ...I
pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja completa." (Tg 1.5): "Se algum
de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e
nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida."
O segundo requisito na metodologia de Lutero é a meditação, ou estudo.
Sobre esta, escreve Lutero: "Deves, por outra, meditar, isto é, não fazê-lo
apenas no coração, senão que também exteriormente estudar e estudar, ler e
reler a Palavra oral e os vocábulos gráficos no livro, para com diligente atenção
e reflexão reconhecer o que o Espírito Santo pretende dizer com isso. E toma
Natureza e Conceito da Tèologia

cuidado para que te não enfasties ou penses que com uma ou duas vezes
leste, ouviste e disseste o suficiente e compreendes tudo à perfeição; porque
disso jamais sairá algum teólogo de valor, porém [os que não estudam] são
como fruto verde, que cai antes de amadurar a meio. Por isso, vês no mesmo
Salmo [I191 como Davi constantemente se gaba de que dia e noite e para
sempre há de falar, meditar, declarar, cantar, ouvir e ler, todavia nada que não
seja da Palavra de Deus e dos seus estatutos. Porquanto Deus não te quer dar
o seu Espírito sem a Palavra exterior, portanto segue esta regra; porque não
foi em vão que ordenou se escrevesse, pregasse, lesse, ouvisse, cantasse,
declarasse com Palavras exteriores." Por meditação, Lutero entende o estudo
perseverante das Sagradas Escrituras como pura e infalível Palavra de Deus,
mediante a qual o Espírito Santo, não só converte e santifica os pecadores,
porém ainda habilita o teólogo para a realização da obra de u m verdadeiro
mestre cristão no temor de Deus, mediante a qual lhe confere a capacidade
teológica. É claro que tal estudo perseverante da Palavra de Deus é também
ordenado nas Sagradas Escrituras. (1 T m 4.13): 'Até à minha chegada, aplica-
te à Leitura." v. 15: "Medita estas coisas, nelas sê diligente, para que o teu
progresso a todos seja manifesto." (6.20): "Ó Timóteo, guarda o que te foi
confiado, evitando os falatórios inúteis e profanos, e as contradições do saber,
como falsamente lhe chamam."
Com referência à tentacão vista como meio pelo qual o Espírito Santo cria
ou incentiva a capacidade teológica, Lutero escreve: "Como terceiro, há aqui a
tentatio, as provocações [Anfechtung]. É o cadinho; não só te faz saber e
compreender, mas também provar o quão justa, o quão verdadeira, o quão doce,
o quáo agradável, o quáo poderosa, o quáo consoladora a Palavra de Deus é -,
sabedoria superior a toda sabedoria. Vês, por isso, como no referido salmo Davi se
queixa tanto de toda sorte de inimigos, de príncipes ou tiranos infames, de falsos
espíritos e facções que deve aturar por isso que medita, isto é, se ocupa com a
Palavra de Deus (como dito) de diferentes maneiras. Pois mal que medrou a Palavra
de Deus por teu intermédio, já o diabo te estará nos calcanhares, fazendo de ti
um doutor de verdade e pelos seus assaltos te ensinando a procurar a querer bem
a Palavra de Deus. Pois eu mesmo (ainda faltava o João Ninguém meter-se entre
os doutores) tenho muito que agradecer aos meus papistas, por me haverem
dado tantos sopapos, trazido em tão grande aperto e terror com os assomos de
fúria do diabo, o que vale dizer, por me haverem feito um teólogo de algum
mérito, ao que doutro modo não teria chegado."
Conforme diz Lutero aqui, toda a sua Teologia nasceu das provações e
tormentos, que o compeliram a buscar fortalecimento e conforto nas
Escrituras Sagradas. E Lutero curtiu provações que vieram tanto de dentro
como de fora. Primeiro se viu atormentado por tentationes dentro do coração.
Antes que viesse a ser u m teóloyo cristão, foi torturado pela agonia de uma
consciência aflita, produto de sua insistência na justiça das obras como meio
de obter o perdão. Foi, por fim, libertado desse estado de temor e angústia
pelo conhecimento e a compreensão do bendito Evangelho, pelo qual
realmente ficou conhecendo "o quão verdadeira, o quão doce, o quão agradável,
o quão poderosa, o quão confortante a Fdavra de Deus é". Quando começou
a proclamar o Evangelho de Cristo em sua pureza e verdade, acometeram-no
provações de fora. Foi acusado de herege e cismático, não somente pelos
romanistas, mas também pelos entusiastas d o seu tempo, de sorte que
novamente se viu compelido a "procurar e querer bem a Palavra de Deus".
Dessa forma, ficou tão consolidado na verdade divina e tão compenetrado
dela que podia dizer: "Aqui estou, não posso de outra maneira!" Assim as
provações, ou tentationes, fizeram de Lutero um "teólogo de algum mérito7'
porque o constrangeram a trazer sua esperança ancorada unicamente na
Palavra de Deus. Desse modo, cada cristão que aspira a tornar-se um teólogo
de verdade, tem de procurar e estudar as Sagradas Escrituras, a elas se
prendendo, até que passe a considerá-la "sabedoria superior a toda sabedoria".
Lutero conclui as suas observações em torno do seu famoso axioma
com as Palavras: "E [seguindo a norma de Davi apresentada no salmo 1191
perceberás como te parecerão insípidos e sem valor os livros dos padres, também
não só desprezarás os livros dos adversários, mas em ti mesmo terás sempre
menos prazer quer escrevas, quer ensines. Se a este ponto chegaste, então
podes ficar descansado na esperança de que já estás a caminho de te tornares
um teólogo legítimo, que não só a cristãos jovens e indoutos poderá ensinar,
como também aos cristãos adiantados e bem-instruídos; porquanto a Igreja
de Cristo encerra cristãos de todo tipo, jovens, velhos, fracos, enfermos, sadios,
robustos, vivazes, ociosos, parvos, sábios, etc. Se, porém, sentes ou presumes
estar de fato a bom caminho de sê-10, e te sentes lisonjeado com teus livretes,
ensinamentos ou escritos, como se o houvesse feito magnificamente e pregado
de maneira brilhante, sendo ainda do teu agrado que na presença de outros se
teça teu louvor, talvez mesmo queiras ser elogiado, do contrário te cobririas
de tristeza ou desistirias de tudo. Se és deste calibre, meu caro, então leva a
mão às tuas próprias orelhas, e, pegando bem, hás de dar com belo par de
grandes, longas e ásperas orelhas de burro; anda, pois, e arrisca mais alguns
vinténs e adorna-te com guizos de ouro, a fim de que, onde quer que passes,
possam ouvir-te, apontar para ti com o dedo e dizer: Vede, vede, ali vai o belo
espécimeme que livros tão primorosos sabe escrever e sabe pregar com tanta
mestria! Então te julgarás no céu, feliz e para lá de feliz; sim, naquele céu em
que para o diabo e os seus anjos foi preparado o fogo do inferno! Em suma,
saiamos atrás de vanglória e sejamos arrogantes, sempre que o possamos.
Neste Livro, a glória só cabe a Deus, e lhe diz: Deus superbis resistit, humilibus
autem dat gratiam. Cui est gloria in secula seculorum. Amen."
A ênfase que Lutero empresta à humildade considerada como requisito
do verdadeiro teólogo, tem certamente razão de ser, uma vez que o Espírito
Natureza e Conceiro da Teologia

Santo só está presente com seus dons santificadores e mantenedores no


coração contrito, humilde. Deus confere a graga da verdadeira Gol&
somente ao humilde.
ESCRITURASA ÚNICA
1. As SAGRADAS -
FONTEE NORMA
DE F É
A Igreja Cristã é muito mais velha que as Escrituras Sagradas, isto é,
existia muito antes de Deus ter dado a sua Palavra escrita aos seres humanos;
pois Deus, até a época de Moisés, chamou e conservou a sua Igreja mediante
ensino oral (viva voce). A Igreja Cristã teve início imediatamente após a queda
em pecado, quando Deus proclamou à humanidade perdida a salvação pela fé
na semente da mulher, que viria destruir as obras do diabo. Quando penitentes,
Adão e Eva creram no Proto-Evangelho. (Gn 3.15) Esse método de promulgação
de sua Palavra, Deus o reteve até a época em que chamou Israel do Egito,
fazendo-o seu povo eleito, ou seja, sua Igreja. (Gn 4.26; 13.4; 20.4; At 10.43.
Êx 17.14; 24.4,7; etc)
Contudo, depois de haver ordenado aos seus profetas que pusessem a
sua Palavra por escrito, a sua Igreja se viu presa à Palavra escrita, e não se
permitia que se acrescentasse ou tirasse alguma coisa da Bíblia. (Dt 4.2; 12.32;
Jo 1.7; 23.6) Para a Igreja do Antigo Testamento, as Escrituras proféticas
constituíam cânon fixo a que só Deus podia fazer acréscimo. (Jo 5.39; Lc
16.29) Ao tempo do Novo Testamento, Deus acrescentou os sagrados escritos
dos apóstolos às Escrituras dos profetas para que, reunidos, esses livros
formassem o fundamento inerrante sobre o qual a sua Igreja está edificada.
(EF 2.20; 1 Pe 1.10-12)
Com as revelações de Cristo e dos seus apóstolos, o cânon escriturístico
agora está completo, pelo que a Igreja Cristã não deve procurar novas revelações
de Deus. (Jo 17.20; Ef 2.20; Hb 1.1-3) Lutero escreve com muita exatidão:
"Tal nos é lícito fazer: que, sendo também santos e tendo o Espírito Santo,
nos gloriamos de ser catecúmenos e discípulos dos profetas, repetindo como
repetimos a letra e pregamos o que dos profetas e apóstolos ouvimos e
aprendemos e que também certos estamos de que os profetas o ensinaram.
'Filhos dos profetas' são no Antigo Testamento chamados aqueles que, à
semelhança do que fazem os profetas, nada de próprio nem de novo estatuem,
mas ensinam o que dos profetas receberam." (S. L., 111, 1890)
Quanto à pergunta sobre onde possa a Igreja do Novo Testamento achar
infalivelmente a Palavra dos apóstolos, eles mesmos nos indicam os seus
escritos sagrados e nos dizem que aquilo que proclamaram oralmente é o
mesmo que escreveram nas suas Sagradas Escrituras. (1 Jo 1.3,4; 2 Ts 2.15)
Apesar de não haverem posto por escrito tudo quanto ensinaram oralmente,
A Doutrina dds Sagradas Escrituras

mesmo assim, nos seus escritos, se acha, em abundância, tudo o que se requer
para a salvação, porque registraram o divino conselho da salvação mediante a
fé em Cristo Jesus com muita fidelidade. (Jo 21.25; Fp 3.1) Os santos apóstolos
insistiram contra todos os que, na época, trabalhavam em erro, que se
considerasse a Palavra escrita a única fonte e norma de fé. Exigiram, também,
que todos os que se consideravam profetas seguissem os mandamentos do
Senhor conforme expostos nos seus escritos. (1 Co 14.37,38; 2 Ts 2.2) Paulo
subscreveu, de próprio punho, as duas epístolas, a fim de que se diferençassem
das epístolas apostólicas espúrias. (2 Ts 3.17) Desse modo, tanto os profetas
como os apóstolos atestam que as Escrituras Sagradas, ou a Palavra de Deus
escrita, são a única fonte e norma de fé e vida, o verdadeiro principium
cognoscendi (Schrifiprinzip).
Essa verdade fundamental tem sido negada de vários modos. Tem-se
anulado o princípio de que as Escrituras são a única fonte e norma de fé, pela
substituição da Palavra de Deus por ensinamentos diferentes.
a. Em substituição às Escritúras, tomou-se a raziio humaua. Por razão
humana, entendemos tudo o que o ser humano sabe acerca de Deus
e das coisas divinas fora da Bíblia ou, simplesmente, o conhecimento
natural do ser humano acerca de Deus. Esse conhecimento natural
de Deus não pode ser fonte da fé do ser humano, visto limitar-se à
Lei e suas ordenações. (Rm 1.20,21,32; 2.15) Ele não inclui o
Evangelho de Cristo, ou a mensagem da reconciliação pela satisfação
vicária do Filho de Deus encarnado, mediante a qual somente, os
pecadores podem ser salvos. (1 Co 2.6s; Rm 1.6) Todo o que fizer da
razão humana norma da fé, comete a falácia lógica de metábasis eis
alio genos e se exclui da Igreja Cristã, pois porá a própria sabedoria
falível como substituta da verdade divina. A razão rejeita a salvação
gratuita de Deus que é oferecida no Evangelho. A Igreja Cristã repudia
todas as formas de racionalismo, unitarismo e modernismo, que
julgam a razão humana como fonte de fé. Condena, também, os
que propõem isso, porque os considera fora da órbita da Igreja (extra
ecclesiam).
Com razão humana, designamos, também, os meios pelos quais o ser
humano percebe e pensa. E o chamado uso ministerial da razão (usus rationis
misterialis, ouganicus), completamente diverso do seu uso magistral (usus
rationis magisterialis). A razão, nesse sentido, ocupa lugar legítimo e necessário
na Teologia, visto que o Espírito Santo implanta e mantém a fé salvadora
mediante a Palavra de Deus que é recebida na mente humana. (h 1014-1z
Jo 5.39; Mt 24.15; Lc 2.19) Pertence ao uso ministerial da razão, também, o
estudo das línguas em que a Sagrada Escritura foi escrita e, em particular, o
estudo da lógica e da gramática, porque o Espírito Santo, dando a Palavra de
Deus aos seres humanos, decidiu acomodar-se às Leis do pensar e falar humanos.
Dogmática Cristã

Lutero observa aqui que Deus "se fez ser humano" nas Sagradas Escrituras
(Scriptura Sacra est Deus incarnatus). Nesse mesmo sentido, os dogmáticos
luteranos dizem que a "Teologia tem de ser gramatical" (theologia debet esse
grammatica), isso quer dizer que, sendo da vontade do teólogo entender as
Escrituras, deve respeitar as Leis fixas que governam o falar humano. Lutero
insistiu tanto nessa verdade, que foi ao ponto de sustentar que todo aquele
que erra gramaticalmente, pode errar também na sua Teologia.
Fazendo distinção entre os usos ministerial e magistral da razão, os
nossos dogmáticos também decidiram a pergunta sobre se a Teologia cristã e
a razão humana, ou a verdade cristã e a filosofia humana realmente se
contradizem. Afirmavam que, sendo a verdade sempre a mesma, tal
contradição só poderia ocorrer, caso a razão depravada se imaginasse árbitro
em assuntos que ficam além dos seus domínios específicos. Com respeito aos
artigos de fé, asseguravam que os mesmos não são r;ontrúrios à razão, mas
apenas superiores a ela e que, se aparentemente contradizem a razão, isso
ocorre apenas pelo fato de a razão ser corrompida ou depravada, que tem por
fim a falsidade e inimizade contra Deus.
Em todo o caso, o teólogo cristão tem de contar com que a guerra entre
a Teologia e a razão depravada, ou a falsamente chamada ciência, há de
continuar, porque, a partir da queda em pecado, o ser humano se manteve
em inimizade contra Deus (Rrn 8.7) e considera loucura a essência da religião
cristã, o Evangelho de Jesus Cristo. (1 Co 2.14) Em conseqüência do seu ódio
natural contra Deus e as coisas divinas, sentimento que se revela sempre
através de orgulhosa e arrogante rejeição da sua Palavra, o ser humano natural
jamais deixará de fazer oposição à verdade divina à base de seu próprio suposto
saber. Os filósofos incrédulos e cientistas ateus hão de acusar sempre a
Escritura de ensinar falsidade. (evoluçáo ateística) Gerhard está inteiramente
com a razão, quando diz (11, 371): "Temos de fazer distinção entre a razão
anterior e a posterior à queda em pecado. A primeira, como tal jamais se opôs
à revelação divina; já esta última se tem oposto com freqüência por influência
da corrupção."
b. Tem-se substituído a Palavra de Deus pela razão iluminada, que é
ainda conhecida por "consciência cristã", "experiência cristã",
"convicção cristã", "certeza cristã", etc. Certo é que todo crente em
Cristo possui mente iluminada; todavia, como cristão, jamais insiste
em sua razão iluminada como fonte e norma de fé, uma vez que
deve a sua iluminação inteiramente ao poder vivo da Palavra de Deus
(Rrn 16.16) e ele sabe que sua razão retorna de pronto à ignorância
espiritual, tão logo se desvie do Evangelho iluminante de Cristo. Por
conseguinte, a si mesmos se enganam todos os que arvoram a mente
iluminada em principium cognoscendi fora das Escrituras. Seu próprio
desejo de entronizar a sua razão "iluminada" como juiz da fé procede
A Doutrina das Sagradas Escrituras

da sua razão não-iluminada, ou do seu orgulhoso entendimento


carnal. (1 Tm 6.3-5) A razão, quando iluminada pelo Espírito Santo
mediante a Palavra, jamais tem a presunção de julgar as Escrituras,
mas concorda com a Palavra de Deus em todas as coisas e se ufana
dos seus ensinamentos sagrados. (Jo 8.31,32; 2 Co 10.4,s; 1 Co
1.18,24) Lutero escreve com muito acerto: "O Espírito Santo não
opera sem a Palavra nem antes da Palavra, mas vem com a Palavra e
por ela e não vai além da Palavra." (S. L., XI, 1073)
c. O conteúdo geral das Escrituras ("das Schriftganze" "a Escritura in
totum"). Os que advogam esta teoria, sustentam que não se devem
extrair os artigos de fé cristãos de passagens bíblicas que versam sobre
doutrinas individuais (sedes doctrinae, dicta probantia), mas da Bíblia
em seu todo. SchLeiermacher, que primeiro propôs tal ponto de vista
errôneo, deu-lhe o nome de das Scrifiganze, ou Escritura in totum. Os
teólogos racionalistas concordaram prontamente com a proposição
de SchLeiermacher. Cabe-nos, porém, repudiá-la como vulgar, pois
o todo de alguma coisa abrange, necessariamente, todas as suas partes
integrantes. É doutrina antiescriturística, porquanto Cristo e os seus
apóstolos refutavam esse erro, fazendo referência a diversas passagens
da Escritura. (Mt 4.4,7,10; Rm 1.17; 1 Co 10.7-10; G1 4.22s~)A
alegação de ScLeiermacher de que "a citação, na dogmática, de
passagens bíblicas isoladas é coisa precaríssima, em verdade, coisa de
per si inadequada" (Glaubenslehre, I $ 30) foi apenas pretexto para
justificar o seu método antiescriturístico de derivar as verdades
teológicas da "piedosa consciência de si mesmo". As Escrituras
declaram acerca de todo teólogo que repudia as doutrinas sagradas
registradas na Palavra de Deus: "Se alguém não se conforma com as
Palavras de nosso Senhor Jesus Cristo, é orgulhoso, e nada sabe, mas
delira acerca de questões e contendas de Palavras." (1 Tm 6.3,4)
d. A Igreja, em particular as decisões dos concílios da Igreja, os sínodos, os
papas, etc., substituem, para muitos, a Palavra de Deus. Conforme
as Sagradas Escrituras, porém, a Igreja Cristã não dispõe de nenhuma
autoridade para ensinar qualquer doutrina ao lado e além da Palavra
de seu Mestre Jesus Cristo, escrita nos escritos dos seus profetas e
apóstolos. (Mt 23.8,10; 28.20; Jo 17.20; Ef 2.20; 1 Pe 1.10-12) A
Igreja não pode, por conseguinte, ser considerada juiz da fé, mas lhe
compete, segundo a vontade do seu Senhor, funcionar até o fim dos
tempos unicamente na qualidade de arauto ou mensageiro da Palavra
de Deus. (Jo 8.31,32) Toda vez que a Igreja apresenta doutrina de
próprio Fabrico, ela repudia o princípio das Escrituras e incorre na
condenação de Cristo: "Em vão me adoram, ensinando doutrinas
que são preceitos de seres humanos." (Mt 15.9) O "consenso da
Dogmática Cristã

Igreja" (consensus ecclesiae) não consiste no que doutores cristãos


tenham opinado em torno deste ou daquele ponto doutrinário, mas
naquilo que eles declaram verdade divina à base da Escritura, em
conformidade com o testemunho dos profetas e apóstolos. Conforme
as Escrituras Sagradas, todos aqueles que rejeitam os ensinamentos
da Palavra de Deus são anticristos (1 Jo 2.22), dentre os quais o mais
perverso é o grande Anticristo, "o qual se opõe e se levanta contra
tudo que se chama Deus, ou objeto de culto, a ponto de assentar-se
no santuário de Deus, ostentando-se como se fosse o próprio Deus."
(2 1 s 2.3,4) A declaração da infalibilidade papal (1870) deve ser
considerada blasfêmia intolerável e rebelião anticristã contra Deus.
Em vão os teólogos papistas citam M t 16.18 como prova de que a
Igreja, em especial o papa, não pode errar; porquanto Cristo promete
a sua presença mantenedora à sua Igreja somente sob a condição de
que a mesma, "até à consumação do século", ensine "todas as coisas
que vos tenho ordenado". (Mt 28.20) Enquanto a Igreja se mantém
dentro da Palavra de Cristo, não pode errar. Tão logo, porém, se desvie
da Palavra divina, só pode errar, pois, nesse caso, não tem outra fonte
onde vá beber além da razão orgulhosa, depravada.
No que respeita ao testemunho da Igreja Cristã, é preciso que se evitem
dois extremos: por um lado, não se deve subestimar ou repeli-lo como sem
valor; por outro lado, estimá-lo em demasia, como se ele fosse, por si, principium
cognoscendi. A Fórmula de Concórdia estabelece corretamente a questão: "Cremos,
ensinamos e confessamos que a única regra e padrão pelos quais se devem
avaliar e julgar todos os dogmas conjuntamente com todos os doutores, são as
Escrituras proféticas e apostólicas do Antigo e Novo Testamentos somente.
[...I Escritos outros, porém, de doutores antigos ou modernos, tenham eles o
nome que tiverem, não se devem considerar num mesmo plano com as Sagradas
Escrituras, mas todos conjuntamente se devem sujeitar às mesmas, não se os
aceitando de outro modo ou daqui por diante, senão como testemunho do
modo em que depois da época dos apóstolos foi esta doutrina [pura] dos profetas
e apóstolos conservada, e dos lugares em que tal sucedeu." (Epítome, Triglotta,
p.777. cf. a distinção entre a norma normans, sc., Escritura, e a norina normata,
sc., as Confissões da Igreja). Pelo que tange ao chamado "consenso dos padres"
(consensus patrnm, isto é, a concordância dos padres da Igreja), Quenstedt mostra
que não existe; pois muitos dos escritos dos doutores da Igreja antiga se perderam,
e "o consenso de alguns poucos padres não pode ser aceito por consenso de
toda a Igreja". (cf. a definição de consensus patrum que dá Vicentius de Lerinum:
"Quod ubique, quod sempev, quod ab omnibus creditum est", o que é praticamente
sem valor.)
e. Revelações particulares (revelationes immediatae, revelationes novae).
Revelações particulares são doutrinas novas que Deus daria a
A Doutrina das Sagradas Escritur~zs

determinados indivíduos para explicar, corrigir e completar as Sagradas


Escrituras. Mesmo n o tempo dos apóstolos, surgiram fanáticos
afirmando haverem recebido revelações particulares. (1 Co 14.37; 2
Ts 2.2) Na sua esteira, seguiram, no segundo e quarto séculos, os
montanistas e donatistas. No tempo da Reforma de Lutero, os
"profetas celestiaisn, anabatistas e suencfeldianos rejeitaram a
"Palavra exterior" e, em lugar dela, deram maior peso à "Palavra
interior", pondo a nódoa de "servidão da letra" (Buchstabendienst) à
obediência às Escrituras. Nos tempos modernos, a Igreja Cristã tem
de lutar contra o fanatismo de organizações religiosas, tais como os
quacres, suedenborgianos, irvingianos e outros. Afora esses
sonhadores, também tem de fazer oposição àqueles que separam a
operação do Espírito Santo da Palavra das Escrituras e confiam em
revelações particulares para norma da sua fé.
a. Os romanistas, que atribuem aos seus papas o carisma do ensino
infalível fora e além das Escrituras. Em Os Artigos de Esmalcalde,
Lutero escreve com respeito ao papado: "Não passa, pois, o papado
de mero entusiasmo, pelo qual se jacta o papa de que todos os direitos
se abrigam n o escrínio do seu coração, e que tudo o que decide e
ordena dentro da Igreja, é espírito e direito, mesmo então quando
esteja acima das Escrituras e da Palavra falada e a ela contrário seja."
(Parte 111, Art. VIII, 4)
b. Os calvinistas ensinam que a ação do Santo Espírito sucede de modo
imediato, isto é, fora e à parte da Palavra. (Hodge: "A graça eficaz age
de modo imediato.")
c. Todos os modernos teólogos racionalistas, que negam serem as Escrituras
Sagradas a inerrante Palavra de Deus, se propõem extrair a doutrina
cristã da sua "piedosa consciência de si mesmos", sua "experiência
cristã" e coisas semelhantes. Igualmente, acusam a lealdade para com
a Escritura de "Teologia da letra", intelectualismo", "biblicismo", etc.
O resultado do entusiasmo em religião é sempre o mesmo, não importa
se praticado pelos papistas, calvinistas ou racionalistas modernos,
como bem ressalta Lutero em Os Artigos de Esmalcade, onde escreve:
"Em Adão e seus filhos o entusiasmo é inerente desde o princípio (a
partir da primeira queda) até o fim do mundo, tendo (o seu veneno)
sido implantado e inoculado neles pelo velho dragão, e ele é a origem,
o poder (vida) e a força de toda heresia, especialmente a do papado e
do maometismo." (Parte 111, Art. VIII, 9). Lutero diz com referência às
pretensões piedosas dos entusiastas: "Tal coisa apregoam com o único
fito de nos conduzirem para fora das Escrituras e a si mesmos se
arvorarem em mestres sobre nós, a fim de que lhes creiamos as
pregações quiméricas." (S. L., V, 334ss)
Dogmática Cristã

Na sua Palavra, que mantém todos os cristãos ligados às Sagradas


Escrituras como única fonte e norma de fé (Jo 17.20; Ef 2.20), está
definitivamente decidida a pergunta sobre se Deus se digna revelar novas
doutrinas fora e à parte da Bíblia. Todas as revelações divinas culminam em
Cristo Jesus, a Luz e Salvador do mundo. Os profetas, no Antigo Testamento
apontaram para sua futura vinda, e os apóstolos testificaram da sua
encarnação, padecimento, ressurreição, ascensão e do seu assentar à direita
do Pai. Uma vez que se cumpriu o ministério profético e sacerdotal de Cristo
(Jo 1.18), os seres humanos não requerem nenhuma outra revelação para sua
salvação, porquanto, nos escritos dos profetas e apóstolos, cada doutrina está
amplamente provida. (Rm 16.17; 1 T m 6.3s; Lc 16.29-31) 0 s dogmáticos
luteranos, com muita exatidão, teceram o seguinte comentário com referência
às "novas revelações" dos entusiastas: "Ou bem elas contém o que já as
Escrituras ensinam e, neste caso, são supérfluas; ou bem propõem
ensinamentos contrários à Bíblia e, neste caso, são injuriosas e devem ser
repelidas."
d. Investigação histórica. Rejeitando o caráter histórico do Novo
Testamento, os modernistas afirmam que devem ir além das
Escrituras, para descobrir a verdadeira identidade do "Cristo histórico"
e o que ele de fato ensinou. Para satisfazer esse intuito, submetem
os apontamentos dos evangelistas a escrutínio crítico à luz da religião
comparada. O "Cristo histórico" que eles obtêm, por esse processo,
vem despido de todos os atributos sobrenaturais, e a sua doutrina,
de todos os elementos sobrenaturais. Fazem dele mero ensinador
humano, cujas doutrinas são pouco mais do que um código ético.
Em contraposição a esse método imprudente, os seguidores de Cristo
declaram que a "revelação histórica do caminho da salvação se
encontra unicamente na Bíblia" e que, na afirmação correta de
Lutero, "fora da sua Palavra e sem a sua Palavra nada sabemos de
Cristo, muito menos ainda da opinião de Cristo. Porquanto o 'Cristo'
que nos transmite a sua opinião sem que seja por sua Palavra, é o
abominável demônio do inferno, que se chama pelo santo nome de
Cristo e debaixo dele vende a sua peçonha infernal." (S. L., XVII,
2015) Está provada a veracidade dessa afirmativa pelos resultados
efetivos da moderna escola histórico-crítica de Teologia. Enquanto
repele todas as verdades sagradas expostas na Bíblia, é incapaz de
construir um sistema doutrinário satisfatório que possa confortar o
pecador na sua miséria espiritual. As suas influências têm-se revelado
apenas destrutivas, jamais contêm algum auxílio.
A razão disso é evidente. Todo aquele que repudia as Sagradas Escrituras
como verdadeiro principium cognoscendi, é forçado a tirar a sua doutrina do
seu entendimento depravado e coração carnal, o qual, quando muito, apenas
A Doutrina das Sagradas Escrituras

conserva uma noção imperfeita da Lei divina originalmente gravada na


consciência humana. Assim, o ser humano natural, por não saber praticamente
nada acerca do Deus verdadeiro e de sua salvação gloriosa pela fé em Cristo,
é compelido a ver na opinio legis, isto é, na salvação mediante as boas obras, o
mais alto preceito religioso. Toda rejeição da Palavra de Deus acaba em
agnosticismo ou ateísmo. Quem está sem a Palavra de Deus, está eo ipso,
também, sem Deus e sem esperança. (Ef 2.12)

2. As SAGRADAS - A PALAVRADE DEUS


ESCRITURAS
Ao contrário de todos os demais livros no mundo, a Bíblia é a Palavra de
Deus. Bem como os escritos de Platão são a Palavra de Platão, e os de Cícero
são a Palavra de Cícero, da mesma forma as Escrituras do Antigo e Novo
Testamentos, do princípio ao fim, são Palavras do próprio Deus. Isto não é
uma "construção dogmática", segundo alegação dos teólogos racionalistas,
mas conforme o testemunho de Deus mesmo, fornecido nas Escrituras. Os
fiéis cristãos,. por conseguinte, não só afirmam que a Bíblia contém a Palavra
de Deus, mas que é a Palavra de Deus, o que significa que "Sagrada Escritura
e Palavra de Deus são termos permutáveis".
As Sagradas Escrituras são, pois, livro único no gênero; porquanto não
são relato humano nem divino-humano de "fatos revelados atinentes à
salvação", mas a própria Palavra de Deus inspirada e inerrante. Os livros de
autores cristãos contêm a Palavra de Deus somente enquanto esses escritores
extraírem o que escrevem, da Bíblia. A Escritura, porém, não pertence a essa
categoria de escritos, mas figura numa categoria à parte. Essa foi a atitude de
Lutero frente A santa Bíblia e é, também, de todo cristão, que subscreve o
que Lutero escreve acerca disso: "Deves ocupar-te das Sagradas Escrituras de
modo tal que venhas a pensar como Deus mesmo fala." (S. L., 111, 21) O
reformador declara a mesma verdade, quando diz: 54s Sagradas Escrituras não
nasceram na terra." (S. L., VII, 2095)
Também cristãos sinceros, vez que outra, esquecem essa verdade
suprema por Deus nos falar nas Escrituras, não só em termos simples de
emprego comum, mas ainda sobre assuntos bem triviais, sobre coisas que
dizem respeito aos problemas de nossa vida terrena. Do mesmo modo como
o próprio Cristo, em sua passagem na terra, tornou-se em semelhança de
seres humanos e foi reconhecido em figura humana. (Fp 2.7,8) Alguns creram
que Jesus fosse "João Batista, outros Elias; e outros, Jeremias ou um dos
profetas". (Mt 16.14) De igual modo, também, a Palavra de Deus vem
registrada nas Sagradas Escrituras na linguagem humana e ajustada às nossas
necessidades terrenas comuns. Lutero adverte todos os crentes:
"Encarecidamente peço e advirto todo cristão piedoso que se não escandalize
com a linguagem e narração singelas que muitas vezes o defrontarão, que,
Dogmática Cristã
pelo contrário, não duvide de que, por mais insignificantes que pareçam, são
puramente Palavras, obras, juízos e narrações da excelsa majestade, poder e
sabedoria divinos. Porquanto essas são as Escrituras, que tornam loucos a
todos os sábios e unicamente aos pequeninos e aos simples se revelam, como
o diz Cristo em M t 11.25. Deixa, pois, de tua arrogância e presunção e a estas
Escrituras considera o mais excelso, o mais nobre santuário, a mais rica jazida
que jamais se pode explorar o bastante, a fim de que possas encontrar a
sabedoria divina que Deus com tanta simplicidade e singeleza aqui te apresenta
para a todo orgulho abalar." (S. L., XIV, 3ss) Apesar de sua singeleza,
identificamos as Sagradas Escrituras com a Palavra de Deus e a declaramos
Palavra de Deus do princípio ao fim e em todas as suas partes. Ao fazer isso,
seguimos as instruções do próprio Deus que nos são dadas nas Escrituras;
pois ao estudarmos este Livro Sagrado, deparamos:
a. O fato de que as Escrituras do Antigo Testamento são, no Novo
Testamento, direta e absolutamente como Palavra de Deus. Assim
lemos em M t 1.22,23: "Tudo isto aconteceu, para que se cumprisse
o que fora dito pelo Senhor por intermédio do profeta [Is 7.141: Eis que a
virgem conceberá e dará à luz u m filho". Em M t 2.15, lemos: "[ ...I
para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor por intermédio do
profeta [Os 11.11: Do Egito chamei o meu Filho." Em At 4.25,26, são
citadas as Palavras do SI 2.1,2 como ditas por Deus "por boca de Davi,
teu servo". At 28.25ss, cita as Palavras de 1s 6.9,10 como Palavras
que "falou o Espírito Santo a vossos pais por intermédio do profeta
Isaías". Em Hb 3.7ss, deparamos uma citação do SI 95.7ss, com o
expresso reparo: "como diz o Espírito Santo". Finalmente, em Rm
3.2 as Escrituras, confiadas à Igreja de Deus do Antigo Testamento,
são chamadas "os oráculos de Deus" (ta logia tou theou). Realmente,
conforme o testemunho inconfundível de Cristo, as Escrituras do
Antigo Testamento são, de modo tão absoluto, Palavra de Deus, que
o Senhor diz delas: "A Escritura não pode falhar." (Jo 10.35) A
referência, neste caso, por exemplo, ao Salmo 82.6 é de suma
importância, porque, ali, os juízes são chamados "deuses" (elohim,
theoi). D e acordo com nosso Salvador, tal denominação n ã o
constituía erro, porquanto "a Escritura não pode falhar." Desta como
de muitas outras passagens, ficamos sabendo q u e a Bíblia é
verbalmente inspirada, de modo que toda Palavra nas Escrituras é a
Palavra infalível de Deus.
A série de passagens em que as Escrituras do Antigo Testamento são
chamadas "Palavra de Deus" vem apoiada por outro grupo de textos em que
elas se apresentam como divinas de modo tão absoluto em tudo o que nelas se
prediz. Todos os eventos que ocorrem neste mundo são o cumprimento de
profecias contidas na Bíblia, dirigidas pela vontade de Deus. Esse detalhe separa
A Doutrina das Sagradas Escrituras

as Sagradas Escrituras da categoria de escritos humanos e as coloca numa


categoria à parte, como o Santo Livro do próprio Deus. Por isso mesmo, em Jo
17.12, o nosso Salvador fala da apostasia de Judas e da perdição de sua alma,
acrescentando que isso ocorreu, "para que se cumprisse a Escritura". A traição
e captura do próprio Cristo no Getsêmani precisaram se efetivar, caso contrário,
"como se cumpririam as Escriturasn<(Mt 26.54) Semelhantemente, lemos, em
Lc 24.44ss, que Cristo havia de padecer e ressuscitar, porquanto "importava se
cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos
Salmos [portanto em todo o Antigo Testamento]". Com justa razão, Olshausen
faz o reparo que as citações do Antigo Testamento no Novo não são tomadas
como provas que se extraíssem de escritos humanos, mas como testemunhos
irrefutáveis de que são escritos divinos. Além de tudo, o próprio Cristo afirmou
o fato de que as Escrituras do Antigo Testamento são a Palavra de Deus mesmo,
quando mandou: "Examinai as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna,
e são elas mesmas que testificam de mim." (Jo 5.39)
b. O fato de que as Escrituras do Novo Testamento ocupam posição
canônica igual à ocupada pelas do Antigo Testamento, e são,
igualmente Palavra de Deus, está comprovado por bom número de
passagens claras. Em 1 Pe 1.10-12, o apóstolo estabelece, em primeiro
lugar, o fato de que os profetas do Antigo Testamento, pelo "Espírito
de Cristo que estava neles", deram, de antemão, testemunho sobre
os sofrimentos referentes a Cristo e sobre as glórias que os seguiriam.
E acrescenta então: "Estas coisas [os sofrimentos de Cristo e a sua
glória] que, agora, vos foram anunciadas por aqueles que, pelo
Espírito Santo (en pneumati hagioo) enviado do céu, vos pregaram o
Evangelho." Conforme essa passagem, os apóstolos, no Novo
Testamento, proclamavam o Evangelho pelo mesmo Espírito de Cristo
que habitava nos profetas do Antigo Testamento. Assim, os seus
escritos são Palavra de Deus no mesmo sentido e grau como eram os
dos profetas. Se se fizer a objeção de que essa passagem se refere à
Palavra oral dos apóstolos, podemos invocar passagens em que os
apóstolos dispõem, num mesmo plano, a Palavra falada e a escrita e,
reclamam igual respeito e obediência para ela. (1 Jo 1.3,4; 2 Ts 2.15;
1 Co 14.37; 2 Co 13.3) Como em 1 Pe 1.10-12, também em Ef 2.20
são conferidas a mesma dignidade e autoridade divinas à Palavra dos
apóstolos no Novo Testamento, que se conferem à Palavra dos
profetas no Antigo Testamento. Arnbas são declaradas o fundamento
sobre o qual a Igreja está edificada. Cristo assegura expressadamente
que, por intermédio da sua [dos apóstolos] Palavra (Jo 17.20), os
cristãos viriam a crer e, por conseguinte, obter a salvação, o que vem
provar que a Palavra deles é a própria Palavra de Deus, porquanto só
esta pode salvar almas. (Rm 1.16; Tg 1.21)
Dogmática Crtstã

DA B~BLIA
3.A INSPIRAÇÃO
As Sagradas Escrituras não demonstram apenas o fato de serem a Palavra
de Deus. Explanam, t a m b é q a maneira peculiar como Deus deu a sua Palavra
aos seres humanas. Claramente ensinam que a Palavra de Deus foi inspirada
ou assaprada em determinados seres humanos santos, a quem Deus nomeou
escritores oficiais do seu Santo Livro, de sorte que "toda Escritura é inspirada
por Deus" @asa graphee theópnetrstos). (2 Tm 3.16) Referindo-se aos escritores
do Livro de Deus, a Bíblia dedara enfaticamente: "[. .I nunca, jamais qudquer
profecia foi dada por vontade humana; entretanto, seres humanos (santos)
falaram da parte de Deus, movidos (vherómenoi) pelo Espírito Santo." (2 Pe 1.21)
Uma vez que as seres humanos falaram da parte de Deus, movidos peIo Espírito
Santo, evidentemente não escreveram as ws próprias Palavras, mas as que
Deus Ihes colocou na mente. Essa verdade vem ensinada. p , x Paulo de modo
inconfundível. Ele escreve: "Disto também faIamas, não em Palavras ensinadas
pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo Espírito, conferindo coisas
espirituais com espirituais." (1 Co 2.13) O mesmo apóstalo declara, ainda, que
Cristo falava nele (2 Co, 13.3); e afirma dos seus escritos que são "mandammt~s
do Senhor". (1 Co 14.3) Os escritos dos profetas e apóstolos são, por conseguinte,
a Palavra de Deus. Esses seres humanos santos foram divinamente inspirados
para escrever os livros que são incorporados na Bíblia.
Nas passagens da Escritura que estabekcem a doutrina da inspiração,
encontram-se distintamente expressas as seguintes verdades:
a. A inspiração não constitui simplesmente "inspiraçáo dos pensamentos"
(suggestio realis), nem em "inspiração de pessoas" (inspiratio personalis)
porém inspiração verbal (suggestio vcrbalis, Verbalinspiration), isto é,
inspiração pela qual o Espírito Santo soprou as mesmas Palavras que
os santos escritores deviam pôr por escrito. Em 2 Tm 3.16, diz-se da
Escritura que foi "inspirada por Deus" (theópneustos), e que ela deve
a sua origem a Deus, não obstante o fato de que foi escrita por seres
humanos. Em 2 Pe 1.21, o apóstolo declara distintamente que os
seres humanos, impelidos (pherómenoi) pelo Espírito Santo, falaram,
isto é, emitiram Palavras (eláleesan). De modo semelhante, Paulo diz
em 1 Co 2.13: "Disto também falamos em Palavra que o Espírito
Santo ensina. (laloumen didaktois [logors] pneúmatos)" Em todas essas
passagens, vem claramente afirmada a inspiração verbal da Bíblia;
pois, uma vez que as Palavras são o meio necessário para a transmissão
dos pensamentos, é da própria natureza da inspiração que Deus
ministrasse, também, as Palavras aos santos escritores.
Todos os que negam a inspiração verbal da Bíblia, substituindo-a pela
"inspiração da pessoa" ou "inspiração dos pensamentos", negam por inteiro a
doutrina escriturística da inspiração e se vêem compelidos a, no lugar dela,
ensinar uma simples "iluminação", que é comum em todos os crentes. Em
A Doutrina das Sagradas Escritur~z_í

conseqüência disso, anulam a distinção que a mesma Escritura faz entre a


norma normans dos escritos proféticos e apostólicos e a norma normata dos livros
não inspirados de autoria dos dogmáticos iluminados e outros doutores da
Igreja. Em outras Palavras, com a negação da inspiraçso verbal, a Bíblia fica
sendo um livro humano, que não tem maior autoridade do que qualquer outro
livro cristão. Todavia, é isto que a Bíblia taxa de errôneo: proclamar-se a si
mesmo fonte divina e norma da fé, à qual todos os crentes devem a salvação.
(Ef 2.20; Jo 17.20; Lc 16.29; Jo 8.3,32) Por esse motivo, rejeitamos a afirmação
de Hastings: "A inspiração diz respeito ao seres humanos, não às Palavras escritas."
(Encycl. of Rel. and Eth., 11, 589) e professamos com R.W Hilley: "Esta operação
miraculosa do Espírito Santo [inspiração divina] não teve por objeto os escritores
propriamente, - estes apenas constituiram seus instrumentos e bem logo deixaram
de existir; - eram os seus objetos os mesmos livros sagrados." (The Inspiration of
Scripture, 1885, p.50) A definição de Baier acerca da inspiraçáo corresponde
inteiramente ao que sobre este ponto ensina a mesma Escritura: "A inspiração
divina foi o ato de quantos escreveram, não só a idéia exata de tudo o que era
mister fosse escrito, como também a concepção das mesmas Palavras e de tudo
por que estas devessem vir expressas, e pelo qual ele ainda lhes instigou a vontade
à ação de escrever." (Doctr. Theol, p.39)
b. A inspiração não constitui mera assistência ou direção divina
(assistentia, directio, gubernatio divina), mas transmissão real de todas
as Palavras (suggestio verborum) de que se compõem as Sagradas
Escrituras. Da mesma forma como, no dia de Pentecostes, o Espírito
Santo aos apóstolos "concedia que falassem" (At 2.4), ele lhes "concedia
que falassem", quando os impeliu a porem por escrito a Palavra de
Deus e a perpetuá-la nas Sagradas Escrituras. Essa verdade está
claramente expressa nos termos "inspirada por Deusn (Theópneustos),
que afirmam não ter sido a escrita apenas dirigida por Deus, mas por
ele inspirada. Sem dúvida, o Espírito Santo guiou, dirigiu e governou
também os santos profetas e apóstolos, de sorte que, de fato,
assentaram por escrito as Palavras que o mesmo íhe sugerira; contudo
é contrário à Escritura identificar-se esta assistência divina com o
ato divino da inspiração. Mediante mera orientação ou preservação
do erro, a Escritura teria resultado num livro humano sem erros,
porém a mera direção divina não teria feito deste livro o Livro de
Deus, ou a própria Palavra de Deus. Tal se tornou apenas mediante a
inspiração divina, ou seja, divina suggestio verborum.
Simultaneamente com as Palavras divinas, também o seu significado
foi sugerido aos santos escritores (suggestio realis), de forma que, da parte
deles, o ato de escrever não se constitui mero esforço mecânico, mas um "ato
consciente, volitivo e inteligente." Escrita por eles, a Bíblia era, ao mesmo
tempo, um Livro de Deus (causa principalis) e seu próprio livro (cmsae
Dogmática Cristã

instrumenrales). Diz Gerhard corretamente (11, 26): "Causas instrumentais


das Sagradas Escrituras foram os seres humanos de Deus. (1 Pe 1.21) Isto é,
seres humanos que, de modo todo peculiar e imediato, foram eleitos e
designados por Deus com o propósito de colocar por escrito as divinas
revelações. Tais eram os profetas do Antigo Testamento e os evangelistas e
apóstolos do Novo, a quem, pois, com muita propriedade, chamamos
escritores de Deus, mão de Cristo e escrivães ou notários do Espírito Santo,
visto que não falaram nem escreveram de própria vontade, mas impulsionados
pelo Espírito Santo (pherómenoi hypo tou pneúmatos hagiou). Foram dirigidos
por ele, inspirados e governados. Escreveram, não como seres humanos, mas
como 'seres humanos de Deus', isto é, como serventes de Deus e órgãos
peculiares do Espírito Santo. Por conseguinte, em se chamando u m 'livro
canônico de Moisés', 'Salmo de Davi', 'epístola de Paulo', etc., nisto vai
unicamente uma referência que se faz ao agente e não à causa principal".
Com respeito à causa eficiente ou principal da Escritura, diz Quenstedt (I,
55): "Causa eficiente ou principal da Escritura é o Deus triúno (2 T m 3.16) (o
Pai, Hb 1 . 1 ~ o~ Filho,
; Jo 1.18; o Espírito Santo, 2 Sm 23.2; 1 Pe 1.11; 2 Pe
1.21): - a) por uma determinação original; b) por inspiração subseqüente, ou
seja por inspiração do que se devia escrever." (Doctr. Theol., p.42)
No que se refere à maneira como os seres humanos de Deus escreveram
por divina inspiração, Quenstedt afirma (I, 55): "Para sermos exatos, só a
Deus se chamará, pois, autor das Sagradas Escrituras; aos profetas e apóstolos
não se poderá chamar autores, salvo por uma espécie de catacrese." Ainda (I,
52): "Não que os amanuenses divinos houvessem escrito sem vontade e a
contragosto e m inconsciência e de má vontade; porquanto escreveram com
prazer, de boa vontade e conscientes. Dizem-se ainda pherómenoi, impelidos,
movidos, incitados pelo Espírito Santo; não que estivessem em estado de
inconsciência como se dizem os entusiastas ou em estado de enthousiasmos
que acerca dos seus profetas pretendem os gentios; tampouco ainda, [...I que
os profetas não houvessem eles mesmos compreendido as próprias profecias
ou as coisas que escreviam, [...I porém [são com muita propriedade chamados
amanuenses] porque nada escreveram de per si, mas tudo por inspiração do
Espírito Santo." (Doctr. Theol., p.43)
c. A inspiração não só é extensiva a uma parte da Escritura, por exemplo,
às suas doutrinas importantes ou a assuntos que antes eram
desconhecidos aos santos escritores, mas à Bíblia inteira (inspiraçáo
plenária). Esse fato se comprova da passagem: "Toda a Escritura é
inspirada por Deus." (2 T m 3.16) Dessa afirmação, extraímos o
axioma: "Tudo o que constitui uma parte das Sagradas Escrituras foi
dado por divina inspiração." A inspiração inclui, por conseguinte,
toda a Escritura, não vindo ao caso, se o texto foi especialmente
revelado aos santos escritores ou se estes já antes souberam algo, ou
A Doutrina das Sagradas Escrituras

se colheram certos elementos mediante estudo e pesquisa. Em razão


disso, os assuntos históricos, geográficos, arqueológicos e científicos
contidos nas Escrituras são inspirados tão certo como as doutrinas.
0 s que negam isso e afirmam graus da inspiração, destroem o
verdadeiro significado da inspiração.
Hollaz escreve sobre isso: "Há na Escritura assuntos de caráter histórico,
cronológico, genealógico, astronômico, científico e político que, embora para
a salvação de fato não seja necessário que deles se tenha noção, não obstante
são divinamente revelados, porquanto o estar-se familiarizado com eles é de
muita ajuda na interpretação das Sagradas Escrituras e na ilustração das suas
doutrinas e preceitos morais. Se apenas os mistérios da fé que nas Sagradas
Escrituras vêm contidos, estão na dependência da inspiração divina somente,
nem tudo da Escritura é, nesse caso, inspirado. Contudo Paulo declara que o
todo da Escritura é inspirado por Deus. Portanto, não só os mistérios da fé
são divinamente sugeridos e inspirados, como ainda as demais verdades
reveladas na Escritura, cujo conhecimento se obterá também à luz da
natureza." (Doctr. Theol., p.46)
No seio da Igreja Luterana, Jorge Calixtus, falecido em 1656, ensinava
que tão-somente os artigos de fé foram inspirados, ao passo que os assuntos
de menor vulto ou os que eram conhecidos dos santos escritores já antes de
eles serem inspirados a escrever, tinham sido consignados por direção ou
assistência divina que os preservasse de engano. Essa doutrina, porém, foi
rejeitada pelos dogmáticos luteranos como combatendo a theopneustia do todo
da Escritura @asa graphée). O erro de Calixtus tem sido defendido, também,
por dogmáticos romanistas, calvinistas e luteranos racionalistas modernos.
d. Pelo fato de as Escrituras Sagradas serem a Palavra de Deus
divinamente inspirada, é, a priori, coisa certa a sua total inerrância
em cada parte e em cada afirmação, por causa da infalibilidade do
seu divino autor. Cristo afirma, de modo enfático, a absoluta
inerrância da Escritura quando declara: "A Escritura não pode falhar."
(Jo 10.35) A sua referência, neste caso, se fazia a uma única Palavra
(theoi, elohim, SI 82.6). Não se podendo anular a Escritura, quando
entra em questão um único termo, então o seu todo forçosamente
será absolutamente verdadeiro. Igualmente, os apóstolos se reportam
com freqüência a Palavras individuais no Antigo Testamento, dando-
as como divinamente inspiradas e capazes para provar verdades que
pretendiam transmitir aos seus Leitores. (cf. C1 3.16 com Gn 17.7):
"Não diz: E aos descendentes, como se falando de muitos, porém
como de um só: E ao teu descendente, que é Cristo"; também Mt
22.43,44 com SI 110.1: "Disse o Senhor ao meu senhor"; também Jo
10.35 com SI 82.6. Tais referências provam que, não só as Palavras
em si foram inspiradas (suggestio verbalis), mas até as próprias formas
Dogmática Cristã

em que se apresentam (suggestio literalis). Está em conformidade com


isso a proibição de Deus de não se acrescentar à sua Palavra nem
dela se subtrair mesmo a menor partícula. (Dt 4.2; 12.32: Pv 30.5,6;
Ap 22.18,19) Também a advertência de Cristo de que "aquele pois,
que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim
ensinar aos seres humanos, será considerado mínimo no reino dos
céus. (Mt 5.19), visto que "é mais fácil passar o céu e a terra, do que
cair um til sequer da Lei". (Lc 16.17; M t 5.18) Por isso mesmo, bem
como São Paulo confessou: "[ ...I acreditando em todas as coisas què
estejam de acordo com a Lei e nos escritos dos profetas". (At 24.14)
Cada cristão deve considerar as Escrituras, n o seu todo, como
divinamente inspiradas e, portanto, como absolutamente infalíveis.
Lutero escreve: "Ainda nunca errou a Escritura." (S. L., XV, 1481)
Calov: "Na Sagrada Escritura nenhum erro pode haver, mesmo em
assuntos de pouca monta; nenhum lapso de memória, para não dizer
falsidade." (Doctr. Theol., p.49) De modo idêntico, escreve Hollaz: $4
inspiração divina, pela qual foram de modo imediato pelo Espírito
Santo sugeridas aos profetas e apóstolos a matéria-sujeito e as Palavras,
tanto as que se deviam pronunciar como as que se deviam escrever,
preservou-os de todo engano, fosse no pregar, Fosse no escrever da
Palavra divina." (Ibid.)
e. A inspiração das Sagradas Escrituras inclui, por último, ainda a divina
impulsão e ordem de escrever (impulsus e t mandatum scribendi). O
impulsus scribendi está comprovado pelo fato de se dizer que os santos
escritores Foram movidos (pherómenoi, 2 Pe 1.21) a escrever e, por
esse motivo, o apóstolo acrescenta a afirmativa: "Nunca jamais
qualquer profecia foi dada por vontade humana." Em outras Palavras,
as Sagradas Escrituras foram escritas, não porque os seres humanos
o quisessem, mas porque Deus o quis. Hollaz, pois, está com a razão
ao dizer: "A inspiração tem por antecedente a instigação divina ou
impulsão especial da vontade de se dedicar a escrever, bem como a
iluminação de modo imediato pela qual foi a mente do escritor sacro
plenamente esclarecida". (Doctr. Theol., p.43) E Quenstedt escreve:
"Todos os livros canônicos do Antigo e do Novo Testamentos foram
escritos por Deus, que de maneira peculiar incitou e impeliu os
escritores sacros a se lançarem ao trabalho." (Doctr. Theol., p. 44) Em
resposta à objeção de teólogos papistas de que seja impossível traçar-
se para cada caso uma ordem divina especial, Gerhard declara (11, 30):
"A ordem exterior e a impulsáo interior nos seres humanos santos de
Deus coincidem; pois que outra coisa é essa impulsão divina, senão
uma ordem interior e secreta com exatamente a mesma autoridade
e peso que uma que é exterior e manifestac" (Ibid.) A doutrina
católico-romana, segundo a qual se admite a inspiração da Bíblia,
A Doutrina das Sagradas Escrituras

mas nega o impulsus scribendi é em si mesma contraditória; pois, se


Deus deu a Escritura por divina inspiração, ele certamente induziu
os santos escritores a que registrassem a sua Palavra. A Teologia
católico-romana nega o mandatum divinum no interesse de situar as
tradições não-escritas acima da Palavra de Deus escrita, bem como
os teólogos racionalistas modernos protestantes negam o impulsus
scribendi n o interesse de elevar a própria razão (a sua "convicção
cristã" ou a "experiência cristã") acima da Bíblia. Em ambos os casos,
a negação é suscitada pela insubordinação para com o divino autor
da Bíblia.

ESCRITORES
4. A RELAÇÁOENTRE O ESPÍRITOSANTOE OS SANTOS
A relação do Espírito Santo, inspirador, para com os santos escritores,
inspirados, vem claramente descrita em todas as passagens das Escrituras que
nos relatam haver o Senhor - ou Espírito Santo - falado "pelos profetas" (Mt
1.22; 2.15) ou "pela boca dos profetas" (At 1.16; 4.25), e isso de tal modo, que
a Palavra dos profetas e apóstolos, por esse ato, constituía-se Palavra de Deus.
(Hb 3.7; Rrn 3.2) Todas essas expressões declaram que o Espírito Santo se
serviu dos escritores como seus instrumentos. Os mesmos se fizeram "sua
boca" pelo revelar da sua santa Palavra, tanto oralmente como por escrito.
No intuito de descrever esse caráter instrumental dos santos escritores, nossos
dogmáticos, bem como os antigos Pais da Igreja, chamaram-nos "pena"
(caneta), "amanuenses" "a mão de Cristo", "escrivães e notários do Espírito
Santo". Essas expressões são perfeitamente corretas enquanto se observe
estritamente o tertium comparationis nessas figuras de retórica. Esses termos
exprimem o simples fato de que os santos escritores foram agentes de Deus
na transmissão de sua Palavra, oralmente e por escrito. É mais do que claro
que os santos escritores não representaram instrumentos automáticos, mas
conscientes e inteligentes, de sorte que escreveram "espontaneamente, de boa
vontade e com conhecimento". (Quenstedt) Convinha, pois, que os teólogos
racionalistas modernos aceitassem essas expressões como verdades
escriturísticas e deixassem de cobrir de escárnio os que as usam. Bem-
analisado, o desprezo que votam a esses termos reflete o desprezo que votam
à própria Santa Bíblia e à doutrina da inspiração divina.
A frase bíblica "pelos profetas" explica, também, a variedade de estilo
que se oferece na Sagrada Escritura. Se os diferentes livros da Bíblia denotam
vários estilos de escrita, isso ocorre, porque o Espírito Santo pôs seres humanos
diferentes (reis, lavradores, pescadores, eruditos, etc.) a trabalhar na
composição do seu Santo Livro. Quenstedt faz o seguinte comentário a esse
respeito (I, 76) : "Há uma grande diferença entre os escritores sacros no que
diz respeito ao estilo e modo de falar, que sem dúvida proveio do fato de o
Espírito Santo haver-se acomodado ao modo de falar comum, deixando a
Dogmática Cristã

cada um a sua maneira peculiar; contudo, nem por isso, negamos que o Santo
Espírito haja sugerido a estas pessoas as Palavras individuais". (Doctu. Theol.,
p.47ss) Perguntas como estas: "Foi o Antigo Testamento originalmente escrito
com os pontos representativos das vogais<" - "Poder-se-á chamar clássica a
língua da Bíblia<"- e muitas outras que se têm sugerido em conexão com a
doutrina da inspiração, são puramente históricas e nada têm a ver com a
doutrina da inspiração. Por esse motivo, nenhuma controvérsia sobre elas
devia-se tentar. Basta que se diga que, em todos os assuntos externos, o
Espírito Santo se acomodou às condições peculiares reinantes na época em
que entregou a sua Palavra ao mundo.

FEITASA DOUTRINA
5. OBJEÇÓES DA INSPIRAÇÁO
Já nos séculos XVI e XVII, papistas, socinianos, arminianos e entusiastas
acreditavam que as Sagradas Escrituras contivessem alguns erros. Mesmo
Calvino, de vez em quando, atribuía inexatidões e citações incorretas do Antigo
Testamento aos evangelistas. Na Igreja Luterana daquela época, Jorge Calixtus
desviou-se da doutrina bíblica da inspiração. Ensinou que, em todas as questões
que não são essenciais e eram conhecidas dos santos escritores, estes não foram
inspirados, mas apenas dirigidos ou mantidos à prova de erro. No final do século
XVIII e princípio do século XIX, o racionahsmo dominante renunciou a toda a
doutrina cristã, inclusive à da inspiração divina da Bíblia. O modernismo atual
é uma saliência direta desse racionalismo grosseiro. A moderna Teologia
OU "conservadora", que repudiou o racionalismo carinhoso e estúpido
da era precedente, não conseguiu retornar à doutrina escriturística da inspiração.
Mesmo teólogos "luteranos" modernos na Alemanha rejeitam a inspiração verbal
da Bíblia, doutrina segundo a qual as Sagradas Escrituras são, a priori, Palavra de
Deus. Sustentam que é preciso determinar o caráter da Escrituras historicamente
ou, a posteriori, por meio da investigação humana.
O resultado da sua "investigação" é o fato de que as Sagradas Escrituras
não são a Palavra de Deus, porém um relato humano das revelações divinas
("Offenbarungsurkunde") que, de alguma maneira, influenciado pelo Espírito
Santo, não deixa de conter erros, sendo necessário submetê-lo ao olho crítico
dos doutores da Bíblia. Esses teólogos ainda falam em "inspiração"; contudo,
não se referem à verdadeira inspiração, mediante a qual a Sagrada Escritura se
torna a fonte e norma única da fé até à consumação dos séculos. (Jo 17.20; Ef
2.20) Afirmam ser apenas uma iluminação intensificada que existe, em grau
maior ou menor, em todos os autores cristãos.
O mesmo acontece com a maior parte dos teólogos americanos, embora
alguns, entre os quais, Charles Hodge, William Schedd e Benjamin Warfield,
tenham defendido a doutrina escriturística da inspiração verbal e plena. Na
Alemanha, dificilmente haveria, em época mais recente, um único professor
A Doutrina das Sagradas Escrituras

universitário de renome que ainda se declarasse pela doutrina da inspiração


verbal e plena. Essa negação quase que universal da inspiração é um dos mais
dolorosos capítulos na história da Igreja Cristã; pois todo o que repudia a
inspiração da Bíblia, solapa o fundamento sobre o qual repousa a fé cristã,
caindo debaixo da condenação de Deus. (Mt 11.25) Todas as objeções feitas
à inspiração da Bíblia provêm, em última análise, do coração carnal, incrédulo.
(Rm 8.7; 1 Co 2.14)
Entre as objeções que têm sido formuladas contra a doutrina bíblica da
inspiração, podem-se citar as seguintes:
a. A variedade de estilo nos diferentes livros da Bíblia, a alegação de que, se
Deus fosse realmente o autor divino da Bíblia, encontraria por toda
ela o seu estilo particular. A essa crítica, retrucamos que, em geral, o
estilo único de Deus é perceptível através de toda a Bíblia que, em
cada página, traz o indelével sinal do seu autor divino. Em livro algum
escrito por seres humanos, encontra-se a simplicidade, majestade e
sublimidade do estilo bíblico. De fato, o estilo da Bíblia é tão singular,
que, no mundo, só há uma Santa Bíblia. Podemos aplicar à Escritura
as Palavras que foram ditas em referência ao Salvador: "Jamais alguém
falou como este ser humano." (Jo 7.46) Se, dentro desse conjunto, os
diferentes livros da Bíblia apresentam, entre si, certa diversidade no
estilo e na dicção, devemos ter presente o fato de que o Espírito Santo,
quando deu a sua santa Palavra aos seres humanos, houve por bem
acomodar-se sempre aos escritores sacros que escolheu para seu serviço.
Muito adequadamente diz Calov: Nela [na Bíblia] pode-se reconhecer
certa condescendência do Santo Espírito; porquanto este, vez por
outra, se acomodou ao modo de falar comum, permitindo aos escritores
o seu próprio estilo de linguagem". Isso, bem entendido, é o "lado
humano" da Escritura. Não se deve, porém, tomar essa expressão no
sentido em que os teólogos racionalistas modernos a têm. Eles a
empregam para determinadas partes da Escritura Sagrada que rejeitam
como "errôneas", pois "não inspiradas".
Em oposição à Teologia racionalista moderna, o cristão mantém-se firme
na verdade vital de que as Escrituras não têm "partes não inspiradas" de espécie
alguma, porém todas elas são a inerrante Palavra de Deus, transmitida por
inspiração divina. Ao invés de criticar a diversidade de estilos da Escritura, o
ser humano deve reconhecer nisso a graciosa condescendência e o maravilhoso
amor de Deus. Havendo-nos dado as suas doutrinas celestes por meio de
tantos escritores diferentes que se dirigem a nós por tantas variadas maneiras,
ele tornou a sua sublime Palavra tanto mais compreensível e admissível às
pessoas humildes. Se Deus nos tivesse falado na linguagem usada no céu,
nenhuma pessoa no mundo seria capaz de compreender sua Palavra e aprender
dela o caminho da salvação. (2 Co 12.4)
Dogmática Cristã

b. As variantes nas cópias da Escritura. Existem realmente variantes


(variae lectiones) nas cópias dos santos escritos dos profetas e
apóstolos que vieram até nós. Entretanto, uma vez que as variantes
se dão apenas nas cópias, não fornecem argumento contra a sua
inspiração divina da Bíblia, pois devem a sua origem a deslizes de
transcrigáo. Contudo, a despeito das variantes, os textos que
atualmente possuímos, são a Palavra de Deus tanto em sua pureza,
como em sua integridade original. Sabemos isso, a priori, das próprias
promessas de Cristo (Jo 17.20; 8.31,32; Mt 28.20; Jo 10.35; M t 24.35;
Lc 21.33; 16.17) e, a posteriori, do fato confirmado por investigação
científica, de que, apesar das numerosas variae lectiones, sequer uma
doutrina da Palavra de Deus se tornou duvidosa ou incerta. Deus,
que nos transmitiu a sua Palavra, também a conservou por graca até
o presente e a conservará até à consumação dos séculos (gubernatio
divina). Reconhecemos, ainda, a providência de Deus das fartas
repetições de suas doutrinas que ocorrem através de toda a Bíblia.
Por obra e graça disso, ainda que livros inteiros (Antilegomena) ou
trechos completos (Mc 16.9-20) sejam dados por duvidosos, assim
mesmo podemos provar as doutrinas divinas de outros livros e de
outras passagens da Bíblia que se reconhecem universalmente como
autênticos e canônicos (Homologumena).
c. Estudo e pesquisa dos santos escritores. De tempo em tempo, foram
feitos estudos independentes e pesquisas históricas por parte dos
santos escritores. Eles mesmos nos informam que se viram compelidos
a escrever, não só novas revelações, como também coisas que já
sabiam por efeito do seu estudo geral e da sua experiência especial.
(G1 1.17-24; Lc 1 . 1 ~ Entretanto,
~) esse fato não refuta a doutrina da
inspiração, visto que o Espírito Santo, no benevolente propósito de
dar a Palavra de Deus ao ser humano transviado, utilizou-se também
do conhecimento geral que os sacros escrivães possuíam e dos seus
dons e talentos naturais (experiência, estilo, cultura, etc.). A
inspiração não consiste em simples revelação, mas na divina impulsão
(inzpulsus scriliendi) a fim de que se escrevessem as verdades que Deus
mesmo forneceu e quis que os seres humanos soubessem. (2 Sm
23.2s~)Dentre essas verdades, algumas foram transmitidas aos santos
escritores por meio de inspiração direta (1 Co 11.23; 14.37; 2.7-13);
outras eram conhecidas por eles através da experiência (At 17.28; G1
2.11-14); ainda outras, mediante investigação direta e pesquisa
especial. (Lc 1.1ss)
Quando se discorre sobre a doutrina da inspiração divina, a questão
não é saber: "Como os santos escritores obtiveram as verdades q u e
escreveramZn - mas, muito antes: "O Espírito Santo moveu os escritores sacros
A Doutrina das Sagradas Escrituras

a porem, por escrito, determinadas Palavras e pensamentos que Deus quis


que os seres humanos soubessem<" Que isso realmente ocorreu, vem
claramente ensinado nas Sagradas Escrituras (2 T m 3.16; 2 Pe 1.21), de sorte
que a doutrina da inspiração está fora de discussão. Quando os apóstolos
proclamaram a redenção pelo Salvador ressuscitado à multidão no Pentecostes,
disseram que padecera e morrera pelos pecados do mundo. Anunciaram, então,
fatos que, em grande parte, sabiam de experiência. (Jo 20.20s~;21.12) No
entanto, com respeito a todas as Palavras que eles proclamaram, a Escritura
diz: "Passaram a falar [...I conforme o Espírito Ihes concedia que falassem."
(At 2.4) Não apenas naquele sermão pentecostal, mas na composição de todos
os seus escritos, o Espírito Santo concedeu que os apóstolos falassem.
d. Supostas contradições na Bíblia. Com relação a esse ponto, fazemos a
distinção entre contradições externas e internas. Entendemos por
contradições externas as aparentes discrepâncias históricas na Bíblia.
As contradições internas dizem respeito às doutrinas. Sobre
contradições em matéria de doutrina, sabemos, a priori, que não é
possível que alguma ocorra - embora, à razão, muitas vezes, pareça
um fato -, por ser a Bíblia inteira a Palavra do Deus infalível. (2 T m
3.16; 2 Pe 1.21) Ainda quando pareça que duas doutrinas da Escritura
se contradigam (p. ex., gratia universalis, electio particularis), o
teólogo cristão jamais admitirá a existência de verdadeira contradição
(2 Co 1.18-20), mas tão só de uma revelação parcial (1 Co 13.9), que
será completada na glória. (1 Co 13.10,12) Por isso mesmo, o cristão
ensina essas doutrinas lado a lado na pureza em que foram dadas,
sem qualquer tentativa de sua parte em preencher essa lacuna ou
desfazer a discrepância que parece existir. (Ap 22.18,19)
Na Escritura, as contradições externas ou discrepâncias históricas
aparentes aparecem especialmente nas citações do Antigo Testamento. (1
Co 10.8; Nm 25.9) As variantes nos manuscritos, devidas a transcrições
defeituosas, vêm aumentar o número delas. O surpreendente nisso não é
que tais contradições aparentes ocorrem na Bíblia - pois não devemos esquecer
que os copistas eram seres humanos falíveis, sujeitos a erros na transcrição
do texto sagrado, mas que, em comparação com outras transcrições, existem
tão poucas que podem ser resolvidas, na maioria dos casos, satisfatoriamente.
Mesmo quando não possa resolver uma aparente discrepância histórica
a seu inteiro contento, o teólogo cristão não sugere que a Escritura erra, mas
deixará a questão suspensa, levando em conta a declaração de Cristo de que
"a Escritura não pode falhar". (Jo 10.35) Os pormenores sobre esse assunto
pertencem à periferia da isagoge cristã, onde são considerados mais
detalhadamente. Ao dogmático interessa o assunto pelo qual lhe diz respeito
o dever de demarcar os princípios que deverão servir de guia ao estudante da
Bíblia como Palavra inspirada de Deus. Dentre todos, sobressai a verdade básica
Dogrnática Cristá

de que é indigno a um teólogo cristão o dar-se à crítica da inerrante Palavra de


Deus. As suas funções consistem em ensinar o Evangelho (Mc 16.15,16; M t
28.20), e não em formar oposicão à Palavra infalível com sua opiniões e juízos
falíveis (2 T m 6.3-5) (Cf. o que diz Lutero acerca da confiança histórica que a
Escritura merece, S. L., XIV, 490ss). As aparentes discrepâncias históricas na
Bíblia de nenhum modo afetam as doutrinas que as Escrituras ensinam para
nossa salvação.
e. Citações inexatas no Novo Esramento. Afirma-se que a Bíblia não pode
ser a Palavra de Deus inspirada, porque o Novo Testamento, com
tanta freqüência, faz citações "inexatas" e até mesmo "errôneas" do
Antigo Testamento. Tem-se por argumento que, fosse a Bíblia a
infalível Palavra de Deus, as citações do Antigo Testamento que se
apresentam no Novo seriam sempre exatas, à letra. Tal, porém, não
se dá. Os apóstolos, vez por outra, citam o Antigo Testamento
literalmente; em outras, citam o texto da Septuaginta. Outras vezes,
citam a Septuaginta, porém a corrigem de acordo com o original
hebraico. Em outras vezes, não reproduzem o texto hebraico nem a
Septuaginta, mas dão o texto, em seu sentido global, com suas
próprias Palavras. Esse modo variado de citar o Antigo Testamento,
todavia, não serve de refutação à inspiração divina da Bíblia; pelo
contrário, vem comprová-la, já que o divino autor de toda a Bíblia
citou as suas santas Palavras como bem lhe aprouve. Se os escritores
do Novo Testamento fossem impostores, seriam obrigados a citar o
Antigo Testamento cada vez ao pé da letra. Seria de seu interesse
provar aos Leitores a sua perfeita familiaridade e o inteiro acordo
com o Antigo Testamento. Ao que se vê, o Espírito Santo, que falou
por intermédio dos santos escritores, levou-os a citar e aplicar a Palavra
de Deus conforme o momento requeresse e como melhor lhe
parecesse. Essa prerrogativa não deve ser negada ao Espírito Santo.
f. Assuntos triviais na Escritura. Tem-se negado, ainda, a inspiração da
Bíblia com base na alegação de ela conter "coisas triviais" (levicula) e,
além disso, erros de gramática, de retórica, barbarismos, solecismos
e congêneres. Os exemplos de assuntos triviais constituiriam as
questões domésticas dos patriarcas relatadas detalhadamente; seus
multiformes pecados e fraquezas, a prescrição dietética a Timóteo
de que, por causa do seu estômago, usasse um pouco de vinho (1
T m 5.23), o pedido de Paulo por sua capa, seus livros e pergaminhos
(2 T m 4.13), e outros mais. Tais trivialidades, diz-se, seriam coisas
indignas do Santo Espírito e não teriam sido mencionadas por ele, se
ele fosse realmente o autor da Escritura.
Esse argumento, todavia, é descabido; pois, se Deus criou a videira, não
haveria de prescrever o seu uso correto< Se se dignou estabelecer o lar, não
A Doutrina das Sagradas Escrituras

haveria de pintar, na Escritura, algumas cenas familiares que nos servissem


de instrução, advertência e conforto< (2 Tm 3.16) Se mesmo os cabelos de
nossa cabeça estão todos contados (Mt 10.30), não serão as "coisas triviais"
na vida dos santos de Deus consideradas do maior interesse para ele< Algumas
lições de fé e piedade de maior peso se prendem às "coisas triviais" que as
Escrituras propõem (o uso correto dos meios prescritos por Deus; a devoção
do apóstolo ao Evangelho, a despeito da sua pobreza; o amor do apóstolo ao
estudo, que o compele a requerer livros, ainda que na prisão). Não é da alçada
de nenhum teólogo prescrever a Deus a espécie de Bíblia que lhe seria
necessário escrever ou achar defeitos na Bíblia que Deus escreveu, mas, com
santa reverência e submissão devota, ensinar toda a Palavra da salvação, a
qual Deus, em sua graca infinita, resolveu legar à humanidade perdida, como
fonte de fé e norma de vida. (At 20.17-28)
Deve-se rejeitar o argumento usado contra a inspiração da Escritura
que se baseia nos chamados barbarismos, solecismos, erros gramaticais, etc.,
como alheio ao bem conhecido fato de que o Novo Testamento foi escrito na
koinee, ou seja, a linguagem comum universal daquele tempo, que diferia
muito do grego clássico, mas era entendida por praticamente todas as pessoas
dentro do Império Romano. O Espírito Santo escolheu essa linguagem, porque
pretendia que os escritos dos seus santos escrivães fossem entendidos pelo
povo humilde (C1 4.16; 1Ts 5.27), de cujas fileiras se organizaram as primeiras
igrejas cristãs. (Rm 16.3-15) O grego do Novo Testamento não é "vulgar" ou
"ruim". Era a língua própria do povo (Volkssprache) no período em que o
cristianismo se difundiu pelo mundo pagão e em que a Santa Bíblia foi escrita.
Os hebraísmos do Novo Testamento não constituem anomalia, mas se
encontram em todos os escritos em que se Fez sentir a influência judaica
sobre o grego comum.
g. Diz-se de certas passagens da Escritura que }legam a inspiração. Os que
negam a inspiração divina da Bi'blia também apontam determinadas
passagens da Escritura que, segundo alegam, viriam contestar a
realidade da inspiração. Dessas a que mais se destaca é 1 Co 7.12: "Aos
mais digo eu, não o Senhor" contrastando com 1Co 7.10: "Aos casados
ordeno, não eu, mas o Senhor". Lutero fez a interpretação dessa
passagem, dizendo que o apóstolo, aqui, não indica um mandamento
divino, mas apenas transmite um conselho sobre um assunto que diz
respeito à vida dos cristãos de Corinto. "Ele distingue as suas Palavras
da Palavra do Senhor, de modo que a Palavra do Senhor será
mandamento, ao passo que a sua, um conselho." (S. L., VIII, 1058)
Essa interpretação vem apoiada por 1 Co 7.25. Ambas essas afirmações
certamente são inspiradas; mas assim que o versículo 2 deste capítulo
fornece o princípio, os versículos 12 e seguintes fornecem o conselho
apostólico para o caso em apreço. É preciso que não se desconsidere
Dogmática Cristá

que São Paulo escreveu toda esta epístola na qualidade de "apóstolo


de Jesus Cristo, pela vontade de Deus" (1 Co 1.1), de sorte que "o que
vos escrevo é mandamento do Senhor". (1 Co 14.37)
Sugeriu-se, ademais, que, como Paulo tinha por hábito apoiar as sua
afirmações com citações do Antigo Testamento ou dos ensinamentos de Jesus,
ele apenas quis indicar não ter, nesse caso, nenhum mandamento expresso
da parte do Senhor ao qual obrigasse os seus Leitores, porém tornava público,
nas atribuições de apóstolo inspirado, uma verdade que não fora, até então,
esclarecida. É perfeitamente plausível essa explicação, visto que, em 1 Co
7.10, ele manifestamente faz alusão a M t 19.6,9. Esta passagem ao certo não
nos dá nenhum direito a que neguemos a inspiração divina da Escritura que,
em tantas passagens claras, vem atestada, especialmente depois de o mesmo
apóstolo desabonar tal conclusão. (1 Co 14.37)
h. As supostas más conseqüências da doutrina da inspiração. É comum
esse argumento ter merecido a preferência dos expoentes da Teologia
moderna. Afirmando que é preciso que se reconheça a "consciência
cristã" ou "experiência cristã" ou a razão humana como principium
cognoscendi. Irritados com a restrição que Deus lhes fez, (1 Pe 4.11)
alegam que a crença na inspiração divina das Sagradas Escrituras
daria como resultado o "intelectualismo", o "biblicismo", a "servidão
da letra", a "violentação do livre espírito de investigação", o "malogro
em descobrir novas verdades religiosas", a "falta de capacidade da
parte do teólogo para se enquadrar ao modo de pensar religioso da
atualidade", o "sectarismo" e coisas semelhantes.
Todas essas objeções são vindas da mesma fonte, a saber, a repulsão por
parte dos teólogos racionalistas de se verem na dependência da verdade divina
fixada em caráter definitivo num cânon bíblico. Não há como negar. Se a Bíblia
é o santo Livro de Deus dado aos seres humanos como única fonte e norma de
fé e vida até à consumação dos séculos, toda a doutrina contrária à Escritura, eo
ipso é condenada e rejeitada. O racionalismo repudia a doutrina da divina
inspiração no intuito de poder difundir os próprios falsos ensinamentos e erros
daninhos. É, todavia, justamente por essa razão que a Palavra de Deus se revela
tão enfática na condenação de todo desvio da sagrada verdade de Deus revelada
na Escritura, Rm 16.17; 2 Jo 9.11; 1 T m 1.3; 6.3ss, na proposta da mais positiva
adesão à Bíblia, M t 5.18-19; Ap 22.18,19. Há uma única razão pela qual os
seres humanos rejeitam a doutrina da divina inspiraçáo da B%lia, a saber, a
incredulidade, a revolta contra Deus e sua Palavra determinada.

DA INSPIRAÇAO
6. A DOUTRINA E O LUTERANISMOCONFESSIONA
Em resposta à alegação de que a doutrina da inspiração seria uma
"construção dogmática" que devesse a sua origem aos mais recentes
A Doutrina das Sagradas Escrituras

dogmáticos da Igreja Luterana, apontamos para o fato de que, já nas suas


Confissões, a Igreja Luterana afirmava a inspiração plenária da Bíblia. Naquele
tempo, essa doutrina não estava em controvérsia, de modo que não havia
necessidade urgente para expô-la em detalhes. Sirvam alguns trechos de nossas
Confissões para demonstrar o conceito em que os seus autores tinham a
Bíblia. Lemos: "Donde vem aos bispos o direito de impor à Igreja semelhantes
tradições< Pois em At 15.10, Pedro proíbe pôr sobre a cerviz dos discípulos um
jugo; e Paulo diz aos coríntios [2 Co 13.101 que o Senhor conferiu a autoridade
para edificação, e não para destruir. Teria, pois, o Espírito Santo admoestado
inutilmente com respeito a todas estas coisas; (Confissão de Augsburgo, Art.
XXVIII). Outrossim: "Tens, agora, pois, Leitor, a nossa Apologia, da qual não
só depreenderás o que julgaram os adversários, ... como também que os
mesmos condenaram diversos artigos contrariamente à expressa Escritura do
Espírito Santo." (Apol., $ 9. Triglotta, p.101) Bem assim: "Desta maneira se
mantém a distinção entre as Sagradas Escrituras do Antigo e Novo
Testamentos e todos os demais escritos, e as Sagradas Escrituras tão só ficam
sendo o único juiz, regra e padrão pelos quais, como única pedra de toque, todos os
dogmas serão e deverão ser discernidos e julgados a ver se são bons ou maus,
corretos ou falsos." (Fórmula de Concórdia, Epítome, $ 7; Piglotta, p.779)
Dessas e de outras muitas declarações em nossas Confissões, torna-se
evidente que os seus autores consideravam a Bíblia como a Palavra de Deus
inspirada e infalível. Disso se depreende que a alegação de que a doutrina da
inspiração verbal e plenária não passe de "teoria artificial dos mais recentes
dogmáticos é destituída de qualquer fundamento". ("eine kunstliche Theorie
der spateren Dogmatiker.") Os mais recentes dogmáticos luteranos não
ensinaram outra doutrina a respeito das Sagradas Escrituras do que a mantida
e defendida nas Confissões Luteranas. Há outra alegação intimamente
relacionada com a supracitada. Que o mesmo Lutero não teve a Bíblia por
verbal e plenariamente inspirada, mas que, nesse sentido, assumiu "atitude
liberal". Entretanto, a posição de Lutero em face da Bíblia foi justamente
oposta de "liberal"; visto que, repetidas vezes, declarou-se preso à Palavra de
Deus lavrada na Escritura. Disso dão prova as seguintes afirmações suas: "As
Sagradas Escrituras foram ditas pelo Espírito Santo." (S. L., 111, 1895) Ainda:
"A Bíblia é a Carta de Deus aos seres humanos." (I, 1055) Ainda: "A Bíblia não
nasceu na terra." (VII, 2095) Etc. Enquanto os principais antagonistas de
Lutero, os papistas, afirmavam que as tradições, as decisões dos concílios da
Igreja e as decretais dos papas constituíam fontes de fé, Lutero admitiu apenas
um padrão - o Livro de Deus, a Bíblia. Nela "o Espírito Santo nos fala de tal
maneira" que mesmo "as coisas triviais" nela são ensinamentos da soberana
majestade divina." (S. L., XIV, 2ss) Nela "a boca puríssima do Espírito Santo"
para conforto nosso revelou (Gn 38) até mesmo a "história vergonhosa,
impudente" de Judá e Tamar. (S. L., 11, 1200ss) Também no que respeita às
questões históricas e científicas registradas na Escritura, devemos "fazer ao
Dogmática Cristã

Espírito Santo a honra de admitir que mais douto é do que nós." (S. L., III,
21) Ao SI 127.3, diz ele que de Deus (divina) não são apenas Palavras (vocabula),
mas ainda o fraseado khrasis). (S. L., 1960)
Em vista dessas declarações expressas de Lutero, as supostas provas
que existiram nos seus escritos em favor de sua "posição liberal" desde logo
deixam de ter qualquer sentido. Querem que Lutero tenha ensinado que a
Bíblia conteria "feno, palha e restolho", em outras Palavras, verdade e erro.
Essa citação é, porém, inexata. Ao empregar tais Palavras, não foi aos escritores
da Bíblia que Lutero se referiu, mas aos seus intérpretes. (Kawerau, Theol.
Lit.- Ztg., 1895, p.216; cf. também Christl. Dogmatik/ Vol. I, p.346ss). O que
Lutero diz aqui dos intérpretes da Bíblia dos tempos antigos (S. L., XIY 150)
condiz com todos os intérpretes da Bíblia de hoje em dia; pois, muitas vezes,
erram na exposição do texto sagrado.
Outrossim, diz-se de Lutero que teria ensinado serem algumas
passagens da Escritura "inadequadas". Há, nesse caso, referência em especial
a C1 4 . 2 1 passagem
~~~ acerca da qual ele comentou que, num debate com os
judeus (contra Iudaeos), que não aceitavam a autoridade apostólica de Paulo,
comparada a outras, seria de pouca força num debate (in acie minus valet); ou,
de acordo com algumas versões alemãs, seria "zum Stich zu schwach", o que
quer dizer: não seriam convincentes. Lutero não pretendeu, contudo, negar,
com essa frase, a doutrina da inspiração, porém quis indicar apenas que a
alegoria de Paulo, como empregada nessa passagem, não convenceria um judeu
incrédulo que não reconhecesse a autoridade do apóstolo. Isso é exato,
especialmente porque Paulo se afasta, em sua interpretação, do sentido literal
das Palavras e Ihes demonstra o significado alegórico, como Lutero bem faz
ver. (cf. S. L., I, 1150)
Além disso, pretende-se que a "posição liberal" de Lutero em face da
Escritura transpareça na rigorosa distinção que, no cânon do Novo Testamento,
faz entre Homologumena e Antilegomena. Admitimos o fato de haver Lutero
feito distinções. (p.ex. epístola de Tiago chama de "epístola palhiça" em
comparação com as de Paulo. S. L., XIV, 91) Todavia, ao mesmo tempo,
considerava todas as Escrituras proféticas e apostólicas Palavra de Deus
divinamente inspirada. Também nós reconhecemos a distinção entre
Homologumena e Antilegomena. Além disso, diz-se de Lutero que teria admitido
um "cânon dentro do cânon", uma vez que haveria limitado a autoridade
divina da BíbIia aos livros que ensinassem mais Cristo. ("Christum treiben")
Os passos em que se baseiam tais atribuições, encontram-se registrados na
Edição de Saint Louis vol. XIY 129, e vol. XIX, 1441 e rezam: "O que não
ensina Cristo ainda é apostólico, também quando o tenham ensinado Pedro
ou Paulo. Por outra, o que prega Cristo será apostólico, ainda que o façam
Judas, Anás, Pilatos ou Herodes." E: "Se nossos adversários insistem na
Escritura, nós insistiremos em Cristo contra a Escritura." Por estranhas que
A Doutritia das Sagradas Escrittrros

soem essas declarações, quando fora d o seu contexto, tornam-se


completamente claras, se consideradas no conjunto. Lutero aqui não entende
por Escritura a Bíblia per se, mas como erroneamente interpretada pelos
papistas. Isso explica a segunda citação. A primeira se explica pelo fato de
Lutero haver aceito aqui por suposição, u m caso que, na realidade, jamais
poderá suceder, uma vez que nem São Paulo nem São Pedro nada poderiam
ensinar sem que pregassem Cristo, tampouco Anás, Pilatos e Herodes,
ensinariam Cristo, não importa o que pretendessem ensinar. A insistência de
Lutero nesse ponto visava à autoridade de Cristo divino, que a Bíblia ensina,
do princípio ao fim, como único Senhor da Igreja. (Lc 24.25-27; At 20.43)
Qualquer outro argumento que se tenha apresentado com o intuito de
provar a "posição liberal" de Lutero em face das Escrituras Sagradas, enquadra-
se na mesma categoria dos supramencionados. No intuito de servir aos seus
desígnios daninhos, teólogos modernos falseiam Lutero nas citações, ou
aplicam mal as declarações dele. Apesar disso, não podem refutar as Palavras
claras com que Lutero professa a sua devota lealdade à Escritura como o Livro
inspirado do próprio Deus.'

E CONSEQUÊNCIA
7. CAUSA DA NEGAÇÁO
DA DOUTRINA
DA INSPIRAÇÁO
A apostasia da doutrina bíblica da inspiração por parte dos modernos
teólogos protestantes vem, admiravelmente, descrita na Encyclopedia de
Hastings, onde lemos: "Teólogos protestantes da atualidade, imbuídos do
espírito científico, não possuem uma teoria a priori da inspiração da Bíblia
[...I Nenhum livro abrem, do Antigo ou do Novo Testamentos, com o
sentimento de que Ihes seja necessário considerar os seus ensinamentos
sagrados e obrigatórios. Não condescendem em nada além do que reputem
irresistível lógica dos fatos [...I E se ao cabo formulam uma doutrina acerca
da influência divina sob a qual as Escrituras foram exaradas, esta é uma
dedução dos característicos que, após franca e honesta investigação, se vêem
constrangidos a reconhecer." E outra vez: "Para resumir, a velha doutrina da
inspiração uniforme e infalível de cada parte do Antigo Testamento [...I agora
desaparece rapidamente entre os protestantes. Realmente, não há uma linha
divisória distinta entre o que é e o que não é digno de figurar nas Escrituras."
(VIII, 346, et al.) Com compreensão similar; escreveu o falecido Theodor
Kaftan: "Somos gente com senso da realidaden (Wjrklichkeitsmensch), o que,
segundo ele, quer dizer: "Para nós não tem forca de Lei o que a Escritura de si
mesma ensina, porém unicamente o que declaramos verdade divina de acordo
com a impressão que a Escritura nos causa." (Moderne Theologie des alten
Glaubens, 2, pp. 108.113)
Essa negação explícita da inspiração divina das Sagradas Escrituras, apesar
do seu próprio testemunho claro e inconfundível, em última análise, vem
Dogmática Cristã

ditada unicamente pela incredulidade, ou seja, a recusa formal da razão


humana em aceitar a verdade da Palavra de Deus. Assim foi nos dias de Cristo,
quando nosso Senhor repreendeu os judeus incrédulos: "Porque eu digo a
verdade, não me credes [..I Se vos digo a verdade, por que razão não me
credesz Quem é de Deus ouve as Palavras de Deus; por isso não me dais
ouvidos, porque não sois de Deus." (Jo 8.45-47) Assim também é atualmente.
Criticando a incredulidade dos fariseus, Cristo foi bastante severo,
condenando-os assim: "Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-
lhe os desejos. Ele foi homicida desde o princípio, e jamais se firmou na verdade,
porque nele não há verdade. Quando ele profere a mentira, fala do que lhe é
próprio, porque é mentiroso e pai da mentira." (Jo 8.44) Essa crítica feita ao
coração carnal, que rejeita a Palavra de Deus, também hoje tem sua aplicação,
igualmente rigorosa e enfática. Os atuais teólogos racionalistas acusam os
"mais recentes dogmáticos luteranos" de haverem inventado "uma teoria
artificial" (eine kunstliche Theorie) ao ensinarem a inspiração verbal e plenária
da Bíblia. Desta forma, tornaram-se culpados da fraude histórica. Ajuntando
a isso, recorrem a falatórios lógicos em apoio de sua rejeição da Palavra de
Deus, argüindo que a doutrina da inspiração é refutada pelo estilo de escritores
diferentes, por seu estudo e pesquisa particulares, pela variae lectiones nas
cópias e outros problemas semelhantes. Não obstante, a verdadeira fonte de
toda negação da doutrina da inspiração é a incredulidade.
As conseqüências da negação da inspiração bíblica são, realmente, de
grande repercussão. Fato é que, com essa doutrina, o cristianismo ou se
mantém, ou cai; pois, não havendo Escritura inspirada, não haverá doutrina
divina alguma. Em particular, todos os que negam a divina inspiração da Bíblia,
- e isso enquanto o fizerem - nenhuma possibilidade terão de jamais conhecer a
verdade divina. Tal coisa só é possível no caso em que os seres humanos
"permaneçam na Palavra de Cristo. (Jo 8.31,32; 1 T m 6.3,4) Além disso,
renunciam a fé na acepção cristã, uma vez que a fé só vem pelo ouvir da
Palavra de Deus. (Rm 10.17; Tg 1.18; 1 Pe 1.23) Desse modo, renunciam
também à oração cristã com todas as suas bênçãos temporais e eternas;
porquanto esta pressupõe adesão fiel às Palavras de Cristo, como também ele
ensina: "Se permanecerdes em mim e as minhas Palavras permanecerem em
vós, pedireis o que quiserdes, e vos será feito." (Jo 15.7) Além disso, renunciam
a possibilidade de triunfar sobre a morte; pois só quem guardar a Palavra de
Cristo, "não verá a morte". (Jo 8.51) De igual modo, renunciam o único meio
pelo qual a Igreja Cristã é edificada na terra, a saber, o precioso Evangelho de
Cristo. (Mc 16.15,16; Mt 28.19,20; 2 Jo 9.10) Também renunciam ao único
meio pelo qual se pode manter a Igreja Cristã na sua verdadeira unidade de fé.
(Ef 4.3-6) Lutero diz com razão: "A Palavra e a doutrina devem criar a unidade
e a comunhão cristãs." (S. L., IX, 831) Somado a isso, renunciam a toda
comunhão com Deus, visto que só encontraremos o nosso amado Senhor na
sua Palavra. (Jo 6.67-69; 17.17; Lc 11.28; Jo 5.54) Por último, deturpam "a
A Doutrina das Sagradas Escrituras

sabedoria lá do alto", ou "a sabedoria de Deus em mistério, outrora oculta, a


qual Deus preordenou desde a eternidade para a nossa glórian, mas que "jamais
penetrou em coração humano" (Tg 3.17; 1 Co 2.7-9) para transformá-la em
doutrina de seres humanos, ou seja, "sabedoria que não desce lá do alto,
antes é terrena, animal e demoníaca." (Tg 3.15) A negação da inspiração divina
da Bíblia vem ajustada, invariavelmente, com a negação do Evangelho salvador
de Cristo e com o ensino da doutrina pagã da justiça pelas obras. O
racionalismo principia pelo repúdio da doutrina da inspiração e termina com
a rejeição de todas as doutrinas divinas das Sagradas Escrituras, a menos, que
pela graça de Deus, esse processo destrutivo se detenha graças a uma "feliz
inconseqüência", por cujo mérito as conclusóes não se deduzem, na prática,
de premissas que teoricamente são mantidas. Se alguma aplicação há para a
séria admoestação de Paulo: "Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois
aquilo que o ser humano semear, isso também ceifarán (G1 6.7), e é válida
para a atitude do ser humano para com a doutrina escriturística da divina
inspiração.

8. PROPRIEDADES ESCRITURAS
DAS SAGRADAS
Por a Bíblia ser Palavra de Deus, possui propriedades divinas ou atributos
divinos (affectiones divinae). São: autoridade divina (auctoritas divina), eficácia
divina (efficacia divina), perfeição divina (perfectio divina) e perspicuidade
(clareza) divina (pevspicuitas divina). É muito evidente ser preciso negar-se
essas propriedades divinas à Escritura, se se rejeita a sua divina inspiração,
porquanto aquelas resultam do fato de ser a Bíblia a Palavra inspirada e infalível
do próprio Deus.

8.1. A AUTORIDADE DAS SAGRADAS


DIVINA ES~UTWRAS
Entendemos por autoridade divina das Sagradas Escrituras a qualidade
peculiar de toda a Bíblia segundo a qual, como Palavra verdadeira de Deus
que é, requer, de todòs os seres humanos, fé e obediência e persiste como
única fonte e norma de fé e vida. O mesmo nosso Salvador reconheceu e
proclamou a autoridade divina da Bíblia, citando-a como único padrão da
verdade em todos os casos de controvérsia. (Jo 10.35; Mt 4.4-10; 26.54; Lc
24.25-27; etc) Os apóstolos não reclamaram autoridade divina apenas para as
E-r&uras do Antigo Testamento, mas também para os seuspróprios . ---
-escritos
inspirados. (1 Co 14.37,38; 2 Co 13.3; G1 1.8; 2 Ts 3.6-14; 2.15) Quem, pois,
rejeita a Escritura ou a submete à censura e crítica humanas, torna-se culpado
de alta traição contra Deus. Não é por causa dos seres humanos que a
escreveram nem da Igreja Cristã que a reverencia e ensina, que a Escritura
possui a sua autoridade divina, mas ela a tem do Deus vivo, que inspirou os
seres humanos santos a escrevê-la. Em outras Palavras, a Bíblia tem autoridade
Dogmática Cristã

divina em virtude de ser a inerrante Palavra do Deus vivo em todas as suas


partes. Precisamente por ser Escritura inspirada de Deus (graphée théopneustos),
tem autoridade (autópistos) e, por isso mesmo, deve ser crida e obedecida. Por
causa da sua autoridade, cremos na Bíblia em razão dela mesma, visto ser o
Livro t o d o especial de Deus e m que o soberano Senhor nos fala.
Dogmaticamente expressamos esse fato, dizendo que a autoridade divina
das Sagradas Escrituras é absoluta, que de nada mais depende para sua
subsistência e segurança (auctoritas absoluta).
A autoridade divina das Sagradas Escrituras divide-se em autoridade
causativa (auctoritas causativa) e autoridade normativa (auctoritas normativa).
-2A autorida~decausativa das sagradas Escrituras é a autoridade pela qual elas
produzem e mantêm a fé nos seus próprios ensinamentos mediante a mesma
palavra. (Rrn 10.17) Autoridade normativa ou canônica das Sagradas Escrituras
é a autoridade por virtude da qual elas constituem única norma e regra de fé,
ou seja, o árbitro de instituição divina entre a verdade e a falsidade. (Jo 5.39;
Lc 16.29; G1 1.8)
Se se perguntar como as Escrituras exercem a sua autoridade causativa,
ou como nos é possível adquirir certeza da sua verdade divina, é necessário
que, em resposta, se faça distinção entre fé divina (fldes divina) e fé humana
(f2des humana). A fé divina (convicção fiducial, convicção espiritual, convicção
cristã) é operada diretamente pelo Espírito Santo mediante a Palavra
(testimonium Spiritus Sancti). As Escrituras dão testemunho próprio da verdade
divina. (Jo 8.31,32) Concernente a isso, escreve Quenstedt (I, 97): "A razão
última em vista da qual e pela qual somos induzidos a crer com fé divina e
inabalável que a Palavra de Deus é a Palavra de Deus é o poder e eficácia
intrínsecos dessa mesma Palavra, ou o testemunho e selo do Espírito Santo
que fala nas Escrituras e pelas Escrituras, porquanto a concessão da fé [...I é
obra que emana do Santo Espírito." (Doctu. Theol., p.55). Assim escreve Hollaz
com respeito ao testemunho interno do Espírito Santo, por obra e graça do
qual é gerada a divina fé na Escritura: "Entende-se aqui por testemunho interno
do Santo Espírito o seu ato sobrenatural, levado a efeito pela Palavra de Deus,
atentamente lida e ouvida, [...I em virtude do qual move, abre e ilumina o
coração do ser humano, incitando-o à fiel obediência." (Ibid.)
A Palavra de Deus, que o Espírito Santo nos deu pelos profetas e
apóstolos, realmente possui autoridade causativa ou o poder para dar
testemunho próprio de que é verdade divina. Isso independentemente de
qualquer comprovante externo (fldes humana). Isso claramente se ensina na
Bíblia. Escreve Paulo aos coríntios que a sua Palavra e pregação "consistiu em
demonstração do Espírito e de poder". (1 Co 2.4,s) Quer dizer que a pregação
do apóstolo era espiritualmente eficaz na operação da fé e obediência em
seus ouvintes. Aos tessalonicenses, o mesmo apóstolo escreve que eles
receberam a Palavra de Deus que ouviram dele, "não como Palavra de seres
A Doutriiza das Sagradas Escrituras

humanos, e, sim, como em verdade é, a Palavra de Deus". Isso porque a Palavra


divina "está operando eficazmente em vós." (1 Ts 2.13,14) Outra vez aos
tessalonicenses, Paulo escreve que o seu Evangelho não chegou a eles tão
somente em Palavras, mas sobretudo em poder, no Espírito Santo e em plena
convicção, [...I assim que se tornaram imitadores do Senhor. (1 Ts 1.5,6) A
mesma autoridade causativa, como nestas passagens, Paulo atribui à Palavra
divina, Cristo a afirma, quando diz: "Se alguém quiser fazer a vontade dele,
conhecerá a respeito da doutrina, se eia é de Deus, ou se eu falo por mim
mesmo." (Jo 7.17) Aprendemos de Jo 6.40 que "fazer a vontade dele" significa
ouvir e crer a Palavra divina, de sorte que o Senhor atribui a operação da
convicção divina à própria Palavra divina. Assim, pois, somente assim, obtemos
a certeza divina da verdade da Palavra de Deus: pelo poder do Espírito Santo,
que opera através da Palavra divina, a Escritura dá testemunho próprio de
que é verdadeira Palavra de Deus. Essa verdade é de grande importância prática;
pois sempre que houver dúvidas quanto à Palavra divina no coração do crente,
a única maneira de dissipá-las é "examinando as Escriturasn (Jo 5.39), visto
serem o divino meio pelo qual o Espírito Santo o ilumina e confirma na verdade
divina. (1 Jo 5.9,10; Jo 3.33; 2 Co 1.20-22; Ef 1.13)
A acusação dos teólogos católico-romanos de que a Teologia luterana
estaria, aqui, argumentando num círculo vicioso (argumenturn in circulo, idem
per idem),'respondemos que, se não se pode confiar nas Escrituras quanto ao
testemunho que ela dá de si mesma, em nenhum outro de seus ensinamentos
se poderá confiar tampouco. Ademais, o argumento luterano referente à
autoridade causativa da Escritura não é argumentum in circulo, mas, pelo
contrário, um argumento que parte do efeito à causa (ab effectu ad causam). A
quem negar a validez deste raciocínio, não resta outra escolha além do
agnosticismo e ateísmo. Quenstedt diz muito judiciosamente (I, 101): "É,
pois, falsamente que nos acusam os papistas de raciocinarmos num círculo
vicioso quando provamos as Sagradas Escrituras do testemunho do Espírito
Santo e o testemunho do Santo Espírito das Sagradas Escrituras. Doutro modo,
Moisés e os profetas testificarem de Cristo e Cristo, de Moisés e dos profetas,
também seria raciocinar em círculo vicioso." (Doctu. Theol., p.56)
Enquanto que a fides divina, ou convicção espiritual, é dom do Espírito
Santo que se confere por meio da Palavra (fé gerada pelo Espírito Santo
mediante a Palavra), a fides humana, ou convicção humana, se baseia em
argumentos ou operações da razão. Esses argumentos são internos ou externos.
As provas internas da autoridade divina das Sagradas Escrituras relacionam-se
com seu estilo admirável, a harmonia singular das duas partes, a majestade
sublime dos seus assuntos, as predições estupendas de eventos futuros e o
seu cumprimento, a sublimidade dos seus milagres e coisas semelhantes. As
provas externas relacionam-se com os efeitos assombrosos que a Bíblia
produziu, onde quer que ela fcsse difundida, como sejam: a conversão de
Dogmática Cristã

seres humanos caídos na ignorância espiritual e vício, a fé heróica dos mártires,


os melhoramentos morais e sociais que o Evangelho efetuou, etc. Assim como
o estudo racional do livro da natureza aponta para o seu divino Criador, o
estudo racional do livro da revelação sugere ser obra de um Autor divino e
que, por conseguinte, mais razoável é crer do que descrer as suas alegações
(prova científica da autoridade divina da Escritura).
Todos esses argumentos são utilizados na apologética cristã para
demonstração de quanto a incredulidade com suas vindicações ateístas é fútil.
->Todos os argumentos da razão, todavia, não produzem "fé divina, senão
meramente humana; não produzem certeza inabalável, senão mera credibilidade
ou uma opinião muito provável". (Quenstedt). Em razão disso, convém que
não se sobreleve o valor desses argumentos, porquanto jamais tornarão qualquer
pessoa um verdadeiro filho de Deus. Convém, porém, que não se subestimem,
visto terem grande valor na refutação das impugnações petulantes dos incrédulos
e no fortalecimento dos cristãos, mesmo contra as dúvidas que, através de
tempos, lhes despontam nos corações. (1 Co 15.12-19; At 17.28) Por mais
razoáveis que pareçam tais argumentos, jamais produzirão arrependimento e
fé, uma vez que a conversão do pecador só se realiza pela pregação da Palavra
de Deus, sendo que a Lei opera a contrição (terrores conscientiae), (Rrn 3.19,20)
e o Evangelho, a fé em Cristo. (Mt 28.19,20; At 2.37-39; Mc 16.15,16)
O teólogo cristão emprega, no seu ministério, os argumentos da razão,
principalmente para induzir os inconversos a ler e ouvir a Palavra de Deus, ou
faz uso deles como que de sinos, que convidam os seres humanos a ouvirem
a proclamação da verdade divina. Em caso algum, porém, deve empregá-los
como substitutos da Lei e do Evangelho, ou seja, da Palavra de Deus. (Lc
16.29-31; 24.47,48)
Se for feita a pergunta: Como pode uma pessoa saber, ao certo, se a sua
certeza é fides divina ou fides humana/ é necessário tomar-se em consideração
os seguintes pontos: O testemunho do Espírito Santo nunca ocorre: a. fora
das Sagradas Escrituras nem em oposição a elas (entusiastas), de forma que a
"convicção cristã" ou a "experiência cristã7'de quantos rejeitam a Bíblia como
Palavra de Deus, não passa de auto-ilusão; b. mediante simples argumentos da
razdo ou a base de autoridade humana ("creio na Bíblia, porque a Igreja a ensina");
c. juntamente com o repúdio da satisfação vicária de Cristo, de sorte que a certeza
da graça divina que os modernistas alegam (Ritschl, Harnack) é pura
imaginação. Por outro lado, o testemunho do Espírito Santo se manifesta em
todos os verdadeiros crentes que aceitam as Sagradas Escrituras como Palavra
de Deus, e isto à base de seu testemunho próprio, porquanto, justamente
esta fé na Escritura é o testimonium Spiritus Sancti. Convém que todos os
crentes fiéis apeguem-se a esta verdade, em especial nas horas de provação,
quando não experimentam os efeitos reconfortantes do testemunho do
Espírito dentro deles. (1 Jo 5.9,10) Precisamente o fato de serem crentes vem
A Doutrina das Sagradas Escritur~s

provar a real presenq do Espírito Santo em seus corações; pois, sem o Espírito;
Santo, é impossível ter-se a fé salvadora. (1 Co 12.3; At 16.14)
Com relação aos efeitos do testemunho do Espírito Santo no crente, a
Fórmula de Concórdia argumenta de modo sensato que não devem ser
aquilatados ex sensu, ou à base de sentimento, visto o Espírito Santo se manter
sempre operoso no seu coracão, enquanto estiver apegado à Palavra de Deus,
sinta ele ou não a sua operação. O sentir da g r a p operante do Santo Espírito
pertence aos frutos da fé na verdade do Evangelho e, por isso, ao testemunho
externo do Espírito Santo (restimonium Syiri~usSancti externum). Já o seu
testemunho interno (testimonium Spiritus Sancti internum) se identifica com
fé salvadora, confiança nas promessas divinas ,da Palavra. Em sentido
semelhante, Lutero escreve: "Não separamos o Espírito Santo da fé, e ele
também não lhe é contrário, porquanto ele 15, na Palavra, a própria certeza,
fazendo-nos seguros dela, de modo que não vacilamos a seu respeito, mas,
alijados de qualper dúvida, cremos com toda a convicção que é tal qual nos
groclama a Palavra de Deus, não podendo ser de outra forma." (Edição de
Erlangen, 58, 153s)
Em virtude da sua autoridade normativa ou canônica, a Sagrada Escritura
é a única norma de fé e vida e, por conseguinte, também o único árbitro em
todas as controvérsias teológicas. Como única norma de fé, a Escritura
desempenha tanto uma função diretiva como corretiva; pois, por uma parte,
dirige os pensamentos da mente humana de tal modo, que os mesmos se
mantêm dentro dos limites da verdade. Por outra, corrige os erros, sendo o
padrão do correto e do errado (Hollaz). Calov diz acertadamente (I, 474): "As
Sagradas Escrituras são uma regra pela qual devem e podem ser decididas na
Igreja todas as controvérsias que se refiram à fé ou à vida (S1 19.7; C1 6.16; Fp
3.16) e, como norma, não são parciais, mas completas -e idôneas, porque não
há outra regra infalível em assuntos de fé e vida além da Escritura. Todas as
"emais regras, além da Palavra de Deus, são falíveis e, por isso mesmo,
dependemos das Sagradas Escrituras como única regra (Dt 4.2; 12.28; Js 23.6;
1s 8.20; Lc 16.29; 2 Pe 1.19), para as quais Cristo e os apóstolos apontaram
como única regra (Mt 4.4s; 22.29,31; Mc 9.12; Jo 5.45; At 3.20; 18.28; 26.22)."
(Docrr. Theol., p.61)
Quanto ao emprego da Escritura como norma de fé (norma doctrinae,
index conrroversiarum), é preciso saber que, não só os teólogos (2 T m 2.2),
como também todos os cristãos devem fazer semelhante uso da Palavra de
Deus (At 17.11),porque é de seu dever supervisar o ministério dos seus mestres
(C1 4.17), evitar todos os Falsos profetas (Rm 16.17; Mt 7.15) e difundir o
Evangelho puro de Jesus Cristo por meio de evangelismo pessoal. (C1 3.16; 1
Pe 2.9) As Sagradas Escrituras atribuem, com Palavras expressas, a todos os
crentes, a capacidade espiritual para julgar todos os assuntos de fé e doutrina.
(Jo 6.45; 10.4,5,27) Portanto, qualquer que negar a capacidade e autoridade
Dogmáticn Crista

de todos os cristãos para julgar questões de doutrina ou vida cristãs, contradiz


Cristo e revela-se anticristo. Sobre esse ponto, Lutero escreve m u i t o
energicamente: "Conhecer e julgar assuntos de doutrina é privilégio que
pertence a cada cristão, e todo aquele que restringir esse direito, por pouco
que seja, é anátema. Em muitas passagens inquestionáveis da Escritura, Cristo
concedeu tal privilégio aos seus cristãos, por exemplo, em M t 7.15: "Acautelai-
vos dos falsos profetas", etc. Ele fez essa advertência ao povo contra seus
mestres, ordenando-lhes que evitassem todas as falsas doutrinas deles. Como,
porém, evitá-las, se não as conhecem< E por que conhecê-las, se nenhum
direito têm de julgar [a sua doutrina]+ No entanto, Cristo deu ao povo, não
só o direito de julgar, mas também a ordem, de maneira que só esta passagem
basta para desfazer os vereditos de todos os papas, padres, concílios da Igreja
e escolas que atribuíram apenas aos bispos e sacerdotes autoridade para julgar
e condenar [os doutores da Igreja], e defraudaram o povo, ou a Igreja, a rainha,
do modo mais ímpio e sacrílego." (S. L., XIX, 341)
Por outro lado, convém declarar que os cristãos não devem julgar os
assuntos doutrinais de acordo com os próprios pensamentos, mas somente
em conformidade com a Escritura (1 Pe 4.11), visto que, em todas as questões
de doutrina, só ela é index controversiarum. A objeção dos papistas de que a
Bíblia, como "livro mudo", é inapta para decidir qualquer assunto, está em
contradição com as próprias Sagradas Escrituras. Elas reclamam essa autoridade
para si. (Mt 4 . 4 s ; Rm 3.19; Jo 7.51) Em razão disso, os seres humanos se
vêem impelidos a fazer uso de documentos autorizados para decidir questões
em controvérsia (cf. as decisões no Supremo Tribunal). Toda pessoa de senso
entende claramente o que se quer dizer com frases como "A Lei decide" ou "A
Bíblia decide". As Sagradas Escrituras, certamente, são mais capazes para decidir
pontos de controvérsia do que os decretais do papa, aos quais os papistas
recorrem para determinação do que se deva ensinar. Estavam perfeitamente
com a razão os nossos dogmáticos luteranos, ao declararem: "As Sagradas
Escrituras não são mudas, senão no papado, onde estão proibidas de falar."
(Scriptura Sacra non est muta nisi in papatu, ubi prohibetur loqui.)
O modo pelo qual se devem decidir as questões controversas com o
emprego das Sagradas Escrituras pode ser sintetizado por esta turma: Primeiro,
determinar o ponto controverso (status controversiae) e a seguir examiná-lo à
luz de todas as passagens claras das Escrituras que versam sobre o ponto
especial e m apreço (sedes doctrinae; dicta probantia). Dessa maneira, as
Escrituras Sagradas têm a oportunidade de desempenhar as suas funções
judiciais, na verdade não por compulsão externa (vi externa), mas por persuasão
interna (vi interna). Precisamente desse modo, Cristo empregou as Escrituras
como árbitro em controvérsias, quando disse aos fariseus: "Quem vos acusa é
Moisés, em quem tendes firmado a vossa confiança." (Jo 5.45) Jesus se
reportou aqui a Moisés como o porta-voz inspirado de Deus.
A Doutrina das Sagvadas Escvituras

É por sua adesão às Escrituras Sagradas como única fonte e norma


de fé que a verdadeira Igreja visível de Cristo na terra dá provas de seu
caráter ortodoxo. Em outras Palavras, a Igreja ortodoxa de Cristo na terra
só se encontra onde se obedece às Sagradas Escrituras em todas as questões
pertinentes à fé e à vida. Foi por essa mesma razão que Lutero enfatizou
tanto a doutrina do sola Scriptura como princípio formal da Reforma e,
hoje, a Igreja Luterana confessional insiste nele com igual determinação.
A partir do momento em que uma Igreja rejeita, seja em teoria, seja na
prática, a autoridade da Escritura (Schriftprinzip), deixa de ser ortodoxa
para se converter em heterodoxa, Igreja que está em erro, ou seja, uma
seita.
Em conexão com a autoridade normativa da Bíblia, cumpre realçar que
jamais se deve permitir que a razão humana no seu uso magistral (usus
magisterialis) figure ao lado da Escritura. Em outros termos, o conhecimento
natural que o ser humano tem de Deus, ainda quando corretamente retido
no seu intelecto depravado, jamais deve ser igualado à Palavra de Deus, mas
sempre subordinado a ela. Se isso ocorrer, não se admitirá que a Escritura
represente o único árbitro da fé. Entretanto, no seu sentido ministerial ou
instrumental, a razão humana será empregada como "sujeito recipiente ou
instrumento apreensor" (Hollaz), toda vez que se fizer uso da Escritura como
norma de fé; pois "bem como nada vemos sem os olhos e sem os ouvidos
nada ouvimos, assim nada entendemos sem a razão". (Hollaz) Esse chamado
uso instrumental da razão (usus organicus; usus instrumentalis) abrange, tanto
o emprego correto das Leis da linguagem humana (gramática) como o das
Leis do raciocínio humano (Iógica), porque Deus, ao dar a sua Palavra aos
seres humanos, serviu-se dos cânones da linguagem e do pensamento
humanos. Já consideramos essa verdade, quando fizemos referência à máxima
de Melanchthon: Theologia debet esse grammatica.
No entanto, tal qual a razão humana em geral, também a lógica humana
em particular só serve para o teólogo como disciplina formal (a ciência do
pensamento correto e preciso) e não como filosofia ou sistema metafísico,
sentido em que, às vezes, se emprega o termo. Além disso, também quando
empregada como disciplina formal (a ciência do raciocínio), a lógica tem de
ser mantida dentro dos seus verdadeiros limites. Em outras Palavras, o teólogo
deve premunir-se continuamente contra falações ou falsidades decorrentes
do mau emprego da lógica. Para exemplificar: da verdade geral da Escritura
"Deus amou o mundo" cada qual neste mundo poderá concluir: "Deus amou-
me a mim", visto a expressão "mundo" incluir cada ser humano. Dito de
outra forma, a conclusão obtida tem de constituir sempre uma verdade já
contida nas premissas, ou seja, nas afirmações da Escritura, de acordo com o
axioma: "O que das verdades da Escritura se deduz (consequentiae legitimae),
deve ser provado como expressamente enunciado nas Palavras da Escritura."
Dogmática Gistá

("Was man aus den Schriftwahrheiten erschliesst, muss als in den Schriftworten
ausgedrucbt nachgewiesen werden.")
Por outra, se se fizer uso da lógica para proposição de novas doutrinas
não estabelecidas na Escritura, anula-se a autoridade da Escritura (Scrifiprinzip)
e põe-se a lógica a ensinar doutrinas falsas. Exemplos de lógica mal-aplicada
são os seguintes: "Visto que Deus não elegeu todos os seres humanos, ele
não quer salvar todos os seres humanos." Ou: "Visto que Pedro foi salvo, e
Judas se perdeu, deve ter havido em Pedro um motivo pelo qual se salvou."
Ou: "Visto que todo corpo está localmente no espaço, o corpo de Cristo não
pode estar realmente presente na Ceia do Senhor." Ou: "Visto que o finito
não é capaz do infinito, não é possível que haja comunicação dos atributos
na pessoa do Ser humano-Deus." Ou: "Quantas pessoas tantas essências;
logo, há, necessariamente, três essências na divindade." A lógica malconduzida
tem-se revelado como fonte de tantos erros em Teologia, que é bem oportuna
a advertência de Gerhard (11, 371): "Não é a humana razão, mas a revelação
divina que é fonte de fé; tampouco devemos formar juizo a respeito dos artigos
de fé de acordo com os ditames da razão; do contrário, nenhum artigo de fé
teríamos, mas tão só decisões da razão,. As cogitações e manifestações da
razão devem refrear-se e restringir-se à esfera de coisas que estejam sujeitas às
decisões da razão e não estender-se à esfera de assuntos que se situem
inteiramente fora do alcance da razão." (Doctr. Theol., p.32ss)
0 s dogmáticos luteranos disseram, sensatamente, com respeito ao uso
das Sagradas Escrituras como única fonte e norma de fé, que o Livro de Deus é
destinado a todos os seres humanos (Lc 16.29-31; Jo 5.39; At 17.11), também
às crianças. (2 Tm 3.15; 1 Jo 2.13) (Finis cui Scripturae sunt omnes homines.) Por
isso mesmo, é anticristã a imposição papal contra a generalização da Leitura
bíblica. É bem verdade que todos os seres humanos devem utilizar as Sagradas
Escrituras para obter a salvação. (2 Tm 3.15) Não apenas com o propósito de
enriquecer os seus conhecimentos em geral ou de melhorar o seu estilo. (Finis
cuius Scripturae Sacrae fldes in Christum et salus aeterna est.) Disso fica evidente
que é, também, da vontade de Deus que a Bíblia seja traduzida para as diferentes
línguas usadas no mundo. (Versiones Scripurae Sacrae non solum utiles, sed etiam
necessariae wnt.) O dever de traduzir a Bíblia para diferentes idiomas está in-
cluído na ordem de Cristo de ensinar-se as nações. (Mt 28.20)
Porque as Sagradas Escrituras são a norma de fé absoluta (norma normans,
norma absoluta, norma primaria, norma decisionis), a Igreja Luterana reconhece
como norma secundária as suas Confissões ou símbolos aceitos oficialmente
(norma normata, norma secundum quid, norma secundaria, norma discretionis),
ou como afirmações verdadeiras das doutrinas da Escritura Sagrada que todos
os teólogos luteranos têm de confessar e ensinar. Por essa razão, a Igreja
Luterana confessional requer de todos os seus professores e ministros a
subscrição bona-fide de todas as suas Confissões como afirmações puras e
A Doutrina das Sagradas Escrituras

inalteradas da Palavra de Deus (quia, não quatenus). Em outras Palavras,


nenhum ministro pode exercer o seu ofício sagrado, sem que se declare
convencido de que as Confissões Luteranas são uma exposição da Palavra de
Deus pura.
Na qualidade de norma decisiva, porém, (norma decisionis), a Escritura
Sagrada é absolutamente necessária, enquanto as Confissões são, como norma
distintiva da Igreja, apenas relativamente necessárias. As primeiras decidem
quais doutrinas são verdadeiras ou falsas. Estas provam se o indivíduo
compreendeu claramente as doutrinas verdadeiras da Escritura. (Norma
discretionis discernit orthodoxos ab heterodoxis).
Embora, no coração do crente, as Sagradas Escrituras de si mesmas dêem
suficiente testemunho de que são a verdade divina, Deus, em sua infinita
sabedoria, providenciou que tal testemunho se desse, também,
historicamente. Mediante investigação histórica adequada, sabemos que
livros foram compostos pelos escritores sacros (profetas e apóstolos), pelós
quais Deus quis dar a sua Palavra ao mundo. Esse testemunho histórico é de
grande valor; de uma parte, contra os papistas que, por meio dos seus decretos
anticristãos, elevam livros humanos à dignidade da divina Escritura, e por
outra, contra os representantes da alta crítica, que procuram rebaixar a Bíblia
ao nível das composições humanas. A isso acresce que o testemunho histórico,
em abono da autenticidade e integridade da Bíblia: é de valor também para os
cristãos, visto que, vez por outra, o testemunho do Espírito Santo, em seus
corações, poderá estar enfraquecido ou de todo apagado pela dúvida.
Para a autoridade divina do Antigo Testamento, contamos com o
testemunho expresso, não só da Igreja judaica, como ainda do nosso onisciente
Salvador que, sem qualquer restrição, reconheceu a Bíblia que estava em uso
na época, como canônica. (Lc 16.29; 24.44; Jo 5.39; 10.35; Mt 5.17) Se a Igreja
judaica tivesse errado no tocante ao seu cânon, nosso Senhor não o teria
declarado "as Escrituras." (Jo 5.39) Os livros apócrifos do Antigo Testamento
não foram aceitos como canônicos nem pela Igreja judaica nem por Cristo. O
fato de a Igreja Católica Romana tê-los elevado à categoria de canônicos
comprova o seu caráter anticristão. Para as Escrituras do Novo Testamento,
contamos com a declaração e promessa explícitas de Cristo de que tanto a sua
Palavra como a dos apóstolos serão mantidas e reconhecidas como a infalível
norma de fé até a consumação dos séculos. (Mt 24.35; Jo 17.20; Ef 2.20) Se a
Palavra divina não é reconhecida como tal, a culpa não cabe à Escritura, mas à
cegueira e perversidade de quantos se negam a crer na Palavra de Deus.
O testemunho histórico dos livros canônicos do Novo Testamento foi
adequadamente fornecido pela Igreja Cristã primitiva (ecclesia primitiva). O
reconhecimento dos quatro Evangelhos, das treze epístolas de Paulo, da
Primeira Epístola de João e da Primeira Epístola de Pedro (Homologumena) foi
unânime. Com respeito à Epístola aos Hebreus, à Segunda Epístola de Pedro,
Dogmática Cristá

à Segunda e Terceira de João, à Epístola de Tiago, à Epístola de Judas e ao


Apocalipse, manifestaram-se algumas dúvidas, de molde a serem classificadas
como Antilegomena. (cf. Eusébio, História Eclesiástica, Vol. 111) Em que pese
isso, embora alguns pusessem o caráter canônico dos Antilegomena em dúvida,
cada qual deles recebeu testemunho suficiente que lhe desse direito a um
lugar no cânon, do qual foram rigorosamente banidos todos os escritos
apostóíicos espúrios (pseudepígrafos). Contudo, mesmo que presentemente
se negue a autoridade dos Antilegomena como fonte e norma de fé (cf. o
veredito de Lutero acerca da Epístola de Tiago), as mesmas doutrinas neles
expostas se provarão suficientemente pelos Homologumena, visto os
Antilegomena não contarem uma só doutrina que não se ensine nos
Homologumetza.
E preciso que se responda negativamente à pergunta: se a Igreja Cristã
posterior tem autoridade para declarar canônicos determinados livros. Que a
Igreja primitiva diferençasse entre Homologumena e Antilegomena, ia nisto um
procedimento de sentido puramente histórico, que nada implicava além do
quesito: se este ou aquele livro foi ou não escrito por tal ou quaI apóstolo de
Cristo. No século dezesseis, porém, o Concílio de Trento, contrariamente ao
julgamento histórico da Igreja primitiva, declarou que também os livros
apócrifos fossem qualificados de canônicos, arbitrariamente acrescentou ao
cânon fixo, escritos que nem Cristo nem os seus apóstolos aceitaram como
tais. A Igreja Cristã posterior não pode aiterar ou fazer acréscimo ao cânon
estabelecido, porque não está em situação de fornecer o testemunho histórico
que se requer para que se declare tal ou qual livro canônico ou não. O dogmático
luterano Chemnitz, muito criteriosamente, qualificou de tentativa anticristã
querer eliminar a distinção que a Igreja antiga estabeleceu entre os
Ho~.1ologt4menae os Anrilegomend.
Chemnitz escreve quanto à maneira em que a Igreja primitiva procedeu
para a fixação do cânon bíblico (Ex. Trd., I, 87): "O testemunho da Igreja
primitiva, na era dos apóstolos, referente aos escritos genuínos dos apóstolos,
com perseverança e Fidelidade o retiveram e conservaram as gerações que se
lhe sucederam, de sorte que, havendo sido trazidos a lume, mais tarde, muitos
outros [escritos] com a alegação de haverem sido escritos pelos apóstolos,
foram postos à prova e rejeitados como supositícios e falsos, primeiro, pela
simples razão de se não poder demonstrar nem provar pelo testemunho da
Igreja original que houvessem sido escritos pelos apóstolos ou aprovados pelos
apóstolos vivos e por eles transmitidos e confiados à Igreja no princípio,
segundo, porque propunham doutrina estranha que não se conformava com
a que a Igreja recebera dos apóstolos e que, ao tempo, ainda estava bem
presente na memória de todos." (Doctr. Theol., p.85)
Pode-se dizer, com respeito aos Evangelhos de Marcos e Lucas e aos
Atos dos Apóstolos, que a Igreja antiga, unanimemente e sem restrição alguma,
A Doutrina das Sagradas Escrituras

os situou entre os Homologumeríla, embora não fossem escritos pelos apóstolos.


Isso se fez com base no fato de haverem ambos os Evangelhos sido compostos
sob a supervisão de Pedro e Paulo respectivamente, ao passo que o livro dos
Atos foi aceito como escrita canônica plenamente aprovada por Paulo. Uma
vez que a Igreja Cristã antiga dispôs estes escritos entre os Homologumena,
não é necessário que a discussão acerca do seu lugar n o cânon prepare
atualmente dificuldades; quando muito, será de interesse acadêmico.
A integridade do Novo Testamento pode admitir-se a priori, pois Cristo
nos assegura que a sua Palavra, como se encontra nos escritos dos santos
apóstolos, ou nas Sagradas Escrituras (Jo 17.20; Ef 2.20; Jo 8.31,32), jamais
há de passar. (Mt 24.35) A integridade do Antigo Testamento vem garantida
pelo direito e expresso testemunho de Cristo em Jo 5.39.
Com referência às diferentes versões da Bíblia, acertadamente mantemos
que não somente os textos hebraico e grego originais são real e genuinamente
Palavra de Deus, como ainda as traduções desses textos, contanto que estejam
plenamente de acordo com o texto original. Por outra parte, onde as traduções
se afastem dos textos originais e ensinem qualquer coisa contrária aos mesmos,
é preciso repudiá-las como não sendo a Palavra de Deus. Considerando-se
que os tradutores jamais escrevem por inspiração do Espírito Santo, mas estão
sujeitos às fraquezas comuns dos seres humanos, torna-se necessário comparar
diligentemente todas as versões da Bíblia com o texto original, a fim de se
verificar se são exatas, e, para isso, é indispensável que o teólogo possua
adequado conhecimento do hebraico e do grego.
Convém, entretanto, não alargar indevidamente a brecha entre o texto
original e suas versões, de modo a suscitar dúvidas quanto à sua autoridade;
pois que a linguagem da Escritura é, na maior parte das vezes, tão direta e
simples, que todo tradutor que faz o seu trabalho conscienciosamente, se vê
constrangido, pela linguagem clara e direta da Escritura, a reproduzir o sentido
do original. Mesmo a Vulgata apresenta as verdades capitais da fé cristã com
suficiente clareza, muito embora esteja repleta de erros do princípio ao fim.
Todavia, a promulgação arbitrária da Vulgata como único texto autoritário,
levada a efeito pela Igreja Católica Romana, Foi um ato tão contrário ao espírito
de Cristo e dos seus apóstolos, que constitui prova adicional de que a Igreja
papal é a Igreja do Anticristo.
A advertência de Lutero de que seria conveniente ao ministro, quando
ensina o catecismo, "evitar sobretudo o uso de textos e formas diferentes,
adotando, pelo contrário, uma forma e a ela se limitando, visto que a gente
nova e ignorante facilmente se confundirá, se ensinarmos hoje assim, no ano
próximo doutra maneira, como se tencionássemos introduzir melhoramentos"
- é aplicável também ao uso de versões bíblicas no púlpito ou em qualquer
outra parte onde o ministro cristão der instrução à gente comum.
Dogmática Crista"
pp -- -

8.2. A EFICÁCIADIVINA ESCRITURAS


DAS SAGRADAS
Por serem a Palavra inspirada de Deus, as Sagradas Escrituras possuem,
não só divina autoridade, mas também divina eficácia, que significa o mesmo
que poder criador para operar no ser humano que, por natureza, é
espiritualmente morto, tanto a fé salvadora como a verdadeira santificação,
Rm 10.17: fé; 1 Pe 1.23: regeneração; Jo 17.20: fé e santificação. A Palavra
de Deus não só ensina o caminho da salvação ao ser humano e não só
mostra os meios pelos quais lhe é possível atingi-lo; mas, por seu poder
verdadeiramente divino (vis vere divina), de fato o converte, regenera e
renova. Nenhum outro livro no mundo possui essa eficácia extraordinária,
nem nenhuma dissertação do ser humano, a não ser que repitam a Palavra
de Deus como a temos na Bíblia. Porque a divina eficácia da Escritura nada
mais é que o poder de Deus na Palavra. (Rm 1.16)Lutero está com a razão,
quando escreve (Os Artigos de Esmalcade, VIII, 3): "É preciso permanecer
com firmeza nisto que Deus a ninguém concede o seu Espírito ou a sua
graça, a não ser através da sua Palavra exterior, que deve preceder, ou
juntamente com ela." E outra vez mais (Cat. Maior, la parte 101): "Por
outro lado, quando se medita, ouve e trata a Palavra seriamente, ela tem o
poder de nunca ficar sem fruto. Sempre desperta novo entendimento, prazer
e devoção, e cria coração e pensamentos puros. Pois não são Palavras
inoperantes ou mortas, senão eficazes, vivas."
Em oposição a toda doutrina errônea acerca deste ponto que, ou nega
totalmente a divina eficácia da Escritura, atribuindo-lhe somente direção e
instrução morais (unitarismo, pelagianismo), ou segrega da Palavra o poder
divino (entusiastas, culvinismo), procederemos, ainda, à seguinte descrição da
eficácia divina:
a. A Palavra de Deus exposta na Escritura não opera num processo
natural, p. ex., não o faz por demonstração lógica, que apelasse para
a razão, nem por meio de eloqüência retórica, que apelasse para as
emoções, mas por um processo sobrenatural (efficientia vere divina).
Por isso, o Espírito Santo, que está inseparavelmente ligado à Palavra,
convence o espírito humano da verdade divina mediante a própria
Palavra que submete à consideração. Atesta-o claramente São Paulo,
que escreve: "A minha Palavra e a minha pregação consistiram [...I
em demonstração do Espírito e de poder." (1 Co 2.4) Quenstedt diz
com acerto: "A Palavra de Deus tem o poder e tendência inatos de
sempre convencer o ser humano da sua veracidade." (Verbum Dei
virtutem exercet per contactum hyperphysicum.)
b. A Palavra divina das Sagradas Escrituras tem poder infinito, ilimitado
(vis infinita, potentia Dei, omnipotentia), porque a mesma virtude
onipotente que reside por essência em Deus, reside na Palavra por
comunicação (communicative). Essa verdade é apresentada nas
A Doutrina das Sagr~d~zs
Es;r!:~*-í'

seguintes passagens da Escritura: (Rm 1.16,17): "É o poder de Deus


para a salvacão"; (Ef 1.19,20): "Os que cremos segundo a eficácia da
força do seu poder"; (2 Co 4.6): "Deus, que disse: De trevas
resplandecerá luz, - ele mesmo resplandeceu em nossos corações
para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de
Cristo." Baier escreve, de pleno acordo com todas essas passagens:
"A Palavra foi comunicada a mesma virtude que de per si é essencial
a Deus e é nele independente e pela qual ele ilumina e converte os
seres humanos." (Doctr. Theol., p.505)
c. O poder divino inerente à Palavra não é irresistível, mas resistível
(efjcaciu resistibilis); o que vale dizer que se podem pôr obstáculos
aos efeitos salvadores da Palavra, não obstante a Palavra em si mesma
ser onipotente. (Mt 23.37; 2 Co 4.3,4) Quenstedt descreve o caráter
resistível da Palavra divina assim: "Pode ela acidentalmente ser
ineficaz, não por qualquer deficiência de poder, mas por ação perversa,
que lhe impede a operação, de molde a não se lograr o seu efeito."
Esse fato afirma-se em Atos 7.51, onde Estêvão se dirige aos judeus
endurecidos nestes termos: "Seres humanos de dura cerviz e
incircuncisos de coração e de ouvidos: vós sempre resistis ao Espírito
Santo; assim como fizeram vossos pais, também vós o fazeis." Como
é possível que, da parte do ser humano impotente, se ofereça
resistência à onipotente Palavra de Deus< Isso é, na verdade,
inconcebível para a humana razão. Temos, contudo, coisa análoga
nos domínios da natureza, onde a vida natural, ainda que devendo a
sua origem e existência à virtude onipotente de Deus, pode ser
destruída pela mão débil do ser humano. O cânon de julgamento
que Lutero oferece sobre este assunto é correto: "Quando Deus opera
com o uso de meios, pode-se resistir-lhe; quando, porém, opera sem
o emprego de meios, em manifestação da sua glória (in nuda
maiestate), não é possível resistir-lhe." Assim se pode resistir (1 Co
1.23; 2 Co 2.16), à ressurreição espiritual, que se efetua pelos meios
da graça, (Lc 2.34; Ef 2.1, C1 2.12), ao mesmo tempo em que não se
pode resistir à ressurreição corporal, que sucederá por causa da ordem
soberana de Deus. (Mt 25.31,32; Jo 11.24)
d. Nunca se deverá separar o poder divino da Palavra da Escritura porque
o Espírito Santo não opera à parte ou fora da Palavra (entusiastas,
calvinismo, adeptos de Rathmann na Igreja Luterana), porém sempre
dentro e por meio da Palavra. (Rm 10.17; 1 Pe 1.23; Jo 6.63) Nossos
teólogos luteranos têm sempre sustentado esta importante verdade
escritura1 contra os reformados. (Zwínglio: "O Espírito Santo não
necessita de guia ou veículo." [dux vel vehiculum] Hodge: 'R graça
eficaz age de modo imediato.") O resultado prático da separação do
Dogmática Cristii

poder divino da Palavra da Escritura é a rejeição da Bíblia como única


fonte e norma de fé (norma normans). Isso fica provado pelo fato de
os entusiastas haverem colocado a "Palavra interna" (verbum
internum) ou o "espírito" acima das Escrituras Sagradas (verbum
externum), designando u m lugar inferior à Bíblia na órbita da revelação
divina. Para os entusiastas, a Bíblia não passa de norma normata, ou
seja, uma regra de fé subordinada à "Palavra interna7', isto é, às suas
próprias noções e inventos da razão. Por outro lado, o resultado
prático da aceitação da doutrina escriturística de que o Espírito Santo
está unido à Palavra é a subordinação absoluta de cada pensamento
à Palavra de Deus como registrada na Bíblia. (2 Co 10.5) Nesse caso,
toda doutrina contrária à Escritura é rejeitada como falsa, não importa
a que fonte isso se possa atribuir, se ao "espírito", à "Palavra interna",
à "luz interna", à "razão", à "ciência", à "Igreja", ao "papa" ou a coisas
semelhantes. Se não aceitarmos a doutrina escritura1 de que o
Espírito Santo está unido à Palavra da Escritura de modo indissolúvel,
não poderemos considerar o Livro precioso de Deus como única fonte
e padrão de fé. Essa foi a razão pela qual os nossos teólogos luteranos
defenderam com firmeza a inseparável união entre a Palavra e o
Espírito. Hollaz, por exemplo, escreve: "A eficácia da Palavra divina
não só é objetiva ou significativa, como, por exemplo, a estátua de
Mercúrio, que aponta o caminho, mas não transmite poder e força
ao passante para andar nele, - como é também efetiva, porque mostra
o caminho da salvação e salva as almas." (Doctu. Theol., p.504).
Sempre que, em nossas orações cristãs, pedimos a Deus "concede à
Palavra o teu Espírito e poder", não pretendemos dizer com isso que, às
vezes, o Espírito esteja ausente da Palavra com seu poder divino e eficaz,
mas, pelo contrário, confessamos que, na aplicação da Palavra de Deus, de
nada serve o nosso próprio esforço ou habilidade. (1 Co 3.6) Em sua exposição
do Sl 8.3, Lutero escreve sobre este ponto: "Devemos acabar com esta tola
confiança de nós mesmos podermos realizar alguma coisa no coração dos
nossos ouvintes pela Palavra; preferível seria q u e diligentemente
prosseguíssemos na prece que Deus somente, sem nós, tornasse nos ouvintes
poderosa e ativa a Palavra que por intermédio dos pregadores e professores
proclama." (S. L., IV, 626)
Na controvérsia que mantiveram com os entusiastas (reformados), os
teólogos luteranos asseveraram que as Sagradas Escrituras são eficazes também
extra usum. Queriam dizer, com essa frase, que o Espírito Santo está
eternamente conjugado à Palavra, de forma que esta conserva o seu poder
ainda quando não está em uso. Foi preciso manter essa verdade contra o
teólogo luterano Rathmann, pois ele alegou que a "eficácia divina está de
fora da Palavra". A eficácia da Palavra foi mantida contra esse erro ainda
A Doutrina das Sagradas Escrituras

quando não em uso (extra usum), a fim de que não se reduzisse a Palavra de
Deus ao nível das Palavras humanas (c£. Doctr. Tkeol., p.507). Fez-se, pois,
emprego da declaração referente à eficácia da Palavra de Deus extra usum com
a intenção de ressaltar a verdade escritura1 como "poder de Deus para salvação".
(Rm 1.16)
Apesar de sempre ativo através da Palavra, não devemos julgar a atividade
do Espírito Santo segundo o nosso sentir (ex sensu). A Fórmula de Concórdia
comenta sobre esse ponto: "No que tange à presença, operação e dom do
Espírito Santo, não devemos nem podemos formar sempre nosso juízo ex
sensu, pelo que respeita a como e quando se toma conhecimento deles no
coracão. Todavia, porque frequentemente vêm encobertos e sucedem em
grande fraqueza, devemos estar certos, em vista da promessa e de acordo
com ela, de que a Palavra de Deus pregada e ouvida é [realmente] função e
obra do Espírito Santo. Por essa Palavra, o Espírito Santo opera a fé em nossos
corações." (2 Co 2.14s~;3.5s~)(Decl. Sol., 11, 56)
Ao mesmo tempo em que atribuímos eficácia divina à inteira Palavra
de Deus, fazemos justa distinção entre a eficácia que é própria à Lei e a eficácia
própria ao Evangelho. A Lei divina tem o poder de tornar os seres humanos
"culpáveis perante Deus" (Rm 3.19), já que "pela Lei vem pleno conhecimento
do pecado". (Rm 3.20) Mais do que isso a Lei não pode fazer. Seu raio de ação
é a operação da contrição (contritio, terrores conscientae). O Evangelho, por outra
parte, produz a fé e, dessa forma, a regeneração e conversão. (Rm 10.17; 5.1)
No entanto, por essa mesma operação, grava a Lei divina n o coração. (Jr
31.31s~)Isso equivale a dizer que ela deixa o ser humano disposto a obedecer
à Lei com espírito alegre e voluntário. (SI 110.3; Rm 12.1; G1 2.20) (Lex
praescribit, evangelium inscribit.) Além disso, por essa mesma operação, livra o
ser humano do temor da morte e lhe confere poder para triunfar sobre esse
seu último inimigo. (1 Co 15.55) Pelo poder do Evangelho o pecador, que está
sujeito à morte por natureza (Hb 2.15) e sem esperança no mundo (Ef 2.12),
é recebido no Reino da graça de Cristo (Jo 3.16-18) e, finalmente, no seu
Reino da glória. (Fp 1.3-6; Ef 1.16-19; 1 Pe 1.3-5)

8.3. A D r v w ~PERFEIÇÁO
OU SUFICIENCIA
DAS SAGRADAS
ESCRITURAS
(PERFECTIO
SCRIPITURAE
SACRAE)
A divina perfeição ou suficiência das Sagradas Escrituras consiste na
sua propriedade, pela qual ensina tudo o que é necessário para a salvação.
Gerhard define essa propriedade da Bíblia nestes termos (11, 286): "Instruem-
nos as Escrituras completa e perfeitamente acerca de todas as coisas necessárias
à salvação." A prova da Escritura para essa doutrina está exposta claramente
em 2 T m 3.15-17; Jo 17.20; 1 Jo 1.3,4. Visto serem suficientes ou perfeitas, as
Escrituras Sagradas não requerem suplemento, seja de tradições (os papistas),
seja de novas revelações (os entusiastas), ou seja de progresso ou
Dogmátiu Cristã

desenvolvimento doutrinário (os teólogos racionalistas modernos). O caminho


da salvação, ensinado na Bíblia, é absolutamente completo. (Mt 28.20; Mc
16.15,16) Argumentando contra os romanistas, Cerhard diz sensatamente:
"Pondo de parte a tradição, atemo-nos unicamente à Escritura."
Ao considerarmos a suficiencia divina das Sagradas Escrituras, devemos
atentar cuidadosamente para os seguintes pontos:
a - As Sagradas Escrituras não contêm tudo o que os seres humanos
possam saber; pois quanto a assuntos pertinentes às coisas terrenas,
oferece bem pouca instrução (a Bíblia não é um "compêndio de
ciência"). As questões terrenas sãs abordadas na Escritura, apenas
quanto à sua relagáo com a divino conselho da sdva@o-
b - A Bfblia não revela todas as coisas divinas que o ser humano, de
bom grado, quereria saber; pois, tarnbern na esfera espiritual, seu
verdadeiro objetivo é a salvação dos pecadores. (2Trn 3.16-18; 1 Co
13.12; Rm 11.33)
c - Apesar disso, a Bíblia contém todas as coisas "que é preciso conhecer
para a fé e vida cristãs e, por conseguinte, para o obtenção da salvação
eterna". (Quenstedt) Todos os que negam essa verdade, rejeitam o
Schriftprinzip, ou seja a doutrina cristã fundamental de que as
Escrituras Sagradas são a única fonte e norma de fé. Os papistas
fazem da Escritura uma norma estreita (norma remissiva) e ensinam
uma perfictio implicita Scripturae Sacrae. Apesar disso, eles consideram
a Escritura suficiente apenas quando os seus ensinamentos são
suplementados pelos da Igreja ou do papa. Dessa forma, os papistas
rebaixam a Escritura a uma norma normata.
A Escritura apresenta as suas santas doutrinas tanto por Palavras diretas
(kata rheetm), como de acordo com o significado (kata diánoian). Citaremos,
para o primeiro caso, o ensinamento expresso da salvaqão pela graça, mediante
a fé em Cristo. (Jo 3.16; Rm 3.24,28) Para o segundo, a doutrina da Santíssima
Trindade. (Mt 28.20) As Escrituras, todavia, nunca fazem afirmação de
"princípios gerais" de que o teólogo cristão ou a Igreja tem de "desenvolver"
as doutrinas, pois não são um compêndio de princípios gerais, mas de
doutrinas. Para que o teólogo possa guardar-se de ensinar doutrina errônea, é
preciso que, de contínuo, tenha em mente que não deve ensinar nada senão
o que a mesma Escritura ensina em termos claros. É o que Lutero quer dizer,
quando escreve: "Na doutrina cristã não devemos afirmar nada que as Sagradas
Escrituras não ensinam." (S. L., XIX, 592) Outra vez: "Todos os artigos cristãos
devem ser de natureza tal que não só para os próprios cristãos sejam certos,
mas sejam ainda de tal modo confirmados por passagens manifestadas e claras
da Escritura que possam tapar a boca a todos [os adversários], de forma a
nada contra eles poderem dizer." (S., L., XVIII, 1747)
A Doutrina das Sagradas Escrituras

8.4. A DIVINA DAS SAGRADAS


CLAREZA ESCRTTURAS
(PERSPICUITAS, SCRIPTURAE
CLARITAS SACRAE)
Quando afirmamos que as Escrituras Sagradas são claras, ou explícitas,
queremos dizer que apresentam todas as doutrinas da salvagão em termos
tão singelos e comuns, que podem ser entendidas por todas as pessoas de
inteligência mediana. O dogmático luterano Baier expressa esse pensamento
do seguinte modo: "Qualquer um que esteja familiarizado com a linguagem,
possua critério comum e às Palavras preste atenção devida, poderá apreender
o verdadeiro sentido dos termos ... e abarcar as doutrinas fundamentais." A
clareza da Escritura é ensinada em passagens como: Sl 119.105,130; 19.7,8; 2
Pe 1.19; 2 T m 3.15. Vem, igualmente, pressuposta em todas as passagens
onde todos os seres humanos são exortados a examinar as Escrituras para a
salvação. (Jo 5.39; Lc 16.29; At 17.11; 2 Ts 2.15; 1s 34.16; 1 Jo 2-13,14). Quem,
pois, rejeita a clareza da Bíblia (os papistas, entusiastas, modernos teólogos
racionalistas), tem de rejeitar igualmente a verdade básica de que a Escritura
é o único principium cognoscendi, compelindo, dessa forma, o fiel cristão a
fundamentar a sua fé nas exposições humanas, ou da Igreja, ou de doutores
individuais da Bíblia.
Atendendo à verdade de que as Escrituras Sagradas são um livro claro, o
exegeta cristão deve evitar a inserção de suas opiniões subjetivas no texto
sagrado (eisegesis) e considerar como de sua função somente apresentar o
verdadeiro sentido da clara Palavra de Deus (exegesis: a dedução do significado
da Escritura). Deve permitir que a Escritura se interprete a si mesma. (Scriptura
Scripturam interpretatur; Scriptura sua luce radiat.) Pelo lado negativo, a função
do exegeta cristão pode ser descrita como sendo remoção de todas as
dificuldades do texto, mediante instrução gramatical apropriada e de todas as
falsas interpretações de expositores equivocados. Pelo lado positivo, como
sendo a exposição do sentido verdadeiro do texto (manuductio a d nudam
Scripturam) à luz do seu contexto e de passagens paralelas.
O exegeta cristão deve possuir as seguintes qualificacões: a) tem de
considerar a Bíblia inteira como a inerrante Palavra de Deus; b) tem de tratar
as Escrituras Sagradas como livro claro em si mesmo; c) tem de apontar o
verdadeiro sentido do texto; e d) tem de ser apto para resistir às opiniões
errôneas que falsos doutores ou teólogos ortodoxos equivocados inseriram
no texto.
Com respeito à clareza das Escrituras Sagradas, podemos, ainda, destacar
os seguintes pontos:
a. As Escrituras Sagradas são muito claras no que respeita às coisas
necessárias para a salvação. Prontamente admitimos que a Escritura
contém passagens que são, de certo modo, obscuras, não só para o
cristão mediano, mas também para o teólogo cristão. Esse fato,
Dogmática Cristá

porém, não desmente a doutrina sobre a clareza da Bíblia. As


passagens que são obscuras em si mesmas não apresentam artigos
fundamentais da fé cristã, mas geralmente se relacionam com
"assuntos onomásticos, cronológicos, topográficos, alegóricos, típicos
ou proféticos", segundo disseram nossos dogmáticos. Dentre as
passagens que propõem doutrinas, umas são menos claras que outras,
como Gerhard faz ver: "O que numa passagem se exprime de modo
obscuro, já noutra se explana de modo mais claro." Em todos os
casos dessa natureza, é preciso que se interprete o que é mais obscuro,
à luz do que é claro (sedes doctrinae; analogia fldei). Esse fato, porém,
ainda não desmente a doutrina a respeito da clareza bíblica. Em sua
exposição ao S1 37, Lutero faz o comentário muito criterioso: "Se,
todavia, algum deles (dos papistas) te importuna e diz: Precisas da
interpretação dos pais, visto a Escritura ser obscura, então deves
retrucar: "Isto não é verdade. Não há sobre a face da terra livro que
mais claro seja que a Santa Escritura, a qual, comparada a todos os
demais livros, é como o sol em relação a todos os demais luzeiros.
Dizem coisas dessas tão somente por quererem desviar-nos da
Escritura e a si mesmos se elevar à posição de mestre sobre nós, a fim
de que lhes creiamos os sermões fantasiosos ... Porque isto é na verdade
um fato: Algumas passagens na Escritura são obscuras, porém nestas
não encontrarás nada além do que já noutros lugares, e em passagens
claras e simples, se encontra. Mas vieram os hereges e explicaram as
passagens obscuras de acordo com os próprios juízos, e com estes
combateram as passagens claras e o fundamento da fé. Porém os Pais
com passagens claras os combateram e com elas verteram luz sobre
o que permanecia obscuro, provando assim que aquilo que em
algumas passagens é dito de maneira obscura, noutras vem exposto
de modo claro. Não permitas que te desviem e afastem da Escritura,
não importa quão intensamente possam [os papistas] tentar fazê-
10. Porque, se sais fora da Escritura, estás perdido; a seu talante hão
de te conduzir então. Se, porém, permaneceres na Escritura, terás
conquistado o triunfo e não considerarás a sua fúria senão como o
penhasco do mar sorri das ondas e vagalhões. Todos os seus escritos
nada mais são que ondas que fluem e refluem. Está certo de que
nada há mais claro que o sol, quer dizer, as Sagradas Escrituras.
Erguendo-se uma nuvem à sua frente, não obstante atrás desta outra
coisa não há senão o mesmo claro sol. Se, pois, deparares na Escritura
uma passagem obscura, não te alarmes, porquanto nela seguramente
está contida a mesma verdade que noutra parte vem ensinada com
clareza. Se, por conseguinte, não fores capaz de entender a que é
obscura, atém-te à que é clara." (S. L., 3 3 4 s ) Essas declarações de
desafio de Lutero repercutem as claras verdades que as mesmas
A Doutrina das Sagradas Escrituras

Escrituras Sagradas ensinam a respeito de sua clareza. (SI 119.105; 2


Pe 1.19s~)(cf. ainda a defesa que Lutero fez da clareza da Escritura
na sua obra famosa De Servo Arbitrio, XVIII, 1681ss)
b. Não se deve identificar a clareza da Escritura com a compreensi-
bilidade dos seus mistérios da fé (perspicuitas rerum). Precisamente
as doutrinas que devemos crer para nossa salvação, por exemplo, a
encarnaçáo de Cristo, a Santíssima Trindade, a união pessoal das
duas naturezas em Cristo, a satisfação levada a efeito mediante o
padecimento e morte vicários de Cristo, etc., continuarão sempre
ininteligíveis à razão humana (res inevidentes). Contudo, esses
mistérios incompreensíveis da fé são expostos em termos de tal modo
inteligíveis (perspicuitas verborum), que toda pessoa de inteligência
comum que entenda a linguagem humana pode apreendê-los no
seu espírito (apprehensio simplex) e, mediante a operação sobrenatural
do Espírito Santo, também os pode perceber espiritualmente
(apprehensio spiritualis sive practica). Por essa razão, nossos dogmáticos
luteranos chamaram à clareza da Escritura claritas verborum, ou claritas
externa, ou claritas grammatica, etc. Sobre esse ponto, Gerhard cita
Lutero (I, 26) que escreve: "Se aludes à clareza interna, não há quem
entenda um jota que seja nas Escrituras, pelos poderes naturais de
sua mente, a menos que tenha o Espírito de Deus; porque todos os
seres humanos [por natureza] têm corações obscuros. O Espírito
Santo é indispensável para a compreensão da Escritura em globo e
em todas as suas partes. Se te referes à clareza externa da Escritura,
nada há que se tenha deixado obscuro ou ambíguo, porém tudo que
na Palavra se publica, é perfeitamente claro." (Doctr. Theol., p.73) Pode-
se resumir toda a doutrina da clareza da Escritura do seguinte modo:
A Escritura é clara externamente (claritas verborum) para todos os seres
humanos de mente sã, internamente (claritas spivitualis) só para os
crentes e essencialmente (claritas rerum, a compreensão dos mistérios
da fé) só para os santos no céu. (1 Co 13.12)
Por tudo isso, vê-se claramente para quem as Sagradas Escrituras
continuarão sendo um livro obscuro, a saber, para todos os que:
a. não entendem a linguagem humana em geral nem a linguagem da
Escritura em particular;
b.estão tão cheios de preconceitos, que se recusam a considerar
honestamente as Palavras da Escritura;
c. empenham-se em compreender os divinos mistérios por meio de sua
razão cega;
d. estão tomados de inimizade contra as verdades divinas que as
Escrituras ensinam. (SI 18.26; Jo 8.43-47; 2 Co 4.3,4) Isso explica
Dogmatica Cristã

por que tantos que erram, arrogantemente repelem a Bíblia como


livro obscuro. 'A cega incredulidade, certo é que erra e perscruta em
vão a sua obra." (Cowper)
A "cega incredulidade" também sugeriu as objeções feitas contra a
clareza da Sagrada Escritura. Dentre elas, podemos mencionar as seguintes:
a. A instituição do santo ministério. Resposta: Cristo, realmente, instituiu
o ministério público, porém não com a finalidade de tornar a Bíblia
clara, mas de pregar o Evangelho que a Bíblia expõe tão claramente
(Mc 16.15,16; Mt 28.19,20) e, por esse meio, conduzir os seres
humanos aos céus. (Hb 13.17; Ez 3.18)
b. As divergências e facções no seio da Igreja Cristã visível. Resposta: Essas,
para nosso pesar, existem, porém unicamente porque há seres
humanos que insistem na rejeição das doutrinas claras da Escritura.
(Jo 8.31,32; 1 T m 6.3s~)
c. Há, na Escritura, passagens obscuras. Resposta: Essas passagens não
refutam a clareza da Escritura, visto as doutrinas da salvação virem
ensinadas com grande clareza. Santo Agostinho diz com razão: "Nas
passagens claras da Escritura acha-se tudo o que é necessário para a
Fé e a vida."
d. Os ininteligíveis mistérios da fé. Resposta: Esses mistérios ficam
realmente fora do alcance da razão humana, porém são ensinados
em linguagem tão simples, que os fatos são inteligíveis até mesmo
para uma criança normal.
e. Há passagens especiais na Escritura, afirma-se, que admitem a sua
obscuridade. Apontaram-se, por parte daqueles que negam a clareza
da Escritura, passagens como 2 Pe 3.16 e 1 Co 13.12. Resposta: São
Pedro declara que, entre as coisas que São Paulo escreve em suas
epístolas (en hais), algumas são difíceis de serem entendidas
(dysnóeeta). As Sagradas Escrituras, realmente, contêm muitas coisas
que são "difíceis de entender". Isso, entretanto, não Ihes desmente
a clareza; porquanto, onde quer que ensinem o caminho da salvação,
são perfeitamente claras.
Em 1 Co 13.12, Paulo não fala das Escrituras, porém do nosso
conhecimento de Deus e da verdade divina, que agora é mediato e imperfeito,
mas que, no céu, será imediato e perfeito. Daí também essa passagem não
refutar a clareza da Bíblia.
A clareza da Escritura é contestada pelos papistas ("De si mesmas as
Escrituras não são claras nem inteligíveis mesmo em assuntos da mais alta
importância." - Cardeal Gibbons, The Faith of Our Fathers, p . l l l ) , e pelos
entusiastas. Os papistas alegam que as Escrituras devem ser interpretadas
A Doutrina das Sagradas Escrituras

pela Igreja, ou seja: o papa, ao passo que os entusiastas asseveram que é preciso
sejam explicadas por meio da "luz interior". Tanto papistas como entusiastas,
e m última análise, recorrem à razão h u m a n a para expor a Escritura,
precisamente como os racionalistas modernos fazem. Estes asseguram que se
deve interpretar a Bíblia à luz da inteligência moderna. Nesses três casos,
todo ataque que se faz ao santo e claro Livro divino da salvação, vem ditado
pela oposição deliberada ao bendito Evangelho de Cristo. (1 Co 1.22,23)
Tudo
-- _
-o que_-
o ser
__humano sabe acerca de Deus, --- ele -o sabe pela pópria
- -

revelação que Deus faz de si mesmo tanto no reino da n a t u r e z a a m o no da


----
graça Vale dizer - seja %ravés d e da criação e provid&tnciaJe Deus, seja
através do seu santo livro, a-
Bíblia.
--
Dai falarmozom acerto de um coaecimento
natural de Deus e de u m conhecimento sobrenatural, revelado ou cristão. Se
Deus não se revelasse, jamais o ser humano o teria conhecido, visto Deus ser a
personalidade absoluta, perfeita, que habita "em luz inacessível". (1 T m 6.16)
Mediante o seu conhecimento natural de Deus, o ser - - humano sabe da
-

existência de um Ser divino pessoal, eterno e onipotente, que criou o m u g o


éainda conservá e governa todas as coisas, e que é santo e justo, exigindo o
bem e punindo o mal. Tal conhecimento natural de Deus é transmitido
ser humano:
- a. Pelas obras divinas da criação (poiêemata theou, creaturae Dei), que, em
si mesmas, encerram um testemunho ao seu Criador onipotente.
Em Rm 1.20, Paulo testifica que, embora Deus seja invisível em si
mesmo, o ser h u m a n o sabe dele e, e m particular, da sua
personalidade, eternidade, onipotência e soberania "por meio das
coisas que foram -criadas".
-
Que isso é verdade, está provado pelo
testemunho de muitos filósofos pagãos, como, por exemplo,
Aristóteles e Cícero. Cícero escreve (Tusc. Disp., I, 28): "Deum non
vides; tamen Deus agnocis ex operibus eius." Este conhecimento natural
de Deus é tão certo que o apóstolo diz que todos os agnósticos e
ateístas, que negam sua existência e injunções divinas, "ficam
inescusáveis". (Prova cosmológica da existência de Deus.)
b. Pela operação continuada de Deus no reino da natureza e na história
humana. Em At 14.15,17, Paulo afirma que Deus "não se deixou ficar
sem testemunho de si mesmo, fazendo o bem, dando-vos do céu
chuvas
-- - - - e- estações
- - -frutíferas, enchendo o vosso coração de fartura e
7

-- ã
Zee -E - gjr~27i-O-Fon3Z7 i m- e n t o que o <eT-húmano adquire da
-L

manifestação permanente que Deus faz de si na história humana é


A Doutrina de Deus

descrito pelo apóstolo em At 17.26-28, onde declara que Deus fez


todos os seres humanos "para buscarem a Deus" e que "nele vivemos,
e nos movemos, e existimos", de tal maneira que até mesmo os poetas
pagãos confessaram: "Porque dele também somos geração." (Prova
histórica da existência de Deus.)
c. Pela Lei divina escrita no coração do ser humano. Por meio dessa Lei, os
seres humanos "conhecem a sentença de Deus" (Rm 1.32) Sem a
Lei revelada "procedem por natureza de conformidade com a Lei",
"testemunhando-lhes também a consciência, e os seus pensamentos
mutuamente acusando-se, ou defendendo-se". (Rm 2.14,15) (Prova
moral da existência de Deus.)
À vista desses fatos, as teorias antiteístas sustentadas pelos seres
humanos não são frutos de são raciocínio mas, pelo contrário, efeito da
perversa e arbitrária supressão, por parte do ser humano, do conhecimento
natural de Deus que este implantou no coração humano. (Rm 1.18) Não
representam progresso no pensamento humano religioso, mas decadência
espiritual e moral.
O ateísmo nega a existência de Deus se bem que o ser humano, por
natureza, tenha conke~imen-de Deus. (Rm 1.19; SI 14.1) 0
-- --- divinas, embora o conhecimento
~oliteísmodivide Deus em muitas entidades
de Deus que o ser humaiio tem por natureza seja monoteísta. (Rm 1.20: "O
seu eterno podern).[O materialismo
- nega a realidade do espírito e ignora a
-A---

m t & i a e o espírito, de forma que no materialismo não há


e nem imortalidade, mas só persistência da matéria
e da força. O panteísmo é a doutrina segundo a qual Deus é tudo e tudo é
Deus, de modo q a a existe fora de ~ e u s . deísmo h admite a existência de
um Deus pessoal, que tenha criado o mundo e incutido, ao mesmo, as Leis
que o governam, porém ensina que, mais tarde, D us se apartou do mundo e
o deixou entregue ao governo das Leis naturais.-7 0pessimismo considera o
mundo e a vida essencialmente maus e sustenta que o mundo, embora não
sendo o pior-que podia ser, é suficientemente mau, para ser pior do que se
não existisse. A evolução ateística nega a existência de Deus, afirma a eternidade
da matéria e dàfo ça e atribui o desenvolvimento do cosmo a forças puramente
f
naturais (Keyser).A evolução teísta sustenta que Deus criou a matéria primordial
e que, daí por dTante, a evolução t e sido o seu modus operandi no

é possível saber se há ou não um Deus.


T
desenvolvimento dela até o estágio atual. O agnosticismo ensina que não nos
ositivisrno @ n a qiie só podemos
conhecer phenomena, porém não n o u m e n k a- , a daí
ser ele agnóstico no que tange a Deus, à alma e à substância das coisas.
Todas essas teorias antibíblicas são contrárias ao conhecimento natural
de Deus que as Sagradas Escrituras atribuem ao ser humano tão clara e
enfaticamente. (Rm 1.19,20,32; 2.14,15)
Dogmática Cristã
-

O conhecimento natural de Deus é, dentro dos seus limites, real e


verdadeiro, Rm 1.18, pois o que ensina sobre a personalidade, eternidade,
onipotência, sabedoria, santidade e justiga de Deus está de acordo com a
religião revelada. Se bem que inato (fiotitia inmta), (h 2.14,15): "Servem
eles de Lei para si mesmos"; "a norma da Lei, gravada nos seus corações"),
pode expandir-se e confirmar-se ainda (notitia acquisita) pela contemplação
das obras e caminhos de Deus na natureza e na historia, (At 17.27,28) apesar
de que possa ser correspondido e convertido em erro (teorias antiteísticas)
pela depravação moral que existe no ser humano. (h 1.18)
O conhecimento natural de Deus é de grande benefício para o scr
humano, porque é o fundamento da justiça civil (iustitia civilis) do ser humano
natural (Rm 2.14; At 17.27) e o pÒnto de partida d o s a o n á r i o s cristãos
para a proclamação da Lei revelada. Lutero declara com razão que, se Deus
não tivesse escrito a Lei no coração do ser humano, por muito tempo
haveríamos de pregar, até a consciência do ser humano se ver torturada. (S.
L., 111, 1053) Ao pregar a Palavra de Deus aos filósofos atenienses, Paulo
começou por apelar para o seu conhecimento natural de Deus. (At 17.13-29)
O conhecimento natural de Deus é, também, de grande valor porque o
ser humano constrói as chamadas provas racionais da existência de Deus
mra combater a incredulidade sobre L seu fundamento. Dessa forma., a rnova
1

ontológica
-- argumenta
____ da existência da idéia de Deus no ser --humano ara a
_--
realidade da sua existência. A prova~cosmológic~
-\-

%
-- -
deduz que o m u n o
forçosamente teve uma causa primária anterior a-todas as caus& secundárias
que operam na natureza. A prova teológica argumenta sobre os desígnios e a
finalidade que se evidenciam na natureza em toda a parte. A prova moral
argumenta da existência de nossa constituição moral para a existência de um
Supremo Ser Moral. A prova histórica conclui, da história do ser humano, que
existe um divino Governante que conduz todas as questões pertinentes ao
mundo para um alvo que tem em mira. A prova teológica deduz a existência
de Deus do fato de que não é preciso que jamais se explique aos seres humanos
a idéia acerca de Deus, visto todos os seres humanos no mundo saberem a
quem se entende por esse termo. Daí não se dever subestimar o conhecimento
natural que o ser humano tem de Deus, uma vez que Deus o outorgou ao ser
humano para governá-lo por ele no seu Reino do poder (in regno potentiae),
mantém-no responsável pela atitude para com ele (Rrn 1.18-32) e retribui a
sua observância e a obediência ao mesmo com bênçãos temporais. (Ex 1.20,21)
Apesar de tudo, o conhecimento natural de Deus não basta para assegurar
a salvação do ser humano. Sobre esse ponto, Quenstedt escreve (I, 261): "O
conhecimento natural de Deus não é adequado para alcançar a vida eterna, e
por ele só nenhum mortal jamais se salvou nem nunca ninguém poderá salvar-
se." (At 4.12; Rrn 10.17; Mc 16.15,16; G1 3.11; Ef 4.18; 2.12; G1 4.8) (Doctr.
Theol., p.110) Porque o conhecimento natural de Deus não abrange o Evangelho
A Doutrina de Deus

(1 Co 2.7-10), mas somente a Lei (Rrn 2.14,15), seu resultado prático não vai
além de uma consciência culposa (Rm 1.20; 2.15), medo da morte (Hb 2.15), o
estado de condenação (C1 3.10) e completa desesperança. (Ef 2.12) O ser
humano sabe por natureza que há um Deus justo e santo (Rm 1.21), porém
não sabe que as exigências eternas da sua justiça perfeita foram cumpridas pela
satisfação vicária de Cristo. (1 Co 1.21) Sabendo por natureza que há um Deus,
o ser humano natural não sabe que esse Deus é gracioso para com sua criatura
através de Cristo. (1 Co 1.21; At 17.24,25; Mt 28.19,20)
Embora o conhecimento natural de Deus que o ser humano possui
coincida, em alguns pontos, com o conhecimento de Deus sobrenatural ou
revelado (articuli mixti), o teólogo cristão toma por base de tudo quanto ensina
acerca de Deus apenas as Escrituras Sagradas, por serem a única fonte e norma
de fé designadas por Deus (principium cognoscendi). Só elas ensinam as preciosas
verdades evangélicas relativas a Deus, pelas quais o ser humano se salva (articuli
puri). O dogmático luterano Chemnitz escreve sobre isso (Loci Theol., I, 22):
"Conhecimento de Deus que salva, mediante o qual obtemos a vida eterna,
é o conhecimento que se revela através da Palavra, na qual Deus se dá a
conhecer a si e a sua vontade. Deus sujeitou a esta revelação sua Igreja, que
conhece, adora e glorifica Deus unicamente como se revelou nesta Palavra,
de forma que se pode, por aqui, distinguir a verdadeira e única Igreja de Deus
de todas as religiões pagãs." (Doctr. Theol., p.111)
O conhecimento cristão de Deus que adquirimos das Sagradas Escrituras,
e de nenhuma outra fonte mais, é teísta e trinitário; isto é, o cristão fiel
conhece e adora unicamente Deus como Santíssima Trindade - Pai, Filho e
Espírito Santo, três pessoas distintas numa só essência inseparável. Esse
conhecimento cristão de Deus não constitui mero suplemento ao
conhecimento natural de Deus que o ser humano possui, mas uma revelação
inteiramente nova, pela qual o ser humano está habilitado a conhecer Deus
verdadeira e amplamente (Mt 28.19,20; 1 Co 8.4-6) e, pela fé, adorá-lo como
seu Salvador. (1s 41.14; 42.5-8; 43.1-3; 10-12; 44.1-8; 45.20-25)
Por essa razão, é indispensável que toda descrição cristã de Deus também
encerre a Santíssima Trindade; vale dizer - sempre que o teólogo cristão descreve
Deus, deve descrevê-lo como o Deus uno que é Pai, Filho e Espírito Santo. Calov
está com a razão, ao dizer (11, 282): "Aqueles que, na descrição de Deus, não
incluem uma declaração referente às três pessoas, de modo nenhum apresentam
essa doutrina numa forma de todo genuína e completa, uma vez que sem estas
não se evidencia ainda qual seja o verdadeiro Deus." (Doctu. Theol., p.117)

TRINDADE
2. A SANTÍSSIMA
De acordo com as Sagradas Escrituras, Deus é, em essência, um só,
porém, nessa uma essência, há três pessoas distintas - Pai, Filho e Espírito
Dogmática Cristã

Santo. (Lutero: "Scriptura Sancta docer esse Deum simplicissime unum er rres, ut
vocant, personas verissime distinctas." S. L., X, 176ss) A essa doutrina da Escritura
a Igreja cristã dá expressão sob o termo "Trindade".
As Escrituras Sagradas ensinam claramente que Deus é um em essência,
embora três em pessoa; sua doutrina acerca de Deus, tanto no Antigo como no
Novo Testamentos, é exclusivamente monoteísta. De acordo com a Escritura,
Deus é um só e, além dele, não há outro Deus. (Dt 6.4: "Ouve, Israel, o Senhor
nosso Deus é o único Senhor." (1 Co 8.4: "Não há senão um só Deus.") As
Escrituras consideram todos os ídolos dos pagãos como "não sendo deuses"; (Jr
2.11; "ídolos", (Elilim), Lv 19.4, ou como coisas que estão inteiramente
destituídas de existência real. (cf. as descrições dos ídolos em 1s 44.6-20; Jr
2.26-28; S1 115.1-9; 135.15-17.) Em o Novo Testamento, Paulo escreve com
igual ênfase: "O ídolo de si mesmo nada é no mundo." (1 Co 8.4) E disso deduz
a doutrina cristã fundamental: "Para nós há um só Deus." (1 Co 8.6)
As Sagradas Escrituras associam o imperativo da adoração divina à
verdade suprema da existência de Deus. Esse um Deus verdadeiro, que se
revelou na sua Palavra, deve ser adorado e servido por todos os seres humanos.
(Êx 20.3: "Não terás outros deuses diante de mim.") (Mc 12.29,30: "Respondeu
Jesus: O principal é: Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor!
Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu entendimento e de toda a
tua força.") Do modo como o politeísmo elimina o verdadeiro conceito de
Deus, ele também destrói a verdadeira adoração. Daí os pagãos terem de
converter-se dos seus ídolos ao Deus verdadeiro, se quiserem adorá-lo. (At
14.15: "Que destas coisas vãs vos convertais, apó toutoon toon mataioon, ao
Deus vivo.")
Enquanto que a Bíblia propõe a doutrina da unidade de Deus com a
maior seriedade, ela ensina, ao mesmo tempo, que esse um Deus é a Santíssima
Trindade. Cristo, ao enviar os seus discípulos a ensinar todas as nações, mandou-
os expressamente que batizassem "em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito
Santo". (Mt 28.19) "Pai, Filho e Espírito Santo", todavia, são designações de
três pessoas; logo a Igreja Cristã ensina com base na Escritura: "Deus é uno e,
contudo, nesta uma essência divina, há três pessoas distintas." ("Pai, Filho e
- Espírito Santo, três pessoas distintas numa única essência e natureza divinas,
são um Deus, o qual criou os céus e a terra." Os Artigos de Esmalcalde, Prim.
Parte). Assim como as Escrituras associam à doutrina o imperativo de que se
deve prestar culto a esse um Deus, as Sagradas Escrituras também mandam
que se adore esse um Deus verdadeiro na Santíssima Trindade. Dito de outra
forma, não se deve adorar só uma pessoa da divindade, mas todas as três. (1 Jo
2.23): "Todo aquele que nega o Filho, esse não tem o Pai." (5.12) 'Aquele que
não tem o Filho de Deus não tem a vida." (Jo 5.23: "Que todos honrem o Filho,
do modo por que honram o Pai. Quem não honra o Filho não honra o Pai que
o enviou.") A base dessa clara doutrina da Escritura, a Apologia da Confisdo de
A Doutrina de Deus

Augsburgo (Art. I) a b a : "Cremos e ensinamos que há um ser divino, eterno,


uno, indiviso, e que, não obstante, há três pessoas distintas num único ser
divino, igualmente poderosas, igualmente eternas - Deus Pai, Deus Filho, Deus
Espírito Santo. Este artigo temos sempre ensinado em sua pureza e sempre
defendido, e temos para nós - disto estando certos - que o mesmo tenha tão
forte, justificado e seguro fundamento nas Sagradas Escrituras que a ninguém :
será possível criticá-lo ou derrubá-lo. Por isso, concluímos com franqueza que ,
são idólatras, blasfemadores de Deus e estão fora da Igreja de Cristo todos
quantos pensem e ensinem de modo diverso."
Para uue nos seia ~ossível
1 J L I
Dermanecer na doutrina Dura
L
da Bíblia acerca
da- Santíssima
- - - -- - Trindade, é indispensável que, à base da Escritura, sustentemos-

aue cada aessoa ni-divindadé é o Deus com~leto(totus Deus).


-- L _ \
,, ou aue cada
I -
--
~ e s s o & ã ~ ~ e i ~essência
a .- divina
- - sem divisão ou multiplica~ão(sine divisione
et rnultiplicatione). "Cada uma dessas pessoas é o Deus completo, fora do qual
não há outro Deus." (Lutero) Com a expressão sine divisione, queremos dizer
que a essência divina com seus atributos não está dividida entre as três pessoas,
de forma que o Pai tem um terço; o Filho, um terço e o Espírito Santo, um
terço, porém de forma a cada pessoa ter toda a essência divina, inteira e indivisa.
Isso não é uma "construção dogmática", mas doutrina bíblica. (C1 2.3): "Em
quem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos." (2.9):
"Nele [Cristo] habita corporalmente toda a plenitude da Divindade."
Declaramos, com a expressão sine multiplicatione, que não há três grupos ou
séries distintas de atributos divinos, de forma que o Pai tenha uma série; o
Filho, outra e o Espírito Santo uma terceira, mas que uma e a mesma essência,
juntamente com todos os seus atributos divinos, cabe ao Pai, ao Filho e ao
Espírito Santo, quanto à espécie (specie). Acerca do ser humano, é preciso
que se diga existirem tantas essências quantas pessoas existem (quot yersonae,
tot essentiae). Sobre Deus, porém, as Escrituras Sagradas testificam que as
três pessoas da divindade têm uma e a mesma essência com todos os seus
atributos no que concerne ao seu número. (Ees personae, una essentia divina,
individua, uuus Deus.) Essa sublime verdade bíblica é ensinada nas passagens
que damos a seguir: 00 10.30: "Eu e o Pai somos um." (hen), (Jo 5.17: "Meu
Pai trabalha até agora, e eu trabalho também") (5.19: "O Filho nada pode
fazer de si mesmo, senão somente aquilo que vir o Pai fazer; porque tudo o
que este fizer, o Filho também, semelhantemente, o faz.") (10.37: "Se não
Faço as obras de meu Pai, não me acrediteis.") O Credo Atanasiano confessa
essa verdade como segue: "E a fé católica consiste em venerar um só Deus na
Trindade e a Trindade na unidade, sem confundir as pessoas e sem dividir a
substância. ,-'
Pois uma é a pessoa do Pai, outra a do Filho, outra a do Espírito Santo;
mas uma só é divindade do Pai e do Filho e do Espírito Santo, igual a glória,
coeterna a majestade.
Dogmática Cristã

Qual o Pai, tal o Filho, tal também o Espírito Santo. Incriado é o Pai,
incriado o Filho, incriado o Espírito Santo. Imenso é o Pai, imenso o Filho,
imenso o Espírito Santo. Eterno o Pai, eterno o Filho, eterno o Espírito Santo;
Contudo, não são três eternos, mas um único eterno; Como não há três
incriados, nem três imensos, porém um só incriado e um só imenso. Da mesma
forma, o Pai é onipotente, o Filho é onipotente, o Espírito Santo é onipotente:
Contudo, não há três onipotentes, mas um só onipotente.
Assim, o Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus; e todavia
não há três Deuses, porém um único Deus ..." (L.C. Credo Atanasiano,
20,21.3,16,24,25).
Para a mente humana, a doutrina escriturística da Santíssima Trindade
é absolutamente incompreensível; pois, à base da Escritura, professamos um
Deus indiviso e indivisível, de forma a ser cada pessoa o Deus completo (totus
Deus); e professamos, contudo, três pessoas realmente distintas, de modo
que, quando o Filho se encarnou, somente ele se tornou ser humano, e não o
Pai ou o Espírito Santo e quando o Filho sofreu e morreu, somente ele sofreu
e morreu, não o Pai ou o Espírito Santo. Essa verdade ultrapassa a razão, pois,
de acordo com a razão, a Unidade anula a Trindade e a Trindade, a Unidade.
Não pode conciliar a Unidade e a Trindade, tampouco a Trindade e a Unidade.
Em conseqüência disso, todos os que erraram nesse ponto, negaram, ou a
Unidade ou a Trindade.

EM TORNO
3. CONTROVÉRSIA DA DOUTRINA TRINDADE
DA SANT~SSIMA
A doutrina cristã da Santíssima Trindade tem sido energicamente -
controvertida, em parte, pelos que erraram,(-gando que h o u v e s s e m
(monarquianos L unitários - ' - -bntitrinitários) ra, pelos que erraram,
negando que houvesseFma s w c i a jtri monarquianos podem
ser divididos em duas classes: os m o n i u stas ou patripassianos,
conhecidos, no Oriente, por sabelianos. Esses sustentavam que as três pessoas
da Trindade fossem apenas três diferentes energias ou modalidades da mesma
pessoa divina, de forma que o Filho e o Espírito Santo seriam meram&te
manifestações diversas (irósoopa) do P a ~ 3 ~o?grquianoss _
dinâmicos ou ,
adorionistas, que acreditavamgue o Filho fosse mero ser hu0-1
_______l_l_~-
e oZpírito
Santo? a potêma divina do --- Pai nas criaturas_lPaulo
-- ---- - de Samosata, focinianos,
arianos, socinianos, unitários, modernistas). Em oposição ao monarquianismo,
que nega a existência de três pessoas distintas, a Igreja Cristã sustenta que o
Pai, o Filho e o Espírito Santo não são três'modalidades ou potências de uma
só pessoa, porém três pessoas distintas. Essa verdade se comprova precisamente
peios termos Pai, ~ i l h oe Espírito Santo, que jamais designam qualidades ou
potências inerentes a uma pessoa, mas sempre pessoas que subsistem por si
mesmas (Conf Augsb., Art. I: 'A Palavra pessoa não significa uma parte, nem
A Doutrina de Deus
uma qualidade noutro ser, porém o que subsiste por si, de acordo com o
sentido em que os doutores antigos da Igreja usavam esse vermo neste
respeito.") Essa verdade ainda fica comprovada pelas obras pessoais de cada
pessoa emseparado, como sejam falar, querer, repreender, etc., que a Escritura
não atribui só ao Pai, mas também ao Filho e ao Espírito Santo. (Actiones
semper sunt suppositorum intelligentium, [...I opera sunt personis propria.) Ao
Filho a Escritura atribui os atos de conhecer (Mt 11.27); declarar (Jo 1.18);
querer (Jo 17.24), etc. Ao Espírito Santo se atribuem os atos de falar (At 28.25);
ensinar (Jo 14.26); repreender (Jo 16.8), etc. Essa verdade fica demonstrada,
ainda, por passagens expressas da Escritura em que o Pai é considerado outro
(allos) do que o Filho g o 5.32-37), ou em que o Espírito Santo é considerado
outro (allos). (Jo 14.16)
Da forma como os monarquianos negam a existência de três pessoas
na divindade, outros que se desviaram da verdade, negam a Unidade de Deus
e ensinam a existência de três essências divinas distintas em vez de uma
essência divina indivisa e indivisível.~ses,os triteístas phem ast~êuê
n-u m mesmo plano. Já os subordinacianos as subordinam uma à outra,
atribuindo prioridade da essência ao Pai. Todos os subordinacianos negam o
verdadeiro Deus-uno e ensinam o politeísmo; pois, se afirmam que o Filho e
o Espírito Santo são "Deus num grau inferior" que o Pai, pressupõem três
essências divinas distintas, ou três deuses, dos quais um é o supremo Senhor
e os outros, divindades subalternas. ~ s p i L á o a esse erro,&rejaCristá
ensina que as três pessoas nesta Divindade estão perfeitamente num mesmõ
plano, iito é, que são Deus de modo idêntico e num mesmo grau, porquanto
a essência divina, que é, numericamente, uma só (una numero essentia),
pertence inteira e indivisa a cada pessoa. Essa doutrina fundamenta-se em
passagens claras e decisivas da Escritura. Em Mt 28.19, três pessoas diferentes
e perfeitamente coordenadas são descritas como de mesmo nome (ónoma).
Outrossim, atribuem-se ao Filho, bem como ao Espírito Santo: a) os mesmos
nomes divinos dados ao Pai, inclusive o Homem essentiale er incommunicabile,
Jeová, (ao Filho: Jr 23.6; Jo 1.1; ao Espírito Santo: 2 Sm 23.2; At 5.3,4); b) os
mesmos atributos divinos, como a eternidade, onipotência, onisciência,
onipresença, bondade, misericórdia, etc. (ao Filho: C1 1.17; Jo 10.28; Jo 21.19;
Mt 28.20; 2 Co 13.14; ao Espírito Santo: Hb 9.14; 1s 11.12; 1 Co 2.10-12; S1
139.7); c) as mesmas obras divinas, como a criação, manutenção, os milagres,
etc. (ao Filho: Jo 1.1-3; C1 1.16; Jo 5.17; 6.39; ao Espírito Santo: S1 33.6; Jó
33.4; At 10.38); d) divina adoração e culto (ao Filho: Jo 5.23: Fp 2.10; ao
Espírito Santo: 1s 6.3; 2 Co 13.14; Nm 6.26). Eis, pois, como se afirma a
verdadeira divindade do Filho e do Espírito Santo de maneira enérgica na
Escritura.
Toda vez em que o Pai é chamado a primeira, o Filho, a segunda e o
Espírito, a terceira pessoa da Divindade, não vai nisso nenhuma subordinação
ou disparidade com relação ao tempo (tempore) ou à dignidade (natura vel
dignitate), mas isso vem apenas indicar a verdade bíblica de que o Filho provém
do Pai (Jo 1.14); o Espírito Santo provém do Pai e do Filho (Mt 10.20; GI 4.6).
Ou melhor, essa ordem de enumeração mostra a maneira divina como as três
pessoas subsistem na divindade (modus subsistendi). O fato de o Filho ter sido
gerado do Pai não o diminui perante o Pai; tampouco a espiração do Espírito
Santo torna o Espírito inferior ao Pai e ao Filho, porque a geração e espiração
são atos eternos, processos fora do tempo, pelos quais o Filho e o Espírito
Santo, juntamente com o Pai, possuem a mesma essência e majestade divinas.
O Credo Atanasiano declara: "E dentre estas três pessoas não há primeira
nem última, nem maior nem menor; mas todas as três são igualmente eternas
entre si, igualmente grandes: Para que, segundo se disse, sejam adoradas três
pessoas numa só Divindade e um Deus em três pessoas." Quando Cristo diz
de si mesmo: "O Pai é maior do que eu7' (Jo 14.28), fala de si quanto à natureza
humana no seu estado de humilhação. Atanásio: Aequalis Patri secundum
divinitatem, minar Patre secundum humanitatem. O fato de o Pai ser "maior"
que o Filho em seu estado de humilhação deixou de ser quando Cristo foi
exaltado. (Jo 14.28, Ef 1.20-23; Fp 2.9-11)
Outra vez, quando a Escritura diz que Deus criou o mundo pelo Filho
(Hb 1.2; Jo 1.3) de nenhum modo ensina qualquer subordinação do Filho ao
Pai, mas, ao contrário, o modo divino de operar (modus operandi) ad extra. Pois
que, o Filho sendo do Pai, também a operação dele provém do Pai, ao passo
que a do Espírito Santo vem do Pai e do Filho. No entanto, com relação ao
número, a operação divina permanece a mesma (una numero potentia) e pertence
inteira a cada pessoa, de forma que não está distribuída entre as três pessoas.
Por essa razão, as Sagradas Escrituras de quando em quando atribuem toda a
obra da criação a uma única pessoa apenas, sem nomear as demais. A criação
é atribuída, também, ao Filho. (Jo 1.1-3; Hb 1.10) Gerhard escreve (I)V, 4):
"Porém este um verdadeiro Deus é Pai, Filho e Espírito Santo; por conseguinte,
a obra da criação é, na Escritura, atribuída ao Pai e ao Filho e ao Espírito
Santo. Acerca do Pai, afirma-se (1 Co 8.6); acerca do Filho (Jo 1.3; C1 1.16);
acerca do Espírito Santo (Jó 26.13; 33.4; SI 104.30). Por isso, concluímos que
a criação é uma ação indivisa unicamente do Deus uno e verdadeiro, a saber:
do Pai, do Filho e do Espírito Santo". (Doctr. Theol., p.162) Escreve Hollaz:
"Nas Sagradas Escrituras e no Credo Apostólico, atribui-se a obra da criação
de maneira muito peculiar a Deus Pai: a) em virtude da ordem da operação:
por essa razão, o que de si mesmo tem o Pai a fazer e criar, tem-no o Filho de
Deus e o Espírito Santo do Pai; b) em virtude de haver Deus Pai na obra da
criação manifestado por sua supereficiente Palavra de comando a sua própria
onipotência (Gn 1.3); c) em virtude de a criação constituir a primeira obra ad
extra e ser, por conseguinte, afirmada, por apropriação, como da primeira pessoa
da Divindade". (Ibid.)
A Doutrina de Dzlic

4. A DOUTRINA TRINDADE
DA SANTÍSSIMA E A TERMINOLOG
DA IGREJA
CRISTA
Tem-se debatido a questão sobre se se devem usar termos que não se
acham na Escritura, quando apresentada ou ensinada uma doutrina da religião
cristã, p. ex., a doutrina da Santíssima Trindade. Em resposta a essa pergunta,
dizemos que se podem usar, sem receio, todos os termos que expressem a
clara doutrina de Deus como revelada na Escritura, em especial aquelas em
que a Igreja Cristã defende a verdade divina contra o erro. Além disso, é preciso
afirmar que todos os que crêem conforme a Igreja, também devem falar
conforme a Igreja. Quem inventa inútil e frivolamente novos termos, não só
traz confusão à Igreja, com expressões novas às quais não se está habituado,
como ainda se torna alvo de suspeita por introduzir doutrinas novas e errôneas.
Daí ser necessário desencorajar o uso de termos novos na doutrina da
Santíssima Trindade.
A Igreja Cristã ensina por uma parte, contra o monarquianismo, por
outra, contra o triteísmo, que há três pessoas numa só essência (tres personae
in una essentia, treis hypostaseis kay mia ousia). Contra o arianismo, em
particular, que afirmou ser o logos criatura de Deus (ktisis, poíeema), o Concílio
Niceno declarou que o Filho é "de uma só substância" com o Pai (homooúsios,
coessentialis, consubstantialis). Esses termos não significam que o Filho apenas
seja de essência semelhante com o Pai (homoioúsios), porém que essa uma e
mesma essência que existe em Deus uma só vez, é igualmente a do Pai e a do
Filho (unius essentiae numero), de sorte que o Filho é "Deus de Deus" e
"verdadeiro Deus do verdadeiro Deus". Essa doutrina é realmente escriturística.
(Jo 10.30)
A Palavra essência (ousia, essentia), usada com relação a Deus, significa
a natureza divina com todos os seus atributos, que existe uma só vez
(singularis) nas três pessoas (una numero essentia). "Entende-se pelo vocábulo
essência ou ousia a natureza divina como esta é em si mesma, sendo ela toda,
com seus atributos, muito simplesmente, una e singular, e da mesma forma,
também, a essência das três pessoas é uma só." (Baier) Por isso mesmo, o
termo essência é aplicado a Deus num sentido único. Quando o aplicamos
aos seres humanos, a saber, com o intuito de assinalar alguma coisa que é
comum a todos os seres huxanos, emprega-se o vocábulo como termo
genérico (nomen universale) ou como substantivo abstrato (nomen abstractum),
que designa o que não existe concretamente, mas é abstraído dos seres
humanos que existem de modo concreto. (Ex: É da essência do ser humano
pensar ou querer). Todavia, quando falamos da essência divina que é comum
ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, o termo essência não é genérico nem
abstrato, mas concreto (nomen concuetum), designando o que efetivamente e
de modo concreto existe e é próprio das três pessoas divinas como uma só
coisa, quanto ao número (numero).Em outras Palavras, o termo essência designa
Dogmática Cristã ,

o próprio Deus conforme existe como Um só em Três. "A essência de Deus é


a natureza espiritual e independente de Deus, comum às três pessoas divinas."
(Hollaz).
Pelo termo pessoa (persona, hypóstasis) entendemos, na esfera do
pensamento humano, um ser individual e racional que existe por si (suppositum
intelligens). Dessa forma, todos os seres humanos e anjos são pessoas. Esse
vocábulo, quando empregado em relação a Deus, aplica-se num sentido único;
porquanto, ao dizermos que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são três pessoas
kersonae, hypostaseis, prósoopa),-rejeitamos, em parte, a opinião errônea de
que haja três qualidades ou potências (Potenzen) e afirmamos que constituem
três individualidades racionais. Por outra parte, negamos que as três pessoas
sejam três essências distintas ou três deuses distintos, para afirmarmos que,
mesmo havendo três individualidades racionais, de modo que o Pai não é o
Filho, nem o Filho é o Espírito Santo, as três pessoas só possuem uma e a
mesma essência divina quanto ao número (una numero essentia) e exercem
apenas um e o mesmo poder ad extra (una numero potentia). Daí serem as três
pessoas, pela essência, numericamente, uma só, embora se distingam uma da
outra, não só nocionalmente (notionaliter), mas de modo real (realiter). Em se
falando dos seres humanos, aplica-se o axioma: Quantas pessoas, tantas
essências (Quot personae, tot essentiae); porém, em se falando de Deus, tal
axioma não soa bem, visto haver três pessoas divinas distintas e, ainda assim,
haver somente uma essência divina ou Deus.
Com respeito ao termo Tuindade, Lutero admitia que "não soa bem
chamar Deus deste modo"; porém acrescenta que, pelo fato de o artigo da
Santíssima Trindade ficar tão além de nossa mente e linguagem humanas,
Deus terá de perdoar-nos se gaguejarmos acerca dele e o balbuciarmos tão
bem como pudermos, contanto que a nossa fé seja pura e reta. O termo
Trindade apenas exprime a verdade de que Deus é três em pessoa e uno quanto
à essência divina. Disso se depreende claramente que o vocábulo Tuindade,
bem como os demais empregados na exposição da doutrina acerca de Deus,
não foi criado para satisfazer à razáo, mas com o único propósito de dar
expressão à doutrina da Escritura referente ao Deus verdadeiro. A razão
humana, julgando a doutrina cristã acerca de Deus, terá de escolher entre o
unitarismo e o triteísmo. Em outras Palavras, ela terá de negar as três pessoas
divinas (monarquismo), ou a unidade da essência divina (triteísmo,
subordinacianismo).Por esse motivo, o teólogo cristão deve desistir, a priori, de
apresentar a doutrina da Santíssima Trindade com intenção de torná-la
compreensível à razão. Toda tentativa, nesse sentido, traz consigo auto-ilusão,
isto é, a suposição de que foram esclarecidas coisas que não se podem
esclarecer, ou renúncia da doutrina cristã acerca de Deus. No entanto, embora
a doutrina da Santíssima Trindade se situe além da razão, nem por isso é
contra ela ou contraditória em si mesma, uma vez que não se afirma a unidade
A Doutrina de Deus

de Deus na mesma conexão que a Trindade. Verdadeira contradição existiria


apenas, quando a doutrina cristã afirmasse: "Há uma essência, e há três
essência3 há umaqessoaJ-ehhátrês- pessoas." A doutrina
----
cristã acerca de Deus,
I--

porém, é: "Há uma essência divina, e há três pessoas -divina<>


-
-----
A respeito da relação das três pessoas entre si, a Igreja cristã ensina
como segue: A verdadeira distinção entre as pessoas,(realis distinctio, non tantum
notionalis) baseia-se nos fatos de o Pai ter gerado o Filho desde a eternidade
(Jo 1.14), ao passo que Pai e Filho espiraram o Espírito Santo. (Jo 14.26; 15.26)
Tais atos divinos de geração e espiração chamam-se atos pessoais (actus
personales), porque não são comuns às três pessoas, mas pertencem,
individualmente, às pessoas na Divindade e as distinguem. As Escrituras
atribuem o ato de gerar ao Pai. (Jo 1.14) Por esse ato, o Pai transmitiu ao Filho
a plenitude da Divindade ou a completa essência divina. Daí possuir o Pai a
essência por inascença (agenneethoos), ao passo que o Filho a possui por
nascença (genneethoos).
A Escritura, além disso, afirma terem o Pai e o Filho espirado o Espírito
Santo (Mt 10.20; C1 4.6); porque, assim como a segunda pessoa se chama
Filho do Pai, a terceira pessoa se chama Espírito do Pai e do Filho. Por meio da
espiração, o Espírito Santo recebeu a inteira essência divina (Mt 28.19; At
5.3,4), de maneira que, desde a eternidade, é verdadeiro Deus com o Pai e o
Filho.
A base dos atos pessoais ou opera ad intra (geração e espiração), fazemos
distinção entre as notiones personales das três pessoas: a agenneesia
(innascibilitas) do Pai, a genneesia (nascibilitas) do Filho e a ekpóreusis (processio,
spiratio passiva) do Espírito Santo, e também entre as proprietates personales:
a paternidade (paternitas) do Pai, a filiação @liatio) do Filho e a procedência
(processio) do Espírito Santo. Por propriedades pessoais entendemos as
peculiaridades que uma pessoa da Divindade possui em relação a uma das
outras ou a ambas e, por notações pessoais, entendemos os sinais pelos quais
se pode reconhecer uma pessoa como diferente da outra. Esses termos não
devem ser considerados supérfluos. Sã0,necessários para distinguir as pessoas
divinas, como a Bíblia o faz.
Relacionada com a espiração do Espírito Santo, devemos considerar,
também, a questão do Filioque, ou seja, se o Espírito Santo também foi espirado
pelo Filho. A Igreja Oriental negou o Fijioque, mas a Igreja Ocidental o afirmou,
fundamentada na Escritura. As Sagradas Escrituras atribuem a mesma relação
do Espírito Santo para com o Filho como para com o Pai. Assim como ele se
chama o Espírito do Pai (Mt 10.20), também se chama o Espírito do Filho. (G1
4.6) Como é enviado do Pai (Jo 14.26), dele se diz que é enviado, também, do
Filho. (Jo 15.26) Porque o Santo Espírito procede também do Filho, Cristo o
pôde assoprar sobre os seus discípulos e dá-lo aos mesmos. (Jo 20.22)
Dogmática Cristã

-2 Os actus personales chamam-se também operações internas (opera a d


intra), por ocorrerem dentro da Divindade e se estenderem de uma pessoa à
outra (geracão e espiração). Distinguimos as opera~õesexternas (opera a d extra)
das operações internas. São as obras em que as três pessoas da Divindade
cooperam (criação, redenção, santificação, etc.) Com respeito às operações
internas, é apropriado o axioma: "As operações internas estão divididas". (Opera
a d intra divisa sunt.) Para as opeGções Eternas, está o axioma: "As operaqões
externas são indivisas." (Opera ad extra sunt indivisa) Esses axiomas expressam
a verdade escriturística de que as operações internas são realizadas pelas
pessoas individualmente, a o passo q u e as externas são realizadas
conjuntamente pelas três pessoas. Se a Escritura, às vezes, atribui a criação
ao Pai, a redenção ao Filho e a santificação ao Espírito Santo, ela o faz por
apropriaçiio, o que, porém, não exclui a operação divina das demais pessoas. A
única opus ad extra para a qual não concorreram diretamente o Pai, e, o Espírito
Santo, foi a obra da redenção: a encarnação, o padecimento, a morte, a
ressurreição e a exaltação de Cristo. Apesar de ser verdade que o Filho foi
enviado e sustentado na sua obra redentora pelo Pai e, embora seja igualmente
verdade que, para a sua obra, foi ungido com o Espírito Santo (SI 45.7; Hb
1.9; At 10.38), a Escritura atribui a obra da redenção somente a Cristo. (Ef
2.13; C1 1.20; 1 Jo 1.7) No intuito de expressar esse caráter único da obra
redentora de Cristo, os dogmáticos chamaram-na opus nzixtunz, ou seja, uma
obra que Cristo fez sozinho, em cuja realização, porém, não esteve separado
do Pai e do Espírito Santo. (Para os actus personales compare-se a exposição
que Lutero oferece sobre os Três Símbolos, S. L., X, 993ss)
O nome Pai é, vez que outra, empregado em relação à essência (ousioodoos)
referindo-se, de igual modo, às três pessoas divinas (Tg 1.17; 2 Co 6.17,18; Lc\.
12.32) e, vez por outra, em relação às pessoas (hypostatikoos), referindo-se
unicamente à primeira pessoa da Divindade. (Jo 10.30; 14.9; 1 Jo 2.23) Da
mesma forma, o nome Espírito é empregado em relação a essência (Jo 4.24) e
em relaçáo à pessoa. (Mt 12.31; Mc 1.10)
Entende-se pelo termo perichóoreesis (inzmanentia, immeatio,
circunzincessio), a inerência mútua e sobremodo íntima (inexistencia mutua et
singularissima) pela qual uma pessoa está dentro da outra em virtude da
unidade da essência divina. (Jo 14.11; 17.21) Por meio desse termo, a Igreja
cristã acautela contra o erro de as três pessoas serem consideradas como
existentes separadamente, uma ao lado da outra. Com o termo igualdade/ a
Teologia cristã expressa o fato de não ser uma pessoa divina maior que a
outra e, com identidade, o de as três pessoas possuírem a mesma natureza e,
conseqüentemente, cooperarem também nas mesmas obras externas. (Jo
5.19,17)
Hollaz define as três pessoas como
Divindade, não havendo sido gerado
___ - - -
- - - - - I _ _ _ _ ---P/
-
- 164 -
A Doutrina de Deus
nem tendo procedência, mas que de eternidade gerou o Filho, substancial
imagem sua, e com o Filho de eternidade espirou o Santo Espírito, que todas
as coisas criou, mantém e governa, que a seu Filho enviou como Redentor e
ao Espírito Santo como Santificador da raça humana. b) O Filho de Deus é a
segunda pessoa da Divindade, gerado do Pai desde a eternidade, sendo de
mesma essência e majestade com o Pai, o qual juntamente com o Pai desde a
eternidade espirou o Santo Espírito e na plenitude do tempo em sua própria
pessoa assumiu a natureza humana para poder redimir e salvar a raça humana.
c) O Santo Espírito é a terceira pessoa da Divindade, de mesma essência com
o Pai e o Filho, o qual de eternidade procede do Pai e do Filho e que no tempo
é por ambos enviado a santificar os corações de quantos devam salvar-se."
.--iD_tr. Theol., p.134) __-- - _ - - -- -- -- -
- X_

Com relação à terminologia da Igreja a respeito da doutrina de Deus,


podemos tomar em consideração a debatida questão sobre se é possível ou
não definir Deus pela lógica. Em resposta a essa pergunta, nossos dogmáticos
fazem a distinção entre "uma definição perfeita, que esteja perfeitamente
conforme os exatos preceitos da lógica, e uma descrição geral tomada da
Escritura." (Gerhard) A inadmissibilidade de uma definição de Deus em sentido
restrito é, em geral, deduzida: a) da inexistência de gênero, uma vez que
Deus não tem gênero real e lógico e b) da divina perfeição de Deus, sendo ele
o ser supremo, de modo a não haver nada que esteja além dele. (Gerhard).
Apesar de não se poder definir Deus pela lógica do modo como se definem as
criaturas, visto ele pertencer a uma classe própria, basta uma descrição geral
de Deus, tomada da Escritura, para um conhecimento dele como se requer
para a salvação. Coerentemente tem-se descrito DeuTcomo "o primeiro ser
que de si mesmo existe e é a causa de todas as demais coisas", ou, de modo
mais completo, na expressão de Melanchthon (Loci Theol., I, 13): "Deus é
essência espiritual, é inteligente, eterno, verdadeiro, bom, puro, justo,
misericordioso, em absoluto livre, de vasto poder e sabedoria - o Pai eterno,
que desde a eternidade gerou o Filho, sua própria imagem, e o Filho, imagem
do Pai igualmente eterna, e o Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho".

Todos os cristãos admitem, prontamente, o fato de que a doutrina da


Santíssima Trindade vem claramente ensinada no Novo Testamento. Os
unitários, que negam até a doutrina do Novo Testamento como prova para a
Trindade, estão fora da Igreja Cristã. A Santíssima Trindade revela-se: a) na
fórmula solene do Batismo dada por Cristo (Mt 28.19), na qual as três pessoas
da Divindade são representadas iguais em autoridade, dignidade e essência:
b) na maravilhosa teofania por ocasião do Batismo de Cristo (Mt 3.16,17),
onde as três pessoas da Divinciade se manifestaram distintamente; c) na
bênção inspirada de São Paulo (2 Co 13), em que as bênçãos espirituais das
Dogmdtica Cristã

três pessoas são nomeadas expressamente. Diz-se que Cipriano (falecido em


258) cita a passagem de 1 Jo 5.7 como prova da Santíssima Trindade em sua
obra De Unirate Ecclesiae: "Et iterum de Patre et Filio et Spiritu Sancto scriptum
est: 'Et tres unum est"'. Não obstante, é melhor que não se use essa passagem
como prova da doutrina da Santíssima Trindade.
Entretanto, mesmo que todos os cristãos admitam as provas para a
Trindade como apresentadas em o Novo Testamento, tem-se alegado que o
Antigo Testamento não apresenta a doutrina de maneira tão clara que se
possa crer e ensinar essa doutrina à base das passagens do Antigo Testamento.
(Calixto; os teólogos modernos) A essa imputação, os nossos dogmáticos
responderam (Gerhard, 111, 218): -- v afirmamos
---- -- que haja no Antigo-
- Testame - lareza
- - e- evidência
-- nos- t e s t e m u ~ h o sreferentes à
.-Trindade qu-e há em o Novo; todavia asseveramos que-tanto s e p ~ d e mcomo
se devem citar do Antigo Testamento alguns testemunhos para exposição da
doutrina da Trindade, visto que Deus assim sempre se revelou desde o começo,
a fim de que a Igreja em todos os tempos o pudesse conhecer, adorar e bendizer
[...I como a três pessoas distintas numa só essência." (Doctr. Theol., p.157).
De fato, o Antigo Testamento não contém apenas meros "indícios" da
Santíssim~Trindade, mas passagens claras em que, de modo incontestável,
se expóe essa doutrina. Tais passagens são aquelas: a) em que Deus fala de si
mesmo no plural (Gn 1.2ó); b) em que o Senhor fala do Senhor (Gn 19.24); c)
em que o Filho de Deus é expressamente nomeado (S1 2.7); d) em que se
enumeram distintamente as três pessoas da Divindade (Gn 1.1,2; 2 Sm 23.2;
S1 33.6; 1s 42.1; 48.16,17; 61.1); e) em que se repete três vezes o nome de
Jeová ou Deus na mesma relacáo (Nm 6.24-26; SI 42.1,2; 1s 33.2; Jr 33.2; Dn
9.19); f) do triságio dos anjos (1s 6.3); g) em que o Anjo do Senhor (Maleach
-Jahweh) se identifica com Deus (Gn 48.15,16; Êx 3.1-7); h) da referência de
Cristo ao Antigo Testamento, quando provou a verdadeira divindade e
personalidade divina do Filho de Deus (Mt 22.41,46), comparado com SI 110.1.
Certamente ningukm que não tenha crido no verdadeiro Deus (o Deus triúno)
e no verdadeiro Salvador do mundo (a segunda pessoa da Divindade) jamais
se salvou, porque essa verdade é afirmada claramente na Escritura. (At 4.12;
Jo 5.23; 1Jo 2.23) Também o plano de salvação ensinado no Novo Testamento
não difere daquele que se ensinava no Antigo. (Rm 3.21-24; 4.1-3)
Sustentamos, pois, com acerto, que a doutrina da Santíssima Trindade é
exposta no Antigo Testamento com tanta clareza, que os crentes daquela
época possuíram, certamente, o verdadeiro conhecimento de Deus e do
Salvador prometido, seu Filho amado.
A Doutrina de Deus

6.1 - A DO- EM GERAL


As Sagradas Escrimrãs descrevem Deus como o ser supremo (ens omnium
exalkntissimum) ou como a essência absolutamente perfeita. (Dt 10.173: "Deus
dos deuses, e r, Senhor dos senhores"; (1 T m 6.15,16): "o bendito e único
Soberano", (monos dymstees) ou simplesmente como o ser absoluto (ensqrimum),
que "é antes de todas as coisasn e em aquem"tudo subsiste". (C1 1.17) As vezes,
a Escritura emprega o nome deas ou deuses (dii nuncupa~ivi,legómenoi theoi)
para criaturas, por exercerem funq6es divinas reais (Jo 10.3; S1 82.6) ou
irna@&bs (Dt 4.28) e, por mnwguinw, estão revestidos, correta ou falsamente,
de autoridade divina. (1 C0 8.5, propter analogiam quandam, vel veram, vgl fictam.)
A Escritura, não obstante, faz c h distincão entre os chamados deuses (dii
vruncupativi) e o uno, verdadeiro Deus vivo* (1 Co 8.5,S; Mt 19.17) Os juízes
(51 82.6) e os ídolos (Dt 4.28) são, realmente, chamados deuses (Elohim, theoi),
porém só Deus é Jeová (nomen Dei essentiale et in~ommunicabile).
Os nomes que as Escrituras Sagradas atribuem ao verdadeiro Deus não
são títulos vazios, mas descrevem Deus conforme sua essência, atributos e
obras divinos. O próprio Deus explica esse fato como sendo de significado
especial, pois diz respeito ao termo "Jeová", nome essencial e incomunicável
de Deus, que ele próprio explica o significado: "Eu sou o que sou" (Êx 3.14,15),
ou divino ser eterno e imutável (Lutero: "lauter Istí isto é, puramente ser).
Nisso está a explicação por que não se emprega esse nome para criaturas. (1s
42.8: "Eu sou o Senhor, este é o meu nome.") ATerdadeira pronúncia do
tetragrammaton possivelmerrte seja Iahweh, todavia, como já se tornou corrente
na Igreja a pronúncia "Jeová", seria pedantismo intolerante insistir nessa
suposta "pronúncia original'".
Ao descrevermos seres 'humanos, atribuímos-lhes tanto natureza como
atributos. Precisamente assim, as Escrituras, acomodando-se às Leis do
pensamento e linguagem humanos, falam de Deus como possuidor, tanto de
uma essência divina, como de atributos divinos. Falam dos atributos de Deus,
quais sejam: onipotência, graça, oamor, etc., como inerentes 2 essência divina.
0 s atributos de Deus, todavia, não são acidentes (accidentia), mas a sua
verdadeira essência, porque Deus é muito simples em seu divino ser. (Êx
3.14,15) oAs propriedades'ou-.-- atributos de Deus ~ o n s t i t ~ u e m a ~ s
essênciabe Deus nenhum acidente se pode afirmar." Ou digamos: Em vista
m o d e r m o s perceber um ser absolutamente simples (ens simpler), Deus
se revelou graciosamente a nós através de atributos.
Dessa maneira, adquirimos um conceito correto de Deus que, embora
incompleto, é essencialmente exato. (1 Co 13.9-12) GeLhard escreve sobre os
Dognzática Cristã

' atributos divinos (III,84): "Os atributos existem em Deus de modo inseparável;
pois assim como é impossível seja a essência de u m objeto separada deste
mesmo objeto, é também impossível separarem-se de Deus os atributos,
.- _porquanto são a própria essência de Deus." (Doctv. Theol., p.122) E Calov (11,

222): "Se os atributos realmente diferissem da essência ao modo dos acidentes,


afirmar-se-ia um composto em Deus." (Ibid.) Os nossos dogmáticos estão
com a razão quando dizem que "os atributos e a essência divinos diferem
realmente, mas apenas de acordo com a nossa maneira de percepção". "Essentia
et attributa in Deo non realirer, sed nostro concipiendi modo differuq distinguuntur
at,ltem et a b essentia divina et inter se propter intellectus nostri imperfectionem.
Attributa divina, quamvis in De0 non distincta, in nostris tamen conceptibus
distinguenda sunt." Uma vez que a Escritura faz cuidadosa distinção entre os
vários atributos de Deus, também o teólogo cristão deve fazer como, por
exemplo, entre justiça e graça divina, ira e amor divino, etc. Onde não se
respeita essa distinção, toda a Teologia torna-se falsa. (cf. a negação da Lei em
virtude do Evangelho.)
'"\
Enquanto se tratava da doutrina sobre a essência e atributos divinos,
entrou e m debate a pergunta: "Em que sentido se atribuem essência e
qualidades a Deus e às criaturas<" A resposta é: Não de modo unívoco
(univoce), de maneira a pertencerem a Deus e às criaturas exatamente num
mesmo sentido, nem de modo equívoco (aequivoce), de forma que os atributos
tenham sentido diverso, quando usados com respeito a Deus do que quando
empregados com referência às criaturas, mas por analogia (analogice), de modo
que as propriedades atribuídas às criaturas apresentam certa analogia com os
atributos de Deus. Os atributos pertencem, com justiça, a Deus bem como
aos seres humanos, porém não de modo idêntico nem tampouco num mesmo
grau. Dizendo nós: "Vive Deus, e vive o ser humano", ou: "Deus ama, e ama
o ser humano;" atribuímos a Deus vida e amor perfeitos, absolutos e
independentes, mas, ao ser humano, vida e amor imperfeitos, relativos e
dependentes. Os mesmos atributos que Deus, em si mesmo, compreende
como sua essência perfeitíssima e divina, o ser humano de Deus os tem como
dom gratuito dele e não como sua essência, mas como acidentes, que podem
perder-se. (C1 1.17): "Ele é antes de todas as coisas. Nele tudo subsiste." (At
17.28): "Nele vivemos, e nos movemos, e existimos." A diversidade básica
entre o Criador e as criaturas também determina a diversidade na possessão
de atributos. A importância de uma decisão correta dessa questão transparece
no seguinte: Se atribuímos a Deus e às criaturas essência e propriedades de
modo unívoco (Duns Scotus V 1308), está negada a diferença essencial entre
Deus e as criaturas, e as criaturas se coordenam a Deus e se tornam divinas
(panteísmo). Se, porém, atribuímos, a Deus e às criaturas, essência e atributos
de modo equívoco (Pedro Auréolo, V 1321; os franciscanos), é impossível
conhecermos a Deus (agnosticismo), pois não saberemos dizer o q u e os
atributos significam em Deus. (Que sentido há em dizer-se que Deus é amort 1
Jo 4.16). Se atribuímos, por analogia ou semelhança, essência e propriedades a
Deus, então nos elevamos, na contemplação de Deus, da imperfeição dos
atributos humanos à perfeição absoluta dos divinos. (1s 49.15) Agostinho
diz: "Condescendit nobis Deus, ut nos consurgamus."
-
Têm-se dividido os atributos em negativos e positivos, ou quiescentes
e operativos, ou absolutos e relativos, ou imanentes e emanantes, etc.
Contudo, não importa como possamos classificar os atributos divinos, em
todo caso devemos adquirir noção deles tão só das Sagradas Escrituras, jamais
da razão ou especula~áo.Em outras Palavras, o próprio Deus é quem nos
deve informar do que nos cumpre entender por onipotência divina, amor
divino, graça divina, etc. Muitos erros perniciosos advieram do fato de haverem
teólogos determinado os atributos divinos a priori, ou seja partindo da razão.
Por exemplo, pessoas há que, tomando por base o amor divino, erram negando
a justiça divina e a necessidade da satisfação vicária de Cristo (o modernismo,
o unitarismo) e a possibilidade do castigo eterno (o russelismo, o
universalismo). Tal como sucede com a doutrina da Santíssima Trindade,
também a da essência e dos atributos divinos transcende a razão, pois Deus
é um ser absolutamente incompreensível; dos atributos de Deus só sabemos
o tanto que ele mesmo nos revelou.
Em dias recentes, os dogmáticos classificaram os atributos divinos de
acordo com a relação e não-relacão de Deus com o mundo (Bezogenheit und
Abgezogenheit zur Welt), ou de acordo com a essência absoluta de Deus
(eternidade, etc.), a sua soberania absoluta (onipotência, etc.) e sua absoluta
bondade (amor, etc.) ou de acordo com a divina existência, conhecimento e
vontade, etc. Conquanto algumas dentre essas classificações sejam muito
úteis e recomendáveis, em geral as classificações=m~dernasem muito pouco
melhoram as de nossos velhos dogmáticos no que tange ao seu valor prático.
Todas as classificaçóes dos atributos divinos são, mais ou menos, inadequadas.

6.2 - Os ATRIBUTOS
NEGATIVOS
São negativos os a t r i b u t o ~ p e l o squais todas as imperfeições que-
verificamos
-_ _- nas criaturas são segregadas de Deus, __-
visto nada se poder
C_--__- ---
atrib;ir
a ele que, de algum modo,seja imp~feiKCkiamam-se,também, quiescentes
( á n z g ~ a ) T j o i nenhuma
s /-
rGia&o específica têm com o s o s f k D e u s , ou
atributos imaíílentes Ca-bsoluta), porque descrevem a e s s ê n c i d - o m o
absoluta e independente. São estes atributos: a divina unidade, simplicidade,
imutabilidade, infinidade, imensidade, eternidade, onipresença.
a. Unidade divina (unitas) é o atributo de Deus em virtude do qual a
essência divina é absolutamene uma só; não só indivisa, como
também indivisível. A Deus atribui-se unidade de modo absoluto, isto
é, a essência divina não é nem dividida nem divisível (Jo 4.24; Êx
Dogmática Cristã

3.14,15), e de modo exclusivo, visto não haver nenhum Deus além de


Deus. (Dt 6.4; 4.35. (c£. Doctr. Theol., p.ll8ss)
b. Simplicidade divina (simplicitas) é o atributo de Deus, segundo o qual
ele não é verdadeira e realmente composto de matéria e forma, de
partes integrais, de substância e acidente, de natureza e subsistência.
Escreve Hollaz: "Diz-se que Deus é uno, não segundo a espécie
(specie), mas quanto ao número (numero), porquanto é um ser
inteiramente só, que não só não está em si mesmo dividido, mas
que também é indivisível em razão da inteira simplicidade da divina
essência, já que em Deus não há composição." (Ex 3.14,15: "Eu sou
o que SOU").O atributo da espiritualidade (Jo 4.24) está contido no
da simplicidade.
c. Imutabilidade (immutabilitas) é o atributo de Deus segundo o qual
ele não é suscetível à mutação de espécie alguma, nem quanto à
existência (Rrn 1.23; 1 T m 1.17; 6.16) nem quanto a acidentes (Tg
1.17), nem quanto 5 vontade ou propósito. (Nm 23.19; Pv 19.21;
M1 3.6) Quando as Escrituras atribuem a Deus alteração de idéia
(Gn 6.6; 1 Sm 15.11) ou mudança de lugar (Gn 11.5), elas o fazem
por acomodação ao nosso modo de perceber as coisas. Essas passagens
não afirmam que Deus esteja sujeito a mutações como sucede aos
seres humanos. (1 Sm 15.29) Devem, porém, ser entendidas de modo
condizente com Deus (theoprepoos). Gerhard escreve (I, 110): "Os
afetos que a Escritura atribui a Deus não provam nenhuma
mutabilidade da essência divina; porquanto as coisas que se dizem
de maneira antropopática (anthroopopathoos) devem ser interpretadas
de modo condizente com Deus (theoprepoos)."A Escritura, pois, fala-
de Deus de duas maneiras: a) como ele é em si mesmo: imutável e
incorruptível, exaltado para sempre acima do espaço e do tempo, (1
Sm 15.29; S1 90.4); b) como se adapta à nossa concepção de espaço
e tempo. (1 Sm 15.11; Gn 11-5) Onde quer que a Escritura descreva
Deus em forma e sentimentos humanos ou antropopáticos, isso não
acontece como mero modus loquendi, mas como descrição fiel de
Deus, embora de acordo com nosso modo humano de per~e~pção.
Quando se diz que o Deus imutável está irado com os maus e é
zeloso de seus pecados (1 Pe 5.5; Lc 1.52,53) ou é gracioso para com
os pecadores penitentes, devemos considerá-lo precisamente como
tais expressões o descrevem, embora de um modo que esteja em
harmonia com sua perfeição divina. In Deum nulla cadit mutatio.
A pergunta sobre se a obra da criação ou da encarnação transformou o
Deus imutável, Gerhard responde do seguinte modo (I, 124): "De maneira
nenhuma; porquanto no tempo fez o que de eternidade em sua vontade imutável
determinara." A razão disto é evidente. A criação não foi qualquer coisa que
A Doutrina de Deus

houvesse ocorrido em Deus (panteísmo), porém, ao contrário, algo fora de Deus


(dualismo cristão), a saber, o dar a existência a coisas que não havia antes, mas
que desde a eternidade haviam sido por Deus determinadas (decreto da criação).
Também a encarnação não constituiu nenhuma transformação na essência divina,
mas a admissão da natureza humana na pessoa do logos, segundo determinação
de Deus desde a eternidade (decreto da redenção).
d. Infinidade divina (infinitas) é o atributo de Deus segundo o qual
Deus não se restringe a limitações de tempo (eternidade) ou espaço
(imensidade). A Escritura atribui infinidade a Deus a) quanto à sua
essência (S1 145.3); b) quanto aos seus atributos (SI 147.5). Daí
dizermos corretamente que não só Deus em si (essência divina) é
infinito, mas que também são infinitos o seu conhecimento, poder,
sabedoria, graça, amor, etc.
e. Imensidade divina (immensitas) é o atributo de Deus segundo o qual
ele não pode ser medido ou compreendido por nenhuma circunscrição
local. (Jr 23.24; 1 Rs 8.27) Quenstedt define a divina imensidade,
como "onipresença intérmina por virtude da qual Deus não pode
senão estar presente em toda a parte em sua própria essência", ou
como "a interminabilidade absoluta da essência divina". Ainda que
não se pode medir ou compreender Deus por nada que seja finito (1s
40.14-47), não devemos julgar isso pela nossa razão (unitários), mas
considerá-lo precisamente como a Bíblia o descreve (1 T m 6.161,
isto é, como o divino ser que está exaltado sobre todas as criaturas.
f. Eternidade divina (aeternitas), assim chamada de modo absoluto (em
oposição a "largo tempo"), é o atributo segundo o qual a essência
divina está sem princípio nem fim, sem sucessão nem mutação. (SI
102.27; 90.2; Gn 21.33; 1s 40.28; 1 T m U 7 ; Ap 1.4; etc.) A Escritura
usa a doutrina dos atributos divinos, tanto para advertência nossa,
como para nossa consolação. Quando nos opomos a Deus, opomo-
nos àquele um ser divino imutável, infinito, imenso, eterno cuja ira
e castigo não têm fim. (2 Ts 1.9) Por outra, quando nos confiamos a
Deus, depositamos nossa confiança naquele um ser divino, imutável,
infinito, imenso, eterno cujo amor e misericórdia igualmente não
têm fim. (1 Ts 4.17; 2 Co 5.1)
Conjuntamente com a eternidade de Deus, podemos considerar também
a sua aseidade (aseitas) divina, segundo a qual Deus existe por si só e é
independente de tudo o que há fora dele. (Rm 11.33-36) (Aseitas est
attributum/ quo Deus liberrima ipsius causa est et nemini quidquam debet, sed
ipse solus est rerum omnium Auctor).
g. Onipresença divina (omnipraesentia) é o atributo de Deus segundo o
qual ele está presente de modo ilocal, porém essencial em toda a
Dogmática Cristã

parte. Quenstedt: "Deus está efetivamente presente a todas as suas


criaturas." A respeito da onipresença de Deus, cumpre-nos anotar o
seguinte:
h. Deus é onipresente quanto à sua essência e não somente à sua
operação divina. (Jr 23.24) Vale dizer: Deus jamais opera in absentia
(calvinistas), porque onde quer que opere, aí está. (S1 139.7-10)
Gerhard escreve (111, 122): "Deus está presente a todas as coisas, não
só quanto à virtude e eficácia nem só quanto à vista e conhecimento,
mas também em sua essência completa e individual; porquanto é
imenso e infinito, não só em poder e conhecimento, como ainda em
essência." (Doctr. Theol., p. 12)
A Escritura atribui a Cristo, segundo a sua natureza humana, a presença
local (praesentia localis) (Lc 2.12), presença ilocal (praesentia illocalis) (Jo 20.19)
e presença repletiva (praesentia repletiva). (Ef 1.23; 4.10)
2. Deus está presente em todas as criaturas, contudo nunca constitui parte
delas, mas sempre permanece o Deus transmudado, transcendente. Deus
nunquam in compositionem creaturarum venit. A onipresença de Deus, portanto,
não deve ser entendida em sentido de imanência panteísta. Apesar de ser verdade
que Deus está tão intimamente ligado a todas as criaturas, que elas vivem, se
movem e existem nele (At 17.28; C1 1.7), apesar disso, a diferença entre Deus e
as suas criaturas continua sendo tão grande como a que há entre o infinito e o
finito. (Nm 23.19; 1 Sm 15.29) Gerhard escreve (111, 122): "Deus está presente
em toda a parte, não synektoos, de molde a ser compreendido, mas synektikoos, de
molde a compreender e conter todas as coisas." (Doctr. Theol., p.125) Novamente:
"Os escolásticos dizem que Deus está em toda a parte, não de modo local ou por
circunscrição [...I nem de modo definitivo [..I, porém de modo repletivo; todavia
não se deve entendê-lo de modo material e corpóreo [...I mas de modo divino, de A

sorte que Deus, a despeito de não estar confinado a nenhum lugar em virtude da
imensidade de sua essência, abrange contudo todos os lugares." (Ibid.) Contra a
objeção de que não possa estar presente em "lugares impuros" (Erasmo), cumpre-
nos manter que "Deus está em toda a parte e enche todas as coisa^.'^ Deum esse
ubique et replere omnia. (Lutero) Que Deus está em toda a parte enter et potenter, é
uma clara doutrina escriturística. (Ef 1.20-23; 4.10)
3. Deus é onipresente, porém: a) sem multiplicação (multiplicatio) de
sua essência (politeísmo); b) sem extensão (extensio); c) sem contração
(uarefactio); d) sem divisão (divisio); e) sem mescla (commixtio). Não devemos
tomar a onipresença de Deus em sentido corpóreo, como se ele, quando
presente, ocupasse espaço ou estivesse sujeito ao espaço (1 Rs 8.27; 1s 66.1);
porque "a presença de Deus é ilocal, indivisível, incompreensível para a nossa
razão, efetiva e operativa, em si compreende todas as coisas." (Gerhard) A
doutrina verdadeira da onipresença de Deus é de especial importância para a
exata compreensão da Santa Ceia (presença real).
A Doutrina de Deus

Em conexão com a doutrina da onipresença divina, podemos considerar


alguns quesitos. Como primeiro temos: "O universo é infinito<" ou: "Haverá
algum espaço fora deste universo<" Tomando-se por base a Escritura, essas
perguntas terão resposta negativa, uma vez que o espaço pertence à criação,
e todas as criaturas estão em Deus. (C1 1.17; At 17.28) Afirmar a infinidade
do espaco equivaleria a deificar o universo que, como criatura, é finito. Deus
dat loco et rebus, quae sunt in LOCO, suum esse. Em segundo lugar, temos a
pergunta: "Há nas manifestações divinas de ira ou graça qualquer aproximação
especial da essência divina (specialis approximatio essentiae divinae)<" Em vista
da imensidade de Deus, a resposta é negativa, porquanto a essência divina
jamais é produzida pelas criaturas, mas sempre está presente. Todavia, como
expressões de sentimentos humanos, passagens da Escritura como Jo 14.23;
Gn 11.5 devem ser consideradas, não como mero modo de falar (modus
loquendi), mas como afirmação de verdade que, entendida corretamente
(theoprepoos), se destina ao nosso conforto e advertência. A última pergunta
que temos: "Deus operou segundo a sua essência antes da criação<" - deve-se
classificar entre as questões insensatas, que não têm utilidade e são fúteis.
(Tt 3.9) Uma vez que Deus nada revelou com respeito a qualquer obra criadora
anterior à criação do mundo, nenhum proveito há na especulação humana
acerca desse ponto. Apesar disso, não devemos considerar Deus como se
tivesse estado sempre inativo; por outra, não temos nenhum fundamento
escriturístico para admitir que Deus tenha criado um universo anterior ao
mundo atual. A advertência que se extrai da onipresença de Deus claramente
se deduz de Jr 23.24; S1 1 3 9 . 7 ~o ~conforto
~ de SI 23.4; M t 28.20.

6.3 - OS ATRIBUTOS
POSITIVOS
São atributos positivos (attributa energeetika, positiva, operativa,
m o r dos quais atribgímoç seus, num
t r a n s e u n t r ~ , ~ e ~ a t i v a ~ - ameio -_
sentido específico e singular, todas as perfeições que deparamos-- nas-s
-
- - - _ _ _ / _

.~-C
-
H - Eles sáo: vida, conheciGentó, sabedoria, vontade, santidade, justiça,
verdade, poder, bondade (graça, misericórdia, amor, longanimidade, etc.).
a. Vida divrna (vira) é o atributo de Deus mediante o qual ele sempre é
e se mostra ativo. Deus, em particular, é vida 1) essencialmente,
visto ser ele autózoos e possuir vida en heautoo. (Jo5.26) Ele é vida em
si mesmo e de si mesmo, por virtude da sua própria natureza e
essência; 2) efetivamente, visto ser ele a causa e origem de toda a vida
fora dele. (At 17.28; D t 32.39) Esse atributo expressa-se de modo
negativo pela imortalidade (1 T m 6.16), e incorruptibilidade. (Rm 1.23;
1 T m 1.17) Deus, em contradição aos ídolos dos gentios, é o "Deus
vivo" (At 14.15), ao qual todas as criaturas devem a sua existência.
(At 17.25) A advertência que vem presa a esse atributo se deduzirá
de Hb 10.31; o consolo, de 1 T m 3.15; 4.10.
b. Conhecimento divino (scientia) é o atributo de Deus mediante o qual,
por um ato simples e eterno de sua mente, ele conhece todas as
coisas que existiram, existem e hão de existir ou até poderão, de
qualquer maneira, existir, isto é, todas as coisas que são
condicionalmente futuras ou possíveis. (1 Sm 2.3; 1 Jo 3.20; 1 Rs
8.39; SI 7.9; 34.15; 139.1; Pv 15.3) O conhecimento de Deus se
diferencia do conhecimento humano: a) por sua extensão, pois Deus
conhece todas as coisas (Jo 27.17: omniscientia), as coisas futuras (1s
41.22,23: praescientia), todas as coisas possíveis ou condicionalmente
futuras ou possíveis (1 Sm 23.12; Mt 11.23: scientia de futuro
conditionata, scientia media). b) pelo seu modo de conhecer, porquanto
Deus sabe todas e quaisquer coisas mediante um ato simples e eterno
de sua mente. (Deus res non per species intelligibiles, sed in se sive in
esse proprio cognoscit. Homo res adspicit, Deus perspicit.) Ele conhece
os pensamentos dos seres humanos. (1 Rs 8.39; At 15.8; Jo 2.25) A
revelação do conhecimento perfeito de Deus deve servir-nos de
advertência (1s 41.22,23; SI 139.12) e de consolo (1s 66.2; Mt 6.32).
A fim de descrever o perfeito conhecimento de Deus, nossos
dogmáticos o dividiram em: 1) conkecinzento natural (scientia naturalis,
essentialis), segundo o qual Deus se conhece perfeitamente; 2)
conhecimento livre (scientia libera), segundo o qual ele sabe todas as
coisas fora dele e 3) conhecimento mediato (scientia media), segundo o
qual ele conhece todas as coisas possíveis e condicionalmente
futuras.
Nessa conexão, podemos considerar a importante pergunta: ".Çomo a
presciência infalível de Deus concorda com a liberdade da vontade do ser
humano e a responsabilidade humana<" A pergunta é importante, uma vez
que os seres humanos, com base na presciência infalível de Deus, negaram a
liberdade da vontade e a responsabilidade humana (estoicismo), ou, com base
na responsabilidade humana, a infalível presciência ou onisciência de Deus
(ateísmo, agnosticismo). Embora a pergunta encerre mistérios que não podemos
desvendar nesta vida, a Escritura ensina o seguinte: a) A presciência de Deus
abrange todas as coisas e é infalível. (Si 139.1-4; Ap 3.15). b) Ela não é a causa
eficiente do que ele prevê. A Fórmula de Concórdia ensina acertadamente: "A
presciência de Deus nada mais é do que Deus saber todas as coisas antes de
as mesmas ocorrerem, como está escrito em Dn 2.28. Esse atributo estende-
se, igualmente, aos piedosos e aos maus; não é, contudo, causa do mal, seja
do pecado, o praticar-se o que é errado (que originalmente procede do diabo e
da vontade má e perversa do ser humano), seja da perdição dos seres humanos,
da qual Ihes cabe a culpa. O pressentimento divino apenas dispõe os fatos em
ordem, traçando-lhes um limite quanto ao tempo que devem durar e, dessa
maneira, apesar de ser mau em si mesmo, tudo deverá reverter para a salvação
dos seus escolhidos." (Epítome, XI, 2.3)
A Doutrina de Deus

Nossa Confissão distingue corretamente entre a presciência divina e a


origem do mal e entre a presciência divina em geral e a presciência divina
especial (Arn 3.2; Gl 4.9: nosse cum affectu et effectu),à qual os santos de Deus
devem a sua eleição e salvação. (Rm8.29,30): "Os que de antemão conheceu,
também os predestinou." No que concerne aos mistérios que subsistem apesar
dessas revelações, a Fórmula de Concórdia exorta todos os crentes a "não
arrazoarem nos seus pensamentos, não tirarem conclusões nem fazerem
sindicância acerca dessas questões por curiosidade, mas aderir à Palavra
revelada, para a qual ele nos chama a atenção." (Decl. Sól., XI 54-57)
Se alguém fizer a pergunta: "Ocorre tudo conforme Deus conhece
antecipadamente<" - a resposta será afirmativa. Se se fizer a pergunta : "Os
seres humanos agem sob coação<"- a resposta será negativa. A traição de
Cristo por parte de Judas foi uma consumação voluntária do mal. (Jo 14.29-
30) Bem assim a confissão de Cristo por parte de Pedro foi uma consumação
voluntária do bem. (Jo 6.65-71) Nenhum dos dois agiu sob coação, embora
um estivesse debaixo do pecado, o outro debaixo da graça. As Escrituras
excluem, com rigor, todas as especulações fatalistas e deterministas.
Embora não haja em Deus um prius nem um posterius, porém tudo
perante ele está de contínuo presente (Hb 4.13), a Bíblia fala da presciência
de Deus (praescientia) para acomodar-se ao nosso fraco entendimento
(praescientia), porquanto nenhuma idéia fazemos do perpétuo "hoje" ou
"presente" (S1 2.7) Precisamente desse modo, o teólogo cristão tem de falar,
ao descrever o conhecimento divino acerca de fatos futuros. A pergunta sobre
se se pode atribuir a presciência também aos seres humanos, aos anjos e aos
espíritos dos finados deve ser respondida com negativa. (Mt 24.36; Mc 13.32)
c. Sabedoria divina (sapientia) é o atributo de Deus por meio do qual
ele dispõe e ordena, da maneira mais admirável, todas as coisas para
consecução do fim ao qual visa. (Jó 12.13; 28.20; Rm 11.33) A
sabedoria de Deus está intimamente ligada ao seu conhecimento.
Não raramente ambos aparecem juntos. (Rm 11.33: sophias kai
gnóoseoos; 1 Co 12.8: logos sophias, logosgnóoseoos) Apesar de a Escritura
não estabelecer uma distinção exata entre ambos esses atributos,
podemos fazer diferença entre eles tal qual fazemos entre inteligência
e sabedoria, de forma a indicar sophia à aplicação prática de gnoosis. A
Escritura atribui sabedoria a Deus especialmente: no reino da
natureza (S1 104.24: criação e conservação) e no reino da graça. (1
Co 2 . 6 s ~ Daí
) não devermos criticar a sabedoria do Deus que é, só
ele, sábio. (1 T m 1.17; Rm 16.27) Os modernistas e ateus criticam-
no a o rejeitarem a Escritura como única fonte da verdade e ao
blasfemarem o método divino da criação (relato mosaico da criação)
e o da redenção (satisfactio vicaria), mas, pelo contrário, devemos
admirá-lo e adorá-lo (Rm 11.33), com reverência e temor.
Dogmática Cristã

d. A vontade divina (voluntas) tem sido considerada pelos nossos


dogmáticos, algumas vezes, como atributo à parte e, outras como
suplemento do atributo divino da sabedoria. No primeiro caso,
deduzem da vontade de Deus os atributos da santidade, justiça,
verdade, bondade, etc. (Baier) É indiferente a maneira como se trata
do assunto enquanto a doutrina sobre que se versa for escriturística.
Assim como a Escritura atribui a Deus entendimento inteligente (Rrn
11.34: noun), também lhe atribui vontade. (1 T m 2.4; Jo 6.40; 1 Ts 4.3). A
vontade de Deus é a própria essência divina, que consiste na procura do bem
e na oposição ao mal. Quanto às causas da vontade divina (causae voluntatis
divinae), a Escritura descreve Deus a) em sua majestade suprema como
independente de qualquer coisa que existe fora dele, ou como absolutamente
soberano em si mesmo. (Rm 11.36) Visto desse modo, Deus não é movido
por nada senão por si mesmo. Nele coincidem causa e efeito. Non sunt in Deo
causae formaliter causantes. A Escritura, todavia, também fala de Deus b) do
ponto de vista da compreensão humana; vale dizer - uma vez que Deus é
incompreensível em sua essência divina para nós, ela nos leva a, nele,
distinguirmos entre causa e efeito e o considerarmos provocado à ira pelo
pecado (Jr 2.19), e compelido à graça pela redenção de Cristo. (Rm 3.24) In
Deo sant causae virtualiter causantes. Somente quando falamos de Deus da
maneira como a Escritura o faz aqui, é que podemos distinguir corretamente
entre Lei e Evangelho.
Muito embora haja uma só vontade em Deus, idêntica à sua divina
essência (não há vontades contraditórias), ainda assim podemos, com base
na Escritura, fazer distinção entre: I

1. A primeira e segunda vontades divinas (voluntas prima, voluntas secunda,


voluntas antecedens, voluntas consequens). A primeira vontade de Deus
(voluntas antecedens) é a vontade pela qual ele deseja seriamente a
salvação de todos os pecadores. (Jo 3.16,17) A segunda vontade
(voluntas consequens) é a vontade pela qual ele julga e condena todos
quantos rejeitam a sua graça em Cristo Jesus. (Jo 3.18) Mantemos
essa distinção contra a eleição dupla do calvinismo, segundo a qual
Deus elegeu alguns para a salvação e outros para a condenação desde
a eternidade.
2. A vontade divi~zairresistível e resistível (voluntas irresistibilis, voluntas
resistibilis). A vontade de Deus é irresistível toda vez que se exerça
de modo absoluto, ou toda vez que Deus aja em sua majestade e
soberania absolutas. (Criação, Juízo Final, 2 Co 5.10; M t 25.31s)
Ela é resistível toda vez que exercida por meios. (a rejeição da graça
divina oferecida no Evangelho, M t 23.37) Contudo, não se deve
abusar nem desta nem da primeira distinção no interesse do
sinergismo.
A Doutrina de D ~ U S

3. A vontade divina absoluta e mediata (voluntas absoluta, voluntas


ordinata). A vontade absoluta de Deus exerce-se sem meios (Jo 2.1-
11; Lc 1.15); a vontade mediata, porém, ocorre por meios (conversão
pelos meios da graça. Rrn 10.17; T t 3.5; 1 Pe 1.23s~;Mc 16.15; Mt
28.19,20) Rejeitar os meios da graça de divina ordenação significa
aceitar o erro dos entusiastas.
4. A vontade divina graciosa e condicional (voluntas gratiae, voluntas
conditionata). A vontade graciosa de Deus realiza-se na salvação dos
seres humanos, pois ele deseja que todos os seres humanos sejam
salvos pela graça, mediante a fé, sem as obras da Lei (boas obras).
Rm 3.28; Ef 2.8,9; Rm 11.6; G1 3.10s~.Pela vontade condicional,
Deus requer perfeita obediência de todos quantos se queiram salvar
pela Lei. (G1 2.12; 3.10) Desde a queda em pecado, nenhum ser
humano pode salvar-se pelas obras da Lei. A vontade condicional de
Deus, após a queda, constitui uma severa censura à estupidez de
pretender-se a salvação pelas obras. (Lc 10.28)
5. A vontade divina revelada e oculta. (voluntas revelata, signi; voluntas
abscondita, beneplaciti) A vontade revelada de Deus abrange toda a
revelação da Escritura. (1 Co 2.12-16) A vontade oculta de Deus
inclui todas as coisas que ele deixou sem revelar na sua Palavra. (Rm
11.33,34) Embora devamos estudar com diligência a vontade de Deus
revelada nas Sagradas Escrituras, a tentativa de sondar a sua vontade
divina oculta será condenada como louca. \

e. A santidade divina (sanctitas) é o atributo divino que exige, de


conformidade com a própria Lei divina, tudo o que é justo e bom.
(Dt 32.4; SI 92.15; Lv 11.44; 1 Pe 1.15) Deus, em particular, é santo
a) essencialmente, por isso que em virtude de sua divina essência, é
exaltado no mais alto grau sobre todas as criaturas. Nesse sentido,
santidade indica a majestade suprema de Deus e compreende todos
os demais atributos seus (1s 6.3; Jo 12.4); b) eficientemente, pois é o
autor de toda a santidade e está em oposição direta ao pecado. (1 Pe
1.16; Lv 11.44,45) A santidade de Deus deve induzir-nos a que nos
mostremos perante a sua face com grande reverência. (Gn 18.27; Êx
3.5) Ao mesmo tempo, com grande ousadia, visto haver Cristo, por
sua satisfação vicária, estabelecido a paz entre o santo Deus e o ser
humano pecador. (Rm 5.1; 5.10; Ef 3.11,12)
f. A justica divina (iustitia) é o atributo de Deus por causa do qual ele é
perfeitamente justo e reto em sua essência divina. (SI 92.15) De
conformidade com a sua essência perfeita e reta, requer dos seres
humanos o que é justo. (Os 14.9; S1 1.5,6) Hollaz define, com acerto,
a justiça de Deus da maneira que segue: "A justiça é um atributo
divino por virtude do qual Deus quer e faz tudo aquilo que está de
Dogmática Cristã

conformidade com a sua Lei eterna (S1 92.15), também prescreve Leis
adequadas às criaturas. (SI 19.7) Igualmente cumpre as suas promessas
feitas aos seres humanos. (1s 45.23) Recompensa o bem (Rm 2.5-7; 2
Ts 1.6,7) e castiga os maus (SI 119.137; Rrn 1.32; At 17.31; 2 Ts 1.6;
Rm 3.8,13)." Uma vez que Deus é Deus, ele é exlex, isto é, não está
debaixo da Lei, mas é, ele mesmo, a norma perfeita de justiça. Deus
iustus est, quia omnia suae legi coltformiter vult aut facit.
Aplicada aos seres humanos, a justiça de Deus é a) iustitia legalis, ou a
justiça divina revelada na Lei e b) iustitia evcrnge2ica, ou a justiça divina revelada
no EvangeIho que foi assegurada aos pecadores mediante a satisfação vicária
de Cristo. A iuçtitia legalis, por sua vez, se poderá descrever como a) legislatoria,
por isso que é a norma da ~uçtigahumana (Mt 22.37s~);b) remuneratoria,
porque recompensa o bem (2 T m 4.8); c) vindicativa (punitiva, ultrix), pois
pune o maL (2 Ts 1.4-10) A iustitia evangelica constitui a essência da religião
cristâ, porquanto nela repousa a salvação do ser humano. A pergunta sobre
se Deus, de conformidade com a sua iustitia vindicativa, pune o pecado
adequadamente, deve ter resposta afirmativa.
g. A verdade divina (veracitas) é o atributo de Deus que lhe possibilita
ser infalível em falando a verdade e cumprindo as suas promessas.
(Nm 23.19; Hb 6.18; Dt 32.4) A revelação desse atributo envolve
peculiar condescendência da parte de Deus, visto que o ser humano,
por incredulidade, põe em dúvida tanto as ameaças da Lei, como as
promessas do Evangelho. (S1 90.11; 1s 53.1; Jo 12.38) Precisamente
por causa da incredulidade humana, Deus revelou-nos por graça que,
enquanto todos os seres humanos são mentirosos (S1 116.11; Rm
3.4), ele mesmo é a Verdade. (Tt 1.2; Jo 3.33; Hb 6.18; Mt 24.35; Jo
10.35) Em vista da verdade divina, devemos temer a sua ira (C1 6.7)
e confiar nas suas promessas. (Rm 10.11; T t 1.2)
h. O poder divino íjotentia) é o atributo de Deus que lhe permite efetuar
tudo o que é passível de realização sem que implique uma contradição
em sua essência divina. Assim Quenstedt define o poder de Deus (I,
293): "Poder é aquilo mediante o que Deus independentemente, por
meio da atividade eterna da sua própria essência, pode fazer
absolutamente tudo o que não envolva contradição." (Doctr. Theol.,
p.120) O poder perfeito de Deus se distingue do poder imperfeito e
relativo do ser humano quanto ao modo e à extensão. Pelo que respeita
ao primeiro, o poder de Deus é a sua vontade (Gn 1.3; S1 115.3) (Deus
producit volendo.), ao passo que, pelo que respeita à segunda, o seu
poder abrange todas as coisas que estão conformes à sua essência
perfeita. (Mt 19.26; Lc 1.37) Por ter Deus poder infinito, não devemos
falar dele como se se houvesse exaurido ao criar este universo
íjanteísmo). Tampouco devemos sugerir ao poder de Deus o que, em
A Doutrina de Deus

nossa opinião, lhe cumpre fazer. Está visto que é uma blasfêmia a
conclusão dos teólogos racionalistas de que, por ser onipotente, Deus
deverá perdoar o pecado sem padecimento e morte vicários de Cristo.
Deus exerce o seu poder de duas maneiras, a saber: a) com o uso de
meios (causae secundae) e b) sem meios. O primeiro é o poder mediato. de
Deus (potentia ordinata); o segundo é seu poder absoluto (potentia absoluta,
immediata). Em ambos os casos, é exercido o mesmo poder. (SI 30.6-9) Sempre
que Deus opera de modo absoluto, o que comumente efetua por meios,
defrontamo-nos com milagres. (Jo 2.11: seemeia; At 2.43: térata kai seemeia)
Pelo que respeita a milagres, cumpre-nos manter, baseados na Escritura, a)
que Deus pode realizar milagres sempre que lhe apraz, uma vez que é o Senhor
soberano e as Leis da natureza, que em si mesmas jamais são invariáveis
(evolucionistas), nada mais são que a própria vontade divina aplicada às coisas
criadas; porém b) que nos cabe usar os meios ordenados por Deus, quer no
reino da natureza, quer no da graça, e não exigir com presunção milagres a
nosso favor. (Lc 11.16; Mt 12.39) A fides heroica que, por sua extraordinária
confiança em Deus, opera milagres, não cabe nessa regra; que esteja, porém,
segura a pessoa que põe empenho em operar milagres de que a sua ufé" seja
realmente fides heroica e não presunção.
A negação da onipotência de Deus com base em que ele não pode
mentir, furtar, morrer, etc., deve ser condenada como sofisma blasfemo. Sunt
sophismata, quibus definitio rei tollitur.
i. A bondade divina (bonitas) em sentido objetivo é o atributo de Deus
em virtude do qual a sua essência divina está perfeitamente conforme
a sua divina vontade, ou seja, a sua perfeição absolqa. (Mt 19.17)
As criaturas de Deus também são, relativamente, boas (Gn 1.31),
mesmo após a queda, pelo fato de serem criaturas de Deus. (1 Tm
4.4) As criaturas, todavia, não possuem bondade essencial, ou seja,
perfeição, mas são boas somente por serem produtos da mão de Deus.
Em contraposição a todas as criaturas, apenas Deus é bom, ou seja,
bom em si e de si mesmo (to autoagathón). Gerhard escreve acerca da
bondade de Deus neste sentido: "Deus est vere bonus, et solus bonus et
omnis bonitatis A verdade escriturística de que só Deus é,
absolutamente e em si mesmo, bom (bondade essencial) e de que os
seres humanos são apenas relativamente ou dependentemente bons,
deverá preservar-nos de orgulho e inveja e induzir-nos à humildade
e gratidão. (1 Co 4.7; 1 Pe 2.1) Gerhard escreve: "Todas as boas coisas
vêm sobre nós e nosso próximo de Deus; quem do seu próximo tem
inveja opõe-se ao próprio Deus, doador de toda dádiva, e é, realmente,
théomachos (que combate Deus)."
Enquanto que em sentido objetivo, a bondade divina denota a perfeição
divina absoluta, ou seia, a bondade divina essencial, em sentido subjetivo,
Dogrnática Cristã

ela denota a graciosa disposição e conduta de Deus para com as suas criaturas.
(SI 145.9, 36.6,7) Segundo a Escritura, Deus é bom em geral, para com todas
as criaturas. (S1 136) Em particular, para com todos os seres humanos. (Mt
5.45) De modo mais especial, para com os seres humanos como pecadores
que são. (Jo 3.16) Num sentido todo especial, para com os seus santos crentes.
(Rrn 8.28; 1 Co 2.9; Dt 33.3; Jo 16.23) A bondade de Deus para conosco deve
induzir-nos sempre a lhe termos grato amor. (1 Jo 4.19)
Podemos agrupar sob o atributo da bondade divina (bonitas relativa): a
graça divina, como bondade imerecida por parte dos seres humanos (Tt 3.5;
Rm 3.24); a misericórdia divina, como bondade para com os seres humanos
em necessidade (Lc 1.78,79); o amor divino, como bondade desejosa de
comunhão com os seres humanos (Jo 3.16); a paciência e longanimidade
divina, como bondade que espera o arrependimento do ser humano (1 Pe
3.20; 2 Pe 3.9). Esses atributos merecem consideração sobre todos os demais,
porque constituem o verdadeiro escopo da Escritura e o grande tema em que
se centraliza a pregação cristã. (1 Co 2.2) No atributo divino da bondade,
pode-se resumir toda a mensagem evangélica, pois o que proclama não é outra
coisa senão a manifestação da graça, do amor, da misericórdia, da
longanimidade, da benignidade divinos em Cristo Jesus, nosso Senhor. (1 Jo
4.9) Seria realmente terrível a revelação de todos os demais atributos divinos,
se não fosse pela bondade de Deus em Cristo. Do modo como Deus é bom,
igualmente devem ser bons, graciosos, misericordiosos aqueles que, pela fé
em Cristo, foram convertidos em seus filhos amados. (Lc 6.36; Mt 4.44,45;
Ef 4.32; C1 3.12)
Tem-se feito objeção à bondade de Deus, tomando-se por base os
grandes flagelos que se abatem sobre o ser humano e a natureza, provocando
destruições de vidas e valores. A Escritura não nega esse fato (Mt 24.21,22),
ao contrário, põe-no em consonância com seus desígnios amorosos de chamar
os pecadores ao arrependimento. (Lc 13.1-3) Contudo, todos quantos negam
a Bíblia como única fonte de fé, o Deus tnúno como único Deus verdadeiro
e Cristo como único Salvador do pecado, jamais poderão esperar ter parte nas
bênçãos eternas da bondade, graça e amor de Deus.

6.4 - A DOUTRINA
DOS DECRETOS
DIVINOS
\ (DEDECRETIS
DIVINIS)
Os atos de Deus vêm divididos em duas espécies: internos (opera at
-
intra) e externos (opera ad extra). OS atos externos são imediatos (efetuados
sem causas instrumentais) ou mediatos (efetuados mediante causas
intermediárias).
Os atos ou operações internas de Deus constam, por sua vez, de duas
espécies: pessoais e essenciais. Os atos internos pessoais de Deus terminam
A Doutrina de Deus

dentro da própria Divindade e pertencem às pessoas divinas pelas quais são


realizados como sendo peculiares a essas pessoas (geração e espiração). 0 s
atos internos essenciais de Deus iguaImente terminam dentro da própria
Divindade, porém para eles concorrem as três pessoas da Trindade. Essas
operações internas essenciais de Deus são denominadas decretos eternos de
Deus. São em número de três: a) o decreto da criação, b) o decrelo da redenção,
e c) o decreto da predestinação.
a. O decreto da criação consiste no ato interno essencial do Deus triúno
"pelo qual se propôs criar o céu, a terra e todas as criaturas, no princípio
do tempo para manifestação de sua sabedoria, bondade e poder." (A.
L. Graebner) O decreto da criação é ensinado em Jó 28.26,27; At
15.18; Gn 1.26; At 17.26; S1 136.5-9.
b. O decreto da redenção consiste no ato interno essencial do Deus triúno
pelo qual se propôs, mui graciosa e sabiamente, redimir a humanidade
caída em pecado e perdida, mediante satisfação vicária do Filho de Deus
encarnado, Jesus Cristo. Dessa forma, decidiu preparar um caminho de
salvação para todo o mundo, cuja queda em pecado previra, porém não
decretara. O decreto da redenção está registrado em At 2.23: "Foi entregue
pelo determinado desígnio e presciência de Deus." (At 4.28): "Para
fazerem tudo o que a tua mão e o teu propósito predeterminaram." (Ef
1.7-10): "No qual temos a redenção, pelo seu sangue, [..I segundo a
riqueza da sua graça, que Deus derramou abundantemente s bre nós
em toda a sabedoria e prudencia r.. ]segundo o seu benep1á& que
propusera e m Cristo." (1 Pe 1.20): "Conhecido [o Filho de Deus
encarnado, nosso Redentor], com efeito, antes da fundação do mundo."
(G14.4,5): "Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho,
nascido de mulher, nascido sob a Lei, para resgatar os que estavam sob
a lei." (Jo 3.16): "Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu
Filho unigênitoJ', etc.
c. O decreto da predestinação consiste no ato interno essencial do Deus
triúno pelo qual, induzido tão só por sua graça e pela redenção de
Jesus Cristo, desde a eternidade Deus se propôs santificar e salvar pela
fé, mediante os meios da graça, todos os santos que, afinal, entrarão
na vida eterna. O decreto da predestinação ensina-se em Ef 1.4: "Como
nos escolheu nele antes da fundação do mundo." (2 Ts 2.13): "Por isso
que Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação." (Ef 3.11):
"Segundo o eterno propósito que estabeleceu em Cristo Jesus nosso
Senhor." (2 T m 1.9): "Que nos salvou [..I conforme a sua própria
determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos
tempos eternos." (Rm 11.5): "Sobrevive um remanescente segundo a
eleição da graça." (At 13.48): "E creram todos os que haviam sido
destinados para a vida eterna." (Rm 8.29,30): "Aos que de antemão
Dogmática Cristã

conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem


de seu Filho. [...I Aos que predestinou, a esses também chamou; e aos
que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses
também glorificou." (1 Pe 1.2): "Eleitos, segundo a presciência de Deus
Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e a aspersão do sangue
de Jesus Cristo." (Mt 22.14): "Muitos são chamados, mas poucos
escolhidos." (Mc 13.20-22): "Por causa dos eleitos que ele escolheu,
abreviou tais dias. [...I Para enganar, se possível, os próprios eleitos."
A doutrina da eleição será tratada mais por extenso em capítulo especial.
Referimo-nos a ela aqui só por fazer parte dos decretos eternos de Deus. De
passagem, porém, diremos que se deve excluir do decreto eterno da
predestinação toda forma de sinergismo (negação do sola gratia) e toda forma
de calvinismo (negação da gratia universalis). Em razão disso, afirmamos: a)
Deus não escolheu os seus eleitos em virtude da sua fé (intuitu fldei). b)
Deus a ninguém predestinou para a condenação, mas seriamente quer que
todos os seres humanos se salvem (vocatio seria). A aparente discrepância
entre a eleição particular (electio particularis) e a graça universal (gratia
universalis) reconhecemos como mistério, o qual realmente ultrapassa a razão,
que, todavia, não devemos criticar nem procurar explicar. Todas as tentativas '

em harmonizar ambas as doutrinas têm redundado em sinergismo (os eleitos


foram escolhidos em vista de sua melhor conduta, o que é contrário a Rm
3.22,23) ou em calvinismo (Deus não quer salvar todos, o que é contrário a
Jo 3.16; 2 Co 5.19,20; 2 Pe 3.9; At 17.30; 1 T m 4.2). É com razão que a
Fórmula de Concórdia diz: "Todavia, uma vez que Deus reservou este mistério
para a sua sabedoria e nada nos revelou a respeito na sua Palavra, menos
ainda ordenou que o investigássemos com nossos pensamentos, p&ém com
seriedade nos desencorajou de o fazer (Rm 1 1 . 3 3 ~não
~ ) ~convém arrazoarmos
em nossos pensamentos, tirarmos conclusões nem fazermos sindicância
acerca destas questões por curiosidade, mas devemos aderir à sua Palavra
revelada, para a qual nos dirige a atenção." (Decl. Sól., XI, 55)
O Dr. A. L. Graebner resume o decreto da predestinação do seguinte
modo: É o decreto da predestinação um ato eterno de Deus (Ef 1.4; 3.11; 2
T m 1.9; 2 Ts 2.13), o qual, por causa de sua bondade (2 Tm 1.9; Rm 9.11;
11.15) e em virtude do merecimento do Redentor predeterminado de toda a
humanidade (Ef 1.4; 3.11), se propôs conduzir à vida eterna (At 13.48; 2 Tm
2.10; Rm 8.28,29), pelo modo e meios de salvação designados para toda a
humanidade (Ef 1.4,s; 1 Pe 1.2), determinado número (At 13.48; Mt 20.16;
22.14) de determinadas pessoas (2 T m 2.19; Jo 13.18) e buscar, operar e
promover o que pudesse pertencer à sua salvação final. (Rm 8.30; Ef 1.11;
3.10,11; Mc 13.20,22)". (Outlines of Doctrinal Theology, $ 51)
Em contraposição ao panteísmo pagão, que considera o universo uma
emanação ou manifestação de Deus, de forma a Deus e o universo serem
idênticos, e ao dualismo pagão, que afirma a existência eterna da matéria
(hyleee ámorphos/ to mee on) amoldada por uma divindade (nous, to on) na forma
do mundo presente, as Sagradas - Escrituras ensinam que o Deus triúno criou,
do - nada,
- todas
--as coisas que e x i s g g fora d e l e L i i ~ t ~ o é , ~ - g g ~Não
ye~g
entendemos por "nada" qualquer matéria que já existisse (nihil positivum),
mas um estado de inexistência (nihil negativum). Aprendemos de Gg 1,l; Hb
11.3 e Rm 4.17 que antes - -da criação do mundo, além -do próprio Deus, nada
existia. Escreve Calov (111, 899): "A criação -- não existe -numa
- e m a n a ç-
--
pda
essência de Deus nem em geração -nem em movimentação ou transforma&
--- -
natural [...] porém numa ação externa, mediante a qual do nadã se produzem
coisas mediante poder infinito." (Doctr. Theol., p.164ss) Gerhard diz (IV, 7):
"Fora com os sonhos dos estóicos, que idearam dois princípios eternos, nous e
hylee, a mente, ou Deus e matéria, que, imaginavam eles, constituía nos tempos
da eternidade um caos e, em determinada época, por meio da 'mente', afinal
adquiriu forma." (Ibid.) Assim escreve HoIlaz contra o panteísmo, tanto
moderno como oã~antigo:
a i r x . .% -- rgresenta
- uma -ação-
divina espontânea,
porque Deus - formou- - o universo,-- não que - apitanto
-- - - - --
fosse induzido-por
g e ~ s i d a d ea: m o ss precisãõ tivesse dos serviços das criaturas, [...I porém
espontanea-te, visto que era capaz -
de criar ou não, de criar-ou formar,--
antes ou deg-S, nest matéria." (Ibid.). Ã4eFgunta sobre
- -- por
-.c p c - ~ e u ?não cr Hafenreffer
- - -- - - a descreve
--
-- - como "pergunta
que provém - de indagarem
- seres
-- humanos loucos curiosamente
-
acerca
- -
de c o-i s--
i
que nenhum proveito -- têm". (Ibid.).

De acordo com a Bíblia, Deus não criou todas as coisas "de uma só vez,
porém gradativamente, observando uma ordem admirável" (ordo creationis).
Segundo afirma o prime@ocapítulo do Gênesis, Deus, ao criar todas as coisas,
seguiu do inferior ao superior, até, finalmente, Fazer o ser humano como
coroa de sua obra criadora. &-obra
- da -criação
--- --comprgnde, em geral, três
etapas: a) a produção, no prim-eirodia, domaterial e-m-bruto, "que foi, p o ~ -
"ásslm-dizer, a fonte germina1 do universo---inteiro" (Quenstedt); Lutero: moles
L-
Dogmática Cristã

coeli et terrae; b) a-s_epara* e- disposição


- de criaturas
- -- -simples durante os

pdmeirost~êsdias (a luzno primeiro dia1- o-firmamento _ no.segundo;


- - - -- a -
separação-
---
-- - -

_da porção seca das @as ---no terceiro); c) o preenchimento


- e acabamento
--a- do-
- -

J--m u n d o q u e foi con&iado em mais 'três dias (os corpos


-- -celesti%s no -
quarto
- dia; os peixes e aves n o quinto;
ser humano).
- - no sexto, a=iação
- --
dos
-
animais
-
da terra e do

Fazemos-pois,
- - -
distinção entre criação
_- imediata e mediata, s e n k a
primeira-> criacão d e nadados &e> coeli e t terrae e a oÜtrao a r r a a do
material previamente criado.
Não se interpretará, porém, esta ordem da criação como se fosse um
processo evolucionário; porque, de acordo com a Escritura, o mundo não se
desenvolveu por virtude de forças que residissem na matéria mesma, porém
pelo ardor criativo de Deus. (Gn 1.1: "criou Deus"; v.3: "disse Deus") As
criaturas, por conseguinte, passaram a existir por meio da ordenação
onipotente do Criador pessoal, transmundano. Os nossos dogmáticos
expressam essa verdade com a declaração: "A causa eficiente da criação é Deus,
--e- somente
-- ele!"
- ) ciência experimental não pode contradizê-lo, visto
( C a l o ~A
não lhe ser possível provar que houve u m desenvolvimento das coisas
orgânicas a partir das inorgânicas (generativo aequivoca), nem u m
desenvolvimento das formas superiores a partir das inferiores.
(Deszendenztheorie; Transmutationshypothese)
É preciso rejeitar-se a evolução como insustentável, mesmo por razões
racionais, a) porque não esclarece a existência da matéria primitiva e b) porque
repousa n u m princípio desmentido pela natureza, a saber, na suposta
transmutação do homogêneo para o heterogêneo (transmutação das espécies).
A Escritura concorda com a razão nos seguintes pontos: a) a criação de todas
as coisas por um Deus onipotente; b) o procedimento metódico na obra da
criação; c) a propagação das criaturas segundo a sua espécie. (Gn 1.21) Bem
como vieram a existir pela ordenação criadora de Deus, as criaturas se mantêm
e se propagam por meio da vontade divina onipotente. (At 17.28) A existência
do universo atualmente com todas as suas variadas criaturas deve-se à bênção
que Deus pronunciou sobre toda a criação depois de consumada a sua obra
criadora. (Gn 1.22; C1 1.17)

As Sagradas Escrituras ensinam, de modo incontestável,


-- que todo o
universo foi d o no espaço de seis dias de vinte e quatro horas cáda um
exaemeron).
(h_- -- É igualmente contrário à Escritura transformar os=
dias em apenas um instante (Atanásio, Agostinho, Hilário) ou prolongá-los
para períodos de milhões de anos. (Gn 1.31; 2.2; Êx 20.9,ll): "Seis-- dias
trabalharás.
----a- [...I Porque em- seis dias
- fez o Senhor os céus e a- terraiouma vez
h
A Doutrina da Cria~do

que o relato autêntico de que dispomos acerca do milagre da criação (ser


humano algum presenciou a criação e ninguém é capaz de mostrar, pelo mundo
que atualmente existe, como ele surgiu), cumpre-nos considerar anticientífica
presunção toda tentativa de corrigir ou suplementar o relato do Gênesis. A
evolução propriamente dita é ateística e imoral, ao passo que a evolução teísta
não está de acordo nem com a Escritura nem com os princípios básicos da
evolução verdadeira. Negar o caráter inspirado do livro do Gênesis equivale a
contradizer o testemunho do Cristo divino, onisciente, que também aceitou
esse livro como canônico. (Mt 19.4-4; Jo 5.39)

O Primeiro
- - -Dia. - A expressão "No princípio" (berechit) quer dizer tanto
- - - - - -- -
como "quando e@ mu-ndo começou a existir7'. "Pelo que respeita às coisas
criadas no primeiro dia, não havia material para criação (materia ex qua)".
(Quenstedt) Apenas a partir do momento em que as coisas fora de Deus
',
começaram a existir, é que há um princípio. Antes disso, nenhum "princípio"
havia, porque Deus não tem princípio -(SI 90.1,2) e, fora dele, nada havia. O
tempo e o espaço devem, pois, ser adjudicados ao divino "fiat" onipotente da
criação; são criaturas do Deus infinito. As Palavras "No princípio" -- (Gn- 1.1),
-- - -
correspondem
. às mesmas Palavras -(en-archee)
-- - em Jo 1.1;
--
somente que
-- --- --- ---o
--livro
-
do Gênesis relata o que -. Deus
- - -- - então
- - -fez,
- ao passo que -o- Evangelho segundo
- -- -- - -
João nos informa
-- - -acerca
- -- -de- quem--exist~a
- no prcncípio
- - (o Pai. e o
" -- Filho). - -

A expressão "os céus e a terra" é uma designação bíblica do universo


(das Weltall), ou do "todas as coisas" (ta pauta) de que Paulo fala em C1 1.17 e
At 17.24: "O mundo e tudo o que nele existe." Como, no entanto, o relato
divino de Gênesis descreve detalhadamente a criação das diversas criaturas
da substância original (criação mediata), entendemos corretamente que essa
expressão designa a rudis moles coeli et terrae, ou seja, a matéria bruta, que foi
a "fonte germina1 de todo o universo." Juntamente com a terra, Deus criou a
água, visio que esta circunda a terra. (Gn 1.2)
O termo céus não se tomará no sentido de "mais altos céus" (empíreo,
coelum empyrium), uma região presumida em que haja puramente fogo, onde
Deus habite com os anjos e os santos (papistas, calvinistas). Quenstedt,
prudentemente, denomina tal empíreo imaginário um meruurz figmentum. A
expressão céus e terra em Gn 1.1(et hachamajim veeth haarets), como já exposto,
simplesmente indica o Weltstoff, para empregar um termo dos dogmáticos
modernos.
O termo tohuvabohu,
---- -- -que-- -Almeida
- - - - - -- traduz para "sem forma e vazia",
.
-- --
significa, em JT-4.23, terra
-
-. - -
assolada
--
e
.
vazia. Contudo, em Gn 1.2, designa o-
. - -
estado caótico de todas
- -
as coisas
---- --
criadas antes de a mão criadora de Ueus- - ter
- -
separado-; disposto tudo em ordem. - A teoria
- -1-_ segundo-c q u d Q í . 1 --ria o
Dogmática Cristã

relato do restabelecimento de um mundo criado anteriormente, mas destruído


por ocasião da queda dos anjos maus, não- tem - nenhum fundamento bfblico
- -
I-__I-

(Kurtz). D_e-ser rejeitada como algo foriado pela -e_perulação --- -- humana.
A "luz" que Deus- criou - - -no-primeiro dia era a luz elementar, - - à qual, no
quarto-dia, acréScentog
-- -- "os dois grandeslum&ares na expansão dos céus"
para governar o dia e a nõite, verão e inverno; sementeira e se@. (Gn 1.14)
De-acordo %m a ~ z r i t u r a existia , luz antes dos - corpos cgestiais. Pela Palavra
do seu poder, Deus criou a luz elementar, deu-lhe existênciãem meio às
trevas e ordenou-lhe que resplandecesse das trevas. (2 Co 4.6) A partir do
primeiro dia do-mundo e sempre, a repetição regular de trevas e luz demarca
- --- -
o período de um dia, como -- nós agora o dividimos -- - -em vinte e quatro horas."
-
A -
-

(Kretzmann, Pop. Com., I, 2)


,O Segundo Dia. - No segundo dia, Deus -criou- - a -expansão,
-- -
ou seja, o
"firmamento" (raiuG), com o que se designa, não a camada atmosféricaacima v-----

da terra, mas! pelo c&trário,-a abóbada visívd-& c+ (Lutero). De acordo


com
-- Gn 1.68, 9-"firmamento" divide as águas que lhe ficam em cima e em
baixo, de sorte que devemos supor águas-
-
-
além- -da
- .-
abóbada
.- - visível do céu. Em
toda a parte, o relato da criação revela a onipotência e majestade de Deus,
porém não responde a todas as perguntas que a mente do ser humano,
eternamente curiosa, formula.
O Serceiro Dia. - No terceiro dia, Deus juntou as águas debaixo dos céus
num lugar, de modo a aparecer
v - - - - a porção seca. "Com isto concluiu Deus a sua
obra criadora respeito às coisas inanimadas, a% mandar a sua ordem onipotente
que todas as águas debaixo dos céus, debaixo do firmamento que ele construíra,
se ajuntassem num só lugar para si. Enquanto perdurava o caos, tão completa
era a confusão de sólidos e líquidos que excluía a designação "porção seca". Já A/

a quidos deveriam
P -- - - separar-se,
- -- de sorte que se- -tornava
--a---- - -
v
visível
a
-- x r ç a o seca
- como a conhecemos." (I<retzmann, Pop. Com., I, 2) Tão logo
Qeus fez que aparecesse- - a-porGEecaL-ele
- -- a a d o r n o g - c o ~ k ~ v ervas
a L que
do a sua espécie e árvores que davam fruto, - -
=a
forme a sua espécie." (& 1.12)-(aLei da propagação)
ra, as plantas precederam a semente, visto que Deus
criou plantas maduras, "dando semente".
O Quarto
L -- .--Dia.---No quarto dia, Deus criou o sol, a lua e as estrelas
-- -(Gn
1.14s). Nada consta sob;e o "máterial para criáçáon (matéria ex qua) com que
Deus formou os corpos celestiais. O santo escritor, porém, descreve-lhes a
finalidade (finis cuius) e os que lhe auferem (finis cul) as bênçãos. (Gn 1.14-18)
Embora não ensinem um - sist_ema astronômico, as Escrituras Sagradas dão
ênfase às seguintes verdades: a) A terra e a luz existiram antes do s o-l b--) A
- - - - --
terra não serve ao sol
I-- - - L.mas
-_.-? I - --".I o_sol serve à terra e ambos,, sol e terra,
-vice-versa .
,

servem-
- ao ser humano, - criado com o propósito
--- ------- --- - de servir a Deus. Dentro dos
limites dessas verdades básicas, todos os conceitos astronômicos do teólogo
A Doutrina da Cria~áo

cristão serão confinados. Todos os chamados sistemas astronômicos sugeridos


pelos seres humanos repousam e m hipóteses, as quais ficam além de
comprovação positiva. Por oposição aos sistemas astronômicos dos cientistas,
o teólogo cristão deve manter o seguinte: a) A Escritura jamais erra, nem
mesmo em questões de ciência. (Jo 10.35; 2 T m 3.16) b) A Escritura acomoda-
se ao modo de ver humano; porém nunca aos erros humanos, porquanto é
sempre verdade. (Jo 17.17) c) Contamos com tão poucos elementos sobre
astronomia, que é, tanto tolice como não-científico, suplementar, corrigir ou
criticar a Escritura com base nos sistemas especulativos humanos. d) É indigno
de nossa convicção cristã pormos a inerrante Palavra da Escritura de lado em
proveito dos "seguros resultados" da falsamente chamada ciência. Daí ser
indispensável ao cristão, quando em controvérsia acerca desse ponto, sempre
manter a divina autoridade da Escritura. Todavia, não pense que, por convencer
u m incrédulo da verdade da narração mosaica, ele o converterá, porque a
conversão se obtém somente pela pregação da Lei e do Evangelho.
O Quinto Dia- - Deus criou, no quinto dia, os "enxames de seres viventes
nas águas- -e voem as aves sobre a terra, ?h-o firmamento dos-céu?." "Criou, .-

- --
pois, Deus-ggrandes
-. animais marinhos e todos=-.I- os seres -_-
viventes ~e rastelaq,
---=-"?-i-

o s quais povoavam-- as ájpas, segundo as suas espécies; e todas. as a v e , çegundo


-- V -

assuas espécies. E viu Deus qu&isso era bom. (Gn 1.20,21) A materia er qua
dos primeiros foi a água. A das outras não se acha diretamente mencionada.
O material de que essas e outras criaturas foram formadas, em nenhum
respeito, foi autocriador (evolução). Materia est principium passivum; non
concurrit cum Deu ad aliquid creandum.
O Sexto Dia. - No último dia, criou Deus "animais-domésticos, répteis, -
animais selvátiios" e, como coroa de sua obra criadora, o ser humano. (Gn
1.24,27) A p e r g u n t a ~ C se r
tornaram nocivos ao ser humano após a queda, pode ser respondida como
segue: De fato, foram criados no decorrer dos seis dias da criação, porém as
suas funções estavam è m perfeita cznsonância com o bem-estar do ser
humano. Mesmo atualmente, as "coisas nocivas" (as plantas, animais e
minerais venenosos) podem ser empregados pelo ser humano em benefício
de alguém. Como, antes da queda a natureza ainda não se achava sob a
maldição e corrupção do pecado, também essas criaturas prestaram serviço
voluntário ao ser humano. A glória suprema do ser humano como coroa da
criação advém dos fatos que damos a seguir: a) A criação do ser humano foi
precedida de u m conselho divino do qual participaram as três pessoas da
Divindade. (Gn 1.26) b) Enquanto todas as demais criaturas receberam o ser
por meio da Palavra divina todo-poderosa, Deus formou o corpo do ser humano
do pó da terra (Gn 2.7) e soprou em seus narizes o fôlego da vida, e o ser
humano foi feito alma vivente. (Gn 2.7b) c) Deus fez do ser humano um ser
inteligente e racional para que governasse o mundo em seu lugar, pois o mundo
Dogmática Cristã

foi criado para ele pelo caridoso Criador. (Gn 2.7b; 1.28) - d) Deus -fez o ser
- --
humano à- sua
- -.
imagem,
- -- -
de forma que o -mesmo era semelhante a Ueus em
santidade,
--
justiça e sabedoria.
---
(Ef 4.24;
--
C1 3.10)
-- . - e) Deus proveu Adão de uma
aiudadora, que foi feita segundo a imagem - divina e dotada de inteligência
- e
aima imoitil. (Gn 2.22-24)
A pergunta sobre dicotomia e tricotomia deve ser decidida à base de
passagens que descrevem o ser humano no que concerne às suas partes
essenciais. (Mt 10.28; 16.26; Gn 2.7) Com base nessas passagens, a grande
maioria dos dogmáticos luteranos declararam-se a favor da dicotomia. As
passagens citadas pelos tricotomistas são Lc 1.46,47; 1 Ts 5.23, etc; todavia
nenhuma delas oferece prova irrefutável em prol da triconomia. Que a
Escritura emprega os termos espírito (pneuma) e alma (ysychee) alternadamente,
depreende-se do fato de serem chamados, ou espíritos (1 Pe 3.19) ou almas
(Ap 6.9) os que partem desta vida. A dicotomia certamente apresenta menos
dificuldades na explicação dos fenômenos da existência humana em geral.
A narração mosaica da criação do mundo não deve ser considerada como
alegoria ou mito, porém deve ser tida como um relato histórico exato de
acontecimentos reais. Somente uma interpretação literal está de acordo com
o texto.
"De conformidade com as Sagradas Escrituras, a criação consistiu no
ato espontâneo do Deus triúno mediante o qual, no princípio, para sua própria
glória, formou todo o universo visível e invisível, sem que fizesse uso de
material preexistente" (Strong). Essa doutrina está intimamente relacionada
com a santidade e benevolência de Deus. (Rm 8.20-23; 2 Co 4.15-17)
Relaciona-se, igualmente, com a sua sabedoria e livre vontade. (SI 104.24;
136.5) Quem nega a doutrina da criação conforme ensinada na Escritura,
pode, da mesma forma, negar também a doutrina escriturística da redenção,
uma vez que o relato daquela não é menos inspirado que o relato desta. "Toda
a Escritura é inspirada por Deus." (2 Tm 3.16), e a ordem de Cristo tem o
sentido de que todos aceitem toda a Bíblia por verdade divina. (Jo 5.39; 10.35)

5. A UNIDADE
DA RAÇA HUMANA
Sustentamos, fundamentados na Escritura, que Adão, criado por Deus
no sexto dia do hexaemeron, foi o primeiro de todos os seres humanos e o pai
da raça humana inteira através de todo o mundo. (1 Co 15~45~47; Gn 2.5; At
17.26; Rm 5.12) Daí rejeitarmos o erro de Isaac Peyrere (1655), o qual ensinou
que, como os judeus descendiam de Adão (Gn 2 . 7 ~ os ~ )gentios
~ procediam
dos pré-adamitas. (Gn 1.26s~)Assim, proviriam de épocas anteriores à criação
do antepassado dos judeus. A narração mosaica não admite á hipótese de pré-
adamitas nem de coadamitas, pois ensina, com a maior ênfase, que Adão é o
pai de todos os seres humanos. (At 17.26) Em consonância com essa doutrina,
A Doutrina drr Cri'zi";

estão, também, as conclusões de antropologistas de vulto, que, sem recorrer


à revelação divina, afirmaram a unidade da raça humana. (Alexandre de
Humboldt)
Enquanto Adão foi criado por primeiro e de modo independente (Gn
2.18), Eva foi criada em dependência de Adão, um indivíduo racional completo
tirado do ser humano segundo a alma e o corpo. (Gn 2.21-24) A costela de
que Deus formou (banah) Eva não se deve considerar uma simples costela,
porém uma substância viva, vital que incluía cada partícula de que Eva se
compunha essencialmente. (Gn 2.23; At 17.26; cf. a exposição de Lutero, S.
L., I, 157) Apesar de Eva estar em pé de igualdade com Adão no usufruto das
bênçãos divinas, tanto temporais como espirituais, a sua condição social era
de sujeição a Adão, por cuja causa fora criada. (Gn 2.18; 1 Co 14.34-36; 1 T m
2.11-15)

a. Embora as Escrituras Sapradas- nos informem


-- -- -com exatidão acerca de
como
--
e q u
- a n d o o ser humano
--
foi
. - --- - -- nos-- oferecem
criado, nada -
com
respeito
--- à criação
-- -- -
dos anios. Estes,
- --
todavia,
-- também foram feitos no>
_ -=-- do hexaemeron1Gn
decorrer --_ 2.1,2) Uma vez que as Escrituras nos
revelam tudo o que é necessário para a salvação, não devemos
procurar suplementar o relato divino mediante humana especulação.
b. Se Moisés recebeu os fatos relatados em sua narração por revelação
direta ou por transmissão oral, isso não é coisa que confunda. Uma
vez que é canônico, o livro de Gênesis é inspirado por Deus. (2 T m
3.16; Jo 10.35) Por isso mesmo, contém a relação do próprio Deus
acerca do princípio do mundo e da raça humana.
c. As duas narrações da criação no Gênesis (capítulos 1 e 2) não são
relatos contraditórios (Jean Astruc, V, 1766). Pelo contrário, o cap. 2
suplementa a qlação do cap.1. Em Gn 1 se nos oferece uma descrição
geralda obra da criação, ao passo que Gn 2 apresenta o fato da criação
em relação à história da Igreja de Deus no Antigo Testamento. Por
essa razão, Gn 2 é tanto suplementar como explicativo. (cf: elohim
em Gnl e jahveh elohim em Gn 2) A história da Igreja de Deus, o
Criador (elohim), que, em Gn 2 teve o seu princípio, vem, pois, narrada
como história da Igreja de Jeová (jahveh), o Senhor eterno do seu
povo.
d. Da forma como -a- alma de Eva- se produziu
-- - - -
-- por .propagação
-. ..- - - --
de
-- Adão,
assim
- - ---também,
- .. -na- opinião
-- - geral
- --- -- luteranos,
dos dogmáticos L-- as almas
das crianças se produzem antes-por propagação -
y--
que
--
por criação direta
(traducianismo e não criacionfsmo). "A alma .-- do
- primeiro
-- - sg humano
foi diretamente criada por Deus; a alma de Eva, porém, foi produzida
Dogmática Cristã

por propagação, e as almas dos demais -


seres humanos não são -
diretamente criadas, r...] mas, por virtude-da b ê n c á ~ d i v i n a ,
propagadas, per traducem, por intermédio de seus pais." (Quenstedt)
O traducianismo se deduz: a) da bênção primordial de Deus (Gn
1.28; 9.1); b) do descanso e cessação por parte de Deus de toda a
obra no sétimo dia Gn 2.2; c) da formação da alma de Eva Gn 2.21,22;
d) da descrição geral da geração Gn 5.3; e) da concepção em pecado.
(S1 51.5)
e. O ato da criação deve ser considerado espontâneo de Deus (actio
libera), assim que Deus não se viu constrangido a criar o mundo por
nenhuma necessidade íntima do seu divino ser. (SI 115.3) Dizer que
o ato da criação foi um ato divino necessário (actio necessaria), seria
abonar o panteísmo e anular a concepção real de um Deus pessoal e
soberano.
f. Se bem que as Escrituras nos assegurem que o universo tal qual surgiu
da mão criadora de Deus, era "muito bom" (Gn 1.31 tob meod), seria
fútil perguntar se o mundo tal como Deus criou foi o que de melhor,
nesse sentido, Deus podia criar (o "otimismo" de Leibniz). Cabe-nos
julgar o mundo presente pelos padrões de Deus mesmo, conforme
nos são oferecidos na sua Palavra. Por isso mesmo, dizemos que o
mundo era muito bom no sentido de que estava perfeitamente de
acordo com a vontade divina, era tal como Deus queria.

7. A CRIAÇAO- UMATOEXTERNODE DEUS


(OPUSAD EXTRA)
Como opus a d extra, a criação constitui obra do Deus triúno. Daí ser
atribuída ao Pai (1 Co 8.6), ao Filho (Hb 1.10; Jo 1.3; C1 1.16) e ao Espírito
Santo (Gn 1.2; S133.6). Ainda que para essa obra concorressem as três pessoas
da Trindade, o poder criador, ou seja, a onipotência, ao qual deve o universo a
sua existência, é u m só (una numero potentia), de forma que não devemos
falar em três criadores, mas somente num (Jo 5.17). "A criação constitui um
ato do Deus uno. [..I É igualmente u m ato de Deus somente, o qual não
precisa nem pode ser atribuído a nenhuma criatura." (Chemnitz) Também
não devemos falar numa distribuição desse um poder divino entre as três
pessoas, como se da obra criadora o Pai houvesse realizado um terço; outro o
Filho e mais outro o Espírito Santo. As Sagradas Escrituras jamais distribuem
o ato divino criador entre as três pessoas, mesmo que, às vezes, o atribuam a
determinada pessoa divina. (cf. as passagens acima referidas)
Quando a Escritura, ocasionalmente, declara que todas as coisas foram
feitas pelo Pai por intermédio do Filho ou do Espírito Santo (S1 33.6), "não se
deve interpretar isso como se houvesse desigualdade de pessoas, assim como
os arianos de modo blasfemo asseverafiam,ter sido o Filho instrumento de
Deus na criação, tal como o trabalhador se serve de um machadon. (Chernnitz'
Essa maneira de falar, porém, faz, pelo contrário, ver o mistério da Santíssima
Trindade, segundo o qual o Filho tem a sua es&mia e poder divinas do Pai
desde a eternidade e o Espírito Santo tem a sua essência e puder divinos do
Pai e do Filho desde a eternidade.
Com razão, comenta Chemnitz sobre esse ponto (Loci Theol., 1:115):
"As preposições (apó, dia/ eu) não dividem a natureza, mas expressam as
qualidades de uma natureza que é una e inconfusa." Hollaz diz igualmente:
"Não são as três pessoas da divindade três causas associadas, nem três autores
da criação, mas uma só causa, um só Autor da criação, um só Criador." Flácio:
"Vox autem PER non significat hic INSTRUMENTUM/ SED PRIMARIAM
CAUSAM." Lutero: "A Escritura, enfim, tem por hábito dizer que o mundo
foi criado por intermédio de Cristo e pelo Pai e no Espírito Santo. [...I Emprega
ela este modo de exprimir-se com o fito de demonstrar que não é o Pai que
tem do Filho a essência divina, mas o Filho do Pai, e que é o Pai a primeira
pessoa e a pessoa original da Divindade. Por isso mesmo, não diz ter Cristo
feito o mundo por intermédio do Pai, mas sim o Pai por intermédio do Filho,
de molde a continuar sendo o Pai a primeira pessoa e a provirem dele todas as
coisas, todavia por intermédio do Filho." Também João costumava falar assim,
cap. 1.3: "Todas as coisas foram feitas por intermédio dele"; e C1 1.16: "Tudo
foi criado por meio dele e para ele"; e Rrn 11.36: "Dele e por meio dele e para
ele são todas as coisas!" (S. L., XII, 157ss) Chemnitz acrescenta esta
advertência (Loci Theol., 115): "Não devemos discutir com tanta curiosidade
acerca da distincão das pessoas na obra da criação, mas estejamos contentes
com a revelação de que todas as coisas foram criadas pelo Pai eterno, por
intermédio do Filho, enquanto que o Espírito Santo sobre eles pairava (Rm
11.36)." (Doctr. Theol., p.162ss)

8. A FINALIDADEPRINCIPAL
DA CRIAÇÃO
I De acordo com as Sagradas Escriturass,a p~inuiga.xn_alidade da criação
>
\
principalmentelor
----- de-
consiste na &rificação Deus;
- em- outras
--- -Palavras,
L -- - -- o mundo
-

causa de Deus mesmo (Pv 16.4), ou para sua glória. (SI


foi criado
? --- -
104.1s~)Por esse motivo, não só os seres humanos,jorém - - - -- todas
------ as criaturas
" e

são exortadas a bendizer a Deus. (SI 148) Deus, por meio da sua criação,
nianifestou sua bondade (SI 136); b) o seu poder (SI
115); c) a sua sabedoria. (SI 1 9 . 1 ~ 104.24;
~; 136.5) A objeção feita aiui de que
seria ter uma idéia indigna de Deus querer considerá-lo como tendo feito todas as
coisas para sua própria glória, é - a) antiescriturística, visto que as Escrituras
ensinam claramente esta verdade, Rm 11.36; - b) absurda, porquanto julga a
Deus segundo os padrões humanos; - c) ateística, por destronar Deus e pôr o
ser humano em seu lugar; pois que, se o mundo não foi feito primeiro que
Dogmática Cristá

tudo por causa de Deus, forçosamente o próprio ser humano é a principal


finalidade da criaçáo.,Contudo, embora a glorificação de Deus seja a principal
--
finalidade da criação, alnalidade intermédia da criação é a beneficiaGo do
-ser humano. (SI 115.15,16) Quenstedt escreve (I, 418): D e u s fez t o d a r
coisas por causa
-
.-
-- do ser humanoJ porém ao ser humano fez por causa de si
mesmo."
---- (SI 115.16; 60.7,8) Finis cuius creationis mundi gloria Dei; finis cui
homo. Macrocosmus in gratiam microcosmi conditus est.
Assim c é m o sustenta e zela
constantemen
--- -- pelo sir -humano. É-
lar --
precisamente o que dizemos quando falamos da providênciadivina -- -

(providentia, prónoia, dróikeesis). S. Agostinho diz: "Deus não é u m operário


que, findo o seu trabalho, o deixa estar e segue caminho." Gerhard: "Deus, o
criador de tudo, não deixa ao abandono a obra que realizou; porém a conserva
com a sua onipotência até o tempo presente, e com sua sabedoria governa e
controla todas as coisas que nela há."
Visto que o ser humano pode constatar a realidade da providência divina
a partir da contemplação da natureza (Rm 1.19,20; At 14.17), bem como da
história (At 17.26-28), em virtude da cegueira e perversidade do entendimento
humano (1s 1.2,3), as Sagradas Escrituras ensinam isso com grande ênfase e
bem detalhado. (Mt 6.25-32) Gerhard (IV, 52) escreve: "É fraco e imperfeito o
conhecimento que no livro da natureza se busca acerca da divina providência,
não que a culpa fosse da própria
. . natureza, mas de nosso entendimento; mais
seguro, todavia, e mais perfeito é o conhecimento que acerca da providência
divina se adquire da Escritura." (Doctr. Theol., p.174) O teólogo cristão
considera
-- a-Escritura
- - -como
. . . única
- --fonte (principiutn cognoscendi), também
. desta
doutrina.
--

A providência divina revela-se - -a) n-a sua graciosa


em- particular:
-

conservação de todas as criaturas (conservatio); b l n a suo-sa --coogeração


- --

em tudo que sucede (concursus); c) no seu gracioso regimento - e governo de


todo o universo kubernatto).
- Distinguimos,
-- -- pois,
-- como atos especiais da divina
-
- - -- -- --
----- a c o n s e r v s o de Deus (S136.6); a cooperação de Deus
providência: --a -(At 17.28),
eÓ de Deus (Jr 10.23; Pv 20.24). Escrevemos uma definisão completa
d; providência divina: "Providência divina é o ato externo de toda a Trindade
(op&-a d extra) pelo qual Deus mantém o mais eficientemente as coisas criadas,
quer em bloco, quer por unidade, tanto segundo a espécie como segundo o
indivíduo; coopera nas suas ações e feitos, governa livre e sabiamente todas
as coisas para a sua glória e o bem-estar e segurança do universo, em especial
dos piedosos."
O ato da providência divina inclui a conservação de todas as criaturas,
não só no que se refere à sua existência (At 17.28; C1 1.17), mas também às
suas atividades. (Mt 5.45; At 14.17; SI 104.10-30) Em --- outras Palavras, as - -
criaturas não só
- - ---
têm sua existência
-- - --. em Deus, como
e-
tambémgor
- .---- - ele exercem
_as sEas funções. Por essa razão, os-nossl d_ogmá~icoschamaram a conservação
do mund~(conservatiomundi) uma - - - criago
-. continuada (creatio continuara).
Bem-entendida, essa expressão é escriturística. Embora a divina providência
seja obra do Deus triúno, é de especial conforto para todos os crentes que a
Bíblia atribui a conservação e governo do mundo, em especial, ao nosso Senhor
e Salvador Jesus Cristo, ao qual Deus constituiu cabeça de sua Igreja. (Hb
1.3; C1 1.17; Ef 1.20-23)

-De-
acordo-com
-
as Sagradas
-- - - - -
Escrituras, a providência divina, não só
abrange o universo em geral (C1 1.17), como também todas - -- - as criaturas
individualmente: plantas (Mt 6.20-30); animais (Mt 6.26), seres humanos-- (At
17.26; S1 33.12-15). A Igreja Cristã constitui objeto especial da divina
providência, segundo a Escritura, pois, por sua causa, tudo existe e deve servir
para seu bem-estar. (Rrn 8.28; Hb 1.14; Mt 16.18) Muitas objeções se fizeram
à verdade escriturística de que a providência divina abrange todas as coisas,
mesmo as menores. (Mt 10.30; Lc 21.18; 12.6) Citamos como exemplo o
fato de que Deus ficaria muito sobrecarregado, se quisesse tomar conta de
todas as coisas, ou que os pequenos problemas da vida receberiam ênfase
indevida em comparação com os assuntos importantes. Essas objeções deyem-
ser rejeitadas como idéias pervertidas do coração carnal e incrédulo, que destrmm
o verdadeiro conceito de Deus; porquanto precisamente por Deus ser R?&&
que ele tem cuidado de todas as coisas. (At 17.28)

3. A RELAÇÁOENTREA PROVIDÊNCIA DNINAE AS CAUSAS


SECUNDÁRLAS(CAUSAESECUNDAE)
Deus, em sua providência co-participante, faz uso de causas secundarias
(causae secundae), meios pelos quais conserva e dirige as coisas que fez. É
nisso que pensamos, quando falamos em cooperação divina. E preciso anotar-
se com cuidado a relação existente entre a pm"dência divina e esses meios
secundários; porque, no ato divino de coopera@o, tanto Deus como os meios
operam (causae secundae). A operação dos meios, porém, não está coordenada
à de Deus, mas, pelo contrário, lhe é subordinada, de forma que as causas
secundárias operam tão somente porque e enquanto Deus opera através delas.
(S1 127.1) Para dar ênfase a essa verdade, nossos dogmáticos disseram que a
divina coopera@o não é precedente (actio praevia), mas a operação de Deus e
a dos meios (una numero actio) são, numericamente, uma só. Em outras
Palavras, hurs m,Qpera,mas não "preopera." 'A cooperação não é precedente,
mas ocorre quando a ação mesma se processa." (Hollaz) Dessa maneira, o pão
A Doutrina da Providência Divina

nutre, a medicina cura, a água mata a sede, etc. unicamente por causa da
constante influência de Deus sobre as suas criaturas (Dei continuus in creaturas
influxus). Essa a razão pela qual Deus é chamado a causa primária (causa
prima) e a criatura, causa secundária (causa secunda), ainda que a ação de
Deus e da criatura sejam simultâneas. Eis a doutrina escriturística da
cooperação divina, que se opõe ao deísmo, bem como ao panteísmo.
No que se refere às Leis da natureza, a Escritura ensina que elas não se
separam da vontade divina, porém são a vontade de Deus exercida na
existência e ação das criaturas, para que se conservem na sua existência como
na sua operosidade. A Escritura não sabe de Leis imutáveis na natureza
contrárias à vontade divina. Mesmo que possam ser imutáveis para o ser
humano fraco, não o são para o Deus onipotente, que governa tudo conforme
lhe apraz. (SI 115.3; 135.6)

DIVINA
4. A PARTICIPA~ÃO NAS BOASE MÁs AÇOES
Com referência à cooperação divina nas ações de agentes morais (seres
humanos, anjos), é necessário que se faça distinção entre boas e más ações.
No que concerne às más ações ( p ~ a d o s )a, Escritura ensina: que Deus, em
sua perfeita santidade, é tão inalteravelmente averso a qualquer má obra que
a proíbe e condena (Decálogo); que Deus evita frequentemente a prática de
más ações (Gn 20.6); que, toda vez em que Deus permite a sua realização,
controla-as de tal modo, que têm de servir aos seus sábios e sagrados propósitos.
(Gn 50.20; Rrn 8.28) Ainda assim, a pergunta fica em pé: "De que modo Deus
coopera nas más ações que realmente ocorrem<" Por uma parte, não podemos
dizer que tais atos se pratiquem sem Deus, porque isso viria negar a sua co-
participação divina (ateísmo); por outra parte, contudo, não devemos atribuir
semelhantes atos a Deus, porque são de má qualidade (panteísmo). A co-
participação divina não faz de Deus autor nem cúmplice das más ações.
A dificuldade estará removida a contento, se atentarmos para a linha
divisória que a Escritura sugere aqui. Ainda que seja verdade que Deus tem
sua participação nas más ações; ele participa delas somente enquanto são
ações (quoad materiale) e não enquanto são más (formale). "Deus coopera na
produção dos "feitos", mas não dos "defeitosn.A prova para o primeiro (quoad
materiale) está em At 17.25-28. Pois os seres humanos vivem em Deus,
movem-se e existem nele e dele recebem vida, fôlego e todas as coisas, não só
ao praticarem o bem, mas também quando praticam o mal. O segundo (quoad
formale) se prova de Dt 32.4; SI 92.15 e outros. Aí se afirma que o "Senhor é
reto" e que "nele não há injustiça". A obra de Deus é perfeita; pois "Deus é a
verdade, e não há nele injustiça; justo e reto é".
Isso, naturalmente, não esclarece todo o mistério que há na co-
participação de Deus, porém nos mostra dentro de quais limites nos cumpre
Dogmática Cristã

confirmar os pensamentos com respeito a esse assunto. As especulações que


avançam além disso redundam em auto-ilusão ou negam as verdades da
Escritura (At 17.28: a providência de Deus; Dt 32.4: a sua justiça). É preciso
g-ue -se mantenha energicamente a doutrina de que somente o ser humano é
responsável por seus maus atos, neles tenhaparticipação
- -

àbase da Escritura,--bem como só pela Escritura, mas


também pela própria consciência do ser humano, o erro pánteístico de que se
deva re~~onsábiltzar Deus pela transgressão humana é rejeitado. ( ~ m - 2 . 1 5 :
"os seus pensamentos [...I acusando-se".)
As Sagradas Escrituras também descrevem a co-participação de Deus
nas más ações como permissão (providência permissiva). F,aIamos, pois, de
acordo com a Escritura, quando dizemos: "Deus permite o mal ou deixa que
ocorra." (S181.12; At 14.16; Rm 1.28; etc) Semelhante permissão, como Hollaz
faz ver acertadamente, não consiste em gentil indulgência, como se quando o
ser humano comete pecado não ofendesse a Deus; nem mitigação da Lei, como
se Deus desse permissão para aos seres humanos pecarem em outras
circunstâncias; nem fraqueza em Deus ou deficiência de conhecimento ou
poder por parte dele, como se ele o ignorasse ou não pudesse reprimir; nem
indiferença para com o pecado, como se Deus fosse testemunha desinteressada
dele; mas num ato negativo, pois Deus não põe dificuldades insuperáveis no
caminho do pecador, mas permite que o mesmo se precipite na iniqüidade.
(Mt 26.23) "Deus realmente permite, mas não quer aquilo que permite."
(Quenstedt) Frequentemente Deus, em seu justíssimo julgamento (iustitia
vindicativa), também pune pecado com outro pecado. (Rrn 1.24-28) Contudo,
mesmo nesses casos, não quer a ação originalmente má, bem como não sente
prazer no pecado adicional. Deus jamais é a causa ou o instigador do pecado.
(SI 5.4-6; Rm 1.18s~)

XXXXXXXXXX

Com respeito à co-participação


- - - - -- de ----Deus nas boas ações, temos--de fazer
distinção entre os atos -que-- -
se-praticam a) em seu Reino
-- - -
--A - da poder (regnum
potentiae) e-b) em seu-Reino
-- - - - da
- -graça
- - - (regnum gratlae). As primeiras são bo-
obras civis (iustitia
-- civil~~)
e as outras, boas obra-spirituais @uititlaspiritualis).
----v

Deus opera a iustíttn clvilis no irregenerado mediante o seu governo onipotente


de todás as coisas (regnum potentl%e) e a recompensa com-bênçãos teirenas e
temporais. (Êx 1.20,21) Deus produz a iustitia spiritualis pela graciosa operação
do Espírito Santo no regenerado. Q Espírito lhe confere a capacidade para
fazer o bem (potentia agendi), como'também efetua a mesma boa ação (ipsum
agendi actum) conforme a Escritura testifica claramente. (Fp 2.13; 2 Co 3.5;
Fp 1.29)
A Doutrina Ai Pra-~Jitr;:; 3ri-

5. A PROVIDÊNCIA
DIVINA
E O LIVRE-ARBÍTRIO
(LIBERTOS
A COACTIONE)
Embora vivam, se movam e existam em Deus, os seres humanos
continuam como seres livres, de vontade própria, que são pessoalmente
responsáveis perante Deus por tudo o que fizerem (libertas a coactione, liberdade
de coa~ão).Essa verdade é ensinada na Escritura (At 17.30) e confirmada pela
experiência. (Rm 1.32: "Conhecendo eles a sentença de Deus, de que são
passíveis de morte os que tais coisas praticam.")
Podemos, nessa conexão, considerar, ainda, a pergunta: "É indispensável
que as coisas sucedam precisamente como ocorrem (necessitas immutabilitatis),
ou poderiam acontecer de outra maneira (contigentia rerum)Z7' Baseados na
Escritura, mantemos tanto a necessitas immutabilitatis como a contigentia rerum.
A primeira, do ponto de vista da providência divina; a outra, do ponto de
vista da responsabilidade humana. Por conseguinte, foi necessário que se
efetuassem a traição, condenação e morte de Cristo, uma vez que, desde a
eternidade, Deus deliberara por seu gracioso plano de salvação, que tudo isso
haveria de acontecer. (At 4.27,28; Mt 26.54) Contudo, nem Judas nem Pilatos
foram coagidos por Deus a perpetrar os crimes mediante os quais o Salvador
foi entregue à morte. (Lc 22.21-23; Mt 26.24; Jo 19.12) Por isso, os nossos
dogmáticos disseram: Ratione providentiae Dei, quae omnia regit, necessario omnia
fieri recte dicuntur; respectu hominis libere et contingenter res fiunt et aguntur
omnia in rebus humanis. Se a necessitas for negada, o ateísmo ou o epicurismo
será a alternativa ("As coisas sucedem sem Deus7'); se se negar a contingentia,
o fatalismo ou estoicismo será a alternativa. ("O ser humano é coagido a
pecar ")
Em razão do fato de, "pelo que respeita ao ser humano, as coisas
sucederem livre e contingentemente", (respectu hominis libere et contingenter
res fiunt), tanto no reino da natureza, como no da graça, o ser humano está
confinado aos meios que Deus designou para seu bem-estar. Para a enfermidade
corporal, cumpre-lhe recorrer à medicina; para a enfermidade da sua alma,
cumpre-lhe recorrer aos meios da graça (a Palavra e os sacramentos), pelos
quais Deus opera e mantém a fé.(Rm 10.17) É tolice e pecado querer certificar-
se da providência divina a priori, pondo de parte os meios prescritos por Deus;
pois, nesse caso, arrogantemente, tentamos sondar Deus em sua majestade
soberana (Lutero: in nuda maiestate) e, dessa forma, o tentamos. (Mt 4.6,7)
Muito parecida com a verdade que acabamos de tratar é a pergunta
referente ao fim da vida humana (terminus vitae). Compete-nos, também aqui,
manter tanto a necessidade como a contingência. A Escritura, por um lado,
ensina que os dias do ser humano estão determinados de tal forma, que lhe é
impossível ultrapassar os limites demarcados. (Jó 14.5) Isso é dito com respeito
à providência divina (ratione provrdentiae Dei). Por outro lado, a Escritura ensina
que Deus, amiúde, altera os Emites da vida humana com respeito aos piedosos
e aos ímpios. Ele prolonga a vida dos piedosos, seja em recompensa pela sua
o M ê n c i a , (Êx 20.12; Pv 3.1,2; 4.10), seja pelo bem geral da sua Igreja, (2 Co
1.10,11; Fp 1.23,24) ou lhes abrevia a vida a fim de os preservar da aflição e
do mal. (1s 57.1,2) Sempre que Deus abrevia a vida dos ímpios, tem de
considerã-10 como justo castigo por sua maldade. (Gn 38.7,10) Tudo isso,
porém, se diz respcctu hominis, ou seja, do ponto de vista da contingência.
preciso que, do ponto de vista da contingência (respectu hominis),
digamos que o limite da vida humana não está absoluta e imutavelmente
fixado. (Is 38.5) Para fins de clareza, nossos dogmáticos ainda disseram que o
ser humano morre, ou pela providência divina dispensadora ou pela permissiva.
Se os seres humanos se servem dos meios prescritos (At 27.33s~:alimento; 1
T m 5.23: medicina; E£ 6.2,3: piedade; 2 Rs 20.1-6: oração; At 9.25: evitando
perigos, etc.], pela graga de Deus, alcançarão o limite de vida que a sua
providência dispensadora fixou. Se, todavia, repudiam os meios prescritos,
transgridem as Leis divinas e vivem em perversidade, a vida lhes será abreviada
~ providência permissiva. (2 Sm 18.14; 17.23; Gn 9.6; Êx 21.22; etc)
p o sua
Todas as passagens bíblicas que descrevem o terminus vitae em termos de
contingência devem ser consideradas como graciosa condescendência da parte
de Deus para nossa compreensão fraca, a fim de, para nossa admoestação ou
consolo, podermos fazer uso das verdades divinas que revelou por graça para
nosso bem temporal e eterno. Contudo, também nos casos em que a vida é
abreviada ou prolongada, não se deve ter Deus por mutável em sua essência
ou decisões, porque, desde a eternidade, foi decretado por ele o que se nos
afigura uma abreviação ou prolongação da vida. Em outras Palavras, o ser
humano mone exatamente quando Deus quer que morra. (Lc 12.20; 2.26;
Fp 1.23,24; Jz 6.23; SI 90.3-10) Para além disso, os nossos pensamentos não
se devem aventurar, uma vez que as próprias Escrituras estabelecem esse
limite.
A doutrina dos santos anjos não deve proceder da razão, pois, segundo
ela, a existência deles é, quando muito, apenas provável. Deve, sim, advir tão
somente da Escritura, que ensina a sua existência desde o Gênesis até o
Apocalipse (Gn 3.24; 32.1,2; 51 104.4; Ap 12-7) Também dessa doutrina, a
Escritura é o único principiam cognoscendi. A Teologia racionalista moderna
repudia a doutrina dos anjos ("Não existe a pessoa de um diabo. Nem mesmo
existência de anjos bons se pode provar."), precisamente porque gabou
da Escritura como única fonte de fé.
Embora
- --
as Sagradas Escrituras ensinem claramente
- -a existêncja
- de anjos,
elas não
- - - - ----
,
deterznam a época de s-ua criação, apesar de esta sesituar-dentro-
do hexaemeron, Os anjos, por certo, -@o foram s-iad- antes do mundo,
visto que--nen-ma
- criatura existiu anteriormente à criação. (Jo 1.1-3; C1
1.16) Tampouco foram criados após o sexto dia da criacão, ---
uma vez que,
-- - .-
naquele dia, Deus cessou--de criar. (Gn 2.2,3) As Escrituras informam-nos, de
modo definitivo, que, no sexto dia, "os céus e a terra e todo o seu exército
foram acabados" ( ~ 2.1);
n seguramente, os anjos são incluídos.

2. O NOME'ANJO"
O termo anjo (maleach, ángelos), pelo qual a Bíblia designa esta classe de
criaturas, não descreve a sua essência, porém, o ofício (nomen officii) e significa
"enviado", ou "mensageiro". A natureza dos anjos é descrita pelo termo espírito
(pneuma). Que o nome anjo é designação de ofício, evidencia-se pelo fato de
a Escritura atribuí-10 a ministros da Palavra divina (Mt 2.7; Mt 11.10), e ao
Filho de Deus, o "Anjo incriado", como Mensageiro supremo e único de Deus.
(M 3.1; Jo 3.17-34; 1s 63.9; Gn. 48.16) A importante pergunta: "Quando a
expressão escriturística o Anjo do Senhor (maleach jahveh) designa o Angelus
'
increatus, o Cristo<" - os nossos/ dogmáticos respondem do seguinte modo:
"Sempre que, na Escritura, se atribuem nome de Jeová, ou obras e cultos
divinos ao Anjo, entende-se que o Anjo é o Filho de Deus."

3. A NATUREZA
DOS ANJOS
0 s anjos_sã_o
- espíritos @neúmata),&o é, seres destituídos&od;híz_
qualquer forma corpórea. Atribuir-lhes mesmo que seja uma corporeidade
Dogrnhtica Cristã

celeste, como se fez nos tempos antigos e modernos, é contrário a Lc 24.39 e


Ef 6.12, onde se nega aos espíritos a configuração corpórea. Os corpos em que
os anjos, de tempos em tempos, apareciam aos seres humanos (Gn 18.2; 19.1),
foram assumidos temporariamente (unio accidentalis). O consumo de alimento
por parte dos anjos ( ~ 18.8; n 19.3) não deve ser entendido como um comer
natural, nem como um comer figurado, mas como um ato incompreensível
para nós como nos é incompreensível a sua adoção temporária de um corpo
acidental. "Honzines edunt et bibunt ob egestatem, angeli autem instar Fammae
coizsumunt cibun~oh potentiamn - diz J. A. Osiander. O consumo temporário de
alimento bem como a adoção temporária de um corpo serviam para convencer
as pessoas a quem apareciam da sua presença real. Apesar de que os anjos
sejam pneúmata (Hb 1.14) e Deus seja pneuma (Jo 4.24), a diferença entre os
anjos e Deus é tão grande, quanto a que há entre a criatura finita e o infinito
Criador. A alma humana é um espírito incompleto (spiritus incompletus),
porque foi criada como parte essencial do ser humano em ligação com o corpo,
porém os anjos são espíritos completos (spiritus colnpleti), porque existem
como tais. Em contraste com Deus, o Criador infinito, os anjos são criaturas
Finitas. Como os seres humanos, nesse particular, os anjos são pessoas reais
(lzypostaseis), dotados de inteligência e vontade. (Ef 3.10; Hb 1.14) Também
com respeito aos anjos pervertidos, pode-se falar de inteligência e vontade
(Gn 3; Mt 4), apesar de sua mente ser pervertida e sua vontade depravada. \

De acordo com as Escrituras, os anjos, mesmo sendo seres imateriais, podem


atuar sobre os corpos dos seres humanos (Gn 19.16; Mt 4.5), quase que do
mesmo modo como a alma humana atua sobre o corpo. Como seres
inteligentes, os anjos são suscetíveis de entrar em contato tanto entre si
como com os seres humanos. (Lc 1.13,19) Entretanto, apenas possuem
conhecimento como criaturas, não como Deus, de sorte que Ihes devem ser
negadas a onisciência e a presciência. Qualquer conhecimento que tiverem,
possuem-no: a) em virtude de sua natureza peculiar (2 Sm 14.20:
conhecimento natural); b) por meio da revelação divina (1 Pe 1.12; Lc 2.9-12:
- conhecimento revelado); c) pela visão bem-aventurada que desfrutam (Mt
18.10: - conhecimento beatífico).
-5 Paque p s anios_são espirituais, atrib_uí&&s -0s-seggjn~sjredicados:
a) .indivisibilidade,_que-- se
- -
- deve à sua incorporeidade ou imaterialidade; b)
- - .- -- -- que
invisibilidade, - resultante de sua espiritualidade; c) imutabgdade, pois
-- -é
p-ãq estão sujeitos a-- mutações -- físicas:
-- pão geram nemsão gerados (Mt
22.30); _não são aumentados nem diminuídos; não - envelhecem nem

definham.
- - C o n ~ d o não-são
, abscJu~gzete imutáveis, como Deus, mas
apena3 de modo relativo, em r_elaco aos seres humanos; d) imorlalidade,
visto que não morrem,--- embora Deus os pudesse aniquilar, se assim_quisesse;
e) duração . - infinita,porgue tive
a

Jd 6); f) &caJi&de, porquanto- - -1

espaço, mas se acham -


--
presentes
- --
num determinado lugar de modo definitivo-(in
A Doutrina dos Anjcs

ubi definitivo), apesar de não onipresentemente como Deus, que está presente
em toda a parte de modo repletivo; g) agilidade ou velocidade, capazes que são
de trocar o "ubi" de sua presença com celeridade extrema, ainda que sem
moção local como a que se deve atribuir aos corpos materiais.
Os anjos, como seres inteligentes que são, possuem, além disso, liberdade
de querer e, em vista do serviço para o qual são designados, grande poder. A
vontade dos anjos é livre tanto com respeito a atos imanentes, tais como
escolher e rejeitar (Jd ó), como a atos externos, quais sejam movimentar-se,
falar, louvar a Deus, etc. (Lc 2.9-15) Ainda que os anjos maus, como inimigos
declarados de Deus, não possam senão opor-se a ele, eles o fazem de própria e
livre vontade. (Jo 8.44) É muito grande o poder dos anjos. (SI 103.20; 2 Ts 1.7;
2 Rs 19.35) Ainda assim, é um poder infinito, inteiramente debaixo do controle
divino. (Jó 1.12) Embora o seu poder seja sobre-humano (SI 91.11,12; Lc
11.21,22), eles não são onipotentes, mas estão subordinados a Deus. (Dn
7.10) Ainda que só Deus opera milagres (SI 72.18), as Escrituras Sagradas
ensinam que os anjos bons (2 Rs 19.35), os profetas, (2 Rs 6.5,6) e os apóstolos
(At 3.6-12), realizaram milagres em seu nome e mediante o seu poder divino.
(Êx 15.23-25) Toda vez que o diabo realiza feitos que os seres humanos julgam
milagres (mirabilia seu mira), esses não passam de "prodígios de mentira" e de
"operação do erro", com os quais Deus lhe permite enganar aqueles que "não
deram crédito à verdade; antes, pelo contrário, deleitaram-se com a injustiça".
(2 TS 2.9-12)
A alegação de os anjos terem se misturado uma vez aos seres humanos
por casamento (Gn 6.2), é tão tola quanto antiescriturística. (Mt 22.30)

4. NÚMERO E CATEGORIA
DOS ANJOS
De acordo com as Sagradas Escrituras, o número de anjos é incontável
(Dn 7.10): "milhares de milhares o serviam, e miríades de miríades estavam
diante dele." (Lc 2.13): "uma multidão da milícia celestial." (SI 68.17): "Os
carros de Deus são vinte milhares, milhares de milhares". Todas essas
expressões representam números simbólicos, que significam milhares sem
conta. Como é grande a bondade de Deus que, para benefício dos seres
humanos, criou tantos santos ministros!
Há, entre os anjos, categorias ou ordens. Isso fica evidente dos diferentes
nomes que Ihes são dados na Bíblia: Gn 3.24: querubim; 1s 6.2: serafim; C1
1.16: tronos, soberanias, principados, potestades; 1 Ts 4.16: arcanjo. Também
entre os anjos maus, há espíritos maiores e menores. Mt 25.41: "o diabo e
seus anjos"; Lc 11.15,18,19: "Beelzebu, o maioral dos demônios". Não
podemos, todavia, determinar o número de anjos nem descrever as categorias
ou ordens que há entre eles, visto que a Bíblia não fornece nenhuma
informação precisa sobre o assunto, tampouco enumera as categorias angélicas
Dogmática Cristã

na mesma ordem sempre. (cf. C1 1.16 com Ef 1.21) Por isso, fica impossível
dizermos qual seja a superior e qual a inferior. Gregório de Nazianza: "Ordo
angelorum notus est ei, qui ipsos ordinavit."
Baier observa com muita propriedade que, posto que os anjos difiram
entre si no que se refere à categoria, não diferem um do outro quanto à espécie
e natureza (specie et essentia). Na instituição de categorias ou ordem entre os
anjos, vemos a sabedoria de Deus, que "não é Deus de confusão". (1 Co 14.33)

Com --respeito
-- - - ao
- - estado (status originalis), todos os anjos -
seu primeiro
-

foram-orjginalmente
- --->e --
criados na mesma_bus~&a,- b o ~ d d e santidade; pois-
- - glorificar a Deus e prestar-lhe servi(;lssag_ados
cabia-lhes -v--w
- -
.- (status gratiae).
Isso significa
- -- - que,
--- --no- princípio,
.- - -- todos os anjos eram positivamente
*" ---- bons, não
sendo indiferentes moralmente
- ---
nem estando
--
lnfectados de propensão para o
- Isso ressalta
mal. --r ---- no veredito divino "muito bom". - (Gn 1.31) Que agora há
duas
/
classes de anjos, bons e maus,
--- --
- d e v e s ao fato-de alguns- -deles nã,;
- - -

haverem permanecido e m seu estado originall porém apostatararn


espontaneamente
- - - -- -- de
- --Deus,
-- -
caindo - -- Passaram, assim do estado de-
em pecado.
graça (~tatusgratiae) para o da miséria (~tatusmiseriae).
-Anjos
- --bons
--são os que perseveraram
- na bondade,- -justiça -- -
e santidade
- em que
. foram criados.
--- -- - Foram
- c ~ n f i r m a d o ~ ~no-(in
~ e u s bono confirmati)
como prêmio de graça por sua obediência, de sorte que já não poderão perder
a sua bondade e tornar-se maus (non posse peccare). Dessa maneira, os anjos
bons alcançaram o alvo para o qual foram criados originalmente; porquanto
contemplam Deus para sempre empenhados em sagrado serviço, havendo
passado do estado de graça para o de glória (status gloriae). Essa verdade é
ensinada em Mt 18.10; 6.10; 1 Tm 5.21; Lc 20.36; G1 1.8.
Uma vez que Deus identifica os anjos bons como os "anjos eleitos" (1
T m 5.21), foi em consonância com a eterna eleição divina que os mesmos
perseveraram em sua justiça e santidade concriadas. Contudo, em parte
alguma
- L --
a Escritura ensina uue os anios
-2. maus tivessem caído em ~ e c a d oDoruue
--I____ L I

fossem
- - predestinados
- -- - - -
contrário. Foram os---a
d

pecando __
_-__ de livre vontade.
_I__=_--

Entendemos por anjos maus, anjos que não perseveraram em sua


sabedoria e justiça concriadas, mas, voluntariamente, se desviaram de Deus,
se converteram em inimigos perpétuos de Deus e do ser humano. Foram
condenados por Deus a socrerem õs tormentos eternos (in ma10 confirmati). O
castigo eterno dos anjos maus é ensinado em Mt 25.41; Ap 20.10; 2 Pe 2.4; Jd
6. A Bíblia não ensina com certeza por que motivo particular a desobediência
dos anjos maus teria sido suscitada; é, todavia, provável (ratio probabilis) que
A Doutrina dos Anjos

o seu orgulho os levasse a apostatar de Deus. Não é possível determinar com


segurança a época em que os anjos maus pecaram pela primeira vez; mas a
sua rebelião ocorreu antes da queda do ser humano, visto a queda do ser
humano em pecado ter sido instigada pelo diabo. (Gn 3.1-14; Jo 8.44) Que os
anjos maus jamais poderão ser restaurados à santidade e bem-aventurança é
fato sabido deles mesmos (Mt 8.29) e não deveria ser contestado pelos seres
humanos (universalistas), pois a Escritura descreve o fogo preparado para o
diabo e seus anjos como fogo eterno. (Mt 25.41) Os anjos bons foram
confirmados na bem-aventurança, ao entrarem no estado de gIória. (Mt 18.10;
25.31) Os maus, entraram no estado de miséria e endureceram-se no mal, de
tal modo, que pensam incessantemente com perversidade a respeito de Deus
e das coisas divinas. Hollaz: "Os anjos maus conhecem Deus, porém
estremecem terrivelmente diante do conhecimento divino." (Tg 2.19)
A pergunta: "Por que não seriam os anjos perversos restabelecidos no
favor de Deus<" - Gerhard oferece a resposta: "E melhor proclamarem-se a
filantropia e misericórdia admiráveis do Filho de Deus para com a raça humana
caída ... que investigar, além dos devidos limites, a causa do justíssimo juízo
pelo qual Deus entregou os anjos que apostataram dele, para que, nas cadeias
da escuridão, fossem lançados no inferno, ficando reservados para o juízo."
(Doctr. Theol., p.215)

6. Os SAGRADOS
SERVIÇOS BONS
DOS ANJOS
0 s anjos bons são, de tal forma, confirmados em santidade, que sempre
contemplam a Deus e desfrutam a sua bondade perpetuamente. (Mt 18.10)
Em combinacão com essa visão bem-aventurada, acha-se o mais puro amor
de Deus de maneira indissolúvel, visto que, no estado de glória, não podem
(impecabilidade) nem querem pecar. (2 Co 11.14, "anjo de luz") A objeção
feita de que os anjos bons já não são moralmente livres no estado de glória,
por isso que são impecáveis, baseia-se numa falsa concepção de liberdade
moral. 0 s anjos são agentes morais livres, contudo, a sua vontade está dirigida
apenas para o que é santo. (Ap 14.10: "diante dos santos anjos") Nesse sentido,
os santos no céu serão iguais aos anjos. (Lc 20.36) Com respeito à eleição dos
anjos (1 T m 5.21), devemos manter à base da Escritura: a) que os anjos não
foram eleitos com a perspectiva da redenção de Cristo, porquanto nunca se
fizeram pecadores (Hb 2.16); b) que os anjos maus não foram rejeitados por
um decreto eterno absoluto (papistas, calvinistas), porém reservados para o
juízo eterno por causa de sua apostasia. (2 Pe 2.4)
Em consonância com a sua visão beatífica e seu perfeito amor de Deus,
os anjos bons prestam serviços perpétuos ao Criador (1s 6.3; Lc 2.13), e aos
seus santos na terra. (SI 104.4; 103.20-21; Hb 1.14) Deus não tem necessidade
do serviço dos anjos, porquanto não o requer para a própria bem-aventurança
(non ex quadam Dei indigentia); não obstante, ele quis assim (ex volutate Dei
Dogmática Cristá

liber~).Os anios servem, em particular, às crianças (Mt 18.10); mas também,


a ro-aos os crentes no seu trabalho e na v&ã(S191.11, 12) e ri_a -hora de sua
morte. (Lc 16.22) A Bíblia não responde claramente se cada crente .
. e, de modo-
especial, cada crianga cristã conta com um anjo da guarda - - particular.
-- (Mt
18.10; At 12.15)
Embora os__anjos,conforme a Escritura, sirvam também ao e s t d o
p o l í t & ~(Dn 10.13; 1s 37.36) e ao estadodomés&o ( ~ 1 3 . 7 Mt ; 18.10), o
objeto do seu ministério especial constitui a Igreja Cristã; porquanto a)
reverenciam e fomentam a mensagem da salvação (Lc 2.13; 1 Pe 1.12; Ef
3.10); b) alegram-se com o arrependimento dos pecadores (Lc 15.10); c)
ministram a Palavra de Deus aos seres humanos (Dt 33.2; GI 3.19; Lc 2.10-
12); d) protegem os filhos de Deus (Jd 9); e) estão presentes nos cultos públicos
(1 Co 11.10; 1 Tm 5.21s~);f) anunciarão o Juízo Final (Mt 25.31; 1 Ts 4.16);
g) tomam parte na sua execução. (Mt 24.31; 13.41; 25.31; 13.42-50; Mc 13.27)
Devemos ter os bem-aventurados anjos de Deus em grande estima, em
atenção a esse sagrado serviço (a Teologia racionalista moderna considera a
dou.trina dos anjos supérflua). Devemos, também, alegrar-nos com seu
ministério e pensar neles com respeito. (1 Tm 5.21) Não devemos, porém,
honrá-los com divino culto (cultus religiosus), uma vez que não passam de
criaturas, às quais nenhum culto é devido. (Ap 22.8-9) Baier escreve assim:
"Em razão dessas perfeições que vemos os anjos bons possuírem e por muito
nos favorecerem e auxiliarem, convém também que os louvemos, amemos e
tenhamos o cuidado de não os ofender com maus atos. Não convém, contudo,
que dirijamos nossas preces aos anjos. Porquanto isso é ímpio e idolátrico."
(Doctr. Theol., p.2 13)

DOS ANJOS
7. A OBRA MAUS E O SEU ETERNO
CASTIGO
0 s anjos perversos são maus, não porque fossem criados assim, mas
porque apostataram livremente de Deus (non ortu, sed lapsu). Não estamos
em condição de dizer por que Deus não providenciou um Redentor para os
anjos caídos como fez para o ser humano caído; porém Quenstedt sugere,
como razão provável @robabilis ratio), que os demônios pecaram sem qualquer
tentação (Jd ú), enquanto que Eva foi ludibriada por Satanás (Gn 3.1-7), e
Adão, tentado por sua mulher. Em caso algum, porém, se usará essa explanação
para limitar a livre compaixão do Deus gracioso para com os seres humanos.
A queda dos anjos maus afetou-lhes a inteligência (vis intelligendi, intellectus).
As Escrituras descrevem-nos como extremamente astutos (Gn 3.lss; 2 Co
11.3; Ef 6.11); por outro lado, como indescritivelmente estúpidos, por
aniquilarem os próprios propósitos. Assim a morte de Cristo, promovida por
Satanás (Lc 22.53), foi a sua própria ruína. (Jo 12.31)
-Os --an@s
- - maus
- -.- revelam
----- e fazem agir constantemente sua inimizade
A Doutrina dos Anjos

contra Deus (Ap 12.7) e intentam --


a destruição
----- -
temporal e eterna do
-
ser
humano.
- -- (Gn 3.lss; 1 Pe 5.8) No seu e m p l h o- degrejudicar
- - ----v
-
o ser humano,
causam-lhe mal no corpo (Lc 13.11-16); em suas possessões terrenas (Jó 1.12s~;
M t 8.31-32) e na alma (Jo 13.27; At 5.3; Ef 2.2-3). A incredulidade (status
incredulitatis), com seu terrível castigo da condenação eterna (Mc 16.16), é o
resultado da obra perniciosa de Satanás no ser humano. (Ef 2.1; 2 Co 4.4; Mt
13.25) Todos quantos recusam crer no Evangelho, agem por instigação de
Satanás; porquanto ele os retém em seu poder. (At 26.18; C1 1.13) A própria
negação da existência pessoal de um demônio é conseqüência da operação do
diabo no coração do ser humano. (2 Co 11.14)
Baseados nas Sagradas Escrituras, fazemos distinção entre obsessão
espiritual (obsessio spiritualis) e obsessão corporal (obsessio corporalis).A primeira
é, num sentido mais amplo, aplicável a todos os incrédulos que são mantidos
por Satanás em trevas espirituais. (C1 1.13) E, em sentido mais restrito, às
pessoas perversas cuja mente se vê possuída, tomada e movida por Satanás
de maneira intensificada (Judas, os fariseus). São passagens que tratam da
obsessão espiritual nesse sentido: Lc 22.3; Jo 13.2; At 5.3; 2 Ts 2.9-11; 2 Co
4.4. A obsessão espiritual não elimina a responsabilidade humana (Mt 25.41),
já que a pessoa assaltada por tal obsessão peca de livre e espontânea vontade.
(Jo 8.43-45) Dá-se a obsessão corporal, quando o Diabo habita e governa o
corpo de modo imediato e local, controlando-o à sua vontade. (Mc 5.1-19;
Lc 8.26-39) A obsessão corporal é uma tribulação que pode sobrevir até mesmo
aos cristãos fiéis, segundo demonstram as passagens citadas acima. Em todos
os casos de obsessão corporal, a pessoa não dispõe de funções próprias
intelectuais, emocionais e volitivas, mas, enquanto persiste a obsessão,
Satanás, que se acha presente nela em pessoa (Kat ousian), age nela e por ela,
de sorte que, em todos os casos de obsessão corporal, a responsabilidade do
ser humano deixa de existir. (cf. os casos em que pessoas que se acham
possuídas de obsessão corporal deploram, nos momentos de lucidez, as
blasfêmias que proferiram.)
A fúria dos anjos maus está especialmente apontada contra a Igreja de
Cristo; porque a) continuamente procuram destruí-Ia por suas investidas em
geral (Mt 16.18); b) tentam impedir os ouvintes de aceitarem a Palavra de
Deus (Lc 8.12); c) disseminam doutrina errônea (Mt 13.25; 1 T m 4 . 1 ~ ~d) );
incitam perseguições ao Reino de Cristo. (Ap 12.7) Satanás, m u i t o
particularmente, causou danos indizíveis dentro da Igreja, impondo-lhe a
tirania e as perversões doutrinárias do Anticristo. (2 Ts 2) No intuito de arruinar
a Igreja, o diabo causa transtornos também ao estado político (1 Cr 21.1; 1 Rs
22.21-22), e ao estado doméstico. (1 T m 4.1-3; 1 Co 7.5; Jó 1.11-19) As
Escrituras ensinam ainda que Deus se serve dos anjos maus para punir os
ímpios por motivo de sua rejeição da verdade (2 Ts 2.11-12) e para provar os
fiéis. (Jó 1.17~s;2 Co 12.7)
Dogmática Cristã

O castigo dos anjos maus consiste em tormento eterno no inferno.


(Mt 25.41) A pergunta sobre se o fogo do inferno é material (fogo real) ou
imaterial (tormento), devemos deixar que fique sem decisão; porque as
Escrituras, por um lado, falam do fogo do inferno em termos que fazem crer
em fogo real. (Mc 9.43; Ap 14.10-11; 21.8) Por outro lado, ensinam que todas
as coisas materiais, em sua forma presente, deixarão de existir no Dia do
Juízo. (2 Pe 3.10-12) Num e noutro caso, o tormento será indizivelmente
grande. (Lc 16.24; Mt 25.46; 2 Ts 1.9; Jd 6,7) Todos quantos negam que a
condenação do diabo e seus anjos é eterna, são obrigados a negar, também, a
salvação "eterna" daqueles que crêem (Mt 25.46), uma vez que o termo
(aiôonios) é empregado para descrever a infinita duração, tanto do céu como
do inferno.
Para concluir, lembremo-nos de que todas as coisas que as Sagradas
Escrituras revelam acerca da queda, da obra e do castigo dos anjos maus,
foram escritas para nossa advertência, a fim de que possamos escapar ao justo
juízo de Deus, crendo naquele que destruiu as obras do diabo. (1 Jo 3.8)
- ---- -do
A-- doutrina - - ser humano
-- - - divide-se em duas pastes-a) o-estado de
integridade
- - (status integritatis) e b) o estado de corrupqão (status corruptionis).

O estado de ink~ic$fidePai a condição ortjjnal do ser humano. O ser


humano foi criado i i m a m de Deus em conhecimentoJ santidade e iustip.
Prova-se,
- na Eçcritum, o estad~de integridade a) pelo veredito geral de Deus
"muiko bom" (Cn t.31) e b) pela declaração especial de que Deus fez o ser
híiumm~B S U ~ Eimagem. (Gn 1.26-27) Para todos os efeitos, consideram-se
sin6- as designações imagem, tselem, e semelhança, demuth. Lutero: "ein
Bilif, das uns gLeich sei"; Baier: "imago simillima".
O ser humano, no seu estado original, apresentava semelhança com
13Xeus, pois Deus mesmo serviu de modela ou arquétipo pelo qual o ser humano
bi feito. De acordo com a Escritura, Adão foi criado à semelhança do Deus
triúno (Gn 1.26), e não somente à de Cristo (o erro de Osiander).

A imagem divina não constituiu - meramente em que o ser humano,


originalmente,
- era dotado
-- de
- - - ..-- -e vontade,-de
inteligência -- - modo a constituir,
-- --
em contraste com-- os.animais, umser racjonal porém
---L- - -sobret-o na -disposição
.- --- - - -
justa do seu intelecto e vontade
----I de sorteque, por meiodo
-v-- - -
- seu
- - --intelecto
-.- não--

depravado, mnhecia Deus e as coisas divi -e----


ontade
incorrupG queria só o que é- da -- - vontade
-- - de D 3 s . Também seu apetite
(appetirus sensitivus) estava em perfeito acordo com a norma divina de
santidade, de modo que, no estado de integridade, o ser humano era reto e
incorrupto em todos os seus dotes, poderes e atributos. Calov escreve (IV,
389): "Chama-se estado de integridade, porque o ser humano era nele reto e
incorrupto (Ec 7.29) de intelectõ, vontade, afetos corporais e dotes e perfeito
em tudo. Chama-se também estado de inocência, porque o ser humano era
inocente e santo, isento de pecado e polução." (Doctv. Theol., p.220) Comprova-
se, ainda, o estado de integridade do ser humano pelo fato de Adão e Eva
haverem estado em perfeito acordo com os mandamentos de Deus. (Gn 2.19s~;
3.2-5) Em o Novo Testamento, a imagem de Deus vem descrita em C1 3.10
(-conhecimenton)e em Ef 4.24. ("justiça e retidão procedentes da verdade")
É, pois, antiescriturístico o ponto de vista evolucionista, segundo o
qual o ser humano originalmente foi um animal, desprovido da faculdade de
falar e sem dotes morais. Conforme as Escrituras, o ser humano não foi criado
como animaI, mas como senhor de todas as demais criaturas de Deus. (Gn
1.26-31; 2.16-23) Além dos dotes morais perfeitos, o ser humano foi
abençoado, ainda, com grandes dons intelectuais, de modo a possuir um
conhecimento claro e bem-aventurado de Deus, bem como um conhecimento
intuitivo das criaturas de Deus (ciência), tal como cientista algum, depois da
queda, jamais adquiriu. (Gn 2.19,20,23,24) Lutero comenta muito
apropriadamente que Adão foi um insignis philosophus.
Repudiamos o engano evolucionista, também o erro papista segundo o
qual o ser humano se achava originalmente num estado de indiferença moral
(in statu purorum naturalium), no qual não era nem bom nem mau, senão
moralmente "neutro" ou indiferente. Em oposição a essa opinião errônea, a
Escritura ensina que, originalmente, a vontade do ser humano estava em
perfeita conformidade com a santa vontade de Deus (sanctae Dei voluntati
corzfort~ziset amoue et fiducia Dei praeditus). Não apenas tinha propensão para
tudo quanto fosse bom e agradável a Deus, como era, ele próprio,
positivamente bom e santo. As excelências espirituais e morais do ser humano
no seu estado de integridade se acham substanciadas na expressão justiça
original concriada (iustitia originalis concreata), que lhe descreve a absoluta
conformidade com a divina santidade e a pureza absoluta dos seus desejos e
apetites.

3. A RELAçÃo ENTRE A IMAGEM


DIVINA
E A NATUREZA
DO SERHUMANO
O conhecimento, a justiça e a santidade originais do ser humano, em
seu estado primitivo, não constituíam um dom "sobrenatural" de Deus, que
lhe tivesse sido acrescentado para tornar o seu estado original completo e
perfeito (papistas: donunz supernaturale, donum superadditurn). Era, porém, um
dom concriado (donum concreatum, iustitia originalis, iustitia concreata),
porquanto recebeu a imagem de Deus no instante exato da sua criação. (Gn
1.26,31) Em razão disso, a natureza do ser humano, depois da queda, não
está mais em estado de incorrupção (natura integra, in puris naturalibus),
conforme os papistas ensinam, porém em estado de corrupção (natura corrupta,
natura sauciata). Muito embora a imagem de Deus não forme a essência do
ser humano, visto que, mesmo depois da queda, ele continua sendo verdadeiro
ser humano, a imagem divina pertencia 2 natureza do ser humano incorrupto.
O fato de o ser humano, embora criado para glória de Deus e sabedor da
A Doutrina J2 Scr H-F L ~ -
A

existência e governo divinos, não o amar nem adorá-lo, é prova incontestável


de sua corrupção total. (Rm 1.19) Declaramos, pois, firmados na Escritura,
que, em virtude da queda, o ser humano perdeu totalmente a imagem de
Deus no seu sentido próprio, isto é, seu conhecimento, justiga e santidade
concriados, de sorte que o seu intelecto se acha agora envolto em trevas
espirituais (1 Co 2.14) e sua vontade é contrária a Deus. (Rrn 8.7)
Em vista desse fato, surge a pergunta: Como haveremos de entender
passagens como Gn 9.6 e Tg 3.92 Para Lutero e outros dogmáticos (Philippi,
Hofmann), elas descrevem o ser humano como foi originalmente e como
deverá tornar-se de novo mediante a fé em Cristo Jesus (restauração da imagem
divina pela regeneração). Melanchton, Baier, Quenstedt e outros têm-nas
que ensinam a imagem divina em sentido mais amplo. Atendendo ao fato de
que o ser humano, mesmo depois da queda, ainda continua como ser racional
inteligente, autodeterminante, também agora, embora debilmente, exerce
domínio sobre as criaturas de Deus. Contudo, também os teólogos que falam
de uma imagem de Deus em sentido mais amplo, admitem que a imagem de
Deus, em seu sentido verdadeiro, se perdeu com a queda. (C1 3.10; Ef 4.24)
Para maior clareza e exatidão, é preferível adotar a explicação de Lutero às
passagens citadas. Os irregenerados estão tão longe de possuir a imagem divina,
que deIes se diz não terem esperança e estarem sem Deus no mundo (Ef
2.12), como ainda que as coisas que sacrificam, as sacrificam aos demônios e
não a Deus. (1 Co 10.20)
Não o corpo, mas sim a alma do ser humano foi a sede da imagem
divina; porque o conhecimento de Deus juntamente com sua santidade e
justiça são inerentes à alma. O corpo, não obstante, compartilhava a imagem
divina, por ser o continente da alma. Por isso mesmo, a imortalidade do
corpo (immortalitas corporis) constitui uma conseqüência imediata da posse
da imagem divina por parte do ser humano. Pela queda, a morte entrou no
mundo. (Gn 2.17; Rm 5.12; 6.23) Deve ser considerada opinião pagã a
alegação de que a morte é produzida pela matéria da qual o corpo é composto.
Porque originalmente sem pecado, o ser humano estava também livre de
sofrimentos doIorosos e destrutivos. (Gn 3.16~s)O estado original do ser
humano era de felicidade suprema, porque a sua alma era sábia e santa, o
seu corpo estava isento de sofrimento e morte, as suas condições de vida
eram as mais felizes e as condições do seu habitat eram as mais agradáveis,
visto que Deus o colocou num jardim de alegria chamado Paraíso, para morar
lá e usufruir a sua bondade por tempo sem fim. (Gn 2.8-15) (gan beeden,
pardem, parádeisos)
A comunhão íntima e feliz do ser humano incorrupto com o santo
Deus é citada na Escritura como prova do status integritatis. (Gn 2.19s~)De
forma idêntica, o fato de que os nossos primeiros pais estavam nus, mas não
se envergonhavam. (Gn 2.25) (cf. Lutero, S. L., I, 170)
Dogmática Cristã

IMEDIATASDA IMAGEM
4. CON~EQWÊNCIAS DIWA
Segundo a Escritura, as conseqüências imediatas da imagem divina no
ser humano foram a imortalidade e o domínio.
Que Adão e Eva foram criados imortai. vê-se claramente de Cn 2.17;
Rm 5.12; 6.23. Se eles não tivessem pecado, nunca teriam morrido. Deus os
ameaçou de morte para o caso de desobedecerem ao seu Criador. Se no Paraíso
teriam morado interminavelmente, ou se Deus os teria recebido no céu a seu
tempo, as Escrituras não o dizem. Com respeito à imortalidade, é com acerto
que fazemos distinção entre imortalidade absoluta e relativa ou condicional.
A absoluta denota liberdade absoluta da morte e do seu poder destrutivo,
sentido em que são imortais Deus, os anjos, as almas h u m a n a e os corpos
dos santos no céu e dos condenados no inferno. A relativa denota liberdade
da tendência natural para morrer, porém de tal mado que a morte poderia
sobrevir em alguma eventualidade. Nesse sentido, o ser humano foi imortal
no estado de integridade. Cojsa bem-drferentgé não--[ c q.a z--dc morreu,]-e- ser
- - -de não morreu, e ainda não ser capaz- de não
capaz -- -morrer.
-
A primeira declaraçãop
refere-se
- - - .- -aos
- - santos
- -L no céu;/a segunda, a Adáo e Eva ( e G-- u estado de
integridade; a terceira, a todos os pecadores depois da queda. (Quençtedt)
O domínio do ser humano sobre as criaturas, de acordo com a Escritura,
foi consequência imediata de sua posse da imagem divina (iusticia originalis
concreata). O domínio do ser humano deve ser considerado como soberania
efetiva, de forma que todas as demais criaturas de boa vontade lhe prestaram
serviço. Depois da queda, o ser humano possui apenas vestígio pálido desse
domínio absoluto (species dominii, nudus titulus dominii), porque, agora, é
obrigado a empregar a força e astúcia para controlar as criaturas sobre as quais
procura governar. A rebeldia das criaturas contra o ser humano é consequência
direta da rebeldia humana contra Deus, a perda do seu conhecimento,
santidade e justiça concriados. Essa realidade deve lembrá-lo, para sempre, da
atrocidade do pecado e terribilidade dos seus efeitos. (SI 39.4-6)

Eva também possuía a imagem divina. Isso se depreende claramente: a)


de Gn 1.27; b) de C1 3.10; Ef 4.24; conferido com G1 3.28; pois não há, com
respeito à renovação segundo a imagem de Deus, diferença entre masculino
e feminino; e c) de Gn 1.28, onde se atribui domínio, tanto à mulher como ao
ser humano. Contudo, em relação ao ser humano, a mulher já antes da queda
ocupou posição de submissão; porquanto foi tomada do ser humano, e lhe
foi criada como ajudadora. (Gn 2.18-22; 1 Co 11.7-9; 1 Tm 2.11-13)
Não se deve subverter essa ordem divina, por ser da vontade de Deus
que a mulher não se apodere da autoridade sobre o homem, vindo a governar
sobre ele. Por outro lado, não se deve tiranizar a mulher nem fazê-la escrava;
A Doutrina do Ser Hz~ii;-,-

porque, embora não fosse tomada da cabeça de Adão para o governar, ela não
lhe foi tirada dos pés para ser calcada pelo ser humano. Lutero diz: "É preciso
ter a mulher em respeito; por ser de feitura divina. Foi criada para servir ao
marido como ajudadora, criar e educar filhos na fé e piedade." Tanto o homem
como a mulher prestam melhor serviço na relação ou esfera em que Deus
criou cada um deles (Ef 5.21-33; T t 2.3-5; 1 Co 7.20), ao passo que a anulação
da ordem divina resultará em confusão e detrimento da sociedade humana.
(Pv 1.24-33). (cf. Lutero, S. L., V, 1517; 11, 540; I1 687; XVI, 2280)

2
P
-Deus,
-- em su-aça - infinita,
-- - -- fez
-- concessão de sua imagem divina ao ser
humano, afim de que ele o pudesse conhecer e servir e pudesse experimentar
perfeito gozo em comunhão com Deus e fosse 1
11_seu
. _ -______ rexresentativo
governante _I___.

(Gn 1.27,28) Assim como depoiS da queda, a redenção do ser humano


foi motivada pelo amor divino (Jo 3.16), também a criação do ser humano à
imagem de Deus o foi, antes da queda. (S1 104.23,24; 136.1-9) Embora a ser
humano no estado de integridade conhecesse Deus intimamente, não sabia
do decreto eterno da redenção; pois este lhe foi revelado depois da queda.
(Gn 3.15)- aí terem nossos primeiros pais conhecido Deus como gracioso
em si mesmo, não em virtude da satisfação vicária de Cristo. Depois da queda
e promulgação do proto-Evangelho, o objetivo divino do conhecimento e
adoração do ser humano veio a ser outro. Agora ele confia em Deus e o adora
como Deus gracioso unicamente mediante a inestimável redenção do Salvador.
(Lc 1.77) Não s e pod-licaro c o ~ c e i t oEblico da -1vaa-(sooteeria, salus)
a-*do de integridade do ser humano, visto que pressupõe tanto o pecado
comg a redenção do pecado. (Lc 19.10)

O ser humano perdeu, pela queda, (yeccatum originans) a sua justiça e


santidade concriadas (iustitia originalis concreata). Agora se acha em estado de
corrupção (in statu corruptionis). Esse estado é definido por Quenstedt como
segue (111, 48): "O estado de corrupção é a condição em que o ser humano
voluntariamente se precipitou por seu próprio afastamento do Bem supremo,
tornando-se, dessa forma, tanto mau como miserável." (Doctr. Theol., p.231)
A queda do ser humano, por conseguinte, não constitui nem a sua exaltação
(gnosticismo) nem o mais feliz acontecimento na história humana (Schiller)
nem uma fase crítica no seu desenvolvimento evolucionista (evolucionismo
moderno) nem um passo necessário no seu progresso moral e intelectual
(yanteísmo). A queda do ser humano foi apostasia de Deus (Gn 3.14-19) e.
Dogmática Cristã

portanto, má, tanto em sua natureza, como nos seus efeitos. (Gn 3.22-24;
Rm 5.12) Por isso mesmo, é como pecador (homo peccator) que o ser humano
caído constituiu a matéria da Teologia Cristã (subiectum operationis theologiae),
cuja finalidade consiste em restaurar nele a imagem de Deus pela fé em Jesus
Cristo. (2 Co 3.5,6,18) Por essa razão, a doutrina do pecado constitui parte
essencial na Teologia Cristã. (Rm 1.18-32; 2.1-12)
A doutrina do pecado é, em geral, tratada sob-três- títulos: a) o Pecado
em geral (De peccato in genere); b) O
-- Pecado original (De peccato originali); c)
-
Pecados atuais (De peccatis actualibus).

DO PECADO
1. DEFINIÇAO
De-acordo com a Bíblia, o ser humano deveria estar em- perfeita .---
conforkidade com a vontade divea @onformitascum voluntate DeiLconforme
é revelada na Lei divina (nomos). Todo afastamento .__ da norma da _ Lei divina é -
_-I__

ecado (anomia), não importa que o mesmo consista num estado ou condição
P-_--
(status, habitus) ou em ações atuais (actiones internae et externae). Considerado
etimologicamente, o pecado é, em primeiro lugar, um conceito negativo (anomia)
e como tal denota falta de conformidade da parte do ser humano com a Lei
divina (carerltia corzformitatiscurn lege). É como a Escritura define o pecado. (1Jo
3.4: FQ_pe.c_a_doé a transgressão da Lei", anomia) O pecado é, também, um
conceito positivo e, como tal, denota oposição à Lei ou transgressão da mesma.
É como a Escritura também define o pecado. (1 Jo 3.4: "Transgride à Lei", teen
anomian poiei; Mt 7.23: "Vós que praticais a iniqüidade", evgazómenoi teen
anomian) A razão disso é óbvia. O ser humano, destituído de justiça, acha-se,
ao mesmo tempo, em rebelião constante e ativa contra a Lei divina. Depois da
queda, o ser humano se recusa propositadamente a reconhecer a obrigação que
tem para com Deus (Rm 1.18,32) e transgride constantemente a Lei divina,
uma vez que a sua inclinação carnal é inimizade contra Deus. (Rm 8.7) A base
das Sagradas Escrituras, pois, descrevemos o pecado a) pelo lado negativo, como
falta de justiça ou de conformidade com a vontade divina (carentia conformitatis
cum lege); b) pelo lado positivo, como oposição real à vontade divina. (carnalis
concupiscentia sive inclinatio ad malum)
Ao definirmos o pecado, devemos precaver-nos do erro dos papistas e
racionalistas, que condenam como pecaminosas unicamente aquelas más
ações que se pratiquem consciente e deliberadamente. Contra esse erro
pernicioso, a Apologia testifica: "Nas escolas, entretanto, para cá transferiram,
da filosofia, sentenças de todo em todo diversas: que por causa de paixões
não somos nem bons nem maus, nem louvados nem repreendidos. Igualmente,
A Doutrina do Seu Humano

que nada é pecado, a menos que seja voluntário. Essas opiniões foram
externadas entre filósofos relativamente à justiça civil, não com respeito à
divina." (Art. 11, 5 43). De acordo com a Escritura, tanto as más ações (2 Sm
12.13), como os maus pensamentos e desejos (Tg 1.15; Rm 7.17; M t 5.28)
são pecados, ainda que originados por ignorância e sem deliberação. (Rm 7.19;
1 T m 1.13) Na verdade, mesmo a corrupção herdada, que ainda está presa ao
cristão e que este deplora sinceramente, é pecado em sentido absoluto. (Ef
2.3; Jo 3.5,6; Rm 7.19,24)

Uma vez que o pecado é "transgressão da Lei" (anomia), é preciso que se


saiba a qual Lei a Escritura se refere, quando conceitua o pecado como tal. Se a
doutrina da Lei divina é pervertida por acréscimo ou subtração que se lhe faça
pelo ser humano, da mesma forma a doutrina do pecado deve ser pervertida. É,
pois, necessário que definamos a Lei cuja transgressão torna um pensamento
ou uma ação pecaminosos. A Fórmula de Concórdia descreve a Lei no sentido
em que é tomãda aqui como "doutrina divina em que a justa e imutável vontade
de Deus é revelada, de .ccmo - o ser humano deveria ser em sua naturezaz--_
-. pensamentos, Palavras e obras para ser agradável a Deus e aceitável a Deus.

(Decl. Sól., Art. V, 17) Essa definição é bíblica; porque só Deus pode decretar
Leis para os seres humanos, visto que é sua prerrogativa divina. (Tg 4.12) As
Leis estabelecidas por seres humanos somente são obrigatórias, quando o próprio
Deus conferiu autoridade aos seres humanos para as elaborar. Deus, assim,
sancionou as Leis humanas. Isso ocorre com todas as Leis do governo civil e
com todos os mandamentos paternos (Rm 13.1; C1 3.20), desde que não
contradigam a Lei divina. (At 5.29) Não é, porém, o caso das chamadas "Leis da
Igreja", visto Deus haver negado expressamente autoridade Iegislativa à Igreja.
(Mt 23.10) Por conseguinte, na Igreja só devem ser reconhecidas como
obrigatórias as Leis que foram estabelecidas pelo próprio Deus.
Em todas as questões para as quais não vigoram Leis divinas, os cristãos
devem obter as decisões mediante acordo mútuo com base no amor cristão. (1
Co 16.14) Lutero, com razão, diz que o papa encheu o mundo inteiro de
obediência satânica, porque ensinou os seres humanos a obedecer, não à Lei de
Deus, mas às Leis perniciosas da Igreja. (S. L., I, 765) Ao mesmo tempo em que
apenas a vontade imutável de Deus constitui a Lei divina obrigatória para todos
os seres humanos, igualmente toda a Lei divina, com todas as suas exigências
e proibições, deve ser ensinada pela Igreja. Da mesma maneira como a Igreja
não tem autoridade para fazer Leis próprias, também não tem autoridade para
repudiar qualquer Lei feita por Deus. (Mt 5.17-19; Mc 7.6-13)
Desde que as Leis cerimoniais do Antigo Testamento foram abolidas pela
vinda de Cristo (G14.9-11; 5.1-4), já não estão em vigor no Novo Testamento (C1
Dogmática Cristã

2.16), de sorte que a vontade imutável de Deus que agora é obrigatória para
todos os seres humanos deve ser identificada com a Lei moral. (Mt 22.37-40; 1
T m 1.5) Por esse motivo,- deflliimos
-- --- o pecado - em -- geral
-" --- como desvio da Lei moral
divina, não vindo ao caso se essa
- Lei foi escrita no
- - -- - coração humano ou transmitida
- - -- - -
ao ser humano de- - outras
- -- maneiras. - Para
- os judeus n o- h -t i-g o Testamento, cada
d--e s e das Leis cegmoniais ou políticas constituía pecado. Uma vez que essas
-Leis foram abolidas &ovo Testamento por vontade--- - e@GSsaadee~e;s
- --
(C1 2.16),
é pecado restabelecê-las como necessárias e obrigatórias sobre a conSGência dos
fiéis do Novo Testamento. (Mt 15.9; G1 5.1-4) O ser humano não deve declarar
permanentes as Leis que Deus estabeleceu para serem temporárias.

Por causa da queda em pecado, o conhecimento absoluto da vontade


divina, quando da criação, plantado na alma humana, foi debilitado e
obscurecido consideravelmente. Por essa razão? o ser humano, depois da queda,
já conhece com segurança a Lei divina, embora sua consciência (synéideesis,
coilscientia), até certo ponto, ainda tenha suas funções. (Rm 2.14,15) Além C__

disso, depois da queda, a consciência pode errar (conscientia -" . --- erronea),
-- -- de forma
q ü e ó E ~ n o--
L - -
, - I g u-i d Z m T n f ~
- - -----
Õ n s ' l T ê r a
proibido
- . - --
v -a- L
o que Deus
-- ---
permite
(comer de determinados
-- - - - alimentos em certas épocas, o consumo - - .-de . bebidas
espirituosas,
--
etc.), ou vice-versa,
-
considera
-.- -. -- .permissível o que ---- proibiu
Deus
(adorar
+,-ídolos
---L - - - obras para a salvação).
confiar nas próprias --.--o- - -- Assim, a consciência
está sujeita .---
-- a manter dúvidas (conscientia dubia) quanto à con"eniência de
~ ~ r i atos,
o s ou não pode sugerir nada além da mera probabilidade (conscientia
probabilis) do que sija certo-ou errado. O ser humano continua, pór isso, na
incerteza com respeito ao rumo que deve seguir. A consciência, depois da
queda, já não constitui mais um padrão seguro daquilo que Deus permite ou
proíbe. A- única
- norma inerrante pelaqual sepode .- -- . conhecer com - --segurança a
imutável
-- vontade de Deus-A-
é
--
a Bíblia.
-- -
Ela contém a revelação completa da Lei
divina (Mt 5.18,19; C1 3.23,24), muito embora esta tenha sido dada aos seres
humanos por causa do Evangelho. (Rm 3.19-22)
Sabemos das Escrituras Sagradas, com certeza, quais Leis devem ser
temporárias e quais, por outro lado, todos os seres humanos em todos os
tempos devem cumprir. (C1 2.16,17; C1 5.1, 2) A vontade imutável de Deus é
a Lei moral, que é obrigatória para
---
todos os seres humanos-- e -os- constrange à
obediência.
--- --
( M t 22.37-40; Rm 13.8-10) Posto que a Lei moral esteja
sumariamente contida no Decálogo,os-Dez-Ma~damentg_s,_na forma em
que foram dados aos judeus (Êx 20.1-17), não devem ser identificados com a
Lei moral, porquanto contêm feições cerimoniais. (Êx 20.8-11; D t 5.12-15)
Somente em sua versão neotestamentária, pode-se identificar o Decálogo
com Lei moral, ou seja, a vontade imutável de Deus. (Rm 13.8-10; Tg 2.8; 1
T m 1.5) (cf. Lutero, S. L., XX,146ss).
A Doutrina do Ser Humani.

É evidente que mandamentos, ordenados a fiéis em particular (mandata


specialia) (Gn 22), não devem ser interpretados como aplicáveis aos seres
humanos em geral. As Leis mosaicas referentes aos graus de consangüinidade e
afinidade proibidos (Lv 18), não só diziam respeito aos judeus, mas aos seres
humanos em geral. Esse fato está indicado no próprio texto (Lv 18.24-30),
embora a Lei do levirato fosse temporária, sendo obrigatória apenas para os
filhos de Israel. (Dt 25.5-10; cf. v.10: "O seu nome se chamará em Israel", etc.)

4. As CAUSAS
DO PECADO
Enquanto o ser humano caído em estado de depravação se vê sempre
inclinado a transferir a responsabilidade pelo seu pecado para Deus ou para
outras criaturas (Gn 3.12,13), as Sagradas Escrituras ensinam expressamente
que Deus, de nenhum modo, é a causa do pecado do ser humano. Deus não
deve, portanto ser acusado de pecado, quer direta ("Deus criou o ser humano
com a má tendência para o pecado"), quer indiretamente ("Deus é uma causa
do pecado enquanto compartilha dos maus atos", quoad materiale).
Perguntas tais como: "Por que Deus criou o ser humano sujeito à
tentação<" ou: "Por que ainda consente em que o ser humano seja tentado
pelo pecado<" - pertencem aos "juízos e caminhos insondáveis" de Deus, que
são inescrutáveis. (Rm 11.33,36) Não podemos respondê-las nem devemos
procurar respondê-las. (Jó 40.1-5; 42.1-6) A razão pervertida quer acusar Deus
de ser a causa do pecado (determinismo panteísta) ou negar a realidade do
pecado. (ateísmo) De acordo com a Escritura, contudo, Deus não foi a causa
do pecado, nem no diabo (Jo 8.44), nem no ser humano (Gn 1.31); tampouco
aprova ou incentiva o pecado em nenhuma pessoa. (Gn 2.17; 3.8; 4.6,7; SI
5.4,5) Nem mesmo em más ações, das quais compartilha quoad materiale,
Deus deseja a iniqüidade de semelhantes ações. (Jo 19.11 comparado com Lc
22.52,53) Também o fato de Deus permitir o pecado (At 14.16), ou punir
pecado com pecado (Rm 1.26; Ts 2.11), não deve ser interpretado como se ele
fosse, de qualquer modo, a causa do mal. Em todos esses casos, ele manifesta
a sua justiça punitiva (iustitia vindicativa). Conforme a Escritura, a causa-
-
externa ou remota do--pecado,
-- - --- contudo
- a principal
. é Satanás que pecou
primeiro e, ----
a seguir, induziu o ser humano ao-pecado. (Jo 8.44; 2 Co 11.3; Ap
- - - -- -
12.9) A causa interna do pecado, e diretamente eficiente, é a vontade corrompida
do ser humano, que permite ser seduzida por Satanás ao pecado (Gn 3.6,17; Jo
8.44: "Quereis satisfazer-lhe os desejos.") Diz a Confissão de Augsburgo (Art.
19): "Embora o Deus onipotente haja criado a natureza toda e a conserve,
todavia é a vontade pervertida que opera o pecado em todos os maus e
desprezadores de Deus. Logo, o ser humano é responsável por seu pecado, ou
seja, pecador (subiectum quod peccati), apesar do fato de ser induzido pelo
diabo ao pecado e neste mantido cativo. (Ef 2.2) O subjectum quo, ou seja, a
verdadeira sede do pecado é a alma (intelecto e vontade) do ser humano,
Dogrmítica Cristã

embora o corpo partilhe o seu pecado, por ser o órgão da alma. Considerar a
alma pura e o corpo poluto é erro pagão. (gnosticismo) Visto que as Sagradas
Escrituras condenam todos os seres humanos como pecadores (Rm 3.4-23), a
doutrina papista da imaculada conceição de Maria deve ser rejeitada como
anticristã. (2 Ts 2.9,10)

Por -ser
- - o pecado transgressão da Lei (anomia), a qual Deus proíbe
- ---- -- --
expressamente,
- - -- o s e r h u m a n o torna-s diante de Deus pelo-
- (Rm 3.19) (reatus culpae)
pecado. -- - -- castigos - justos.
-- . - -muito
(C1 3.10) (reattis poenae) O modo como se deve - - punir o pecado (maneira e

extensão do castigo) não compete ao ser humano culpado decidir, mas foi
determinado e decretado
- peropróprio Deus. (Dt 9.5; Rm 6.23; M t 25.41)
A transgressão de nossos primeiros pais veio i m e d i a t a m e n t s u i d a da
morte (Gn 2.17;
A 5.12), em seu trípfice aspecto como a) morteespiritual, por -
isso que perderam - -- a.imagem
- - - - divina
-. e s e r n a r a m estranhos a Deus e
in&iramentecorruptos em ---toda- a sua natureza (Cn 5.3; Jo 3.5,6); b) morte

a
temporal, por isso que se viram s u i e i ~ s dissoIÜ50 corporal com t-odas as suas
-

eventuais
- -- - enfermidades e misérias
h - (Gn 3.16-19); c) morte eterna,por isso que se
acham ago- &baixo dz_nlakJiçáo da etgna condenação (2 Ts 1.9; M t 25.41)
A sentença de morte todavia se contrapõe a promessa do divino Redentor da
raça humana pecaminosa. (Gn 3.15) Uma vez que todos os descendentes de
Adão compartilham a sua culpa e corrupção (Rm 5.12; S1 51.5), todos, sem
exceção, estão debaixo da maldição e condenação da Lei. (Rm 3.19-23) Como,
no entanto, compartilham o pecado de Adão, também compartilham a redenção
do Salvador que foi prometido aos nossos primeiros pais. (Rrn 5.15-21)
A culpa e o castigo do pecado devem ser constantemente ressaltados
-- -- -
pelo teólogo cristão, pois o ser humano, ão, se recu- a c r e ~
que a Lei divina ensina no tocante ao pecado e suas conseqüências. Ele nega
os castigos temporais e o castigo eterno do pecado (Mt 25.41; 2 Ts l.9),apesar
de a sua consciência o acusar e condenar. (Rm 1.32; 2.15) Até mesmo crentes,
enquanto carne, se recusam a crer na severidade das ameaças de Deus (SI
90.11,12) e, por isso mesmo, o próprio Cristo proclamou tão energicamente a
verdade de que o castlgo divino é eterno. (Mc 9.43-48)
Enquanto que o derramamento da ira divina sobre os ímpios deve ser
considerado u m verdadeiro castigo d o pecado (poena vindicativa), os
sofrimentos dos fiéis na vida presente (1Co 11.32) são, na realidade, correções
paternais (castigationes gaternae), que efluem, não da ira, mas do amor (S1
94.12; Hb 12.6; Ap 3.19), apesar de que, pela forma e aparência, não difiram
dos castigos dos ímpios. Lutero, com razão, chama os castigos dos santos de
Deus "castigo gracioso e prazenteiro".
1. DEFINIÇAO
DE PECADO
ORIGINAL
O pecado original (peccatum originale), ou seja, o estado de depravação,
que se seguiu à transgressão de Adão e que agora é inerente a toda a sua
posteridade, abrange a) a culpa hereditária (culpa hereditaria) e b) a corrupçáo
hereditária. (corruptio hereditaria) Que a culpa de Adão é imputada a todos os
seus descendentes, ensina-se em Rm 5.18: "Por uma só ofensa veio o juízo
sobre todos os seres humanos para condenação;" v.19: "Pela desobediência de
um só ser humano muitos se tornaram pecadores." A corrupção hereditária
de todos os descendentes de Adão vem claramente ensinada no SI 51.5: "Eu
nasci na iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe." (Jo 3.6): "O que
é nascido da carne, é carne." Que o termo carne (sarx) aqui exprime corrupção
(carne corrupta), está provado pelo v.5: "Quem não nascer da água e do
Espírito, não pode entrar no reino de Deus." Por conseguinte, o vocábulo é
empregado aqui precisamente como em Rm 8.7: "pendor da carne". (to
phróneema tees sarkós) Consoante à Escritura, Deus, portanto, atribui (chaschab,
logízetai) a culpa de Adão a todos os seus descendentes (Rm 5.12: "porque,
eph hoo, todos pecaram".)
Por isso, embora a expressão "pecado original" não seja t e r m o
escriturístico (vox ágraphos), mas termo cunhado pela Igreja, a matéria que
exprime é verdadeiramente escriturística. 9 pecado o r g n a l é -chamado -- assim, --
a) porque provém de Adão, raiz e princípio da raça humana; -b)gorque está-
- .

associado à origem dos descendentes de Adão; c) -porque-é


- - A - - - - -- w origem e fonte de-
todas--as tran~~ressõés
- - (Hollaz). Na Escritura é descrito a) como pecado
atua&
que habita dentro de nós (Rrn 7.17); b) como Lei que está nos membros (Rm
7.23); e c) como concupiscência (epithymia) (Tg 1.14,15). Todas essas
expressões descrevem o pecado original com respeito à sua natureza ou a
seus efeitos.
Assim Hollaz define o pecado original: "Pecado -original - é a corrupção
total da natureza -- -humana que, pela - -- queda de
-- - ---nossos
- primeiros pais, está
destituída-da justiça - original
- -- e é propensa a---todo - -A ~ ó r m u lde
mal."
- - -- i ~oncórdid-
declara: "O pecado original não é uma corrupção leve da natureza humana,
senão em tal grau profunda, que nada de são ou incorrupto ficou no corpo e
na alma do ser humano, em seus poderes interiores ou exteriores.'' (Epít., Art.
I, 8) Uma definição mais extensa é fornecida por Quenstedt (11, 52): "Pecado
original é a falta de justiça original, proveniente do pecado -
. -- de Adão e
transmitida aãõdos os seres humanos que são gerados pelo ---
--
processo
-- comum
de g e r a ç ã õ , q u e u i a terrível
-- corrupção e depravação da natureza humana
- -- -

e de todas as-suas faculdades, excluindo todos dãg<aça de D e F e da vida


eterna e sujeitando-os a castigos temporais e eternos, a menos que renasçam
Dogmática Cristá

da água e do Espírito, ou seja, obtenham, por Cristo, a remissão dos seus


pecados." (Doctr. Theol., p.242)
Em oposição à doutrina escriturística do pecado original, todos os
pelagianos e teólogos racionalistas modernos negam que um pecado alheio
(peccatum alienum) possa ser atribuído, com justiça, aos descendentes de Adáo.
Alegam
- que os seres humanos só podem ser acusados de obras más que eles
mesmos cometeram. A Escrit-5, con;udo, ensina a atribuição da culpa de
_Adão aos seus descendentes de modo
_ _ _ _ _ _ _ _ - -_ I
tal, que,
- --
negada a imputação
- - -
da culpa,
também a imputação da justiça- de Cristo aos descendentes
-- -- de- Adáo deve ser -,
negada. (Rm 5.18,19): "Pois como por uma só ofensa veio oAjuízosobre todos
os s G Z humanos para condenação, assim também, por um só ato de justiça,
veio a graça sobre todos os seres humanos para a justificação que dá vida.
Porque, como pela desobediência de- um só ser humano, muitos-%;ornaram
L-pecadores,assim também,lor- - obediência de um só, muitos se tornarão
meio -da
--justos." A atribuição da culpa original pertence aos fatos inflexíveis que a
--

Escr~turaensina como verdade inegável. A objeção que se faz de que não se


possa impor a culpa de Adão aos seus descendentes, porquanto "o filho não
levará a maldade do pai" (Ez 18.19,20), desconhece o fato de que "Deus como
juiz, em acordo com sua suprema autoridade judicial, pune o crime do ser
humano, de violação de sua majestade, também nos seus decendentes".
(Quenstedt) Deus imputa a culpa de Adão aos seus descendentes e age com
justiça fazendo assim. O mesmo Deus, porém, em demonstração de amor,
também atribui a justiça de Cristo aos pe;adores, para que possam ser salvos.
A corrupção original (corruptio hereditaria) transmite-se a todos os seres
humanos pelo processo comum de geração. (S1 51.5; Jo 3.6) Visto que Cristo
foi concebido pelo Espírito Santo no ventre da virgem Maria (Lc 1.35), a sua
natureza não era corrompida pelo pecado (imaculada conceição). Contudo,
para Maria, sua mãe, não se pode reclamar a imaculada conceição, uma vez
que nasceu pelo processo natural de geração (Lc 1.27) e, por isso, ela mesma
necessitava de um Salvador. (Lc 1.47) Em resposta à objeção segundo a qual
pais piedosos não poderiam transmitir o pecado aos seus filhos, por terem os
seus pecados sido perdoados, Gerhard diz: "A geração carnal não sucede
segundo a graça, porém segundo a natureza"; e Agostinho: "Ao gerar, ele [o
progenitor] não transmite aquilo por que se é regenerado, mas por que se é
gerado." (Doctr. Theol., p.243)
Ainda que a corrupção original, até certo ponto, possa ser conhecida da
razão (Horácio: "Nam vitiis nemo sine nascitur."; Cícero: "In omni continuo
pravitate et in summa opirziorum perversitate versamur, ut paene cum lacte nutricis
errorem suxisse videamuu."), Os Artigos de Esmalcalde afirmam com razão: "Esse
pecado hereditário é corrupção de tal maneira profunda e perniciosa da
natureza, que razão nenhuma o compreende. Deve, ao contrário ser crido
com base na revelação da Escritura." (Parte 111, Art. I, 3) E a Fórmula de Concórdia:
A Doutrina do Ser Humano

"Quando, todavia, se prossegue perguntando que espécie de accidens constitui


o pecado original, então a questão é outra, à qual nenhum filósofo, nenhum
papista, nenhum sofista, na verdade, nenhuma razão humana, por mais
perspicaz que seja, poderá fornecer uma explicação exata, porém toda
compreensão e explicação deve ser tomada somente das Escrituras Sagradas.
Elas testificam que o pecado original é um mal indivisível e uma corrupção
tão grande da natureza humana, que nada de puro e bom ficou nessa e em
todas as suas faculdades internas e externas, mas tudo está totalmente
corrompido. Por causa d o pecado original, o ser h u m a n o se acha
espiritualmente morto para o bem perante Deus, com todas as suas faculdades.
(Decl. Só\.,I,)
A respeito da corrupção original, erram todos aqueles que a negam de
todo, afirmando que as crianças são corrompidas, não por propagação
Cpeneratione), mas pelo mau exemplo de outros (exemplo).Admitem a corrupção
da natureza humana, porém negam que seja pecado, visto que apenas a
transgressão voluntária seria pecado (peccatum voluntarium). Dão valor
diminuto à corrupção original (semipelagianos, sinergistas). Contudo, sempre
que se reduz a doutrina da corrupção original às mínimas proporções, também
a doutrina da salvação somente por graça (sola gratia) é pervertida; porquanto
o sola gratia pressupõe sempre a corrupção total da natureza humana (intima
corruptio naturae humanae).

2. ENTENDIMENTO
E VONTADE
CORRUPTOS
DO SERHUMANO
As Escrituras são muito claras na descrição dos efeitos da corrupção
original sobre o intelecto e a vontade do ser humano. Quanto ao intelecto, o
pecado original subentende a falta completa de luz espiritual, de modo que o
ser humano, por natureza, não pode saber ou entender as verdades da Palavra
de Deus que dizem respeito à sua conversão e salvação. Realmente, é tão
cego, que tem o Evangelho por loucura. (1 Co 2.14) Ele encara a própria Lei
que o condena (G1 3.10-12), como verdadeiro caminho para a salvação. (C1
3.1-3; Ef 4.17-18) Essas trevas espirituais espessas não se removem pela
educacão ou cultura (1 Co 2.6-9; C1 2.8), mas apenas pelo Espírito Santo por
meio do Evangelho. (At 16.14; 2 Co 4.6) Apesar de o intelecto do ser humano
corrupto ser incapaz de conhecer o Evangelho e se achar em culpa pelo lado
negativo, ele é, pelo lado positivo, propenso a emitir juízos precipitados e
falsos em coisas espirituais (At 2.13; 17.18,32), e a endurecer-se contra a
vontade divina. (At 7.51)
A Fórmula de Concórdia descreve esse estado deplorável do ser humano
natural da seguinte maneira: "Contra ambos os partidos os puros mestres da
Confissão de Augsburgo ensinaram e argumentaram que, pela queda de nossos
primeiros pais, o ser humano foi corrompido de tal maneira, que em coisas
Dogrnática Cristã

divinas, que dizem respeito à nossa conversão e à salvação de nossas almas, é


por natureza cego, e que, quando a Palavra de Deus é pregada, não a entende,
nem pode entendê-la, porém a considera loucura. Também, de si mesmo não
se aproxima de Deus, mas é e permanece inimigo de Deus até ser convertido,
tornar-se crente, ser renascido e renovado com o poder do Espírito Santo pela
Palavra pregada e ouvida, por mera graça, sem qualquer cooperação de sua
parte." (Decl. Sól., I1 5)
E ainda: "Em primeiro lugar, se bem que a razão ou intelecto natural do
ser humano na verdade ainda tem uma centelha obscura do conhecimento
de que existe um Deus, como também da doutrina da Lei, Rrn 1 (245), todavia
é tão ignorante, cega e pervertida, que mesmo as pessoas mais engenhosas e
doutas do mundo, quando lêem ou ouvem o Evangelho do Filho de Deus e a
promessa da salvação eterna ainda assim não podem, com suas próprias forças,
perceber, apreender, compreendê-lo nem crê-lo e tê-lo por verdadeiro, porém,
quanto mais diligência e seriedade aplicam, querendo compreender essas coisas
espirituais com a razão, tanto menos entendem ou crêem, e antes de serem
iluminadas e ensinadas pelo Espírito Santo, consideram tudo isso como sendo
apenas estultícia e fábulas. 1 Co 2 (246): 2 0 ~ser-humano
0 natural-nno
aceita-as coisas do E s p j r i t ~d e Deus, porquqihe são loucura; e-não pode
--
e-ntendê-Ias-prqu elas se-disce-em espiritualmente.il Co- -(247):- 'Visto

como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria


sabedoria, aprouve a Deus salvar os que crêem, pela loucura da pregação.' Ef
4 (248): Os outros homens (que não renasceram pelo Espírito de Deus) 'andam
na vaidade dos seus próprios pensamentos, obscurecidos de entendimento,
alheios à vida de Deus por causa da ignorância em que vivem, pela dureza
dos seus corações.' M t 13 (249) 'Vendo, não vêem; e, ouvindo, não ouvem
nem entendem. A vós outros é dado conhecer os mistérios do reino dos céus.'
Rm 3 (250): 'Não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se
extraviaram, à uma se fizeram imundos; não há quem faça o bem, não nem
um sequer.' Assim a Escritura chama ao ser humano natural simplesmente
trevas em coisas espirituais e divinas; Ef 5; At 26. (251) Jo 1 (252): 'A luz
resplandece nas trevas (isto é, no mundo trevos0 e cego, que não conhece
nem considera Deus), e as trevas não a compreenderam.' A Escritura ensina
outrossim que o ser humano 'em pecado' não é apenas débil e enfermo,
mas totalmente sem vida e 'morto.' Ef 2.1,s; C1 2.13." (253) (Decl. Sól., 11,
9.10)
Concernente à vontade do ser humano caído em pecado, as Escrituras
ensinam a) que a vontade humana contraria efetiva e constantemente a Lei
divina (Ef 2.3; 1 Pe 4.3,4) e, que, em razão de sua corrupção total, não pode
senão contrariar a vontade divina. (Rm 8.7): "Não está sujeito à Lei de Deus,
nem mesmo pode estar". A vontade do ser humano natural está, pois, tanto
em constante oposição a Deus, como em permanente acordo com Satanás e
A Doutrina do Ser Humatzo
sua vontade perversa. (Rrn8.7; Ef 2.1; Jo 8.44; Rm 6.17,20; Hb 2.15) Mesmo
as ações do ser humano natural exteriormente boas (iustitia civilis) não derivam
do verdadeiro amor a Deus. (Ef 2.12) São muito semelhantes a "boas obras",
mas, de um modo geral, têm sua origem na vanglória e na idéia da justificação
por obras. (Mt 23.25-28)
A Confissão de Augsburgo declara acertadamente (Art. 11,1): "Ensina-se,
outrossim, entre nós, que depois da queda de Adão todos os seres humanos
naturalmente nascidos (25) são concebidos e nascidos em pecado, isto é, que
desde o ventre materno todos estão plenos de concupiscência e inclinação
más, e por natureza não podem ter verdadeiro temor de Deus e verdadeira fé
em Deus." A Fórmula de Concórdia diz: "Em coisas espirituais e divinas, o
intelecto, o coração e a vontade do ser humano irregenerado, com suas forças
naturais, absolutamente nada podem entender, crer, aceitar, pensar, querer,
começar, realizar, fazer, operar, e em absolutamente nada podem, estando, ao
contrário, inteiramente mortos para o bem e corrompidos, de modo tal, que
na natureza do ser humano, depois da queda e antes do renascimento, não
restou nem existe uma cetelhazinha sequer das forças espirituais e com a
qual pudesse, de si mesmo, preparar-se para a graça de Deus, ou aceitar a
graça oferecida, nem é capaz para ela por si e de si mesmo, nem pode, de suas
próprias forças, 'por si mesmo, como se partisse dele', (241) ajudar, fazer,
operar ou cooperar quanto à sua conversão, nem inteiramente, nem pela
metade, nem com qualquer parte, mínima ou diminuta, senão que é 'escravo
do pecado' Jo 8 (242) e prisioneiro do diabo, pelo qual é movido. Ef 2; 2 T m 2.
(243). De sorte que o livre-arbítrio natural, segundo a sua disposição e natureza
pervertidas, é vigoroso e ativo apenas para aquilo que desagrada a Deus e lhe
é contrário." (Decl. Sól., 11, 7)
Assim como a vontade do ser humano natural é oposta a Deus, também
o é o seu apetite (appetitus sensitivus), que, induzido por desejos desordenados,
o compele a lançar-se a toda sorte de vícios que, aparentemente, se conformam
com os seus sentimentos pervertidos, embora sejam proibidos pela Lei divina.
(Rm 1.32; 1.26,27; 13.13) O pecado original é, pois, "a raiz e fonte de todos
os pecados atuais", como a Fórmula de Concórdia declara com justiça. (Decl.
Sól., I, 5)
É esta oposi~ãoconstante à vontade divina e habituada inclinação para
o mal (habitualis inclinatio ad malum) que fazem do pecado original um mal
positivo, ou pecado, na inteira acepção do termo, na verdade, o "pecado
principal" (principium et caput omnium peccatorum). A Confissão de Augsburgo
declara (Art. 11, 2, 3): "Esta mesma infecção e pecado original inato é
verdadeiramente pecado e condena todos aqueles que não nascem de novo
pelo Batismo e pelo Espírito Santo, à eterna ira de Deus. Condenamos os
pelagianos e outros [semipelagianismo, escolasticismo] que negam a
culpabilidade do pecado original, (argumentando que o ser humano pode ser
Dogmhtica Cristã

justificado perante Deus pela força e razão próprias), admitindo, assim, a


santidade da natureza por virtudes próprias, ofendendo, dessarte, a Paixão e
o mérito de Cristo."

3. Os LADOSNEGATIVO
E POSITIVO
DO PECADO
ORIGINAL
,Como já foi assinalado, as Sazad-as Escrituras dgscr-evem o pecado
original a) como d~~ek~~ou~car~ncia~~de~just~~concriada (carentia iustitiae
concreatae), e b) como co~cgpiscência,isto & _ m o inclinação-constante
- e
viciosa para o mal (habitualis inclinatio ad malum). Isso se ensina em Rm 7.23:
"Vejo nos meus membros outra Lei que, guerreando contra a Lei da minha
mente"; em G1 5.17: fiAcarne milita contra o Espírito"; etc. O pecado original
é algo positivo como concupiscência @ositivum quid). O pecado, porém, não
é positivo no sentido de que seja uma substância material que subsista por si
só (substantia materialis, quae proprie subsistit). Não é uma substantia, isto é,
uma essência de existência própria, mas um accidens, matéria acidental, que
não existe por si mesma de modo essencial, mas é inerente a uma essência de
existência própria. Daí termos de fazer distinção entre natureza humana que,
também depois da queda, é obra de Deus e corrupção da natureza humana,
ou pecado original, que é obra do diabo.
A Fórmula de Concórdia mantém essa verdade contra toda forma de
maniqueísmo (flacianismo, o qual admite duas substâncias existentes, das quais
uma seria essencialmente boa e a outra essencialmente má). (Fórmula de
Concórdia, Art. I. Agostinho: "O pecado original não é a própria natureza, mas
accidens vitiurn in natura, isto é, defeito e dano acidental." Ded. Sól., 1, 5 5 r
Por outro lado, nossa Confissão argumenta, com igual ênfase, contra o
pelagianismo e o sinergismo, que "o pecado original não passa de simples,
insignificante, externa mancha ou mácula aspergida, vel corruptio tantum
accidentium aut qualitatum, isto é, a corrupção de algumas coisas acidentais
da natureza humana, com as quais e sob as quais a natureza todavia possui e
retém sua bondade e força para coisas espirituais" (Decl. Sól., I, 21), porém
"dano indizível e corrompimento tal da natureza humana, que nela e em
todas as suas forças internas e externas, nada de puro e bom ficou, senão que
tudo está inteiramente corrompido, de modo que pelo pecado original, o ser
humano deveras está espiritualmente morto aos olhos de Deus e morreu
para o bem com todas as suas forças." (Decl. Sól., I, 60) A nossa Confissão
luterana, assim, evita tanto o Cila do maniqueísmo como o Caribdes do
pelagianismo.

4. A UNIVERSALIDADE
DO PECADO
ORIGINAL
As Sagradas Escrituras ensinam, com clareza, que todos os descendentes
de Adão se acham corrompidos pelo pecado original, de sorte que, depois da
A Doutrina do Ser Humano

queda, nem um único ser humano é incorrupto ou está isento da mancha e


contaminação do pecado. (Rm 5.12; 3.23; Jo 3.5,ó) Por esse motivo, os nossos
dogmáticos dizem que o subjectum quod do pecado original é todos os seres
humanos nascidos segundo o curso da natureza (naturaliter nati). , Cristo não
esteve
- - sujeito ao pecado original, por haver sido concebido pela milagrosap
o eração do ~ s ~ z i g - ~ á n t o 1.20y-~c
. T ~ t 135) 0 dzetoantibíblico do papa
&-(l--qu<p~afavorecimento da hiperdulia*, atribuiu a concepçãio
irnacüfáda a m k de Cristo, vem provar o caráter anticristão do papado.
A doutrina da universalidade do pecado original é de grande importância
para a boa compreensão da doutrina dos meios da graça. E o fundamento da
doutrina do Batismo; pois, uma vez que todas as crianças são "carne nascida
da carne" (Jo 3.ó) e o Batismo é a lavagem da regeneração ordenada por Deus
(Tt 3.5), que Cristo mandou fossem batizadas "todas as nações" (Mt 28.19),
é óbvio que as crianças, que Deus quer que se salvem pelos meios da graça
(Mt 19.14,15),devem receber o santo Batismo. A idéia de que os filhos nascidos
de pais cristãos não estariam contaminados pelo pecado é contrária ao claro
ensinamento da Escritura. (S1 51.5; Jo 3.6)

5. A CAUSA
DO PECADO
ORIGINAL
A causa do pecado original (peccatum originale) não é Deus, que condena
e castiga esse pecado em sua justa ira (Ef 2.3), mas o diabo (causa remota), que
seduziu nossos primeiros pais. (Gn 3.lss; Jo 8.44; 2 Co 11.3) Também os
nossos primeiros pais (causa proprinqua), que permitiram ser enganados. (Rm
5.12; 1Tm 2.14) Escreve Hollaz: "Os nossos primeiros pais são a causa imediata
do labéu original, de cuja impureza a mancha original derivou para dentro de
nossos corações. Cada coisa procede do gérmen de sua própria natureza.
Nenhum corvo negro produzirá jamais uma pomba branca, nem o feroz leão
gerará um manso cordeiro; e nenhum ser humano poluído por pecado inato
jamais gerará um filho santo." (Doctv. Tkeol., p.239)

6. Os EFEITOS
DO PECADO
ORIGINAL
Os efeitos do pecado original no ser humano são: a morte com todos os
seus castigos temporais e eternos e os múltiplos pecados atuais, dos quais todo
ser humano, por haver nascido em pecado, traz a culpa.
O pecado original, antes de tudo, acarreta a morte espiritual, ou seja, a
alienação do ser humano pecador, do santo Deus. (Ef 2.1,5,12) A menos que
se remova a morte espiritual pela conversão, a morte temporal (S1 90.7-9),
que é um castigo direto da primeira transgressão (Gn 2.17) virá seguida de
morte eterna ou condenação perpétua. (Mt 25.41; 2 Ts 1.9) A imposição
divina: "No dia em que dela comeres, certamente morrerás." (Gn 2.17)
* hiperdulia = Forma especial de culto aos santos.
- 223 -
Dogmática Cristã

cumpriu-se à risca, visto que a morte espiritual se seguiu imediatamente à


transgressão, e os nossos primeiros pais se viram, no mesmo instante, sujeitos
à morte temporal e eterna.
-A
- respostaàpergu-a sobre como o comer do fruto da árvoreproibida
podia produzir tão terríveis resultados é-forne.ci& p s a própria Escritura.
---- As
desastrosas
- -- - - - onsequências
-
da primeira transgressão não foram devidas a -

nenhuma substância peçonhenta no próprio fruto nem ao fato de haver o


-- -se
diabo apossado
-- - da árvore, mas recaíram sobre Adáo e Eva, porque, comendo
do fruto ~roibido.transgrediram o mandamento divino. (Gn 2.17)l~eaindã
'L
se perguntar por que Deus n ã o pôs outro mandamento para prova -
--

da
obediência do ser -humano,
- . o teólogo luterano Brenz responderá: "Visto que
a Lei mora1 já estava escrita n o coração do ser humano, aprouve a Deus prov-
a sua [do ser humano] fé por meio de um mandamento que ainda n ã o k e
fora dado c o n h e c z " Contudo, cumpre não esquecer que todas essas
pergintas,
. em última análise, pertencem aos inescrutáveis juízos de Deus,
que estão além do alcance da razão humana.
O pecado original é a fonte de todas as transgressões atuais, de sorte
que todo pecado atual provém do interior do ser humano. (Mc 7.21-23; S1
51.3-5) Uma vez contaminada a fonte, igualmente as águas que emanam
dela são impuras. Visto que Deus náo é o autor do pecado, mas o odeia e
condena (SI 11.5; 5.4,5), a sua ira e justos castigos pairam sobre o ser humano
culpado (Rm 3.19), por culpa tanto do seu pecado original como dos seus
pecados atuais. (Ef 2.3; Rm 5.18)

1. DEFINIÇAO
DE PECADO
ATUAL
Entendemos por pecado atual @eccatum actuale) toda e qualq~e~@olação
da Lei (anomia). Está, pois, em contradição àquela anomia que todos os seres
humanos herdaram dos pais por seu nascimento pecaminoso (qtrae in omnes
homines per carnalem generationem derivatur) e, em razão da qual, são
condenados como pecadores (imputatio peccati Adamitici; conuptio hereditaria),
mesmo que não tenham infringido a Lei divina por transgressão de
mandamentos isolados. (Rm 5.19) Descrito de maneira mais concisa:
--
"Transgressão atual é todo ato, quer externo, quer interno, que está em--conflito
com-a Lei de -
-Deus." (Hutter) Lutero chama, de modo muito apropriado, o
pecado o~ign&gecado da- pes~so7~pecado da naturega: "ou pecado de
essência", porque
-- "n2&kpecado que se-comete", mas está cravado na naturga,
substância e essência do ser humano desta maneira: ainda que jamais surgisse
um mau pensamento no coração do ser humano corrompido, nenhuma
A Doutrina do Ser Hutnano
Palavra ociosa fosse proferida, nem acontecesse má ação, mesmo assim a
natureza humana está corrompida pelo pecado original, que se nos torna
nato na semente pecaminosa e é fonte de todos os pecados atuais, como
maus pensamentos, Palavras e obras, conforme está escrito: "É mau o desígnio
íntimo do ser humano desde a sua mocidade." (29) (Fórmula de Concórdia,
Epít., I, 21) Os pecados atuais subdividem-se em pecados de cometimento e
de omissão, isto é, pecados que ocorrem quando se faz (agendo) o que a Lei
divina proíbe, ou se omite (omittendo) o que a Lei divina ordena. Por essa
razão, ~ o l l a define
z o pecado atual assim: "Pecado atual-- é- o-ato
--___----
L-- -
de afastar-se,
-----__--
Dor u m ato humano tanto de conhecimento como de omissão, da norma da
Lei divina, incÓrFnxeE-fê3>ofi<abilidade
-- - ---- - - - - -de
---culga (reaius cul&ae),?ficando--
se sujeito a castigo(reatus
- poenae)." (Doctr. Theol., p.252)
A omissão do bem que a Lei exige é pecado atual, porque é ditada peh3
ódio a Deus, pelo amor ao mal e negligência proposital do dever em oposição
à consciência. (Rrn 1.32; Lc 12.47,48) Pertencem, também, aos pecados atuais
todos os maus pensamentos e desejos referentes à doutrina e à vida. (Mt
5.28; Gn 20.9; M t 15.19; Rm 7.7) Os pecados atuais são, nas Sagradas
Escrituras
-----L- chamados "obras da carne" (C1 5.19); "obras
pp-ppp - - - infrutíferas &g~revwo
(Ef 5.11); "feitos do velho ser- - (C1 3.9); "obras mortas" (Hb 6.1; 9.14);
humano"
['obras-jnj@u;s" (2 Pe 2.8), expressões essas que caracterizam esses pecados
quanto à sua'natureza e origem. Nosso -- Catecismo
-.-. - luterano define c 0 5
propriedade o pecado atual como "toda transgressão-
da Lei- divina
--- por
-
desejos,
pensamentos,
- - Palavras e obras." Recomendamos es
simples e prática.

2. As CAUSAS
DO PECADO
ATUAL
0 s pecados atuais são suscitados por causas internas do ser humano
(causae peccati actualis intra hominem) e causas externas do ser humano (causae
peccati actualis extra hominem).
A verdadeira causa dos pecados atuais dentro do ser humano é a sua
natureza corrupta (corrupto hereditaria), segundo declara a Escritura. (Rm 7.17):
"Quem faz isto não sou mais eu, mas o pecado que habita em mim." Em
especial, a Escritura menciona como causas dos pecados atuais: a) a ignorância
espiritual que resulta da corrupção hereditária (1 T m 1.13; M t 26.65,66, cf
com At 3.17); b) as emoções e paixões pecaminosas, como o temor (Mt 14.30;
Mc 14.66s; C1 2.12), a ira (Lc 9.54,55; 4.28,29), e outros dessa natureza.
Nem a ignorância do ser humano nem as suas paixões pecaminosas desculpam
os maus atos praticados e m virtude delas, tampouco removem a
pecaminosidade de semelhantes ações (1 T m 1.15; Lc 22.62); c) a habitual
inclinação para o mal (habitus vitiosus) que é produzida e confirmada por
repetidos atos pecaminosos. (Je 13.23) Ainda que a inclinação para o mal seja
Dogmática Crista

inata no ser humano, há também uma inclinação para o mal adquirida, ou


seja uma propensão viciosa, que tem sua origem nas suas práticas pecaminosas
(inclinatio a d malum acquisita; peccatum habituale acquisitium; habitus vitiosus
;:.i~iisitus). É evidente que o ser humano fica responsável, também, pelos
pecados que têm sua origem nos seus hábitos e práticas viciosos. (Rm 1.24-
27) É claro que, e m momentos de serena reflexão, ele possa deplorar
sinceramente (e.g., u m ébrio inveterado).
Como causa dos pecados atuais fora do ser humano, a Escritura
menciona a) o diabo, que não só incita o irregenerado (Ef 2.2; 1 Co 10.20),
como ainda trata de seduzir o regenerado ao pecado. (1 Cr 21.1; Lc 22.31;
M t 16.23) A maneira como Satanás tenta os crentes a cometerem pecados
atuais bem ilustra a sua tentação de Cristo, ainda que não lograsse
prevalecer contra ele. (Mt 4.lss) b) Os seres humanos que induzem as
pessoas ao pecado mediante os seus falsos ensinamentos (Rm 16.17,18; 2
T m 2.17), mediante Palavras e escritos ímpios ou imorais (1 Co 15.33) e
mediante obras de impiedade (2 Pe 2.1-3), são, também, causas dos pecados
atuais.
Mesmo que Deus não seja, de modo nenhum, a causa do pecado atual
ou das más ações, ele é o autor do mal, quando este significa tribulação ou
aflição. (1s 45.7) Essa verdade a Escritura Sagrada ensina para conforto de
todos os crentes que sofrem provações e castigos nesta vida (At 14.22), para
a glória de Deus (2 Co 12.9) e para o próprio bem deles. (Rm 8.28)

3. A DOUTRINA
ACERCA
DOS ESCÂNDALOS
A Bíblia descreve o pecado que consiste em tentar-se alguém para o
mal, como pecado do escândalo. (Rm 16.17) Causar escândalo quer dizer
ensinar ou praticar qualquer ação pela qual outra pessoa é levada a não ter fé,
a crer o erro ou a levar uma vida ímpia, de sorte que a sua fé é posta em
perigo, ou mesmo destruída. Por isso, a Escritura nos adverte com a maior
seriedade contra o pecado que constitui o causar escândalo. (Mt 18.6s~;Mc
9.42s~;Lc 17.1,2)
De acordo com a Escritura, não se causam escândalos apenas praticando
o que é mau (doutrinas errôneas, vida ímpia), mas também por uso
imprudente dos adiáforos (Rm 14: comer carne, beber vinho); porque, dessa
maneira, os irmãos fracos podem ser induzidos a praticar o que as suas
consciências, em erro, consideram pecado. (Rm 14.20): "É mau para o ser
humano o comer com escândalo." (14.23): "Aquele que tem dúvidas, é
condenado, se comer, porque o que faz não provém de fé." O cristão não
deve acalentar idéias errôneas acerca dos adiáforos. (Rm 14.22) Se, como
cristão fraco, não possui o verdadeiro conhecimento (1 Co 8.7), não deve,
sob hipótese alguma, praticar o que considera errado. (Rm 14.15,21,23)
A Doutrina do Ser Humano

Disso decorre a regra geral da conduta cristã, segundo a qual os cristãos


devem, constantemente, estar dispostos a renunciar à sua liberdade cristã, a
menos que a verdade do Evangelho esteja em jogo. (Gl 5.1,12) Se alguém,
que é fraco no conhecimento cristão, exige que o seu erro seja reconhecido
como verdade e insiste em que o mesmo seja promulgado como correto, já
não é "irmão fraco", cuja "fraqueza" se possa tolerar, mas u m falso profeta,
que julga e condena os cristãos verdadeiros pelo uso de seu conhecimento
correto. (C1 2.16; C1 5.1-3) Se alguém sentir-se escandalizado, porque u m
cristão professante se vê obrigado a fazer uso dessa liberdade cristã por causa
da profissão em apreço, nenhuma culpa cabe a esse cristão pelo uso de sua
liberdade em favor do Evangelho. A culpa cabe antes àqueles que obrigam o
cristão fiel a insistir em sua liberdade. (G1 2.4,5; cf. com At 16.3)
Baseados na Escritura, fazemos distinção entre o escândalo que se causa e
o sentir-se escandalizado (escândalo gratuito). O escândalo gratuito sucede quando
uma pessoa é espiritualmente cega e corrompida, é induzida a pecar por Palavras
e atos que, em si, são corretos. Assim os judeus se escandalizaram com Cristo e
seu Evangelho por causa de sua presumida justiça própria. (Rrn 9.32) Já os gentios,
em virtude do seu orgulho carnal, se escandalizavam com Cristo crucificado. (1
Co 1.22,23) Essa espécie de escândalo deve continuar até o fim dos séculos. (Lc
2.34; Rrn 9.33; 1 Pe 2.8) Os cristãos se escandalizam em Cristo, quando o
renunciam por causa do sofrimento que o confessá-lo acarreta. (Mt 24.10; 13.21)
É por essa razão que Cristo adverte seriamente os seus seguidores: "Bem-
aventurado é aquele que não achar em mim motivo de tropeço." (Mt 11.6)

4. A DOUTRINA DA OBDURAÇAO
ACERCA
Sempre que os seres humanos ímpios se mostrem escandalizados com
a pregação da Palavra de Deus de tal forma que, quanto mais a ouvem, mais
resistem ao Espírito Santo, diz-se que endurecem os seus corações para com
a divina verdade. (Êx 8.15; S1 95.8; Jo 12.40) Cumpre admitir a existência de
graus no processo de endurecimento, de sorte que nem todos os casos são
irrecuperáveis. (At 3.14-17) Assim como Deus não é causa do escândalo
gratuito em sua Palavra, ele também não é a causa do endurecimento daqueles
que se recusam a crer. (At 7.51-54) A Escritura fala, às vezes, da obstinação
como de u m ato de Deus. (Êx 7.3; Rm 1.24-26) A causa direta da obduração
é o diabo, que cega o entendimento humano e enche o coração de perversidade
(2 Co 4.4; At 5.3; Ef 2.2) e o próprio ser humano que, por sua própria vontade,
rejeita a graça divina. (Mt 13; 15) Deus não endurece o ser humano, por
acaso, mas judicial e permissivamente. (Rm 1.24,26; At 7.42) Daí se poder
descrever o ato divino de obduração como ato judicial de Deus pelo qual, por
motivo de precedente, voluntária e persistente iniqüidade, ele permite, com
justiça, que o pecador obstinado se endureça, privando-se do seu Espírito
Santo e entregando-se ao poder de Satanás. (Lc 22.3)
Dogmática Cristã

5. A DOUTRINA ACERCA
ESCRITWRÍSTICA DA TENTAÇAO
De acordo com a Escritura, há a tentação para o bem (tentatio probationis)
e a tentação para o mal (tentatio seductionis). A primeira vem de Deus e é
designada para provação e fortalecimento da fé. (Gn 22.1-18; D t 13.1s; SI
66.10s~)Porque faz sobrevir aos seus filhos tentationes probationis, nem por
isso Deus se torna autor do pecado; porquanto proporciona todas as provações
à medida da força dos seus santos (1 Co 10.13) e sustenta, graciosamente, os
seus amados em sua fé, sempre que tentados. (Lc 22.31,32; 1 Co 10.13) Por
essa razão, aqueles que resistem e vencem a tentação, não o fazem por sua
própria força ou dignidade, mas tão somente pela graça de Deus. (Rm 11.20-
22; 2 Co 12.9)
As tentações para o mal (tentationes seductionis) provêm do diabo (Mt
4.1s; 1 Pe 5.8); do mundo (1Jo 2.11-17); e da carne. (Tg 1.14; cf. 1 Ts 3.5; 1
Co 7.5; 1 T m 6.9; Mc 14.38) O fato de Cristo, que também foi tentado, ter
prometido sustentar os seus seguidores nas tentações deles é de grande
conforto para todos os fiéis. (Hb 2.18; 4.15; 2 Pe 2.9)

6. A CLASSIFICAÇAO
DOS PECADOS
ATUAIS
A finalidade da classificação dos pecados atuais é descrever, com maior
clareza, as numerosas transgressões às quais o crente está sujeito. (Jó 9.2,3)
Nosso interesse nessa classificação é, portanto, inteiramente didático. Ela
nos estimula a tomarmos em consideração as multiformes tentações pelas
quais Satanás, o mundo e a nossa própria carne estão empenhados em nos
conduzir à vergonha e ao vício. (Mt 23.41; 1 Co 10.12) Incita, também, a nos
purificarmos de toda a imundícia da carne e d o espírito mediante
arrependimento diário, aperfeiçoando a santificação no temor de Deus. (2 Co
7.1; Hb 12.1,2) Eis por que a classificação dos pecados não deve ser considerada
desnecessária e inútil, mas altamente proveitosa, em especial porque as
próprias Escrituras fazem distinção entre pecado e pecado. (1 Jo 5.16; T g
4.17; Jo 19.11) Precisamente porque "toda Escritura é [...I útil para [...I a
correção, para a educação na justiça" (2 T m 3.16), ela descreve, de maneira
clara, as incontáveis transgressões que ameaçam o cristão em sua vida terrena
(S1 19.12,13), por Palavras expressas (1 Co 5.9-11), ou por exemplos. (2 Sm
11.4,24; M t 26.48s)
a. Pecados voluntáuios e involuntários. A base de afirmações claras da
Escritura, fazemos distinção e n t r e pecados voluntários e
involuntários. Aqueles (peccata voluntaria, maliriae, proaeretica) são
atos pecaminosos pelos quais o ser humano transgride a Lei divina
por vontade deliberada, contra os ditames de sua consciência. (Jo
13.26,27,30) Estes (peccata involuntária) são atos pecaminosos que
se cometem sem perfeito conhecimento (peccata ignorantiae, 1 T m
A Doutrina do Ser Humano

1.13) ou sem propósito deliberado da vontade (peccata infirmitatis,


peccata praecipitantiae, Lc 22.55-62) Os pecados involuntários são,
conseqüentemente, divididos em pecados por ignorância e por
fraqueza. Entretanto, só falamos em pecados por fraqueza, quando
se trata de cristãos, visto que todos os incrédulos, mortos que são
em ofensas e pecados (Ef 2.1) e presos ao poder de Satanás (Ef 2.2; 2
T m 2.26), desejam os próprios pecados a que são induzidos pelo
diabo. (Ef 2.3; Jo 8.44) Já o cristão, como nova criatura em Cristo (2
C o 5.17), detesta os pecados que comete (Rm 7.15) e quer
sinceramente o que é bom. (Rm 7.19,22-24) Devemos considerar
pecados por fraqueza, ou pecados involuntários, também as
emoções pecaminosas, isto é, os pensamentos e desejos
desordenados (motus inordinati subitanei) que, repentinamente,
despertam nos cristãos, oriundos do seu coração carnal (sarx), sem
a sua vontade, mas contra a mesma. (G1 5.17,24) (cf. Lutero, S. L.,
IX, 1032) Não se pode afirmar que as crianças tenham pecados
deliberados a culpá-las. (peccata proaeretica). (Dt 1.39; Jn 4.1 1) Não
podem, porém, ser declaradas isentas de pecados atuais, porque
são carne nascida da carne (Jo 3.6) e, como tais, estão sempre em
oposição à vontade divina. (G1 5.17; Gn 8.21; S1 51.5) Por outro
lado, também nos infantes, o Santo Espírito opera a fé pelos meios
da graça (Batismo, T t 3.5; M t 18.6) e produz as obras da fé. (S1 8.2)
Assim eles, como novas criaturas que são em Cristo, resistem às
más emoções da carne. (Mt 18.3,4)
É preciso que os pecados voluntários sejam considerados com respeito à
vontade, como também com respeito à consciência. Por esse motivo, temos
por pecados voluntários também os que se cometem contra a consciência.
Dividem-se em quatro classes, considerando-se que uma pessoa pode pecar
contra uma consciência reta (conscientia recta), que esteja em conformidade com
a Lei divina (Rm 1.32); ou contra uma consciência em erro (conscientia erronea),
sendo que, nesse caso, peca, tanto quando despreza (Rrn 14.14; 1 Co 8.7,10-
12) como quando segue a sua consciência transviada, que está em desacordo
com a Palavra de Deus. A consciência em erro, pois, conduz ao pecado quando
seguida, ou quando não seguida (cf. o caso de uma pessoa que é, por sua
consciência, obrigada a adorar os santos); ou contra uma consciência opinativa
(conscientia probabilis, opinativa), porque, nesse caso, descuida o dever de
certificar-se do modo de conduta verdadeiro (S1 119.9,11), ou age em incerteza
(Rm 14.23); ou ainda, contra uma consciência em dúvida (conscientia dubia),
pois, em tais casos, de maneira nenhuma deveria agir. (Rm 14.23)
b. Pecados de cometimento e de omissão. Os pecados de cometimento
(peccata commissionis) são atos positivos pelos quais se violam
preceitos negativos de Deus. Os pecados de omissão (peccata
Dogmática Cristã

omissionis) consistem .rico desprezo- atos prescritos


- - por
- preceitos
- -
afirmativos de Deus (Hollaz). Por conseguinte, nos pecados de
cometimento, faz-se o que Deus proibiu. (Êx 20.13-17) N-o ç a d o s
de omissão, omite-se o q~ Deus requer. (Tg 4.17) Por mais que os
pecados de omissão nem sempre se cometam intencionalmente ou
com um propósito expresso da vontade pervertida, ainda assim, toda
omissão de quanto é bom constitui pecado na verdadeira acepção
do termo, visto que o ser humano foi criado precisamente com o
propósito de servir a Deus pela constante operação do que é bom,
isto é, 0 que é por ele ordenado. Ipsum non facere, quod praeceptum,
peccatum est. (Mt 28.20; Ez 37.24)
c. Pecados contra Deus, contra o próximo e contra si mesmo. Pecados
contra Deus são os que se dirigem contra a Primeira Tábua do
Decálogo. (Mt 22.37,38; Gn 39.9) Os pecados contra o próximo
são dirigidos especificamente contra a Segunda Tábua. (Mt 22.39;
Lv 19.17) Os pecados cometidos contra si mesmo são, como a
fornicação e impureza em geral, os que profanam o corpo. (1 Co
6.18) Não obstante, cumpre recordar que todo ato contra o
próximo ou contra a própria pessoa constitui pecado, porque é,
antes de tudo, cometido contra Deus. (S1 51.4; Gn 39.9) Omne
peccatum in Deum committitur.
d. Pecados graves e menos graves. Toda transgressão da Lei divina é
rebelião contra Deus (anomia, ilegalidade, pescha) e, por isso mesmo,
condenável. (G1 3.10) Por conseguinte, não podemos, do ponto de
vista da condenabilidade, falar de pecados "menores" e "maiores".
Ainda assim, a própria Escritura faz distinção de graus no que
respeita ao pecado. (Jo 19.11, méizona hamartian) As crianças, antes
da idade de discrição, (anni discretionis) são menos culpáveis que os
adultos. (Dt 1.39) Os servos que sabem a vontade do Senhor e,
ainda assim, se recusam a fazê-la, serão castigados com muitos
açoites. (Lc 12.47) Aqueles que pecam contra ele por ignorância
serão castigados com poucos açoites. (v. 48) Vê-se claramente que,
como há graus quantó ao pecado, também há quanto ao castigo
eterno que os condenados padecerão. O mais------.-.--
*
grave --de todos
-- os
ecados
- z é a
_-_".-incredulidade. (Jo 3.18,19; 16.9) Nem sempre a
classificação dos pecados em pecados do coração, da boca e da prática
de ações @eccata cordis, oris, operis) dá indicação de grau, visto que
um pecado do coração (incredulidade, implacabilidade, etc.) pode
ser mais grave que um pecado da boca ou da prática de uma ação.
(cf. uma Palavra colérica dita precipitadamente; um mau ato
praticado sem más intenções, impulsivamente) Querendo-se julgar
se um pecado é mais grave que outro, cumpre tomar e m
A Doutrina do Ser H ~ m i i ~

consideracão: a) a pessoa que peca; b) a causa propulsora; c) o objeto


implicado; d) a Lei infringida; e) as conseqüências do pecado. Apesar
disso, todo pecado torna o ser humano culpado perante Deus. (Rm
3.19)
e. Pecados mortais e veniais. -Pecados
-. mortais (peccata mortalia) são todos
os que precipitam o transgressor num est-ado de ira, morte e
condenação de forma tal que, morrendo ele sem arrependimento, o
s e u castigoieyá a morte etp-na. (Jo 8.21,24; Rm 8.13) Todos os peca&
dosincrédulos- são-
-
-J
.- mortais visto que eles rejeitam Cristo, por c u j o .
_
_

amor Deus perdoa o pecado.. -- (Rm 3.24; Ef 1.7; At 4.12) Quando


falamos de pecados mortais dos "crentes", referimo-nos aos pecados
que entristecem o Espírito Santo (Ef 4.30) e destroem fé. (o
homicídio e adultério de Davi: S1 32.3,4) "É pecado mortal aquele
pelo qual os regenerados, vencidos pela carne e não permanecendo
em estado de regeneração, transgridem a Lei divina por um deliberado
propósito da vontade, contrário aos ditames da consciência e, em
conseqüência disso, perdem a fé salvadora, rejeitam a graciosa
influência do Espírito Santo e se projetam num estado de ira, morte
e condenação." (Hollaz) São veniais keccata venialia) os pecados
involuntários dos crentes que, embora merecendo a morte eterna,
são perdoados por amor de Cristo, em quem o crente confia e em
cuja força continuamente se arrepende dos seus pecados. (S1
19.12,13; 51.9-12)
Os papistas erram nesse ponto, ensinando que certos pecados são
mortais em si mesmos (superbia, avaritia, luxuria, ira, gula, invidia, acedia),
enquanto outros são veniais e, dessa maneira, merecem apenas castigos
temporais. Os calvinistas erram neste assunto, ensinando que os eleitos nunca
perdem a fé ou caem da graça, mesmo quando cometem pecados enormes.
(peccata enormia)
Com os pecados mortais podem identificar-se os chamados pecados
dominantes e, com os pecados veniais, os chamados não-dominantes. Nos
incrédulos, todos os pecados são dominantes, uma vez que se acham mortos
em ofensas e pecados e estão no poder de Satanás. (Ef 2.1-3) O bem-
aventurado estado em que o pecado já não é dominante ao ser humano, só se
encontra nos crentes. F ~ r n612.14) 'se os crentes desistem da
, ,---- - luta
- contra o
pecadq (C1 5.16.17), de forma que ele volte a governá-losl terão - - dã-e
- - caído
graça e perdido a -fé. (C1 5.4; 1 Co 5.11)
f. Pecados que bradam aos céus. Pecados que bradam aos céus (peccata
clamantia) são os que reclamam os castigos de Deus em grau todo
especial. Os seguintes exemplos de pecados que bradam aos céus
são mencionados na Escritura: a) o fratricídio cometido por Caim
(Gn 4.10); b) os pecados dos sodomitas (Gn 18.20); c) a opressão dos
Dogmática Cristã

israelitas por parte dos egípcios (Êx 3.9); d) a opressão das viúvas e
dos órfãos (Êx 22.22,23); e) o defraudamento dos trabalhadores
contratados em seu soldo (Tg 5.4); f) a perseguição dos cristãos. (Ap
6.9,10) Em geral, podemos descrever como pecados que bradam aos
céus todos os crimes cometidos contra os indefesos (viúvas, órfãos,
pobres, oprimidos, etc.), cuja causa o próprio Deus tem de propugnar
e defender. (Êx 3.7-9; 22.21-24; 1s 3.13-15)
g. Os pecados perdoáveis e o pecado imperdoável. É perdoável (peccatum
remissibile) o pecado do qual é possível arrepender-se, ao passo que o
'pecado imperdoável" (peccatum irremissibile) exclui a possibilidade
de arrependimento. Considerando q u e todos os pecados são
perdoáveis, com excegão do pecado contra o Espírito Santo (Mt
12.31,32; Mc 3.22-30; Lc 12.10), que é o único pecado irremissível
que a Escritura registra, esse pecado requer consideração especial.
Não se deve, no entanto, abusar da classificação, proposta com vistas
à segurança carnal e indiferença para com o pecado. Todo pecado só
é perdoável, se o pecador, em sincero arrependimento, confia na
satisfação vicária de Cristo. É apenas do ponto de vista da graça divina
que os pecados são perdoáveis, não do ponto de vista do merecimento
humano. (Rm 4.5-8) Não há "pecado inocente" perante Deus. (Rm
3.19; Gl 3.10)
h. O pecado contra o Espírito Santo. O pecado contra o Espírito Santo é
descrito na Bíblia como "blasfemar contra o Espírito Santo". (Mc
3.28,29) Essa blasfêmia distingue-se da que é dirigida contra Cristo
(Mt 12.32), a qual, segundo o Salvador ensina, é expressamente
perdoável. Como textos de referência na Escritura para o pecado
contra o Espírito Santo, os nossos dogmáticos consideram, também
1 Jo 5.16 e Hb 6.4-6; 10.26,27.
O pecado contra o Espírito Santo é imperdoável, porque é di_gic-lo~~o
contra a pessoa divina do Espírito ~ a n t ó mas
, contra o seu ofício divino ou
sua gr&iosa
- operaçáo-no coragão human- Spivitum Sanctum nodn
in personam, sed in officium Sp1ritus Sancti committitur. Essa é a natureza ou
essência desse pecado. No entanto, nem toda resistência à obra do Espírito
Santo se classifica debaixo desse pecado; ao contrário, cada pessoa no mundo
cometeria esse pecado imperdoável, visto que, por natureza, todos os seres
humanos resistem ao ~ s ~ í r i Santo.
to (1 CO-2.14; Rm 8.7)
O pecado contra o Espírito Santo só é cometido, quando o Espírito
Santo revelou claramente a verdade divina ao pecador, e o pecador, ainda
assim, profere blasfêmias contra a mesma. Eis por que não se deve identificar
este pecado a) com o da impenitência final (impoenitentia finalis) nem b) com
a blasfêmia proferida contra a verdade divina que decorre da cegueira espiritual
A Doutrina do Ser Humano

(1 T m 1.13), nem c) com a negação da verdade divina feita por temor. (Lc
22.61,62) O pecado contra o E s ~ í r i t oSanto consiste
--
na negação e rejeição
pegversa e persistente da verdade ..---divina -d
- g o-
i s de- a -mesma haver sido
suficientemente
--
reconhecida
---
e --aceita como
- - --tal, acrescida de blasfêmia
voluntária e atroz. E a rejeição maldosa e blasfema d o Evangelho por parte do
pecador endurecido, o qual, pela graciosa iluminação do Espírito Santo, obteve
plena convicção de sua verdade divina. Escreve Hollaz: "Peccatum in Spiritum
Sanctum est veritatis divinae evidenter agnitae et in conscientia approbatae
malitiosa abnegatio, hostilis impugnatio,-horrenda blasphematio et' omnium
mediorum salutis obstinata et finaliter perseverans reiectio."
A maior parte dos dogmáticos ensinam que o pecado contra o Espírito
Santo só pode ser cometido por aqueles que foram regenerados; embora outros,
e e n t r e eles Baier, m a n t e n h a m que o mesmo ocorre, também, nos
irregenerados, a saber, no preciso momento em que o Espírito Santo está para
convertê-los e, para esse fim, os convence da verdade divina. A razão pela
qual o pecado contra o Espírito Santo é imperdoável vem de ser ele resistência
maldosa e persistente à obra de conversão e santificação do Espírito Santo,
pela qual, unicamente, os pecadores são salvos.
Os calvinistas erram ao ensinarem que o pecado contra o Espírito Santo
é imperdoável por haver Deus, desde a eternidade, predeterminado para a
condenação aqueles que resistem à verdade divina maldosamente. Contra
esse erro, pode-se demonstrar que Cristo desejara sinceramente salvar os
próprios fariseus que rejeitaram a sua Palavra e cometeram o pecado contra o
Espírito Santo. (Mt 12.22-32; 23.37)
A pergunta sobre se o pecado contra o Espírito Santo ainda ocorre, recebe
a resposta afirmativa, visto que M t 12.31,32 e as passagens paralelas são
afirmações generalizadas e, assim, se referem a todos os tempos. De 1 Jo 5.16,
concluímos que, em certos casos, se podem conhecer aqueles que cometem o
pecado contra o Espírito Santo; porque, nessa passagem, pede-se aos crentes
que não intercedam por eles. ("Por esse não digo que rogue.") Ao mesmo tempo,
não devemos ser precipitados, culpando deste pecado uma pessoa que nos dê a
impressão de ser culpada dele, mas, pelo contrário, prosseguir no testemunho
da verdade sempre que tivermos oportunidade, advertindo o malfeitor contra a
terrível ofensa que nosso Senhor condena com energia, assim como ele próprio
advertiu seriamente os fariseus contra ela. (Mt 12.22-32)
Se Hb 6.4-6 e 10.26,27 tratam do pecado contra o Espírito Santo, é uma
pergunta que cabe à exegese responder, embora muitos eruditos creiam que ambas
essas passagens falem desse pecado. Em Hb 12.17, o termo "arrependimento" se
refere antes a Isaque do que a Esaú, sendo este o sentido do texto: que Esaú não
pôde, com todas as suas lágrimas, convencer o pai a mudar de idéia e fazer reverter
em seu benefício a bênção de Jacó. (Gn 27.34-38)
Dogmática Cristã

Somente a graça de Deus nos pode preservar do pecado contra o Espírito


Santo. Se dependessem de si mesmos, todos os que foram alvos da graciosa
operação do Espírito de Deus cometeriam esse pecado horrendo. Todos os
que se sentem com o espírito muito atormentado, porque temem haver
cometido esse pecado, encontram conforto no fato de que esse pecado
imperdoável é cometido apenas por quem repele com desdém e rejeita a graça
de Deus em Cristo Jesus. Porém, não é feito por aqueles que se arrependem
dos seus pecados e anseiam o perdão que o Evangelho oferece. A esses dizem
respeito passagens como Mt 11.28; 9.13; Jo 6.37.

OUTRAS
CLASSIFICAÇOES
1. Pecados ocultos e mar?ifestos. São pecados ocultos os que são conhecidos
somente pelo transgressor (SI 32.3-5), ou, além dele, apenas por
algumas pessoas mais que, correta ou erradamente (Mt 18.15-16;
Lv 5.1; Pv 29.24), querem que permaneçam ocultos. Pecados
manifestos são os que se tornaram do conhecimento de muitos. (1
Tm 5.20; 1 Co 5.1) Essa divisão é de muita importância para um
tratamento correto em casos de disciplina cristã.
Pecados pessoais e pecados alheios cuja culpa partilhamos. Pecados
pessoais são aqueles que o próprio pecador comete. (2 Sm 12.13)
Pecados alheios, cuja culpa partilhamos, são transgressões cometidas
por outras pessoas com a nossa sanção, nosso consentimento ou
nossa ajuda. Partilhamos os pecados de outros, quando ordenamos,
aconselhamos as suas más ações, consentimos nelas ou somos
coniventes. Igualmente, quando não nos opomos à prática do pecado
nem prestamos informações a seu respeito, de sorte que nos tornamos
responsáveis morais por tais pecados. (2 Sm 11.15-21)
As Sagradas Escrituras admoestam-nos de maneira enfática contra a
participação nos pecados de outros. (Ef 5.7,11; 1 Tm 5.22; 2 Jo 11; Ap 18.4)
Os crentes evitam os falsos mestres, para que não tenham parte nas ofensas
que causam, divulgando doutrina falsa. (2 Jo 11; 2 Co 6.14-18; Rm 16.17,18)
Pecamos nesse ponto, também, quando sentimos prazer nos pecados de outros.
(Rm 1.32) Tal prazer nos pecados alheios é despertado, especialmente, quando
damos ouvidos a conversações imorais ou blasfemas (1 Co 15.33; Ef 4.29; 1
Tm 6.20; 2 T m 2.16) ou nos associamos com malfeitores em geral. (unionismo,
SI 1.1; Ef 5.11; SI 26.4,5)
Entre os efeitos do pecado original, devemos citar, também, a perda do
livre-arbítrio em assuntos espirituais. O termo "livre-arbítrio" (liberum
arbitrium) é empregado em duplo sentido. Em primeiro lugar, designa a
faculdade de querer @cultas volendi), pela qual se distingue o ser humano de
todas as criaturas irracionais. O livre-arbítrio, nessa acepção, é chamado
também liberdade formal ou liberdade de coerção (libertas a coactione).
Quando empregamos o termo nesse sentido, dizemos que o ser humano
não perdeu o seu livre-arbítrio com a queda em pecado; visto que, apesar de
ser tão pervertido, o ser humano corrupto, que não pode senão pecar (non
potest non peccare), não obstante, não peca contra a sua vontade, mas de livre
vontade. Ele nunca é coagido a pecar, mas comete pecado por sua livre escolha.
(Jo 8.44) Hutter escreve: "Às vezes o termo vontade ou escolha é empregado
para designar faculdade da alma, realmente a verdadeira substância da própria
vontade, cuja função é, simplesmente, a de querer. Considerado dessa maneira,
dificilmente haverá quem negue o livre-arbítrio ao ser humano." Gerhard:
"Aqui não entra em questão se a essência da vontade teria sobrevivido à queda
em pecado; porquanto o sustentamos enfaticamente, a saber, que o ser
humano não perdeu o seu arbítrio, porém a integridade dele." (Doctu. Theol.,
p.260)
O termo "livre-arbítrio", no entanto, tem sido empregado, também, no
sentido de "poder espiritual" pelo qual o ser humano seria capaz de desejar o
que é espiritualmente bom, preparar-se para a graça divina, cumprir a Lei
divina em verdadeiro amor de Deus, aceitar e crer o Evangelho e, dessa maneira,
converter-se inteiramente, ou, pelo menos, cooperar na sua conversão. A fim
de distinguir o "livre-arbítrio", neste sentido, da mera faculdade de querer, os
dogmáticos chamaram-no liberdade espiritual (libertas spiritualis) ou liberdade
material.
Quando empregado nesse sentido, o termo "livre-arbítrio", baseados na
Escritura, negamos energicamente que o ser humano, depois da queda, tenha
"livre-arbítrio". (1 Co 2.14): "O ser humano natural não aceita as coisas do
Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas
se discernem espiritualmente". (Jo 6.44): "Ninguém pode vir a mim, se o Pai
que me enviou não o trouxer". (Rm 8.7): "O pendor da carne é inimizade
contra Deus, pois não está sujeito à Lei de Deus, nem mesmo pode estar". (Ef
2.1): "Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados."
Dogmática Cristã

Se, pois, o ser humano natural não compreende as coisas espirituais,


porém as considera loucura, na verdade, se está morto em ofensas e pecados
e é inimizade contra Deus, então certamente se acha destituído do poder de
querer o que é espiritualmente bom, de aplicar-se à graça de Deus e de preparar-
se para a sua conversão ou cooperar nela. Gerhard escreve: "Tomando o termo
liberdade como descrição do livre poder da faculdade de escolher o bem e
rejeitar o mal de que Adão era possuidor, sustentamos que Lutero andava
perfeitamente certo ao dizer: 'O livre-arbítrio é um título sem a coisa em si,
ou uma coisa composta de nada mais do que um título!'
A Fórmula de Concórdia diz algo parecido: "Em coisas espirituais e divinas,
que dizem respeito à salvação da alma, é como coluna de sal, como a mulher
de Ló, sim, qual tronco e pedra, como estátua morta, que não usa olhos nem
boca, sentidos ou coração. Pois o ser humano não vê nem reconhece a terrível
e furiosa ira de Deus sobre pecado e morte, porém sempre continua em sua
segurança, mesmo ciente e voluntariamente, e com isso entra em mil perigos,
e finalmente na morte e condenação eternas. E aí nenhuma prece, nenhuma
súplica, nenhuma admoestação ajuda [..Iaté todo ensino e se perde
no caso dele antes de ser iluminado, convertido e regenerado pelo Espírito
Santo." (Decl. Sól., 11, 20.21) E novamente: "A Escritura nega ao intelecto,
coração e vontade do ser humano natural toda aptidão, habilidade, capacidade
e faculdade de pensar, entender, poder, começar, querer, empreender, fazer,
operar algo de bom e justo ou cooperar em algo de bom ou justo, em coisas
espirituais, como de si mesmo. (2 Co 3.5; Rrn 3.12; Jo 8.37; 1.5; 1 Co 2.14;
Rm 8.7; Jo 15.5; Fp 2.13)", (Decl. Sól., 11, 12-14)
As nossas Confissões ensinam que, em assuntos espirituais, o ser
humano não tem livre-arbítrio, mas admitem, firmadas na Escritura, que a
vontade do ser humano natural é livre em questões terrenas e, até certo
ponto, no exercício da justiça civil (iustitia civilis, carnalis, operum). A Apologia
da Confissão de Augsburgo afirma: "A vontade humana é livre na escolha de
obras e coisas que a razão por si mesma compreende. Pode, de algum modo,
realizar a justiça civil ou das obras, pode falar de Deus, oferecer a Deus certo
culto através de obra exterior, impedir as mãos de cometerem assassínio,
adultério, furto. Como ficou em a natureza humana razão e juízo com respeito
a coisas sujeitas aos sentidos, ficou também a escolha dessas coisas, bem
como a liberdade e faculdade de praticar a justiça civil." (Art. XVIII, 4)
A restrição feita aqui, a saber, de que, nas coisas enumeradas acima, o
ser humano dispõe de livre-arbítrio apenas "de certo modo" (aliquo modo), é
muito importante, pois, por natureza, está morto em ofensas e pecados e
preso no poder de Satanás. (Ef 2.2; C1 1.13; 2 T m 2.26; At 26.18) A sua justiça
civil deixa muito a desejar. A Apologia acrescenta com exatidão: "Ainda que o
poder da concupiscência é tal, que os seres humanos obedecem mais
frequentemente às más paixões do que ao reto juízo. E o diabo, que é eficaz
nos ímpios, como diz PauIo, não cessa de incitar essa natureza há@ ã L-&<,-
delitos. Eis as razões por que até a justiça civil é rara entre os seres humaos.
Pois vemos que nem mesmo os filósofos, que parecem haver aspirado a essc
justiça, a lograram alcançar." (Art. XVIII, 5)
A doutrina escriturística, segundo a qual o ser humano não tem. de
modo nenhum, livre-arbítrio em assuntos espirituais, mas é completamente
cego, morto e inimigo de Deus, sempre foi negada de maneira absoluta pelos
sinergistas e semipelagianos. A Fórmula de Concórdia descreve o erro sinergista
como segue: "O ser humano não está inteiramente morto para o bem no que
diz respeito às coisas espirituais, mas gravemente ferido e meio morto. Por
isso, ainda que o livre-arbítrio é demasiadamente frágil para fazer o início, e
converter-se, com as próprias forças, a Deus, e obedecer de coração à Lei de
Deus, contudo, depois de o Espírito Santo haver feito o início, e nos chama
pelo Evangelho, e oferece sua graça, o perdão dos pecados e a vida eterna, que
então o livre-arbítrio, de suas próprias forças naturais, pode encontrar-se com
Deus, e, em certa medida, embora pouco e com fraqueza, fazer algo neste
sentido, ajudar e cooperar, preparar-se para a graça, aplicar-se a ela, apreender
e aceitá-la, crer no Evangelho, também cooperar, de suas próprias forças, com
o Espírito Santo na continuação e conservação dessa obra." (Decl. Sól., 11, 77).
Em oposição a esse erro, a Fórmula de Concórdia declara: "Em coisas
espirituais e divinas, o intelecto, coraçáo e vontade do ser h u m a n o
irregenerado, com suas forças naturais absolutamente nada podem entender,
crer, aceitar, pensar, querer, começar, realizar, fazer, operar, e em absolutamente
nada podem cooperar, estando, ao contrário, inteiramente mortos para o bem
e corrompidos, de modo tal, que na natureza do ser humano, depois da queda
e antes do renascimento, não restou nem existe uma centelhazinha sequer
das forças espirituais e com a qual pudesse, de si mesmo, preparar-se para a
graça de Deus, ou aceitar a graça oferecida, nem é capaz para ela por si e de si
mesmo, nem pode aplicar-se ou adaptar-se à graça, nem pode, de suas próprias
forças, por si mesmo, como se partisse dele, (241) ajudar, fazer, operar ou
cooperar quanto à sua conversão, nem inteiramente, nem pela metade, nem
com qualquer parte, mínima ou diminuta, senão que é 'escravo do pecado',
Jo 8.34, e prisioneiro do diabo, pelo qual é movido. Ef 2.2; 2 T m 2.26. De
sorte que o livre-arbítrio natural, segundo a sua disposição e natureza
pervertidas, é vigoroso e ativo apenas para aquilo que desagrada a Deus e lhe
é contrário." (Decl. Sól., 11, 7)
Entre os argumentos que se empregaram para fazer frente à doutrina
escriturística acerca da perda total do livre-arbítrio por parte do ser humano
e m questões espirituais, podem-se considerar os seguintes como os mais
importantes:
1. Tem de ser verdade que o ser humano natural possui livre-arbítrio em
assuntos espirituais, uma vez que Paulo declara que "os gentios
Dogmática Cristã

procedem por natureza de conformidade com a Lei". (Rm 2.14)


Resposta: Paulo descreve, aqui, tão somente a obediência externa
(quoad materiali) dos gentios e não a verdadeira obediência, que emana
da fé e do amor para com Deus (quoad formale); pois o mesmo apóstolo
declara que estão sem Deus e sem esperança no mundo (Ef 2.12), são
estranhos a Deus (C1 1.21), e seus inimigos. (Rm 8.7) Apesar de que
os gentios podem, de certo modo, exercitar-se na prática da justiça
civil (iustitia civilis), são incapazes de praticar a justiça espiritual (iustitia
spiritualis). Homo reiicit evangelium natura, credit gratia.
O ser humano natural tem de, forçosamente, possuir livre-arbítrio
em assuntos espirituais, visto que Deus lhe ordena que obedeça à
Lei e creia no Evangelho. (Mt 22.37-39; At 16.31) Resposta: Da ordem
divina, não podemos deduzir a capacidade humana para cumprir a
ordem divina. ( A praecepro divino a d posse humanum non valet
consequentia.) A mesma Palavra de Deus que exige obediência à Lei
(C1 3.10) e fé no Evangelho (Mc 1.15; At 16.31), também ensina que
o ser humano natural não pode obedecer à Lei (Ec 7.20; S1 143.2; 1s
64.6), nem crer em Cristo por sua própria força. ( ] o 6.44; 2 Co 3.5).0s
mandamentos da Lei são, igualmente, inúteis (adhortationes legales)
(Lc 10.28). As exortações do Evangelho são vãs. (adhortationes
evangelicae) (Mt 11.28) Por meio da Lei, o Espírito Santo opera o
conhecimento do pecado (Rm 3.20), enquanto por meio do
Evangelho, opera a fé. (Rrn10.17; 1 Co 12.3) A boa e graciosa vontade
de Deus é, efetivamente, cumprida no pecador, que é chamado ao
arrependimento pela pregação da Palavra divina.
3. O ser humano natural deve, forçosamente, possuir livre-arbítrio em
assuntos espirituais, visto que a sua conversão sem cooperação
implicaria coerção da parte de Deus. Resposta: A conversão do pecador
é realmente obra da onipotência de Deus (Ef 1.19); não é, porém,
um poder irresistível ou coercivo, uma vez que se pode resistir a ele.
(Mt 23.37) Contudo, a própria natureza da conversão exclui a idéia
de coerção, pois consiste essencialmente na atração do pecador pelo
próprio Deus (Jo 6.44), o que se efetua pelos meios da graça. (Rm
10.17) Diz a Fórmula de Concórdia: "Também (condenamos) o
emprego, sem explanação, das expressões que seguem: que a vontade
do ser humano resiste ao Espírito Santo antes da conversão, na
conversão e depois dela, e que o Espírito Santo é dado àqueles que
lhe resistem propositada e persistentemente. Pois, como diz
Agostinho (48), na conversão Deus faz dos nolentes volentes e habita
nos volentes. (Epít., 11, 15)
4. O ser humano natural tem de, forçosamente, possuir livre-arbítrio
em assuntos espirituais, visto que Deus opera apenas o poder para
A Doutrina do Livre-Arbítric

crer, porém não a própria fé. Resposta: Esse argumento repousa sobre
falsa premissa; pois "Deus é quem efetua em vós tanto o querer como
o realizar, segundo a sua boa vontade." (Fp 2.13) (cf. também Ef
1.19; Fp 1.29) Em outras Palavras, precisamente a fé, pela qual somos
salvos, é dom gracioso e obra de Deus.
5. O ser humano natural tem de, forçosamente, possuir livre-arbítrio
em coisas espirituais; pois, sem a sua cooperação na conversão, não
seria ele, mas o Espírito Santo que creria. Resposta: O engano de que
esse argumento vem impregnado, torna-se claro, quando
consideramos que, embora a vida temporal seja dom de Deus,
conferido ao ser humano sem a sua cooperação, a pessoa assim dotada
de vida vive por si mesma, de sorte que Deus não vive por ela. Dá-se
o mesmo com a fé, que realmente é dom de Deus, todavia, ao mesmo
tempo, um dom que o próprio crente possui. (2 Tm 1.12): "Eu sei
em quem [eu] tenho crido."
6. O ser humano natural forçosamente deve possuir livre-arbítrio em coisas
espirituais, visto que pode ler a Bíblia, ouvir a Palavra de Deus, exercitar-
se na justiça civil, etc. Resposta: Todas essas obras são apenas externas
e não o fruto de fé sincera em Cristo e de sincero amor a Deus. Aquele
fariseu que se presumia justo em si mesmo, continuou inconverso,
mesmo havendo feito tudo isso e mais ainda. (Lc 18.10-14)
7. O ser humano natural tem de possuir livre-arbítrio em coisas
espirituais; pois, se pode condenar-se por não crer, segue-se daí, com
lógica irresistível, que também pode salvar-se, desejando crer.
Resposta: A Escritura ensina enfaticamente que um não resulta do
outro. (Os 13.9)
Todas essas e outras objeções ao monergismo divino na conversão
provêm do coração carnal, que é tão orgulhoso quanto presume ser justo em
si mesmo. Aqueles que apresentam esses argumentos podem ser divididos
em três classes:
a- "Rejeitamos também o erro dos pelagianos crassos, os quais ensinaram
que o ser humano, com suas próprias forças, sem a graça do Espírito
Santo, pode converter-se a si mesmo a Deus, crer no Evangelho,
obedecer de coração à Lei de Deus e assim merecer perdão dos pecados
e vida eterna." (Fórmula de Concórdia, Epít., 11, 9)
b- "Rejeitamos outrossim o erro dos semipelagianos (44), os quais
ensinam que o ser humano pode, com as próprias forças, iniciar sua
conversão, não podendo, entretanto, completá-la sem a graça do
Espírito Santo. (45)" (Epít. 11, 10)
c- Os sinergistas ensinam que " [...I depois que o Espírito Santo, com a
pregação da Palavra, fez o começo e nela ofereceu sua graça, pode
Dogmática Cristã

então, de suas próprias e naturais forças, acrescentar algo, bem que


pouco e debilmente, ajudar e cooperar, qualificar-se, preparar-se para
a graça, apreender e aceitá-la, e crer no Evangelho." (Epít. II,11)
Do sinergismo crasso de Melanchthon, que ensinou que o ser humano
pode cooperar na sua conversão pelas suas faculdades naturais, diferenciamos
o sinergismo sutil dos dogmáticos mais recentes. (Latermann) Alegam eles
que o ser humano pode cooperar na sua conversão com poderes espirituais
conferidos pelo Espírito Santo. As modalidades situam a causa da conversão
e salvação no próprio ser humano. Porém o ser humano não coopera para a
sua conversão, nem mediante faculdades naturais nem espirituais; visto que,
por natureza, é inimigo de Deus. As faculdades espirituais lhe foram conferidas
a fim de o converter a Deus.
A respeito desse ponto, a Fórmula de Concórdia ensina: "Por esse meio, a
saber, a pregação e audição de sua Palavra, Deus opera, quebranta-nos o
coração, e atrai o ser humano, de modo que pela pregação da Lei chega ao
conhecimento de seus pecados e da ira de Deus, e experimenta no coração
terror, contrição e pesar verdadeiros, e pela pregação e meditação do santo
Evangelho do gracioso perdão dos pecados em Cristo acende-se nele uma
centelhazinha de fé que aceita o perdão dos pecados por amor de Cristo e se
consola com a promessa do Evangelho. E assim o Espírito Santo (que opera
tudo isso) é introduzido no coração. (C1 4.6)" (Decl. Sól., 11, 54)
1. A NECESSIDADE
DA GRAÇADIVINA
Conforme o ensinamento expresso das Sagradas Escrituras, nenhum
ser humano, depois da queda, pode ser justificado e salvo pelas obras da Lei,
ou seja pelas boas obras. (Rm 3.20): "Ninguém será justificado diante dele
por obras da Lei." Todos os que se empenham por adquirir a salvação pelas
obras da Lei, não serão justificados, mas condenados. (G1 3.10): "Todos
quantos, pois, são das obras da Lei, estão debaixo da maldição." A razão disso
reside no fato de que nenhum ser humano, depois da queda, pode cumprir a
Lei divina ou satisfazer as exigências da justiça divina. (Rm 3.10): "Não há
justo, nem sequer um." (3.23): "Todos pecaram e carecem da glória de Deus."
Daí, pelas exigências da Lei divina, todos os seres humanos, depois da queda,
estão perdidos e condenados para sempre. (Mt 19.26; Rm 8.3,4)
Segundo a Escritura ensina claramente, é vontade graciosa de Deus
que nem um pecador se perca. (2 Pe 3.9; 1 T m 2.4) Por esse motivo, Deus,
muito misericordiosamente, providenciou u m meio de salvação pelo qual
todo pecador pode ser salvo. (Jo 3.16; M t 18.11) É o meio da graça, pela fé em
Cristo, sem as obras da Lei. Rm 3.24: "Sendo justificado gratuitamente, por
sua graça, doorean tee autou cháriti, mediante a redenção, diá tees apolytróoseoos
(o resgate), que há em Cristo Jesus." (Ef 2.8,9): "Pela graça sois salvos, mediante
a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus. Não de obras, para que ninguém
se glorie." Esse gracioso meio de salvação é revelado no Evangelho, razão pela
qual é chamado "Evangelho da graça de Deus." (At 20.24) A doutrina da
salvação pela graça mediante a fé é, a u m só tempo, o artigo básico e distintivo
do Cristianismo, pelo qual se distingue de todas as religiões de feitura humana
como única religião verdadeira e divina. (Mc 16.15,16; At 4.12) Enquanto
todas as religiões de feitura humana ensinam a salvação pelas obras, o
Cristianismo proclama como mensagem central e fundamental a graciosa
remissão dos pecados pela fé em Cristo Jesus. (At 10.43; 26.18)
Visto que o ser humano pecador é salvo somente pela graça, entender-
se-ão como relacionadas com a graça salvadora todas as declarações
escriturísticas de que os pecadores são salvos pelo Evangelho (Rm 1.16), ou
pelo Batismo (1 Pe 3.21), ou pela fé. (Lc 7.50) Eles descrevem os meios pelos
quais a graça salvadora é conferida ao pecador e sem nenhum mérito ou obra
Dogmática Cristã

da parte dele. Ser salvo pelo Evangelho, pelo Batismo, pela fé, etc., equivale a
dizer ser salvo pela graça, sem as obras da Lei, pelos meios designados por
Deus, somente pelos quais os méritos de Cristo podem ser recebidos.
Do ponto de vista do ser humano caído, falamos da necessidade da
graça divina, uma vez que, sem a graça, é impossível que o pecador seja salvo.
Do ponto de vista de Deus, porém, a graça não deve ser considerada necessária,
mas livre, pois Deus não se viu impelido por nenhuma necessidade inerente
à sua essência a salvar a humanidade culpada, porém unicamente por sua
misericórdia e compaixão. (Jo 3.16; Lc 1.78) Deus est causa libera beatitudinis
nostrae. A opinião de que a redenção do mundo tenha sido um desdobramento
necessário da essência divina deve ser rejeitada como ilusão panteísta.

2. DEFINIÇAO DIVINA
DA GRAÇA
Graça salvadora (gratia salvifica, charis sootéerios), pela qual Deus se vê
impelido a perdoar o pecado e conceder a salvação à humanidade caída, é a
sua disposição graciosa (gratuitus Dei favor), ou inclinação benevolente,
proporcionada por mediação da satisfação vicária de Cristo revelada no
Evangelho e testificada perante o mundo, a fim de que possa ser crida por
todos os seres humanos. (Rrn 3.24,25; Jo 20.31) Lutero: "A afeição ou favor
de Deus que ele em si mesmo nutre por nós"; Gottes Huld oder Gunst, die er
zu U N S tragt bei sich selbst. Gratia dei aliquid in Deo, sc. affectus Dei benevolus,
est non qualitas animi in hominibus. São sinônimos de graça, nessa acepção,
amor (Jo 3.16), misericórdia (Tt 3.5), benignidade (Tt 3.4), etc. Em sua
totalidade, esses termos descrevem, de modo mais completo, a disposição
benevolente de Deus pela qual ele é impelido, não a condenar, mas a salvar a
humanidade perdida mediante a fé no seu amado Filho.
Ainda que o termo graça propriamente designe o favor imerecido de
Deus em Cristo Jesus, a Escritura o emprega, também, para descrição dos
dons espirituais ou virtudes excelsas que Deus, como Senhor gracioso que é,
opera em todos os crentes e, por efeito das quais, estes começam a cumprir a
Lei (serviço voluntário e fiel, 1 Pe 4.10; paciência no sofrimento, 1 Pe 2.19;
administração conscienciosa do ministério da pregação. Rm 15.15,16; etc.).
Nesse caso, o efeito é, por metonímia, designado pela causa, ou seja, os dons
da graça são designados pela sua fonte divina. Nomen gratiae per metonymiam
[effectus pro causa] pro donis ex benevolentia Dei in nos collatis sumitur.
A graça, nesse sentido, deve ser excluída como causa do perdão dos
pecados e da salvação, uma vez que a Escritura ensina que o pecador é
justificado e salvo sem as obras da Lei. (Rm 3.28; Ef 2.8,9) O crente não deve
a sua salvação a uma graça inerente ou infusa, ou seja, à graça que há nele,
porém unicamente à disposição benevolente em Deus ou o gratuitus Dei favor.
Em outras Palavras, ao dizermos que somos salvos pela graça, não nos referimos
à graça divina como se manifesta em nós, mas como se encontra fora de nós:
em Deus. Dessa maneira, também, a fé não justifica e salva porque fosse
uma boa qualidade (nova qualitas) ou uma boa obra (opus per se dignun) ou
um dom de Deus (donum Spiritus Sancti) ou a fonte das boas obras em nós,
porém unicamente porque é o órgão recipiente (órganon leeptikón) mediante
o qual o ser humano que, em si mesmo é ímpio, se apropria da graça de Deus
e dos méritos de Cristo por meio da confiança implícita nas promessas do
Evangelho.
Em síntese, a fé justifica tão somente por virtude do seu objeto, que é
Jesus Cristo, o crucificado. (C1 2.16; 1 Co 2.2) Lutero: Non per se aut virtude
aliqua intrinseca fides iustificat, sed simpliciter quatenus habet se correlative ad
Christum. A Escritura ensina claramente essa verdade, opondo a fé às obras
sempre que descreve a maneira pela qual o pecador é justificado. (Rm 4.5):
'Ao que não trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é
atribuída como justiça." (Ef 2.8,9): "Pela graça sois salvos, mediante a fé [...I
não (vem) de obras."
Essa rigorosa distinção entre graça como imerecido favor de Deus e
graça como dom de Deus (donum gratiae), no artigo da justificação, é da maior
importância, pois todos quantos ensinam que a graça, na acepção de graça
infusa kratia infusa), é a causa da justificação, inculcam a salvação pelas
obras e caíram da graça. (GI 5.4) Na realidade, mesmo que conservem a
terminologia cristã, ensinam a doutrina pagã da justiça pelas obras.
A confusão perniciosa de graça e dons da graça é o erro básico da Igreja
Católica Romana que, nas Decisões do Concílio de Eento (Sess. VI, Cân. XI),
amaldiçoou a definição da graça justificadora como sendo o gratuitus Dei
favor. É forçoso que se exclua a graça infusa desse favor divino. Contudo,
também os reformados se vêem obrigados a estar na dependência da graça
infusa para a justificação, visto negarem que a graça de Deus (gratia universalis)
seja oferecida a todos os pecadores no Evangelho e nos sacramentos. São,
pois, compelidos a depender, para certeza pessoal de sua justificação, de alguma
coisa dentro deles mesmos; ou de sua renovação ou suas obras, em síntese,
da graça infusa. O mesmo se aplica a todos os entusiastas que admitem uma
operação reveladora e santificadora do Espírito Santo à parte dos meios da
graça designados por Deus (a Palavra e os sacramentos), não importa por que
nome sejam conhecidos. Zwínglio, em Fidei Ratio: "Dux autem vel vehiculum
Spiritui non est necessarium." Uma vez que o crente, nesse caso, não pode fiar-
se, para sua justificação e salvação, nas promessas objetivas de Deus, é forçoso
que se fie na sensação da graça (sensus gratiae) dentro do seu coração, ou na
graça divina como se manifesta nele.
Verdade é que, onde a graça de Deus em Jesus Cristo é aceita em
verdadeira fé, as boas obras ocorrem necessariamente e, vez que outra, a
reconfortante sensação da graça divina estará presente também. Se, porém, o
Dogmática Cristã

crente depositar a sua confiança na sua renovação espiritual ou na presença


da graça no coração, estará negando a obra perfeita da redenção realizada por
Cristo, a reconciliação objetiva efetuada por ele. (2 Co 5.19) Com isso, a
essência da fé justificadora é negada igualmente. Essa essência consiste na
confiança nas divinas e objetivas promessas de graça. (Rrn 4.18,25) Em última
análise, é preciso que se negue, também, a certeza da salvação. Se a salvação
é fundamentada em boas obras, a esperança do céu é absolutamente fútil
nessa pessoa.
Reafirmando a correta definição da graça justificadora como gratuitus
Dei favor e excluindo dela o falso conceito da graça infusa, corrigindo o próprio
Sto. Agostinho, a Igreja da Reforma voltou à pureza apostólica da fé cristã. A
Igreja Luterana confessional da América segue as pegadas do grande Reformador.
No artigo da justificação, faz rigorosa distinção entre graça e dons da graça,
ou entre o imerecido favor de Deus e os seus benefícios no coração do crente.
Por essa razão, dá t e s t e m u n h o constante contra o CatoIicismo, o
Zwinglianismo e os entusiastas, como ainda contra o Sinergismo
(Arminianismo), que nega o sola gratia e situa no ser humano, até certo ponto,
a causa de sua justificação (aliquid in homine), induzindo-o, dessa maneira, a
confiar tanto na graça divina como na bondade humana para sua salvação.
Os sinergistas incluem a conduta moral do ser humano, ou sua
autodecisáo, ou sua atitude correta para com a graça na fé justificadora. Os
arminianos insistem em que a fé justificadora abranja, também, a necessidade
das boas obras. Segundo o seu ensino, o crente, ao procurar a certeza de sua
salvação, deve confiar na graça divina dentro dele mesmo (gratia infusa) ou
seja, na sua santificação.
Do afirmado acima, torna-se evidente o quanto é importante para o
teólogo cristão manter a definição escriturística da graça justificadora;
porquanto, sem ela, não poderá ensinar a doutrina verdadeira da justificação
conforme se acha revelada no Evangelho, nem excluir da justificação a doutrina
da salvação pelas boas obras, tampouco poderá confortar devidamente
qualquer pecador que busca a certeza da salvação. Por conseguinte, onde
quer que se perverta a doutrina escriturística da graça justificadora, toda a
doutrina cristã ficará corrompida e paganizada. Foi por esse motivo que Lutero
e todos os teólogos luteranos ortodoxos insistiram tão energicamente em
que na Igreja se ensinasse esta doutrina bíblica: que a graça justificadora é o
imerecido favor de Deus em Cristo Jesus. A Apologia declara: "É necessário
reter na Igreja de Cristo o Evangelho, isto é, a promessa de que os pecados são
remitidos gratuitamente, por amor de Cristo. De todo abolem o Evangelho
os que nada ensinam concernente a fé da qual falamos." (Art. IV 11, 120)
Chemnitz diz: "Gratia in articulo iustificationis intelligenda est de sola gratuita
misericordia Dei." Com essa definição da graça justificadora, a Igreja Cristã
permanece ou cai (articulus stantis et cadentis ecclesiae).
A G r a ~ ade Deus para com a Humatzidade Pecadora

3. Os ATRIBUTOS
DA GRAÇAJUSTIFICADORA
Os atributos, ou adjuntos, da graça justificadora são como segue:
a. A graga justificadora é graça em Cristo. A graça justificadora não é
graça absoluta, ou seja, uma graça concedida ao pecador mediante
um "haja" da vontade soberana de Deus, porém uma graça mediada
por Cristo, graça em Cristo, ou por amor de Cristo. Conforme as
Escrituras, Deus só é gracioso para com a humanidade pecadora e
condenada, em vista do fato de o seu Filho encarnado ter resgatado
todos os pecadores da maldição e condenação da Lei mediante a sua
satisfação vicária (satisfactio vicaria). (Rm 3.24): "Sendo justificados
gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo
Jesus." O preço que Cristo pagou pela redenção da humanidade
pecadora consistiu em sua submissão à obrigação (Gl4.4,5 obedientia
activa), à maldição e ao castigo (C1 3.13 obedientia passiva) da Lei
divina que o ser humano havia transgredido.
A graça divina, portanto, não exclui a justiça divina (iustitia Dei
vindicativa); porém, pelo contrário, pressupõe a satisfação de suas exigências
mediante a morte vicária de Cristo. (Rm 8.3,4) Por esse motivo, o Evangelho,
que oferece a graça divina a todos os seres humanos (Tt 2.11), não é uma
mensagem de graça separada da morte de Cristo (modernistas, racionalistas,
Harnack: "O Filho de Deus não cabe no E~angelho'~), mas "a Palavra da
Reconciliação", logos tees katallagees (2 Co 5.19), isto é, a mensagem única
de que Deus "nos reconciliou consigo mesmo por Jesus Cristo", ou de que
"Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo."
A Escritura não permite margem para uma graça sem o pagamento da
penalidade do pecado do ser humano. Deus não perdoa o pecado, ignorando
a sua justiça nem aceita o preço inútil de resgate (as boas obras) que os seres
humanos lhe oferecem no intuito de satisfazer as exigências externas de sua
justiça. Só pelo indizível sacrifício da obediência vicária de Cristo é que se
pode conseguir a graça divina para os pecadores. (Hb 7.26,27; Ef 2.13-16; C1
1.20-22) Dai o axioma: "14 graça divina e o merecimento humano se excluem
mutuamente; todavia a graça divina inclui os méritos divinos de Cristo."
Lutero escreve sobre o assunto com muita propriedade: "Já muitas vezes
tenho dito antes que não basta fé em Deus somente, porquanto é preciso
que se paguem também as custas. Também os turcos e judeus crêem em
Deus, todavia sem os meios e as custas. E a custa qual é< O Evangelho a
revela [...I Cristo ensina aqui que não estamos perdidos, mas que temos vida
eterna, isto é, que Deus nos amou ao ponto de estar disposto a pagar a custa,
pondo seu único e amado Filho em nossa miséria, no inferno e na morte,
fazendo-o bebê-lo até as fezes." (S. L., XI, 1085ss) Ainda: "Embora a graça
nos seja dada por nada, assim que nada nos custa, não obstante a alguém
Dogmática Cristã
outro custou muitíssimo em benefício nosso; pois foi obtida mediante um
tesouro incalculável, infinito, a saber, mediante o próprio Filho de Deus."
(Ibid.)
Inúteis e tolas são perguntas tais como: "Deus não poderia ter sido
gracioso para com os seres humanos em virtude do seu soberano poder como
supremo juiz, sem a satisfação de Cristo<" ou: "Isso não é uma idéia indigna
de Deus que a sua graça para com os pecadores tivesse de, primeiro, ser
comprada pela perfeita obediência de seu Filho<" O fato de que Deus é gracioso
para com os pecadores unicamente por amor de Cristo é estabelecido de modo
enfático em sua Palavra e deve ser crido por todos os seres humanos, caso
queiram alcançar a graça divina e a vida eterna. (2 Co 5.18-20) Todo aquele
que ensina ser Deus gracioso para com os pecadores sem a morte de Cristo
(unitários, modernistas, Ritschl, Harnack, etc.) rejeita a fé cristã, advoga
doutrina pagã e está fora dos muros da Igreja Cristã; porquanto a Igreja Cristã
é a comunhão de crentes que confiam na remissão graciosa dos seus pecados
mediante o sangue de Cristo. (G1 3.26; Ef 1.7) Chemnitz escreve: Extra
Christum nulla gratia et misericordia Dei erga peccatores nec debet nec potest recte
cogitari. (Harm. Ev., c. 28, p.152). Logo, os que negam a satisfação vicária de
Cristo, negam igualmente a graça de Deus.
A graça divina é, n o entanto, negada também por aqueles que
sustentam que a expiação de Cristo não era, em si mesma, suficiente para
que servisse de resgate, mas foi declarada e aceita como tal para absolvição
do pecador pela mera vontade do próprio Deus (teoria da aceptilação; os
adeptos de Scotus, arminianos). Em última análise, essa teoria atribui o perdão
dos pecados à soberana vontade de Deus e, assim, reduz o valor do
padecimento e morte vicários de Cristo. A Escritura, porém, fundamenta a
graça divina, não só em parte, mas totalmente, na obra expiatória de Cristo,
de sorte que não há, para os pecadores, senão a graça contida em Cristo
Jesus. (Rm 3.24; At 4.12) Conforme as Escrituras, as expressões uo Evangelho
da graça de Deus" (At 20.24) e "Jesus Cristo, e este crucificado" (1 Co 2.2),
são sinônimas, de forma que aquele que prega uma tem de forçosamente
pregar também a outra.
A Confissão de Augsburgo empresta ênfase a essa verdade, ao dizer:
"Ensina-se também que não podemos alcançar remissão do pecado e justiça
diante de Deus por mérito, obras e satisfação nossos, porém que recebemos
remissão do pecado e nos tornamos justos diante de Deus pela graça, por
causa de Cristo, mediante a fé, quando cremos que Cristo padeceu por nós e
que por sua causa os pecados nos são perdoados e nos são dadas justiça e vida
eterna. Pois Deus quer considerar e atribuir essa fé como justiça diante de si,
conforme diz São Paulo em Romanos 3 e 4 (31). (Art. IV cf. também Lutero,
S. L., XII, 261ss)
A Graça de Deus para com a Humanidade Ptxakr,i

b. A graça justificadora é universal (gratia universalis). O imerecido favor


e amor de Deus em Cristo Jesus estende-se, não só a alguns seres
humanos (os eleitos), mas a todos sem exceção. Gratia Dei salvifica
erga homines lapsos non particularis, sed universalis est. A Escritura
ensina essa verdade sublime em todas as passagens em que declara
a) que Cristo é o Salvador de todo o mundo, de todos os seres
humanos (Jo 3.16; 1.29; 1 Jo 2.2; 1 T m 2.4; T t 2.11); b) que Deus
deseja sinceramente ver salva cada pessoa individualmente (2 Pe 3.9;
Ez 33.11; 18.23,32); c) que a salvação foi adquirida mesmo para
aqueles que rejeitam a graça de Deus e se perdem em virtude da sua
incredulidade. ( M t 23.37; At 7.51; 1 C o 8.11; 2 Pe 2.1) A
universalidade da graça divina é negada por todo aquele que restringe
a finalidade e eficácia da graça divina aos eleitos (particularismo,
gratia particularis).
Aqueles que professam tal erro podem ser divididos em três grupos: a)
os supralapsarianos: Deus determinou fossem criados alguns para a
condenação; b) os infralapsarianos: Deus determinou fossem deixados alguns
n o estado de condenação n o qual haviam caído por sua própria culpa
kraeteritio); c) os amiraldistas (Moisés Amyraldo): Deus realmente oferece a
graça a todos, porém concede a fé somente aos eleitos.
Toda e qualquer forma de particularismo é antiescriturística, pois está
fundamentada no falatório de que, na realidade, nem todos os seres humanos
se salvam, Deus não deseja a salvação de todos. Ludibriados pelo seu erro,
todos os particularistas mantêm a afirmação de que o termo mundo (Jo 3.16;
1.29) significa "os eleitos". Substituem o conselho universal da graça (1 T m
2.4), pela voluntas signi, a qual é oposta à sua voluntas beneplaciti. Com isso, é
dito que Deus realmente quer salvar todos os seres humanos de acordo com
a vontade que revelou na Escritura (voluntas signi, a vontade revelada); todavia,
em sua vontade secreta (voluntas beneplaciti, a vontade do seu propósito),
que não vem revelada na Escritura, ele só quer salvar os eleitos.
Segundo a doutrina calvinista, Deus é a causa da não-salvação de alguns,
ao passo que a Escritura ensina com clareza que aqueles que não se salvam,
perecem em virtude de sua incredulidade, em virtude da rejeição da graça
divina. (Lc 7.30; At 13.46; 7.51; M t 23.37) Charles Hodge escreve: "Não é de
se supor que Deus pretenda o que nunca se efetua; que se proponha o que
não pretenda. Se nem todos os seres humanos se salvam, Deus jamais teve
em vista a sua salvação e jamais ideou e pôs em prática meios destinados a
alcançar tal objetivo. Somos obrigados a admitir que o restiltado é a interpretação
dos propósitos de Deus." (Syst. Theol., 11, 323)
No intuito de apoiar a doutrina do particularismo, o Sinodo de Dort
(1618-19) declarou que jamais se poderá resistir a Deus sempre que ofereça
Dogmática Cristã

seriamente aos seres humanos a sua graça (graça irresistível). Essa doutrina,
contudo, também é antiescriturística; pois a Bíblia afirma ser possível resistir
à operação do Espírito Santo feita mediante o Evangelho (At 7.51; Mt 23.37),
mesmo que a operação seja, em si mesma, operação do poder divino. (Ef 19.20)
Como no reino da graça é possível resistir-se a Deus, quando opera por meios,
assim também é no da natureza; pois a vida, que se origina e se mantém
somente pela onipotência divina (At 17.28), pode ser destruída pelo débil ser
humano. Não se pode resistir a Deus quando trata com o ser humano em sua
soberana majestade. (Lutero: in nuda maiestate, Mt 25.31s~)Quando, porém,
se acerca do ser humano pelo uso de meios, sempre é possível uma resistência
por parte deste.
Se for feita a objeção de que Deus se torna causa da condenação do
pecador, ao menos nos casos em que lhe endurece o coração (cf. o juízo divino
da obduraçáo), responderemos que, de acordo com a Escritura, Deus oferece
a sua graça com a maior seriedade mesmo àqueles que endurecem os seus
corações. (Rrn 10.21; Êx 5.lss) O juízo divino da obduração jamais é absoluto
ou arbitrário; Deus só endurece aqueles que se endureceram primeiro a si
mesmos por resistirem à sua Palavra e vontade. (Rm 11.7,20)
c. A graça justificadora é séria e eficaz (gratia seria et efficax). Apesar do
fato de se poder resistir à graça divina (gratia resistibilis), não a
devemos considerar um "desejo infrutuoso" ou "complacência
indiferente pela qual Deus não deseja efetuar ou obter as coisas que
lhe agradam7' (otiosa complacentia, nuda velleitas), porém considerá-
la séria e eficaz. Isto é, Deus tem o sincero propósito de, por meios
suficientes e eficazes, efetuar a salvação de todos os seres humanos.
(Rm 2.4; 1.16)
Essa verdade é comprovada a) pela ordem divina de que se pregue o
Evangelho a toda criatura (Mc 16.15,16) e se façam discípulos de todas as
nações. (Mt 28.19,20) Isso não se deve tomar por zombaria da parte de Deus;
b) por sua divina promessa de conceder o seu Santo Espírito a quantos ouçam
a sua Palavra a fim de que neles possa operar a fé salvadora. (Zc 12.10; At
2.17,18; Ez 11.19,20; 36.26,27; At 2,38; 7.51); c) por sua confortadora
afirmação de que, não só começará, como também efetuará, aperfeiçoará a
boa obra em todos os crentes. (Fp 1.6); d) pelo seu mais sério empenho em
operar a fé naqueles que resistem ao Espírito Santo (Mt 23.37; At 7.51), de
sorte que, os ímpios perecendo, fazem-no unicamente por sua incredulidade.
(2 C0 4.3,4)
A eficácia da graça divina, em oposição à Escritura, é negada a) por
todos os particularistas (calvinistas), que restringem aos eleitos o desejo eficaz
de Deus de efetuar a salvação nos seres humanos; b) por todos os sinergistas,
os quais ensinam que Deus só opera no ser humano a capacidade para crer,
não a própria fé, visto que esta, como dizem, depende da decisão ou boa
A Graça de Deus para com a Humanidade Pecadora

conduta ou da omissão de oposição maldosa por parte do próprio ser humano.


Todavia, conforme a Escritura, Deus não só concede o poder para crer, como
também a mesma fé. (Fp 1.29) Em oposição ao Pelagianismo e Sinergismo, a
Escritura ensina que todo aquele que crê em Cristo crê unicamente por virtude
da graça divina e não por seu próprio poder ou esforço (sola gratia), ao passo
que, por oposição ao Calvinismo, afirma que aqueles que permanecem na
incredulidade, não o fazem porque, no seu caso, a graça divina fosse ineficaz,
mas porque resistem ao Espírito Santo maldosamente.
É verdade que, mantendo nós a graça universal e séria por um lado
(gratia universalis, gratia seria et efficax) e, por outro, o sola gratia, surge a
pergunta: "Por que, pois, alguns se salvam e outros não< (cur alii, alii nonc),
embora, por natureza, todos os seres humanos estejam na mesma culpa e
corrupção (in eadem ~ u l p a ) < OS~ particularistas (calvinistas) respondem à
pergunta pela negação da gratia universalis; os sinergistas, pela negação do
sola gratia. Arnbas as soluções são igualmente alheias à Escritura, visto que a
Bíblia ensina, com a maior ênfase, a gratia universalis e o sola gratia. A Igreja
Luterana, de maneira nenhuma, se propõe solucionar a pergunta, porém a
considera um mistério insolúvel, que a razão humana não deve procurar
investigar. Estas são as duas verdades atinentes à salvação do ser humano
que as Sagradas Escrituras ensinam: a) quantos se salvam, somente pela graça
se salvam, sem nenhum mérito da sua parte; b) quantos se perdem, por sua
própria culpa se perdem. Nenhum teólogo cristão deve ir além desses dois
fatos revelados. (cf. a Fórm. de COMC., XI, 54-59)
Também referente aos gentios, temos de manter a gratia universalis,
porquanto as Sagradas Escrituras incluem todos os seres humanos no conselho
gracioso da salvação. Negar o claro ensinamento escriturístico da graça universal
pelo qual muitos gentios nunca recebessem o Evangelho da salvação, constitui
ofensa à própria graça divina que enriqueceu o mundo com a verdade salvadora.
(Mc 16.15; Mt 28.19) Fundamentados na Escritura, cremos, portanto, que a
vontade graciosa de Deus se estende, também, aos gentios, embora, de fato,
milhares deles pereçam sem o Evangelho. Também não devemos admitir que
os gentios se salvem sem os meios da graça designados por Deus. (Ef 2.12) As
Sagradas Escrituras ensinam que os meios da graça (a Palavra e os sacramentos)
são designados para a salvação de todos os pecadores. (Mc 16.15,16; Mt 28.19,20)
É antiescriturística a opinião de que os gentios se possam converter depois da
morte. (Hb 9.27) A passagem 1 Pe 3.18s~não trata de uma salvação que fosse
possível depois da morte, mas da condenação daqueles que, durante a sua vida
na terra, recusaram aceitar a Palavra salvadora de Deus.
Dogmática Crista

4. A TERMINOLOGLATEOL~GICA
CONCERNENTE
A DIVINA DA GRAÇA
VONTADE
O imerecido favor e amor de Deus que ele nutre por todos os pecadores
em Cristo Jesus é também chamado a boa e graciosa vontade de Deus. (1 T m
2.4: theós thelei) Fundamentados em claras passagens escriturísticas que
expõem a disposição de Deus para com a humanidade, dizemos que a vontade
divina é ordenada, condicional, antecedente e conseqüente, revelada e oculta.
É necessário cuidado para que esses termos sejam entendidos corretamente e
empregados convenientemente.
a. A vontade divina pela qual Deus deseja seriamente a salvação de
todos os seres humanos (voluntas guatiae) não é absoluta (voluntas
absoluta), mas ordenada (voluntas ordinata). Por isso, se alicerça na
obediência vicária de Cristo (sarisfactio vicaria) e, pelo que concerne
a Deus, compreende e m si os meios transmissores (Palavra e
sacramentos, media dotiká) e, pelo que concerne ao ser humano, os
meios receptores (a fé, medium leeptikón). Deus deseja sinceramente
salvar todos os seres humanos, porém somente por amor de Cristo e
pela fé, a qual ele mesmo opera no ser humano pelos meios da graça.
(Mc 16.15,16; Rm 10.17) Só se pode chamar a divina vontade da
graça absoluta no sentido de que é inteiramente independente de
merecimento e dignidade humanos. Não a consideramos, porém,
absoluta, quando atentarmos para o mérito de Cristo em que se
fundamenta.
b. A expressão vontade condicional (voluntas conditionata) é ambígua e
pode ser empregada tanto correta como erroneamente. Emprega-se
corretamente, quando tomada no sentido de vontade ordenada
(voluntas oudinata), vale dizer - quando expressa a importante verdade
de que Deus quer salvar os pecadores unicamente por Cristo, pelos
meios da graça e pela fé suscitada por estes. Emprega-se erroneamente,
quando tomada no sentido sinergista, que a salvação do ser humano
depende, ao menos em parte, de sua cooperação na conversão, ou que
a salvação do ser humano seria condicionada por sua boa conduta.
Se se fizer a objeção de que a própria Escritura condiciona a salvação do
ser humano à sua obediência, cumpre notar a distinção que fazemos entre a
vontade de Deus revelada na Lei e a sua vontade revelada no Evangelho
(Gesetzeswille, Evangeliumswille). A Lei divina exige de todos os seres humanos
perfeita obediência. (Mt 22.37-40; Lc 10.28) Semelhantes promessas da Lei
pressupõem sempre uma condição real; pois, se alguém guarda a Lei
perfeitamente, merece a vida eterna.
Contudo, porque o ser humano pecador, corrompido pela queda, não
está em condições de guardar a Lei divina completamente, Deus, em sua
A Graça de Deus para com a Humanidade Pecadora

graça infinita, deu à humanidade perdida a maravilhosa promessa evangélica


de que todo pecador se salvará pela graça, mediante a fé, sem as obras da Lei.
(Rm 3.28; G12.16) Essa é a graciosa vontade de Deus revelada no Evangelho,
que oferece e transmite a salvação como dom gratuito a todos os seres
humanos. (Ef 2.8,9) Por conseguinte, em todas as passagens da Escritura que
afirmam que os pecadores, crendo, viverão (Jo 6.47; 20.29; At 13.39; 16.31), é
preciso que não se considere a primeira parte uma condição real, mas uma
demonstração do modo ou maneira como o pecador se salva. A declaração de
Cristo: "Quem crê, tem a vida eterna." (Jo 6.47) não significa: "Contanto que
satisfaças a condição de crer, terás a vida eterna", porém: "Tens a vida eterna
pela fé", sendo a fé o meio receptor da salvação, não a sua causa meritória.
(Rm 3.28) Heerbrand: Fides non est conditio, neque ut conditio requirituu, [...I
sed est modus quidam, oblatum beneficium et donatum per et propter Christum
accipiens, Manus non conditio dicituu, sed medium et instrumentum/ quo eleemosyna
accipitur.
c. A distinção entre voluntas antecedens @rima) e voluntas consequens
(secunda) é escriturística, quando tomada no sentido de Jo 3.16-18.
É realmente da vontade graciosa de Deus que todos os seres humanos
creiam em Cristo e sejam salvos pela fé nele (voluntas antecedens).
Se, no entanto, os pecadores rejeitam a graça de Deus e recusam
crer em Cristo, é da vontade de Deus, então, que sejam condenados.
(Mc 16.15,16) De modo que a voluntas antecedem se aplica a todos
os seres humanos, ao passo que a voluntas consequens se aplica a
todos os que perecem por culpa de sua incredulidade.
Gerhard observa corretamente que essa classificação não faz distinção
entre a vontade como tal, que, em Deus, é una e indivisa, precisamente como
também a sua essência é una, porém entre a sua dupla relação. De acordo
com a primeira, Deus age como pai muito gracioso (benignissimus pater); de
acordo com a segunda, como juiz justíssimo (iustissimus iudex). As expressões
vontade antecedente e vontade consequente nem sempre foram empregadas no
mesmo sentido, razão pela qual, resultou muita confusão do seu uso. Assim
Hollaz emprega a expressão voluntas consequens num sentido alheio à Escritura,
quando diz: "É vontade consequente a vontade pela qual Deus elege para a
vida eterna aqueles que, segundo prevê, farão uso dos meios ordinários e
perseverarão na fé até o fim da vida." (Doctr. Theol., p.282)
Fala-se da vontade de Deus como sendo antecedente e consequente a)
não com relação ao tempo, como se a vontade antecedente precedesse a
consequente em tempo, visto que Deus está acima de qualquer limitação
temporal; b) nem com relação à própria vontade divina, como se houvesse
realmente duas vontades distintas em Deus; mas de acordo com a nossa
maneira de percepção, de sorte que possamos saber claramente que Deus
quer salvar todos os crentes e condenar todos os incrédulos. Logo, a vontade
Dogmáti~aCristã

antecedente de Deus é definida corretamente como sua vontade de


misericórdia (voluntas inisericordiae) e a sua vontade conseqüente como sua
vontade de justiça (voluntas iustitiae). Lutero afirma: "Deus não procede para
conosco segundo a sua majestade, mas se reveste de forma humana e nos
fala através da Escritura como de ser humano para ser humano." (S. L., I,
1442)
d. A distinção entre vontade revelada (voluntas revelata, voluntas signi)
e vontade oculta (voluntas abscondita, voluntas beneplaciti) de Deus
emprega-se corretamente, se aquela se refere à vontade divina
revelada na Escritura (1 Co 2.10,16), e esta outra, à vontade divina
que o ser humano nem conhece nem pode conhecer. (Rm 11.34) A
vontade revelada de Deus compreende tanto a Lei, pela qual exige,
de todos os seres humanos, perfeita obediência e ameaça condenar
todos os que transgridem os seus mandamentos, como o Evangelho,
conforme o qual Deus está disposto a salvar todos os pecadores pela
graça, mediante a fé em Cristo, sem as obras da Lei. Essa vontade
revelada é chamada "vontade do sinal" (voluntas signi), porque Deus
no-la manifestou mediante o sinal da sua Palavra. A vontade oculta
(voluntas abscondita, vol~ntasbenplaciti) abrange os "juízos
insondáveis" de Deus e os seus "caminhos inescrutáveis" (Rm 11.33-
3 3 , conforme se manifestam na vida das nações e dos indivíduos.
(Esaú e Jacó, judeus e gentios R . 9-11)
O teólogo cristão não deve procurar esquadrinhar os juízos insondáveis;
muito menos tentar explicá-los (Cur non omnesS-) pela negação da gratia
universalis (calvinismo: "Deus não quer salvar todos os seres humanos"), nem
do sola gratia (sinergismo, arminianismo, semipelagianismo: "O ser humano
não se salva somente pela graça"). A tolice, tanto dos calvinistas como dos
sinergistas, consiste na vã tentativa de definir o que Deus não revelou na sua
Palavra. Essa tentativa tem de, forçosamente, ser vã, uma vez que as
"revelações" ministradas dessa maneira não provêm de Deus, mas da mente
humana ignorante e cega.
Já que não é absoluta ou arbitrária a graça de Deus para com a
humanidade pecadora, porém mediata em Cristo Jesus (Rm 3.24), a redenção
de nosso Salvador constitui o seu fundamento indispensável. (1 Co 3.11)
A doutrina de Cristo (cristologia) vem, pois, logicamente logo após a
doutrina da graça divina como o artigo principal da fé cristã, com o qual a
Igreja, ou permanece, ou cai (articulus stantis et cadentis ecclesiae). Apesar de
que essa expressão comumente se aplica à doutrina da justificação, e isto
com justa razão, não devemos esquecer que, sem a satisfação vicária de Cristo,
não poderia haver nenhuma doutrina da justificação pela graça, mediante a
fé. Assim como a obra de nosso Senhor é o fundamento da doutrina da graça
divina, ela também é o fundamento da doutrina da justificação. Isso se torna
evidente, quando considerarmos que a fé justifica apenas como confiança
em Cristo na qualidade de Salvador divino, que morreu por nossos pecados
(Mt 16.13-17; 1 T m 2.6 antílytron hyper pantoon). Jamais como confiança
nele sendo um novo "Mestre de ética" ou um "Ideal perfeitoJJou um "grande
Revelador" da "paternidade de Deus" e outros do mesmo gênero. Em vista
desse fato, fica evidente a importância superior da doutrina de Cristo.
A doutrina de Cristo é, em geral, considerada sob três epígrafes: a) A
Doutrina da pessoa de Cristo (de persona Christi sive de Christo theanthroopoo);
b) A Doutrina dos estados de Cristo (de stationibus exinanitionis et exaltationis);
c) A Doutrina da obra de Cristo (de officio Christi). Sob esses três títulos, é
possível agrupar todas as verdades que as Escrituras revelam com respeito ao
Senhor e à sua obra e refutar qualquer erro que se tenha divulgado contra
elas.
A suposição de que o Filho de Deus teria se humanado, mesmo que o
ser h u m a n o não houvesse caído e m pecado, deve ser rejeitada como
especulação inútil e perigosa. É inútil, porque a razão humana jamais poderá
descobrir, sem a revelação divina, o que Deus teria feito, se o ser humano não
tivesse destruído a sua felicidade, pecando. É perigosa, porque encerra um
elemento básico de panteísmo e, também, porque ignora o único propósito
da encarnação de Cristo que a Escritura menciona, a saber: a salvação da
humanidade perdida e condenada. (Mt 18.11; 1 T m 1.15; G1 4.5) Agostinho:
Si homo nom periisset, Filius Hominis non venisset.
Dogmática Cristã

1. INTRODUÇAO
A Escritura chama Cristo de verdadeiro Deus e dá-lhe todos os atributos
divinos; mas chama-o, também, verdadeiro ser humano e dá-lhe todos os
atributos comuns ao ser humano, ou seja, Homem-Deus (theánthroopos).
Por essa razão, devemos rejeitar como não-escriturística toda doutrina
que negue ou restrinja a verdadeira divindade de Cristo (monarquianismo,
unitarianismo); a sua verdadeira humanidade (os docetas, gnósticos,
anabatistas) e a união pessoal das duas naturezas numa só pessoa (unio
personalis) juntamente com as doutrinas resultantes da comunhão das duas
naturezas (communio naturarum) e a comunicação dos atributos (communicatio
idiomaticum). As controvérsias dos luteranos em defesa das duas últimas
doutrinas foram dirigidas contra os calvinistas e contra os papistas.

DIVINDADE
2. A VERDADEIRA DE CRISTO
A Bíblia atesta, de maneira incontroversa; que Cristo é verdadeiro Deus,
coeterno e consubstancial com o Pai. As provas para essa doutrina podem ser
agrupadas do seguinte modo: A Escritura confere a Cristo:
a) O nome Deus (théos, Jo 1.1) e Filho de Deus (hyiós thou theou, Mt
16.16), e não num sentido impróprio, em que são aplicados também
a criaturas (theói legómenoi, dei nuncupativi (1 Co 8.5; Jo 10.35), porém
no seu sentido próprio, ou metafísico, de forma a dizer-se que Cristo
possui, não só funções divinas, mas também aquela uma essência
divina. (Jo 10.30): "Eu e o Pai somos um (hen)"; (Jo 1.14): Glória
como do unigênito do Pai" (doxan h005 monogenous para patrós). Até
mesmo o nomen Dei essentiale et incommunicabile Jeová é conferido a
Cristo. (SI 97.1,7; cf. com Hb 1.6)
b) 0 s atributos divinos: eternidade (Jo 8.58; 17.5; 1.1); onisciência, (Jo
21.17); onipotência. (Jo 10.28-30)
c) As obras divinas: criação e conservação (C1 1.16,17; Jo 5.17-19); a
ressurreição dos mortos (Jo 5.21,29); os milagres operados pelo seu
próprio poder. (Jo 2.11)
d) Honra e culto divinos (Jo 20.28; 5.23; Fp 2.9s~).Assim a Escritura,
por todos os meios, descreve Cristo como sendo igual a Deus em
majestade, glória e honra divinas. (Fp 2.6)
Quando os modernos subordinacianos objetam que Cristo só é chamado
Deus no predicado, porém nunca no sujeito, respondemos que isso não é
A Doutrina de Cris::

verdade (cf. Hb 1.8; Jo 20.28) e que, se Cristo é chamado Deus no predicado.


isso afirma com mais ênfase a sua divindade, do que se fosse chamado Deus
no sujeito, considerando que a função do predicado é descrever o sujeito de
acordo com a sua verdadeira essência. (Rm 9.5) A isso podemos acrescentar
que o termo Deus, quando empregado no seu sentido próprio, nunca é genérico,
porém sempre um nome próprio, uma vez que sempre designa a essência
divina que é só uma em número (una numero essentia divina).
Em resposta à objeção de que Cristo seria, na realidade, Deus pela
essência, contudo apenas n u m sentido secundário do termo
(subordinacianos), dizemos que essa opinião antiescriturística se baseia num
conceito triteístico ou politeístico de Deus, como se a Santíssima Trindade
consistisse num Deus supremo e duas divindades inferiores. Ainda que seja
verdade que Cristo descreve o Pai sendo maior que ele próprio (Jo 14.28),
segundo a natureza humana, no estado de humilhação, a Escritura, por outro
lado, atribui-lhe a inteira essência divina com as suas perfeições (C1 2.3,9),
provando que é Deus no mesmo sentido que o Pai.
A acusação de que, nesse caso, Cristo não poderia ter sofrido sozinho,
visto que, por ser numericamente uma só a essência, teria atraído para o seu
padecimento também o Pai (yatripassianismo), pode ser respondida assim:
Aceitamos as duas doutrinas (a unidade da essência divina e a exclusão do Pai
do padecimento e morte de Cristo), sob a autoridade da Escritura, como parte
do grande mistério da milagrosa encarnação de Cristo. (1 T m 3.16:
homologoumenoos mega mysteerion.)
Toda a negação da divindade real e essencial de Cristo baseia-se, não na
falta de provas bíblicas adequadas, mas na tendência racionalista do coração
carnal, para o qual o Evangelho de Cristo é tanto loucura como pedra de
tropeço. (1 Co 1.23; 2.14) Se Cristo não é verdadeiro Deus, porém apenas um
profeta humano (Mt 16.13ss), então todo o Evangelho da redenção vicária
de Cristo fica anulado e a doutrina pelagiana da justiça pelas obras tem de
permanecer em pé. Nesse caso, o ser humano caído não tem Salvador divino.
(1 Co 15.3,4,17ss) Vê-se, portanto, obrigado a adquirir a salvação mediante
boas obras. A mente orgulhosa do ser humano irregenerado, imbuída de
presumida justiça própria, se vangloria precisamente desse erro. (cf. Lutero,
S. L., IX 237 ss; 376 ss; XVI 1688 ss; VII, 1263 ss)

3. A VERDADEIRA
HUMANIDADE
DECRISTO
A razão pela qual se fez necessária uma comprovação detalhada da
verdadeira humanidade de Cristo provém do fato de alguns terem incorrido
no erro de negar a verdadeira natureza humana de Cristo: a) totalmente
(docetas: O corpo de Cristo era um fantasma); b) Outros a negam em parte,
com a negação de sua alma humana. (arianos: O logos tomou o lugar de sua
Dogmatica Cristã

alma humana) ou de seu espírito humano (Apolinário: O logos tomou o lugar


do nous) ou de sua vontade humana (monoteletismo) ou de seu nascimento
humano (gnósticos, Valentino: O corpo de Cristo era de origem celestial).
Cristo, sem uma natureza humana, não poderia ser o Salvador do mundo, do
mesmo modo como um Cristo sem a natureza divina não o seria. (1 Jo 1.7):
"O sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado."
A Escritura é tão enfática ao afirmar a verdadeira humanidade de Cristo
como ao lhe atribuir verdadeira divindade. Atribui-lhe nomes humanos (1 Tm
2.5; Jo 8.40); carne e sangue I?umanos consubstanciais com os do ser humano
(Hb 2.14); descendência humana (Rm 9.5; Mt 1.1s; Lc 3.23s~;Gn 22.18, cf.
com G1 3.16); uma concep@o realmente humana, embora milagrosa, no ventre de
Maria (Lc 1.42); as partes constituintes de um ser humano (Jo 2.21; Lc 24.39; Mt
26.38; Lc 23.46; 22.42); emoções humanas (Mc 3.5; 14.34); fi~nçóesfísicas humanas
(Mt 4.2; Jo 19.28; Lc 8.23); padecimento e morte humanos (Mt 27.46; Jo 19.30).
O logos, portanto, não trouxe o seu corpo do céu para a terra, mas
assumiu a natureza humana no corpo de Maria, de sorte que era verdadeiro
ser humano. (Lc 1.35) Todos aqueles que negam a verdadeira humanidade de
Cristo o fazem, não porque a prova evidencia1 da Escritura fosse inadequada,
mas porque permitem ser ludibriados por consideraçóes racionalistas ("O finito
não é capaz do infinito") ou pelagianas. ("Ao Filho do ser humano não era
necessário tornar-se o substituto e Redentor do ser humano")
Alicerçados na Escritura, sustentamos, contra qualquer modalidade de
pelagianismo, que o divino Redentor tinha de ser verdadeiro ser humano,
para que pudesse realizar a maravilhosa obra da redenção. (1s 53.7-11) Para
que cumprisse a Lei de Deus em lugar do ser humano (G1 4.4,5) e expiasse o
seu pecado. (1s 53.1-6) A negação da verdadeira humanidade de Cristo equivale
à negação da sua satisfação vicária. (Hb 2.14; Jo 1.14)
Segundo a sua natureza divina, Cristo é homooúsios, consubstantialis,
com o Pai; segundo a sua natureza humana, é homooúsios, consubstantialis,
com o ser humano, todavia não secundum numerum, mas secundum speciem.
A expressão Filho do homem que nosso Salvador comumente empregava,
quando falava de si mesmo, não descreve Cristo como o "Ser humano Ideal",
mas como o descendente único do ser humano (Gn 3.15; 26.4; 28.14; 2 Sm
7.12) em que o Filho de Deus encarnou. (1s 7.14; 9.6) Essa é a própria explicação
de Cristo acerca do nome que adotou para sua designação habitual, como se
depreende de Mt 16.13-17. (cf. v. 16: "O Cristo, o Filho do Deus vivo")
Portanto, o "Filho do Homem" é o Homem-Deus, profetizado no Antigo
Testamento (Dn 7.13,14) que veio desfazer as obras do diabo (1 Jo 3.8) e que
tinha de ser verdadeiro Deus (Mt 9.2,4,6; 12.8; 26.63,64; 25.31s~)e, ao mesmo
tempo, verdadeiro ser humano. (Mt 8.20; 11.19; 17.12,22,23; 20.18,19)
Embora Cristo seja verdadeiro ser humano, consubstancial com todos
os demais, a sua natureza humana é assinalada por certas peculiaridade;
(proprietates individuales) que não se deparam em outros seres humanos. Entre
elas, notamos:
A concepção sobrenatural de Cristo (extraordinaria conceptio). Cristo não
era filho de José e Maria (contra os ebionistas), porém foi concebido pelo
Espírito Santo no ventre da virgem Maria (Mt 1.18; Lc 1.35, Conceptio
miraculosa).A causa eficiens do Filho do homem foi o Espírito Santo; a materia
ex qua, sua virgem mãe (Mt 1.20). Conforme o Credo Apostólico: Conceptus
est de Spiritu Sancto, natus ex Maria virgine. Para a objeção de que um milagre
inconcebível como o em estudo violaria as "Leis imutáveis da natureza", a
Escritura mesma fornece uma resposta adequada. (Lc 1.34-37) A concepção
sobrenatural de Cristo foi um milagre da onipotência e graça de Deus, o qual
deveríamos reconhecer com gratidão. (Lc 1.38)
A perfeita impecaminosidade (anamarteesia).Ao passo que todos os outros
seres humanos são concebidos e nascidos em pecado (SI 51.5; Jo 3.6; 5.12-
20), o FLho do Homem era sem pecado. (1s. 53.9; Jo 8.46; Lc 1.35; 2 Co 5.21;
1 Pe 1.19; 2.22) Tinha de ser sem pecado, para que pudesse ser nosso Salvador.
(Hb 7.26,27; 1 Pe 1.19) Embora a Escritura atribua pecado a Cristo, ela explica
expressamente que se trata de pecado imputado, ou seja, os nossos pecados
impostos a Cristo, peccatum imputatum. (1s 53.6; 2 Co 5.21)
A Escritura estabelece o fato e a necessidade da impecaminosidade de
Cristo, como também esclarece como sucedeu que fosse concebido e nascesse
sem pecado. A causa não consistiu no fato de que uma semente sagrada
(massa sancta) tivesse sido conservada e propagada em Israel até que nascesse
o Salvador (os teólogos escolásticos), ou de que, por um processo de evolução,
Maria fosse convertida numa pessoa santa (os modernos teólogos
racionalistas, Olshausen), ou ainda, na imaculada concepção de Maria
(immaculata conceptio, proclamada pelo Papa Pio IX em 8 de dezembro de
1854), mas, sim, no fato maravilhoso de que Maria se tornou mãe de Cristo
segundo a sua natureza humana por intermédio do Espírito Santo. (Mt 1.18
ek pnéumatos hagiou)
Como conseqüência de sua concepção sobrenatural, Cristo era isento,
tanto do pecado original (peccatum originale), como do pecado atual (peccatum
actuale). Deduzimos esta verdade de todas as passagens que descrevem a
impecaminosidade absoluta de Cristo (Hb 7.26,27; 1 Jo 3.5), bem como
daquelas que afirmam que ele se fez ser humano, não segundo os ditames da
natureza (Lutero: non ex carne contaminata et horribiliter polluta), porém por
meio do Espírito Santo. (Mt 18; Lc 1.35) Uma vez que Cristo não descendia
de semente pecaminosa, estava livre de corrupção hereditária (corruptio
hereditaria) e de culpa hereditária (culpa hereditaria; reatus peccati Adamitici),
que é imputada a todos os seres humanos concebidos de carne pecaminosa.
(Jo 3.6; Rm 5.16,19)
Dogmática Cristã

Não obstante a natureza humana de Cristo estivesse isenta de pecado,


era natureza humana verdadeira, porquanto o pecado não pertence à essência
do ser humano (sendo o pecado um accidens). Cristo, por conseguinte, era,
na realidade, verdadeiro ser humano, todavia um ser humano que, pelo que
concernia à sua pessoa, não estava sujeito à Lei, mas acima dela. (Mt 12.8)
Visto que a natureza humana de Cristo foi recebida dentro do logos,
vemo-nos forçados a negar que, nele, houvesse a possibilidade de pecar. (Jo
8.46; 1 Pe 1.19). O santo Salvador não podia pecar (Christus sacerdos
impeccabilis) Apesar desse fato, não devemos considerar a tentação de Cristo
uma simples simulação, mas uma tentação e um sofrimento reais, que
suportou para nossa salvação. (Mt 4.lss; Hb 2.18; 4.15)
As consequências da impecaminosidade de Cristo foram:
a) A sua imortalidade (athanasia); conforme a Escritura, a morte é o
salário do pecado. (Gn 2.17; 3.17-19; Rm 5.12; 6.23) Cristo morreu
por sua própria vontade e poder como Salvador dos seres humanos
(non aliqua necessitate, sed libera voluntate). (Jo 10.18; 1 Co 15.3) A
morte daquele Ser sem pecado, que era, em si mesmo, imortal, foi o
resgate (Mt 20.28; 1 T m 2.6) com o qual comprou vida para a
humanidade pecadora (lytron antílytron). Christus mortuus est propter
peccatum imputatum.
b) Maiores dons naturais (singularis excellentia), como sabedoria (Lc
2.52), porquanto, no seu corpo, não havia efeitos do pecado que o
perturbassem e pervertessem. (cf. os dons naturais de Adão antes da
queda, Gn 2.19,20,23)
Muito se tem dito com respeito à aparência exterior de Cristo; todavia,
do S1 45.2, não devemos deduzir extraordinária formosura física, nem de 1s
53.2, extraordinária deformidade, visto que uma passagem descreve Cristo
em sua formosura como Salvador (Erloserschonheit), e a outra em sua profunda
humilhação (Leidensgestalt). Os evangelistas estampam a graça das Palavras
de Cristo (Lc 4.22), mas jamais alguma formosura física. Tenhamos, porém,
em mente que Cristo, durante todo o seu estado de humilhação, sofreu as
consequências de nossos pecados, de sorte que sempre se apresentou na forma
de servo (morphee doulou) e na semelhança dos seres humanos. (en homoióomati
anthroopoon). (Fp 2.7; Rm 8.3) O seu aspecto físico, portanto, não foi
semelhante ao do ser humano antes da queda, mas, pelo contrário, semelhante
ao do ser humano caído em pecado (en homoióomati sarkós hamartias).
Similitudo... propter assumptas infirmitates peccatrix visa est.
A Escritura demonstra, com respeito às enfermidades humanas que Jesus
padeceu, que de fato sofreu as enfermidades comuns ou gerais dos seres
humanos (infirmitates communes), tais como fome, sede, cansaço, pesar, etc.,
porém não as enfermidades pessoais (infirmitates personales), como doença e
A Doutrina de Cristo

cegueira pessoais ou qualquer outro defeito pessoal; pois nenhum exemplo


dessas consta.
c) A impessoalidade da natureza humana de Cristo (anypostasia,
enypostasia). Entre as peculiaridades da natureza humana de Cristo,
deparamos, também, a falta de personalidade, isto é, a natureza
humana de Cristo não constituía uma pessoa distinta (carentia
propriae subsistentiae). Cristo não se consistia de duas pessoas, uma
divina e outra humana, porém, nele, a natureza divina e a humana
estavam unidas numa só pessoa indivisa e indivisível. (1 T m 2.5)
Humana natura Christi non habet propriam subsistentiam,
personalitatem, hypóstasin.
Esse fato decorre do modo especial da encarnação (modus incarnationis).
Quando o Filho de Deus encarnou, não assumiu uma pessoa humana, mas
somente a natureza humana. A natureza humana foi aceita dentro da pessoa
do logos. (G1 4.4,s; Jo 1.14; Hb 2.14) Conseqüentemente, afirmamos com
respeito à natureza humana de Cristo, pelo lado negativo, a anypostasia, ou
seja, a verdade escriturística segundo a qual ela não possui personalidade
própria; pelo lado positivo, afirmamos com respeito à natureza humana de
Cristo a enypostasia, OU seja, a verdade escriturística segundo a qual a natureza
humana de Cristo existe no logos. (Subsistentia humanae naturae in divina
natura tou logou)
Se alguém fizer, a essa doutrina, a objeção de que o termo Filho do homem
é designação de pessoa precisamente do mesmo modo como é o termo Filho
de Deus e que, portanto, a natureza humana de Cristo deve ser considerada
uma pessoa distinta, respondemos que essa conclusão não tem fundamento,
uma vez que ambos esses termos designam unicamente uma e a mesma
pessoa, que é, ao mesmo tempo, Deus e ser humano. (Mt 16.13-17) Há, na
pessoa de Cristo, a110 kai allo, porém não allos kai allos. Para todos os demais
seres humanos, vale o axioma: quot humanae naturae, tot personae humanae;
porém não se aplica a Cristo, porquanto o logos assumiu a natureza humana
em sua divina pessoa. (C1 2.9)
A Teologia racionalista moderna, que renunciou à doutrina escriturística
da impessoalidade da natureza humana de Cristo, tem de, por conseguinte,
renunciar também à doutrina da encarnação, visto a mesma consistir
essencialmente no ato pelo qual o Filho de Deus aceitou, na sua pessoa divina,
a natureza humana, de maneira que, desde o preciso instante em que a sua
natureza humana foi criada (productio), a mesma foi também unida (unitio)
ao logos. (Lc 1.43) Hama sarx, hama logou sarx.
Da mesma forma como nega a encarnação de Cristo, a Teologia
racionalista moderna afirma que ambas as naturezas de Cristo penetram,
gradativamente, uma na outra, ou se coadunaram e que, dessa forma, se
Dogmática Cristá

efetuou a união (unitio) das duas naturezas. A Escritura, porém, não ensina
uma união das duas naturezas em Cristo por coadunação, porém uma união
por encarnação. (Jo 1.14) Se a Teologia moderna se opõe a essa doutrina,
baseada em que a união do Filho de Deus com um embrião não poderia ser
considerada digna de Deus, retrucamos que essa "indigna conceição de Deus"
vem claramente constada na Escritura. (Lc 1.35) Outrossim, se objetar que
uma tal união íntima seria inconcebível, contrapomos que a Escritura mesma
descreve a encarnação como sendo um "mistério da piedade", que é
"evidentemente grande". (1 T m 3.16)
A fim de enfatizar a verdade segundo a qual o Filho de Deus realmente
assumiu uma natureza humana, porém não pessoa humana, os nossos
dogmáticos dizem: Deus assumpsit naturam humanam, ou seja humanitatem;
todavia não: Deus assumpsit hominem. Em vista do fato de a Teologia racionalista
moderna haver convertido a doutrina das duas naturezas (Zweinaturenlehre)
em doutrina de duas pessoas, essa distinção é de alta importância. A modalidade
mais extremista da Teologia moderna considera Cristo simples ser humano, no
qual Deus se teria revelado num mais alto grau que num ser humano comum
(Ritschl; modernismo); em outras Palavras, a diferença entre Cristo e todos os
demais seres humanos seria apenas de grau, não de espécie.

4. A UNIÁOPESSOAL
(DE UNIONE
PERSONALI)
Deus sempre se acha essencial e ativamente presente em todas as
criaturas. (Jr 23.24; Ef 4.10) A essa união com o Deus triúno, todas as coisas
criadas devem a sua subsistência. (At 17.28; C1 1.16-18) Essa união tem-se
denominado adequadamente união geral (unio generalis), por abranger todas
as coisas existentes, animadas e inanimadas, racionais e irracionais, em todo
o reino da natureza. Como acréscimo a essa união, a Bíblia ensina, também,
outra união (unio specialis, unio spiritualis), a saber, a graciosa união do Deus
triúno com os seus crentes (unio mystica), graças à qual a comunhão dos
santos é o templo vivo, espiritual de Deus. (Jo 14.23; 1 Co 3.16s; 6.17-19; Ef
1.22,23) A Escritura Sagrada ensina, ainda, a união sacramental (unio
sacramentalis), por efeito da qual o verdadeiro corpo e sangue de Cristo estão
real e substancialmente presentes na ceia do Senhor e são distribuídos e
recebidos em, com e sob o pão e o vinho.
Diferenciamos, dessas uniões, a união pessoal (unio personalis), graças à
qual as naturezas divina e humana de Cristo estão intimamente unidas na
única pessoa do Homem-Deus. (união hipostática, unio hypostatica) Assim
Hollaz define a união pessoal: "A união pessoal é a conjunção das duas
naturezas, a divina e a humana, as quais existem nesta uma hipóstase
(hypóstasis, persona) do Filho de Deus, produzindo uma comunhão mútua e
A D o u t r i n a de Cristo

indissolúvel de ambas as naturezas." (Doctu. Theol., p.296) Essa união pessoal


efetuou-se quando, por ocasião de sua encarnação, o logos assumiu a natureza
humana em sua pessoa divina (actus unitionis) de um modo tal, que, no Cristo
encarnado (logos énsarkos), Deus e ser humano são, para sempre, uma pessoa
indivisa e indivisível. (status unionis, hénoosis hypostatikée) Esse é o "mistério
da piedade" do qual Paulo testifica ser "evidentemente grande",
homologoumenoos mega (1 Tm 3.16), ou seja, o milagre de todos os tempos.
A união pessoal é incontroversamente comprovada pelas proposições
pessoais (propositiones personales), isto é, por passagens claras da Escritura em
que se diz, com referência ao Cristo encarnado, que Deus é homem e o homem
é Deus. (Mt 16.13-17): O Filho do ser humano é Filho do Deus vivo; (Lc
1.31,32): O Filho de Maria é Filho do Altíssimo; (Jr 23.5,6): O renovo de Davi
é o Senhor, Jehovah, Justiça nossa; (Rrn 9.5): O Cristo que descende dos pais
é Deus bendito eternamente; (Jo 1.14): O Verbo se fez carne; (Rm 1.3,4):
Aquele que nasceu da descendência de Davi é Filho de Deus, nosso Senhor;
etc. Essas proposições pessoais só podem explicar-se à base do fato de que a
natureza divina e a humana se acham tão íntima e permanentemente unidas
na pessoa de Cristo, que o mesmo é, a um tempo, verdadeiro Deus e verdadeiro
homem.
A união pessoal ou hipostática das duas naturezas em Cristo é única;
no que vai dito que, em todo o reino, quer da natureza, quer da graça, não
existe outra união de Deus e do ser humano semelhante à que há em Cristo.
Pode-se ilustrá-la de certo modo. (a união de corpo e alma do ser humano;
ferro em brasa) Essas uniões, contudo, só se parecem com a união pessoal,
mas não são iguais. Assim, ao passo que podemos dizer que, em Cristo, Deus
é ser humano e o ser humano é Deus, não podemos dizer que, no ser humano,
a alma é corpo ou que, no ferro em brasa, o ferro é fogo.
Por esse motivo, as proposições pessoais Foram tachadas de incomuns
ou singulares (propositiones inusitatae), ou seja, proposições sem similares.
Embora sejam inusitatae (únicas), as proposições pessoais são reais e não
meramente verbais (verbales); próprias kropriae), não metafóricas, figurativas
ou trópicas. (impropriae et tropicae) Vale dizer: em Cristo as duas naturezas
estão verdadeiramente unidas, precisamente como afirmam as proposições
pessoais, de modo que Cristo é Homem-Deus (theánthroopos) em toda a
extensão da Palavra. (persona synthetos, persona composita)
Enquanto a Igreja Cristã ensina a união pessoal das duas naturezas em
Cristo, baseada na Bíblia, ela rejeita vigorosamente o erro de Eutíquio
(monoflsitismo), que ensinou ter a união sido efetuada mediante mistura das
duas naturezas entre si ou por confusão ou conversão de uma natureza na
outra (unio per mixtionem et conversionem), de modo a surgir, por efeito dessa
mistura ou conversão, um terceiro objeto. (tertium quiddam) Rejeita, também,
Dogmáticu Cristá

o erro de Nestório que, embora afirmasse uma conexão (synápheia) das duas
naturezas, considerava-as separadas (A Fórmula de Concórdia: "Das tábuas
coladas uma à outra"), negando, assim, a união pessoal e, em particular, a
comunhão das naturezas e a comunicação dos atributos. (Mana não é theotokos)
Contra ambos esses erros, o Concílio de Calcedônia (451) declarou:
"Confessamos um e o mesmo Jesus Cristo, o Filho e Senhor unigênito, em
duas naturezas (en dyo physesin) sem mistura (asynchytoos), sem conversão
(atreptoos), [contra Eutíquio], sem divisão (adiairetoos), sem separação
(achooristoos), [contra Nestório] ." O erro de Nestório foi, mais tarde, defendido
por Zwínglio (allóioosis), que ensinou: " Sempre onde a Escritura diz Cristo
ter padecido, tens de ler: Somente a natureza humana padeceu."
Os nossos dogmáticos dizem, em refutação ao erro, tanto de Eutíquio
como de Zwínglio (Nestório): "As duas naturezas em Cristo estão unidas a)
de modo inconverso (a natureza divina não foi convertida em carne; contra
Eutíquio), b) de modo inconfuso (as duas naturezas não foram misturadas de
modo a produzir um terceiro objeto; contra Eutíquio), c) de modo inseparável
e ininterrupto. (contra Nestório) Isso quer dizer que as duas naturezas em
Cristo jamais são separadas por qualquer intervalo, seja de tempo ou de lugar.
A união não foi nem dissolvida por ocasião da morte (tempo), nem tampouco
o logos, depois da encarnação, se acha presente em parte alguma fora da carne.
(lugar) Depois da encarnação, o Filho de Deus é, sempre e em toda a parte,
Filius Dei incarnatus. Neque caro extra logon, neque logos extra carnem." (Jo 1.14;
C1 2.9; Rm 5.10; etc.)
A Igreja Cristã confessa, em oposição a todos os que professam esse
erro, sejam antigos ou modernos, que a união pessoal:
a) Não é unio nominalis, união nominal, como se o Filho do ser humano só
fosse Deus de nome. (Deus nuncupativus) Cristo é, verdadeira e
essencialmente, Deus (Jo 10.30), de modo que a união pessoal é real.
(uni0 realis) Embora todos os unitários estejam dispostos a chamar Cristo
Deus (Ritschl: "Para nós, Cristo tem o valor de Deus; logo, ainda que a
atribuição de divindade a Cristo não seja um juízo real [Seinsurteil], é
juízo de valor [Werturteií]"; Harnack: "Pode-se chamar Filho de Deus a
Cristo, porque aos seres humanos proclamou a paternidade de Deus"),
eles negam veementemente que Jesus seja Deus de fato.
b) Não é unio naturalis, união natural, como a da alma e do corpo, que
foram criados um para o outro. A união pessoal não é uma união
natural, visto unir íntima e inseparavelmente o Criador e a criatura,
Deus e o ser humano, numa só pessoa. (ens increatum et creatum)
Essa união é, por conseguinte, incompreensível para a razão humana.
(1 T m 3.16) No intuito de torná-la de algum modo inteligível à mente
humana, alguns teólogos escolásticos disseram que o Filho de Deus foi ligado
A Doutrina de Cristo

à natureza humana por meio da alma (mediante anima), uma vez que, só
desta maneira, dois seres imateriais podem ser ligados. (Deus e alma são
espúritos.) Todavia, a alma é, de igual modo, criatura como o corpo, de Forma
que, com isso, não fica resolvido o grande problema de como Deus poderia
unir-se a uma criatura numa só pessoa. Essa opinião é, também,
antiescritudstica; pois, enquanto Cristo rendeu o seu espírito na morte (Mt
27.50; Mc 15.37; Jo 19.30), de maneira que a união natural (unio naturalis)
do corpo e da alma cessasse, a união pessoal não cessou. (Rm 5.10: A morte
de Cristo foi a morte do Filho de Deus.) Por esse motivo, a união pessoal não
pode ser uma união natural ou união mediante anima.
c) Não é unio accidentalis, união acidental, como quando duas tábuas
estão coladas uma à outra, ou quando o corpo humano está envolto
em vestuário. Uma união acidental não liga - duas coisas em uma, da
maneira como a união pessoal une as duas naturezas numa só pessoa.
De duas coisas ligadas acidentalmente, uma pode estar danificada e
a outra não. (As vestes podem estar rotas, enquanto que o corpo
permanece ileso.) A natureza humana em Cristo se achava ligada à
divina de tal modo que, ao sofrer a natureza humana, ao derramar
sangue e morrer, o Filho de Deus sofreu, derramou seu sangue e morreu.
(1 Jo 1.1,7; 1 Co 2.8; At 20.28)
d) Não é unio sustentativa (nuda parousia sive parástasis), ou união
sustentante pela mera presença divina, mediante a qual Deus está
presente em todas as criaturas e as sustenta. (C1 1.17; At 17.28) É
verdade que a natureza divina sustentou a humana por ocasião do
grande padecimento de Cristo (Mt 26.42); apesar de que a essência
da união pessoal não consiste nesse ato de sustentação, mas, pelo
contrário, na mais íntima conjunção das duas naturezas na pessoa
única de Cristo. As criaturas jamais são assumidas pela Divindade,
apesar da presença sustentante de Deus. Pela união pessoal, porém,
a natureza humana de Cristo foi aceita na pessoa do Filho de Deus.
e) Não é uni0 habitualis (relativa, schetikée), união relativa que pusesse
duas coisas em certa relação uma para a outra, mas ainda assim as
deixasse separadas essencialmente. Assim dois amigos estão ligados
entre si pela união do amor recíproco; contudo, permanecem como
duas individualidades distintas separadas até mesmo pelo espaço.
Já a união pessoal das duas naturezas em Cristo não foi relativa
(Teodoro de Mopsuéstia, V, cerca de. 428), visto que a plenitude
da Divindade habita corporalmente em Cristo. (C1 2.9) As duas
naturezas em Cristo estão ligadas de modo inseparável e
constituem, pela sua união íntima e permanente, o Cristo
indivisível. Mesmo que a união efetuada pela amizade possa cessar,
a união pessoal jamais cessará.
Dogmática Cristã

f) Não é unio essentialis sive commixtiva~união essencial ou por comistura,


pela qual as duas naturezas, por efeito da união pessoal, se
coadunassem numa só natureza ou essência. (eutiquianismo)
Como os luteranos foram acusados de também misturarem as duas
naturezas entre si (controvérsia aut confusio aut exaequatio), a Fórmula de
Concórdia refutou essa falsa acusação, dizendo (Decl. Sól., VIII, 62ss): "Pois de
modo nenhum se deve manter ou admitir conversão, confusão ou igualação
das naturezas em Cristo ou das propriedades essenciais das mesmas.
E nunca entendemos nós as Palavras realis communicatio ou comunicado
realiter, isto é, a participação ou comunhão que ocorre de fato e de verdade,
nunca as entendemos de qualquer physica communicatio vel essentialis transfusio,
isto é, de comunhão ou efusão essencial, natural, por que as naturezas seriam
misturadas em sua essência e propriedades essenciais: [..I Nós tão-só as opomos
à verbalis communicatio, isto é, a doutrina em que tais pessoas alegam que apenas
phrasis e modus loquendi, isto é, nada além de meras Palavras, títulos e nomes."
g) Não é unio per adoptionem, união por adoção (adocionismo; Félix de
Urgel, Elipando de Toledo, no século VIII; condenado por vários
sínodos 792-799, precisamente por instigação de AIcuíno, V, 804),
mediante a qual se disse que Cristo, segundo a sua natureza humana,
era Filho adotivo de Deus. (Filius Dei adoptivus) O adocionismo é
uma modalidade de nestorianismo e pressupõe duas pessoas em
Cristo, uma divina e outra humana, das quais a última teria sido
adotada por Deus. Em oposição a esse erro, os nossos dogmáticos
luteranos ensinam que Cristo é, segundo a sua natureza humana,
"Filho nato de Deus", ou então Filho de Deus precisamente pelo
próprio nascimento. (Filius Dei natus vel ab ipsa nativitate) A
encarnação não consistiu na adoção de uma pessoa humana por
parte de Deus, mas no recebimento da natureza humana na pessoa
do logos.
O eutiquianismo e nestorianismo (zwinglianismo) são tentativas
destinadas a tornar o mistério da encarnação mais inteligível para a razão
humana, quer por mistura quer por separação da duas naturezas. Ambos esses
erros, todavia, que anulam a união pessoal, negam, em última análise, a
satisfação vicária de Cristo. (satisfactio vicaria) A redenção da humanidade
perdida e pecadora só poderia efetuar-se pelo Homem-Deus. O eutiquianismo,
bem como o nestorianismo, conduzem ao unitarismo (modernismo), ou seja,
ao erro de que Cristo teria sido um simples ser humano.
O mesmo se pode dizer do erro do quenoticismo, a doutrina segundo a
qual o Filho de Deus, por ocasião de sua encarnação, teria se esvaziado
(ekénoosen, Fp 2.7) dos seus atributos divinos da onipotência, onipresença e
onisciência (Tomásio, Delitzsch, Kahnis, Luthardt, etc.) ou conhecimento
A Doutrina de Cristo

de sua existência divina e personalidade. (Gess, Hofmann, Franck) Por esta


"autolimitação" do Fdho de Deus, explica-se o mistério da encarnação, porém
com o sacrifício da negação da verdadeira divindade de Cristo. Deus teria
posto os seus atributos divinos de lado, bem como parte da sua essência
divina e tornou-se, dessa maneira, um ser mutável, que não pode ser verdadeiro
Deus.
Como rejeitamos o quenoticismo, também devemos rejeitar o erro do
auto-hipostasismo (autohypóstatos), segundo o qual o Filho do ser humano
constituiria uma pessoa separada. (idiosystatos) Ele se incorporaria,
gradativamente, à pessoa divina do logos (Dorner), ou permaneceria
completamente separado. (Seeberg, Kirn, etc.) Se isso fosse verdade, Cristo
não passaria de um simples ser humano em quem Deus houvesse operado
apenas em medida extraordinária. Se se adota o auto-hipostasismo, renuncia-
se à união pessoal, a doutrina das duas naturezas de Cristo. A única alternativa
seria o modernismo extremista, que é negação absoluta da divindade de Cristo.
O mistério da encarnação jamais se explicará pela razão; tem de ser, ou
crido in roto ou rejeitado in toto. Nesse ponto, como diante de todos os mistérios
da revelação divina, o teólogo se acha numa encruzilhada e terá de escolher o
caminho da fé ou o da incredulidade pagã.

5. A NATUREZAS
COMUNHÃO DAS
NATURARUM)
(DE COMMUNIONE
Fez-se necessária uma discussão especial da comunhão das naturezas
(communio naturarum) em virtude de terem, tanto os reformados como os
papistas, admitido a união da natureza humana de Cristo com a pessoa
(hypóstasis) do logos. Negam, porém, a comunhão real e direta das naturezas
entre si. Enquanto concordam com a uniu personalis, rejeitam a commcrnio
naturarum. A oposição que Fazem a esta última doutrina, que a Escritura
ensina com muita clareza, baseia-se no axioma racionalista: "O finito não é
capaz do infinito." Finitum non est capax infiniti. Escreve o teólogo reformado
Danaeus: "Nada do que seja próprio e da essência da Divindade pode ser
comunicado a uma coisa criada, como o é a natureza humana assumida por<
Cristo." (Pieper, Christl. Dogmatik, 11, 135ss) Os teólogos calvinistas insistem
tanto nesse ponto, que acusam os luteranos, que afirmam, com base na
Escritura, a communio naturarum, de eutiquianismo, ou seja a mistura das
duas naturezas.
Com a negação da communio naturarum, os reformados e papistas
contradizem e negam a sua própria doutrina da união pessoal. Se o finito não
é capaz do infinito, é impossível a união da natureza humana com a pessoa
do logos (união pessoal), visto a pessoa do Filho de Deus ser tão infinita como
a sua natureza divina. Não poderá haver uma união pessoal. Nesse caso, toda
Dognzática Cristã

a encarnação do Filho de Deus tem de ser negada como impossível, visto a


mesma consistir essencialmente na união de Deus com o ser humano. Em
conseqüência disso, a coerência da parte dos reformados e papistas exigiria a
rejeição de todo o mistério da piedade segundo o qual "Deus se manifestou
em carne." (1 Tm 3.16) A doutrina da comunhão das naturezas emana
diretamente da doutrina da união pessoal, de sorte que, ou permanecem, ou
caem juntas.
O erro reformado e papista é, porém, dirigido, também, contra as Sagradas
Escrituras. A comunhão das duas naturezas em Cristo é comprovada a) por
passagens gerais, como Jo 1.14; Hb 2.14,15, etc., que demonstram claramente
que o Filho de Deus se uniu à carne (sam) de um modo tal, que a sua natureza
divina está em comunhão verdadeira com a natureza humana; b) por passagens
especiais, como C1 2.3,9: "Nele habita corporalmente toda a plenitude da
Divindade (soomatikoos)." Dessas passagens, aprendemos de um modo particular:
a) Que a natureza divina entrou em comunhão real e verdadeira com
a natureza humana, visto que nele habita a plenitude da Divindade
corporalmente. Baseado nessa e noutras passagens, Hollaz escreve: "A
comunhão das naturezas na pessoa de Cristo é a participação mútua
das'naturezas divina e humana de Cristo, mediante a qual, a natureza
divina do logos, depois de se fazer participante da natureza humana,
para si mesma a penetra, completa, habita e dela se apropria. A
natureza humana, porém, depois de se fazer participante da natureza
divina, é penetrada, completada e habitada por ela." (Doctr. Theol.,
p.316ss);
b) Que em Cristo não há mera contigüidade (synápheia) das duas
naturezas, porém a mais profunda e íntima interpenetração
(perichóoreesis), visto a natureza divina permear a humana
precisamente como a alma compenetra o corpo;
c) Que, apesar dessa íntima interpenetração, não há mistura, confusão
ou conversão das duas naturezas, pois a plenitude da Divindade
habita a natureza humana. Bem como as pessoas da Trindade
penetram uma na outra sem confusão, ou como a alma habita o
corpo sem se misturar, assim o logos penetra a carne de tal modo que
as naturezas não se misturam nem se confundem (unio asynchytos,
ámiktos, átreptos);
d) Não se deve compreender a natureza divina como se ela se estendesse
para além da natureza, visto que a plenitude da Divindade habita
dentro do corpo. Como a alma se acha dentro do corpo vivo, porém
nunca fora dele, assim o logos está dentro da carne de maneira a nunca
se achar para além dela ou fora dela. (Neque caro extra logon, neque
logos extra carnem.);
A Doutrina dc Cns:

e) A comunhão das duas naturezas em Cristo é inseparável (achóoristos),


uma vez que elas estão permanentemente unidas (adiastatoos) ou
que se acham sempre mutuamente presentes. E, pois,
verdadeiramente escriturística a doutrina da comunhão das
naturezas segundo ensinam os teólogos luteranos.
Quenstedt apresenta essa doutrina da seguinte maneira: "A comunhão
das naturezas é a participação (koinoonia) e combinação (syndyasis) muito
íntima da natureza divina do logos e a natureza humana assumida, pela qual
o logos, mediante uma interpenetração (perichóoreesis) intima e profunda, de
tal modo permeia, habita e faz sua a natureza humana unida com ele
pessoalmente que de ambas, que estão em mútua intercomunicação, emerge
o sujeito incomunicável, a saber, a pessoa." (Doctr. Theol., p.310) Quenstedt
descreve a doutrina zwingliana oposta (nestorianismo) assim: "condenamos
a antítese dos calvinistas, alguns dos quais ensinam que somente a pessoa do
logos é que se uniu à natureza humana e não, ao mesmo tempo, a sua natureza
divina ... Dessa maneira, inventam uma união dúplice, mediata e imediata,
afirmando que as naturezas estão unidas, não de modo imediato, mas por
intermédio da pessoa do logos." (Doctr. Theol., p.316)
Os teólogos reformados Fazem objeção à comunhão das naturezas,
baseados no fato de que a natureza humana de Cristo deveria ser reputada
'muito vasta", pois, de outro modo, não poderia estar presente em toda parte
juntamente com a natureza divina. (extensão local) Na verdade, nesse caso,
não poderia, de modo algum ser considerada natureza humana, visto lhe
serem atribuídas qualidades de que a natureza humana é incapaz. Em resposta
a isso, dizemos que a natureza humana de Cristo não recebeu extensão física
pela encarnação, porém é onipresente juntamente com a natureza divina.
(Mt 28.20) Não mediante extensão local, mas por presença ilocal (Jo 20.19-26;
Lc 24.31), a qual possui, além da presença local (Jo 4.3,4) em virtude da união
pessoal.
Se os teólogos reformados perguntarem como isso é possível sem
destruição da natureza humana, respondemos que as Escrituras Sagradas
ensinam ser isso um fato. (Jo 1.14; Mt 28.18-20) Embora um grande mistério
(1 T m 3.16), por isso mesmo, a doutrina não deve ser negada, mas crida.
Outrossim, se afirmarem que a natureza humana de Cristo recebeu dons
finitos extraordinários (dona finita extraordinaria), porém não dons
verdadeiramente divinos (dona divina), chamaremos a sua atenção para as
passagens escriturísticas que atribuem diretamente dons divinos à natureza
humana: 1 Jo 1.7; Mt 9.6; Jo 5.27; Mt 28.18-20. Além de a natureza humana
executar actus naturales (comer, beber, sofrer, morrer, etc.) que são comuns a
todos os seres humanos, ela também executa actus personales (perdoar pecados,
exercer juízo, etc.), que são resultante direta de sua comunhão íntima com a
natureza divina.
Dogmática Cristá

Como a união pessoal, também a comunhão das naturezas é


comprovada por proposições pessoais como "Deus é homem" e "O homem é
Deus"; porque essas proposições afirmam uma comunhão real das naturezas
em Cristo. A objeção dos zwinglianos (nestorianos) de que, pelo que tange à
comunhão das naturezas (quoad communionem naturarum), as proposições
pessoais são apenas nominais (propositiones verbales, propositiones tropicae),
respondemos que, nesse caso, também a encarnação, a união pessoal e toda a
doutrina da Escritura referente à pessoa de Cristo deve ser considerada nominal
ou figurativa; pois o que é verdadeiro quanto a uma parte de um mistério, é
verdadeiro quanto ao mistério todo. Realmente, se devemos considerar
nominal ou trópico, na Escritura, tudo o que se opõe à cega razão do ser
humano, então, em última análise, tem que se negar todo artigo de fé.
Contra o eutiquianismo e o nestorianismo, a Fórmula de Concórdia
declara (Art. VIII, 13ss): "Não se deve entender essa união pessoal, conforme
alguns erroneamente a explicam, como se ambas as naturezas, a divina e a
humana, estivessem unidas uma com a outra da maneira como se colam
duas tábuas, de sorte que realiter, isto é, de fato e de verdade, nenhuma
comunhão teriam entre si" (contra Nestório e Samosateno), tampouco "por
mistura ou igualação das naturezas, como quando de mel e água se faz
hidromel, que já não é água ou mel distintos, senão bebida mista" (contra
Eutíquio), porém como a união e comunhão pessoais com os símiles animae
et corporis e ferri candentis, isto é, do corpo e da alma e de ferro candente.
Pois corpo e alma, bem como fogo e ferro, têm comunhão entre si não per
phrasin ou modum loquendi, ou verbaliter, isto é, de forma tal, que se trata
apenas de maneira de falar e de meras Palavras, senão vere e realiter, isto é,
verdadeira e realmente."
Contra os erros dos calvinistas (nestorianos), papistas e eutiquianos,
nossos dogmáticos descreveram, em resumo, a penetração das duas naturezas
(perichóoreesis) como segue: "É a) intima et perfectissima, íntima e perfeitíssima;
b) mutua, assim a natureza divina penetra a humana, e a carne assumida é
penetrada completamente pela natureza divina; c) inseparabilis, (achóoristos);
d) sem confusão, mistura ou conversão (asynchytos, ámiktos, átreptos), mas
assim que as duas naturezas de Cristo estão continuamente unidas
(adiástatoi, sive sibi mutuo praesentes)e jamais estão fora uma da outra (nuspiam
ultra, nuspiam extra)."

6. A COMUNICAÇAO
DOS ATRIBUTOS
(DE COMMUNICATIONE
IDIOMATUM)
Visto que a união pessoal não pode estar perfeita e ser penetrativa
(pericorística) sem a participação das qualidades, a comunicação dos atributos
(communicatio idiomatum) das duas naturezas em Cristo é conseqüência
A Doutrina de Cristc
obrigatória da união pessoal. Ao assumir, na sua pessoa, uma natureza humana
verdadeira, o Filho de Deus assumiu, também, as qualidades que são próprias
à natureza humana. (ser criatura, nascer, sofrer, morrer, subir e descer,
locomover-se, etc.) Todo aquele que nega a comunicação dos atributos tem
de negar, também, a união pessoal, ou seja, o mistério sublime de que o Verbo
se fez carne.
Hollaz descreve da seguinte maneira a comunicação dos atributos
(communicatio idiomatum): "A comunicação dos atributos é a participação
verdadeira e real das propriedades da natureza divina e da humana em
conseqüência da união pessoal em Cristo, o homem-Deus, que é denominado
segundo uma ou segundo ambas as naturezas." (Doctr. Theol., p.321)
Não entendemos pelo termo propriedades (idióomata, propria), que é
empregado aqui em seu sentido mais amplo, unicamente as propriedades
naturais em si, mas também o que fazem e padecem (energéemata kai
apotelésmata, actiones et passiones), por cujo intermédio as propriedades são
externadas. (criar - ser criado; dar vida - perder a vida)
Embora os atributos de ambas as naturezas sejam atribuídos ao concreto
das duas naturezas (Cristo - O homem-Deus) ou ao concreto de cada uma de
ambas as naturezas (Deus - o Filho do homem), ainda assim não decorre
disso que as propriedades de uma natureza se converteram em propriedades
da outra (Deus não é mortal; o ser humano não é eterno); porquanto pela
união pessoal, as duas naturezas não se convertem em substância, mas cada
uma conserva os atributos que lhe são essenciais ou os que lhe são naturais.
(Doctr. Theol., p.313) É, pois, unicamente à pessoa que se podem atribuir sem
mais distinção os atributos de uma ou de outra natureza. Essa verdade será
considerada mais tarde com maiores detalhes.
Quando falamos do "concreto da natureza divina", referimo-nos a
termos como Deus, Filho de Deus, o logos, etc.; quando falamos do "concreto
da pessoa" ou das duas naturezas, referimo-nos a termos como Cristo, Messias,
Emanuel, etc., que significam a pessoa constituída de duas naturezas.
Embora cada verdade que se estabeleça sob o título "Comunicação dos
Atributos" esteja contida na doutrina da união pessoal, tratamos dos
ensinamentos da Escritura sobre esse ponto sob três epígrafes distintas, a fim
de que essa doutrina possa ser percebida com facilidade e clareza e a antítese
dos que professam o erro possa ser refutada com a maior eficiência.
Conseqüentemente, falamos de Tuês Gêneros de Comunicação dos Atributos.

Hollaz descreve o primeiro gênero de comunicação dos atributos com


as seguintes Palavras: "O primeiro gênero de comunicatio idiomatum consiste
Dogmática Cristá

em que as propriedades que são peculiares à natureza divina ou à humana


são verdadeira e realmente atribuídas a toda a pessoa de Cristo, designada por
qualquer das duas naturezas ou por ambas." (Doctr. Theol., p.314) (1 Co 2.8):
"Jamais teriam crucificado o Senhor da glória"; (At 3.15): "Matastes o Autor
da vida"; (Hb 13.8): "Jesus Cristo ontem e hoje é o mesmo, e o será para
sempre"; (Jo 8.58): "Antes que Abraão existisse, eu sou", etc. Em todas essas
passagens e outras similares, são atribuídas peculiaridades de qualquer das
duas naturezas à pessoa inteira.
O primeiro gênero de comunicação dos atributos deriva sua importância
do fato de aqueles que erram nisto terem dado falsa interpretação às passagens
bíblicas que atribuem peculiaridades humanas ou divinas à pessoa inteira de
Cristo. Assim, se tem negado que os atributos humanos "nascer", "sofrer",
"morrer" possam ser afirmados com respeito ao Filho de Deus. Nestório opôs-
se ao ensinamento da Igreja Cristã segundo o qual Maria foi chamada
theotokos, ou seja "Mãe de Deus". Zwínglio recorreu a uma figura de retórica
(allóioosis) para excluir o Filho de Deus do padecimento e da morte de Cristo.
Segundo Zwínglio, "Cristo sofreu" quer dizer "A natureza humana sofreu";
"A minha carne é verdadeiramente comida" quer dizer "A minha natureza
humana é verdadeiramente comida". Em suma, tanto Nestório como Zwínglio
negaram que "o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado." (1 Jo
1.7) Em outras Palavras, negaram que o padecimento e a morte de Cristo
fossem o padecimento e a morte de Deus.
A Escritura, porém, afirma precisamente esse fato. O Filho de Deus foi
feito de uma mulher (C1 4.4), padeceu e morreu. (1 Co 2.8) É precisamente
este fato, que Deus padeceu e morreu por nós, que confere ao sangue de
Cristo o poder para purificar do pecado. (1 Jo 1.7) Deste modo, as Sagradas
Escrituras atribuem duas espécies de propriedade à pessoa de Cristo, uma
divina e a outra humana, se bem que, nesses casos, determinem a natureza
segundo a qual a propriedade em questão é atribuída à pessoa inteira.. (Rm
1.3): O seu Filho, Jesus Cristo, nosso Senhor, "veio da descendência de Davi
segundo a carne." Vez que outra, afirmam-se as propriedades sobre o concreto
da natureza divina. (Filho de Deus, Senhor da glória, Autor da vida). Outras
vezes, sobre o concreto da natureza humana. (Filho de Davi, Filho do ser
humano)e, numa terceira ocasião, o concreto de ambas as naturezas. (Cristo,
Emanuel, nosso Senhor Jesus Cristo) Os atributos, porém, são sempre
considerados como pertencentes ao Cristo todo.
Nesta forma, a Escritura atribui a Cristo: eternidade (Jo 8.58) e tempo
(Lc 3.23); a eterna geração do Pai (Jo 1.14,18; Rm 8.32) e no tempo, o
nascimento de Maria (G1 4.4; Lc 1.35; 2.7); onisciência (Jo 21.17; 2.24,25) e
conhecimento limitado (Lc 2.52; Mc 13.32); onipotência (Mt 28.18; Mc 4.39)
e poder limitado (Jo 18.12); vida essencial e absoluta (1 Jo 1.2; Jo 10.18; 5.26),
morte e ressurreição. (Mt 16.21; 1 Co 2.8; At 3.15) Ambas as espécies de
atributos, divinos e humanos, pertencem igual, real e verdadeiramente a Cristo.
porque ambas as naturezas, a divina e a humana, lhe pertencem real e
verdadeiramente. Ainda assim, os atributos divinos pertencem a Cristo
segundo a sua natureza divina, enquanto que os atributos humanos lhe
pertencem segundo a natureza humana, conforme indica a Escritura
claramente pelas partículas diacríticas (particulae diacriticae), como em Rm
1.3; 9.5.
Na descrição da obra da redenção de Cristo, empregam-se as expressões
concretas: "O Filho de Deus padeceu e morreu" em lugar das abstratas: "A
Divindade padeceu e morreu", por que poderiam ser tomadas no sentido de
teopasquitismo. (teopassianismo). Bem-entendidos, contudo, esses termos
podem ser justificados. Lutero e os dogmáticos do século XVI empregaram-
nos frequentemente no sentido da "Divindade na carne". (cf. C1 2.9: "a
plenitude da Divindade"). De passagem, podemos acrescentar que os nossos
dogmáticos jamais afirmaram que Deus pudesse, em sua natureza, padecer e
morrer. O que ensinaram foi que Cristo, o Filha de Deus encarnado, que é
verdadeiro Deus e verdadeiro ser humano, sofreu e morreu segundo a sua
natureza humana.

O s e g u n d ~gênero de comunicação dos atributos é o gênero pelo qual o


Filho de Deus, por efeito de sua união pessoal, comunica as propriedades de
sua própria natureza divina à sua natureza humana assumida para possessão,
uso e designação comuns. (Hollaz) Como o genus idiomaticum, também o
genus maiestaticum decorre da união pessoal; pois, uma vez que a natureza
humana foi aceita na pessoa do logos, partilha a inteira glória e majestade da
natureza divina e, por conseguinte, também os seus atributos divinos. (Jo
1.14; 5.27; 6.51) Se a encarnação é real, também a comunicação dos atributos
divinos à natureza tem de ser, visto que, mediante a união pessoal, não só a
pessoa, como também a natureza divina, que não pode ser segregada da pessoa,
entrou em comunhão com a natureza humana.
Ainda assim, tem-se negado enfaticamente esta verdade importante,
que a Escritura atesta com tanta clareza. Particularmente, tem-se sustentado
que a natureza humana não pode receber onipotência, onisciência e
onipresença divinas, visto o finito não ser capaz de conter essas propriedades
infinitas. (reformados, papistas) Os que insistem nesse erro afirmam que a
natureza humana seria destruída, caso os atributos divinos lhe fossem
impostos à força. Conseqüentemente, pela união pessoal, a natureza humana
de Cristo recebeu, não onipotência, mas apenas grande poder; não onisciência,
mas apenas grande conhecimento; não onipresença, mas apenas uma presença
local exaltada à destra de Deus. Em síntese, de acordo com a doutrina
Dogmática Cristã

reformada, a natureza humana de Cristo não recebeu dons divinos, mas apenas
dons finitos extraordinários, dos quais a natureza humana, em geral, é capaz.
Essa negação da comunicação dos atributos divinos à natureza humana é, no
entanto, também, negação da união pessoal; pois, se a natureza humana de
Cristo não pudesse participar dos atributos divinos, não poderia ser admitida
na pessoa do logos, de modo que não poderia haver encarnação (união pessoal),
mesmo que reformadores e papistas a mantenham teoricamente.
Em oposição ao erro dos reformados e papistas, a Escritura afirma que
Cristo, segundo a sua natureza humana, recebeu, no tempo, onipotência
divina. (Mt 28.18: "Toda a autoridade me foi dada"; Jo 5.27: "autoridade para
julgar "; 6.51: poder para vivificar; cf. também Mt 16.27; At 17.31), consciência
divina (C1 1.19; 2.3,9), onipresença divina (Mt 18.20; 28.20; Jo 3.13; Ef 1.23;
4.10), majestade divina (Mt 11.27; Lc 1.33; Jo 6.62; Fp 2.6; Hb 2.7), glória
divina. (Mt 26.64; Mc 14.62; Rm 8.34; Ef 1.20; 4.10; Hb 8.1) Como acréscimo
a essas passagens, o genus maiestaticum vem claramente ensinado em Jo 1.14,
onde se declara expressamente que a glória que foi conferida à natureza
humana se viu mesmo no estado de humilhação de Cristo. Em C1 2.9, também
se diz que a plenitude da Divindade habita corporalmente em Cristo de forma
que, na verdade, a majestade divina inteira foi comunicada ao corpo ou à
natureza humana de Cristo.
Em consonância com a Escritura, mantemos que a natureza humana
de Cristo, mediante a união pessoal, entrou na posse de todos os atributos
divinos do logos, naturalmente não de modo essencial((forma2iter), porém por
comunicação. (per communicationem) É precisamente isso que pretendemos
afirmar com o segundo gênero de comunicação dos atributos.
Como explicação adicional do genus maiestaticum, acrescentamos o
seguinte:
a. Temos de fazer distinção entre possessão (kteesis) e uso (clzreesis) dos
atributos divinos comunicados à natureza humana. Referente à
possessão, as propriedades divinas foram comunicadas à natureza
humana ao mesmo tempo, precisamente na hora ou no ato de
unificação (concepção), de sorte que o próprio infante Jesus estava de
posse de inteira majestade e glória divinas. (Jo 1.14, Lc 1.35) Cristo,
no entanto, durante o estado de humilhação, absteve-se do completo
uso da majestade atribuída, ainda que, frequentemente, se
manifestassem raios de onipotência divina, onisciência. (Jo 12.28;
; t 1 7 . 2 s ~ ) O exercício perfeito e
M t 3.17; Jo 14.11; 1 1 . 4 3 s ~ M
constante da majestade que lhe foi comunicada começou quando
de sua exaltação à destra de Deus. (Ef 1.23; 4.10; Fp 2.9s~)
b. A reciprocidade, que realmente se dá no primeiro gênero, não ocorre
no genus maiestaticum; porquanto não pode haver humilhação,
A Doutrina Jt Cr:x

esvaziamento ou diminuição da natureza divina (tapéinccsis


kénoosis, eláttoosis), como há enriquecimento ou exaltação (beltíocsis,
hyperypsoosis) da natureza humana. A natureza divina é imutável e
não pode, por conseguinte, ser aperfeiçoada ou diminuída, exaltada
ou humilhada. Cabe, pois, a promoção à natureza que é assumida,
não à que assume. (Quenstedt)
Por isso, nossas Confissões Luteranas rejeitam o chamado quarto gênero
(genus tapeinootikón), pelo qual Cristo teria, segundo a sua natureza divina,
posto de lado e abandonado, no seu estado de humilhação, "todo o poder nos
céus e na terra." (cf. A Fórmula de Concórdia, Epít., VIII, 39) Nossas Confissões
fazem ver corretamente que, mediante esta "blasfema perversão", o "caminho
está aberto para a maldita heresia ariana, assim que finalmente se nega a
divindade eterna de Cristo e, destarte, Cristo e, com ele, a nossa salvação
está completamente perdida". (cf. o erro do quenoticismo)
c. A natureza humana de Cristo, como acréscimo às suas propriedades
essenciais, possuía dons finitos mais excelentes do que os mortais
pecadores possuem. Esses lhe devem ser atribuídos em razão de sua
perfeição e impecaminosidade. (Lc 2.47,52) Contudo, somados a
esses dons, foram-lhe conferidos, segundo a sua natureza humana,
"dons verdadeiramente divinos, incriados, infinitos e
incomensuráveis7'. "Todos os atributos divinos" da natureza divina
lhe foram conferidos pela união pessoal (C1 2.3,9), para uso perfeito
e externo durante e depois de sua exaltação. (Fp 2.9s~)
d. Atendendo ao fato de que a natureza divina comunicou os seus
atributos à humana, consideramos os atributos divinos como
pertencentes a Cristo, tanto segundo a sua natureza divina como
segundo a humana. A natureza divina, entretanto, atribuímo-los
como sendo inerentes a essa natureza. A natureza humana,
atribuímo-los por comunicaçáo. (per communicationem) Assim é que
a Escritura diz: "Nele habita corporalmente toda a plenitude da
Divindade." (C1 2.9) Dessa maneira, evitamos o erro de que a
comunicação tivesse ocorrido por meio de "uma infusão essencial
ou natural das propriedades das duas naturezas". Nossas Confissões
condenam esse erro, declarando: "De modo nenhum se manterá ou
admitirá uma conversão, confusão ou um nivelamento das naturezas
em Cristo ou de suas qualidades essenciais." (Fórmula de Concórdia,
Art. VIII, 62ss)
Por causa das controvérsias sobre o assunto, torna-se necessário
considerar detalhadamente os atributos divinos que, segundo a Escritura,
foram comunicados à natureza humana.
a. Onisciência. Segundo Jo 3.34, o Espírito foi dado à natureza humana
de Cristo sem medida. (ouk ekt metrou) Visto que o Espírito Santo é
Dogmática Cristã

Espírito de sabedoria e de conhecimento (1s 11.2; 1 Co 2.10,11),


Cristo recebeu, portanto, segundo a sua natureza humana, sabedoria
e conhecimento divinos infinitos. Desse fato, distinguimos em Cristo
um conhecimento duplo: o conhecimento divino infinito que a
natureza divina comunicou à natureza humana mediante a união
pessoal (actus personalis) e o conhecimento que a natureza humana
possuía naturalmente e por essência. (actus naturalis) O primeiro é
conhecimento infinito ou onisciência (divina omniscientia); o
segundo, conhecimento finito, passível de crescimento. (scientia
naturalis, habitualis, experimentatis) É desse último que o evangelista
fala em Lc 2.52: "E crescia Jesus em sabedoria." O conhecimento
infinito, divino, que foi comunicado à natureza humana de Cristo,
vem confirmado em C1 2.3.
A passagem de Mc 13.32 não nega a comunicação do conhecimento
infinito, divino à natureza humana, mas, descreve o Cristo encarnado em seu
estado de humilhação, quando se abstinha do uso completo dos atributos a ele
comunicados. Cristo, segundo a sua natureza humana, só empregou os dons
divinos a ele comunicados quando necessários à sua obra redentora. A redenção
do pecador, porém, não requeria a divulgação do tempo e hora em que seria o
dia do Juízo. Se os reformados objetam a isto que é impossível conceber que o
conhecimento divino comunicado fosse parte inoperante (actus primus), e parte
operante (actus secundus), chamamos sua atenção para o fato de que o
entendimento humano é incapaz de compreender o "mistério da piedade" (1
Tm 3.16), quer no todo, quer em parte. Não obstante, é impossível ilustrar, de
algum modo, a relação entre os conhecimentos operante e inoperante de Cristo
com a alma humana, a qual, durante o sono, conhece e, ao mesmo tempo, não
conhece. Tanto os reformados como os papistas, que negam a comunicação do
conhecimento divino à natureza humana de Cristo, devem ser declarados em
erro nesse ponto (Agnoetae),visto afirmarem que o Filho do ser humano, mesmo
no seu estado de exaltação, desconhece muitas coisas.
b. Onipotência. Que Cristo recebeu, segundo a sua natureza humana,
divina onipotência é uma verdade ensinada claramente na Escritura.
(Dn 7.13,14; M t 28.18; Hb 2.8) Mesmo no seu estado de
humilhação, era dotado de onipotência (Mt 11.27; Jo 13.3; 3.35; 1s
9.6ss), de sorte que pôde curar os enfermos (Mt 4.23; Mc 1.34; Lc
4.40), expulsar demônios (Lc 4.41; 11.14), ressuscitar os mortos (Jo
5.21; 12.1), em suma, operar todos os milagres que, segundo a
profecia, o divino Messias deveria fazer. (1s 35.4-6; 61.1,2; Lc 4.17-
21; Mt 11.4-6)
Que Cristo possuía onipotência divina também segundo a sua natureza
humana, está comprovado especialmente pelas passagens que declaram
expressamente que essa propriedade divina lhe foi conferida na qualidade de
A Doutrina de Cristo
Filho do ser humano. (Jo 5.26,27; M t 16.27; Lc 22.69; D n 7.13,14; C1 2.9) O
Filho do ser humano operou os seus milagres, não como simples agente, que
agisse em nome do Pai (instrumentum áergon), porém em seu próprio poder
(instrumentum synergon), conforme a Escritura confirma em Jo 2.11; 6.51-58.
Com respeito às passagens que declaram que os atributos divinos foram
concedidos a Cristo no tempo (Jo 5.26,27; 13.3; M t 11.27; 28.18), vigora o
cânone da antiga Igreja Cristã: "Tudo o que Cristo recebeu no tempo o recebeu
segundo a sua natureza humana, não segundo a divina." Em outras Palavras,
não se referem à sua geração eterna, porém à sua encarnação. "Tudo o que a
Escritura diz haver o Verbo recebido [no tempo] [..I o diz em relação à sua
humanidade, e não em relação à sua divindade." (Atanásio. Tuiglotta, p.1117)
Ao lado do poder divino infinito que Cristo recebeu segundo a sua
natureza humana, possuía, em seu estado de hurnilhaçáo, também poder finito,
limitado, visto que, para tornar possível a sua obra de redenção, não fez uso
constante e completo das prerrogativas divinas comunicadas à sua natureza
humana. (2 Co 8.9; Jo 10.17,18; Fp 2.6-8) Somente dessa maneira podia "crescer
em sabedoria" (Lc 2.52), e padecer e morrer. (Fp 2.8) Também no estado de
humilhação nem sempre ocultou o seu poder divino. (Jo 11.40-44) A oposição
enfática que os teólogos reformados fazem à doutrina escriturística da
onipotência de Cristo comunicada a eIe evidencia-se da afirmação de Hodge:
"A natureza humana de Cristo não é mais onisciente ou todo-poderosa do que
é onipotente o que opera um milagre." (Syst. Theol., 11, 417)
c. Onipresença. Além de onisciência e onipotência, as Sagradas Escrituras
também atribuem onipresença a Cristo. (Mt 28.18-20; Ef 1.20-23;
4.10) Em Jo 1.14 e C1 2.9, também se ensina a onipresença da
natureza humana de Cristo, pois essas passagens declaram que, onde
quer que o logos, depois da encarnação, se ache presente, está presente
como logos énsarkos. (Filius Dei incarnatus) (Neque logos extra carnem,
neque caro extra logon.)
Com fundamento na Bíblia, nossos dogmáticos rejeitam enfaticamente
o chamado extra illud Calvinisticum, segundo o qual o logos se uniu com a
natureza humana de tal modo que a habita completamente, porém, por ser
imenso e infinito, existe e opera também completamente fora da natureza
humana. O extra Calvinisticum não é só antiescrituristico, como também
contraditório.
Ao mesmo tempo em que os reformados consideram absurda toda a
doutrina da comunicação dos atributos, condenam, em particular, a verdade
escriturística da onipresença comunicada a Cristo como obra monstruosa da
imaginação (monstrosum figmentum) ou monstro de impiedade. (impium
monstrum). (cf. Pieper, Christiche Dogmatik, 11, 183ss) Negando a presença
pessoal da natureza humana de Cristo, afirmam a presença tão só de sua
Dogmática Cristã

eficácia e acusam os seus antagonistas luteranos de ensinarem a idéia


disparatada da ubiqüidade, ou seja, da presença local da natureza, muito
embora os teólogos luteranos a tenham sempre rejeitado como fantasia pueril;
pois que não explicam a onipresença da natureza humana de Cristo como se
fosse por extensão local, mas como sendo por sua presença sobrenatural e
ilocal.
Todos os argumentos dos reformados contra a onipresença de Cristo
que se baseiam na ascensão de Cristo, no seu assentar à direita de Deus Pai,
no seu segundo advento, etc., querendo que esses atos pressuponham mera
presença local, assentam num conceito pueril de Deus e das coisas celestiais.
Tão desproposital é, também, o argumento segundo o qual cada corpo real
teria de estar sempre contido no espaço, de modo que a natureza humana de
Cristo deveria ser considerada como que a ocupar sempre o espaço. O universo
certamente é um corpo material criado; todavia não está contido no espaço,
mas está em Deus. (At 17.28)
Da mesma forma como a natureza humana recebeu a onisciência e a
onipotência divinas no primeiro instante da união pessoal, também recebeu
a onipresença divina. Isso não quer dizer que, pela união pessoal, a natureza
humana perdesse as suas propriedades naturais ao ponto de o corpo de Cristo
deixar de estar num determinado lugar; porquanto a onipresença da natureza
humana não era "física, difusiva, expansiva, densa, local, corpórea e divisível",
porém divina e sobrenatural. Os nossos dogmáticos fazem corretamente
distinção entre a onipresença simples de Cristo (nuda adessentia, praesentia
partialis, adiastasia) e sua onipresença triunfante (omnipraesentia totalis,
omnipraesentid modificata), que vem sempre associada ao domínio divino.
Cristo possuía a primeira forma no estado de humilhação (Jo 1.14; C1 2.9; Jo
3.13), visto que, depois da encarnação, o lagos jamais se acha fora da carne.
Cristo possui a outra forma desde a sua exaltação. (Ef 1.20-23; 4.10)
Além da onipresença divina, que lhe foi comunicada pela união pessoal
(actus personalis, praesentia illocalis, supernaturalis, repletiva), a natureza
humana de Cristo possuía, também no seu estado de humilhação, presença
local. (actus naturalis, praesentia localis). (Lc 2.12)
Nossos dogmáticos, fundamentados nas Sagradas Escrituras, atribuem
à natureza humana de Cristo três formas de presença, a saber: a) praesentia
localis, praesentia circumscriptiva, b) praesentia illocalis, praesentia definitiva
(Jo 20.19) e c) praesentia repletiva, divina, supernaturalis. (Ef 1.23; 4.10) (cf.
Cliristliche Dogmatik, 11, 195ss) A essas formas de presença pode-se acrescentar
a praesentia sacramentalis, segundo a qual o corpo de Cristo está presente na
Ceia do Senhor. (Mt 26.26)
O "estar assentado à direita de Deus7' não se deve considerar como
referente a uma "localização circunscrita ou Hsica", uma vez que "a mão
A Doutuina de Cristo

direita de Deus - segundo comenta Gerhard corretamente - não é um lugar


corpóreo, circunscrito, limitado, definido, porém o poder infinito de Deus e
sua majestade muito eficaz no céu e na terra, ou o domínio pelo qual Deus
mantém e governa todas as coisas." (SI 18.35; 44.3; 108.6; 63.8, etc.) Assim
também Hollaz escreve: "Assentar-se à direita de Deus significa governar, por
virtude da união pessoal e da exaltação que lhe seguiu, todas as obras da mão
de Deus da maneira mais poderosa, mais eficaz, e mais gloriosa. (1 Co 15.25,27;
S1 110.1,2; Hb 2.8) (c£. Doctr. Theol., p.403ss)
d. Honra. Do modo como as Escrituras atribuem majestade e glória
divinas a Cristo segundo a sua natureza humana (C1 2.9), assim
também lhe atribuem honra divina. (Jo 5.20-23; Fp 2.9-11; Ap 5.9,10)
Os reformados e papistas, que negam honra à natureza humana de
Cristo com base em 1s 42.8 e Jr 17.5, revelam, por essa negação, que,
apesar de suas afirmações contrárias, sustentam a doutrina
nestoriana, segregam as duas natureza em Cristo e negam o mistério
da encarnação. (união pessoal) Todo aquele que ensina corretamente
a união pessoal jamais considera a natureza humana separada da
divina, porém, sempre unida à mesma na pessoa única e indivisível
de Cristo, de sorte que aquele que adora a natureza divina, adora ao
mesmo tempo a natureza humana, ou seja, o Cristo encarnado.
Tem-se debatido a questão sobre a conveniência de se substituírem,
em relação ao segundo gênero, expressões abstratas como "A natureza humana
de Cristo vivifica" ou "A natureza humana é onipotente", etc., pelas expressões
concretas "Cristo vivifica" ou "O Filho do homem é onipotente". Aquelas
podem induzir os menos avisados a crer que a natureza humana à parte da
união pessoal (in abstracto reali) seja dotada de tal poder ou que a natureza
humana possua onipotência divina como dom especial à parte da onipotência
da natureza divina.
Essas interpretações errôneas certamente devem ser corrigidas; todavia,
não se deve condenar o emprego dessas expressões, pois a mesma Escritura as
emprega. (Jo 6.51; 1 Jo 1.7) Sustentam, além disso, com a maior ênfase, a
doutrina da comunicação dos atributos, a verdade escriturística de que, em
Cristo, as duas naturezas, juntamente com todos os seus atributos, estão
intimamente ligados; não apenas os chamados operantes (attributa operativa,
energeetiká) como onipotência, onisciência, mas também os inoperantes
(attributa quiescentia, anenérgeeta), como eternidade, infinidade, imensidade.
(C1 2.9; Jo 1.14, etc.)
Lutero escreve sobre isso: "Segundo o outro nascimento, o nascimento
temporal, humano, também lhe foi dado o poder eterno de Deus; todavia no
tempo, e não de eternidade. Porquanto a humanidade de Cristo não existiu
desde a eternidade, como a divindade; porém, a partir do momento em que a
Dogmática Cristã

divindade e humanidade se uniram numa só pessoa, o ser humano, Filho de


Maria, é e chama-se Deus onipotente, eterno, que tem poder eterno e criou
e mantém tudo per communicationem idiomatum, por isso que é uma só pessoa
com a divindade e também verdadeiro Deus." (Fórmula de Concórdia/ Decl.
Sól., VIII, 85)
É preciso, porém, que se tenha em conta que a Escritura, ainda que
atribua à natureza humana a "plenitude da Divindade" (C1 2.9), nunca afirma
diretamente da natureza humana os atributos quiescentes (eternidade,
imensidade, infinidade), porém unicamente os atributos operantes.
(onipotência, onipresença, onisciência, etc.) A razão disso é dada por nossos
dogmáticos, como segue: Apesar da união pessoal, as propriedades divinas
continuam como atributos essenciais da natureza divina e jamais se tornam
atributos essenciais da natureza humana mediante transfusão. São porém,
afirmados com respeito à natureza humana enquanto ativos na natureza
humana como corpo de Cristo que é. (A natureza humana vivifica, exerce o
juízo, etc.) Por conseguinte, não damos onipotência divina à natureza
humana como atributo essencial, porém lha atribuímos, enquanto o Filho de
Deus exercer a sua onipotência divina em sua natureza humana, unida à
divina pela união pessoal. Por outro lado, as propriedades divinas que, dentro
da essência divina se acham inativas e não se exercem ad extra, não podem
ser afirmadas diretamente com referência à natureza humana.
A objeção feita pelos reformados de que, a menos que todos os atributos
divinos possam ser afirmados como pertencentes à natureza humana, nenhum
sequer lhe poderá ser atribuído, respondemos:
a. Também nesse assunto, nos atemos estritamente à Escritura, a qual
atribui onipotência, onisciência e onipresença divinas à natureza
humana de Cristo, porém não eternidade, infinidade, imensidade,
etc. Por essa razão, a alternativa "ou-ou" dos reformados deve ser
rejeitada como antiescriturística.
b. Esse "ou-ou" racionalista, no entanto, é também insensato; tão
insensato, na verdade, como se quisesse argumentar: "Se, por sua
união com a alma, o corpo é dotado de vida, tem de igualmente se
tornar imaterial. Como, porém, não se torna imaterial, não vive."
Ora, bem como a alma dá vida ao corpo (atributo operante), porém
não imaterialidade (atributo inoperante), bem assim a natureza divina
de Cristo, segundo a Escritura, exerce diretamente na natureza
humana de Cristo os seus atributos operantes, porém não os
quiescentes.
Ainda assim, os atributos quiescentes de Cristo não ficam inteiramente
excluídos de sua atividade teantrópica; pois, se exercem ad extra/ por meio
dos atributos operantes. Do modo como Deus fez o mundo no tempo mediante
A Doutrina de Cristo

a sua onipotência eterna e imensa, também Cristo ressuscitou Lázaro pelo


poder infinito de sua divindade eterna.
Além disso, a Escritura descreve expressamente a onipotência
comunicada ao Filho do homem como infinita. (Dn 7.14): "E foi-lhe dado o
domínio e a honra [...I O seu domínio é um domínio eterno." Nessa passagem,
o atributo quiescente da eternidade é indiretamente firmado com respeito à
natureza humana de Cristo; porquanto a honra que o Filho do homem recebeu
é eterna. Assim também Cristo, segundo Jo 17.5, foi glorificado com glória
eterna. Sua natureza humana, conforme ele próprio diz, recebeu a mesma
glória que, como logos preexistente, tinha antes que o mundo existisse. (cf.
Fórmula de Concórdia, VIII, 4 8 s )

Gerhard define o terceiro gênero de comunicação dos atributos como gênero


"pelo qual cada natureza, nos atos oficiais, opera o que lhe é peculiar, com a
participação, contudo, da outra." (1 Co 15.3; G1 1.4; Ef 5.2) A importância desse
gênero se torna clara, quando consideramos que Cristo só pôde efetuar a sua
obra de redenção, porque nele se achavam unidas as naturezas humana e divina.
Chemnitz escreve com muita propriedade sobre o assunto: "Esta união
da realeza e do sacerdócio do Messias se efetuou no interesse da obra da
redenção por nossa causa e por causa de nossa salvação. Como porém, a
redenção tivesse de ser efetuada por meio de padecimento e morte, fazia-se
necessária uma natureza humana. De sorte que aprouve a Deus fosse, para
nosso conforto, também empregada a nossa natureza assumida nos ofícios
de Rei, Sacerdote e Senhor de Cristo, e desta maneira, fossem realizados os
atos [oficiais] (apostelésmata) dos ofícios de Cristo em, com e mediante ambas."
(Doctr. Theol., p.337)
A consideração especial desse gênero tornou-se necessária por causa da
antítese dos reformados, que ensinam ambas as naturezas terem operado as
suas partes sozinhas, cada qual sem a participação da outra na obra da redenção.
Semelhantemente, pretendem que a natureza humana de Cristo apenas
tivesse contribuído para os milagres como simples instrumento ou
instrumento passivo. (instrumentum áergon) Dizem que não teria contribuído
mais para os milagres que fez a orla do vestido que aquela mulher tocou (Mt
9.20), ou que o fez a natureza humana dos apóstolos (At. 3.6) ou a vara de
Arão. (Êx 8.16) Calvino denominou o mérito de Cristo diretamente como
mérito de ser humano e, desta maneira, excluiu a natureza divina da aquisição
ativa da salvação para os seres humanos. Isso está de pleno acordo com a
Dogmática Cristã

opinião reformada, segundo a qual a comunicação dos atos oficiais de Cristo


(apotelésmata) não se poderiam atribuir à comrnunicatio idiomatum. Isso significa
que a natureza humana de Cristo tem de ser excluída de todas as obras de
nosso Salvador que compreendem, e m si, onipotência, onipresença e
onisciência. Outrossim, afirmam que a onipresença de Cristo na sua Igreja
(Ef 1.20-23; 4.10) não pertence à sua natureza humana, mas exclusivamente
à divina. Assim, a natureza de Cristo não teria mais presença na Igreja do que
a natureza de Abraão ou Paulo, agora em glória. Por essa razão, fêz-se necessário
tratar, com ênfase especial, do terceiro gênero de comunicação dos atributos.
Entendemos pelo termo atos oficiais (apotelésmata) todas as funções
que Cristo, na qualidade de Salvador de todos os seres humanos, exerceu
no estado de humilhação e ainda exerce no seu estado de exaltação, tais
como morrer pelos pecados do mundo, desfazer as obras do diabo, achar-se
presente na Igreja, governá-la e protegê-la, etc. Os textos bíblicos que
afirmam essas obras oficiais podem ser agrupados da maneira seguinte: a) os
que descrevem as funções oficiais de Cristo mediante um termo concreto
(nonzen officii concretum), como Salvador, Mediador, Profeta, Rei, Sumo
Sacerdote, etc; b) os que descrevem atos oficiais particulares de Cristo como,
por exemplo, tomar sobre si o pecado do mundo (Jo 1.29); morrer pelos
nossos pecados (C1 1.4); entregar-se a si mesmo por nós, em oferta e sacrifício
a Deus (Ef 5.2); desfazer as obras do diabo (1Jo 3.8);ferir a cabeça da serpente.
(Gn 3.15)
Se alguém fizer a pergunta sobre segundo qual natureza Cristo exerceu
as suas funções oficiais para salvação do mundo, responderemos com base na
Escritura: Não importa que, nas passagens especiais da Bíblia que afirmam os
apotelésmata, o Salvador seja descrito segundo ambas as naturezas. (1 T m
1.15, Cristo Jesus) ou apenas segundo uma natureza, quer seja a divina (At
20.28: Deus) quer a humana. (Mt 18.11: Filho do ser humano) As obras do
seu ofício são sempre operadas pela inteira pessoa segundo as duas naturezas,
por isso que cada natureza contribui com o que lhe é próprio e, assim, opera
em comunhão com a outra ou com sua participação. (Apotelésmata sunt
opera tiones theandrikai)
Essa é a doutrina verdadeiramente escriturística, que a Igreja primitiva
também cria e confessava. Atanásio escreve: "Deus, o Verbo, depois de unido
ao ser humano, opera milagres não separadamente da natureza humana; pelo
contrário, aprovou-lhe exercer o seu poder divino por ela, nela e com ela."
(Catalogo de lèsremunhos. Tviglotta, p.1141) E Leão, o Grande: "Cada natureza
faz o que lhe é peculiar em comunhão com a outra, a saber: o Verbo operando
o que pertence ao Verbo [o Filho de Deus] e a carne executando o que pertence
à carne." (Ibid., p.1109)
É verdade que Cristo realmente padeceu e morreu segundo a sua
A Doutrina de Cristo

natureza humana, contudo, por virtude da união pessoal, a natureza divina


tomou parte no padecimento e morte da natureza humana; pois a natureza
humana esteve sempre unida à divina e, dessa união, a paixão santa, vicária
de nosso Salvador auferiu o seu valor redimidor. Assim Gerhard declara: "Os
sofrimentos e a morte cruenta de Cristo ficariam sem efeito salvador, se não
houvesse a natureza divina acrescentado um preço de infinito valor aos
sofrimentos e à morte que ele por nós suportou." (Doctr. Theol., p.336) E
Chemnitz: "Pudesse a redenção, a expiação, etc., ser efetuada tão só pela
natureza divina ou tão só pela natureza humana, o logos teria descido do céu
em vão, em prol de nós e de nossa salvação e encarnação." (Ibid.)
Gerhard está certo, quando, comentando 1 Jo 3.8, observa: "O Filho de
Deus assumiu a natureza humana com o propósito expresso de nela, com ela
e por ela poder realizar a obra da salvação e as diversas funções do seu ofício
de mediação."
Precisamente pela razão que se acaba de constatar é que o terceiro
gênero deve ser mantido em sua pureza bíblica; pois nele assenta o inteiro
conforto que o Evangelho da reconciliação proclama ao ser humano perdido
e caído. Os que negam esse gênero despojam o crente do mais doce conforto
que possui, a saber, da verdade evangélica que "o sangue de Jesus Cristo, seu
Filho, nos purifica de todo pecado". (1 Jo 1.7)
Felizmente, os adversários do genus apotelesmaticum não tiram as
conclusões que as suas falsas premissas sugerem; porém, graças a uma estranha
e feliz inconseqüência, retiraram, na prática, o que sustentam em teoria.
Hodge, e. g., diz a certa altura: uA alma que é onisciente [...I não é alma
humana. O Cristo da Bíblia e do coração humano está perdido caso seja
verdadeira essa doutrina E.. ]; a onisciência não é um atributo que necessite
se instrumentalizar através da criatura"; contudo noutro lugar: "Expressões
como Dei mors, Dei passio, Dei sanguis, contam com a sanção do uso da Escritura
bem como da Igreja. Segue-se daí que a satisfação de Cristo tem todo o valor
que pertence à obediência e ao padecimento do eterno Filho de Deus, e a sua
justiça, tanto ativa como passiva, é infinitamente meritória." (Syst. Theol., 11,
416. 168) É precisamente a verdade a que os luteranos prestam ênfase com
sua doutrina do genus apotelesmaticum.
~ ? t ~ . z r iCristã
ia

DO ESTADODEHUMILHAÇAO
1. DEFINIÇAO DECRISTO
A encarnação de Cristo consistiu essencialmente no excelso milagre
que o Filho de Deus, com a plenitude da Divindade, formou uma união pessoal
indissolúvel com a natureza humana. (Jo 1.14; C1 2.9) A partir do momento
da sua concepção (Lc 1.35), a natureza humana de Cristo estava na posse
(kteesis) de todos os atributos divinos e de toda a majestade e glória divinas.
(Jo 1.14; 2.11) Para que pudesse redimir-nos mediante a sua santa obediência
(ativa, C1 4.4,s; passiva, 1s 53.4-6), Cristo, desde a hora de sua concepção até
a sua revivificação na sepultura, absteve-se do uso completo e constante
(chueesis) dos atributos da majestade e glória que Ihe foram comunicados. (Fp
2.6s) Durante toda a sua vida terrena, até a conclusão de sua obra redentora,
mostrou-se na forma de servo, tomando sobre si todas as fraquezas e
enfermidades da natureza humana depois da queda e sendo sujeito à obrigação
(Mt 3.15; G1 4.4) e maldição (G1 3.13) da Lei divina.
Essa condição de auto-renúncia denominamos "estado de humilhação
de Cristo." (status exinanitionis) A humilhação de Cristo não consistiu
essencialmente no ato da encarnação, embora houvesse sido condescendência
muito graciosa da parte do Filho de Deus assumir a nossa natureza humana;
pois, enquanto o estado de humilhação cessou com o seu sepultamento (Fp
2.8ss), a união pessoal que resultou da encarnação, jamais cessou. (Ef 1.20-
23; 4.10) Outrossim, apesar de, na encarnação, o Filho de Deus ter formado
uma união verdadeira e real com a natureza humana, o estado de humilhação
não pertence à natureza divina de Cristo, porém apenas à humana. (contra o
quenoticismo moderno) Baier define o estado de humilhação da seguinte
maneira: "Nisto consiste o estado de humilhação: que Cristo por algum tempo
renunciou, verdadeira e realmente, contudo espontaneamente, o pleno
exercício da majestade divina, para que pudesse padecer e morrer em prol da
vida do mundo." (Doctu. Theol., p.377ss)
A doutrina da humilhação de Cristo conforme se apresenta nas
Confissões da Igreja Luterana é, verdadeiramente, escriturística. A Escritura,
não só estabelece a doutrina dos dois estados de Cristo com clareza (Fp 2.6-
11), mas também atribui plena posse de todas as propriedades, majestade e
glória divinas à sua natureza humana nos dias da sua carne. (Jo 1.14; 2.11;
5.17; M t 11.27; C1 2.3,9, etc) Em outras passagens, apresenta o mesmo Cristo
sem fazer uso de suas prerrogativas divinas, de forma que o Cristo que é
infinitamente rico, também foi pobre. (Mt 8.20; 2 Co 8.9) Aquele que é o
Deus onipotente (Jo 6.68,69; 1s 9.6), também foi fraco. (Lc 22.42,43) Aquele
que é o Criador e Senhor de todas as coisas (Jo 1.1-4; M t 8.27,29), também
A Doutrina de Cristo

esteve sujeito ao ser humano. (Lc 2.51,52) Aquele que é o Autor da vida (At
- 3.15; Ap 1.18), também foi capturado e morto pelos seres humanos. (Lc
22.54,63; 23.33-37,46)
A Bíblia explica essas afirmações aparentemente contraditórias pelo fato
de o Filho do homem não ter feito uso constante e pleno das prerrogativas
divinas comunicadas a ele como ser humano. (Jo 10.18) Cristo morreu, porque
não fez uso do seu poder para viver. (Fp 2.6-8) Cristo morreu, porque a si
mesmo se humilhou. Disso decorre que o estado de humilhação se tornou
possível e real, porque Cristo se absteve do uso completo e ininterrupto da
plenitude da Divindade, que habitava nele corporalmente a partir do
momento de sua concepção.
A razão pela qual o nosso Salvador se absteve do uso pleno de sua
majestade divina plena a ele comunicada, consiste no fato que, segundo a
Escritura, executou a obra da redenção mediante a satisfação vicária. (1s 53.1-
6; 2 Co 5.19-21) Se ele fizesse uso pleno de sua majestade divina, como fez
na sua transfiguração e depois da ressurreição (Mt 17.1-8; Jo 20.17,19), não
poderia ser nosso substituto (Fp 2.6-8; 1s 53.1-6) nem render obediência total
(C1 4.4,5; 3.13) ao seu Pai celestial em nosso lugar. Porém, visto que se
humilhou (ekénoosen) pela abstenção do uso pleno de sua majestade divina,
tomando a forma de servo, aparecendo na semelhança dos seres humanos e,
dessa maneira, rendendo perfeita obediência ao Pai (Fp 2.6-8), tornou-se nosso
verdadeiro Salvador. (Jr 23.6: "Senhor, Justiça nossa") cuja pobreza é nossa
riqueza (2 Co 8.9), cuja obediência é nossa redenção (G1 4.4,5) e cuja morte é
nossa propiciação. (Rrn 3.24,25)
Sempre que se requeresse em prol da sua obra redentora, Cristo Fez uso
da majestade e glória que lhe foram conferidas, não só na operacão dos milagres
antes de sua paixão (Jo 2.11), ou no desempenho do seu ministério profético
(Jo 1.18), mas também quando, como nosso grande Sumo Sacerdote, entregou-
se por nós em oferta. (Lc 23.34) A sua natureza humana não Foi sustentada
apenas pelas propriedades divinas a ela comunicadas na terrível agonia de sua
paixão (Mt 26.38,39; 27.46), porém raios de glória divina também fulgiram
ad extra através do negrume intenso do seu padecimento. (Jo 19.25-27; Lc
23.43)

2. IDEIASERRONEAS DA HUMILHAÇAO
ACERCA DE CRISTO
a. A humilhação não deve ser considerada idêntica à encarnação, pois,
nesse caso, a humilhação pertenceria à natureza divina, por isso que
assumiu a natureza humana. (epídosis) A glorificação consistiria no
despojamento da natureza humana. Verdade é, a encarnação de
Cristo encerrava uma condescendência maravilhosa e, por vezes,
essa verdade tem sido expressa mesmo nos círculos ortodoxos pelo
Dogmática Cristã

termo "humilhação." (exinanitio senstr ecclesiasrica accepra) Contudo,


quando a Escritura fala da humilhação de Cristo no seu sentido
próprio (exinanitio sensu bíblico accepta), em que contrasta com a
exaltação, significa que Cristo se fez ser humano em pobreza e
miséria ou que tomou a forma de servo (morphée doulou), embora
possuísse a forma de Deus. (tnorphée theou) Isso se atesta em Fp
2.6,7. Strong diz corretamente: "Podemos repudiar como indigna de
séria atenção a opinião de que [a humilhação] consistisse
essencialmente na união do logos com a natureza humana; porquanto
essa união com a natureza humana continua n o estado de
exaltação." (Syst. Theol., p.701)
b. O estado de humilhação de Cristo não consistiu em que o Filho de
Deus, com o propósito de encarnar, se desvestisse, por algum tempo,
dos seus atributos operantes ou relativos, tais como onipotência,
onisciência e onipresença, de maneira que a natureza divina ficasse
reduzida ou diminuída pela encarnação. Essa é a doutrina dos
quenóticos modernos. (Tomásio, Delitzsch, Luthardt, etc.) Os
quenóticos extremistas Gess, Hofmann Frank, chegam a alegar que
o Filho de Deus se esvaziou, na sua encarnação, de todos os seus
atributos divinos, ou seja, que a sua personalidade divina foi
substituída por uma personalidade humana.
O quenoticismo desdiviniza Cristo a fim de esclarecer o
"desenvolvimento verdadeiramente humano" de sua natureza humana. Mas,
com isso, contradiz todas as passagens bíblicas que declaram, por um lado,
que Cristo, no seu estado de humilhação, era, pela essência, um com o Pai (Jo
10.30,38; 14.10), de sorte que o seu divino modo de existência não se alterou
com a encarnação. (C1 2.3,9) Pelo outro lado, executou as obras divinas
juntamente com o Pai, de maneira que também o seu divino modo de operar
não mudou ao encarnar. (Jo 5.17-19) A doutrina do quenoticismo é, portanto,
racionalista e antiescriturística.
O desenvolvimento humano de Cristo (Lc 2.52), bem como as suas
orações atendidas (Lc 22.43; Jo 17.5) são explicadas pela Escritura
adequadamente quando ela nos informa que o nosso Salvador nem sempre
fez uso dos atributos divinos comunicados à natureza humana. Como o Filho
do homem nem sempre usasse a sua majestade divina, podia pedir ao Pai e
receber dele como qualquer outro ser humano. (Fp 2.7)
O quenoticismo moderno, porém, além de negar fatos evidentes da
Escritura, acerca da encarnação, também comete o grave erro de transformar
o Deus incorruptível (SI 102.26,27; 1 T m 6.16; M1 3.6) num ser sujeito à
mudança e, assim, destrói o verdadeiro conceito de Deus. Mesmo assim não
alcança o seu objetivo. Enquanto os quenóticos afirmam a união de Deus
com o ser humano, persiste o mistério da encarnação, mesmo que se conce'cc
Deus como possuidor de alguns atributos a menos. O mistério da encarnacão
pode ser afastado unicamente pela rejeição da encarnação em sua totalidade.
ou quando se considere Cristo simples ser humano destituído de qualquer
atributo divino. (modernistas)
Esse fato tem sido reconhecido por teólogos racionalistas de outra espécie
(Dorner, etc.), os quais, no intuito de explicar o mistério da encarnação:
atribuíram à natureza humana de Cristo existência pessoal independente.
Esse substituto racionalista, todavia, é tão insatisfatório quanto é o
quenoticismo. Ele destrói o verdadeiro conceito da encarnação, ou da recepção
da natureza humana na pessoa do Filho de Deus. Nesse caso, não haveria
união pessoal, porém, quando muito, apenas uma união por adoção.
(adocionismo)
c. A humilhação não consiste no mero encobrimento do uso da
majestade divina comunicada à natureza humana (krypsis tees
chréeseoos), mas na renúncia efetiva do pleno uso da majestade
conferida, segundo a natureza humana. (bénoosis tees chréeseoos) Esse
assunto entrou em debate na Controvérsia Cripto-quenótica (1619-
1627) entre os teólogos da Tubíngia (Osiandro, Nicolai e Thumius)
e os de Giessen. (Mentzer e Feuerborn) Os teólogos tubigenses
atribuíam à natureza humana de Cristo o assentar-se à direita do
Pai, mesmo no estado de humilhação, no que era dito que também
aí nosso Senhor fizera pleno uso da majestade divina, embora de
modo encoberto (krypsis), razão por que foram chamados crípticos.
Essa posição é insustentável à luz das passagens da Escritura que
atribuem o assentar-se à direita de Deus à natureza humana de Cristo
no estado de exaltação. Os teólogos tubigenses admitiram haver
Cristo, quando exerceu o seu ofício sacerdotal, no seu padecimento
e morte, renunciado o uso pleno da majestade divina comunicada à
natureza humana. Os teólogos de Giessen asseveraram que a
natureza humana de Cristo, no estado de humilhação, não se achava
presente para com todas as criaturas. Estavam inclinados a excluí-la
da manutenção e governo do universo, esvaziando-se, pois, Cristo
(Fp 2 4 ,segundo a sua natureza humana, de sua majestade divina.
Foram, por essa razão, chamados quenóticos. Não sustentavam,
porém, juntamente com os quenóticos modernos que Cristo,
segundo a sua natureza divina, houvesse se despojado dos seus
atributos divinos. Não ensinaram uma renúncia absoluta do uso da
majestade divina, porém admitiram, francamente, esse uso no caso
dos milagres. A sua posição é insustentável em face de Jo 5.17.
Com respeito à terminologia que a Igreja emprega em relação aos estados
de humilhação e exaltação de Cristo, nota-se o seguinte:
Dogmática Cristã

a. A Fórmula de Concórdia emprega as expressões encobrimento (krypsis)


e não-uso da majestade divina de Cristo comunicada à natureza
humana como sinônimas. (Decl. Sól., VIII, 26.25: "Esteve encoberto e
retido [para a maior parte] ao tempo da humilhação.") O uso dos
dois termos é escriturístico. A humilhação de Cristo encerrava um
verdadeiro encobrimento da sua majestade divina por isso que ele
era verdadeira e efetivamente Deus (C1 2.9) e, não obstante, aparecia
como simples ser humano. (Jo 19.5) Mas, a humilhação de Cristo
encerrava, também, uma renúncia de fato, não dos atributos segundo
a natureza divina, porém da aparição na forma de Deus (morphée
theou), do uso pleno dos atributos divinos a ele comunicados; visto
que apareceu unicamente na forma de servo. (morphée doulou)
b. As expressões "estar no céu" (Jo 3.13), e "assentar-se à destra de
Deus" (Mc 16.19); não são sinônimas, pois a primeira se refere a
Cristo na sua humilhação, ao passo que a segunda é o ato triunfante
de sua exaltação.
c. Ao descrever a onipresença de Cristo segundo a sua natureza humana,
nossos teólogos fizeram uso das expressões omnipraesentia intima e
omnipraesentia extima. A segunda expressão é empregada
corretamente, quando tomada como sinônimo de sessio ad dextram
Dei. Quando porém, tomada no sentido de que Cristo não estivesse
junto às criaturas durante o seu estado de humilhação, nega a união
pessoal. Esses termos são empregados corretamente, quando um
designa a presença do Filho do ser humano antes da exaltação, e o
outro, a sua gloriosa presença depois da exaltação.
d. Tem-se dito que Cristo, antes de sua exaltação, n o estado de
humilhação, operou em e com a natureza humana (in et cum carne),
porém nem sempre pela natureza humana. (non per carnem) A
expressão non per carnem, nessa afirmação, é escriturística, e designa
o uso perpétuo e triunfante, por parte de Cristo, da majestade divina
comunicada à natureza humana (usus plenarius), a entronização da
sua natureza humana à direita de Deus. É incorreta, se empregada
para negar verdade escriturística de que Cristo, também no seu estado
de humilhação, operou milagres, exerceu o seu ministério profético
e executou a sua obra de manutenção e governo (Jo 5.17; 1.18),
dentro da carne ou pela carne. (Jo 1.14; C1 2.3,9) Tudo o que Cristo
faz depois da encarnação, não faz fora da carne (extra carnem), porém
como homem-Deus, ou como Cristo encarnado (1 Jo 1.7; Hb 9.14;
2.8,9; Jo 5.26,27; Lc 22.69; Fp 2.9; etc.), em outras Palavras, faz dentro
da carne e, pois, pela carne.
A Doutrina de Cristo

3. As DIVERSAS FASESDA HUMILHAÇAO


A humilhação de Cristo compreende todos os acontecimentos de sua
vida terrena desde a sua concepção até o seu sepultamento, inclusive este. A
descida de Cristo ao inferno (descensus ad inferos) deve ser excluída do seu
estado de humilhacão. (1 Pe 3.18; C1 2.15) A Escritura chama o tempo em
que nosso Senhor habitou temporariamente na terra "os dias da sua carne",
hai heemerai tees sarkós. (Hb 5.7) A humilhação de Cristo compreende:
a. Sua concepção e nascimento. Ambos esses acontecimentos pertencem
ao estado de humilhação de Cristo, visto que a encarnação que, em
si mesma não constitui humilhação, ocorre sob circunstâncias muito
humilhantes. Pela encarnação, o Filho de Deus levou sobre si mesmo
toda a miséria e desolação que o pecado fizera sobreviver ao ser
humano caído. (2 Co 8.9; Lc 9.58; Fp 2.6,7; Mt 8.17) Cristo foi
concebido e nasceu como Salvador do mundo (Lc 2.11); pois, por
sua santa concepção e nascimento, trouxe expiação por nossa
concepção e nascimento pecaminosos. (G1 51.5; C1 4.4,5) O
nascimento de nosso Senhor de uma virgem é um fato comprovado
pela Escritura. (1s 7.14; Mt 1.23; Lc 1.34) Deus quis que o Messias
fosse filho de uma virgem (Mt 1.22,23; 1s 7.14), verdadeiro homem;
contudo, sem pecado. (Hb 7.26)
Lutero escreve: "A Semente da mulher não podia, pois, ser um ser
humano comum; porquanto tinha de esmagar o poder do diabo, do pecado e
da morte e, visto que todos os seres humanos estão sujeitos ao diabo por
causa do pecado e da morte, com toda a certeza havia de ser sem pecado.
Ora, a natureza humana não produz tal semente ou fruto, como acima ficou
dito; pois que todos estão sob o diabo por causa do seu pecado. [...I De sorte
que o único meio pelo qual alcançar o fim almejado foi o seguinte: a Semente
tinha de ser filho de mulher verdadeiramente natural, todavia não nascido de
mulher de modo natural, mas por ato extraordinário de Deus, para que se
cumprissem as Escrituras segundo as quais seria Semente da mulher somente,
não do homem; pois diz o texto Gn 3.15 claramente que será Semente da
mulher." (S. L., XX, 1796)
Se nosso Salvador nasceu ou não clauso utero, podemos considerar
questão aberta, embora fosse possível em virtude da comunicação dos
atributos. (cf. a Fórmula de Concórdia, Decl. Sól., VIII, 24; VII, 100) A negação
por parte dos racionalistas e modernistas do nascimento de nosso Salvador
de uma virgem (T. Kafian: É "do ponto de vista religioso destituído de valor",
"religios wertlos"), é contrário ao testemunho expresso da Escritura; fruto e
prova de sua incredulidade.
A pergunta sobre se Maria, posteriormente, ainda teve ou não filhos
em seu matrimônio com José (semper virgo), a Igreja primitiva bem como
Dogmática Cristã

Lutero e os antigos dogmáticos luteranos responderam pela negativa,


enquanto a opinião dos exegetas mais recentes está dividida nesse ponto. A
questão é puramente de ordem histórica e deve ser considerada aberta, visto
a Escritura não a responder com suficiente clareza. (cf. Mt 1.25; Lc 2.7; Mt
12.46s~;13.55s~;Jo 2.12; 7.3s~;C1 1.19) (c{ Pieper, Christliche Dogmatik 11,
366ss) Eusébio, 111, 11, Segundo Hegésipo: "Alfeu (Cleofas) era irmão de José
que, após a morte de Alfeu, adotou os filhos dele, de sorte que estes (primos
de Jesus) se converteram em irmãos de nosso Salvador no sentido legal." De
acordo com essa opinião, Tiago, o apóstolo e irmão do Senhor (C1 1.19), e
Tiago, filho de Alfeu (Mt 10.3), são idênticos. Chemnitz. (Jerônimo): Nlaviam
post partum (Mt 1.25) aut cum Ioseph concubuisse aut fzlios ex ipso sustulisse non
credimus, quia non legimus, sc. in Scriptuva Sacra. O termo primogênito (Lc
2.7) não prova que Maria tivesse outros filhos.
b. A circuncisão, educação e vida de Cristo. Assim como todas as crianças
judaicas do sexo masculino eram circuncidadas ao oitavo dia, Jesus
foi sujeito à Lei divina pela circuncisão ao oitavo dia (Lc 2.21), embora
fosse Senhor da Lei. (Mt 12.8; Mc 2.28) Daí ser a circuncisão de
Cristo, com justiça, considerada parte de sua obra redentora.
Jesus não teve defeitos que requeressem correção por meio de educação,
mas, pelo contrário, foi modelo de virtude mesmo na infância (Lc 2.51,52),
pois era "santo, inocente, sem mácula, separado dos pecadores." (Hb 7.26)
Ainda assim, mediante estudo pessoal, cresceu em sabedoria segundo o
conhecimento natural de sua natureza humana (secundum scientiam naturalem
et experimentalem), porque não fez, no estado de humilhação, uso constante
e completo da onisciência comunicada à sua natureza humana. (Fp 2.6,7)
Durante a sua permanência na terra, Cristo apareceu na forma de servo
e semelhança dos seres humanos, suportando todas as aflições, perigos,
tentações, vitupérios e vicissitudes comuns aos seres humanos em geral. (Mt
8.20) Sujeitou-se também, voluntariamente, ao governo civil (Mt 17.27), e
aparecia publicamente como simples ser humano, de modo a ser considerado
igual ou inferior aos demais. (Mt 9.14; 16.13,14)
c. Padecimento, morte e sepultamento de Cristo. O padecimento de Cristo
estendeu-se através dos dias de sua permanência visível na terra.
(Mt 2.13; Lc 2.lss) Culminou na passio magna durante os dois
últimos dias de sua vida terrena.
Passio magna foi a extrema angústia que nosso Redentor sofreu do
Getsêmani ao Calvário, parte na alma, parte no corpo, suportando, no final,
as mais extremas e amargas dores para expiação dos nossos pecados. (1s 53.4-
6; 2 Co 5.21)
A agonia de ver-se esquecido de Deus (Mt 27.46), consistiu no
padecimento, em sua alma, da ira divina por causa dos pecados dos seres
A Doutrina de Cristo

humanos, precisamente como se ele mesmo tivesse cometido as transgressões


imputadas. Foi o padecimento das dores infernais (dolores infeunales), que
consistem essencialmente na separação de Deus. (Mt 8.12; 25.41; 2 Ts 1.9)
Com muita corregão, nossos dogmáticos descrevem a agonia da desertio
como sensus irae divinae puopteu peccata hominum imputata. É antiescriturístico
atribuir-se desespero a Cristo (desperatio) em sua angústia extrema, uma vez
que desespero é iniqüidade e, portanto, não está em acordo com seu caráter
não-pecaminoso. (SI 22.2,19; Lc 23.46; G1 4.4,5)
A morte de Cristo foi real, a separação de sua alma do corpo. (Mt 27.50;
Mc 15.37; Lc 23.46; Jo 19.30) Na morte de Cristo, não só a sua alma, como
também o seu corpo permaneceram em comunhão com a natureza divina
(unio personalis), de modo que a sua morte foi verdadeiramente morte do
Filho de Deus. (At 3.15) A viabilidade da morte de Cristo nessas circunstâncias
é um mistério tão grande, que ele próprio o explicou. (Jo 10.17,18) Pôde
morrer, porque não fez uso constante e completo da majestade divina
conferida à sua natureza humana.
O sepultamento honroso de Cristo e a conservação do seu corpo no
sepulcro são dados pela Escritura como prerrogativa especial do Messias. (1s
53.9; SI 16.10; At 2.31; 13.35-37) Ele, uma vez completa a sua obra redentora
(1s 53.10-12), seria exaltado sobre todas as coisas. (Fp 2.9-11; Ef 1.20-23)
Os teólogos escolásticos trouxeram, à tona, a pergunta sobre se o Cristo
poderia ser chamado verdadeiro ser humano também enquanto o seu corpo
repousava na tumba. Quenstedt, com justiça a caracteriza de quaestio curiosa,
baseada numa falsa definição do ser humano. (ens vivum, animal) A Escritura
afirma claramente que Cristo se entregou por nós como verdadeiro ser humano
(1 T m 2.5,6), o que compreende em si que foi verdadeiro ser humano também
na morte.

4. O ESTADODE EXALTAÇÁO
O estado de exaltação de Cristo principiou com o seu retorno à vida na
sepultura e manifestou-se ao mundo inferior por sua descida ao inferno; ao
mundo, por gloriosa ressurreição e, aos mais altos céus, por sua ascensão e
pelo assentar-se à direita de Deus Pai.
Nossos dogmáticos definem o estado de exaltação como "estado de
Cristo, o homem-Deus, em que, segundo a sua natureza humana, depois de
haver posto de lado as enfermidades da carne, recebeu e assumiu o exercício
pleno da majestade divina". (Baier)
A doutrina da exaltação de Cristo é ensinada claramente em Fp 2.9-11;
Ef 1.20-23; 4.10; etc. A Fórmula de Concórdia repele expressamente o erro
Dogmática Cristã

(kénosis) de haver Cristo sido exaltado segundo a sua natureza divina. Declara:
"Rejeitamos e condenamos se ensine [...I que todo o poder nos céus e na
terra tenha sido restituído, isto é, conferido novamente a Cristo, por ocasião
de sua ressurreição e ascensão aos céus, segundo a sua natureza divina, como
se no seu estado de humilhação, o houvesse despido e abandonado também
segundo a sua divindade." A razão para essa rejeição vem nas Palavras: "Por
meio dessa doutrina, não só se pervertem as Palavras do testamento de Cristo,
mas também se prepara o caminho para a maldita heresia ariana, e se acaba
negando a divindade eterna de Cristo, perdendo totalmente Cristo
juntamente com nossa salvação, se não se contradiz esta doutrina errônea
do fundamento inamovível da Palavra divina e de nossa singela fé cristã /
católica." (Art. VIII, Epít., 39)
Assim como a humilhacão de Cristo, também a sua exaltação se efetuou
em prol de nossa salvação, de modo que, na doutrina dos dois estados, está
contido todo o Evangelho da reconciliação. (Rm 4.25; 2 Co 5.18-21) Nossa
fé cristã repousa tanto sobre o Cristo crucificado, como sobre o Cristo
glorificado. (1 Co 15.1-23; R . 4.25)

5. As DIVERSAS FASESDA EXALTAÇÃO DE CRISTO


a. A descida de Cristo ao inferno. (descensus ad inferos) A doutrina da
descida de Cristo ao inferno repousa em 1 Pe 3.18-20, que descreve
a sua natureza e a finalidade em detalhe. Com C1 2.15, verte-se luz
adicional sobre essa doutrina. Segundo 1 Pe 3.18, o descensus ad inferos
consiste no ato glorioso do Cristo redivivo (zoopoieethéis) pelo qual,
de corpo e alma (contra os papistas e teólogos modernos), segundo a
sua natureza divina, foi íporeuthéis) à prisão íphylakée) dos espíritos
perversos e dos condenados (apeithéesasin) e lhes pregou. (ekéeryxen)
O verbo grego keeryssein não significa obrigatoriamente "anunciar a
salvação", porém é vox media, que tanto serve para a pregação da Lei
como para a do Evangelho; em si, não significa mais do que proclamar,
anunciar, tornar público. É empregado para a pregação da Lei em M t
3.1; At 15.21; Rm 2.21; Ap 5.2; Lc 12.3. Em 1 Pe 3.19. Segundo
demonstra o contexto, o termo denota evidente pregação da Lei,
porquanto Cristo veio como "Arauto" (keeryx) trazer a proclamação
de sua vitória a pessoas que ouviram a sua Palavra na terra, contudo
recusaram a aceitá-la. (apeithéesasin) A essas Cristo apareceu, pois,
como Juiz divino, de cuja autoridade haviam escarnecido na terra.
Que o sentido da aparição de Cristo no inferno é esse comprova-se
pelo mesmo escopo do texto; pois nos versículos precedentes, os
cristãos são exortados a padecer nas mãos dos ímpios, confiando no
justo Juiz, que distribuirá o devido castigo a todos os inimigos de
sua Igreja por ocasião do seu segundo advento.
A Doutrina de Cristo

A descida de Cristo ao inferno prefigura o julgamento final dos ímpios


e é, por essa razão, que Pedro lhe faz referência nessa passagem.
Hollaz está certo, quando diz: "Cristo desceu ao inferno, não com a
finalidade de sofrer algum mal da parte dos demônios (Jo 19.30; Lc 24.26),
mas de triunfar sobre os diabos (Ap 1.18; C1 2.15), e de convencer os seres
humanos condenados de que foram lançados na prisão infernal justamente.
(1 Pe 3.19) A pregação de Cristo no inferno não foi de teor evangélico, mas
logístico, acusatório, terrificante, e isto também tanto verbal pela qual os
convenceu de que haviam merecido os castigos, eternos, como real, pela qual
lhes incutiu medonho terror." (Doctr. Theol., p.396)
Em oposicão a diversas pessoas que erram nisso, sustentamos que o
propósito de Cristo, quando desceu ao inferno não foi de:
a.a. Pregar o Evangelho aos espíritos malignos e seus prisioneiros
(Orígenes, todos os que ensinam uma completa restauração, ou
apokatastasis), ou pelo menos aos condenados que, em sua vida
terrena, não tiveram a oportunidade de ouvir o Evangelho. (os Pais
da Igreja, os teólogos modernos) A declaração em 1 Pe 4.6 de que
"foi o Evangelho pregado também a mortos" não se refere à pregação
de Cristo no inferno, mas à pregação do Evangelho aos seres humanos
mortos espiritualmente, enquanto ainda viviam na terra. Isso decorre
da proposição final: "Para que, mesmo julgados na carne segundo os
seres humanos". Em todo o caso, essa passagem não ensina uma
provação depois da morte.
a.b. Padecer as dores infernais (Epino, Flácio) ou pagar a Satanás, como
guardião da prisão, um resgate pelas almas redimidas. (Orígenes)
Porquanto a descida de Cristo não fez parte de sua h u d a ç ã o (Lc
23.43-46) nem Satanás teve alguma autoridade para triunfar sobre o ser
humano e mantê-lo cativo. (1 Jo 3.8; Hb 2.14,15) A passagem de At
2.24 não deve ser interpretada como se ensinasse qualquer sofrimento
de Cristo depois da morte; pois a expressão "gnlhóes da morte" equivale
a "poder da morte", segundo o contexto demonstra claramente.
Contra João Parsimônio que, baseado em que o inferno não seria um
lugar, sustentava que Cristo "desceu ao inferno unicamente no sentido de
que, durante o tempo de sua vida, padeceu as dores infernais, os nossos
dogmáticos declaram que as Escrituras nos ensinam a crer que nosso Salvador
desceu ao inferno verdadeira e realmente, embora não por algum movimento
local, visto que o Cristo vivificado já não se achava na forma de servo, porém
em forma de Deus e, dessa maneira, empregou constantemente a majestade
divina comunicada à sua natureza humana.
Como João Parsimônio, também os reformados negam a descida real ao
inferno, relacionando alguns o descensus ao inteiro estado de humilhação
Dogmática Cristã

(Sohnius); outros, ao seu sepultamento (Bucer, Beia) e ainda outros às dores


que padeceu na alma durante a sua paixão magna. (Cahsino) Na Igreja Luterana,
a doutrina da descida de Cristo ao inferno foi definitivamente hxada à base da
Escritura pela adoção do Artigo IX da Fórmula de Concórdia. Hollaz define o
descensus a d inferos da seguinte maneira: "A descida de Cristo ao mundo inferior
é o movimento verdadeiro, real e sobrenatural pelo qual Cristo, uma vez livre
das cadeias da morte e restituído à vida, transportou-se, em sua inteira pessoa,
para as regiões inferiores, a fim de se mostrar aos espíritos malignos e aos seres
humanos condenados como Subjugador da morte." (Doctr. Theol., p.379)
b. A ressurreição de Cristo. A ressurreição foi d e h d a por Hollaz como
"o ato de vitória gloriosa pelo qual Cristo, o Homem-Deus, mediante
o mesmo poder que o de Deus Pai e Espírito Santo, ressuscitou o seu
corpo reunido à alma e glorificado e o mostrou vivo aos seus discípulos
por meio de muitas provas, para confirmação de nossa paz, co-
participação, regozijo e esperança em nossa própria ressurreição
futura." (Doctr. Theol., p.380) Essa definição é escriturística e completa.
Segundo a Escritura, a ressurreição de Cristo foi obra de Deus Pai, que
agiu como sua causa eficiente. (Ef 1.20; Rm 6.4) Como tal, a ressurreição de
nosso Salvador constituiu a absolvição atual ou justificação de todo o mundo.
Pela ressurreição ou justificação do substituto divino do ser humano, Deus
declarou todos os seres humanos livres de pecado. (Rm 4.24,25; 10.9) Por
esse motivo, a ressurreição de Cristo é objeto da fé justificadora. (1 Co
15.14,17,21) Sobre isso, escreve Calov: "Bem como castigou nossos pecados
em Cristo, os quais foram postos sobre ele e a ele imputados como nosso
Substituto, bem assim também pelo ressuscitá-lo dos mortos o absolveu dos
nossos pecados imputados a ele e, por conseguinte, nele também nos absolveu
a nós." (Bíblia íllustr., ad Rm 4.25)
Por outro lado, a Escritura descreve, também, o próprio Cristo como
causa eficiente (causa efflciens) de sua ressurreição. (Jo 2.19; 10.17,18) Por
isso, é verdadeiro Deus e possuidor do mesmo poder divino (una numero
omnipotentia) que possuem o Pai e o Espírito Santo. (Jo 5.19) Considerada
sob esse ponto de vista, a ressurreição de Cristo é prova muito poderosa de
sua divindade e qualidade de Salvador. (Jo 2.18-21)
O corpo de Cristo que, reunido à alma, ressurgiu da tumba era o mesmo
corpo que o Filho de Deus assumiu dentro de Maria e que sujeitou ao padecimento
e morte. (Jo 20.27) Todavia, o corpo ressuscitado de Cristo possuía novas
propriedades. (idem corpus essentia, novum qualitatibus) O corpo natural (sooma
psychikón, 1 Co 15.44) convertera-se em corpo espiritual (sooma pneumatikón, 1
Co 15.44), isto é, um corpo glorificado. (sooma tees doxees, Fp 3.21)
A ressurreição de Cristo ocorreu clauso sepulchro, ou seja, através da
tumba cerrada e selada. (Mt 28.1-6) Essa verdade é negada pelos teólogos
reformados, porque rejeitam a comunicação de atributos. (Jo 20.19)
O comer alimento por parte do Salvador ressuscitado (Lc 24.43) ocorreu.
não por necessidade, mas de livre vontade; não para nutrimento de seu corpo.
mas para o fortalecimento da fé dos discípulos.
Com respeito à finalidade da ressurreição, Hollaz diz corretamente que
Cristo ressurgiu a fim de manifestar a vitória que obteve sobre a morte e o
diabo (At 2.24; Hb 2.14,15) e oferecer e aplicar os frutos de sua paixão e
morte a todos os seres humanos. (Rm 4.25; 1 Pe 1.3,4; Jo 11.25,26; 14.19; 2
Co 4.14; 1 Ts 4.14; Rm 6.4; 2 Co 5.15) Por esse motivo, a doutrina da
ressurreição de Cristo é fundamental para a religião cristã integralmente.
c. Os quarenta dias entre a ressurreição e ascensão de Cristo. A informação
que as Sagradas Escrituras prestam com respeito aos quarenta dias
entre a ressurreição e ascensão de Cristo é, apenas, fragmentária.
Depois de sua triunfante vitória sobre a morte, nosso Salvador já
não andava em companhia dos seus discípulos como fazia nos dias
de sua carne (Lc 24.44), ainda assim, lhes aparecia continuamente.
(At 1.3; 1 Co 15.4-8) Conversava e comia com eles (Lc 24.41-43), e
os convenceu de que era o Cristo, o Filho de Deus. (Jo 20.19-31)
d. A ascensão de Cristo. A ascensão de Cristo pode ser considerada em
sentido mais lato, incluindo o seu assentar à direita de Deus (At
2.33,34; Ef 4.10), ou n u m sentido mais restrito, abrangendo
unicamente a elevação visível de Cristo para o alto. (Lc 24.51; At
1.9-11) Neste artigo, empregamos o termo no sentido restrito.
Ao contrário da ressurreição, a ascensão ocorreu perante testemunhas.
(At 1.9-14) Consistiu-se de uma deslocação do espaço para o alto (motus
localis), até o Salvador ser recebido por uma nuvem. (At 1.9)
O céu ao qual Cristo ascendeu não é apenas o céu dos santos bem-
aventurados (Jo 14.2: domicilium beatouum ascensionis teuminus a d quem
proprius), mas também a mão direita de Deus. (coelum maiestaticum) A direita
de Deus não é um lugar definido, porém o seu poder onipotente, que enche
os céus e a terra. (Mt 26.64; Êx 15.6; Hb 1.3; 8.1; 12.2; S1 139.10; Ef 1.20-23)
A finalidade da ascensão foi: a) com respeito ao próprio Cristo, sua
certificação, pública e triunfante como Salvador do mundo, ou entronização
solene segundo a sua natureza humana (Jo 6.60-62); b) com respeito a todos
os crentes, a mais gloriosa certeza de que também eles seguirão após Cristo
para os céus. (Jo 14.2s~;17.24)
Os reformados consideram o céu u m espaço criado em que estaria
encerrada a natureza h u m a n a de Cristo (Christus comprehensus et
circumscriptus), de sorte que, segundo a sua natureza humana, não está
presente, nem na Santa Ceia, nem em nenhuma outra parte fora do lugar
celeste em que sua natureza humana foi enclausurada. At 3.21 não comprova
o erro dos reformados. (cf. a Fórmula de Concórdia, Decl. Sól., VII, 119.)
Dogmática Cristã

Hollaz fornece a seguinte definição inteligente da ascensão de Cristo:


"A ascensão é o glorioso ato de Cristo pelo qual, após ser ressuscitado, se
transportou, segundo a sua natureza humana, por uma deslocação verdadeira,
real, segundo deliberação voluntária de sua parte @eu liberam oeconomiam) e,
de modo visível, nuvens adentro e daí, de maneira invisível, para o interior
do céu comum dos bem-aventurados e para o próprio trono de Deus, para
que, havendo triunfado sobre os seus inimigos, pudesse ocupar o Reino de
Deus (At 3.21), reabrir o paraíso fechado (Ap 3.7) e preparar para nós uma
herança perpétua nos céus (Jo 14.2)." (Doctr. Tkeol., p.380)
e. O estar Cristo assentado a direita de Deus. Visto que a direita de Deus
é o seu poder e sua operação onipresentes (S1 139.9,lO; 118.15,16),
o estar Cristo assentado à direita de Deus Pai é seu uso completo e
constante da majestade divina comunicada à natureza humana para
governo universal e glorioso no reino do poder, da graça e da glória.
(1 Co 15.25,27; S1 110.1; Hb 2.7,8) O assentar-se de Cristo à direita
de Deus é, pois, sua exaltação, segundo a sua natureza humana,
para domínio soberano e governo sobre todas as coisas. (Ef 1.20-23;
4.10; 1 Pe 3.22; At 3.21) (cf. a Fórmula de Concórdia, Decl. Sól., VIII,
27)
Sobre a participação da natureza humana na operação onipotente da
natureza divina nos estados de humilhação e exaltação, podemos anotar o
seguinte: Embora a majestade divina (doxa) estivesse sempre na natureza
humana depois da encarnação (Jo 1.14; C1 2.9), ela se revelou de maneira
peculiar através da natureza humana por ocasião da transfiguração. (Mt 17.1-
8) Também a operação onipotente da natureza divina esteve sempre na
natureza humana após a encarnação, mas se manifestou do modo mais
glorioso depois de sua exaltação à direita do Pai.
O estar Cristo assentado à direita de Deus pode ser definido em todos
os seus aspectos como uo maior grau de glória, no qual Cristo, o homem-
Deus, após ser exaltado pela sua natureza humana ao trono da majestade
divina, governa da maneira mais poderosa e por sua presença imediata todas
as coisas nos reinos do poder, da graça e da glória do seu próprio nome, consolo
e segurança da Igreja afligida." (Hollaz, Doctr. Tkeol., p.381)
O conforto especial para o cristão que se prende ao assentar triunfante
de Cristo à direita de Deus é expresso pela Fórmula de Concórdia nas seguintes
Palavras (Decl. Sól., VIII, 78ss): "Sustentamos [..I que também segundo a sua
natureza assumida e com ela pode estar e está onde quer, e particularmente
que se acha presente em sua Igreja e congregação na terra como Mediador,
Cabeça, Rei e Sumo Sacerdote, não só em parte ou a meio, mas a inteira
pessoa de Cristo, à qual pertencem ambas as naturezas, a divina e a humana;
não só segundo a sua divindade, mas também segundo a sua natureza humana
A Doutrina de Cristo

assumida e com ela, conforme a qual é nosso irmão e nós somos carne da sua
carne e osso dos seus ossos, como também instituiu a sua Santa Ceia para
firme segurança e confirmação de que também segundo a natureza humana,
consoante a qual tem carne e sangue, quer estar em nós, habitar, operar e ser
eficaz."
f. O segundo advento de Cristo. A doutrina do visível e glorioso retorno
de Cristo para o Juízo Final será considerado sob o título Escatologia,
que é onde pertence.

C. A DOUTRINA
DO OFÍCIODE CRISTO
SIVEOFFICIO
(DEOPERE CHRISTI)
A encarnaçáo do Filho de Deus realizou-se para que se pudesse cumprir
a obra da redenção determinada por Deus desde a eternidade. (Jo 17.4; 3.16;
Mt 18.11; Lc 19.10; 1 Tm 1.15) A Confissão de Augsburgo declara (Art. 111):
"O Verbo, isto é, o Filho de Deus se fez ser humano, nascido da bem-
aventurada virgem Maria [...] para ser a oblação não só pela culpa original,
mas, ao mesmo tempo por todos os demais pecados e assim nos reconciliar
com o Pai." Logo, tudo o que Cristo Fez, no seu estado de humilhação como
homem-Deus (Lc 1.30,31; Mt 1.21,25; Lc 2.21), e o que ainda faz como tal,
em seu estado de exaltação, pertence ao seu divino ofício ou obra.
Acerca do ofício medianeiro de Cristo, escreve Quenstedt: "O ofício
medianeiro consiste na função pertencente à inteira pessoa do homem-Deus
e constituída de ações teantrópicas pelas quais Cristo executou perfeitamente
e, ainda agora, executa em ambas as naturezas, com elas e por elas, por meio
de aquisição e aplicação, todas as coisas que são necessárias à nossa salvação."
(Doctr. Theol., p.338) Expresso de maneira mais exata, a obra medianeira de
Cristo abrange tudo o que ele fez para levar a efeito a nossa salvação e tudo o
que ainda faz para pôr a salvação à disposição dos seres humanos.
Se for feita a pergunta: Desde quando Cristo exerce o seu ofício
medianeiro< Responderemos: Não só a partir do momento de seu Batismo,
que foi a iniciação solene em seu ministério público de mediação, mas a partir
do exato instante de sua encarnação, visto que a sua concepção, nascimento,
circuncisão, obediência final, etc., se cumpriram para salvação da humanidade
pecadora e perdida. (G1 4.4,s; 1 Jo 3.8)
Aqueles que têm para si que o Filho de Deus encarnou por razões que
não Fossem a redenção da humanidade (socinianos, pelagianos,
SchLeiermacher, os teólogos modernos: "Cristo veio como segundo Adão para
aperfeiçoar a criação"), contradizem a Escritura que ensina claramente haver
Cristo vindo ao mundo unicamente para salvar os pecadores. (Jo 3.16; 1 Tm
1.15; 1 Jo 4.9,10)
Dogmática Cristã

Se se perguntar por que o logos esperou por mil anos para encarnar, não
temos outra resposta na Escritura, senão que assim aprouve a Deus. (C14.4,5)
Como Salvador do mundo pecador, Cristo teve de realizar três obras
distintas: a) Teve de ensinar o caminho da salvação aos seres humanos. (Lc
4.18; Jo 1.18; Hb 1.1; M t 17.5) b) Teve de reconciliar o mundo com Deus. (2
Co 5.18,19; Mt 20.28; Rm 5.10; 1 Jo 2.2) c) Teve de governar a Igreja como
sua Cabeça e todas as coisas como rei soberano do universo. (Lc 1.33; Ef 1.20-
23; Jo 18.33-37) Daí falarmos de um tríplice ofício de Cristo: a) o profético
(munus propheticum), b) o sacerdotal (munus sacerdotales) e c) o real. (munus
regium) O Messias foi, já no Antigo Testamento, descrito como divino Profeta,
Sacerdote e Rei. (Dt 18.15-19; S1 110; 2.6-12)
Todas as ações praticadas por Cristo, nosso profeta, sacerdote e rei, são
teantrópicas; em outras Palavras, todas as coisas necessárias à nossa salvação
são executadas por Cristo segundo ambas as naturezas.
Apesar de que os três ofícios jamais estivessem divididos ou separados
em Cristo, perseveramos nessa classificação que acabamos de fazer (munus
triplex) para fins de maior clareza na apresentação da obra de Cristo, embora
alguns dogmáticos coadunem os ofícios profético e sacerdotal, obtendo, dessa
maneira, apenas dois ofícios de Cristo.

1. O CUMPRIMENTO DESTE
OFÍCIO NO ESTADODE HUMILHAÇAO
Cristo, no seu estado de humilhação, não ensinou como fizeram os
profetas de Israel, porém como o Profeta, por excelência, enviado por Deus.
(Propheta bat exochéen, Propheta omnibus excellentior) (Lc 7.16; Jo 4.19; 6.14)
Vale dizer: ensinou de modo imediato (autoprosoopoos) e com autoridade
própria. (Jo 7.46; 1.18) Nosso Senhor não recebeu as suas doutrinas divinas
por divina inspiração (2 Pe 1.21), porém as possuía como onisciente Filho de
Deus. (Mt 23.8,10; Lc 24.19; 4.32; M t 7.29; Jo 6.63) Também não possuiu
seu conhecimento divino apenas segundo a sua natureza divina; porquanto,
pela união pessoal (comunicação dos atributos), também a sua natureza
humana participou da onisciência de sua natureza divina. (C1 2.3,9) (In Christo
agitur Deus ipse nunere prophetico fungitur. (Hb 1.2) Agostinho: "Doctor doctorum
Christus, cuius schola in terra et cathedra in coe10 est."
Com respeito à mensagem que Cristo proclamou, a Bíblia declara
nitidamente que a si mesmo se anunciou como aquele que salva do pecado,
da morte e do poder do diabo. (Mt 4.17; Jo 6.40; 3.14,15; M t 20.28; Jo 6.51-
65) Como Paulo pregou Cristo, e este crucificado, como sua mensagem central
A Doutrina de Cristo

(1 Co 2.2; 2 Co 4.5), também nosso Salvador divino centralizou toda a sua


pregação na doce verdade evangélica da salvação pela sua morte vicária. (Lc
18.31-34; Mt 16.21-23; Mc 8.27-33) Igualmente, como Paulo proclamou a
salvação pela graça mediante a fé no Cristo crucificado e ressuscitado, assim
também o próprio Cristo tornou público o Evangelho da salvação pela graça,
mediante a fé nele. (Mt 11.28; Jo 6.29,32,33,35)
É verdade que nosso Senhor, como profeta que Deus despertou à
semelhança de Moisés (Dt 18.15), também proclamou a Lei de Deus (Mt 5-
7); contudo, não uma Lei nova (os modernistas), porém a mesma Lei moral
que Deus promulgara no Antigo Testamento (Mt 22.34-40), cujo
cumprimento é o amor. (Rm 13.10) O sermão da montanha (Mt 5-7) não foi
uma Lei nova, mas apenas a explicação correta da Lei moral em contraposição
às falsas interpretações dos escribas. O mandamento do amor era ensinado
de modo tão claro no Antigo Testamento (Lv 19.18), que os judeus dos dias
de Cristo o compreendiam perfeitamente. (Lc 10.27) O "novo mandamento"
(Jo 13.34), só era novo no que diz respeito à sua peculiar aplicação aos
seguidores de Cristo e aos motivos com que foi posto em vigor (Lutero: "novo
pelos novos poderes espirituais); pois que os seus discípulos deviam amar-se
uns aos outros à imitação do Mestre, em quem tinham fé.
Por oposição a todos os que erram nisso, afirmando Cristo ter sido
essencialmente um novo legislador (pelagianos, arminianos, semipelagianos,
modernistas, papistas: Cristo proclamou, c o m o Lei nova, os conselhos
evangélicos, concilia evangelica: castidade, pobreza e obediência), a Igreja
declara com fundamento na Escritura: "Cristo foi realmente doutrinador da
Lei, porém não um novo legi~lador.'~ (Christus quidem fuit legis doctor, sed non
novus legislator.) Embora Cristo pregasse também a Lei de Deus, a
administração do seu ofício profético consistiu, especialmente, em sua
proclamação do Evangelho da salvação mediante a fé no seu padecimento e
morte vicários. (Jo 1.17)

2. O CUMPRIMENTODO OFÍCIO PROFÉTICO


NO ESTADODE EXALTAÇAO
Em seu estado de exaltação, Cristo já não proclama o Evangelho de
modo imediato (autoprosoopoos), porém de modo indireto, pela obra ministerial
da Igreja. (Jo 20.21; Mt 28.19,20; Mc 16.15,16; 2 Co 13.2,3; 2 Tm 1.9-11)
Apesar disso, também em seu estado de exaltação, continua sendo o verdadeiro
Profeta e Mestre de sua Igreja. (C1 3.16; Ef 4.10-12) Desse modo, tão somente
a sua Palavra deve ser pregada aos seres humanos. (Jo 8.31,32 1 Pe 4.11; 1 Tm
6.3-5) Todo aquele que prega sua própria sabedoria em vez da Palavra de Deus
não é ministro cristão, mas falso profeta (antíchristoi),a quem os crentes devem
evitar. (Mt 15.7-9; 7.15; Rm 16.17,18; 1 Jo 2.18) Dr. A. Strong diz com
Dogmática Cristá

acerto: "Toda profecia moderna que é verdadeira nada mais é do que a


republicação da mensagem de Cristo, proclamação e exposição da verdade já
revelada na Escritura." (Syst.Theol., p.389) O mais insidioso e pernicioso de
todos os falsos profetas é o papa em Roma, visto perverter a Palavra de Deus
e contrariar o ofício profético de Cristo sob o pretexto de ser vice-rei e vigário
do Senhor exaltado. Por essa razão, é o Anticristo. (antíchristos kat exochéen). (2
Ts 2.3s~)
Também no Antigo Testamento, o Filho de Deus, ou o logos preexistente,
foi o verdadeiro mestre e profeta da rgreja; pois foi ele quem conversava com
os santos da antiguidade e lhes revelou a verdade da salvação. A Escritura
ensina esse importante fato, declarando: O Espírito de Cristo inspirou os
profetas que profetizaram acerca da graça futura (1 Pe 1.10-12) e foi o Filho
de Deus quem revelou as verdades salvadoras de Deus a Israel. (Jo 12.41; cf.
1s 6 . 1 ~1~Co
; 10.4) Lutero: "Quase que em toda a parte no Antigo Testamento,
Cristo nos é revelado sob o nome de Deus." (S. L., 853)

A graça de Deus proclamada por Cristo como profeta ele mesmo a


adquiriu como sacerdote dos seres humanos. Logo, os que negam o ofício
sacerdotal de nosso Salvador ou pervertem a doutrina bíblica a esse respeito,
têm de negar e perverter, igualmente, o seu oficio profético. Os racionalistas
de todos os matizes que rejeitam a satisfação vicária de Cristo (satisfactio
vicaria), não podem considerá-lo o verdadeiro profeta da graça e do perdão,
mas são obrigados a considerá-lo apenas um moralista, que veio ao mundo
para induzir os seres humanos a adquirirem a salvação por suas próprias obras
e justiça. Em suma, se Cristo não é o sacerdote divino, também não é o
profeta divino no sentido bíblico.
O ofício sacerdotal de Cristo, o qual é chamado sacerdote (cohen leolam,
hieréus megas, archieréus), tanto no Antigo como no Novo Testamentos (S1
110.4; Zc 6.13; Hb 5.6; 8.4; 10.21; etc.) é aquela obra pela qual o Filho de
Deus reconciliou o mundo com Deus. (2 Co 5.19) As Escrituras descrevem
tanto a maneira (modus reconciliationis) como o meio (medium reconciliationis)
pelo qual se efetuou essa obra de graça. O testemunho sólido da Bíblia é no
sentido de que Cristo se ofereceu ou deu a sua vida em resgate pelos pecados
do mundo. (Jo 17.19; 1 Tm 2.6; 1 Jo 2.2; Jo 1.29)
Ao ofício sacerdotal de Cristo pertence, ainda, a sua intercessão, que
será considerada mais adiante. Uma definição completa do ofício sacerdotal
de Cristo é oferecida por Quenstedt, que escreve: "O ofício sacerdotal de
Cristo compõe-se de duas partes, satisfação e intercessão. Pois, em primeiro
A Doutrina de Cristo

lugar, operou uma satisfação absolutamente perfeita por todos os pecados do


mundo inteiro e obteve salvação. Em segundo lugar, intercedeu ansiosamente
e ainda intercede e exerce mediação em prol de todos para aplicação da
salvação adquirida. Que o Messias cumpriria estas funções de sacerdote, foi
claramente predito. (1s 53.12)." (Doctu. Theol., p.347)
De modo especial, o preço de resgate por nossos pecados (pretium lytron)
foi o sangue de Cristo derramado no Calvário. (1 Jo 1.7; Hb 10.29; 13.20) A
esse respeito, escreve Lutero: "O sangue que correu do lado de nosso Senhor
Jesus é o tesouro de nossa redenção, o pagamento e a expiação dos nossos
pecados. Porquanto por seu inocente padecimento e morte e por seu santo e
precioso sangue, vertido sobre a cruz, nosso amado Senhor Jesus Cristo pagou
nossa inteira dívida de morte e condenação eterna, na qual todos estamos
por causa dos nossos pecados. O mesmo sangue de Cristo intercede por nós
perante Deus e brada sem cessar a Deus: Graça! Graça! Perdoa! Perdoa!
Indulgência! Indulgência! Pai! Pai! - obtém divina graça, perdão dos pecados,
justiça e salvação para nós. Desse modo, o sangue de Jesus Cristo, nosso único
mediador e advogado, clama incessantemente, de sorte que Deus Pai toma
em consideração esse clamar e interceder de seu Filho amado e é gracioso
conosco, pobres, e miseráveis pecadores. (Zc 9.11)" (Expos. de Jo 19.34; S. L.,
VIII, 965s)
No Antigo Testamento, os sacerdotes ofereciam cordeiros e bodes pelos
pecados do povo. (Hb 10.4) Cristo, porém, o grande Sumo Sacerdote (Hb
7.26,27) sacrificou-se a si mesmo, sendo sacerdote e sacrifício numa só pessoa.
(Hb 9.12-14; Ef 5.2) (Clzristus semetipsum sacrificavit) Este é o tema áureo de
toda a Bíblia: a mensagem da reconciliação (hilasmós) pelo santo sangue da
vítima divina Jesus Cristo. (At 10.43; Lc 24.25-27)
Cristo cumpriu seu ofício sacerdotal, prestando perfeita obediência ao
seu Pai, o qual, unicamente levado por amor, entregou seu Filho unigênito
para redenção do mundo. (Jo 3.16; 1.29) A Escritura descreve convenientemente
a obra redentora de Cristo como obediência a Deus. (obedientia) A obediência
vicária de Cristo compreende em si: a) obediência ativa (obedientia activa), pela
qual nosso divino substituto se sujeitou à obrigação da Lei de Deus, cumprindo-
a por nós mediante a sua vida perfeita e santa. (G14.4,5; Rm 5.19; Mt 3.15) b)
sua obediência passiva (obedientia passiva), pela qual se submeteu à maldição da
Lei, padeceu e morreu pelos pecados do mundo. (Hb 9.12; Ef 5.2; 1s 53.4-6)
Dessa maneira, por sua vida santa e morte inocente, Cristo nos adquiriu aquele
mérito divino (meritum Christi) que é a nossa justiça perante Deus para a salvação.
(Rm 3.22-25; 2 C0 5.19-21)
As preposições antí, hypér (Mt 20.28; 2 Co 5.14), traduzidas em Almeida
para "por", não significam apenas "em benefício de", mas, da mesma forma:
"em lugar de". Expressam o fato de haver Cristo padecido e morrido em nosso
lugar, ou como nosso verdadeiro substituto. Lutero diz corretamente: "Cristo
Dogmática Cristá

padeceu a morte, maldição e condenação, precisamente como se ele mesmo


houvesse transgredido toda a Lei e merecido cada sentença pronunciada pela
Lei sobre os criminosos." (S. L., XII, 236)
Uma vez que, por sua perfeita obediência, pagou a penalidade de nosso
pecado e expiou nossa culpa, Cristo libertou-nos também das terríveis
conseqüências que o pecado nos fez sobrevir, tanto o original como o atual,
tais como: a morte (2 T m 1.10); o poder do diabo (Hb 2.14) o domínio do
pecado (Tt 2.14); etc. Todas essas bênçãos espirituais infinitas estão contidas
na expressão "a redenção da raça humana", que Hollaz define como
"libertação espiritual, judicial e preciosíssima de todos os seres humanos, presos
nas cadeias do pecado, da culpa, da ira de Deus e do castigo temporal e eterno,
efetuada por Cristo, o homem-Deus, mediante a sua obediência ativa e passiva,
a qual Deus, o juiz justíssimo, aceitou por graça como resgate (lytron), assim
que a raça humana, introduzida na liberdade espiritual, pode viver para sempre
com Deus." (Doctr. Theol., p.346)
Sempre têm sido feitas objeções à doutrina escriturística da redenção
da humanidade perdida mediante a perfeita obediência de Cristo (ativa e
passiva) por parte do coração humano carnal, orgulhoso e imbuído de justiça
própria. (1 Co 1.23) Enquanto alguns críticos negaram a necessidade e validez
da obediência ativa de Cristo ("Como ser humano, Cristo obedeceu à Lei de
Deus para seu próprio bem"; Anselmo, Epino), outros atacaram violentamente
a necessidade e validez de sua obediência passiva. (o racionalismo, unitarismo,
modernismo) No interesse da negação da satisfação vicária de Cristo, tem-se
sustentado que o termo redenção (apolytroosis) significaria simplesmente
libertação e não a compra de pecadores pelo pagamento de u m resgate
adequado, que a idéia de satisfação estaria em conflito com a gratuita remissão
dos pecados e que Deus não poderia transferir o crime de um para o outro e
punir um substituto inocente em lugar do ser humano culpado.
Todas essas objeções contrariam as claras doutrinas da Escritura, que
ensina: a) que a redenção de Cristo foi realmente efetuada pelo pagamento
do preço de seu sangue. (1 Co 6.20; 1 Pe 1.18,19; G1 3.13; Ef 1.7; T t 2.14; Hb
9.12,15; Ap 5.9); b) que a misericórdia de Deus exercida na remissão do pecado
é realmente gratuita no sentido de que de nós nenhuma satisfação se requer;
todavia não é gratuita em absoluto, visto requerer a satisfação de Cristo. (Rrn
3.24; Ef 1.7); c) que Deus transferiu realmente os pecados do ser humano
para Cristo e o puniu em nosso lugar. (1s 53.4-6; Jo 1.29; G1 3.13)
Gerhard assim classifica as declarações escriturísticas que descrevem a
obra sacerdotal de Cristo e, em particular, a sua satisfação vicária: a) Cristo é
nosso Mediador (1 T m 2.5; Hb 8.6; 9.15; 12.24); b) Cristo é nosso Redentor (1s
53.4-6; Lc 1.68; Rm 3.24; 1 Co 1.30; Ef 1.7; C1 1.14; 1 T m 2.6; Hb 9.12,15); c)
Cristo é a propiciação (hilasmós) por nossos pecados (1 Jo 2.2; 4.10; Rm 3.24,25);
d) por ele somos reconciliados com Deus (Rm 5.10,11; 2 Co 5.18,19; Ef 2.16;
A Doutrina de Cristo

C1 1.20; e) Cristo deu a sua vida em lytron kai antílytron por nós (Mt 20.28; Mc
10.45; T t 2.14; 1 Pe 1.18,19; Hb 9.15); f) Cristo foi feito pecado por nós (2 Co
5.21; Rm 8.3); g) Cristo fez-se maldição por nós (GI 3.13); h) Cristo tomou
sobre si os nossos pecados e o seu castigo (1s 53.4-6; Jo 1.29; 1 Pe 2.24); i) Cristo
derramou o seu sangue por nossos pecados (Mt 26.28; 1 Jo 1.7; Hb 9.12); j)
Cristo cancelou o escrito de dívida que era contra nós (C1 2.14); k) Cristo
resgatou-nos da maldição da Lei (G1 3.13; 4.5); 1) Cristo livrou-nos da ira de
Deus (1 Ts 1.10); m) Cristo libertou-nos da condenação eterna (1 Ts 5.9,10); n)
em Cristo somos justos e amados, (2 Co 5.21). (Doctu. Theol., p.357)
Decorre daí que, se alguém nega a satisfação vicária que Cristo, na
qualidade de Sumo Sacerdote designado por Deus, efetuou pelos pecados do
mundo, nega o coração da mensagem bíblica da redenção. Afastem da Bíblia
a obra expiatória de Cristo, e nada restará do Evangelho. É por essa razão que
o ofício sacerdotal de Cristo constitui o verdadeiro âmago da Teologia cristã.

1. A EXPIAÇAOVICÁRIA
(SATISFACTIO
VICARIA)
A doutrina escriturística da redenção de Cristo efetuada para todos os
seres humanos é conhecida, na terminologia eclesiástica, por satisfação vicária
(satisfactio vicaria) ou expiação vicária. (stellvertretende Genugtuung)
Sinônimos desse termo empregados na Escritura são: propiciação (hilasmós, 1
Jo 2.2); propiciatório (hilastéerion, Rm 3.25); reconciliação (katallagée, Rm
5.10; 2 Co 5.18); redenção (apolytroosis (Ef 1.7; C1 1.14); resgate. (lytron, M t
20.28) Todos declaram que a redenção de Cristo foi efetuada mediante
pagamento de um preço adequado pelos cativos.
Particularmente, o termo satisfação vicária é empregado para exprimir as
seguintes verdades: a) De acordo com sua perfeita justiça (iustitia legislatoria,
normativa), Deus exige, de todos os seres humanos, perfeita obediência à sua
Lei e, sobre todos os que não a cumprem, permanece a sua ira. (iustitia
vindicativa) (G1 3.10); b) Por sua perfeita obediência (ativa e passiva), Cristo
satisfez as exigências da justiça divina em lugar dos seres humanos (G1 4.4,5;
3.13; 1 Pe 3.18) e, dessa maneira, converteu a ira de Deus em graça, ou favor
(Rrn 5.10); c) Mediante a satisfação de Cristo, todos os seres humanos estão
reconciliados com Deus. (2 Co 5.18-21) Vale dizer: Deus já não está irado com
os pecadores e já não Ihes imputa as suas transgressões, porém Ihes perdoou
graciosamente todos os seus pecados. (Rrn 5.10,18,19)
A Fórmula de Concórdia acentua essa doutrina confortadora da seguinte
maneira: "Visto que a obediência (como acima ficou dito) é de toda a pessoa,
constitui perfeita satisfação e reconciliação do gênero humano, pela qual foi
satisfeita a justiça eterna, imutável de Deus revelada na Lei, e é portanto nossa
justiça, válida perante Deus, que vem revelada no Evangelho, sobre que se
Dogmática Cristã

firma a fé perante Deus, a quaí Deus atribui à fé, conforme se acha escrito em
Rm 5.19; 1 Jo 1.7; Hb 2.4; Rm 1.17." (Decl. Sól., 111, 57) A Apologia também diz
assim: "A Lei condena todos os seres humanos; porém Cristo, por haver tomado
sobre si o castigo do pecado e sido feito vítima por nós, sem pecado, eliminou
este direito da Lei de acusar e condenar quantos nele crêem, pois ele mesmo é
a propiciação deles, por cuja causa agora somos reputados justos. Todavia, uma
vez que são reputados justos, a Lei não os pode acusar nem condenar, ainda
que não tenham efetivamente satisfeito a Lei." (Art. 111, 58)

(RECONCILIATIO
OBIECTIVA,
SUBIECTIVA)
A reconciliação que Cristo efetuou pelo seu padecimento e morte
vicários é chamada reconciliação objetiva. Essa cumpriu-se há quase dois mil
anos atrás, quando nosso divino substituto morreu no Calvário. (2 Co 5.19,19;
Rrn 5.10) Visto que então estavam satisfeitas as exigências da justiça divina,
a ira de Deus fora convertida em graça, e o perdão universal era proclamado a
todos os pecadores. (Jo 19.30; Rm 5.16,18,19) Assim foi adquirida a
reconciliação (justificação) sem qualquer obra ou mérito da parte do pecador,
bem como a criação ocorreu sem a cooperação do ser humano. A reconciliação
objetiva não é, pois, levada a efeito pela fé do ser humano, mas, pelo contrário,
precisamente porque existe, o ser humano pode ser justificado pela fé.
A reconciliação objetiva, efetuada por Cristo mediante a sua morte, foi
proclamada e oferecida publicamente por Deus ao mundo pela gloriosa
ressurreição de Cristo; porque essa é a verdadeira absolvição ou justificação
de todo o mundo. (Rm 4.25) A reconciliação ou justificação objetiva de todo
o mundo é anunciada a todos os pecadores através do Evangelho, razão pela
qual o Evangelho é chamado "a Palavra da reconciliação" (logos tees katallagees)
(2 Co 5.19) Lutero escreveu: "O Evangelho é proclamação de Cristo,
verdadeiro Deus e homem que, por sua morte e ressurreição, expiou os pecados
de todos os seres humanos e subjugou a morte e o diabo." (S. L., XIV. 88)
Cada cristão se apropria, individualmente, da reconciliação objetiva, ou
seja: da absolvição ou justificação de todo o mundo pecador, pela fé nas
promessas evangélicas de perdão que, dessa forma, passa a ser reconciliação
subjetiva. (2 Co 5.20) O pecador obtém o perdão que Cristo, por seu
padecimento e morte, adquiriu para todos os seres humanos individualmente,
pela fé. Pode-se, pois, definir-se a fé salvadora ou justificadora como confiança
pessoal do pecador penitente na reconciliação efetuada para todo o mundo.
A fé salvadora não justifica porque, de si mesma, pudesse reconciliar Deus
com o ser humano, mas porque agarra e obtém a reconciliaçáo que já existe e
é oferecida gratuitamente no Evangelho a todos os pecadores. Diz a Apologia:
"Fé propriamente dita é a fé que anui a promessa." (Art. IV / II/, 113) E a
A Doutrina de Cristo

Fórmula de Concórdia: "A fé não justifica porque seja uma obra tão boa e uma
tão bela virtude, mas porque, na promessa do santo Evangelho, agarra e abraça
o mérito de Cristo." (Decl. Sól., 111, 13)
A distinção entre reconciliação (justificação) objetiva e subjetiva deve
ser observada com cuidado; pois todo o que rejeita a reconciliação objetiva de
Cristo não pode ensinar a justificação pela graça mediante a fé, sem as obras
da Lei. Tão logo se negue a doutrina escriturística de que "Deus estava em
Cristo, reconciliando consigo o mundo, não imputando aos seres humanos
as suas transgressões" (2 Co 5.19), tem de seguir a doutrina da salvação pela
justiça das obras (arminianismo, semipelagianismo, modernismo), visto que,
nesse caso, é necessário o pecador reconciliar-se com Deus mediante suas
boas obras. Do princípio ao fim, todo o conforto dos pecadores que esperam
a salvação assenta-se na reconciliação objetiva que Cristo efetuou no Calvário.
Sua própria reconciliação ou justificação subjetiva não é outra coisa, senão
bendito fruto daquele admirável ato de amor.

3. REJEIÇAO DOS ERROSPERTINENTES


A VICÁRW DE CRISTO
SATISFAÇAO
A satisfação vicária de Cristo é repudiada por todos os que negam a ira
condenatória de Deus (iustitia Dei vindicativa); pois, se Deus não tivesse se
irado com o pecado do ser humano, não haveria necessidade da morte vicária
de nosso Salvador. (cf. as idéias anticristãs dos unitários, modernistas, de
Ritschl, Harnack, etc.) Algumas objeções de todos os racionalistas ao fato
evangélico da redenção. ("Deus bem que poderia perdoar o pecado sem a
morte de Cristo, por uma simples ordem de sua vontade soberanan; "É um
conceito indigno de Deus considerá-lo tão irado em virtude do pecado, que
Cristo tivesse de morrer unicamente para revelar o amor de Deus para com o
ser humano"; "Seria um ato de injustiça da parte de Deus castigar o Salvador
impecável pelo ser humano pecaminoso"; "A idéia de uma reconciliação de
Deus mediante a satisfação vicária de Cristo é contrária à ética ou jurídica
em demasia") Todas essas objeções são refutadas por passagens da Escritura
que afirmam as verdades negadas pelos objetantes sob alegações racionalistas.
(1s 53.4-6; 2 Co 5.18,21) Dentre os erros com que se rejeita a satisfação vicária
de Cristo, totalmente ou em parte, enumeramos os seguintes:
a. O erro da aceptilaçáo. (acceptilatio) A satisfação vicária de Cristo não
foi em si suficiente, porém foi aceita como tal pela soberana vontade
de Deus. (per liberam / gratuitam / acceptationem; Duns Scot, Calvino,
os arminianos) (cf. Hb 9.11-14; 1 Jo 1.7; At 20.28; 2 Co 5.18-21)
b. O erro da justiça das obras ensinado nas suas diferentes formas e
graus pelos pelagianos, semipelagianos, arminianos, sinergistas,
modernistas, etc. Se é possível o ser humano adquirir, em parte ou
Dogmática Cristã

totalmente, a reconciliação pelas suas boas obras, não teria sido


necessário que o Filho do homem se humanasse, padecesse e
morresse em seu lugar. (Cf. C1 3.10-13; Rm 8.3,4; etc) Quenstedt:
"Filius Dei non venisset nec hunjanan naturam assumpsisset, si homo in
statu integritatis perstitisset."
c. O erro de negar-se a obediência ativa de Cristo. (Anselmo, Parsimônio,
os teólogos modernos) Se Cristo não tivesse cumprido a Lei em
nosso lugar, nós mesmos a teríamos de cumprir e, dessa maneira,
adquirir a salvação, ao menos em parte. (Cf. GI 4.4,s; Rm 5.18)
d. O erro segundo o qual Cristo, por seu padecimento e morte, teria pago o
preço do resgate a Satanás. (Orígenes) Segundo a Escritura, Cristo
realmente se entregou a si mesmo em oferta e sacrifício, porém a
Deus, para satisfazer os reclamos de sua justiça perfeita (iustitia
legislatoria et vindicativa). (cf. Ef 5.2; 2 Co 5.18-21)
e. O erro segundo o qual Cristo teria efetuado a satisfagão somente para os
pecados dos eleitos. (os calvinistas) (cf. 2 Co 5.18-21; 1 Jo 2.2; 1 T m 2.6)
f. O s erros compreendidos nas diversas teorias sobre a morte de Cristo que
os racionalistas põem em substituição a doutrina escriturística da
satisfação vicária. 1) A Teoria do Acidente. A morte de Cristo foi um
acidente tão imprevisto e inesperado quanto a morte de qualquer
mártir. (os modernistas). (cf. M t 16.21; Mc 9.30-32; Jo 10.17-18,
etc.) 2) A Teoria do Martírio. Cristo entregou a sua vida em defesa de
u m princípio e uma verdade, assim como qualquer outro mártir. (os
modernistas) cf. 1 T m 2.6; 1 Jo 2.2). 3) A Teoria do Exemplo Moral.
(teoria da influência moral, conceito da expiação como poder moral)
A morte de Cristo exerce influência sobre a humanidade para
progresso moral. O exemplo do seu padecimento abranda os corações
humanos e contribui para que o ser humano se reforme, venha ao
arrependimento e melhore as suas condições. (transformação de
caráter, Horácio Bushnell). (cf. Rm 5.12-18; 1 Jo 1.7) 4) A Teoria
Governamet~tal.Deus pôs Cristo para exemplo de padecimento numa
demonstração ao ser humano de que o pecado é afrontoso aos seus
olhos; ou: O governo do mundo por Deus torna-lhe necessário
mostrar a sua ira contra o pecado. (Hugo Grotius; Teologia da Nova
Inglaterra) 5) A Teoria Declaratória. Cristo morreu para mostrar aos
seres humanos o quanto Deus os ama. (Ritschl) Enquanto a morte
de Cristo demonstra realmente o grande amor de Deus para com o
ser humano caído, a finalidade de sua morte consistiu primeiramente
em redimir a humanidade perdida. (Jo 3.16; 1 Jo 4.10) 6) A Teoria da
Garantia. A reconciliação baseia-se, não na expiação do pecado por
Cristo, mas na sua garantia de que conquistaria adeptos e venceria a
sua iniqüidade. (SchLeiermacher, Kirn, Hofmann)
A Doutrina de Cristo

Todas essas teorias humanas acerca da expiação negam a satisfação


vicária de Cristo e fundamentam-se no mesmo pensamento capital: salvação
por obras, ou salvação mediante santificação pessoal.
g. O erro da restauração. (apokatástasis) Cristo morreu, também, pelos
anjos apostatados, de sorte que também eles serão restaurados à
santidade e perfeição, quando da consumação das coisas. (cf. Mt
25.41,46)
h. O erro contido na missa papista, cujo teor é a "repetição incruenta do
sacrifício de Cristo, necessário à propiciação." Repudiamos a missa
como negação blasfema da eficácia da redenção única de Cristo,
completa e perfeita. (Hb 7.26,27; 9.12; 10.14; Jo 19.30)

4. A INTERCESSAOSACERDOTAL
DE CRISTO
O ofício sacerdotal de Cristo compreende duas partes: a satisfação e a
intercessão.
Já durante o seu estado de humilhação, Cristo intercedeu pelos seres
humanos. (intercessio terrestris). (Jo 14.16; 17.9; Hb 5.6-10) Quanto à natureza,
as intercessões de Cristo dividem-se em duas classes: intercessões gerais
(intercessio generalis) (Lc 23.24), feitas pelos seres humanos em geral; e
intercessões especiais (intercessio specialis) (Jo 17.9ss), oferecidas pelos crentes.
Cristo, entretanto, continua sendo sacerdote também depois de sua
exaltação. (Hb 7.24,25) Nesse estado, exerce o seu ofício sacerdotal, não
com a repetição de sua obra expiatória (Rm 6.9,10; Hb 9.12-15; 7.26,27),
porém intercedendo pelos eleitos de Deus. (intercessio coelestis) Essa
intercessão perpétua do Cristo exaltado não tem valor expiatório (intercessio
Christi in statu exaltationis non est satisfactoria), porém meramente aplicativo.
(intercessio Christi in statu exaltationis est applicatoria). (Hb 7.24,25; 1 Jo 2,l;
Rm 8.34) Ela está relacionada com a congregação e conservação da Igreja,
com a salvação dos eleitos. (Christus est Mediator reconciliationis) (Rrn 8.34;
Hb 7.25; 1 Jo 2.1)
Conforme a Escritura, a intercessão celestial de nosso glorioso mediador,
t a n t o é real (intercessio realis), o que quer dizer que ele apresenta
perpetuamente ao Pai o santo sangue que derramou pelos pecados do mundo
(Chemnitz: Ostendit vultui Dei, quae stigmata pro redemptione Mostra accepit)
(Hb 9.12), como verbal. (intercessio verbalis) Isso quer dizer que efetivamente
ele ora em favor dos seres humanos. (Hb 7.25; Rm 8.34; 1 Jo 2.1) Deve-se
compreendê-lo de um modo condizente com o Senhor exaltado, que está
assentado à direita de Deus. (intercessio incomprehensibilis)
Por oposição à intercessão do Espírito Santo (intercessio Spiritus Sancti)
(Rm 8.26,27), o Cristo exaltado intercede como homem-Deus (intercessio
D~?n.íticaCristã

theandrikée) e baseado nos seus próprios méritos. (merito ipsius intercessoris)


A intercessão do Espírito Santo, porém, (intercessio theikée, Rm 8.27, "segundo
a vontade de Deus", katá théon) repousa sobre o fundamento da redenção de
Cristo. (merito alterius) (G1 4.4-6)
A intercessão constante do Salvador exaltado à direita de Deus dá ao
cristão a mais firme certeza de sua salvação final. (Rm 8.34-39)
Os unitários (modernistas) negam a satisfação vicária de Cristo e,
conseqüentemente, repudiam a intercessão de Cristo, que se fundamenta na
sua expiação. Na opinião dos unitários, a única função de Cristo, na qualidade
de sacerdote, é, mediante preceitos e exemplo, inspirar os seres humanos a
ser seus próprios salvadores. Os papistas suplementam a obra intercessora de
Cristo com as intercessões e os méritos dos santos e, dessa forma, negam a
verdade escriturística de que Cristo é o único mediador entre Deus e o ser
humano. (1 Tm 2.5,6)

REALDE CRISTO
5. O OFÍCIO
(DENUMEREREGIO)
O ofício real de Cristo é descrito em todas as passagens das Sagradas
Escrituras em que se diz que, no tempo, lhe foi comunicado domínio universal.
(Ef 1.20-23; Mt 11.27; 28.18; S12.6,8; 8.6; 1 Co 15.27; etc.) O caráter universal
do regime de Cristo vem declarado na Escritura de modo enfático; porquanto
ensina, com muita clareza, que o domínio do Filho do homem se estende a
todas as nações e povos (Dn 7.13,14); a todas as coisas na terra, no ar e no mar;
e mesmo aos inimigos de Cristo. (S1 110.2) Em síntese, nada fica excluído do
reinado glorioso de Cristo, salvo o próprio Deus. (1 Co 15.27) Daí o ofício
real de Cristo ter sido definido corretamente como "função teantrópica de
Cristo, pela qual controla e governa todas as criaturas existentes nos reinos
do poder, da graça e da glória, com infinita majestade e poder, segundo ambas
as naturezas, divina e humana. (Esta última conforme se acha exaltada à
direita da majestade.)" (Quenstedt)
Também em seu estado de humilhação, Cristo foi verdadeiro rei, que
possuía e exercia o poder divino, não apenas segundo a sua natureza divina
(de modo essencial), mas também segundo a sua natureza humana (por
comunicação), conforme ficou demonstrado no artigo do segundo gênero de
comunicação dos atributos. (genus maiestaticum) A Escritura atribui governo
a Cristo encarnado (1s 9.6); realeza (Jo 18.37); poder divino (Mt 28.18), etc.
Em grau absoluto, vale dizer, do mesmo modo ao próprio Deus. Todavia,
nosso Salvador não exerceu o emprego perfeito e constante do domínio divino
comunicado à natureza humana até a sua exaltação à direita de Deus. (Ef
1.20-23; 4.10; Fp 2.9-11)
Baseados em passagens claras da Escritura, nossos dogmáticos falam de
um Reino tríplice de Cristo, do podev, da graça e da glória. Contudo, não se
deve tomar essa divisão tríplice como se houvesse três reinos separados,
governados por nosso Senhor. Na realidade, o domínio de Cristo é um só,
embora se exerça em esferas diferentes, de acordo com o caráter diverso de
como são governados. (Pro diversa ratione eorum, quos rex Christus sibi subiectos
respicit et diversimode gubernat. Baier) Assim Cristo exerce o seu reinado sobre
todos os incrédulos, os anjos apóstatas e as criaturas irracionais mediante
seu poder onipotente (regnum potentiae). (S1 2.9s~;45.5; 97.7,10; 1 T m 6.14-
16; Ap 17.14)
De um modo geral, todas as criaturas, como tais, pertencem ao reino do
poder de Cristo, porque o regnum potentiae consiste essencialmente no reino
da natureza. (regnum naturae)
Ele governa todos os que, em fé sincera, aceitaram o Evangelho da
reconciliação de Cristo. (1 Co 15.1) Esse governo acontece mui graciosamente
através de sua Palavra revelada (regnum gratiae). (Jo 8.31,32) Ao reino da
graça pertencem apenas os que foram justificados pela fé, que, pela fé, são
membros verdadeiros da Igreja Cristã na terra. (ecclesia militam). (Rm 5.1,2;
At 5.14) Enquanto Satanás opera em todos os incrédulos como "filhos da
desobediência" (Ef 2.2), o Cristo exaltado exerce o seu gracioso poder sobre
os que o reconhecem como seu Senhor pela fé. (Jo 14.23)
Todos os crentes verdadeiros que, nesta vida, estiveram sujeitos a Cristo
em seu reino da graça, serão, para sempre, súditos seus no reino da glória
(regnum gloriae), que é a continuação do reino da graça em perfeição. (At
7.55,56; 1 Pe 5.4; 1 Jo 3.2) Os que aderiram à Igreja Militante (membra ecclesiae
militantis) (Rm 8.17), serão, então, membros da Igreja Triunfante. (membra
ecclesiae triumphantis) (Rm 5.2; Jo 17.24) O peso real da pregação cristã reside
no fazer ver as bênçãos inestimáveis do reino da graça de Cristo e a felicidade
indescritível do seu reino da glória. A finalidade da pregação cristã consiste
em tornar os pecadores participantes da vida eterna e enchê-los do desejo
ardente do céu. (1 Co 1,7; Rm 8.23; T t 2.13; 2 Pe 3.13; Fp 3.20)
Neste mundo, o reino do poder serve ao reino da graça. (Mt 28.18; Rm
8.28) Em ambos os reinos, o mesmo Senhor governa todas as coisas para sua
glória (Ef 1.20-23), com o mesmo poder infinito (Ef 1.19; 1 Pe 1.5), sustentando
o mundo presente por causa dos seus eleitos (Mt 24.22; 2 Pe 3.9) e protegendo
a sua Igreja Militante contra todos os assaltos das portas do inferno. (Mt
16.18)
É necessário distinguir-se o reino da graça do reino do poder. A Escritura,
igualmente, faz essa distinção (1 Jo 3.2; Rm 8.24,25), embora, formalmente,
ambos não se possam separar. (Jo 5.24; 3.36; C1 3.2-4; C1 4.26) São uniformes
quanto a possuírem o mesmo Senhor e as mesmas bênçãos da graça divina,
porém diferem com respeito à maneira de perceber as coisas divinas; pois,
enquanto no reino da graça, todo conhecimento divino é mediato, isto é, se
obtém pela fé numa Palavra (cognitio abstractiva) (Jo 8.31,32), no reino da
glória ele é imediato, isto é, se recebe mediante visão beatífica (cognitio intuitiva)
(1 Co 13.12); e com respeito às diversas condições externas dos membros de ambos
os reinos; pois, enquanto a condição da Igreja Militante é de angústia e
tribulação (At 14.22), a da Igreja Triunfante é de glória suprema. (Ap 7.17;
21.3,4)
A doutrina do ofício real de Cristo é artigo de fé; isso quer dizer que,
baseados na Escritura, cremos que Cristo governa com glória nos seus reinos
do poder, da graça e da glória. No reino do poder, realmente vemos os objetos
do reinado de Cristo, contudo não o cetro governativo. (Hb 2.8) Na realidade,
muitas vezes, a impressão é que Satanás governa este mundo, e não Deus.
No reino da graça de Cristo, os meios são perceptíveis, porquanto ouvimos o
Evangelho e vemos os elementos externos dos sacramentos. O reino, porém,
nos é invisível, por ser interno, ou seja, por estar nos corações dos seres
humanos. (Lc 17.20,21; 1 Pe 2.5) Apesar da oposição do diabo (Mt 16.18),
dos falsos mestres (2 T m 2.17-19) e do mundo (Jo 16.33), cremos que a Igreja
Cristã, ou o reino da graça, existirá na terra até a consumação do século. (Mt
28.20) O reino da glória, que será revelado no dia determinado pelo Senhor
mesmo (At 1.71, constitui, no entanto, o objeto da mais devotada esperança
do cristão. (1 Jo 3.2; Rrn 5.2; 8.24,25) O cristão espera continuamente sua
vinda e roga por ela ardentemente. (Fp 3.20)

6. ERROSACERCA
DO OFICIO
DE CRISTO
Com respeito ao ofício real de Cristo, afastam-se da verdade divina todos
quantos negam a doutrina escriturística acerca da sua pessoa e da sua obra
divina. Dentre os muitos que erram, mencionamos os seguintes:
a. Os papistas e reformados, que separam a natureza humana da divina
com a negação da comunicação dos atributos e consideram Cristo
rei unicamente segundo a sua natureza divina. (Mt 28.18; 11.27; Fp
2.9-11)
b. Os quenóticos modernos, que negam a realeza divina de Cristo em
seu estado de humilhação e sustentam que Cristo, ao encarnar, se
esvaziou completamente (ekénoosen) dos atributos divinos da
onipotência, onisciência e onipresença. Nesse caso, Cristo não
poderia ser rei, nem segundo a sua natureza divina. (C1 2.3,9; Jo
1.14)
c. Os subordinacianos, que negam ser Cristo, segundo a sua natureza
divina, consubstancial (homoóusios) com o Pai e o excluem do eterno
regimento divino, ao passo que a Escritura lhe atribui domínio
eterno. (Lc 1.33; Ef 1.21) A sujeição de que Paulo fala em 1 Co
A Doutrina de Cristo

15.27,28 se refere à mudança do presente modo de governo de Cristo,


que é mediato e oculto, em um modo de governo imediato, revelado
e comum tanto a Cristo como ao Pai e ao Espírito Santo.
d. Todos os que repudiam o governo de Cristo em sua Igreja pela
substituição da Palavra e das ordenações de Cristo por doutrina e
ordenancas humanas (Mt 23.8; 15.9) como, por exemplo, todos os
falsos profetas (1 Jo 2.18) e, sobretudo, o papado (2 Ts 2.4), ou seja,
o Anticristo.
e. Todos os que confundem o regnurn naturae e o regnum gratiae, ou
seja, o Estado e a Igreja. (papistas, reformados e outros entusiastas)
f. Os quiliastas ou milenaristas, que ensinam o estabelecimento de
Cristo de um domínio que não é nem reino da graça, nem reino da
glória, porém uma caricatura de ambos, a saber, um reinado de mil
anos de duração que o precederá ou virá após o seu segundo advento.
(pré-milenaristas; pós-milenaristas) Repudiamos a fantasia do
milenarismo, porque, contrariamente à Escritura, converte o reino
espiritual de Cristo num reino visível ou terreno; e dirige a esperança de
todos os cristãos, não para a glória perfeita do céu (1 CO 1.7; Fp 3.20,21;
Jo 17.24), mas para uma futura glória terrena, a qual a Escrita
claramente repudia. (Mt 24.1-42)
g. Todos os modernistas, que negam a satisfação vicária de Cristo;
porque, se Cristo não é o grande Sumo Sacerdote, também não é o
glorificado e exaltado rei dos céus e da terra. O Cristo do modernismo
não passa de simples ser humano, que jamais poderia governar com
poder à direita de Deus.
h. Todos os defensores da justiça das obras (papistas, arminianos, etc.);
porquanto, todos os que procuram justificar-se mediante a Lei, caíram
da graça (G1 5.4) e, conseqüentemente, não podem reconhecer em
Cristo seu gracioso e glorioso rei. Os que repudiam o regtzum gratiae
de Cristo têm de, igualmente, repudiar o seu regnum gloriae. Lutero:
"Todos os que não têm Cristo por seu rei e não estão adornados com
sua justiça, estão e, para sempre, estarão no reino do diabo, em pecado
e morte." (S. L., V, 148)
A finalidade da doutrina da soteriologia é demonstrar como o Espírito
Santo aplica ao pecador individualmente a bendita salvação que Cristo
adquiriu para toda a humanidade por sua satisfação vicária. O tópico é
considerado sob vários títulos: A apropriação da salvação, Applicatio Salutis a
Christo Acquisitae; A graça apropriada do Espírito Santo, Gratia Spiritus Sancti
Applicatrix; O plano da salvação, Via Salutis, Ratio Consequendi Salutem; A
ordem da salvação, Ordo Salutis, etc. Em alemão, emprega-se a seguinte
terminologia: Die Heilsaneignung; Der Heilsweg; Die Heilsordnung; Die
aneignende Gnade des Heiligen Geistes, etc.
U m exame geral da doutrina da soteriologia abrange as seguintes
verdades: A salvação ou perdão dos pecados, que Cristo obteve para todos os
homens mediante a sua satisfação vicária (Lc 1.77; Rm 5.10; 2 Co 5.19) e é
oferecida ao pecador nos meios da graça, isto é, n o Evangelho e nos
sacramentos. (2 Co 5.19; Lc 24.47) Por meio desse oferecimento muito gracioso
e eficaz do perdão, opera-se a fé no coração do pecador (Rm 10.17), que aceita
ou se apropria dos méritos de Cristo ofertados nos meios da graça.
Os meios da graça desempenham, assim, uma dupla função: oferecem
e conferem o perdão (media oblativa sive dativa) e produzem a fé (media
operativa sive affectiva) Media dadiva ex parte Dei gignunt fidem sive medium
leeptikón ex parte hominis.
Ao criar a fé no coração do pecador por sua onipotência (1 Co 2.14; Ef
1.19,20), o Espírito Santo o converte e justifica. (At 16.31; Rm 5.1s) O pecador
já não foge de Deus, porém volta-se para ele como para seu Senhor reconciliado
e gracioso. (At 11.21)
Tão logo o pecador tenha aceito, pela fé, o perdão total de Deus ou a
justificação objetiva, o perdão se torna efetivo no seu caso. O mesmo está,
pois, pessoalmente justificado. (justificação subjetiva) Ao aceitar a justiça de
Cristo, o pecador a fez sua e é, portanto, considerado justo perante Deus.
(Rm 4.3; S1 32.1,2)
A justificação (um ato forense, não medicinal) sucede somente por graça,
sem obras. (Rm 3.28) Dá ao crente a posse de todos os méritos e bênçãos
adquiridos pela obediência perfeita de Cristo. O pecador justificado entrou
no estado de graça e paz (status gratiae, status pacis), no qual está certo de sua
salvação presente e da final. (Rm 5.1-5) A sua salvação final é garantida pela
graça e verdade divinas. (Rm 5.1-11; 8.38,39; 1 Co 1.8,9) "Porque a justificação
apenas é coisa prometida de graça, por causa de Cristo, razão por que sempre
é recebida diante de Deus pela fé somente." (Ap., Art. IV, 217)
A justificação efetua a união mística (uni0 mystica), pela qual a
Santíssima Trindade, em particular o Espírito Santo, habita no crente. (C1
3.2; Ef 3.17; Jo 14.23; 1 Co 3.16; 3.19) A unio mystica constitui um habitar
peculiar, distinto da presença geral de Deus em todas as criaturas (unio
generalis), visto que Deus habita essencialmente no crente. Assim mesmo não
é uma transformação panteísta da essência do crente na essência de Deus. É
resultado da justificação, não sua causa. (C1 3.2; Ef 3.17)
A justificação produz a santificação. Ensinar que a santificação produz
a justificação é defender o erro básico papista da justificação pelas obras. (Rm
7.5,6; 2 Co 3.6; C1 2.20; 3.2,3; Rm 3.28)
A justificação transforma o pecador em membro da Igreja Cristã (regnum
gratiae) (Ef 1.17-23; At 4.4; 2.41) e do reino da glória (regnum gloriae) (Lc
23.43; Jo 11.25)
As Sagradas Escrituras ensinam, também, nessa conexão, que devemos
a posse e o usufruto de todas essas bênçãos à eterna eleição da graça. (Ef
1.3s~;Rm 8.28-30; 2 T m 1.9; At 13.48)
Na ordo salutis, deve-se observar corretamente a relação dos diversos
artigos da doutrina entre si. A satisfação vicáfia de Cristo e a reconciliação de
Deus com o mundo formam a base de todos os ensinamentos soteriológicos,
enquanto o artigo da justificação do pecador pela fé constitui o artigo central
e cardinal da religião cristã. A santificação sucede à justificação como seu
efeito. Todas as demais doutrinas da Escritura estão para com a justificação
sola /?de na relação entre causa e efeito, antecedens et consequens. Precisamente
aqui reside a diferença fundamental entre a religião cristã e todas as religiões
de feitura humana. O Cristianismo ensina que a santificação é efeito da
justificação pela graça mediante a fé. Todas as religiões de origem humana
invertem o processo e ensinam a justificação pelas obras ou pela santificação.
Lutero diz: "In corde meo iste unus regnat articulus, scilicet fides Christi, ex
quo, per quem et in quern omnes meae diu noctuque fluunt et refluunt theologiae
cogitationes." (Ed. Erl., I, 3. Cf. Christl. Dogmatik, 11, 473-503; também Dr.
Engelder, Dogmatical Notes)
1. A NECESSIDADE
DA F É
Por meio de sua satisfação vicária (satisfactio vicaria), Cristo adquiriu,
para a humanidade culposa e condenada, reconciliação perfeita com Deus
(reconciliatio, katallagee), visto que cumpriu as exigências da Lei divina em
lugar da pessoa e fez satisfação pelos pecados do mundo. (obedientia activa,
obedientia passiva) Deus é, pois, gracioso em Cristo para com todos os
pecadores e absolve-os de toda culpa. (iustificaçdo objetiva, iustificatio obiectiva)
Deus anuncia esse fato ao mundo pelos meios da graça estabelecidos (a
Palavra e os sacramentos) e, ao mesmo tempo, requer a fé na mensagem da
reconciliação. (2 Co 5.19-21; At 2.28; 16.31; 10.42,43; 13.39; 26.27-29) E
vontade expressa de Deus que todas as pessoas se apropriem, pela fé, da graça
salvadora obtida para eles pelo Salvador designado por Deus. (Mc 1.14, 15; At
16.31) Os que recusam crer na reconciliação efetuada por Cristo se perdem, .
embora o fato de, também para eles, se haver obtido a salvação. (Mc 16.15,16;
Jo 3.16,18,36; 2 Pe 2.1) Por essa razão, afirmamos ser a fé necessária à obtenção
da salvação (necessitas fidei ad salutem consequendam) As opiniões racionalistas
de que Deus seria gracioso aos pecadores sem a satisfação vicária de Cristo, e
a pessoa poderia obter a vida eterna por suas próprias obras ou boa conduta
(modernistas) são enfaticamente negadas pela Escritura. (C1 3.10; 5.4) As
Sagradas Escrituras conhecem apenas um caminho à salvação, a saber, pela
graça, mediante a fé na redenção de Cristo. (Rrn 3.22-25)
Os nossos dogmáticos têm, pois, razão ao declararem que a salvação é
perfeita quanto ao que respeita à sua aquisição e intenção (ex parte Dei),
porém não no que tange à sua aplicação por parte do homem (ex parte hominis),
porquanto isso deve ser efetuado pela fé. Salus perfecta est quoad acquisitionem
et intentionem, non quoad applicationem, quae fide fieri debet. O sentido dessa
afirmativa é que a salvação foi obtida para todos os seres humanos, mas que
o pecador tem de apropriar-se dela individualmente pela fé. (Mc 16.15,16)
Fides ex parte hominis ad salutem consequendam necessaria est.

2. A NATUREZA
DA F É SALVADORA
L
Se ma tivermos firme que a salvação foi ganha para toda a humanidade
mediante a satisfação vicária de Cristo e que essa salvação é oferecida a todos
A Doutrina da Fé Salvadova

os seres humanos através dos meios da graça, deve ficar claro o que define a
natureza da fé salvadora.
a. Fé salvadora não é a crença geral na existência de Deus ou na Lei de
Deus; porquanto os gentios também têm essa crença. (Rm 1.19-20)
A fé salvadora também não é mera noção das verdades gerais do
Evangelho (notitia historica) ou simples assentimento às mesmas
(assensus historicus), isto é, que Cristo viveu e morreu pelos seres
humanos. Essa fé (fildes historica, fides generalis) também se encontra
nos demônios (Lc 4.34JgXl5'4 e nos-incrédulos (Jo 8.43,45) Assim,
fé salvadora (fides qua iustificad também não é mero conhecimento
dos e n s i n a m e ' n t ~ s d a ~ lem
i a geral, nem simples assentimento aos
mesmos (romanistas, arminianos, unitários) A Lei, por exemplo, não
é o objetivo da fé salvadora, visto que os pecadores são justificado&
sem as obras d a - L e L h 3.28; Ef 2.8,9) A "Escritura em geral" também
<nãoé o objeto da fé salvadora, e m b G os verdadeiros crentes aceitem
toda a Bíblia como Palavra de Deus; visto que a mesma testifica que
o pecador é justificado perante Deus apenas por sua confiança na
expiação objetiva efetuada por Cristo. (Rm 3.24) Mesmo / --
sendo*
verdade que nenhuma pessoa que rejeite a Palavra inspirada de-~eÜs .
possa salvar-se, é, também, verdade que a justificação-do ser humano
sucede unicamente mediante sua confiança pessoal nas promessas
divinas do Evangelho. Fides salavifica (iustificans) est certa persuasio
de venia peccatorum per Cristum obtinenda.
b. A fé s a l v a s i d e s iustificdns),é, por-- conseguinte,
A-
-- -- confianga
- -- pessoal
Fdes specialis) ou confiança cordial (fiducia cordis) na maravilhosa -
mensagem do-&a_ngefho segundo a qual Deus, por amor de Cristo, _
é gracioso-a to&s quantos crêem no sangue expiatório -de ---seu Filho,
vertido no-- Calváriopelos
-- pecados
----- do mundó.
- (G1 2.20; 1 Jo 1.7) Daí
a fé salvadora se achar somente no coração que diz: "Creio que Jesus
Cristo [...I é meu Senhor. Pois me remiu a mim, ser humano perdido
e condenado, me resgatou e me salvou de todos os pecados, da morte
e do poder do diabo, não com ouro ou prata, mas com seu santo e
precioso sangue e sua inocente paixão e morte." Em outras palavras,
a fé salvadora tem por objeto o perdão dos pecados adquirido pela
obediência perfeita de Cristo e agora oferecido a todos os pecadores
noYvangelho. (Mc 16.15,16; Lc 24.47) Todo aquele que despreza o
gracioso oferecimento que Deus faz do perdáo por amor de Cristo
perecerá na incredulidade, ainda que dê sua aprovação à Lei divina e
à "Escritura em geral". Lutero: "Nisto deves fiar-te com perseverante
confiança, que Cristo morreu por teus pecados; tal fé te justifica."
(S. L., VIII, 1376)
Dogmática Cristã

Para mais completa descrição da fé salvadora, nossos dogmáticos


disseram:
a) A fé salvadora é sempre ou seja, fé especial pela qual o
indivíduo crê que, por amor de Cristo, Ós seus pecados são perdoados. A
própria natureza da promessa geral de Deus no Evangelho reclama essa
aplicagão individual. (G1 2.20; Jó 19.25) A Igreja de Roma proíbe essa
aplicação como presunçosa. (cf. Concílio de Trento, Sess. VI, Cân. 14)
b) A fé salvadora é sempre @&I- ou apreensão da promessa divina
por um ato do intelecto e da vontade. Para fides actualis encontram-
se termos sinônimos na Bíblia Sagrada. (1s 55.5,6; Jo 6.44; C1 3.27;
Mt 11.21,28) Os teólogos escolásticos definiram a fé como h*"
ocgjsol' (otiosus habitus) Lutero condenou essa definição como
simples monstruosidade de expressão, que eles mesmos não
entenderam". ("blosse Wortungeheuer, die sie selbst nicht verstanden
haben".) Também a fé fraca e o anelo pela graça em Cristo devem ser
considerados fides actualis ou fé que se ocupa diretamente com a
promessa divina estampada no Evangelho.
c) A fé salvadora não é, em todos os casos, fides reflexa, fé reflexa,
discursiva, pela qual o crente reflete na sua fé e d e m a - c o n s c i e n t e .
A fé das crianças é verdadeira. (Mt 18.6) Embora falte a fides reflexa;
possuem fides-s, que é fides actulalis, que é fides directa. (cf.
Dr. Engelder, Dogmatical Notes; C h r m m a t i k , 11, 508ss)
H Ilaz Faz distinção correta entre fé especial e fé geral como segue: "É
fé geral a fé pela qual o homem crê [..I verdadeiras todas as coisas que são
'i2GsEJas na Palavra de Deus. Dessa espécie de fé não falamos agora, porque
tratamos da fé como meio de salvação [...I Fé especial é a fé pela qual o pecador
a si mesmo se aplica individualmente às promessas universais referentes a
Cristo, o Mediador, e a graça de Deus acessível por seu intermédio. O pecador
crê que Deus deseja ser-lhe propício e perdoar-lhe os pecados em virtude da
satisfação de Cristo efetuada pelos seus pecados e os de todos os homens."
(Doctr. Theol., p.419) Da mesma forma, também, a Confissão de Augsburgo
(Art. XX, 23) diz: "Os homens também são advertidos de que aqui a palavra
'fé' não significa apenas conhecimento histórico, tal como existe nos ímpios
e no diabo. Significa, porém, fé que não crê unicamente na história, mas
também no efeito do que aconteceu, a saber [..I que por Cristo temos graça,
justiça e remissão dos pecados." AApologia diz (Art. XIII, 21): "E aqui falamos
da fé especial, a qual crê a presente promessa, fé que não crê apenas em geral
existir Deus, mas que crê ser oferecida a remissão dos pecados."
Pelo que foi dito acima, está claro por que a Lei deve ser excluída como
objeto da fé salvadora. A Lei divina tem promessas de graça relacionadas com
ela, mas promete vida e salvação à base de seu completo cumprimento, como
A Doutrina da Fé Salvadora

recompensa ao mérito pessoal. (Lc 10.28; G1 3.12) Se se fizer a objeção de


que, na Bíblia, a própria fé é chamada obediência (hypakode) (Rm 1.5; At 6.7),
responderemos que a fé realmente é obediência, todavia não à Lei, mas ao
Evangelho. (Rm10.16) A fé é obediência porque aceita as graciosas promessas-
L

de Deus feitas no Evangelho. Corrtndu, d otG3iência ao kvangelho e a


òbediência à Lei sao antagônizas; pois a primeira exclui as obras dos seres
humanos (G12.16), ao passo que a segunda as exige. (G13.12) Esse é o motivo
por que a Lei não pode ser objeto da fé. 0 s que fazem da Lei objeto da fé, ou
definem a fé salvadora como óbediência à L& divina, ensinam a. salvação por
obras e deslizam para o paganismo. Negam a verdadeira essência do
Cristianismo, a saber, a doutrina fundamental da salvação pela graça.
É verdade que a fé salvadora se apropria da graça de Deus em Cristo e
manifesta-se em pronta aceitação da Palavra de Deus e e m constante
obediência à Lei. Essas manifestações, porém, não constituem a causa da
salvação. São antes os frutos e provas de que no coração existe (Jo 8.47;
13.35) a fé verdadeira, que justifica e salva sem obras. (Rrn 3.28; Ef 2.8,9)
Os papistas negam que a fé seja essencialmente (formaliter) confiança do
coração (fiducia cordis) ou sincera confiança na graça de Deus oferecida no
Evangelho a todos os pecadores por amor de Cristo. O Concííio de Trento declara
(Sess. VI, Cân. 12): "Se alguém disser que a fé justificadora nada mais é que
confiança Fducia) na divina compaixão que perdoa pecados por amor de Cristo,
ou que somos justificados unicamente por tal confiança, seja anátema."
No entanto, o ensinamento que se anatematiza aqui, a saber, que a fé
salvadora é essencialmente flducia cordis, é doutrina expressa da Escritura.
(Rrn 4.3-5; 10.9) A expressão "crer em" (pisteuein eis ton hyion, Jo 3.16,18,36;
eis Christon, G1 2.16) significa "depositar a sua confiança em", "ter confiança
em" o Filho ou Cristo.
A Apologia está certa quando diz (Art. IV, 304): 'Assim a fé não é tão-
somente conhecimento no intelecto, mas ainda confiança na vontade, isto
é, querer e receber o que se oferece na promessa, a saber, a reconciliação e
remissão dos pecados." E novamente (Ap. Art. IV, 48): "A fé que justifica não
é somente notícia histórica; é assentir à promessa de Deus, na qual se
oferecem, gratuitamente, a remissão de pecados e a justificação por causa de
Cristo." Onde quer que se repudie a doutrina escriturística de que a fé seja
essencialmente fé ou confiança nas promessas do Evangelho, necessariamente
sucederá a doutrina pagã da justiça da obras.

Visto que a fé tem sentido descrito como sendo conhecimento (notitia),


assentimento (assensus) e confiança ou crédito (fiducia), torna-se necessário
Dogmática Cristã

explicar esses termos e dar a relação de um com o outro. O que segue pode
servir à elucidação da terminologia:
a. Se conhecimento e assentimento são concebidos como fé histórica
(frdes historica), não constituem realmente parte da fé salvadora; pois
que também os demônios e incrédulos têm ambos. A respeito da fé
histórica, ou de uma fé tal que apenas conhece e considera a "históriaJ'
de Cristo, escreve Lutero (SI, 126): "É uma obra natural, sem a graça."
"De semelhante fé não fala a Escritura, a Palavra de Deus", isto é, ao
tratar da fé salvadora.
Contudo, embora a fides historica não forme parte da fé salvadora, é
condição prévia necessária à fé salvadora. As Sagradas Escrituras geram a fé
salvadora somente nos corações que conhecem e compreendem o Evangelho
de Cristo. (Rm 10.17) A chamada "fé implícita" íjides implicita, fides carbonaria)
dos papistas, segundo a qual o "crente" crê "o que a Igreja ensina", embora
mesmo ignore a doutrina, é um disparate. Sem conhecimento, não é possível
haver fé verdadeira. Ao enviar os seus apóstolos a fazer discípulos de todas as
nações, Cristo Ihes ordenou expressamente que pregassem o Evangelho a
toda criatura. (Mc 16.15,16; Mt 28.19,20) Demonstrou, assim, que a fé
salvadora deve fundamentar-se no conhecimento do Evangelho. Com muita
propriedade, o dogmático luterano Scherzer escreve: "Mente quem diz crer
no que a Igreja ensina, se não sabe o que ela ensina. Porque ninguém pode
crer naquilo que não sabe."
b. Se o termo notitia, no entanto, é tomado no sentido de verdadeiro
conhecimento espiritual de Cristo, que o Espírito Santo opera
mediante o Evangelho (notitia spiritualis), e o termo assensus é
concebido como assentimento (aceitação) espiritual às promessas
do Evangelho, que o Espírito Santo opera mediante o Evangelho
(assensus spiritualis), então ambos os termos incluem a fiducia cordis,
ou seja a sincera confiança do coração na graça de Deus oferecida no
Evangelho. Os termos, nesse caso, são sinônimos. Esse fato torna-se
evidente pelo uso bíblico dos termos, pois a Bíblia, uma vez, atribui
a salvação ao conhecimento (Jo 17.3; 2 Co 4.6; F1 3.8; Lc 1.77) e
outra, ao assentimento (1 Jo 5.1,5; 3.23) e, ainda outra vez, à
confiança. (Jo 3.16,18,36) Em todos esses casos, conhecimento,
assentimento e confiança são sinônimos de fé salvadora. Por isso,
cada um pode ser usado separado do outro na descrição da fimucia
cordis, pela qual o pecador é salvo. O dogmático luterano Buddeus
diz corretamente: "O conhecimento sem assentimento e o
assentimento sem a confiança não é aquele conhecimento nem
aquele assentimento que constituem a fé justificadora." Lutero: "A
fé é viva, ousada confiança na graça de Deus, tão certa que por ela
morreria mil mortes." (Trigl., p.941)
A Doutrina da Fé Salvadora

4. PORQUE A FÉ SALVADORA
JUSTIFICA
A fé salvadora nunca está sem boas obras. (G1 5.6) Realmente é, ela
mesma, uma virtude excelentíssima pela qual Deus é glorificado como o Senhor
do amor, o qual, por amor de sua graça em Cristo Jesus, recebe e absolve os
pecadores penitentes. (Ap 14.7) No entanto, embora a mesma fé seja uma
obra muito preciosa e a fonte infalível de boas obras, ela não salva como boa
obra que é ou como fonte de boas obras, mas sim como o meio (medium
leeptikón) pelo qual o crente apreende a graça de Deus e os méritos de Cristo
que lhe são oferecidos no Evangelho. Outrossim, apesar de que a fé seja um
ato tanto do intelecto como da vontade da pessoa - pois não é o Espírito
Santo, mas o próprio crente que confia na misericórdia de Deus - ainda assim
ela não justifica por ser um ato ou uma obra da pessoa.
Essas duas verdades são da maior importância para a compreensão exata
da doutrina cristã da salvação pela fé (sola flde) Nossos dogmáticos as englobam
na declaração: [A fé não justifica de si mesma, isto é, como ato ou hábito de
crer, nem pelas obras que produz, porém em vista do seu objeto, a saber,
porque apreende a graça adquirida por Cristo e oferecida no Evangelho."
Hollaz escreve: "A fé justificadora é o órgão receptivo e, por assim dizer,
a mão do pobre pecador com a qual aplica e toma para si mesmo, pega e
apreende as coisas que são oferecidas na promessa gratuita do Evangelho.
Deus, o soberano supremo, estende do céu a mão da graça, a graça obtida
pelo mérito de Cristo, e nela oferece a salvação. O pecador, no abismo da
miséria, recebe, como um mendigo, na mão da fé o que, desse modo, lhe é
oferecido. O oferecimento e o recebimento são correlativos. Por &o, a mão
da fé, que apanha e se apropria do tesouro oferecido, corresponde à mão da
graça que oferece o tesouro da justiça e salvação." (Doctr. Theol., p.420)
Do mesmo modo, a Fórmula de Concórdia (Decl. Sól., Art. 111, 11,38)
diz: "Essa fé é dom de Deus pelo qual acertadamente chegamos a conhecer
Cristo, nosso Salvador." "Que o único ofício e propriedade da fé continue a
ser isso de que somente ela, e nenhuma outra coisa, é o meio e instrumento
com o qual e pelo qual a graça de Deus e o mérito de Cristo na promessa do
Evangelho são recebidos, apreendidos, aceitos, aplicados a nós e tornados
nossos." Essa importante verdade é ensinada em todas as passagens da
Escritura em que a fé salvadora é situada em oposição às obras humanas.
(Rrn 3.28; 4.5; Ef 2.8,9)
Todos os que ensinam e crêem que a fé salvadora justifica por ser boa
obra ou a fonte das boas obras (papistas, arminianos, racionalistas,
modernistas) caíram da graça e renunciaram à fé cristã. Lutero: "Somente
Cristo me justifica frente às minhas obras más e sem as minhas boas obras.
Se considero Cristo desse modo, apreendo o verdadeiro Cristo." (S. L., IX,
619)
Dogmática Cristd

5. A F É VISTA COMOATOPASSIVOOU INSTRUMENTOPASSIVO


A fé salvadora não produz, ela mesma, a justiça (graça, justificação,
perdão dos pecados) pela qual o pecador é salvo, porém apenas aceita os méritos
de Cristo que foram adquiridos para as pessoas pela obediência de Cristo e
são oferecidos a elas no Evangelho. Por isso, nossos dogmáticos a chamaram
ato passivo (actus passivus) ou instrumento passivo (instrumentum passivum)
Assim escreve J. A. Osiandro: Receptio alicuius rei non est actio, sed passio. E
Dannhauer: Fides patitur sibi benefieri.
Essas expressões são escriturísticas; porquanto o ser humano não
contribui com nada de si para a sua conversão, mas apenas recebe tudo como
dom gratuito de Deus. Contudo, a fé salvadora pode ser chamada um actus
passivus ou instrumentum passivum também em vista do fato de ela ser gerada
e mantida, não pela própria pessoa, mas unicamente pela operação graciosa
do Espírito Santo. (Ef 1.19; F1 2.13) O pecador penitente não crê em Cristo
por sua própria razão ou força, porém confia em Jesus para a salvação somente
porque o Espírito Santo o chamou pelo Evangelho, iluminou-o com seus
dons e o santificou. Diz a Confissão de Augsburgo (Art. XVIII, 1-2): "O homem
tem até certo ponto livre-arbítrio para viver exteriormente de maneira honesta
e escolher entre aquelas coisas que a razão compreende. Todavia, sem a graça,
o auxílio e a operação do Espírito Santo, o homem é incapaz de ser agradável
a Deus, temê-lo de coração, ou crer, ou expulsar do coração as más
concupiscências inatas." Nesse sentido, a fé é chamada ato passivo ou
instrumento passivo.
Mesmo assim, não se devem entender essas expressões como se a fé
salvadora não fosse, e m si, essencialmente u m a t o do crente (actus
apprehendendi) Negar a atividade da fé, nesse sentido, seria negar a essência
da fé; pois a fé salvadora é, por sua própria natureza, um ato de confiar;
acreditar, pelo qual o crente se apropria da graça que lhe é oferecida no
Evangelho. É como a própria Bíblia descreve a fé, quando a seu respeito diz
que "acabamos agora de receber a reconciliação" (Rm 5.11), ou "receberam a
Cristo". (Jo 1.12)
No intuito de expressar o fato de que a fé é essencialmente um ato de
confiança no Evangelho, nossos dogmáticos disseram que a fé é fides actualis
ou confiança ativa. Além disso, ensinam, baseados nas Escrituras, (Rrn 9.30;
C1 2.6; 1s 55.5,6; 2.2,3; Jo 6.44; 2 Co 6.1; G1 3.27) que crer significa "desejar
graça", "procurar Cristo", "estender as mãos para Cristo", "aceitar Cristo",
"vir a Cristo", "aproximar-se de Cristo", "correr para Cristo7', "aderir a Cristo",
"permanecer fiel a Cristo", "unir-se a Cristo", etc. (cf. Christl. Dogmatik. Vol.
11, p.518ss)
Todos aqueles que neguem ser a fé salvadora um ato de apreensão (actus
apprehendendi) e a considerem simplesmente uma "qualidade inativa" (otiosa
qualitas) ou simples "capacidade para crer" (potentia credenti), negam
totalmente a fé, porque a fé que não confia em Cristo não existe, porém é
mera fantasia. Realmente, se alguém diz que a fé salva pecadores e, por isso,
é boa qualidade, a salvação se baseia em boas obras, pois em tal hipótese, a fé
salva como qualidade de virtude humana.
Lutero afirmou com muito vigor que o ato de apreensão da graça divina
é a característica saliente da fé verdadeira que é operada pelo Espírito Santo.
Uma simples fé cerebral (fé histórica) ou mero conhecimento dos fatos da
salvação, porém, não se apossa dos méritos de Cristo oferecidos ao pecador
no Evangelho. Fé salvadora é, pois, sempre um ato de crente, embora seja
operado pelo Espírito Santo. Lutero: Fides est habere VERBUM in corde et non
dubitare de Verbo." (Christl. Dogmatik, 11, 522)

6. ACERCA "FÉ VERDADEIRA"


DAS EXPRESSOES E "FÉ VIVA"
A respeito dessas expressões, prevalece uma considerável confusão na
linguagem teológica comum. Fé verdadeira é confiança pessoal no gracioso
perdão dos pecados que Deus oferece por amor de Cristo. O termo se
diferencia, assim, da fé implícita (fides implicita) ou aceitação das doutrinas
da Igreja, apesar de que possam não ser conhecidas da pessoa, e da fé histórica
(fides historica) ou mero conhecimento das doutrinas gerais da Bíblia e
assentimento às mesmas. Nem a fides implicita nem a fides historica podem
justificar o pecador, visto que a fé salvadora é sempre confiança pessoal nas
graciosas promessas do Evangelho. Com respeito ao termo fé viva (fides viva),
devemos conservar em mente que a fé só é %iva" (fides viva), porque apreende
os méritos de Cristo oferecidos nos meios da graça. A fé jamais é verdadeira
ou viva mediante as boas obras que a seguem. Pela operação de boas obras, a
fé apenas se manifesta como verdadeira e viva perante as pessoas. Podemos,
pois, dizer que toda fé verdadeira é fé viva. Por outro, que toda fé verdadeira
se revela como viva mediante frutos adequados. É necessário observar com
cuidado essas distinções a fim de o elemento obras não ser injetado na fé
justificadora. (Rm 4.4,5)

7. F É E CERTEZA
DA SALVAÇAO
Uma vez que fé salvadora é a confiança do crente na perfeita justiça
que Cristo adquiriu para todas as pessoas mediante a sua satisfação vicária e
que existe mesmo antes que a pessoa creia, é evidente que o crente está em
perfeita posse do perdão divino, da vida e da salvação a partir do momento
em que deposita a sua confiança em Cristo. A partir desse momento, todos
os méritos do padecimento e da morte de Cristo lhe são atribuídos. (At 16.31)
Por esse motivo, o crente também está certo de sua salvação, já que a fé
salvadora é, por sua própria natureza, a mais verdadeira e de maior certeza.
Dogmática Cristã

Se os papistas e protestantes romanizantes negam que o crente possa estar


certo de sua salvação, é porque ensinam que a salvação, ao menos em parte,
depende das boas obras do crente. Isso porque eles confundem justificação e
santificação. É claro que todo o que rejeita o sola gratia e faz que a salvação
dependa do caráter, da justiça e das boas obras da pessoa, terá de negar,
também, a certeza da salvação. A justiça das obras ocasiona sempre dúvida e
incerteza, ao passo que a confiança pessoal na satisfação vicária de Cristo e
na sua justificação objetiva sempre produz a mais alegre certeza da salvação
no coração do crente. Deduz-se daí que o crente, se deseja estar seguro de
sua salvação, deve aderir de modo inabalável às graciosas promessas do
Evangelho. Tão logo delas se afaste, ele se perderá num mar de dúvidas.
A certeza da salvação, que é produzida pelo Evangelho, não é natural
(fides humana), mas sobrenatural e espiritual (fides divina), uma vez que é
operada no coração do crente pelo Espírito Santo mediante os meios da graça.
Por natureza, todas as pessoas procuram salvação pelas obras.
Conseqüentemente, a certeza da salvação que os irregenerados alegam possuir,
baseia-se na sua conformação com a Lei divina. (Lc 18.11) Tal certeza, porém,
deve ser condenada como presunção pecaminosa, visto que todos quantos
forem justificados pela Lei estão debaixo da maldição. (G1 3.10) Por outro
lado, a verdadeira certeza, que confia na graça divina sem as obras, é dom do
Espírito Santo. (1 Co 2.4,5)

8. PODEO CRISTAO
ESTARSEGURO
DE POSSUIR
A F É SALVADOR&
Nas controvérsias em torno da fé, submeteu-se à apreciação a pergunta
sobre se o cristão pode estar seguro de possuir a fé verdadeira. Romanistas e
protestantes romanizantes têm respondido a essa pergunta com negativa
enfática, enquanto que as Sagradas Escrituras afirmam, com firmeza, que
sim. (2 T m 1.12; 4.7)
É verdade que o crente pode nem sempre estar consciente de sua fé. A
fé salvadora (fides directa, fides actualis) não é, necessariamente, sempre fé
consciente (fides reflexa) que seja percebida pelo cristão. (Fides reflexa et
discursiva, qua homo renatus credit et sentit se credere.) Dessa forma, os cristãos
adultos, enquanto dormem ou estão absortos em suas ocupações diárias, de
fato possuem fé direta, que apreende a graça de Deus em Cristo Jesus, porém
não fé reflexa e discursiva. Com isso, se diz que não meditam no seu ato de fé
nem no seu estado de fé. Podem mesmo encontrar-se em estado de coma,
não tendo condições de refletir de modo algum nas coisas espirituais. Podem,
também, achar-se acometidos de auto-reprovação espiritual (in statu
tentationes), quando crêem estar sem fé por haverem perdido a sensação ou
sentimento da fé (sensus fidei) Em todos esses casos, a fé salvadora, na verdade,
existe, embora o crente não esteja consciente dela. Até mesmo nas crianças
A Doutrina da Fé Salvadora

batizadas, a fé não é mera potencialidade para crer (potentia credendi) ou


qualidade inativa (otiosus habitus), mas fides actualis ou confiança atual na
graça divina e apreensão ativa da mesma (actus apprehendendi), conforme
Cristo testifica diretamente. (Mt 18.6: hoi mikroi hoi pisteuontes eis emé)
Não se abusará, porém, da doutrina acerca da Fé reflexa em favor da
segurança carnal e do indiferentismo. É da vontade de Deus que todos os
crentes estejam certos do seu estado de fé e graça. (Rm 5.1,2) Se os cristãos
mantêm dúvidas quanto à sua fé, tais dúvidas devem ser removidas. Isso
requer a pregação da Lei, a fim de se mostrar que a incredulidade e a dúvida
são pecaminosas e ofensivas a Deus. (Jo 8.46; M t 14.31) Porém, acima de
tudo, se requer a pregação do Evangelho (Rm 5.20; 8.15-17), pois somente
ele opera a certeza da fé (Jo 8.31,32) e dissipa toda dúvida.
Será proveitoso, também, lembrar ao cristão temeroso e acometido de
dúvida, o fato de que mesmo o desejo de salvar-se por Jesus Cristo já constitui
fé atual ou direta; porque tal desejo jamais se encontra no coração natural,
irregenerado (1 Co 2.14), mas é dom do Espírito Santo. (Ef 1.19; Rrn 8.23) A
Fórmula de Concórdia tem razão quando diz (Decl. Sól., 11, 14): "Essa passagem
amável (Fp. 2.26) é muito confortadora para todos os cristãos piedosos que
sentem e experimentam no coração uma pequena centelha e anseio pela
graça de Deus e a salvação eterna. Pois sabem que Deus acendeu esse princípio
da verdadeira piedade em seus corações e que ele quer continuar a fortalecê-
10s e ajudá-los na grande fraqueza, para perseverarem na fé verdadeira até o
fim." (cf. M t 17.20: Ean écheete pistin hoos kokkon sinápeoos.)
Por natureza, não se encontra no coração do ser humano a certeza que
o crente possui sobre o seu estado de graça (certitudo gratiae), mas eG é gerada
nele pelo Espírito Santo. Por isso, com razão foi dito que tal certeza repousa
no testemunho do Espírito Santo (testimonium Spiritus Sancti) O testemunho
do Espírito Santo é tanto interno (testinzonium Spiritus Sancti internum) como
externo (testimonium Spiritus Sancti externum) O depoimento interno ou direto
do Espírito Santo nada mais é que a fé, a qual torna o crente seguro de que é
filho de Deus, o consola e fortalece em toda adversidade e tentação e o mantém
na esperança da vida eterna. (Rm 8.15,16; 1 Jo 5.10; Fp 1.6) O testemunho
interno do Espírito Santo, por conseguinte, não é algo que exista fora da fé
ou ao lado dela, mas é a própria fé. (1 Jo 5.10) cf. a Apologia (Tuigl., p.154 $ 113
[texto alemão]: "Ora, fé propriamente dita é aquela que assente à promessa. É
dessa fé que a Escritura Fala."
O testemunho externo do Espírito Santo consiste em que Deus, pelos
meios da graça, opera no crente frutos manifestos da fé, tais como amor a
Deus e à sua Palavra (Jo 8.47; 1 Ts 1.3-6; 2 Ts 2.13-15) e amor ao próximo (1
Jo 3.14), os quais dão testemunho do seu estado de graça. (G1 5.22-24) Esse
depoimento externo do Espírito Santo, que só sucede nos crentes, se distingue
Dogmática Cristã

da confiança que os irregenerados depositam em suas "boas obrasn, confiança


carnal em suas "boas obras mortas", que dá provas convincentes de que se
fiam na pretensa justiça própria e, por conseguinte, não são filhos de Deus.
(Lc 18.10-14)
Todo aquele que crê em Cristo com sinceridade está seguro de seu estado
de graça e salvação; pois o Espírito Santo, que nele gerou a fé pelo Evangelho,
por essa mesma fé lhe dá certeza de que é filho de Deus e herdeiro da vida
eterna. (Rm 8.15-17)

9. A F É DAS CRMNÇAS
Que não é só nos adultos, mas também nas crianças regeneradas que se
acha a fé salvadora (fides directa/ fides actualis), está provado na Bíblia pelo
seguinte: a) As Escrituras atribuem a fé salvadora diretamente a essas crianças.
(Mt 18.6; 1 Jo 2.13; SI 8.2), b) A Escritura atribui-lhes o fruto e efeito da fé
salvadora, a saber, a vida eterna. (Mc 10.14) Prova disso é o exemplo de João
Batista. (Lc 1.41-44) Ele esteve cheio do Espírito Santo quando ainda no ventre
de sua mãe. As crianças podem, portanto, crer antes de chegar à idade da
instrução confirmatória, mesmo que, nesse caso, não se tenham aplicado os
meios da graça ordinários (a Palavra e os sacramentos) Se, partindo desse caso
excepcional, se quiser concluir que seja desnecessário aplicar de cada vez às
crianças os meios da graça, responderemos que Deus de fato tornou o uso
desses meios obrigatório para nós (Mc 16.15,16; M t 28.19,20), porém não
são obrigatórios para ele.
Mesmo que nos seja impossível descrever detalhadamente a fé das
crianças, temos de manter que, mesmo assim, é confiança ativa nas promessas
divinas de graça, ou seja, apreensão ativa dos méritos de Cristo. (Mt 18.6; SI
71.6) Fides infantium fides actualis est, non habitus otiosus vel mera potentia.
Gerhard observa acertadamente: "Não estamos certos quanto ao modo desta
fé, porém, simplesmente concordamos no fato de que as crianças realmente
crêem." (Doctr. Theol., p.549)

10. O EMPREGO
DO TERMO
"FÉ" NA ESCRITURA
As Sagradas Escrituras nem sempre usam o termo fé num mesmo
sentido. Em algumas passagens, designa fidelidade ou fidedignidade, como se
encontra em Deus e no homem. A fé, nesse sentido, é atribuída a Deus em
Rrn 3.3 e, aos regenerados, em G1 5.22. A fé, no sentido de fidelidade, é, nos
crentes, fruto da fé justificadora e pertence ao artigo da santificação, não ao
da justificação. Em outras palavras, a fé justifica e salva, não como fidelidade
ou fidedignidade, isto é, não como boa obra no regenerado, mas como o meio
receptor (medium leeptikón) pelo qual o crente se apropria da graça de Deus e
A Doutrina da Fé Salvadora

dos méritos de Cristo que lhe são oferecidos no Evangelho. No seu sentido
próprio, isto é, considerada como o meio pelo qual o crente recebe a graça
divina, a fé sempre designa confiança nas promessas misericordiosas de Deus
em ~ i i s t o~esus:(Mc 16.15,16; 1.14,15; 9:23,24; Hb 11.1) A fé justificadora
é. nesse sentido. semare fdes vassiva. aue salva. não em vista do seu ar=
L I I L 1 L L

-valor como virtude, mas em vista do seu objeto, a saber, a graça de Deus e os
méritos de Cristo, dos quais o cristão se apropria. cf. a Ãpologia: "Pois a fé
justifica ou salva não por isso que seja obra de si mesma digna, (opus peu sese
dignum), mas tão-somente porque aceita a misericórdia prometida." (Ap., Art.
w 56)
Em algumas poucas passagens das Escrituras, tais como At 6.7; G1 1.23;
Jd 3.20; etc., o termo fé designa a doutrina cristã (fTdes, quae cueditur), ou seja,
o Evangelho da salvação pela graça mediante a fé em Cristo. Nesse sentido, a
fé se chama sde-f obiectiva) em contraste à fé justificadora, que é
d e n o m i n a s f é s u b j e m ( f i d e s subieaiva),
o ;isto
- q 6
crente individualmente. Para compreendermos esse emprego . - do termo fé,
precisamos ter em mente que a cokfiança pessoal na graça de Deus por amor
de Cristo (fiducia) é, na verdade, o artigo central de toda a religião cristã, de
sorte que, nesse caso, a doutrina cristã toma o nome de sua principal
característica. Toda vez que os nossos dogmáticos falam de fides,quae creditur,
referem-se à doutrina da salvação que deve ser crida. Quando falam de fides,
isto é, ao meio recipiente
da salvação (medium leeptikón) Diga-se de passagem que alguns exegetas
asseguram que, em o Novo Testamento, pistis jamais é empregada em sentido
objetivo, mas unicamente em sentido subjetivo, de modo a designar pistis
sempre a fides, qua cueditur e nunca a fides quae cueditur. (cf. Chuistil. Dogmatik,
Vol. 11, p.540ssj
Sobre a terminologia da Igreja nesse assunto, a título de recapitulação,
podemos observar o seguinte: 1) Fé implícita é aceitação das doutrinas, ainda
que as mesmas não sejam conhecidas do indivíduo (fides, carbonaria,
Koehleuglaube: "Creio o que a Igreja ensina"). 2) Fé explícita (fides explicita) é o
assentimento às doutrinas conhecidas distintamente. 3) Fé justificadora ou
salvadora é a confiança pessoal na graciosa remissão dos pecados por amor de
Cristo. 4) Fé direta é a fé que se apossa da graça de Deus em Cristo Jesus. A fé
justificadora é sempre direta. 5) Fé reflexa ou discursiva é a fé pela qual o
regenerado percebe que crê. As crianças bem como os adultos, durante o
sono ou em estado de inconsciência, possuem fé direta, porém não fé reflexa
'i ou discursiva. 6) Fé geral (fides generalis) é a aceitação de todas as verdades
', reveladas na Palavra de Deus. 7) Fé especial (fides specialis) é a fé justificadora,
p u seja a confiança pessoal na graça de Deus por amor de Cristo. O objetivo
ga fé geral é a Bíblia inteira; o objetivo da fé especial é a promessa do Evangelho
delativa à graça de Deus e à remissão dos pecados pela satisfação vicária de
Dogmática Cristã

Cristo. 8) A fé falsa ou vã e morta só é chamada fé equivocante, pois nada mais


é que fútil vanglória ou presunção afoita acerca da misericórdia e graça de
Deus revelada por pessoas impacientes (Hollaz) 9) Diz-se que a fé é débil ou
fraca quando o conhecimento de Cristo é fraco, ou é débil a confiança em
Cristo. 10) A fé é vigorosa quando o conhecimento de Cristo ou a confiança
nele são fortes. 11) Fé objetiva é a doutrina que se crê. 12) Fé subjetiva é a fé
mediante a qual se crê. 13 Fé histórica é simples conhecimento de Cristo, sem
confiança pessoal nele. 14) Assentimento geral é a aceitação pela qual se
consideram verdadeiras as promessas evangélicas. 15) Assentimento especial é
o assentimento pelo qual o crente considera individualmente as promessas
graciosas do Evangelho como promessas que lhe dizem respeito.
saL~g&~ív-&semp~x&isto
7
- -----L--_-"
é um confiar ativo por parte ---
do-crente
---- -
na_graga divina.
- -
Todos esses termos exprimem verdades que devemos guardar na
lembrança em relação com a doutrina da fé salvadora. Lembre-se, porém, o
estudioso de que alguns desses termos nem sempre têm sido empregados no
mesmo sentido, de forma que a sua definição pode variar de dogmático para
dogmático.
Segundo ensinamento expresso nas Sagradas Escrituras, é impossível
ao ser humano caído satisfazer às exigências da justiça divina e oferecer
expiação por suas transgressões mediante boas obras. (SI 49.7,8; Mt 16.26)
Muito pelo contrário, todos os que procuram apaziguar Deus pelas obras da
Lei, permanecem debaixo da maldição e condenação da Lei divina. (G1 3.10)
Com efeito, o ser humano, por natureza, é tão cego e corrompido pelo pecado
(1 Co 2.14; Ef 2.1), que o seu coração carnal é inimizade contra Deus (Rm
8.7) e incapaz de amar e adorar Deus corretamente. (1 Co 10.20; Ef 2.12) O-L

ser humano é, por natureza, incapaz de salvar a si mesmo. (Rm 3.10-20)


- /---- -
Entretanto, o que o ser humano era incapaz de fazer, Deus efetuou
para ele em sua miiericórdia infinita. (Rm 8.3,4) Mediante a completa
obediência de seu amado Filho (G1 4.4,s; 1s 53.4-6), Deus reconciliou consigo
o mundo. (2 Co 5.19; 1 Jo 2.2) Tendo riscado a sentença de dívida que a Lei
apresentava contra a humanidade pecadora (C1 2.13,14), agora, pelos meios
da graça (o Evangelho e os sacramentos), ele oferece a todos os pecadores e
pecadoras os méritos de Cristo, desejando sinceramente (vocatio seria) que
todas as pessoas aceitem o perdão gracioso que oferece em Cristo Jesus. (2 Co
5.20,21) Esse é o fundamento escriturístico da conversão. A conversão só é
possível por haver Cristo, mediante o seu padecimento e morte, adquirido a
salvação para a humanidade perdida (Jo 1.29) e por Deus, em sua graça
indescritível, ter oferecido essa salvação a todos os pecadores e a todas as
pecadoras como dom gratuito. (Ef 2.8,9)

A conversão (conversio, epistrophee, metánoia) não consiste na tentativa


que a pessoa faz para reparar os seus pecados e aplacar a ira de Deus mediante
obras. E também não é mero pesar (contritio) ou desgosto por causa do pecado
ou a solene resolução, por parte das pessoas, de melhorar a sua vida por meio
de boas obras. Todas essas coisas o inconverso também poderá fazer. (Mt
27.3,4; 1s 24.16-22) A conversão, porém, consiste essencialmente na outorga
Dogmática Cristã

da fé (donatio fidei), na promessa divina da salvação por amor de Cristo, ao


pecador que, através da Lei divina, aprendeu a lamentar os seus pecados. (Mc
1.14,15)
Essa é a definição verdadeiramente escriturística da conversão conforme
descrita em At 11.21: "E muitos, crendo, se converteram ao Senhor." (polys te arihmós
hó pisteusas epéstrepsen epi ton kyrion) A conve
-.-Para Deus1 _segundo consta desse relato
- --- - Jesus". (v. 20) Isto quer Zzei qu~-o=~esus
Senhor ----.---- --
foi ã n T n c i a ~ a ~ d e
número creu-0"Weifio de-Ciisto-e; assim, se converteu ao Senhor.
- -- - - .-
-- _ .__ --
____I--
A

Em consonância com essa e outras passagens - (Jo 1.45-50; At 8.34-38;


16.30-34), Lutero dá a seguinte definição de conversão: "Con~rter-sea Deus
s ~ n I f i c acrerAue Jesus é nosso-----mediador e que por ele temos vida eterna."
- ..-_---
-
(cf. S. L., XIII, 1101; V. 590. Pieper, Christl. Dogmatik, 11, 545ss) Do m e s s
modo, nossos dogmáticos declaram que a conversão sucede no momento em
que o Espírito Santo gera a fé no coração do(a) pecador(a) contrito(a). Hollaz
descreve a conversão como "ato de graça pelo qual o Espírito Santo pela palavra
da Lei, excita no(a) pecador(a) sincero pesar por seus pecados e, pela palavra
do Evangelho, acende a fé verdadeira em Cristo." (Doctr. Theol., p.466)
Em síntese, uma pessoa só é realmente convertida, quando crê que
Deus lhe perdoou graciosamente os seus pecados por amor de Cristo. A pessoa
convertida é pessoa que realmente crê no Cristo humano-divino, o único
Salvador do pecador. Esse é o motivo pelo qual devemos repudiar todas as
definições que identificam a conversão com um mero "mudar de idéia" ou
com uma simples "melhoria de vida moral" (reformatio vitae), conforme foram
dadas pelos racionalistas antigos e modernos (pelagianos, unitários,
modernistas, etc.). Admitimos que uma pessoa inconversa também pode
melhorar sua vida exteriormente (iustitia civilis), que pode reprimir este ou
aquele vício e cultivar esta ou aquela virtude. (1 T m 5.8) Todavia, a menos
que a pessoa, penitente, receba a graça de Deus que lhe é oferecida em Cristo
Jesus, ela permanece espiritualmente perdida apesar de tal mudança de
conduta. (Lc 18.10-14) As suas "boas obras" exteriores serão recompensadas
devidamente nesta vida (in regno potentiae). Como, porém, está fora do reino
da graça (regnum gratiae), está sem Deus (Ef 2.12) e sem esperança de salvação.
(Mc 16.15,16) A Bíblia toda testifica essa verdade. Lutero: "Deus não quer
ser gracioso para com nenhuma pessoa, nem judeu nem gentio, a menos que
se convertam, vale dizer, a menos que creiam em Deus de todo o coração."
(S. L., 111, 1697)
Por ser de tão grande importância, essa doutrina escriturística da
conversão deve ser preservada de todo erro. Para esse fim, o teólogo cristão
não só deve repudiar toda doutrina não-bíblica neste particular, mas também
deve cuidar que a terminologia que emprega esteja de acordo com a Bíblia.
Considere, pois, desde o princípio, os seguintes pontos:
A Conversão ou Outorga da Fé

a. Qualquer ensinamento que faz da conversão uma obra meritória,


efetuada pelo ser humano (papistas; penitência; unitários:
transformação moral), ou produto do poder humano, totalmente
ou em parte (pelagianismo, sinergismo), destrói a fé cristã e frustra a
conversão e justificação do(a) pecador(a).
b. Contrigão e fé são os dois elementos essenciais na conversão. (Mc
1.15; 16.30,31; Jr 3.13,14) A contrição (terrores conscientiae), contudo,
não constitui o princípio ou a metade da conversão, tampouco produz
melhor condição espiritual no pecador. O pecador aterrorizado odeia
Deus tanto mais quanto conhece o pecado e foge de Deus. A
contrição só pertence à conversão, porque o coração orgulhoso e
seguro não tem acesso-à fé; é "a preparação indispensável para a
conversão". A contrição é efeito da pregação da Lei, a qual, de si
mesma, não pode salvar um só pecador. (G1 2.16) (cf. a contrição de
Judas, Mt 27.3-5)
c. 0 s pietistas e metodistas exigem um grau fixo de contrição; todavia,
o que se requer é que a pessoa não só veja com horror os efeitos
temporais dos seus pecados, mas também se considere, em virtude
dos seus pecados, perdida para sempre. (Lc 18.13)
d. Até mesmo o acender da primeira centelha de fé no coração do
pecador, ou seja, ansiar peia grasa de Deus em Cristo constitui a
conversão. (cf. a Fórmula de Concórdia, Decl. Sól., 11, 54, p.570, 14,
p.561)
e. A conversão, em sentido mais amplo, abrange a santificação, que é o
resultado inelutável da conversão no sentido restrito (donatio fidei).
Já se causou muita confusão e erro por não se manterem separados
os dois empregos do termo.
f. A doutrina escriturística da conversão é pervertida: 1) pelos papistas
(conversão pela voluntária recepção, por parte do homem, da graça
e seus dons, pela qual a pessoa injusta se converte em pessoa justa);
2) por todos os racionalistas (unitários e modernistas), que definem
a conversão como "reformação moral" do pecador; 3) pelos sinergistas,
que condicionam o perdão de Deus à fé como "ato ético"; e 4) por
todos os que cometem o erro de dar como elementos constitutivos
da conversão o ódio ao pecado e o propósito de corrigir-se a vida ou
de sustentar que o pesar pelo pecado por amor a Deus leva Deus a
ser gracioso (pietistas e metodistas).
g. A conversão não sucede por etapas ou graus, mas de modo
instantâneo. A preparação para a conversão constitui-se dos terrores
de consciência operados pela Lei e se pode estender por um período
de tempo. A conversão mesma, ou seja, o acendimento da fé, porém,
Dogmática Cristã

efetua-se num instante. Não há estado intermédio (status medius)


em que a pessoa esteja semimorta ou semiviva. (Jo 3.18) Os
sinergistas defendem o estado intermediário, a conversão progressiva
ou sucessiva, com o fim de introduzir, em alguma fase desse processo,
a cooperação do ser humano. Por outro lado, todos os entusiastas
(pietistas, metodistas) vão além da Escritura, ao negar que esteja
convertido quem não possa fixar a hora exata de sua conversão.
h. O termo arrependimento é, por vezes, empregado para contrição. Nos
cristãos, arrependimento (conversio continuata, poenitentia stantium)
prossegue até a morte por causa do mal que se acha sempre presente
neles. (Rm 7.21; Hb 12.1) O crente, por conseguinte, volta-se
diariamente de coração contrito para o Evangelho do perdão dos
pecados. O perfeccionismo nega essa conversão continu2da. (Mt
18.3)
, i. A conversão dos que caíram da graça (Davi, Pedro; Jr 3.12; Jo 3.7; G1
4.19) é idêntica à primeira conversão. Os calvinistas que,
contrariamente a Lc 8.13, Mt 1 2 . 4 3 G1 ~ 1 Tm 1.20, 1 Co 9.27;
~ ~5.4,
10.12, ensinam que os cristãos verdadeiros jamais poderão perder a
fé, não reconhecem a conversão renovada (conversio reiterata, poenitentia
lapsorum) e, conseqüentemente, a impedem. O mesmo sucede com
o perfeccionismo.
j. A conversão não é transformação substancial. Não é criação de uma
nova essência da alma (Flácio, Weigel), mas a transformação completa
da alma, ou seja, a criação de qualidades novas na pessoa. (2 Co
5.5,17; S1 51.10) Ensiná-lo não quer dizer ensinar misticismo
(racionalistas), mas afirmar a doutrina verdadeira da Escritura Sagrada
acerca da conversão.
k. A conversão não é um ato mecânico; pois Deus, na conversão, opera
na pessoa como em criatura racional e não como se o fizesse numa
"pedra ou pedaço de pau." (Fórmula de Concórdia) (J1 2.12)
1. A conversão não se dá por coação. Isso quer dizer que Deus não
converte a pessoa contra a vontade dela (mediante graça irresistível:
o calvinismo); pois a conversão consiste nisto que "Deus faz dos
nolentes volentes". (Agostinho; Fórmula de Concórdia. Epít., 11, 15)
m. Nossa confissão condena, com justiça, como expressões que "não
são análogas à forma da sã doutrina" as seguintes expressões: "Deus
atrai, mas atrai o volente"; "A vontade do homem na conversão não
é ociosa, mas também faz algo." (Fórmula de Concórdia, Decl. Sól., 11,
86) Em consonância com a Escritura, descreve a ação divina na
conversão como "atração do Espírito Santo". (Decl. Sól., 11, 88) (Jo
6.44; 12.32)
A Conversão ou Outorga da Fé

n. O ser humano é, na conversão, apenas o subiectum patiens, ou o


subiectum convertendum; o que quer dizer que a pessoa "nada faz nesse
sentido, mas apenas sofre o que Deus nela opera". (Fórmula de
Concórdia, Decl. Sól., 11, 89, 90)
o. Nossa Confissão, baseada na Escritura, declara contra o sinergismo:
"Antes da conversão do homem, existem apenas duas causas
eficientes, a saber, o Espírito Santo e a Palavra de Deus como
instrumentos do Espírito Santo, pelos quais ele opera a conversão."
(Fórmula de Concórdia, Epít. 11, 19)
Alguns desses pontos serão considerados mais por extenso depois, sob
os seus títulos correspondentes. Agrupamo-los aqui para demonstrar o quão
necessário é preservar a doutrina escriturística da convèrsão de erro e fazer
ver como é essencial definir corretamente a conversão. (cf. Christl. Dogrnatik,
11, 542ss; Dr. Engelder, Dogrnatical Notes)

3. O PONTODE PARTIDA
E O FIM DA CONVERSÁO
(TERMINUS
A QUO; TERMINUS
AD QUEM CONVERSIONIS)
Porque a conversão consiste essencialmente na outorga da fé em Cristo,
é óbvio que o terminus a quo da conversão é a incredulidade. O seu terminus
ad quem é a verdadeira confiança em Cristo Jesus. (At 26.18: epistrepsai apo
skotous eis phoos; 2 Co 3.14-16) Quenstedt: Conversio prima est infidelium, [...I
et sic notat conversionem ab infidelitate ad fidem.
O pecador estará convertido apenas quando, em lugar da infidelidade
em que se acha, por natureza, em todo coração humano (1 Co 2.14), for
achada a fé nas graciosas promessas de Deus por amor de Cristo ('yropter
Christum). Enquanto a pessoa está sem fé em Cristo, é irregenerada ou
inconversa. Não importa que, aos olhos humanos, seja um criminoso ou um
santo, um iletrado ou um sábio. Sobre todos os que estão sem Cristo, a
Escritura pronuncia o veredito de que estão sem Deus no mundo e não têm
esperança. (Ef 2.12)
Tão logo, porém, a pessoa crê em Cristo, sua volta para Deus se realizou,
ainda que essa fé seja uma simples centelha (scintillula). O apóstolo Paulo
escreve a respeito de todos os que crêem em Cristo: "Mas agora em Cristo
Jesus, vós, que antes estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo."
(EF 2.13) De acordo com essas palavras, é a fé em Cristo que diferencia os que
estão "longe", ou seja, os irregenerados, dos que "foram aproximados", ou
seja, os regenerados. A conversão se efetua mediante a fé no sangue de Cristo.
Somente se essa verdade for mantida sempre, será possível evitar o erro
de considerarem-se os inconversos convertidos, ou, vice-versa, os convertidos
inconversos.
Dogmática Cristã

O ponto de partida da conversão é a incredulidade; seu fim, a fé salvadora


Iem Cristo. A sua feição essencial é o acendimento da fé (donatio fldei). Uma
'vez que a incredulidade vem sempre unida às trevas espirituais, ao domínio
de Satanás, à idolatria, ao estado de pecado, etc., também desses fatores se
1 pode dizer que constituem o ponto de partida da conversão. A fé vem sempre
I
, unida à vida espiritual, à comunhão com Deus, à observância dos
/ mandamentos divinos, etc. Também essas coisas, pode-se dizer, são o fim da
'
conversão. Assim, a mesma Escritura fala da conversão como retorno das

i
trevas à luz, do poder do diabo a Deus (At 26.18), da idolatria à adoração do
Deus vivo (At 14.15; 1 Ts 1.9) e da transgressão à observância da Lei divina.
I (Ez 18.21 etc.)
Em todas essas passagens, a incredulidade e a fé são descritas segundo a
sua manifestação exterior, os seus frutos, de sorte que podemos dizer
corretamente: Todos os que estão em trevas espirituais, sob o domínio de
Satanás, no poder do pecado ou na servidão da idolatria são inconversos.
Todos os que possuem vida espiritual se acham em comunhão com Deus e
possuem capacidades espirituais para observância dos mandamentos divinos
são realmente convertidos. Todavia, não se deve esquecer que ser convertido,
no sentido próprio e restrito, sempre significa vir à fé no Evangelho de Cristo,
o Salvador dos pecadores. (At 11.20,21; 1 Pe 2.25) A vida espiritual, a
comunhão com Deus e a observância dos mandamentos divinos são fruto ou
efeito da conversão. A pessoa só faz a vontade de Deus depois de a sua vontade
ter-se inclinado ou voltado para Deus mediante a fé em Cristo, depois de
haver-se convertido.

4. A CAUSAEFICIENTE
DA CONVERSAO
(CAUSA
EFICIENS
PRINCIPALIS
CONVERSIONIS)
A pergunta relativa à causa eficiente da conversão tem sido respondida
de três diferentes maneiras. Em primeiro lugar, afirmou-se que a própria pessoa
é a causa de sua conversão (pelagianismo). Em segundo lugar, alegou-se que
Deus e a pessoa cooperam nToperação daconversão dela. O pecador fazendo
. .
o princípio da obra, e Deus a completando_(semipelagl_a_nismo,a r -
--
Em terceiro lugar, Deus dando início e o próprio pecador iluminado e desperto
a completando (sinergismo), .
A respeito do semipelagianismo e sinergismo, a Fórmula de Concórdia
(Epít., 11, 10.11) diz: "Rejeitamos, outrossim, o erro dos semipelagianos, os
quais ensinam que o homem pode com as próprias forças iniciar sua conversão,
não podendo, entretanto, completá-la sem a graça do Espírito Santo. Igualmente
o ensino de que, conquanto o homem antes de seu renascimento é
demasiadamente fraco para com seu livre-arbítrio fazer o início, e, com suas
próprias forças, converter-se a Deus e obedecer de coração à Lei de Deus, a
A Conversáo ou Outorga da Fé

vontade do homem, todavia, depois que o Espírito Santo, com a pregação da


Palavra, fez o começo e nela ofereceu a sua graça, pode então, de suas próprias
e naturais forcas, acrescentar algo, bem que pouco e debilmente, ajudar e
cooperar, qualificar-se, preparar-se para a graça, apreender e aceitá-la e crer no
Evangelho." Segundo essa afirmativa clara e decisiva, a Confissão luterana,
fundamentada na Escritura, rejeita tanto o pelagianismo como o sinergismo
e fornece uma terceira resposta à pergunta pertinente à conversão do ser
humano, a saber: Deus somente é a causa eficiente da conversão (monergismo
divino), ao passo que o pecador (subiectum convertendum) se mantém mere ou
pure passive.
A isso a Fórmula de Concórdia (Decl. Sól., 11, 87) diz: "A conversão de
nossa vontade corrompida, que outra coisa não é senão ressurreição da mesma
da morte espiritual, é única e exclusivamente obra de Deus, assim como o
ressuscitamento na ressurreição corporal da carne também se deve atribuir a
Deus, conforme acima se mostrou de maneira cabal e se demonstrou com
testemunhos manifestos da Sagrada Escritura." A doutrina da conversãeraqui
apresentada é a das Sagradas Escrituras, as quais ensinam expressamente que,
se o pecador se converte, isso se deve, não a qualquer esforço de sua parte,
mas unicamente à operação efetiva da graça divina. (Ef 1.19) A prova
escriturística para essa verdade pode-se estabelecer da seguinte maneira:
a. A Escritura atribui a conversão ou a geração da fé no coração da
pessoa exclusivamente a Deus (Jo 6.44; Rm 1.5-7; C1 1.12,13); em
particular, à sua graça (F1 1.29; Ef 2.8,9) e poder onipotente (Ef 1.19;
2 Co 4.6). Além disso, a Bíblia descreve a conversão como sendo um
novo nascimento de Deus Uo 1.12,13; 1 Jo 5.1) ou uma ressurreição
espiritual. (C1 2.12,13) Todas essas passagens descrevem a conversão
como ato da graça divina (monergismo) e excluem dela a operação e
cooperação do ser humano.
b. A Escritura nega expressamente à pessoa inconversa o poder para
conhecer ou crer o Evangelho (1 Co 2.14; Jo 6.44) e a incrimina da
ofensa de resistir à boa e graciosa vontade de Deus, que deseja
sinceramente a regeneração do ser humano, até o momento exato
em que se converte. (1 Co 2.14; Rm 8.7) Essas passagens também
descrevem a conversão como sendo um ato da graça divina e excluem
dela a operação e cooperação do ser humano. A Escritura, pois,
declara-se a favor do monergismo e contra toda forma de
pelagianismo e sinergismo. Lutero: "Honramos devidamente a Deus,
se reconhecemos que não nos salvamos por nossos méritos e
depositamos nossa confiança na sua misericórdia." (S. L., XI, 2217)
somente Deus é a causa eficiente da conversão. Isso se evidencia da
própria natureza da conversão (forma conversionis). Como vimos, a conversão
Dogmática Cristá

consiste essencialmente em que o pecador aterrorizado e penitente crê em


Cristo e, com tal fé repudia energicamente toda justiça das obras. Em nada
mais confia para sua salvação senão nos méritos de Cristo. Tal fé em Cristo
compreende uma transformação absoluta do coração e entendimento do
pecador. O ser humano é, por natureza, dado à justiça das obras e não quer
outro modo de salvação além desse.
Se esse é o caso, a transformação, mediante a qual repudia todas as
obras e se apega apenas aos méritos de Cristo, não pode provir do ser humano,
pois, por natureza, detesta e combate o plano evangélico de salvação. (1 Co
2.8,14; 1.23) A transformação, por conseguinte, tem de ser operada por Deus,
como realmente é. A Apologia escreve com acerto (Art. IV; 265 e 266): "Esta
opinião da Lei inere por natureza à mente do homem e não pode ser desalojada
senão quando somos divinamente ensinados. A mente, porém, deve ser
revocada de semelhantes opiniões carnais para a Palavra de Deus."
Contra a doutrina bíblica de que só Deus opera e efetua a conversão,
tem-se sustentado que, por natureza, o ser humano é incapaz de crer o
Evangelho, de deixar de opor-se ao Espírito Santo, de apresentar-se para a
graça e manter uma conduta apropriada diante da operação divina de
chamamento e santificação. Afirma-se, porém, que ele pode fazer isso tão
logo seja dotado de forças espirituais.
Respondemos a essa objeção que, se a pessoa é capaz de realizar essas
obras espirituais com poderes que lhe foram conferidos pelo Espírito Santo,
ela já está convertida. Nesse caso, o seu coração já se acha completamente
transformado, a sua vontade é conforme a de Deus e as coisas divinas. Seu
entendimento já não considera o Evangelho loucura, mas sabedoria divina.
Considera, igualmente, o Salvador crucificado como a única esperança
espiritual do mundo. Jesus já não lhe é pedra de tropeço. A pessoa, nesse
caso, revela todas as características de uma pessoa convertida.
A respeito do irregenerado ou inconverso, a Fórmula de Concórdia declara
corretamente (Decl. Sól., 11, 7): "De sorte que o livre-arbítrio natural, segundo
a sua disposição e natureza pervertidas, é vigoroso e ativo apenas para aquilo
que desagrada a Deus e lhe é contrário." Da conversão diz (ibid., § 83): "Pois
a conversão é mudança tal no intelecto, na vontade e no coração do homem,
pela operação do Espírito Santo, que o homem, por essa operação do Espírito
Santo, pode aceitar a graça oferecida." Nossa Confissão apóia, portanto, a
doutrina escriturística de que o dotar uma pessoa de poderes espirituais
constitui a verdadeira essência da conversão. (Donatio virium spiritualium est
ipsa conversio.)
O verdadeiro alvo do Artigo I1 da Fórmula de Concórdia é a constatação
de que apenas Deus é a causa eficiente da conversão. O ser humano não é
ativo no tocante à sua conversão, mas pure passive (puramente passivo), isto
- -
___-_-----
A Conversão ou Outorga da Fé

é, "ffc~mnada contribui para a mesma, e m unicamente sofre


- o que Deus opera nele". (Decl. Sól., TI, W H o m i n e m in conversione sua pure
passive sese habere, id est, pati id, quod Deus in ipso agit.) A capacidade do ser
humano para a conversão deve ser considerada inteiramente passiva (capacitas
passiva, non capacitas altiva). A sua cooperação espiritual, em razão disso, só
começa depois de ter sido convertido.
Diz nossa confissão (Decl. Sól., 11, 90): "O intelecto e a vontade do
homem irregenerado outra coisa não é senão apenas o subiectum convertendum,
isto é, aquilo que deve ser convertido, sendo o intelecto e vontade de um
homem espiritualmente morto, no qual o Espírito Santo opera a conversão e
renovação. Para essa obra, a vontade do homem a ser convertido nada faz,
mas apenas deixa que Deus nele opere, até ser convertido. Então coopera
com o Espírito Santo naquilo que é agradável a Deus." I
Não há, portanto, três causas eficientes da conversão (tres causae
efficientes conversionis), a saber: o Espírito Santo, a Palavra e a vontade anuente
da pessoa, segundo afirmaram erroneamente Melanchton e seus seguidores
sinergistas, mas apenas duas: o Espírito Santo e a Palavra de Deus. Em sua
conversão, ser humano é qual um pedaço de pau ou uma pedra. Na verdade,
muito pior que um pedaço de pau ou uma pedra, visto que, em razão de sua
inimizade natural contra Deus (1 Co 2.14; Rm 8.7), resiste às operações do
Espírito Santo até que esteja convertido.
)---.-- -^ --
k%r>iEs<á Formula de Concó
L

ou b r o c m o resiste a quem o move, nem entende ou percebe o que lhe está ',
sendo feito, como o homem com sua vontade resiste ao Senhor Deus até ser
convertido. [..I Contudo, para sua conversão (conforme se mencionou acima)
absolutamente nada pode fazer e, neste respeito, é muito pior que pedra ou 1
bloco, pois resiste à Palavra e vontade de Deus até que Deus o acorde daL,
i\morte do pecado, o--
/d//
ilumine e renove." - -- -- - .-
-

O fato é que a conversão não se dá sem uma completa transformação


interior do coração, pois o pecador experimenta os terrores de consciência
(terrores conscrentiae) e, pela operação do Espírito Santo, crê o Evangelho, o qual
rejeitou anteriormente, em seu estado de incredulidade. Contudo, nem os efeitos
da Lei sobre o coração nem a fé nas promessas do Evangelho se devem aos seus
próprios esforços. Frente à Lei bem como ao Evangelho, o pecador é puramente
..I
passivo e somente sofre "o que Deus opera nele". (Ibid., $ 89). "[ o homem,
de si mesmo, ou de suas forças naturais, nada pode fazer ou em nada pode
ajudar para a sua conversão, e a conversão é, não só em parte, mas inteiramente,
operação, dom, presente e obra do Espírito Santo somente, o qual a efetua e
opera por sua força e poder, por intermédio da Palavra." (Ibid.)
A Fórmula de Concórdia defende, nessas palavras claras e inconfundíveis,
o monergismo divino contra o sinergismo. É sua doutrina: "A conversão só é
Dogmática Cristã

boa obra do Espírito Santo, o qual opera por meio da Palavra de Deus." (Solus
Deus convertit hominem.)
A acusação de que nossa Confissão estaria dando demasiada ênfase a
este ponto, respondemos afirmando que os escritores da Fórmula de Concórdia
estavam perfeitamente convencidos de que a adoção do sinergismo pela Igreja
Luterana destruiria completamente o fundamento da Reforma. Reduziria,
também, a Igreja purificada ao pelagianismo, o erro fundamental do papado.
Eles compreenderam que uma Igreja Luterana sinergista não poderia ensinar
o sola gratia em sua verdade e pureza escriturísticas. Ao repelir os ataques dos
sinergistas, eles combatiam contra adversários que "saltavam à goela" do
Cristianismo. (cf. as palavras de Lutero dirigidas a Erasmo: "Unus tu et solus
cardinem rerum vidisti et ipsum iugulum petisti." Ainda a declaração do Dr. F.
Bente: "O luteranismo genuíno teria sido estrangulado, se o sinergismo tivesse
emergido vitoriosamente desta grande controvérsia da graça contra o livre-
arbítrio." Concórdia Triglotta, Introd. Histór. p.128.)

(CAUSAE
INSTRUMENTALIS
CONVERSIONIS)
Mesmo que só Deus seja a causa da conversão, ainda assim não converte
as pessoas de modo imediato ou por operação imediata, mas com o emprego
de meios definidos e ordenados. Nossa Confissão mantém esta verdade contra
todas as modalidades do entusiasmo (calvinismo, anabatismo, etc.).
Declara a Fórmula de Concórdia (Decl. Sól., 11, 4): "Os antigos e os novos
entusiastas, por sua vez, ensinaram que Deus converte os homens por
intermédio de seu Espírito e os conduz ao conhecimento salvífico de Cristo
sem qualquer meio ou instrumento da criatura, isto é, sem a pregação e audição
externas da Palavra de Deus."
A Fórmula de Concórdia indica, nessas palavras, os meios pelos quais o
Espírito Santo opera a conversão ou regeneração no coração humano, a saber:
"a pregação e a audição externas da Palavra de Deus". Como ficou dito acima,
a conversão, no seu verdadeiro sentido, não é outra coisa senão que uma
pessoa, uma vez aterrorizada pela Lei em virtude dos seus pecados, é
convertida num crente em Cristo, confiando para sua salvação nas divinas
promessa do Evangelho. O Evangelho é o objeto da fé convertedora e também
o meio de conversão. Pelo mesmo meio mediante o qual Deus oferece às
pessoas os méritos de Cristo (vis evangelii dativa vel collativa), ele também
opera neles a fé na graça oferecida (vis evangelii effectiva vel operativa).
Essa verdade é ensinada claramente nas Sagradas Escrituras, e. g., em
Rm 10.17: "A fé vem pelo ouvir e o ouvir pela palavra de Cristo." Tg 1.18:
"Segundo o seu querer, ele nos gerou pela palavra da verdade." 1 Ts 1.5: "O
A Conversão ou Outorga da Fé

nosso evangelho não chegou até vós tão-somente em palavra, mas sobretudo
em poder, no Espírito Santo e em plena convicção." 2 Ts 2.13,14: "Deus vos
escolheu desde o princípio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé
na verdade, para o que também vos chamou mediante o nosso evangelho." 1
Ts 2.13: "Tendo vós recebido a palavra que de nós ouvistes, que é de Deus,
acolhestes não como palavra de homens, e sim, como em verdade é, a palavra
de Deus, a qual, com efeito, está operando eficazmente em vós, os que credes."
Essas passagens provam que o Evangelho não é "letra morta", mas sim
testemunho vivo, cheio de poder (Jo 6.63), porque o Espírito Santo é sempre,
por ela, ativo e eficaz na gravação de suas divinas promessas no coração
humano. (G1 3.1-5; Rm 1.6; 1s 55.11)
Lutero escreve sobre esse ponto: "Tal é o poder que tem a palavra, que,
onde é seriamente considerada, ouvida e praticada, jamais pode ficar sem
fruto, mas desperta sempre nova compreensão, prazer e devoção, produz
coração e pensamentos puros, pois que não são palavras indolentes e mortas,
mas operosas, vivas." (Catecismo Maior, Terceiro Mandamento, $, 100) O
Evangelho é, por conseguinte, o meio eficaz pelo qual o Espírito Santo opera
na pessoa a fé ou a conversão.
Porque o Evangelho está aliado ao Batismo (At 2.38) e à Santa Ceia (Mt
26.26-28), também os sacramentos são meios eficazes (media salutis;
Gnadenmittel). Por eles o Espírito Santo opera a fé (Batismo: Tito 3.5) ou
fortalece a fé (Santa Ceia: 1 Co 11.26). Pelos sacramentos: portanto, o Espírito
Santo converte os pecadores (as crianças) ou confirma e mantém na fé os
que já estão convertidos. (Batismo de adultos; Santa Ceia)
Enquanto o Evangelho é o meio apto pelo qual o Espírito Santo opera a
fé, a conversão, no ser humano, a Lei divina é empregada por Deus na
preparação do pecador para a conversão. A fé salvadora jamais pode existir na
pessoa que não tenha sido previamente convencida de sua excessiva
pecaminosidade e do seu estado de ira e condenação. (S134.18; 51.17; 1s 66.2;
At 2.37-41; 16.27-31)
O arrependimento compreende, portanto, tanto a contrição (contritio;
terrores conscientiaej, que é operada pela Lei, como a fé (fiducia) que é produzida
pelo Evangelho. Para que os pecadores se convertam, é preciso que a pregação
do Evangelho seja precedida ou venha acompanhada da pregação da Lei. (Rm
3.19,20) A proclamação da Lei e a do Evangelho devem sempre andar lado a
lado, cada uma na relação que lhe cabe e com a devida distinção de suas
funções e finalidades. (Lc 24.47)
A Fórmula de Concórdia diz (Decl. Sól., V. 24-26): "Cremos e confessamos
que essas duas doutrinas devem ser promovidas contínua e diligentemente
na Igreja de Deus, até o fim do mundo, todavia com boa distinção da qual
ouvimos, a fim de que pela pregação da Lei e de suas ameaças [..I
os corações
Dogmática Cristã

dos seres h u m a n o s impenitentes sejam assombrados e levados ao


reconhecimento de seus pecados e ao arrependimento. Não, porém, de tal
modo que desanimem e desesperem nisso, mas que [...I pela pregação do
santo Evangelho de Cristo, Senhor nosso, sejam assim novamente consolados
e fortalecidos, a saber, que, se crêem no Evangelho, Deus Ihes perdoa todos
os pecados por Cristo, os aceita por causa dele como filhos e, apenas por
graça, sem qualquer mérito da parte deles, os justifica e salva.
Hollaz escreve no mesmo raciocínio: "A conversão, tomada em sentido
especial (a conversão propriamente dita), é o ato de graça pelo qual o Espírito
Santo desperta no pecador sincero pesar pelos seus pecados mediante a palavra
da Lei e, pela palavra do Evangelho, acende a fé verdadeira em Cristo, a fim de
que possa obter a remissão dos pecados e salvação eterna." (Doctr. Theol., p.466)
A pregação da Lei é apoiada e incrementada, também, pelas cruzes e
aflições (Lc 15.14-18; At 16.26-30; S1 119.71) que sobrevêm ao ser humano e
pelas multiformes bênçãos temporais com as quais Deus chama o pecador ao
arrependimento. (Rm 2.4) Por essa razão, as relações especiais de Deus com
os seres humanos são denominadas concio legis realis, isto é, pregação da Lei
por meio de atos. Mesmo assim, nem a manifestação da ira de Deus nem da
sua bondade poderão tomar o lugar da pregação da Palavra divina. Só esta é o
meio pelo qual o Espírito Santo opera na pessoa com vistas à conversão. (Mc
16.15,16)
A resposta à objeção de que o monergismo divino na conversão torna
desnecessário o uso de meios externos (calvinismo, entusiasmo) é que o
monergismo divino exclui corretamente a cooperação humana, mas não o
emprego dos meios destinados por Deus.
Sobre isso escreve a Fórmula de Concórdia (Decl. Sól., II,46): "Essa doutrina
respeito à impotência e malícia de nosso livre-arbítrio natural e concernente
à nossa conversão e renascimento, a saber, que é apenas obra de Deus e não
de nossos poderes, é impiamente mal-usada tanto por entusiastas como por
epicureus. E por essa linguagem, muitas pessoas se tornam dissolutas e
desregradas, e remissas e negligentes para com todos os exercícios cristãos em
oração, leitura e meditação cristã. Dizem que, visto náo poderem converter-
se a Deus com suas próprias forças naturais, sempre vão resistir totalmente a
Deus, ou esperar até que Deus as converta à força, contra a vontade delas.
O u que, visto nada poderem fazer nessas coisas espirituais, sendo tudo
exclusivamente operação do Espírito Santo, não vão observar, ouvir ou ler
nem palavra nem sacramento, senão que vão esperar até que Deus, sem meios,
do céu Ihes infunda seus dons, de modo que possam apropriadamente sentir
e perceber em si que Deus as converteu." Lutero disse: "Deus non dat interna
nisi pev externa. Spiritum Sanctunz non mittit absque Verbo."
6. Os MOVIMENTOS INTERNOSDA CONVERSAO
(Mo-rus INTERNI,
QUIBUS
CONVERSIO
ABSOLVITUR)
Sempre que o pecador se converte a Deus, ocorrem no seu coraçáo
moções ou movimentos distintos. Em primeiro lugar, alarmado por causa dos
seus pecados, os quais conheceu através da Lei de Deus (Rm 3.20), ele sente
os terrores de consciência (terrores conscientiae), isto é, verdadeiro temor e
angústia do coração. (At 16.29,30) Embora necessários, os terrores de
consciência (terrores incussi conscientiae agnito peccato) não são, em si mesmos,
meritórios. (Mt 27.3-5) Apesar do seu conhecimento do pecado---e da --- ira de
----
D s e n q u a n t o nada o ~ v ã n ~ f i e c a alarmado d ~ r permanece-
v--

inconverso. Quando, porém, lhe é pregado o Evangelho, o Espírito Santo gera


e m G a ç ã o a fé verdadeira (fiducia cordis) nas graciosas promessas do
perdão. É por este segundo movimento, pela confiaka implícita em Cristo,
que ele é convertido. (At 16.31-34)
Esses dois movimentos, a contrição e a fé, acham-se em cada
___---- -
pessoa
-

cGvertida.
-- -
(SI 3 2 . 1 - W n d e e i e s r a o se apresentam, não se realizou á
conversão.
Escreve a Fóumula de Concórdia (Decl. Sól., 11, 70): "Pois sem dúvida, é
verdade que em genuína conversão deve ocorrer uma mudança, deve haver
novas atividades e movimentos no intelecto, na vontade e no coração, a
saber, que o coração reconheça o pecado, tema a ira de Deus, se desvie do
pecado, reconheça e aceite a promessa da graça e m Cristo, tenha bons
pensamentos espirituais, propósito e diligência cristãos e batalhe contra a
carne, etc. Pois, onde nenhuma dessas coisas acontece ou existe, aí também
não há conversão genuína."
Onde, porém, a contrição e a fé se acham no coração, a conversão se
efetuou, ainda que fossem fracos o conhecimento que o crente possui do
pecado e a sua confiança na graça divina. Em parte alguma, a Escritura requer
um grau específico de contrição e fé, embora, naturalmente, o regenerado
deva esforçar-se por crescer no conhecimento tanto do pecado como da graça.
(C1 1.9-11; 2 Pe 3.18) Pode-se dizer que a contrição existe toda vez que o
pecador penitente se considere eternamente perdido em virtude dos seus
pecados. (At 16.30) d

-0 verdadeiro amor divino não faz parte da contrição; o amor é fruto da


_----l----
-U G l 5.22) ou efeito da conversão. XTFçãTvãdõirã, porem, existe no coração
logo que o pecador penitente anele ou deseje a graça divina em Cristo Jesus.
Vale dizer, tão logo possua uma centelha de fé (scintillula fidei), conforme
ensina claramente a Bíblia. (1s 42.3; Mc 9.24) Diz a Fórmula de Concórdia
(Decl. Sól., 11, 14): "Essa passagem amável (Fp 2.13) é muito confortadora para
todos os cristãos piedosos que sentem e experimentam no seu coração uma
pequena centelha e anseio pela graça de Deus e a salvação eterna. Pois sabem
Dogmática Cristd

que Deus acendeu esse princípio da verdadeira piedade em seus corações e


que ele quer continuar a fortalecê-los e ajudá-los na grande fraqueza, para
perseverarem na fé verdadeira até o fim."

(CONVERSIO
MOMENTANEA
EST)
Na discussão do assunto da conversão, tem-se dado muita atenção -à
pergunta sobre se a conversão seria sucessiva (conversio sucessiva) ou
instantânea (conversio momentanea). Uma vez que a conversão se processa
pelo acendimento da fé no coração por obra do Espírito Santo, está claro que
sucede num momento (conversio momentanea). No preciso instante em que o
Espírito Santo, pelos meios da graça, gera a fé no pecador contrito. Daí, tão
logo o pecador penitente possua a primeira centelha ou desejo de fé, já está
inteiramente convertido. (Conversio temporis momento fit, [...I veluti en ripee
ommatos. Calov.)
Somente se dirá que a conversão é sucessiva (conversio sucessiva) no
caso de se considerarem parte da conversão certos atos (actus praeparatorii)
que comumente a precedem. Pertencem a esse actus puaeparatorii a noção
inata da Lei divina, a convicção por parte do pecador de sua culpa e
condenação, o incitamento dos terrores conscientiae e outros. Esses atos do
Espírito Santo, porém, apenas preparam o pecador para a conversão, mas não
o convertem, visto que a conversão só ocorre no justo momento em que o
Espírito Santo, pelo Evangelho, transforma o pecador alarmado em jubiloso
crente em Cristo.
Por essa razão, não devemos falar de um estado intermédio (status
medius) entre conversão e não-conversão (homo renascem, homo in statu medio
constitutus), visto que tal afirmação é antiescriturística e sinergista. É
antiescriturística, porque as Sagradas Escrituras reconhecem apenas duas
classes de pessoas: as convertidas e as inconvertidas, ou crentes e incrédulas.
(Jo 3.18-36; Mc 16.16; 1 Pe 2.25) Conforme a Escritura Sagrada, é impossível
que a pessoa se encontre num estado intermédio, mesmo por um momento,
porque não há região intermédia entre fé e incredulidade, entre vida e morte.
(Lc 11.23)
0 s teólogos que, em oposição à Bíblia, repudiam o caráter instantâneo
da conversão e afirmam que ela é um processo prolongado, durante o qual o
pecador é iluminado, depois despertado e, finalmente, levado à decisão de
aceitar Cristo, fazem isso em defesa do sinergismo. Igualmente, para apoiar a
sua idéia errônea de que o pecador desperto tem de, em última análise,
converter-se a si mesmo mediante os poderes espirituais conferidos a ele pelo
Espírito Santo (Latermann).
A Conversão ou 0ur:rsi - -G

É verdade que as objeções dos teólogos modernos racionalistas ao carácer


instantâneo da conversão não visam à conversio momentanea, mas ao sola grrzri~.
O racionalismo sinergista considera a conversão tanto um ato da graça divina.
como u m ato de esforço humano meritório. Ele propugna a doutrina da
"conversão sucessiva" e do "estado intermédio", visto que, segundo a sua
idéia errônea, Deus só provê o pecador de capacidade para crer e não de fé. A
fé, alegam, é autodeterminação&, consciente e deliberada da própria pessoa
(Selbstbestimmung), obtida pelos poderes espirituais que lhe foram conferidos
por Deus. Disso fica evidente que a arremetida contra a doutrina escriturística
da conversão instantânea, em última análise, visa diretamente ao monergismo
divino na conversão, ou seja ao sola gratia.
O que aqui se afirma do sinergismo também se aplica ao arminianismo.
Ambos insistem na conversão sucessiva, porque ambos sustentam que a
pessoa, em último caso, se autoconverte. Hominis voluntas in conversione non
est otiosa, sed agir aliquid. Contra esse erro, a Fórmula de Concórdia (Decl. Sól.,
11, 62) testifica: "Não se pode atribuir ao homem antes de sua conversão
nenhum modus agendi ou maneira de operar algo de bom em coisas espirituais."

É RESIST~VEL
8. A GRAÇADA CONVERSAO
(GRATIACONVERSIONIS
RESISTIBILIS
EST)
Embora a conversão do ser humano seja obra da onipotência de Deus
(Ef 119; 2 Co 4.6), a divina graça convertedora, porém, não é irresistível (gratia
irresistibilis), conforme ensinam os calvinistas, mas resistível (gratia resistibilis),
segundo afirmam as Sagradas Escrituras. (Mt 23.37; A t S A razão para
tanto é evidente. Apesar de que Deus seja<Gistível sempre que trate com a
pessoa segundo o seu poder soberano (in nuda maiestade) (Mt 25.31,32), pode-
se lhe resistir sempre que exerça o seu poder ilimitado através dos meios da
graça. (Mt 11.28; 23.37) Tanto no seu Reino do poder como no Reino da
graça, os meios pelos quais tencione abençoar o ser humano podem ser
rejeitados. Assim a vida, o maior dom terreno de Deus, embora criada e mantida
pela divina onipotência, pode, apesar disso, ser destruída pelo ser humano.
Assim também a vida espiritual, ou seja, a conversão, mesmo que oferecida
por meio da onipotente Palavra de Deus, pode ser rejeitada pela pessoa mediante
maldosa resistência.
Mantendo a resistibilidade da graça convertedora (gratia conversionis): a
Igreja Luterana confessional repudia tanto o calvinismo como o sinergismo.
Negando a universalidade da graça, o calvinismo declara que os eleitos se
regeneram pela graça irresistível, ao passo que aos não-eleitos só se concede a
graça comum. Os sinergistas, por sua vez, concluem, da resistibilidade dz
graça, que o pecador, assim como pode rejeitar a graça divina a ele oFereãdG.
também pode cooperar com o Espírito Santo em sua conversão, mediante
Dcgmatica Cristã

uso correto dos poderes espirituais que lhe foram conferidos. Ambos os erros
são contrários ao claro ensinamento das Sagradas Escrituras sobre esse ponto.
(1 T m 2.4; Fp 2.13)

(CONVERSIO
TRANSITIVA;
CONVERSIO
INTRANSITIVA)
Baseados nas Sagradas Escrituras, nossos dogmáticos falam numa
conversão transitiva e intransitiva (conversio transitiva; conversio intransitiva).
Diz-se que Deus converte a pessoa e, novamente, diz-se que a pessoa se
autoconverte. (Jr 31.18, haschibeni; At 3.19, metanoeesate; Jr 24.7, jaschubu) Entre
ambos os termos, porém, não há diferença (realis distinctio), visto que a pessoa
se converte apenas quando Deus a converte. Ambas as expressões,
conseqüentemente, descrevem o mesmo ato, do qual só Deus é a causa eficiente.
Por isso, essas expressóes não devem ser tomadas em sentido sinergista, como
se Deus começasse a conversão, e a própria pessoa a efetuasse ou completasse.
Mesmo sendo escriturística, a expressão "conversão
---
intransitiva" ,
("A pessoa
converte a si-mesma"),
- cumpre não esquecer que Deus, na conversão, "opera
tanto o querer como o efetuar". (Fp 2.13)
A observação de Baier sobre este ponto é escriturística. Ele escreve: "O
termo conversão é tomado na Escritura em duplo sentido: por isso que ora se
diz que Deus converte o homem, ora que o homem converte a si mesmo;
ainda que, no que concerne à coisa em si (quoad rem), a ação seja uma e a
mesma (una et eadem)". Que só Deus opera a conversão está comprovado na
Escritura. (Jr 31.18; Jo 6.44; Ef 1.19; etc.) Essas passagens não admitem sequer
uma modalidade modificada de sinergismo (a conversão da pessoa dependeria
de sua condição necessária de passividade e submissão em face da vocação do
Evangelho. (cf. Latermann, Dieckhoff, etc.)

10. CONVERSAO
CONTINUADA
(CONVERSIO
CONTINUATA)
Baseados na Bíblia, nossos dogmáticos falam, também, numa conversão
continuada, isto é, conversão que prossegue através da vida do crente. (Mt
18.3) A necessidade da conversão continuada baseia-se no fato de os
regenerados não estarem perfeitamente santificados, mas ainda conservarem
a velha natureza. (Hb 12.1; Rrn 7.21,23) Por causa da pecaminosidade de sua
carne e dos multiformes pecados atuais que dela emanam, têm de viver em
"arrependimento diário". (Rrn 6.3-6) É com esse "arrependimento diário" que
se deve identificar a "conversão continuada" (regeneração, ressurreição,
iluminação continuadas). (Poenitentia continuata sive quotidiana est dolor
hominis iam conversi de residua ad peccandum proclivitate et vitiositate.)
A Conversão ou Outorga da Fé

As Sagradas Escrituras fazem distinção rigorosa entre a primeira conversão


(conversio prima), pela qual o irregenerado se torna pessoa que crê em Cristo e a
conversão continuada (conversio secunda) do crente. (1 Pe 2.25; cf. também o v.
10) A conversão continuada se estende através de sua vida, (SI 51.1-12) A
<

conversio prima está completa, quando o~~nte-&cJotado --__-da primeira


_I--
--
centelha
-*---
de fé (scintillula-fidei)! ao passogue a sua conversio secundà jamais está completa
e i r i a n t o "ive no mundo. (Rm 7.24)'Na primeira conyer$o,a "-pessoa -. ----é-. -
meramente assiva (mere passivus); já na G u n d a , ;oopera com o Espírito Santo,
-- A -- --
segundo a "nova natureza" esoo ántEPos; kainos ánthroopòs, CEf 4.24), nele
-
a

implantado em sua primeira conversão (61 5.17,24; Rm 7.22,25) A segunda


conversão jamais se confundirá com a primeira, como fizeram alguns sinergistas
no intuito de negar o pure passive da primeira conversão, pelo qual o irregenerado
é convertido. (cf. Pieper, Christl. Dogmatik II, 559s)

2
REITERADA
11. CONVERSAO
-
-i.-- , - 2
i
.
--
- e- /aq& e ?/,-

REITERADA)
(CONVERSIO ->* .+
O fato de aqueles que crêem em Cristo poderem
__1_--
cair&raça
- --
ou perder
a a 8 --
. 1 3-, 1 4 ; 1 ~ 1.19)m constitui doutrina clara da Bíblia. Isso e s t á
igualmente comprovado peIofexempIos de Davi e Pedro. É preciso dar ênfase
a essa verdade frente aos calvinistas, que afirmam que o crente perde o
exercício da fé (exercrtum fidei), mas não a fé em si ao cometer pecados mortais.
Nossa Confissão luterana condena essa doutrina calvinista como
antiescriturística e perniciosa. Diz (Os Artigos de Esmalcalde, 111, 42): "Por
outro lado, é possível que venham alguns espíritos sectários [..I
e sustentem
a opinião seguinte: Todos aqueles que alguma vez hajam recebido o Espírito
ou o perdão dos pecados ou que se hajam alguma vez se tornado crentes,
esses, caso depois disso pequem, mesmo assim permanecerão na fé, e tal pecado
não lhes fará mal E.. ] Tais criaturas insanas têm-me aparecido muitas vezes
pela frente, e temo que esse demônio ainda está alojado em algumas." Por
outro lado, é preciso manter que podem se converter de novo (conversio
reiterata) os que caíram da fé. (Poenitentia iterata lapsorum, qui ad meliorem
frugem redeunt.) "Condenam-se, também, os novacianos, que negavam a
absolvição aos que haviam pecado depois do Batismo e seus modernos
seguidores." (Conf: de Augsb., XII, 9)
Se a pessoa cometeu o pecado contra o Espírito Santo, não é possível a
conversão reiterada. (Mt 12.31-32; 1 Jo 5.16) Como, todavia, a pessoa, só em
raros casos, pode saber exatamente quem cometeu o pecado contra o Espírito
Santo, é dever da Igreja Cristã pregar o arrependimento e a fé a todas as pessoas
enquanto lhe for dada oportunidade. (Ez 18. 23-32; 3.16-21)
Com respeito à Controvérsia Terminista, basta manter a regra que
acabamos de estabelecer: A Igreja não deve reter, mas conferir a graça do
Dogmática Cristã

Evangelho enquanto as pessoas estão dispostas a recebê-la. (Mc 16.15) Essa


controvérsia ocorreu dentro da Igreja Luterana em princípios do século XVIII.
Nela, os pietistas, fundamentados em passagens como M t 3.7s~;7.21; 20.1-
16; 2 Pe 2.20; Hb 6.4ss, defenderam o "terminismo", isto é, a doutrina segundo
a qual é concedido apenas um prazo limitado (terminus peremptorius salutis)
para o indivíduo salvar-se. O s luteranos ortodoxos, porém, afirmaram,
alicerçados em Lc 23.40s~;Rm 5.20; 1s 65.2, que Deus deseja a salvação de
cada pecador durante toda a sua vida e que, havendo u m prazo de graça
abreviado (terminus gratiae peremptorius), isso se deve unicamente à auto-
obduração do pecador contra os meios da graça.

AO MONERGISMO
12. OBJEÇOES DIVINO
NA CONVERSÁO
Dentre as numerosas objeções que se fizeram à doutrina escriturística
segundo a qual somente Deus converte a pessoa (Solus Deus convertit hominem),
as seguintes merecem menção especial:
a. Como Deus, em sua palavra, exige da pessoa o arrependimento ou
conversão (At 16.31; Mc 1.15), esta terá de forçosamente poder, ao menos
em parte, converter-se a si mesma, Respondemos a isso que, da exigência
divina, não se pode tirar nenhuma conclusão com respeito à
capacidade da pessoa para satisfazer a vontade de Deus. A debito ad
posse non valet consequentia .
Assim, pelas advertências da Lei (admonitiones legales), Deus humilha a
pessoa e opera nela verdadeiro conhecimento do pecado (Lc 10.28; Rrn 3.20),
enquanto que, pelas exortações do Evangelho (admonitiones evangelicae), opera
nela a fé verdadeira. (Mt 11.28) Por analogia do método de Deus de operar
mediante a sua Palavra onipotente, podemos citar a ressurreição de Lázaro
(Jo 11.43,44; cf. também At 3.6) e a obra da criação. (Gn 1 . 3 s ) Por isso, não
devemos raciocinar: "Por que ordenar que os seres humanos façam o que são
absolutamente incapazes de fazert Por que mandar que as pessoas creiam,
quando não podem crert" Mas, pelo contrário, considerar, tanto as admonitiones
legales como as admonitiones evangelicae, os meios eficientes pelos quais Deus
realiza o seu propósito misericordioso de salvar os pecadores. Que é
insustentável argumento sinergista: A debito a d posse valet consequentia,
demonstra-o claramente a Escritura Sagrada. (Mt 11.28, comp. com Jo 6.44)
Com referência às cláusulas condicionais (Rm 10.9), pode-se dizer que
fazem ver, não condições verdadeiras, mas os meios pelos quais Deus efetua a
salvação da pessoa. Assim, a declaração: "Se em teu coração creres, [..I serás
salvo", outra coisa não é que: "Pela fé te salvarás."
b. A menos que a pessoa coopere em sua conversão, ela serk um ato de
coação (COACTIO) ou força; em outras palavras, a pessoa seria, nesse
caso, convertido, por graça irresistível, suposição essa que a Escrituua
condena. Respondemos que tal objeção ignora a verdadeira naturezz
da conversão, que consiste no ato divino pelo qual Deus, mediante
os meios da graça, transforma os que não querem em pessoas que
querem. (João 6.44) A conversão não é um ato pelo qual Deus impõe
ao pecador o que ele não quer ou o force a aceitar o que não deseja,
mas é um gracioso trazer divino (João 6.44: helkusee) pelo qual Deus
opera nele "tanto o querer como o efetuar". (Fp 2.13) Lutero faz a
observação correta de que Deus, na conversão da pessoa, não a arrasta
como o carrasco o criminoso à forca, mas com "abrandamento e
transformação do seu coração" pelos meios de graça. "Es ist ein
freundlich Locken und An-sich-Ziehen, wie sonst ein holdseliger M a n n
die Leute an sich zieht." (S. L., VII, 2 2 8 7 s )
c. B w q m r a n c a , v a c i d ~ a u _ w ~ - p - ( 1 o~a~t o-_c___
~ da
ã 0fé ou se&
-.
- - r -- ----- ,------
. ~ r e p a r d a - ~para
a a conversão mas não a efg~i4-gu-2g que.a--.
decisão final residena propria pessoa.-Respondemos a isso que, segundo
L-

as 5 a g ~ d ã Escrituras,
s o mesmo ato da fé é obra e dom de Deus. (Fp
1.29; Ef 1.19, 20; Fp 2.13) Concebemos que Deus opera na pessoa a
capacidade para crér. Tão logo - essa capacidade tenha sido conferida
ao pecador, ele já não se acha espiritualmente morto, mas vivo em
Cristo, já está convertido. A morte espiritual terá sido removida neste
caso e, em seu lugar, implantada vida espiritual no coração humano.
Deste modo entende a Fórmula de Concórdia, essa declaração tão
conhecida que os sinergistas, com tanta freqüência, citavam a seu favor (Decl.
Sól., 11, 83): '!A conversão é mudança tal no intelecto, na vontade e no coração
do homem, pela operação do Espírito Santo, que o homem, por essa operação
do Espírito Santo, pode aceitar a graça oferecida." (qua homo potest oblatam
gratiam apprehendere) Conforme a Fórmula de Concórdia, a pessoa que "pode
aceitar a graça oferecida7'já está regenerada; visto que a nossa Confissão declara
(Decl. Sól., 11, 85): "O homem irregenerado resiste inteiramente a Deus e é
totalmente servo do pecado. Mas o renascido se deleita na Lei de Deus segundo
o homem interior." Logo, não se pode afirmar que nossa confissão favorece
doutrina alterada dos sinergistas atuais, os quais afirmam que o ser humano
pode autoconverter-se pelo uso correto dos novos poderes espirituais que lhe
foram comunicados por Deus. (Latermann, discípulo de Jorge Calixto, 1662)
Afirmam que a pessoa pode converter-se depois de Deus tê-la dotado com a
capacidade para crer.
d. Se a pessoa não cooperar em sua conversão, não será ela mesma/ mas o
Espírito Santo quem nela crê. Nesse caso, não é a pessoa, mas o Espírito
Santo o sujeito da fé. Se esse argumento fosse correto, também se
aplicaria à vida natural do ser humano, porquanto Deus "mesmo é
quem a todos dá vida, respiração e tudo mais". (At 17.25) Ainda
assim, embora Deus seja o único autor e mantenedor da vida humana
Dogrnática Cristã

(At 17.28), toda pessoa de espírito são concorda em que o mesmo


ser humano vive, se move, trabalha, come, chora, se alegra. Que a
vida, o locomover-se e a atividade da pessoa são seus.
e. Se a pessoa pode resistir à graça divina e, dessa forma, impedir a sua
salvação ( M t 23.27), então também pode assistir a graça divina e, dessa
maneira, tornar possível a sua salvação. Se a pessoa pode condenar a si
mesma, pode também salvar-se a si mesma. A esse argumento,
respondemos que tal conclusão não procede. Pois, enquanto a
Escritura atribui ao ser humano o poder para se destruir ( 0 s 13.9; At
7.51), nega enfaticamente que o mesmo possa salvar-se a si mesmo.
(1 Co 2.14; Rm 8.7; Fp 2.13) Por isso, da declaração "Vós não
quisestes" não devemos concluir com respeito ao regenerado "Vós
quisestes". O que é certo no reino da graça também o é no reino da
natureza. A pessoa pode, por suicídio, destruir sua vida, mas é incapaz
de restaurar a vida assim destruída. Da mesma forma não há, na
esfera da conversão, uma capacitas volendi que correspondesse à
capacitas nolendi do ser humano.
f. Se a pessoa é incapaz para cooperar em sua conversão, então a conversão
não é processo "moral". Para fazer frente a esse argumento
adequadamente, temos de conservar em mente que a expressão
"moral" é ambígua. Admitimos que a conversão seja um ato "moral",
pois, na conversão, Deus não trata com o ser humano como se fosse
uma criatura inanimada (um pedaço de pau ou uma pedra), mas, ao
contrário, como sendo um ser dotado de razão e vontade. Tomada
nesse sentido, a conversão pode ser chamada processo moral;
porquanto, na conversão, o Espírito Santo ilumina o intelecto,
transforma a vontade e santifica o coração. A conversão, porém,
não é "processo moral" n o sentido sinergista em que o homem
coopere em sua conversão com o Espírito Santo em prol de sua
regeneração. A Bíblia, por um lado, nega ao ser humano qualquer
poder para se converter. (1 Co 2.14; Jo 6.44; Ef 21,s) Por outro, declara
positivamente que só Deus é a causa da conversão. (Ef 1.19, 20;
2.10; 2 Co 4.6; Jo 1.12,13) Por essa razão, a Fórmula de Concórdia
afirma corretamente (Decl. Sól., 11, 87): "A conversão de nossa vontade
corrompida, que outra coisa não é senão ressurreição da mesma da
morte espiritual, é única e exclusivamente obra de Deus, assim como o
ressuscitamento na ressurreição corporal da carne também se deve
atribuir somente a Deus."
g. A conversão é um processo "livre" no ser humano. (Homo libere se convertit.)
Respondemos a esse argumento que, se o termo "livre" é empregado
em oposição a "coação", a sua aplicação à conversão é justificada,
porquanto a conversão é o ato de Deus pelo qual transforma quem
A Conversão ou Outorg~,& Fi

não quer em pessoa que quer. (Ex nolentibus gratiam volentes gratiam
facit.) Todavia o termo "livre" não deve ser aplicado à conversão no
sentido sinergista, que a pessoa seria "neutraJ' antes da conversão,
assim que pudesse decidir a favor ou contra a graça (ut possit velle
aut non). Com respeito à relação do ser humano para com Deus e
seu Reino, não há neutralidade, porque a pessoa está com Cristo ou
contra ele. (Mt 12.30; Lc 9.50) Lutero escreve: "Aqui não há meio-
termo; porque estamos, necessariamente, debaixo do poderoso
tirano, o diabo, em seu cativeiro, ou debaixo do Redentor Cristo no
céu. [...I Portanto, todo homem vive ou com Cristo contra o diabo,
ou com o diabo contra Cristo." (S. L., VII, 172)
h. A pessoa pode cooperar em sua conversão, desde que é capaz da justiça
civil (iustitia civilis, probitas naturalis). Dizemos, em resposta a esse
argumento, que, embora por natureza o ser humano seja realmente
capaz da justiça civil (iustitia civilis), é de si mesmo incapaz da justiça
espiritual (iustitia spiritualis). Pode, na verdade, abster-se
exteriormente de pecados grosseiros, mas interiormente não pode
amar Deus nem cumprir os seus mandamentos, visto que, com toda
a sua justiça exterior, não crê no Evangelho de Cristo, porém o odeia
e lhe resiste. (1 Co 2.14) 0 s fariseus gloriavam-se de sua justiça civil.
Cristo, porém, afirmou acerca deles: "Publicanos e meretrizes vos
precedem no Reino de Deus." (Mt 21.31) Apesar de sua "justiça
civil7', os poderosos deste século crucificaram o Senhor da glória. (1
Co 2.8) Mesmo para os "melhoresJ' judeus, o Cristo crucificado é
pedra de tropeço e, para os "melhores" gentios, é loucura (1 Co 1.23)
até que se convertam. (1 Co 1.24)
i. O ser humano é capaz de cooperar em sua conversão, visto poder usar OS
meios da graça externos, isto é, frequentar a igreja, ler a Bíblia, etc. Com
efeito, admitimos que a pessoa possa, por natureza, usar
externamente os meios da graça, como também declara a Fórmula de
Concórdia (Decl. Sól., 11, 53): "O homem ainda não convertido a Deus
e irregenerado pode ouvir e ler essa Palavra exteriormente; pois nessas
coisas externas, conforme acima dissemos, mesmo depois da queda,
o homem possui, até certo ponto livre-arbítrio, de modo que pode ir
à igreja, prestar ou não ouvidos ao sermão." Esse uso externo dos
meios da graça, entretanto, não pressupõe nenhuma capacidade, da
parte das pessoas, para se arrepender de seus pecados e crer em Cristo,
pois mesmo enquanto lêem ou ouvem a palavra, "o véu está sobre o
coração deles" (2 Co 3.15), véu esse que "foi removido por Criston(v.
14), isto é, mediante a fé em Cristo, operada pelo Espírito Santo.
(w. 16-18)
Dogmática Cristã

j. Se apenas Deus opera a conversão na pessoa, não se poderá então manter


que ele realmente deseje a salvação de todos os seres humanos; pois
realmente não converte todos. Respondemos a isso que as Sagradas
Escrituras ensinam, tanto o sola gratia como a gratia universalis; isto
é, somente Deus converte e salva os pecadores, e quer salvar
sinceramente todos os pecadores. Ambas as doutrinas devem, pois,
ser ensinadas lado a lado sem qualquer modificação ou restrição de
qualquer delas. Fato é que, se tal se fizer, o teólogo se defronta com
o problema que a razão humana não pode resolver: "Por que, então,
nem todos se salvam^" (Cur alii, alii nonC Cur alii prae aliist) O
calvinismo resolve o mistério, negando a gratia universalis; o
sinergismo, negando o sola gratia, enquanto que o teólogo que se
mantém leal à Bíblia não procura, de modo nenhum, qualquer solução
do mistério, bem como também não tenta solucionar o mistério
que envolve as doutrinas da Santíssima Trindade, da união pessoal,
da presença real, etc. A razão, com efeito, argumenta assim: Uma
vez que todas as pessoas estão no mesmo estado de culpa (in eadem
culpa) e só Deus, que sinceramente quer salvar todas as pessoas
(universalis gratia), pode salvar os pecadores (sola gratia),
forçosamente seguirá a conversão efetiva de todas as pessoas. O
verdadeiro teólogo, porém, não reconhece a razão como sua regra de
fé (principium cognoscendi). Ele está sujeito à Escritura como única
fonte e regra de fé, a qual, todavia, não esclarece essa crux theologorum.
A Escritura afirma realmente que apenas Deus é a causa da conversão e
salvação da pessoa. (Fp 2.13; Ef 1.19,20) Por outro lado, diz que o ser humano
irregenerado é, somente ele, a causa de sua condenação. (Mt 23.37; At 7.51;
Os 13.9) Não esclarece por que, de dois pecadores que estão na mesma culpa
(Davi, SauI; Pedro, Judas), um é salvo e o outro não. Por isso mesmo, rejeitamos
a argumentação de Melanchton: "Uma vez que a promessa é universal e, em
Deus, não há vontades contraditórias, segue-se necessariamente que existe
em nós alguma causa que distingue (aliqua discriminis causa) por que Saul foi
rejeitado e Davi aceito. Vale dizer, há, nesses dois, certa ação dissimilar (aliqua
dissimilis)." Essa explanação sinergista, com efeito, satisfaz à razão humana,
pois explica por que um se salvou e o outro se perdeu, mas nega o sola gratia
e, assim, repudia a doutrina central da Escritura Sagrada.
A Fórmula de Concórdia indica claramente a posição exata que o teólogo
deve assumir, ao encarar o mistério da eleição e conversão. Diz ela (Decl. Sól.,
XI, 54-58):
"Destarte não há dúvida de que antes do tempo do mundo, Deus previu,
exatíssima e certissimamente, e ainda sabe quem, dentre os que são chamados,
crerá e quem não. Da mesma forma, quem dentre os convertidos vai perseverar
e quem não; quem, depois de cair, voltará, e quem vai endurecer-se. Assim
A Conversão ou Outorga da Fé

Deus, sem sombra de dúvida, também está consciente e é sabedor do número


- quantos desses haverá de cada lado. Como, porém, Deus reservou tal mistério
para a sua sabedoria, nada nos havendo revelado a respeito na palavra, muito
menos ordenado que o esquadrinhássemos com nossos pensamentos,
havendo, ao revés, obviado seriamente a semelhante empresa (Rm 11; 878),
não devemos, com pensamentos nossos, inferir, concluir, nem cismar nisso,
mas devemos ater-nos à sua palavra revelada, à qual nos remete. [..I Também,
que um é endurecido, obcecado, entregue a mente pervertida, outro deveras
na mesma culpa, ao contrário, é convertido, etc. Paulo nos fixa um limite
definido quanto ao até onde nos cabe ir nessas questões e em outras similares
a elas. A saber: que devemos, relativamente a um dos grupos, reconhecer o
juízo de Deus. Pois que se trata de bem merecidos castigos de pecados quando
Deus em uma terra ou povo castiga o desprezo à sua palavra de tal maneira,
que o castigo se estende também à posteridade, como se pode ver no caso dos
judeus."

13. O CARÁTER
PERNICIOSO
DO SINERGISMO
Quando os sinergistas crassos afirmam: (Melanchton: "A vontade
anuente do homem é a causa eficiente da conversão"), bem como os sinergistas
sutis (Latermann, o moderno protestantismo evangélico em geral: "O homem
é capaz de decidir-se pela graçan), na realidade repudiam a doutrina
escriturística da salvação pela graça e inculcam a salvação pela justiça das
obras. Tanto o sinergismo crasso como o sutil, em última análise, atribuem a
salvação do ser humano em parte, à sua boa conduta, à sua decisão por Cristo,
à sua autodeterminação, à sua omissão de resistência maldosa, etc. O
sinergismo, por conseguinte, não reconhece a doutrina da graça como a
Escritura Sagrada e a Igreja Cristã ensinam. Muito pelo contrário, representa
o retorno ao campo do semipelagianismo romano, que Lutero e os
reformadores combateram sempre com tanto zelo. (cf. os termos em que
Lutero se dirigiu a Erasmo em resposta à Diatribe deste: "Unus tu et solus
cardinem rerum vidisti et ipsum iugulum petisti.") Diz a Apologia (Art. 111, 144).
"Verum opera incurrunt hominibus in oculos. Haec naturaliter miratur humana
ratio, et quia tantum opera cernit, fidem non intelligit neque considerat, ideo somniat
haec opera mereri remissionem peccatorum et iustificare. Haec opinio legis haeret
naturaliter in animis hominum, neque excuti potest, nisi quum divinitus docemur."
O sinergismo nega o monergismo da graça divina (sola gratia). Com
isso, torna impossível a conversão do pecador, visto que a pessoa se salva
unicamente pela graça, mediante a fé, sem as obras da Lei. (Rm 3.24-28; Ef
2.8,9) Com efeito, os que se converteram e se tornaram filhos de Deus por
confiar apenas em Cristo (sola fide), cairão da graça e perderão a sua fé
salvadora, uma vez que aceitem o erro pernicioso do sinergismo. (G1
5.3,4,9,11,12)
Dogmáttca Cristã

Por último, o sinergismo envolve os seus seguidores em desesperadas


contradições e cria confusão doutrinária interminável em todos os círculos
em que se insiste no sinergismo. Conquanto que afirme a cooperação da
pessoa na conversão, que os seus próprios esforços são necessários à regeneração
e salvação, acentua também a graça como única esperança do pecador. O
sinergismo é, portanto, uma afirmação e negação, uma combinação de graça
e natureza que, se for mantida coerente, destruirá "a verdade cristã central
da justificação tão só pela graça e, com ela, a garantia de um Deus gracioso e
da salvação eterna - a suprema preocupação religiosa de Lutero e de toda a
Teologia luterana." (cf. a Introdução histórica à Controvérsia Sinergista de
autoria do Dr. F. Bente, Piglotta Concórdia, p.124ss)
O sinergismo obtém sua doutrina, "não de afirmações claras da Bíblia,
mas por um processo de raciocínio antiescriturístico e falaz". (Ibid.) "Ele é tanto
mais perigoso e pernicioso quanto reduz a cooperação do homem a um mínimo
aparentemente inofensivo e se reveste de frases ambíguas e fórmulas, na
aparência, piedosas e plausíveis." (Ibid.) O seu modo de raciocínio reza: "Uma
vez que todos os que não se convertem ou, finalmente, não se salvam devem
culpar, não a Deus, mas a si próprios da rejeição da graça, também aos que se
convertem deve-se creditar ao menos uma parcela da operação de sua salvação,
vale dizer, creditar uma melhor conduta para com a graça que a conduta de
quantos se perdem." (Ibid.) Isso, porém, como conseqüência final, põe abaixo
todo o Evangelho da livre graça. Foi por esse motivo que Lutero e todos os
luteranos confessionais, com tanta ênfase, insistiram no monergismo da graça
divina. "A restauração dessa admirável verdade, ensinada pelo apóstolo Paulo,
fez de Lutero o Reformador da Igreja." (Ibid.)
O sinergismo, em sua forma moderna sutil também ensina ser a
conversão, em parte, produto das faculdades naturais da pessoa, pois é o pecador
inconverso que deve fazer o uso correto dos novos poderes que lhe foram
concedidos por graça, deve decidir-se pela conversão e pôr fim à resistência
proposita1, etc. O sinergismo, em sua forma sutil, faz a conversão depender da
não-ocorrência de resistência proposital num dado momento ou de uma
condição favorável e a conseqüente atitude e conduta correta do homem
natural.
A teoria segundo a qual o Espírito Santo removeria a resistência natural
da pessoa, mas o próprio pecador teria de reprimir toda resistência proposital,
é pura doutrina do pelagianismo. É verdade que também dogmáticos como
Gerhard, Quenstedt, Calov, etc, empregaram a expressão antiescriturística
que a eleição aconteceu intuitu fidei. Repudiaram, porém, a idéia sinergista
inerente a essa frase e ensinaram que a não-resistência não é, em nenhum
sentido, obra da própria pessoa, mas sim, obra de Deus, à qual as pessoas não-
convertidas só podem resistir. (cf. Dr. Pieper, Conversão e Eleição; Dr. Engelder,
Dogmatical Notes)
14. SINONIMOS
DE CONVERSAO
A fim de que a ordem da salvação (ordo salutis), tão clara e singelamente
apresentada na Palavra de Deus, possa ser dada em sua pureza e verdade
escriturísticas, é necessário que o teólogo saiba qual a relação entre a conversão
e a regeneração, vivificação, ressurreição, iluminação, vocação,
arrependimento, etc. Todos eles são termos que a Escritura emprega para
descrever o ato divino da graça pelo qual o pecador é libertado do poder das
trevas e transportado para o Reino de Cristo. (C1 1.13) Na realidade, todos
esses termos são, em seu sentido restrito, sinônimos de conversão, de sorte
que a distinção entre eles e a conversão é apenas de caráter nominal ou lógico,
mas de nenhum modo real. A diferença que representam reside apenas no
ponto de vista de que descrevem o retorno do pecador a Deus.
a. Regeneracão (regeneratio). A regeneração, no sentido restrito, descreve
o renascimento (Jo 3.5,6) que o pecador experimenta e m sua
conversão, ou seja, a concessão de nova vida espiritual pela fé em
Cristo. Conforme a Escritura Sagrada, todo aquele que crê ser Jesus
o Cristo é nascido de Deus. (1 Jo 5.1) O termo é, pois, na sua verdadeira
aplicação, sinônimo de conversão. (At 11.21) Daí podermos dizer
que o pecador que se converteu também se regenerou e vice-versa,
visto que ambos os termos designam o mesmo ato do Espírito Santo.
(Jo 1.12,13) Lutero escreve: "Todo o que crê em Cristo [...I renasceu,
ou seja, nasceu de novo." (S. L., VII, 1862)
O meio instrumental da regeneração é a Palavra de Deus, em particular
o Evangelho de Cristo (1 Pe 1.23), bem como o Batismo (Tt 3.5), visto que ele
é água "compreendida no mandamento divino e ligada com a Palavra de Deus",
isto é, com as graciosas promessas de remissão dos pecados. (At 2.38)
b. Vivif2C~çãoOU ress~rreição(vivificatio, ressuscitatio). Ambos os termos
designam a transplantação do pecador do estado de morte espiritual
para o estado de vida espiritual (Ef 2.1-9), mediante a fé em Cristo
Jesus. (C1 2.11-13) Portanto, também esses termos são sinônimos
de conversão. Afirma a Fórmula de Concórdia (Decl. Sól., 11, 87): "A
conversão de nossa vontade corrompida, que outra coisa não é senão
a ressurreição da mesma da morte espiritual."
O termo tem sido empregado em sentido escriturístico tanto pelos
sinergistas como pelos papistas, para designar o estado ou a condição em que
o pecador está realmente desperto para uma sensação de sua culpa e um
desejo de salvação por Cristo, mas ainda não está convertido, visto que ainda
não decidiu aceitar a graça divina (status-medius). Segundo a Bíblia, porém,
todos os que estão assim despertos (vivificados, ressuscitados) já estão
convertidos. (Ef 2.5-8)
É verdade que o termo "desperto" pode ser empregado corretamente
Dcgmn'tica Cristã

para significar que o pecador foi assustado pela Lei, ainda que não induzido à
fé em Cristo pelo Evangelho. Nesse sentido, pode-se dizer que Félix (At 24.25)
e o carcereiro de Filipos (At 16.30) foram despertos. Quando empregado assim,
o 'despertar" do pecador pertence aos atos preparatórios da conversão (actus
praeparatorii), ou seja, à graça assistente de Deus (gratia assistem), que reage
sobre o pecador unicamente de fora (extrinsecus), segundo disseram os nossos
dogmáticos.
O grande erro que os pietistas e sinergistas cometeram foi aplicar o
termo desperto àqueles que, não só foram aterrorizados pela Lei de Deus, mas
já possuíam "os primeiros indícios da fé" (prima initia fidei), que já estavam
convertidos. Os despertos, sustentavam eles, não eram convertidos nem
incorvertidos. Tal estado médio (status medius), porém, não é reconhecido
pela Escritura Sagrada, conforme demonstramos acima. Pelo contrário,
segundo a Bíblia, todo pecador penitente que possui os prima initia fidei
(scintillula fidei), já está convertido, conforme ensina a Fórmula de Concórdia
(Decl. Sól., 11, 14).
c. Iluminação (illuminatio). O termo designa a transferência das pessoas
de seu estado natural de trevas espirituais para um novo estado de
luz espiritual. (Ef 5.8) A iluminação é, portanto, em seu sentido
restrito, sinônimo de conversão, pois consiste essencialmente no
ato gracioso de Deus pelo qual ele "abre os olhos" aos espiritualmente
cegos e os converte "das trevas para a luz e da potestade de Satanás
para Deus, a fim de que eles recebam remissão de pecados e herança
entre os que são santificados pela fé". (At 26.18) Tanto a iluminação
como a conversão sucedem pela fé no Evangelho de Cristo. Ambos
têm o mesmo terminus a quo, a saber, as trevas, e o mesmo terminus
ad quem, a saber, a fé. Isso é comprovado pela Palavra de Cristo: "Eu
vim como luz para o mundo, a fim de que todo aquele que crê em
mim não permaneça nas trevas." (Jo 12.46) Portanto, enquanto a
pessoa é incrédula, não é esclarecida ou iluminada. No tocante a
esse ponto, andaram bem os pietistas, opondo-se aos seus
antagonistas ortodoxos, que, mesmo a ministros incrédulos,
atribuíam certa iluminação ou, antes, alumiação (alluminatio),porque
a iluminação só pode ser afirmada com respeito aos que crêem
verdadeiramente em Cristo.
d. Vocação (vocatio). O termo vocação, na Escritura, designa, algumas
vezes, unicamente a proclamação do Evangelho ou o estender do
convite divino da salvação aos pecadores. Nesse sentido, são
chamados todos os seres humanos que ouvem ou lêem a mensagem
graciosa do Evangelho. (Mt 20.16; 22.14) Contudo, na maior parte
das passagens da Escritura, o termo não designa simplesmente o
gracioso oferecimento da salvação pelo Evangelho, mas o verdadeiro
chamamento do pecador à vida espiritual, ou sua transferência efeth-ã
do reino de Satanás para o Reino de Cristo. Nesse sentido, o termo
vocação é sinônimo de conversão. Os que são chamados (kleetoi) são
os convertidos, vale dizer, os crentes verdadeiros, que se apropriaram,
pela fé, das graciosas promessas do Evangelho. (Rm 1.5,6; 8.30; 1 Co
1.2,26; 2 T m 1.9; etc.)
e. Arrependimento koenitentia). O termo arrependimento é empregado
t a n t o e m sentido restrito como e m sentido lato. A Fórmula de
Concórdia assim escreve (Decl. Sól. V, 7.8): "A palavra arrependimento
não é usada em apenas u m sentido nas Sagradas Escrituras. Em
algumas passagens das Sagradas Escrituras, é usada e tomada para a
conversão inteira da pessoa, como e m Lucas 13: "Se não vos
arrependerdes, todos igualmente perecereis." E no capítulo 15: "Assim
haverá júbilo por um pecador que se arrepende, etc." Mas nessa
passagem, Marcos 1, como t a m b é m e m o u t r o lugar, onde o
arrependimento e a fé em Cristo, At 20, ou "arrependimento e perdão
dos pecados", Lc 24, são distinguidos um do outro, arrepender-se
significa apenas reconhecer verdadeiramente o pecado, sentir pesar
de coração por causa dele e dele se abster." (Isto é, por motivos
exteriores de temor e castigo.)
Dessa maneira, o termo "arrependimento" designa: a) reconhecimento
do pecado e contrição operados pela Lei (terrores conscientiae). Esse é o sentido
do termo em todas as passagens em que o arrependimento é diferençado da
remissão dos pecados (Lc 24.47); b) contrição e fé, ou seja, a inteira conversão
do pecador. (Lc 13.5) Nesse último sentido, o termo "arrependimento" é
sinônimo de conversão.
Baier escreve sobre essa distinção (111, 310): "Conquanto, às vezes, o
arrependimento seja, em sentido restrito, empregado para aquela parte da
conversão que se chama contrição, é também frequentemente empregado
para toda a conversão." A Confissão de Augsburgo também descreve o
arrependimento, quando diz (Art. XII 3-6): "O arrependimento consiste
propriamente nas duas partes seguintes: uma é a contrição, ou os terrores
metidos na consciência pelo reconhecimento do pecado; a outra é a fé, que
nasce do evangelho ou da absolvição, e crê que os pecados são perdoados por
causa de Cristo, consola a consciência e liberta dos terrores."
A Confissão de Augsburgo acrescenta corretamente que as boas obras
que seguirão o arrependimento são frutos do arrependimento. Deinde sequi debent
bona opera, quae sunt fructus poenitentiae.
Essa importante verdade deve ser mantida contra o erro dos romanistas,
os quais sustentam que o arrependimento consiste de contrição, confissão e
satisfação (contritio cordis, confessio oris, satisfactio operis). O erro papista segundo
Dogmática Cristã

o qual a satisfação humana por todas as transgressões constituiria a parte


essencial do arrependimento é negação total da doutrina escriturística do
arrependimento. (Mc 1.15)Esse erro alicerça a remissão dos pecados nas boas
obras do pecador penitente. Conforme o ensino papista, não só a confessio oris
e a satisfactio operis, mas também a contritio cordis deve ser considerada um
ato meritório do pecador. Logo, o arrependimento, no sentido católico-romano
do termo, é inteiramente obra da pessoa.
Esse fato explica por que Lutero atacou com tanta veemência o conceito
papista d o arrependimento, insistindo, à base da Escritura, que o
arrependimento sempre produz realmente boas obras, todavia nunca é o
fundamento sobre o qual repousa a remissão dos pecados. Cf. AApologia, Art.
XII, 16 a 20: "Pois evidentemente falsos e alheios, não só à Escritura, senão
também aos Pais eclesiásticos, são as doutrinas que seguem: 1. Que por boas
obras realizadas fora da graça merecemos graça com base em u m pacto divino.
2. Que merecemos graça pela atrição. 3. Que a só detestaçáo do pecado é
suficiente para extinguir o pecado. 4. Que alcançamos a remissão dos pecados
por causa da contrição, não mediante a fé em Cristo."
O conceito romanista da contrição, com a ênfase que empresta às boas
obras do penitente, torna impossível não só a fé verdadeira em Cristo ou a
confiança nos méritos deste, mas ainda a verdadeira contrição (contritiopassiva)
ou os terrores conscientiae, os quais Deus opera na pessoa por meio da Lei.
Enquanto a pessoa "se arrepende" segundo o sentido da justiça das obras
católico-romana, é-lhe impossível crer em Cristo e salvar-se. (G1 5.4)
1. DEFINIÇAO
DE JUSTIFICAÇAO
Tão logo o pecador contrito creia nas promessas dlvinas de graça que
lhe são oferecidas no Evangelho por amor de Cristo, ou tão logo deposite a
sua confiança na satisfação vicária que Cristo preparou pelos pecados de todas
as pessoas mediante sua perfeita obediência, ele é justificado, declarado justo
perante Deus. (Rm 3.23,24) É a chamada justificação subjetiva, (Rm 4.6) ou
aplicação pessoal, pela fé, dos méritos que Cristo obteve para todas as pessoas
por sua expiação substitutiva (justificuçáo objetiva). (2 Co 5 . 1 9 ~ ~ )
De maneira muito simples, as Sagradas Escrituras descrevem o ato da
?--=--
justificaçao negativamente como "perdoar os pecados" ou "cobrir os pecados"
ou "não imputar os pecados" (Rm 4.6-8), e positivamente como "a sua fé lhe
é atribuída como justiça". (Rm 4.5; G1 3.6; R .4.3) Pode-se, pois, definir a
justificação subjetiva como ato de Deus pelo qual ele remove do crente a
sentença condenatória à qual está sujeito por causa do pecado, livra-o de sua
culpa e lhe atribui o merecimento de Cristo. Baier define a justificação como
"ato pelo qual o pecador, que é réu de culpa e castigo (reus culpae et poenae),
que todavia crê em Cristo, é pronunciado justo por Deus, o Juiz". (Doctr.
Theol., p.424)
Por essa razão, não entendemos por justificação subjetiva "uma condição
moral existente no homem ou uma transformação moral que experimentasse,
mas unicamente um julgamento divino do homem pelo qual se anula a sua
relação para com Deus". (Ibid.) Diz Hoílaz corretamente: oA justificação é um
ato judicial e, ao mesmo tempo, um ato gracioso pelo qual Deus, reconciliado
pela satisfação de Cristo, absolve o pecador que crê em Cristo das ofensas de
que é acusado e o considera e pronuncia justo." (Doctu. Theol,, p.428)
Ao descrever a justificação pela fé, devemos recordar que a justificação
pela fé sem as obras se baseia na justificação de todas as pessoas, obtida pela
satisfação vicária de Cristo e oferecida a todas as pessoas no Evangelho. (At
10.43) Por causa da justificação objetiva (reconciliação),a justificação subjetiva
sucede "gratuitamente". (Rm 3.24) Não é necessária nenhuma obra da parte
do pecador para completar a justificação de Cristo, Uma vez que se negue a
satisfação vicária de Cristo, não há lugar para a justificação da fé. Por outro
lado, a redenção perfeita efetuada por Cristo não admite a justificação papista
pelas obras. O Evangelho contém perdão completo para cada pecador e, tão
logo aceite o perdão pela fé, ele é justificado subjetivamente.
Todo aquele que nega que os meios da graça outorgam o perdão dos
pecados (entusiastas, reformados, teólogos luteranos modernos) e que não a
obra redentora constitui objeto de sua fé, mas sim a "pessoa de Cristo" ou a
sua "realidade histórican, ensina a justificação sem a fé, pelas obras, por alguma
coisa no ser humano, ou seja, pela graria infusa. Todavia, que "a fé é atribuída
como justiça" (Rrn 4.5) significa que a fé justifica, não considerada como tal,
mas em razão do objeto que ela apreende, a saber, a promessa do Evangelho.
Não está de acordo com as Escrituras dizer que se deva pôr por objeto
da fé justificadora somente Cristo ou somente o seu merecimento, mas
também a justificação objetiva. Somente a promessa do Evangelho pode dar-
nos perfeita certeza do perdão de nossos pecados. A justificação pelas obras,
em virtude de sua própria natureza, somente pode produzir dúvidas. (cf. Rm
4.16) A "Teologia da dúvida" (monstrum incertitudinis) da Teologia papista é
um concomitante necessário da Teologia da justiça pelas obras. (cf. o Concílio
de Trento, Sess. 6, Cân. 13)
A Igreja Católica Romana é a maior inimiga da Igreja Cristã; visto que
todos os cristãos vivem, se movem e existem na doutrina da justificação pela
fé. O papa, todavia, não permite que os seus adeptos aceitem e creiam essa
doutrina. Antes injuria e amaldiçoa a doutrina escriturística da justificação
pela fé (cf. o Concílio de Trento, Sess. 6, Cân. 9, 11. 12. 20) e adestra os seus
seguidores na procura da salvação pelas obras. A Igreja de Roma assassinou
milhares, fisicamente, em virtude de sua aderência à doutrina da justificação
pela fé e, espiritualmente, milhões com esse erro que os ensinou a confiar na
justificação pelas obras.
A alegação dos católicos romanos de que a maioria dos mestres
protestantes modernos são defensores da doutrina católica da justificação
pelas obras é perfeitamente procedente. Os que negam a satisfação vicária e
ensinam a salvação pela "moralidade" ou por um "ato ético" ou pela fé como
"ato moraIJ' ou "força moral7' constituem a grande maioria entre os
protestantes. A doutrina da justificação pela fé, sem as obras, contudo, tem
sido e será crida por todos os verdadeiros membros da Igreja Cristã até o fim
dos tempos. (Rm 1.16,17; 3.21,22; 4.3; Ap 7.14) (cf. Dr. Engelder, Dogmatical
Notes)

- De- os ensinamentos expressos---- das


-.
S a ~---
a d a Escritura
s
crente é justificado somente pela fé-(sola flde), sem as obras da Lei. -(Rm 3.28;
-
I_
--
--

4.5; kp 3.YjA Escritura afirma essa verdade e-5mz~stificação diretamente


à fé. (Rm 3.21-24) Exclui qualquer obra do ser humano como causa meritória
da justificação. (Rm 3.27) A Escritura declara, de modo enfático, que todo
A Justificagão Pela Fé

aquele que pretende justificar-se pelas obras está debaixo da maldição. (G1
3.10) Ilustra o fato com exemplos que não deixam dúvidas quanto à
necessidade de que as obras humanas sejam excluídas da justificação. (Rm
4.1-3; LC 18.9-14)
Segundo as Escrituras, a tentativa da parte do ser humano de obter a
justificação por seus próprios esforços é "zelo não com entendimento". (Rm
10.2) O insistir nas obras como necessárias à salvação é "doutrina da carne".
(C1 3.2,3) Por outro lado, é ensinamento característico da religião cristã, a
qual é de Deus, que os pecadores são justificados perante Deus unicamente
pela fé, sem as obras da Lei. (G1 1.8; 5.4,s) Daí temos de excluir do ato da
justificação:
a) todas as boas obras que Deus opera nas pessoas em seu Reino do
poder (iustitia civilis) (Rm 2.14,15),
b) todas as obras espiritualmente boas que emanam da fé (Rm 4.2,3).
Isso porque as partículas exclusivas (paniculae exclusivae) tais como
"sem a Lei", "sem as obras", "não das obras", etc. (Rrn 3.28; 4.5; Ef
2.8, 9), eliminam do ato da justificação toda e qualquer obra humana.
Diz a Fórmula de Concórdia (Decl. Sól., 111, 9): "Sobre a justica da fé ante
Deus, cremos [...I que o pobre pecador é justificado diante de Deus, isto é,
absolvido e declarado livre e isento de todos os seus pecados e da sentença da
bem merecida condenação, [...I sem qualquer mérito ou dignidade "de nossa
parte, também sem quaisquer obras antecedentes, presentes ou subseqüentes,
tão-só por graça, exclusivamente por causa do único mérito, da obediência
integral, do amargo sofrimento, da morte e da ressurreição de Cristo nosso
Senhor, cuja obediência nos é atribuída como justiça."
Como bem demonstra a Fórmula de Concórdia, as Sagradas Escrituras
também fazem ver as razões por que as obras humanas devem ser excluídas
da justificação, a saber:
a) porque Deus quer revelar a glória de sua graça na salvação imerecida
da humanidade pecadora (Ef 2.9; 1.6,7),
b) porque, em sua graça infinita, Deus se propôs providenciar para a
humanidade perdida uma salvação da qual o pecador, à base da
graciosa promessa divina, pudesse estar absolutamente seguro e certo.
(Rm 4.16)
As Sagradas Escrituras ensinam que a justificação sucede pela fé, sem
as obras da Lei. Com isso, elas rejeitam o erro papista:
a) de que a justificação se basearia na graça infusa (gratia infusa) ou
nalguma boa qualidade no homem;
b) de que a justificação seria um ato medicinal (actus medicinalis), pelo
qual o pecador seria feito justo mediante a santificação;
c) de que, na justificação, haveria graus (gradus), de sorte que um crente
estaria mais justificado que outro;
d) de que o crente não poderia estar seguro de sua salvação (monstrum
incertitudinis).
A Escritura afirma com sua doutrina do sola frde:
a) que a justificação se baseia no gracioso favor de Deus em Cristo
Jesus (gratuitus Dei favor propter Christum), ou seja, na graça divina,
a qual está do lado de fora da pessoa, "no próprio coração de Deus",
embora lhe seja revelada e oferecida no Evangelho. (Media gratiae
instuumenta iustificationis sunt.);
b) que a justificação é um ato forense (actus forensis) pelo qual Deus
declara justo o pecador que crê em Cristo;
c) que a justificação não tem graus, mas é instantânea e completa,
sendo o crente justificado tão logo confie em Cristo para sua justiça;
d) que a fé não justifica como virtude ou boa qualidade no homem,
mas unicamente como instrumento ou meio pelo qual o pecador
apreende a justiça perfeita do Salvador humano-divino;
e) que o crente pode estar seguro da salvação, pois a salvação não repousa
em sua própria dignidade, mas nos méritos atribuídos de Cristo.
A doutrina da justificação que os reformadores apresentaram no Art.
IV da Confissão de Augsburgo é escriturística. Reza a mesma: "Ensina-se
também que não podemos alcançar remissão do pecado e justiça diante de
Deus por mérito, obra e satisfação nossos, porém que recebemos a remissão
do pecado e nos tornamos justos diante de Deus pela graca, por causa de
Cristo, mediante a fé, quando cremos que Cristo padeceu por nós e que por
sua causa os pecados nos são perdoados e nos são dadas justiça e vida eterna.
Pois Deus quer considerar e atribuir essa fé como justiça, diante de si, conforme
diz São Paulo em Romanos 3 e 4," Com isso, a Igreja de Roma que, sobre esta
confortadora doutrina da Escritura, pronuncia o seu anátema, deu nova prova
de que está equivocada.
A doutrina da justificação pela fé, sem as obras da Lei, pressupõe como
postulados necessários:
a) a justificação objetiva, ou seja, a doutrina de que Cristo, por meio
de sua expiação vicária, obteve reconciliação para o mundo inteiro;
b) a graça universal (gratid unrziversalis), ou seja, a doutrina de que
Deus quer sinceramente a salvação de todos os seres humanos;
c) a salvação por graça somente (sola gra~ia),ou seja, a doutrina de que
o pecador se salva sem qualquer obra antecedente, atual ou
subseqiiente;
A Justificapio Pela Fé

d) os meios de graça (media gratiae), ou seja a doutrina de que a Palavra


de Deus e os sacramentos são os meios graciosos pelos quais Deus
oferece e transmite 5s pessoas a remissão dos pecados e a justiça que
Cristo obteve por sua morte (media dotiká).
Todos os que negam essas doutrinas (romanistas, calvinistas, sinergistas)
não podem ensinar coerentemente a doutrina escriturística da justificação
pela fé, visto que a rejeição desses ensinamentos conduz, invariavelmente,
ao ensinamento da justiça pelas obras.

DA JUSTIFICAÇAO -
3. A DOUTRINA
A DOUTRINA
CENTRAL DA RELIGIÁO CRISTA
Não é preciso muito esforço para demonstrar que o artigo da justificação
pela fé constitui a doutrina central (articulus fundamentalissimus, articulus
stantis et cadentis ecclesiae) de toda a religião cristã; pois é o ensinamento
superior das Sagradas Escrituras para o qual todas as verdades sagradas do
Evangelho convergem. O que a Palavra de Deus nos diz da encarnação, do
padecimento, da morte, da ressurreição, etc., de Cristo, é o fundamento dessa
excelsa doutrina, pois Cristo encarnou, sofreu, morreu, ressuscitou, etc., a
fim de que os pecadores, que não podiam se salvar por seus próprios esforços,
pudessem ser justificados pela graça, mediante a fé na sua satisfação vicária.
Conseqüentemente, os que negam a doutrina escriturística da justificação
pela fé, negam a inteira religião cristã. Eles se vêem compelidos a ensinar a
maneira pagã de salvação pelas obras, pela qual se anula o Evangelho de Cristo.
Esse é o motivo pelo qual a Escritura Sagrada insiste com tanta ênfase
na proclamação clara e inalterada da salvação pela fé em Cristo. (Jo 3.16; Rm
3.23-28; 1 Co 2.2s~;G1 2.21; 45.4; Ef. 2.8, 9; Fp 3.8, 9; G1 1.8,9; 3.1-3; 5.4;
etc.) Toda a polêmica da Escritura Sagrada culmina na refutação de todas as
heresias que pervertem o artigo da justificação peIa fé em Cristo. (Jo 8.24; At
10.42,43; G1 1.6-10; Fp 3.2-9, etc.) As suas supremas advertências e exortações
ao crente centralizam-se no apelo a continuar na fé no Senhor Jesus Cristo.
(2 Tm 3.8; T t 2.1-15; Hb 4.14-16; 1 Pe 4.1-5; 1 Jo 5.10s~;etc.). Todos os seus
ensinamentos apontam para ela (articuli antecedentes) (Lc 24.25-27) ou a ela
se referem (articuli consequentes). (Ap 5.9-14) A justificação pela fé em Cristo
é o tema predominante do Antigo Testamento (1s 53.4-6) e do Novo
Testamento. (2 Co 5.19-21)
Em síntese, a doutrina da justificação pela fé no Cristo crucificado e
ressuscitado constitui o inteiro Evangelho. Onde quer que seja crida, existe a
Igreja de Cristo, a comunhão dos santos. Onde quer que não seja crida, não
pode existir a Igreja Cristã, visto que esta possui como membros apenas aqueles
que crêem que Cristo morreu e rc:ssuscitou por eles. (Mc 16.15,16; 1 Co 15.3,4)
O pastor cristão deve, por conscguinte, exercer o seu ofício de tal modo t u e
Dogmática Cristã

ensine infalivelmente a doutrina em sua verdade e pureza e que revele e rejeite


todo erro que é contrário a essa doutrina. (At 26.22, 23; T t 1.9)
Essa é a clara exigência que as nossas confissões luteranas fazem a todos
quantos desejam servir na qualidade de ministros do santo Evangelho de
Cristo. Assim declaram Os Artigos de Esmalcalde (11, Art. 1-4.5): "Já que isso
precisa ser crido, não podendo ser alcançado ou apreendido por nenhuma
obra, Lei ou mérito, segue-se que é claro e certo que somente esta fé nos
torna justos, como diz São Paulo em Rm 3.3 'Julgamos que o homem se
torna justo sem obras da Lei, pela fé.' Também: 'Para somente ele ser justo e
justificar aquele que tem fé em Jesus'. Desse artigo, a gente não se pode
afastar ou fazer alguma concessão, ainda que se desmoronem céu e terra ou
qualquer outra coisa. Pois não existe nenhum outro nome, dado entre os homens,
pelo qual possamos ser salvos, diz São Paulo At 4. 'E pelas suas pisaduras fomos
sarados.' (1s 53) Sobre esse artigo, fundamenta-se tudo o que ensinamos e
vivemos contra o papa, o diabo e o mundo. Razão por que devemos estar
bem certos disso e não duvidar. Em caso contrário, tudo está perdido, e o
papa, o diabo e tudo ficarão com a vitória e a razão contra nós. Conforme
ainda o Artigo 11, 1: "Também deste artigo a gente não pode se afastar ou
ceder algo, porque não o permite o primeiro artigo."
No mesmo sentido, escreve a Fórmula de Concórdia (Decl. Sól., 111, 6):
"Esse artigo da justificação pela fé é (como diz a Apologia) "o principal de toda
a doutrina cristã", "sem o qual nenhuma pobre consciência pode ter qualquer
consolo firme ou conhecer devidamente a riqueza da graça de Cristo." Como
também escreveu o Dr. Lutero: "Se este só artigo permanece puro na arena,
também a cristandade continua pura, belamente concorde e sem quaisquer
seitas. Todavia, onde não permanece puro, é impossível resistir a qualquer
erro ou espírito fanático."
Essa atitude firme de nossas confissões luteranas, no tocante à doutrina
da justificação pela fé, é assumida pelos nossos dogmáticos luteranos. Um
deles, Chemnitz, por exemplo, escreve (Loc. Th., 11, 216): "Este um ponto
distingue precipuamente a Igreja de todos os gentios e superstições, conforme
diz Agostinho: "A Igreja faz distinção entre justo e injusto, não pela Lei das
obras, mas pela Lei da fé." Com efeito, este artigo é, por assim dizer, a cidadela
e principal baluarte de toda a doutrina e religião cristã. Por isso, o mesmo
sendo obscurecido, adulterado ou subvertido, torna-se impossível conservar
a pureza da doutrina em outros pontos. Mantida, porém, intacta esta doutrina,
todas as idolatrias, superstições e corruptelas que houver em todas as demais
doutrinas por si mesmas se destruirão." (Doctr. Theol., p.440)
Na realidade, todos os cristãos fiéis, não importa que tenham pouco
conhecimento e discernimento cristãos em outros pontos, professam a
doutrina da justificação pela fé, porque são todos "filhos de Deus mediante a
fé em Cristo Jesus". (Gl 2.26-28; cf. ainda 3.7) Todos aqueles que repudiam
A Jusiificaçdo Pela Fé

este artigo estão fora da Igreja (G1 3.10) ou, como diz Lutero, "são ou judeus
ou turcos, ou papistas ou hereges". Todo fiel cristão confessa com Lutero:
"Creio que Jesus Gisto, verdadeiro Deus [...I e também verdadeiro homem,
I...] é meu Senhor, que me remiu a mim, homem perdido e condenado", etc.
Essa verdade achamos confirmada especialmente nos muitos hinos cristãos,
que são a expressão da fé pessoal de milhares de cristãos, os quais, mesmo
que sirvam em lugares e epocas diferentes e pertençam exteriormente a
denominaç6es diferentes, repetem o mesmo estribilho: "Pela graça sois salvos,
mediante a fé." (Ef 2.8)

4, A TERMINOLOGIA
CRISTA
COM A PRESERVA
QUAL SE
DO DA JIJSTIFICAÇÃOPEZA F É
ERROA DOUTRINA
a. "Por graça, por amor de Cristo, mediante a fé." Empregam-se esses termos
para eliminar, do artigo da justificação, todas as obras das pessoas,
antecedentes, atuais ou subseqüentes. Escreve a Fórmula de Concórdia
(Decl. Sól., 111, 25): "da justificação, ao qual apenas pertencem e são
necessários a graça de Deus, o mérito de Cristo e a fé."
A expressão por graça atribui a salvação unicamente ao gracioso favor
de Deus em Cristo (gratuitus Dei favor) e exclui da justificação, como causa
meritória a chamada "graça infusa" (gratia infusa) da Teologia papista. A
expressão por amor de Cristo significa tanto como "por amor da satisfação
vicária de Cristo", "já que ele satisfez a Lei por nós e pagou pelos nossos
pecados". (Fórmula de Concórdia, Decl. Sól., 111, 14)
A justificação por amor de Cristo tem de ser mantida: a) contra os
papistas, que consideram a graça infusa (gratia infusa), o amor, etc., como
causa da justificação; b) contra todos os entusiastas que não baseiam a
justificação nos méritos de Cristo, mas sim no "Cristo dentro de nós", ou
seja, na sua habitação e influência santificadora no coração (Osiandro); c)
contra todos os teólogos racionalistas modernos, que rejeitam o caráter forense
da justifica@ío como demasiado "jurídico" e a definem como processo ético
ou transformação do ser humano (Umgestaltung der Menschheit) pela influência
santificadora do Espírito Santo (actus medicinalis).
A expressão pela fé designa a fé como meio receptor (medium leeptikón)
pelo qual o crente se apropria dos méritos de Cristo que lhe são oferecidos
nos meios da graça (media dotika). Todas as três expressões conjuntamente
exprimem a verdade escriturística "que toda a nossa justiça deve ser procurada
fora dos méritos, obra, virtudes e dignidade nossos e de todos os homens, e
que ela repousa apenas sobre Cristo, o Senhor." (Fórmula de Concórdia, Decl.
Sól., 111, 55)
Essa verdade deve ser defendida contra todos os que erram nessa
doutrina, substituindo a justiça objetiva de Cristo, que está fora do pecador,
Dogmática Cristã

por uma justiça que se acha dentro da pessoa e a põem por fundamento de
sua justificação (papistas, entusiastas, teólogos vivencialistas
[Erlebnistheologen], etc.)
b. " A justificaçáo não é um ato flsico ou medicinal, mas forense e judicial." O
significado dessas expressões consiste em que a justificação não é
essencialmente a transformação interna do pecador ou sua
santificação, mas, pelo contrário, o ato divino pelo qual Deus declara
o pecador justo por amor de Cristo. Isso quer dizer que a justificação
não ê, essencialmente, uma transformação pela qual a pessoa é feita
justa, mas uma virtude da justificação perfeita de Cristo da qual ela
se apropria pela fé. A mudança que segue à justificação é fruto da fé
e pertence à doutrina da santificação, não à da justificação.
Quando falamos da justificação como ato forense ou judicial, temos de
considerar que há uma diferença distintiva entre o julgamento das cortes
civis e o de Deus. As cortes civis justificam ou declaram justo o justo e
condenam o ímpio. Aquelas que justificam o impio e condenam o justo são
abominação ao Senhor. (Pv 17.15) Deus, porém, no ato da justificação, justifica
o ímpio. (Rm 4.5) Isso com o justificado motivo de que Cristo, por sua perfeita
obediência, pagou a dívida pelos ímpios. (1s 53.5, 6; 2 Co 5.21)
Declara a Apologia da Confissão (Art. 111, pp. 161, 305-306): Mas
"justificar", nesta passagem, significa, segundo o uso forense, absolver o réu
e declará-lo justo. Contudo, em virtude da justiça alheia, de Cristo, justiça
alheia esta que nos é comunicada pela fé. Visto, pois, que neste passo nossa
justiça é imputação de justiça pertencente a outrem, deve falar-se aqui, acerca
de justiça, de maneira diversa da em que falamos quando em filosofia ou no
foro, inquirimos a justiça da obra pessoal." (161.305-306)
Essa distinção é importante. Se Deus quisesse justificar unicamente os
justos e condenar todos os injustos, tal como fazem as cortes civis, nem um
único pecador se salvaria (Lc 18.14; G1 3.10), visto que, apesar de todos os
seus esforços morais, todas as pessoas continuam injustas perante Deus. (1s
64.6) A doutrina papista segundo a qual Deus só pode justificar os que
realmente são justos, quer ao todo, quer em parte, cancela toda a mensagem
evangélica da justificação pela fé. Lutero apelidou corretamente essa doutrina
de "veneno de Satanás" e "peste pestilentíssima" (pestilentissima pestis; S. L.,
V, 517), visto destituir o pecador de todo o verdadeiro consolo e roubar de
Deus a honra que lhe cabe como gracioso Senhor, que perdoa gratuitamente
os pecados por amor de Cristo. (Rm 3.28; Ef 2.7-9)
É necessário dar ênfase a essa verdade, porque, não só todos os
protestantes romanizantes (André Osiandro, Schwenkfeld, Weigeld), como
ainda os arminianos e sinergistas negam o ato forense no seu sentido bíblico.
O verbo dikaioun significa "declarar justo" e não "tornar justo". Isso
A justificaq-doPela F4

está comprovado de maneira inconteste, não só pelo seu uso consistente


na Bíblia, como também pelas partíçulas exclusivas (particulae exclusivae)
que na Bíblia vêm ligadas a esse termo. (Rm 3.23-28; 4.5-8) Elas demonstram
que a justificação não é um processo de cura ou santificação (actus
medicinalis) em razão do qual o pecador estaria capacitado a merecer a
salvação mediante boas obras, mas, pelo contrário, um ato forense pelo
qual Deus, por amor de Cristo, o declara justo, embora de si mesmo seja
indigno e injusto. (Rm 4.5)
c. "Pela fé somente" (sola fide). A insistência de Lutero no sola @e tinha
razões justificadas. Os seus adversários papistas estavam dispostos
a conceder que o pecador se salvava pela fé. Recusavam-se, porém, a
admitir que fosse justificado unicamente pela fé ((sola fide). Bem eles
compreendiam que, com essa expressão, o Reformador não pretendia
excluir da justificação a graça de Deus nem o merecimento de Cristo,
nem os meios da graça em sua qualidade de meios divinos que
conferem a justiça adquirida por Cristo, por sua satisfação vicária,
para o mundo (media dotiká). Eles sabiam, no entanto, que, cam
esse termo, os luteranos queriam definir a fé como simples meio
receptor (medium leeptikón; medium aut instrurnentum) da justiça de
Cristo oferecida no Evangelho ao pecador. Esses adversários se
opunham persistentemente a essa definição de fé. Quando
declaravam que o pecador se "salva pela fé", definiam a fé como
virtude ou boa qualidade (bona qualitas) implantada nele por Deus
(gratia infusa). Assim, no final das contas, "salvação pela fé"
significaria "salvação pelas obras." (Fides quae per caritatem operatur.)
O sola fide de Lutero, portanto, teve por finalidade negar esse erro
(semipelagiano). Pelo lado positivo, afirmou que a fé salva apenas como
instrumentum ou medium; pelo lado negativo, que, no artigo da justificação, a
fé não deve ser considerada boa obra ou qualidade.
0 s luteranos tinham toda a razão para argumentar que os seus
opositores, negando o sola, também negavam o fide. Que a doutrina da
justificação ensinada pelos opositores estava em franca oposição à da
Escritura Sagrada. (Rm 3.28; 4.5) E a Bíblia exclui da justificação todas as
obras humanas.
Dessa maneira, o sola fide tornou-se em "shibbolet" da Reforma e,
atualmente o "slogan" da Igreja Luterana confessional continua sendo a
proclamaçáo ao mundo do seu artigo principal da fé, a saber, que o pecador é
justificado perante Deus gratuitamente, pela graça divina (doorean tee autou
chariti), independentemente das obras da Lei (choris ergoon nomou). (Rm 3.21-
28) A Enciclopédia Católica traz sub "fé": "Omitindo-se o obnóxio sola / somente
/, pode-se interpretar o artigo / Art. IV da Confissão de Augusburgo / segundo
o sentido católico". (cf. Christl. Dogmattk, 11, 643s)
Dogmática Cristã

d. "A justificação não requer nem mesmo a presença de boas obras." (Neque
PRAESENTIA operum ad iustificationem requiritur.) Deve-se entender
esta declaração à luz da importante verdade "que a fé nunca está só,
porém sempre justifica só." (Fides nunquam est sola, sed iustificat sola.)
Essa verdade vem claramente ensinada na Escritura Sagrada. Por um
lado, a fé salvadora é sempre seguida de obras (Rm 5.1-5; G1 5.6; Tg
2.20); por outro, a fé não salva jamais pelo fato de que produz boas
obras. (Rrn 3.28; 4.5)
Sobre isso a Fórmula de Concórdia diz (Decl. Sól., 111, 41): "Pois boas obras
não precedem a fé nem a justificação precede a santificação, senão que primeiro
o Espírito Santo, na conversão, através da audição do Evangelho, acende em
nós a fé. Esta apreende a graça de Deus em Cristo, pela qual a pessoa é
justificada. Depois, quando a pessoa está justificada, também é renovada e
santificada pelo Espírito Santo, renovação e santificação de que então se
seguem os frutos das boas obras. Não se deve entender isso como se a
justificação e a renovação estivessem separadas uma da outra de maneira tal,
que ocasionalmente fé verdadeira pudesse existir e permanecer por algum
tempo, lado a lado, com um mau propósito, senão que com isso apenas se
indica a ordem na qual uma coisa precede ou segue a outra, pois que todavia
fica verdadeiro o que acertadamente disse o Dr. Lutero: (387) 'A fé e as boas
obras bem acordam e se harmonizam, mas é somente a fé que apreende a
bênção sem as obras, e, contudo, jamais e em tempo algum esta está só."
As declarações: "Na justificação requerem-se boas obras", ou: "As boas
obras são necessárias à salvação" devem ser condenadas como errôneas bem
como favorecedoras da doutrina pelagiana da cooperação humana na
conversão. É contra declarações errôneas desse feitio que a Igreja Luterana
confessa: "A justificação não requer nem mesmo a presença de boas obras."
e. "A justificação não possui graus." (Iustificatio non admittit gradus, non
fit successive, non recipit magis et minus.) Essa afirmação luterana é
dirigida contra a doutrina dos papistas e protestantes romanizantes
que, confundindo santificação e justificação, dão a justificação como
sucessiva ou gradual. Por causa disso, a graça divina no homem (gratia
infusa sive inhaerens) visaria à perfeição, operando por graus, de
maneira que a justificação da pessoa, de fato, dependeria do seu
progresso na santificação.
Contra esse erro, a Igreja Luterana confessional, baseada na Escritura
Sagrada, ensina que a justificação é instantânea e, portanto, completa logo
que o pecador creia em Cristo. (Rm 4.7; Lc 18.24; Rm 5.1) Lutero, por
conseguinte, escreve: "A justificação não vem aos pedaços, mas num monte."
É certo que há graus com respeito à fé, pois a fé de um cristão é forte, ao
passo que a de outro é fraca. Todavia, a fé fraca justifica tanto quanto a forte,
AJustificaçáo Pela Fé
visto que mesmo a fé fraca é confiança na justiça de Cristo. Diz Lutero
corretamente (S. L., XI, 1840): "Por isso, pela fé somos todos iguais em Cristo.
São Pedro poderá ter fé mais forte que eu, e não obstante é a mesma fé em
Cristo. [...I Quem recebe [a Cristo], recebe-o inteiro, não vindo ao caso se o
recebe de modo fraco ou forte."
f. "A remissão dos pecados é a inteira justificação, não só parte da mesma."
Essa verdade as nossas confissões afirmam repetidas vezes. Escreve
a Apologia (Art. IV, [11], 76): "Obter a remissão dos pecados é ser
justificado, segundo o texto: 'Bem aventurado aquele cuja iniquidade
é perdoada." E a Fórmula de Concórdia declara (Epít. 111, 7): "De acordo
com o uso da Sagrada Escritura, a palavra "justificar" significa, nesse
artigo, absolver, isto é, declarar livre de pecados." E outra vez (Decl.
Sól., 111, 30): "A justiça da fé perante Deus consiste unicamente na
graciosa reconciliação ou perdão dos pecados."
Essa verdade é ensinada por São Paulo em Rm 4.5-8, onde descreve
aquele que é justificado como alguém cujos pecados são cobertos ou
perdoados. Aqueles dentre os nossos dogmáticos que dividem a justificação
em duas partes, a saber, a imputação da justiça de Cristo e a remissão dos
pecados, fazem isso para fins de clareza. Na verdade, a atribuição da justiça
de Cristo é pré-requisito necessário da remissão. Em outras palavras, atribuindo
ao pecador a justiça perfeita de Cristo, Deus perdoa-lhe os pecados. No divino
veredito da justificação, os dois atos coincidem, constituem um só ato, a
saber, o ato da justificação.
Ao se referir à causa da justificação, a Escritura Sagrada, vez que outra,
menciona Cristo (Rrn 3.22) e, a seguir, a justiça de Cristo (Rm 5.18) ou a
morte e o sangue de Cristo (1 Co 2.2) ou a sua ressurreição dos mortos (Rrn
10.9) ou o seu nome (1 Jo 5.13), etc. Contudo, todas essas frases expressam
a mesma verdade, a saber, que o pecador é justificado por virtude do
padecimento e morte vicários de Cristo, os quais Deus oferece às pessoas
gratuitamente no Evangelho. Para fins de clareza, nossos dogmáticos fazem
a seguinte distinção entre as causas da justificação: A graça divina é causa
impulsiva interna; Cristo (a sua satisfação vicária) a causa impulsiva externa
sive meritoria; o Evangelho, causa instrumentalis ex parte Dei. Essas distinções
servem para a nossa boa compreensão da grande verdade de que Deus perdoa
graciosamente os pecados de todos quantos, pela fé, se apropriam da justiça
de Cristo oferecida nos meios da graça. E tal remissão é justificação.

5. JUSTIFICAÇAO A BASEDE OBRAS


A Escritura, em alguns lugares, ensina também a justificação à base de
obras, a saber, a justificação perante as pessoas. Quando falamos da justificação
nesta acepção, empregamos o termo em sentido mais amplo. A verdadeira
Dogmática Cristã

justificação, que é perante Deus (enoopion theou) e pela qual o pecador vem a
ser filho de Deus, sucede pela fé, sem as obras da Lei. (Rrn 3.20-22) Tal fé,
porém, só é conhecida de Deus; perante as pessoas permanece invisível. Por
essa razão, Deus justifica os seus crentes perante os homens mediante 5s
obras-Prova a sua fé e justificação pelos seus frutos. (Lc 7.47; Jo 13.35;
Mt 12.37; 25.34-40) Assim, também todos os cristãos devem reconhecer o
seu estado de graça pelos frutos que o Espírito Santo operou nos seus corações.
(1 Jo 3.14; 23, 4; 2 Pe 1.10; Mt 6.14)
Observa corretamente a Apologia (Art. IV, 275-276 p. 154): "E todavia
Cristo muitas vezes une às boas obras a promessa da remissão dos pecados,
não por julgar que as boas obras sejam propiciação, pois que seguem à
reconciliação, mas por duas razões. Uma é que necessariamente devem seguir-
se bons frutos. Lembra-nos, por isso, que é hipócrita e fingido o
arrependimento, se não seguem bons frutos. A outra é que precisamos sinais
externos de tão grande promessa, porque a consciência pávida necessita de
multíplice consolação. Assim, pois, como o Batismo e a Ceia do Senhor são
sinais que admoestam, erguem e fortalecem de modo contínuo as mentes
pávidas, assim é descrita e figurada a mesma promessa em boas obras, para
que essas obras nos admoestem a crer com mais firmeza." A justificação à
base de obras coincide, pois, com o testemunho externo do Espírito Santo
(testimonium externum sive indiuectum), que distinguimos do testemunho
interno (tesiimonium internum sive direcrum), ou seja, a fé.
Cumpre, porém, não confundir a justificação pela fé e a justificação
pelas obras. (G1 3.10) Mediante aquela o pecador obtém a salvação. Por esta,
dá-se prova de que é herdeiro da salvação. Para tornar o assunto claro, Lutero
fala, às vezes, de remissão interna e externa. Pela primeira, ele entende
justificação perante Deus. Pela última, justificação perante os homens. Por
aquela, o pecador torna-se filho de Deus; por esta, dá-se prova de que é filho
de Deus. Nisso consiste o erro básico do romanismo que considera a
justificação pelas obras a base da justificação do pecador e, dessa maneira, faz
a salvação depender das boas obras.
É evidente que a doutrina da justificação pela fé (sola fide) não pode ser
ensinada em sua pureza, a menos que se observe a distinção escriturística
entre Lei e Evangelho. Nunca se devem confundir Lei e justificação, já que
este ato gracioso de Deus pertence totalmente ao Evangelho. Todavia,
confundem-se Lei e justificação sempre que esta se baseia, no todo ou em
parte, em alguma virtude natural ou espiritual dentro do homem ou quando
se diz que a fé justifica por "boa qualidade" que é a fonte da santificação ou
conformação com as exigências da Lei ou começo da nova vida do cristão,
etc. Em síntese, confundem-se Lei e justificação sempre que a justificação se
baseia, quer ao todo ou em parte, nas obras humanas (pelagianos, sinergistas,
arminianos).
A Justificação Pela Fé

Essa confusão de Lei e justificação destrói, naturalmente, o bendito


consolo que Deus tencionou dar às pessoas pela gloriosa doutrina da
justificação pela fé. Enquanto a doutrina da justificação pela fé confere ao
crente completa certeza da salvação, a da justificação pelas obras afasta essa
certeza. Ela arranca a salvação da mão graciosa de Deus e a coloca na mão
pecaminosa e impotente do próprio ser humano. É fato significativo que todos
os que erram negando o sola flde também negam a verdade escriturística de
que o crente possa estar seguro de sua salvação.
Quem mais se destaca entre aqueles que erram nessa doutrina é o papa,
o qual Lutero revelou como sendo Anticristo, mostrando que ele não o era
por causa de suas obras de impiedade, mas, principalmente, por causa de sua
despudorada perversão da doutrina escriturística da salvação pela graça
mediante a fé em Cristo. A afirmação de &ter0 sobre o fato de o papa ser o
Anticristo de quem se fala em 2 Ts 2, é correta. Até a presente data, é mantido
pela Igreja de Roma o anátema do Concílio de Trento a todos os cristãos que
aderem à doutrina escriturística da justificação pela fé.

6. Os EFEITOSDA JUST~FICAÇAO
(EFFECTUS
IUSTIFICATIONIS)
Logo que a pessoa foi justificada pela fé, está na posse de todas as bênçãos
espirituais que Cristo adquiriu para o mundo por sua satisfação vicária. (1 Co
3.21; Rrn 5.1-5) Tendo recebido, pela fé, a adoção de filho (G1 4.5; Jo 1.12), é
herdeira de Deus e co-herdeira de Cristo. (Rm 8.17) Assim, não lhe falta
nenhum dom. (1 Co 1.4-7; Ef 1.3-8) Dentre os dons espirituais que a
justificação concede, podemos mencionar particularmente:
a. O estado de graGa {status gratiae) . O crente justificado já não se acha
debaixo da ira (Ef 2-1-31, mas no bendito estado em que tem paz
com Deus @ax conscientiae). (h 5.1) Pela fé em Cristo, não só está
seguro da graça de Deus na vida presente, mas também da salvação
eterna na vida porvindoura (spes vime aeteunae). (Rrn 5.2) É necessário
manter-se a certeza da graça divina e da vida eterna pela fé contra
todos os semipelagianos (papistas) e sinergistas. Eles afirmam que o
crente não pode estar seguro de sua salvação. Não há qualquer dúvida
de que todos aqueles que defendem o "monstro da incerteza"
(monsrrum incertitudinis) reveiam, com isso, que ignoram o que seja
realmente a justificação em sua acepçáo bíblica.
O "monstro da incerteza" é resultado infeliz da confusão de justificação
e santificação. É o erro fatal de que a salvação depende, ao menos em parte,
das obras humanas. As objeções feitas à certeza da salvação, também dentro
da Igreja Luterana exterior, são completamente destituídas de fundamento
bíblico. Passagens tais como 1 Co 10.12; Rm 11.20, etc., sobre as quais
Dogmática Cristã

repousam essas objeções, não se destinam a intimidar o crente, mas, pelo


contrário, a advertir os que se sentem em segurança e indiferença carnais.
Disso resulta que as dúvidas com respeito à certeza da salvação não se devem
considerar ou recomendar como virtudes, mas condenar como incredulidade.
(Rm 4.16; 8.17, 37-39)
b. A habitação do Espírito Santo e da Santíssima Trindade dentro do homem
(Habitatio Spiritus Sancti sive Dei Triuni essentialis.) Pela fé, o crente
justificado recebe o Espírito Santo que habita no seu coração como
em seu santo templo (C1 3.2; 1 Co 3.16), fortalecendo-lhe a fé e
impelindo-o à contínua oração filial. (G1 4.6; Rm 8.15,16)
Segundo a Escritura, porém, não só o Espírito Santo, mas também toda
a Santíssima Trindade habita pela sua essência no crente. (Jo 14.23) Essa
maravilhosa união de Deus com o crente chama-se unio spiritualis ou unio
mystica. (1 Co 6.17; Ef 5.30-32) Embora pela união mística a substância do
cristão não se transforme na de Deus, segundo têm afirmado os místicos de
todos os tempos (Weigel, Schwenkfeld), mantemos, à base da Escritura Sagrada,
que o próprio Deus (unio essentialis), e não apenas os seus dons (dona Dei;
papistas e calvinistas), habita no crente.
Ao mesmo tempo, rejeitamos com igual firmeza, o erro-de André
Osiandro, que ensinava ser a habitação essencial de Cristo a justiça do crente
perante Deus; pois Cristo é nossa justiça, porque nos remiu por sua satisfação
vicária e não porque é achado dentro de nós com sua justiça essencial. Nossa
justiça perante Deus é a obediência perfeita de Cristo (obedientia activa et
passiva; iustitia aliena), da qual nos apropriamos por meio da fé. (Rm 3.24;
5.18,19)
c. Santificação ou renovação (sanctificatio vel renovatio). Entendemos por
santificação ou renovação a transformação interna do crente pelo
Espírito Santo (mutatio hominis interna per actum physicum vel
medicinalem.) Por essa transformação, ele é afastado da servidão do
pecado e feito capaz para o serviço de Deus numa vida nova, espiritual.
(iustitia inhaerens; iustitia vitae)
Essas transformações internas ocorrem no exato instante em que a
pessoa é justificada pela fé. São frutos infalíveis da justificação. (Rm 6.1-11)
Antes de a pessoa ser justificada, não se acham nela nem santificação nem
boas obras. (Ef 2.1-3) Depois da justificação, porém, ela é continuamente
santificada e impelida a praticar boas obras pela fé em Cristo. (Ef 2.10; G1 5.6)
Por esse motivo, a santificação e as boas obras são indícios (indicia) de
justificação consumada (1 Ts 4.9; Jo 14.15), embora nunca sejam a causa da
justificação. (Ef 2.8,9)
d. A liberdade cristã (libertas christiana). Por liberdade cristã, entendemos
liberdade total de qualquer forma de tirania humana em questões
A Justificação Pela Fé

espirituais. (G1 5.1-4) O crente justificado já não é mais servo das


pessoas (1 Co 7.23), para observar e obedecer a doutrinas humanas,
mas é servo de Deus (Rrn 6.22) e de Cristo (1 Co 3.23), cuja Palavra
é a única norma de fé. (Jo 8.31-32) Em relação a Deus, todos os
cristãos são subordinados, pois todos estão igualmente presos à sua
Palavra e sujeitos à sua vontade. (1 Jo. 5.3; Mt 22.38-40) Em relação
de um para com o outro, todos são irmãos (Mt 23.8), que rendem
igual obediência ao seu divino Mestre (Lc 17.10) e servem uns aos
outros pela caridade. (G1 5.13,14)
Daí resulta que, na Igreja Cristã, não deve prevalecer a palavra de seres
humanos, mas unicamente a Palavra de Deus. Consiste, pois, a liberdade
cristã na emancipação do crente das doutrinas humanas (Mt 15.9) e sua
fidelidade inquebrantável a Cristo e à sua Palavra.
e. A qualidade de membro da Igreja Cristã e a posse de todos os seus dons
e bêngios. A Igreja Cristã é a comunhão dos santos, isto é, comunhão
de todos aqueles que crêem em Cristo. (1 Co 1.1,2; Ef 1.1; 2.20; At
5.14) Os hipócritas ou cristãos nominais não são membros da Igreja,
mesmo que, nesta vida, estejam exteriormente ligados à Igreja visível.
Os direitos e privilégios da Igreja, ordinariamente chamados de Ofício
das Chaves (potestas clavium), são o poder especial da Igreja para
administrar os meios da graça, perdoar e reter os pecados, pregar a
Palavra de Deus em sua pureza, chamar e ordenar ministros, etc.
Esses direitos e privilégios cabem a todos os crentes e não apenas ao
clero. (Mt 16.19; cf. com 18.18, 28.19,20; 1 Co 3.21). Esse assunto
será aprofundado mais adiante.
1. DEFINIÇAO
DE SANTIFICAÇAO
A justificação do pecador vem imediatamente seguida de sua santificação
ou renovação. (Rrn 5.1-5) Isso quer dizer que o pecador justificado abandona
o pecado e serve a Deus com boas obras. (Rm 12.1,2; 1 Ts 4.3-7; 5.23; 1 Pe
1.15; Rm 13.13,14) Assim como muitos outros termos teológicos, o da
santificação (hagiasmós, hagioosynee) é empregado em sentido amplo ou restrito.
-.Em çentido amplo,
- . - aesan&ficagã___com~reende todos os atos da graça
- -__
divina, pelosquais o Espírito Santo converte a-pessoa dõpecado para a
santidade e do donn.$_nnqele_ s a ~ t ~ para
~ á so santqefeliz serviço de Deus. (Hb
1332; A? 26.18) Nesse sentido, a santificação incluitõdã-a obra de Deus,
pela qual ele separa o pecador do mundo perdido e condenado e o faz sua
possessão. Essa obra divina abrange a concessão da fé, a justificação, a
santificasão em seu sentido restrito ou a transformação interna no ser humano
pela qual ele é feito santo, a sua manutenção na fé até o fim e sua glorificação
final no dia do juízo. (2 Ts 2.13; 1 Pe 1.2)
0.5 cristãos são, na Escritura, designados
(Rm 1.7; 1 ?o 1.2) São pessoas a quem-.
Deus graciosamente dotou de fé, justificou e transplantou para o seu Reino,
onde pretende conservá-las pela fé cristã até-o dia dpSenhor - - - Jesus Cristo. (Fp
A -

----
-

--
1.3-6) Lutero emprega, em seu Catecismo Maior, o termo santiflcagão em sentido
amplo. (Art. 111, 40, 41) Ele diz ali: "Creio que o Espírito Santo me santifica,
conforme diz seu nome. Todavia, como ele faz isso< De que maneira ou por
que meios age< Resposta: Pela Igreja Cristã, pela remissão dos pecados, pela
ressurreição da carne e pela vida eterna." Assim também escreve Quenstedt:
"Vez que outra a santificação é empregada em sentido lato (late) e inclui a
justificação, como em Ef 5.26; Hb 10.10; doutro modo, porém, é empregada
em sentido restrito (stricte), e então coincide com a renovação em sentido
restrito, tal como em Rm 6.19,22; 1 Ts 4.3,4,7".
>0 - - 7 ---- - -..---a transformação
santificação designa - .- espiritual
i n t s d o crente que segue à jd~FEicaçáoe está inseparave~m~&* à
mesma. (Rm 6.22; 2 Co 7.1) A respeito da ordem entre justificaçãoê
santificação escreve a Fórmula de Concórdia (Decl. Sól., 111, 40. 41): "Da mesma
forma, deve permanecer e ser mantida a ordem entre fé e boas obras. Também
A Doutrina da Santificação e das Boas Obras

Pois as boas obras não precedem


sendo que primeiro o Espírito
angelho, acende em nós a fé.
Esta apreende a graça de Deus, em Cristo, pela qual a pessoa é justificada.
Depois, quando a pessoa está justificada, também é renovada e santificada
pelo Espírito Santo, renovação e santificação de que então se seguem os frutos
das boas obras."
Inverter essa ordem e fazer da santificação em sentido restrito a causa
da justificação (papismo), equivale a abrir mão do artigo central da fé cristã e
basear a salvação na justiça das obras. (C1 5.4) A justificação e a santificação
estão, com efeito, indissoluvelmente ligadas entre si. Contudo, não devem
ser confundidas~&uiutIfica~ão é fonte da santificaeEnsinar o inverso equivale
a ensinar a doutrina anticristã da justiça das obras e, dessa forma, obstruir
tanto a justificação como a santificação.
A justiça da fé (iustitia imputata), pela qual a pessoa se torna cristã,
está f o f à - Z ~ n ~ ~Deus o ideclara
s o ímpio justo por amorde Cristo.
- I/

(Rm 4.5) A santificação, porém, sucedi dentro da pessoa, e, por ela, essa
pessoa é transformada em pessoa santa (iustitia inhaevens). (2 Co 7.1) A justiça
inerente (justiça da vida) não constitui, de modo nenhum, parte da justiça
imputada (Fp 3.9), mas segue à justificação (Rm 6.14; T t 3.7,8).
Na linguagem eclesiástica, os termos santificação e renovasão
empregam-se, comumente, como sinônimos. Sa~tificaçãoé renovação. - --- Por
isso, o crente começa, por meio dela, vida nova. Renovação é santificação.
Por isso que a vida nova do crente é santa. Nossa confissão, de vez em quando,
também faz distinção entre santificação e boas obras bem como entre causa
e efeito (antecedem et consequens). Nesse caso, toma-se a santificação como
princípio causativo de santidade da qual emanam todas as obras. (G1
5.25,26,22)
---Todavia,
, as boas obras do crente coincidem com a sua santificação,
visto que esta, considerada de modo concreto (in concveto), sucede pela prática
de boas obras individuais, sempre que o crente reprime-o que é mau ou cumpre
o que é digno de louvor. Tomada concretamente, a santificação jamais é um
estado ou qualidade ociosa (status otiosus; habitus otiosus), mas um ato
contínuo, uma atividade incessante, uma vez que o Espírito Santo se mantém
sempre operoso no crente. (Tt 2.11; G1 5.22-25)

- Acerca da fé, que é o princípio causativo direto da, santificação, escreve


Lutero corretamente: "Oh!---a fé é coisa viva, diligente, ativa, poderosa, de tal
m e ! uue lhe é impossíyel d e i x i Z 5 p e r a r incessantemente o bem. ~ e m
pergunta ela se boas obras devem ser praticadas, mas, antes que s e G g u n ~ é , '
as praticou, e sempre eSt5 erii ãcão... A"Eé 'c5nEZnca vjva e decidida na graça
d e Deus, tão certa, que por ela morreria mil vezes. O Espírito Santo é quem
Dogmática Cristá

faz isso pela fé e, por isso, o homem se torna, sem coerção, disposto e desejoso
de fazer o bem a todos, servir a todos e sofrer toda sorte de coisas por amor a
Deus e para sua glória, o qual lhe concedeu essa graça. É impossí&assim,
---

- do fogo-o queimar
rar v
e
uminar." (Fórmula de Concór l0ss)

Assim como Deus gera a fé na pessoa pelo seu poder ilimitado (Ef 1.19;
Jo 6.29), ele também opera no cre
5.23,24; 1 Co 3.16; Ef 2.10) Não obstante, há esta disti
f6,nixficação: Naquela, a pess-~ase
: - ), ?
a se; habet. ela
~-~---+-J------

habet sive cooperatÚr.)


É necessário, porém, que se compreenda essa cooperação corretamente.
Não é coordenada com a operação do Espírito Santo, mas subordinada à mesma.
Em outras Palavras, a pessoa coopera na santificação dependenter a Deo. Vale
dizer: opera porque e enquanto o Espírito Santo opera nele (Rm 8.14; hosoi
pneumati theou agontai; C1 5.16-18: Ei de pneumati agesthe). Disso resulta que
todo novo impulso que o crente experimenta e toda nova boa obra que faz é
nele ditada e executada pelo gracioso poder do Espírito Santo. (Fp 1.6; 2.13)
A Fórmula de Concórdia escreve mui corretamente sobre isso. (Decl. Sól.,
II,65): "[ ...I tão logo o Espírito Santo haja iniciado em nós sua obra de regeneração
e renovação por intermédio da Palavra e dos santos sacramentos, é certo que
pelo poder do Espírito Santo podemos e devemos cooperar, embora ainda em
grande fraqueza. Tal, porém, não procede de nossas forças carnais, naturais,
senão das novas forças e dons que o Espírito Santo iniciou em nós na conversão,
como São Paulo expressa e seriamente exorta: que 'na qualidade de cooperadores
com ele, não recebimos em vão a graça de ~e;s.' (2 C ; 6.1) O que, entretanto,
não se deve entender de outra m i e i r a senão desta: -- -
que o homem convertid2
. < - - --- = = 4

faz o bem tanto e por tanto - tempo--&3


""<
uanto Deus o governa, guia e conduz
. E assim que Deus retirasse dele sua mão graciosa, nem
por um momento poderia continuar na obediência a Deus. Se, porém, se quisesse
entendê-lo da seguinte forma: que o homem convertido coopera ao lado do
Espírito Santo da maneira como dois cavalos em conjunto tiram uma carroça,
de-modo nenhum se poderia conceder tal sem detrimento à verdade divina."
Por conseguinte, não só a conversão, mas também a santificação
depende inteiramente da graça de Deus. (2 Co 5.17,18; 3.5: hee hikanotees ek
tou theou) Essa grande verdade, revelada com tanta clareza na Escritura, deve
induzir o crente a aperfeiçoar continuamente a santificação. (Rm 6.14; 2 Co
7.1; Hb 12.1,2)
~ . B:.s C + z
A Doutrina da S a n t i f r ~ a ç ~a iiLij

INTERNOSDA SANTIFICAÇAO
3. Os MOVIMENTOS
INTERNISANTIFICATIONIS)
(MOTUS
Pela fé em Cristo o(a) crente converte-se em nova criatura (Ef 4.24; C1
3.10; 2 Co 4.16; 5.17), que concorda com a vontade de Deus (Rm 7.22) e vive
inteiramente para Deus, em novidade da vida espiritual para a qual entrou.
(Rm 6.1-11)
Apesar de que o(a) crente, por essa forma, serve a Deus segundo o ser
interno ou nova natureza implantada nele quando de sua conversão (Ef 4.24;
Rm 7.22-25), ainda continua dentro dele a velha natureza, a corrupção de
sua natureza. (Ef 4.22; 2 Co 4.16: Rm 6.6; 7.18) Segundo esta natureza,
ele(a) está sujeito(a) ao pecado (Rm 7.18-24) e contraria continuamente e
combate o Espírito. (G1 5.17: hee sarx epithymei katá tou pneumatos)
A santificação ocorre no crente desta Forma: Segundo a sua natureza
interna ou nova natureza, combate a carne com suas paixões e concupiscência
(C1 5.24), resiste aos seus maus desejos, impede os seus propósitos malignos
e realiza aquilo que agrada a Deus, contrário às instigações de sua natureza
perversa. Tal é o combate do espírito contra a carne que a Escritura exige com
tanta seriedade de todos os crentes. Eles, pela fé, se despojam sempre do
velha natureza (palaiós ánthroopos) e se revestem continuamente da nova
natureza (kainós ánthroopos) que, segundo Deus, é criada em verdadeira justiça
e santidade. (Ef 4.24; C1 3.10)
"Velha natureza" é a natureza ou entendimento corrupto. "Nova
natureza" é o entendimento que atua conforme a vontade de Deus. Embora
o cristão seja perfeitamente santo enquanto a ser nova natureza (Rm 6.1-11;
Ef 4.24; 1 Jo 3.9), a velha natureza é e permanece totalmente corrupta. (Rm
7.18). A santificação não se efetua pela reformação (Rrn 8.13; G1 5.24), mas
pela crucificação e mortificação da "velha natureza". (Mt 18.8,9)
Naquilo que diz respeito à luta do espírito contra a carne, o cristão
deve atender para o seguinte:
a. A luta constante entre as duas naturezas dentro do crente não prova
que ele tenha caído da graça, conforme muitos cristãos são levados
a acreditar em momentos de sofrimento espiritual. Pelo contrário,
porém, é comprovante de que vive no estado da graga. (Rm 7-.
Somente haverá morte espiritual, quando a luta cóntra a carne
houver cessado. (Rm 8.13)
b. Considerando que a velha natureza no cristão continua sempre
corrupto, de maneira que, segundo a carne, os cristãos não são
melhores que os incrédulos, que nunca nasceram de novo (Jo 3.5,6),
o cristão não deve surpreender-se caso se veja tentado por sua
natureza carnal a cometer, inclusive, pecados grosseiros. (Rm 7.18;
1 Ts 4.3-7) Esse fato deve induzir o cristão a continuar mortificando
incessantemente as obras do seu corpo e crucificando a carne. (Rrn
8.13; G1 5.24; C1 3.5; 1 CO 9.27; M t 18.8,9)
c. A luta contra a natureza carnal é tão difícil como dolorosa, uma vez
que visa à própria carne má do crente. (Hb 12.1) O bom combate da
fé contra a carne deve, porém, prosseguir até o fim. (1 T m 6.12; 2
T m 4.7) É muito consolador para os cristãos saber que mesmo os
grandes santos na Bíblia se viam, constantemente, obrigados a mover
guerra contra a carne perversa. (Rrn 7.24)
d. A Bíblia garante aos crentes que, na sua luta contra a carne, obterão
a vitória final, contanto que se atenham à Palavra de Deus e
permitam, assim, que o Espírito Santo opere com eficácia nos seus
corações. ÍJo 15.7,8; Ef 6.17; Rm 8.37; Lc 18.26,27; 2 Co 12.10; 4.8s~;
etc.) Entende-se que esse uso constante da Palavra de Deus seja
combinado com oração incessante e fervorosa. (Mt 26.41; Ef 6.18)
A substituição dos maus desejos e impulsos carnais pelo correspondente
\.
impulso santo e desejos da natureza interior constitui-se em regra muito
importante de combate cristão às tentações. Assim, se o cristão é tentado a
murmurar contra Deus, deve bendizê-lo e agradecer. Se é atribulado com
pensamentos impuros, deve empenhar-se pela castidade pedida pelo santo
Salvador. Se está cansado de fazer o bem; que continue com maior zelo para
o alvo da bondade que lhe está proposto. Para conseguir tudo isso, no entanto,
precisa conhecer a Palavra de Deus e, imitando Cristo, enfrentar toda tentação
para o mal com passagens apropriadas da Bíblia. (Mt 4.1-11)
Em conclusão, acrescentamos o que Lutero diz sobre esse importante
assunto: "Esta vida não é piedade, mas tornar-se piedoso. Não é saúde, mas
convalescer. Não é ser, mas vir a ser. Não é repouso, mas exercício. Ainda não o
somos, porém o seremos. Ainda não está feito e acabado, todavia está em
andamento e continua. Não é o fim; é, porém, o caminho. Tudo ainda não está
candente nem reluz, mas tudo se ajusta." "Dass also dies'leben nicht ist eine
Fromtnigkeit, sondern ein Frommwerden, nicht eine Gesundheit, sondern ein
Gesundwerden, nicht ein Wesen sondern ein Werden nicht eine Ruhe, sondern eine
~ b u n g ;wir sind's noch nicht, es ist aber in Gang und Schwang. Es ist nicht das Ende,
es ist aber der Weg; es glijhet und glanzt noch nicht alles, es fugt sich aber alles."

O meio pelo qual se mortifica a velha natureza e se fortalece a nova é a


Palavra de Deus. Não propriamente a Lei, mas sim o Evangelho. A Lei revela
o pecado (Rm 3.20), p r é m não pode libertar o P e ~ a d o
d o m í n i o do-pecado. ( ~ 7m. 5 m T a m b é m no processo da santificação, é
precisÕ que o cristão faça uso diligente da Lei como meio de preparação do
A Doutrina da Santificaçao e das Boas Obras

caminho para o Evangelho na demonstração da excessiva gravidade do pecado.


Igualmente, como meio para revelar quais obras são agradáveis a Deus. (1 Co
6.1-10) O cristão faz uso da Lei como espelho (Rrn 3.20), para que seja levado
ao reconhecimento dos seus pecados. Da mesma forma, a Lei é usada como
freio (1 Co 9.27), "para conter o seu coração carnal como que por meio de
barreiras."
Finalmente, a Lei é usada pelo cristão como "regra fixa (S1 119.9) pela
qual regula e dirige toda a sua vida."
-
-%

-, , A Fórmula de Concórdia dedara (Epít., VI, 4): 'Pois, ainda que estão
regenerados e renovados no espírito de sua mente, contudo, neste mundo,
tal regeneração e renovação não é completa, mas apenas começada. E com o
espírito de sua mente os crentes estão em contínua Iuta contra a carne, isto
é, a natureza e qualidade corrupta, que nos adere até a morte. Por causa desse
velho homem, que ainda está 'cravado no intelecto, na vontade e em todos
os poderes do hómem, é necessário que a Lei de Deus constantemente brilhe
diante deles, a fim de não acontece; que empreendam, a partir de devoção
humana, cultos divinos a seu talante e escolhidos por eles. Da mesma forma
também, para que o velho homem não empregue sua própria vontade, porém,
seja coagido contra sua vontade, não só pela admoestação e ameaça da Lei,
mas ainda com os castigos e as pragas, a seguir o Espírito e entregar-se como
cativo." (1 Co 9.27; Rm 6.12; G1 6.14; S1 119.1; Hb 13.21; Hb 12.1)
-
Apesar de que a Lei revela o pecado (eçpelho] L-refreia
-- exteriormente>
carne (Freio) e orienta o cristão na prática de boas obras (norma), o poderyara
__ll___ -
eketuar a santificaçáo e fazer boas obras provém unicamente através do
.oE
- (Rm 12.1; 1 Jo 4.10,11) ~e-s%o que seja verdade que, pela ~ e i r s e
produzem obras exteriormente boas nas pessoas (iustitia civilis), visto serem
feitas para temer a ira e os castigos de Deus, é tão somente o Evangelho que
produz obras espiritualmente boas (iustitia spiritualis) ou obras que emanam
de fé verdadeira em Cristo e sincero amor a Deus. (cf. Lutero, S. L., XII, 318s)
Com respeito às provações com que Deus visita os seus filhos na terra,
tais como pobreza, enfermidade, tristeza, etc., podemos dizer que, apesar de
que em si mesmas não santificam os crentes, são, contudo, o meio pelo qual
Deus os induz a que meditem em sua Palavra, de maneira que se inteirem
pelo estudo da Lei de que merecem realmente as tribulações corretivas de
Deus e, pelo estudo do Evangelho, se confortem de novo com o perene amor
de seu Pai celestial. (Rm 8.35-39) Também as bênçãos das quais Deus provê
os seus filhos na terra devem conduzi-los ao arrependimento (Rm 2.4),
levando-os a examinar as Sagradas Escrituras, onde a glória da graça divina
brilha no semblante de Cristo Jesus e de onde sempre extraem força para
maior fé e serviso mais santo. (SI 119.9-16, 105-112)
Na Igreja Luterana, tem-se debatido com grande ardor a pergunta sobre
se seria ou não correto dizer-se: "As boas obras são necessárias." (cf. a Fórmula
de Concórdia, Art. IV). Todos os que o negavam, faziam isso, porque
compreendiam a Palavra necessitas n o sentido de coação, de sorte que a
declaração: "As boas obras são necessárias" era interpretada por eles como
significando: "Os crentes são coagidos a fazer boas obras." Com
-----justiça,
- --. . --v -L
consideram"_sa ~ d e c ~ r a ç ã o - ã ~ ~ ~ ~ ~ forma, u ~ ~ impugnaram
t ~ --~ ~ ~ ~- a& S
reclamação enfá;ki de Lutero e dos gnésio-luteranos de que'hasboas obr-as
-- --- __ C_I____--- --- - - -- -
são neces2árW.-
-
Conquanto
-C- --
admite a verdade de que "as boas obras são feitas pelos
- ---
crentes, não medlãnte a coação, =as cÕmmespírito-voluntário e santificado
pela fé", aTórmuia de Concórdia insiste em que a declawaFYAS boas obras
sáo^~ecessárias"é escriturística. Ela diz assim (Decl. Sól., Art. IV; 3): "AIguns
-
também argumentaram que boas obras não são necessárias, mas espontâneas,
visto que não são extorquidas através de medo e punição da Lei, devendo, ao
contrário, ser feitas de espírito voluntário e coração alegre."
E outra vez (IV; 14.15): "No concernente à necessidade ou espontaneidade
das boas obras, é manifesto que na Confissão de Augsburgo e em sua Apologia as
seguintes fórmulas são usadas e muitas vezes repetidas: que boas obras são
necessárias; igualmente: que é necessário praticar boas obras, que também
devem seguir-se necessariamente à fé e reconciliação; da mesma forma que
necessariamente devemos e temos de praticar boas obras ordenadas por Deus.
Assim também nas próprias Sagradas Escrituras as Palavras "indispensável" e
"necessidade" e "necessário" como também "dever" e "ter de", são usadas para
o que temos de fazer em virtude da ordenação, mandado e vontade de Deus,
conforme Rm 13.5; 1 Co 9.9; At 5.29; Jo 15.2; 1 Jo 4.21. Por isso, nessa acepção
cristã e própria, as expressões ou proposições mencionadas são censuradas e
rejeitadas injustamente, por alguns. Devem elas ser corretamente usadas para
castigar e rejeitar a segura delusão epicuréia, já que muitos se imaginam uma fé
morta ou delusão destituídas de arrependimento e boas obras, como se fé
verdadeira e mau propósito de persistir e continuar em pecados pudessem
coexistir simultaneamente no coração, o que é impossível. Ou como se alguém
pudesse ter e reter verdadeira fé, justiça e salvação mesmo que seja e continue
a ser árvore deteriorada e infrutífera de onde nenhum bom fruto venha. Sim,
ainda que persista em pecados, contra a consciência, ou propositadamente
retorne a tais pecados, o que é injusto e falso."
; Dessa maneira, a Fórmula de Concórdia, por u m lado, exclui toda má
, interpretação possível dos termos necessidade, precisar, dever, etc., e, por outro
lado, estabelece, à base da Escritura, a necessidade da santificação e das boas
obras. O que a Escritura ensina a respeito da necessidade da santificação e
das boas obras pode ser formulado da-seguinte maneira:
A Doutrina da Saiztifica@o e das Boas Obras

a. A santificação e as boas obras não são necessárias 2 salvação. Essa


, verdade é ensinada claramente na Escritura, que atribui a salvação
' inteiramente à graça divina em Cristo (Ef 2.8.9; Rm 4.6), e exclui, ao
mesmo tempo energicamente, através do emprego de partículas
exclusivas (particulae exclusivae): "sem a Lei", "sem as obras", "pela
graça", todas as obras humanas, quer sejam feitas antes ou depois da
justificação. (Tt 3.3-7)

l
-7 0 s teólogos católico-romanos ensinam a necessidade das boas obras
para a justificação e salvação. (Concílio de Trento, Sess. VIII, Cân. 24) 0 s
jesuítas sustentam que a salvação se adquire por Cristo e pelas boas obras.
\ (Concílio de Trento) Todavia, ambas as facções anulam a graça e conduzem o
Ii-P.ecador para o inferno. O s teólogos racionalistas modernos ensinam
igualmente a necessidade e meritoriedade das boas obras para a salvação. Esse
erro é conseqüência da doutrina errônea da justificação pelas obras.
Diz a Fórmula de Concórdia corretamente (Decl. Sól., IV, 22-24): "Mas
aqui é preciso ter muito cuidado, para não acontecer que obras sejam
introduzidas no artigo da justificação e nem a ele misturadas. Por isso, é com
razão que se rejeitam as proposições de que boas obras sejam necessárias para
a salvação dos crentes, de tal sorte, que seja impossível salvar-se sem boas
obras, pois são diretamente contrárias à doutrina de particulis exclusivis in
articulo justificationis et salvationis, isto é, conflitam com as Palavras em que
São Paulo exclui as nossas obras e méritos inteiramente do artigo da justificação
e salvação e tudo atribui à graça de Deus e ao mérito de Cristo, conforme
explicamos n o artigo precedente. Essas preposições também privam as
consciências tentadas e atribuladas da consolação do Evangelho, dão causa
para dúvidas, são de muitas maneiras perigosas, fortalecem a presunção da
justiça própria e a confiança nas próprias obras, sendo, além disso, aceitas
pelos papistas, e, para vantagem deles, usadas contra a doutrina pura da
solissalvante fé. Assim também são contrárias à forma das sãs Palavras, como
está escrito que é bem-aventurado somente o homem a quem Deus atribui
justiça, independentemente de obras." (Rm 4.6)
Enquanto nossa Confissão condena, de modo enfático, o erro crasso do
/ majorismo, a saber, que as obras seriam necessárias à salvação, ou para adquirir
I a salvação, rejeita, também com igual vigor, como antiescriturística, a forma
! recente de majorismo modificada (Major, Mênio), segundo a qual as boas
obras seriam necessárias à conservação da fé ou da salvação. Assim como a
I
salvacão não é concedida à pessoa em virtude das suas obras, também não é
'
conservada por ele por meio delas, mas unicamente pelo Espírito Santo,
mediante o Evangelho e a fé. (Fp 1.6; 1 Pe 1.5; 2 T m 1.12-14; 2 Ts 3.3)
A Fórmula de Concórdia repudiou com razão o erro do majorismo, visto
que a sua fonte má foi o sinergismo de Melanchthon. (Loci de 1535: "As boas
obras são a causa sine qua non/ e conseqüentemente são necessárias à salvação.")
Lutero condenou essa doutrina com tanta veemência e constrangeu o seu
colega, ao mesmo tempo, a retratar a sua doutrina errônea. Cf. Dr. Bente,
"Introduções Hiçtóricas aos Livros SimbólicosJ', Figl., p.ll2ss: "Esta é exatamente
a Teologia de Erasmo, também nada poderia ser mais contrário à nossa doutrina";
também: "Afirmar que a nova obediência é a causa sine qua non contingit vita
aeterna equivale a espezinhar Cristo e seu sangue."

r/ ç- -Embora
- ----
6 . 9 s ~G15.21:
--;<-.L-
: --_ I
s q a ~ e r d a d eque~.aobras más-destroem a fé (Ef 4.30; 5.5; 1 Co
Rrn 8.13: C1- 3.5.6). não é verdade uue as boas obras conservam
----L/

a fé. Fato é que, se se misturarem as obras, mesko as melhores, ao artigo da


e
justificação salvação, a fé será destruída e a salvação será impossívei. (G1
3.10; 5.4)
i
,
É verdade que as boas obras dos crentes são indícios (indicia, testimonia)
de sua fé e do seu estado de graças (testimonium externum Spiritus Sancti de
fide et statu gratiae.) Não são, contudo, a causa sine qua non, muito menos a
causa efficiens salutis. Aqueles que ensinam que as boas obras conservam a fé,
negam a doutrina fundamental da justificação e salvação segundo se ensina
na Bíblia e nas Confissões luteranas e sustentam o erro semipelagiano dos
papistas de que a fé salvaria porque opera pelo amor (fides caritate formata).
Em outras Palavras, havendo rejeitado o sola flde, baseiam a salvação na justiça
das obras.
-, Com respeito à passagem bíblica em Hb 12.14, com a qual o majorismo
procurou provar a sua doutrina falsa, pode-se dizer: 1)Essa passagem pressupõe
fé e, por conseguinte, as Palavras são endereçadas a cristãos crentes, que devem
seguir a santificação, porque já possuem a salvação. (Hb 12.1.2; C1 3 . 1 s ~ 2;
Co 7.1) 2) Essas Palavras são uma advertência contra a segurança carnal,
conforme demonstra todo o contexto, pelo que fazem parte da Lei divina
(sunt phrases legales), devendo ser aplicadas a cristãos que pervertem a fé
(contra fucatam fidem) negligenciando a santificaçáo. (Hb 12.15-17) A passagem
acima não cabe, portanto, no artigo da justificação e salvação. Não deve ser
empregada para misturar a Lei ao Evangelho, o que constitui o erro fatal do
mai orismo.

i
C
Mesmo na esfera da nova obediência ou da santificação é errado declarar-
se: "As boas obras são necessárias à salvação." A nova obediência do cristão é,
na sua essência, o cumprimento da Lei. (Rm 13.8-10) Do modo como não
podemos dizer: "o cumprimento da Lei é necessário à salvação", também não
podemos dizer que a nova obediência (as boas obras) seja necessária à salvação.
O majorismo tem de ser condenado, tanto em sua forma original quanto na
modificada, tanto quanto aplicado ao artigo da justificação como ao da
santificação. A afirmativa majorista: "As boas obras são necessárias à salvação"
é errada e contrária à sã doutrina.
Em oposição ao majorismo, Amsdorf asseverou que "as boas obras são
prejudiciais à salvação."
A Doutrina da Santificação e das Boas Obras
/-I
A Fórmula de Concórdia admite que essa declaração pretendesse
originalmente expressar a verdade de que as boas obras são prejudiciais à
, salvação, uma vez que o pecador deposite nelas sua confiança. Nesse sentido,
admite nossa Confissão, as boas obras são prejudiciais à salvação.
Sua declaração reza (Decl. Sól., Art. IV, 37): "[...I quanto à proposição de
que boas obras sejam prejudiciais à salvação, explicamo-nos claramente como
segue: Se alguém quiser introduzir as boas obras no artigo da justificação,
nelas fazer repousar sua justificação ou a confiança da salvação, a fim de com
elas merecer a graça de Deus e por elas ser salvo, a isso não nós, mas o próprio
Paulo diz, repetindo-o três vezes em Fp 3.7ss, que a tal homem suas obras
não são apenas inúteis e um impedimento, mas também perniciosas. Todavia,
a culpa não é das boas obras em si, mas da falsa confiança depositada nas
obras, contrariamente à expressa Palavra de Deus."
Por outro lado, a Fórmula de Concórdia condena a proposição de Amsdorf
' \por três razões: 1) porque "nos crentes as boas obras são indícios (indicia) da
~alvação,quando feitas propter veras causas et ad veros fines" (por causas
rdadeiras e para fins verdadeiros, Fp 1.28); 2) porque "a vontade e ordem
pressas de Deus são que os crentes devem Fazer boas obras, as quais o
pírito Santo opera nos crentes"; 3) porque Deus lhes promete galardão
rioso nesta vida e na vida porvindoura. Em virtude dessas razões, não
devemos dizer simplesmente: "As boas obras são, para os crentes, prejudiciais
à sua salvação ou naquilo que se refere à sua salvação." Devemos dizer que
"essas proposições são condenadas e rejeitadas por nossas igrejas, porque,
usadas isoladamente, são falsas e ofensivas. Por elas se poderia enfraquecer a
' disciplina e probidade, introduzir e fortalecer a vida &de, dissoluta; segura
vida epicuréia". (Ibid)
b. A declaração: "A santificação e as boas obras são necessárias" é
escriturística e deve, portanto, ser mantida. A Escritura fala da nova
obediência como coisa necessária, anankee (Rm 13.5), dei (At 5.29).
Aos fiéis cristãos "é necessário que estejam sujeitos aos governos"; "mais
importa obedecer a Deus do que aos homens". Essas expressões bíblicas
jamais devem ser enfraquecidas ou modificadas, mas devem ser
ensinadas com todo o seu sentido e força. Sempre que ocorrem falsas
interpretações, devem ser retificadas. Contudo, as exigências da
vontade divina não devem ser alteradas pelo ser humano, tampouco
a sua Palavra deve ser modificada com o propósito de agradar ao coração
carnal. A santificação deve ser seguida pelo crente, e as boas obras
devem ser feitas por ele, porque Deus o exige. (Necessitate voluntatis et
praecepri sive mandati divini.) (1 Ts 4.3; Jo 3.23)
A Fórmula de Concórdia é bastante insistente ao inculcar a necessidade
da santificação e das boas obras. Diz (Decl. Sól., IV; 31.32): "E por isso se deve,
em primeiro lugar, censurar e rejeitar seriamente a falsa ilusão epicuréia de
alguns que imaginam que a Fé, a justiça e a salvação recebidas não se perdem
Dogmática Cristã

por nenhum pecado ou más obras, mesmo que sejam voluntários e deliberados,
mas que o cristão, posto atenda a concupiscência sem temor e
despudoradamente, resista ao Espírito Santo, e entre propositadamente em
pecados contra a consciência, ainda assim retém a fé, a graça de Deus, justiça
e salvação. Contra essa fantasia perniciosa, devemos, com toda a diligência e
seriedade, repetir muitas vezes e inculcar aos cristãos, que foram justificados
,1 pela fé, as verdadeiras, imutáveis, divinas ameaças, e sérios castigos e
I admoestações que seguem: 'Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras,
1
1 nem adúlteros, etc. herdarão o Reino de Deus.' (61 5.21) Ef 5.5: 'Não herdarão
o Reino de Deus os que tais coisas praticam.' Rm 8.13: 'Se viverdes segundo
a carne, caminhais para a morte.' C1 3.6: 'Por estas coisas é que vem a ira de
Deus sobre os desobedientes."'
Ao mesmo tempo em que dá tanta ênfase à necessidade das boas obras,
a Fórmula de Concórdia acentua o fato de que tem esta necessidade, não por
necessitas coactionis (necessidade por coação), mas por necessitas ordinis, mandati
et voluntatis Christi ac debiti nostri (necessidade por ordem, mandamento e
vontade de Cristo e por dever nosso), visto ser verdade que "as obras realmente
boas devem ser feitas espontaneamente e de espírito voluntário por aqueles a
quem o Filho de Deus libertou." (SI 110.3; 54.6; 2 Co 9.7) Diz a Fórmula de
Concórdia (Decl. Sól., IV, 16.17): "Quando se emprega a Palavra necessário, deve
entender-se não de coerção, mas apenas da ordenação da imutável vontade
de Deus. (Vult enim mandatum Dei, ut creatura suo Creatori obediat.)
Se alguém perguntar por amor de quem os cristãos devem fazer boas
obras, a resposta será: 1) Por amor de Deus, a quem servem com obras santas
(Rm 12.1,2); 2) em favor de si mesmos, a saber, para que possam ter indícios
reais (indicia, testimonia) do seu estado de graça (1 Jo 3.14; M t 6.14,15; 1 Pe
2.9), uma vez que a nova obediência e as boas obras dos crentes são o
testimonium Spiritus Sancti externum; 3) por causa dos filhos deste mundo, a
quem os crentes devem provar a verdade e o poder do Evangelho com vida
santa, de forma que eles sejam induzidos pelo exemplo a ouvir a Palavra de
Deus e ser salvos. (1 Pe 2.12; 3.1.2; M t 5.13-16)
Essa nova obediência, contudo, não emana da coação da Lei (Rm 7.22),
conquanto a Lei sirva também para o crente de espelho, freio e norma (SI 1.2;
119.1; 1 Co 9.27; Rm 7.18,19; Dt 12.8, 28.32), fato este que deve ser mantido
em oposição a toda forma de antinomismo. (João Agrícola, cerca de 1535).
Ela, porém, vem da fé no precioso Evangelho de Cristo e, dessa maneira, torna
o crente pronto e zeloso para toda boa obra. (S1 110.3; 2 Co 9.7; 1 Pe 5.1-4)
"Mas é falso, e deve ser censurado, alegar e ensinar que boas obras são livres
para os crentes no sentido de que eles tenham livre opção quanto a praticá-
las ou não, ou quanto a quererem ou poderem agir contrariamente, e que
nada obstante possam reter a fé e o favor e a graça de Deus." (Fórmula de
Concórdia, Decl. Sól., Art. IV, 20)
A Doutrina da Santificaçãz s JJSI k s *L=

6. O ESTADOIMPERFEITO
DA SANTIFICAÇAO
CRISTA
NA VIDAPRESENTE
Enquanto que a justificação é completa e, por isso mesmo, não comporta
graus, a santificação, em virtude da remanescente pecaminosidade da carne
(Rm 7.24), na vida presente jamais será completa ou perfeita (Fp 3.12-14),
porém gradual e susceptível de constante aumento. (Ef 4.15, 16; C1 2.19)
Essa verdade, incutida pela Escritura nos crentes de modo relevante, é da
maior importância para a boa compreensão dos seus deveres cristãos.
Escreve Quenstedt acerca da imperfeição da santificação cristã na vida
presente: "A renovação (santificação) nesta vida presente é parcial e imperfeita,
comportando graus. Por isso mesmo, não atinge os mais altos graus da perfeição.
Isso porque o pecado continua nos regenerados, afetando o seu autocontrole,
e a carne cobiça contra o Espírito; razão por que nossa renovação progride,
dia a dia, e deve ser continuada durante toda a vida. (2 Co 4.16) A falta de
perfeição na renovação não provém de impotência da parte de Deus, que
renova, mas da fraqueza do ser humano, que é recipiente da ação divina."
(Doctu. Theol., p.490)
E novamente: "A renovação é aumentada por atos piedosos e esforços
frequentes. Se esses são interrompidos ou diminuídos, segue-se redução, de
sorte que uma vez há aumento, outra decréscimo. As Sagradas Escrituras
afirmam que a renovação dos regenerados na vida presente tem de aumentar
e crescer continuamente." (Ef 4.16)
Essas citações demonstram quão seriamente os nossos dogmáticos
luteranos frisam a imperfeição da santificação cristã e a necessidade diária de
o crente lutar por progresso na graça da santidade. Nossos mestres luteranos
reconhecem verdadeiramente o fato de que os regenerados segundo o novo
homem são espirituais (1 Co 2.15; 14.37; C1 6.1), mas, por outro lado, também
afirmam que os regenerados são carnais (Rm 7.14), enquanto ao que diz
respeito à sua carne má (saux). (Rm 7.22,23)
Hollaz faz sobre isso o seguinte comentário: "Quando o homem
renovado é chamado espiritual, a razão por que assim se denomina é derivada
do que prepondera, a saber, do espírito predominante (o homem interior ou
novo homem); quando, porém, o mesmo (o homem renovado) é chamado
carnal, a razão se deriva do que está subordinado, a saber, da carne, que foi
deveras subjugada, mas, ainda assim, se rebela e opõe resistência e com a qual
a pessoa justificada, posta no caminho da vida, está continuamente em pé de
guerra." (Doctu. Theol., p.491)
A doutrina da imperfeição da santificação cristã é apoiada pela Escritura.
Partindo do ponto de vista de sua imperfeição, admoesta os crentes a crescerem
"em tudo naquele que é a cabeça, Cristo" (Ef 4.15); a superabundar "em toda
boa obra" (2 Co 9.8); a ser muito dedicado "na obra do Senhor" (1 Co 15.58);
Dogmática Cristz

a crescer "no pleno conhecimento de Deus"(C1 1.10); a serem "fortalecidos


com todo o poder. [...I em toda a perseverança e longanimidade, com alegria"
(C1 1.11); a "crescer e aumentar no amor uns para com os outros e para com
todos" (1 Ts 3.12); a aumentar "mais e mais em pleno conhecimento e toda a
percepção"(Fp 1.9); a progredir cada vez mais no agrado a Deus (1 Ts 4.1).
Todas essas exortações demonstram que o crente cristão é, segundo a velha
natureza kalaiós ántroopos), que ainda existe nele, muito imperfeito e que toda
a sua vida deve constituir um esforço perpétuo para vencer as suas más inclinações,
lutar contra o pecado e realizar o que é bom aos olhos do Senhor.
Observa a Fórmula de Concórdia (Decl. Sól., 11, 68): "Pois visto recebermos
nesta vida apenas as primícias do Espírito, e o renascimento não estar perfeito,
mas tão-somente iniciado em nós, o combate e a luta da carne contra o
Espírito continua também nos homens eleitos e verdadeiramente renascidos.
É perceptível entre os cristãos não só uma grande diferença nisso de um ser
fraco, o outro forte no Espírito, mas cada cristão descobre, ademais, em si
mesmo, que ora está alegre no Espírito, ora temeroso e assombrado, agora
ardente no amor, vigoroso na fé e na esperança, depois frio e débil."
Para deixar gravado esse punto, nossos dogmáticos disseram: "A justiça
da fé, ou seja, nossa justiça imputada é perfeita ou completa; a justiça da
vida, ou seja, nossa justiça inerente é imperfeita, incipiente, não consumada."
Iustitia fldei sive imputara perfecra sive consummata est, iustitia vitae sive inhaerens
imperfecta, inchoata, non consummata . (Baier)
Há, pois, dentro do crente, um antagonismo constante entre o seu
novo homem (nous, esoo ántroopos, kainós ánthroopos) e a sua natureza corrupta
(sarx), conforme demonstra claramente o apóstolo Pau10 em Rm 7.25. (cf.
Lutero, S. L., XV,1552)
A doutrina da imperfeição da santificação cristã deve ser mantida e
defendida em toda a sua verdade e força escriturística contra o erro do
perfeccionismo (papistas, unitários, arminianos [Limborch], entusiastas
[Weigel, Schwerkfeld, etc.], metodistas, Finney, etc.).
Enquanto que o erro do perfeccionismo é ensinado em diferentes formas,
de sorte que nos cumpre fazer cuidadosa distinção entre diversos tipos dessa
ilusão (papistas, metodistas, Oberlin, etc.), a Fórmula de Concórdia descreve
adequadamente essa falsa doutrina de um modo geral, quando escreve (Epít.,
11, 12): "Repudiamos também o erro [...I que o homem, depois de renascido,
pode observar com perfeição e cumprir integralmente a Lei de Deus", "que
um cristão verdadeiramente regenerado pelo Espírito de Deus pode, na
presente vida, guardar e cumprir a Lei de Deus perfeitamente." (Epít. XII, 25)
Eis, em geral, a essência do perfeccionismo. Baseia-se na premissa
antiescriturística de que só poderão chamar pecado as transgressões cometidas
consciente e deliberadamente. cf. Wesley: "Creio que a pessoa cheia de amor
A Doutrina da Santificaçãoe das Boas Obras

a Deus ainda está sujeita a transgressões involuntárias. Chamarás a


semelhantes transgressões pecado, se for do teu agrado; eu não o faço". Strong,
Syst. Theol., 878. cf. também As Decisões do Concílio de Trento, Sess. V,
Decretum de peccaso originali, 5.
1 O perfeccionismo, em suas conseqüências, significa defecção do artigo
da justificação pela fé (sola fide), porque a fé salvadora só pode habitar num
coração contrito, o qual mediante arrependimento diário (contrição e fé) se
apodera dos méritos de Cristo para cobrir os seus pecados. Em outras Palavras,
o cristão jamais nega a sua pecaminosidade (original e atual), mas sempre
confessa os seus pecados perante Deus. (51 32.5; 38.1s; 5 1 . 1 ~ 90.8;
~ ; 143.2;
etc. Em vista desse fato, o perfeccionismo deve ser condenado como uma
espécie de justiça própria presumida (Lc 18.11,12), que é tão ofensiva quanto
perniciosa. Seu ponto culminante acha-se na ruidosa vaidade dos romanistas,
de que haveria santos cuja suprema santidade produziria até mesmo obras
que seriam mais do que suficientes e poderiam ser dispensadas a outros que
carecessem de perfeição (opera supererogationis).
Contra o perfeccionismo, a Escritura atesta que, "se dissermos que não
temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está
j, em nós"; com efeito, "se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-
10 mentiroso, e a sua Palavra não está em nós". (1 Jo 1.8,10) É verdade que o
I mesmo apóstolo que escreveu essas Palavras também disse: "Todo aquele que é
1I
nascido de Deus não vive na prática de pecado; pois o que permanece nele é a
, i divina semente; ora, esse não pode viver pecando, porque é nascido de Deus."
i
j (1 Jo 3.9) No entanto, nesta passagem, ele descreve o crente segundo a sua
i nova natureza ("porque é nascido de Deus") e não segundo a sua natureza
1
1 corrupta (sarx), da qual emanam todas as suas transgressões depois da conversão.
I

'' 1 O crente, na verdade, "tem pecado" (1 Jo 1.8,10), mas está perdoado e purificado
de toda injustiça (1 Jo 1.9) tão-somente quando confessa os seus pecados. Ao
i mesmo tempo, como nova criatura em Cristo, já não se acha sob o domínio do
i1 pecado para lhe "obedecer em suas paixões". (Rrn 6.12,14) Quando o crente fiel
peca, não é o seu regenerado eu ou o novo homem dentro dele que peca, mas a
sua natureza pecaminosa, ou seja, a sua natureza corrupta. Dessa maneira, na
passagem recém-citada (1 Jo 3.9), o apóstolo João apóia Paulo, que diz de si
mesmo: "Quem faz isto já não sou eu, mas o pecado que habita em mim." (Rm
7.17) Ele continua explicando o assunto ao dizer: "Porque, no tocante ao homem
interior, tenho prazer na Lei de Deus; mas vejo, nos meus membros, outra Lei
que, guerreando contra a Lei da minha mente, me faz prisioneiro da Lei do
pecado que está nos meus membros." (Rm7.22,23) Não se poderá, pois, provar
o perfeccionismo nem com 1 Jo 3.9 nem com Rm 6.14.
Podemos dizer, ainda, que o erro do perfeccionismo é, em si mesmo,
uma resultante da natureza má (sarx) ou da razão presunçosa da pessoa, que
recusa humilhar-se perante Deus. (Lc 18.9; 2 Pe 2.18,19; 1 Pe 5.5,6)
Dogmática Cristã

O cristão não deve abusar do fato de que a santificação é, na vida


presente, gradual e incompleta (renovatio inchoata, imperfecta) ao ponto de
não fazer nenhum esforço pela sua santificação no temor de Deus. Embora a
santificação perfeita seja impossível na vida presente, ainda assim, deve ser o
alvo supremo do cristão.
Esta é a vontade de Deus. (1 Co 1.30; 2 Ts 2.13; Hb 12.14; 1 Ts 4.3-
7; etc.) Requer do crente que "se purifique de toda impureza da carne e do
espírito, aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus" (2 Co 7.1) e
que seja "santo em todo o seu procedimento". (1 Pe 1.15) O crente deve
despir todo pecado, mas deve revestir-se de toda virtude; porquanto só uma
vida de perfeita santidade é compatível com sua condição de santo de
Deus, em Cristo Jesus. (C1 1.10; Fp 4.8; cf. também C1 3; Ef 5 e 6; Rm 12-
15; etc.) As Sagradas Escrituras, dessa maneira, multiplicam as suas
exortações à santidade e também põem, diante do crente, o elevado padrão
de perfeição. (Mt 6.24; Lc 14.25-35; M t 7.13,14; 18.8,9; etc.) A vida da fé
equivale a uma vida de abnegação e mortificação pessoal absoluta. (1 Co
9.25,27)
Com efeito, Deus, na sua santa Palavra, exige do crente um grau tão
perfeito de santificação, que se impõe ao trêmulo coração penitente a seguinte
pergunta: "Quem poderá, pois, ser salvo<" (Mt 19.25) A resposta de Cristo a
essa interrogação: "Isto é impossível aos homens, mas para Deus tudo é
possível." (Mt 19.26) confirma a verdade ensinada em tantas outras passagens
da Escritura de que o padrão da perfeição cristã, fixado por Deus, é tão elevado
que unicamente a sua graça nos pode salvar. (Ef 2.8,9)
Em vista desses fatos, torna-se manifesta a tolice do perfeccionismo. O
fato de essa doutrina já ter sido ensinada na Igreja, deve-se à confusão
perniciosa entre Lei e Evangelho. Isso ocorria sempre que os cristãos
apostatavam da Palavra de Deus e recorriam a doutrinas da carne. O papismo,
arminianismo, unitarismo, etc., ensinam o perfeccionismo, porque, por um
lado, enfraqueceram as inflexíveis exigências da Lei e, por outro, ofuscaram a
glória perfeita da graça de Deus em Cristo Jesus. Primeiro, ensinaram a salvação
pela justiça das obras. Depois de estar arraigada essa doutrina pagã no seu
sistema de ensino, tinham de seguir inevitavelmente a "ilusão epicuréia" do
perfeccionismo.
perfc
--
'paraamecer-a
Primeiro, a-------
paraameser-a s-aIva~ão.~'
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sua razão presunçosa disse: "Posso
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- -- acrescentou
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mais boas - -- ---


--- obras para --
a salvação."
-. --_-_
Não devemos, por conseguinte, dizer: "Se a doutrina da perfeição sem
pecado constitui heresia, a doutrina de conformidade com a imperfeição com
pecado constitui maior heresia." (A. J. Gordon; cf. Christl. Dogmatik, Vol. 111,
p.40) Pelo contrário, devemos dizer: "Ambas são heresias intoleráveis, que
tornam a salvação impossível."
A Doutrina da Santificação e das Boas Obras

Todavia, em última análise, o perfeccionismo é, em si mesmo, negligência


e rejeição da santificação cristã, uma vez que o perfeccionista auto-suficiente,
negando a sua excessiva pecaminosidade, recusa seguir o curso que Deus
prescreveu na sua Palavra para a santificação cristã. A verdadeira santificação
só ocorre, quando o crente, mediante arrependimento diário e sincero
koenitentia quotidiana, poenitentia stantium), suplica humildemente que Deus
lhe perdoe os múltiplos pecados por amor de Cristo e, em seguida, no poder
da fé e confiando na graça de Deus, renova o seu combate ao pecado e a sua
consagração à santidade. A verdadeira santificação, assim, pressupõe contínuo
estudo da Lei, no intuito de adquirir cada vez maior conhecimento do pecado
e das exigências de Deus, contínua meditação no Evangelho, para ter sempre
maior certeza do perdão. Pressupõe, também, a contínua consideração do
alvo que o seguidor de Cristo (homo viator) deve atingir em seu caminho para
o céu, o seu verdadeiro lar. (homo comprehensor, Fp 3.20,21) Avida da santificação
real é uma vida em Cristo, para Deus, pelo poder do Espírito Santo, com a
perspectiva da esperança da glória eterna. (sub specie aetevnitatis; Hb 13.14:
teen méllousan @olin] epizeetoumen)
Rejeitamos como enganoso o argumento dos perfeccionistas de que
Deus não ordenaria o impossível (Mt 5.48) e declaramos: A praecepto ad posse
non valer consequentia. Com respeito às passagens da Escritura que os
perfeccionistas apresentam em apoio de seu erro, podemos dizer
resumidamente: 1 Jo 3.9 descreve o cristão segundo a nova natureza; Fp 3.15
fala da insistência do cristão pela perfeição; Hb 5.13,14 manifesta a perfeição
da maturidade; M t 5.48 ordena amor igual ao de Deus, não quanto à
quantidade, mas quanto à qualidade; C1 2.10 ensina a perfeição da justificação.
Em conclusão, queremos lembrar novamente ao cristão o importante
fato que o artigo da santificação só pode ser mantido puro no caso de se
ensinar o artigo da justificação em sua pureza bíblica. Aqueles que erram
com respeito à justificação errarão necessariamente também com respeito à
santificação.
A Fórmula de Concórdia chama a atenção para essa grande verdade ao
dizer (Decl. Sól., III,22): "Mas quando ensinamos que pela operação do Espírito
Santo renascemos e somos justificados, isso não quer dizer que depois do
renascimento já nenhuma injustiça na essência e na vida adere aos justificados
e regenerados, porém que Cristo, com sua perfeita obediência, cobre todos os
pecados deles, os quais nesta vida ainda estão cravados na natureza. Apesar
disso, porém, são declarados e considerados santos e justos pela fé e por causa
dessa obediência de Cristo, [...I nada obstante o fato de eles, em virtude de
sua natureza corrompida ainda serem pecadores e continuarem a sê-10 até a
sepultura. Por outro lado, isso não significa que podemos ou devemos seguir
nos caminhos do pecado, neles ficar e continuar, sem arrependimento,
conversão e melhora."
-- -

Dogmática Cristã

E outra vez (Ibid., 32): "Também se diz com acerto que os crentes que
tiverem sido justificados pela fé em Cristo possuem, nesta vida, primeiro a
justiça imputada da fé, e depois também a justiça iniciada da nova obediência
ou das boas obras. Mas essas duas não devem ser misturadas uma com a outra
ou introduzidas simultaneamente no artigo da justificação pela fé perante Deus.
Pois, visto que essa justiça iniciada ou renovação em nós é incompleta e impura
na presente vida, por causa da carne, não se pode com ela e por ela subsistir
perante o tribunal de Deus. Apenas a justiça da obediência, do sofrimento e da
morte de Cristo, que é atribuída à fé, pode subsistir diante do juízo de Deus, de
modo que somente em razão dessa obediência a pessoa (mesmo depois de sua
renovação, quando já tem muitas boas obras e vive a melhor vida) agrada a
Deus e se torna aceitável, e recebe a adoção de filho e a herança da vida eterna."
(cf. Chvistl. Dogmatik, 111, p.4lss; também Lutero, S. L., 1551. 1554)

7. A DOUTRINA
DAS BOASOBRAS
(DEBONIS
OPERIBUS)
Estudaremos a doutrina das boas obras sob três títulos:
a) A definição de boas obras;
b) As obras dos gentios; e
c) O progresso do cristão em boas obras.

7.1. A DEFINIÇAO
DE BOAS
OBRAS
Boas obras são-> segundoas Sagradas __ _- _ E
_s c- r-i t-u r a s ~ f r u t o sda fé
justi-(I 16-5.4; Gl 2.20; 5.6; Hb 11.4-39) Resulta daí que, ao falaqmos
em boas obras no sentido estritamente escriturístico do termo, incluímos
cada pensamento, desejo, Palavra e ação que o crente produz pela fé em Jesus
Cristo. O elemento da fé é, pois, com justiça, posto em evidência em todas as
definições que os nossos dogmáticos formularam sobre as boas obras.
Assim Hollaz- define
- as boas obras: ' ~ B ~ o b r a s _ s & pessoas
~ ~ ~ e
__--
justificadas, s ~ ã d ã s - ~ e lgraça
a renovadora do Espírito Santo em acordo
com a prescr-50 da Lei d i y j a vindo antes a-fé em Cristo para honrãae-Deus
v- -C---

e x E Z a ç ã o dos homens." (Doctr. Theol., p.493) Assim também m i s s ã o


de Augsburgo (Art. XX,28-30): "Sempre é a fé somente que apreende a graça
e o perdão dos pecados. E visto que pela fé é dado o Espírito Santo, o coração
também se torna apto para praticar boas obras." Ambrósio diz: "A fé é mãe da --- -
boa vontade do procedimento correto." É, pois, a fé em Cristo - a verdadeira
-- --
FõTLã<;àremanam- Gdas as obras-realmente d-s_
Em oposição à definisão errônea de boas obras correntes na Teologia
papista, ~ o l l a zacentua o fito de que também os "sentimentos internos d o
coração-- .- -e os
-
impulsos &vontaden..- -que
> -
emanam da fé devem ser consideradas
---- --e
-
A Doutrina da Santiflcaçdo e das Boas Obras

-boas obras. Escreve: "Não se entendem aqui por obras somente as ações
externas visíveis (que provêm das mãos ou da língua), mas os sentimentos
i n f e ~ o 0 T o Y á j e~ os
õ impulsos da vontade e, assim, a inteira obediência e
.- - -
a justiça Terente - - do r x n ---- - que se fazer,
e r a d o . Tem - - - -d&inção entre
"?

boas obras internas e externas. Aquelas somente


.----e- - são vistas pelos olhos de
Deus e compreendem os pensamentos íntimos da mente, os impulsos da
vontade e os sentimentos
---------_____ - --- - -
p u.~ o sdõ Yoragãa- (t-ais-como-mr,
-.-- --
-
temor de Deus,
confiança em Deus, paciência, h u m i l d Z T Estas são vista.~-não i---- -----
só por Dws,
- _.- -p e l õ 7 1 0 m ~ è m m â i e s t a m - s por
2__---
---"

mas tam3em e procedimentos, Palavras -e ,


--_s__

ações exteriores." (Doctr. Theol., p . m


-- _

É preciso recordar esse ponto sempre que se considere a doutrina das


boas obras; pois, do contrárió, a definição dé boas obras que se der poderá
tornar-se estreita demais e excluir, de sua esfera, muitos elémentos qúe, por
direito, cabem nela.
Nossos dogmáticos foram compelidos a declarar e defender a doutrina
escriturística das boas obras especialmente em oposição à perversão papista
da mesma. Por esse motivo, sentiram-se obrigados, em primeiro lugar, a
determinar a verdadeira norma das boas obras cristãs. Segundo a Escritura, a
norma ou padrão de boas obras é: a) nem a própria vontade da pessoa (C1
2.23: "culto a si mesmo; cf. Lutero, S. L., I, 866ss); b) nem a vontade de
outras pessoas (Ez 20.18: "nem guardeis os seus juízos"; C1 2.16: "ninguém,
pois, vos julgue"); c) nem a vontade da Igreja (Mt 15.9: "ensinando doutrinas
que são preceitos de homens"); d) nem mesmo a "boa intenção" da pessoa (1
Sm 15.22; Jo 16.2; At 26.9); mas unicamente a Palavra e vontade de Deus
reveladas. (Dt 5.32: "Cuidareis em fazerdes como vos mandou o Senhor, vosso
Deus"; M t 4.10: "Ao Senhor, teu Deus, adorarás, e só a ele darás culto".)
(Bona opera sunt actiones, quae secundum Dei legem e fide proflciscuntur.) Não
tomar a Palavra de Deus em consideração como norma das boas obras equivale
à apostasia de Deus e, pois, à crassa idolatria. (1 Sm 15.22,23)
Lutero observa corretamente: "A Escritura chama de mais horrível
feitiçaria, idolatria e culto aos ídolos o não se escutar a Palavra de Deus, mas
tencionar fazer alguma coisa sem e contra a Palavra de Deus; e este é realmente
um veredito mui tremendo, especialmente quando vês como isto é coisa
comum e quanto se o faz no mundo." (S. L., I, 866)
Esse juízo é verdadeiro. Todo aquele que põe, por fonte e regra de fé, os
mandamentos humanos em lugar da Palavra de Deus, a si mesmo se humilha,
tornando-se "escravo de homens". (1 Co 7.23) Com efeito, por essa sua
obediência ilegal, ele honra os homens como se fossem deuses. Até mesmo a
cruz (das Kreuz) dos cristãos deve ser imposta unicamente por Deus (1 Pe
3.17) e não ser de própria escolha (1 Pe 4.15,16,19: paschoantes kata to théleema
tou theou.)
Dogmática Cristã

Quenstedt tem razão quando diz: 'R norma diretiva segundo a qual se
devem fazer e julgar as boas obras é a Palavra da Lei divina, que oferece uma
regra absolutamente perfeita de justiça e santidade divinas e prescreve o que se
deve fazer, bem como o que se deve deixar de fazer. (11, 1387; cf. Christl.
Dogmatik, 111, 45) "Não são obras realmente boas aquelas que qualquer um
mesmo inventa com boa intenção ou que se fazem de acordo com as tradições
dos homens, mas as que o próprio Deus prescreveu e ordenou." (Triglotta, p.939)
Pelo fato de estabelecer falsos padrões de "boas obras" (a própria devoção
ao ser humano, os mandamentos da Igreja, o sistema infame de costumes
criado pelos jesuítas), a Igreja Católica Romana prova ensinar erradamente.
Lutero condenou, com justiça, a santidade imaginária dos monges e freiras e
exaltou a verdadeira santidade das obras efetuadas por todos os crentes na
mais humilde vocação como obras santificadas pelos mandamentos de Deus.
(S. L., IX, 952ss)
A regra que se acaba de dar não é enfraquecida pelo fato de que Deus
ordena em sua Palavra que os súditos sejam obedientes ao governo civil e os
filhos, aos pais. (Ef 6.lss; C1 3.20; Rm 13.1-7) Isso, naturalmente, quando o
governo e os pais nada ordenam que seja contrário aos mandamentos divinos.
(At 5.29) Todas as ordens legais dos governos e pais são mandamentos do
próprio Deus, visto que ele mesmo Ihes conferiu autoridade para governar. O
mesmo diz respeito aos ministros cristãos sempre que, em nome de Deus e
pela autoridade da sua Palavra, ordenem e exortem os seus ouvintes a fazer o
que Deus exige. (Hb 13.7; 1 Ts 5.12,13; 1 T m 5.17,18) Em todos os outros
casos, porém, os cristãos não devem admitir como norma de suas obras a
vontade ou os mandamentos de outras pessoas. (Mt 15.9; G1 2.3,5,11-14)
Em certas circunstâncias, torna-se um dever sagrado dos cristãos renunciar a
normas e padrões humanos, a saber, em todos os casos em que os mesmos
colidem com a Palavra de Deus. (Gl 5.1-3)
A norma das boas obras não é a vontade humana. (Mt 15.9) Não é a
consciência (Jo 16.2; At 26.9s~)nem a Lei de Moisés conforme foi dada aos
judeus, contendo elementos cerimoniais e políticos determinados unicamente
para o Antigo Testamento. (Lv 11; Nm 15.32s~;cf. com C1 2.16,17) Essa norma
também não é mandamentos especiais dados a pessoas individuais (Gn
2 2 . 1 ~ ~nem
) ; à Igreja (Mt 23.8; Mc 7.7). Mas é tão-somente a Lei moral de
Deus, ou seja, a sua "vontade imutável" conforme é revelada em passagens
claras do Antigo e Novo Testamentos. (Mt 22.37-40; Rm 13.10) As pessoas
podem errar; a consciência é falível; as Leis temporais do Antigo Testamento
foram abolidas; os mandamentos especiais limitaram-se a indivíduos. A própria
Igreja está sujeita à Palavra de Deus; todavia a Lei moral ou vontade imutável
de Deus fica para sempre como norma e regra de vida cristã. (Jo 12.48)
Em seu Catecismo Maior, Lutero escreve com muita ênfase sobre a norma
das boas obras: "Toda hora em que se trata, prega, ouve, lê ou medita a Palavra
A Doutrina da Santifkasáo e das Boas Obras

de Deus, dá-se, através disso, a santificação da pessoa, do dia e da obra, não


em virtude da ação externa, mas por causa da Palavra, que a todos nos torna
em santos, razão por que digo sempre que todo o nosso viver e agir, para
chamar-se agradável a Deus, ou santo, deve nortear-se pela Palavra de Deus.
Quando esse é o caso, o mandamento está em vigor e vai sendo cumprido.
Inversamente, todo viver e agir alienado da Palqvra de Deus é insanto aos
olhos de Deus, por mais que brilhe e resplandeça, e ainda que seja exornado
puramente de relíquias. São desse gênero, por exemplo, as fabricadas ordens
espirituais, que não conhecem a Palavra de Deus e buscam santidade nas
próprias obras." (Catecismo Maior, l a parte: Dos Mandamentos (3'
Mandamento), 92-93, LC, p.409. cf. também o sermão de Lutero segundo T t
2.13; S. L.; IX, 952ss).
Baseados na Escritura, os nossos dogmáticos sempre demonstraram
contra os romanistas que a "boa intenção" do praticante jamais tornará boa
alguma obra, tampouco transformará uma obra má em boa.
2 Embora a norma das boas obras seja a Lei moral, ou a vontade de Deus,
I
1
\ I
conforme vem revelada na Escritura, ela não é a sua fonte; porqueas obras dos
cristãos. realmente boas não s ã o x a s da Lei', mas "frutos do E s p i r i ~ " A
.
Fórmula de Concórdia faz entre ambos a seguinte distinção correta (Epít., VI,
5.6): "As obras feitas segundo a Lei são e se chamam obras da Lei enquanto
arrancadas aos homens apenas mediante o urgir com os castigos e a ameaça
da ira de Deus. Frutos do Espírito, porém, são as obras que o Espírito Santo de
Deus, que habita nos crentes, opera através dos regenerados; e que são feitas
pelos crentes, enquanto renascidos como se não tivessem conhecimento de
nenhum preceito, ameaça ou recompensa. Pois é dessa maneira que os filhos
de Deus vivem na Lei e andam de acordo com a Lei de Deus, o que São Paulo,
em suas epístolas, chama Lei de Cristo e Lei da mente. E assim estão "não
debaixo da Lei, e sim da graça." (Rm 7.23 e 8.1-14)
l
Assim como a Fórmula de Concórdia ensina corretamente
_ C _ \ _ _ _ " --ee---- -- - aqui, toda
boa obra ---do
-- renascido emana de um espírito voluntário, ou seja, de amor a
~ e u s Essa
. doutrina está expressana Bíblia. (SI 110.3; 5q6: h 6.18 7.22s;-
2 co 9.7) V5rdadeiramente toda obra que não emana de amor a Deus é
6 o _____
---I-__

pnsgressão da L$ - --_ r q u a n t o q õ c+i~m;n


( 13.8-10) Gsã-é a razão por q u e Zuterõ ZÓm tanta
explicações dos Dez Mandamentos com as Palavras: "Devemos temer e amar

i ia Deus." Com essas Palavras, ele indica a verdadeira fonte da qual toda
bbediência à Lei deve proceder.
Desse fato se deduz claramente que a verdadeira obediência à Lei divina
só é prestadapor cristãos fiéis, a quem o Espírito Santo tenha dotado de
poderes espirituais através da fé. (Fp 4.13) Os incrédulos praticam apenas
obras exteriormente boas que emanam de amor natural àqueles a quem servem
(pais, filhos, pátria, etc.), de ambição ou amor à fama e ao louvor, bem como
do desejo de obter a salvação mediante boas obras. Por causa da natureza má
remanescente neles, também os renascidos podem ser induzidos a praticar
boas obras por esses motivos. Toda "boa obra", porém, que se pratica segundo
a natureza corrupta, é pecaminosa e sem valor perante Deus. (Opera bona
non-renatorum coram Deo sunt peccata.)
Segundo o homem interior, ou como novas criaturas em Cristo, os
crentes praticam boas obras por amor e gratidão àquele que é seu Pai em
Cristo Jesus. (1 Jo 4.19) Tais obras espirituais não são feitas com a intenção
de se merecer o céu, mas são ditadas pela alegre certeza de que já possuem o
céu em Cristo. (Rm 12.1) (cf. Lutero, S. L., XII, 136) Lutero está, pois, com a
razão quando diz que primeiro a pessoa deve ser boa, para que as suas obras
possam ser boas. Vale dizer: a pessoa tem de ser santificada pela fé em Cristo,
para que suas obras possam agradar a Deus.
Assim também diz a Apologia (IV, 125-126): "Por isso, depois de
justificados e renascidos pela fé, principiamos a temer e amar a Deus, a rogar
e dele esperar auxílio, a render-lhe graças ... Passamos também a amar o
próximo, por ter o coração movimentos espirituais e santos. Não pode realizar-
se isto senão depois de sermos justificados pela fé, e, renascidos, recebermos
o Espírito Santo." Este é também o sentido do axioma teológico: "As boas
obras não só devem ser boas, mas devem também ser bem-feitasn(bene fieri
debent), isto é, devem ser feitas em fé. (Hb 11.6).
Embora as boas obras dos crentes emanem da fé, ainda assim não são
perfeitas em si, visto se acharem impregnadas do pecado e da corrupção que
ainda se apegam à sua carne. (Rm 7.14-19) As suas obras não são feitas inteira
e exclusivamente em acordo com a norma da Lei divina (sendo que outros
motivos ou considerações inspiram as suas ações), nem são feitas com espírito
completamente livre e voluntário, sendo inspiradas em parte, pelas ameaças
da Lei. (Rm 7.22,23) Por essa razão, as boas obras dos crentes são
qualitativamente deficientes e não tão perfeitas como Deus as quer. (C1 6.8)
Cumpre-nos acrescentar a isso uma deficiência quantitativa, pois o
cristão jamais efetua tantas boas obras quantas deveria. (Gl 6.9,10; 2 Co
8.7,10,11; 1 Co 16.1,2) As boas obras dos renascidos, por conseguinte, jamais
são "boas" no sentido restrito do termo, jamais se enquadram no perfeito
padrão da vontade divina. (Rm 7.24,25) Se são aceitas por Deus como boas, é
só porque a justiça perfeita de Cristo, da qual se apropriam pela fé Ihes cobre
as imperfeições. Deus perdoa misericordiosamente a sua insuficiência por
amor de Cristo. (1 Jo 2.1,2)
A Fórmula de Concórdia assim escreve (Decl. Sól., IV, 8): "Também é
incontroverso como e por que as boas obras dos crentes, conquanto impuras
e incompletas nesta carne, agradam a Deus e são aceitáveis para ele, a saber,
por causa do Senhor Jesus, mediante a fé, porque a pessoa é aceitável para
A Doutrina da Santifr'caçãoe das Boas Obras

Deus." E outra vez (Decl. Sól., VI, 22): "Mas como e por que as boas obras dos
crentes, ainda que nesta vida são imperfeitas e impuras em virtude do pecado
na carne, não obstante são aceitáveis para Deus e a ele agradáveis, isso não o
ensina a Lei, que, a dever agradar a Deus nossa obediência, exige que seja
absolutamente perfeita e pura. Mas o Evangelho é que ensina que nossos
'sacrifícios espirituais' são aceitáveis para Deus 'pela fé, por causa de Cristo.'
(1 Pe 2.5; Hb 11.4s)
Assim t a m b é m Quenstedt declara: "As obras dos regenerados,
consideradas em si, não são perfeitamente boas, mas se tornam sórdidas e
polutas por causa do pecado. Em Cristo, porém, são perfeitamente boas e,
nesse sentido, o que nelas não é feito se perdoa por Cristo e por causa dele, e
o que Ihes Falta em perfeição é compensado pela imputação da perfeita
obediência de Cristo." (Doctr. Theoi., p.493) Perdura, pois, o fato de que o
sangue de Jesus Cristo, Filho de Deus, nos deve purificar também da
pecaminosidade de nossas boas obras. (1 Jo 1.7)

7.2. As OBRAS
DOS GENTIOS
Visto que o apóstolo Paulo, em sua epístola aos Romanos, assevera que
os gentios "procedem por natureza de conformidade com a Lei" (Rm 2.14,15;
cf. também 1.19,20,32), torna-se necessário considerar-se a pergunta sobre
qual seria o sentido em que também os gentios ou irregenerados podem fazer
boas obras. Embora seja verdade que, propriamente dito, só podem ser
chamadas boas obras as que emanam da Fé e do verdadeiro amor a Deus (Hb
11.6), ainda assim podemos aplicar o termo "bom" a todas as obras dos
irregenerados que são feitas segundo a norma da Lei divina escrita em seus
corações. ( R . 2.15; 1.32) Tais obras, como dar de comer aos famintos, vestir
os que estão nus, assistir os oprimidos, ser diligente na sua vocação, etc.,
podem ser chamadas "boas". Disse Lutero certa vez, que, vistas exteriormente,
tais obras superam as dos crentes; pois "Alexandre Magno, Júlio César e Cípio
realizaram maiores feitos que qualquer cristão". (S. L., 461s)
Apesar desse fato, tanto Lutero como as Confissões luteranas declaram
que a diferença entre as boas obras dos crentes e a dos incrédulos é de qualidade
e não de grau. As boas obras dos irregenerados não cabem, de modo nenhum,
na classe das boas obras cristãs, mas só são boas exteriormente (quoad
materiale). Diz Lutero: "Malditas todas as obras que não são feitas em amor."
(S. L., X, 407; cf. também VII, 1862)
As obras dos incrédulos são, na verdade, também incitadas por Deus,
todavia não no seu Reino da graça (regnum gratiae), onde o Espírito Santo
produz, pelos meios da graça, obras espiritualmente boas (iustitia spiritualis),
mas no seu Reino do poder (regnum potentiae). Ali, Deus, no intuito de manter
este mundo, efetua obras civilp-iente boas (iustitia civilis) ou exteriormente
Dogmática Cristã

boas (opera externa), por meio de sua Lei inscrita no coração humano. Essas
obras exteriormente bõas -@ustitiacivi&s)--são--necessárias para o bem-esf&
---_
sociedade humana%, por bso, ~ e asurecompensa ~ com bênçãos temporais

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chamadas boas. São f e T t à i - - s ~ ~ ~ & ~ ã ~ f i dvina
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-- /
- Quando considerãdZs com respeito à fonte de que provêm todas as

obras espiritualmente boas, a saber: a fé, o coração regenerado, a nova vida


em Cristo, etc., de nenhum modo podemos chamá-las boas, mas devemos
condená-las como absolutamente pecaminosas. A razão disso é evidente.
Declaram as Sagradas Escrituras, sem restrição, que todos os irregenerados
estão "mortos nos [...I delitos e pecados" (Ef 2.15); "alheios à vida de Deus
por causa da ignorância em que vivemn(Ef 4.18); " n a tendo esperança e sem
Deus no mundo" (Ef 2.12); "deixáveis conduzir-vos aos ídolos mudos" (1 Co
12.2), de sorte que "as coisas que eles sacrificam é a demônios que as sacrificam,
e não a Deus". (1 Co 10.20)
É importante que tanto os romanistas como protestantes romanizantes
consideram as obras de "gentios morais" boas, meritórias e mesmo salvadoras.
Isso prova que não entendem nem a Lei nem o Evangelho. Consideram boas
as obras dos gentios, porque eles mesmos ensinam a doutrina pagã da justiça
pelas obras e, assim, caíram da graça.
Visto que os irregenerados se acham em estado de ignorância espiritual
e desesperança, certamente são incapazes de praticar boas obras por motivos
espirituais. Além disso, assim como eles mesmos desagradam a Deus (Tt 1.16;
S1 53.1-3), também suas obras lhe desagradam, visto serem más. (Mt 12.33;
Lc 6.43,44) Logo, mantemos a seguinte distinção com respeito às boas obras
dos gentios: Na esfera do Reino do poder de Deus (regnum potentiae) ou em
questões terrenas, podem chamar-se boas. Na esfera do seu Reino da graça
(regnum gratiae), ou das coisas espirituais, porém, são pecado. (Agostinho:
"obras de brilho enganoso".)
Esse é o claro ensinamento de nossas Confissões. Declara a Confissáo
de Augsburgo (Art. XVIII): "Conquanto a natureza seja de certo modo capaz
de fazer a obra exterior, (pois é capaz de refrear a mão de roubo e homicídio),
nem por isso pode produzir as moções internas, tais como o temor de Deus,
a confiança em Deus, a castidade, paciência, etc."
Diz a Apologia (Art. IV] 33ss): "Se o pendor da carne é inimizade contra
Deus, a carne, seguramente não ama a Deus: se não se pode estar sujeita à
Lei de Deus, não pode amar a Deus. Se o pendor da carne é inimizade contra
Deus, a carne peca mesmo quando praticamos externas obras civis. Se não
pode estar sujeita à Lei de Deus, certamente peca, ainda que tem, segundo o
juízo humano, feitos egrégios e dignos de louvor. Os adversários atendem aos
A Doutrina da Santificação e das Boas OL-r.;s

preceitos da segunda tábua, os quais contêm a justiça civil, que a razão


entende. Contentes disso, pensam satisfazer à Lei divina. Não vêem,
entrementes, a primeira tábua, que preceitua amar a Deus, afirmar
verdadeiramente que Deus se irrita com o pecado, temer a Deus, afirmar que
Deus atende preces. Sem o Espírito Santo, a alma humana, entretanto, ou
despreza, descuidada, o juízo de Deus, ou, castigada, foge e odeia o Deus
judicante. Por conseguinte, não obedece à primeira tábua. Visto, pois estarem
cravados na natureza humana desprezo de Deus, dúvida sobre a Palavra de
Deus sobre ameaças e promessas, os homens de fato pecam quando praticam
obras honestas sem o Espírito Santo, porque as praticam de coração ímpio,
segundo o texto que segue: 'Tudo o que não provém de fé é pecado7. (Rm
14.23) Tais homens operam suas obras com desprezo a Deus, à semelhança
de Epicuro, o qual pensa que Deus não cuida dele, não o considera nem ouve.
Esse desprezo vicia as obras aparentemente honestas, porque Deus julga o
coração."
A Fórmula de Concórdia, citando Lutero, escreve (Decl. Sd., 11, 43): "Com
isso, rejeito e condeno por erro puro toda doutrina que louva nosso livre-
arbítrio, como diametralmente oposta a essa ajuda e graça de nosso Salvador
Jesus Cristo. Pois, já que fora de Cristo a morte e o pecado são nossos
dominadores e o diabo nosso deus e príncipe, não pode haver força nem poder,
inteligência nem entendimento com que pudéssemos preparar-nos para a
justiça e vida ou buscá-las. Temos de ser, ao contrário, cegos, prisioneiros do
pecado e propriedade do diabo, para fazer e pensar o que a eles agrada e é
contrário a Deus com seus mandamentos."
Visto que todas as obras que não emanam da fé em Cristo, consideradas
espiritualmente, são pecado perante Deus, é óbvia a razão pela qual a pessoa
não pode, por natureza, preparar-se para a graça ou cooperar em sua conversão
e por que, portanto, a conversão é obra exclusiva de Deus (monergismo da
graça divina). Os que erram ao ensinar a cooperação humana na conversão
(pelagianos, semipelagianos [papistas], arminianos, sinergistas) negam,
também, a verdade bíblica de que as boas obras dos irregenerados, consideradas
espiritualmente, são pecado perante Deus. O Concílio de Trento (Sess. VI,
Cân. 7) chegou a amaldiçoar aqueles que, baseados na Escritura, afirmam
essa doutrina. (Si quis dixerit, opera omnia, quae ante iustificationem fiut,
quacumque ratione sint, vere esse peccata vel odium Dei meveri - anathema sit.)
Dentre os teólogos protestantes modernos, Hofmann admitiu que
também os gentios serão, finalmente, justificados à base das suas obras que
tiverem feito em acordo com a consciência. (Schriftbeweis, I, 470ss) Rejeitamos
essa doutrina antiescriturística como fantasia da razão. (Ef 2.12) Se os
unitários [modernistas] atribuem aos irregenerados boas obras no sentido
restrito do termo, isso não é mais do que conveniente ao seu sistema de fé
geral antibíblico; pois eles mesmos se vangloriam de boas obras, embora estejam
Dogmática Cristã

fora da Igreja (extra ecclesiam) e, por conseguinte, não podem senão produzir
obras más perante Deus. (Hb 11.6)

7.3. O PROGRESSO EM BOASOBRAS


DO CRISTÁO
É da vontade de Deus, claramente revelada nas Sagradas Escrituras,
que os cristãos fiéis pratiquem boas obras em grande quantidade. (1 T m 6.18;
2 Co 8.7; 9.8-11) O grande número de boas obras é o efeito inelutável das
incontáveis misericórdias divinas que receberam através de Cristo Jesus. (2
Co 8.9) As Sagradas Escrituras descrevem os cristãos fiéis como pessoas
regeneradas, que se devotam inteiramente ao santo e grato serviço de Deus
em Cristo Jesus. (Rm 12.1; 1s 60.6-9)
O comentário de Lutero sobre a última passagem é apropriado. Diz ele:
.
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"Onde há cri,$zpg ~ i é i s ; * e d ~ s $en&ygam,
se juntamente com seus bens, ao
2 mk- b ,*, :
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serviço de Cragt$% d%q,,e s$o%le." (S. L., XII, 312) Essa nova mentalidade
* 5 . -5-3:' ,-
r* .~*.
0

e disposição, todos os crénf2.s possuem segundo o'seu novo homem ou seu


homem interior. (G1 2.20; S1 110.3) Contudo, por a sua natureza continuar
corrompida mesmo depois da conversão, correm o constante perigo de abusar
da doutrina da justificação pela graça com vistas à negligência das boas obras.
Esse foi o caso já na Igreja apostólica primitiva, conforme claramente
comprovado com as numerosas exortações de São Paulo. (G1 5.13; 6.6-10; T t
3.14)
Restaurando o Evangelho à sua pureza apostólica, Lutero viu-se
motivado a publicar exortações similares (S. L., XI, 216ss; X, 456ss), e, em
nossos dias, a situação na Igreja Cristã é sempre a mesma. Em vez de crescerem
em boas obras, os cristãos, impelidos pela sua natureza má, às vezes, são
negligentes na prática das boas obras a que Deus Ihes dá ensejo (negligência
na obra da Igreja, na oração, nas ofertas cristãs, no trabalho missionário pessoal,
etc.).
Essa é a razão pela qual a Escritura ressalta não só a qualidade, como
também a quantidade das boas obras dos cristãos, insistindo no progresso
constante na graça de praticar o bem que Deus exige deles. (2 Co 8.7,20;
9.8,11) Segundo a Bíblia, os crentes devem ser "zeIosos de boas obras" (Tt
2.14; 2 Co 8.4); não devem "cansar de fazer o bem" (C1 6.9); devem, "enquanto
tiverem oportunidade, fazer bem a todos" (C1 6.10); devem "remir o tempo"
na prática de boas obras (Ef 5.16); devem ser "solícitos na prática de boas
obras". (Tt 3.8) Em síntese, a Escritura multiplica as suas exortações e repete
incansavelmente as suas admoestações de que os crentes devem produzir
frutos de fé em grande quantidade. (cf., por exemplo, o capítulo final das
epístolas do apóstolo Paulo.)
Somado a isso, a Escritura insiste em que os ministros cristãos devem
insistir sempre junto aos seus paroquianos para que "sejam solícitos na prática
A Doutrina da Santificação e das Boas Obras

de boas obras" (Tt 3.8,14); "pratiquem o bem, sejam ricos de boas obras,
generosos em dar e prontos em repartir; que acumulem para si mesmos um
tesouro, sólido fundamentado para o futuro". (1 T m 6.18-19) 0 s pastores
cristãos são as sentinelas de Cristo (1 Pe 5.1-4), que têm a função obrigatória
de produzir, pela pregação da Palavra divina, obras tais que agradem a Deus
quer pela qualidade, quer pela quantidade. Para esse fim, devem empregar a
Lei e o Evangelho: a Lei para mostrar o que são boas obras (Mt 22.37-40) e o
Evangelho para tornar os homens dispostos a praticar boas obras. (Rm 12.1;
Hb 13.20,21)
É muito necessário que os ministros cristãos prestem sem cessar atenção
a essa importante função do seu sagrado ofício. Impelidos pelo amor a Cristo,
devem empenhar-se também nesse assunto por prestar às suas congregações
u m máximo de serviço, cumprindo o seu sagrado dever de fazer os seus
paroquianos zelosos de boas obras com infatigável zelo. Enquanto que os
profetas e pastores faltos de fé são "cães mudos, não podem ladrar; sonhadores
preguiçosos, gostam de dormir" (1s 56.10), os verdadeiros ministros de Cristo,
a exemplo do seu Senhor e dos seus apóstolos, procuram fazer com que os
seus paroquianos estejam atentos a todas as coisas conforme Deus deles espera
(1 Co 15.10, 1 T m 4.15; 2 T m 4.2) e, em particular, sejam frutuosos em toda
boa obra. (Tt 3.8,14)
A todos os ministui Dei ecclesiae, Lutero lembra esse fato ao escrever (S.
L., X, 5): "Por esta razão, caros pastores e ministros, cuidai que nosso ofício
agora se tornou coisa completamente outra do que era o debaixo do papa;
porquanto agora se fez sério e salutar. Todavia, precisamente por esse motivo,
importa em muito mais trabalho e inquietação, perigo e provações. Há, ainda,
pouca gratidão ou recompensa n o mundo. Cristo, contudo, será o nosso
galardão, se trabalharmos com fidelidade."
O ministro cristão deve, pois, insistir na prática de boas obras por sua
própria causa, a saber, para que seja achado fiel como bom despenseiro de
Jesus Cristo. (1 Co 4.1,2; 2 Co 6.3-10) Todavia, deve insistir nas boas obras
também por causa de sua congregação, a saber, para que aqueles que foram
entregues ao seu cuidado possam agradar a Deus com muitas obras dignas de
louvor. (Tt 2.11-14) Para consegui-lo, precisa insistir nas boas obras, não débil
ou timidamente, mas alegre, decidida e energicamente, sempre lembrado do
fato de que o próprio Cristo, constante e zelosamente, exortou os seus
ouvintes a que praticassem toda boa obra em grande quantidade. (Mt 5.13-
16) Para esse fim, deve fazer correta distinção entre justificação e santificação.
É impossível gravar a verdadeira santificação no espírito, a menos que se
retenha sempre a exata relação entre justificação e santificação. (2 T m 2.15)
É erro muito grave imaginar que a insistência na justificação levaria à
negligência da santificação. Pelo contrário, onde quer que não se grave no
espírito a justificação, não pode haver a verdadeira santificação. A justificação
Dogmática Cristã

fornece os motivos bem como o poder para a santificação. Daí resulta que, se
o ministro cristão quiser impelir os seus ouvintes à prática de boas obras,
deve chamar a sua atenção para a graça de Deus, pela qual os regenerados
foram dotados de todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo.
(Ef 1.3-7; Rrn 12.1; 2 Co 8.9)
Lutero tem razão, quando diz (S. L., XII, 318ss): "O pregador da Lei
obriga por meio de ameaças e castigos; o pregador da graça atrai e impele por
meio da divina bondade e misericórdia reveladas (ao homem); pois não quer
obras inespontâneas nem serviço de Deus que não seja alegre e prazeroso.
Quem não permite ser tocado e impelido pelas Palavras doces e amáveis da
misericórdia de Deus, que nos foram dadas e concedidas em Cristo, de modo
a fazer tudo isso alegre e com afeto para glória de Deus e o bem-estar do
semelhante, nada consegue, e a obra de amor foi nele desperdiçada. [...I Não
foi a misericórdia do homem, mas a de Deus que nos foi dada e que Paulo
quis que a considerássemos coisa em que devemos insistir e que nos deve
impelir."
Com respeito ao dízimo, que Deus impôs aos judeus no Antigo
Testamento (Lv 27.30), cumpre recordar que, por um lado, também essa
providência pertencia à Lei cerimonial, que foi abolida por Cristo (C1 2.16,17),
de sorte que já não é obrigatório para os cristãos em o Novo Testamento. Por
outro lado, porém, não se abusará da abolição da Lei do dízimo com vistas à
negligência da oferta liberal, visto que, também em o Novo Testamento, Deus
exorta os seus santos a que ofertem continuamente e com liberalidade. (2 Co
9.6 7)
Todavia, por mais que Deus queira em o Novo Testamento ofertas
constantes e liberais, tanto quanto quis em o Antigo Testamento, ele realiza
o seu propósito, não por meio de ordens e ameaças, mas de apelos ao amor
dos seus filhos, que está profundamente radicado em sua própria manifestação
de graça e misericórdia em Cristo. (2 Co 8.7-10)
Lutero chama a atenção para essa distinção entre o Antigo e o Novo
Testamentos, ao escrever (S. L., XII, 337): "No Antigo Testamento, era (aos
judeus) ordenado que, sobre e além de todo o dízimo anual, deviam dar aos
levitas, contribuíssem, cada terceiro ano, um dízimo especial para os pobres,
as viúvas e os órfãos, etc. Ora, tais ofertas não são, em o Novo Testamento,
expressamente determinadas nem exigidas por Leis específicas; porquanto é
este um tempo de graça, em que cada um é admoestado a fazê-lo de livre
vontade, conforme escreve São Paulo". (G1 6.6)
O mesmo Paulo elucida essa diferença, dizendo: "Assim também nós,
quando éramos menores, estávamos servilmente sujeitos aos rudimentos do
mundo; vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido
de mulher, nascido sob a Lei, [...I de sorte que já não és escravo, porém filho
-.
A Doutrina da Santip~aç~i:
zr i í 2 k . i ~u.c;;

e, sendo filho, também herdeiro por Deus." (G14.3-7) Porque em Cristo Jesus
os crentes são filhos de Deus, já não estão debaixo de Leis cerimoniais, para
que sejam compelidos a fazer a vontade de Deus por coação; porém, estando
sob a graça, aumentam pela fé na graça de u m serviço cristão voluntário (2
Co 8.9), amando-o (a Deus), porque ele os amou primeiro. (1 Jo 4.19; C1 6.6-
10) Isso não quer dizer que não se deva insistir com a Lei junto aos cristãos
ou que não se reprove a negligência das ofertas. (G1 6.7) Significa que o pastor
cristão, ao inculcar a liberdade cristã, deve fazer constantemente referência à
graça de Deus que se manifestou em Cristo Jesus, nosso Senhor, a fim de
estimular as ofertas cristãs. (Tt 2.11-15) É tão-só ao pé da cruz do Calvário,
pintada de sangue, que o crente aprende a arte da generosidade cristã.

8. A RECOMPENSADAS BOASOBRAS
As Sagradas Escrituras ensinam com clareza que o pecador não é
justificado pelas boas obras. (Rm 3.23-28; 4.4.5; Gl 2.21; 3.10; etc.) As boas
obras "não são, pois, necessárias à salvação." Tampouco são "necessárias à
conversão da fé", visto que o cristão se conserva na fé para a salvação pelo
poder de Deus. (Fp 1.6; 1 Pe 1.5) Por isso, estão debaixo da maldição todos os
que fazem boas obras para, por elas, obter a salvação; pois que caíram da
graça. (G1 3.10,11; 5.4) As Sagradas Escrituras, além disso, afirmam que as
boas obras emanam somente da fé ou da certeza triunfante do crente de que
Deus já lhe concedeu o céu como dom gratuito da graça por amor de Cristo.
Assim, são feitas livre, alegre e espontaneamente, sem a menor coação e sem
nenhum pensamento no sentido de, por elas, a pessoa merecer ainda que a
mínima graça. (G1 2.20) Em vista desses fatos, parece fora de propósito falar-
se em qualquer recompensa das boas obras cristãs.
Não obstante, a mesma Escritura Sagrada assegura em muitas passagens
aos crentes do modo mais enfático que as suas boas obras serão liberalmente
recompensadas. "É grande o vosso galardão nos céus." (Mt 5.12; Lc 6.23,35);
"Cada u m receberá o seu galardão, segundo o seu próprio trabalho." (1 Co
3.8); "Deus não é injusto para ficar esquecido do vosso trabalho e do amor."
(Hb 6.10). Nessas e em muitas outras passagens, as Sagradas Escrituras falam,
com clareza, da recompensa que será conferida aos crentes em vista das suas
boas obras. Tal recompensa é concedida tanto na vida presente (1 T m 4.8)
como na futura. (Lc 14.14)
De que maneira devemos entender essas declarações da Escritura<
Anulariam elas a doutrina da justificação pela graça por meio da fé (sola fide)<
A fim de evitar qualquer erro da razão presunçosa do ser humano, cumpre-
nos recordar dois fatos: Em primeiro lugar, embora fale em recompensa das
boas obras cristãs, a Escritura ensina que a recompensa é de graça (Gnadenlohn),
e não por merecimento. (Rrn 4.4) Lutero, em sua exegese de G1 3.22, esclarece
Dogmática Cristã

este assunto, quando diz que, pelo fato de o mundo não recompensar os
crentes por suas boas obras, antes odiá-los por causa delas (At 5.40; Rrn 8.36;
1 Co 4.13), Deus é tão bom que Ihes acrescenta promessas especiais de
graciosas recompensas. (cf. S. L., IX, 443) Assim também diz a Apologia (IV,
365): "Na pregação de prêmios mostra-se a graça." ("In praedicatione praemiorum
gratia ostenditur,")
Assim, mantemos à base da Escritura estas duas doutrinas: a) Aquele
que crê em Cristo receberá por suas boas obras grande galardão de graça.
(praemium gratixe), no misthós humoon polus (Mt 5.12); b) Todo aquele que
exige recompensa em vista de suas boas obras incorrerá na perda do galardão
gratuito de Deus, como ainda perderá a sua salvação. (Gl 5.4)
Ambas essas doutrinas são apresentadas claramente em M t 19.27-30;
20.1-16, onde Cristo, de u m lado, promete aos seus fiéis apóstolos segura
recompensa de graça e, por outro, declara que, sempre que se faça a exigência
de uma recompensa à base de merecimento, "os primeiros serão últimos".
(Mt 20.16) Isso quer dizer que os primeiros, ou seja, os que se presumem
justos em si mesmos, serão rejeitados.
Em segundo lugar, as promessas espontâneas de Deus no sentido de
recompensa feita aos seus fiéis servem ao excelente propósito de induzir o
crente individual a praticar, com zelo, boas obras. (Mt 5.12; Lc 6.23,35) A
Apologia chama a atenção para essa verdade, quando diz (Art. IV, 199): "Por
estas preconizações das boas obras indubitavelmente se movem os fiéis à
prática do bem." ("His praeconiis bonorum operum moventur haud dubie fideles
a d bene operaizdum.")
Lutero ressalta este ponto ao observar que em todas as passagens da
Escritura que falam na recompensa dos crentes (Gn 15.1: "O teu grandíssimo
galardão"; Rm 2.6,7 etc.), os piedosos são incitados, confortados e encorajados
a continuar, permanecer e triunfar, fazendo o que é bom e suportando o que
é mau, de sorte que não venham a cansar-se e desanimar." (S. L., XVIII, 1810ss)
As promessas graciosas de recompensa que a Escritura oferece aos
crentes negam, portanto, a doutrina da salvação por obras ou merecimento e
confirmam a da salvação por graça. É preciso que o fiel cristão tenha sempre
presente essa verdade, especialmente porque, tanto os papistas, como os
protestantes racionalistas modernos fazem mau emprego da doutrina bíblica
da divina recompensa das boas obras cristãs em favor da justiça das obras.
Lutero estabelece o assunto com muita clareza ao escrever (S. L., VII,
677s): "Aprende então a responder corretamente às passagens em que se fala
em mérito e recompensa: Ouço, em verdade, Cristo dizer: "Bem-aventurados
os humildes de espírito, porque deles é o Reino dos céus", e: "Bem-aventurados
sois vós, quando, por minha causa, vos injuriarem. [...I porque é grande o
vosso galardão nos céusJ', etc. Todavia, por essas Palavras não me ensina o
A Doutuina da Santificaçáo e das Boas Obr,::

fundamento sobre o qual faça repousar a minha salvação; dá-me, (com essas
Palavras) uma promessa: qual o conforto que devo ter em meu sofrimento e
em minha vida cristã. Essas duas coisas não deves misturar uma com a outra
nem amalgamá-las; também não deves converter em mérito aquilo que Deus
me dá gratuitamente em Cristo pelo Batismo e o Evangelho. Pois não diz
aqui que posso obter essas coisas ou que já não preciso de Cristo ou do Batismo,
mas, pelo contrário, que são verdadeiros discípulos de Cristo aqueles a quem
aqui prega e que, por causa dele, tem de sofrer muitas coisas, de forma que
não sabem como possam confortar-se. Visto que o povo não os tolera na
terra, devem, portanto, com muito mais razão, possuir todas as coisas." (cf.
também a excelente apresentação desta doutrina pelo Dr. Pieper, Christl.
Dogmatik, 111, 6 4 s . )

9. O GRANDEVALOR DAS BOASOBRAS


Embora as boas obras não tenham valor pelo que respeita à justificação
do pecador, uma vez que a salvação não sucede pelas obras, mas pela graça
(Rm 3.28; Ef 2.8,9), é incorreto dizer-se que as boas obras não teriam valor
algum. Afirmar que as boas obras não têm nenhum valor, como alegaram os
anabatistas ao tempo de Lutero, é antiescriturístico. Isso porque a Escritura
insiste com grande seriedade nas boas obras. (Ef 2.10; Mt 5.13-16) Igualmente,
a mesma consciência, firmada na Lei divina escrita no coração do homem,
induz a pessoa a fazer o que é bom. (Rrn2.14,15) Em oposição aos entusiastas,
Lutero (S. L., IX, 4 4 2 s ) acentuou a verdade de que, fora do artigo da
justificação, não se poderiam, com efeito, exaltar as boas obras ("Extra causam
iustificationis nemo potest bona opera a Deo praecepta satis magnifice
commendare. ")
Lutero escreveu contra os anabatistas (S. L., XIV, 310ss): "Vede como
ensinam bem acerca das boas obras: dizem que entregam as suas boas obras
por u m centavo. Querem com isto nos macaquear e arremedar a nossa
doutrina, pois ouviram que ensinamos que as boas obras a ninguém tornam
piedoso, também não acabam com o pecado, também não reconciliam Deus.
Ademais disso, o diabo faz aqui o seu acréscimo e, de tal maneira, desdenha
as boas obras que, por um centavo, as quer vender todas. Nós o ensinamos
assim: que reconciliar Deus, tornar piedoso, acabar com o pecado é obra tão
sublime, tão grande, tão gloriosa, que só a Cristo, o Filho de Deus, caberá
fazê-la, e que é em verdade uma obra toda especial, peculiar do único Deus
verdadeiro e de sua graça, ao lado da qual as nossas obras nada são nem nada
podem. Mas que por causa disto as boas obras nada seriam ou não valeriam
um centavo, quem o ensinou ou ouviu jamais, senão agora pela boca mentirosa
do diabo< Eu não daria um só de meus sermões, uma só de minhas preleções,
um só de meus escritos, um só de meus pais-nossos, em verdade, ainda que a
menor obra que tenha feito ou ainda faça, por todos os bens do mundo; com
Dogmática Cristã

efeito, considero-o (cada uma destas obras) mais precioso que minha vida no
corpo, que seguramente é e deve ser para cada um mais cara que tudo no
mundo; pois que, sendo uma boa obra, Deus então a fez por mim e em mim.
Fê-la Deus, e é obra de Deus. Que é todo o mundo comparado a Deus e sua
obrat Embora por tais obras não me torne piedoso - pois que tal coisa deve
Aceder antes, pelo sangue e pela graça de Cristo, sem obras -, ainda assim se
fizeram para louvor e honra de Deus, em benefício e para o bem de meu
semelhante, coisas de que nem uma sequer se poderá pagar com os bens do
mundo nem a eles se comparar. E esta bonita gentalha por elas só pede um
centavo! Oh, como se escondeu a maravilha do diabo aqui! Quem não o
poderia deparar aquit"
Esta alta apreciação do valor das boas obras cristãs está em perfeito
acordo com o claro ensinamento da Escritura. As boas obras cristãs são
realmente de grande valor, e isto pelas seguintes razões:
a. São feitas segundo a norma da Lei de Deus. Ao passo que todas as
obras que não se fazem segundo a vontade de Deus são sem valor e,
para Deus, desaprazíveis, as que são feitas segundo a sua vontade
são por ele apreciadas como muito valiosas à sua vista. (Ap 2.2s~)
b. São obras do próprio Deus em nós; pois ele é a causa eficiente (causa
efficiens) de todas as boas obras cristãs. (Fp 2.13; 2 Co 3.5; 1 Co 12.6-
11; Ef 2.10) Enquanto todas as "boas obras" praticadas pelas pessoas
para merecer a salvação são condenadas nas Escrituras como "obras
da Lei" (GI 3.2,3,10), as boas dos crentes são louvadas e glorificadas
nas Sagradas Escrituras como "frutos do Espírito" (G15.22,23), que o
próprio Deus opera neles para sua glória. (Ef 2.10; C1 1.5, 6; 1 T m
6.17-19; T t 2.11-14; etc.)
c. São indícios e testemunhos (testimonia Spiritus externa) do estado de
graça em que o crente foi posto pela fé em Cristo. (Lc 7.47; 1 Jo
3.14) Como tais, são de grande valor para o próprio cristão (Ap 2.19)
e para todas as demais pessoas. (Mt 5.16)
d. São imperecíveis, seguindo após os crentes à vida eterna, onde são
premiadas da maneira mais graciosa. (Ap 14.13; M t 5.12; 19.29; 10.42;
G1 6.9) As obras terrenas, contudo, serão consumidas pelo fogo no
dia derradeiro. (Mt 24.35; 1 Co 7.31; 2 Pe 3.10)
e. Em virtude das boas obras dos crentes, das quais a primeira é a
pregação do Evangelho, Deus protela o dia do juízo. (Mt 24.14; 1 Pe
2.9) Por esse motivo, os cristãos devem ser sempre os mais diligentes
na prática de boas obras (G16.10; Ef 5.16; C1 4.5), e os ministros
cristãos devem insistir nelas constantemente. (Tt 3.8; 1 T m 6.17s~)
f. A prática de boas obras é o verdadeiro objetivo da vida dos cristãos na
terra. Tão logo tenha recebido a fé em Cristo, a pessoa já não pertence
A Doutrina da S~attjr;.ig.i: í i r s A-.;LP-Z
;
a este mundo, mas ao Reino dos céus. (Fp 3.20; Jo 5.24) Todatla.
Deus quer que os seus santos vivam por algum tempo na terra, para
que possam servir a Cristo, difundir o seu Evangelho e praticar muitas
boas obras para louvor ao seu nome. (Mt 5.13-16) De tudo isso se
depreende claramente que as boas obras cristãs (opera spirituali) são
do mais alto valor. Diz Lutero (S. L., I, 867): 54s obras que em nossa
vocação fazemos pela fé no Filho de Deus resplandecem perante
Deus, perante os santos anjos e perante toda a Igreja."

10. A PERVERSAO
DAS BOASOBRAS
Visto que a Igreja Católica alega ser a verdadeira promotora das boas
obras (o cardeal Gibbons: "A Igreja Católica é uma sociedade para santificação
dos seus membros") e que condena a Igreja da Reforma como Igreja que,
por dar ênfase indevida à d o u t r i n a da justificação, h a b i t u a l m e n t e
negligenciaria a santificação, faz-se necessário demonstrar que a Igreja de
Roma não é promotora, mas, muito pelo contrário, perversora da doutrina
das boas obras.
A acusação de que Lutero teria desprezado as boas obras foi feita já nas
primeiras fases da Reforma (Édito de Worms, 1521: "Lutero ensina uma vida
desenfreada, autodeterminada, que exclui todas as Leis divinas e é
completamente bestial.") Essa acusação injusta e inverídica tem continuado
até os nossos dias, apesar do fato de, por Palavras e atos, se haver demonstrado
que não passa de maldosa mentira. Precisamente porque Lutero ensinou a
verdadeira doutrina da justificação, também ensinou a verdadeira doutrina
da santificação. Ele insistiu enérgica e incessantemente nas boas obras como
frutos e provas da viva fé dos crentes fiéis.
Por outro lado, o papado, por todos os meios que estão em seu poder, torna
impossível a realização de obras cristãs, quando amaldiçoa o artigo básico da fé
cristã, a doutrina da justificação pela graça, da qual emanam todas as obras
realmente boas. As boas obras cristãs são frutos da justificação pela fé. Logo,
onde quer que esta doutrina seja abolida e anatematizada, não entram em questão
as boas obras no sentido de Cristo e da Bíblia. A Igreja Católica Romana realmente
insiste nas obras, contudo não são obras "boas", mas pagãs, visto serem feitas
com o propósito de adquirir a salvação. (G1 3.10; 5.4) Sempre que, na Igreja de
Roma, ocorram boas obras cristãs, isso acontece unicamente porque crentes
individuais, por sua parte, rejeitam a doutrina pagã da justiça pelas obras ensinada
pelos seus sacerdotes. Eles crêem no gracioso perdão dos seus pecados por amor
de Cristo, sem as obras da Lei. (Rm 3.28) Essa fé deixa-os em situação de eles
poderem praticar obras verdadeiramente boas.
Condenamos as "boas obras" do romanismo por duas razões. Em primeiro
lugar, compreendem uma negação e rejeição maldosa da suficiência da obra
Dogmática Cristã

redentora de Cristo, sendo realizadas no intuito de merecer justiça perante


Deus (meritunz de congruo, meritum de condigno). AS boas obras feitas com esse
propósito insultam a Deus e escarnecem dele. Em sua Palavra, Deus oferece a
todos os pecadores, pela fé, a completa e perfeita justiça que o seu Filho
amado adquiriu para o mundo mediante a sua satisfacão vicária (satisfactio
-vicaria). Essa é a doutrina expressa da Escritura. O apóstolo Paulo escreve de
modo enfático: "Se a justiça é mediante a Lei, segue-se que Cristo morreu em
vão." (C12.21) As "boas obras" dos papistas estão, pois, "debaixo de maldição".
(G1 3.10) O cardeal Gibbons, descrevendo (The Faith of Our Fathers, p.35) a
Igreja Católica como "sociedade para santificação dos seus membros", atesta
oficialmente que é, em princípio, uma Igreja que ensina confortavelmente às
Escrituras, e que todos os cultos pagãos, fundamenta a salvação nas boas obras.
Lutero está com a razão, quando diz (S.L., IX, 443): "As obras que
sucedem fora da fé, por mais santas que pareçam segundo o seu brilho exterior,
estão debaixo do pecado e da maldição. Por isso mesmo, longe de virem a
merecer graça, justiça e vida eterna, os que as praticam, ajuntam antes pecado
sobre pecado. Dessa maneira, efetua obras o papa, o homem do pecado e
filho da perdição, e todos quantos o seguem. Semelhantemente praticam
também as suas boas obras todos os que confiam na santidade das obras e os
hereges, que caíram da fé."
Todo o processo da santificação na Igreja Católica Romana segue
diretrizes antiescriturísticas e anticristãs. Isso se comprova pelo fato de essa
Igreja haver pervertido e condenado o Evangelho de Cristo (Concílio de Trento,
Sess. VI, Câns. 11. 12.20) e perseguido os seus adeptos. (Lutero foi oficialmente
chamado "o inimigo maligno em forma de homem", "varão selvático, voraz",
"fera de rapina", "cuja lembrança deve ser apagada da comunhão dos que
crêem em Cristo.") Tudo isso contrariamente à exortação expressa de Cristo.
(Lc 10.16; Jo 13.20; Fp 2.29) As "boas obras" do papado devem, portanto, ser
condenadas como fraude santimonial. (2 Ts 2.9: "prodígios de mentira.")
Em segundo lugar, repudiamos as boas obras da Igreja Católica
Romana, porque não são feitas segundo a norma da Lei divina, no sentido
em que Deus as ordenou. Pelo contrário, são produtos dos "preceitos de
homens" e, assim, incorrem na condenação de nosso Senhor: "Em vão me
adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens." (Mt 15.9) A
santificação papista não é, de modo nenhum, santificação cristã, mas apenas
caricatura da verdadeira santificação, que Deus exige dos seus filhos como
fruto da fé.
Segundo a Escritura, os regenerados, justificados pela fé, servem a Deus
com alegria e gratidão em todo ofício para o qual ele os chamou, na Igreja ou
fora dela. (Rm 15.16; 1 Co 7.20s~;C1 3.23,24; Ef 6. 7; 1 Tm 2.15) Contudo, a
Igreja Católica prescreve novas regras de boas obras (os conselhos evangélicos,
A Doutrina da Santificação e das Boas Obras

consilia evangélica, obediência, pobreza, castidade). Além disso, inventam u m


novo propósito das boas obras, antiescriturístico, anticristão; a saber: o
propósito de obter a salvação.
Aos cristãos católicos comuns, ensina-se a obtenção da salvação, tanto
como está no seu poder, por meio da "segunda tábua7)(tabula secunda), isto
é, mediante penitência (poenitetztia), que consiste formalmente na prática
das boas obras da contritio cordis, confessio oris e satisfactio operis. A classe
eleita dos papistas, praticantes de "boas obras" (monges, freiras, etc.), além
da poenitentia, cultiva a consilia evangelica, pelas quais está em condições de
obter não só méritos suficientes, como ainda superabundantes (opera
supererogationis). Esses méritos superabundantes, depois do pagamento de
u m certo preço, o papa administra às "pobres almas" n o purgatório. (O
Concílio de Trento, Sess. VI, Cân. 30) A iniqüidade do ensino papista é
evidente para todo crente cristão, que tenha provado a doçura do Evangelho
e conheça a doutrina bíblica da justificação pela fé. Assim como a justificação
papista (por via da santificação) é diametraimente oposta à justificação
bíblica, t a m b é m a santificação papista é diametralmente o p o s t a à
santificacão bfblica. É santificação da carne ou do coração carnal, não do
Espírito. (Gl 3.1-3)
A doutrina perniciosa da justiça das obras conforme a apresenta a Igreja
Católica Romana culmina nas perversões dos jesuítas, graças às quais
transgressões manifestas deixam mesmo de ser pecado e convertem-se em
obras muito boas, se ordenadas pelos superiores da ordem.
O Index Generalis declara expressamente: "Os superiores podem obrigar
(os membros) a pecar por virtude da obediência (a que estão sujeitos), contanto
que isso seja de grande conveniência." "Superiores possunt obligare ad peccatum
in virtute obedientiae quando id multum conveniat." (cf. Index Generalis, Vol. 11,
sub Obedientiae et Obedire; também Christl. Dogmatik, 111, p.80ss). Essa blasfema
rejeição da Palavra de Deus e tiranização das consciências nada mais é que a
inevitável resultante da rejeição papal da Palavra de Deus como única fonte
de fé (principium cognoscendi) e sua medonha escravização das consciências
em geral conforme praticada em toda a Igreja Católica. (cf. a exigência do
sacrifrcium ilztellectus et voluntatis)
O papa exige obediência implícita de todos os membros de sua Igreja,
tanto em artigos de fé como em questões de vida, de sorte que comete pecado
mortal todo católico que baseia as suas decisões acerca de doutrina e de vida
em sua própria consciência ou nas Sagradas Escrituras. (cf. o Concílio de
Trento, Sess. IV; Lutero, S. L., 341ss; IX 1235~s.)
As Sagradas Escrituras exigem que todo entendimento (pan noeema)
seja levado cativo à obediência de Cristo. (2 Co 10.5) Já o papa requer que
todo entendimento dos seus seguidores ludibriados seja levado cativo à
Dcgttziítica Cristã

obediência de sua própria mente pervertida. Foi por causa dessas odiosas
perversões que Lutero chamou o papado de um confluxo de todas as heresias
e afirmou que o papado em Roma foi fundado pelo diabo.
Fato é que todos os hereges ensinam doutrinas ímpias. Todavia, o papa
não só adorna as suas doutrinas ímpias com o nome de Cristo e da Igreja
Cristã, como também o mestre infalível da verdade divina. Ser um verdadeiro
papista equivale a crer doutrina ímpia e praticar obras más, contrárias à Palavra
de Deus, com vistas à salvação.
Tal qual a Igreja de Roma, também o protestantismo racionalista
moderno perverte a doutrina das boas obras. Enquanto que a Igreja Católica
é dominada pelo pernicioso erro do semipelagianismo, o protestantismo
racionalista corrompe-se pelos erros igualmente perniciosos do arminianismo
e sinergismo. O resultado é idêntico em ambos os casos.
Como o romanismo rejeita a doutrina da justificação, que é o postulado
obrigatório das boas obras, também o protestantismo racionalista, tanto nos
círculos luteranos como nos reformados, rejeita essa doutrina central da
Escritura. Uma vez que o conceito forense da justificação, conforme ensinam
Lutero e as Confissões luteranas, é considerado demasiado "jurídico" e não
suficientemente "ético", é entregue ao ferro-velho do esquecimento teológico,
e se ensina ao pecador a cooperação em sua conversão e a confiar nas suas
boas obras para a salvação. Disso resulta que também o protestantismo
racionalista ensina a justificação por via da santificação, ou seja, salvação
pela boas obras. A velha alegação melanchtônica (maiorista) de que "as boas
obras são necessárias à salvaçãoJ' é, assim, restaurada como dogma da Igreja.
Dessa maneira, a justiça das obras faz o protestantismo moderno aterrissar
no campo do romanismo semipelagiano. Ambos são inimigos do Evangelho
de Cristo.

11. A SANTIFICAÇÁO
E A VIDACRISTÁ
Trataremos este assunto sob três epígrafes: a) A vida cristã e a cruz; b)
A vida cristã e a oração; c) A vida cristã e a esperança da vida eterna.

11.1. A VIDACRISTÁ E A CRUZ


Uma seção especial que verse sobre a cruz e tribulação é, numa
dogmática cristã, plenamente justificável, visto que a própria Escritura se
ocupa muito com essa matéria importante. Alguns de nossos dogmáticos
luteranos (Quenstedt e Calov), conseqüentemente incorporaram o assunto
à sua descrição da vida cristã. Seguir o seu exemplo nos fará muito bem.
O tópico é certamente digno de acurada consideração. Mediante a fé
em Cristo, os renascidos acham-se verdadeiramente num estado da maior
A Doutrina da Santificagão e das Boas Obras

bem-aventurança. Deus é "por eles". (Rm 8.31) São filhos de Deus e herdeiros
da vida eterna. (Jo 1.12, 13; C1 3.26; Rm 8.17) Os santos anjos servem a favor
deles. (Hb 1.14) Eles têm na Palavra de Deus conforto abundante para cada
aflição na vida e fortalecimento para cada dúvida pertinente à sua salvação.
Todavia, além de tudo isso, ainda não Ihes é revelada a glória que Ihes pertence
em Cristo Jesus. (1 Jo 3.2) Andam na mesma humildade, humilhação e
sofrimento que caracterizaram a vida do próprio Cristo na terra. (1 Pe 4.1)
Essa vida de pesar e tribulação a Escritura denomina a cruz (crux) dos cristãos.
(Mt 10.21,38; 16.24; Lc 14.27). (cf. também Lutero, S. L., XII, 729ss)
Que está contido na cruz cristã. As Sagradas Escrituras jamais aplicam
o termo cruz às tribulações dos ímpios. (SI 32.10; 34.21; 16.4). Diz-
se que apenas o cristão leva a cruz e isso, na verdade, quando exerce
a sua vocação no mundo. Lutero escreve (S. L., XII, 544ss): "O cristão
está sujeito à querida cruz por isso que se chama cristão, de sorte
que tem de padecer, partindo das pessoas ou do próprio diabo. Este o
atormenta e aterroriza com miséria, perseguição, penúria,
enfermidade ou, interiormente no coração, com os seus dardos
venenosos." Especialmente quando dão testemunho fiel de Cristo e
do seu Evangelho, ou quando levam uma vida santa segundo a
Palavra de Deus, os cristãos devem esperar padecer aflições e carregar
cruzes. (Mt 10.25) Entendemos por cruz o sofrimento que os cristãos
suportam por amor de Cristo. (Mt 10.16-22)
É verdade que os renascidos também são pecadores e, por essa razão,
não só merecem castigos temporais, como também a condenação eterna.
(Rm 7.24) Como, porém, vivem em arrependimento diário e, pela fé, recebem
constante perdão de todos os seus pecados, os castigos que Deus, em seu
amor paternal, Ihes distribui não são castigos na acepção restrita do termo,
visto que não procedem da ira divina, mas, pelo contrário, são graciosos
corretivos (castigationes paternae) que se destinam ao seu bem temporal e
eterno. (Rm 8.28; Hb 12.6; 1 Co 11.32; 1s 26.16)
Entretanto, não é por causa dos seus pecados que Satanás e o mundo
mau afligem os renascidos. Lutero diz com muita propriedade (S. L., XIII,
434ss): "O inimigo mau e o mundo não querem mal aos cristãos por serem
pecadores, por tropeçarem e caírem aqui e ali. Não, o diabo e o mundo
certamente tolerariam isso e estariam satisfeitos com eles. É por causa da
Palavra e da fé, por eles depositarem a sua esperança no Filho de Deus e se
consolarem com a sua morte e ressurreição. É, também, por eles temerem a
Deus e desejarem viver em acordo com a sua vontade. Eles desejam que, pela
sua confissão, outros também cheguem à fé e ao conhecimento de Cristo.
Essa verdade nem o diabo nem o mundo podem tolerar. Razão por que de
todos os lados acometem os cristãos."
Dogmática Cristã

A cruz do cristão, no entanto, não é ocasionada apenas pelo diabo e os


seus servos, os filhos deste mundo. Ela provém, também, da carne dos cristãos,
que cobiça constantemente contra o Espírito Santo e, assim, os tenta e aflige.
Para o cristão, carregar a sua cruz inclui, por conseguinte, luta permanente
contra a carne (G1 6.12; 5.17); abnegação ininterrupta (Mt 16.24): renúncia a
tudo que interfere no seu ato de seguir após Cristo (Lc 14.33); rejeição de sua
própria sabedoria carnal em coisas espirituais (Mt 11.25,26); renúncia alegre
e voluntária à paz e tranqüilidade da vida (Mt 10.34; Lc 12.51); nenhum
apreço à estima do mundo (Mt 5.11; Lc 6.22; 1 Pe 4.14); desistência da amizade
e do amor ainda que do pai e da mãe, da irmã e do irmão (Mt 10.35-37; Lc
12.52,53); disposição para perder os seus bens terrenos. (1 Co 7.30; M t
19.21,22) Na verdade, ódio à própria vida. (Lc 14.26) O cristão que leva sua
cruz tem de combater incessantemente o bom combate da fé contra a própria
carne. (G1 5.24; C1 3.5; Rrn 6.6)
2. A estreita conexão (nexus indivulsus) entre o Cristianismo e a cruz. O
carregar a cruz está tão intimamente ligado à profissão cristã, que
todo aquele que recusa tomar sobre si e carregar a sua cruz não pode
ser considerado cristão fiel. (Mt 10.38,39; Mc 8.34,35; Lc 9.23,24,
57-62; Rm 8.17; Lc 14.25-35) As observações de Lutero sobre esse
assunto são realmente corretas. Escreve (S. L., 11, 467): "Quem não é
crucianus, por assim dizer, também não é christianus. Vale dizer: quem
não carrega a sua cruz, também não é cristão; porquanto não é
conforme ao seu Mestre Cristo."
Apesar disso, continua sendo verdade que o cristão não deve impor a
cruz a si mesmo (1 Pe 3.17: ei théloi to théleema tou theou 1:6: ei deon) nem aos
outros (Rm 13.10; M t 22.37-40); porque ele não sabe se a cruz escolhida é
salutar nem se Deus lhe concederá forças para a carregar. (1 Co 10.13) Lutero
denominou aqueles que impõem cruzes a si mesmos "santos das obras"
(Werkheilige) e 'mártires do diabo" (des Teufels Martyrer). Com isso, pretendia
dizer que, por eles quererem obter o céu mediante as suas cruzes, sofrem pela
instigação do diabo. (S. L., IX, 1130)
3. Como os cristãos devem considerar as suas cruzes. Porque carregar a cruz
é u m fardo doloríssimo para a carne dos renascidos, eles
frequentemente se equivocam sob a falsa impressão de que Deus os
trata com injustiça e crueldade, fazendo-os sofrer assim. Na verdade,
que os esqueceu ou até mesmo se converteu em inimigo deles. (LA
5.20; S1 13.1; Jó 30.21; 1s 49.14) Por esse motivo, alguns perdem, em
"horas de tentação", a sua fé e apostatam de Deus. (Lc 8.13) A
Escritura é, por conseguinte, bastante clara na eludição da verdadeira
natureza e finalidade do porte cristão da cruz. (Hb 12.6-11; 1 Co
11.32) O porte cristão da cruz é testemunho do Espírito Santo
(testimonium Spiritus Sancti externum) de que os santos de Deus não
A Doutrina da Santificação e das Boas Obras

pertencem ao mudo condenado, mas a Cristo e que são co-herdeiros


com ele, se padecem com ele em fidelidade. (Rm 8.16,17; 1 Pe 4.14;
M t 5.11,12) A sua cruz, pois, sempre aponta para a glória que há de
ser revelada neles. (Rm 8.18; 2 Ts 1.5-7; 2 Co 4.7,8)
É a insígnia (Lutero: Hoffarbe) dos peregrinos de Cristo que estão a
caminho do céu. (Lutero, S. L., XII, 718ss) Por esse motivo, devem realmente
regozijar-se do seu sofrimento por amor de Cristo (Mt 5.12; Lc 6.23), sabendo
que, assim como com ele padeceram, com ele também serão glorificados. (1
Pe 4.13; 3.14,15) Assim se alegraram os apóstolos em Jerusalém nas suas
perseguições (At 5.41) e, acima de todos, S. Paulo assim se alegrou nos seus
sofrimentos. (At 16.25; Rm 5.3)
Os cristãos podem regozijar-se de carregar a sua cruz tanto mais que
sabem que Deus não só acomodou a sua cruz à sua capacidade para carregá-
Ia, mas que também os auxilia a carregá-la. (1 Co 10.13; 1 Co 12.9) A cruz do
cristão individual, por conseguinte, nunca é demasiado pesada para ele; é-lhe
distribuída (partilhada) em misericórdia e proporcionada à medida de sua fé.
(2 Co 4.17)
4. Os benefícios do porte cristão da cruz. Tudo o que Deus destina aos seus
crentes na terra é de valor eterno. (Rm 8.28) Assim também a cruz
que os cristãos carregam é, para eles, de incalculável benefício. Aponta-
Ihes o céu (At 14.22); torna-os humildes perante Deus. (2 Co 12.7)
Ensina-lhes a confiança implícita na graça divina (2 Co 12.8,9);
fortalece-lhes a fé (1 Pe 1.6,7); impele-os à oração. (SI 18.6; 1s 26.16)
Crucifica a sua natureza corrupta e desfaz o corpo do pecado (Rm
6.6; 1 Pe 4.1); e desvia a sua vista do mundo presente, perecível, para a
vida futura, eterna e imperecível. (2 Co 4.18) Por meio de seu paciente
e fiel carregar da cruz, os crentes encorajam, também, outros a se manter
firmes nas suas tribulações e continuar na esperança das promessas
gloriosas do Deus vivo. (2 Co 1.6; 1 Ts 1.6,7) A lição da cruz gloriosa de
Cristo é mais bem ministrada por quem carregou vitoriosamente a própria
cruz. (2 Co 1.4; 12.10). (cf. Lutero, S. L., IX, 1131)
5. A força para carregar a cruz. Também o crente mais fiel não poderia
carregar a cruz, a ele imposta, com seu poder. (2 Co 12.7-9) O porte
paciente da cruz, por conseguinte, pressupõe sempre a graça divina
e dela necessita. (2 T m 18; 2 Co 4.7) Em especial, o cristão que leva
sua cruz obtém forças para carregá-la da graciosa certeza do perdão
de todos os pecados (Rm 5.1-5); de sua segura esperança da vida
eterna (Rm 8.18); de sua nova vida espiritual com Cristo em Deus
(C1 3.3,4) e das promessas gloriosas de Deus no sentido de graciosa
recompensa no céu. (Mt 5.12) Em resumo, de sua fé permanente,
santificadora no Cristo humano-divino, que o amou e se entregou
por ele. (C1 2.20)
Dogmática Cristã

Lutero observa que a pessoa que não está segura da vida eterna e não
guarda aquela bem-aventurada esperança (Tt 2.13) não pode ser submissa
nem paciente (S. L., IX, 956), ao passo que os cristãos, cuja convivência é no
céu, têm poder para regozijar-se mesmo nas suas maiores tribulações.
Lutero escreveu de São Paulo (S. L., XII, 717s): "Vede só como [Paulo]
dá as costas ao mundo e volta o rosto para a revelação futura, como se não
visse em parte alguma desgraça nem miséria, mas apenas pura alegria.
Realmente, embora as coisas nos andem más, diz ele, que é, afinal, o nosso
padecimento comparado à indizível alegria e glória que em nós há de ser
revelada< [...I Dessa maneira, São Paulo faz de todo padecimento na terra
uma gotícula e uma centelhazinha, mas daquela glória que devemos aguardar,
um mar infinito e uma fogueira. [...I Com isto que chama uma glória que há
de ser revelada, faz ver onde está o mal de se sofrer tão contra a vontade, a
saber, que a fé ainda é fraca e não quer enxergar dentro da glória oculta que
ainda há de ser em nós revelada. Pois que, se fosse uma glória que se tivesse
diante dos olhos, ah, que mártires primorosos, pacientes não seríamos!"
Lutero encerra esse belo parágrafo com o comentário oportuno que,
porque pela cegueira de nossa carne miserável e fraca, não podemos
compreender a grande, transcendente bondade e graça a que Deus nos chama,
ao pôr sobre nós as nossas cruzes cristãs, "é preciso que o Espírito Santo seja
nosso Mestre e deite este consolo no coração!" Todo cristão que carrega
verdadeiramente sua cruz concorda com isso. A menos que o Espírito Santo
nos conceda a graça para carregarmos a nossa cruz, jamais teremos forças
suficientes para carregá-la, nem mesmo a mais leve.
6. O porte cristão da cruz e o pecado do cristão. Em conexão com esse
assunto, suscitou-se a pergunta sobre se o pecado que ainda se apega
ao cristão também pode ser considerado parte da cruz que o mesmo
deve suportar. A resposta a essa questão é afirmativa, porquanto,
sempre que peca, o crente faz aquilo que abomina. (Rm 7.15) O
cristão fiel deplora sinceramente o fato de ser de tal forma "vendido
à escravidão do pecado" (Rm 7.14), que comete constantemente os
pecados que não quer fazer. (Rm 7.15) Ele roga fervor com fervor a
Deus que o livre "do corpo desta morte". (Rm 7.24) Por esse motivo,
os nossos dogmáticos dizem com razão que também a natureza má,
que está vendida sob o pecado (Rm 7.14-19), pertence à cruz que os
crentes devem carregar na vida presente. (cf. Lutero, S. L., XII, 735)

11.2. A VIDACRISTA
E A ORAÇAO
1. A conexão íntima (nexus indivulsus) entre a vida cristã e a oração.
Enquanto a pessoa continua em seu estado natural de pecado e ira,
teme e, por conseguinte, Foge também de Deus. (Hb 2.15; Gn 38)
A Doutrina da Santificação e das Boas Obras

Tão logo, porém, entre pela fé na nova vida espiritual, passa a


comungar com Deus. (Rrn 8.15) Essa comunhão do crente com Deus
chamamos oração.
A oração cristã foi, com justiça, definida como "comunhão do coração
crente com Deus". (SI 27.8) Embora as Palavras da boca não sejam necessárias
para fazer da "comunhão com Deus" uma oração (1s 65.24; Rrn 8.26,27), elas
não devem ser consideradas supérfluas. (At 7.59; 16.25)
Visto que a oração cristã é fruto da fé do crente na graciosa remissão
dos seus pecados por amor de Cristo, é contínua (1 Ts 5.17), porquanto o
coração regenerado, guiado e impelido pelo Espírito Santo, está habitualmente
voltado para Deus e, conseqüentemente, se acha em comunhão ininterrupta
com ele. (Rm 8.14,15)
Daí o cristão orar também quando não se dá conta de que o faz, o que
sucede, quando está ocupado e m seu trabalho ou quando, e m grande
tribulação se considera incapaz de orar. (cf. Lutero, S. L., IX, 922) Do modo
como o pulso natural lateja sem parar, enquanto há vida no corpo, assim
também o pulso da oração lateja constantemente, enquanto a pessoa tem
vida espiritual.
Lutero diz com acerto (S. L., VIII, 363): "Onde há u m crente, aí está
propriamente o Espírito Santo, que outra coisa não faz senão sempre orar.
Pois, mesmo que não mova a boca ou faça Palavras constantemente, ainda
assim o coração anda e lateja ininterrupto tal como no corpo o pulso e o
coração, com este lamento: Ah, Pai querido, que o teu nome seja santificado,
venha o teu Reino, seja feita a tua vontade entre nós e entre todos os homens,
etc. [...I De sorte que não será achado nenhum cristão que não ore, assim
como tampouco se achará uma pessoa viva sem pulso, o qual jamais pára,
sempre se move e lateja por si mesmo, ainda quando a pessoa durma ou faça
outra coisa, de forma a não se dar conta dele."
A singela divisão da oração em súplica e ações de graças é apropriada,
visto que também as intercessões que se devem fazer pelos governos e por
todos os homens (1 T m 2.1-3; Jr 29.7), pelos crentes (Ef. 6.18) e pelos incrédulos
e inimigos (M. 5.44; Lc 23.34; At 7.59), cabem debaixo do título súplicas. (cf.
Lutero, S. L., X, 2204)
2. O que a oração cristã pressupõe. A oração cristã pressupõe muito mais
que "o sentimento absoluto de dependência de Deus" (SchLeievmacher)
ou "fé na providência de Deus em geral'! (Ritschl). Até mesmo os
gentios percebem que dependem de u m ser supremo e, até certo
ponto, também têm fé numa divina providência. (At 7.23,26-28)
Paulo, contudo, afirma que as coisas que eles sacrificam, sacrificam-
nas aos demônios e não a Deus. (1 Co 10.20)
Dogrnática Cristã

Quando o cristão ora, dá-se uma comunhão íntima entre a criatura,


que é pó e cinza (Gn 18.27), pecadora e, por natureza, inimiga de Deus (Rrn
8.7; 5.8), e o soberano e majestoso Criador. (SI 5.1-7) Para que o pecador,
cego, morto e indigno por natureza, possa comungar com Deus tal como um
filho amado comunga com seu pai amado, é preciso que renasça. (Jo 3.5,6)
A oração cristã pressupõe sempre fé verdadeira em Cristo, ou seja, fé na
remissão graciosa de todos os pecados por amor de Cristo. Como orações
genuínas, as Sagradas Escrituras descrevem apenas as que se oferecem em
nome de Cristo. (Jo 16.23; 14.13,14) A oração genuína é a que provém da fé
em Cristo. (Jo 6.29; 14.6) Nenhuma outra oração pode ser dirigida a Deus
com verdadeira confiança. (Rm 5.1-5) A confiança é o característico
fundamental da oração cristã. (Tg 1.6, 7; Rrn 14.23) Lutero está com a razão,
quando diz (S. L., VIII, 362; IX, 922ss) que, fora do nome de Cristo, ninguém
pode apresentar uma oração (como são as orações dos turcos, judeus, monges
e hipócritas). Se uma oração é feita em nome de Jesus, até mesmo uma letra
é válida e agradável a Deus.
Também os gentios e todos aqueles, na Igreja visível, que rejeitam a
satisfação vicária de Cristo oram com certa seriedade e devoção, todavia essas
emoções religiosas provêm da natureza pecaminosa e não de fé verdadeira. O
seu autor (causa efficiens) não é o Espírito Santo, que sempre glorifica Cristo
naqueles em quem opera (Jo 16.14), mas o diabo, que "atua nos filhos da
desobediênciaJ'. (Ef 2.2) Ritschl condenou o seu próprio racionalismo (negação
da satisfação vicária de Cristo), ao dizer: "A oração a Deus como nosso Pai em
Cristo Jesus distingue a religião cristã de todas as demais."
A verdade dessa afirmativa é confirmada pelo estudo da religião
comparativa. Somente o Cristianismo ensina os seus seguidores a orar ao Pai
nos céus em nome do seu divino Filho, o qual, mediante a sua morte vicária,
obteve reconciliação para todos os pecadores. Todas as religiões que têm sua
origem na natureza depravada da pessoa, incutem a oração à base da justiça
do próprio pecador, ou seja, das boas obras. Logo, quem não ora em nome de
Jesus não sabe a quem orar nem como orar corretamente. As suas orações são
vãs repetições, ditas sem fé nem confiança, e nunca são atendidas. (Mt 6.7)
Isso é exato quanto às orações dos gentios (os moinhos de orações dos
budistas) e dos cristãos renegados (os rosários dos romanistas). Tão só o cristão
fiel ora em nome de Cristo, com perfeita confiança na graça divina por amor
de Jesus (Dn 9,16-19) e sem nenhuma confiança em seu próprio mérito ou
dignidade.
Todas as orações das lojas maçônicas, não-cristãs e anticristãs, as quais
negam a Santíssima Trindade e a divindade e satisfação de Cristo, são pagãs e
idolátricas e, como tais, uma abominação aos olhos de Deus. Para o cristão,
ser membro de semelhantes lojas maçônicas equivale a negar o divino Salvador
e a sua satisfação vicária e fazer grave ofensa aos cristãos professantes. O
A Doutrina da Santiflcação e das Boas Obras

cristão não pode, pois, estar filiado a uma loja maçônica sem pôr em risco a
salvação de sua alma.
Lutero escreve (S. L., VIII, 361ss): "Onde o Espírito da graça se acha
presente, ele faz com que também possamos e devamos, até mesmo com que
tenhamos de principiar a orar. [...I Pois que primeiro, antes de nos tornarmos
cristãos e crermos, não sabemos também que e como devemos orar. E posto
que a pessoa ore com o maior fervor visto exteriormente, não obstante, antes
da conversão, não está presente o Espírito da graça. [...I Não há, pois, nenhuma
fé na graça e misericórdia divina por Cristo, e o coração fica em constante
incerteza, de forma a não poder concluir que tenha sido, com certeza,
atendido. Ele quer tratar com Deus apenas à base de sua santidade ou da de
outrem, sem Cristo, como se Deus tivesse de humilhar-se perante ele e deixar
que a sua graça e ajuda lhe fossem por nós mesmos arrebatadas à força e
destarte fazer-se nosso devedor e servo; o que não significa ter merecido graça,
mas ira, e nem ter orado, porém antes ter escarnecido de Deus".
3. O que a oração cristã opera e dá. Visto que Deus, só por causa dos seus
santos, conserva o mundo, especialmente para que possam pregar o Evangelho
em testemunho a todas as gentes (Mt 24.14), e todos os cristãos fiéis oram
em perfeito acordo com a boa e graciosa vontade de Deus, a qual sustenta e
governa todas as coisas (1 Jo 5.14), podemos dizer que as suas orações
sustentam e governam (instrumentaliter) todo o universo. Essa doutrina,
expressa da Bíblia, nos assevera que todas as coisas que ocorrem no Reino do
poder e no Reino da graça são mediadas pela oração cristã.
Em particular, por causa da oração cristã "a Palavra do Senhor se
propaga". (2 Ts 3.1) Por meio dela, Deus abre aos seus fiéis "a porta à Palavra,
a fim de falarmos do mistério de Cristo". (C1 4.2-4; Ef 6.19,20) Por meio dela,
todos os ministros da Palavra são "livres dos rebeldes". (Rm 15.30-32) Por
meio dela, é mantida a paz no mundo. (Jr 29.7) Como resultado dela, os
cristãos levam uma vida tranqüila e mansa, com toda piedade e respeito (1
T m 2.1-3) e os piedosos são preservados dos ímpios. (S1 55.24; 2 Pe 2.7) Tudo
o que Cristo opera como causa efficiens, ele realiza por meio dos seus cristãos,
como também por causas instrumentais (causae instrumentales), segundo a
Escritura ensina. (At 1.8; 1 Co 3.9)
Lutero escreve sobre esse assunto (S. L., VIII, 350s): "Não se deve
segregar a cabeça dos seus membros, isto é, Cristo dos seus apóstolos e de
toda a cristandade. Cada cristão individual é pessoa como foi o próprio Senhor
Cristo na terra e realiza tão grandes coisas que pode, em assuntos divinos,
governar o mundo inteiro. Pode ajudar e ser de utilidade a cada um e pratica
as maiores obras feitas no mundo. Ele também é tido perante Deus em maior
conta que o mundo inteiro. Por causa dele, Deus dá e conserva ao mundo
tudo quanto possui. Se não houvesse cristãos na terra, nenhuma cidade e
nenhum país teriam paz; na verdade, num só dia, tudo o que há na terra seria
Dogmática Cristã

destruído pelo diabo. O fato de que no campo ainda crescem os cereais, e as


pessoas vão bem, têm mantimento, paz e proteção, podem agradecer tudo
isso aos cristãos. Certamente somos pobres mendigos, diz São Paulo em 2 Co
6.10, que, no entanto, enriquecemos a muitos; nada tendo, mas possuindo
tudo. Também é verdade: o que no mundo possuem os reis, os príncipes, os
senhores, os cidadãos, e os colonos não o possuem, como também Deus diz
a Moisés em Êx 7.1: 'Vê que te constituí como deus sobre Faraó, e Arão, teu
irmão, será teu profeta.' Por isso, os cristãos são verdadeiros ajudadores e
salvadores, até mesmo senhores e deuses de quem "te constituí como deus
sobre Faraó".
4. O que pede a oração cristã. Uma vez que, orando em nome de Jesus,
os cristãos oram em conformidade com a vontade de Deus, as suas
orações incluem todas as coisas que Deus mesmo quer e prometeu
dar-lhes. Essa é a razão pela qual Cristo disse: "Tudo quanto pedirdes
em oração, crendo, recebereis." (Mt 21.22; Mc 12.24; Jo 14.13,14;
16.23; Mt 7.7,8) Não se deve limitar o termo "tudo", mas tomá-lo
em toda sua pujança, visto que a vontade do cristão como nova
criatura em Cristo, coincide sempre com a boa e graciosa vontade de
Deus. Todavia, por ainda ser natureza pecaminosa, frequentemente
o cristão não deseja o que Deus quer. Como nova criatura, porém,
trata de reprimir a vontade da carne e elevar as suas orações a Deus
segundo o exemplo de Cristo: "Não se faça a minha vontade, mas a
tua." Assim como os cristãos reconhecem na Palavra de Deus a única
fonte e regra de sua fé, também só reconhecem a vontade de Deus
como norma de suas orações. (1 Jo 5.14)
Segue-se, a partir disso, a regra geral: Toda vez que pedem bênçãos
temporais, os cristãos oram condicionalmente. (Mt 26.39) Se, porém, pedem
bênçãos espirituais, oram incondicionalmente, porque Deus prometeu
conceder-lhes a sua graça, a remissão dos pecados, a vida e a salvação sob
qualquer hipótese. (2 Co 12.9)
As orações incondicionais por bênçãos terrenas cabem na esfera da fé
heróica (fides heroica). Contudo, não se deve tentar a oração heróica, a menos
que o crente esteja plenamente certo de possuir a fé heróica (cf. a súplica de
Lutero pelo restabelecimento da saúde de Melanchton).
De todas as orações, a melhor é o Pai-Nosso, porque nos foi dada por
nosso Senhor Jesus Cristo e compreende todas as necessidades espirituais e
corporais do crente. Diz Lutero: "Não se encontrará na terra oração mais nobre
que o Pai-Nosso, porque tem tão excelente testemunho que Deus o ouve com
verdadeiro prazer, o qual não deveríamos dar em troca dos bens do mundo."
São loucas as orações pelos cristãos falecidos. (1s 63.16; 1 Rs 8.39; At
10.25,26) São idolátricas (Mt 4.10) e blasfemas; realmente, são um insulto à
A Doutrina da Santiflcaçãoe das Boas Obras

graça perfeita de Deus adquirida pelos méritos de Cristo. (1 T m 2.2,6; 1 Jo


2.1,2; Rrn 8.31,32,34)
Enquanto que aos anjos não se devem oferecer orações (Ap 19.10;
22.8,9), a Cristo como Filho do homem, ou a Cristo segundo a sua natureza
humana, deve-se prestar honra divina por causa da unia personalis. (Mt
16.16,17)
Tanto se pode abusar das orações improvisadas como das orações que
se lêem dos livros de orações. Se estas estão expostas ao perigo de recitação
mecânica, aquelas estão sujeitas ao perigo de vã repetição: disso dá prova a
experiência. Sempre que ore, o cristão deve ter presente o fato de que se acha
em presença do santo, soberano Deus. (Dn 9.18)
A respeito das formas e cerimônias a serem observadas, quando o cristão
ora, podemos citar as diretrizes de Lutero como em pleno acordo com a Palavra
de Deus. Escreve Lutero (S. L., VIII, 748): "Não há muita importância em
que se fique de pé, se ajoelhe ou se prosterne, pois que são atitudes do corpo,
nem ordenadas nem proibidas, e não necessárias; como também outra mais:
levantar a cabeça e os olhos para o céu, enclavinhar as mãos, bater no peito;
todavia, que se não desprezem, porquanto a Escritura e o próprio Cristo as
louvam. (Ef 3.14; 1 T m 2.8; Jo 17.1) Embora também não seja proceder mal,
se alguém que esteja atando gavelas no campo ou se ache acamado, só orar
com o coração."

11.3. A VIDACRISTA
E A ESPERANÇA
DA VIDAETERNA
A vida é levada em constante e alegre expectativa d o segundo e
derradeiro advento de Cristo. (Tt 2.13) (cf. o grande sermão de Lutero sobre
essa passagem; S. L., IX, 930ss). Da maneira como os crentes no Antigo
Testamento esperaram a graciosa vinda de Cristo na carne (Lc 1.67-79; 2.29-
32), os cristãos em o Novo Testamento aguardam com verdadeira alegria e
paciência a sua gloriosa vinda para julgar os vivos e os mortos. (Lc 21.28)
Esta expectativa, toda alegria e esperança do dia do juízo são uma
característica do cristão fiel. (1 Co 1.7; T t 2.13; Fp 3.20) Segundo a Escritura,
os cristãos, por u m lado, "invocam o nome do Senhor Jesus Cristo"
(epikaloumenoi eis to ónoma kuriou Ieesou Christou) (At 9.14,21; 1 Co 1.2; 2 T m
2.22) e, por outro lado, "aguardam a revelação de nosso Senhor Jesus Cristo,"
(apekdechómenoi teen apokálypsin tou kuriou Ieesou Christou). (1 Co 1.7)
A preciosa certeza de sua perfeita salvação final pelo glorioso retorno
de seu Senhor motiva toda a vida dos cristãos e os faz diligentes na realização
das boas obras. (Mt 24.45s~;25.14) Tornam-se cautelosos e ponderados em
sua vida terrena (Tt 2.12-14); precavidos contra a segurança carnal (Mt
24.36ss), satisfeitos com sua peregrinação na terra. (1 Pe 2.11; Hb 13.14)
Acautelam-se no uso dos bens terrenos (1 Co 7.3,1) e são afáveis para com
Dogmática Cristã

todas as pessoas. (Fp 4.5) Estão prontos, a qualquer hora, para receber o Senhor
por ocasião de sua última vinda. (Mt 25.1s) São indiferentes para com as
tribulações de sua breve vida terrena (Rm 8.18); alegres ao carregar a sua cruz
(Rm 8.18; Lc 6.23; Mt 5.12; 1 Pe 2.12,13) e triunfantes na morte. (1 Ts 4.13-
18)
Em síntese, a encorajadora esperança do glorioso advento de seu Senhor
impele-os sempre a andar como é digno de sua sublime vocação em Cristo.
(Ef 4.1s; C1 1.10s; 1 Co 16.22; 1 Pe 4.7; Tg 5.8; Fp 4.5) Os cristãos devem
levar vida piedosa também com vistas à morte (Fp 1.21-23; S1 90.12); todavia,
principalmente toda a vida cristã é orientada pelo último advento de Cristo
com sua gloriosa salvação eterna (sub specie aeternitatis).
É bem verdade que, mesmo esperando o glorioso retorno de seu Senhor
e vivendo em razão dele, os cristãos não são perfeitos. Por isso, devem porfiar
pela perfeição dia após dia. Lutero chama esse porfiar, com muito acerto,
"uma arte cristã e verdadeira obra-prima" o cristão "dar as costas à vida presente
como a coisa que passa e ter continuamente diante dos olhos a vida futura
no além, ter dela firme e segura esperança como coisa que permanece, e onde
pertencemos".
Ele escreve: "Isso é corretamente ensinado, mas não logo aprendido,
corretamente pregado, mas não logo crido; primorosamente admoestado, mas
não facilmente seguido; bem dito, mas malfeito. [...I Ainda por cima, vem a
timidez nisto que sempre temos medo da morte, pomos luto e desfalecemos
quando as coisas nos vão mal. É isso um sinal de que não aguardamos como
devíamos a bem-aventurança."
Outra vez: "Quem não dirige nem prepara o seu coração para a vida
imperecível do além e se apega unicamente à vida temporal, perecível do
aquém, não entende o que seja Batismo, Evangelho, Cristo e fé. Não fomos
batizados para a vida do aquém, também não nos chamamos cristãos para
sermos cidadãos, colonos, padrões, peões, donas de casa, criados, para governar
e deixar que nos governem, para trabalhar e exercer a mordomia, mas para
isto fomos batizados e para isto ouvimos o Evangelho e cremos em Cristo,
para que abandonemos essas vocações em sua totalidade [..I e partamos deste
mundo para outra existência e vida, onde não há peão nem patrão, criada
nem dona de casa, esposa nem marido, mas onde somos completamente iguais
e um só em Cristo Jesus. (G1 3.28) Esta igualdade principia aqui, na fé, mas se
completa além em contemplação. [..I Para esta vida eterna somos batizados,
para isto nos redimiu Cristo com sua morte e sangue e para isto recebemos o
Evangelho."
Uma das perguntas mais importantes relacionadas com a vida cristã é a
que diz respeito à perseverança dos crentes na fé até o fim. (cf. Lutero, S. L.,
IX, 1807) O próprio nosso Salvador nos incita a considerar essa pergunta,
quando nos lembra a grande verdade que só "aquele, porém, que perseverar
até ao fim, esse será salvo". (Mt 10.22; 24.13) A ênfase nessas passagens
repousa no verbo perseverar, de sorte que as palavras de Cristo são exortação
seriíssima dirigida aos seus seguidores no sentido de eles perseverarem até o
fim.
Essa admoestação subentende que muitos não perseveram na fé, e isso,
por sua vez, sugere a ponderável pergunta: Como pode o crente perseverar na
fé até o fim< Em resposta a essa interrogação, as Sagradas Escrituras ressaltam
dois fatos vitais: 1) Todos os que perseveram na fé até o fim fazem isso
unicamente por divina graça, pois a perseverança cristã é obra da graça
onipotente de Deus. 2) Todos os que caem da fé fazem isso por culpa própria.
Só a rejeição proposital da Palavra de Deus por parte da pessoa e a sua maldosa
oposição à operacão do Espírito Santo na Palavra de Deus são a causa da
apostasia. Essas verdades precisam ser mantidas e defendidas frente ao
calvinismo e ao sinergismo.
a. Frente ao calvinismo. O calvinismo ensina com persistência que é
impossível, aos que já uma vez foram dotados de fé, perdê-la, mesmo
quando cometam crimes enormes (peccata enormia). Alegam que,
mesmo que o exercício da fé (exercitium fldei) possa cessar, a fé em si
não pode. Calvino: Tenendum est, quantumvis exigna sit ac debilis in
electis fldes, quia tamen Spiritus Dei certa illis arrha est ac sigillum suae
adoptionis, nunquam ex eorum cordibus deleri posse eius sculputuram.
(Inst,, 11, 2, 12)
A doutrina da inamissibilidade da fé é ensinada pelos calvinistas no
intuito de afastar a incerteza que o crente reformado individual deve sentir
com respeito ao seu estado de graça em vista do fato de não dever crer na
graça universal (gratia universalis).
Lutero, por outro lado, que afirmava a gratia universalis, ensinava,
também, a doutrina escriturística da amissibilidade da fé. (1 Co 10.12; Lc
Dogmática Cristã

8.13; 1s 1.2) Ensina a Confissão de Augsburgo (Art. XII, 8): "Condenam [...I os
que argumentam chegarem alguns, nesta vida, a perfeição tal, que não podem
pecar." Aqueles que eram acometidos de dúvidas quanto ao seu estado de
graça, Lutero os consolava com as graciosas promessas de Deus em Cristo
Jesus, reveladas e oferecidas a todos os pecadores no Evangelho (Tt 2.11), e
não com "experiência passada ou presente da presença e habitação de Cristo
no coração", conforme fazem os calvinistas.
Unicamente o método de Lutero é escriturístico; pois que o Evangelho não
só conforta realmente o pecador atemorizado, como ainda é o meio divino pelo
qual os que caíram da graça podem ser restaurados na fé em Cristo. (Rrn 10.17)
Não é preciso dizer que todo aquele que nega agratia universalis é incapaz
de consolar os pecadores desesperados com as graciosas promessas evangélicas.
Visto que ensinam a graça particular (gratia particularis), impossível que dêem
ao pecador individual certeza de que a graça de Deus lhe diz respeito. Graças
a uma feliz inconseqüência, a prática dos pregadores calvinistas é, muitas
vezes, melhor que a sua teoria.
b. Frente ao sinergismo. Do modo como a doutrina calvinista da
perseverança final é antiescriturística, também é a dos sinergistas.
Enquanto que os calvinistas negam a gratia universalis, os sinergistas
negam o sola gratia. Daí serem compelidos a induzir o pecador a basear
sua salvação, ao menos em parte, em sua própria dignidade. A declaração
de que "as boas obras são necessárias à manutenção da fé", declaração
que a Fórmula de Concórdia rejeita com tanta energia, é a verdadeira
expressão da cooperação sinergista. Constitui doutrina sinergista isto
que, como o pecador tem de entrar com a sua quota a bem de se tornar
cristão, assim também tem de cumprir com a sua parte para poder
perseverar na fé. Em última análise, o sinergismo ensina, de comum
acordo com o calvinismo, que a certeza cristã depende de alguma coisa
em seu próprio coração, quer seja a percepção da habitação de Cristo
(calvinismo) ou a sua boa conduta ou boas obras (sinergismo). Por
conseguinte, tanto o calvinismo quanto o sinergismo atribuem à pessoa
a capacidade para perseverar na fé até o fim.
Contrariamente a esse erro, as Sagradas Escrituras afirmam que o cristão
deve a sua perseverança exclusivamente à graça e ao poder de Deus. O
monergismo divino é, também, responsável pela conservação para a salvação.
(Fp 1.6; 1 Pe 1.5; Jo 10.28-30) A Escritura, conseqüentemente, toma a salvação
do crente de suas próprias mãos débeis e impotentes e a deposita na mão
onipotente, fiel de Deus. (1 Ts 5.24; 2 Ts 3.3)
Mesmo quando exorta os cristãos fiéis a operar a sua salvação com
temor e tremor, a Escritura, ao mesmo tempo, os certifica de que é Deus que
neles fiefetuatanto o querer como o realizar segundo a sua boa vontade". (Fp
A Doutrina da Perseverança
- - -

2.12,13) Daí não se poder empregar esta passagem em favor do sinergismo,


visto a última afirmação excluir em absoluto qualquer sinergia.
O vínculo entre os dois versículos está bem evidente. No primeiro, o
apóstolo dirige-se aos seguros e indiferentes, que relaxam a santificação; no
segundo, condena os espíritos farisaicos que, por sua enganosa confiança em
si mesmos, fazem a salvação depender de seu próprio poder de se santificar.
Realmente, essa autoconfiança ou autojustiça é a verdadeira razão pela qual
os crentes temporários perdem a sua fé. Foi assim que Pedro caiu da fé. Sua
deserção deu-se, porque acreditava ser capaz de maior fé e constância do que
os seus condiscípulos. (Mc 14.29) Nem mesmo a séria admoestação do Senhor
conseguiu quebrar a sua autoconfiança. (Mc 14.30) Pedro, assim, caiu em
virtude de sua própria autoconfiança pecaminosa. Não fora a graça divina,
jamais teria recuperado a fé. (Lc 22.32; Jo 21.15-17) O sinergismo, que ensina
semelhante autoconfiança, é, portanto, erro muito pernicioso; é doutrina
que, quando seguida coerentemente, conduz necessariamente à apostasia.
Em sua defesa do monergismo divino, Lutero afirmou corretamente contra o
sinergismo que a perseverança não depende da vontade do homem, mas da
graça sustentadora de Deus. (Perseverantia est non volentis hominis, sed
sustentatis Dei.)
Assim como o calvinismo não pode confortar o crente com a certeza
efetiva da salvação, também o sinergismo deixa de prover o cristão de um
fundamento adequado sobre o qual possa assentar, com segurança, a sua
esperança na vida eterna. A sua consolação restringe-se apenas às areias
movediças da própria dignidade do crente. Mas ai da pessoa que confia nisso!
(1 Co 4.4) Com efeito, quem confia nas próprias obras para a sua salvação,
caiu da graça (G1 5.4) e se acha debaixo da maldição de Deus. (G1 3.10) Por
outro lado, a verdade escriturística de que, mediante a fé, estamos guardados
na virtude de Deus para a salvação (1 Pe 1.5) confere ao cristão conforto
permanente mesmo em meio às mais duras provações. Isso porque ele sabe
que, nas mãos do Deus onipotente, a sua salvação está absolutamente segura.
A doutrina do sola gratia não só produz, como ainda fortalece e mantém a fé
cristã verdadeira.
Alguns teólogos sinergistas mantiveram que a graça e o poder divinos
de fato preservam a fé do cristão contra todos os inimigos externos, todavia
não de sua própria carne. (Meyer, Philippi) Essa pretensão é destituída de
fundamento bíblico. Quando Cristo certificou os seus discípulos de que
"ninguém os arrebataria da sua mão" (Jo 10.28,29), tal promessa incluía
certamente tanto o inimigo de dentro como o de fora. Do mesmo modo,
também as demais promessas da Escritura com respeito à perseverança são,
quanto ao seu objetivo, universais. (Fp 1.6; 1 Pe 1.3-5; 5.10; 2 Ts 3.3) Portanto,
o cristão fiel deve estar certo de que, assim como Deus nada omitiu a fim de
lhe preparar a salvação, também nada omite para que finalmente se adquira
Dogmática Cristã

essa salvação. A graça divina não se refere apenas à justificação e santificação,


mas também à perseverança do cristão para a salvação eterna.
As dúvidas a respeito da salvação emergem apenas quando as pessoas
confundem Lei e Evangelho, quando aplicam as passagens da Escritura que
se destinam à exortação contra a segurança carnal (1 Co 10.12; Rm 11.20)
aos pecadores penitentes que, na angústia dos seus corações, clamam pelo
conforto do Evangelho (Rm 7.24), ou quando incitam as almas desesperadas
a que se garantam a salvação com suas boas obras. Os pecadores penitentes
que anelam conforto não devem escutar outra mensagem senão a da graça
justificadora, santificadora e mantenedora de Deus. (Mt 11.28; 1s 55.1-3)
As advertências feitas nas Sagradas Escrituras contra o abandono da fé
(1 Co 10.12; Rm 11.20; Hb 3.12; etc.), reforçadas por exemplos de crentes
temporários (Saul, Demas), não colidem com a bendita declaração do
Evangelho de que Deus, por graça, manterá o cristão na fé até o fim (Fp 1.6),
mas, pelo contrário, a apóiam. Essas advertências pertencem à Lei e não se
deve abusar delas para anular as promessas do Evangelho. Embora ciente da
possibilidade de ficar reprovado (1 Co 9.27), São Paulo não estava convencido
de sua perseverança. (Rm 8.38,39; 2 T m 4.7) Deus nos adverte pela Lei contra
a deserção, a fim de que nos guardemos de segurança carnal, que destrói a
certeza da salvação, e nos atenhamos ao Evangelho, que confere e nutre a
certeza da salvação.
A preciosa verdade evangélica com respeito à certeza da salvação do
cristão não gera orgulho espiritual, mas fomenta a verdadeira humildade e
reprime a segurança carnal. Com o aumento da certeza da salvação do cristão
também se torna mais intensa a sua gratidão para com Deus e o seu zelo nas
boas obras, e isso são bênçãos divinas que o desespero e a segurança carnal
destroem.
Uma vez que aprouve a Deus conceder a sua graça às pessoas mediante
os meios da graça, fica evidente que o crente só perseverará na fé, se usar com
fidelidade os divinos meios da graça (a Palavra e os sacramentos). Os cristãos
que quiserem permanecer firmes na fé e seguros de sua salvação, têm de, por
conseguinte, habitar continuamente no Santo dos Santos, a divina Palavra,
onde Deus lhes oferece e confere graça constante e poder para permanecer
com Cristo em fé verdadeira. (Rm 1.16; 10.17; Jo 8.31,32,51) Ao emprego
diligente e consciencioso da Palavra de Deus deve unir-se, também, incessante
e fervorosa oração (Jo 16.23,24; M t 26.41; Ef 6.17,18; 1 Ts 5.17), visto que
Deus prometeu dar as suas bênçãos apenas aos que perseveram na oração.
(Lc 11.13; Tg 1.5,6; 4.2)
Com respeito à pergunta (crux theologortlm): "Por que não perseveram
todos os crentes na féC" (Cur alii, alii non;) - o teólogo cristão não dispõe de
outra resposta além da que é fornecida em Os 13.9. 0 s que perseveram na fé
A Doutrina da Perseveran~a

fazem isso por graça divina; os que caem da fé devem culpar-se de sua apostasia
(incredulidade; pretensa justiça própria; negligência ou rejeição maldosa dos
meios da graça). Estabelecendo-se um paralelo entre duas pessoas, tais como
Saul e Davi, Judas e Pedro, o teólogo cristão reconhece neste ponto u m
mistério que ele é incapaz de elucidar, visto que a própria Escritura não
responde à embaraçosa pergunta: Por que Saul pereceu na incredulidade e
Davi se arrependeu< ou: Por que Judas morreu no desespero e Pedro foi
redirnido da perdição<
O conselho da Fórmula de Concóudia sobre esse assunto é bíblico e
ortodoxo (Decl. Sól., XI,63): "Com referência aquilo, entretanto, que nessa
discussão remonta excessivamente o vôo, ameaçando transpor as balizas, é
dedo na boca, a exemplo de Paulo, e lembrar e dizer com ele: 'Quem és tu, ó
homem, para discutires com Deus<'" (Rm 9.20)
1. DEFINIÇÃODO TERMO
Para oferecer e transmitir aos homens os méritos que Cristo adquiriu
para o mundo por sua morte na cruz (2 Co 5.21; Rrn 5.18), Deus emprega
certos meios externos, visíveis, pelos quais o Espírito Santo opera e mantém
a fé e assim cumpre a salvação do pecador.
Esse é o claro ensinamento de nossas confissões. Assim escreve a Fórmula
de Concórdia (Decl. Sól., XI, 76): "O Pai, entretanto, não quer fazer isso sem
meios, senão que ordenou para esse fim sua Palavra e sacramentos como
meios ou instrumentos ordinários." Os Artigos de Esmalcalde (111, VIII, 3): "E
nessas partes, que dizem respeito à palavra falada, externa, é preciso
permanecer com firmeza nisso que Deus a ninguém dá o seu Espírito ou a
graça a não ser por intermédio da palavra exterior precedente ou com ela." A
Confissão de Augsburgo (Art. Vj 4): "Condenam-se os anabatistas e outros que
ensinam alcançarmos o Espírito Santo mediante preparação, pensamentos e
obras próprias, sem a palavra física do evangelho."
Os nossos dogmáticos definem os meios da graça como "media externa
a Deo ordinata, qtlibus Deus gratiaun a Christo acquisisitam hominibus offert et
fidem ad gratiam accipiendam necessariam in hominibus efficit et conservat". A
base da Bíblia, eles reconhecem como meios da graça ordenados por Deus
apenas a Palavra (o Evangelho) e os sacramentos, o Batismo e a Santa Ceia.
Esses dois como a palavra visível (Verbum visibile).
Segundo as Escrituras, esses meios, divinamente ordenados, têm uma dupla
função ou poder, a saber: a) Um poder que apresenta, oferece e confere (vis
exhibitiva dativa, collativa) e b) Um poder eficaz ou operativo (vis effectiva sive
operativa). O primeiro consiste em que, pelos meios da graça, o Espírito Santo
oferece a graça de Deus (Dei favor) e a justiça de Cristo (meritum Christi) aos que
ouvem ou lêem a Palavra. O segundo que, pelos meios da graça, ele opera, fortalece
e mantém, nos corações das pessoas, uma fé viva na graciosa remissão dos seus
pecados, de sorte que são convertidos, justificados, santificados e, finalmente,
glorificados. Por esse motivo, chamamos com razão os meios da graça media
communicationis remissionis peccatorum sive iustifiationis ex parte Dei.
Essa doutrina dos meios da graça foi corrompida pela razão humana
presunçosa de dois modos. Por um lado, declarou que os meios da graça são
desnecessários à salvação (zwinglianismo: O Espírito Santo não requer veículo
A Doutriiza dos Meios da Graça
- -

para as suas operações divinas). Por outro, acrescentou aos dois sacramentos
ordenados por Cristo sacramentos adicionais (romanismo: penitência,
confirmação, matrimônio, ordenação dos sacerdotes, extrema-unção). Em
última análise, toda perversão da doutrina dos meios da graça faz-se em
proveito da doutrina da justiça pelas obras.

2. Os MEIOSDA GRAÇAEM GERAL


Só se entenderá corretamente a doutrina dos meios da graça, quando
considerada à luz da obra salvífica de Cristo (satisfactio vicaria) e da justificação
ou reconciliação objetiva (2 Co 5.19,20), que ele adquiriu por sua obediência
substitutiva (satisfactio vicaria). Corrompidas essas duas doutrinas
(Calvinismo: negação da gratia universalis; sinergismo: negação do sola gratia),
também se perverterá a doutrina bíblica dos meios da graça. Assim, o
calvinismo considera desnecessários os meios da graça. O racionalismo
sinergista (arminianismo) os considera meros incentivos para esforços virtuosos
no sentido de obter a salvação. Portanto, se é para a doutrina dos meios da
graça ficar intacta, toda a doutrina da redenção vicária de Cristo terá de ser
ensinada em sua verdade e pureza escriturísticas. Isso se torna evidente,
quando estudamos a doutrina dos meios da graça detalhadamente.
De acordo com as Escrituras Sagradas, o meio da graça proeminente é a
Palavra da reconciliação (2 Co 5.19) ou o Evangelho de Cristo. (Rrn 1.16) A
Lei divina, a imutável vontade de Deus, embora em si mesma não menos
Palavra de Deus inspirada que o Evangelho, não obstante não é meio da graça,
visto oferecer ao pecador somente ira e condenação (G1 3.10), e não graça e
remissão dos pecados. Ela é contrária ao Evangelho, que é uo ministério da
justiça". (2 Co 3.9) A Lei é "o ministério da condenação". (Ibid.)Por esse
motivo, com razão, a Lei divina é excluída dos meios da graça.
O Evangelho é meio da graça, não apenas porque oferece graça ao pecador,
mas também porque o absolve de todos os pecados. Diz Lutero muito
corretamente: "O evangelho é uma absolvição geral; porquanto é uma
promessa que, por ordem e mandamento divinos, todas as pessoas em geral e
cada um em particular devem aceitar." (S. L., XXI b, 1849)
Além disso, o Evangelho é verdadeiramente u m meio da graça em
qualquer forma com que for apresentado ao pecador, não vindo ao caso se é
pregado publicamente (Mc 16.15,16; Lc 24.47), ou se é lido. (Jo 1.3,4) Também
se é pronunciado diretamente como absolvição, pública ou particularmente
(Jo 20.23; 2 Co 2.10: "A quem perdoais alguma coisa, também eu [...In), ou
expresso mediante um símbolo (Jo 3.14,15; crucifixo), ou se é considerado
no coração. (Lc 2.51; Rm 10.8) Em síntese, não importa como o Evangelho se
apresenta ao espírito das pessoas, sempre é verdadeiramente um meio da graça,
que Ihes oferece e confere a graça de Deus pela fé em Cristo Jesus.
Dogmática Cristã
- --

Alguns teólogos modernos argumentaram que o Evangelho só seria


eficaz, quando proclamado ou pregado. (A escola de Dorpart; Volck, etc.)
Todavia, a passagem em que baseiam a sua argumentação (Rm 10.17) não
apóia a sua alegação, visto que as palavras "pelo ouvir" (ex akoees) não excluem
outras modalidades de se receber a Palavra de Deus. (Jo 20.31; 1 Jo 1.4) A
Palavra de Deus é sempre eficaz, quando aplicada, porque é Espírito e vida.
(Jo. 6.63) Nossos velhos dogmáticos dizem prudentemente que a Palavra é
dotada de eficácia de maneira sobrenatural, que possui força ou poder ativo,
sobrenatural e divino para produzir efeitos sobrenaturais, isto é, para converter,
Fazer renascer e renovar o entendimento humano. (Doctr. Theol., p.501)
Esse poder sobrenatural, que não deve ser comparado à força natural
inerente a cada palavra humana e, em especial, a cada peça oratória humana
eloqüente, é sempre inerente à Palavra divina, porque o Espírito Santo se acha
indissoluvelmente unido à mesma, de forma que jamais devemos considerar a
Palavra divina como se estivesse destituída de eficácia divina ou como se Fosse
em si mesma u m "instrumento morto" que o Espírito Santo empregasse
eficazmente apenas em determinadas circunstâncias, sempre que lhe aprouvesse.
Pelo contrário, onde quer que a Palavra divina esteja, aí se acha também
o Espírito divino. Sempre que a pessoa emprega a Palavra de Deus, seja em
que forma for, Deus é nela divinamente operativo. (1 Co 2.4) A operação de
Deus na pessoa que lê a Palavra escrita, não é, portanto, ['operação à distância"
(actio in distantia), mas operação que é diretamente medida pela Palavra divina
(Rm 10.17): O próprio Cristo nos ordena a não só ouvirmos o Evangelho, mas
também "examinarmos as Escrituras" (Jo 5.39,46), afirmando a eficácia da
Palavra, também quando lida.
Com respeito à eficácia da Palavra divina e do poder do Espírito Santo,
que opera mediante a Palavra, escreve Quenstedt (I, 183): "O Espírito Santo
não faz por própria conta uma coisa nem a palavra de Deus faz por própria
conta outra coisa, mas produzem um mesmo efeito por uma e a mesma ação."
Isso é doutrina escriturística. (Rm 1.16; 1 Co 2.4)
Visto que Deus prendeu ao Batismo e à Santa Ceia a sua graciosa
promessa de perdão, também esses são meios da graça reais e eficazes, a saber,
em virtude das promessas divinas que a eles vêm presas.
Acerca do Batismo, a Escritura ensina expressamente que é "para
remissão dos vossos pecados", eis áphesin hamartioon (At 2.38), e para "lavar
os pecados", apolousai hamartias. (At 22.16; Ef 5.26; 1 Co 6.11)
Na Santa Ceia, Cristo oferece aos comungantes o corpo e o sangue
dado e derramado para remissão dos pecados (Lc 22.19,20; M t 26.26-28), de
maneira que, t a m b é m nesse sacramento, contamos com o gracioso
oferecimento divino do perdão por amor daquele que morreu e derramou o
seu sangue em resgate dos pecadores.
A Doutrina dos Meios da Graça

Porque os atos sagrados do Batismo e da Santa Ceia, aos quais vêm


presas as promessas divinas, podem ser perceptíveis à vista, chamam-se "Palavra
visível" (Verbum visibile), ou seja, "sacramentos".
A Apologia elucida essa expressão corretamente ao dizer (XIII, 4 e 5):
"Esses ritos têm mandamento de Deus e promessa da graça, a qual é própria
do Novo Testamento. Pois os corações devem crer com segurança que Deus
verdadeiramente nos perdoa por causa de Cristo quando somos batizados,
quando comemos o corpo de Cristo, quando somos absolvidos. [...I Assim,
porém, como a Palavra entra nos ouvidos para tocar os corações, assim o rito
entra nos olhos a fim de mover os corações. O mesmo é o efeito da Palavra e
do rito, como claramente disse Agostinho: que o sacramento é palavra visível.
porquanto o rito é recebido pelos olhos e é como que pintura da palavra,
significando o mesmo que a palavra."
Para podermos compreender corretamente a doutrina dos sacramentos,
temos de considerar que todos os meios da graça têm a mesma finalidade e
efeito; vale dizer, por um lado, oferecem aos homens a graciosa remissão dos
pecados da parte de Deus (vis collativa); por outro lado, geram e fortalecem a
fé (vis effectiva).
O perdão divino anunciado no Evangelho é, por conseguinte, o mesmo
que o perdão oferecido e transmitido pelo Batismo ou pela Santa Ceia, de
sorte que não obtemos um terço do perdão de Deus pelo Evangelho, outro
terço pelo Batismo e o último terço pela Santa Comunhão. A Escritura descreve
expressamente o perdão inteiro dos pecados que Deus tenciona dar aos
pecadores por amor de Cristo como sendo mediado pelo Evangelho (Rm 1.16),
ou pelo Batismo (At 2.38; 22.16), ou ainda, pela Santa Ceia. (Mt 26.28)
Em síntese, seja qual for o meio por que Deus ofereça a graça aos
homens, sempre oferece a sua graça inteira e não apenas parte dela, de forma
que cada meio da graça instituído por Deus transmite ao cristão o seu perdão
completo com vida e salvação. Diz a Confissão de Augsburgo (V, 1 e 2): "Para
que alcancemos essa fé, foi instituído o ministério que ensina o Evangelho e
administra os sacramentos. Pois, mediante a Palavra e pelos sacramentos,
como por instrumentos, é dado o Espírito Santo, que opera a fé, onde e quando
agrada a Deus." Por isso mesmo, é antiescriturístico atribuírem-se aos diversos
meios da graça funções específicas em sentido exclusivo, como, por exemplo,
ao Batismo a operação do renascimento, à Santa Comunhão a implantação
do corpo da ressurreição, ou mesmo benefícios corporais.
É verdade que as Sagradas Escrituras realmente atribuem ao Batismo o
poder do renascimento, pois que chama esse sacramento "lavar regenerador e
renovador do Espírito Santo". (Tt 3.5) Todavia, atribui a mesma regeneração
também ao Evangelho. (1 Pe 1.23: "Sendo regenerados pela palavra de Deus"),
e também à Santa Comunhão (Mt 26.28: "Isto é o meu sangue, derramado
Dogmática Cristã

para remissão de pecados.") A Santa Ceia é a graciosa certeza do perdão dos


pecados que opera a regeneração. A Confissão de Augsburgo (XIII) ensina,
portanto, que aos sacramentos foram instituídos não apenas para serem notas
de profissão entre os homens, porém, mais, a fim de serem sinais e
testemunhos da vontade de Deus para conosco, propostos para despertar e
confirmar a fé nos que deles fazem uso", o mesmo que o próprio Evangelho.
(cf. Ap, XIII, 3-5)
Todos quantos neguem que os sacramentos ofereçam ao pecador a
mesma graça e perdão que lhe são estendidos no Evangelho, pervertem a
doutrina das Escrituras dos meios da graça e, em particular, a dos sacramentos.
0 s que atribuem aos sacramentos menor graça ou graça parcial, fazem isso
no interesse calvinista de reduzir o valor dos sacramentos. ("Os sacramentos
são meros sinais ou reminiscências.") Aqueles que Ihes atribuem "operação
física" fazem no interesse do erro romanista de operação destituída de fé, ou
seja, ex opere operato, sine bono motu utentis.
Segundo o conceito calvinista, os meios da graça não são necessários à
salvação. Segundo a opinião papista, os sacramentos não requerem meio
receptor (medium leeptikón) da parte do pecador, visto que a graça é infundida
por mero contato físico dos sacramentos. Ambos os erros corrompem a
doutrina confortadora da Escritura acerca do divino modo de aplicação ao
pecador do perdão dos pecados que Cristo obteve para ele mediante a sua
perfeita obediência. O calvinismo substitui o modo escriturístico (mediante
meios, pela fé) pelo modo da fé sem os meios de humana feitura (a fé por
operação divina mediata), enquanto que o romanismo o substitui pelo modo
dos meios sem a fé inventados pelos homens (operação por contato frsico, ex opere
operato).
Em ambos os casos, a aplicação divina do perdão dos pecados (pelos
meios da graça, mediante a fé) é obstruída pelos empecilhos de origem humana.
No primeiro caso, os meios concessores de Deus (media dotika) são removidos.
No segundo, a fé, o meio receptor do homem (medium leeptikón) é afastado,
de sorte que em nenhum desses casos o perdão de Deus é recebido pelo
pecador.
Se, apesar desses erros, crentes reformados e papistas recebem o perdão
dos pecados, isso se dá unicamente porque, pela graça de Deus, retificam a
sua teoria antiescriturística com prática escriturística. Em outras palavras, o
crente reformado, apesar do falso ensino calvinista, atém-se fiel aos meios da
graça, fazendo uso deles, ao passo que o crente papista, a despeito da perniciosa
doutrina do ex opere operato, confia nas graciosas promessas que lhe são
transmitidas nos meios da graça. (cf. a Apologia, XIII WII], 18-23)
Ao considerarmos a relação entre a fé e os meios da graça, recordamos
que a fé não é parte essencial dos meios da graça, tampouco a sua eficácia
A Doutrina dos Meios da Graça

depende da fé. A bem-aventurada promessa dos meios da graça permanece


sempre em pé, e o seu poder continua intacto apesar da incredulidade do ser
humano. Todavia, os meios da graça e a fé são correlativos. Diz a Apologia
(XIII, 20): "Inútil a promessa a menos que recebida pela fé." Temos de manter
essa verdade frente aos reformados. (cf. Hodge: "A eficácia dos sacramentos
não é devida à sua virtude inerente, mas é condicionada à presença da fé no
recipiente." (Syst. Theol., 501) Hodge deveria ter dito: "Os sacramentos não
têm proveito sem fé, visto que a fé é o meio receptor das suas promessas e
bênçãos."
Se for feita a pergunta: "Por que teria Deus ordenado tantos meios da
graça, quando um só basta para conferir ao pecador a sua graça e remissãot"
- citamos a resposta de Lutero, que escreve (Os Artigos de Esmalcalde, IV): "O
evangelho dá conselho e ajuda contra o pecado, não de uma só maneira, pois
Deus é muito rico em sua graça. Primeiro mediante a palavra falada, em que
é pregada remissão de pecados em todo o mundo. Esse é o ofício próprio do
Evangelho. Em segundo lugar, pelo Batismo; em terceiro pelo santo Sacramento
do Altar; em quarto mediante o poder das chaves, e também per mutuum
colloquium et consolationem fratrum. Mt.18.20: "Ubi duo fuerint congregati", etc.
A exposição escriturística de que "Deus é muito rico em sua graça"
deve induzir-nos a considerar e usar, com gratidão, todos os meios da graça
com igual apreço e preservar-nos de perverter a doutrina dos meios da graça,
opondo um ao outro ou negando a necessidade de um ou de todos. Também
na corrupção da doutrina dos meios da graça, a razão humana presunçosa
revela a sua cegueira e perversidade profundamente arraigadas.
Quanto ao número dos sacramentos, não pode haver controvérsia entre
os teólogos, enquanto se ativerem à Escritura como única regra de fé. Se, pelo
termo sacramento, entendemos um ato sagrado em que o mandamento e a
promessa divinos estão unidos a sinais ou elementos visíveis prescritos pelo
próprio Deus, há somente dois sacramentos, a saber, o Batismo e a Santa
Ceia. A esses dois atos sagrados restringir-se-á o termo sacramento, pois do
contrário, a confusão será inevitável.
Os "sacramentos" adicionais das Igrejas Católicas Romana e Oriental
(confirmação penitência, ordenação dos sacerdotes, mgrimônio,
_+.. -- extrema-
----i-"-
-n-áó~á'o ordenados 6 ~ s c r i t u Em
g sua forma (a penitencia
católica, por exemplo, não é o arrependimento escriturístico). São "preceitos
de homens" (Mt 15.9) e, portanto, "vã adoração". O matrimônio, que é
igualmente um "sacramento católico", foi, na verdade, instituído por Deus,
mas ao mesmo só vem presa a promessa de procriação (Gn 1.28), e não a de
perdão dos pecados.
Em conclusão, podemos dizer que, uma vez que o termo sacramento é
vox ágraphos, ou apenas um termo eclesiástico (vox ecceleciastica), não será
Dogmática Cristã

levado a mal, se doutores ortodoxos que se atenham ao princípio da Escritura


(vrincipium cognoscendi) ocasionalmente empregarem a expressão em sentido
mais amplo, como, por exemplo, faz a Apologia (XIII, 4ss): "São, portanto,
verdadeiramente sacramentos o Batismo, a Ceia do Senhor e a Absolvição,
que é o sacramento da penitência."
Nesse emprego lato, o termo compreende "os ritos que têm o
mandamento de Deus e aos quais se acrescentou a promessa da graça". (Ibid.,
3) Em outras palavras, os elementos terrenos visíveis, divinamente prescritos
(água, pão e vinho) não são, nesse caso, considerados parte essencial de um
sacramento. Visto que a absolvição tem o mandamento como a promessa
divina, pode-se chamar sacramento em sentido lato.
Para evitar confusão, entretanto, nossos dogmáticos desencorajam o
emprego do termo sacrainento neste caso e, conseqüentemente, só falam de
dois sacramentos, a saber, o Batismo e a Santa Ceia. Assim também falam as
nossas confissões toda vez que empregam o termo em sentido restrito, no
seu verdadeiro sentido.

3. DOUTRINAS ACERCA
ERRONEAS DOS MEIOS
DA GRAÇA
A doutrina escriturística dos meios da graça tem sido pervertida de
maneira crassa pelos romanistas, calvinistas e racionalistas sinergistas
(arminianos). Em atenção à importância do assunto, passaremos a considerar
detalhadamente os seus erros que mais se destacam:
a. O erro do romanismo. O romanismo realmente ensina que Cristo, por
sua morte, adquiriu a graça para os pecadores. Logo, rejeita de modo
enfático a doutrina de que o pecador se possa justificar e salvar "sem
a graça divina por Cristo". (Concílio de Trento, Sess. VI, Câns.
1.2.3.10.22) De acordo com a doutrina papista, essa graça divina,
adquirida por Cristo, destina-se a todas as pessoas, de forma que o
Concílio de Trento repudia sem reserva a graça particular (gratia
particularis) do calvinismo. (Sess. VI, Cân. 17)
Em vista desses fatos, a Igreja Católica Romana deveria defender a
doutrina luterana da justificação pela graça mediante a fé na satisfação vicária
de Cristo; contudo Roma anatematizou essa doutrina fundamental da Igreja
Cristã.
A fim de compreendermos tal atitude, cumpre-nos recordar o que os
teólogos católico-romanos entendem pelos termos "graça-divina", "graça
justificadora", etc. Segundo a doutrina papista, Cristo morreu pelos pecados
do mundo para que Deus, por infusão, possa introduzir no pecador (com sua
própria cooperação constante) tanta graça que o mesmo seja capacitado a
merecer a justificação e a salvação (Concílio de Trento, Sess., VI, Câns. 4.32),
A Doutrina dos Meios da Graça

seja de congruo (desejando o bem e por ele porfiando) ou de condigno (efetuando


realmente obras meritórias). Em outras palavras, conforme a doutrina católico-
romana, Cristo adquiriu graça para os pecadores em tão grande quantidade,
que os mesmos, por graciosa assistência divina (infusão de poderes divinos),
estão em condições de se salvar a si mesmos.
Decorre daí que, segundo a doutrina católico-romana, os media gratiae
não seriam meios designados por Deus mediante os quais ele oferece e
transmite ao pecador, pela fé, a inteira obediência de Cristo, mas, pelo
contrário, meios pelos quais o pecador seria, pela graça infusa, deixado em
situação de poder adquirir a salvação por seus próprios esforços. Dessa maneira,
se perverte a inteira doutrina dos meios da graça em favor da justiça das
obras.
Entretanto, como a confiança em obras sempre deixa o pecador na
incerteza quanto ao seu estado de graça e salvação (e semelhante incerteza
Roma declara uma virtude cristã especial, Concílio de Trento, Sess. VI, Cap.
9, 13), multiplicou-se o número de "sacramentos" (confirmação, penitência,
ordenação, matrimônio, extrema-unção), assim que o pecador pode, por meio
de muitos "sacramentos", receber o máximo de gratia infusa e, dessa maneira,
multiplicar as obras para a salvação. (Concílio de Trento, Sess. VII, Câns. 3.4)
Especialmente o "sacramento da penitência" é destinado à produção de
boas obras em grande escala (cruzadas, peregrinos, nações, indulgências,
monasticismo, etc.). Com efeito, não há limites para as boas obras que o
católico pode fazer com o uso diligente do "sacramento da penitênciaJ'. Apesar
de todas essas obras, porém, jamais poderá estar seguro da salvação. Disso
resulta que a sua vida cristã fica sendo uma luta perpétua pela salvação por
meio de boas obras. Mesmo os sacramentos não lhe podem trazer conforto
nas suas aflições de pecado; pois, ainda que se diga que "infundam graça", e
isto ex opere operato, sine bono motu utentis (de si mesmos, sem qualquer boa
intenção de parte dos recipientes), não conferem perdão dos pecados, vida
nem salvação. É, pois, a doutrina romanista dos sacramentos uma perversão
radical da doutrina escriturística dos meios da graça.
b. O erro do calvinismo. Uma vez que o calvinismo nega a gratia
universalis e insiste em que a graça de Deus em Cristo Jesus seja
particular (gratia particularis), isto é, destinada e restrita a um número
limitado de pessoas (os eleitos), é obrigado a ensinar que não há
verdadeiros meios da graça para os não-eleitos. Ao contrário, para
todos quantos Deus predestinou para condenação eterna, os meios
da graça se convertem em "meios de condenação", conforme assevera
Calvino. "Est universalis vocatio, qua per externam Verbi praedicationem
omnes periter ad se invitat Deus, etiam quibus eam in mortis odorem et
gravioris condemnationis materiam proponit." (Inst., 111, 24. 8)
Dogmática Cristã
-

É verdade que Calvino atribui a condenação dos não-eleitos também à


sua própria rejeição da graça divina, que Ihes é oferecida na "vocação universal"
de Deus por meio da pregação da palavra externa. Contudo, esta é uma das
muitas inconseqüências da soteriologia calvinista. Na realidade, segundo a
opinião calvinista, não há graça para os não-eleitos. Eles não têm oportunidade
para a desprezar ou rejeitar. Escreve ele: "Tão-só o eleito percebe o poder
interno do Espírito e recebe, em aditamento aos sinais externos, também a
res ou virtus sacramenti." (Inst., 111, 24:15; Consens. Tigur., c. 16)
Não há, segundo Calvino, graça salvadora para os não-eleitos, embora
vez que outra culpe os reprobi e impii de rejeição da graça divina. No caso de
Calvino, essa maneira de falar não passa de repetição destituída de sentido da
linguagem do cristianismo ortodoxo, o qual, com razão, fala de uma rejeição
da graça divina por parte dos improbi e impii, visto que ensina, à base da
Escritura, que a graça divina é universal e, por conseguinte, a vocação divina
para a salvação é séria. Só se pode rejeitar a graça, quando sinceramente
oferecida a todos (vocatio seria), conforme os nossos dogmáticos sempre
fizeram ver.
Entretanto, em última análise, o calvinismo não reconhece meios da
graça nem mesmo para os eleitos. Calvino aconselha o crente a não julgar a
sua eleição e salvação de acordo com a vocação universal do Evangelho (vocatio
universalis), que é estendida mediante a Palavra externa (per externam
praedicationem), mas somente de acordo com a vocação especial (vocatio
specialis), que consiste na iluminação interna pelo Espírito Santo. Segundo o
modo de ver estritamente calvinista, essa diretriz é bem coerente, porque
mesmo os crentes verdadeiros não ousam estruturar a sua esperança sobre a
vocação e promessa da palavra; pois que esta também é estendida aos não-
eleitos como "cheiro de morte para morte" e pode enganá-los.
Conseqüentemente os pii e electi reformados não dispõem de outro meio de
ajuizar da sua eleição e salvação além do da iluminação interna do Espírito
Santo (interior Spiritus illuminatio), ou o da graça infusa.
No entanto, mesmo essa iluminação interna do crente, segundo a idéia
calvinista, não sucede pela pregação do Evangelho, porém de forma imediata.
("Na operação da regeneração, excluem-se todas as causas segundas." - "A
infusão de uma nova vida na alma é obra imediata do Espírito." - [R verdade
[o evangelho] assiste a obra da regeneração. Não é, porém, o meio pelo qual a
mesma se efetua.") (Hodge, Syst. Theol., 11, 684s)
Decorre daí que o calvinismo não pode reconhecer nenhum meio da
graça pelo qual Deus oferece e sela às pessoas a salvação e gera fé ou opera a
regeneração. Em outras palavras, o calvinismo tem de rejeitar os meios da
graça como "causas segundas" ou meios pelos quais se efetue a regeneração.
A sua negação da gratia universalis, conseqüentemente, destrói a doutrina
escriturística dos meios da graça, não deixando qualquer sinal nem
A Doutrina dos Meios da Graça

testemunho (signa et testimonia) da graciosa vontade de Deus para com o


pecador pelos quais a fé é criada e fortalecida.
O calvinismo fala da Palavra e dos sacramentos também como "sinais",
"símbolos", etc., da graça divina (signa, symbola, tesserae, sigilla; Conf: Helv.,
11, c. 19; Conf:Belgica, Art. 33). Enquanto, porém, sustenta que a graça divina
é particular e que os mesmos sinais podem ser "sinais de salvação" e "sinais
de condenação7', o crente é obrigado a continuar, para sempre, em dúvida
quanto ao seu estado de graça, uma vez que não pode determinar se o signum
ou sigillum quer, no seu caso, dizer salvação ou condenação. Vê-se daí forçado
a depositar a sua esperança de salvação na interior illuminatio, ou seja, na
iluminação interna do seu coração; e isso, afinal, nada mais é que gratia infusa.
O caso, porém, é ainda mais grave. A negação calvinista da graça
universal e da doutrina bíblica dos meios da graça destrói também a doutrina
bíblica da fé salvadora e da graça salvadora. A fé que não se fia apenas nas
graciosas promessas do Evangelho não é fé verdadeira no sentido escriturístico,
mas somente pura imaginação (Einbildung). De acordo com o expresso ensino
da Bíblia, a fé salvadora é gerada pela pregação do EvangeIho e consiste,
essencialmente, em confiança nas promessas evangélicas. (Rm 10.17; Mc
1.15; 16.15,16) Qualquer outra espécie de confiança é crédito num
fundamento de feitura humana e, portanto, fé fictícia.
Exatamente nesse ponto, o calvinismo e o romanismo se unem em
repúdio à doutrina escriturística da fé salvadora. O romanismo, em virtude
de sua rejeição do sola gratia, é forçado a confiar para a salvação na graça
infusa (gratia infusa, isto é, santificação, boas obras). O calvinismo, em virtude
de sua rejeição da gratia universalis, é igualmente compelido a confiar na
santificação para segurança da salvação (inteuior illuminatio). O romanismo
comete o erro de sustentar que a graça divina é introduzida no crente por
infusão ex opere operato, ou seja, sem fé da parte da pessoa. O calvinismo
comete o erro igualmente grave de ensinar que o Espírito Santo opera a
regeneração ou a fé de modo imediato, ou seja, sem os meios da graça. O
afastamento da Escritura é evidente em qualquer desses casos e,
coerentemente mantido, torna impossível a fé salvadora, visto que lhe põe
falso fundamento, sc. gratia Dei in nobis, ou seja, o coração santificado.
Todavia, a fé salvadora e a graça salvadora são correlativas. Quem perverte
uma vê-se constrangido a perverter também a outra. Assim como o romanismo
e o calvinismo pervertem a doutrina da fé salvadora, fundamentando a fé
numa boa qualidade dentro da pessoa, também pervertem a doutrina da graça
salvadora (gratia salvifica). Ambos não consideram a graça salvadora uma
graciosa disposição de Deus para com o pecador por amor de Cristo (Dei favor
gratuitus). Pelo contrário, consideram graciosa operação santificadora de Deus
no coração, conhecida num caso como gratia infusa (romanismo) e no outro
como interior illuminatio (calvinismo).
DogmÁtica Cristã

Isso é verdade, apesar do fato de muitos teólogos reformados declararem


expressamente que o objeto da confiança do pecador é o Dei favor gratuitis. O
que ensinam em teoria desdizem na prática, especialmente toda vez em que se
vêem obrigados a confortar o pecador que teme pelo seu estado de graça. Porque
negam a graça universal e a reconciliação objetiva de todo o mundo pela morte
de Cristo, têm de remeter o pecador que procura certeza da salvação à graça
divina que está ativa no próprio coração, ou seja, à "presente experiência da
presença e habitação de Cristo, corroborada por serviço ativo e de pureza de
vida" (Strong). Para certeza adicional, conduzem-no, além disso, ao suposto fato
de que o Espírito Santo, uma vez concedido ao crente, jamais se pode perder.
Ambas essas doutrinas são, porém, de feitura humana e, portanto, nulas e vãs.
c. O erro do sinergismo. O que se disse acerca do semipelagianismo
romanista pode-se dizer, também, com respeito ao sinergismo
(arminianismo). O romanismo nega o sola gratia; o mesmo faz o
sinergismo. Ambos atribuem a salvação, em parte, aos esforços
virtuosos da pessoa em aplicar-se à graça ou decidir-se por ela. Embora
nem o sinergismo nem o arminianismo considerem os meios da graça
como operantes ex opere operato, ainda assim não os t ê m
simplesmente por meios concessores de Deus (media dotiká) pelos
quais oferece graciosamente a salvação, gera e fortalece a fé, mas,
pelo contrário, por incentivos pelos quais o pecador seria induzido a
converter-se mediante os poderes comunicados a ele.
Deve-se dizer outra vez aqui que a fé que não confia somente na graça
de Deus por amor de Cristo não é fé verdadeira no sentido escriturístico (G1
5.4; 5.10), porém precisamente o oposto da fé, a saber, rejeição proposital do
Evangelho. (Rm 4.4,s) Assim também o sinergismo, como conseqüência final,
perverte a doutrina dos meios da graça e torna a fé salvadora impossível.
d. É quase supérfluo mencionar o fato de que todos aqueles que erram,
negando a satisfação vicária de Cristo (satisfactio vicaria), não podem
ensinar a doutrina escriturística dos meios da graça. Por recusarem
aceitar a reconciliação adquirida pela morte substitutiva de Cristo,
vêem-se obrigados a reconciliar Deus "procurando guardar os
mandamentos divinos". Isso não permite pretexto a nenhum meio
da graça divina como medium remissionis peccatorum sive iustiflcationis.
(Ef 1.7; G1 5.4) O modernismo é paganismo velado e encoberto pela
terminologia cristã, o qual destrói o próprio cerne da religião cristã, a
saber, a justificação pela graça mediante a fé no sangue expiatório de
Cristo. (Rm 3.23-28)
e. O que é verdade a respeito do modernismo também é, em boa medida,
a respeito do entusiasmo, a crença de que o Espírito Santo opera
fora e separado dos meios da graça ordenados por Deus (extra illud
enthusiasticum).
Esse erro apresenta-se em muitas formas diferentes. Uma forma i a i;
zwinglianismo: "O Espírito Santo não requer veículo (vehiculum) para e n t r z
e operar nos corações dos homens. Daí não ser a fé fruto do Evangelho, mas
do Espírito, que opera imediatamente (irnmediate operantis S p i r i t ~ s ) O .~
quacrismo é outra forma de entusiasmo, ainda mais extremista: "Deus dá o
seu Espírito sem o meio da sua Palavra, de sorte que poderão salvar-se mesmo
os que jamais ouviram acerca do Cristo histórico." Todavia, o erro do
entusiasmo também é defendido pelos teólogos modernos que ensinam poder-
se despertar a fé pela "pessoa de Cristo" ou por sua "manifestação histórica"
("die geschichtliche Erscheinung"), desligada da mensagem evangélica de sua
morte vicária. A fé salvadora confia no Cristo histórico, mas o Cristo histórico
é o Cristo dos evangelhos, que derramou o seu sangue na cruz pelos pecados
do mundo. (1 Jo 1.7; G1 3.13; 2.20) E este Cristo, o único Salvador dos
pecadores, cujos méritos são sinceramente oferecidos a todas as pessoas nos
meios da graça, é rejeitado pela Teologia racionalista moderna.
O moderno vivencialismo (Teologia vivencialista; Erlebnistheologie) é o
entusiasmo nu e cru. Para isso não se requerem mais provas. A fé que não é
gerada pelo Espírito Santo mediante os meios da graça não é verdadeira, mas
auto-ilusão. (1 T m 6.3,4) As diferentes formas de entusiasmo (Muenzer,
Zwínglio, Hodge, os pietistas, os vivencialistas modernos) não diferem na
espécie, mas somente em grau. Quando os vivenciaIistas modernos dizem:
"O cristão não vive pelos meios da graça, mas pela convivência pessoal com
Deus a qual experimenta em Cristo" (A. Harnack); ou: "O homem que é
dominado interiormente pelo poder da pessoa de Jesus experimenta, nesse
mesmo processo interno, o perdão de Deus para os seus pecados" (W.
Hermann), - provam, com essas declarações explícitas, que,rejeitam os meios
da graça precisamente como todos os demais g t m i ã ~ t a sos rejeitam. A fé é,
realmente, uma experiência. No em&>; é< Evaagelha-que-deve produzir
/ - 1
essa fé, ou seja, essa~xperihcia.(Jo 8,31,32; 17.20) Toda vez que as pessoas
procuram a gqá de Deus fora do Evangelho, põem abaixo o próprio
fundamento da fé.
Dentre os argumentos com os quais entusiastas de todas as feições
têm procurado justificar a sua rejeição dos meios da graça, podemos anotar os
seguintes:
a. Os meios da graça são supérfluos, visto que o Espírito Santo não
requer meios (Zwínglio: dux vel vehiculum) para entrar e operar no
coração humano. Resposta: As Sagradas Escrituras ensinam
claramente que o Espírito Santo não quer tratar com as pessoas sem
meios. (Jo 17.20; Rm 10.17; Ef 2.20; etc.)
b. Uma vez que a regeneração é obra do poder sem limites de Deus,
não pode ser efetuada por meios. Resposta: Ensinam as Sagradas
Escrituras que a regeneração é obra do poder sem limites de Deus,
Dogmática Cristã
---

que opera com o uso de meios. (Ef 1.19; Rm 10.17; T t 3.5) Por isso
mesmo, Hodge não deveria escrever: "Salvando o evangelho e os
sacramentos, já não é Deus quem salva". (Syst. Theol., 11, 683, 685.
Cf. a seguinte reductio ad absurdum: "Mantendo o pão da vida, já
não é Deus quem mantém a vida.")
c. Indigno conceito de Deus é considerá-lo adstrito a meios no trato
com os seres humanos. Resposta: Uma vez que aprouve a Deus
empregar meios, tanto no Reino da natureza como no da graça, não
nos convém querer julgá-lo.
d. Se Deus de fato operasse mediante meios da graça, então todos
aqueles a quem os meios fossem aplicados teriam de salvar-se.
Resposta: Esse argumento é insustentável, visto que se pode resistir
à graça por operar mediante meios. (Mt 23.37; At 7.51)
e. Os meios da graça são supérfluos, visto a fé salvadora basear-se em
Cristo. Resposta: Admitimos que a fé salvadora se baseia em Cristo;
todavia, a menos que se baseie nos meios da graça, não se baseia em
Cristo. (Jo 8.31, 32; 17.20; 1 Tm 6.3s~)
f. Muitos se fiam no fato de serem batizados e destarte se deixam ficar
em segurança carnal. Resposta: Apesar desse fato, a Escritura ensina
a eficácia do Batismo. (At 2.38; 1 Pe 3.21)
g. Ensinam as Sagradas Escrituras que nos salvamos somente pela fé
em Cristo; portanto o Batismo não regenera. (cf Hodge, Syst. Theol.,
111, 1600) Resposta: A Escritura ensina ambas as coisas: A fé salva, e o
Batismo salva. As duas declarações não se excluem, mas estão
contidas uma na outra.
h. A passagem de Jo 3.8 opõe-se à doutrina dos meios da graça. Resposta:
Essa passagem descreve o caráter misterioso da obra do Espírito Santo,
mas não diz que o Espírito Santo opera sem uso de meios. (cf. v. 5; Jo
6.45; Ef 3.6; 1 Pe 1.23; Jo 17.20)
Dessa forma, os entusiastas contrapõem as suas concepções
racionalistas acerca do que para Deus seria possível e conveniente fazer às
passagens claras da Escritura que afirmam que Deus designou e emprega os
meios da graça para a poderosa operação de sua graça. (1s 55.11; Jr 23.29; At
2.38; 20.32; Rm 10.17; 1 Pe 1.23; 3.21; etc.) (cf. Dr. Engelder, Dogmatical
Notes)
A doutrina escriturística dos meios da graça é de tão alta importância,
que todos os cristãos têm motivo para se examinar e ver se, acerca desse
ponto, "estão na fé". (2 Co 13.5) Se os cristãos negligenciam os meios da
graça (o ouvir da Palavra e o uso dos sacramentos), estão em perigo de cair da
fé e perder a sua salvação. (Jo 8.43-37) Todos os cristãos vêem-se
A Doutrina dos Meios da Graça

constantemente ameaçados de pretensa justiça própria, visto a opinio legis


lhes ser, por natureza, inerente à natureza pecaminosa. (C1 3.1-3) Também
com respéito à doutrina dos meios da graça deve-se observar constantemente
a séria exortação de Cristo: "Vigiai e oiai, para que não entreis em tentação."
(Mt 26.41)
No seio da Igreja Luterana, os pietistas dirigiram o pecador atemorizado,
não à Palavra e aos sacramentos, mas às suas próprias orações e lutas com
Deus, para que pudesse conseguir entrada no estado de graça. Instruíram, ainda,
o crente a fundamentar a sua certeza da graça, não na promessa objetiva do
Evangelho, mas na boa qualidade de sua contrição e fé e em sua sensação da
graça. Em ambos os casos, ensinaram doutrina reformada (entusiasta). Além
disso, por fundamentar a salvação no que na verdade é gratia infusa, lutaram
em defesa da doutrina papista. (cf. Lutero, S. L., XI, 453ss; XIXI 943ss)
Ao mesmo tempo em que advertimos os nossos ouvintes contra o
subjetivismo das seitas, que faz a validez do perdão divino oferecido nos
meios da graça e sua eficácia depender da atitude subjetiva do ouvinte, temos
de sustentar energicamente a natureza objetiva da salvação, ou seja, a
objetividade e a realidade da satisfação vicária de Cristo. Essa obra não está
condicionada a nenhum ato humano. Alertamos, também, sobre a natureza
objetiva dos meios da graça, sobre o fato de que oferecem às pessoas o perdão
dos pecados sem qualquer limitação e exercem o seu poder cada vez que se
aplicam. O que sobre esse ponto escreve o Dr. Walther merece nossa constante
e cuidadosa atenção. Escreve ele: "A feição característica de nossa querida
Igreja Evangélica Luterana é sua objetividade, o que significa que todas as
doutrinas, em virtude de sua própria natureza, resguardam o ser humano de
procurar a salvação em si mesmo, em seus próprios poderes, aspiração,
desempenho e condição e o leva a procurar a sua salvação fora dele, ao passo
que a feição de todas as outras igrejas é sua subjetividade, levando todas elas
a pessoa a basear a sua salvação em si mesma." (cf. Lehre und Wehre, 36, 19)
Por natureza, todos os homens são entusiastas. É tão-só pelo uso diligente
dos meios da graça que o crente adquire força para vencer a tentação de
renunciar aos meios da graça. (cf. Lutero, S. L., XI, 455ss; também Dr. Engelder,
Dogmatical Notes)
Nessa conexão, também devemos advertir os nossos ouvintes contra o
erro de fazer da fé o objeto de si mesma. 0 s crentes nunca devem basear a
sua fé em sua fé. A fé se deve basear somente no Evangelho, jamais em qualquer
virtude d e n t r o da pessoa (aliquid in nobis). Escreve Lutero m u i
judiciosamente: "Es ist gar viel ein ander Ding, de12 Glauben HABEN tlnd sich
auf den Glauben VERLASSEN". ("Coisa bem diversa é possuir a fé e firmar-se
na fé.") Certamente se requer que nós creiamos, porém unicamente porque
pela fé se aceita a promessa do Evangelho. Jamais porque a fé em si, como boa
qualidade, pudesse reconciliar Deus. Exigir que a pessoa estabeleça primeiro
D:~nr,zn~~
Cristá

o fato de possuir a fé e então permitir que a mesma confie na graça divina, é


erro calvinista e não de praxe luterana. Passagens tais como Mc 16.15,16; At
16.31; Rm 10.9; etc., citadas em apoio do "erro reformado", na realidade nos
ordenam que deixemos de olhar para nós e nos apeguemos às promessas
evangélicas objetivas de graça e salvação.

4. A IMPORTÂNCLADA DOUTRINA
DOS MEIOS
DA GRAÇA
Nos círculos reformados, bem como nos racionalistas e m geral,
comumente se considera a doutrina dos meios da graça como de nenhuma
importância. O fundamentalismo americano, por exemplo, ressalta as
doutrinas: a) que a Bíblia é Palavra de Deus; b) que Cristo é Homem-Deus,
que morreu pelos pecados do mundo; c) que o pecador se salva pela fé no
sangue de Cristo; d) que Cristo retornará gloriosamente na hora que ele mesmo
determinou; e) que Cristo ressuscitou dos mortos; f ) que haverá uma
ressurreição final de todos os mortos. Todavia, o fundamentalismo não
concede espaço no seu sistema de Teologia para a doutrina escriturística dos
meios da graça.
Por outro lado, Lutero é acusado pelos teólogos modernos de haver
conferido indevida importância a essa doutrina; nesse aspecto, seguindo muito
de perto nas pegadas da Igreja de Roma. E verdade que a ênfase que o grande
Reformador deu à doutrina verdadeira dos meios da graça foi afastamento
real e a mais decidida rejeição do romanismo. Não ensinou a doutrina dos
meios da graça porque "estivesse ainda preso pelos grilhões do tradicionalismo
escolástico", mas porque a própria Escritura atribui grande significação a essa
doutrina. Em última análise, foi a lealdade de Lutero para com a doutrina
escriturística do sola gratia e sola fide que levou a abraçar e manter o ensino
bíblico dos meios da graça. Sem o mesmo, não poderia ter ensinado o artigo
central da fé cristã, o chamado princípio material da Reforma, a saber: a
justificação pela graça mediante a fé na satisfactio vicaria de Cristo.
Já explicamos que a doutrina do sola fide permanece ou cai com a dos
meios da graça. O romanismo rejeitou a doutrina escriturística dos meios da
graça, como também o sola flde. Embora em toda a teoria afirme o sola fide, o
calvinismo, na prática, o nega. Em virtude de sua negação da graça universal,
vê-se constrangido a confortar o crente atemorizado e em dúvida com a
percepção de sua "iluminação interior" ou santificação. Por conseguinte,
também nesse caso, a perversão da doutrina dos meios da graça leva
praticamente à negação do sola fide. O mesmo se poderá dizer das religiões
entusiásticas e do racionalismo em geral. Em todos os casos, um erro vai, lado
a lado, com o outro. A perversão da doutrina dos meios da graça conduz
sempre à perversão do artigo central da fé cristã, a doutrina da justificação
pela fé sem as obras. Depreende-se daí claramente que a doutrina dos meios
A Doutrina dos Meios da Graça

da graça é realmente da maior importância para a conservação da fé cristã


verdadeira. Aqueles que repudiam essa doutrina, conseqüentemente têm de
repudiar também o próprio coração da religião cristã.
A mesma Escritura ressalta a doutrina dos meios da graça como doutrina
de importância fundamental. Em primeiro lugar, ensina expressamente que a
regeneração ou conversão sucede unicamente pelos meios da graça, isto é, pela
Palavra (1 Co 2.4,s; 1 Pe 1.23; Rm 10.17) e pelos sacramentos (At 2.38; M t
28.19,20; 1 Pe 3.21; etc.). Em segundo lugar, afirma decididamente que todos
quantos rejeitam os meios da graça põem a perder a salvação. (Lc 7.30; Jo 8.47; 1
Co 10.21,22; 11.26-29) Em terceiro lugar, demonstra claramente que o desprezo
aos meios da graça não é pecado de pouca monta, que Deus perdoasse
prontamente, mas rebelião contra o Senhor de misericórdia e graça (1 Co 1.22,23),
que ele pune com a condenação eterna. (1 Co 1.18-21, 26-29; Mc 16.15,16)
É doutrina expressa na Escritura que todo aquele que não quer receber
a graça de Deus segundo é apresentada ao pecador nos meios da graça, de
maneira nenhuma receberá. (Mt 10.14, 15; At 13.46-51) Daí as declarações
dos reformados: "Não há ensejo para o uso de meios." "Nada interfere entre a
volição do Espírito e a regeneração da alma" (Hodge, Syst. Theol., 11, 417. 684,
etc.); "Tractatus internus est iminediate operantis Spiritus" (Zwínglio, De
Providentia, op. IV, 125); "Dux vel vehiculum Spiritui non est
necessavium"(Zwíng1i0, Fidei Ratio, p.24), terem de ser condenadas como
rejeição virtual da graça de Deus em Cristo Jesus conforme é oferecida
gratuitamente ao pecador nos meios da graça. Enquanto os calvinistas
mantiveram que "a influência do Espírito Santo sucede diretamente sobre o
espírito humano e é independente da Palavra" (Shedd, Dog. Theol., 11, Sol), o
luteranismo confessional está obrigado a negar-lhes a mão de confraternização
cristã e considerá-los perversos do divino caminho da salvação. (cf. Pieper,
Christ. Dogmatik, 111, 156-223)

DA GRAÇA
5. Os MEIOS EM FORMADE ABSOLVIÇAO
Baseado em passagens claras da Escritura, Lutero ensinou que todo o
Evangelho nada mais é que a absolvição gratuita de todos os pecadores por
amor de Cristo. (2 Co 5.19-21; Rm 4.25) Nessa verdade fundamental, o
Reformador baseou sua doutrina da absolvição, ou seja, a aplicação das
promessas evangélicas gerais do perdão às pessoas individualmente, quer na
confissão particular (Pvivatbeichte) quer na confissão geral (allgemeine Beichte).
Como Lutero, também as Confissões Luteranas inspiram a doutrina da
absolvição com grande ênfase. Declaram Os Artigos de Esmakalde (Art. VII):
"As chaves são um ofício e poder dados à Igreja por Cristo para ligar e desligar
os pecados." E a Apologia (Art. XII) diz: "O poder das chaves administra e
exibe o Evangelho através da absolvição, que é a verdadeira voz do Evangelho.";
Dogmática Cristã
-

Art. XI: "[ ..I que creiamos na absolvição e pensamos com certeza que a
remissão dos pecados nos é dada gratuitamente, por causa de Cristo"; Art.
VI: "Pois nós também mantemos a confissão, mormente por causa da
absolvição, a qual é a Palavra de Deus que o poder das chaves pronuncia, por
autoridade divina, com respeito a indivíduos." Semelhantemente o Catecismo
Menor: "A confissão compreende duas partes: primeiro, que confessemos os
pecados; segundo, que se receba a absolvição ou remissão do confessor como
de Deus mesmo, sem duvidar de modo algum, mas crendo firmemente que
por ela os pecados são perdoados perante Deus no céu." (V, 16)
A absolvição tem sido definida corretamente como "a forma especial de
administração do Evangelho segundo o qual o ministro da Igreja ou qualquer
outro cristão perdoa os pecados a uma ou mais pessoas, após sua confissão."
(cf. Lutero, S. L., XVI, 1795; X, 1235) Lutero: "Was ist die Absolution anders
denn das Evangelium einem einzelnen Menschen gesagt, der uber seine bekannte
Sunde Eost dadurch empfangec" ("Que outra coisa é a absolvição senão o falar-
se o Evangelho a cada pessoa em especial, a qual por meio disso receberá
consolo diante do seu pecado confessado<") A absolvição, portanto, nada
mais é d o que o Evangelho aplicado a indivíduos (Mt 9.2; Lc 7.48),
precisamente como sucede nos sacramentos. O que o Evangelho oferece a
todas as pessoas, a absolvição oferece ao indivíduo.
A doutrina bíblica da absolvição tem sido sempre uma pedra de tropeço
para aqueles que rejeitaram a doutrina verdadeira dos meios da graça. Disse
Zwínglio: "A certeza de nosso espírito de que somos filhos de Deus provém
do Espírito Santo, não do confessor que fala." Os pietistas chegaram a garantir:
"O tribunal da penitência é tribunal do diabo (Satansstuhl)." Por não ter sido
diferenciada por eles a doutrina escriturística da absolvição da do romanismo,
que, na verdade, é uma perversão da verdade escriturística, foi a mesma
condenada como "mandamento do Anticristo".
A doutrina da absolvição, contudo, está firmemente fundamentada na
Escritura. As palavras de Cristo são claras e inequívocas: "Em verdade vos
digo que tudo o que ligardes na terra terá sido ligado nos céus, e tudo o que
desligardes na terra terá sido desligado nos céus." (Mt 18.18) Ainda: "Se de
alguns perdoardes os pecados, são-lhes perdoados; se lhos retiverdes, são
retidos." (Jo 20.23) (cf. também M t 9.8; 2 Co 2.10)
Dessas passagens, evidenciam-se as seguintes verdades: a) Todos
quantos receberam o Espírito Santo, isto é, todos os crentes fiéis devem remitir
ou perdoar pecados; b) Esse perdão se refere a pessoas distintas ("se de alguns
perdoardes os pecados"); c) Todos os pecados, assim perdoados pelos seres
humanos, também são perdoados perante Deus no céu ("são-lhes perdoados").
Deve-se entender bem que, na absolvição, o perdão dos pecados não é
apenas anunciado às pessoas ou invocado sobre elas, mas realmente conferido
Dogmática Cristã

reconciliação objetiva). O sinergismo, com sua insistência na cooperação


humana na conversão, baseia a remissão dos pecados, em parte, na boa
conduta da pessoa. Disso advém que, nem quem absolve nem quem é
absolvido pode saber se a absolvição será eficaz. Em ambos os casos, esses
mestres luteranos erraram por terem-se afastado da doutrina da Escritura e
das Confissões Luteranas (rejeição da justificação objetiva e do sola gratia).
Aqueles que alegam ser a doutrina luterana da absolvição "fermento
romanista" deixam de perceber a diferença radical entre a doutrina bíblica da
absoIvição que a Igreja Luterana advoga e a doutrina antibíblica da Igreja
Católica. Segundo o conceito papista, a absolvição só pode ser concedida
pelos sacerdotes (em casos graves, unicamente pelo bispo ou pelo papa) depois
da satisfação adequada prestada pelo indivíduo penitente (contritio cordis,
confessio oris, satisfactio operis). O sacerdote age como juiz que decide se a
satisfação é suficiente. A absolvição, nesse caso, depende da dignidade do
próprio pecador, adquirida pelo cumprimento de penitências prescritas por
pessoas e julgadas segundo padrões e valores humanos. A doutrina católico-
romana da absolvição é, em toda a extensão da palavra, "preceito de homens"
(Mt 15.9) e não pode, como tal, mediar perdão, mas, pelo contrário, deixa o
pecador debaixo da maldição. (G1 3.10; 5.4)
A Escritura, por outro lado, ensina que o ofício das chaves (potestas
clavium), o poder peculiar para perdoar ou reter pecados, pertence a todos os
cristãos. (Jo 20.23; M t 18.18; 16.19) Cada cristão pode absolver do pecado
tão eficazmente como faz o sacerdote ou bispo e que a absolvição não se
baseia em contrição (seja fictícia ou genuína) nem em nenhuma satisfação
que o pecador prestasse por seus pecados (doutrina católico-romana), porém
unicamente na reconciliação perfeita que Cristo adquiriu por todas as pessoas
mediante sua obediência vicária e na ordem de Deus (Jo 20.21; Lc 24.47) que,
em nome de Jesus, se pregasse a remissão dos pecados entre toda as nações. A
absolvição, portanto, é a aplicação individual do perdão divino por amor de
Cristo. Conseqüentemente, não deve ser posta em dúvida nem rejeitada,
mas, ao contrário, recebida em fé verdadeira, exatamente como devem ser
cridas as promessas de Deus que o Evangelho proclama a todos os pecadores.
Partindo das verdades expostas acima, fica também evidente, por que,
como diz Lutero com tanta ênfase, cada cristão pode absolver. O seu direito
de absolver é tão certo como o de pregar o Evangelho. (1 Pe 2.9) A absolvição
é apenas uma forma especial de pregar o Evangelho da graça e da reconciliação.
Se os romanistas e protestantes romanizantes afirmam que o poder de
perdoar e reter pecados foi concedido por Cristo exclusivamente ao clero (Jo
20.22,23), deixam de perceber que nosso Senhor, naquela ocasião, não se
dirigiu apenas aos doze, mas também a outros discípulos. (cf. Jo 20.19,24; Lc
24.33). Escreve o Dr. A. Spaeth: "Quando este poder foi transmitido pelo
Senhor, nem todos os apóstolos se achavam presentes; tampouco todos os
A Doutrina dos .llci;.s J.2 Gr-;i

que estavam presentes na ocasião eram apóstolos. João distingue claramente


os doze (v. 24) dos discípulos. (v. 19) E Lucas nos relata distintamente que
outros se achavam naquela noite congregando com os discípulos. (Lc 24.33)
Lutero está, pois, com a razão, quando diz: "Este poder é conferido a todos os
cristãos. Quem tem o Espírito Santo, ao tal é dado o poder, isto é, àquele que
é cristão." (Annotations to the Gospel according to St. John; cf. Christl. Dogmatik,
II., 227s)
Enquanto alguns fazem objeções à doutrina da absolvição com a alegação
de que é "fermento romanista", outros o fazem, porque dizem que perdoar
pecados é prerrogativa exclusiva de Deus. Por esse motivo, consideram blasfemo
atribuir a qualquer homem o poder de perdoar e reter pecados. Respondemos a
essa dura crítica que perdoar e reter pecados é, de fato, prerrogativa de Deus.
Todavia, ele não exerce essa prerrogativa de modo imediato (com anunciação
direta), mas de modo mediato, pelo Evangelho, o qual manda que os seus
discípulos proclamem a toda criatura. (Mc 16.15,16; M t 28.19,20) Deus, por
conseguinte, perdoa pecados exatamente pela Palavra que os crentes pregam
em seu nome. (2 Sm 12.13; Lc 24.47) Também quando a pessoa lê as divinas
promessas do Evangelho e, assim, aplica a si mesma a absolvição do Evangelho,
recebe o perdão dos pecados, não de modo imediato (interior Spiritus illuminatio),
mas de modo mediato, pela palavra dos profetas e apóstolos. (Ef 2.20)
À objeção de que a doutrina da absolvição possa induzir as pessoas
tanto à segurança como ao orgulho carnais (Priesterstolz, orgulho sacerdotal),
respondemos que o abuso de uma coisa não anula o seu uso correto. Se não
se deve ensinar a doutrina da absolvição porque está sujeita a abusos,
tampouco devemos pregar o Evangelho em geral ou administrar os sacramentos
em particular, visto que esses também estão sujeitos a abusos. De passagem,
podemos observar que a doutrina da absolvição só poderá originar seguransa
e orgulho carnais, se proclamada de forma pervertida (romanismo). A
absolvição no sentido bíblico pressupõe sempre contrição e fé.
A objeção de que o ministro não pode perdoar pecados por não saber se
o que recebe é ou não "digno", respondemos: A absolvição não depende de
nenhuma dignidade da pessoa, mas da graça de Deus em Cristo Jesus, que
surgiu para todos os seres humanos e, portanto, deve também ser proclamado
e oferecido a todos. Isso ocorre tanto pela pregação do Evangelho em geral,
como pela promulgação do Evangelho em forma de absolvição. Quem anuncia
às pessoas a graça de Deus em Cristo Jesus jamais comete engano; pois não
há clavis errans ou Fehlschlussel. As palavras da absolvição são sempre tão
verdadeiras como é verdadeiro o próprio Evangelho, do qual a absolvição é
apenas uma aplicação especial. Se alguém deixa de receber o perdão anunciado
e apresentado na absolvição, a culpa só cabe a ele e não à absolvição. Deus,
por amor de Cristo, remitiu os pecados de toda a humanidade. (2 Co 5.19.20)
A absolvicão nada mais é que a proclamação desse gracioso perdão ao
Dogmática Cristá

indivíduo. Todo o que crê nesse glorioso fato está realmente de posse do
perdão total.
Toda objeção à doutrina da absolvição baseia-se, portanto, em falta de
compreensão do que realmente ela é. A absolvição é mal-interpretada, porque
as pessoas deixam de compreender a reconciliação objetiva que Cristo efetuou
por sua satisfação vicária. Também deixam de compreender isso por atribuir a
salvação do pecador, ao menos em parte, à sua própria dignidade e não
exclusivamente à graça de Deus e á obediência vicária de Cristo (sola gratia,
sola flde), oferecidas a todas as pessoas nos meios da graça como dom gratuito.
Tão logo o cristão compreenda que a absolvição só é aplicação do perdão
geral oferecido e transmitido pelo Evangelho, também compreenderá,
prontamente, por que se devem considerar o Batismo e a Santa Ceia formas
de absolvição particular. Em ambos os sacramentos, Deus oferece
individualmente a graça que Cristo, por sua morte, adquiriu para toda a
humanidade (At 2.38; Mt 26.26-28) e é recebida pela fé nas suas graciosas
promessas evangélicas. Não vem ao caso a maneira como se aplica o Evangelho
aos homens. Se por proclamação geral ou pelo Batismo ou pela Santa Ceia ou
pelo ato da absolvição, o pecador é sempre absolvido; o seu pecado é perdoado;
pois em todos igualmente se ouve a mensagem alegre, confortadora: "Tem
bom ânimo, filho; estão perdoados os teus pecados." (Mt 9.2)
Vê-se, por aí, claramente que não se deve pronunciar a absolvição
condicionalmente ("Se estás verdadeiramente arrependido e crês
verdadeiramente, os teus pecados te são perdoados"), mas sempre
irzcondicionalmente ("Estão perdoados os teus pecados"). É verdade que o perdão
só se recebe pela fé, e a fé verdadeira habita apenas no coração contrito. Desse
ponto de vista, diz Lutero corretamente que "toda absolvição tem a condição
da fé"; porém acrescenta: "todavia unicamente enquanto a fé receber a
absolvição e disser sim a ela". (S. L., XXI b, 1847s) Por outro lado, Lutero
rejeita com muita ênfase a doutrina de que o perdão se basearia na contrição
e fé da pessoa e, por isso, contrição e fé seriam obras boas ou meritórias.
Se a contrição e a fé fossem atos meritórios, a absolvição deveria ser
pronunciada condicionalmente. Como, porém, o perdão não reside em
nenhuma boa obra das pessoas, mas exclusivamente na graciosa disposição
de Deus para com o pecador em Cristo Jesus, nenhuma condição vem presa
à mesma. Deus perdoa as transgressões a cada pecador por amor de Cristo, e
essa gloriosa verdade deve ser anunciada a cada pecador, e cada pecador deve
confiar nela com fé. Portanto, como nem o Batismo nem a Santa Ceia são
condicionais ("Eu te batizo caso creias"; "Tomai, comei; isto é o meu corpo, i
se o credes"), também a absolvição não é condicional. O perdão de Deus é
oferecido a cada pecador em cada forma de pregação do Evangelho; pois a
incredulidade da pessoa jamais torna sem efeito a fé de Deus. (Rm 3.3) A
absolvição será, pois, em todos os casos, pronunciada incondicionalmente.
A Doutrina dos Meios da Graça

Se, conforme o costume da Igreja Luterana, a pronunciação da


absolvição vem precedida das perguntas: É esta a tua sincera confissão: que
te arrependes verdadeiramente dos teus pecados, crês em Cristo e tens o
firme propósito de corrigir a tua vida pelo auxílio de Deus Espírito Santo<" -
isso não acontece no intuito de se tornar a absolvição condicional, mas apenas
com o fim de advertir os seguros e confortar os penitentes.
Está claro que a doutrina bíblica da absolvição pode ser mantida apenas
pelos que aderirem à doutrina bíblica da justificação pela graça, mediante a fé
em Cristo Jesus. O romanismo, sinergismo e calvinismo erram com respeito à
doutrina da absolvição, precisamente porque negam o sola gratia ou a gratia
universalis. Onde se negam essas duas doutrinas, é forçoso basear a anistia de
Deus numa condição dentro da pessoa. Todavia, onde se faz repousar a anistia
de Deus em "certas condições" da parte do pecador, torna-se impossível a
absolvição no sentido bíblico. (Cf. Christl. Dogmatik, 111, 223-248)

6. Os MEIOS
DA GRAÇANO ANTIGO
TESTAMENTO
O Evangelho de Jesus Cristo, isto é, a graciosa mensagem do perdão dos
pecados pela fé no Salvador prometido, foi também o meio da graça durante
todo o tempo do Antigo Testamento. (At 15.11) Este é o claro testemunho
da Escritura, que relata: "Dele todos os profetas dão testemunho de que, por
meio de seu nome, todo aquele que nele crê recebe remissão de pecados." (At
10.43) Creu Abraão no Cristo prometido e Moisés dele escreveu. (Jo 8.56; Jo
5.46) Assevera-nos São Paulo expressamente que todos os crentes do Novo
Testamento são "filhos de Abraão" (G1 3.7) e "descendência de Abraão" (G1
3.29), porquanto crêem conforme fez Abraão.
As Escrituras do Novo Testamento declaram que a doutrina cristã da
justificação pela graça, mediante a fé, sem as obras da Lei, "tem o testemunho
da Lei e dos profetas". (Rm 3.21) Todo o quarto capítulo da Epístola aos
Romanos destina-se a provar que a doutrina da justificação pela fé é doutrina
do Antigo Testamento. Mesmo depois de estabelecido o concerto de Moisés,
o Evangelho de Cristo ainda estava em vigor como meio da graça. (GI 3.17)
É bem verdade, quando o Messias prometido surgiu na plenitude dos
tempos, os judeus não creram nele. Isso não sucedeu, porém, por falta de
testemunho adequado acerca dele, mas por causa do seu desprezo ao
testemunho claro de Moisés. (Jo 5.45-47) Assim também a fé frágil dos
discípulos no Salvador crucificado e ressuscitado proveio de sua
desconsideração para com as claras profecias do Antigo Testamento. (Lc 24.25)
Pelo mesmo motivo, também a Teologia racionalista moderna nega o fato
incontestável de que, já desde a queda no pecado, o Evangelho de Cristo tem
sido o meio da graça pelo qual os pecadores se converteram em filhos de Deus
pela fé na promessa divina. A Teologia racionalista repudia o caráter messiânico
Dogmática Cristã

das profecias claramente messiânicas (Gn 3.15; 4.1; etc.), precisamente, porque
se recusa a crer o testemunho dos profetas e, o que é pior, o do próprio Cristo
e dos seus apóstolos. (Lc 24.25) Em síntese, o racionalismo não pode encontrar
Cristo e sua satisfação vicária no Antigo Testamento, porque não crê o
Evangelho tão claramente exposto no Novo Testamento.
Como o Evangelho de Cristo, também a cú-cuncisão e a páscoa eram meios
da graça, que ofereciam e transmitiam o perdão dos pecados. Ao ato da circuncisão
prendia-se a promessa divina da graça: "Serei o seu Deus." (Gn 17.8),isto é, seu
Deus gracioso, que, em puro amor, perdoa o pecado gratuitamente. Isso fica
evidente pela fato de que em o Novo Testamento, Paulo chama o sinal da
circuncisão "selo da justiça da fé". (Rm 4.11) Com respeito à páscoa, a Escritura
diz claramente que a mesma transmitia graça aos israelitas; pois foram poupados
à praga, não por serem judeus, mas porque o cordeiro pascal fora morto e seu
sangue passado na verga da porta e em ambas as ombreiras. (Êx 12.21-27) Por
isso, Deus ordenou: "Guardai, pois, isto por estatuto para vós outros e para vossos
filhos, para sempre." (Êx 12.24)Assim, tanto à circuncisão como à páscoa, vmham
presas promessas divinas de graça e é, portanto, com justiça que falamos delas
como dos sacramentos do Antigo Testamento.
Escreve Lutero: "É erro crer que os sacramentos do Novo Testamento
diferissem dos sacramentos do Antigo Testamento segundo o poder e
significado [a saber, como meios da graça designados por Deus]. [...I Tanto os
nossos sinais e sacramentos como os dos pais têm presa a eles uma palavra de
promessa que exige fé e não se pode cumprir com nenhuma outra obra. São,
por isso, sinais ou sacramentos de justificação." (S. L., XIX, 62ss) Assim,
também no Antigo Testamento, o Evangelho e os sacramentos (circuncisão e
páscoa) ofereciam e transmitiam aos crentes divina graça e perdão. Em outras
palavras, a sua função era precisamente a mesma que é a dos meios da graça
instituídos por Cristo no Novo Testamento.

DA GRAÇAE A ORAÇAO
7. Os MEIOS
Em conexão com a doutrina dos meios da graça, discutiu-se a pergunta
sobre se também a oração pode ser classificada entre os meios da graça. Esse
quesito foi respondido afirmativamente pelos calvinistas. Assim escreve
Hodge: "Os meios da graça, segundo os padrões de nossa Igreja, são a Palavra,
os sacramentos e a oração." (Syst. Theol., 111, 466; cf. p.708) Entretanto,
enquanto o termo meios da graça é vox ágraphos e, como tal, o seu sentido
não é determinado pela Escritura, de sorte que podemos empregá-lo de várias
maneiras, traz confusão aplicá-lo à oração no mesmo sentido em que se aplica
ao Evangelho e aos sacramentos.
A Palavra e os sacramentos são, na expressão de Lutero, "a obra de Deus
em nós", isto é, os meios pelos quais Deus trata conosco. A oração,
A Doutrina dos Meios da G r d p

propriamente dita, é fruto da fé cristã e não o meio pelo qual se gera a fé. Por
meio da Palavra e dos sacramentos, Deus nos oferece e transmite a sua graça
e o seu perdão. Mediante a oração, pedimos bênçãos temporais e espirituais e
rendemos graças a Deus pelos bens recebidos.
Logo, quando, sem qualquer restrição se chama a oração de meio da
graça, ignora-se a diferença distintiva entre ela e a Palavra e os sacramentos,
bem como também se confundem as suas finalidades diversas. Além disso,
considerando-se a oração um meio da graça, segue-se necessariamente o erro
de que, pela oração, ou seja, pela obra do homem, se pode merecer o perdão
dos pecados e a salvação.
Na verdade, aqueles que consideram a oração um meio da graça declaram
que Deus é reconciliado por meio dela. Insistem, pois, para que os pecadores
que buscam certeza da salvação orem, enquanto deveriam apontar-lhes a
graça de Deus em Cristo Jesus, graça oferecida a todas as pessoas no Evangelho
e nos sacramentos. Deveriam, também, exortá-los a depositar sua confiança
inteiramente nas promessas divinas de perdão e paz.
Se alguém fizer objeção de que o próprio Cristo torna a oração um meio
da graça por nos ensinar a orar: "Perdoa-nos os nossos pecados7' (Lc 11.4),
responderemos que os cristãos realmente recebem o perdão dos pecados, como
também todas as outras bênçãos de Deus, através da oração. Não porque a
oração cristã seja um meio da graça, mas apenas porque a verdadeira oraçáo
cristã é expressão de fé nas promessas divinas. Não é a oração em si, isto é, a
enunciação de palavras, mas a fé cristã, da qual a oração cristã é manifestação,
que adquire o perdão. Disso resulta que, toda vez em que o crente fiel ora, ele
não considera a sua oração outro meio da graça somado à Palavra e aos
sacramentos, mas sua oração se fundamenta nas promessas divinas que lhe
são oferecidas nos meios da graça. O que ele realmente pede é que Deus lhe
seja gracioso e lhe perdoe os pecados por amor de Cristo, conforme, em seu
bendito Evangelho, prometeu fazer.
Sempre que a pessoa ora na suposição de que sua oração seja obra
meritória, em virtude da qual Deus perdoará pecados, sua oração não é
oferecida em nome de Jesus, mas contrariamente às instruções de Cristo.
Não é manifestação de fé, porém manifestação de incredulidade. Não é, de
modo nenhum, boa obra, mas abominação aos olhos do Senhor. (C1 3.10) A
uma tal oração se aplicam as palavras de Cristo: "Orando, não useis de vãs
repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão
ouvidos." (Mt 6.7)
Que os calvinistas considerem a oração um meio da graça é, do seu
ponto de vista, perfeitamente compreensível. Por negarem sua graça universal,
estão incapacitados para confortar o pecador atemorizado com as promessas
gerais de graça oferecidas no Evangelho; pois que essas, segundo a doutrina
calvinista. só pertencem aos eleitos. Daí terem de procurar outro meio que
náo o Evangelho e os sacramentos pelo qual possam dar ao pecador
aterrorizado a certeza da salvação: atos devocionais (entre eles a oração) que
produzam sensação ou sentimento de graça (sensus grutiue). Tal certeza,
entretanto, por basear em esforços humanos, não passa de imaginação e não
é a verdadeira certeza cristã, conforme já foi visto.
Contudo, não só os calvinistas, como também os sinergistas e arrninianos
consideram a oração um meio da graça e, da mesma forma, sugerem que o
pecador atemorizado que deseja certeza da salvação a procure mediante a
oração (os agitadores reformados, os pietistas luteranos). Atrás desse conselho
antiescriturístico está a negação do sola gratiu e, juntamente com ele, a rejeição
da reconciliação objetiva adquirida pela satisfação vicária de Cristo e dos meios
da graça como verdadeiros meios conferentes (media dotikd), pelos quais Deus
oferece de graça a perfeita justiça de Cristo a todas as pessoas. De tudo isso,
fica evidente que é erro fatal considerar a oração um meio da graça. Os que
oram na compreensão de que as suas súplicas sejam meio meritório que adquire
graça e salvação, praticamente rejeitaram o Evangelho de Cristo e deslizaram
para o paganismo.
Embora as doutrinas até aqui focalizadas necessitassem constante
referência e discussão da Lei e do Evangelho, de maneira que se dissesse tudo
o que fosse preciso dizer sobre esse assunto, ainda assim não seria supérfluo
expor os ensinamentos escriturísticos acerca da Lei e do Evangelho sob um
título especial. O racionalismo moderno, bem como o romanismo e
zwinglianismo (Zwínglio: "Em si mesma, a Lei nada mais é que Evangelho";
cf. Introdução Histórica aos Livros Simbólicos, Concórdia Tuiglotta, p.lólss),
praticamente aboliram a distinção entre Lei e Evangelho, de forma que ambos
os ensinamentos são confundidos, e o caminho bíblico da salvação é
completamente obscurecido (negação do sola frde; salvação mediante a justiça
das obras).
O Luteranismo confessional, por seu turno, considera "[ ...I a distinção
entre Lei e Evangelho é luz de particular brilho, que serve ao propósito de
dividir corretamente a Palavra de Deus e explicar e entender apropriadamente
os escritos dos santos profetas e apóstolos" (Fórm. de Conc., Decl. Sól., V, 1) e
concede-lhe, portanto, u m lugar de destaque em cada tratado dogmático
ortodoxo. Apesar desse fato, porém, o antinomismo, que é uma perversão da
doutrina escriturística de Lei e Evangelho, originou confusão também nos
círculos luteranos (João Agrícola, os filipistas, Poach, Otto, etc.), de modo
que é realmente necessário tomar o assunto em especial consideração. Esses
são os motivos, pelos quais tratamos aqui desta matéria mais por extenso e
sob um título especial.

DE LEI E EVANGELHO
1. DEFINIÇAO
A mesma Escritura faz, muito claramente, distinção entre Lei e
Evangelho. Também nossas Confissões Luteranas fazem isso. Segundo a
Fórmula de Concórdia (Decl. Sól., V, 17), a Lei é, em seu sentido restrito ou
próprio (lexproprie accepta), "doutrina divina em que a justa e imutável vontade
1 de Deus é revelada, de como o ser humano deveria ser em sua natureza,
pensamentos, palavras e obras para ser agradável e aceitável a Deus e ameaça
os transgressores dela com a ira de Deus e com castigos temporais e eternos."
Mais sucintamente define a Fórmula de Concórdia (Epít. V, 3 e 4) "[ ...I a Lei,
propriamente, é doutrina divina que ensina o que é justo e agradável a Deus
e reprova tudo o que é pecado e contrário à vontade de Deus. Por isso, tudo o
que reprova pecado é pregação da Lei e a ela pertence."
Dogmát ica Cristã

Por outro lado, o Evangelho, em seu sentido restrito ou próprio (evangelium


propriae acceptum), é definido pela mesma Confissão como "doutrina tal que
ensina o que deve crer o homem que não guardou a Lei e é por ela condenado,
a saber, que Cristo expiou todos os pecados e por eles pagou, e sem qualquer
mérito do homem lhe obteve e adquiriu o perdão dos pecados, a "justiça que
vale diante de DeusJJe a vida eterna". (Epítome, \í 5)
Essa distinção entre Lei e Evangelho é clara e escriturística, de modo
que podemos descrever como Lei divina tudo o que, na Escritura, exige da
pessoa perfeita obediência a Deus (G1 3.12), pronuncia a sua maldição sobre
os transgressores (G1 3.10), faz que todo o mundo seja culpado perante Deus
(Rm 3.19) e transmite o conhecimento do pecado. (Rrn 3.20) Como Evangelho,
definimos tudo o que oferece graça, paz e salvação ao pecador. (Rrn 1.16,17;
10.15; At 20.24; Ef 6.15; 1.13)
É bem verdade que ambos os termos (Lei e Evangelho), na Escritura,
também se empregam em sentido lato. Assim, o termo Lei designa toda a
revelação de Deus conforme exposta em sua Palavra. (SI 1.2; 1s 2.3) O termo
Evangelho designa toda a doutrina divina. (Mc 1.1) Isso ocorre por sinédoque;
usa-se uma parte para designar o todo. (Gerhard: "ut ex parte digniori et potioui
totum intelligatur".)
Esse emprego peculiar do termo evangelho é reconhecido também por
nossas Confissões luteranas; pois que, na Fórmula de Concórdia, Decl. Sól., V; 3
e 4, lemos: "[ ...I a palavrinha evangelho não foi usada e entendida sempre em
um só e mesmo sentido, senão que de duas maneiras, nas Sagradas Escrituras
de Deus [...I Pois em uma das acepções é usada de maneira que se entende sob
ela toda a doutrina de Cristo, nosso Senhor.. E pouco depois, são anunciados
os capítulos sumários: 'arrependimento' e 'perdão dos pecadosJ."

2. PARTICULARIDADES
COMUNSA LEI E AO EVANGELHO
Se estabelecermos um paralelo entre as duas doutrinas, descobriremos
que elas possuem vários elementos importantes em comum. Em primeiro
lugar, tanto a Lei como o Evangelho são Palavra de Deus divinamente inspirada.
Este ponto é essencial. Embora as funções da Lei sejam totalmente diversas
das do Evangelho, ainda assim ela é a santa e inspirada Palavra de Deus tanto
quanto o Evangelho. (Mt 22.37- 40; Rm 3.21) Em segundo lugar, ambas essas
doutrinas dizem respeito a todas as pessoas, de sorte que devem ser ensinadas
sempre lado a lado até a consumação dos séculos.
A Fórmula de Concórdia ensina: "Desde o princípio do mundo essas duas
proclamações têm sido promovidas lado a lado na Igreja de Deus com a devida
distinção [...I Cremos e confessamos que essas duas doutrinas devem ser
promovidas contínua e diligentemente na Igreja de Deus." (Decl. Sól. \í 23,
24)
Lei e Evangelho
- -

É preciso manter o fato de "que a Lei e o Evangelho devem ser inculcados


na Igreja de Deus u m ao lado do outro". O antinomismo, alegando que o
arrependimento (contrição) deva ser pregado pelo Evangelho, negou que se
deva inculcar a Lei no Novo Testamento. João Agrícola ensinou: "O decálogo
pertence ao tribunal, não ao púlpito." Vale dizer, a Lei é assunto do Estado,
não da Igreja. Por Poach, Otto, etc., foram advogadas e defendidas formas
modificadas de antinomismo, os quais disseram: "Não se deve incutir a Lei
aos regenerados." Os filipistas, por seu turno, sustentaram: "Deve-se condenar
a incredulidade pelo Evangelho." (cf. Triglotta, Intr. Hist., p.16lss) Os erros do
antinomismo são refutados de maneira adequada nos artigos V e VI da Fórmula
de Concórdia, que demonstram clara e convincentemente que o antinomismo
não é escriturístico nem razoável.
Lutero caracteriza corretamente a loucura intrínseca do antinomismo
ao escrever: "Querem pôr para o lado a Lei e, não obstante, ensinam a ira,
coisa que só a Lei deve fazer. Por conseguinte, nada mais fazem senão lançar
fora estas pobres letras, Lei, todavia confirmam a ira de Deus que por estas
letras é indicada e entendida, para não dizer que pretendem torcer o pescoço
de Paulo e pôr por último o que vem primeiro." (S. L., XX,1618ss)
Ainda: "Não é isto cegueira sobre cegueira não querer ele [Agrícola]
pregar a Lei sem o Evangelho e antes do Evangelho< Pois que são
impossibilidades. Pois como é possível pregar acerca do perdão dos pecados
sem que primeiro haja pecadosz Como anunciar a vida, se primeiro não houver
a morte [isto é, seja conhecida]< [...I Porquanto a graça deve em nós lutar
contra a Lei e o pecado e deles triunfar, para que não desesperemos." (S. L.,
XX, 1659. 1656)
Diz o Dr. Bente (Triglotta, Intr. Hist., p.161) do antimonismo que "foi
uma tentativa para abrir de novo as portas da Igreja Luterana para a justiça
das obras romanas que Lutero havia expulso7'. Escreve ele: "Quando Lutero
se opôs a Agrícola, pai do antinomismo nos dias da Reforma, fez isso com a
noção clara de que estava em jogo o Evangelho de Jesus Cristo juntamente
com sua doutrina da justificação pela graça mediante a fé somente e precisava
ser defendido. Por meio destes espíritos - disse ele - o diabo não tenciona
privar-nos da Lei, mas de Cristo, que cumpriu a Lei". (S. L., XX, 1614)
Realmente, os antinomistas, em última análise, basearam o perdão dos
pecados e m sua renovação ou santificação, particularmente n o
arrependimento que resultaria do verdadeiro amor produzido pela pregação
do Evangelho. Dessa maneira, confundiram justificação e santificação e
restauraram a doutrina romana da justiça pelas obras (justificação por meio
de santificação; gratia infusa).
D:<nr,itisz Cristã

3. RELAÇÁO ANTAGONICA
ENTRE LEI E EVANGELHO
Foi Lutero quem proclamou novamente ao mundo que a Lei e o
Evangelho são tão profundamente distintos quanto possível, separados por
mais do que contradição ("inter se longissime distincta et plus quam contradictouia
separata sunt"). (S. L., IX, 447) "Não se deve considerar uma declaração
extremista e "mal-interpretável" (Tomásio, Dogmengeschichte, 11, 425); porque
é reafirmação da verdade que a mesma Escritura ensina.
Comparando as duas doutrinas segundo o seu conteúdo, descobrimos
que se contradizem de modo absoluto. A Lei exige perfeita obediência do ser
humano em todos os sentidos, e condena todo aquele que é desobediente. O
Evangelho, por sua vez, nada exige, mas oferece, gratuitamente, a todos os
pecadores, graça, vida e salvação por amor de Cristo. Os mesmos pecadores
que a Lei destina à condenação eterna, o Evangelho, por amor de Cristo, os
nomeia para a glória eterna no céu. (Rm 5.18-21) A Lei requer obras. (Lc
10.28) O Evangelho declara que o pecador "é justificado pela fé,
independentemente das obras da Lei." (Rm 3.28)
O apóstolo Paulo estabelece admiravelmente o contraste entre Lei e
Evangelho, ao escrever: "Não há distinção, pois todos pecaram e carecem da
glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a
redenção que há em Cristo Jesus." (Rm. 3.22-24) De acordo com essas palavras,
a Lei condena, ao passo que o Evangelho justifica. (cf. também G1 3.10-14)
A mesma diferença entre Lei e Evangelho evidencia-se ao considerarmos
as suas promessas, que também são contraditórias. As promessas da Lei são
condicionais @romissionesconditionales). As do Evangelho são promessas de pura
graça (promissiones gratuitae). Nisso vai dito que a Lei promete vida ao pecador
sob a condição de que lhe obedeça perfeitamente. (C1 3.12; Lc 10.28) Já o
Evangelho lhe promete vida e salvação "independentemente das obras da Lei",
"sem obras", "gratuitamente", "por graça" (particulae exclusivae), de sorte que,
na verdade, Deus "justifica o impio". (Rm 4.5) Em outras palavras, a Lei justifica
as pessoas que são, por si mesmas, justas (C1 3.21), ao passo que o Evangelho
justifica as pessoas que são, por si mesmas, injustas. (Rm 4.5)
O chamado imperativo evangélico (impeuativus evangelicus, At 16.31) é
"Evangelho concentrado". Ao ordenar ao carcereiro da prisão de Filipo: "Crê
no Senhor Jesus Cristo, e serás salvo", Paulo pregou-lhe fé ao coração. Assim
também a "ordemJ1de 1 Jo 3.23 não é ordem legal, mas um convite muito
gracioso, expresso do modo mais energético, a aceitar o oferecimento evangélico
da remissão. A fé exigida pelo Evangelho é descrita na Escritura exatamente
como o oposto de qualquer realização humana. (Ef 2.8,9)
Considerando o exposto acima, fica evidente que as condições da Lei
(Lc 10.28) são condições reais, que requerem cumprimento absoluto das
obrigações impostas (C1 3.12), ao passo que as do Evangelho (Rm 10.9: "Se
Lei e Evangelho

creres C..], serás salvo") apenas indicam o meio pelo qual Deus aplica ao
pecador a vida e a salvação (modus applicationis). A declaração "se creres [...I,
serás salvo" significa unicamente isto: Sem nenhuma obra ou dignidade da
tua parte, és salvo unicamente pela fé no Senhor Jesus, a quem Deus
ressuscitou dos mortos. Rm 3.23-28
Uma vez, pois, que a Lei e o Evangelho, considerados segundo o seu
teor e suas promessas, são contradições absolutas (plus quam contradictoria),
cumpre-nos fazer clara distinção entre as duas esferas a que pertence cada
um na economia da salvação. É a única maneira correta de afastar a
"dificuldade insuperável" que nos confronta ao examinarmos essas duas
contradictoria contradições em acordo com sua apresentação escriturística.
A Lei deve ser pregada em todo o seu rigor e severidade, e nada deve-se
omitir dela. (Mt 5.17,18; G1 3.10; Rm 1.18; 3.9-19) A única finalidade com
que ela será proclamada é levar o pecador ao claro conhecimento do seu pecado
e da condenação. (Rm 3.20) Essa é a verdadeira esfera da Lei, conforme a
Escritura demonstra com evidência (2 Co 3.9: "o ministério da condenação").
É mensagem de ira e, como tal, nosso "aio para nos conduzir a Cristo, a fim
de que fôssemos justificados por fé". (C1 3.24)
Quando, no entanto, a Lei cumpriu com sua finalidade e o pecador clama,
atemorizado: "Que devo fazer para que seja salvo<" (At 16.30), a proclamação
da Lei tem de cessar e o anúncio do Evangelho deve iniciar. (At 16.31) A função
da Lei é aterrorizar o pecador seguro de si, mas a função do Evangelho é confortar
o pecador contrito com a graça de Deus em Cristo Jesus. (Jo 3.16; Rm 10.4)
Essa rigorosa distinção entre as duas esferas da Lei e do Evangelho sempre é
observada na Escritura. (2 Sm 12.13; At 2.37-39; 1 Co 5.1-5; 2 Co 2.6-8)
Escreve Lutero: "Tem a Lei o seu alvo: até onde deve ir e o que deve
realizar, a saber, conduzir a Cristo, atemorizar os impenitentes com a ira e o
desfavor de Deus. Tem o Evangelho igualmente o seu ofício e função especial
de pregar às consciências aflitas o perdão dos pecados [...I Ora, quando atingida
em cheio a consciência, de sorte que verdadeiramente sente o pecado, se vê
em agonia de morte, [...I é chegada então a hora de saber-se fazer separação
de Lei e Evangelho e indicar a cada um o seu lugar." (S. L., IX, 798ss)
Em termos gerais, portanto, a Lei pertence à esfera do pecado, e o
Evangelho, à da graça. A primeira é mensagem do arrependimento (contrição);
o segundo é notícia da remissão dos pecados. (Lc 24.47) Ambos devem ser
ensinados em sua pureza e verdade escriturísticas. Não se deve diminuir o
rigor e a severidade da Lei nem alterar a doçura e o aspecto cativante do
Evangelho, porque apenas dessa maneira a divina mensagem do pecado pode
penetrar no coração do pecador e transformá-lo.
A Lei e o Evangelho diferem entre si também com respeito aos seus principia
cognoscendi. A Lei está escrita no coração dos seres humanos (Rm 2.14,15) e
pode, assim, ao menos em parte, ser conhecida mesmo sem o conhecimento
revelado da Escritura. O Evangelho é "a sabedoria de Deus em mistério outrora
oculta", dada a conhecer à pessoa por revelação especial (1 Co 2.7-12; Rm
16.25), de maneira que nenhuma pessoa a pode conhecer, caso não lhe seja
revelada. (Mt 16.15; Rm 10.14,15,17) Isso se demonstra e prova pelo fato de
que todas as religiões de feitura humana são "religiões da Lei" ou das boas
obras, ao passo que a religião cristã, extraída da Bíblia como sua única fonte,
é "religião da fé". Além disso, todas as pessoas que se devotam à religião natural
das boas obras, rejeitam a religião da fé como loucura (1 Co 1.23; 2.14), até
que o Espírito Santo, pelo Evangelho, afasta delas a opinio legis. (2 Co 3.15,16)
No decorrer da controvérsia antinomista, debateu-se a pergunta sobre se
o pecado da incredulidade deveria ser condenado pela Lei (gnésio-luteranos)
ou pelo Evangelho (filipistas). A resposta dos gnésio-luteranos foi adotada e
incorporada à Fórmula de Concórdia (V e VI). Os filipistas talvez tenham sido
ludibriados pela consideração de que a Lei, por ignorar Cristo e a fé nele, não
poderia condenar o pecado da incredulidade. Todavia a questão se decidirá
prontamente, se retivermos em mente as esferas e funções específicas da Lei e
do Evangelho; pois, enquanto a Lei sempre julga, condena e repreende, o
Evangelho, em seu sentido próprio, jamais julga, condena e repreende. Condenar
é, portanto, contrário à própria natureza do Evangelho.
A declaração: "O Evangelho condena o pecado." (Melanchton) será
defendida unicamente se o termo Evangelho for empregado em sentido lato,
designando toda a doutrina de Cristo. Todavia, que o Evangelho em sentido
restrito, não condena o pecado da incredulidade ou qualquer outro pecado,
fica evidente do fato de que, se o Evangelho fosse uma mensagem de
reprovação e condenação, a salvação seria absolutamente impossível. Não
haveria mensagem de salvação em que todos os pecadores que, por natureza
são incrédulos, pudessem confiar. O Evangelho salva (Rm 1.16) precisamente,
porque tem função salvadora e não reprovadora ou condenatória. Involuntária,
porém efetivamente, os filipistas transformam o Evangelho em Lei ao lhe
atribuírem, em seu sentido próprio, função reprobatória.
A Fórmula de Concórdia admite que se possa empregar o Evangelho (antes
os fatos evangélicos, a saber, o padecimento e morte de Cristo) na descrição
da grande ira de Deus em virtude do pecado da pessoa, assim como o próprio
Cristo o empregou dessa maneira. (Lc 23.31) Contudo, quando empregado
dessa forma, o Evangelho não desempenha seu ofício particular e próprio
(proprium suum officium), mas um ofício estranho (alienum opus). Diz nossa
Confissão (Decl. Sól., V, 12): "Na verdade, onde mais séria, mais terrível
indicação e pregação da ira de Deus contra o pecado do que a paixão e morte
de Cristo, seu Filhot Mas enquanto isso tudo proclama a ira de Deus e
aterroriza o homem, ainda não é o Evangelho, nem a pregação própria de
Cristo, senão que é a pregação de Moisés e da Lei sobre os impenitentes.
Lei e Evangelho

Porque o Evangelho e Cristo não são ordenados e dados para aterrorizar, nem
para condenar: mas a fim de consolar e erguer os que estão. aterrorizados e
pusilânimes." A última verdade aqui sublinhada jamais deve ser perdida de
vista; pois que o Evangelho, em seu sentido próprio, nunca revela o pecado
ou aterroriza o pecador, mas sempre mostra a graça divina e consola o pecador
inquieto.
Ao concluirmos este capítulo, chamaremos a atenção para o fato de
que a Lei e o Evangelho são apenas aspectos diferentes do próprio Deus em
sua relação com o pecador. A Lei mostra Deus condenando o pecador em
virtude do seu pecado (Deus puopteu peccata dammans), enquanto que o
Evangelho descreve Deus perdoando e justificando gratuitamente o pecador
por amor de Cristo (Deus propter Christum absolvens et iustificans.) O teólogo
cristão deve ter esse fato sempre presente ao determinar as esferas e funções
da Lei e do Evangelho.

ÍNTIMAENTRE LEI E EVANGELHO


4. A RELAÇAO
Embora sejam radicalmente distintos um do outro pelo que respeita ao
seu teor, mesmo assim a Lei e o Evangelho não devem vir intimamente ligados
em sua aplicação prática. Lutero escreve sobre isso (S. L., IX, 454): "Embora
pelo seu conteúdo (re ipsa) estejam ambos muito distanciados u m do outro
(renzotissiurza), ainda assim estão ao mesmo tempo o mais intimamente ligados.
Nada está mais fortemente ligado que temor e firme esperança, Lei e
Evangelho, pecado e graça. Pois que estão tão ligados que um é absorvido
(absorbeatur) pelo outro. Por isso mesmo, não pode haver combinação
matemática que a esta se equipare."
Essa relação íntima entre Lei e Evangelho toma-se evidente ao considerarmos
a conversão do pecador. Segundo demonstramos em capítulo anterior, a conversão
se dá no preciso instante em que o pecador penitente confia pessoalmente nas
graciosas promessas do Evangelho; ou digamos resumidamente, sua conversão
efetua-se pelo Evangelho. Todavia, para que o Evangelho possa desempenhar suas
funções confortador confortadoras e salvadoras, é preciso que a Lei primeiro
convença o pecador de seu pecado e da culpa, atemorize-o e humilhe e leve a
desesperar no que respeita aos seus próprios esforços para se salvar. (Rrn 3.19,20,23,24)
Dessa maneira, a conversão do pecador requer e pressupõe a pregação tanto da Lei
como do Evangelho.A Lei tem de, primeiro, fazer o pecador ver a sua morte espiritual,
a fun de que possa regozijar-se com a vida espiritual que o Evangelho proporciona.
A Lei tem de convencê-lo da justa exigência de Deus, para que possa estar disposto
a aceitar, pela fé, os dons gratuitos do Evangelho. A Lei tem de proclamar o pecado,
para que o Evangelho possa proclamar a graça.
Ao falar do segundo emprego da Lei divina, os nossos dogmáticos fazem
correta distinção entre o seu usus elenchticus (a revelação e o convencimento
Dogmática Cristã

do pecado, Rm 3.20) e o seu usus paedagogicus ("nos serviu de aio para nos
conduzir a Cristo" - Gl 3.24). É preciso, porém, considerar que a Lei, em si,
não conduz a Cristo, mas unicamente ao desespero. Todavia, serve para a
vinda a Cristo (cornpulsus indirectus) por fazer o pecador ver a sua necessidade.
Havendo a Lei atemorizado o pecador, Cristo está ao alcance para lhe proclamar
o conforto do Evangelho. Passagens como 2 Co 3.6b; Rm 7.5,8 ensinam que
a Lei por si mesma não efetua nenhuma transformação moral nem melhora o
coração do pecador, predispondo-o à recepção do Evangelho. É, pois, preciso
que o Evangelho vá lado a lado com a Lei, caso o pecador deva ser convertido
e salvo.
0 s antinomistas negaram essa relaçáo íntima entre Lei e Evangelho ao
tentar banir a Lei da Igreja. Em última análise, porém, a sua oposição à Lei
constituía oposição ao Evangelho, conforme Lutero diz com razão (S. L., XX,
1646): "Tirando-se fora a Lei, ninguém sabe o que Cristo é Cristo ou o que
Fez realizou ao cumprir a Lei por nós." O Reformador percebeu claramente
que "por este assim chamado entusiasmo (o antinomismo), o diabo não
pretende tirar fora a Lei, mas Cristo, o cumpridor da Lei". (XX, 1614)
Igualmente, a íntima relação entre Lei e Evangelho torna-se evidente
também ao considerarmos a santificação do crente. É verdade que, segundo o
homem interior ou novo homem, o cristão não requer a Lei (1 T m 1.9), visto
que, como nova criatura em Cristo, tem a Lei de Deus escrita em seu coração
(Jr 31.33; Ez 36.26) e lhe obedece tão alegre e voluntariamente como fazia
Adão antes da queda. (S1 110.3). A Fórmula de Concórdia declara com razão
(Decl. Sól., VI, 17): "Quando, porém, o homem nasce de novo do Espírito de
Deus e é libertado da Lei, isto é, quando está livre desse propelidor e é impelido
pelo Espírito de Cristo, aí então vive de acordo com a imutável vontade de
Deus, compreendida na Lei, e, enquanto renascido, tudo faz de espírito livre
e disposto."
A situação torna-se, porém, completamente diferente, quando
examinamos o crente segundo a natureza pecaminosa, que ainda se apega a
ele. (Rm 7.14-24) Segundo a natureza corrompida, o crente não conhece a
Lei profundamente nem a cumpre d e livre vontade (Rm 7.15), mas
constantemente se opõe a ela e a transgride. (Rm 7.18)
Diz Lutero (S. L., IX, 881): "Segundo o espírito, o crente é justo, sem
qualquer pecado, não necessita de nenhuma Lei; todavia, segundo a carne,
ainda tem pecado. [...I Visto que tal coisa ainda existe [em nós], a Escritura
nesta parte nos considera iguais aos injustos e pecadores, precisando nós,
segundo a carne, tanto da Lei como aqueles."
Assim também a Fórmula de Concórdia comenta (Decl. Sól. VI, 18ss):
"No entanto, como os crentes não são perfeitamente renovados neste mundo,
porém o velho homem se lhes apega até à sepultura, neles também continua
Lei e Evatrgeih:

a luta entre o espírito e a carne. Por isso, deveras têm prazer na Lei de Deus
no tocante ao homem interior, mas a Lei em seus membros guerreia contra a
Lei em suas mentes. Destarte nunca estão sem Lei, e contudo não estão
debaixo da Lei senão na Lei, vivem e andam na Lei do Senhor, e todavia nada
fazem por impulsão da Lei."
O crente, portanto, tem de empregar juntamente com o Evangelho
também a Lei divina, a saber, a) como freio para crucificar a natureza má (Rm
8.7; 1 Co 9.27); b) como espelho, que lhe revela constantemente os seus
pecados (Rm 7.7, 13; G15.19-2 1); c) como norma, segundo a qual deve pautar
e dirigir toda a sua vida. (G15.22-25) Daí o mesmo regenerado ter de empregar
continuamente a Lei em relação íntima com o Evangelho. A Lei para refrear a
sua carne exteriormente, a Lei para destruí-la interiormente. A Lei para indicar
as boas obras. O Evangelho a fim de lhe conferir poder para fazer boas obras.
A Lei para mostrar-lhe os seus pecados, e o Evangelho para ensinar-lhe como
purificar-se do pecado.
Não há, naturalmente, nenhuma contradição entre passagens tais como
1 T m 1.9: "Não se promulga Lei para quem é justo" e passagens que aplicam
a Lei, em todo uso que dela se faz ao cristão, por exemplo, Rm 7.23, 24; 1 Co
9.27; etc. Naquela passagem, descreve-se o cristão segundo a nova natureza;
nestas, segundo a sua velha natureza, sua natureza corrupta. Diz Lutero
com razão: "Ein Christ ist zwischen zwei Zeiten geteilt. Sofern er Fleisch ist, ist er
unter dem Gesetz; sofern er Geist ist, ist er unter der Gnade." (cf. S. L., IX, 452.880)
("O cristão está dividido entre dois tempos. Enquanto carne, está debaixo da
Lei; enquanto espírito, está debaixo da graça.")
A conversão e a santificação são, portanto, conseqüências da cooperação
entre a Lei e o Evangelho. A pregação tão-só da Lei redunda em hipocrisia ou
desespero; a pregação tão-só d o Evangelho redunda e m indiferença e
segurança. (cf. Lutero, S. L., V, 988; também Dr. Engelder, Dogmatical Notes)
Para completar, podemos acrescentar aqui que nossos dogmáticos falam
de um emprego quádruplo da Lei divina, cada um dos quais aplicáveis também
ao cristão. A Lei põe em cheque a natureza pecaminosa do cristão e o constrange
à disciplina externa (usus politicus); revela-lhe o seu pecado e o convence dele
(usus elenchticus); é seu aio para conduzi-lo a Cristo (usus paedagogicus); provê-o
de norma de vida segura. (perpetua vivendi regula, Mt 5.17; usus didacticus)

5. A ARTEDE FAZERDISTINÇAO
ENTRE LEI E EVANGELHO
Enquanto é relativamente fácil fazer-se distinção entre Lei e Evangelho
na teoria, é extremamente difícil aplicar essa distinção na prática. Lutero
comenta acertadamente que a verdadeira distinção entre Lei e Evangelho
na prática fica além das faculdades naturais do ser humano e só se pode
conseguir pela operação do Espírito Santo. A razáo disso deve se encontrar
Dogt7záticn Cristã

na disposição natural do ser humano, que se atém persistentemente à opinio


legis, ou seja, ao desejo de salvar-se pela justica das obras. Também o crente
está sujeito a esse erro fundamental, enquanto carne. Conseqüentemente,
é de contínuo tentado a aplicar erradamente a Lei e o Evangelho, de sorte
que se vê obrigado a pedir, sem cessar, a Deus iluminação por seu Santo
Espírito. (SI 143.10)
Ainda mais difícil é a tarefa do pastor cristão, que deve fazer correta
divisão da Palavra da verdade em sua qualidade de ministro de Jesus Cristo. (2
T m 2.15) As palavras de Lutero aqui têm aplicação: "Alguém que entender
bem esta arte de dividir Lei e Evangelho, a este concede a mais distinta honra e
o título de doutor das Sagradas Escrituras." O ministro cristão deve ensinar
constantemente a Lei e o Evangelho lado a lado, com a devida consideração
t a n t o de distinção como de sua relação, de modo que os seguros são
atemorizados, e os atemorizados, confortados. Jamais confundirá as duas
doutrinas, porém ensinará a Lei em toda a sua severidade e o Evangelho em
toda a sua doçura.
Os que se devotam sinceramente com zelo a essa tarefa prontamente
vão concordar com Lutero, que diz (S. L., IX, 798s): "Sem o Espírito Santo,
é impossível obter a distinção [entre Lei e Evangelho]. Noto-o em mim
mesmo, vejo-o também diariamente noutros, como é difícil separar a
doutrina da Lei e do Evangelho uma da outra. Aqui o Espírito Santo deve
ser mestre e professor, ou então nenhum homem na terra poderá entender
e ensinar. [...I A arte se ensina com facilidade: Parece óbvio dizer que a Lei é
palavra e doutrina diferente do Evangelho; todavia fazer distinção na prática
e aplicar a arte, isto significa aflição e trabalho."
Entretanto, ainda que seja muito difícil distinguir a Lei do Evangelho, é
absolutamente necessário fazê-lo, visto que, sem a devida distinção entre as
duas doutrinas, não pode haver fé salvadora e, por conseguinte, também não
o verdadeiro cristianismo. Lutero chama a atenção para esse fato, ao escrever
(S. L., IX, 798ss): "Se houver engano neste ponto, torna-se impossível
distinguir um cristão de um o pagão e ou um judeu; tal a importância dessa
distinção."
Não é difícil compreender a razão de Lutero para um tal veredito. A
doutrina fundamental da fé cristã é a da justificação pela graça, mediante a fé
(sola guatia; sola fide). Para que se possa ensinar essa doutrina em sua pureza
escriturística, torna-se necessário excluir dela toda exigência da Lei, ou seja,
toda boa obra. Tal como diz Lutero, não se deve fazer a justificação depender
nem mesmo de um piedoso Pai-Nosso, caso se queira conservar toda a verdade
da doutrina cristã. Se, nesse ponto, a severidade da Lei divina é alterada e não
é apresentado o Evangelho da graça divina em Cristo em toda a sua doçura
escriturística, o pecador jamais sentirá verdadeira contrição. Também não se
confiará inteiramente à misericórdia de Deus em Cristo Jesus para sua salvação.
Lei e Evarigelho

Em síntese, a menos que o Evangelho seja estritamente distinguido da Lei,


torna-se impossível ensinar a justificação pela fé.
Segue-se disso, ainda, que também se torna impossível consolar o
pecador com a certeza da salvação, se Lei e Evangelho se confundem. Em
outras palavras, se, no artigo da justificação, Lei e Evangelho são misturados,
de sorte que se faça a salvação da pessoa depender de seu cumprimento das
justas exigências de Deus, o pecador terá de, para sempre, manter dúvidas
quanto ao seu estado de graça. O estado de graça é arrebatado da mão
onipotente de Deus e depositado em suas próprias mãos impotentes. A
confusáo entre Lei e Evangelho nesse ponto destitui, por conseguinte, a pessoa
da maior bênção que o cristianismo proporciona ao mundo, a saber, a certitudo
gratiae er salutis pela fé e m Cristo Jesus, por cujo amor Deus justifica
gratuitamente o pecador destituído da glória de Deus. (Rm 3.23,24)
Diz Lutero sobre isso (S. L., IX, 619): "É impossível possam Cristo e a
Lei habitar simultaneamente no coração; pois que ou a Lei ou Cristo deve
retirar-se." O que Lutero quer dizer é o seguinte: A pessoa confia, para a
salvação, ou nas obras ou em Cristo; ou, o que vem a dar no mesmo, deseja
salvar-se pela Lei ou pelo Evangelho. Não há entre ambos um termo médio.
Mas ai do pecador que, para a salvaçáo, confia na Lei! (G1 3.4) Visto que é
incapaz de a guardar, ele está para sempre debaixo de sua maldição. A confusáo
entre Lei e Evangelho destitui o pecador daquele único conforto verdadeiro
que pode ampará-lo em vida e consolá-lo na morte - a segura esperança da
salvação pela fé em Cristo Jesus.
Por fim, sem a devida distinçáo entre Lei e Evangelho, torna-se também
impossível entender as Escrituras. A Fórmula de Concórdia chama a atenção
para esse ponto, denominando a distinçáo entre Lei e Evangelho "[...I luz de
particular brilho, que serve ao propósito de dividir corretamente a Palavra de
Deus e explicar e entender apropriadamente os escritos dos santos profetas e
apóstolos." (Decl. Sól. VI 1) Essa declaração de nossa Confissão não constitui
exagero; pois que, de um lado, a Escritura diz claramente: "Faze isto e viverás."
(Lc 10.28) e de outro: "O homem é justificado pela fé, independentemente
das obras da Lei." (Rm 3.28) Essas declarações são, e m si mesmas,
contraditórias, tão contraditórias quanto o sim e o não. No intuito de afastar
a dificuldade, os antinomistas procuram banir a Lei da Igreja para o Tribunal,
de sorte que, dentro da Igreja, não se devesse ensinar nada além do Evangelho.
Todavia, esse procedimento é antibíblico; porquanto é vontade expressa de
Deus, posta em evidência em sua Palavra, que a Lei (a Lei moral) seja
proclamada sem qualquer restrição ou redução até o fim dos tempos. (Mt
5.18)
Os teólogos racionalistas modernos tentam desfazer a contradiçáo,
convertendo o Evangelho em Lei. A Palavra de Deus pronuncia a divina
Dogmática Cristã

maldição sobre todo aquele que, dessa maneira, priva o Evangelho de seu
glorioso conteúdo. (C1 1.8; 6.14) Em suma, não se deve afastar a contradição,
abrindo mão de qualquer das duas doutrinas, mas fazendo a devida distinção
entre ambas e confinando cada uma à sua própria esfera. Feito isso, podemos
compreender facilmente por que, por u m Iado, a Escritura diz: "Aquele que
observar os seus preceitos, por eles viverá." (G1 3.12) e, por outro: "O homem
não é justificado por obras da Lei e sim mediante a fé em Cristo Jesus." (G1
2.16) Nesse caso, nos lembramos de que a Lei nos foi dada para que
pudéssemos chegar ao conhecimento dos nossos pecados (Rm 3.20), e o
Evangelho para que pudéssemos obter a remissão dos pecados. Em resumo,
se fizermos a devida distinção entre Lei e Evangelho, a Bíblia será para nós
um livro claro; se não fizermos, permanecerá obscura e incompreensível para
sempre.
A veracidade dessa declaração é comprovada pela atitude errada dos
romanistas e sinergistas protestantes referente à questão vital da certeza da
salvação (certitudo salutis). Errando nessa parte, confundem Lei e Evangelho
pela negação do sola gratia e pelo ensino, direto ou indireto, da salvação pelas
obras. Conseqüentemente, mantêm o ensino de que o crente não pode estar
seguro de sua salvação (monstrum incertitudinis). Isso constitui rejeição
proposital de uma clara doutrina escriturística. (Rrn 8.38,39) Mesmo assim,
procuram basear sua falsa alegação na Escritura. (1 Co 10.12) Deixam, porém,
de fazer distinção entre Lei e Evangelho. Ludibriados por seu erro, esquecem
que passagens como 1 Co 10.12; Hb 1214; etc., são Lei, destinadas a advertir
e atemorizar os seguros e indiferentes, enquanto passagens como Rm 8.38,39;
Jo 10.27-29; 3.16-18; etc., são Evangelho, determinadas para conforto dos
contritos e penitentes. Segundo a velha natureza, os crentes necessitam
sempre de advertências da Lei, ao passo que, segundo a nova natureza, se
regozijam na esperança da salvação que Ihes é oferecida no precioso Evangelho.
(Rm 5.1-50) É, pois, absolutamente necessário que o crente em geral, ao julgar
em particular o seu estado de graça, mas especialmente o ministro cristão, ao
proclamar oficialmente o divino caminho da salvação, faça clara e rigorosa
distinção entre Lei e Evangelho. (2 T m 2.15)
Isso, porém, só pode ser feito, quando Deus nos concede a sua graça e
nos conserva nela. O seu Santo Espírito tem de nos ensinar e levar a fazer
distinção entre Lei e Evangelho e aplicar ambos na devida ordem. Sem a
iluminação e orientação d o Espírito Santo, ninguém pode apelar da
condenação da Lei para as benditas promessas do Evangelho de perdão dos
pecados, vida e salvação e nelas confiar. Isso é obra graciosa do Espírito em
nós. (Ef 1.19, 20; Fp 1.29; C1 2.12) Assim também a perseverança na fé,
mediante confiança constante nas promessas do Evangelho, é obra de Deus
em nós. (1 Pe 1.5) Igualmente, embora a Lei acuse e condene a pessoa, o
nomismo, que faz da Lei o meio de salvação por via da santificação, está tão
Lei e Eva~gelko

profundamente arraigado na sua natureza que, adepta da Lei por nascença,


ela confia nas obras da Lei para a salvação e se recusa a apelar da Lei para o
Evangelho, o qual é, para a natureza pecaminosa, tanto uma pedra de tropeço
como loucura. (1 Co 1.23) Deus, pois, deve salvar-nos, operando e m nós
tanto o querer como o efetuar. (Fp 2.13) Sem a sua graça, nada podemos
fazer também nessa questão de estabelecer-se a devida distinção entre Lei e
Evangelho.(cf. Lutero, S. L., IV, 2077ss; IX, 446ss: XXII, 760ss; V, 1171)

6. Os QUE ABREM MÁo DA VERDADEIRA


DISTINÇAO
ENTRELEI E EVANGELHO
Abrem mão da verdadeira distinção entre Lei e Evangelho e, daí,
confundem Lei e Evangelho:
a. Os romanistas, que confundem Lei e Evangelho em prol de seu
pernicioso ensinamento da justiça das obras e da incerteza da
salvação. O Concílio de Trento amaldiçoa expressamente a doutrina
segundo a qual "o Evangelho é promessa absoluta e incondicional de
vida eterna, sem a condição de que [a pessoa] tenha de primeiro
guardar a Lei". (Sess. I\í Cân. 20)
b. Os calvinistas, que negam a gratia universalis e a operação do Espírito
Santo pelos meios da graça determinados por Deus. Como
conseqüência desses erros, não proclamam as promessas evangélicas
universais da graça a todos os pecadores, mas condicionam a salvação
do pecador à sua conformação com as condições prescritas sob as quais
Deus aceitará o pecador. De acordo com Charles Hodge, a "vocação
externa" é "a promessa de aceitação no caso de todos quantos se
conformam com as condições", ao passo que o Evangelho é "a
proclamação dos termos d base dos quais Deus está disposto a salvar os
pecadores e detnonstraçáo do dever dos seres humanos caídos em retapio
aquele plano". (Syst. Theol., 11, 642) Dessa maneira, em última análise,
os calvinistas cometem o mesmo erro fatal que os romanistas.
c. 0 s sinergistas, que negam o sola gratia e fazem a salvação depender
da decisão do próprio pecador pela graça. Segundo o sinergismo, o
Evangelho é mensagem de Deus que promete graça a todos os que
se aplicarem à graça. É, pois, o çinergismo um retorno ao campo
pelagiano do romanismo.
d. Todos os modernistas, que negam a satisfactio vicaria; pois, visto que
negam a expiação vicária de Cristo, são obrigados a ensinar a salvação
pelas obras, ou seja, a expiação do próprio pecador pelos seus pecados.
e. Certos teólogos modernos, que afirmam uma "uniformidade superior"
(hohere Einheit) entre Lei e Evangelho. Segundo a sua opinião, a
Dogmática Cristã

diferença entre Lei e Evangelho é só de grau, não de espécie; pois


que ambos, segundo falsa alegação, exigiriam do pecador obras morais.
Nesse caso, o Evangelho, em última análise, não passaria de uma Lei
modificada. Essa opinião errônea, naturalmente, anula por completo
a distinção entre as duas doutrinas. Converte o Evangelho em Lei e
põe a salvação do pecador na dependência de sua própria obediência.
Lutero, a quem esses enganadores dão como favorecedor dessa opinião
perniciosa, na realidade fazia distinção entre Lei e Evangelho como plus quatn
ccittradictoria.
Ao encerrarmos este capítulo, queremos chamar a atenção para o fato
de que, em todos os casos em que se confundem Lei e Evangelho, o propósito
é sempre o mesmo, a saber, eliminar a "loucura da pregação" do Salvador
crucificado e ressuscitado como única esperança de salvação e confirmar a
doutrina pagã da salvação pelas obras (opinio legis).
O resultado de todos os erros na Teologia é, em última análise, a
eliminação do "Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo7'. (Jo 1.29)
Lutero diz com exatidão (S. L., XX, 873): "Quem nega, blasfema ou desonra
Cristo num ponto ou artigo, em nenhuma outra parte o poderá ensinar ou
honrar corretamente."
Lei e Evangelho são confundidos de maneira mais sutil por todos aqueles
que enfraquecem o rigor da Lei, ensinando que Deus se daria por satisfeito, se
as pessoas lhe obedecessem tanto quanto lhes fosse possível; por todos aqueles
que injetam elementos legísticos no Evangelho, destituindo-o de sua doçura
e por todos aqueles que proclamam a Lei aos pecadores penitentes e o Evangelho
aos que estão seguros e em indiferença carnal. Pode-se, pois, confundir Lei e
Evangelho com respeito à sua natureza e teor, com respeito à suas funções e
com respeito às pessoas a quem se aplicam. Sempre, porém, que se confundem
Lei e Evangelho, destroem-se a doutrina da justificação pela graça e a certeza
da salvação. Na verdade, onde não se conhece nem se põe em prática a diferença
entre Lei e Evangelho, ninguém pode tornar-se ou conservar-se cristão. Por
isso, merecem consideração especial as palavras de Lutero: "Esta distinção
[...I é a arte suprema na cristandade, da qual deveriam entender e ser capazes
todos em geral e cada um em particular de quantos se ufanam do nome cristão
ou o assumem." (S. L., IX, 798)
1. A DIVINA
INSTITUIÇÃO DO BATISMO
O Batismo não é mero rito eclesiástico, mas ordenação divina (i~stitutio
divina), que deve permanecer em vigor até o fim dos tempos e ser observada
por todos os cristãos. (Mc 16.15, 16; Mt 28.19, 20) A ordem de batizar foi
dada por Cristo com ênfase igual à da pregação do Evangelho, fato este que os
apóstolos reconheceram devidamente. (At 2.38; 10.48) É preciso mantê-lo
apesar do fato de a missão especial de Paulo ter consistido mais em evangelizar
que em batizar. (1 Co 1.14,15) Por isso, através de todas as suas epístolas,
ensina tanto a necessidade como a eficácia do Batismo. (Rm 6.3,4; G1 3.27;
T t 3.4-7; etc.) Conseqüentemente, se os Quacres [Quakers], o Exército de
Salvação e outros entusiastas rejeitam o Batismo como mera "cerimônia que
não é compulsória para as consciências", rejeitam a própria instituição e
ordenação de Deus. Sua rejeição do santo Batismo, porém, não passa de
conseqüência do seu repúdio da doutrina dos meios da graça em geral.
Os teólogos racionalistas modernos (Hotzmann) negam a instituição
divina do santo Batismo, embora admitam ter sido o Batismo de praxe comum
na Igreja Cristã primitiva. Todos os seus argumentos, no entanto (Paulo
batizou unicamente em casos excepcionais. (1 Co 1.14) Pedro mesmo não
batizou. (At 10.48) Jesus não batizou, mas apenas ensinou. Jo 3.22; 4.2), não
podem deitar por terra as Palavras claras em M t 28.19,20 e Mc 16.15,16, em
que se ensina inconfundivelmente a instituição divina do santo Batismo.
Teólogos racionalizantes modernos com tendência mais conservadora
admitem a instituição divina do Batismo, porém fazem objeções ao chamado
"caráter legal" dessa ordenação. Em resposta a esse argumento um tanto vago,
dizemos que a obrigação da Igreja de batizar não é mais "legal" do que é o seu
dever de proclamar o Evangelho. Se os homens podem salvar-se sem o Batismo,
a razão disso não vem de ser o Batismo "mais legal" que a proclamação do
Evangelho, mas de Deus oferecer, em sua graça infinita, ao pecador já pela
Palavra do Evangelho, sua inteira graça com perdão completo. Esse fato, no
entanto, não torna o Batismo supérfluo. Deus, que, "em sua graça, é
muitíssimo rico", não quer proporcionar-nos "conselho e ajuda contra o pecado
só de um modo." (Os Artigos de Esmalcade, Parte 111, Art. IV) Seguramente,
nosso Senhor, que instituiu o Batismo, não quer que desprezemos este
sacramento sagrado e salutar. (Lc 7.30)
Dogrnática Cristã

A ordem divina de batizar requer sempre água como elemento visível que
se deve empregar neste sacramento uo 3.23; At 8.3ó), de maneira que o emprego
de qualquer substituto invalida o Batismo. Todos aqueles de cujo Batismo não
possamos obter comprovação segura devem considerar-se como não-batizados.
Embora o emprego de água no Batismo seja necessário, a maneira de sua aplicação
(modus applicandi) é facultativa, visto que o verbo grego baptizein não significa
apenas imergir, mas também lavar (cf. Lc 11.38; Mc 7.23, onde baptizesthai
significa o mesmo que niptesthai, ou seja, lavar.) Por isso, nosso Catecismo luterano
sustenta com razão que batizar significa "lavar, regar, aspergir com água ou
submergir na água". Aos que insistem em que o Batismo deve ser por irnersão por
simbolizar o sepultamento na morte (Rrn6.3,4), nossos dogmáticos respondem
que o Batismo significa, não só sepultamento, mas também lavagem dos pecados
(At 22.1ó), derramamento do Espírito Santo (Tt 3.5,ó) e aspersão com o sangue
de Cristo. (Hb 10.22 cf. com Êx 24.8; Hb 9.19; 1 Co 10.2) Assim cada um dos
diferentes modos de aplicação da água simboliza o seu significado.
Se alguém fizer a objeção de que seria necessária a imersão, porque
toda a pessoa deve ser purificada pelo Batismo, respondemos que o poder
purificador do Batismo não reside na quantidade de água empregada, mas no
próprio sacramento, de maneira que todo aquele que o recebe, sob qualquer
forma, é completamente purificado. (Jo 13.9,10)
De passagem, queremos lembrar ao leitor que comumente os que
insistem na imersão, porque "o Batismo tem de simbolizar o sepultamento
na morte", negam a própria eficácia do sacramento em sepultar a pessoa
batizada na morte de Cristo, isto é, em adquirir os benefícios da morte
substituta de Cristo. Enquanto insistem na forma, rejeitam a parte essencial
do Batismo; guardam a casca e põem o miolo fora.
Todas as objeções à instituição divina do santo Batismo têm sua origem
na razão presunçosa, incrédula, que põe propositadamente de lado as Sagradas
Escrituras como única fonte e norma de fé. Quando as pessoas declaram que
o Batismo é supérfluo - tal qual o são todos os meios da graça -, porque tão-
só se requer o "Batismo do Espírito e do fogo" (Quacres); ou porque é
"cerimônia judaica" (Exército de Salvação); ou porque o Batismo é apenas
u m rito eclesiástico (modernistas; teólogos racionalistas); ou porque dizia
respeito unicamente à Igreja Primitiva (socinianos); ou porque a fórmula
trinitária em M t 28.19 é uma interpolação, visto que o conceito da Trindade,
conforme expresso nessa passagem, era estranho ao espírito da Igreja Primitiva
(teólogos modernistas; cf. 2 Co 13.14; Tt 3.4-7; 1 Pe 1.10-12); ou porque o
relato do Evangelho de Mateus é anti-histórico, porquanto Cristo não
ressuscitou dos mortos; porque, em vista de 1 Co 1.14; Jo 3.22; 4.2, não se
pode considerar a passagem de M t 28.19 uma ordem batismal dada por Cristo
- provam que se opõem propositadamente às Sagradas Escrituras e exaltam a
sua cega razão acima da Palavra de Deus.
A Doutrina do Santo Batismo

2. O QUETORNA
O BATISMO
UM SACRAMENTO
@E FORMABAPTISMI)
Para que o Batismo seja válido, é preciso aplicação de água no indivíduo;
pois que a água e sua aplicação constituem elementos essenciais dessa
ordenação sagrada. A água em si, porém, não torna o Batismo um sacramento.
Conforme diz Lutero corretamente em seu Catecismo: "O Batismo não é
apenas água simples, mas é a água compreendida no mandamento divino e
ligada com a Palavra de Deus." Santo Agostinho expressa a mesma verdade
com as Palavras: "Une-se a Palavra ao elemento, e constitui-se o sacramento."
(Accedit Verbum a d elementutn, et fit sacramentum.) O ato se converte em
sacramento, quando realizado em acordo com a instituição de Cristo. Embora
a aplicação da água seja importante, é realmente a Palavra de Cristo ligada à
aplicação que torna o Batismo "uma lavagem da regeneração e da renovação
do Espírito Santo".
É dupla a natureza dessa Palavra de Cristo. Em primeiro lugar, é uma
ordem. (Mt 28.19: "Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações,
batizando-os.") Assim como deviam ir, os apóstolos também deviam fazer
discípulos, batizando. É, pois, bastante clara a ordem de batizar.
Em segundo lugar, a Palavra divina ligada ao Batismo é uma promessa.
(Mt 28.19: "em nome [eis to ónoma] do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.")
Essas Palavras expressam que o Batismo não constitui uma cerimônia vazia,
mas um meio da graça eficaz pelo qual a pessoa batizada entra (pela fé,
naturalmente, e não apenas ex opere operato) em comunhão com o Deus triúno.
As Palavras são, por conseguinte, uma promessa mui graciosa e, como tais,
explicam por que os apóstolos podiam "fazer discípulos, batizando".
A promessa batismal está mais claramente estabelecida em Mc 16.16,
como vemos:
"Quem crer e for batizado serd salvo." Em Rm 6.4, a promessa é
apresentada de modo ainda mais definido: "Fomos sepultados com Cristo na
morte pelo Batismo." (na morte de Cristo) Em G1 3.27, Paulo declara que
todos quantos foram batizados em Cristo já se revestiram de Cristo, a saber,
de sua justiça e seus méritos. (justificação)
Define-se, portanto, corretamente o Batismo como água compreendida
no mandamento divino e ligada com a divina promessa de remissão dos
pecados, vida e salvação.
Tem-se mostrado (Tertuliano, De Bapt., c. 5) que algumas religiões pagãs
dispunham de batismos por elas mesmas estabelecidos (Sacris quibtrsdam
[nationes exterae] per lavacrum initiantur Isidis alicuius aut Mitharae.) Esses
batismos eram de feitura humana e, portanto, ineficazes; todavia Cristo, o
Senhor onipotente, onisciente, estabeleceu por sua ordem divina o verdadeiro
Dogmhtica Cristã
- -

Batismo (o divino meio da graça) pelo qual a pessoa batizada entra em


comunhão com o Deus verdadeiro e com todas as bênçãos espirituais de
graça e remissão. (katharismós, loutrón poliggenesias k a i anakainooseoos
pneumatos hagiou, T t 3 . 5 s )
Uma vez que Cristo ordenou aos seus santos apóstolos, e assim a toda
a Igreja Cristã, batizassem "em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo", é
preciso que essa forma de Batismo (Taufformel) seja empregada pelos cristãos
fiéis sempre que administram o santo sacramento. Isso não é desmentido
pelo fato de que a Escritura, por vezes, fala do4Batismocomo efetuado "em
nome de Cristo." (At 2.38: epi too onómati Jeesou Christou; eis to ónoma Kuriou
Jeesou; 10.48: en too onómati Jeesou Christou; G1 3.27: eis Christón; Rm 6.3: eis
ton Christón.)
O Batismo "por autorização de Cristo" ou "em nome de Cristo" não
está em antagonismo com o Batismo em nome do Deus triúno, visto que,
por um lado, Cristo instituiu o sacramento, e, por outro, os que são batizados
só entram em comunhão com o Deus triúno pela fé em Cristo. As duas séries
de passagens não são, por conseguinte, exclusivas, mas inclusivas. Aquele
que é batizado é batizado por ordem de Cristo no Deus triúno mediante o
próprio Cristo. Em outras Palavras, jamais devemos separar o Batismo de Cristo;
só existe, porque Cristo o ordenou, e só é eficaz, porque se fundamenta em
sua expiação vicária, pela qual adquiriu todas as bênçãos espirituais que se
oferecem no Batismo.
Esta é a clara doutrina do apóstolo Paulo, que escreve: "Como também
Cristo amou a Igreja e a si mesmo se entregou por ela, para que a santificasse,
tendo-a purificado por meio da lavage~zde água pela Palavra." (Ef 5.25,26) É,
pois, o Batismo água santificadora e purificadora em virtude da Palavra
(Evangelho) ligada à mesma, na qual Cristo oferece gratuitamente a todas as
pessoas os méritos que obteve, quando "a si mesmo se entregou" à morte
pelos pecados de todo mundo. Todo o Batismo conseqüentemente está sempre
relacionado com Cristo e, por isso mesmo, também com a Santíssima Trindade.
Zoeclder observa corretamente, em seu comentário aos Atos 2.38, que
os apóstolos, ao batizar "em nome de Jesus", sem dúvida nenhuma empregaram
a forma prescrita em Mt 28.19, citando, nessa conexão, a Didachee (7, 2.3).
Isso estava em perfeito acordo com sua constante insistência no Deus triúno
como único Deus vivo e verdadeiro, fonte e autor de todas as bênçãos
espirituais. (2 Co 13.13; Ef 1.2-14; 1 Pe 1.2-4)
Não é de nenhuma importância se o ministro emprega a fórmula: "Eu
te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo" (luteranos, católico-
romanos), ou a que emprega a Igreja Católica Grega: "Este servo é batizado
em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo." Mesmo uma fórmula como:
"Eu te batizo em nome da Santíssima Trindade." é válida. Todavia, é preciso
A Doutrina do Santo Batismo

se considerar que a fórmula mais apropriada é a que se aproxima mais das


Palavras da instituição. Nenhum ministro deve alterar a fórmula estabelecida
na Igreja, porque todo desvio está sujeito a originar dúvidas e despertar
contendas.
A pergunta sobre como devemos considerar os atos batismais efetuados
por hereges antitrinitários "em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo",
tem sido respondida clara e unanimemente por todos os doutores cristãos. Já
Santo Agostinho relata que, n o seu tempo, os hereges batizavam
frequentemente em nome do Deus triúno, mas que um tal Batismo não era
considerado válido pela Igreja.
A rejeição de semelhante Batismo sucede por razões escriturísticas; pois,
enquanto é verdade que, nesse caso, se emprega o nome da Santíssima Trindade,
também é verdade que semelhante emprego do nome de Deus não passa de
zombaria e blasfêmia, visto que esses hereges não crêem no Deus cujo nome
empregam. Argumentam, pois com razão os nossos dogmáticos que, em todos
esses casos, falta a Palavra de Deus, de maneira que tem um "batismo" sem a
Palavra de Deus e, conseqüentemente, nenhum Batismo verdadeiro.
Esse caso, naturalmente, difere do caso em que um ministro incrédulo
(um hipócrita) serve a uma congregação cristã. Nesse caso, a sua incredulidade
pessoal não invalida o Batismo, visto que ele, ao administrar o Batismo, serve
como representante da Igreja Cristã.
Não é preciso que se diga que todo Batismo deve ser de absoluta certeza,
de forma que a pessoa batizada possa-se consolar realmente com o concerto
de graça estabelecido no santo Batismo. Em todos os casos de incerteza, a
pessoa em questão deve ser batizada. Todavia isso não se considerará um
segundo Batismo ou uma repetição do Batismo, visto que o Batismo duvidoso,
na verdade, não é Batismo. Diremos, em conclusão, que aceitamos como
válidos todos os dois atos de Batismo realizados em e por congregações cristãs
professas.

3. O BATISMO- UMMEIODA GRAÇA


VERDADEIRO
De acordo com a Escritura, o Batismo não é mera cerimônia ou rito
eclesiástico, porém u m meio da graça verdadeiro (aqua divino mandato
comprehensa et Verbo Dei obsignata), pelo qual Deus oferece e transmite às
pessoas os méritos que Cristo adquiriu para a humanidade por sua satisfação
vicária. (At 2.38) Por isso, Lutero diz em seu Catecismo: "O Batismo opera a
remissão dos pecados, livra da morte e do diabo e dá a eterna salvação a todos
os que crêem conforme dizem as Palavras e promessas de Deus." (Mc 16.15,16)
Nossos dogmáticos, com muita propriedade chamaram o Batismo "um meio
de justificação" (medium iustificationis sive uemissionis peccatorum), que pertence
ao Evangelho, e não à Lei. Com isso, está dito que o Batismo não salva como
Dogmática Cristã

obra que nós realizamos para Deus (não como cumprimento de uma obrigação),
mas, pelo contrário, como obra de Deus em que ele age conosco e nos abençoa.
"Não se trata aqui de uma obra feita por nós, mas de um tesouro que ele nos
dá. " (Lutero, Catecismo Maior: DO Batismo).
O Batismo não confere nada além do que também o Evangelho oferece
e transmite: opera remissão dos pecados (At 2.38), lava o pecado (At 22.16),
santifica e purifica. (Ef 5.26), regenera e salva. (Tt 3.5; 1 Pe 3.21; etc.) Além
disso, o que o Espírito Santo faz pelo Evangelho, operando e fortalecendo a fé
(Rm 116; 1 Co 2.4), também faz pelo Batismo. (1 Pe 1.23; T t 3.5) Com efeito,
o Batismo confere todas as bênçãos divinas espirituais exatamente por ser
água ligada às promessas evangélicas da graça e salvação. Assim como são
eficazes sempre que ouvidas e lidas, essas promessas divinas também o são,
quando aplicadas no Batismo. "Tamanho é o poder que a Palavra transmite
ao Batismo, que o mesmo é um banho de regeneração." (Lutero, Catecismo
Maior: DO Batismo)
A diferença distintiva entre Batismo e Evangelho, em geral é esta: que o
divino oferecimento individual da graça no santo Batismo, por intermédio de sua
aplicação pela água à pessoa individual, torna-se Palavra visível (Verbum visibile).
Com razão, comenta a Apologia (Art. XIII, 5): 'Rssim, porém, como a Palavra
entra nos ouvidos para tocar os corações, assim o rito entra nos olhos a fim de
mover os corações. O mesmo é o efeito da Palavra e do rito, como preclaramente
disse Agostinho: que o sacramento é verbo visível; porquanto o rito é recebido
pelos olhos e é como que pintura do verbo, significando o mesmo que a Palavra.
Razão por que é idêntico o efeito de um e outro."
A verdade que se acaba de afirmar deve ser mantida tanto contra os
romanistas como contra os calvinistas. Os papistas realmente ensinam que,
pelo Batismo, se confere graça à pessoa batizada (gratia ilzfusa), todavia erram
ao sustentar que isso sucede ex opere operato, isto é, sem fé por parte da pessoa
batizada. Contra esse erro, testifica a Apologia (XIII, 18ss): "Isso de julgar
que somos justificados por uma cerimônia, sem movimento bom do coração,
isto é, sem fé, simplesmente é opinião judaica. [...I Assim ensinamos nós que
no uso dos sacramentos deve aceder-se a fé que creia essas promessas e recebe
as coisas prometidas, que são oferecidas no sacramento. [...I Inútil a promessa
a menos que recebida pela fé."
O Concílio de Trento (Sess. VII, Cân. 8) amaldiçoa expressamente a
doutrina escriturística (Rm 4.11) segundo a qual a graça divina oferecida nos
sacramentos é recebida apenas pela fé. A Igreja Católica torna, assim.
impossível aos seus adeptos a obtenção da graça, visto que as Sagradas
Escrituras ensinam que a fé é o único meio eficaz pelo qual se pode adquirir
remissão dos pecados, vida e salvação. (Mc 16.15,16; Rm 4.20-25) Sua doutrina
do Batismo não se destina a conferir graça, mas a privar o pecador da graça.
Não se destina a confortá-lo, mas a incutir nele o monstrum incertitudinisgratiae.
A Doutrina do Santo Batismo

A Igreja de Roma pretende ser defensora legítima do Batismo cristão,


mas, na verdade, o despreza e invalida. Segundo a doutrina católico-romana,
o Batismo destrói completamente o pecado original, de sorte que a
remanescente concupiscência na carne (concupiscentia vel fomes) já não seria
pecado. Essa doutrina se acha em total oposição à Escritura. (Rrn7.17-20) A
esse erro, porém, o romanismo acrescenta outro, a saber, que podem retornar
à graca aqueles que, por causa de pecados mortais, caíram dela, não pela fé
nas promessas batismais, mas por meio da "segunda tábua", ou seja, por meio
de penitência, pela execução da contritio cordis, confissio oris, satisfactio operis.
A doutrina católico-romana do Batismo destina-se, pois, em princípio, a
amparar a doutrina papista da salvação pelas obras.
- Todos os protestantes romanizantes que sustentam que o Batismo
realmente opera a regeneração, porém sem, na verdade, acender a fé, estáo
de acordo com os romanistas. Desta maneira, consideram que a graça batismal
é conferida sem meio receptor da parte do homem, ao passo que a Escritura
ensina com muita clareza que não pode haver renascimento sem fé na
remissão dos pecados adquirida por Cristo (Jo 1.12, 13; 3.5,14,15; 1 Jo 5.1)
e oferecida e transmitida às pessoas pelos meios da graça. A Igreja Luterana,
por seu turno, ensina corretamente que o Batismo é um meio de regeneração
pelo fato de que oferece e transmite a remissão dos pecados, opera e fortalece
a fé por meio de seu gracioso oferecimento do Evangelho. Todos (romanistas
e protestantes romanizantes) quantos negam ser o Batismo primo loco um
meio de justificação pela fé na graca oferecida, confundem Lei e Evangelho
ao converterem o Batismo em meio de santificação, não pela fé, mas pelas
obras.
A doutrina escriturística pertinente à eficácia (efficacia, virtus) do Batismo
é rejeitada in toro pelos reformados. De acordo com a opinião zwingliana, o
Batismo não é um meio (vehiculum), mas unicamente um símbolo da remissão
e regeneração (factae gratiae signum), sendo que o Espírito Santo efetua a
regeneração na pessoa por operação imediata. ("A graça eficaz age
imediatamente.") "Non affert gratiatn baptismus." (Zwinglio, Fidei Ratio,
Niemeyer, p.25)
Segundo a doutrina calvinista, a água não pode fazer tão grandes coisas.
(Boehl: "Das Wasser kann sokhe hohe Dlnge nicht tun." Dogvzatik, p.560) Lutero
admite como verdade ao escrever: "A água, na verdade, não as pode fazer." Em
seguida, vem, então, sua explicação clássica: '24água, na verdade, não as pode
fazer, mas a Palavra de Deus [o meio conferente] que está unida com a água
e a fé [o meio receptor] que confia nessa Palavra de Deus unida com a água;
pois sem a Palavra de Deus, a água é água simples e não Batismo. Com a
Palavra de Deus, porém, a água é Batismo, isto é, água de vida e cheia de
graça, lavagem de renascimento no Espírito Santo, como diz S~O-PIJO- a-Tjo
no capítulo terceiro."
Dogmática Cristã
- - -

Segundo Lutero, o Batismo conseqüentemente "opera a remissão dos


pecados, livra da morte e do diabo e dá a eterna salvação a todos os que o
crêem", precisamente porque as Palavras e promessas de Deus no Batismo
assim o declaram, ou porque o Batismo não é apenas água simples, mas água
compreendida n o mandamento divino e ligada com a Palavra de Deus
(promessa).
Lutero faz, assim, a eficácia do Batismo depender inteiramente das
promessas do Evangelho que estão ligadas à água (Mt 28.19; Mc 16.15,16; At
2.38); porque nessas promessas se baseia a fé dos que são batizados. "A fé
precisa de algo em que assente e se firme." (Lutero, Catecismo Maior: Do
Batismo)
A negação de Zwínglio da eficácia do Batismo foi uma conseqüência de
sua recusa em crer as promessas que Deus prendeu ao sacramento. Enquanto
que Lutero dizia haver de, com alegria e gratidão, apanhar do chão uma palha,
se Deus tivesse prendido a esse ato promessas como as que se fazem no
Batismo, Zwínglio repetia com persistência seu argumento racionalista de
que "a água não pode fazer tão grandes coisas". Ele afirmava que "jamais leu
na Escritura que os sacramentos oferecessem e distribuíssem graça" (Fidei
Ratio, Niemeyer, p.24. 25), embora certamente conhecesse passagens tão claras
como At 2.38; Ef 5.26; At 22.16; T t 3.5; etc.). Lutero foi teólogo legítimo, leal
à Escritura (Schrifttheologe), ao passo que Zwínglio, bem como os seus adeptos
(Boehl, etc.), com argumentos baseados em provas racionais, punham de lado
a eficácia do Batismo.
Assim como negam que o Batismo seja meio de regeneração (initiationis
et regenerationis sacramentum), os reformados também negam que seja um
meio pelo qual a pessoa se una ao corpo espiritual de Cristo, à Igreja (1 Co
12.13), e pelo qual se efetue a santificação do regenerado, a crucificação da
velha natureza e o aparecimento da nova natureza. (Rm 6.1-11) Segundo a
opinião reformada, essas coisas são apenas simbolizadas pelo Batismo. E, pois,
o zwinglianismo (calvinismo), uma negação da eficácia do Batismo in toto.
Toda bênção que a Escritura atribui a esse sacramento é coerentemente negada
com o vigor do axioma racionalista: (A água não pode fazer tão grandes coisas;
é o Espírito quem as deve efetuar."
Do ponto de vista racionalista, essa rejeição da eficácia do Batismo pelos
reformados é perfeitamente compre~nsível.Assim como o calvinismo não
reconhece nenhum meio da graça no sentido escriturístico ("A graça eficaz
age imediatamente"; "Nada interfere entre a manifestação da vontade do
Espírito e a regeneração da alma"), também rejeita o meio da graça especial
conhecido por sacramento do Batismo.
O Batismo é um medium remissionis peccatorum et regenerationis também
no caso dos adultos que já foram regenerados pelo Evangelho. Os nossos
A Doutrina do Santo Batismo

dogmáticos declaram que tais "adultos recebem aumento naqueles dons por
meio do Batismo" (Gerhard), visto que são confirmados e mantidos em sua fé
pela confirmação batismal da promessa do Evangelho. O Batismo, tal qual o
próprio Evangelho, a semente da regeneração (1 Pe 1.23), não gera a fé só na
hora da conversão, mas continuamente. (Rm 10.17)
Todas as demais bênçãos do santo Batismo, tais como a santificação ou
o renascimento contínuo começado no Batismo (Tt 3.5), a crucificação da
velha natureza, a justificação da nova natureza (Rm 6.9-6), etc., resultam da
justificação e regeneração que o mesmo opera. Assim também nossa
implantação no corpo de Cristo, que se efetua pelo Batismo (1 Co 12.13), é o
concomitante necessário de sua transmissão da fé e operação do perdão dos
pecados. Escreve Lutero: "Por isso, se vives em arrependimento, estás andando
no Batismo, que não significa apenas semelhante vida nova, mas a produz,
começa e mantém em andamento. No Batismo se proporciona graça, espírito
e poder para subjugar o velho homem, de modo a poder surgir e fortalecer-se
o novo." (Lutero, Catecismo Maior: -Do Batismo) Por conseguinte, é o Batismo
que nos torna capazes de manter o nosso voto batismal.
Em relação com o Batismo, os dogmáticos luteranos debateram,
também, a questão sobre se seria admissível afirmar a existência de rnateria
coelestis (elemento celestial) nesse sacramento, bem como na Santa Ceia a
materia coelestis é o corpo e sangue de Cristo. Enquanto que alguns levavam
a questão pelo lado afirmativo (Gerhard, Calov, Quenstedt; "A materia coelestis
no Batismo é a Palavra de Deus, o Espírito Santo, o sangue de Cristo, a
Santíssima Trindade", etc.), já outros (Baier, etc.) sugeriam que seria melhor
não se falar em materia coelestis no Batismo, especialmente por não se poder
chamar o Espírito Santo, a Palavra, a Santíssima Trindade, etc., materia coelestis
mas apenas em sentido lato (Hollaz). O
em sentido restrito (stricte loq~endo)~
ponto foi atingido em cheio; pois que não há: no Batismo, um elemento que
corresponda ao corpo e sangue do nosso Senhor na Santa Ceia.
Entre a Palavra e a água no Batismo, há uma tão íntima união que não
devemos fazer distinção entre baptismus internus et externus. "Há só um Batismo
e uma lavagem. " (Artigos da Vlsitação Saxônica ; Triglotta, p. 1153). Cf. também
[Rejeitamos a doutrina falsa e errônea dos calvinistas segundo a qual] "o
Batismo é uma lavagem externa com água pela qual se dá unicamente a
entender uma lavagem [ablução] dos pecados". (Artigos da Visitação Saxônica;
Triglotta, p.1155)

4. O Uso DO BATISMO
Enquanto que a Santa Ceia deve ser usada com freqüência pelos crentes
(1 Co 11.26), a Escritura em parte nenhuma ordena que se aplique o Batismo
a uma e a mesma pessoa mais do que uma vez. Ao contrário, o Batismo, uma
Dogmática Cristá

vez aplicado, deve confortar e exortar o crente durante toda a sua vida. (1 Pe
3.21; C1 3.26,27; Rm 6 . 3 s ) Por esse motivo, os apóstolos em o Novo
Testamento lembram aos cristãos reiteradamente o seu Batismo (1 Co 2.1 1,12;
Tt 3.5,6; 1 Pe 3.21; etc.), e os incitam a atentar não só para o seu doce conforto,
mas também para a sua grande importância na santificação. Baptismus semper
exercendus est. (Lutero, Catecismo Maior: Do Batismo, 65)
O arrependimento diário do cristão fiel (poenitentia stantium) nada mais
é que o constante retorno penitente ao concerto de graça que Deus
estabeleceu com ele no Batismo, ou seja, a apreensão contínua pela fé das
graciosas promessas de remissão, vida e salvação a ele oferecidas e transmitidas
nesse precioso sacramento. Assim também o arrependimento dos que
apostataram da fé cristã @oenitentia lapsorum) é apenas um retorno ao seu
Batismo (reditus ad baptismum), não um agarrar-se por parte deles à "segunda
tábua" (secunda tabula) da penitência papista (satisfactio operis). O ministro
cristão deve sempre incutir essa verdade nos seus ouvintes, especialmente
quando chamado a instruir e confirmar os catecúmenos.
A confirmação não é "confirmação do Batismo" tampouco "um
sacramento que suplemente e complete o Batismo", porém unicamente
profissão pública de lealdade ao Deus verdadeiro, que, no Batismo, estabelece
o seu concerto de graça com as pessoas. É a resposta pública do crente ao seu
Batismo, ou seja, sua confissão púb!ica de Cristo, que o purificou no Batismo.
(Ef 5.26; Mt 10.32) A confirmação, naturalmente, não foi instituída por Cristo;
todavia a conservamos como costume cristão louvável e útil (contudo não
como sacramento), por lembrar ao crente, de maneira tão vívida, o seu Batismo
e a transcendente graça que Deus lhe concedeu naquele sacramento de valor
inestimável.

5. A QUEM A IGREJA
DEVE
BATIZAR
BAJTISMI)
(OBIECTUM
As Sagradas Escrituras ensinam que tanto adultos como crianças devem
ser batizados. Com respeito aos adultos, a Escritura faz ver expressamente
que só devem ser batizados os que crêem em Cristo e o confessam. (At 2.41;
8.36-38) As crianças serão batizadas se forem trazidas a nós para o Batismo
pelos pais ou por pessoas que tenham autoridade paterna sobre as mesmas.
(Mc 10.13-16) A Igreja Luterana tem condenado sempre a praxe papista
antibíblica de batizar crianças sem o conhecimento ou contra a vontade dos
pais (Batismo às ocultas). Batizamos, por isso, apenas as crianças que são
apresentadas para o Batismo pelos que têm autoridade paterna sobre elas.
r ,

É doutrina clara da Escritura que se devem batizar crianças. (cf. Mc


10.13-16 com C1 2.11,12) Podemos fazer o seguinte apanhado geral das provas
evidenciais da Escritura para o Batismo das crianças: a) As crianças são natureza
A Doutrina do Santo Batismo

pecaminosa nascida da natureza corrupta e, como tais, perdidas em pecado.


(SI 51.5; Jo 3.5,ó) b) É da vontade de Deus que também as crianças sejam
regeneradas e salvas (Mc 10.13-16) pelo ato de serem trazidas a Cristo. (Lc
18.15-17)c) O meio pelo qual as crianças são trazidas a Cristo é o Batismo.
(Tt 3.5, 6; 1 Pe 3.21; C1 2.11,12) Por isso, as crianças devem ser batizadas.
.--
A Escritura relata expressamente que, na Igreja Cristã primitiva, se
?-
batizavam os crentes "com toda a sua casa". (1 Co 1.16; At 11.14; 16.15,33)
Todos quantos negarem que esse ato incluía as crianças, devem fornecer provas
para sua argumentação.
A objeção de que o Batismo de crianças não é mencionado na Bíblia e,
portanto, não foi praticado na era apostólica, respondemos que esse
argumento não convence, visto que o Batismo de crianças talvez não fosse
mencionado precisamente por ser tão natural.
Sabemos de C1 2.11,12 que o Batismo tomou, no Novo Testamento, o
lugar da circuncisão, sacramento administrado nas crianças de sexo masculino
ao oitavo dia. Só esse Fato é um argumento em prol do pedobatismo,
especialmente depois que nosso Senhor ordenou que seus discípulos
batizassem e convertessem em discípulos todas as nações (ponta ta ethnee),
expressão que, de ordinário, inclui as crianças.
Em resumo, tanto direta como indiretamente, a Escritura inculca o
Batismo de crianças, de sorte que a Igreja Cristã não precisa preocupar-se,
neste particular, com as objeções infundadas dos entusiastas e fanáticos, que
fundamentam a sua oposição ao pedobatismo essencialmente na suposição
de que as crianças não possam crer.
A Bíblia declara expressamente que as criancinhas podem crer. (Mt 18.2-
6; Mc 10.13-16;: Lc 18115-17; 1 Jo 2.13). A sua fé também não é mera "fé
potencial" ( p z t i a credendi), porém fé atual (fides actualis), ou fé direta, que
realmente apreende as promessas oferecidas no Batismo.
Se alguém fizer a objeção de que seria impossível supormos a existência
de fé direta nas crianças, responderemos que também será impossível
supormos a existência de fé direta nos adultos, enquanto dormem ou quando
estão em estado de coma. A questão, porém, não é se podemos ou não
compreender os mistérios da fé pela razáo, mas se de fato são ensinados na
Escritura.
Com respeito ao Batismo de crianças, está comprovado pela história
que sua prática estava generalizada no segundo século. Orígenes (na Epist.
ad Rom. V: "Ecclesia ab apostolis traditionem accepit etiain parvulis baptismum
dare.") cita-o como costume generalizado, enquanto Tertuliano, embora o
desaprovando ele mesmo por razões heréticas, testifica o seu predomínio
universal.
Dogmática Cuistd

A respeito das crianças, filhos de cristãos fiéis que morrem sem Batismo,
o melhor é recomendá-las à infinita misericórdia de Deus, que tem poder
para operar a fé também sem os meios da graça ordenados. (Lc 1.44, cf. com
Lc 1.15; cf. também as crianças de sexo feminino no Antigo Testamento, que
não eram circuncidadas.) Já, com respeito às crianças dos incrédulos e pagãos,
não ousam afirmar que se salvem. (Ef 2.12) Defrontamo-nos aqui, ao
contrário, com os insondáveis juízos de Deus (Rrn 11.33), a cujo respeito a
Fórmula de Concórdia nos adverte "que não devemos com nossos pensamentos
tirar conclusões, deduzir nem esmerilhá-10". (Fórmula de Concórdia, Epítome
XI. Da eterna presciência de Deus)
O batismo de todas as res iizanimatae (sinos, navios) é escárnio do santo
Batismo e deve receber enfática desaprovacão da parte de todos os cristãos
sinceros.
Partindo de 1 Co 15.29, não se pode argumentar que o Batismo possa
ser realizado em favor daqueles que morreram sem esse sacramento (mórmons).
A preposição grega lzyper, nesta passagem, tem, sem dúvida alguma, significado
local, e não vicário. Enquanto que o "Batismo pelos mortos" era praticado por
alguns hereges, a história eclesiástica não refere nenhum exemplo em que
estivesse em uso no seio da antiga Igreja Cristã. Rejeitamos, portanto, essa
praxe como anticristã. Que o justo viverá pela sua fé e não pela de outrem é
doutrina clara da Escritura (Mc 16.16; Jo 3.15-18) e, em si mesma, um
argumento concludente contra essa praxe herética.

(CAUSA BAPTISMI)
MINISTERIALIS
Do modo como todas as bênçãos espirituais que Cristo adquiriu por
sua morte vicária pertencem a todos os crentes (1 Co 3.21-22) direta e
imediatamente (isto é, sem a mediação de um estado clerical), assim também
o Batismo. Por isso mesmo, torna-se fácil a pergunta quanto a quem deva
administrar o sacramento do Batismo (ministrantes do Batismo). Na ausência
de pastores chamados e ordenados, todo cristão fiel tem não só o privilégio,
como também o dever de batizar. (Batismo de emergência; Batismo laical)
Nas congregações cristãs organizadas, os pastores chamados e ordenados, em
virtude do seu ofício, ministram o sacramento em nome dos crentes que os
chamaram. Os calvinistas, que desaprovam o Batismo feito por leigos,
especialmente por mulheres, afirmando que só ministros ordenados podem
ministrar este sacramento com direito, vão além da Escritura, na verdade,
contra a mesma. (1 Co 3.21) A verdadeira razão por que tomam essa atitude
é que crêem erroneamente não ser necessário o Batismo, visto a salvação não
depender de "batismo de água", mas da graça da eleição e do concerto divino.
(cf. Alting, Syllabus Controversiauum etc., p.263; cf. Pieper, Chuistl. Dogmatik,
A Doirtvina do Santo Batismo

111, p.328) Seu argumento de que os leigos, ao batizar, se arrogariam o exercício


das funções do ministério público, não passa de pretexto. O que motiva a sua
objeção aos batismos laicais é realmente o seu repúdio dos meios da graça.
Dão como alegação que os atos batismais realizados por leigos não têm eficácia.
(Baptismi nullam vinz esse) Na realidade, porém, segundo os seus princípios,
pelos quais rejeitam os meios da graça, o Batismo não é eficaz em circunstância
alguma, visto não operar, mas apenas simbolizar a regeneração.

DO BATISMO
7. A NECESSIDADE
Embora o Batismo não seja um adiáforo, mas uma instituição e ordenação
divina, não podemos considerá-lo absolutamente necessário no sentido de
que ninguém que não tenha recebido esse sacramento possa obter o perdão
dos pecados. "ATecessitas baptismi non est absoluta." A razão dessa afirmação é
que a pregação do Evangelho já oferece graça divina com perdão dos pecados,
vida e salvação de maneira tão completa e perfeita, que todo aquele que crê
nas suas promessas está de posse de todas as bênçãos espirituais.
Lutero e todos os dogmáticos Iuteranos mantiveram firmemente essa
verdade contra os teólogos papistas, que procuraram provar a necessidade
absoluta do Batismo, embora alterassem um pouco a sua doutrina. Eles
ensinaram que todas as crianças que morrem sem Batismo sofrem apenas
negativamente (poena damni, isto é, não verão Deus), e não positivamente
(poena sensus, isto é, não padecerão os tormentos dos condenados). A alegação
de Hodge de que os teólogos luteranos também ensinariam a necessidade
absoluta do Batismo (Outlines, p.502) desconhece o fato de que constitui
doutrina verdadeiramente luterana que "não é a falta, mas o desprezo do
Batismo que condena." (Contemptus sacramenti damnat, non privatio.)
Embora a Igreja Luterana confessional sempre tenha ressaltado a
necessidade absoluta da fé na remissão dos pecados por amor de Cristo (sola
fide), jamais ensinou a necessidade absoluta do Batismo. Àqueles que, a partir
de Jo 3.5, procuram provar a necessidade absoluta do Batismo, respondemos
que Cristo aqui repreendeu o desprezo farisaico do Batismo, considerando
que nos é relatado expressamente que os fariseus e doutores da Lei "rejeitaram,
quanto a si mesmos, o desígnio de Deus, não tendo sido batizados por ele"
(João Batista). A respeito de "todo o povo que o ouviu e até os publicanos",
os santos escritores, no entanto, declaram que "tendo sido batizados com o
Batismo de João, reconheceram a justiça de Deus" (isto é, reconheceram o
conselho divino da salvação - Lc 7.29,30). Como Cristo, nós também devemos
insistir na necessidade do Batismo (necessitas praecepti; necessitas medii) frente
a todos os que zombam desse santo sacramento. Repitamos as Palavras de
nosso Senhor: "Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no
Reino de Deus." Essa pregação enfática da Lei divina não deve ser enfraquecida
Dogmática Cristã
- -

sob pretexto algum, quando tivermos de tratar com pessoas que manifestam
desprezo ao Batismo.

BATISMAIS
8. SOBRECOSTUMES
É válido todo ato batismal em que se aplica água à pessoa em nome do
Deus triúno. Contudo, no decorrer do tempo, muitos costumes e cerimônias
se ligaram a esse importante sacramento. Gerhard (Locus de Baptismo, $ 258-
269) divide esses costumes em três categorias, a saber, a) Aqueles que se
baseiam no mandamento divino. b) Aqueles que foram estabelecidos pelos
apóstolos. c) Aqueles que foram acrescentados posteriormente.
Falando-se de costumes e cerimônias batismais, contudo, cumpre-nos
excluir todos os atos ordenados por Deus (a aplicação da água em nome do
Deus triúno) e considerar somente os usos que se multiplicaram com o correr
dos tempos no seio da Igreja. O que Deus estabeleceu por divino mandamento
não está num mesmo nível com o que foi acrescentado pelos homens.
Segundo o Dr. C. F. W. Walther (Pastorale, p.l30ss), estes são os costumes
e cerimônias reconhecidos do Batismo: a) a referência ao pecado original; b) a
indicação do nome; c) o chamado "pequeno exorcismo"; d) o sinal da cruz; e)
uma oração e a bênção; f) o "exorcismo maior"; g) a leitura de Mc 10.13-16;
h) a imposição das mãos; i) o Pai-Nosso; j) a renúncia e o Credo Apostólico; 1)
o uso de padrinhos; m) a cobertura da criança com o manto batismal; n) a
bênção final. Todos esses usos são, em si, apenas res indiferentes (adiáforo),
que se podem empregar ou omitir sem prejudicar o ato batismal; não obstante,
conforme observa com propriedade a Fórmula de Concórdia (Epít. X, 3),
"convém evitar aqui toda leviandade e escândalo, e particularmente mostrar,
com todo empenho, consideração para com os fracos". (1 Co 8.9; Rm 14.13)
A referência ao pecado original é importante; pois que, chamando a
atenção para esse pecado, faz-se ver a necessidade do santo Batismo. A
indicação do nome é tão confortante quanto exortativa; visto que, por um
lado, lembra à pessoa batizada que, por Deus haver estabelecido o seu concerto
com ela, é chamada desta maneira pessoalmente pelo nome. Ela pode, assim,
consolar-se sempre com a certeza da graça batismal quando vem a lembrança
dos seus pecados. Por outro, é convidada a andar continuamente em novidade
de vida, o que significa a lavagem da água pela Palavra. (Rm 6.4) O exorcismo
foi, em geral, abandonado por completo. Onde ainda é conservado, faz-se
necessário cuidado em demonstrar que o mesmo não se refere a qualquer
obsessão corporal, mas à servidão espiritual em que Satanás, por natureza,
mantém todas as pessoas. (Ef 2.2,3)
Considerando que o uso de padrinhos traz, muitas vezes, embaraços
ao ministro cristão, ele fará bem dando a necessária instrução neste particular
em tempo oportuno. Não é preciso dizer que só irmãos na fé podem ser
solicitados a preencher as obrigações de padrinhos (por exemplo, a educacão
cristã da criança em caso de morte dos pais), de modo que, nas igrejas luteranas,
somente irmãos luteranos podem servir como padrinhos. Os amigos não-
luteranos da pessoa batizada podem servir apenas como testemunhas do ato
sagrado do Batismo. Se essas pessoas não-luteranas forem inimigos professos
da fé verdadeira, não devem ser admitidas nem mesmo como testemunhas,
pois mais tarde poderão impedir a pessoa batizada em sua fé cristã. (1 Co
15.33) Caso não haja, entre as pessoas convidadas a servir como padrinhos,
ninguém que possa ser admitido como padrinho, o pastor, tratando-os todos
como simples testemunhas, não os deve obrigar a preencher os deveres de
verdadeiros padrinhos cristãos. A doutrina católico-romana, segundo a qual
os padrinhos entrariam em relação espiritual com a pessoa batizada, não se
baseia na Escritura, mas em tradição antiescriturística.
A renúncia (abrenu~tiatioSatanae) em conexão com o Credo Apostólico
faz ver o efeito do santo Batismo. Por esse meio da graça, a pessoa batizada é
transplantada do reino de Satanás para o de Jesus Cristo, nosso Senhor. (Jo
3.5) As perguntas feitas a esta altura são endereçadas ao neófito, não aos
padrinhos, embora estes as respondam em nome da criança; porquanto quem
é batizado (inclusive também as crianças) é batizado segundo a própria fé, e
não segundo a fé de seus padrinhos ou segundo uma fé potencial Futura.
O próprio Batismo opera essa fé como meio de renascimento (Tt 3.5),
pelo Evangelho (Rm 1.16,17), ao qual está ligado. (Mc 16.15,16) Onde o
Evangelho é proclamado, o Espírito Santo está presente para operar a fé e o
renascimento. (1 Co 2.4, 5; Rm 10.17; Tg 1.18; 1 Pe 1.2-5)
A Escritura ensina claramente que a graça de Deus oferecida nos meios
conferentes (media dotiká) é apreendida unicamente pela fé como meio receptor
(medium leeptikón), de modo que devemos rejeitar como erro pernicioso
qualquer doutrina que afirma o Batismo ex opere operato (At 16.31; Rm 1.16,17),
ou seja, sem fé.
Que também as crianças (ta brephee) podem crer evidencia-se das
próprias Palavras de Jesus. (Mt 18.6; Lc 18.15s~;2 Tm 3.15)
Falando do Batismo de crianças em geral, Lutero declara corretamente
(S. L., XI, 497): "O Batismo e consolo das crianças estão nas Palavras: "Deixai
vir a mim os pequeninos e não os embaraceis, porque dos tais é o Reino de
Deus." Ele o disse e não mente. Por isso, deve ser coisa correta e cristã trazer-
lhe as criancinhas. Isso não pode suceder senão no Batismo. Portanto, também
deve ser coisa certa que as abençoe e dê o Reino dos céus a todas as que assim
váo ter com ele, segundo rezam as Palavras: "Dos tais é o reino de Deus."
Falando de modo mais explícito acerca da fé das crianças, Lutero
argumenta còm razão que podemos estar mais seguros da fé das crianças do
que da dos adultos, porque estes podem resistir-lhe propositadamente, ao
Dogmática Cristã

passo que tal resistência proposital não se acha nas criancinhas. (S. L., IX,
496ss)
Se alguém fizer a objeção de que seria um tanto estranho requerer
profissão de fé da criança e, em seguida, exigir resposta dos padrinhos,
respondemos que isso constitui confissão pública de nossa sincera crença de
que a criança realmente possui fé, embora seja incapaz de fazer profissão
pública da mesma. Tanto mais necessária se faz essa confissão, porque há
tantos que negam que as crianças possam ter fé verdadeira (Mt 18.6), ainda
que aleguem ser cristãos fiéis (calvinistas).
A sugestão de que realmente se façam aos adultos as perguntas: "Crês
em Deus Pai, Filho e Espírito Santo+" etc., mas não às crianças, respondemos
que a Igreja não tem duas espécies de Batismo (Algumas seitas: as crianças
são "borrifadas", ao passo que os adultos são "batizados", isto é, imersos.),
mas, conforme S. Paulo declara, apenas um. (Ef 4.5: "Um só Senhor, uma só
fé, um só Batismo.") (cf. S. L., IX, 490)
A pergunta: "A que altura no ato batismal a fé é gerada na criança<" não
nos deve preocupar muito. É como Lutero considera a pergunta. É seu
argumento que tragamos as criancinhas ao Batismo em obediência à ordem
de nosso Senhor, não importa que creiam "antes ou em qualquer momento
durante o Batismo". (S. L., SI, 489) Uma vez que há a ordem divina (Mc
10.13-16; C1 18.15-17), devemos levar nossos filhinhos a Jesus e confiar em
que ele os abençoará, quando e como lhe aprouver. (S. L., SI, 495)
Como nenhuma cerimônia humana faz parte do Batismo e, por
conseguinte, não traz, em si, nenhuma promessa divina, é correto afirmar
que a fé é gerada no momento em que se aplica a água em nome do Deus
triúno. Se, antes deste ato solene, se faz à criança a pergunta: "Crês em Deus
Pai, Filho e Espírito Santo<" isso é feito por antecipação, a fim de conferir
destaque especial à verdade escriturística e à confissão segundo a qual o
Batismo é realmente medium iustiflcationis, ou seja, meio de regeneração, pelo
qual se gera a fé.
Em conclusão, queremos observar que a doutrina escriturística da fé
infantil constitui um teste da fé da pessoa na Palavra de Deus. Se, nesse particular,
consultarmos a razão, negaremos que as criancinhas possam crer e, à imitação
dos discípulos equivocados, repreenderemos os que levam as crianças a Jesus
para serem batizadas. (Lc 18.15) Contudo, neste caso, Jesus "indigna-se"
também conosco e, repreensivo, nos ordena: "Deixai vir a mim os pequeninos
e não os embaraceis, porque dos tais é o Reino de Deus." (Mc 10.14) Realmente
nos adverte também de que não entraremos no Reino de Deus, a menos que o
recebamos "como uma criança". (Mc 10.15) Também com respeito à fé das
crianças regeneradas, Cristo nos exorta: "Não sejas incrédulo, mas crente. [..I
Bem-aventurados os que não viram e creram." (Jo 20.27-29)
A Doutrina do Santo Batismo

DE JOAO BATISTA
9. O BATISMO
Nossos dogmáticos luteranos (Chemnitz, Gerhard, Aegidius Hunniys,
etc.) sempre identificaram o Batismo de João com o da Igreja Cristã no tocante
à sua finalidade e eficácia. Os teólogos modernos censuram esta "identificação
essencial e completa" de ambos. (Tomási, Dogmatik, IV, 10) Todavia, nossos
antigos dogmáticos basearam seu ensinamento em razões firmes da Escritura;
pois que, segundo a Escritura, o Batismo de João era meio da graça verdadeiro,
possuindo tanto a vis dativu como a vis effectiva do Batismo cristão.
O evangelista relata-nos expressamente que João pregou o "Batismo do
arrependimento para remissão dos pecados" (Mc 1.4; Lc 3.3), exatamente
como Pedro, por ocasião do Pentecostes. Seguindo as instruções de nosso
Senhor, pregou o Batismo "para remissão dos pecados". (At 2.38) Por esse
motivo, o Batismo de João deve ser considerado idêntico ao que Cristo
instituiu tempos depois, conforme afirmam corretamente os nossos
dogmáticos mais antigos.
Visto que João Batista foi o pregador do caminho de Cristo e apareceu
em nome do Senhor (Lc 1.76-79), seu Batismo não foi menos por ordem
divina que sua pregação. (Jo 1.32-36; 5.33-35) Conseqiientemente, o Batismo
de João também era "água compreendida no mandamento divino e ligada
com a Palavra de Deus" e, como tal, legítimo meio da graça.
Atualmente, a questão certamente não tem nenhuma importância
prática, visto que o Batismo de João já não está em vigor. Todavia, a Igreja
Cristã primitiva teve de tomá-lo em consideração, e a Escritura refere um
exemplo em que "alguns discípulos" que haviam sido batizados "no Batismo
de João", foram, por instigação de Paulo, "batizados em nome do Senhor Jesus".
(At 19.1-6) A razão por que isso foi feito é bastante evidente. Embora o Batismo
de João fosse sacramento legítimo, só era válido durante o tempo da
preparação, até que Cristo aparecesse e completasse a sua obra. Depois do
Pentecostes, o Batismo de João, portanto, já não tinha valor algum, assim
como o sacramento da circuncisão do Antigo Testamento, embora ainda
praticado pelos cristãos judeus, se converteu em simples cerimônia.
(Kretzmann, Popular Commentary, Vol. 1, 630)
Além disso, provavelmente não agiremos mal, admitindo que aqueles
"alguns discípulos" em Éfeso não foram batizados pelo próprio João, mas por
alguns seus adeptos, que desprezaram a ordem de seu mestre de se unirem a
Jesus como "Cordeiro de Deus" que era. (Jo 1.35-37; Mt 9.14,15; Lc 5.33) Os
"discípulos de João", por se recusarem a aceitar Jesus como o Salvador
prometido, degeneraram em seita judaica, de sorte que o seu Batismo já não
era "Batismo de João", mas ímpio "Batismo de oposição". (At 19.2: "Nem
mesmo ouvimos que existe o Espírito Santo"; cf. com Jo 1.33: "Esse é o que
batiza com o Espírito Santo.") O testemunho de João acerca de Cristo
evidentemente já não era conhecido deles.
Dogmática Cristã

Há, no entanto, outra maneira de interpretar essa passagem, segundo a


qual Paulo náo teria batizado esses "alguns discípulos", porém apenas lhes
imposto as mãos, após o que teriam recebido o Espírito Santo. Segundo essa
interpretação, o v. 5 registra as Palavras de Paulo e não as de Lucas, de sorte
que Paulo aqui relata o que o povo fez ao escutar João Batista, que insistia
em que cressem em Cristo Jesus. Em outras Palavras, as pessoas, ouvindo a
pregação de João Batista acerca de Cristo, foram batizadas em nome do Senhor
Jesus, fato esse que Paulo aqui cita para confirmar o Batismo de João. Essa
interpretação simples tem muito a seu favor, embora seja totalmente rejeitada
pelos exegetas modernos em geral.
Para completar, acrescentamos que nossos dogmáticos mais antigos
fazem distinção cuidadosa entre o baptismus fluminis ou "batismo de água",
que Cristo instituiu para remissão dos pecados (Mc 28.19; Mc 16.15,16), e o
baptismus snnguilzis ou martírio (Mt 20.22). Entende-se naturalmente que
apenas o primeiro é sacramento legítimo e, em todos os outros casos, o termo
batismo se emprega em sentido lato ou figurativo.
1. A INSTITUIÇAO
DA SANTACEIA
A Santa Ceia não é menos instituição e ordenação divina (institutio
divina) que o Batismo (Mt 28.19) e a pregação do Evangelho. (Mc 16.15,16)
A Santa Comunhão, que nosso Senhor instituiu na mesma noite em que foi
traído, deve continuar em uso até o fim dos tempos (Lc 22.19: "Fazei isto em
memória de mim." 1 Co 11.25: "Fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em
memória de mim.") Foi assim que os apóstolos e a Igreja Cristã primitiva
entenderam a ordem divina (1 Co 10.16-22; 11.17-34) e, de acordo com isso,
celebraram a Santa Comunhão.
A instituição divina da Santa Ceia requer ênfase, visto que atualmente
alguns entusiastas (Quacres, o Exército da Salvação) rejeitam a Santa Ceia
"como simples cerimônia não ordenada por nosso Senhor". Fazendo isso, esses
entusiastas são inteiramente conseqüentes. Os entusiastas inconseqüentes
(calvinistas) só repudiam a recepção oral do corpo e sangue de Cristo na Santa
Comunhão (manducatio oralis) sob a alegação de que "a carne para nada
aproveita" (falsa interpretação de Jo 6.63). Os quacres rejeitam completamente
o sacramento, sob a alegação de que "o reino de Deus não é comida nem
bebida" (falsa interpretação de Rm 14.17) e que ninguém deve julgar o cristão
"pelo comer ou pelo beber" (falsa interpretação de C1 2.16).
Segundo a doutrina quacreana, a verdadeira Santa Ceia é comida e bebida
no coração (falsa interpretação de Ap 3.20). Além do mais, o quacrismo ensina
que Cristo celebrou a primeira ceia apenas para o bem de seus "discípulos
fracos", de maneira que a mesma também não se destinava à perpetuação
como o "lava-pés" (Jo 13.5) ou a "unção do doente com óleo" (Tg 5.14,15) ou
"a abstenção do sangue e da carne sufocada". (At 15.29) Todavia, os quacres
não são os únicos ofensores neste particular.
Os teólogos racionalistas modernos (B. Weiss, Juelicher, Spitta)
procuraram negar a instituição divina da Santa Ceia com argumentos em
nada mais válidos que os empregados pelo quacrismo ("Somente Paulo e Lucas
citam as palavras: "Fazei isto em memória de mim", etc.). Cremer, ao contrário,
observa com razão que nenhum fato no Novo Testamento é mais bem
confirmado que a divina ordenação da Santa Ceia. (RE, 3, I, 33)
Contrariamente ao Santo Batismo, que é o sacramentum initiationis, ou
seja, o sacramento pelo qual se gera a fé, a Santa Ceia é o sacranzentum
coizfirmationis, isto é, o sacramento pelo qual se fortalece a fé. Gerhard: Per
baptismunz in foedus Dei recipimur; per usum sacrae coenae in eo conservamur. Per
baptismum fides reliqua Spiritus dona in nobis accendetur; per usum sacrae coenae
augentur et conflrmantur.
O Batismo, portanto, precede corretamente a Santa Ceia. No dia de
Pentecostes, Pedro instou para que os judeus penitentes fossem batizados,
todavia não para que recebessem a Santa Ceia. (At 2) Esse fato é de grande
importância prática; pois que as pessoas que desejam receber a Santa
Comunhão devem ser batizadas antes de ser admitidas à mesa do Senhor.
(Cf. C1 2.11,12: O Batismo ocupou o lugar da circuncisão no Novo Testamento.
No Antigo Testamento, somente os circuncidados eram admitidos à Páscoa.
(Êx 12.48)
Os nomes aplicados a esse sacramento são dados diretamente na
Escritura (o partir do pão, klassis tou artou, At 2.42; a ceia do Senhor, deipnon
kyriakón, 1 Co 11.20; a mesa do Senhor, trápeza kyriou, 1Co 10.21) ou sugeridos
pela Escritura (eucaristia, eucharisteesas, Mc 14.23; comunhão, 1 Co 10.16;
Abendmahl ou Nachtmahl, 1 Co 11.23). Nos escritos dos pais da igreja, esse
sacramento também é chamado "serviço religioso" (synaxis), "agape" (agapee),
"liturgia" (leitourgia), "sacrifício" (thysia), "oferenda" (yrosphora), "mistério"
(inysteerion), "ação de graças" (eucharistia, eulogia), etc., e nos dos pais latinos
"missa" (missa), coena Domini, sacramentum nltaris, etc.
Enquanto os nomes dos sacramentos não são empregados para exprimir
doutrina antiescriturística, não se deve entrar em controvérsia a seu respeito.
(cf. Lutero, S. L., XX, 174ss) Lutero, vez que outra, empregou o nome missa,
embora rejeitasse a doutrina papista da missa, e defendeu esse uso contra o
seu fanático opositor Carlstadt. Os teólogos germânicos modernos
(Holtzmann, Noesgen, etc.) frequentemente empregam o termo Herrenmahl,
que é o equivalente à nossa expressão brasileira "Ceia do Senhor".

2. A RELAÇAO
ENTREA CEIAE OS MEIOS
DEMAIS DA GRAÇA
Assim como o Evangelho em sentido próprio e o santo Batismo são
meios de justificação e remissão dos pecados (rnedium iustificationis sive
remissionis peccatorum), também o é a Santa Ceia. Isso quer dizer que a Santa
Ceia não é lei ou obra que as pessoas realizassem para Deus, porém puro
Evangelho ou obra muito graciosa pela qual Cristo trata com as pessoas,
oferecendo a todos os comungantes a graça e os méritos que obteve para o
mundo mediante a sua morte na cruz. E, pois, a Santa Ceia legítimo meio da
graça, pelo qual o Espírito Santo assegura a todos os comungantes que possuem
um Deus gracioso que lhes perdoa os pecados de graça por amor de Cristo.
Essa verdade é ensinada nas palavras da instituição: "Tomai, comei;
isto é o meu corpo, que é dado por vós"; e: "Bebei dele todos; porque isto é o
A Doutrina da Santa Ceia

meu sangue, que é derramado em favor de muitos [...IJ' Essas palavras


expressam a graciosa mensagem evangélica de que não precisamos expiar os
nossos pecados, porquanto o próprio Cristo os expiou, derramando o seu
sangue por nós na cruz., e que entramos em completa posse desses dons
celestiais, aceitando, em fé verdadeira, o bendito oferecimento evangélico
que nos faz na Santa Comunhão.
Diz Lutero com acerto (S. L., XIX, 346): "A missa [da Santa Ceia] não é
obra ou sacrifício [que os homens tenham de fazer], mas uma palavra e indício
de graca divina que Deus para conosco emprega a fim de levantar e fortalecer
a nossa fé nele." Assim também declara a Apologia (Art. XXIV [XII]): "Instituiu-
se o sacramento, para que servisse de selo e seguro indício do perdão dos
pecados pelo qual se lembrassem os corações e fortalecesse a fé de forma a
crerem firmemente que os seus pecados estivessem perdoados." O s Artigos de
Esmalcalde semelhantemente classificam a Santa Ceia entre os meios da graça,
'[pelos quais se prega a remissão dos pecados". (Parte 111, Art. IV)
A Santa Ceia oferece, em comum como o santo Batismo e a absolvição
particular (Privatabsolution), a remissão dos pecados, vida e salvação aos
pecadores individualmente. Assim, a mesma graça que o Evangelho proclama
a todos é anunciada e oferecida pessoalmente a cada um que frequenta a mesa
do Senhor. Todavia, a Santa Ceia tem um característico que não se encontra
em nenhum outro meio da graça. Nesse sacramento, Cristo confirma e sela
gracioso perdão dos pecados, dando o seu próprio corpo e sangue, que o
comungante recebe em, com e sob o pão e o vinho. (1 Co 10.6; 11.27-29)
Conta a Santa Ceia, assim, com materia coelestis legítima (o corpo e o sangue
de Cristo), coisa de que não dispõe o sacramento do Batismo. Pelo dom dessa
"matéria celeste", Cristo assegura o comungante da graciosa remissão dos
seus pecados.
A Santa Ceia constitui, portanto, um sacramento muito salutar do
qual todo crente deve regozijar-se. Lamentavelmente, porém, esse precioso
sacramento tem sido pervertido por pessoas que exaltaram a sua razão
presunçosa acima das palavras de Deus. 0 s romanistas não só o mutilaram
(sub una specie), como ainda o transformaram de um meio da graça eficaz em
um antibíblico "sacrifício incruento" (transubstanciaçáo; o sacrifício papista
da missa pelos pecados dos vivos e dos mortos; cf. Lutero, S. L., XIX, 1303).
Os calvinistas (zwinglianos), por seu turno, negaram a presença real do corpo
e do sangue de nosso Senhor na Santa Ceia e, de modo blasfemo, acusaram
os luteranos, que mantinham a doutrina verdadeiramente escriturística acerca
da realis praesentia, de canibalismo, da realização de banquete tiesteano
(Tiestes comeu seus próprios filhos num banquete que lhe ofereceu o irmão
Atreu.) e outros que tais (cf. a Fórmula de Concórdia/ Decl. Sól., VII, 67: dtlos
pilos caudae equinae et commentt~m,cuius vel ipsum Satannm pudeat; excrernerztum
Satanae, quo diabolus sibi ipsi et izominibus illudat).
Dogmática Crista

confirmationis, isto é, o sacramento pelo qual se fortalece a fé. Gerhard: Per


baptismum in foedus Dei recipimur; per usum sacrae coenae in eo conservamur. Per
baptismum fides reliqua Spiritus dona in nobis accendetur; per usum sacrae coenae
augentur et confirmantur.
O Batismo, portanto, precede corretamente a Santa Ceia. No dia de
Pentecostes, Pedro instou para que os judeus penitentes fossem batizados,
todavia não para que recebessem a Santa Ceia. (At 2) Esse fato é de grande
importância prática; pois que as pessoas que desejam receber a Santa
Comunhão devem ser batizadas antes de ser admitidas à mesa do Senhor.
(Cf. C1 2.11,12: O Batismo ocupou o lugar da circuncisão no Novo Testamento.
No Antigo Testamento, somente os circuncidados eram admitidos à Páscoa.
(Êx 12.48)
Os nomes aplicados a esse sacramento são dados diretamente na
Escritura (o partir do pão, klassis tou artou, At 2.42; a ceia do Senhor, deipnon
kyriakón, 1 Co 11.20; a mesa do Senhor, trápeza kyriou, 1 Co 10.21) ou sugeridos
pela Escritura (eucaristia, eucharisteesas, Mc 14.23; comunhão, 1 Co 10.16;
Abendmahl ou Nachtmahl, 1 Co 11.23). Nos escritos dos pais da igreja, esse
sacramento também é chamado "serviço religioso" (synaxis), "agape" (agapee),
"liturgia" (leitourgia), "sacrifício" (thysia), "oferenda" (prosphorá), "mistério"
(mysteerion), "ação de graças" (eucharistia, eulogia), etc., e nos dos pais latinos
'missa" (missa), coena Domini, sacramentum altaris, etc.
Enquanto os nomes dos sacramentos não são empregados para exprimir
doutrina antiescriturística, não se deve entrar em controvérsia a seu respeito.
(cf. Lutero, S. L., XX, 174ss) Lutero, vez que outra, empregou o nome missa,
embora rejeitasse a doutrina papista da missa, e defendeu esse uso contra o
seu fanático opositor Carlstadt. O s teólogos germânicos modernos
(Holtzmann, Noesgen, etc.) frequentemente empregam o termo Herrenmahl,
que é o equivalente à nossa expressão brasileira "Ceia do Senhor".

ENTREA CEIAE
2. A RELAÇAO OS DEMAIS DA GRAÇA
MEIOS
Assim como o Evangelho em sentido próprio e o santo Batismo são
meios de justificação e remissão dos pecados (medium iustificationis sive
remissionis peccatorum), também o é a Santa Ceia. Isso quer dizer que a Santa
Ceia não é lei ou obra que as pessoas realizassem para Deus, porém puro
Evangelho ou obra muito graciosa pela qual Cristo trata com as pessoas,
oferecendo a todos os comungantes a graça e os méritos que obteve para o
mundo mediante a sua morte na cruz. E, pois, a Santa Ceia legítimo meio da
graça, pelo qual o Espírito Santo assegura a todos os comungantes que possuem
um Deus gracioso que lhes perdoa os pecados de graça por amor de Cristo.
Essa verdade é ensinada nas palavras da instituição: "Tomai, comei;
isto é o meu corpo, que é dado por vós"; e: "Bebei dele todos; porque isto é o
A Doutrina da Santa Ceia

meu sangue, que é derramado em favor de muitos [...Iv Essas palavras


expressam a graciosa mensagem evangélica de que não precisamos expiar os
nossos pecados, porquanto o próprio Cristo os expiou, derramando o seu
sangue por nós na cruz., e que entramos em completa posse desses dons
celestiais, aceitando, em fé verdadeira, o bendito oferecimento evangélico
que nos faz na Santa Comunhão.
Diz Lutero com acerto (S. L., XIX, 346): 'A missa [da Santa Ceia] não é
obra ou sacrifício [que os homens tenham de fazer], mas uma palavra e indício
de graça divina que Deus para conosco emprega a fim de levantar e fortalecer
a nossa fé nele." Assim também declara a Apologia (Art. XXIV [XII]): "Instituiu-
se o sacramento, para que servisse de selo e seguro indício do perdão dos
pecados pelo qual se lembrassem os corações e fortalecesse a fé de forma a
crerem firmemente que os seus pecados estivessem perdoados." Os Artigos de
Esmalcalde semelhantemente classificam a Santa Ceia entre os meios da graça,
"pelos quais se prega a remissão dos pecados". (Parte 111, Art. IV)
A Santa Ceia oferece, em comum como o santo Batismo e a absolvição
particular (Privatabsolution), a remissão dos pecados, vida e salvação aos
pecadores individualmente. Assim, a mesma graça que o Evangelho proclama
a todos é anunciada e oferecida pessoalmente a cada um que frequenta a mesa
do Senhor. Todavia, a Santa Ceia tem um característico que não se encontra
em nenhum outro meio da graça. Nesse sacramento, Cristo confirma e sela
gracioso perdão dos pecados, dando o seu próprio corpo e sangue, que o
comungante recebe em, com e sob o pão e o vinho. (1 Co 10.6; 11.27-29)
Conta a Santa Ceia, assim, com materia coelestis legítima (o corpo e o sangue
de Cristo), coisa de que não dispõe o sacramento do Batismo. Pelo dom dessa
"matéria celeste", Cristo assegura o comungante da graciosa remissão dos
seus pecados.
A Santa Ceia constitui, portanto, u m sacramento muito salutar do
qual todo crente deve regozijar-se. Lamentavelmente, porém, esse precioso
sacramento tem sido pervertido por pessoas que exaltaram a sua razão
presunçosa acima das palavras de Deus. Os romanistas não só o mutilaram
(sub una specie), como ainda o transformaram de um meio da graça eficaz em
um antibíblico "sacrifício incruento" (transubstanciação; o sacrifício papista
da missa pelos pecados dos vivos e dos mortos; cf. Lutero, S. L., XIX, 1303).
Os calvinistas (zwinglianos), por seu turno, negaram a presença real do corpo
e do sangue de nosso Senhor na Santa Ceia e, de modo blasfemo, acusaram
os luteranos, que mantinham a doutrina verdadeiramente escriturística acerca
da realis praesentia, de canibalismo, da realização de banquete tiesteano
(Tiestes comeu seus próprios filhos num banquete que lhe ofereceu o irmão
Atreu.) e outros que tais (cf. a Fórmula de Concórdia, Decl. Sól., VII, 67: duos
pilos caudae equinae et commentum, cuius vel ipsum Satanam pudeat; excrementum
Saranae, quo diabolus sibi ipsi et hominibus illudat).
Dogmática Cristã

Outros, indo também além da Escritura, erram atribuindo à Santa Ceia


operação "física" ou "natural" (physische Wirkung Naturwirkung) e assim
desviam a atenção dos cristãos da verdadeira finalidade e função da Santa
Ceia. A confutação desses erros torna necessária uma dissertação mais extensa
e detalhada sobre a doutrina da Santa Comunhão.

3. A DOUTRINA
ESCRITURÍSTICA
DA SANTACEIA
A respeito da Santa Ceia têm-se ensinado na cristandade as seguintes
três doutrinas:
a. Há, na Santa Ceia, apenas corpo e sangue de nosso Senhor Jesus
Cristo, vale dizer: na eucaristia, o pão e vinho transformam-se
(transubstanciam-se) e m corpo e sangue de nosso Senhor
(transubstancia~ão;estabelecida pelo Concílio Latrão de 1215 como
dogma da Igreja Católica Romana e confirmada pelo Concílio de
Trento, Sess. XIII, Cân. 2.)
b. O pão e vinho são, na Santa Ceia, apenas símbolos ou meros sinais
do corpo e sangue ausentes de Cristo ("Abesse Christi corpus et
sanguinem a signis tanto intervallo dicimus, quanto abest terra a b
altissimis coelis"; cf. A Fórmula de Concórdia, Decl. Sól., VII, 4. 5;
também o Consensus Tigurinus, XXII, Niemeyer, p.196, em que se
rejeita a doutrina luterana como "absurda".)
c. Dá-se, na Santa Ceia, por virtude da instituição de Cristo, uma união
peculiar (a união sacramental) entre o pão e o vinho, de um lado e,
do outro, o corpo e sangue de Cristo e, por causa dessa união, todos
os comungantes (manducatio generalis) recebem em, com e sob o
pão e o vinho, de maneira sobrenatural, incompreensível, o verdadeiro
corpo e sangue de Cristo (manducatio oralis) como penhor da graciosa
remissão dos seus pecados.
Essa união não é pessoal, como é a união das duas naturezas em Cristo,
nem mística (unio mystica), como a que existe entre Cristo e o crente, mas
sacramental. Vale dizer que a unio sacramentalis só se dá na Santa Ceia
(praesentia sacramentalis). Não é natural nem local, porém sobrenatural e
incompreensível, todavia real.
Essa doutrina tem sido sempre mantida pelo luteranismo confessional
como doutrina legítima da Escritura. É exposta no Catecismo Menor de Lutero:
"É o verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue de nosso Senhor Jesus Cristo,
para ser comido e bebido por nós cristãos sob o pão e o vinho, instituído por
Cristo mesmon. Na Confissão de Augsburgo (Art. X ) : "Da ceia do Senhor se
ensina que o verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue de Cristo estão
verdadeiramente presentes na ceia sob a espécie do pão e do vinho e são nela
distribuídos e recebidos. Por isso, também se rejeita a doutrina contrária". Na
A Doutrina da Santa Ceia

Fórmula de Concórdia (Epít., VII, 6,7), lemos: "Cremos [...I que na Santa Ceia
o corpo e o sangue de Cristo estão verdadeira e essencialmente presentes e
são verdadeiramente distribuídos e recebidos com o pão e vinho. Cremos [...I
que as palavras do testamento de Cristo não devem ser entendidas de nenhuma
maneira, senão em seu sentido literal, de forma que o pão não significa corpo
ausente e o vinho o sangue ausente de Cristo, mas, em virtude da união
sacramental, são verdadeiramente o corpo e sangue de Cristo."
Se compararmos os três dogmas com as Sagradas Escrituras, vamos descobrir
que, na verdade, apenas a doutrina luterana pode ser comprovada como escriturística.
Paulo demonstra que a transubstanciação não ocorre na Santa Ceia, em 1 Co
11.27; 1 Co 10.16. Ali ele declara que os elementos terrenos (pão e vinho) se
conservam como tais mesmo depois da consagração. A argumentação dos
romanistas segundo a qual apenas permaneceriam "a aparência e o sabor
externos"(visus et gustus corporeus), enquanto que a sua substância teria
desaparecido, é "sutileza sofística". Em 1 Co 10.16 e 1 Co 11.28, Paulo declara
exatamente o contrário. Ali ele fala do pão consagrado como ainda sendo pão, etc.
Lutero está com razão, quando diz (Os Artigos de Esmalcalde. Parte 111,
Art. VI - 5): "No que concerne à transubstanciação, temos em nada a sutil
sofistaria de ensinarem que pão e vinho abandonam ou perdem sua substância
natural, ficando apenas a aparência e a cor do pão, não pão verdadeiro. Pois
harmoniza-se perfeitamente com a Escritura que o pão esteja e permaneça
presente. O próprio São Paulo assim lhe chama: "O pão que partimos"; e: "E
assim coma do pão". (1 Co 10.16; 11.28)
Os erros papistas citados a seguir estão intimamente ligados à perniciosa
doutrina da transubstanciaçáo: do "sacrifício da missa", pelo qual o corpo de
Cristo "se oferece continuamente de modo incruento pelos pecados dos vivos
e dos mortos", da "adoração da hóstia" (a celebração do corpus Christi; os
congressos eucarísticos) e da sub una specie, isto é, a proibição do cálice aos
leigos. (cf. a doutrina preciosa da concomitância: juntamente com a hóstia
consagrada, o comungante recebe o corpo e o sangue de nosso Senhor.) Para
esses três erros papistas, não se acha, nas Sagradas Escrituras, sequer um
fragmento de comprovação. A Palavra de Deus está em estrita oposição aos
mesmos. (Hb 10.10-14; M t 26.27; 1 Co 11.24-26)
A doutrina reformada ("O corpo e o sangue acham-se ausentes da Santa
Ceia, todavia são recebidos espiritualmente, ou seja, pela fé".) é refutada pelas
palavras da instituição, onde Cristo diz claramente: Tomai, comei: isto é o
meu corpo; tomai, bebei: isto é o meu sangue". Nosso Senhor declara
expressamente que o pão que se come é o seu corpo e o vinho que se bebe é
o seu sangue. Afirma Chemnitz corretamente que, ao dizer Cristo: "Comei,
bebei", prescreve diretamente a maneira ou modo de recep~ão(modus sumptionis),
de sorte que realmente recebemos o seu corpo e o seu sangue com a boca
(recepção oral; manducatio oralis).
Dogmática Cristã

Chemnitz, naturalmente, não advoga um comer e beber do corpo e do


sangue do Senhor "capernaítico" ou "natural"; porquanto ensina
manifestamente que, enquanto que o pão e o vinho são recebidos de modo
natural, o corpo e o sangue de nosso Senhor são recebidos de modo
sobrenatural, incompreensível. De acordo com as palavras da instituição, a
recepção do corpo e do sangue de Cristo pela boca é verdadeira e real.
As palavras da instituição, é bem verdade, requerem também um comer
e beber espirituais, ou seja, fé nas palavras: "Dado e derramado por vós para
remissão dos pecados". Isso se comprova diretamente pela ordem de Cristo:
"Fazei isto em memória de mim". O que, porém, as palavras da instituição
declaram em particular é que "em, com e sob o pão e o vinho, Cristo oferece
o seu verdadeiro corpo e sangue para ser real e substancialmente comido e
bebido por nós". Em outras palavras, dizem os termos da instituição: "O que
vos ofereço, o que deveis receber e comer, não é apenas pão, mas também
meu corpo. O que vos ofereço, o que deveis receber e beber, não é apenas
vinho, mas também meu sangue."
"A doutrina papista faz do pão um "pão fictício" (Scheinbrot), ensinando
que o pão se transubstanciou em corpo de Cristo. A doutrina dos reformados
faz do corpo um "corpo fictício", alegando que o pão é mero símbolo do corpo
ausente de Cristo. A doutrina luterana, ao contrário, afirma que o pão continua
sendo pão real, também após a consagração, porém que o verdadeiro corpo de
Cristo se acha substancialmente presente em, com e sob o pão em virtude da
união sacramental. Vale dizer: o luteranismo aceita as palavras da instituição
em seu sentido literal. Afirma que nosso Senhor, ao instituir a Santa Ceia,
empregou uma linguagem que se entende facilmente, a saber, a chamada
locutio exhibitiva, segundo a qual só se menciona o objeto para o qual se deve
chamar a atenção (sinédoque).
Nosso Salvador disse: "Isto [o pão] é o meu corpo; isto [o vinho] é o
meu sangue", chamando a atenção dos discípulos, não para o que era visível,
a saber, o pão e o vinho, mas para o que "se apresentava por intermédio do
pão e do vinho, a saber, o seu corpo e o seu sangue". Isso se comprova também
pelas palavras que acrescentou: "que é dado" e "que é derramado". Essas
palavras demonstram que Cristo, ao instituir a Santa Ceia, tinha em mente
seu corpo real e seu sangue real.
Escreve Hollaz: "Na proposição anterior ("Isto é o meu corpo"), o
pronome demonstrativo isto designa todo o complexo sacramental, que consiste
no pão e no corpo de Cristo; na segunda proposição ("Isto é o meu sangue"),
igualmente designa todo o complexo, que consiste no vinho e no sangue de
Cristo, misteriosamente unidos. Por ser o pronome isto empregado com respeito
t a n t o ao pão como ao corpo, fica excluída a doutrina romana da
transubstanciação. O verbo de ligação é une o predicativo ao sujeito e faz ver
que aquilo que se oferece na Santa Ceia não só é real e verdadeiramente pão,
A Doutrina da Santa Ceia
mas também corpo de Cristo. (Doctr. Theol., p.559. cf. também Lutero, S. L.,
XX,1034ss)
A objecão dos reformados (Hodge, Syst. Theol., 111, 662) que, "se o pão é
literalmente o corpo de Cristo, já não é pão; visto que ninguém asseveraria
que a mesma coisa pudesse ser pão e carne (ou corpo) ao mesmo tempo",
respondemos que isso é uma premissa que nem mesmo os próprios calvinistas
admitem. Embora a Escritura aplique a mesma locutio exhibitiva a Cristo (Lc
1.35: "O ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus."), os
calvinistas admitem que Cristo não seja só verdadeiro Deus, como também
verdadeiro homem. (cf. ainda Mt 16.16) Por esse motivo, é insustentável o
seu argumento: "Se as palavras de Cristo devem ser tomadas literalmente,
ensinam a doutrina da transubstanciação." (Hodge) Assim como a locutio
exhibitiva em Lc 1.35 não exclui a existência da verdadeira natureza humana
em Cristo, a locutio exhibitiva em Mt 26.26-28 não exclui a existência do
verdadeiro pão e do verdadeiro vinho na Santa Ceia.
Tem-se feito ver que "os reformados não estariam de comum acordo
entre si". (Hodge) Diz este renomado teólogo reformado (Syst. Theol., 111,
626) que "entre eles, havia três tipos distintos de doutrina, a zwingliana, a
calvinista e uma forma intermédia, que ultimamente se tornou simbólica,
sendo adotada nos padrões autorizados da Igreja". Todavia, Shedd, outro
teólogo calvinista, admite (Dogm. Theol., 11, 569) que "se exagerou a diferença
entre Zwínglio e Calvino em pontos sacramentais".
Em última análise, todos os teólogos reformados concordam
perfeitamente acerca dos "pontos sacramentais". Sua diferença relacionava-
se mais com expressões de que com doutrinas; pois que todos sustentavam
que o corpo de Cristo só teria presença local e visível (praesentia localis) e,
uma vez que estivesse agora localmente contido no céu, não poderia estar
realmente presente na Santa Ceia.
Diz a Fórmula de Concórdia (Decl. Sól., VIII, 2): "Porque os zwinglianos,
depois que o Dr. Lutero mantivera, contra os sacramentários, com argumentos
sólidos, firmados nas palavras da instituição, a verdadeira e essencial presença
do corpo e do sangue de Jesus Cristo na Ceia, objetaram-lhe que o corpo de
Cristo não poderia ser genuíno e verdadeiro corpo humano, se na Santa Ceia
estivesse presente simultaneamente no céu e na terra. Pois tal majestade
seria própria a Deus somente, dela não sendo capaz o corpo de Cristo."
Calvino negou a presença real na acepção dos doutores luteranos tal
qual o fez Zwínglio, bem como também o admite Hodge. Sobre isso, declara
a Fórmula de Concórdia (Decl. Sól., VII, 5): "Mais tarde, quando foram
constrangidos com as palavras de Cristo a confessar que o corpo de Cristo
está presente na Ceia, ainda assim não o entenderam e explicaram senão
como espiritual, isto é, com sua força, operação e benefícios, para ser fruído
Dcgtnhtica Cristã

pela fé, porque pelo Espírito de Cristo, que está em toda a parte, nossos corpos,
nos quais o Espírito de Cristo habita aqui na terra, seriam unidos ao corpo de
Cristo, corpo esse que está no céu."
A acomodação de Calvino à terminologia luterana deu-se principalmente
com o objetivo de efetuar-se uma união protestante entre reformados e
luteranos. Está com a razão o Dr. Bente, quando diz: "A doutrina de Calvino
nada mais era que uma forma polida do tosco ensinamento de Zwínglio,
expressa em frases que se aproximavam o mais possível da terminologia
luterana". (Concórdia Triglotta, Introd. Hist., XVIII, p.174ss)
Contudo, enquanto os reformados concordavam acerca da doutrina
que o corpo de Cristo estaria ausente da Santa Ceia e, portanto, só seria
recebido espiritualmente pelo comungante crente, discordavam a respeito da
interpretasão das palavras da instituição. Carlstadt afirmava que o termo isto
não se referia ao pão, mas ao corpo do Cristo presente, que teria "apontado
para o seu próprio corpo" ao pronunciar as palavras da instituisão. ("Tenho
sempre explicado isto assim que Cristo apontou para o seu corpo ao dizer:
"Isto é o meu corpo." S. L., XX, 2325)
Zwínglio, por sua vez, explicou as palavras da instituição, tomando o
verbo é no sentido de significa (significat), de forma que a idéia seria: "Isto
significa ou representa o meu corpo."
Calvino, (Oecolampádio) procurou, nas palavras "meu corpo", a figura
de retórica, explicando-as da seguinte maneira: "O que vos dou é o sinal do
meu corpo (signum corporis)." Enquanto que a explicação de Carlstadt das
palavras da instituição foi logo rejeitada como absurda mesmo por doutores
reformados (Schenkel), a de Zwínglio e Calvino, embora igualmente arbitrária,
foi geralmente aceita.
Contra a argumentação de Zwínglio de que o verbo é teria o mesmo
sentido de significa, IZrauth declara corretamente (Cons. Ref, p.619): "A própria
linguagem cometeria suicídio, se pudesse tolerar a idéia de que o verbo é não
expressaria substância, mas símbolo." Sobre esse ponto confira-se também
Lutero (S. L., XX, 909ss; também Meyer sobre 1 Co 10.16, o qual, ainda que
favorecendo pessoalmente a interpretação reformada, declara: "Estí jamais
quer dizer outra coisa que est; jamais t e m o sentido de significat; é u m
copulativo, exprimindo sempre o que é (die Kopula des Seins)."
As passagens apresentadas por Zwínglio para comprovação de sua
doutrina (Jo 10.9; 15.5; 1 Co 10.4; Lc 8.11; M t 13.38; 11.14; G1 4.24) não
apóiam as suas pretensões. Quando, por exemplo, se diz que "Cristo é a porta",
o verbo é não tem o sentido de significa, mas de é; visto que, na esfera das
coisas celestiais, Cristo efetivamente é o que a porta é na esfera das coisas
terrenas. Em outras palavras, assim como a porta dá à pessoa acesso à casa,
Cristo dá á pessoa acesso ao céu. Conseqüentemente, a figura de retórica
A Doutrina da Santa Ceia
- -

(tropus) nas declarações citadas, não deve ser procurada no verbo é, mas no
nome predicativo (porta, rocha, vinho, etc.). Lutero está com a razão, quando
diz que nenhum homem pode jamais provar que numa única passagem da
Escritura, na verdade, em todas as línguas do mundo, o verbo é tem o mesmo
sentido de significa. (S. L., XX, 905ss)
Dr. Krauth escreve corretamente (Com. Ref, 618ss): "Dificilmente se
conceberá uma distorção de interpretação mais perigosa que a pretensão de
que se pode explicar a palavra é no sentido de significa ou é símbolo de. Sob
ação dela quase toda doutrina da Palavra de Deus se dissolveria. "O Verbo era
Deus" teria o sentido de: "O Verbo significava Deus, era dele um símbolo."
"Deus é Espírito" teria o sentido de: "Deus é símbolo de um espírito." Quando
se diz de Jesus Cristo: ['Este é o verdadeiro Deus", isto teria o sentido de que
ele teria o símbolo ou imagem do Deus verdadeiro. Cristo, por meio disso,
deixaria de ser o caminho, a verdade e a vida para ser simples símbolo deles.
[...I A criação, a redenção e santificação haveriam de, todas elas, fundir-se e
dissipar-se no cadinho dessa espécie de interpretação. Ela nos arrebataria a
Bíblia e oprimiria o peito com um pesadelo de correspondência, frio e pesado."
Entre os teólogos reformados que rejeitaram a interpretação de Zwínglio,
podemos citar IZecltermann (+ 1609) e João Piscator (+ 1625). Piscator assim
descreve: "Não pode haver tropo no copulativo é". (in copula EST non posse
esse tropum)
Contudo, não seria o caso, então, adotarmos a interpretação de Calvinoz
Calvino, segundo se disse anteriormente, interpretou as palavras da instituição
de modo a rezar: "Isto é o sinal do meu corpo (signum corporis). Em outras
palavras, ele afirmou que as palavras "meu corpo" e "meu sangue" devem ser
explicadas de modo figurativo. Em oposição a essa pretensão, os luteranos
afirmam que as palavras não admitem uma interpretação figurativa, porquanto
Cristo fala aqui do corpo que foi entregue a morte e do sangue que foi derramado
para remissão dos pecados. (Lutero, S. L., 1046ss)
Diz Hollaz: "Infere-se de pronto que na eucaristia não nos é dado a
comer com o pão consagrado um corpo típico ou corpo figurativo, qual foi o
corpo do cordeiro pascal que foi a sombra do corpo de Cristo e o prefigurou;
nem um corpo místico, que é a Igreja (Ef 1.23); nem o sinal de um corpo, pois
que este não foi crucificado por nós; porém o corpo verdadeiro e pessoal de
Cristo, que pertence ao Filho de Deus." (Doctr. Theol., p.561)
O mesmo Beza, calvinista decidido, afirmou que o termo corpo aqui não
pode figurar como sinal do corpo, porquanto Cristo descreve como matéria o
corpo que foi dado e o sangue que foi derramado. Por esse motivo, a palavra
corpo deve ser tomada como designativo do corpo verdadeiro, substancial ou
essencial de Cristo. (Beza, Hom. 2, De Coena: "Confiteor hic nullum tropum
esse, guia SIGNUM proprie EXPONI necesse fuit, ne FALLEREMUR."
Beza rejeitou, também, a explicação de que, nas palavras da instituição,
as palavras corpo e sangue indicariam o fruto e o efeito da morte de Cristo,
explicação essa que até mesmo Hodge adotou ("Receber o corpo e o sangue
conforme são oferecidos no sacramento E.] é receber e apropriar-se da virtude
ou efeitos sacrificais da morte de Cristo sobre a cruz." Syst. Theol,, 111, 646)
A respeito desse gênero de explicação, Beza declara: "Certamente seria
absurdo interpretar as palavras corpo e sangue em relação ao fruto e efeito da
morte de Cristo." (Epist. 5 ad Alemannum, p.57, ed. Genebra) O próprio Beza
rejeitou a doutrina da presença real que os luteranos tão energicamente
ensinaram, rejeitou, porém, igualmente a interpretação de Calvino como
absurda e impossível. (Cf. Christl. Dogmatik, 111, 368s)
O erro de Calvino é plenamente refutado por Paulo, que ensina (não
que a palavra corpo deva ser interpretada como sinal do corpo, mas) que o pão
é a comunhão (kainoonia) do corpo, e o cálice (o vinho) a comunhão do sangue
de Cristo (1 Co 10.16), de forma que "aquele que comer o pão ou beber o
cálice do Senhor, indignadamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor". (1
Co 11.27) Paulo também diz que "quem come e bebe, sem discernir o corpo,
come e bebe juízo para si". (1 Co 11.29) Essa explicação, fornecida por divina
inspiração, decide a questão de uma vez por todas e estabelece a verdade
tanto da união sacramental como da recepçáo oral.
Alguns teólogos reformados (Keckermann, Zanchi, Bucanus, etc.)
pretendiam que não se devesse procurar o tropo ou figura de retórica em
expressões particulares das palavras da instituição, mas, pelo contrário, em
toda a declaração ("Isto é o meu corpo"; "Isto é o meu sangue"). Sua explicação,
em última análise, no entanto, é a mesma que a de Calvino (PPani~est
symbolum sive signum corporis Christi.")
Não é preciso dizer que, se toda a declaração deve ser interpretada de
modo figurativo, então todas as palavras devem ser interpretadas em sentido
figurado, e não somente algumas. Krauth chama a atenção para isso, ao
escrever (Cons. Ref, p.608ss): "A palavra comer [os reformados] interpretam
literalmente. Não sabem dizer, porém, por que o comer não precisa ser
simbólico ou mental, para corresponder ao caráter simbólico ou mental do
corpo. Certamente há boa quantidade de casos do uso figurativo da palavra
comer, enquanto nenhum existe de uso semelhante da palavra é. Os quacres
são mais conseqüentes."
Em síntese, está claro que os reformados não dispõem de base
escriturística para a interpretação figurativa das palavras da instituição. A sua
doutrina baseia-se unicamente no axioma racionalista que (como diz Lutero
"o corpo de Cristo tem de estar num só lugar física e palpavelmente, como o
camponês está dentro do seu gibão e de suas calças" (S. L., XX,950. 1776),
somente o consideram de presença local e visível (localis et visibillis praesentia).
A Doutrina da Santa Ceia

Calvino classificou expressamente a doutrina luterana da presença ilocal


e repletiva da natureza humana de Cristo (Jo 20.19; Ef 1.20,3; 4.10) de noção
ridícula (stultum commentum), pois que, nesse caso, a natureza humana de
Cristo seria destruída. Diz ele em suas Institutas, IV, 17. 29 (tr. por John
Allen): "É essencial num corpo legítimo ter sua forma e dimensão particular e
ser contido dentro de um certo espaço. Que não venhamos, pois a ouvir mais
da noção ridícula que prende o entendimento dos homens e o próprio Cristo
ao pão."
Os calvinistas, nesse ponto, argumentam de modo tão racionalista como
quando negam a guatia unveusalis sob o fundamento de que nem todos são
efetivamente salvos, ou quando negam a comunhão verdadeira das naturezas
em Cristo (uealis communio) sob a alegação de que o finito não pode conter o
infinito. (Finitum nom est capax infiniti.) (cf. Oecolampádio contra Lutero: "É
nossa razão que o corpo de Cristo está no céu; isto é certo e não pode ser
falso." S. L., XX, 591s)
Calvino emprega essa interpretação racionalista da Escritura com
perfeita coerência. Segundo ele, Cristo não surgiu diante dos seus discípulos
através de portas cerradas (Jo 20.19), mas abriu a porta e, assim, foi ter com
eles muito naturalmente. Outrossim, Cristo não desapareceu diante das vistas
dos dois discípulos de Emaús (Lc 24.31)) mas apenas lhes fechou os olhos, de
maneira que não puderam vê-lo. Além disso, a mão direita de Deus não é a
majestade e o poder sem limites de Deus, segundo a Escritura ensina
claramente. (1s 48.13; S1 8913,14; 118.15, 16; 20.6; Êx 15.6,12). É, sim, um
lugar definido onde Cristo está preso até o fim do mundo. A onipresença de
Cristo, testificada com tanto vigor em Mt 28.20, Calvino a afirma unicamente
com respeito à natureza divina de Cristo.
Como racionalista entranhado, Calvino argumenta, ainda, que a
natureza humana de Cristo ficaria localmente dilatada ou se tornaria infinita
(imensa), caso lhe fosse atribuída onipresença (a presença real). Por
conseguinte, à exceção da impecabilidade, Calvino assevera que nada devemos
afirmar com respeito a qualquer outra natureza humana. O calvinismo é,
nesse ponto, tão racionalista como o unitarismo. A diferença entre ambos
reside unicamente no fato de que, enquanto o unitarismo, infelizmente, é
conseqüente, negando todo o teor sobrenatural da Escritura, o calvinismo,
felizmente, é inconseqüente e não tira todas as conclusões que as suas
premissas racionalistas requerem.
Em oposição aos calvinistas, que acusaram os luteranos de ensinar uma
extensão local do corpo de Cristo (ubiquitas localis, extensio localis), nossos
dogmáticos declararam: Realmente afirmamos a onipresença da natureza
humana de Cristo a ela comunicada (ubiquitas personalis et supernaturalis, i.
e., omnipt-aesentia), todavia não uma extensão local (ubiquitas localis). A
doutrina da onipresença (local) que os calvinistas atribuíram aos luteranos é
Dogmática Cristã

invenção deles próprios, idealizada com o propósito de ridicularizar e negar a


doutrina luterana da presença real.
Visto que não podem provar das palavras da instituição a sua doutrina
errônea contra a presença real, à qual tão tenazmente se apegam, os calvinistas
recorrem a Jo 6.53-56. Seu argumento é: Uma vez que o comer da carne e o
beber do sangue de Cristo, nessa passagem, devem ser entendidos
espiritualmente ou pela fé, o mesmo ocorre também com as palavras da
instituição. Que ambas as passagens, porém, não são paralelas e não tratam
do mesmo assunto, está saliente claramente no fato de Cristo, em Jo 6.53-
56, garantir vida eterna a quantos "comerem a sua carne e beberem o seu
sangue", ao passo que, na Santa Ceia, o corpo de Cristo pode ser comido para
condenação. (1 Co 11.29)
Ensinam, portanto, os dogmáticos Iuteranos que, em Jo 6.53-56, Cristo
fala realmente da fé (isso contra os romanistas, que tomam essa passagem
como apoio do seu erro da transubstanciação). Em Mt 26.26-28 e em todas
as passagens paralelas, fala, no entanto, de um comer verdadeiramente
sacramental (isso contra os reformados). (cf. Christl. Dogmatik, 111, 384ss)
Em resposta à pretensão de que, pelo fato de as palavras da instituição
terem levado a tanta controvérsia, elas não poderiam ser consideradas idôneas
para determinar a doutrina da Santa Ceia, afirmamos que esse princípio, em
última análise, tornaria impossível o uso de toda a Escritura, visto que toda a
Bíblia tem estado sempre em controvérsia. Esse argumento, portanto, não
tem fundamento. Em oposição à impugnação de que as palavras da instituição
são demasiado difíceis para serem sedes doctrinae, respondemos que só são
difíceis, quando recusamos crer o que dizem. Nossos dogmáticos têm
ressaltado sempre o fato de que as palavras da instituição são, em si mesmas,
claras e que somente a razão presunçosa dos incrédulos as torna obscuras.
Os calvinistas, apesar de sua oposição violenta aos luteranos, não
andavam seguros de sua razão. O seu espírito unionista demonstra isso.
Calvino condenou a doutrina luterana como "encantamento do diabo" (diaboli
incantatio). Contudo, tanto ele como Zwínglio exigiam que os luteranos os
considerassem irmãos e mantivessem comunhão cristã com eles. Sobre isso
escreve Melanchton: "Insistiam muito conosco em que os chamássemos
irmãos. Mas vede a sua estultice: Embora nos condenem (como falsos
doutores), não obstante desejam que os consideremos irmãos." (S. L., XVII,
1956) Semelhante unionismo descarta-se caprichosamente da Palavra de Deus
e se propõe estabelecer acordos que satisfaçam à razão, mas que sáo condenados
pela Escritura. (Rm 16.17; Tt 3.10) É, pois, tão racionalista como a rejeição da i
doutrina escriturística da presença real.
I
Contra as distorçóes que os reformados aplicaram à doutrina luterana 1
da união sacramental, nossos dogmáticos disseram (Hafenreffer): "A união i
A Doutriíza da Santa Ceia

sacramental não é a) transubstanciaçáo do pão em corpo de Cristo; b) a


consubstanciaçáo ou fusão das duas substâncias, mas tanto no pão como no
vinho, a substância do corpo e do sangue de Cristo permanece imiscível; c)
tampouco é adesão ou conjunção local ou durável ao pão e vinho fora do uso da
ceia; d) tampouco é impanação, isto é, inclusão de qualquer corpúsculo que
se ache oculto sob o pão; e) tampouco é, finalmente, união pessoal do pão e
do corpo de Cristo, qual a que existe entre o Filho de Deus e a humanidade
assumida." (Doctr. Theol., p.571)
Quenstedt acrescenta outro pensamento a fim de esclarecer a doutrina
escriturística da união sacramental. Escreve: "Dizemos que unicamente o
corpo de Cristo está ligado ao pão e unicamente o sangue está ligado ao vinho,
e (ambos são) recebidos de modo sacranítental pela boca do corpo. Todavia, o
Cristo inteiro é recebido espiritualmente, pela boca da fé." (Doctr. Theol., p.570)

4. A DOUTRINA DA INSTITUIÇAO
LUTERANAE AS PALAVRAS
Tem-se dito que as diferentes doutrinas concernentes à Santa Ceia
seriam apenas resultado das diversas "interpretações" das palavras da
instituição. Contudo, a doutrina luterana n ã o é propriamente uma
"interpretação" das palavras da instituição, mas apenas a simples e sincera
apresentação da doutrina escriturística exposta nessas palavras.
Os papistas necessitam realmente de muita "interpretação" para
demonstrar que o pão é transuhstanciado em corpo, que o cálice deve ser vedado
aos leigos (concomitância) e que todo o ato sacramental deve ser realizado
como sacrifício incruento pelos pecados dos vivos e dos mortos. Certamente, é
preciso u m bom bocado de distorção e "eisegese" para provar essas crassas
perversões de passagens claras da Escritura que ensinam o totalmente oposto.
(1 CO 10.16; LC 22.19, 20; H b 9.11-15)
Semelhantemente, os reformados, por suas muitas opiniões diversas,
deram provas de que, para eles, realmente é "canseira e enfado" estabelecer os
seus erros sobre a base da Escritura. Vêem-se obrigados a demonstrar mediante
muita "interpretação" penosa que as palavras "isto é o meu corpo dado por
vós; isto é o meu sangue derramado por vós" não significam o que dizem,
mas, pelo contrário, o que a razão rebelde de zwinglianos duvidosos quer que
digam, a saber, que a fé dos crentes deve elevar-se aos céus e lá se unir
espiritualmente a Cristo, cuja natureza humana, dizem, está encerrada no
céu.
Exige-se, especialmente, que eles forneçam uma explicação que dê outra
feição a 1 Co 10.16 e 11.27-29. Insistimos, além do mais, em que expliquem
por que Cristo não disse das palavras da instituição o que, segundo a versão
deles, deveria ter dito. Exigimos, a seguir, que expliquem por que a Santa
Ceia é, de qualquer maneira, necessária, se já não é mais do que um símbolo
de uma união da fé, que sucede também fora do sacramento. Em resumo,
eles se defrontam com a tarefa impossível de provar a ausência do corpo de
Cnsto. quando a Escritura ensina e comprova a presença real com tanta ênfase.
Os luteranos, ao contrário, tomam as palavras em seu sentido simples,
precisamente como se lêem, e confiam em que Cristo, que fez a promessa,
também será capaz de cumpri-la. Nessa tarefa, seguem a regra hermenêutica
respeitada em todas as épocas que não devemos afastar-nos do sentido literal
do texto, a menos que o próprio texto nos constranja a tanto. A doutrina
luterana fundamenta-se, pois, em base escriturística e se acha em consonância
não só com as palavras da instituição, como também com cada passagem da
Escritura que verse sobre a Santa Ceia.
Em oposição à alegação dos luteranos de que a sua doutrina repousa no
sentido literal das palavras da institui@o, os reformados (inclusive Hodge,
Syst. Theol., 111,662) levantaram a contra-alegação de que os luteranos também
"abriram mão do sentido literal" das palavras. Essa acusação baseia-se no fato
de os luteranos admitirem que "o cálice é empregado metonimicamente pelo
vinho no cálice". Respondemos a isso que, com efeito, admitimos essa
metonímia (sinédoque), sendo a coisa que contém ("este cálice") nomeada
em lugar da coisa nela contida; pois a mesma Escritura nos diz: "E todos
beberam dele." (Mc 14.23) Os discípulos não beberam a taça, mas o vinho no
cálice. Assim, a própria Escritura, nesse caso, estabelece a metonímia. Todavia,
esse ponto está fora de questão, visto que a interpretação literal em que os
luteranos insistem não se aplica à expressão cálice, mas, pelo contrário, às
declarações: "Isto é o meu corpo"; "isto é o meu sangue". O pão é realmente o
corpo de Cristo, e o vinho é o seu sangue, todavia não, como ensinam os
papistas, em virtude de transubstanciação, mas em virtude da união sacramental
(propter unionem sacramentalem).
Os reformados também procuram justificar sua acusação contra os
luteranos ("abriram mão do sentido literal"), reportando-se à sua explicação
'(em, com e sob". Contudo, o emprego dessa expressão não importa em
afastamento do sentido literal das palavras da instituição. É apenas uma
amplificação do sentido literal das palavras. Hodge faz o mesmo, quando
amplifica as palavras "que está no seio do Pai" (Jo 1.18) da seguinte maneira:
"que está, estava e sempre estará no seio do Pai". O que Hodge escreve aqui é
correto, e nenhum teólogo reformado nem luterano o acusaria nesse caso de
emprego de "linguagem figurada". A frase "em, com e sob" tem por finalidade
repudiar o erro papista da transubstanciação e afirmar, em oposição ao erro
dos reformados, a doutrina escriturística da união sacramental.
Hodge ainda baseia a sua acusação em outro ponto. Escreve: "Se as
palavras de Cristo se devem tomar IiteraImente, o corpo de Cristo já não é
pão; visto que ninguém asseveraria que a mesma coisa pudesse ser pão e
A Doutuirta da Santa Ceia

carne (ou corpo) ao mesmo tempo." Já tomamos em consideração esse


argumento ao falarmos da locutio exhibitiva. Ali demonstramos que nem mesmo
Hodge está disposto a admitir noutro ponto (Lc 1.35: "O ente santo que há
de nascer será chamado Filho de Deus") o que aqui exige. Todavia, o argumento
de Hodge: "se o pão é o corpo de Cristo, já não é pão, porém unicamente
corpo" não procede; pois São Paulo, por divina inspiração, nos assegura que o
pão permanece pão mesmo depois da consagração. (1 Co 10.16) O argumento
de Hodge, por conseguinte, não visa a Lutero, mas à Escritura. A acusação de
que seria blasfêmia dizer-se que "o pão é o corpo de Cristo", respondemos que
o próprio Cristo faz essa declaração, de forma que a decisão nesse assunto
cabe somente a ele. As Sagradas Escrituras jamais blasfemam de Deus, mas
sempre o glorificam.
E comum a acusação de que a doutrina luterana da presença real não se
fundamenta nas palavras da instituição, mas, ao contrário, na doutrina da
pessoa de Cristo. Essa acusação é absurda, pois que ocorre exatamente o
oposto. Os luteranos jamais teriam trazido a doutrina da pessoa de Cristo
para a discussão da doutrina da Santa Ceia se os seus antagonistas não os
houvessem constrangido a provar que o corpo de Cristo pode realmente estar
presente na Santa Ceia.
Porque os reformados afirmam uma presença unicamente local e visível
do corpo de Cristo, viram-se os Iuteranos forçados a mostrar que a Escritura
atribui ao Filho do homem, não só uma presença local (praesentia localis,
circumscriptiva), mas também uma presença ilocal (praesentia illocalis, invisibilis,
definitiva) e uma presença divina peculiar (praesentia divina et repletiva). A
primeira é afirmada com respeito a Cristo em Jo 4.4; a segunda, em Jo 20.19;
a terceira, em Ef 4.10. (Para citar apenas algumas passagens da Escritura.)
Assim, quando os luteranos lêem Mt 28.20, não pensam a respeito da presença
de Cristo somente segundo a sua natureza divina, como fazem os calvinistas,
mas também a respeito da presença de sua natureza humana em razão de
sua praesentia illocalis, divina, repletiva a ela comunicada. O Cristo humano-
divino inteiro se acha presente em sua Igreja até a consumação dos séculos.

5. DIFERENTES
RELATOS DAS PALAVRAS
DA INSTITUIÇAO
Qualquer estudioso da Bíblia sabe que as palavras da instituição não
são citadas precisamente do mesmo modo por todos os escritores sacros. Os
exegetas modernos viram-se, por conseguinte, em grandes apuros para
determinar as palavras originais (ipsissima verba) que Cristo teria empregado
ao instituir o santo sacramento. Cremer, todavia, diz corretamente (RE. 3 I,
35): "Quais teriam sido as ipsissima verba não é possível determinar." Dos
diferentes relatos, no entanto, não devemos concluir que a Bíblia não seja
verbalmente inspirada (cf. Kahnis, Dogmatik, 7 I, 666ss), mas, pelo contrário,
Dogmática Cristã

que "Cristo, por ocasião da instituição do sacramento, não repetiu as palavras


na mesma forma estereotipada." (Noesgen) De sorte que os santos escritores
as citam corretamente, muito embora as citem de diversas maneiras.
Além disso, não existe diferença real entre os diversos relatos com respeito
à doutrina que é ensinada nas palavras da instituição. As palavras concernentes
ao pão afirmam unanimemente a mesma verdade: "Isto é o meu corpo" (Mt
26.26; Mc 14.22; Lc 22.19; 1 Co 11.24). As palavras concernentes ao cálice
denotam maior variação, embora afirmem, também, uma e a mesma doutrina.
Mateus e Marcos designam diretamente o sangue como dom sacramental.
(Mt 26.28: "Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, derramado em favor de
muitos, para remissão dos pecados." Mt 14.24: "Isto é o meu sangue, o sangue
da aliança, derramado em favor de muitos.") Por outro lado, as palavras de
Lucas e as de Paulo designam diretamente o objetivo (fTnis) da Santa Ceia como
meio da graça, a saber, a "nova aliança" ou a "remissão dos pecados". (Lc 22.20:
"Este cálice é a nova aliança no meu sangue, derramado em favor de vós." 1 Co
11.25: "Este cálice é a nova aliança no meu sangue.")
Que a nova aliança (novo concerto) é, na sua essência, a graciosa remiss2o
dos pecados por parte de Deus, evidencia-se de passagens diretas da Escritura.
(cf. Jr 31.31-34 com Rm 11.27: "Esta é a minha aliança com eles, quando eu
tirar os seus pecados"; também com Hb 8.8-12; 10.16,17). A velha aliança era
o concerto da Lei, que imputava o pecado e pronunciava a condenação. (2
Co 3.9: "o ministério da condenação"). Todavia, a nova aliança é o concerto
do Evangelho, que perdoa o pecado e anuncia a salvação pelo sangue de Cristo.
(2 Co 3.9: "o ministério da justiça"). "Justiça" aqui significa iustitia imputata,
ou seja, o perdão dos pecados por amor de Cristo; pois ela forma contraste
com "condenação". Escreve Lutero sobre esse ponto (S. L., XX,278ss): "Que
mais é o Novo Testamento senão o perdão dos pecados adquirido para nós
por Cristo e a nós oferecido no sacramento<"
As palavras "no meu sangue" (Lucas, S. Paulo) dão a razão por que o
cálice é a nova aliança ou o perdão dos pecados; pois o cálice é a nova aliança
em virtude do sangue de Cristo que nele se oferece. (Lutero: "meines Blutes
halben"; Chemnitz: propte sanguinem meum; Meyer: "vermoge meines Blutes")
Se alguém fizer a objeção de que na afirmação: "Este cálice é a nova
aliança no sangue" se deva tomar o verbo "é" no sentido de "significa",
indicamos ao leitor passagens tais como Jo 11.25: "Eu sou a ressurreição e a
vida", e 6.63: 'As palavras que eu vos tenho dito são espírito e são vida." De
acordo com João 11.25, Cristo não apenas significa, mas realmente é a
ressurreição e a vida. É por isso que esses dons celestiais se encontram nele e
nos são oferecidos por ele. De acordo com João 6.63, as palavras de Cristo não
significam apenas espírito e vida, mas realmente são espírito e vida, porquanto
esses dons celestiais estão contidos nelas e nos são oferecidos por elas. Da
mesma maneira, o cálice não significa apenas a nova aliança, mas realmente
A Doutrina da Santa Ceia

é a nova alianca ou o perdão dos pecados; porquanto realmente oferece, com


o sangue de Cristo nele contido, o perdão que nosso Salvador adquiriu para
nós por sua morte na cruz. (cf. Clzristl. Dogmatik, 111, 410ss)
Essa é a doutrina explícita que a Escritura inculca nas palavras da
instituicão e que a Igreja Luterana ensina e confessa sem qualquer
consideração para com as objeções da razão humana duvidosa a este ponto.
Segundo a doutrina luterana, as palavras da instituição, não importa como
sejam citadas, exprimem todas a mesma verdade sublime, a saber, que em,
com e sob o pão e o vinho, como por verdadeiros vehiculat et media collativa, o
comungante recebe o verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue de Cristo para
graciosa remissão dos seus pecados (ad veniam peccatoruin impetrarzdam).

6. Os ELEMENTOS
MATERIAIS
NA SANTA
CEIA
A Igreja Luterana confessa com a Igreja Cristã primitiva, "em acordo
com as palavras de Irineu, que, neste sacramento, há duas coisas, uma celeste
e uma terrena." (A Fórmula de Concórdia, Decl. Sól., VII, 14). 0 s elementos
celestes (materiae coelestes) são o verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue de
Cristo. Assim diz a Fórmula de Concórdia: "Com o pão e o vinho o corpo e o
sangue de Cristo estão verdadeira e essencialmente presentes, são oferecidos
e recebidos. E ainda que não crêem numa transubstanciação, isto é, numa
transforma@o essencial do pão e do vinho no corpo e no sangue de Cristo, e
também não mantêm que o corpo e o sangue de Cristo são inclusos no pão
localiter, isto é, totalmente, ou que em alguma outra maneira são
permanentemente unidos com ele à parte do uso do sacramento, concedem,
todavia, que pela união sacramental o pão é o corpo de Cristo etc."
Enquanto que, na Igreja primitiva, os hereges frequentemente
empregavam substitutos para o vinho (Encratites: leite, mel, suco de uva não
fermentado), a Igreja Cristã sempre condenou tais substitutos como
inadmissíveis. Não tem fundamento o argumento de que a expressão "fruto
da videira" é termo genérico, que abrange todos os produtos da videira e,
conseqüentemente, também o suco de uva, porquanto Cristo usou a expressão
em consideração como termo especial para vinho, que era empregado
invariavelmente pelos judeus nas suas festas sagradas. É bastante claro que a
expressão genneema tees ampelou é o grego correspondente a peri haggâphen
que os judeus ortodoxos ainda hoje empregam na consagração do cálice do
Kiddush ("Bendito és tu, Senhor, nosso Deus, Rei do universo, Criador do
fruto da videira": attâh jejâ elohênu melek hâôlâm bôrêh peri haggâphen.)
Jamais se teria feito objeção ao emprego de vinho na Santa Ceia, não
houvesse o fanatismo declarado condenável o uso de vinho em geral,
contrariamente às palavras explícitas da Escritura. (1 T m 5.23; Ec 9.7; S1
104.15)
Dogmática Cristã

A respeito das hóstias, que são usadas na Igreja Luterana, cabe ao ministro
cristão instruir cuidadosamente a sua gente, mostrando que as hóstias são
pão no verdadeiro sentido do termo, todavia não são, em si mesmas, materia
terrena melhor que o pão comum.
Para a união sacramental, é necessário que os elementos materiais sejam
realmente distribuídos (distributio) e recebidos pelos comungantes (sumptio);
pois que a união sacramental se dá somente no ato sacramental e não fora
dele. Ipsa sacramentalis unio non fit nisi in distributione. Daí não ser a "hóstia
consagrada" usada pelos romanistas para adoração: e o seu culto constituir
idolatria. Panis extra usum a Christo institutunz tzon est corpus Christi.
O axioma dos cristãos primitivos e da Igreja Luterana: "Nada tem
natureza de sacramento fora do uso instituído por Cristo"(l\Tilzit habet rationem
sncramenti extra usum a Christo institutum), baseia-se diretamente nas palavras
da instituição ("Comei, bebei") e é, por conseguinte, escriturístico. (cf. A
Fórmula de Concórdia, Decl. Sól., VII, 85)
Se se recebe o pão diretamente com a boca como oferecido pelo pastor,
ou primeiro se toma na mão do próprio comungante, isto é coisa sem
importância (adiáforo). Alguns reformados mantiveram erroneamente que a
segunda forma seria a correta.
Mesmo o "partir" do pão deve ser considerado um adiáforo, embora alguns
teólogos reformados insistam neste ato, visto que, de acordo com a sua opinião,
o partir do pão significa a morte de Cristo na cruz (cujos ossos não foram
partidos, Jo 19.33,36).Por ocasião da primeira comunhão, o "partir" foi acidental;
partiu-se o pão, para que pudesse ser distribuído. (Lc 24.30; 1 Co 10.16)
Assim como os elementos materiais que Cristo empregou não devem
ser trocados, também os elementos celestes devem permanecer intactos. Não
devemos designar como materia coelestis nada além do corpo e do sangue de
Cristo. Particularmente, não devemos considerar materia coelestis:
a) O "Cristo inteiro" ou "a pessoa de Cristo" (calvinistas, romanistas,
alguns teólogos luteranos modernos), porquanto Cristo nos oferece
expressamente o seu corpo e sangue para ser comido e bebido. Além
das palavras da instituição ("Isto é o meu corpo; isto é o meu
sangue"), não devemos levar a argumentação com respeito a qualquer
presença sacramental de Cristo. "Somente seu corpo e sangue estão
unidos aos elementos e são recebidos oralmente." (Luthardt). A
doutrina papista da "concomitância" (juntamente com o corpo, o
comungante recebe o sangue) é tão antiescriturística como a da
transubstanciação.
b) Também não apenas os benefícios de Cristo (beneficia )ou a eficácia
do seu corpo e sangue (virtus) ou os seus méritos (merita), etc. (os
teólogos reformados e modernos). Enquanto que é verdade que
A Doutrina da Santa Ceia
recebemos todos os benefícios de Cristo pela fé, também é verdade
que não foram "dados e derramados" por nós, de sorte que na Santa
Ceia não os recebemos com a boca (recepção oral).
c) Igualmente o Espírito Santo ou sua operação sobrenatural (Calvino).
Mesmo Beza declarou ser absurdo substituírem-se o corpo e o sangue
de Cristo, no sacramento, pelo Espírito Santo e sua divina operação,
visto que não foram entregues à morte por nós.
d) Nem ainda a comunhão espiritual com Cristo e o enxerto do crente
no seu corpo, a Igreja. Embora a comunhão espiritual seja realmente
fruto e efeito do sacramento sobre todo aquele que crê na promessa
divina, nem por isso é a materia coelestis pela razão supramencionada.
e) Também o corpo glorificado de Cristo ou o Cristo glorificado,
segundo alegam Calvino e alguns teólogos modernos, uma vez que
nosso Senhor designou como tais unicamente o corpo que foi dado e
o sangue que foi derramado. A glorificação de Cristo nada tem a ver
com a sua presença real na Santa Comunhão, a qual se baseia
inteiramente a) em sua divina promessa: "Tomai, comei, isto é o
meu corpo"; b) no fato da união pessoal, pela qual a natureza humana
de Cristo recebeu, em verdade, atributos divinos (onipresença), de
forma a poder estar realmente presente na Santa Ceia. Em outras
palavras, a presença real fundamenta-se no fato de o corpo de Cristo
ser o corpo do Filho de Deus.
Em resumo, não devemos substituir o corpo e o sangue de Cristo como
materia coelestis por nada que nosso Senhor mesmo não tenha nomeado nas
palavras da instituição, porquanto seria antiescriturístico e, ademais disso,
originaria confusão. A união sacramental consiste tão-só na união do pão
com o corpo e do vinho com o sangue.
Enquanto que os papistas rejeitam a doutrina escriturística da união
sacramental in toto e a substituem pela transubstanciação, os calvinistas, por
outro lado, professam ensinar a unio sacrarnentalis. Todavia, o que pretendem
com esse termo é que a união do crente, pela fé, com o Cristo ausente, de sorte
que na realidade, a sua união sacramental é apenas significativa, representativa,
simbólica (unio significativa) repraesentativa/ symbolica).
A sua união sacramental não tem, por conseguinte, mais de união real
do que a que se produz por um olhar ao crucifixo ou a uma estampa de
Cristo, o qual, pela evocação de nosso Salvador à memória, o torna presente
em nosso espírito. Os calvinistas também falam frequentemente de sua união
sacramental como de uma unio vera, realis, substantialis, etc.; contudo, apesar
desse fato, negam a presença substancial (realis praesentia) do corpo de Cristo
no sacramento, de sorte que, afinal de contas, não ensinam absolutamente
nenhuma união sacramental.
Dogmática Cristã

Os luteranos, ao contrário, consideram a união sacramental entre o


pão e o corpo e entre o vinho e o sangue tão real e íntima quej no ato
sacramental, o comungante recebe o verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue
de Cristo em, com e sob o pão e o vinho (i~zanducatiooralis). O pão e o vinho,
na verdade, de modo natural (manducatio naturalis), contudo o corpo e sangue,
de modo sobrenatural, incompreensível.
0 s luteranos rejeitam com grande vigor a acusação de que a presença
real implicaria uma inclusão local ou uma impanação ou consubstanúaçáo
(localis inclusio, impanatio, consubstantiatio). Assim diz a Fórmula de Concórdia
(Decl. Sól., VII, 64): "Essa ordem ["Comei e bebei"] não pode ser entendida
senão como relativa ao comer e beber orais. Não, todavia, de modo grosseiro,
carnal, capernáitico, senão que de maneira sobrenatural, incompreensível."
A acusação de que os luteranos ensinariam um comer e beber naturais
ou capernaíticos foi lançada contra eles por teólogos reformados e não-
reformados. (Harnac, Franlc, etc.) (cf. Christl. Dogmatik, I11 423s) Contudo,
não só Lutero (S. L., XX, 811) e as Confissões Luteranas (A Fórmula de
Concórdia, Decl. Sól., VII, 16), mas também todos os dogmáticos luteranos de
todos os tempos repudiam essa doutrina errônea em termos inequívocos.

7. QUE FAZ DA SANTACEIAUM SACRAMENTO


Porque a Santa Ceia é um sacramento que deve ser celebrado até o fim
dos tempos (1 Co 11.26), temos de nos ocupar, também, com a importante
pergunta: Que fator produz a presença real do corpo e do sangue de Cristo na
Santa Ceia< De acordo com o ponto de vista reformado, não pode haver
sacramento verdadeiro, a menos que os comungantes possuam fé verdadeira
em Cristo. Em outras palavras, é a fé do crente que faz do comer e beber um
sacramento verdadeiro.
Em refutação desse erro, a Fórmula de Concórdia (Decl. Sól., VII, 74)
escreve: "A verdadeira presença real do corpo e sangue de Cristo na Ceia não
é efetuada pela palavra ou obra de homem algum, quer seja o mérito ou a
recitação do ministro, quer o comer e beber ou a fé dos comungantes. Tudo
isso, ao contrário, deve ser atribuído unicamente à virtude do onipotente
Deus e à Palavra, instituição e ordenação de nosso Senhor Jesus Cristo."
Também Lutero, a quem a Fórmula de Concórdia cita aqui, afirma: "Esta
sua [de Cristo] ordem e instituição pode fazer e faz com que não demos nem
recebamos simples pão e vinho, mas o seu corpo e sangue, bem como dizem
as suas palavras: Isto é o meu corpo, etc. Isto é o meu sangue, etc.; assim que
não é nossa obra ou falar, mas a ordem e ordenação de Cristo que fazem do
pão corpo e do vinho sangue desde o princípio da primeira Comunhão até o
fim do mundo."
A Doutrina da Santa Ceia

Igualmente: "Da mesma forma também aqui, mesmo que sobre todo
pão pronunciasse: "Isto é o corpo de Cristo", nada resultaria disso. Todavia,
quando, em acordo com sua instituição e ordem, dizemos na Santa Ceia:
"Isto é o meu corpo", então é o seu corpo, não por causa de nossa fala ou
anunciação de palavras, mas por causa de sua ordem, por nos haver ordenado
que assim falássemos e agíssemos e por haver condicionado sua ordem e
operação ao nosso falar." (Ibid., 78)
Essa doutrina é escriturística; porquanto nem a fé da pessoa (reformados)
nem o poder do sacerdócio (romanistas) nem qualquer influência mágica das
palavras pronunciadas fazem do comer ou beber uma Santa Ceia ou
sacramento, mas unicamente a instituição e ordem de Cristo: "Fazei isto".
A Fórmula de Concórdia assenta sobre sólido fundamento escriturístico
ao declarar: 'As palavras verdadeiras e onipotentes de Jesus Cristo, que ele
falou na primeira instituição, não foram eficazes apenas na primeira Santa
Ceia, senão que perduram, valem, operam e ainda são eficazes, de modo que
em todo lugar onde a Santa Ceia é celebrada segundo a instituição de Cristo
e suas palavras são usadas, o corpo e o sangue de Cristo verdadeiramente
estão presentes, são distribuídos e recebidos, por virtude e potência daquelas
palavras que Cristo pronunciou por ocasião, da primeira Ceia [...I Como diz
Crisóstomo (in Serm. de passione) no Sermão da Paixão: (601) "O próprio Cristo
prepara e abençoa esta mesa. Pois homem nenhum faz do pão e vinho postos
diante de nós corpo e sangue de Cristo. Senão o mesmo Cristo, que foi
crucificado por nós. C...] E assim como a palavra "crescei, multiplicai-vos e
enchei a terra", foi pronunciada uma só vez, sendo, porém, eficaz na natureza,
de sorte que ela cresce e se multiplica assim, também essa palavra foi dita
uma só vez, mas até ao dia de hoje e até a sua vinda, [de Cristo] ela é eficaz,
e fazendo com que na Santa Ceia da Igreja seu verdadeiro corpo e sangue
estejam presentes." (Ibid., 75. 76)
A acusação dos calvinistas de que os luteranos, à imitação dos
romanistas, atribuiriam a presença real na Santa Ceia à palavra e autoridade
da pessoa é, pois, absolutamente falsa.
Precisamente porque os luteranos ensinam que a presença verdadeira
do corpo e do sangue de Cristo na Santa Ceia depende da instituiçáo e ordem
de Cristo, conservam, de conformidade com a Igreja Cristã primitiva (1 Co
10.1@, as palavras da instituição para a consagração (consecratio, eulogia) dos
elementos materiais. Calvino, que se opôs à consagração papista como sendo
u m "encantamento mágico", negou enfaticamente a necessidade da
consagração, baseado em que a mesma nada teria a ver com o ato sacramental.
Contrariamente a essa idéia antiescriturística (cf. 1 Co 10.16), a Fórmula
de Concórdia (Decl. Sól., VII, 79-82) insiste na recitação das palavras da
instituiçáo por três razões:
Dogmática Cristã
--

a) "que seja prestada obediência à ordem de Cristo";


b) "que a fé dos ouvintes com respeito à natureza e fruto desse
sacramento seja avivada, fortalecida e confirmada";
c) "que os elementos pão e vinho sejam consagrados ou abençoados
para esse santo uso".
Mesmo Hodge (Syst. Theol., 111, 618) declara que "o pão e o cálice foram
abençoados", a fim de que "o pão e o vinho viessem a se constituir símbolos
de seu corpo e seu sangue", muito embora, em acordo com 1 Co 10.16, devesse
ter dito: "a fim de que o pão viesse a ser a comunhão do corpo e o vinho a
comunhão do sangue". Hodge pelo menos admite que a bêncão (consagração)
se relacionava com o ato sacramental, e não apenas com as pessoas, segundo
ensinava Calvino.
Os luteranos, com justa razão, insistem no emprego das palavras da
instituição na Santa Ceia não menos que no santo Batismo. Enquanto que
não consideram uma omissão acidental ou a pronúncia defeituosa de uma
palavra ou um erro não intencional que possa ocorrer durante a consagração
como ofensa pela qual se invalidaria todo o sacramento, exigem que "as
palavras da instituição devem ser faladas ou cantadas publicamente, de maneira
distinta e clara, diante da congregação, não se devendo omiti-las de forma
nenhuma [...Iv (A Fórmula de Concórdia, Decl. Sól., VII, 79)
A pergunta sobre se a simples boa intenção dos celebrantes pode
consagrar suficientemente os elementos materiais dificilmente pode ser
tomada a sério. Pertence às curiosae quaestiones cuja melhor resposta será o
silencio.
Uma vez que a Santa Ceia não é sacramento graças à fé ou obra da
pessoa, porém apenas pela instituição e ordem de nosso Senhor, segue-se que
também os comensais indignos ou comungantes incrédulos recebem o
verdadeiro corpo e sangue de Cristo (manducatio generalis). A Escritura afirma
essa verdade em 1 Co 11.27,29, de forma que os reformados, que negam a
manducatio indignorum, rejeitam um ensinamento claro da Escritura. Contudo,
assim como rejeitam a manducatio indignorum, também rejeitam a manducatio
dignorum, isto é, a recepção oral do corpo e do sangue de Cristo por parte do
crente.
Segundo o ensino reformado, o corpo de Cristo não está absolutamente
presente na Santa Ceia e, por isso, não é recebido pelos dignos nem pelos
indignos. Zwinglio: "In eucharistia nihil aliud est quam commemoratio." - "Quanto
fides est maior et sanctior, ranto magis contento est spirituali manducatione." Na
Concórdia de Wittenberg (1536), Lutero insistiu expressamente em que os
opositores sacramentários reconhecessem a manducatio indignorum; pois, por
esse teste, podia verificar se concordavam ou não com a doutrina da presença
real.
A Doutrina da Santa Ceia

Por ser unicamente a instituição e ordem de Cristo aquilo que faz da


Santa Ceia um sacramento, um meio da graça, segue-se também que nem os
papistas nem os calvinistas possuem a verdadeira sagrada comunhão que nosso
Salvador instituiu. A sua "ceia" fica inteiramente fora da instituição de nosso
Senhor (extra usurn a Christo institutum), visto que não se baseia nela nem
está em acordo com ela.
A Fórmula de Concórdia escreve a respeito da missa dos romanistas (Decl.
Sól., VII, 85, 86, 87): "Quando não se observa a instituição de Cristo, tal
como ele a ordenou, não é sacramento. [..I E o usus ou actio, isto é, ."uson ou
"ação", aqui não significa principalmente a fé, também não apenas a fruição
oral, mas toda a ação externa e visível da ceia ordenada por Cristo: a
consagração ou palavras da instituição, a distribuição e recepção, ou a fruição
oral do pão e do vinho abençoados, do corpo e sangue de Cristo. A parte desse
uso, quando, na missa papista, o pão não é distribuído, mas oferecido em
sacrifício ou encerrado, levado de um lugar a outro e exposto para adoração,
não se deve considerá-lo sacramento."
De maneira semelhante, Lutero escreve a respeito da missa particular
(Winkelmessen) (S. L., XIX. 1265): "Não há na missa particular apenas o
abuso ou pecado de o sacerdote agir e receber indignamente, mas, ainda que
o sacerdote fosse santo e digno, tarnen ipsa substantia instituitionis Christi
sublata est, tiram a ordenação e instituição substancial de Cristo e criam uma
ordenação própria. [...I Razão por que ninguém pode nem deve crer que aí
esteja o corpo e sangue de Cristo, porquanto aí não está sua ordenação."
Com respeito à "ceia" dos reformados, alguns dogmáticos luteranos
(Fecht, Dannhauer, etc.) foram de parecer que os mesmos têm a verdadeira
Santa Comunhão que Cristo instituiu, de sorte que recebem o corpo e sangue
de Cristo toda vez que dela participam. Esse argumento fundamentava-se no
fato de os calvinistas conservarem as palavras da instituição. Todavia a "ceia"
dos calvinistas fica fora da instituição de Cristo, visto que renunciam
declaradamente às palavras da instituição, quando afirmam ser a doutrina da
presença real uma "abominação" e não se congregam para cometer uma tal
ofensa, mas unicamente para celebrar uma "festa comemorativa" em memória
da morte de Cristo. Zwínglio: "Acaso queríamos ser canibais (anthropophagi)C7'
Desse fato depreende-se claramente que a "ceia" dos reformados está sem a
palavra e promessa de Cristo, de forma que não pode ser verdadeira Santa
Ceia.
O veredito de Lutero sobre esse ponto é muito enfático. Escreve ele:
"Os inimigos atuais do sacramento, na verdade, têm pura e simplesmente
pão e vinho; pois que não possuem também as palavras e a ordenação de
Deus estabelecidas, mas perverteram e alteraram as mesmas segundo o seu
bel-prazer." (A Fórmula de Concórdia, Decl. Sól., VII, 32)
Dogmática Cristã

Por mais que rejeitemos com razão a "ceia" dos reformados como não sendo,
de maneira nenhuma, Santa Ceia, reconhecemos como válido o seu Batismo,
visto que os seus erros com respeito a este sacramento não se referem à sua
essência, mas apenas aos seus frutos e efeitos. (cf. Dr. Walther, Pastorale, p.181)
Com respeito à pergunta sobre se a união sacramental (unio
sacramentalis) se dá diretamente e m seguida à consagracão e antes da
distribuição e recepção (ante usum), ponto esse em que João Saliger (pastor
em Lubeck e Rostock) insistia, A Fórmula de Concórdia dá o seguinte parecer
(Dec!. Sól., VII, 83. 84): "Todavia, essa bênção, ou a recitação das palavras da
instituição de Cristo, se a ação toda da ceia, conforme Cristo a ordenou, não
é observada (como quando o pão abençoado não é distribuído, recebido e
comido, mas é encerrado, oferecido em sacrifício ou levado de um lugar a
outro), por si só não faz sacramento, senão que a ordem de Cristo: "Fazei
isto", que abrange toda a ação ou administração desse sacramento: [...I como
São Paulo, com efeito, nos põe diante dos olhos a ação toda do partir do pão
ou da distribuição e recepção." (1 Co 10.16)
Essa decisão é de grande significação prática; porque apenas a
consagração em conexão com a distribuição e recepção efetivas, conforme
Cristo determinou, nos garante a presença real do corpo e sangue de Cristo
na Santa Ceia. Se os elementos só são consagrados, mas não distribuídos e
recebidos, não há Santa Ceia.
Quenstedt defendeu essa verdade habilmente contra a argumentação
de Belarmino. Belarmino afirmou que o corpo de Cristo deveria estar presente,
em virtude da consagração, mesmo sem a distribuição, porquanto Cristo diz:
"Isto é o meu corpo." Quenstedt respondeu que Cristo disse: "Isto é o meu
corpo" com referência ao pão do qual primeiro dissera: "Tomai, comei". (11,
1268) Por conseguinte, o corpo e sangue de Cristo só estão realmente presentes
nos elementos terrenos consagrados, quando os comemos e bebemos." "Ad
externam actionem requiritur consecrario, distuibutio et s u p t i ~ (A
. ~ Fórmula de
Concórdia, VII, 86)

8. A FINALIDADEDA SANTACEIA
A respeito do objetivo da Santa Ceia já falamos em capítulo anterior,
visto que a finalidade deste sacramento está muito intimamente ligada à sua
essência (forma). Em virtude da importância desse assunto, repetimos aqui o
que anteriormente foi dito para fins de maior clareza e ênfase.
Em seu Catecismo Menou, Lutero sintetiza a finalidade da Santa Ceia
sob a pergunta: "Que proveito há neste comer e beber<" da seguinte maneira:
'as palavras: Dado e derramado por vós para remissão dos pecados nos mostram
que, no sacramento, nos são dadas por estas palavras remissão dos pecados,
vinda e salvação." O reformador faz ver aqui que a exposição de Cristo: "que
A Doutrina da Santa Ceia

é dado por vós" e: "que é derramado por vós" é acrescentada às palavras: "Isto
é o meu corpo; isto é o meu sangue" a fim de mostrar o benefício ou objetivo
do comer e beber da Santa Ceia.
É bem verdade que essas palavras descrevem o corpo e sangue de Cristo
como seu corpo e sangue reais. Ao mesmo tempo, porém, mostram também
a finalidade do comer e beber; pois, assim como o corpo foi entregue à morte
e o sangue derramado para remissão dos nossos pecados, assim na Santa Ceia
são oferecidos e dados ao comungante para remissão dos seus pecados. É por
causa desse fato que alguns dos santos escritores (Lucas e Paulo) dizem
diretamente: "Este é o cálice da nova aliança no meu sangue." (Lc 22.20; 1
Co 11.25) Essas palavras significam: "Com este corpo e sangue, ofereço-te a
nova aliança, ou seja, o gracioso pe;dão dos pecados." O dom peculiar da
Santa Ceia é, por conseguinte, como diz Lutero acertadamente, o perdão dos
pecados, vida e salvação, ou seja, precisamente a mesma bênção que o
Evangelho transmite em geral, e o Batismo em particular. O Batismo oferece
esse dom pela aplicação da água. A Santa Ceia, pela recepção, por parte do
comungante, do corpo e sangue de Cristo em, com e sob o pão e o vinho.
Nessa conexão, pode-se chamar a atenção para o fato de que, tanto os
reformados como os teólogos modernos (Harnack), acusam Lutero de haver
posto em tanta evidência a presença real, que perdeu de vista a finalidade
última da Santa Ceia, a saber, a apreensão dos méritos de Cristo pela fé. Isso,
no entanto, é uma das falsidades manifestadas que o estudioso em história
eclesiástica encontrará em grande quantidade. É verdade que Lutero deu ênfase
à doutrina da presença real, mas pela simples razão de que este foi o principal
status controversiae em sua luta com os sacramentários. Na verdade, contudo,
ele considerou a presença real somente como um meio para um determinado
fim. Insistiu na presença real do corpo e sangue de Cristo no sacramento a
fim de, com tanto maior clareza e segurança, poder proclamar o seu conforto
e declarar o seu benefício, a saber, o gracioso perdão dos pecados.
Lutero não pôs a presença real em lugar do sola fide, conforme Harnack
alega erroneamente, mas, pelo contrário, ensinou que o sola fide é o único
meio pelo qual se pode obter de Deus o gracioso perdão dos pecados oferecido
na Santa Ceia. Ele escreve assim no Catecisnzo Menor: "O que crê nesta palavra
["dado e derramado por vós para remissão dos pecados"] tem o que elas dizem
e expressam, a saber, a remissão dos pecados." Lutero, além disso, deu realce
à doutrina escriturística segundo a qual a recepção oral do corpo e sangue de
Cristo, sem fé, para nada aproveita; mas sim, é perniciosa. (1 Co 11.29) Diz
ele no Catecismo Menor: "Todavia aquele que não crer nestas palavras ou delas
duvidar, é indigno e não está preparado, porque as palavras "por vós" exigem
corações verdadeiramente crentes."
É a doutrina de Lutero, proclamada do princípio ao fim, que a Fórmula
de Concórdia declara ao afirmar (Decl. Sól., VII, 53): "Está por isso, fora de
Dogmática Cristã

dúvida que também com respeito à outra parte do sacramento as seguintes


palavras de Lucas e Paulo: "Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue."
não podem ter outro sentido senão o dado por São Mateus e São Marcos:
"Isto (a saber, o que bebeis, oralmente, do cálice) é o meu sangue, o sangue
do Novo Testamento, com que estabeleço, selo e confirmo com vós homens
este meu testamento e nova aliança, a saber, a remissão dos pecados." Em
todas as suas discussóes sobre o assunto, Lutero jamais perdeu de vista o
gracioso perdão dos pecados que a Santa Comunhão oferece e dá. Para ele, a
Ceia do Senhor era uma "Santa Ceia", precisamente porque Cristo ligou ao
seu corpo e sangue a graciosa promessa: "dado por vós; derramado por vós."
(S. L. XIXI 1292)
Em conexão com esse ponto, também podemos discutir a questão
concernente ao objetivo específico da fé no comungante. O comungante tem de,
naturalmente, crer que Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, morreu
pelos seus pecados. Além disso, tem de crer que este mesmo Cristo o faz
participante, na Santa Comunhão, do seu verdadeiro corpo e sangue; pois todo
aquele que recusa crer isso é comensal indigno comendo e bebendo juízo para si,
por não "discernir o corpo". (1 Co 11.29) Contudo, mesmo a fé na presença real
ainda não é fé salvadora. Conforme diz Lutero acertadamente, o comungante
digno crê nas palavras "dado e derramado por vós". Se alguém deseja ser digno
comungante, deve crer que recebe o perdão dos pecados, vida e salvação
pessoalmente ao receber o corpo e sangue de Cristo por ele dado e derramado.
Este ponto é o pivô de toda a doutrina da Santa Ceia. Lutero argumenta
sobre esse ponto através da pergunta: "Quem participa dignamente deste
sacramento<" Escreve ele em seu Catecismo Menor: "Verdadeiramente digno e
bem preparado é aquele que tem fé nestas palavras: "Dado e derramado por vós
para remissão dos pecados". Como Lutero demonstra, essas palavras são uma
promessa direta de perdão a cada comungante, e todo aquele que deseja ser
digno comungante deve depositar a sua confiança nessa promessa divina.
Em outras palavras, deve crer no que a Escritura diz com respeito à essência e
ao objeto (finalidade) da santa comunhão.
A doutrina de que, na Santa Ceia, Cristo oferece perdão dos pecados
aos comungantes é rejeitada pelos papistas. O Concílio de Trento amaldiçoa
abertamente todo aquele que apresenta o gracioso oferecimento do perdão
como finalidade principal da Santa Ceia. (Conc. Trento, De Sacrosancto
Eucharistiae Sacramento, Cân. 5) Carlstadt também o considerava "prejuízo
vil e abominável os nossos cristãos procurarem na Santa Ceia perdão dos
pecados". (S. L., XX, 94), Zwínglio e Calvino igualmente advertiram
publicamente contra a idéia de que "o sinal visível, ao ser oferecido, faria
surgir também a graça de Deus." (Consensus Tigurinus)
Do ponto de vista do calvinismo, tal advertência é compreensível. Pois,
de acordo com a opinião reformada, a Santa Ceia não pode oferecer graça a
A Doutrina da Santa Ceia

todos os pecadores, uma vez que, por um lado, a graça não se destina a todos
(negação dagratia universalis) e, por outro, não há meios da graça que ofereçam,
selem e dêem perdão dos pecados, vida e salvação. (Na obra da regeneração,
estão excluídas todas as causas secundáriasu- "Nada intervém entre a volição
do Espírito e a regeneração da alma"- "A infusão de nova vida na alma é obra
imediata do Espírito.")
Contudo, em vista desse fato, os calvinistas não têm o direito de falar
da Santa Ceia como sinal, selo e penhor (signum, tessera, pignus) da graça
divina adquirida por Cristo Jesus, porque, para eles, constitui apenas uma
"festa comemorativa", celebrada em memória da morte de Cristo.
O perdão gracioso dos pecados, com a vida e salvação, é o dom primacial
da Santa Ceia. Todas as demais bênçãos (beneficia) oferecidas nela são apenas
concomitantes seus. Entre essas bênçãos, podemos mencionar os efeitos
graciosos do sacramento, tais como o fortalecimento da fé, a união com Cristo
e com seu corpo espiritual, a Igreja, o progresso na santificação, o aumento
no amor a Deus e ao próximo, o aumento na esperança da vida eterna, maior
alegria na confissão de Cristo (1 Co 11.26), etc. Ao lado, a Santa Ceia serve
também para distinguir os crentes cristãos dos heterodoxos e dos ímpios.
Todos esses benditos efeitos devem-se ao fato de a Santa Ceia ser medium
iustificationis, ou seja, um meio pelo qual recebemos o perdão dos pecados. A
proporção que o crente se certifica do perdão dos seus pecados, sua fé é
fortalecida, seu amor é aumentado e sua esperança da vida eterna se confirma.
Certo de sua adoção como filho de Deus em Cristo Jesus, ele também luta
contra o pecado e vive para aquele que por ele morreu e ressuscitou. Em
suma, ele ama Deus, porque Deus o amou primeiro. (1 Jo 4.19)
Todo aquele que nega que a Santa Ceia seja, antes de tudo, um meio de
justificação ou de perdão (romanistas, calvinistas, etc.), realmente torna
impossíveis estes graciosos efeitos da Santa Ceia. Converte esta benéfica
"operação de Deus em nós" em "obra humana para Deus". Transformam a
mensagem evangélica da Santa Comunhão em mensagem da Lei e de boas
obras e, dessa maneira, deixam o comungante debaixo da maldição. (GI 3.10)
Realmente, como comensais indignos, que confiam em sua justiça própria,
comem e bebem para sua própria condenação. (1 Co 11.29)
Das seguintes deliberações do Concílio de Trento, podemos ter idéia de
como os romanistas perverteram profundamente a doutrina da finalidade da
Santa Ceia: "Si quis a'ixerit, praeciputrm fructum eucharistiae esse REMISSIONEM
PECCATORUM, anathema sit." (Sess. XIII, Cân. 5) "Si quis dixerit, itz missa
nom offerri Deo verum et propritím SACRIFICIUM, anathenza sit." "Si quis dixweiit,
missae sacrificium[ ...I N O N ESSE PROPITIATORIUM, [...I non puo peccatis,
poenis, satisfacrionibus et aliis necessitatibus offerri a'ebere, anathema sit." (Sess.
XXII, Cân. 1, 3). Todavia, a despeito dessa ênfase no sacrifício da missa, o
Dogmática Cristã

Catecismo Romano declara (11, C. IV, 41) que, na eucaristia, são perdoados
apenas os pecados veniais.
A imitação dos romanistas, também os calvinistas negam que na Santa
Ceia Cristo oferece e confere o perdão dos pecados. Zwínglio: "Coena dominica
mortis commemoratio est, non peccatorum remissio. Strong: "Ela simboliza a morte
de Cristo por nossos pecados." - "O Batismo e a Santa Ceia contam-nos a
história da redenção." (Watchman-Examiner)

9. QUEM SERÁADMITIDO
A SANTACEIA
(FINISCUICOENAE
SACRAE)
Os ministros cristãos são apenas "despenseiros" e não senhores dos
mistérios de Deus. (1 Co 4.1) Por esse motivo, devem administrar os meios
da graça (o Evangelho e os sacramentos) precisamente como Cristo os
instituiu. (1 Co 4.2; Mt 28.20) Os ministros e as congregações que se afastam
da instituição de Cristo na administração da Santa Ceia rejeitam a sua
autoridade, opõem-se à sua vontade, abusam do precioso sacramento e,
portanto, "reúnem-se para juízo". (1 Co 11.29-34) C o m respeito à
administração da Santa Ceia, as Sagradas Escrituras ensinam as seguintes
verdades:
a. A Igreja Cristã não deve praticar comunhão livre, mas privativa,
visto que é da vontade de Deus que só os crentes se aproximem da
mesa do Senhor. (1 Co 11.26-28) Enquanto o Evangelho deve ser
pregado indiferentemente a crentes e incrédulos (Mc 16.15,16), a
Santa Ceia se destina somente aos regenerados, conforme comprovam
as palavras da instituição de Cristo e a praxe normativa dos apóstolos.
(1 C0 10.16; 11.126-34)
Lutero escreve sobre este ponto (S. L., XI, 616): "Assim fez Cristo: deixou
que a pregação fosse multidão a dentro sobre cada um, bem como depois
também os apóstolos, de sorte que todos a escutaram, crentes e incrédulos;
quem a apanhava, apanhava-a. Assim também nós devemos fazer. Todavia,
não se deve atirar o sacramento às pessoas multidão a dentro. Ao pregar o
Evangelho, não sei a quem atinge; aqui, porém, devo ter para mim que atingiu
aquele que vem ao sacramento; aí não devo ficar em dúvida, mas ter certeza
de que aquele, a quem dou o sacramento, apreendeu e crê corretamente o
Evangelho."
A doutrina da comunhão privada deve ser mantida não só contra as
seitas reformadas, mas também contra os luteranos que erram nesse ponto.
(cf. Geschichte der Luth. Kirche, de A. L. Graebner, sob A Santa Ceia; Lehre und
Wehre, 1888, pp. 257ss, 302s)
b. Dos cristãos, só se admitirão 2 mesa do Senhor:
A Dotrtuina da Santa Ceia

1. Os que já são batizados;


2. Os que são capazes de se examinar. (1 Co 11.28) Isso exclui as
crianças, as pessoas inconscientes, os doentes em estado de coma e
todas as pessoas que não são compos mentis (insanidade);
3. 0 s que crêem na Santa Comunhão recebem o corpo e sangue de
Cristo em, com e sob o pão e o vinho para graciosa remissão dos seus
pecados. (Mt 26.26-28) Isso exclui todos os reformados, racionalistas,
etc., que negam a presença real, bem como todos os papistas (os
luteranos romanizantes), os quais ensinam que o sacramento opera
ex opere operato e, dessa maneira, negam que a fé seja o mediurn leeptikon
do perdão dos pecados oferecido;
4. Os que o podem fazer sem causar escândalo a outros. (2 Co 6.3; Mt
18.7) Isso exclui todo aquele 1) que vive em pecados grosseiros (1
Co 5.11); 2) que se recusa a perdoar e reconciliar-se (Mt 18.15-17,35;
5.23,24); 3) que é culpado de unionismo ou sincretismo (Rrn 16.17;
2 Jo 10.11). O sacramento deve ser vedado a todos quantos se acham
ligados a igrejas em erro e cultos não-cristãos ou anticristãos. (Ef
4.1-6; 5.7-11; 2 C0 6.14-18)
Visto que a maçonaria é culto pagão, baseado em justiça das obras e,
como tal, nega a verdadeira finalidade da Santa Comunhão, a saber, a
concessão do perdão dos pecados pela fé em Cristo (sola fide), torna-se
evidente que o estar filiado a uma loja maçônica é incompatível com a
verdadeira profissão da fé cristã. Os maçons serão, pois, excluídos da Santa
Ceia a) porque, como membros de cultos anticristãos, negam os ensinamentos
específicos da religião cristã (a Trindade, a divindade de Cristo, sua satisfação
vicária, a salvação pela graça, etc.) e b) porque ofendem os cristãos confessos,
participando da Santa Ceia enquanto mantêm filiação com sociedades
anticristãs. (Mt 10.32-39)
Porque se pode receber a Santa Ceia para condenação (1 Cor 11.29
krima), o ministro cristão não deve apenas insistir junto a todos os
comungantes, para que se examinem diligentemente (1 Co 11.28), mas
também deve ajudá-los em seu exame pessoal. Para isso, deve conservar tanto
o culto confessional, como o costume luterano da "inscrição para a Santa
Ceia" (Beichtanmeldung), que lhe proporcionará uma oportunidade para tratar
individualmente com aqueles que desejam participar da mesa do Senhor.
Contudo, enquanto que o pastor não deve admitir à Santa Comunhão
nenhum comensal indigno, deve acautelar-se para que não impeça de
participar da Ceia quem tem direito a ela. Em geral, pode-se afirmar que todos
os cristãos batizados que se arrependem de coração dos seus pecados, crêem
verdadeiramente em Jesus Cristo, consideram o rito da Santa Comunhão
conforme Cristo instituiu, são receptivos à instrução em cada ponto de
Dogrnát ica Cristã

doutrina e vida, são capazes para se examinar e têm o propósito de corrigir a


sua vida com o auxílio do Espírito Santo, devem ser admitidos à mesa do
Senhor.
Uma vez que a dignidade sacramental consiste essencialmente em fé
verdadeira, que este sacramento fortalece e aumenta, também os de fraca fé
devem ser a ele admitidos (Mt 11.28; Jo 6.37); na verdade, deve-se instar
junto aos mesmos para que venham à mesa do Senhor.
Em todos os casos em que o pastor, que é responsável pela administração
conscienciosa de seu ofício, não só perante a sua congregação, mas também perante
Deus (I Co 4.1.2),se toma parf~c~pante do pecado de outra pessoa (2 Tm 5.22),
caso a aceite como comensal à mesa do Senhor. Ele está obrigado a suspender um
membro da congregação da Santa Comunhão (no caso em que uma pessoa se
recusa a reconciliar-se com seu irmão. (Mt 5.23-25; 18.28s~;T 17.3)
A suspensão da Santa Ceia não equivale à excomunhão, ao anátema
oficial pronunciado sobre o pecador pela congregação (1 Co 5.13), mas é a
declaração solene do pastor de que o membro em questão, por enquanto, não
pode receber a Santa Comunhão como comensal digno. O membro suspenso
pode, naturalmente, recorrer ao julgamento do pastor e apelar para o da
congregação. Contudo, no caso de a congregação decidir erradamente contra
a decisão correta do pastor, o ministro cristão deve preferir que a congregação
o demita de seu cargo a que levante a suspensão que impôs em acordo com as
palavras de Deus.
Embora a confissão (pública ou particular) não seja de instituição divina,
deve ser conservada, especialmente por causa da absolvição nela pronunciada.
(cf. Lutero, S. L., X, 1655; XI, 585-590) Todas as outras perguntas pertinentes
ao assunto são do domínio da teologia pastoral.

Embora todos os cristãos devam participar frequentemente da mesa do


Senhor na maneira em que a Escritura prescreve (1 Co 11.26-29), não podemos
falar em necessidade absoluta da Santa Ceia. O comer espiritual do corpo de
Cristo (To 6.53), ou seja, a fé em Cristo (sola fide), é absolutamente necessário
para a salvação. Todavia, o comer sacramental do seu corpo não é. Também
aqui as palavras de Sto. Agostinho têm aplicação: "O desprezo do sacramento
é que condena, e não a privação." (Contemptus sacramenti damnat, noz privatio.)
O ministro cristão, porém, deve lembrar aos seus paroquianos que a
indiferença para com a comunhão e sua negligência encerram desprezo ao
sacramento e que o desprezo às instituições divinas equivale à apostasia. (cf.
Lutero, Catecismo Maior, "O Sacramento do Altar", 42ss: "Não se devem
considerar cristãos essas pessoas que, por tanto tempo, se privam e retraem
do sacramento.")
Trataremos deste assunto sob dois títulos: a) A Igreja universal; b) As
Igrejas locais.

Mediante os meios da graça eficazes (1s 55.10,11; Rm 10.17), o Espírito


- - - congrega continuamente para o Reino dos céus os que crêem
Santo
-- -- -apenas
verdadeiramente-que- se salvam
A -v- -. -- gela
--- fé- na
.-e A--
-- -satisfação vicária de,-
o Salvador humano-divino do mundo. (At 2.44-47; 5.42; 11.21; 13.48) A
comunhão dos santos crentes, que o Espírito Santo congrega dessa maneira pelo
Evangelho, chamamos Igreja (kâhâl, mikrâh, zêrah, synagoogee, ekkleesia,
communio sanctorum, congregatio vere credentium, coetus fidelium), a exemplo da
Escritura. (Ef 5.24-27) A Igreja Cristã, por conseguinte, consiste em todos os
que crêem verdadeiramente no Evangelho, isto é, na graciosa mensagem de
Deus de que, por amor da satisfação vicária de Cristo, têm gratuitamente
(chariti) o perdão dos pecados, vida e salvação; ou, mais sucintamente, nos
que crêemem Cristo, o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. (Jo
1.29)
Essa definição do termo Igreja é importante em vista dos muitos erros
defendidos acerca desse ponto. Segundo a Escritura, só a fé no Cristo (flducia
cordis) que morreu pelos pecados do mundo torna a pessoa membro da Igreja.
Não a ligação exterior a uma Igreja local nem o uso externo dos meios da
graça nem a profissão exterior da fé cristã nem a administração de ofícios em
igrejas visíveis nem o esforço para imitar o exemplo de Cristo, seguindo-o
exteriormente. (At 5.14) Daí serem escriturísticas as declarações de nossos
dogmáticos: Sola fides in Christutn membra ecclesiae constituit; Christiani sunt
ecclesia; pois só quem crê em Cristo é membro de sua santa Igreja. (At 16.31)
É verdade que, tão logo a pessoa crê em Cristo, tem início a sua
santificação ou seu renascimento como efeito e fruto inevitável da justificação
Dogrnática Cristá

(2 Co 5.17,18). Por esse motivo, as Sagradas Escrituras descrevem, com


freqüência, os verdadeiros membros da Igreja segundo a sua natureza
santificada (1 Co 6.15-20; 1 Pe 2.5) ou segundo as boas obras que fazem pela
Fé. (1 Pe 2.9-25) Todavia, os renascidos não são membros da Igreja porque são
santificados pelo Espírito Santo nem porque produzem frutos da fé (Jo 15.4,5),
mas apenas porque confiam em Cristo para a salvação sem obras. (Rm 3.28;
4.3-5)----
Assim
-- como sola fide somos justificados,
--.assim
- - -também
- somos membros
da Igreja de Cristo sola Jide. Lutero diz acertadamente sobre-ãjustificação
pela fé que somente este artigo gera, nutre, edifica, mantém e defende a
Igreja de Deus e que, sem ele, a Igreja de Deus não pode existir nem por uma
hora sequer. (S. L., XIV, 168)
Decorre disso que todos os incrédulos e hipócritas (muli et Izypocritae),
que pertencem exteriormente a igrejas visíveis, realmente estão fora &&:_a-
Cr&tã._Jamaisconstituem parte da Igreja-(nom sunt pars ecclesiae).,lbora-= -*
mantenham extoiormente filiados a congregações locais. (Ecclesiae udmixti
sunt secundt~msocietatem externam.) 0 s verdadeiros membros da Igreja estão
ligados à mesma por sua comunhão da fé interior, espiritual com o Deus
triúno, por cuja razão também são casa de Deus (1 T m 3.15); templo de
Deus (1 Co 3.9; 2 Co 6.16); templo do Espírito Santo (1 Co 6.19); corpo de
Cristo (Ef 1.23); filhos de Deus (Jo 11.52; Gl 3.26-29); etc. Por outro lado, os
incrédulos não são casa nem templo de Deus, mas oficina de Satanás, que
"atua nos filhos da desobediência". (Ef 2.1-3) Com respeito à definição: "a
Igreja é a comunhão dos eleitos", que foi empregada por Huss e recomendada
por Lutero (S. L., v 1234ss), aceitamo-la como verdadeiramente escriturística
(1 Pe 2.9), porque os que crêem em Cristo são os eleitos de Deus. (Baier:
"fiomines illi, quos Deus iuxta aeternum suum decretum fide et grutiu sua donavit,
collective sumpti dicuntur ecclesia. " 111, 614)
A Igreja Cristã consiste apenas daqueles que realmente crêem em Cristo.
Essa é uma doutrina que as nossas Confissões Luteranas sustentam com
firmeza contra os dogmas errôneos dos papistas: "Ecclesia est regnum divinum,
unicum veritatis salutisque fundamentum, a Christo in orbe terrarum conditurn,
QUOD PONSIFEX MAXIMUS PER EPISCOPOS SECUNDUM CANONES
ADMINISTRAT I'
Assim escreve a Conftssno de Augsburgo (Art. VIII): "Ainda que a Igreja,
propriamente, é a congregação dos santos e verdadeiramente crentes [...In
Apologia (Art. VI1 [VTII], 5): "Mas a Igreja não é apenas sociedade de coisas
externas e ritos, como acontece em outros governos, senão que é,
principalmente, sociedade de fé e do Espírito Santo nos corações, sociedade
que possui, contudo, notas externas, a saber: a pura doutrina do Evangelho e a
administração dos sacramentos [...In Novamente (Ibid., 5 16): 'RIgreja, que é o
Reino de Cristo, é propriamente a congregação dos santos. Pois os ímpios são
governados pelo diabo." De acordo com a Apologia (Ibid., $5 17-18), "os ímpios
A Doutrina da Igreja Cristã

[..I não são a Igreja, muito embora nesta vida, em razão de o Reino de Cristo
ainda não haver sido revelado, estejam misturados com a Igreja e nela exerçam
ofícios. E o fato de a revelação ainda não haver ocorrido não faz que os ímpios
sejam o Reino de Cristo. Pois que Reino de Cristo é sempre aquilo que ele
vivifica por seu Espírito, quer esteja revelado, quer esteja encoberto pela cruz."
A Igreja Luterana professa a doutrina escriturística de que todos os
crentes fiéis são membros da Igreja, ao passo que os incrédulos não são
membros, embora estejam exteriormente filiados a uma Igreja visível. Embora
creia e confesse sinceramente que seja, ela mesma, a verdadeira Igreja visível,
ao mesmo tempo sustenta que todos os crentes fiéis nas igrejas transviadas
são verdadeiramente membros da Igreja de Cristo (ecclesia invisibilis).De acordo
com a doutrina luterana, a fé é, de modo tão absoluto, o meio pelo qual a
pessoa está filiada à Igreja, que nem mesmo a suspensão ou a excomunhão
de uma Igreja local, caso seja aplicada injustamente, pode anular sua filiação
à Igreja de Cristo.
É evidente
-- - - - que adultos que ainda não tenham sido batizados, mas- _
tenham
--- recebido
--- -- a jé em ~ e s b sCristo, são membros verdadeiros da Igreja,
visto que o Batismo não é absolutamente necessário, conforme foi visto em
capí$ulo anterior. Por outro lado, também é verdade que o crente fiel jamais
despreza as ordenações de Cristo (Lc 7.29,30), de sorte que o verdadeiro
membro da Igreja não negligencia o Batismo nem a Santa Ceia.

2. DOUTRINAS
ERR~NEAS DA IGREJA
ACERCA
É óbvio que todo aquele que erra com respeito às doutrinas distintivas
da religião cristã tem de errar, também, com referência à doutrina da Igreja. O
erro sobre a Igreja que mais se destaca é aquele que afirma ser a Igreja um
"governo externo" (externo politia, "ausserliche Polizei'; "Heilsanstalt") "de bons
e maus" (Apologia, VI1 [VIII], 13ss), à qual as pessoas estão vinculadas por
sua filiação externa.
Está intimamente relacionado com esse erro, que diz respeito à essência
(forma) da Igreja, o que se refere à sua finalidade, a saber, que a Igreja é uma
"sociedade para santificação de seus membros", ou que é uma organização
cujo objetivo consiste em salvar almas por meio das boas obras. Esses erros
básicos não são acidentais, mas, pelo contrário, o resultado da rejeição do
artigo cristão fundamental da justificação pela graça, mediante a fé.
Na verdade, todos quantos repudiam a satisfactio vicaria, a eficácia dos
meios da graça e o sola flde têm de considerar a Igreja uma espécie de escola de
correção em que as pessoas devem aprender como ser boas e, dessa maneira,
merecer a salvação. Por outro lado, a doutrina bíblica da Igreja está edificada
sobre a doutrina central da justificação pela graça, mediante a fé, de sorte
que permanecerá ou cairá com essa doutrina. Ela se fundamenta, em particular:
Dogmática Cristã

a. N a satisfação vicária de Cristo. Segundo a Escritura, a Igreja compõe-


se de todos os que crêem no Cristo que morreu pelos pecados do
mundo. Todo aquele que recusa crer isso está do lado de fora da
Igreja. (1 Pe 2.8) Essa doutrina é combatida por todos os racionalistas
(fotinianos, socinianos, unitários, modernistas, etc.), que rejeitam a
doutrina da salvação pela fé no sangue de Cristo (1 Jo 1.7) como
"desprezível Teologia de sangue" e para quem o Evangelho do Cristo
crucificado é loucura e escândalo. (1 Co 1.25) Por essa razão, não
têm outra maneira de definir a Igreja - se é que afinal se preocupam
com Igreja - senão "sociedade livre de seres racionais para realização
da felicidade terrena e celestial, condicionada pela iluminação e
virtude religiosas do homem." (Roehrs)
Em definição mais simples, a Igreja, na opinião de todos os teólogos
racionalistas, é uma sociedade de pessoas que desejam adquirir a felicidade
neste mundo e no vindouro por meio de devoções religiosas e outras boas
obras. Aos seus olhos, a Igreja é apenas "uma sociedade moral ou ética" e
abrange como membros todos os que estão dispostos a cumprir os deveres
que esses teólogos impõem.
F ~ s s i comom os racionalistas em geral, também os papistas racionalistas,
/ m particular, consideram a Igreja uma sociedade piedosa de pessoas
&mpenhados em santificar-se mediante boas obras. Segundo a doutrina papista,
a pessoa não se torna membro da Igreja pela fé e m Cristo, mas por sua
, professada aprovação em obedecer às instruções de Deus e da Igreja (Concílio
de Trento, Sess. VI, Cân. 20), ou pela prática de boas obras ordenadas pela
Igreja (Sess.VI, Cân. 32). Esse erro fundamental situa os papistas extra
ecclesiam; porquanto a Escritura testifica que todos os que são das obras da
Lei caíram da graça (G1 5.4) e estão debaixo da maldição. (G1 3.10)
A atitude anticristã da Igreja de Roma é comprovada pelo fato de ela
haver pronunciado o seu anátema sobre a verdadeira Igreja Cristã, a saber,
sobre todo aquele que crê ser justificado somente pela graça, mediante a fé
em Cristo. (Concílio de Trento, Sess. VI, Câns. 11. 12) Ela, ao mesmo tempo,
define a "verdadeira Igreja" (a Igreja Católica Romana) como "congregação de
homens sob o regime de pastores legítimos e, em especial, daquele um vigário
de Cristo na terra, o pontífice romano. (Coetus hominum [...I sub regimine
legitimorum pastorum ac praecipue unius Christi in terris vicarii, Romani pontificis
- Belarmino.) Roma, dessa maneira, torna oficialmente impossível aos seus
adeptos serem membros da santa Igreja de Cristo.
Se católicos, apesar do racionalismo pernicioso de sua Igreja, sáo
membros da Igreja de Cristo, é porque, nos seus terrores conscientiae, renunciam
a sua doutrina da justiça pelas obras e, contrariamente à sua vontade e ordem,
crêem no sola fide. Por isso mesmo, reconhecemos a Igreja papista como cristã,
não porque rejeite a doutrina cristã em sua Teologia oficial (deliberações e
A Doutrina da Igreja Cristã

cânones do Concílio de Trento), mas porque, em inteira incoerência com seu


sistema teológico geral, professa o Credo Apostólico, que age como corretivo
no caso de católicos individuais. O Catolicismo romano oficial não é cristão,
mas pagão, por professar como dogma fundamental a salvação pelas obras.
Considerando que muitos teólogos modernos "positivos" (Hofmann,
Kirn) também repudiam a satisfactio vicaria, também eles erram em sua
definição da Igreja Cristã. Na opinião de IZirn, a Igreja é "a comunhão da vida
religiosa e moral determinada pelo espírito de Cristo." (Ev. Dogmatik, 118)
Vale dizer: a comunhão de todos os que levam vida moral no espírito de
Cristo. Isso, em última análise, reduz a Igreja a uma "sociedade ética".
Porque os calvinistas negam a gratia universalis e a eficácia dos meios
da graça como media iustificationis, também não podem definir a Igreja
corretamente como comunhão de todos os que crêem verdadeiramente em
Cristo, mas têm de considerá-la teoricamente a "comunháo dos eleitos", e a
comunhão de todos os que possuem a gratia infusa, ou seja, a operação e
habitação imediatas do Espírito Santo em seus corações. Todos os verdadeiros
membros da Igreja, nas denominações calvinistas, repudiam a gratia
particularis e, em sua miséria espiritual, apegam-se à graciosa promessa divina
oferecida a todos os pecadores no Evangelho. É em virtude desse fato que são
membros da Igreja de Cristo.
b. Na doutrina dos meios da graça. Queremos dizer com isso que, sem
os meios da graça, não pode haver Igreja. Segundo o claro
ensinamento da Escritura, a pessoa só se torna membro verdadeiro
da Igreja de Cristo, quando se apropria dos méritos de Cristo. (Rrn
4.3; At 10.43-48) Todavia, a menos que os méritos de Cristo sejam
oferecidos por Deus ao pecador mediante os meios conferentes (as
Palavras e os sacramentos), a pessoa, de modo algum os pode'apropriar.
O erro reformado da "graça imediata" (a graça eficaz age sem meios)
deve ser rejeitado como antiescriturístico. (Rm 10.13-17; At 2.38)
Os calvinistas rejeitam os meios da graça e, dessa maneira, tornam
impossíveis a fé e a justificação e, conseqüentemente, a existência
da Igreja.
Alguns teólogos modernos "positivos" substituem os meios da graça
pela "experiência cristã" (Erlebizistheologie). A Bíblia, porém, não reconhece a
experiência cristã como meio da graça. É, sim, fruto da fé. Daí haver só uma
maneira de a pessoa se tornar membro da Igreja de Cristo, a saber: pela fé nas
promessas divinas de graça oferecidas no Evangelho e nos sacramentos. (2 Co
5.19-21)
c. Na fé como meio receptor (medium leeptikón). Isso se evidencia pelo fato
de só serem membros da Igreja os que crêem em Cristo. (Mc
16.15,16; At 16.31) Todo aquele que nega a fé como medium leeptikón
Dogmática Cristã

da graca oferecida por Deus é incapaz de definir a Igreja em seu


sentido bíblico, a comunhão dos crentes fiéis. Aqueles para quem os
sacramentos agem ex opere operato (romanistas, protestantes
romanizantes) são obrigados a definir a Igreja como comunhão de
pessoas que, com a ajuda do Espírito Santo, procuram levar vida
moral. Pela rejeição do sola frde, restam apenas as boas obras como
meios de justificação (medium iustiflcationis).
d. No sola fide. Isto decorre do que foi dito anteriormente. A Igreja é a
comunhão dos crentes Fiéis. Crentes fiéis, porém, são apenas os que
esperam salvar-se pela graça, mediante a fé, sem as obras da Lei. (Rm
3.28; 4.3-5) Por esse motivo, todos os pelagianos, arminianos e
sinergistas são compelidos a renunciar a sua doutrina da justiça pelas
obras ou a abandonar a definição bíblica da Igreja. A história do dogma
cristão prova que, com muita coerência, abandonam esta última
definição e, assim, consideram a Igreja a congregacão de todos os
que procuram a salvação pelas obras. (cf. Christl. Dogmatik, 111, 464ss)
E muito lógico eles darem esse passo infeliz, pois apenas aqueles que
aderem à doutrina escriturística da justificacão pela fé (sola gratia)
podem definir corretamente a Igreja como comunhão dos crentes.

ECCLESIAE)
(ATTRIBUTA
De acordo com as Sagradas Escrituras, a Igreja Cristã tem certos
característicos incontestáveis pela simples razão de ser a comunhão de todos
os crentes fiéis (communio omnium fidelium). Podemos classificar esses
característicos da seguinte maneira:
a. A Igreja é invisível. (Ecclesia est invisibilis). Isso decorre do fato de a fé
salvadora, que constitui o meio pelo qual a pessoa se torna membro
da Igreja e como tal permanece, ser invisível à pessoa. (1 Rs 8.39;
19.18; Rrn 11.3-5; At 1.24) A invisibilidade da Igreja, contudo, só é
afirmada com respeito aos seres humanos, não com respeito a Deus.
Para as pessoas valem as Palavras de Cristo em Lc 17.20,21. A Deus
aplicam-se as Palavras de São Paulo em 2 Tm 2.19. (cf. Jo 10.14,27,28)
Todos aqueles que afirmam que a Igreja é inteiramente (papistas) ou
parcialmente (os teólogos luteranos modernos) visível destroem o conceito
bíblico de Igreja e a transformam de comunhão dos crentes em "governo externo
de bons e maus" (externa yolitia bonorum e t malorum; ausserre Attstalt;
Heilsanstalt), na qual os crentes apenas têm um papel de importância relativa.
De quando em quando, os teólogos luteranos Falam de dois aspectos da
Igreja, o aspecto visível: a Palavra e os sacramentos, e o invisível: os membros
A Doutrina da Igreja Cristd

verdadeiros da Igreja. Todavia, é incorreto descrever as balizas da Igreja (notae


ecclesiae) como partes essenciais da Igreja. É verdade que o Evangelho e os
sacramentos são verdadeiras balizas da Igreja; pois a Igreja não existe onde esses
não estão em uso. Além do mais, o Evangelho e os sacramentos são, também, os
meios pelos quais a Igreja é estabelecida e mantida, pois, sem os meios da graça,
não pode haver crentes. (1s 55.10s~;Rrn 10.17; M t 28.19,20; Mc 16.15,16).Todavia,
dizer que os meios da graça são partes da Igreja ou a própria Igreja, é um absurdo.
A Igreja é a comunhão dos crentes e, uma vez que a fé no indivíduo é
invisível à pessoa, dizemos corretamente: Ecclesia est invisibilis. De acordo
com isso, devemos considerar todo aquele que professa a fé cristã e orna essa
profissão com vida cristã um membro fiel da Igreja. A Escritura proíbe ir além
disso e procurar certificar-se da fé do indivíduo de qualquer outra maneira. (1
Co 4.5) Conhecer os que são seus é prerrogativa de Deus. (2 T m 2.19; C1 3.3;
2 Co 5.4,5) Mesmo no caso de podermos identificar os membros viventes da
Igreja, ainda assim a comunhão dos santos, em sua totalidade, nos seria
invisível. Cristo não revelará a sua Igreja triunfante antes que chegue o dia
do juízo final. (Mt 25.34; C1 3.4; 1 Jo 3.2)
Quando os romanistas afirmam que a Igreja é "um ajuntamento de
homens tão visível e palpável quanto o povo romano ou o Reino gaulês ou a
república de Veneza" (Berlamino), e que a Igreja invisível de verdadeiros crentes
não passa de "idéia platônica" ou "fantasia do espírito", respondemos que
essa comunhão dos santos é tão real, que Deus conhece e reconhece
amorosamente como seus todos os seus membros. (2 T m 2.19; Jo 10.27,28)
Deus mantém esta Igreja contra as portas do inferno. (Mt 16.18) Ele faz dela
a principal preocupação de sua divina providência. (Rm 8.28; M t 24.28s~)e,
finalmente, ele a receberá na glória eterna. (Lc 12.32)
Por outro lado, a Igreja de Roma não é de modo nenhum Igreja de Cristo,
mas uma organização humana, baseada em mandamentos de homens (Mt
15.9) e controlada por um impostor, a quem a Escritura chama de Anticristo e
filho da perdição. (2 Ts 2.3,4) Por isso, ela está realmente fora da Igreja verdadeira
(extra ecclesiam) neste mundo (G1 5.4; 3.10) e no vindouro. (Gl 4.30)
b. A Igreja é urna só. (Ecclesia una est.) A unidade da Igreja Cristã, que é
expressamente ensinada por Cristo (Jo 10.16), baseia-se em sua
unidade da fé no único Salvador. (Ef 4.3-6) Uma vez que a Igreja é a
comunhão dos crentes, só é composta pelos que crêem que, sendo
pecadores perdidos e condenados (Rm 3.23,24), são salvos somente
pela graça, mediante a fé na morte expiatória de Cristo. (Rm 3.28)
Todos aqueles que não professam essa fé cristã não são membros da
Igreja, mas se situam fora dela. (1 Jo 2.23; 5.12; C1 5.4; 3.10) Diz São
Paulo dos membros fiéis da Igreja: "Todos vós sois um em Cristo
Jesus." (G1 3.28), de sorte que a declaração de nossos dogmáticos:
"Omnes Christiani de evangelio consentiunt" corresponde à verdade.
Dogmática Cristã

c. A Igreja é santa. (Ecclesia sancta est.) E verdade 1) porque todos os


crentes possuem, pela fé, a justiça perfeita de Cristo (iustitia fidei
imputata, Fp 3.8,9) e 2 ) porque produzem, pela fé, boas obras (iustitia
vitae). (Rm 6.14) Segundo a justica imputada (justificacão), os
crentes são perfeitos aos olhos de Deus. Segundo a sua iustitia vitae,
continuam imperfeitos (iustitia inchoata, imperfecta), durante toda a
sua vida. (Fp 3.12-16)
d. A Igreja é universal ou católica. (Ecclesia est universalis sive catholica.)
É verdade; pois a Igreja compreende todos os crentes em todos os
tempos e lugares. (At 10.43; Jo 8.56; Rm 4; C1 3 . 6 s ) Mesmo no
Antigo Testamento, os santos de Deus eram justificados por crerem
em Jesus Cristo, o prometido Salvador do mundo. (Rm 3.21,22; 4.3s)
e. A Igreja é apostólica. (Ecclesia ayostolica est.) É verdade, porque todos
os verdadeiros membros da Igreja, até a consumação dos séculos,
crêem em Cristo através da Palavra dos apóstolos. (Jo 17.20; At 2.42;
Ef 2.20; Rm 16.17s~)"APOSTOLICA dicitur ecclesia, quod doctrinam
apostolicam fide amplectitur et integram tenet." Os romanistas e
episcopais fazem constar o caráter apostólico da Igreja da "sucessão
apostólica". Todavia, a doutrina da "sucessão apostólica" é
antiescrituristica, pois a Escritura não faz diferença entre bispos e
presbíteros ou anciãos. (At 20.17-28; T t 1.5-7) A Bíblia também
aconselha todos os cristãos a que evitem os que ensinam qualquer
doutrina diferente da que os bem-aventurados apóstolos ensinaram
(Rm 16.17; G1 1.6-8), mesmo quando aleguem possuir autoridade
apostólica. (2 Co 11.12-14; G1 2.4s~;2 Pe 2.1,2)
f. Não há salva@io fora da Igreja. (Extra ecclesiam nulla salus).-T
A ? pessoas que desejam salvar-setêm de ser membros da Igreja de Cristo.
I ,*
L.- PJ
.A
-5stas
-
aplicam erradamente o axioma à Igreja Católica. Dela
,J
~3%" podé&os dizer: Itztra ecclesiam nulla salus, a saber, enquanto a os
-4"P/V24'
- 9 membros dessa Igreja crerem o que o papa ensina. (Ap 13.1-9; 14.8-
- 12; 20.10) O axioma: Extra ecclesiarn nulla salus é correto com respeito
à Igreja de Cristo, porquanto só aqueles que crêem no Evangelho de
Cristo têm vida e salvação e, por essa fé, são membros da Igreja. (Jo
3.16-18,36)A Igreja Católica faz a salvação depender do cumprimento
da Lei (Concífio de Trento, Sess. VI, Cân. 20) e, assim, deixa os seus
membros debaixo da maldição divina. (C1 3.10)

4. A GLÓRIA DA IGREJA CRISTA


Os membros da Igreja Cristã gozam o alto privilégio de estarem sujeitos
só a Cristo, seu divino Senhor e Mestre (1 Co 3.23; Mt 23.8) e a nenhum
mestre humano. (1 Co 7.23; Mt 15.19) O papa em Roma não está correto
A Doutrina da Igreja Cristã

quando desvirtua o ensino das Sagradas Escrituras; quando ele declara a sua
própria Palavra norma e padrão de fé e vida. É verdade que Deus, em todos os
tempos, confere dons especiais a determinados membros da Igreja e chama-
os para mestres sobre seus irmãos na fé. (Ef 4.11-13) Esses mestres da Igreja,
porém, devem inculcar somente a Palavra divina (1 Pe 4.11; Jr 23.16,18), jamais
a própria.
Conforme a Escritura Sagrada, todos os mestres que pregam a própria
Palavra e doutrina são "enfatuados que nada entendem", os quais a Igreja
deve rejeitar e evitar como perversores e corruptores. (1 Tm 6.3-5) Na verdade,
são espíritos enganadores, que ensinam doutrinas de demônios. (1 Tm 4.1-3;
C1 2.18-23) Os próprios apóstolos não exigiram obediência em se tratando de
sua pessoa (1 Co 3.21-23), mas sua Palavra tinha de ser escutada e observada
unicamente por ser Palavra de Deus, concedida por inspiração divina. (1 Co
4.1; 2.12,13)
Os ministros cristãos não são mediadores entre Deus e os cristãos
' (sacerdotes); pois que todos os cristãos têm acesso ao trono de Deus por
meio do único Mediador, Cristo, em quem crêem. (Rm 5.1.2; Ef 3.12; Hb
4.16) Todos os crentes são possuidores imediatos de todos os dons e benefícios
que Cristo adquiriu para sua Igreja, tais como os meios da graça e as chaves
do Reino dos céus. (Mt 16.19; 18.18; Jo 20.23; 1 Co 5.3-5,13) Somente eles
têm o privilégio de pregar o Evangelho e administrar os sacramentos, enfim,
de exercer todo o ofício das chaves. Os pastores chamados e ordenados
exercem as suas funções ministeriais apenas em nome da Igreja que os chamou.
A afirmação dos romanistas de que, em Mt 16.18, Cristo edificaria sua
Igreja sobre Pedro, é respondida por Lutero acertadamente: "todos os cristãos
são pedros em virtude da confissão de Cristo que Pedro fez aqui; esta confissão
é a rocha sobre a qual Pedro e todos os pedros estão edificados". As Palavras
de nosso Senhor, acima indicadas, não podem referir-se à pessoa de Pedro
como primeiro apóstolo ou como representante dos apóstolos, pois, conforme
demonstra o contexto, Pedro não agiu, na ocasião, como apóstolo, mas
unicamente como cristão fiel. A idéia não era que o próprio Pedro fosse a
rocha sobre a qual a Igreja seria edificada, mas sim a sua confissão cristã. É
isso que as Palavras do texto indicam de maneira inconfundível. (Petrós, petra)
Lutero está com a razão quando diz que, nessa passagem, Cristo
distingue claramente Pedro de sua confissão. Se sua intenção fosse fazer de
Pedro a rocha da Igreja, teria dito: "Tu és Pedro, e sobre ti edificarei a minha
Igreja." (cf. Lutero, S. L., XX, 282; XVIII, 1375ss)
Entre os exegetas protestantes modernos, alguns (como Meyer) atribuem
o termo petra i pessoa de Pedro, como se aqui lhe fosse dada primazia entre
os apóstolos (primus inter pares), embora neguem as conclusóes que os
papistas tiram dessa premissa com respeito ao pontífice romano. Outros
Dogmatica Cristá

exegetas modernos atribuem corretamente as Palavras à confissão de Pedro


(Lange, Ewald, Wieseler) .
Quer o termo petra se refira ao próprio Cristo ou à confissão de Pedro, é
indiferente, visto que a Igreja que está edificada sobre a confissão de Pedro
está edificada sobre o próprio Cristo.
Assim como os crentes possuem todos os dons e bênçãos espirituais de
Deus em Cristo Jesus, também possuem todos os dons e bênçãos temporais
de Deus, de forma que, na verdade, todas as coisas presentes e futuras Ihes
pertencem (1 Co 3.21-23), como filhos de Deus e co-herdeiros com Cristo.
(Rm 8.14-17)

5. COMOSE FUNDA E SE MANTÉM A IGREJA


Visto que a fé salvadora, pela qual a pessoa se torna membro da Igreja,
é exclusivamente obra de Deus (Ef 1.19, 20; 1 Pe 1.5; Jo 1.13), a Igreja deve
sua existência e manutenção totalmente à graça divina. (S1 100.3; 1 Pe 2.9,10)
O sinergismo, que faz a fé da pessoa depender, em parte, de seus esforços
meritórios, solapa o próprio fundamento da Igreja.
O meio ou instrumento pelo qual Deus congrega e sustenta a sua Igreja
é o Evangelho em todas as suas diferentes formas de aplicação (a Palavra e os
sacramentos), mediante o qual o Espírito Santo gera e mantém a fé. (Rm
10.13-17; 1 Pe 1.23-25). (cf. Lutero, S. L., V, 990ss; VI, 21ss).
O calvinismo, portanto, que nega a eficácia dos meios da graça e ensina
a criação da fé pela operação imediata (direta) do Espírito Santo, elimina o
próprio fundamento sobre o qual se assenta a Igreja. Felizmente a prática dos
calvinistas é mais escriturística do que sua teoria, pois, de maneira diferente
dos coerentes quacres, eles empregam e aplicam os meios da graça: pregam o
Evangelho e conservam os sacramentos, embora náo em sua pureza bíblica.
Os crentes são causas instrumentais (causae instrumentales) da Igreja,
pelo fato de que pregam o Evangelho e administram os sacramentos. (1s 40.9;
Mc 16.15,16; M t 28.20)
Nesse sentido, a Igreja visível na terra é a mãe de todos os fiéis (mater
fidelium) que, como Isaque, são filhos da promessa. (G14.26-28) Assim declara
Lutero (S. L., IX, 573ss, especialmente 575s): "Sara, ou Jerusalém, é nossa
mãe livre, a saber, a Igreja, a esposa de Cristo, pela qual todos nascemos. Ela,
contudo, gera filhos sem cessar, até a consumação dos séculos, pelo ministério
da Palavra, isto é, ensinando e difundido o Evangelho; pois é isso que significa
gerar. A Igreja não deveria fazer outra coisa senão ensinar o Evangelho em sua
verdade e pureza e, desta maneira, gerar filhos."
Disso decorre que o Estado (o governo civil) não é uma espécie de serva
(ancilla ecclesiae) que deva assistir a Igreja em sua obra divina de ganhar almas
A Doutrina da Igreja Cristã

para Cristo. Enquanto que os papistas e calvinistas confundem Igreja e Estado


em princípio e na prática, os luteranos, fundamentados na Escritura, opõem-
se a toda tentativa de confundir os dois. Segundo a doutrina luterana, a
confusão dos dois só traz prejuízo, jamais bem algum (cf. as condições
eclesiásticas em todas as igrejas oficiais européias). A Igreja nada perde de sua
dignidade e poder pelo fato de ser independente do governo civil. Pelo
contrário, sua liberdade das restrições da lei civil dá-lhe a possibilidade de
atender ao seu sagrado dever de proclamar a Palavra com tanto mais eficiência.
Por outro lado, a constituição independente da Igreja (die freikirchliche
Verfassung) não deve ser interpretada como uma espécie de meio da graça,
que, em si mesma, a torna mais eficaz na salvação das almas. O seu sucesso
depende exclusivamente do testemunho do Evangelho em sua plena verdade
e da administração dos sacramentos de conformidade com a instituição de
Cristo. Esse é seu privilégio e poder.
Com respeito às formas de governo existentes (monarquias absolutas;
monarquias limitadas; repúblicas, Zwínglio favorecia a república; Calvino, a
oligarquia) A Confissão de Augsburgo (Art. XVI, 4) afirma corretamente: "Pois
o evangelho não ensina uma forma de vida e justiça exteriores, temporais,
senão uma interior e eterna vida e justiça do coração, e não revoga o governo
civil, a ordem política e o casamento, querendo, ao contrário, que se guarde
tudo isso como genuína ordem divina e que cada qual, de acordo com sua
vocação, mostre, em tais ordenações, amor cristão e obras verdadeiramente
boas. Por isso, os cristãos têm o dever de estar sujeitos à autoridade e de
obedecer-lhe os mandamentos e leis em tudo o que não envolva pecado.
Porque se não é possível obedecer à ordem da autoridade sem pecar, mais
importa obedecer a Deus do que aos homens." (At 5.29) A Confissão de
Augsburgo não favorece nenhuma forma particular de governo, mas ensina
que os cristãos devem reconhecer e estar sujeitos a todas as "potestades que
há." (Rm 13.1-7; M t 22.21; 1 Pe 2.13,17; 1 T m 2.1-3; Jr 29.7)
Embora os crentes cristãos que tenham sido eleitos para preencher
cargos governamentais não devam ocultar ou negar a sua fé, porém dar, como
cristãos sinceros, testemunho tanto mais fiel da verdade do Evangelho (At
17.34; Rm 16.23), sempre que tiverem oportunidade. Apesar disso, devem
fazer cuidadosa distinção entre as obrigações da Igreja e as do Estado. Devem
ter em mente, por um lado, que o Estado não pode ser governado pela Palavra
de Deus ou por "princípios cristãos", mas exclusivamente pela razão e pelo
senso comum (lex naturalis). Por outro lado, a Igreja é governada apenas pela
Palavra de Deus e não por nenhuma regra da razão nem pela coação externa
de leis. Embora os cristãos devam pôr a serviço de Cristo também a influência
de que dispõem por causa de sua posição elevada na vida, como fazem com
seu dinheiro e outros talentos, não devem confundir Igreja e Estado para
proveito de qualquer dos dois.
Dogmática Cristã

Durante a Reforma, as condições reinantes impediram Lutero de pôr


em prática seu claro princípio concernente à separação de Igreja e Estado. Ele,
todavia, nunca cessou de declará-lo como único princípio carreta e
escriturístico. (cf. Christl. Dogmatik, 111, 481ss)

1. DEFINIÇAO
DO TERMO
O que até aqui se disse referiu-se à Igreja universal, ou seja, à Igreja em
seu sentido primitivo, a saber, aquele "um rebanho" (Jo 10.16) ou a comunhão
dos crentes (Mt 16.18) que o Espírito Santo congrega continuamente pela
pregação do Evangelho (Rm 11.2-5). A Escritura, no entanto, emprega o termo
igreja também para congregações locais (1 Co 16.19; 1.2; 11.16; At 8.1; Rm
16.16), que se conhecem, portanto, como igrejas locais (ecclesiae particulares).
Semelhantes igrejas locais são assembléias de crentes ou cristãos reunidos
num lugar para pregar o evangelho e administrar os sacramentos, em síntese,
para exercer o ofício das chaves. (At 20.28; 14.23,27; 1 T m 3.5; Mt 18.17; 1
Co 14.23)
Com respeito à relação entre a Igreja universal e as igrejas locais, a
Escritura ensina claramente que não são duas igrejas diversas ou duas
diferentes espécies de igrejas, mas a Igreja universal consiste em todos os
verdadeiros crentes que se acham nas igrejas locais. Visto que é da vontade
de Deus que todos os crentes estejam filiados a igrejas locais, todos os casos
e m que u m crente individual, por circunstâncias especiais, não é,
temporariamente, membro de uma igreja local, devem ser considerados
excepcionais e, por conseguinte, não precisam ser considerados nesta conexão.
As igrejas locais são, portanto, crentes fiéis, ou membros fiéis da Igreja
universal unidos numa comunhão visível com o propósito de exercer o ofício
das chaves ou poder eclesiástico peculiar que Cristo deu à sua Igreja na terra.
É preciso compreender claramente esse ponto, pois as igrejas locais, no sentido
próprio do termo, consistem unicamente de crentes fiéis.

11
'i Todos os hipócritas, que não são membros da Igreja universal, da mesma
forma não são membros das igrejas locais. (Mt 24.32; 22.12-14; 20.10-16;
13.47- 48) Sua ligação com as igrejas locais é apenas externa e acidental.
i
' Conseqüentemente, quando São Paulo se dirigiu à Igreja local de Corinto ("à
Igreja de Deus que está em Corinto"), dirigiu-se aos seus membros como "os
santificados em Cristo Jesus, chamados para ser santos, com todos os que em
I
1
A Doutrina da Igreja Cristá
' todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo". (1 Co 1.2) Nessa
I
descrição, certamente não se enquadram os hipócritas (mali et hypocritae) que
só eram ligados exteriormente à Igreja (ecclesiae admixti secundum societatem
extertzam). -_
Outrossim, quando os hipócritas se manifestam como tais, Cristo ordena
que sejam excomungados. (Mt 18.15-18) Visto que não são membros da Igreja,
não devem desgraçar ou causar dano à congregação local pela sua presença.
(1 C0 5.6-13)
Todas as obrigações das igrejas locais impostas por Deus pressupõem
que aqueles que as cumprem sejam crentes verdadeiros, porquanto esses
deveres cristãos só podem ser desempenhados corretamente por pessoas que
são realmente renascidas; por exemplo, instrução e admoestação recíprocas
(C1 3.16,17); disciplina eclesiástica (Mt 18.15-18; 1 Co 5.1-13); conservação
da doutrina verdadeira e a vigilância sobre os ensinadores (Rm 16.17; C1 4.17);
a pregação do Evangelho (1 Pe 2.9); a conduta criçtã no temor de Deus (1 Pe
3.8-17); etc. Antes de os hipócritas poderem tornar-se membros das igrejas
locais, têm de "arrepender-se e converter-se". (At 3.19)
É, pois, com justa razão que definimos as igrejas locais como assembléias
de crentes verdadeiros que estão congregados em determinado lugar com o
objetivo de pregar o Evangelho e administrar os sacramentos. Se, de um modo
geral, empregamos o termo também para congregações heterodoxas ou mesmo
para cultos anticristãos, isso ocorre em sentido lato, por sinédoque, porque
também em igrejas locais heterodoxas podem existir membros da Igreja
universal, ou impropriamente (improprie), isto é, segundo a maneira comum
de se falar (cultos não-cristãos).

DIVINA
2. A INSTITUIÇAO DAS IGREJAS
LOCAIS
É de grande importância a pergunta sobre se as igrejas locais existem
por instituição ou ordem de Deus, de forma que os crentes que vivem em
determinado lugar têm de organizar essas igrejas onde elas não existem, ou
filiar-se às mesmas onde existam.
A objegão daqueles que negam esse ponto sob a alegação de que a filiação
na Igreja universal é suficiente para a salvação e que Cristo não transmitiu
aos seus seguidores nenhuma ordem direta para estabelecimento de igrejas
locais ou filiação às mesmas, assim que as igrejas locais são organizações livres,
fundadas pelas pessoas assim como os imperativos práticos dos crentes neste
mundo as tornavam necessárias, respondemos que é realmente vontade e
determinação de Deus:
a) que todos os crentes que vivem num lugar devem estabelecer o
ministério público no seu meio e fazer uso diligente dele ouvindo e
aprendendo a Palavra de. Deus conforme é proclamada pelos ministr.0~
Dogmática Cristã

divinamente chamados (Ef 4.3-6; At 2.42-47; 14.23; 20.28; 1 Co


12.28; 1 Pe 5.2,3; T t 1.5);
b) que celebrem conjuntamente a Santa Comunhão (1 Co 11.26;
10.17) e exerçam os deveres da comunhão e do amor cristãos (1 Co
11.33; 1.10; At 6.1-6; C1 3.15,16);
c) que não só repreendam em particular o irmão que erra (Mt 18.15,16),
mas também como Igreja ou congregacão censurem e disciplinem
os pecadores impenitentes. (Mt 18.17; 1 Co 5.13)
De tudo isso decorre que é realmente vontade e ordenação de Deus
que os cristãos estabeleçam e mantenham igrejas locais; pois, sem elas, essas
obrigações cristãs impostas não podem ser desempenhadas de modo
satisfatório.
Esse princípio está em pleno acordo com a prática dos apóstolos e seus
seguidores que, coerentemente, congregaram os crentes em igrejas locais e os
instruíam, admoestavam e consolavam em suas epístolas. (1 Co 1.2; Rrn 1.7;
C1 1.2; Ef 1.1; At 20.28; 14.23; 1 CO 5.13; 2 CO 2.6-8; T t 1.5; Ap 1-3)
Por esse motivo, insistimos em que a pena da excomunhão (Mt 18.17; 1
Co 5.13) seja imposta pelas igrejas locais e não por assembléias de cristãos que
não foram instituídas por Deus. No número dessas corporações, podemos incluir
todas as conferências, convenções, sínodos e reuniões similares que se
estabeleceram para incremento do Reino e da causa de Cristo. Contudo, também
nos sínodos, nas conferências e organizações similares, os cristãos devem guiar-
se pela norma do amor cristão. (2 Co 13.11; 1 Co 16.14; Rrn 13.10)

3. IGREJAS
ORTODOXAS
E HETERODOXAS
E vontade e ordem de Deus que todos os crentes ouçam, aprendam e
proclamem somente a Palavra pura que ele próprio deu nas Sagradas Escrituras.
(Jr 23.30-32; 1 Tm 6.3-5) Todo aquele que perverte a Palavra de Deus e ensina
sua própria doutrina em lugar das verdades reveladas por Deus (Mt 15.9), é
condenado pela Escritura como falso profeta (Mt 7.15), doutor de fábulas e
heresias destruidoras (1 Tm 1.3-7; 2 Pe 2.1), homem ímpio (Jd 3; 4), pessoa
corrompida na mente e réproba quanto à fé (2 T m 3.1-8), enganadora e
anticristo (2 Jo 7), de quem todos os cristãos devem afastar-se (Rm 16.17; 2
Jo 10) como de enfatuado que nada entende (1 Tm 6.3-5), que está debaixo
da maldição de Deus (GI 1.8), etc. Assim como proíbem toda conduta
pecaminosa (1 Co 5.9-11; Ap 21.8; 22.15), as Sagradas Escrituras proíbem
igualmente toda corrupção da fé cristã conforme vem exposta na Palavra de
Deus. (G1 3.10; 5.10-12; Ap 22.18,19; Mt 18.6,7; 5.19)
Todas as igrejas que toleram e seguem tais perversores da verdade divina
são conhecidas como igrejas heterodoxas (ecclesiae hetevodoxae, ecclesiae
A Doutrina da Igreja Cristã

impurae), enquanto que são igrejas ortodoxas ou puras (ecclesiae orthodoxae,


ecclesia purae) as que ensinam a Palavra de Deus em sua verdade e pureza e
administram os sacramentos em conformidade com a instituição de Cristo.
Todos os cristãos sinceros devem observar com cuidado essa distinção,
especialmente nesta época em que o espírito do indiferentismo se alastra de
modo alarmante em tantas igrejas e há manifesta tendência de se pôr para o
lado a doutrina cristã (ab-rogação dos credos) e reorganizar as igrejas sobre
"base mais ampla de serviço social7' (cristianismo aplicado; o evangelho do
serviço social). O programa do modernismo dos dias atuais requer a abolição
de qualquer base confessional e está, por conseguinte, em oposição à expressa
incumbência que Cristo deu à sua Igreja. (Mc 16.15; M t 28.20; 10.32-39)
Para que os crentes possam distinguir corretamente as igrejas ortodoxas
das heterodoxas, é necessário ter em mente os seguintes pontos:
Em primeiro lugar, uma Igreja não é ortodoxa ou pura (ecclesia vera seu
pura) simplesmente porque reconhece a verdade divina, em geral, por meio
de Confissões que estejam em acordo com a Escritura, mas quando ensina
realmente a verdade divina sem restrições e impede ou reprime todo e qualquer
erro. É preciso que a Igreja seja pura ou ortodoxa tanto em seus princípios
como também na prática, de maneira que repreende e disciplina severamente
todo aquele que ensina a doutrina errônea. Mas não é tudo. Se uma Igreja
quer ser realmente ortodoxa, além de ensinar em conformidade com a Escritura,
também deve insistir numa prática que esteja rigorosamente em acordo com
tudo o que a Palavra de Deus inculca (condições para filiação, participação da
Santa Ceia, regulamento da vida cristã dos seus membros, oposição ao
indiferentismo religioso e ao unionismo, etc.). A Igreja que só é ortodoxa em
teoria, mas não na prática, não se pode considerar verdadeiramente ortodoxa,
por desatender às Sagradas Escrituras em sua insistência na aplicação adequada
da verdade divina à vida. (1 Co 5.13; 11.20-22; 6.1-6; 14.34-40; etc.)
Em segundo lugar, a Igreja ortodoxa não se converte em heterodoxa
(ecclesia corrupta) em virtude de erros que acidentalmente ocorram em seu
meio. Só a tolerância para com a doutrina errônea e prática antiescriturística
torna a Igreja heterodoxa. Mesmo nas igrejas estabelecidas pelos apóstolos,
surgiram falsos mestres, que foram bem-sucedidos na difusão de doutrinas
falsas. (At 20.30; G1 1.6-9; 1 Co 15.1-19) Foram, porém, repreendidos e
condenados.
,
Disso decorre que uma Igreja só se torna impura ou heterodoxa, quando
cessa de aplicar as diretrizes de Deus apresentadas em Rm 16.17; 2 Jo 10,11;
M t 18.17; etc., e, dessa forma, permite que o erro e a impiedade existam lado
a lado com a verdade ou mesmo ganhem ascendência sobre a verdade.
As igrejas heterodoxas são seitas pelo fato de que dão sua adesão ao
erro, que as segrega da Igreja. "Ecclesia quatenus impura, norz est ecclesia." São
Dogmática Cristã

igrejas porque ainda dão sua adesão à verdade cristã e, assim, estão ligadas à
Igreja, contanto que os seus erros não neguem os artigos fundamentais da fé
cristã. Nesse último caso, deixariam de ser igrejas heterodoxas para se converter
em cultos anticristãos. (cf. o calvinismo com o unitarismo; 1 T m 6.20,21; 2
T m 2.16-18)
Embora as igrejas heterodoxas, no sentido comum do termo, ainda dêem
sua adesão às doutrinas fundamentais da fé cristã e, dessa forma, abriguem
em seu meio crentes verdadeiros, todos os crentes que reconhecem os erros
delas têm o dever de romper as suas relações com elas, porque um erro
forçosamente leva a outros (G1 5.9), e a tolerância para com uma falsidade
reconhecida constitui uma negação da verdade divina. (Mt 10.32-36) Isso é
incompatível com a verdadeira profissão cristã. (Rrn 16.17; 2 Co 6.14-18)

4. As IGREJASHETERODOXAS
E O VERDADEIRO
DISCIPULADO
As igrejas heterodoxas não existem por vontade de Deus (Mt 28.20),
mas contra a sua vontade. (Jr 23.29-40; 1 Co 3.15-17) Deus permite que
existam para pôr à prova a fé dos seus verdadeiros discípulos (1 Co 11.19) e,
em parte, para punir o indiferentismo, a ingratidão e a infidelidade dos ímpios.
(2 Ts 2.11,12)
Os cristãos, por conseguinte, não devem olhar a existência das igrejas
heterodoxas com indiferença, mas com horror, visto cada erro constituir ofensa
(skándalon) que não só provoca a ira de Deus (Dt 32.5,6; 28.15-68), mas
ainda põe em perigo a salvação de todos quantos tiverem contato com ela. (1
Co 15.33; 2 T m 2.16,17)
Até mesmo nas igrejas heréticas encontram-se crentes sinceros, não
porque sejam heterodoxas - pois a falsidade sempre se opõe à fé salvadora,
mas porque, pela graça de Deus, ainda conservam os elementos fundamentais
do Evangelho.
O próprio Salvador nosso, embora denunciasse a religião e o culto dos
samaritanos (Jo 4.22), ainda assim reconhecia o verdadeiro discipulado de
crentes samaritanos individuais. (Lc 17.16; 10.33) Também Lutero, embora
condenasse o papado como instituição fundada pelo diabo, reconhecia,
também nessa Igreja corrupta, a existência de crentes fiéis (as crianças
batizadas; os adultos que aderiam ao sola gratia contra os ensinamentos do
papa). O Reformador, outrossim, admitia haver sinceros crentes entre os
adeptos de Zwínglio e Calvino, pois aderiam aos líderes em ignorância. (S. L.,
IX, 44)
A Igreja Luterana confessional, embora sempre insistisse na prerrogativa
de ser a verdadeira Igreja ortodoxa, jamais se identificou com a una sancta
ecclesia, extra quam nulla est salus, mas tem sempre ensinado que a Igreja
A Doutrina da Igreja Cristã

universal é a comunhão de todos os crentes que põem a sua esperança de


salvação unicamente na satisfação vicária de Cristo. (cf. Walther, Kirche und
Amt, pp. 95-113; 160s). Escreve o Dr. Walther: "Quem quer que prenda a
salvação à fdiasão em qualquer igreja visível anula o artigo da justificação só
pela graça, mediante a fé em Cristo."

O que se acaba de dizer não deve induzir ninguém a considerar o


unionismo religioso (sincretismo, Unionismus, Religionsmengerei) coisa
permissível, muito menos louvável. As Palavras "em caridade para com todos"
aplicam-se a todas as pessoas, pois Cristo mandou amar todas as pessoas.
(Mt 22.39; 5.44; 1 Jo 3.17,18) Não significam, porém, que os cristãos devam
aprovar os falsos profetas e seus erros. (Mt 7.15; C1 1.8,9) A ordem das
Escrituras a respeito desse ponto é clara e enfática. (Rm 16.17; C1 5.9; 2 Jo
10,11; Tt 3.9-11; 1 T m 1.3-7; 2 Co 6.14-18)
A objeção de que o unionismo religioso poderia ser justificado pelo
princípio do amor cristão (Rrn 13.10; 1 Co 13.7), e em razão da ardente petição
de Cristo a que todos os crentes fossem um (To 17.20,21), respondemos:
a) que realmente não passa de caricatura do amor cristão permitir-se
que alguém tateie em trevas espirituais e ponha em risco a salvação
de sua alma. (2 Co 5.13-15; 1 Co 9.22,23; 2 Co 6.3-10) O unionismo
religioso que, em última análise, não passa de indiferentismo carnal,
desconhece realmente o verdadeiro amor cristão tanto para com Deus
(fidelidade à sua Palavra) como para com o próximo (interesse
consciencioso em sua profissão da verdade divina);
b) que a unidade operada pelo próprio Espírito Santo mediante a Palavra
é a unidade da fé (Jo 17.17,20,21,25,26;Ef 4.3-6; 1 Co 1.10), que os
cristãos devem fomentar, dando testemunho da verdade.
A verdadeira unidade da fé é ordenada por Deus (1 Co 1.10), e todos os
cristãos devem, conseqüentemente, fazer tudo o que está em suas forças
para efetivá-la. Contudo, essa unidade, que é do Espírito, não é estabelecida
nem incrementada por indiferentismo carnal e tolerância do erro. (2 Co 6.14-
18; 1 Rs 18.21,22,40)
O perigo que existe no unionismo religioso consiste em que, por uma
infeliz conseqüência na profissão de falsidade, um erro traz sempre outro
consigo. Dessa maneira, também o indiferentismo carnal para com uma
doutrina é induzido a produzir indiferentismo carnal para com outras. Diz
Lutero (S. L., XVII, 1180): "Quem tem sua doutrina, fé e confissão por
Dogmática Cristã

verdadeiras, corretas e certas, não pode ficar num só estábulo com outros
que têm doutrinas errôneas ou lhes são favoráveis." (c£. XVIII, 1996)
O argumento dos teólogos racionalistas modernos de que as "diferentes
tendências teoIógicas" (as divisões denominacionais) seriam pretendidas por
Deus, não é bíblico nem racional.

6.SEPARATISTAS
OU CISMÁTICOS
O termo separatismo ou cisma designa a separação denominacional de
grupos religiosos das igrejas por razões não-escriturísticas, tais como costumes
eclesiásticos, formas, usos e outros (donatismo). Os cismas são, por
conseguinte, contrários à Palavra de Deus e pecaminosos. Por motivos práticos,
fazemos distinção entre separatismo maldoso e não-maldoso. Aquele é
causado por despeito e Falta de amor e vem misturado com eles; este é fruto
da ignorância ou do preconceito e não vem ligado ao desrespeito intencional
pelo princípio do amor fraterno.
É injustificável a aplicação dos termos separatistas e cismáticas a pessoas
que se separam de igrejas em erro em virtude de sua doutrina nociva ou prática
não-escriturística.
Com respeito ao uso correto da doutrina da Igreja, o Catecismo luterano
traça-nos as seguintes diretrizes importantes. Fazemos uso apropriado da
doutrina da Igreja a) quando cuidamos ser e permanecer membros da Igreja
invisível (2 Co 13.5; Jo 8.31,38); b) quando, para esse fim, aderimos à Igreja
da Palavra e Confissão puras e evitamos todas as igrejas falsas (Mt 7.15; 1 Jo
4.1; Rm 16.17; 2 Co 6.14-18); e c) quando, segundo a nossa capacidade,
contribuímos para o seu sustento e propagação. (1 Co 9.14; C1 6.6,7; 1 T m
5.17,18; 1 Ts 5.12,13; Mc 16.15,16; M t 28.19,20) Esses pontos merecem
consideração constante da parte de cada cristão fiel e devem ser inculcados
pelo pastor com a maior diligência tanto em sua instrução pública como
particular.

7.A IGREJA REPRESENTATIVA


(DEECCLESIA
REPRAESENTATIVA)
Nem pessoas individuais (papas, príncipes, presidentes) nem assembléias
(concílios eclesiásticos, convenções, conferências pastorais, parlamentos,
consistórios) foram ordenados por Deus com o fim de decidir questões de fé
ou de gestão eclesiástica. Apenas a Escritura é fonte e norma de todas as
questões doutrinárias (1 Pe 4.11), ao passo que as questões pertinentes à
administração externa das igrejas são adiáforo (At 4.32; 15.22-29; 1.15-26),
devendo ser decididas em amor cristão segundo o princípio da ordem e
conveniência cristãs. (1 Co 14.40)
A Doutrina da Igreja Cristã

A alegação do papa de que é o vigário de Cristo na terra, cujas decisões


e m questões de doutrina e de vida t ê m força obrigatória para todas as
consciências cristãs (Papa habet ornnia iura in scrinio pectoris) é condenável. A
ambição de governantes seculares de fazerem prescrições à Igreja é igualmente
condenável (cesaropapismo) .
Todavia, não é contrário à Bíblia que, em certas atividades da Igreja, os
fiéis cristãos se façam representar por pessoas devidamente eleitas por eles.
Dessa forma, os anciãos (diretoria, presbíteros) podem representar as
congregações locais, e os delegados especiais podem representar grupos inteiros
de igrejas locais e m convenções e conferências. Contudo, tal Igreja
representativa (ecclesia repraesentativa) só dispõe de tanta autoridade quanta
lhe tem sido delegada mediante declaração expressa das igrejas locais
representadas por ela. Em si, não tem poder legislativo, mas unicamente
consultivo. Vale dizer: O que a Igreja representativa delibera deve estar em
acordo com a vontade das igrejas que ela representa e sempre ser ratificado
por elas.
De acordo com esse princípio, a constituição do Sínodo de Missouri
declara com respeito à relação entre o sínodo ou a Igreja nacional e as igrejas
locais (cap. IV): "Pelo que respeita ao governo inteiro das igrejas locais, o
sínodo é apenas um corpo consultivo." Essa declaração fundamenta-se no
correto princípio escriturístico de que a Igreja local é de divina determinação
e está revestida não só do ofício das chaves, mas também de suprema
autoridade para dirigir todos os assuntos pertinentes à administração
eclesiástica. (Mt 18.15-18; 1 Co 5.1 1-13; 14.33-36) (cf. Lutero, S. L., IX,
1253ss; X, 1540ss; XIX, 958ss; Christl. Dogmatik, 111, 492-501)
Não há, portanto, ecclesia reprnesentativa no sentido de que o clero ou
os concílios eclesiásticos ou as convenções ou os congressos eclesiásticos
tenham autoridade para "resolver controvérsias sobre a fé e casos de
consciência; para decretar leis e diretrizes para melhor ordenação do culto
público a Deus e do governo de sua Igreja, [...I decretos e determinações
essas que, quando em consonância com a Palavra de Deus, devem ser recebidos
com reverência e submissão, não só em virtude de sua consonância com a
Palavra, mas também em virtude do poder pelo qual são exarados, sendo
ordenação de Deus para este fim designada em sua Palavra". (Confissão de Fé
Presbiteriana, XXXI).
As convenções e concílios que se arrogam tal autoridade imitam a praxe
papista e põem de lado os direitos e privilégios da Igreja local, que é realmente
"uma ordenação de Deus designada para este fim em sua Palavra".
Seja-nos permitido repetir mais uma vez que as igrejas locais não têm
autoridade para pôr de lado a Palavra de Deus nem para ofender o amor cristão.
Em todos os assuntos de doutrina e vida, elas estão sujeitas às Sagradas
Dogmática Cristã

Escrituras e, em todos os casos de administracão eclesiástica ou de gestão


eclesiástica (adiáfora), a sua maior preocupacão deve ser o bem-estar supremo
da Igreja, sendo o amor cristão o fator decisivo em todas as disputas ou
divergências de opinião.
As convenções e concílios (presbiterianos, metodistas, episcopais) não
são uma espécie de superigreja, mas a Igreja local é suprema, por ser uma
ordenação de Cristo. Todas as demais questões ao assunto cabem na esfera
da Teologia pastoral.
DO TERMO
1. DEFINIÇAO
. O termo ministério (Predigtamt, ministerium) é empregado pela Bíblia e
pela Igreja em sentido lato e restrito. Em sentido geral, a palavra designa toda
forma de proclamação do Evangelho ou de administração dos meios da graça.
Não importa se é feita pelos cristãos em geral, a quem os meios da graça
foram confiados por Deus, ou por ministros da Palavra, eleitos e ordenados
(ministri ecclesiae) em nome da congregação cristã (Pfarraunt).
Coerentemente, falamos do ministério cristão em forma abstrata (in
abstracto), isto é, distinto das pessoas que o administram e, em forma concreta
(in concreto), como é desempenhado por pastores chamados e ordenados, que
cumprem as suas obrigações em nome das congregações locais. É nesse sentido
especial ou restrito que empregamos o termo ministério nesta discussão.
(Pfarramt; Predigtamt im engeren Sinn)
O ministério cristão, em sentido restrito (in concreto), pressupõe a
existência de igrejas locais, pois que só pode ser estabelecido onde existem
tais congregações. No Tratado sobre o Poder e o Primado do Papa, 5 67, lemos,
neste sentido, com muita propriedade: "Pois onde quer que esteja a Igreja, aí
existe o direito de administrar o Evangelho. Razão por que é necessário que a
Igreja retenha o direito de chamar, eleger e ordenar ministros. [..I Onde há
uma Igreja verdadeira, aí necessariamente existe o direito de eleger e ordenar
ministros."
Os Artigos de Esmalcade emitem a doutrina evidente das Sagradas
Escrituras sobre esse ponto. Depois de fundar igrejas cristãs na ilha de Creta,
São Paulo ordenou que Tito estabelecesse presbíteros, aos quais dá, no
versículo 7, o nome de bispos (episkopous), e isto em cada cidade (katá polin)
em que houvesse igrejas locais. Outrossim, após haverem estabelecido igrejas
locais na Ásia Menor, em sua primeira viagem missionária, São Paulo e Barnabé,
na viagem de regresso, "promovendo-lhes, em cada igreja (kat'ekkleesian), a
eleição de presbíteros (presbyterous), [...I os encomendaram ao Senhor em
quem haviam cridoJJ. (At 14.23) Aos presbíteros eleitos dessa forma,
recomendava-se expressamente que "tivessem cuidado da igreja de Deus" (1
T m 3.5), que "atendessem por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo
t os constituíra bispos" (At 20.28), que "pastoreassem a igreja de Deus" (v.
28b), que "vigiassem [...I e não cessassem noite e dia de admoestar a cada
(v. 31), que "se tornassem modelos do rebanho" (1 Pe 5.3), etc. Em síntese,
i;rr^-
cumpria-lhes servir em suas congregações como pastores designados por Deus.
Daí afirmarmos que o ofício do ministério cristão (das christliche Pfarramt)
é designado e ordenado por Deus. Também a Apologia assim o diz (Art. XIII,
11): "Pois o ministério da palavra tem mandamento divino e magníficas
promessas." Escreve Gerhard: "É o ministério da igreja um ofício sagrado e
público por designação divina." (XIII, 224). E Hutter: "O ministério da igreja
foi estabelecido [...I pelo próprio Deus." (Loc. Th., 186) (cf. Doctr. Theol., p.606ss)
O ministério cristão é chamado "público", não por causa do lugar em
que se desempenham as suas funções, mas, pelo contrário, em vista do fato
de suas funções serem exercidas em nome e por autorização da congregação.
Também funções do ofício ministerial tais como as que são desempenhadas
em particular (comunhão particular; admoestação particular; absolvição
particular) pertencem ao ministério público (cf. serviço público; funcionários
públicos, etc.). Dessa maneira, pois, vigora a Lei divina: Onde quer que se
encontrem, n u m lugar, crentes verdadeiros, cumpre-lhes, por obrigação,
organizar e manter igrejas locais. Onde há igrejas locais, cumpre-lhes, também,
por vontade divina, chamar pastores ou ministros oficiais que, em nome da
congregação, preguem o Evangelho e administrem os sacramentos e que, em
nome da congregação, exerçam o ofício das chaves. (cf. Lutero. S. L., 111, 723)

2. O MINISTÉRIO PÚBLICOE O SACERD~CIO


ESPIRITUAL
DE TODOS OS CRENTES
É evidente que o ministério público (das Pfarramt) não está em conflito
com o ministério geral (sacerdócio espiritual) de todos os crentes que, como
sacerdotes espirituais, têm o dever de proclamar o Evangelho por todo o mundo.
(1 Pe 2.9) O ofício do ministério público pressupõe o sacerdócio espiritual de
todos os crentes; pois, de um lado, os ministros da Palavra chamados devem
ser sacerdotes espirituais ou crentes verdadeiros. (1 T m 3.2-7; T t 1.5-9) De
outro lado, eles administram publicamente, isto é, em nome dos crentes que
os chamaram, os deveres e privilégios que pertencem a todos os cristãos na
qualidade de sacerdotes espirituais.
É óbvia a relação entre o ministério público e o sacerdócio espiritual de
todos os crentes. Ambos não são idênticos, pelo fato de a Escritura traçar
rigorosa distinção entre os cristãos em geral e os pastores, bispos ou presbíteros
(ministros) que são líderes sobre os demais crentes. As Sagradas Escrituras
dizem expressamente:
a) que todos os crentes devem conhecer e professar a verdade divina.
(Jo 6.45; 7.38,39; 1 Co 2.15,6; 1 Jo 2.27; 1 Pe 2.9; C1 3.16) Os mestres
oficiais da Igreja, porém, devem possuir um conhecimento superior
DoMinistério Publico
da vontade divina e aptidão especial para ensinar. (1 T m 3.1-7; 5.22;
T t 1.5-11)
b) que, embora a Sagrada Escritura ensine que todos os cristãos estão
incumbidos dos deveres e desfrutam os privilégios do ofício das
chaves (Mt 18.17; 1 Co 5.18), ela declara expressamente que Deus
dá à Igreja apóstolos, profetas evangelistas, pastores e doutores para
a obra do ministério (Ef 4.1 1,12; 1 Co 12.28; At 20.28), que nem
todos os crentes são apóstolos, profetas e doutores. (1 Co 12.29; Tg
3.1; didáskaloi)
c) que as Sagradas Escrituras declaram que "a manifestação do Espírito
é concedida a cada um, visando a um fim proveitoso" (1 Co 12.4-12)
e que todos os membros do corpo de Cristo devem, por conseguinte,
possuir honra em abundância. (1 Co 12.23-25) Elas requerem, no
entanto, que os mestres oficiais da Igreja sejam muito estimados
como quem fala a Palavra de Deus (Hb 13.7); que os que pregam o
Evangelho vivam do Evangelho (1 Co 9.14); que o que está sendo
instruído na Palavra de Deus faça participante de todas as coisas
boas aquele que o instrui (G16.6,7); que os presbiteros que presidem
bem sejam considerados merecedores de dobrada honra, com
especialidade os que se cansam na Palavra e no ensino (1 T m 5.17,18);
que os crentes acatem com apreço os que trabalham entre eles e que
os presidem no Senhor e os admoestam (1 Ts 5.12,13); e que os
crentes obedeçam àqueles que velam por suas almas como aqueles
que hão de dar conta delas. (Hb 13.17)
d) que, quando Paulo escreveu aos coríntios: "que os homens nos
considerem como ministros de Cristo e despenseiros dos mistérios
de Deus" (1 Co 4.1), não só se referiu a si próprio, mas também a
Apolo (1 Co 4.6) e aos seus demais cooperadores na Palavra. (1 Co
3.21)
Agimos bem, portanto, fazendo distinção entre os crentes na Função
de sacerdotes espirituais e os crentes na função de ministros de Cristo e
despenseiros dos mistérios de Deus.
Ninguém distinguiu o sacerdócio espiritual de todos os crentes do
ministério público mais esclarecidamente do que Lutero. Por um lado, ele
escreve (S. L., V, 1038): "Apenas nos tornamos cristãos por meio deste
Sacerdote [Cristo] e do seu sacerdócio e, no Batismo, fomos pela fé nele
enxertados, e já recebemos o direito e poder para ensinar e professar diante de
todos a Palavra que dele temos, cada um segundo a sua vocação pública.
Ainda assim, deve e pode cada cristão ensinar, instruir, admoestar, consolar,
repreender com a Palavra de Deus a seu próximo quando e onde alguém o
necessitar, tal como o pai e a mãe aos filhos e criados, um irmão, vizinho,
Doginática Cristã

cidadão ou camponês ao outro. Porquanto um cristão bem pode instruir e


admoestar com os Dez Mandamentos, o Credo, a Oração, etc., ao outro, que
ainda é ignorante ou fraco, e quem o ouve tem a obrigação de também aceitar
as instruções dele como Palavra de Deus e juntamente dar disto profissão
pública." (cf. X. 1590)
Lutero, todavia, por outro lado, escreve (S. L., V; 1037): "Muito embora
todos sejamos sacerdotes, ainda assim não podemos nem devemos por isso
todos pregar ou ensinar e governar. Contudo devem-se separar e eleger dentre
toda a multidão alguns a quem se delega este oflcio; e quem o exerce não é
agora sacerdote em virtude do ofício (coisa que todos os demais são), mas um
servo de todos os demais. E quando já não puder ou quiser pregar ou servir,
entra de novo para o grupo geral, transmite o ofício a outro e nada mais é que
qualquer outro cristão comum. Vede, desta maneira, deve-se fazer separação
entre o ofício da pregação ou o ministério e o sacerdócio universal de todos
os cristãos batizados. Pois que este ofício nada mais é que um serviço público
que é delegado à pessoa por parte de toda a congregação, onde todos são, a
um só tempo, sacerdotes." (cf. X, 1589)

3. O MINISTÉRIO
PÚBLICO É INSTITUIÇAO
OU ORDENAÇAO
DIVINA
O ministério público é instituíção ou ordenação divina. Isso decorre,
conforme demonstramos:
a) da praxe dos apóstolos (At 14.23) e de sua ordem aos seus sucessores
que ordenassem presbíteros ou bispos (Tt 1.5), de sorte que
regularmente se designavam ministros ou pastores em todos os lugares
em que fossem estabelecidas igrejas locais. (At 20.17,18; Tt 1.5);
b) da descrição dos requisitos pessoais dos ministros públicos. (1 Pe
5.3; 1 T m 3.2-7);
c) da descrição de suas funções e deveres. (Tt 1.9-11; 1 T m 3.5; At
20.28,31; 1 Pe 5.1s; Hb 13.17; etc.);
d) da distinção que a Escritura faz entre os presbíteros ou bispos e
todos os demais crentes. (1 Co 12.28,29);
e) da honra e dignidade que se atribuem a todos os que ensinam
oficialmente a Palavra. (Hb 13.7; 1 Co 4.1)
Repetimo-lo para fins de maior ênfase, visto que a presente doutrina,
ensinada com tanta clareza na Escritura e tão enfaticamente exposta por
nossos dogmáticos luteranos, também tem sido negada no seio da Igreja
Luterana.
Alguns alegaram, por exemplo, Hoefling, que o ministério da Palavra,
em sua forma concreta (Pfarramt), é de origem humana ou mero "desenvolvimento
Do Ministério Público

histórico". Sustentam que a indicação de presbíteros (presbyteroi) na Igreja (At


14.23; Tt 1 . 5 s ~ tinha
) apenas significação temporária ou local, uma vez que
as condições peculiares que reinavam naqueles tempos de outrora tornavam
necessários os bispos ou presbíteros.
Respondemos a esse argumento que, em parte alguma no texto, há
semelhante limitação da indicação apostólica de ministros. Muito pelo
contrário, os presbíteros ou bispos foram postos a serviço das diversas igrejas
por ser indicação de Deus que haja presbíteros ou bispos (ministros, pastores)
que "atendam pelo rebanho e pastoreiem a Igreja de Deus" (At 20.28-31);
"presidam bem e se afadiguem na Palavra e no ensino" (1 T m 5.17), "trabalhem
entre os irmãos e presidam os crentes no Senhor e os admoestem" (1 Ts
5.12,13), "velem por suas almas como aqueles que hão de dar conta delas".
(Hb 13.17)
Resulta disso que não é facultativo aos crentes organizar igrejas locais e
estabelecer o ofício do ministério público em seu meio, mas isso deve ser feito
por causa da instituição e ordenação de Cristo. Assim também ensinou o Dr.
Walther: "O ministério da pregação ou pastoral não é instituição humana, mas
u m ofício estabelecido pelo próprio Deus." (Kirche und Anzt, 193.211) A
Apologia está em perfeito acordo com a Escritura, quando escreve: "Adinisterium
Verbi habet mandatum Dei."
É verdade que Hoefling e seus colegas admitiram que o ministério
público seja instituição e ordenação de Deus no sentido de que tudo o que é
"razoável", "apropriado" e "moralmente necessário" poderá ser chamado
ordenaçáo divina. (1 Co 14.40) Ele, porém, negou que o ministério público
seja ordenado e instituído por Deus (cf. Grundsiitze ev. luth. Kirchenverfassung,
Erlangen, 3" edição, 1853), visto resultar apenas de uma "necessidade interior"
("mit innerer Notwendigkeit"). Por essa razão, também negou as conclusões
que nossos dogmáticos luteranos tiraram corretamente de passagens como
At 14.23; T t 1.5, etc.
O argumento de Hoefling, no entanto, não se baseava em nenhuma
passagem explícita da Escritura, mas na dedução injustificada de que, se o
ministério público for considerado ordenação divina, será transferido do
Antigo para o Novo Testamento u m elemento legístico ou cerimonial. O
Novo Testamento não é u m concerto de mandamentos ou leis, mas de
liberdade cristã (G1 5.1-7) e, como tal, incapaz de elementos legísticos.
Esse argumento, todavia, a si mesmo se destrói, porque vem provar
demais. Coerentemente aplicado, anularia todas as instituições e ordenações
divinas do Novo Testamento, de modo que não se poderia ordenar aos cristãos
que batizassem, celebrassem a Santa Ceia, pregassem o Evangelho, seguissem
a santificação e coisas semelhantes. Nesse caso, a Igreja do Novo Testamento
estaria, afinal, obrigada a adotar o antinomismo como única alternativa.
Dogmática Cristã

O erro de Hoefling e seus seguidores originou-se de sua oposição aos


luteranos romanizantes (Muenchmeyeer, Loehe, Kliefloth, Vilmar, etc.), que
alegavam ser o ministério público instituição divina no sentido de que teria
sido transmitido diretamente dos apóstolos aos seus sucessores, como estado
ministerial (geistlicher Stande), pelo ritual da ordenação.
Dessa maneira, os oponentes de Hoeffing apresentaram, como doutrina
Iuterana, uma caricatura da doutrina luterana da instituição divina do
ministério público. Além do mais, expressaram-se de modo a dar a entender
que os meios da graça só seriam realmente eficazes, quando aplicados por
pessoas que, pelo ritual da ordenação, tivessem recebido o seu ofício
diretamente dos apóstolos. (cf. o romanismo; o episcopalismo: a sucessão
apostólica)
Hoefling rejeitou essa doutrina romanizante, todavia errou, por outro
lado, negando o mandatum Dei do ministério público. No intuito de negar o
estabelecimento divino imediato do ministério público de Loehe, considerou
necessário negar, também, o seu estabelecimento divino mediato, ou seja, o fato
de que é divina instituição e ordenação que os crentes cristãos devem outorgar
aos ministros chamados e ordenados a administração pública do ofício das
chaves.
Nessa controvérsia, homens como Stroebel (Zeitschu. f luth. Th. und K.,
1852, p.699) fizeram ver corretamente que a cada cristão batizado, na
qualidade de sacerdote espiritual, assiste o direito divino [em certas
circunstâncias, até mesmo o inelutável dever] de pregar a Palavra de Deus ao
próximo, de administrar os sacramentos, de lhe perdoar os pecados, de impor
as mãos, etc., mas que só deveria exercer esse direito em caso de necessidade,
em virtude da ordem estabelecida por Deus, da qual ele se agrada. De outra
maneira, deverá lançar mão do ofício dos pastores devidamente chamados
por Cristo por intermédio da congregação. Cumpre às congregações cristãs
considerar que não devam abandonar o ofício espiritual (o ofício pastoral)
instituído por Cristo nem permitir seja usurpado por gentalha néscia ou por
déspotas eclesiásticos ou seculares. Sempre devem outorgá-lo a homens
capazes, fiéis e piedosos até o segundo advento de Cristo. Porquanto é
conclusão ilógica dizer-se: "Todos os que não receberam diretamente do
Senhor o ofício espiritual [o ofício pastoral], mas por intermédio da
congregação, receberam-no de homens e são, por conseguinte, servos de
homens." (c. Christl. Dogmatik, 111, 508-512; também Lehre und Wehre, 1870,
p.l6lss, 174; 1855. p.lss)

4. O MINISTÉRIO
PÚBLICOÉ NECESSÁRIOC
Embora o ministério público (o ofício pastoral), outorgado de modo
mediato aos pastores por intermédio da congregação, seja instituição divina,
Do Ministério Público

não é absolutamente necessário. Todos os crentes, na qualidade de sacerdotes


espirituais, estão obrigados por mandamento divino a pregar o Evangelho (1
Pe 2.9) e a ensinar e exortar u m ao outro com salmos, hinos e cânticos
espirituais. (C1 3.16) Já Lutero chama a atenção para o fato de que "o mundo
poderá tornar-se tão extremamente epicureu que, sobre toda a face da terra,
não haverá qualquer ministério público, mas que o Evangelho só será
conservado nos lares [cristãos] pelos pais [cristãos]". (S. L., VI, 938) Ainda
pelo estudo da Bíblia por parte de crentes individuais, a Igreja de Cristo na
terra se conservará e alastrará.
Daí, não se deve, como bem diz o Dr. Walther (Kirche und Amt, p.195),
considerar o ofício pastoral (Pfarramt) uma espécie de meio da graça, que seria
absolutamente necessário para a salvação dos homens, de maneira a ninguém
poder adquirir a fé e receber a remissão dos pecados sem os serviços de um
pastor ordenado. Essa necessidade absoluta refere-se apenas ao emprego da
Palavra de Deus e, em particular, à que diz respeito ao Evangelho de Cristo,
sem o qual ninguém pode se salvar.
0 s entusiastas, que negam a necessidade de pregar-se o Evangelho, sob a
alegação de que é a "palavra interna" (Verbum internum) que salva, rejeitam o
ensinamento claro da Escritura acerca dos meios da graça e fundamentam a
sua doutrina em suas especulações. Lutero: "Devemos nisto permanecer
firmemente que Deus a ninguém dá o seu Espírito ou sua graça a não ser por
meio da precedente palavra exterior ou com ela. Isto para nos resguardarmos
dos entusiastas, isto é, espíritos que se jactam de possuir o Espírito sem a palavra
e antes da mesma." (Os Artigos de Esmalcalde, Parte 111, Art. 3. Triglotta, p.495)
Ainda assim, embora o ministério público não seja absolutamente
necessário, não deve ser desprezado. O desprezo sucede: a) quando os cristãos
se recusam a ir à igreja sob a alegação de que lêem a Bíblia em casa (Lc 1016; Hb
10.23-25) (cf. Lutero, S. L., 111, 1736); ou b) quando ministros chamados e
ordenados negligenciam seu ofício sagrado com a desculpa de que o seu rebanho
não precisa ser nutrido, visto que, sendo sacerdotes espirituais, podem cuidar
de si mesmos (cf. Ez 3.17s; 2 T m 4.2s; 1 T m 4.13s; Fp 2.21; também Lutero,
S. L., X, 5); ou c) quando igrejas recusam manter educandários em que se
preparam os ministros e professores cristãos para o sagrado ofício. (S. L., X, 417.
458ss) O menosprezo ao ministério público é comumente motivado pelo
menosprezo a Cristo e ao seu bendito Evangelho. (Mt 10.22; 24.9; Jo 17.14)

5. O CHAMADO
AO MINSTÉRIO
(DEVOCATIONA
MINISTERIALI)
Com respeito à necessidade do chamado ministerial, declara a Confissão
de Augsbtlrgo (Art. XIV): "que ninguém deve publicamente ensinar na Igreja
ou administrar os sacramentos, a menos que seja legitimamente chamado."
Dogmáticn Cristã
-

Hollaz explica o que se entende por chamado ministerial da seguinte maneira:


"Entende-se aqui por chamado divino a designação de certa pessoa idônea
para o ministério da Igreja, com direito de ensinar em público, administrar os
sacramentos e exercer a disciplina eclesiástica, designação feita por Deus,
quer s o i ~ n h o quer
, com o auxího interterente de homens." (Doctr. Theol.,
p.607)
Nossos dogmáticos distinguiram corretamente o chamado imediato do
mediato (vocatio immediata, vocatio mediata). Essa distinção, feita também
por Lutero (S. L., XI, 1910ss), é escriturística; pois as Sagradas Escrituras
demonstram que mesmo os profetas e apóstolos (inclusive Paulo) jamais
pregaram sem chamado de Deus. (Êx 3.10; 1s 6.8,9; 40.6-9; Jr 1.2-10; Mc
16.15; M t 28.19,20; Jo 20.21-23; At 22.21; G1 1.1; Ef 1.1; C1 1.1; etc.)
Imediato é o chamado divino feito "sem qualquer ajuda judicial
(arbitraria) interferente de outros homens". (Baier) Tal qual diz Hollaz
corretamente, "atualmente não se esperará chamado imediato na Igreja".
O chamado mediato não é menos divino que o imediato. A diferença
entre ambos, segundo esclarece Gerhard, consiste apenas em que o chamado
mediato se efetua "pelos meios ordinários" (per vocationem ecclesiae), designados
por Deus para esse fim, enquanto que o chamado imediato procede diretamente
de Deus.
Gerhard estabelece o caráter divino do chamado mediante os seguintes
fatos: a) É atribuído a Deus como seu autor. (1 Co 12.28; Ef 4.11) b) Baseia-se
em autoridade apostólica. (At 14.23; 20.28; 1 T m 4.14; 3.1,2; 5.21; 2 Tm. 1.6;
2.2; C1 4.17) c) E confirmado pelas promessas graciosas de Deus. (1 T m 4.16;
2 Co 3.16; Ef 4.11,12)
O caráter divino do chamado mediato está amplamente comprovado
pelo fato de as Sagradas Escrituras dizerem acerca dos presbíteros ou bispos,
que foram chamados de modo mediato: "O Espírito Santo vos constituiu
bispos." (At 20.28) O fato de o chamado mediato ser também verdadeiramente
divino é da maior importância tanto para os próprios ministros como para
aqueles a quem servem. (1 Co 4.1; Lc 10.16; 1 Pe 5.2,3; Jr 23.21; Hb. 5.4; Tg
3.1)
Uma vez que o chamado mediato é expedido por pessoas (a Igreja),
cabe-nos considerar, também, a questão sobre quem são as pessoas por cujo
intermédio Deus chama os seus ministros. Os romanistas alegam que
unicamente o papa tem autoridade para criar bispos e seus assistentes. Os
episcopais ensinam que a ordenação feita pelo bispo outorga a mais alta ordem.
Os luteranos romanizanes ensinam que os ministros cristãos devem sua
autoridade pastoral ao "estado do ministério" (der geistliche Stand), passível
de autopropagação. Em outros casos, príncipes ou corpos administrativos na
Igreja reclamaram o direito de chamar e ordenar ministros.
Do Ministério Público

As Sagradas Escrituras, no entanto, atribuem esse poder de chamar a


todos os verdadeiros crentes, visto que Cristo confiou o ofício das chaves aos
mesmos. (Mt 18.17; 1 Co 5.4,13; 3.21) O grande comissionamento de Cristo
(Mt 28.19,20) não se destinava apenas aos apóstolos, mas a todos os cristãos,
pois Cristo declara expressamente: "Eis que estou convosco todos os dias até
à consumação do século." Em virtude do seu sacerdócio espiritual, todos os
crentes possuem o direito inerente de pregar o Evangelho e administrar os
sacramentos "até à consumação dos séculos". Uma vez, pois, que todos os
crentes fiéis são depositários dos meios da graça, é privilégio deles chamar
pastores ou ministros que, em seu nome, apliquem publicamente os meios
da graça. cf. Lutero: "Que se elejam alguns dentre a multidão, tal sucede pela
razáo de que os mesmos, na qualidade de representantes da congregação,
devem administrar e exercer o ofício [o ofício ministerial], o qual todos
possuem." (S. L., IX, 1174)
Contudo, embora a comunhão de todos os crentes constitua a Igreja
universal, não é à ecclesia universalis, em si, que Cristo deu o poder de chamar
e ordenar ministros, mas, pelo contrário, às igrejas locais (ecclesia particulaves),
conforme se deduz de M t 18.17-20; 1 Co 5.13; etc. Diz com razão o Tratado
sobre o Poder e o Primado do Papa ((g 67-69): "Pois onde quer que esteja a Igreja,
aí existe o direito de administrar o Evangelho. Razão por que é necessário que
a Igreja retenha o direito de chamar, eleger e ordenar ministros." (cf. ainda
Lutero, S. L., XVII, 1074s)
Pessoas individualmente ou corpos representativos podem chamar
ministros para outros, porém apenas se eles, diretamente ou por
consentimento, tacito consensu, receberem autorização para fazê-lo, daqueles
que possuem originalmente o direito de chamar, principaliter et immediate,
isto é, das igrejas locais.
Foram feitas várias objeções contra o direito exclusivo das congregações
locais de chamar os seus ministros, das quais podemos anotar as seguintes:
a. Não foram as igrejas locais, mas os apóstolos (Paulo, Barnabé, Tito) que
"constituíram presbíteros em cada cidade". (Tt 1.5; At 14.23) Responde
Lutero a essa objeção (S. L., XIX, 347): "Embora Paulo ordene a Tito
que eleja sacerdotes, não segue daí que Tito o tenha feito sozinho,
arbitrariamente, mas que, a exemplo dos apóstolos, os instalou
mediante votação do povo. D o contrário, as palavras de Paulo
colidiriam com o exemplo dos apóstolos."
Há razões ponderáveis para se crer e aceitar a explanação de Lutero. Em
primeiro lugar, o mesmo texto (At 14.23) sugere o chamado de presbíteros
por meio de voto popular (cheirotoneesantes, não constituebant) (Vulgata), mas,
pelo contrário, "srimmwahlen" (Meyer), havendo-os eleito por aclamação. Em
segundo lugar, era costume generalizado dos apóstolos (At 6.2-6) fazer toda a
Dogmática Cristã

multidão (yan to pleethos) eleger os ministros das igrejas por voto popular.
(Estêvão, Filipe, etc., At 6.5) Por esse motivo, concluímos corretamente que
o verbo cheirotoneoo (estender a mão para a frente, eleger por levantamento
das mãos, "durch Aufheben dev Hand abstimmen") tem esse sentido especial
tanto em At 14.23 como em 2 Co 8.19 ("o irmão foi também escolhido pelas
igrejas: cheirotoneetheis hypó toon ekkleesioon). Os apóstolos, por conseguinte,
não ordenaram presbíteros arbitrariamente, apenas por sua autoridade
apostólica (Loehe), mas com o consentimento expresso e mediante cooperação
ativa das igrejas locais.
b. Não foram as igrejas locais, mas Pedro quem recebeu o ofício das chaves.
(Mt 16.18,19) Esta objeção não procede, visto que Pedro, naquela
ocasião, não entrou em consideração como apóstolo ou chefe dos
apóstolos (yrimus inter pares), mas unicamente como crente seguidor
de Cristo, que deu profissão da verdade divina. (cf. M t 16.17) A pedra
@etra) sobre a qual Cristo construiu sua Igreja não é a pessoa de
Pedro (Petros), mas a confissão que Pedro fez como quem cria em
Cristo.
Lutero assim escreve: "Todos os cristãos são pedros em virtude da
confissão que Pedro faz aqui, a qual é a pedra sobre que se acham edificados
Pedro e todos os pedros." (Nota marginal a Mt 16.18) As "chaves do reino dos
céus" são os meios da graça, particularmente o Evangelho, que Cristo confiou
a todos os crentes. (1 Pe 2.9) E Chemnitz diz (Examen, 1667, p.223): "Lutero
ensinou da Palavra de Deus que Cristo deu e recomendou as chaves, isto é, o
ministério da Palavra e dos sacramentos, a toda a Igreja." Por isso, todos os
crentes são depositários dos meios da graça e possuem as chaves do Reino
dos céus.
c. As Confissões Luteranas ensinam que o ministério público decorre
diretamente do ofício dpostólico. Respondemos a isso que, bem
compreendida, a afirmação é correta; pois, embora os ministros
cristãos não sejam apóstolos no sentido em que foram os doze eleitos
(e Paulo), que, por divina inspiração, foram mestres infalíveis da
Palavra de Deus quer como pregadores, quer como escritores do
cânone do Novo Testamento, ainda assim o seu ofício, no que se
refere ao seu conteúdo e à sua eficácia, é precisamente o mesmo que
foi o dos apóstolos. Os ministros cristãos de hoje pregam a mesma
Palavra de Deus e administram os mesmos sacramentos que os
apóstolos. Esses meios da graça por eles empregados são precisamente
tão eficazes hoje como quando foram empregados pelos doze.
Não se trata de uma "construção dogmática", mas do ensinamento
expresso da Escritura Sagrada, pois, quando Cristo ordenou aos seus discípulos
que pregassem o Evangelho e administrassem os sacramentos (Mt 28.20; Mc
Do Ministéuio Público

16.15,16), especificou expressamente que o ministério da Palavra deveria


continuar "até à consumacão do século". Bem compreendido, vale dizer,
excluindo-se todos os erros romanistas e episcopais sobre este ponto (sucessão
apostólica) bem como as falsas noções dos luteranos romanizantes (Loehe,
Vilmar, Muenchmeyer, etc.), podemos dizer que o ministério público de hoje
é continuação do ministério dos apóstolos.
Podemos acrescentar que os próprios apóstolos consideraram seus colegas
ministros não-apostólicos, os presbíteros e bispos que com eles serviam às
várias igrejas, iguais em categoria e ofício. (1 Co 4.1s; 1 Pe 5.lss [lit.]: "Rogo,
pois, aos presbíteros (yresbyterous) que há entre vós, eu, presbítero como eles
(synpresbyteros)."
Ainda que isso seja verdade, também é verdade que as nossas Confissões,
em acordo com a Escritura Sagrada (Mt 18.17-20; 1 Co 5.13; Rm 16.17; 1 Pe
2.9), ensinam expressamente que o ofício das chaves pertence a toda a Igreja
e que os ministros cristãos possuem o seu ofício por virtude do chamado de
suas igrejas. Diz o Trutado sobre o Poder e o Primado do Papa, 67-69: "Pois onde
quer que esteja a Igreja, aí existe o direito de administrar o Evangelho. Razão
por que é necessário que a Igreja retenha o poder de chamar, eleger e ordenar
ministros. Esse direito é dom propriamente (86) dado à Igreja e que nenhuma
autoridade humana pode arrebatar à Igreja ... Por conseguinte, onde há Igreja
verdadeira, aí necessariamente existe o direito de elegrer e ordenar ministros ...
Para cá pertencem as sentenças de Cristo que atestam haverem as chaves
sido dadas à Igreja, não apenas a certas pessoas: "Onde dois ou três estiverem
reunidos em meu nome, etc". (Mt 18.20) Por último, também a sentença de
Pedro confirma isso: "Vós sois sacerdócio real." (92) Palavras essas pertinentes
à Igreja verdadeira, a qual, já que somente ela tem o sacerdócio, por certo que
possui o direito de poder eleger e ordenar ministros." Assim, enquanto todos
os ministros cristãos devidamente chamados são co-presbiteros"
(synpresbyteroi) dos bem-aventurados apóstolos (2 Jo 1; 3 Jo 1; 1 Co 3.5-9),
não são presbíteros e bispos (ministros, pastores) por "sucessão apostólica"
alguma n e m por nenhuma "autopropagação do estado clerical", mas
unicamente por virtude do chamado que receberam de suas igrejas. Apenas o
chamado divino que Ihes foi expedido de modo mediato pela congregação
local é que faz deles "co-presbíteros" dos apóstolos.

6. DA ORDENAÇAO
A ordenacão de ministros chamados não é instituição ou ordenação
divina, mas um ritual eclesiástico; pois, embora mencionada (At 14.23), não
é ordenada na Escritura. Por isso, classificamos acertadamente a ordenação
como adiáforo e afirmamos, com razão, que não é a ordenação, mas o chamado
que torna a pessoa ministro.
Dogmática Cristã

Lutero escreve (S. L., XVII, 114): 'Rimposição das mãos que abençoam
vem confirmá-lo e atestá-lo, tal como o notário e as testemunhas atestam
em assunto secular, e tal como o pastor, que abençoa o noivo, confirma o seu
matrimônio ou atesta que já antes se aceitaram reciprocamente e participaram
publicamente."
Também o Tuatado sobre o Poder e o Primado do Papa declarara que a
ordenação é apenas ratificação pública do chamado. Dizem (70): "Pois que
antigamente o povo elegia os pastores e os bispos. Depois vinha um bispo
dessa Igreja ou de uma vizinha, o qual, pela imposicão das mãos, confirmava
o eleito, e a ordenação outra coisa não foi senão essa aprovação."
Por esse motivo, a Igreja Luterana confessional não pratica a chamada
ordena620absoluta, isto é, a ordenação de uma pessoa que ainda não tenha recebido
chamado, uma vez que isso pode causar uma falsa impressão de que, pela
ordenação, a pessoa ordenada esteja sendo admitida a um "estado espiritual"(in
einen geistlichen Stand aukenommen) e feita um sacerdote consagrado, que seria
elegível para um chamado de uma congregacão exatamente por causa de virtudes
especiais conferidas a ela pela ordenação. (c£. Walther, Pastorale, p.65)
Não é preciso que se diga que também o direito de ordenação é um
direito de que estão originalmente investidas as igrejas locais, conforme o
declaram Os Artigos de Esmalcalde: "Pois onde quer que esteja a igreja, [...I é
necessário que a igreja retenha o direito de chamar, eleger e ordenar ministros."
De acordo com a doutrina católico-romana, só são ministros (sacerdotes)
cristãos os que são ordenados por bispos criados pelo papa, enquanto que são
ladrões e assassinos os pastores chamados e ordenados por congregações cristãs.
(Concílio de Trento, Sess. XXIII, Cân. 4) Do ponto de vista do papa, essa
doutrina anticristã é perfeitamente compreensível; pois, de acordo com o
ensinamento papista, o "sacramento" da ordenação confere, ex opere operato,
o Espírito Santo à pessoa ordenada e imprime-lhe um "caráter indelével"
(character indelebilis), que o transforma em sacerdote para sempre, mesmo
que, em virtude de pecados grosseiros, se torne indigno do sagrado ofício.
Isso, porém, não é tudo. Por ordenação, o sacerdote, segundo a doutrina
católico-romana, recebe ainda o poder sobrenatural de transubstanciar o pão
e vinho na Santa Ceia em corpo e sangue de Cristo e de apresentá-lo em
sacrifício pelos pecados dos vivos e dos mortos. (Concílio de Trento, de Sacram.
Ord., Câns. 1-8) É tão grande poder que nem mesmo os santos anjos ou os
maiores santos se têm como possuidores dele. Na verdade, esse poder é
superior mesmo ao da natureza humana de Cristo que, segundo alegam, tem
de obedecer à ordem do sacerdote, sempre que lhe diga que apareça na terra
para ser sacrificada pelos pecados dos vivos e dos mortos. A doutrina papista
da ordenação e da missa compreende, pois, afronta a Cristo e à sua santa
Palavra.
Do Ministério Público

Embora os episcopais não reconheçam o papa como vigário de Cristo


na terra, ainda ensinam que a ordenação é o único meio pelo qual se pode
transmitir a sucessão apostólica e, com ela, o ministério genuíno.
Por último, também os luteranos romanizantes, que consideram o
ministério u m "estado espiritual especial" (ein besonderer geistlicher Stand1 passível
de autopropagação, transformam o rito eclesiástico da ordenação em instituição
ou determinação divina. Esses luteranos romanizantes negam, de modo enfático,
que o ministro cristão recebe o seu ofício mediante o chamado da congregação,
muito embora essa doutrina seja claramente ensinada na Escritura.

7. O MINISTÉRIO
CRISTAO UM ESTADOESPIRITUAL
NÁO CONSTITUI
Chamamos a atenção para o fato de que também Lutero, em acomodação
ao usus loquendi, vez que outra fala dos ministros, isto é, dos que "servem em
ofícios eclesiásticos" (S. L., X, 423ss), como de "sacerdotes", de "espirituais"
(Geistliche), de u m "estado espiritual", etc. Todavia, declara que o emprego
desses termos não só não tem fundamento na Escritura Sagrada, como
também é enganoso, visto que, em acordo com as Sagradas Escrituras, todos
os cristãos são "ungidosJ' (1 Jo 2.27), "espirituais" (C1 6.1), "casa espiritual" e
"sacerdócio espiritual". (1 Pe 2.5,9) "Alle Christen sind wahrhafi heistliclzen
Stands, und ist unter ihnen kein Unterschied denn des Amnts halber allein."
("Todos os cristãos realmente pertencem ao estado espiritual, e não há entre
os mesmos diferença alguma além da que se refere unicamente ao ofício.")
Lutero, além disso, declara que o Espírito Santo no Novo Testamento
tem o cuidado de evitar a aplicação do nome sacerdote (sacerdos) aos apóstolos
ou aos seus cooperadores, enquanto que aplica o termo a todos os cristãos
batizados. Diz ele (S. L., XIX, 1260): "Nenhum dentre nós [re] nasce no
Batismo apóstolo, pregador, professor, pastor, mas todos igualmente nascemos
sacerdotes e padres; por isso, tomam-se desses nascidos padres e se os chama
e elege para esses ofícios, os quais devem exercer tal ofício por incumbência
de todos nós." Desse modo, Lutero rejeita a opinião errônea de que os ministros
ou pastores constituam um "estado espiritual".
A posição de Lutero está em estrita conformidade com o ensino das
Sagradas Escrituras, porque a Escritura não descreve os presbíteros e bispos
como "espirituais" de preferência a outros, mas como ministros (servos) dos
crentes (ministrantes inteu Christianos). (2 Co 4.5) É verdade que todos os pastores
são também servos de Cristo e de Deus (1 Co 4.1; Tt 1.7; 2 T m 2.24; Lc 12.42);
todavia, são isso unicamente como ministros da Igreja ou porque a Igreja os
chamou para "ministros de Cristo e despenseiros dos mistérios de Deus".
Lutero escreve sobre isso (S. L., X, 1590): "Paulo diz-se também servum,
isto é, servo; também mais de uma vez declara: 'Servio in Evangelio', sirvo no
evangelho. Ele o faz, não para em toda a parte estabelecer u m estado ou uma
Dogmática Cristã

ordem, u m direito ou certa dignidade, como quer a nossa gente, mas


unicamente para enaltecer o ofício e a obra e fazer que o direito e a dignidade
do sacerdócio continuem na congregação".
Semelhantemente diz o Dr. Walther (Kirche und Amt, p.221): "O
ministério da pregação não constitui u m estado especial, mais santo, formando
contraste com o cristianismo comum, como o sacerdócio levitico, mas um
ofício de serviços."
Por esse motivo, as igrejas também têm o direito e o dever de vigiar no
ministério dos seus pastores e professores (C1 4.17) e demiti-los no caso de se
recusarem a pregar a Palavra de Deus em sua verdade e pureza e ornamentá-
Ia com uma vida santa. (C1 4.17; Jo 10.5; M t 7.5; Rrn 16.17,18). (cf. Lutero,
S. L., X, 1591)
0 s ministros conservam o seu ofício apenas enquanto exercem as
funções do ministério público que receberam mediante o chamado.
Ao descrever a maneira em que os ministros chamados recebem da
congregação o seu ofício divino, nossos dogmáticos empregaram o verbo
transmitir (iibertragetz, demandare, deferre, comittere). Disseram: "Pelo chamado,
a congregação cristã transmite o ministério público a pessoas habilitadas."
Não se deve condenar o termo como reprovável; pois exprime a verdade
bíblica de que a congregação é a "fonte de todo o pode; da r reja" (Hase: "der
Que11 aller Kiychengewalt"), em virtude do ofício das chaves que Cristo deu à
sua Igreja, e que os pastores exercem o ministério público unicamente em
nome e por autorização da congregação. Os que se opõem ao termo têm
razões para se examinar para ver se concordam plenamente com a doutrina
biblica do ofício das chaves. (cf. Christl. Dogmatik, 111, 522s)
Com respeito ao poder que os pastores cristãos possuem em virtude do
seu chamado, dizem nossos dogmáticos que todo poder que têm na qualidade
de ministros é-lhes transmitido ou delegado pela congregação, de modo que a
sua jurisdição é limitada pelo chamado.
O poder do ministério (potestas ininisterialis) compreende a) o poder de
pregar o Evangelho e administrar os sacramentos (potestas ordinis) e b) o de
remitir e reter pecados (potestas clavium, potestas iurisdictionis).
O pastor não deve administrar o poder de excomunhão, não o deve
sem a congregação. ( M t 18.17,18; 1 Co 5.13) É função do pastor guiar
devidamente a congregação n o julgamento de cada caso e, se o pecador
submetido à disciplina se revela impenitente, deve tornar isso público e, como
servo da Igreja, declarar publicamente o que a congregação decidiu fazer. (1
C0 5.1-7,13)
No entanto, se o pecador se arrepende, é dever do pastor insistir para
que a congregação lhe perdoe (2 C o 2.6-11) e, e m seguida, declarar
Do Ministério Público

publicamente a absolvição da congregação. A excomunhão que o ministro


executa contrariamente à Palavra de Deus e sem a congregação, Lutero a
chama "excomunhão de mentira". (cf. S. L., XIX, 950s)

Considerando que o ofício pastoral é o ministério da Palavra divina


(ministerium Verbi et sacramentorum, Gnadentnittelamt, potestas clavium), todos
os crentes devem obedecer aos seus pastores do modo como obedecem ao
próprio Deus. (Hb 13.17; Lc 10.16) Assim, enquanto os pastores são legítimos
ministros da Palavra, sua autoridade (potestas) é tão grande quanto a da Palavra
de Deus. Todavia, a partir do momento em que vão além da Palavra de Deus
e ensinam mandamentos humanos, já nenhuma autoridade têm, e os seus
ouvintes devem recusar-lhes obediência por motivos de consciência. (Mt 23.8;
Rm 16.17)
Adiáforo (res mediae), isto é, coisas que não são ordenadas nem proibidas
pela Palavra de Deus, não deve ser decretado pelo pastor, mas por toda a
congregação com mútuo consentimento (per mutuum consensum).
Contrariamente à alegação dos papistas de que os leigos devem obedecer
aos seus sacerdotes em todas as coisas, a Apologia declara corretamente (Art.
XXVIII, 19. 20): "[ ...I outra palavra do céu: 'Quem vos der ouvidos, ouve-me
a mim' não pode ser entendido como referindo-se a tradições. Pois Cristo
exige que ensinem de feição que ele mesmo seja ouvido, porquanto diz: 'ouve-
me a mim'. Quer, portanto, que seja ouvida sua própria voz, sua própria
Palavra, mas não tradições humanas. De sorte que uma palavra que nos
favorece muito especialmente e contém a mais importante doutrina e
consola~ãoé pervertida por aqueles asnos, que a entendem como referindo-
se a coisas desimportantíssimas: às distinções de comidas, vestes e quejandas.
Também citam esta passagem: 'Obedecei aos vossos cabeças.' (1160)
Essa passagem requer obediência ao Evangelho. Pois não estabelece um domínio
para os bispos à parte do Evangelho. Não devem os bispos estabelecer tradições
contrárias ao Evangelho, ou interpretar suas tradições contrariamente ao
Evangelho. Quando fazem isso, é proibido obedecer-lhes, segundo o texto:
'Se alguém prega outro Evangelho, seja anátema.'" (1161)
De modo que o ministro não dispõe de nenhum poder ou jurisdição
(iure divino) fora do seu chamado e ofício. Sua autoridade limita-se à potestas
clavium (ao ofício das chaves, Schlusselgewalt).

9. A RELAÇÁO DOS MINISTROS CRISTÁOS ENTRE SI


Por causa das diferentes categorias e ordens que o papado criou
contrariamente à Palavra de Deus (a hierarquia católico-romana), faz-se
Dogmática Cristã

necessário dar ênfase à verdade escriturística de que os ministros cristãos são


iguais em categoria e dignidade. (Mt 23.8; 1 Pe 5.1) Assim como os pastores
cristãos não têm poder sobre as suas congregações além do que Deus Ihes
conferiu na qualidade de ministros da Palavra, também, por direito divino,
(iure divino) não t ê m poder algum sobre os seus co-ministros. Todas as
categorias que existem na Igreja são exclusivamente de direito humano (iure
humano).
Sobre esse ponto escreve Lutero: "Nem o papa é superior aos bispos,
nem o bispo é superior aos presbíteros, por divino direito." Essa é doutrina
bíblica legítima.
A imitação dos romanistas, também os episcopais e outras corporações
protestantes romanizantes perverteram a doutrina bíblica concernente à
igualdade entre os ministros cristãos.
Quanto aos termos presbíteros (presbyteroi) e bispos (epískopoi), a Escritura
não faz diferença alguma, porém chama as mesmas pessoas por ambos os
nomes. (At 20.17,28; T t 1.5, 7)
A proibição de Paulo aos cristãos que não se façam servos as pessoas (1
Co 7.23) aplica-se também a toda tentativa de estabelecer-se autoridade
humana (Menschenknechtschafi) na Igreja por inauguração de hierarquia. (cf.
Christl. Dogmatik, 111, 5 2 4 s )

10. O MINISTÉRIO
PÚBLICO
É O OFICIO
SUPREMO
NA IGREJA
Lutero volta sempre, em seus escritos, à idéia de que o ministério público
(Pfarramt) é o ofício supremo da Igreja. Ele, todavia, mostra também por que
se deve considerar o ofício do pastor cristão mais elevado.
E supremo por causa da Palavra de Deus que o ofício ensina e aplica.
Lutero diz (S. L., X, 1592): "Quando se outorga a alguém o ministério da
Palavra, também se lhe outorgam todos os ofícios que se exercem na Igreja
pela Palavra, a saber, o poder de batizar, abençoar [administrar a Santa Ceia,
X, 15761, ligar e desligar, orar, julgar ou decidir. Pois o ofício da pregação do
Evangelho é o maior de todos, porquanto é o ofício apostólico genuíno, que
lança as bases para todos os demais ofícios, os quais compete edificar sobre o
primeiro, como sejam: os ofícios dos professores, dos profetas, dos governantes
e dos que têm o dom de curar." (cf. ainda X, 1547)
Acerca dos bispos que, segundo 1 T m 3.5, devem ter cuidado da Igreja
de Deus, escreve Lutero (S. L., XII, 338): "Estes são, pois, os que devem
supervisionar todos os demais ofícios a ver que os professores cuidem do seu
ofício, não sejam negligentes, a ver que os diáconos repartam devidamente
os bens e não sejam desleixados" Ainda (X, 1548): "Ao que se incumbe o
ministério da pregação, incumbe-se o supremo ofício da cristandade: o mesmo
Do Ministério Público

pode, conseqüentemente, batizar, administrar a missa [Santa Ceia] e exercer


toda a cura de almas; ou então, se não quiser, pode restringir-se unicamente
à pregação e deixar para outros o batizar e outros ofícios secundários
(Unteuamter), tal como fizeram Cristo e Paulo e todos os apóstolos (Atos 6)."
Assim como Lutero, também a Igreja Luterana confessional ensina que
o ministério público (o ofício pastoral) é o ofício supremo na Igreja, visto que
gira em torno da Palavra, que é o dom supremo de Cristo à Igreja. (cf. Dr.
Walther, em torno da proposição: "O ministério da pregação - o ofício supremo
na Igreja, do qual decorrem todos os demais ofícios." Kiuche und Amt, p.342ss)

11. D o ANTICRISTO
As Sagradas Escrituras empregam o termo anticristo, tanto em sentido
lato, como restrito. Empregado em sentido lato, o termo designa todos os
docentes que solapam a Palavra de Deus com doutrinas humanas. (1 Jo 2.18)
Todos os falsos doutores devem ser considerados anticristos (antíchristoi,
adversários de Cristo), uma vez que nosso Senhor insiste em que não se
ensine, na Igreja, nenhuma doutrina além da contida nas Sagradas Escrituras.
(Mt 28.20; Jo 8.31,32; 17.20; 5.39; Rm 16.17; 1 Pe 4.11; 1 T m 6.3s~;2 T m
3.15-17; 2 Jo 10; Ap 22.18,19) Todos quantos desconsideram essa ordem divina
são rebeldes e adversários de Deus. (Lc 11.23)
Em sentido restrito, o termo antichuistos designa, porém, o grande
Anticristo, cuja vinda é predita em 2 Ts 2.3-12. Em Jo 2.18, faz-se cuidadosa
distinção entre esse Anticristo kat exocheen, e os "muitos anticristos", e sua
aparição figura como sinal dos últimos tempos. Nele culmina o
anticristianismo. (2 Ts 2.7s)
Visto que as Sagradas Escrituras retratam o Anticristo como o iníquo,
de quem todos os crentes devem se acautelar e a quem podem, por
conseguinte, conhecer (2 Ts 2.8), cumpre-nos considerar diligentemente os
característicos com os quais a profecia divina o assinala. São os seguintes,
segundo 2 Ts 2.3-12, estes característicos inconfundíveis:
a. A apostasia (hee apostasia). Paulo demonstra claramente, em 2 Ts
2.10-12, que não se deve tomar essa apostasia em sentido político
(comunismo e anarquia; o aparecimento de soberanos despóticos),
conforme alguns opinaram erroneamente, mas em sentido espiritual
ou religioso. A apostasia é causada pela "operação do erro", cujo
resultado consiste em que os homens crêem a mentira e são
condenados por sua incredulidade. É, portanto, apostasia de Cristo
e de sua Palavra. (2 Ts 2.4)
b. O "assentar-se no santuário de Deus". (2 E 2.4) A grande apostasia de
Cristo e do Evangelho não sucede fora, mas no seio da Igreja; pois o
Dogmática Cristã

"santuário de Deus" é a Igreja. (1 Co 3.16s~;1 T m 3.15; 2 T m 2.20)


A grande apostasia que o Anticristo ocasiona não consiste, portanto,
na difusão do paganismo ou de cultos anticristãos, mas em apostasia
dentro da Igreja visível. Por essa mesma razão, também se chama "o
mistério da iniquidade" (mysteerion tees anomias, v. 7), isto é, uma
ilegalidade que se dissimula com palavras e formas piedosas. Essa
ilegalidade não é apenas temporária, mas permanente; pois o
Anticristo continuará assentado no santuário de Deus até a segunda
vinda do Senhor. (v. 8)
c. O opor-se e levantar-se contra tudo que se chama Deus. O Anticristo,
que está assentado no santuário de Deus, se manterá em constante
oposição a Deus e à sua Palavra, reclamando para si a autoridade
suprema em religião ("ostentando-se como se fosse o próprio Deus",
v. 4). Sob o reinado do Anticristo, a Igreja não obedece nem a Cristo
nem ao seu Evangelho, mas faz somente o que o Anticristo, com
sua pretensa autoridade divina, exige. Todos quantos se acham sob
o seu governo são obrigados a se submeter a ele, não a Deus.
d. A eficácia de Satanás no Anticristo. Embora o Anticristo não seja o
próprio Satanás, o seu "aparecimento é segundo a eficácia de Satanás
(kat' energeian tou satana, v. 9); isto é, ele se apresenta pela operação
insidiosa, astuta e iníqua de Satanás e se mantém na Igreja pelo
poder de Satanás; porque, com a ajuda de Satanás, está em condições
de exercer "todo o poder, e sinais, e prodígios de mentira". (v. 9) O
complemento da mentira acompanha, em nossa tradução (grego:
pseudous), os três substantivos: poder, sinais, prodí@os. Assim como
o Anticristo ensina doutrina de mentira, também realiza obras
mentirosas. Sua norma fundamenta-se, pois, em sua habilidade,
operada por Satanás, para enganar as pessoas por todas as modalidades
de mentira.
e. O seu revelado e destruído o Anticristo pelo sopro da boca do Senhor (to0
pneumati tou stómatos autou, v. 8). O Anticristo permanecerá ignorado
por muitos ("mistério da iniquidade", v. 7). Todavia, a seu tempo,
será revelado e vencido pela pregação da Palavra de Deus. Isso,
contudo, não significará o fim de seu reinado; porquanto o mesmo
Senhor o "destruirá" (katargeesei, anulará, dará cabo dele) "pela
manifestação de sua vinda". (v. 8) Vale dizer: o reinado do Anticristo
continuará até o dia do juízo final.
f. A vinda e o reinado do Anticristo são a manifestação da ira de Deus para
com todos os que "não acolheram o amor da verdade para serem
salvos". (v. 10) Sua vinda traz, pois, a condenação de muitos (v. 12)
e, dessa maneira, prefigura a ira condenatória de Deus no dia do
juízo. (v. 3)
Do Ministério Público

Nós percebemos todos esses característicos, não em enganadores


individuais (Ario, Maomé) nem em tiranos individuais (Nero, Napoleão), mas
n o papado. No seio da Igreja exterior de Cristo, acha-se a grande apostasia
(apostasia), a saber, a rejeição da Escritura Sagrada como única fonte e norma
de fé e da doutrina central da religião cristã, o sola fide, "que tão só gera,
nutre, edifica, mantém e defende a Igreja de Deus e sem a qual ela não pode
existir ainda que por uma hora". (Lutero; S. L., XI\í 168)
Na Igreja do Anticristo, é anatematizada a doutrina da justificação pela
graça mediante a fé, e os seus defensores cristãos são condenados comohereges
e anticristos. (Concílio de Trento, Sess. VI, Câns. 11. 12. 20)
Além disso, o ímpio opositor de Cristo faz obras, sinais e prodígios da
mentira e "com todo o engano de injustiça" e com "a operação do erro" seduz
almas incontáveis para a condenação. (G1 3.10; 5.4)
Aí, também, encontramos a maior apostasia, dissimulada com
demonstração exterior de piedade, a mais consumada hipocrisia, encoberta pelo
manto do discipulado, e o ódio mais perverso contra Cristo e seu bendito
Evangelho, oculto sob os presunçosos nomes de "vigário de CristoJ', "vice-
regente de Cristo", etc.
Ai, no seio da Igreja Cristã, deparamos o mais crasso paganismo (o culto
aos santos e às imagens, a justiça das obras) e o implacável derramamento do
sangue inocente de milhares de mártires que, em verdadeira fé e zelo cristãos,
se opuseram a esse paganismo anticristão.
Aí encontramos a revelação e destruição do Anticristo pelo sopro
(espírito) da boca do Senhor, vale dizer, a estigmatização do papa como
Anticristo pela Reforma Luterana.
Aí, por fim, deparamos aquele arrogante orgulho em face de todos os
governos existentes que é característico genuíno do Anticristo, o homem do
pecado e o filho da perdição, que "se levanta contra tudo que se chama Deus".
É, pois, com razão que nossas Confissões Luteranas declaram que o
papa em Roma é o Anticristo. "E as notas do Anticristo claramente concordam
com o reino do papa e seus membros. Pois que Paulo, em Tessalonicenses, ao
descrever o Anticristo, lhe chama 'adversário de Cristo, que se exalta sobre
tudo que se chama Deus ou se adora como Deus, e se assenta no templo de
Deus como se fosse Deus.' (63) Fala, portanto, de alguém que reina na Igreja,
não de reis gentílicos, e a ele chama 'adversário de Cristo', porque haverá de
excogitar doutrina que pugne com o Evangelho e arrogar-se-á autoridade
divina." (Tratado sobre o Poder e o Primado do Papa; Livro de Concórdia 352.39)
Outrossim (p.517, 5 41): "Assim sendo, todos os cristãos devem
acautelar-se com a maior diligência de se tornarem participantes desta ímpia
doutrina, blasfemaçáo de Deus e crueldade injusta; devem, aliás, apartar-se
Dogmática Cristã

do papa e seus membros ou adeptos como do reino do Anticristo e amaldigoá-


to, conforme o ordenou: 'Acautelai-vos dos falsos profetas.' Paulo manda que
se evitem e amaldiçoem esses pregadores como abominação. Lemos em 2 Co
6.14: "Não vos ponhais em jugo desigual com os incrédulos; porquanto, [...I
que comunhão, da luz com as trevasc etc." (cf. também Lutero, S. L., XVII,
2191; XVIII, 1529ss)
A doutrina de nossa Confissão: "papam esse ipsum verum antichristum"
(Os Artigos de Esmalcalde; Livro de Concórdia, p.321, § 10) tem sido negada sob
a alegação de que, em 2 Ts 2.3-12, o apóstolo não estaria falando de um sistema
de ensino, mas de um enganador individual. Essa objeção, todavia, não tem
cabimento, visto Paulo aqui descrever o "mistério da iniqüidade" que já operava
em seu tempo e que permanecerá até o fim dos séculos. (w. 7.8)
Se os teólogos protestantes modernos deixam de reconhecer que o papa
em Roma é o Anticristo, isso ocorre porque eles mesmos não compreendem
quão abominável é rejeitar a Palavra de Deus como única fonte e padrão da fé e
anatematizar a doutrina da justificação pela fé. Visto que o papado destrói o
artigo centraI da fé cristã, sua adesão ao Credo Apostólico não passa de uma das
muitas mentiras com as quais engana os incautos. A essas mentiras pertencem,
também, as muitas "boas obras" de que se vangloria. Diz Lutero com razão (S. L.,
XVIII, 1530): "O papado é um reino que destrói a fé e o Evangelho."
A pergunta sobre se os papas poderiam pessoalmente crer em Cristo,
dificilmente se poderá responder pela afirmativa, uma vez que todo papa é o
cabeça de um culto anticristão que anatematiza oficial e permanentemente
o artigo da justificação pela fé. Também os "papas piedosos" pertencem aos
"prodígios da mentira" com que Satanás engana os que não amam a verdade.
Embora a doutrina acerca do Anticristo não seja ensinamento
fundamental da Escritura, visto que ninguém se salva pelo fato de que
reconhece o Anticristo, ainda assim não o devemos considerar de pouca
importância, uma vez que Deus nos transmitiu esta verdade para ensinar e
redargüir. (2 T m 3.16) Como Paulo preveniu seus ouvintes contra o Anticristo,
assim, hoje, os ministros cristãos devem prevenir os seus ouvintes contra ele.
(2 Ts 2.3,5) Disso resulta que o fato de um ministro alegar que é incapaz de
reconhecer o Anticristo revela fraqueza e estupidez no discernimento cristão
de que, de modo nenhum, se poderá orgulhar. (2 Ts 2.13-15)
Se crentes com discernimento reconheceram no papa o Anticristo
mesmo antes da Reforma (Savonarola, Huss, Wyclif), tanto mais nós o
devemos fazer, visto que Deus revelou o iníquo por sua obra da Reforma,
pela qual restaurou, na sua Igreja, as Sagradas Escrituras como única fonte da
fé (o princípio formal da Reforma) e a justificação pela graça mediante a fé
como única esperança do pecador para a salvação (o princípio material da
Reforma). Lutero: "Deus impleat vos odio Papae! "
A doutrina da eleição eterna tem sido tratada por nossos dogmáticos
em diferentes lugares nos seus tratados de dogmática (em conexão com a
doutrina da graça divina - Quenstedt, Hollaz; ou com a da salvação em Cristo
- Baier). Se a doutrina da eleição é ensinada em sua verdade escriturística,
não importa o lugar onde se apresenta num tratado de dogmática.
Ainda assim, visto a doutrina da eleição não ser um artigo de fé central,
mas ter sido dado, precipuamente, para consoIação dos crentes, e visto também
que, conforme observa a Fórmula de Concórdia (Epít., XI, l l ) , "Quem se ocupa
assim com a vontade revelada de Deus e segue a ordem observada por São
Paulo na Epístola aos Romanos, o qual primeiro orienta os homens ao
arrependimento, ao conhecimento dos pecados, à fé em Cristo, à obediência
a Deus, antes de falar do mistério da eterna eleição de Deus." Assim,
preferimos situá-la depois da discussão das doutrinas do pecado e da graça, do
arrependimento e da fé, de sorte que o estudioso possa considerá-la, tendo
bem presentes todos os fatos e as consoladoras promessas do Evangelho.

1. DEFINIÇAO
DO TERMO
O ensinamento central das Escrituras é a doutrina confortadora da graça
de Deus em Cristo Jesus para com a humanidade caída e perdida. (Rm 3.23,24;
Ef 2.8,9) O cristão deve a sua conversão, justificação, santificação e
conservação na fé a essa graça divina. (2 T m 1.9; T t 3.7; 1 Co 15.10) É a
doutrina do sola gratia, que a BíbIia ensina de maneira tão nítida e consoladora.
As Sagradas Escrituras acrescentam a essa doutrina a verdade confortadora
que toda e qualquer bênção espiritual que Deus concede aos crentes no tempo,
ele, em sua graça infinita, desde a eternidade, determinou conceder. Assim,
também encontramos na Escritura a doutrina da eterna eleição.
A doutrina da eleição pode ser resumida nas palavras: A eleição é o ato
eterno de Deus a respeito de todos os que se salvam, pelo qual, movido
unicamente por graça e por amor de Cristo (Praedestinatio gratuita et libera
est), Deus se propôs dotá-los, no tempo, das bênçãos espirituais da conversão,
justificação e conservação para a vida eterna. Essa definição abrange todas as
verdades divinas que a Escritura apresenta em conexão com a doutrina da
eleição eterna.
Dogmática Cristd

A doutrina da eleição gravita em torno da mensagem consoladora de


que Deus determinou graciosamente, desde a eternidade, toda e qualquer
bênção espiritual que os santos de Deus recebem no tempo. (2 T m 1.9; At
13.48; 2 Ts 2.13,14; 1.3-6; Rrn 8.28-30)
É, portanto, à eleição eterna da graça de Deus ou ao seu gracioso
propósito (kát idian próthesin kai clarin), sem qualquer consideração para com
as obras dos crentes ("não segundo as nossas obras"), que a Escritura atribui a
sua vocação ou chamado. (2 T m 1.9) A Escritura atribui a sua fé à graciosa
eleição de Deus. (At 13.48: "E creram todos os que haviam sido destinados
para a vida eterna", hosoi eesan tetagunenoi eis zooeen aioonion). A Escritura atribui
à graciosa eleição de Deus o "alcançarem a glória do Senhor Jesus Cristo." (2
Ts 2.13,14: "Porque Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação", hoti
heilato hymas ho theós ap'archees eis sooteerian). A Escritura atribui à graciosa
eleição de Deus ("Assim como nos escolheu nele antes da fundação do
mundo", kathoos exeléxato lieemas en autoo pro katabolees kosmou) "toda sorte
de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo", com as quais Deus
dota os crentes no tempo. (Ef 1.3-6) A Escritura atribui à graciosa eleição de
Deus (tois katá próthesin kleetois) o fato confortante de que todas as coisas
cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados,
justificados e glorificados, porque Deus os predestinou (hous de prooorisen
toutous kai ekálesen). (Rm 8.28-30)
Dessa maneira, as Sagradas Escrituras fazem todas as bênçãos espirituais
da conversão, justificação, santificação e conservação, voltarem à eleição
eterna da graça de Deus em Cristo Jesus. Nesta vida e na vida futura, os
crentes nada recebem além do que Deus já determinou dar-lhes antes da
fundação do mundo, em seu Filho amado. O Fiel remanescente (to limma) em
Israel é um "resto segundo a eleição da graça" (kai eklogeen cháritos). (Rm
11.5)
A fim de que ninguém duvide de que esta eleição sucede inteiramente
por graça e de modo nenhum por obras, o apóstolo acrescenta: "E, se é pela
graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça." (Rrn 11.6)
Realmente, demonstra que Israel, que procurava a salvação pelas obras, não a
obteve; pois escreve: "O que Israel busca, isso não conseguiu; mas a eleição o
alcançotr (hee de eklogee epétychen); e os mais foram endurecidos." (Rm 11.7)
As obras dos crentes não constituem causa meritória de sua eleição da
graça; porquanto o apóstolo declara: "E ainda não eram os gêmeos nascidos
[Jacó e Esaú], nem tinham praticado o bem ou o mal (para que o propósito de
Deus, quanto à eleição, prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama
- lzina hee kat'eklogeen próthesis tou theou nzenee, ouk ex ergoon, all'ek tou
kalountos), já fora dito a ela: O mais velho será servo do mais moço." (Rm
9.11,12)
Da Eleição Eterna ou Puedestinagão

A Escritura atribui, tão definitiva e inconfundivelmente, todas as


bênçãos espirituais e celestiais dos crentes à eleição eterna de Deus em Cristo,
que nenhuma dúvida pode restar com respeito a essa verdade.
A Fórmula de Concórdia reconhece esse fato em todo o seu teor
escriturístico, ao escrever (Epít. XI, 5): 'Rpredestinação ou eterna eleição de
Deus, entretanto, diz respeito apenas aos piedosos, agradáveis filhos de Deus,
sendo a causa da salvação deles, a qual ele também provê e ordena o que a ela
pertence. Sobre ela nossa salvação se fundamenta de maneira tão firme, que
"as portas do inferno não prevalecerão contra ela." (147)
É preciso, portanto, que se tenham em mente duas verdades básicas,
sempre que se considere o artigo da eleição eterna da graça:
a. A eleição eterna da graça de Deus não se realizou em consideração à
prevista fé final do homem (eletio intuitu fidei finalis), mas, pelo
contrário, abrangeu esta fé conjuntamente com todo o plano da
salvação (ordo salutis, media salutis), como seja a conversão, a
justificação e a conservação final. O cristão não é, por conseguinte,
eleito por causa de sua fé prevista (ex praevisa fide finali). Ao contrário,
tornou-se crente no tempo por causa de sua eleição eterna para a
salvação. A pessoa é conduzida à fé salvadora no tempo precisamente
porque Deus, desde a eternidade, a elegeu graciosamente para a
salvação. (At 13.48; Ef 1.3-6; Rm 8.28-30)
Assim também testifica a Fórrnula de Concórdia (Decl. Sól. XI, 8): "A eterna
eleição de Deus, porém, não só prevê e sabe antecedentemente a salvação
dos eleitos, mas, por graciosa vontade e beneplácito de Deus em Cristo Jesus,
também é causa que cria, opera, ajuda e promove a nossa salvação e tudo o
que a ela pertence."
O que a Fórmula de Concórdia quer dizer com as palavras "a causa que
cria, opera, ajuda e promove a nossa salvação e tudo o que a ela pertence", ela
mesma explica mais adiante, ao dizer (Ibid., 14): "A doutrina inteira do
propósito, conselho, vontade e ordenação de Deus concernente à nossa
redenção, vocação, justificação e salvação deve ser tomada em conjunto."
Isso, por sua vez, conforme demonstra a Fórmula de Concórdia, significa
que "Deus ordenou em seu propósito e conselho: 1. Que a raça humana na
verdade Foi redimida e reconciliada com Deus por intermédio de Cristo. 2.
Que esse mérito e benefícios de Cristo nos devem ser apresentados, oferecidos
e distribuídos por intermédio de sua Palavra e sacramentos. 3. Que quer ser
eficaz e ativo em nós com seu Espírito Santo pela Palavra e converter os
corações a arrependimento verdadeiro e iluminá-los na fé verdadeira. 4. Que
quer justificar e receber, graciosamente, na adoção de filhos e na herança da
vida eterna, todos os que em arrependimento genuíno recebem a Cristo
mediante fé verdadeira. 5. Que também quer santificar no amor os assim
Dogmática Cristã

justificados. 6. Que, outrossim, quer protegê-los em cruz e tentação. 7. Que


também quer fortalecer e multiplicar neles a boa obra que ele começou, e
preservá-los até o fim, contanto que se atenham à Palavra de Deus, orem
diligentemente, permaneçam na bondade de Deus e usem com fidelidade os
bens recebidos. 8. Que, finalmente, quer salvar e glorificar para sempre, na
vida eterna, os que elegeu, chamou e justificou." (Ibid., 14-22).
A eleição eterna da graça de Deus compreende, assim, todo o plano da
salvação (ordo salutis) pelo qual o pecador é conduzido à fé e mantido nela
até o fim. (Rm 8.28-30)
b. Com respeito à doutrina da eleição, certamente erram todos quantos
rejeitam o sola gratia e, dessa forma, ensinam que o pecador não é
salvo (é eleito e convertido) apenas pela graça, mas também por
alguma boa qualidade ou dignidade dentro dele (aliquid in homine;
aliqua causa discriminis) que Deus previu e, em virtude da qual, o
elegeu (sinergismo). Erram também com respeito a essa doutrina
aqueles que ensinam que a eleição eterna da graça de Deus consistiu
unicamente na designação dos meios da graça (ordinatio mediorunz -
a eleição em sentido lato, sentido em que a empregaram os que, nessa
doutrina, estão enganados).
Enquanto que a Fórnzula de Concórdia declara claramente que a eleição
eterna da graça de Deus abrange o plano da salvação (ordo salutis; media salutis),
afirma com ênfase que a eleição eterna da graça não consistiu apenas em
predestinação dos meios de salvação, mas "de toda e qualquer pessoa dos
eleitos que devem ser salvos por meio de Cristo".
Diz nossa Confissão (Ibid., 23): "Nesse seu conselho, propósito e
ordenação, Deus não só preparou a salvação em geral, como também
graciosamente considerou e elegeu para a salvação as pessoas dos eleitos -
cada qual e todas - que devem ser salvas por Cristo. E também ordenou que,
da maneira que acabamos de mencionar, ele quer, por sua graça, dons e
operação, fazê-los chegar a isso, ajudar, promover, fortalecer e conservar."
Dizemos, por isso com razão, que a eleição eterna da graça de Deus é
predestinação de pessoas que devem ser salvas mediante a fé, pelos meios da
graça. (1 Pe 1.1:eklektois parepideemois)
Sumariando todos os pontos de importância que possam ser
considerados sob o título "Definição do Termo", podemos dizer: A eleição da
graça é eleição de pessoas (Personenwahl), não eleição dos meios da salvação
(ordinatio mediorum). Também não é ordenação da ordo salutis ou divino decreto
de que todos quantos perseverem na fé até o fim serão salvos. (Ef 1.4; 2 Ts
2.13; M t 24.24) A eleição não é de caráter geral (erro de Huber), mas particular.
(Ef 1.4; M t 20.16) É eleição de indivíduos (Einzelwahl), o que é preciso se
manter contra todos quantos ensinam que a eleição não diz respeito a pessoas
Da Elei~ãoEterna ou Predestinação

individuais, mas à Igreja em geral. (Ef 1.4) Não compreende os crentes


temporários, mas apenas os que efetivamente obtêm a salvação eterna. (Mt
24.24; Rrn 8.28-30)

2. COMOOS CRENTES
DEVEM
CONSIDERAR
A SUA ELEIÇÃO
A Fórmula de Concórdia insiste em que todos os crentes "pensar ou falar
correta e proveitosamente da eterna eleição ou predestinação e ordenação dos
filhos de Deus para a vida eterna (Ibid., 13); pois, "se alguém apresenta a
doutrina da graciosa eleição de Deus de modo que cristãos perturbados não se
possam consolar nela, sendo, ao contrário, levados por ela ao desespero, ou de
feicão que os impenitentes sejam fortalecidos em sua voluntariosidade, então é
indubitavelmente certo e verdadeiro que aquela doutrina não está sendo
praticada segundo a palavra e vontade de Deus, porém consoante a razão e a
instigação do abominável diabo." (Ibid., 91)
Visto que Satanás deseja induzir as almas ao desespero ou à segurança
carnal também mediante falsa aplicação da doutrina da graciosa eleição de
Deus, a Fórmula de Concórdia faz a todos os crentes esta advertência: "Devemos
acostumar-nos a não especular em torno da nua, secreta, oculta e inescrutável
presciência de Deus, senão que devemos meditar o conselho, propósito e
preordenaçáo de Deus em Cristo Jesus, que é o genuíno e verdadeiro livro da
vida." (Ibid., 13)
O próprio Lutero queixa-se de que a doutrina da eleição eterna o encheu
de terror, enquanto teve idéia incorreta e inútil acerca da mesma. (S. L., 11,
182) Posteriormente, contudo, depois de aprender a compreender o Evangelho
da livre graça de Deus em Cristo Jesus, a doutrina da eleição proporcionou-
lhe consolo permanente.
De que ponto de vista devem, pois, os crentes considerar a eleição< De
um cuidadoso estudo de todas as passagens afins depreende-se claramente
que os santos apóstolos são coerentes no emprego da doutrina da eleição
com a finalidade distinta de confortar os crentes. Na maneira em que
apresentam essa doutrina, ela nunca aterroriza, mas sempre anima e consola.
Realmente, a doutrina da eleição eterna é empregada por eles para
despertar alegria suprema e sinceras ações de graça nos seus ouvintes. (Ef 1.3:
"Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo." Rm 8.28-30: "Todas as coisas
cooperam para o bem daqueles [...I que são chamados segundo o seu propósito."
1 Pe 1.2-3: "Eleitos segundo a presciência de Deus Pai. [..I Graça e paz vos
sejam multiplicadas. Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo", etc.)
Aprendemos, pois, do exposto acima, como devemos considerar a nossa
eleição de maneira apropriada e para nosso conforto. As Sagradas Escrituras
declaram claramente que Deus nos elegeu "por meio de Jesus Cristo" (Ef 1.3-6)
Dogmática Cristã

para a salvação "em santifica~ãodo Espírito, para a obediência e a aspersão do


sa/?gue de Jesus Cristo." (1 Pe 1.2, etc.)
Em outras palavras, bem como diz a Fórmula de Concórdia
acertadamente, não devemos especular em torno da nua, secreta, oculta e
inescrutável presciência de Deus, mas considerar nossa eleição em Cristo Jesus,
que é o gentiíno e verdadeiro livro da vida. Contudo: "Esse Cristo chama a si
todos os pecadores e lhes promete refrigério. Seriamente quer que todos os
homens venham a ele e permitam se Ihes ajude. A eles se oferece na Palavra e
quer que a ouçam e não fechem os ouvidos ou a desprezem. Além disso,
promete o poder e a operação do Espírito Santo, assistência divina [para
perseverança e vida eterna]." (Epít. XI, 8)
Em primeiro lugar, devem aceitar o glorioso convite evangélico de Cristo
a que venham a ele e sejam salvos. (Mt 11.28; Jo 6.35-37; 10.27-29) Devem
confiar e m Cristo e crer sinceramente que, em virtude do seu sangue
derramado no Calvário, perdoará todos os seus pecados e os receberá na vida
eterna. (Gl 2.20; 1 T m 4.18; 1.12; 1 T m 2.4-6)
Em segundo lugar, da cruz do Calvário, que garante perene salvação a
cada u m que crê em Cristo, os cristãos devem dirigir a sua atenção para a
graça de Deus que, antes da fundação do mundo, planejou perfeita redenção
para todo o mundo e, por conseguinte, certíssima salvação n o bendito
Redentor para cada pecador perdido e condenado (gratia universalis). (Ef 1.3-6;
1 Tm 2.4; Rm 8.28-30; 2 Ts 2.13; 1 Pe 1.2-5)
Do modo como os cristãos crêem firmemente que se salvam por Cristo,
devem também crer que são eleitos de Deus em Cristo Jesus, pois a Escritura
assim fala de modo conseqüente: "Porque Deus vos escolheu desde o princípio
para a salvação" (2 Ts 2.13); "Como nos escolheu nele." (Ef 1.4, etc.)
Os cristãos devem, portanto, crer com certeza que são os santos de
Deus eleitos em Cristo Jesus.
É precisamente isso que a Fórmula de Concórdia quer dizer quando escreve
(Epít. XI, 7): "Mas a Palavra de Deus nos conduz a Cristo, que é o 'Livro da
Vida', no qual estão inscritos e eleitos todos os que devem ser eternamente
salvos." Enquanto os crentes vêem a sua eleição em Cristo Jesus por esse
aspecto, isso será motivo de grande alegria e fonte de verdadeiro conforto.
Por outro lado, se os cristãos vêem a sua eleição do ponto de vista da
razão (ex rationis nostrae sententia; ex ulla aliqua externa specie) ou do ponto
de vista da inescrutável vontade oculta de Deus (ex arcano consilio Dei), são
levados ao desespero ou, então, a uma vida sensual. A Fórmula de Concórdia
escreve sobre isso (Epít. XI, 9): "Não devemos, por isso, julgar dessa nossa
eleição para a vida eterna nem na base da razão, nem com fundamento na lei
de Deus, que nos conduzem a uma vida estabanada, dissoluta, sensual, ou
Da Eleição Eterna otr Prcdestinapio

ao desespero e despertam pensamentos perniciosos no coração dos homens.


Enquanto seguem a sua razão, dificilmente podem esquivar-se de pensar
consigo mesmos: Se Deus me elegeu para a salvação, não posso ser condenado,
faça eu 1á o que fizer. E por outro: Se não sou eleito para a vida eterna, de
nada me vale o bem que faço; é tudo em vão."
Ao mesmo tempo em que a Fórmula de Concórdia condena o modo de
julgar a eleição do ponto de vista da razão, também condena o que chama
"perscrutar o abismo da oculta presciência de Deus". (Decl. Sól., XI, 33) Os
cristãos procuram sondar o abismo da presciência oculta de Deus, quando
fazem a pergunta muito imprópria: "Se Deus me elegeu para a salvação, ou,
se elegeu alguns poucos, por que não elegeu logo todos<" (Cur alii prae aliis,
cur alii, alii non<) A mesma pergunta foi feita a Cristo pelos seus discípulos ao
inquirir u m deles: "Senhor, são poucos os que são salvos<" Que essa
interrogação constituía uma das muitas perguntas impróprias que até mesmo
os crentes fazem em sua ignorância, Cristo demonstrou, respondendo ao
discípulo curioso: "Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, pois eu vos digo
que muitos procurarão entrar e não poderão." (Lc 13.23,24)
Para compreender essa repreensão de Cristo, cumpre-nos recordar que
o objetivo da Escritura é a salvação das pessoas. Resume, pois, sua instrução
ao que é necessário que as pessoas saibam para que se salvem. (Jo 5.39; 2 T m
3.15) Os cristãos devem evitar as perguntas que só servem para satisfazer sua
razão curiosa, por colidirem com a soberana majestade de Deus e com sua
própria salvação. (Rm 9.19,20; 11.33-36; 2 T m 2.15,16; 1 T m 6.3-5)
A Fórmula de Concórdia declara com acerto (Decl. Sól., XI, 33): "Com
essa vontade revelada de Deus é que devemos ocupar-nos, para que a sigamos
e nela sejamos diligentes, porque o Espírito Santo confere graça, poder e
capacidade por intermédio da Palavra pela qual nos chama. Não devemos
perscrutar o abismo da oculta presciência de Deus, como está escrito em Lc
13.24, onde alguém pergunta: "Senhor, são poucos os que são salvos<", e
Cristo responde: "Esforçai-vos por entrar pela porta estreita."
As nossas Confissões luteranas rejeitam o erro calvinista da "eleição
absoluta" e afirmam que somos eleitos em Cristo. (en Christoo, Ef 1.4; en
hagiasmoo pneumatos kai pistei aleetheias, 2 Ts 2.13) Vale dizer: nossa eleição
baseia-se no mérito de Cristo, e isso, juntamente com a santificação do Espírito
e da fé, está tão entrelaçado com o ato da eleição eterna, que o uso e efeito
dos meios da graça constituem parte da mesma.
Não devemos, por isso, considerar nossa eleição "nuamente" (nude), mas
"senão que devemos meditar o conselho, propósito e preordenação de Deus
em Cristo Jesus (que é o genuíno e verdadeiro 'livro da vida'.)" (Ibid., 13. 14)
"Aqueles que 'segundo o propósito' são predestinados para 'herança', esses
ouvem o Evangelho, crêem em Cristo, oram e agradecem", etc. Assim o
Dogmática Cristã

Espírito de Deus dá aos eleitos "testemunho de que são filhos de Deus".


(Ibid., 30. 31)
"O Artigo Onze da Fórmula de Concórdia 13-23 fala do divino conselho
da redenção, especialmente nos chamados Oito Pontos. Todavia, não ensina
uma eleição em sentido lato (eine allgenzeine Wahl, oridinatio mediorum). Ensina,
por meio disso, que a eleição não deve ser considerada nuamente, mas em
conexão com todo o conselho de Deus "pertinente à salvação, ao chamado, à
justificação e bem-aventurança nossa". § 14. (Dr. Engelder, Dogmatical Notes)

DA ELEIÇAO
3. 0 OBJETO ETERNA
Segundo as Sagradas Escrituras, Deus não elegeu todos os seres humanos
(erro de Samuel Hube, 1624) tampouco os crentes constantes (finaliter
credentes) juntamente com os crentes temporários (erro da escola da Tubíngia
e de alguns teólogos modernos, J. A. Osiandro, (1697; Frank), mas somente
os que realmente se salvam (praedestinatio est particularis). Isso decorre do
ensinamento claro da Escritura de que todos os eleitos se salvarão.
(praedestinatio est immutabilis est infallibilis) (Mt 24.24; Rrn 8.28-30) A Fórmula
de Concórdia escreve (Decl. Sól., XI, 23): "Deus graciosamente considerou e
elegeu para a salvação as pessoas dos eleitos - cada qual e todas - que devem ser
salvas por Cristo.
Os que negam a imutabilidade e infalibilidade da eleição, ensinando
que os eleitos podem perder-se, fazem da predestinação mera presciência divina
(puaescientia), que seria determinada ou condicionada pela conduta da pessoa
no tempo. Negam, assim, a doutrina escriturística da eleição in toto.
O termo eleição não é, por conseguinte, empregado na Escritura,
conforme alguns alegam erroneamente, em sentido ultralato (todos os seres
humanos são eleitos), lato (os que serão salvos), mas apenas num único
sentido: !'A predestinação ou eterna eleição de Deus, entretanto, diz respeito
apenas aos piedosos, agradáveis filhos de Deus, sendo uma causa da salvação
deles." (Epít., XI, 5)
Aqueles que empregaram o termo eleição em sentido lato ou geral
confundiram erroneamente o plano eterno da salvação de Deus com sua
eleição eterna da graça.
O conselho geral da graça de Deus (Gottes allgemeiner Gnadenwille,
benevolentia Dei universallis) certamente se estende sobre todos os pecadores.
(1 T m 2.4) Sua eleição eterna da graça, porém, estende-se apenas sobre os
que devem ser salvos. (Mt 20.16; 22.14)
A alegação de que a Fórmula de Concórdia também estaria ensinando
uma eleição em sentido lato, baseia-se na interpretação errônea dos parágrafos
(Decl. Só1.,15-22) em que descreve a ordo salutis compreendida na eleição eterna
Da Elei~ãoEterna ou Predestinacão

de Deus. (Praedestinatio non est absoluta, sed ordinata, i.e., fundatur in Christo.)
Na determinação do objeto da salvação, alguns dogmáticos afirmam
erroneamente que a predestinação eterna de Deus consistiria no princípio ou decreto
geral: "Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo." (Mt 24.13) Embora
esse princípio ou decreto geral seja uma verdade em que a Escritura insiste com
muita ênfase (Jo 3.18,36), não deve ser confundido com o divino decreto da
eleição, uma vez que, de acordo com as Escrituras, não foram eleitos princípios
gerais para a salvação, mas pessoas. (2 Ts 2.13: vós; Ef 1.4: nós)
Por essa razão, rejeitamos também as seguintes afirmações: a) que a
eleição eterna de Deus consiste na designação dos meios da graça (ordinatio
mediorum, chamada por alguns eleição em sentido lato); e b) que o objeto da
graciosa eleição de Deus é a Igreja em geral (Hofmann, Luthardt, Vilmar,
Thomasius). A última afirmação contém contradição, visto que a Igreja é a
"comunhão dos santos" e, por isso, se constitui de pessoas individuais.
As Sagradas Escrituras, sem qualquer restrição, descrevem todos os
verdadeiros crentes como santos eleitos de Deus. (Ef 1.4; 2 Ts 2.13; 1 Ts 1.4; 1
Pe 1.2) Conseqüentemente, todos os cristãos sinceros devem considerar-se
eleitos de Deus pela fé em Cristo Jesus. (Rm 8.33,34) Todos os que alegam
não poderem saber se são ou não eleitos ou que põem em dúvida a sua eleição,
devem examinar-se se realmente crêem em Cristo como em seu genuíno e
único Salvador. (2 Co 13.5)
É bem verdade que o crente jamais pode ter certeza de sua eleição e
salvação, enquanto considerar a questão do ponto de vista da pura presciência
de Deus, visto que ninguém pode saber em definitivo o que Deus conheceu
nele antecipadamente ou previu (intuitu fidei finalis). A opinião de que
Deus teria eleito as pessoas em vista de sua fé final (ex praevisn fide finali),
não é escriturística nem confortante. Não é escriturística, porque não há
sequer uma fração de prova na Escritura para ela. Não é confortante, por
introduzir o crente nos domínios da verdade inescrutável de Deus. Para
todos os fins práticos, é uma doutrina impossível, situada na região do
desconhecido.
A Fórmula de Concórdia argumenta corretamente com respeito ao intuitu
fidei finalis (Decl. Sól., XI, 54.55): "Destarte, não há dúvida de que antes do
tempo do mundo, Deus previu, exatíssima e certissirnamente, e ainda sabe,
quem dentre os que são chamados crerá e quem não. Da mesma forma quem
dentre os convertidos vai perseverar e quem não. [...I Como, porém, Deus
reservou tal mistério para a sua sabedoria, nada nos havendo revelado a respeito
na palavra, muito menos ordenado que o esquadrinhássemos com nossos
pensamentos, havendo, ao revés, obviado seriamente a semelhante empresa
Rm 11.8-18, não devemos com pensamentos nossos inferir, concluir, nem
cismar nisso, mas devemos ater-nos à sua palavra à qual nos remete."
Dogmática Cristã

Essa admoestacão está perfeitamente em ordem, pois só estaremos


seguros de nossa eleição e salvação, se, em fé verdadeira, aderirmos a Cristo,
o qual prometeu receber todos os pecadores e aliviá-los. (Mt 11.28) Só pela fé
em Cristo podemos estar seguros de nossa eleicão e salvação.
Outrossim, o crente não pode ter certeza de sua eleição e salvação,
enquanto estiver em dúvida ou delimitar a graça universal (gratia universalis).
A Fównula de Concórdia diz com razão (Decl. Sól., XI, 28): "Se, portanto,
queremos considerar nossa eleição eterna para a salvacão proveitosamente,
temos de ater-nos, de todas as maneiras, rija e firmemente, ao fato de que,
assim como se dá com a pregação do arrependimento, da mesma forma também
a promessa do Evangelho é universalis, isto é, estende-se a todos os homens."
(Lc 24.47)
Todos aqueles que negam a gratia universalis (calvinistas) não têm
fundamento em que firmar a sua fé; pois, se as promessas do Evangelho se
limitam apenas a alguns poucos (os eleitos), como podemos saber se
pertencemos ou não aos poucos eleitos<
Contudo, não são só os calvinistas que limitam a gratia universalis,
mas também os sinergistas, ainda que, em teoria, reconheçam a universalidade
da graça divina. Na realidade, porém, os sinergistas limitam a graça salvadora
de Deus aos que não resistem maldosamente ao Espírito Santo ou que
cooperam em sua conversão. Conseqüentemente, nem o calvinismo nem o
sinergismo podem tornar pessoa alguma segura de sua eleição e salvação.
Por último, o crente não pode estar seguro de sua eleição e salvação,
enquanto tenta explicar a diferença por que um se salva e outro não (Cur alii,
alii non<) com a "conduta diversa no homem" (aliquid in homine, aliqua actio
dissimilis in homine).
Nisso consiste o erro de Melanchton, que ensinou (Loci, 1548): "Visto
que a promessa é universal, e como não existem vontades contraditórias em
Deus, é preciso que, dentro de nós, haja uma causa discriminatória que
explique por que Saul foi rejeitado e Davi aceito. Deve haver qualquer ação
dessemelhante nestes dois." Assim também Pfeffinger (Quaestiones Quinque,
Tese 32): "Somos eleitos e recebidos por crermos n o Filho." Compare-se
também o argumento sinergista em geral: "Visto que o desprezo da Palavra
de Deus por parte da pessoa é a causa de sua reprovação, deve-se considerar a
aceitação da graça de Deus por parte da pessoa causa de sua eleição." (cf. Dr.
Bente, Historical Introductions to the Symbolical Books, Concórdia Triglotta,
p.195ss). Essa concepção sinergista da eleição faz da predestinação, a priori,
eleição do mérito e não da graça. (Rrn 11.5-7)
Em oposição ao erro sinergista, a Fórmula de Concórdia escreve (Decl.
Sól., XI, 88): "É falso e errado ensinar que não somente a misericórdia de
Deus e o mérito santíssimo de Cristo é a causa da eleição de Deus em virtude
Da Eleição Eterna ou Predestinaçáo

da qual Deus nos elegeu para a vida eterna. Pois não só nos elegeu ele em
Cristo, antes de havermos praticado qualquer ato bom, senão mesmo antes
de nascermos, na verdade, antes da fundação do mundo."
Todavia, enquanto que nem o calvinismo (negação da gratia universalis)
nem o sinergismo (negação do sola gratia) podem tornar qualquer pessoa segura
de sua eleição e salvação, tal certeza é recebida pela fé nas promessas
evangélicas universais da livre graça. Essas promessas graciosas oferecem a
todas as pessoas, de modo muito sério e eficaz (gratia seria et effrcax), perdão
dos pecados, vida e salvação por amor de Cristo, o qual derramou o seu sangue
pelos pecados do mundo. (1 Jo 2.2; 4.10) Cada cristão deve crer com segurança,
com base na Escritura, que Jesus Cristo o remiu como ser humano perdido e
condenado, o resgatou e salvou de todos os pecados, da morte e do poder do
diabo, [...I para que ele lhe pertença e viva submisso a ele em seu Reino e lhe
sirva em eterna justiça, inocência e bem-aventurança. Com respeito à graciosa
promessa de Deus em Cristo Jesus (Jo 3.16-18), deve dizer com fé verdadeira:
"Fiel é essa palavra!" e alegrar-se muito por causa de sua eleição e salvação.
Essa é a linha de argumentação que Paulo expõe em Rm 8.32,33, onde
escreve: "Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o
entregou, porventura não nos dará graciosamente com ele todas as coisas< Quem
intentará acusação contra os eleitos de Deus< É Deus quem os justifica."
Seguindo a linha de argumentação do apóstolo, todo cristão deve
confessar, confiante: "Se Deus, em sua graça, me deu seu Filho unigênito
para Salvador meu e, pelo Santo Espírito, renovou meu coração mediante a
fé, perdoou meus pecados e, por sua graça, me justificou, quem fará contra
mim a acusação de que não sou eleito de Deus< Uma vez que Deus me justificou
em Cristo Jesus, creio de todo o meu coração que me escolheu em Cristo Jesus."
A certeza da eleição e salvação que segue essa confiança nas promessas
divinas, naturalmente, não é certeza absoluta no sentido de que repousaria na
revelação direta e imediata do Espírito Santo, mas é certeza da fé e, por isso mesmo,
certeza bendita. A fé divina não consiste em dúvida e incerteza, mas na mais
positiva segurança operada pelo Espírito Santo mediante o Evangelho Vdes divina).
São Paulo descreve essa divina certeza nestas palavras memoráveis:
"Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos,
nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes,
nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-
nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor." (Rm 8.38,39)
O verdadeiro crente está convencido de sua eleição e salvação, porque o
Espírito Santo o convence disso pela fé mediante o Evangelho. (2 T m 1.12)
Com respeito às numerosas advertências contra a apostasia, advertências
essas que as Sagradas Escrituras dirigem também aos crentes, cumpre-nos
recordar que só dizem respeito aos cristãos quanto a serem carnais (sarx).
Dogmática Cristã

Essas advertências e exortações pertencem, por conseguinte, à pregação da


Lei, que opera o conhecimento do pecado também no crente. (Rm 3.20) Não
dizem respeito, porém, ao crente enquanto nova criatura em Cristo (2 Co
5.17: kainee ktisis), e como tal, a "prosseguir para o alvo, para o prêmio da
soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.'' (Fp 3.12-14)
Como nova criatura em Cristo (kainós anthroopos), que suspira pela vida
eterna (Fp 3.20,21), o cristão tem de esquecer-se das ameaças da Lei divina (1
T m 1.9) e consolar-se nas graciosas promessas do Evangelho. (Rm 10.4; G1
3.13; 2.19; Rm 6.14). As advertências da Lei só lhe dizem respeito enquanto
o pecado ainda está ligado nele (Rm 7.18-25; 1 Co 10.12)' ou enquanto ele
ainda está inclinado a pôr de lado o alvo da salvação eterna e a amar o mundo
presente. (1 Co 10.1-6; 1 Jo 2.14-17)
Devemos considerar advertências da Lei t a m b é m as frequentes
referências na Escritura aos crentes temporários. (Lc 8.13; Os 6.4; 2 T m 4.10)
Os crentes tempordrios caem da graça, porque descrêem o Evangelho, através
do qual o Espírito Santo gera e mantém a fé. (1 Pe 1.5) Conseqüentemente, a
culpa de sua condenação cabe a eles próprios e não a Deus. (2 T m 1.13,14; 2
Ts 3.3) A promessa irrestrita de Deus a todos os crentes diz: "Todo aquele que
nele crê não será confundido." (Rm 10.11)
Os cristãos, por esse motivo, jamais devem pôr em dúvida a sua eleição
e salvação, mas permanecer firmes na esperança da vida eterna que há em
Cristo Jesus. (Jo 10.27,28)

4. A RELAÇAO ENTRE A F É E A ELEIÇAO ETERNA


Com respeito à importante pergunta, que tem estado em controvérsia
já desde o século XVI:"Qual a relação entre a fé e a eleição<" - cumpre-nos
ter em mente que, nocionalmente (notionaliteu, begrifflich), a Bíblia Sagrada
não situa a fé nem antes nem depois da eleiçáo.
A fé foi situada mfes da eleição por todos os teólogos luteranos recentes
que ensinam que Deus elegeu os que hão de se salvar, em vista de sua fé
prevista (intuitu fidei finalis).
A fé é situada depois da eleição pelos calvinistas, que ensinam que a fé,
bem como a redenção de Cristo, é meramente a execução do divino decreto
eterno, absoluto (arbitrário) da predestinação.
A verdade é que a relação exata da fé com a eleição eterna consiste em
que a fé salvadora, operada pelo Espírito Santo, pertence à eleição como meio
pelo qual se cumpre o objetivo da eleição. Deus, no seu conselho eterno da
graça, determinou salvar os seus santos eleitos mediante a fé em Cristo Jesus.
(Ef 1.3-8; 1 Pe 1.2) Desde a eternidade, Deus dotou graciosamente os eleitos
da fé e, com isso, separou-os do mundo perdido.
Da Eleiçáo Eterna ou Predestinagáo

A Fórmula de Concórdia escreve sobre isso (Decl. Sól., XI, 44): "Deus
resolveu e decretou, antes do tempo do mundo, ele mesmo quer criar e operar
em nós tudo o que pertence à nossa conversáo." Também Walther assim se
expressa: "Ensinamos que, bem como no tempo nos salva pela fé, Deus
também na eternidade deliberou salvar os eleitos pela fé; e é esta precisamente,
segundo a Palavra de Deus, segundo as Confissões e nossa doutrina, a resolução
da eleição da graça. [...I Cremos, ensinamos e confessamos, em acordo com a
Escritura e com as nossas Confissões, que Deus pela fé fez a eleição para a
salva~áo."(Christl. Dogmatik, 111, 548ss)
Visto, pois, que Deus escolheu os eleitos para a fé em Cristo,
consideramos a fé que os eleitos recebem no tempo, bem como todo o seu
estado de graça, que se segue a esta fé, também como efeito ou resultado de
sua eleição eterna. 2 Tm 1.9: "que nos salvou e nos chamou [..I conforme a
sua própria determinação e graça". At 13.48: "E creram todos os que haviam
sido destinados para a vida eterna." A fé, segundo a Escritura, é vista como
efeito da eleição e como o meio pelo qual se cumpre a sua finalidade. Chemnitz
escreve (Enchiridion, p.109): "A eleição de Deus não vem depois de nossa fé e
justiça, mas precede como causa de tudo isso." A Fórmula de Concórdia diz
(Decl. Sól., XI, 8): "A eleição eterna de Deus [...I por graciosa vontade e
beneplácito de Deus em Cristo Jesus, também é a causa que cria, opera, ajuda
e promove a nossa salvação e tudo o que a ela pertence."
Os dogmáticos luteranos mais recentes (desde Hunnius, 1603)
afastaram-se dessa doutrina das Escrituras e das Confissões Luteranas,
ensinando que Deus elegeu os que são salvos em consideração à sua fé final
prevista (intuitu fidei finalis, ex praevisa fide finali). Procuraram justificar essa
opinião, tomando o verbo conhecer antecipadamente (Rm 8.29: proegnoo) no
sentido de saber antecipadamente ou prever (nudam scientiam denotans).
Coerentemente, deram a seguinte interpretação à declaração de São
Paulo em Rm 8.29: "Aqueles de cuja fé final soube antecipadamente (ou cuja
fé Final previu) (quorum fidem finalem praescivit sive praevidit) também os
predestinoun (kai prooorisen). Essa exposição tem sido adotada por alguns
exegetas modernos (Philippi), que aceitam a teoria do intuitu fidei por motivos
sinergistas ou em virtude de sua suposta maior clareza e propriedade.
Todavia, substituir as palavras claras do apóstolo "aqueles que de
antemão conheceu" (hous proegnoo) pelas palavras quorum finalem praescivit sive
praevidi, representa uma violação do texto, pois isso encaixaria, à força, na
afirmação do apóstolo, uma coisa que ela não expressa (eisegese). São Paulo
não diz: "aqueles de cuja fé final soube de antemão", mas: "aqueles que de
antemão conheceu." O objeto de "de antemão conheceu" @uoegnoo) não é fé,
mas certo número de pessoas que o apóstolo denomina os "que são chamados
segundo o seu propósito". (v. 28)
Dogmática Cristã

Além disso, a teoria do intuitu-fdei é totalmente antiescriturística, visto


que as Sagradas Escrituras ensinam claramente que a fé que os eleitos recebem
no tempo não é causa, mas efeito da eleigão. (At 13.48; M t 24.21-24)
Outros exegetas substituem "fé final" nesta passagem, por boas obras,
(Ambrósio: quorum merita praescivit) ou amor (Weiss, Ebrard) ou boa conduta
(facultas se applicandi a d gratiam, voluntas non repugnas, se assentiens,
Melanchton). Em suma, por alguma boa qualidade dos eleitos, que explicaria
por que alguns foram escolhidos e outros não (Cur alii, alii nonL).
Em contraposição a essa interpretação sinergista, Lutero, bem como
também a Fórmula de Concórdia, vê no verbo conhecer ou conhecer de antemão
um sentido peculiar, sentido que frequentemente possui na Escritura. (Lutero:
zuvorversehen, determinar com antecipação. A Fórmula de Concórdia: in Gnaden
bedenken, considerar graciosamente; clementer praescire, conhecer graciosamente
com antecipação; Luthardt: ein aneignendes Zuvorerkennen, antecipado
reconhecimento apropriador; outros: sich zu eigen machen, tornar próprio; sich
verbinden, prender a si.)
Nesse sentido ginooskein, seguindo o uso do hebraico jâda (cf. D t 7.6
com Amós 3.2), é empregado em G1 4.9: "Agora que conheceis a Deus ou,
antes, sendo conhecidos por Deus"; Rm 11.2: "Deus não rejeitou o seu povo a
quem de antemão conheceu"; 1 Co 8.3: "Se alguém ama a Deus, esse é conhecido
por ele."
Em todos esses e muitos outros passos da Escritura, o verbo conhecer ou
conhecer antecipadamente não designa simples conhecimento, mas
conhecimento unido ao amor (nosse cum affectu et effectu), de sorte que a
pessoa assim conhecida de Deus é convertida em propriedade sua e é por ele
reconhecida como sua propriedade. Nesse sentido, tomamos o verbo pregnoo
e m R m 8.29, visto que, por u m lado, o objeto direto de conheceu
antecipadamente é o pronome relativo que, que se refere, aqui, a pessoas e não
significa "cuja fé" ou "cuja melhor conduta" previu. Por outro Iadó, o
antecedente gramatical de que (hous) é o número definido dos santos de Deus
que se denominam "aqueles que são chamados segundo o seu propósito". (v.
28)
O sentido do v. 29 é, por conseguinte: "Aqueles que de antemão
conheceu, também os predestinou." (Welche er aber zuvorversehen hat.)
A objegão de que isso seria constituir imperdoável tautologia (Hunnius,
Philippi), respondemos que essa conclusão não procede.
Ainda quando tomássemos proginooskein por sinônimos de proorizein, a
proposição não seria tautológica, mas progressiva na idéia; pois afirmaria: "Os
que Deus designou com antecedência, também realmente os predestinou", a
saber, "para serem conformes à imagem de seu Filho."
D a Elei~ãoEterna ou Predestinação

Repetir-se-ia, em verdade, o pensamento, todavia não inutilmente, mas


para ligá-lo à nova e muito importante verdade: "para serem conformes à
imagem de seu Filho."
Podemos, porém, estabelecer u m a distinção entre o sentido de
proginooskein e proorizein da seguinte maneira: o primeiro verbo exprime a
amorosa apropriação dos eleitos (die liebende Aneignung der Auserwahlren); o
segundo, sua predestinaçáo para a conformidade com a imagem de seu Filho.
Distinguimos, assim, uma dupla ação graciosa no decreto eterno de
Deus, a saber: primeiro, a apropriação amorosa dos eleitos e, segundo, a
predestinacão efetiva dos eleitos, embora ambas realmente (sachlich)
coincidam.
A doutrina do intuitu-fidei (a chamada "segunda forma") não tem
nenhum fundamento bíblico, visto que as Sagradas Escrituras ensinam com
clareza que nada impediu Deus de eleger os seus santos para a salvação,
exceção feita de sua infinita graça em Cristo Jesus. O motivo pelo qual se
introduziu a "segunda forma" na Teologia da Igreja foi ter-se considerado
necessário explicar a razão de uns serem eleitos e outros não. O s seus
propugnadores decidiram remover a dificuldade representada pelo fato de ser
impossível explicar o mistério do porquê da predestinação de uns e náo de
outros (eleição particular), uma vez que a graça divina é universal (gratia
universalis) e todas as pessoas estão, por natureza, em mesma culpa (in eadem
culpa) e, para a salvação, dependem exclusivamente da graça divina (sola
gratia).
A teoria do intuitu-fidei, por conseguinte, só é inteligível quando tomada
em sentido sinergista, isto é, quando compreendida n o sentido de que, por
natureza, os homens não estão todos em mesma culpa e, por isso, a salvação
não se dá exclusivamente por graça.
Essa é realmente uma explicação do mistério da eleição, que colide com
as Escrituras e nega o artigo fundamental da fé cristã, o sola gratia. É a mesma
explicação antiescriturística a cujo respeito Lutero escreveu a Erasmo:
"Agarraste-me pelo pescoço. Iugulum meum petisti."
E bem verdade que nem todos os dogmáticos que ensinam o intuitu-
fidei eram sinergistas. Essa teoria, contudo, presta-se muito bem à defesa do
sinergismo. Ela não deve ser empregada por pessoas que não são sinergistas.

5. A FINALIDADEDA DOUTRINA
DA ELEIÇAO
ETERNA
De acordo com as Sagradas Escrituras, a doutrina da eleição eterna não
tem por finalidade negar ou restringir a gratia universalis (Calvino e outros),
mas, pelo contrário, inculcar o sola gratia. Deve induzir os crentes cristãos,
toda vez que se comparem aos incrédulos, a não atribuir o seu estado de
Dogmática Cristã

graça à própria conduta louvável (sinergismo, pelagianismo), mas


exclusivamente à graça divina em Cristo Jesus (monergismo divino). Tal ênfase
sobre o sola gratia é muito necessária. Se os cristãos atribuem a sua salvação à
sua boa conduta ou dignidade, mesmo que só em parte, caíram da graça e
estão debaixo da maldição divina. (Lc 18.9s~;G1 3.10)
Essa finalidade da doutrina da eleição eterna já transparece na eleicão
de Israel como povo da Igreja do Antigo Testamento, eleição típica da eleigão
eterna da graça de Deus. Ao conduzir o seu povo para dentro da terra da
promissão, Deus declarou expressamente: "Não é por causa da tua justiça,
nem pela retitude do teu coração que entras a possuir a sua terra [das najões
pagãs]. [...I Sabe, pois, que não é por causa da tua justica que o Senhor, teu
Deus, te dá esta boa terra para possuí-Ia, pois tu és povo de dura cerviz." (Dt
9.5,6)
Esse mesmo pensamento "não é por causa da tua justiça", a doutrina
da eleição incute nos crentes no Novo Testamento. (2 T m 1.9: "Deus nos
salvou, [...I não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria
determinação e graça." Ef 1.5: "e nos predestinou para ele, para a adoção de
filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade." Rm
11.6: "Se é pela graça, já não é pelas obras."
Apenas quando conservamos essa importante verdade na mente é que
estamos em condições de compreender corretamente os capítulos 9-11 da
epístola de São Paulo aos Romanos. Nesses capítulos, o apóstolo afirma a
graça universal de Deus (Rm 10.21; 11.32), mas condena a arrogância e o
orgulho dos que se auto-justificam, que, ao se compararem aos que se perdem,
têm-se na conta de melhores do que aqueles. Assim, atribuem a sua salvação
à própria dignidade. (Rm 9.30-33; 11.18s~)
Em consonância com essas afirmações das Escrituras, a Fórmula de
Concórdia escreve (Decl. Sól., XI, 87. 88): "Essa doutrina e explanação da eterna
e salvífica eIeição dos filhos eleitos de Deus dá a Deus inteiramente a honra
que lhe é devida, a saber, que ele nos salva por pura misericórdia em Cristo,
sem qualquer mérito nosso ou boas obras [...I É falso e errado, por isso, ensinar
que não somente a misericórdia de Deus e o mérito santíssimo de Cristo é a
causa da eleição de Deus, mas que também há em nós uma causa da eleição
de Deus em virtude da qual Deus nos elegeu para a vida eterna."
Como advertência contra a autojustiça, nosso Senhor censura, em Mt
20.1-16 e Mt 22.1-14, os que confiam em sua própria justiça e rejeitam o sola
gratia e o meuitum Chuisti como único fundamento de sua esperança eterna.
Escreve a Fórmula de Concórdia sobre este ponto (Decl. Sól., XI, 51):
"Deste artigo também se tiram poderosas exortações e advertências, como:
'Desprezam o conselho de Deus contra si mesmos' Lc 7; "Porque vos declaro
que nenhum daqueles homens [...I provará a minha ceia" Lc 14; também:
Da Elei~ãoEterna ou Puedestinação

'Muitos são chamados, mas poucos escolhidos'; outrossim: 'Quem tem


ouvidos para ouvir, ouça'; e: 'Vede, pois, como ouvis.'"
Ainda (Decl. Sól., XI, 41, 42): "Pois que poucos recebem a palavra e a
seguem; a maioria rejeita a palavra e não quer vir às bodas. A causa de semelhante
desprezo à palavra não é a presciência de Deus, mas a vontade perversa do
homem, que repele ou perverte o meio e instrumento do Espírito Santo que
Deus lhe oferece mediante o chamado e resiste ao Espírito Santo, que pela
palavra quer ser eficaz e opera, como diz Jesus: "Quantas vezes quis eu reunir
os teus filhos [...I e vós não o quisestes!" (Mt 23.37) Muitos recebem a "palavra
com alegria, mas na hora da provação, se desviam". (Lc 8.13) A causa disso,
porém, não é que Deus não estivesse disposto a dar a eles, em quem "começou
a boa obra", a graça para perseverança, pois esse fato é contra São Paulo em Fp
1.6.A causa é que propositalmente se tornam a desviar do santo mandamento,
entristecem e amarguram o Espírito Santo, voltam a envolver-se na imundície
do mundo, enfeitam de novo o coração para o diabo, sendo o último estado
deles pior do que o primeiro. (2 Pe 2.10, 20; Lc 11.26; Hb 10.26)
Assim como em Mt 20.1-16 e 22.1-14, devemos também considerar a
exortação do apóstolo a que procuremos firmar cada vez mais a nossa vocação
e eleição. (2 Pe 1.10) O apóstolo sugere, aqui, que os cristãos façam uso diligente
dos meios da graça, andem em obediência a Deus pela fé em Cristo Jesus e,
desse modo, pelo testemunho do Espírito Santo (testimonium Spiritus Sancti),
certifiquem-se do seu estado de graça e de sua eleição. (G1 5.22-25)
Embora a Escritura exorte os cristãos a que adiram ao sola gratia e não
desprezem os meios da graça (pregação da Lei endereçada aos cristãos segundo
sua natureza corrompida kalaiós hnthroopos] Ef 4.22-24), este não é o objetivo
da doutrina da eleição da graça. A Escritura Sagrada a utiliza para oferecer real
conforto e consolo permanente aos crentes. (Ef 1.3-6; Rm 8.28-30; 1 Pe 1.2-
6) A proclamação do sola gratia é, por sua própria natureza, a mais doce e
mais consoladora verdade evangélica. (Jo 3.16-18)
A doutrina da eleição eterna de Deus em Cristo Jesus consola o crente
de dois modos: Mostra-lhe: a) com que extrema seriedade Deus deseja a
salvação eterna de cada cristão; e b) como Deus, em todos os tempos, preserva
a sua Igreja da fúria de Satanás, dos assaltos do mundo impio e da falsidade
da própria natureza corrompida (sarx).
A Fórmula de Concórdia expressa-se com muita propriedade a respeito
desse precioso consolo, quando diz (Decl. Sól., XI, 45. 46): "E dessarte essa
doutrina também dá o belo e glorioso consolo de que Deus se interessou tão
profundamente na conversão, justiça e salvação de cada cristão e tamanha
foi, a respeito, sua fidelidade de propósito, que, 'antes da fundação do mundo',
deliberou no tocante a isso e 'em seu propósito' determinou de que modo me
levaria até lá e como nisso me presewaria. Ainda, que ele quis acautelar minha
Dogmática Cristã

salvação tão bem e seguramente, que, porquanto pela fraqueza e impiedade


da nossa natureza facilmente poderia escapar-nos das mãos, ou delas ser-nos
arrancada e tomada pela astúcia e poder do diabo e do mundo, a ordenou em
seu eterno propósito, que não pode falhar ou ser subvertido, e a colocou, para
resguardo, na mão onipotente de nosso Salvador Jesus Cristo, da qual ninguém
nos pode arrebatar. (Jo 10)
Fórmula de Concórdia (Ibid., 48. 49): "Proporciona essa doutrina,
outrossim, glorioso consolo e m c r u z e tentações, a saber, q u e Deus
determinou e decretou, em seu conselho, antes do tempo do mundo, que vai
assistir-nos em todas as situações difíceis, conferir-nos paciência, dar-nos
conforto, suscitar esperança e prover desfecho que nos seja para salvação.
Também, conforme disso trata de maneira mui consoladora Paulo em Rrn 8,
que Deus ordenou em seu propósito, antes do tempo do mundo, através de
que cruzes e sofrimentos haveria de tornar cada qual de seus eleitos conforme
a 'imagem de seu Filho', e que a cruz de cada um deve e tem de 'cooperar para
o bem' dele, já que 'são chamados segundo o seu propósito', de onde Paulo
inferiu como certo e indubitável que "nem tribulação nem angústia, nem
morte, nem vida, etc., nos pode separar do amor de Deus, em Cristo Jesus."
Por último (Ibid., 50): "Esse artigo igualmente dá glorioso testemunho
de que a Igreja de Deus existirá e permanecerá contra todas as portas do
'hades'. Ensina, outrossim, qual seja a verdadeira Igreja de Deus, a fim de não
nos ofendermos com o grande prestígio da Igreja falsa." (Rm 9.24~s.)
Enquanto faz ver e incute a natureza consoladora da doutrina da eleição
eterna para a vida, a Fórmula de Concórdia também mostra que "quando esse
consolo e esperança nos são debilitados ou inteiramente arrebatados pela
Escritura, segue-se com certeza que ela está sendo entendida e explanada
contrariamente 2 vontade e ao sentimento do Espírito Santo" (Ibid., 92), de
sorte que, "se alguém apresenta a doutrina da graciosa eleição de Deus de modo
que cristãos perturbados não possam consolar-se nela, sendo, ao contrário,
levados ao desespero, ou de feição que os impenitentes sejam fortalecidos em
sua voluntariosidade, então é indubitavelmente certo e verdadeiro que aquela
doutrina não está sendo ensinada segundo a Palavra e vontade de Deus, porém
consoante a razão e a instigação do abominável diabo." (Ibid., 91)
O crente cristão, que se regozija na doce consolação obtida para ele por
Cristo, na cruz do Calvário e que pressente sua luz e glória na sua eleição e
salvação, precisa saber que "essa doutrina não dá motivo n e m para
pusilanimidade, nem para uma vida impudente, dissoluta". (Ibid., 89)
Da Elei~ãoEterna ou Predestina~ão

6. As SAGRADASESCRITURAS
NAO ENSINAM
UMA ELEIGAO
PARA A CONDENAÇAO
O calvinismo argumenta com seriedade que, uma vez que Deus elegeu
alguns para a vida eterna, também deve ter predestinado outros para a
condenação eterna. Deve haver uma eleição da ira (eine Zornwahl) que se
oponha à eleição da graça ("die notwendige Kehrseite", o reverso necessário).
A negação luterana de uma reprovação eterna para a condenação (electio
aeterna, qua Deus [...I alios a d interitum praedestinavit) foi reprovada por
Calvino nos mais ásperos termos (inscite nimis et pueriliter; plus qunm insulse.
Inst., 111, 23, 1).
Também os seguidores de Calvino designam a posição da Fórulzula de
Concórdia com respeito à predestinação como "fundamento insustentável".
(Hodge, Syst. Theol., 11, 325) Shedd ignora completamente a posição luterana
e divide todos os cristãos em calvinistas (negação da graça universal) e
arminianos (negação do sola gratia). Em seu sistema de Teologia, não há espaço
para a doutrina escriturística da eleição eterna conforme professa a Igreja
Luterana. (Dogm. Theol., I, 448)
As Sagradas Escrituras, contudo, nada sabem de um "reverso" da eleição
eterna da graça de Deus. Enquanto que uma (a eleição para a vida eterna)
vem claramente ensinada em muitas passagens, a outra (a eleição para a
condenação eterna) é nitidamente rejeitada.
Em At 13.48 nos é dito: "E creram todos os que haviam sido destinados
para a vida eterna." Essa passagem, porém, não acrescenta: "Não creram todos
os que haviam sido destinados para a condenação eterna." Ao contrário, dá
como verdadeira razão pela qual os demais não creram a sua rejeição proposital
e perversa da graça oferecida. (v. 46): "Posto que a rejeitais e a vós mesmos
vos julgais indignos da vida eterna, eis aí que nos volvemos para os gentios."
A razão pela qual alguns não crêem, Cristo declara ao dizer deles: "E vós não
o quisestes." (Mt 23.37,38)
Em acordo com esse veredito das Sagradas Escrituras, a Igreja Luterana
ensina: Todos quantos se salvam, salvam-se pela graça; todos quantos se
perdem, porém, perdem-se por causa de sua própria oposição perversa ao
Espírito Santo. (Os 13.9) O calvinismo declara que Deus oferece certa espécie
de graça (graça comum) também aos que reprovou para a condenação desde
a eternidade, ao passo que oferece "graça irresistível" aos seus eleitos. Isso, no
entanto, é mais um erro destinado a ratificar o erro da reprovação eterna. O
calvinismo, dessa maneira, ensina que há vontades contraditórias em Deus.
Pelo chamamento exterior, extensivo aos não-eleitos, quer a sua salvação.
Conforme o seu decreto eterno de reprovação (horribile decretum), pelo qual
reprovou os não-eleitos para a condenação, ele não quer salvá-los. A Escritura,
pelo contrário, ensina com clareza que os que rejeitam o divino oferecimento
Dogmática Cristã

da graça também são sinceramente chamados. (At 13.38-41; M t 23.37,38:


vocatio seria)
Além disso, o fato de que Deus endurece os corações (Êx 10.1; 5.1-23)
daqueles que primeiro se endureceram (voluntas Dei consequens) não confirma
nenhuma reprovação para a condenação. A Escritura Sagrada nos diz
expressamente que o ato divino de obduração é uma providência de ira e
castigo que ocorre como "retribuição" (eis antapódoma, Rm 11.9) por sua
oposição e rejeição da graça divina. "Verstockung ist immer eine Folge der
Selbstverstockung."
É verdade que os crentes cristãos se acham por natureza em mesma
culpa (in eadem culpa) (Rm 3.22,23), assim como todas as demais pessoas, de
forma que, se pretendem estabelecer u m confronto entre eles e os que se
perdem, são "bem como eles e em nada melhores" (quam simillimi deprehensi).
(SI 51.5; Jo 2.3) Daí não terem eles nenhum motivo para se vangloriar de sua
bondade e atribuir sua fé e salvação à sua própria dignidade (1 Co 4.7), mas
"aprendamos a tanto mais diligentemente reconhecer e louvar a pura e
imerecida graça de Deus nos 'vasos de misericórdiai."(885) (Fórmula de
Concórdia, Decl. Sól., XI, 60).
As Sagradas Escrituras asseguram-nos, ainda assim, que Deus oferece
com a maior seriedade a sua graça também aos que resistem ao seu Espírito
(At 13.46) e endurecem os seus corações contra a sua Palavra divina. (At
7.51) Na verdade, Deus tolera com muita longanimidade os vasos da ira,
preparados para a perdição por sua própria dureza de coração (Rm 9.22,23), a
fim de que também eles possam ser convertidos e salvos. (2 Pe 3.9; Rm 2.4)
Dessa maneira, a Escritura enaltece, e m toda a parte, a inefável
misericórdia de Deus, que oferece graça e salvação também àqueles que se
perdem. Ela não deixa espaço algum para uma doutrina de reprovação eterna.
Com respeito à declaração de São Paulo de que "Deus suportou com
muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição" (Rm 9.22),
a Fórmula de Concórdia diz com acerto (Decl. Sól., XI, 80): "Aqui, portanto, o
Apóstolo diz claramente que Deus "suportou com muita longanimidade os
vasos de ira. Não diz que os fez vasos de ira. Pois, se tal houvera sido, a sua
vontade não teria necessidade de grande longanimidade. Quanto a serem
preparados para a perdição, disso é culpado o diabo e os homens, não Deus."
Deus realmente "preparou de antemão" (proeetoimasen) os vasos de
misericórdia para a glória (Rm 9.23), mas não os vasos de ira, porque estes,
conforme o apóstolo afirma claramente, são "preparados para a perdição"
(kateertismena eis apooleian), por sua própria perversidade. De acordo com a
Escritura, Deus deseja seriamente a salvação de todas as pessoas. (Jo 1.29;
3.16; 2 Pe 2.1) "Hell was originally not built for men." ("O inferno não foi
originariamente formado para os homens.") Se as pessoas entram nele, é por
Da Eleição Eterna ou Predestinagão

causa de sua perversa rejeição da graça divina (cf. M t 25.34: "Vinde, benditos
de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação
do mundo." (v. 41: "Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno,
preparado para o diabo e seus anjos.")
A voluntas consequens, segundo a qual Deus julga e condena todos
quantos não crêem o Evangelho (Mc 16.16; Jo 3.16-18.36), não se a deve, por
isso, interpretar como se fosse um decreto eterno de condenação, porque, de
acordo com sua voluntas antecendens, Deus deseja a salvação de todos os
pecadores. (2 Pe 3.9; M t 18.11; 1 T m 2.4)
Se alguém fizer a objeção de que não devemos falar de uma voluntas
prima e uma voluntas secunda por não haver nele um primus nem um posterius,
respondemos que Deus é, em verdade, o Senhor eterno, imutável, em quem
não há transformação ou não há primus ou posterius. (M1 3.6; 1 Sm 15.29)
Todavia, visto que Deus, acomodando-se à nossa débil compreensão, se revelou
como amoroso Senhor, que deseja salvar todas as pessoas (Jo 3.16,17), e, por
outro lado, como justo Senhor, que pune eternamente todos os que não
crêem nele (Jo 3.18,36), somos obrigados a falar conforme as Escrituras e, a
respeito dele, afirmar uma vontade de salvar e uma vontade de condenar.
Contudo, essa vontade de condenar não é o "reverso" de sua graciosa eleição
para a vida, mas, pelo contrário, o justo castigo (iustitia vindicativa) que inflige
a todos os que desprezam maldosamente a sua voluntas antecendens e não
querem escutar a sua Palavra. (Rm 10.21)
Assim como não devemos demonstrar pela Escritura que "há um decreto
eterno de condenação", também não devemos demonstrar esse erro pela
história. Esse é, em verdade o erro do calvinismo, que argumenta: "O resultado
é a interpretação dos propósitos de Deus." (cf. Calvino, Inst., 111, 24. 12) Do
fato de que nem todas as pessoas são salvas ou de que nem todas as nações
desfrutam as bênçãos do Evangelho, o calvinismo conclui que Deus não deseja
salvá-los. Essa atitude também é antiescriturística, pois a Escritura manda
que não tiremos conclusões dos juízos insondáveis de Deus, mas o adoremos
com temor e respeito. (Rrn 11.33-36)
Diz a Fórmula de Concórdia (Decl, Sól., XI, 57-63) acerca dos insondáveis
juízos de Deus: "Da mesma forma, quando vemos que aqui Deus dá a sua
Palavra, acolá não: tira-a desse lugar, noutro deixa-a naquele. Também, que
u m é endurecido, obcecado, entregue a mente pervertida, outro deveras na
mesma culpa, ao contrário, convertido, etc. Paulo nos fixa um limite definido
quanto ao até onde nos cabe ir, nessas questões e em outras similares a elas.
A saber: que devemos, relativamente a um dos grupos, reconhecer o juízo de
Deus. Pois que se trata de bem merecidos castigos de pecados quando Deus
em uma terra ou povo castiga o desprezo da sua Palavra de tal maneira que o
castigo se estende também à posteridade, como se pode ver no caso dos judeus.
[...I "Com referência àquilo, entretanto, que nessa discussão remonta
Dogmática Cristã

excessivamente o vôo, ameaçando transpor as balizas, é dado na boca, a


exemplo de Paulo, e lembrar e dizer com ele: 'Quem és tu, ó homem, para
discutires com Deus<!'"
Conseqüentemente, não devemos concluir como fazem os calvinistas:
"Visto que Deus não salva todos os homens, ele não deseja a salvação de todos"
e, dessa forma, procurar explorar a vontade secreta de Deus. Devemos, pelo
contrário, aderir à vontade revelada de Deus, manifestada nas Escrituras, que,
em muitas passagens claras, testemunha que Deus "deseja que todos os homens
sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade". (1 T m 2.4)
Como prova para a "reprovação eterna dos condenados", o calvinismo
cita Rm 9.18: "Logo, tem ele misericórdia de quem quer e também endurece
a quem lhe apraz." Essa passagem, porém, não ensina uma eleição eterna
para a condenação, mas apenas revela Deus em sua suprema soberania,
segundo a qual não está sujeito à crítica humana.
Que essas palavras não são destinadas a negar a graça universal fica claro
do ensinamento expresso de São Paulo sobre essa doutrina nos capítulos 10.21
e 11.32. O mesmo Deus que se compadece de quem quer "todo o dia estendeu
as suas mãos a um povo rebelde e contradizente" e "todos encerrou na
desobediência [isto é, declarou todos os homens perdidos em desobediência] a
fim de usar de misericórdia para com todos". Essa passagem (Rm 9.18), por
conseguinte, não é endereçada contra a gratia univeusalis, mas contra o espírito
orgulhoso de autojustiça e de justiça das obras dentro das pessoas. ( R . 9.16)
A Fórmula de Concóudia interpreta corretamente essa passagem ao
escrever (Decl. Sól., XI, 61): "Pois não sucede injustiça aos que são castigados
e recebem o "salário do pecado" deles. Nos outros, porém, quando Deus dá e
conserva sua Palavra e, por meio dela os homens são iluminados, convertidos
e preservados, Deus louva sua pura graça e misericórdia sem o mérito deles."
Em conclusão, podemos dizer que, assim como não devemos solver o
mistério da eleição, negando o sola gratia (sinergismo), também não devemos
solvê-lo, negando a guatia univeusalis e atribuindo a Deus, contrariamente à
Escritura, um decreto eterno de reprovação. Ambas as "soluções" são
racionalistas e estão em oposição direta à Palavra de Deus.

7. PORQUE MUITOS REJEITAM A DOUTRINA


ESCRITURÍSTICADA ELEIÇÁO ETERNA
A doutrina escriturística da eleição eterna é a prova final da fé do crente:
"Na doutrina da eleição da graça, presta-se o exame final em Teologia." ("An
der Lehre von der Gnadenwahl wird das theologische Schlussexamen getnacht.")
(Christil. Dogmatik, 111, 568) A doutrina da eleição eterna, como ensinada na
Escritura, não admite que permaneça nem mesmo um sinal de pelagianismo
Da Eleição Eterna ou Predestinação

ou racionalismo. Exige, sim, irrestrita aceitação da Escritura como única fonte


e norma de fé (sola Scriptura), irrestrita confiança na satisfação vicária de
Cristo como única esperança de salvação do pecador (sola fide) e irrestrito
reconhecimento da universalidade das promessas divinas oferecidas no
Evangelho (gra tia universalis).
Escreve o Dr. F. Bente em seu excelente Introduções Históricas aos Livros
Simbólicos: "Segundo a Fórmula de Concórdia, todos os cristãos, inclusive os
teólogos, são obrigados a extrair toda a sua doutrina somente da Bíblia; os
assuntos de fé devem ser decididos exclusivamente mediante claras passagens
das Sagradas Escrituras; a razão humana não deve em ponto algum criticar e
dominar a infalível Palavra de Deus; a razão deve estar sujeita à obediência de
Cristo e não deve impedir a fé na crença dos divinos testemunhos, ainda
quando aparentemente se contradisserem. [...I
Não se ordena que harmonizemos, diz a Fórinula de Concórdia, mas que
creiamos, confessemos, defendamos os ensinamentos da Bíblia, atendo-nos
aos mesmos fielmente. (1078, 52ss)
Na doutrina da conversão e da salvação (eleição), portanto, os luteranos
confessam t a n t o o sola gratia como a universalis guatia, por estarem
convencidos de que ambas as doutrinas são claramente ensinadas na Bíblia e
de que rejeitar ou modificar qualquer delas importa em crítica à Palavra de
Deus e, por conseguinte, ao próprio Deus.
Os sinergistas não diferem dos luteranos por manterem a graça universal
(coisa que na realidade negam quanto à intenção bem como quanto à extensão,
pois corrompem o conteúdo da graça ao torná-la dependente da conduta do
homem e, destarte, limitam sua extensão apenas aos que satisfazem às suas
condições), mas por negarem o sola gratia e ensinarem que a vontade do
homem entra na conversão como fator ao lado da graça.
E os calvinistas não diferem dos luteranos por manterem o sola gratia,
mas por negarem a graça uni\~ersal.
Se o crente, com base na Escritura, mantém tanto a gratia universalis
como o sola gratia, perdura o mistério: Por que alguns são eleitos e outros
não6 (Cur alii, alii nonC Cur alii prae aliisc) O crente fiel não procurará solver
esse mistério, visto que pertence aos juízos insondáveis de Deus e aos seus
caminhos inescrutáveis. (Rm 11.33-36) Conserva, porém, todos os seus
pensamentos acerca das doutrinas da eleição eterna, da conversão e da salvação
dentro do ensinamento revelado da Bíblia: Quem se salva, salva-se somente
por graça; quem se perde, perece em virtude de sua própria incredulidade. (Os
13.9) O crente se absterá tanto mais de qualquer tentativa de solver o mistério
envolvido na doutrina da eleição eterna, visto que a Palavra de Deus lhe diz
que agora ele conhece em parte, mas que no céu conhecerá como também é
conhecido. (1 Co 13.12)
Dogmática Cristã

Em síntese, é evidente que tantos rejeitam a doutrina escriturística da


eleição eterna, pela simples razão de que desejam "harmonizar os testemunhos
divinos quando aparentemente se contradizemn (universalisgratia; sola gratia).
O sinergismo harmoniza os testemunhos divinos, negando o sola gratia. O
calvinismo, negando a universalis gratia. Em ambos os casos, conforme diz o
Dr. E Bente, "a razão humana critica e domina a infalível Palavra de Deus".
O verdadeiro mistério da doutrina da eleição existe, porque as Sagradas
Escrituras não explicam por que "alguns são impressionados pela Lei e outros
não o são, de forma que aqueles recebem a graça oferecida, e estes a rejeitam".
(Lutero, S. L., XVIII, 1794, 1965ss) A Fórmula de Concórdia diz com razão que
"Deus reservou tal mistério para a sua sabedoria, nada nos havendo revelado
a respeito na sua Palavra". (Decl. Sól., XI, 54ss) Em lugar desse mistério, alguns
teólogos luteranos puseram o chamado "mistério psicológico" (das
psychologische Geheimnis). Isto quer dizer que "nos é impossível compreender
como a pessoa pode resistir à graça divina depois de Deus a ter colocado
mediante a sua Palavra em posição de se poder verdadeira e realmente converter
a si mesma". Os que operam assim com um mistério psicológico resolvem o
mistério verdadeiro na doutrina da eleição à velha maneira sinergista; pois
não admitem um status medius em que a pessoa que ainda não se converteu
possa converter-se por meio de poderes concedidos por Deus, mas também
esclarecem a interrogativa - por que se converte um e o outro não< - segundo
a fórmula sinergista: Deve-se a conversão à melhor conduta dos convertidos
para com a graça divina. Por esse motivo, rejeitamos o "mistério psicológico"
como conhecimento e invenção sinergistas. A doutrina escriturística da eleição
é aceita em sua verdade e pureza apenas por quantos rejeitam in toto qualquer
forma de pelagianismo e racionalismo.
Em vista da infinita confusão que o racionalismo tem causado na Igreja
Cristã pela perversão da doutrina escriturística da eleição eterna, concluímos
este artigo com a oração com a qual a Fórmula de Concórdia encerra sua
dissertação em torno da predestinação (Epít., XI, 23): "Que o Deus todo-
poderoso e Pai de nosso Senhor Jesus nos conceda a graça de seu Espírito
Santo, para que todos sejamos unidos nele e constantemente permaneçamos
nessa unidade cristã, que lhe é agradável. Amém".
A doutrina das Últimas Coisas (de novissimis) leva este nome por tratar
daquilo que vem "por último", a saber, aquilo "com que termina o mundo - --"
presente". (Schmid) Escreve Baier com respeito às-&?i?Zs-c~sãs: "Chamam-
s e - ú E a s coisas (novissima), em grego ta éschata, por constituírem bem como
por serem chamadas, algumas as últimas com respeito aos homens como
indivíduos, e outras com respeito aos homens como coletividade e com
respeito a todo o mundo. A primeira classe pertence a morte e o estado da
alma depois da morte; à segunda, a ressurreição dos mortos e a correspondente
transformação dos vivos, o juízo final e a conflagração do mundo." (Doctr.
Theol., p.625)
O assunto,da escatologia será tratado sob os seguintes títulos: )
'-- ------..-/ ___^. _- -- _ -
1) A morte temporal;
2) As condições da alma entre a morte e a ressurreição (status medius);
3) O segundo advento de Cristo;
4) A ressurreição dos mortos;
5) O juízo final;
6) O fim do mundo;
7) A condenação eterna e
8) A salvação eterna.

A MORTE
TEMPORAL
(DEMORTE
TEMPORALI)
a. Que é a morte temporal. A morte temporal ou corporal não é aniquilação
total do ser humano (russelismo; ateísmo), mas a perda da vida natural,
que ocorre pela separação da alma e do corpo. (Baier)A morte temporal
não é aniquilação da alma. Isso está evidente em M t 10.28. Ela
também não é aniquilação do corpo conforme Jo 5.28,29, onde Cristo
nos diz que os corpos mortos, embora convertidos em pó, aguardam
em suas sepulturas o dia da ressurreição. (cf. também D n 12.2) Que
a morte temporal consiste na separação da alma do corpo vem
claramente ensinado em Lc 12.20: "Esta noite te pedirão a tua alma"
Dogmática Cristá
-~ - -

e em M t 27.50. (Jo 19.30), onde a morte de nosso Senhor na cruz é


descrita como "entregar o espírito" ou Pender o espírito".
Com muita correção, Quenstedt chama atenção para o fato de que a
morte dos crentes é descrita na Escritura com "nomes doces", tais como "ser
reunido ao seu povoJ' (Gn 25.8,17); "despedir em paz" (Lc 2:29); "ser levado
antes que venha o mal" (1s 57.1); "dormir" (Mt 9.24; 1 Ts 4.13; etc.). "A
morte fez-se porta da vida eterna."
Por outro lado, a morte dos ímpios geralmente é descrita na Escritura
com nomes que sugerem seu amargor e horror, tais como "ir para o seu próprio
lugar" (At 1.25); "ser morto pelo Senhor" (Gn 38.7 etc.).
b. A causa da morte temporal. A causa da morte temporal não consiste
em que a pessoa teria sido originariamente criada com propriedade
mortal ou, pelo menos, com certa propensão para morrer (Gn 2.17),
nem em que a matéria de que se constitui o corpo seria, por sua
própria natureza, perecível. (Seneca: Morieris, ista hominis natura, non
poena est; cf. também as opiniões similares dos pelagianos e unitários.)
A causa da morte temporal é a queda do ser humano em pecado.
(Gn. 2.17; 3.17s~;Rm 5.12; 6.23) Lutero: "Der Tod kann die Siinde
nicht wegnehmen, weil er selbst verflucht und eben die ewige Strafe des
Zornes Gottes ist." ("A morte não pode tirar o pecado, por ser ela
mesma maldita e propriamente o castigo eterno da ira de Deus.")
A opinião de alguns teólogos modernos (Kirn) de que a morte já existia
antes do pecado, mas pelo pecado se converteu em castigo, é antiescriturística
(ateu graphees). Segundo as Sagradas Escrituras, a morte não existiu até o
momento em que o pecado veio ao mundo. (SI 90.7,8) O pecado é, por
conseguinte, castigo direto (malun poenae) que Deus inflige à pessoa culpada,
por sua justiça vingadora (iustitia vindicativa).
As outras causas da morte que a Escritura menciona devem sempre ser
relacionadas à queda do ser humano e às transgressões subseqüentes. Assim,
Satanás é causa da morte porque foi "homicida desde o princípio" (Jo 8.44),
enquanto que Adão é a causa da morte de todos os seus descendentes (Rm
5.12), porque a sua culpa é atribuída a todos os seus filhos (culpa herditaria).
Todas as calamidades, como as pestes, tempestades, fome, inundações,
a espada, violência, etc. (Rm 8.35,36), são chamadas "causas instrumentais"
(Mittelursachen) da morte, porque produzem diretamente a destruição da vida.
São, todavia, causas instrumentais da morte, porque o pecado, sua causa
principal e primária, "entrou no mundo7'. (Rm 5.12s~)Não devemos, por isso,
considerar a morte "a maneira de a natureza se desembaraçar dos incapazes"
(modernistas), mas apenas o "salário do pecado". (Rm 6.23) O cristão tem de
ter essa verdade sempre presente. Se nega que a morte é castigo do pecado,
não pode compreender nem avaliar corretamente a morte substitutiva de
Das Ú~tirnasCoisas

Cristo na cruz. Com efeito, aqueles que negaram a culpa do pecado como
causa exclusiva da morte (racionalistas) coerentemente negaram também a
satisfação vicária (satisfactio vicaria) de Cristo.
c. As pessoas que estão sujeitas a morte. A Escritura ensina que todos os
descendentes de Adão estão sujeitos à morte. (Rm 5.12: "[ ...I a morte
passou a todos os homens, porque todos pecaram".) Esse fato é
confirmado pela experiência. Coerentemente, toda tentativa que
vise a encontrar cura para a morte é a priori inútil. A única maneira
de o pecador poder libertar-se da morte é pela fé em Cristo, "o qual
não só destruiu a morte, como trouxe à luz a vida e a imortalidade".
(2 T m 1.10) Embora também o cristão esteja sujeito à morte
temporal, ele não "provará a morte". (Jo 8.52; 11.25,26)
Se alguém perguntar por que os que crêem em Cristo também têm de
morrer, a Escritura responde: a) que também são pecadores segundo a natureza
corrompida @alaiós ánthroopos), de sorte que também no seu caso a morte é o
salário do pecado. (Rrn6.23; 7.24): b) que, no seu caso, a morte não está associada
à sensação da ira divina (sensus irae divinae) ou ao "aguilhão da morte" (1 Co
15.55-57), de forma que, para eles, a morte já não é morte no sentido próprio,
mas um sono bendito em Jesus. (1 Ts 4.13,14; Lc 23.43; Fp 1.23)
A Apologia escreve (XII, 153): 'R própria morte serve ao propósito de
abolir esta carne de pecado, a fim de ressurgirmos inteiramente novos. Na
morte do crente, porém, depois que pela fé venceu os terrores da morte, já
não há aquele aguilhão e aquele sentimento de ira de que fala Paulo: "O
aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei." Esse poder da
morte, esse sentimento de ira, a morte não é propriamente pena."
Em vez da sensação da ira divina (sensus irae), o cristão experimenta,
pela fé, a sensação da graça divina (sensus gratiae), de modo que, ao se
aproximar a morte, ele recomenda, com júbilo, a sua alma ao Redentor e
parte em paz. (Lc 2.29,30; At 7.59)
Além disso, o crente sabe, pela fé, que está livre da "segunda morte"
(Ap 20.14), ou condenação eterna (Jo 3.16-18; 5.24; 1 Jo 3.14), de modo que
a morte temporal não tem pavor para ele. (Ap 14.13).
Por último, o crente cristão é confortado pelos "doces nomes" (epitheta
ornantia) que as Sagradas Escrituras atribuem à morte dos santos de Deus.
Esses doces nomes (mortis dulcia nomina) não são títulos vazios, mas afirmações
evangélicas verdadeiras e benditas da graça e d o amor de Deus, que
proporcionam inefável consolo ao crente que está morrendo.

2. As CONDIÇOES
DA AM ENTRE A E A RESSURREIÇAO
MORTE
É pequeno o número de passagens da Escritura que descrevem as condições
Dogmática Cristã

da alma depois da morte, visto que as Sagradas Escrituras chamam a atenção


dos crentes cristãos principalmente para o dia do juízo e para a salvação eterna
que segue à bem-aventurança que gozam logo após a morte. (1 Co 1.7; Fp
3.20,21; C1 3.4; 1 Ts 4.13s~;2 Tm 4.7,8; T t 2.13) O crente, por conseguinte,
"aguarda" pacientemente a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e regozija-se na
gloriosa redenção que este dia da salva@o Lhe promete. (Mt 24.44-46; Lc 21.31)
Assim como as Sagradas Escrituras confortam o crente predominantemente
com a glória do segundo advento de Cristo, também advertem o incrédulo,
lembrando-lhe a certeza do juízo final (2 Ts 1.9,10; Hb 10.27; 2 Pe 23-6; Jd 6.7)
e fazendo referências diretas ao seu castigo depois da morte. Embora poucas,
semelhantes passagens não faltam. (Hb 9.27; Lc 16.22,23)
0 s piedosos devem, portanto, regozijar-se sempre com a segunda vinda
de Cristo (Mt 25.34), enquanto que os ímpios sempre devem recear seu justo
juízo como o grande e perene castigo do qual não escaparão. (Mt 25.41,46)
As Sagradas Escrituras falam também das condições da alma depois da
morte. Dizem-nos que as almas dos ímpios são "espíritos em prisãoJ' (1 Pe
3.19) e que padecem tormentos atrozes e infinitos (Lc 16.23-31), de modo
que a morte os leva diretamente à eterna agonia e angústia. (SI 106.16-18)
A Escritura, porém, nos assegura que as almas dos piedosos estão nas
mãos de Deus (At 7.59,60; Lc 23.46), que estão com Cristo no paraíso (Fp
1.23; Lc 23.43) e que são supremamente felizes (Ap 14.13) em sua nova vida
celestial. (SI 16.11; Jo 17.24; Rrn 8.18) Na verdade, vêem-se tão completamente
afastados de toda aflição e pesar terrenos que ignoram totalmente os que
vivem sobre a face da terra (1s 63.16-18) e as necessidades destes já não lhes
interessam. (1s 57.1,2)
Concluímos, por isso, que as almas dos crentes estão em condições de
perfeita bem-aventurança e de perpétuo gozo com Deus, ainda que não
possamos fazer idéia de como se efetua essa maravilhosa fruição de ventura
celestial. Rejeitamos, conseqüentemente, toda espécie de sono da alma
(psicopaniquismo) que exclui o gozo ativo de Deus por parte do crente
falecido. (Fp 1.23; Lc 23.43)
As declarações da Escritura de que os "mortos dormem" (1 Co 15.18),
ou de que "os mortos não louvam a Deus" (SI 6.5), ou de que "entram no
repouso" (Hb 4.3), etc., não provam a insensibilidade da alma depois da morte,
mas são expressões figuradas, empregadas num sentido que a Escritura expõe
com clareza.
Não é permitido tirar conclusões com respeito às condições da alma
depois da morte da natureza da alma ("A alma jamais fica inativa", etc.). As
conclusões obtidas dessa forma são muito inseguras e, sobretudo, visto que a
Escritura é a única fonte e padrão de fé e o seu ensinamento não deve ser
suplementado pela especulação humana.
Das Últimas Coisas

Não se deve rejeitar como falsa a psicopaniquia que encerra verdadeiro


gozo de venturas celestiais (Lutero), porque não contradiz a Escritura. Lutero
escreve (S. L., I, 1758ss; 11, 215s): "É verdade divina que Abraão [depois da
morte] vive com Deus, lhe serve e com ele governa. Todavia que espécie de
vida vem a ser esta, se ele dorme ou está desperto, 1á isto é outra pergunta.
Como a alma descansa, não devemos saber; certo, porém, é que ela vive."
Com respeito à habitação das almas (paraíso, prisão, phylakee), escreve
Gerhard: "Por denominação geral, a Escritura fala acerca de um lugar. (Jo 14.2;
Lc 16.28; At 1.25) Não que seja um lugar corpóreo e físico propriamente dito,
mas porque é "onde" (pou) em que as almas, separadas de seus corpos, são
reunidas. A Escritura só enumera dois destes receptáculos ou habitações das
almas, um dos quais, preparado para as almas dos piedosos, se chama céu pela
denominação mais comum, e o outro, designado para as almas dos ímpios, se
chama inferno." (Doctu. Theol., p.632)
O chamado purgatório (purgatorium, bem como também o limbus
infantium e o limbus patrum), onde, de acordo com a doutrina papista, as
almas dos crentes têm de expiar os castigos temporais pelos seus pecados, é
invenção (criação) da razão, porque a Escritura ensina que todos os crentes
obtêm, pela fé em Cristo, não o purgatório, mas a vida eterna. (Jo 5.24; 3.36)
Além disso, ensina claramente que não foram apenas as almas dos santos,
tais como São Paulo e Estêvão (Fp 1.23; At 7.59), mas também as de grandes
pecadores, convertidos na última hora, tais como o malfeitor na cruz, que
entraram com Cristo no paraíso. (Lc 23.43) (cf. Lutero acerca do purgatório,
S. L., 11, 2067ss)
Entre os teólogos protestantes modernos, IZahnis defendeu a doutrina
do purgatório. Escreve ele: "Na idéia do purgatório, há sem dúvida alguma
verdade, a saber, que para muitos cristãos ainda se faz necessária uma purgação.
Grande é o número de cristãos de quem não se pode dizer que Cristo seja a
sua vida. Eles experimentam, contudo, certa atração para ele e confessam o
que dele reconheceram como uma pureza, desinteresse, fidelidade de conduta
que só poderá envergonhar a muitos cristãos que são mais fortes em palavras
do que em obras." (Pieper, Christl. Dogmatik, 111, 576)
- O purgatório protestante, entretanto, não t e m mais fundamento

escriturístico que o purgatório papista, pois Cristo promete a vida eterna a


todos os que nele crêem. (Jo 5.24; 3.36) A Escritura ensina que apenas o sangue
de Cristo purifica do pecado (1 Jo 1.7), mas não a obra ou o padecimento da
pessoa (G1 3.10) Nem mesmo a fé purga do pecado porque seria obra humana.
(Rm 4.3-5) A fé salva apenas porque é o meio receptor (medium leeptikón), que
se apodera da justiça de Cristo e, assim, regenera o coração e liberta o crente da
maldição e domínio do pecado. (Rm 6.2,14) Todos os teólogos protestantes
que se associam a Roma no ensino de um purgatório, eo ipso rejeitam o sola fide
e defendem a doutrina da justiça pelas obras.
Dogmática Cristã

Das muitas promessas das Escrituras feitas aos crentes, fica evidente
que a alma do cristão que morre está inteiramente purificada de todo pecado
original e atual; pois se acha, então, no "paraíso", a santa morada dos santos
perfeitos de Deus. (Fp 1.23; Lc 23.43) Lutero chama a morte o "último
purgatório" dos cristãos, querendo com isto dizer que a alma do crente, depois
de partir em Cristo, está completamente liberta do pecado.
Com respeito ao purgatório, escreve Hafenreffer: "Tudo o que se atribui
às satisfações do purgatório bem como da intercessão dos santos é subtraído
do mérito de Cristo, o qual somente nos purifica do pecado." (Doctr. Theol.,
p.636) A Igreja Luterana rejeita, por conseguinte, a doutrina do purgatório
por colidir com a da justificação só pela Eé.
Dentre os teólogos protestantes modernos, alguns (Schleiermacher)
ensinaram q u e d u r a n t e o status medium (o t e m p o entre a m o r t e e a
ressurreição), a alma tem de ser dotada de uma espécie de corpo temporário
(Zwischenleib), visto que de o u t r o modo dificilmente poderia existir.
(Macpherson: "O indivíduo usa um corpo adequado às suas condições durante
aquele período.") A Escritura, porém, nada sabe de semelhante corpo
temporário. O crente pode ficar certo de que Deus, que criou a alma para o
corpo tão maravilhosamente, é capaz de cuidar dela também enquanto está
fora do corpo. (2 Co 5.1-9)
A aparição de "Samuel" (1 Sm 28) explica-se melhor como sendo engano
de Satanás (1 Sm 28.19: "Tu e teus filhos estareis comigo.") Aqueles que
crêem que, nesse caso, Deus realmente permitiu que Samuel aparecesse
devem considerar essa aparição uma exceção à sua regra fixa e devem sustentar,
com base na Escritura, que o espiritismo é obra e fraude de Satanás. (Dt
18.10-12)
A respeito das almas dos finados, podemos resumir os ensinamentos da
Escritura da seguinte maneira: a) As almas que partiram não voltarão à terra
(Lc 16.27-31); a aparição de Moisés e Elias por ocasião da transfiguração de
Cristo (Mt 17.3) não constitui exceção à sua regra, visto que esses santos
podem ser classificados entre os ressuscitados. (Dt 34.6; 2 Rs 2.11) b) As
almas que partiram ignoram os que vivem sobre a face da terra e os seus
negócios. (1s 63.16) c) A adoração dos cristãos falecidos é uma insensatez e
também idolatria. (Mt 4.10) d) A Escritura nega com ênfase a opinião errônea
dos teólogos racionalistas que afirmam ser possível a conversão mesmo depois
da morte. (Hb 9.27)
Em 1 Pe 3.18,19, Pedro não fala da pregação do Evangelho, mas, pelo
contrário, da proclamação do juízo divino àqueles que, durante a sua vida,
desprezarem a Palavra salvadora de Deus. O ekeeryxen ("pregou") denota
pregação da Lei e não pregação do Evangelho, segundo demonstra o contexto.
Das Últimas Coisas

DE CRISTO
ADVENTO
3. O SEGUNDO
As Sagradas Escrituras ensinam com muita ênfase que, na hora
determinada por ele (At 1.7; Jo 5.28,29), Cristo, o Homem-Deus (Mt 25.31),
aparecerá visivelmente (At 1.9,11) a todas as pessoas ao mesmo tempo (Mt
24.27,30; 1 Ts 5.2) em glória divina e cercado dos seus anjos ministradores (Mt
25.31; 1Ts 4.16; M t 13.41,42), para julgar "todas as nações da terra" (Mt 25.31),
tanto os vivos como os mortos, sendo que estes depois de sua ressurreição (1
Co 15.51; Dn 12.2; Jo 5.28,29), a fim de lançar os ímpios no fogo eterno do
inferno (Mt 25.46) e levar os seus santos à glória eterna (Hb 9.28), de sorte que
a Igreja militante (ecclesia militans) seja transformada para toda a eternidade em
Igreja triunfante (ecclesia triumphans). (cf. Lutero, S. L., IX, 951ss)
A doutrina bíblica da volta gloriosa de Cristo deve receber ênfase frente
às blasfêmias dos ímpios (2 Pe 3.3,4) e à negligência dos crentes cristãos que,
em virtude da fraqueza de sua carne, são propensos a desconsiderar sua gloriosa
esperança. (Mc 13.23)
Com respeito ao tempo exato da segunda vinda de Cristo, as Sagradas
Escrituras ensinam que o mesmo é desconhecido das pessoas (Mt 24.36; M t
13.32) bem como é impossível os seres humanos o conhecerem. (1 Ts 5.2,3;
Mt 24.44; M t 13.33-36) Se, a despeito da advertência de Cristo, mesmo
teólogos crentes (Bengel: 1836 é o dia da volta do Senhor) procuram calcular
a época de seu segundo advento, isso é uma prova de quão profundamente a
curiosidade pecaminosa está arraigada no coração humano. (At 1.6)
- , Embora os cristãos não devam procurar calcular a época da volta do
Senhor (contra o RusseIismo, Adventismo, etc.), devem observar, com cuidado,
os sinais dos tempos, os quais Deus estabeleceu para estimular os seus fiéis à
maior vigilância e preparação. (Mt 24.32,33; Lc 21.29-31; 2 Ts 2 . 3 s ~ )Com
relação aos sinais dos tempos, Lutero diz corretamente que "todas as criaturas
servirão este dia com sinais".
Entre os sinais dos tempos, as Sagradas Escrituras mencionam as
condições anormais: a) na esfera da atividade e vida humanas (guerras, ódio A
Igreja, pestilências, fomes, aflição geral, grande iniqüidade, esfriamento do
amor, violência) (Mt 24.5-14, 37-39); b) no reino da natureza (terremotos,
enchentes, distúrbios nos movimentos dos corpos celestes) (Lc 21.25,26); c)
na esfera da Igreja (o surgimento de falsos mestres, a apostasia de Cristo, o
Anticristo) (Lc 21.8,16, 17; 2 Ts 2.3,4); etc. Assim como a enfermidade é sinal
da iminente dissolução da pessoa individual (microcosmo), também os
distúrbios no mundo (macrocosmo) prenunciam sua destruição final.
Esses sinais não são reconhecidos como tais pelos seres humanos. Essa
é uma prova do espantoso estupor (mirnbilis stupor) que o pecado produziu
no homem. Tal como diz Lutero com precisão, o ser humano, depois da queda,
vive em verdadeiras "trevas egípcias".
3:gmdiica Cristã

A perseguição desenfreada de Cristo e do seu Evangelho é um sinal


seguro do juízo vindouro; pois este pecado dos pecados encerra a mais vil
ingratidão por parte do ser humano. Depois de Cristo haver redimido todo o
mundo por seu santo padecimento e morte, todas as pessoas deveriam adorá-
10 com alegria, reunir-se na sua igreja e ampará-la. Em vez disso, porém,
perseguem os que amam e servem a Cristo. (Mt 24.9; Jo 16.2; Mt 10.17; Rm
8.36; At 14.5,6,19; 16.22s~)
Apesar dessa vergonhosa ingratidão das pessoas, Cristo ainda mantém
graciosamente a sua Palavra na terra e faz com que seja pregada em todo o
mundo para testemunho a todas as nacões. (Mt 24.14) Isto é, contudo,
ao mesmo tempo, importante sinal dos tempos. (Mt 24.14: "Então virá o
fim.")
Com respeito aos sinais que prefiguraram a destruição de Jerusalém e,
ao mesmo tempo, a do mundo (Mt 24.2-14, 15-31, 32-51; 16.27,28), o Dr.
Stoeckhardt observa com razão que a destruição de Jerusalém foi "ao mesmo
tempo um sinal do dia do juízo e do princípio do juízo final". (Bibl. Gesch. d.
N.T , p. 256) O caráter "epitelesmático" da profecia divina em geral explica
também essa predição particular; porque numa única visão profética indivisa,
o Senhor vê aqui as coisas que estão próximas bem como as que estão mais
distantes, isto é, tanto a destruição de Jerusalém como a do mundo.
Com referência à pergunta sobre se os sinais dos tempos têm-se cumprido,
Lutero declara que "em sua maior parte (das rnehrere Eil) já ocorreram esses
sinais, não havendo muitos outros por esperar". A isso devemos acrescentar,
no entanto, que os sinais foram dispostos intencionalmente por Deus de tal
maneira que ninguém possa calcular o dia ou hora exata da segunda vinda do
Senhor. Assim, já durante o período apostólico, se podia dizer, com referência
ao sinal dado por Cristo em Mt 24.14, que a fé cristã era "divulgada em todo o
mundo". (Rm 1.8; 10.18; 1 Ts 1.8; At 19.10; 1 Tm 3.16)
A Finalidade dos sinais não é levar os crentes cristãos a determinar a
hora da vinda do Senhor, mas incitá-los à permanente vigilância. (Mt 24.42)
Há certa analogia entre o fim do mundo e a morte pessoal do cristão, pois,
uma vez que ninguém pode saber precisamente quando morrerá, cada um
deve estar preparado para encontrar-se com Deus quando, na hora por ele
designada, a morte lhe sobrevier. (Arn 4.12; 2 Co 5.9)
A Igreja Luterana rejeita, com base nas Sagradas Escrituras, a doutrina
do MILLENNIUM como invenção do espírito humano. A Confissão de
Augsburgo expressa sua discordância com o milenarismo, ao dizer: "Aqui se
rejeitam, outrossim, algumas doutrinas judaicas que também ao presente se
manifestam e segundo as quais antes da ressurreição dos mortos um grupo
constituído integralmente de santos e piedosos terá um reino terrestre e
aniquilará todos os ímpios."
Das Últimas Coisas

Essa udoutrina judaica" (At 1.6) apareceu-cedo na Igreja Cristã e era


conhecida como quiliasmo (milenarismo) (um reino terreno de Cristo com a
duração de mil aios). Era ensinada e advogada em muitas formas (chiliasmus
crassissimus, crassus, subtilis). Embora esia ~Iassificaçãonão seja de todo
precisa, auxilia na distinção entre os vários tipos de quiliasmo.
0 s mais crassos milenaristas (crassissimi) aguardam um período de grande
bênção espiritual e temporal, durante o qual se removerão as conseqüências
do pecado sobre o ser humano e o mundo.
uPgeE
- O_sm~e~arlstas crassos (crassi) aguardam a destruição do Anticristo e a
conversão geral dos júdeus, de sorte que, durante mil anos, a Igreja Cristã
desfrutará um período de grande paz e prosperidade. Esse tipo de quiliasmo
ensina uma dupla volta visível de Cristo e uma dupla ressurreição dos mortos
e inclui ou exclui o reino terreno de Cristo em Jerusalém e na Terra Santa.
É característico no sonho fantástico do milenarismo que os seus
propugnadores jamais concordam entre si nos pormenores. As diversas teorias
são tão contraditórias, que todo o assunto se torna repulsivo para o estudioso
das aberrações doutrinárias por causa de sua complexidade e inconsistência.
1 d m i l e n__ a__---__
\
r i s t a s sutis
1
(subtiles) rejeitam a doutrina da dupla vinda e
ressurreiçáo, todavia aguardam um período de inusitado crescimento e
prosperidade para a Igreja Cristã (Spener) antes que o mundo seja Finalmente
destruído.
O milenarismo não tem nenhum fundamento escriturístico. As
passagens que geralmente são citadas em seu Favor (1s 2.2-4; 11.6-9; Zc 9.9,10;
J1 3.2s; Mq 4.1-4; Ap 20.1-10) não predizem nenhum reino milenário, mas
descrevem a glória espiritual da Igreja do Novo Testamento, a qual se realiza
pela vinda do Messias e a pregação do Evangelho através de todo o mundo.
(Lc 2.13,14; 1.76-79; 1.46-55)
O milenarismo, no entanto, é antiescriturístico. Contradiz as Sagradas
Escrituras, que ensinam claramente a) que a época do Novo Testamento,
especialmente os últimos dias antes da vinda de Cristo, constituirão um
período de grande perseguição e sofrimento para todos quantos amam o
Senhor Jesus Cristo (Jo 16.13; Mt 24.9-13, 21-27; Lc 21.16.17); b) que o
Reino de Cristo não é terreno nem exterior, mas espiritual e interior. (Jo 14.27;
16.33; Rm 5.1-5; Lc 17.20,21; Mc 1.14,15; Lc 10.9-11; Rm 14.17-19) Além
disso, encaminhando a esperança crista para um reino mundano de Cristo, o
milenarismo desencaminha e destrói a verdadeira esperança cristã, que espera
firmemente a maravilhosa glória dos céus (Fp 3.20,21; 1 Co 1.6-8), à qual será
congregada a Igreja militante por ocasião da segunda vinda de Cristo. (Mt
25.34; 5.3,10-12)
A objeção dos milenaristas de que a pequena Igreja terrena de Cristo
que vemos presentemente, com certeza, não representaria a gloriosa Igreja
Dogrnática Cristã

de nosso Senhor, respondemos que nosso Salvador deliberadamente prediz e


descreve o pequeno tamanho (Lc 12.32; Mt 20.16), a angústia e tribulação
(At 14.22) e a derrota aparente (Mt 24.37,38) de sua Igreja na terra para que
os seus seguidores sejam preservados dos laços enganadores de todas as ilusões
milenaristas. (Mt 24.42-51)
Outrossim, o milenarismo opõe-se a outras verdades escriturísticas
claramente determinadas, pois afirma a) uma dupla vinda visível de Cristo,
contrária ao ensinamento expresso de Hb 9.28 e b) uma dupla ressurreição,
oposta a Jo 6.40.
Se os milenaristas argumentam que o milenarismo é ao menos uma
bela esperança, que não deve ser enfraquecida ou destruída naqueles que a
nutrem, nós respondemos que nada do que se opõe ao ensinamento da
Escritura é bom ou belo. Eva também considerou belo o fruto da árvore proibida
(Gn 3.6), porém a bela idéia de comer da árvore foi ilusão de Satanás (1 T m
2.14), que redundou em sua transgressão e trouxe sobre ela e todos os seus
descendentes indizível desgraça.
De modo semelhante, muitos consideram muito linda a idéia de se ter
na terra um vigário de Cristo que governe a Igreja. (2 Ts 2.9-12) O resultado,
porém, é o Anticristo, servo de Satanás (2 Ts 2.3,4), que seduz milhares à
condenação eterna (2 Ts 2.12) precisamente por sua piedade externa.
O milenarismo é a maneira mais sutil de Satanás induzir os crentes a
considerar o Cristo crucificado escândalo e loucura (1 Co 1.23); porque o seu
sonho milenarista é realmente o efeito de sua insatisfação íntima com a
humildade da Igreja de Cristo na terra.
A objeção de que ao menos Ap 20.2 ensina um milênio, retrucamos a)
que essa passagem não ensina nenhum milênio, porque os que "viveram e
reinaram com Cristo durante mil anos" são claramente descritos como as
"almas daqueles que foram degolados pelos testemunho de Jesus e pela
Palavra de Deus" (Ap 20.4), de sorte que a visão não expressa uma cena
terrena, mas celestial; b) que toda esta passagem (Ap 20.1-10) é tão obscura
que não pode constituir sedes doctrinae do milenarismo, especialmente
porque, dificilmente, dois intérpretes lhe darão explicação idêntica; c) que
o "pouco de tempo" (mikrós chronos) juntamente com os "mil anos" abrangem
todo o tempo do Novo Testamento (Lutero), visto que imediatamente após
este "um pouco de tempo7' se seguirá o juízo final (Ap 20.10); e d) que, uma
vez que o Apocalipse é livro profético, "tão profuso em visões obscuras bem
como em formas de linguagem alegóricas e como que enigmáticas,
extremamente difíceis de se compreender, deve ser exposto segundo a
analogia da fé, ou seja, segundo as passagens escriturísticas claras e
inteligíveis" (Hollaz), que predizem os acontecimentos escatológicos em
linguagem clara e inconfundível.
Das Últimas Coisas

Tal como o milenarismo, também a "conversão geral dos judeus" é


invenção da razão humana. 0 s propugnadores desse erro baseiam sua
doutrina em Rrn 11.26: "E, assim, todo o Israel será salvo." Que essa passagem
não ensina nenhuma conversão geral dos judeus, fica evidente a) do contexto,
que demonstra que o apóstolo toma a expressão "todo o Israel @as Israeel)"
no sentido de "o Israel eleito" (v. 28: "Quanto à eleição, amados") e b) do
fato de, em outras passagens, afirmar claramente que não serão salvos todos
os judeus, mas unicamente os eleitos. (Rm 11.5: "Sobrevive u m
remanescente segundo a eleição da graça"; v. 7: "A eleição o alcançou; e os
mais foram endurecidos".)
Paulo, dessarte, faz clara distinção entre o Israel espiritual (Israeel katá
pneuma), que se salvará e o Israel carnal (Israeel katá sarka), que será
condenado. Rm 9.6: "nem por serem descendentes de Abraão são todos seus
filhos; mas: Em Isaque será chamada a tua descendência; v. 8: "Estes filhos de
Deus não são propriamente os da carne, mas devem ser considerados como
descendência os filhos da promessa"; v. 27: "Ainda que o número dos filhos de
Israel seja como a areia do mar, o remanescente é que será salvo"; v. 31: "Israel,
que buscava lei de justiça não chegou a atingir essa lei."
Concluímos, das considerações acima, que "todo o Israel será salvo"
(Rm 11.26) designa os eleitos de Deus entre os gentios. O determinativo de
tempo "até que" (Rm 11.25: "até que [achri hou] haja entrado a plenitude dos
gentios") ressalta a verdade de que, enquanto os gentios se convertem e se
salvam, também os eleitos de Israel serão escolhidos, isto é, até o fim do
mundo. (Mt 24.14) As palavras "e, assim" (Rm 11.26: kai houtoos) descrevem
o modo como "todo o Israel será salvo", a saber, pelo divino chamamento dos
eleitos em Israel por meio do Evangelho, pelo qual também entrará a
"plenitude dos gentios". (Rm 10.13-18)
De acordo com esse princípio, os apóstolos pregaram o Evangelho tanto
a judeus como a gentios (At 13.14-52), para que, durante o mesmo tempo de
graça do Novo Testamento, "todo o Israel" e a plenitude dos gentios" pudessem
entrar. (Rm 10.1-4) Exatamente dessa maneira, a Igreja de Cristo deve pregar
o Evangelho da salvação a toda criatura e fazer discípulos de todas as nações
até o fim dos tempos. (Mc 16.15,16; Mt 28.20) Somente por meio da bendita
proclamação do Evangelho, serão salvos os eleitos dentre os judeus bem como
dentre os gentios. (At 13.43-49) (cf. Christl. Dogmatik, 111, 584ss).
O retorno dos judeus à Palestina é visto como concomitante à conversão
geral dos judeus. Baseia-se na interpretação puramente literal das profecias
do Antigo Testamento (1s 11.11,12; Arn 9.11-15; Ez 40.48; Zc 6.12; etc.), que
é tão antiescriturística quanto ridícula. Essas passagens predizem e descrevem
a edificação da Igreja do Novo Testamento com estrutura frasal do Antigo
Testamento.
Dogmática Cristã

@ERESSURRECTIONE
MORIUORUM)
A doutrina da ressurreição dos mortos tanto é posta em dúvida (1 Co
15.35) quanto blasfemada (At 17.32) pelos írnpios, contrariamente à noção que
eles têm de Deus como Criador e Rei onipotente do universo, que pode fazer
todas as coisas (Rrn 1.19,20), de sorte que sua incredulidade fica inescusável. (1
Co 15.35s~)Para o cristão, porém. é fonte de suprema alegria e doce consolação.
(1 Co 15.20-22) (Terceiro Artigo: "Creio na ressurreição da carne.")
A doutrina da ressurreição é ensinada tanto no Novo Testamento como
também no Antigo. (Jó 19.25,26; 1s 26.19; Dn 12.2) Os saduceus, que negavam
a ressurreição, foram repreendidos por Cristo como laborando em erro, "não
conhecendo as Escrituras". (Mt 22.29) Ao mesmo tempo, Jesus lhes indicou
o grande número de passagens no Antigo Testamento que atestam a
ressurreição, quando disse: "Quanto à ressurreição dos mortos, não tendes
lido o que Deus vos declarou: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o
Deus de Jacó< Ele não é Deus de mortos, e sim de vivos." (Mt 22.31,32) Daí,
sempre que, no Antigo Testamento, lemos a promessa: "Eu sou teu Deus",
temos uma passagem que ensina a ressurreição dos mortos, visto que "Ele
não é Deus de mortos, e sim de vivos". (Gn 17.7; 26.24; 28.13; Ez 37.27; etc.)
É, pois, com plena justificação que Lutero diz que, em Gn 3.15, também
se ensina a abolição da morte e a ressurreição, uma vez que a morte é o
salário do pecado. Escreve ele "Este versículo abrange ao mesmo tempo a
libertação da Lei, do pecado e da morte e revela uma clara e segura esperança
da ressurreição e renovação na outra vida que se segue a esta. Porquanto, se
se há de ferir a cabeça da serpente, também se abolirá e aniquilará a morte."
Mantemos, por conseguinte, que a fé cristã na ressurreição dos mortos
é tão velha quanto a proclamação do Evangelho. É erro da parte dos teólogos
modernos a alegação de que a doutrina da ressurreição teria se desenvolvido
gradualmente entre os crentes. (Luthardt; Dogmatik, p.412; Voigt: 'IA doutrina
da ressurreição só se acha nos últimos livros do Antigo Testamento." Biblical
Dogmatics, p.239)
Contra esse erro, sustentamos que a doutrina da ressurreição não se
acha apenas em passagens como Dn 12.2; SI 1715; Os 1314; 1s 26.19; Ez
37.1-10; Jó 19.25-27, mas também em todas as passagens em que Deus se
revela como Deus do seu povo, individual ou coletivamente. (Êx 3.6,13; 4.5,
etc.) Hofmann diz com razão: "Nada pode ser mais errôneo que a opinião de
que a ressurreição dos mortos seria uma idéia surgida posteriormente apenas
por especulação humana. Não se achará época nenhuma em que se pudesse
imaginar a fé sem essa esperança."
Visto que a doutrina da ressurreição pertence aos artigos fundamentais
primários, sem os quais não pode existir a fé cristã (2 Tm 2.17,18; 1Tm 1.19,20),
Das Últimas Coisas
a declaração de Hofmann de que "não se pode imaginar a fé sem essa esperança"
é realmente escriturística. Os crentes do Antigo Testamento certamente teriam
"naufragado na fén (1 Tm 1.19), se eles não tivessem crido na ressurreição.
É verdade que a revelação perfeita e completa a respeito da ressurreição
veio com Cristo e a plenitude da pregação do Evangelho. (Jo 5.28,29; 6.39,40;
1 Ts 4.16; 1 Co 15, etc.)
Segundo a Bíblia, a ressurreição dos mortos consiste formalmente a) na
restauração do mesmo corpo que pereceu pela morte por meio dos seus átomos
ou partículas que foram espalhadas e dispersas (Jó 19.25-27; 1 Co 15.42-49);
b) na reunião do corpo e alma (1 Ts 4.14-17). A ressurreição situa-se além da
compreensão humana; é milagre da onipotência de Deus, exatamente como
a criação. (2 Co 1.9; Rm 4.17)
Porque o poder divino, precisamente como a essência divina, pertence
às três Pessoas na Divindade sem divisão ou multiplicação (una numero essentia,
una numero potentia), a Escritura atribui a ressurreição ora ao Pai, ora ao Filho
da mesma maneira (Jo 5.21), e a este apenas segundo a sua natureza divina,
mas também segundo a humana. (Jo 5.22,27: "Porque é o Filho do homem".)
O humano-divino Redentor do mundo é também seu divino Ressuscitador e
Juiz. (Jo 5.28: fiTodos os que se acham nos túmulos ouvirão a sua voz [do
Filho do homem]"). O fato de o Verbum incarnatum (logos énsarkos), ou seja, o
Homem-Deus, ser o Senhor onipotente que, no dia derradeiro, dará a bem-
aventurança ou a condenação (At 17.31: "Por meio de um varão") é de grande
conforto para todos os crentes (Jo 11.23-27; Ap 1.5,6), enquanto que é causa
de indizível terror para todos os incrédulos. (Jo 19.37; Ap 1.7; 6.16,17)
A negação da comunicação das ações divinas (actiones) à natureza
humana constitui erro sumamente pernicioso (cf. a negação calvinista do
genus maiestaticum). Isso se comprova de modo convincente pelas passagens
da Escritura que descrevem a ressurreição e o juízo final como sendo obra do
Filho do homem.
Com respeito à pergunta: Quem será ressuscitado dos mortos<
(subiectum quod resurrectionis), a Escritura responde com muita clareza que
todas as pessoas ressuscitarão, tanto as crentes (1 Co 15.20-22; 1 Ts 4.13-18)
como as incrédulas. (Jo 5.28; At 24.15) 0 s unitários e outras seitas anticristãs
têm negado a ressurreição dos ímpios (socinianos, adventistas, russelitas, etc.).
A Escritura, porém, confirma esse fato em termos inconfundíveis. Ainda que
se possa resistir à exortação de Cristo a ressuscitar espiritualmente pela fé em
suas promessas evangélicas divinas (Mt 11.28-30; Mt 23.37), porque, agora,
opera por meio (potentia ordinata), não se poderá resistir à sua ordem no dia
do juízo para ressuscitar corporalmente da sepultura (Mt 25.31,32), visto
que, então, exercerá seu poder divino sem o uso de meios (potentia absoluta,
efficacia irresistibilis, in nuda maiestate, en tee doxee autou).
Dogmática Cristã

Se alguém fizer a pergunta: Precisamente que parte da pessoa


ressuscitará dos mortos< (subiectum quo resurrectionis), a Escritura responderá
"todo o homem que anteriormente morreu" (Quenstedt: Dn 12.2; Jo 5.28,29),
particularmente o corpo, a mesma forma e essência que nasceu nesta vida e
que pereceu pela morte. (Jó 19.25-27; 1s 26.19; Rrn 8.11; 1 Co 15.53; 2 Co
5.4; Fp 3.21)
O corpo, naturalmente, se reunirá à alma, conforme subentende o
próprio conceito da ressurreição. Como a morte é a separação de corpo e
alma, assim a ressurreição é a reunião do corpo com a alma. Vox anastáseoos
importat iteratam stationem eius, quod ante stetejat et ceciderat. Daí, todo aquele
que nega a identidade numérica dos mortos e dos corpos ressuscitados nega
eo ipso também a ressurreição. Nem a ressurreição nem a "transformação" (1
Co 15.51,52: "[ ...I mas transformados seremos todos, num momento, num
abrir e fechar d'olhos") dos que estiverem em vida quando raiar o dia do juízo,
transformará a identidade do corpo. Nosso soberano Senhor repreende todos
quantos põem em dúvida ou negam a possibilidade da ressurreição com muita
severidade: "Errais, não conhecendo [...I o poder de Deus." (Mt 22.29)
Embora o mesmo corpo venha a ressurgir da sepultura, ele apresentará
novas qualidades. Os corpos ressuscitados dos crentes serão espirituais
(soomata pneumatiká; 1 Co 15.51,52), isto é, próprios para a vida espiritual,
celeste com Deus na glória. As Sagradas Escrituras descrevem os corpos
espirituais dos santos de Deus como sendo incorruptíveis, gloriosos e
vigorosos. (1 Co 15.42-45) Como sendo iguais "ao corpo da sua glória [de
Cristo]". (Fp 3.21) Por último, como "iguais aos anjos de Deus no céu". (Lc
20.36; Mt 22.30) Esta semelhança, no entanto, não se deve estender à privação
de corpo e sexo de anjos; pois, embora o corpo humano não exercerá no céu
as suas funções terrenas anteriores (cf. o erro dos mórmons), não obstante
será essencialmente o mesmo corpo que viveu na terra. (1 Co 15.47-49)
Lutero diz assim: "O corpo permanece quanto à sua natureza, mas
não o mesmo uso do corpo." Lutero descreve corretamente o "corpo natural"
(sooma psychikón; 1 Co 15.44) como sendo "todo o homem conforme vive
com seus cinco sentidos neste mundo e se sustenta, comendo, bebendo,
mantendo casa e lar, mulher e filhos", etc. Ele descreve o "corpo espiritual"
(sooma pneumatikón) como sendo o corpo glorificado, pronto para a felicidade
celestial. Dizem-nos as Sagradas Escrituras, a respeito dos santos de Cristo
em particular, que "os justos resplandecerão como o sol no Reino de seu
Pai". (Mt 13.43)
É muito provável que os corpos ressuscitarão com a mesma estatura
que tinham na morte (crianças, jovens, anciãos, etc.), visto que lemos no
Apocalipse: "Vi também os mortos, os grandes e os pequenos, postos em pé
diante do trono." (Ap 20.12)
Das Últimas Coisas

É desnecessário dizer que os corpos dos justos não apresentarão então


nenhum defeito físico nem vestígio algum de idade ou sofrimento, visto que
tudo isto é conseqüência do pecado. Chemnitz está correto, quando afirma
(De Duabis Naturalis, p.175): "Os corpos são celestiais, não com respeito à
substância, mas com respeito às qualidades, porquanto resplandecerão com
luz e glória celestes, não mais estarão sujeitos a fraquezas terrenas, mas se
distinguirão pelo seu esplendor celeste, e não mais estarão desfigurados,
corrompidos, imperfeitos, mutilados e disformes, mas seráo sumamente belos,
agradáveis à vista, perfeitos, primorosos e completos de membros, etc. Uma
ilustração dessas qualidades é-nos apresentada no corpo de Cristo, conforme
ressuscitou dos mortos e está sentado à direita de Deus, ao qual nosso corpo
será feito semelhante." (Doctu. Theol., p.642ss)
Visto que os ímpios permanecerão no seu pecado e sob a maldição divina
(Jo 3.18,36), seus corpos sairão das sepulturas "para vergonha e horror eterno".
(Dn 12.2) Assim, todos os defeitos e conseqüências do pecado serão tanto
mais visíveis nos seus corpos ressuscitados para eterna desgraça.
Escreve Chemnitz sobre isso: "Muito embora os corpos dos ímpios e
condenados venham a ser incorruptíveis e imortais, não serão impassíveis,
mas estarão sujeitos a eternas torturas e não seráo adornados com nenhuma
honra, nenhuma glória, nenhum poder, nenhuma excelência espiritual, mas
serão assinalados por perpétua imundície e ignomínia, destinados à desgraça
eterna e oprimidos por trevas infernais. São vasos feitos para desonra e
desgraça. (Rrn 9.21; 2 T m 2.20)" (Doctr. Theol., p.643)
Enquanto os justos ressuscitarão dos mortos por virtude do mérito de
Cristo (1 Co 15.20-22), os ímpios ressuscitarão pelo poder divino transmitido
à natureza humana de Cristo pela união pessoal e a exaltação à direita de
Deus, por meio da qual ele sustenta, dirige e governa todas as coisas nos céus
e na terra em seu Reino do poder geral (regnum potentiae). (Jo 5.25-29)
Conforme Gerhard bem observa, a ressurreição dos ímpios pertence às funções
de Cristo como Juiz e não às suas funções como Mediador e Salvador. (Doctu.
Theol., p.643)
É antiescriturística a opinião de alguns teólogos (IZahnis, Nitzsch,
Martensen, etc.) de que, nos crentes, nesta vida, é implantado um germe do
corpo da ressurreição que se desenvolve em corpo glorificado ou lhe serve de
núcleo. As Sagradas Escrituras não ensinam semelhante Auferstehungsleid
(corpo da ressurreição), tampouco afirmam que o mesmo é implantado nos
crentes pelo uso da Santa Ceia.
Dogmática Cristã

5. O Juízo FINAL
(DEIUDICIOEXTREMO)
Imediatamente após o segundo advento de Cristo e a ressurreição dos
mortos, virá o juízo final. (Mt 25.31,32: "Quando vier o Filho do homem na
sua majestade, [...I então se assentará no trono da sua glória; e todas as nações
serão reunidas em sua presença.") Essa conexão imediata da segunda vinda
de Cristo com a ressurreição geral e o juízo final exclui toda e qualquer
possibilidade de um milênio; pois, quando a Escritura fala das últimas coisas
ex professo (sedes doctrinae), não deixa espaço para um reino terreno milinarista
de Cristo.
Serão julgados todas as pessoas sem exceção, tanto as piedosas como as
ímpias (2 Co 5.10; Rm 14.10), tanto as vivas como as mortas (At 10.42), bem
como também os anjos maus. (2 Pe 2.4; Jd 6)A base para o julgamento de
Cristo será sua verdade revelada, a Palavra de Deus, segundo o afirmam
claramente as Escrituras. (Rm 2.16; Jo 12.48; Ap 20.12) A norma de julgamento
(norma iudicii) será as obras das pessoas. (2 Co 5.10; Mt 25.35-45). Os justos,
no entanto, serão julgados apenas segundo as suas boas obras (Mt 25.34-40;
Ap 12.11), uma vez que as suas obras más, ou pecados, foram lançadas nas
profundezas do mar (Mq 7.19) ou seja, foram perdoadas.
Quando as Sagradas Escrituras declaram que todas as pessoas serão julgadas
(2 Co 5.10; Rrn 14.10, e, por outro, que aquele que crê em Cristo não entra em
juízo (Jo 5.24: eis krisin ouk érchetai), essa aparente contradição nada mais é do
que a velha contradição entre a Lei e o Evangelho. Segundo a Lei, todos os seres
humanos devem comparecer perante o tribunal de Cristo. Segundo o Evangelho,
os crentes não entrarão em juízo. O comparecimento dos crentes perante o
tribunal de Cristo não terá, portanto, a natureza de um juízo condenatório,
visto que os seus pecados estão perdoados pela fé em Cristo. (Mt 25.34)
Gerhard comenta com razão que também os ensinamentos
escatológicos de Cristo são tanto Lei como Evangelho e que, também nesse
caso, a Lei admoesta e adverte todos os cristãos no que concerne ao fato de
serem carne (2 Co 5.10; Rm 14.10), enquanto o Evangelho os conforta em
seus temores e dúvidas. (Lc 21.28) Lutero declara: "O iuízo está ab-rogado;
ele concerne aos crentes tampouco quanto concerne aos ánjos.~odosos crentes
passam sem julgamento desta vida para o Reino do céu e ainda são feitos
juízes de outros." Essa afirmação é correta; pois Cristo declara expressamente
que os justos serão segredados dos injustos antes de principiar o juízo. (Mt
25.32,33)
De acordo com a Escritura, o juízo não consiste num processo demorado
(iudicium discussionis) mas num ato momentâneo. (actio momentanea; Mt 24.27;
Lc 17.24) Realizar-se-á em atomoo, num momento, em ripee ophthalmou, num
abrir e fechar d'olhos. (1 Co 15.51,52)
Das Últinzas Coisas

Que os justos julgarão o mundo juntamente com Cristo é doutrina


expressa da Escritura. (1 Co 6.2-4) Julgarão o mundo e os anjos maus e, nisso,
cooperarão nas decisões de Cristo e apoiarão o seu veredito (assessores). Essa
grande dignidade que Cristo Ihes confere em pura graça, deve incitá-los a
julgar com justiça entre os irmãos já nesta vida. (1 Co 6.5)

(DECONSUMMASTIONE
MUNDI)
Com respeito ao céu e à terra, ou seja, o mundo que Deus criou no
princípio (Gn 1.1), as Sagradas Escrituras ensinam, em termos inconfundíveis,
que hão de "passar". (Lc 21.33: pareleusontai; H b 1.10-12: apolountai,
"perecerão"; allageesontai, "serão mudados", SI 102.26-28: wejachalophti jobêdu.)
O sentido das palavras passar, perecer, ser mudado, etc., nessas passagens,
fica evidente no contraste em que as obras perecíveis "das mãos de Deus"
estão para com ele, o Criador eterno, imperecível. Enquanto ele permanece,
elas perecem. Enquanto ele continua imutável e os seus anos não falham, elas
envelhecerão como um vestido, e "serão mudadas". Num mesmo contraste
estão "o céu e a terra" (Lc 21.33) para com "as palavras de Cristo", pois, enquanto
as palavras de Cristo não passam de modo nenhum, o céu e a terra passarão.
-Em 1 Co 7.31, São Paulo escreve: "A aparência deste mundo passa"
(paragei to scheema tou kosmou toutou). A "aparência deste mundo" é sua forma
atual, ou seja, as "presentes circunstâncias ou condições das coisas terrenas".
Semelhantemente escreve São João: "O mundo passa" (ho kosmos paragetai; 1
Jo 2.17). Com base nessas passagens da Escritura, a Teologia cristã ensina que
o mundo, em sua forma atual, será totalmente destruído. (2 Pe 3.10: "Os
céus passarão com estrepitoso estrondo, e os elementos se desfarão abrasados;
também a terra e as obras que nela existem serão atingidas.")
Nossos dogmáticos, porém, estão divididos no que concerne à maneira
em que isto ocorrerá. Enquanto que a maior parte dos teólogos luteranos
(Gerhard, Quenstedt, Calov, etc.) ensinam uma destruição total (aniquilação)
do mundo quoad substantianz, outros (Lutero, Brenz etc.) afirmam que apenas
a forma deste mundo como agora se apresenta passará. Que o mundo será
destruído apenas quanto à sua aparência atual. Esse ensinamento baseia-se
também em Rm 8.21, onde o apóstolo escreve: "A própria criação será redimida
do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória de filhos de Deus."
Lutero escreve coerentemente: "O sol aguarda outro adorno, o qual há
de ter, juntamente com a terra e todas as demais criaturas, a saber, que há de
ser purificado de todo abuso do diabo e do mundo."
Quenstedt rejeita essa doutrina e escreve: "A forma desta consumação
não consiste em mera transformação, alteração ou renovação de qualidades,
Dogmática Cristá

mas em total abolição e redução da própria substância do mundo a nada."


(Doctr. Theol., p.656) Ele baseia esta doutrina em passagens como S1 102.26; 2
Pe 3.10-13; Ap 20.11; 1s 34.4; Lc 21.33; Jó 14.12. Afirma, contudo, que essa
crença não deve ser defendida como um artigo de fé, muito embora "corresponda
mais às passagens da Escritura que descrevem o fim do mundo". Não obstante,
os que consideram a destruição do mundo uma transformação ou renovação
"não devem ser acusados de heresia". (cf. Christl. Dogmatik, 111, 609)
Em vista do fato de não se poder decidir plenamente a questão à base
de passagens claras da Escritura, outros dogmáticos (Heerbrand, Hutter,
Balthasar Meisner) sugerem que o teólogo, também nesse ponto, ponha sobre
os lábios a mão e se abstenha de qualquer ensinamento definitivo. Pode-se,
no entanto, acrescentar que mesmo os dogmáticos consideram a destruição
do mundo uma renovação de todas as coisas, ensinam que o mundo, em sua
forma atual, há de passar realmente. 1 Co 15.24: "Então, virá o fim" (telos).
Também Lutero assim ensina (S.L., VIII, 1222): "Em síntese, deverá cessar
tudo o que for da substância destas coisas temporais, o que pertencer à vida
e às obras perecíveis." Constitui, portanto, questão aberta esta sobre se o
mundo há de passar quoad substantiam, por aniquilação, ou apenas secundum
accidentia, quanto à sua forma e aparência externa, por transformação.
Não é de bom alvitre tomar as passagens que falam de novos céus e
nova terra (1s 65.17; 66.22; 2 Pe 3.13; Ap 21.1) em sentido literal, visto que os
'novos céus e a nova terra" são "símbolos das mansões celestes e da vida
eterna". Buechner (Handkonkordanz) comenta essas passagens: "Bem como
esta terra oferece ao homem u m lar confortável, assim os filhos de Deus
recebem no céu os lares mais confortáveis, cheios de toda sorte de bem-
aventuranças." (Jo 14.1-4)

7. A CONDENAÇAO
ETERNA
(DEDAMNATIONE
AETERNA)
Por ocasião do juízo derradeiro, será feita uma separação completa e
eterna entre os ímpios e os piedosos. M t 25.46: "E irão estes para o castigo
eterno, porém os justos para a vida eterna."
O fato de que haverá um castigo eterno pode-se deduzir, até certo ponto,
também do conhecimento natural que o ser humano possui das coisas divinas.
(Rm 1.18-21) O conhecimento do juizo de Deus (dikaiooma) faz parte da Lei
divina que Deus escreveu no coração humano. (Rrn 1.32) Fundamentada na
Lei, a consciência condena os atos pecaminosos da pessoa como sendo
transgressões, pelas quais é considerado responsável. (Rrn 2.15; 1.20,32) Daí,
também entre os gentios vamos encontrar como que uma doutrina de uma
retribuição eterna, muito embora seja, naturalmente, pervertida por muitas
especulações fantasiosas. (cf. Christl. Dogmatik, 111, 611ss)
Das Últimas Coisas

As Sagradas Escrituras ensinam, com muita clareza e de modo tão


definido, a doutrina da condenação eterna que somente quem rejeita a
autoridade divina da Palavra de Deus pode negá-la. (cf. a doutrina da
restituição, apokatástasis toon pantoon, paliggenesia, restitutio omnium.) Se
alguém ousa rejeitar o castigo eterno (eis kólasin aioonion), também é obrigado
a rejeitar a vida eterna (eis zooeen aioonion), porque ambos são postos lado a
lado, na verdade, em contraste entre ambos. (Mt 25.46; Jo 3.36)
Embora seja verdade que o termo eternidade, vez por outra, é empregado
na Escritura no sentido enfraquecido de "longa duração" (ad ôlam, Êx. 12.14,24;
21.6, etc.), também é tomado em sentido restrito (sine fine) em todas as passagens
em que se descreve a bem-aventurança dos santos de Deus nos céus ou a
desgraça dos condenados no inferno. (2 Ts 1.9; Mt 18.8; Mc 3.29)
Acrescente-se a isso que a infinita duração das agonias dos condenados
vem descrita em outros termos inconfundíveis. (1s 66.24; Mc 9.48: "Onde
não Ihes morre o verme, nem o fogo se apaga.") (Ap 14.11: "A fumaça do seu
tormento sobe pelos séculos dos séculos, e não têm descanso algum, nem de
dia nem de noite.") (Ap 20.10: "E serão atormentados de dia e de noite pelos
séculos dos séculos.")
É, pois, com justiça que a Confissão de Augsburgo condena todos quantos
negam o castigo eterno de Satanás e dos seus seguidores, quando escreve
(Art. XVII, 4): "Rejeitam-se, por isso, os anabatistas, os quais ensinam que os
diabos e os homens condenados não sofrerão dor e tormento eternos." (59)
Também a Apologia declara (Art. XVII, Livro de Concórdia, p.238): "Cristo
aparecerá na consumação do mundo, ressuscitará todos os mortos e dará aos
piedosos a vida eterna e alegrias eternas; que os ímpios, porém, serão
condenados, a fim de com o diabo serem atormentados sem fim."
Se alguém fizer a objeção de que a idéia de um castigo eterno é tão
tremenda que não pode ser verdadeira, responderemos que não compete ao
homem finito, mas ao Deus infinito determinar o castigo daqueles que se
rebelaram contra ele. (Jd 6-8)
O argumento de que a idéia de um castigo eterno não pode ser conciliada
com o amor divino nem a justiça divina nem a unidade do divino "plano
universal" (a conversão final dos penitentes no inferno e a aniquilação dos
impenitentes), baseia-se em especulação humana e não na Palavra de Deus,
de sorte que é sem valor, uma vez que Deus não pode ser julgado por nosso
fraco entendimento. (1 T m 6.16; Rm 11.33-36)
Embora os termos sheôl e hadees possam designar o estado da morte ou
a sepultura (S1 16.10; At 2.27,31), eles significam "o lugar @ou) onde os ímpios
sofrem e, por toda a eternidade, suportam as mais desgraçadas condições e os
mais indizíveis tormentos". (Gerhard) (cf. D t 32.22; SI 49.14; Pv 15.24; M t
11.23; Lc 10.15; 16.23; etc.)
D-niítiírl Cristz

Em contraposição aos russelitas, que alegam que nem sheôl nem hades
podem significar inferno no sentido de "lugar dos condenados", respondemos
que não dependemos só desses termos para provar a existência do inferno,
visto a doutrina do castigo eterno ser claramente ensinada noutros termos
na Escritura. (cf. geenna, Mc 9.43,44; Lc 12.5)
O vale de Hinom (Gehinom) próximo de Jerusalém, com seu fogo
queimando ininterruptamente no consumo dos despojos da cidade, certamente
constituía símbolo apropriado do fogo eterno do inferno "onde não Ihes morre
o verme, nem o fogo se apaga". É muito significativo que nosso amado Salvador,
que é amor (1 Jo 4.8), ensinou, ele mesmo, com tanta persistência e ênfase o
castigo eterno dos condenados. (Mt 5.29,30; 10.28; 11.23; Lc 16.23) O castigo
eterno dos condenados também é comprovado pela descida de Jesus ao inferno.
(Eis en phylakee pneumasin apeitheesasin; 1 Pe 3.18-20.)
Com base em passagens claras das Escrituras, ensinamos que a forma
(forma) ou essência da condenação eterna consiste no banimento perpétuo
da graça e comunhão divinas, ou seja, na separação perpétua dos condenados
do amor e da misericórdia de Deus. (Mt 25.41; 8.12; 2 Ts 1.7-9)
Originariamente, o homem foi criado para comunhão com Deus, e só nisso
- ele encontra suprema felicidade. (Jo 17.20-23; SI 17.15; M t 1 1 . 2 8 s ~ )
Conseqüentemente, a separação de Deus, o Sumo Bem (summum bonum) e
única fonte de toda boa dádiva e de todo dom perfeito (Tg 1.17), significa,
em si mesma, padecer a maior angústia corporal e espiritual.
As Sagradas Escrituras, além disso, descrevem com muita exatidão os
padecimentos indizíveis dos condenados como sendo "tribulação e angústia"
(Rm 2.9), "estar em tormentos" (Lc 16.23), "estar atormentado nesta chama"
(Lc 16.24), "ir para o fogo inextinguível, onde não Ihes morre o verme, nem o
fogo se apaga" (Mc 9.43,44), "choro e ranger de dentes" (Mt 8.12), etc. Em
resumo, a Escritura emprega os termos mais fortes para mostrar que os
padecimentos dos condenados na alma e no corpo são os maiores que se
podem conceber. Com efeito, excedem nosso fraco entendimento, visto serem
contínuos e perpétuos, ardendo o fogo incessantemente e, ainda assim, não
se consumindo. (Mc 3.29)
Enquanto o padecimento do corpo no fogo do inferno será extremo, a
alma será torturada perpetuamente com a sensação da ira de Deus (sensus
irae) e a sua condenação eterna (C1 3.10), bem como pelos terrores de uma
consciência completamente desperta (terrores conscientiae) . (Lc 16.27,28)
Hollaz acrescenta o comentário oportuno de que "os tormentos do inferno
sobrevirão às almas dos condenados tão logo tenham saído do corpo", isto é,
por ocasião da morte. (Lc 16.23)
No intuito de descreverem com mais exatidão os tormentos dos
condenados, nossos dogmáticos dividem-nos em padecimentos privativos e
___/
Das Últimas Coisas

positiiios. Os padecimentos frivativos


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incluem a) o sofrer a perda da visão bem-
aventurada de Deus ( ~ 25.41); t b) a separação da comunhão dos bem-
aventurados (Lc 16.26); c) a exclusão da luz, do repouso e da felicidade celestiais
(Mt 8.12); d) a negação completa de compaixão, divina e humana (Lc 16.25,26);
e) completa falta de tudo quanto possa confortá-los (Ap 6.16-17).
-
0 s padecimentos positiyossão internos bem como externos. Os internos
consistem nas mais inexplicáveis dores e tormentos da alma (Mc 9.44) e os
exterrzos, em sua associação com os demônios (Mt 25.41), seu confinamento
perpétuo a u m lugar de indizível aflição (Mt 25.30; 1 Pe 3.18-20) e seus
tormentos incessantes num fogo que queima e, contudo, não consome. (Lc
16.23,24; Ap 14.10,ll; 20.10,15)
Se o fogo do inferno é material (fogo real) ou imaterial (tormento
indizível), é coisa que não vem ao caso, porquanto mesmo em sentido figurado
(Gerhard, Quenstedet), o termo designa angústia e agonia indescritíveis. (1s
66.24) Nossos dogmáticos advertem com razão a todos os espíritos curiosos
que é muito mais proveitoso procurar escapar à agonia do inferno do que
discutir sobre o que seria o fogo do inferno (Gerhard).
O Dr. Pieper comenta, a propósito, que não haverá ateus no inferno,
porquanto o seu tormento em castigo infinito os convencerá da existência
de u m juiz justo e onipotente, cuja sabedoria deve ser reconhecida. (Lc
16.27,28)
A pergunta sobre se os condenados, no inferno prosseguirão no pecado
pode ser respondida pela afirmativa no sentido de que toda a sua condição
moral de reprovação (falta de fé, esperança e obediência interior) é um estado
incessante de transgressão. A isso podemos acrescentar que o fogo do inferno
não é purificador (o inferno não é purgatório), mas punitivo, de sorte que os
condenados não serão moralmente melhorados por ele. Daí, que, se
reconhecerem a majestade de Deus, só o farão por coação em agonia infinita.
É muito pouco provável que os condenados blasfemem efetivamente a
Deus. (Lc 16.27,28) A passagem de Ap 16.11, sem dúvida, se refere a pessoas
que blasfemam a Deus em virtude das tribulações da vida presente.
A Escritura ensina, com muita clareza que os castigos do inferno diferem
em grau, segundo a qualidade e medida do pecado. (Mt 11.24; Lc 12.47; Mt
23.15) O pecado a ser punido com maior severidade é o da rejeição maldosa
ao Evangelho de Cristo. (Mt 11.16,24)
Embora fundamentados em passagens claras da Escritura, falemos do
inferno como de u m lugar (Lc 16.28; 1 Pe 3.19), não devemos entendê-lo em
sentido físico. Tampouco devemos determinar onde se situa esse lugar, visto
a Escritura não nos fornecer nenhuma informação sobre o assunto. Pode-se
dizer que o inferno se acha onde Deus revela aos condenados a sua justiça
eterna punitiva, banindo-os de sua face graciosa. (Pieper) Quenstedt cita
Dogmática Cristã

Crisóstomo nesse ponto, o qual afirma: "Não procuremos saber onde fica,
mas como dele escaparemos."
Hollaz encerra este assunto com a observação oportuna: "É coisa certa
que a prisão infernal é uma localidade real (Lc 16.28; 1 Pe 3.19), separada da
habitação dos bem-aventurados. (Ap 22.15; Lc 16.23) É provável também
que se situe fora deste mundo habitável. (2 Pe 3.10; M t 8.12) Todavia, onde
fica exatamente esse lugar, é coisa desconhecida para os homens durante a
vida presente." (Doctr. Theol., p.658)
Com respeito à causa da condenação eterna, é óbvio que embora todo
pecado (tanto original, E£ 2.3, como o atual Ez 18.20), seja por sua própria
natureza (natura sua, ut sic, meritorie) condenável (1 Co 5.11; Ap 21.8; G1
3.10), é o pecado da incredulidade que, em última análise, condena. (Jo 3.16-
18,36; Mc 16.16) Por meio de sua satisfação vicária (satisfactio vicaria), Cristo
adquiriu reconciliação perfeita com Deus para todos os seres humanos, de
sorte que, nele, todo pecador neste m u n d o é absolvido de todas as
transgressões (2 Co 5.19-21) (justificação objetiva). Em razão disso, o pecador
é castigado eternamente somente se recusar o perdão gracioso de Deus pela
fé em Cristo. Essa é uma ofensa tão grande, que é punida com justiça através
da condenação perpétua no inferno.
Contudo, se o pecador não aceitar o perdão gracioso de Deus em Cristo
Jesus, então o pecado original bem como os seus pecados atuais o condenarão
também, visto que jamais poderá expiá-los e, desta maneira, são para todo o
sempre lançados em sua conta. É por esse motivo que a Escritura, por um lado,
atribui a condenação eterna ao pecado da incredulidade (Jo 3.18) e, por outro,
também a todos os demais pecados. (Ef 5.6; G15.19-21; 1 Co 6.9,10; Ap 22.15)
Se conservarmos em mente a explicação que acaba de ser dada, não
menosprezaremos a satisfação vicária de Cristo (ensinando a justiça das obras)
nem ainda o caráter condenável da transgressão h u m a n a . (Rm 6.1:
"Permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante<") Tanto
mais, porém, confiaremos em Cristo Jesus, nosso divino Salvador e, no poder
da fé, fugiremos do pecado e o combateremos. (Rm 6.2,11-15) O objetivo das
Sagradas Escrituras, ao nos revelar a doutrina da condenação eterna, é advertir-
nos contra a incredulidade (Mc 16.16) bem como contra a segurança carnal
(Mt 26.41; 1 Co 10.12), e, assim, induzir-nos a procurar a salvação gratuita
de Cristo, oferecida a todas as pessoas nos meios da graça. A doutrina da
condenação eterna é o gênero mais severo de pregação da Lei, e seu objetivo
é o arrependimento. (Mt 3.7-12)
Essa advertência, contida na doutrina do castigo perpétuo, não se
destina, contudo, apenas aos incrédulos, mas também aos crentes enquanto
ainda forem carnais (Mt 8.11,12, dirigida aos "filhos do reino"; 26.24, dirigida
a Judas; 24.42-51, dirigida aos discípulos).
Das Últimas Coisas

Mors tua, iudicium postremum, gloria coeli,


Et dolor inferni sunt meditanda tibi.

Embora a doutrina do inferno jamais venha a converter uma alma sequer,


visto que a Lei somente "opera a ira" (Rm 4.15), ainda assim "nos serviu de
aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé". (C1
3.24) Disso resulta que todos os pregadores que neguem o castigo eterno dos
ímpios não serão "teólogos misericordiosos" (misericordes theologi), mas sim os
mais cruéis de todos os falsos profetas, que, ao invés de advertir o pecador de
sua terrível condenação (Ez 3.17-19), fazem tudo o que podem para "submergir
os homens na perdição e ruína". (1 T m 6.3-5, 9) Cristo e seus santos apóstolos
ensinaram a doutrina da retribuição eterna com grande clareza e ênfase. (Mc
9.43s; 2 Ts 2.9) Todo pregador cristão deve seguir o seu exemplo como fiel
ministro de Cristo e leal despenseiro dos mistérios de Deus. (1 Co 4.1,2)
A doutrina da condenação eterna serve, ainda, para ilustrar o justo juízo
de Deus sobre todos os transgressores. (Rrn 2.5,6; 3.4) Como, todavia, Deus
deseja sinceramente que todas as pessoas se salvem (voluntas antecedens) (Jo
3.16), é unicamente por meio de sua voluntas consequens (Jo 3.18, 36) que
revela e glorifica sua justa ira e castigo.
A doutrina calvinista acerca da reprovação ao inferno "desde a
eternidade" é antibíblica. Deus jamais destinou o ser humano ao inferno,
mas unicamente ao céu. (1 Tm 2.4-6)
A doutrina da condenação eterna é negada pelos restauracionistas, os
quais ensinam que o castigo futuro não é retribuinte, mas remediador, e
resultará na salvação de todas as pessoas e, como querem alguns, dos anjos
maus. (Restauração de todas as coisas; apokatástasis; segunda provação.) É
igualmente negada pelos aniquilacionistas, os quais ensinam que os ímpios
serão completamente destruídos por ocasião do juízo ou depois. Ambos esses
erros são contrários às declarações explícitas da Escritura.

(DEBEATITUDINE
AETERNA)
a. O fato da salvação eterna. A existência de uma vida perpétua em
glória e ventura para todos os que crêem verdadeiramente em Cristo
Jesus, é a culminância de toda a revelação evangélica das Sagradas
Escrituras. (Rm 5.1,2; Ef 2.4-6) Assim diz a explicação do Segundo
Artigo do Credo: "Creio que Jesus Cristo me remiu [...I, para que eu
lhe pertença e viva submisso a ele em seu Reino e lhe sirva em eterna
justiça, inocência e bem-aventurança, assim como ele ressurgiu dos
mortos, vive e reina para sempre." Da mesma forma, também a
Dogmática Cristã

Fórmula de Concórdia (Decl. Sól., XI, 14:22): "Deus ordenou em seu


propósito e conselho: [...I Que, finalmente, quer salvar e glorificar
para sempre, na vida eterna aos que elegeu, chamou e justificou."
A bendita doutrina da vida eterna pela fé em Cristo não pode ser aprendida
pela razão, visto pertencer à "sabedoria de Deus em mistério, outrora oculta, a
qual Deus preordenou desde a eternidade para a nossa glória". (1 Co 2.7-9)
É preciso, pois, que não se confunda a esperança da vida eterna (Jo
17.3) com a doutrina pagã da imortalidade da alma ou de sua existência
continuada depois da morte, o que a própria razão humana pode excogitar.
Quanto ao que concerne aos argumentos pela imortalidade da alma, podemos
anotar o seguinte: a) "Porquanto a alma é imaterial e simples, é indissolúvel."
(Platão, Leibnitz; prova metafísica); b) "As ricas capacidades da alma não se
podem desenvolver satisfatoriamente nesta vida; seu destino há que,
portanto, estender-se a uma vida futura." (Cícero, Lotze; prova teológica); c)
"O homem porfia por alcançar virtude bem como felicidade; a vida presente,
porém, não pode trazer satisfação com respeito a nenhuma delas." (Kant;
argumentum ethonomicum); d) "O amor à pátria inspira-se unicamente na
promessa da vida além da morte." (J. G. Fichte; argumentum iuridicum); e)
"Todos os homens crêem por natureza na imortalidade da alma." (Homero,
Virgílio, Cícero; argumentum e consensu gentium); (cf. Doctu. Theol., p.631ss.)
Todavia, todos os "céus" dos gentios (incrédulos) são de feitura humana
e, por isso mesmo, caricaturas do céu da Escritura, assim como todo salvador
de humana feitura é caricatura do divino Salvador. Embora os gentios tenham
sempre especulado em torno da imortalidade da alma, o apóstolo Paulo testifica
que, a despeito de suas especulações escatológicas, estão "sem esperança e
sem Deus no mundo". (Ef 2.12) Carlos Hase declara com razão que "na cabana
do colono pobre encontrarás fé mais robusta numa vida eterna do que nos
auditórios de grandes filósofos". (cf. Christl. Dogmatik, 111, 619)
Somente quem crê verdadeiramente em Cristo Jesus, Filho unigênito
de Deus, e na sua morte vicária pelos pecados do mundo pode ter real esperança
da vida eterna. (Jo 3.16; 11.23-27) Mesmo os "pensamentos mais doces" em
torno da vida futura da alma são terríveis sem a fé em Cristo, visto não poderem
jamais silenciar a voz acusadora e condenante da consciência. (Rm 2.15,16)
b. O que é a vida eterna (forma beatitudinis aeterna). Em conformidade
com as Sagradas Escrituras, a vida eterna que Cristo concederá aos
seus adeptos consiste na perpétua visão bem-aventurada de Deus.
(Jó 19.25-27; At 7.55; M t 5.8; 2 Co 5.1-6; 1 Co 13.12; 1 Jo 3.2) Na
vida presente, os crentes cristãos vêem Deus unicamente pela fé
por meio da sua Palavra, e, por assim dizer, por imagem (1 Co 13.12;
cognitio Dei abstractiva). No céu, porém, verão Deus sem imagem ou
véu, face a face (cognitio Dei intuitiva).
Das Últimas Coisas

Essa visão de Deus é bem-aventurada, i s t o é, está combinada


(incorporada) com felicidade suprema (S1 17.15), de modo a não quererem
o s b e m - a v e n t u r a d o s jamais o u t r a qualquer felicidade s e n ã o a de
contemplar Deus, o Supremo Bem e a suprema fonte de todo gozo perfeito.
Segue-se disso q u e n ã o poderão n u n c a a p o s t a t a r dele, m a s e s t ã o
confirmados em sua glória celestial. (Ap 14.13; Jo 10.27-29; SI 16.11; Jo
17.24; Ap 7.9-17) Então, não haverá inimigo espiritual para interferir em
sua felicidade. (Ap 20.10)
Quenstedt descreve da seguinte maneira a felicidade perene dos bem-
aventurados: 'R forma [da vida eterna] consiste, em termos gerais, do
recebimento inefável, completíssimo e incessante de bênçãos
incompreensíveis. As bênçãos da vida eterna são privativas ou positivas.
As bênçãos privativas são a ausência de pecado e de todas as causas do
pecado, o incitamento da carne, o sugestionamento do diabo, a sedução do
mundo e dos castigos do pecado, tais como várias calamidades (1s 25.8; 49.10;
Ap 21.4); a morte temporal (Os 13.14; 1 Co 15.26, 55-57; Ap 2.7) e a
condenação eterna. (Ap 2.11; 20.14) Cabe aqui também a imunidade contra
os sentimentos e ações do corpo animal em si, como, por exemplo, fome,
sede, comer, beber, sexualidade, etc. (Ap 7.16,17; M t 22.30)
Algumas bênçãos positivas da vida eterna são internas, ao passo que outras
são externas. As bênçãos positivas internas, entre as quais figura com destaque
a visão bem-aventurada e imediata de Deus, pertencem a todo o ser e afetam
corpo e alma dos bem-aventurados. As bênçãos internas de qualquer das partes
do ser pertencem ou à alma ou ao corpo. As da alma são: a) a iluminação
perfeita do intelecto (1 Co 13.9-12); b) a retidão completa da vontade e dos
desejos (S1 17.15; Ef 5.27); c) a mais alta segurança com respeito à duração
perpétua dessa bem-aventurança (Jo 16.22). As do corpo são: a) espiritualidade
(1 Co 15.44,47; Fp 3.21); b) invisibilidade (1 Co 15.44); c) impalpabilidade (1
Co 15.44,48); d) ilocalidade (ibid.); e) subtilidade (ibid.); f) agilidade (1 Ts
4.17); g) impassibilidade (Ap 7.16; 21.4); h) imortalidade e incorruptibilidade
(1 Co 15.42-48. 53; 2 Co 5.4); i) força e sanidade (1 Co 15.43); j) esplendor
(Dn 12.3; M t 13.43; 1 Co 15.14,43); 1) beleza (1 Co 15.43; Fp 3.21).
As bênçãos positivas externas são as que os bem-aventurados experimentam
fora deles. Dessas, duas são as principais: a) a mais deleitante comunhão com
Deus (Lc 23.43; Jo 12.26; 14.3; 17.24; 2 Co 5.8; Fp 1.23; 1 Ts 4.17; Ap 21.3),
com os anjos (Hb 12.22) e com todos os bem-aventurados (Mt 8.11; Lc 13.29;
Hb 12.23), a qual consiste em presença mútua, nas mais agradáveis conversações
e na expressão de honra mútua juntamente com amor mútuo; e b) a mais bela
e magnificente habitação." (Doctu. Tkeol., p.661ss)
Com respeito à visão bem-aventurada, a Escritura ensina que isto não
sucede meramente por contemplação mental (visio corpuratis). (1 Co 9.12; Jó
Dogmática Cvistá

19.25-27; 1 Jo 3.2) 0 s que duvidam da possibilidade da visão bem-aventurada


podem, também, duvidar da possibilidade de tudo o que se relaciona com o
céu, visto que toda a doutrina da vida eterna transcende nosso fraco
entendimento. A Escritura ensina claramente que os bem-aventurados no céu
hão de reconhecer, não só a Deus, mas uns aos outros. (Mt 17.3,4; Ap 7.13,14)
Escreve Hafenreffer: "Porquanto a imagem perfeita de Deus, segundo a qual
fomos criados, será plenamente restaurada, seremos também dotados de
sabedoria e conhecimento perfeitos. Por conseguinte, se Adão, antes da queda,
reconheceu imediatamente em Eva a sua costela, muito mais nós, na vida que
há de vir, quando todos estes dons serão muito mais perfeitos, haveremos de
reconhecer-nos uns aos outros. (Lc 16.23; M t 1 7 . 1 ~ ~(Doctr.
)" Theol., p.662)
Não h á certeza sobre se os bem-aventurados vão reconhecer o s
condenados no inferno. Dr. Pieper sugere sabiamente que será melhor deixar
essa pergunta sem resposta. Que tal reconhecimento, caso se desse, não viria
perturbar a felicidade dos santos, Hutter explica da seguinte maneira: "A
vontade dos bem-aventurados se conformará em todas as coisas com a de
Deus. Os sentimentos carnais que são sinais de nossa Fraqueza na vida presente
cessarão completamente na vida que há de vir, quando nosso amor se estenderá
aos que são amados de Deus e a quem o mesmo fez herdeiros da vida eterna.
Nos condenados, porém, admirarão supremamente e bendirão eternamente
a justiça de Deus exaltada." (Doctr. Theol., p.662)
c. Como a Escritura descreve a vida eterna. Gerhard sugere que o que a
vida eterna é só se pode conhecer da revelação da Palavra de modo
geral e obscuro (ainigmatikoos).Com efeito, enquanto que as Sagradas
Escrituras falam da vida eterna em muitos lugares, não nos fornecem
muitos detalhes a respeito da sua natureza excelsa. O Santo Espírito
escolheu esse método de ensino intencionalmente; pois não temos,
nesta vida, uma concepção adequada da natureza das coisas que se
situam além do espaço e do tempo.
Mesmo assim, a descrição da vida eterna que a Palavra de Deus fornece
é suficiente para nos proporcionar um antegozo da glória vindoura (Rm 8.18)
e Fazer anelar o céu. (Fp 1.23) A Escritura descreve negativamente a bem-
aventurança dos santos de Deus no céu como libertação completa de todos
os males desta vida. (2 T m 4.18; Ap 7.16,17; 21.4) Positivamente, como
ventura suprema e perfeita. (1 Pe 1.8, 9; S1 16.11; Jo 17.24) Além disso, a
Escritura pinta o gozo perfeito da vida eterna por meio dos símbolos que nos
proporcionam um antegozo da glória perfeita do céu. (Mt 25.10; Ap 19.9:
matrimônio; Lc 13.29; M t 8.11: banquete; Lc 22.30: o estar assentado em
tronos.) A Escritura demonstra expressamente que não se devem explicar
essas Figuras em sentido físico ou terreno. (Lc 22.24-30; M t 22.30)
Não é, todavia, só a alma, e sim também o corpo que compartilhará a
ventura eterna do céu (1 Co 15.44); pois será conforme o corpo glorificado de
Das Últimas Coisas

Cristo (Fp 3.21) e resplandecerá como o sol (Mt 13.43), estando livre de todas
as conseqüências do pecado. (1 Co 15.42,43)
A língua que será usada no céu não é terrena, mas celestial, de sorte
que não pode ser conhecida na terra (2 Co 12.4: "palavras inefáveis, as quais
não é lícito ao homem referir".)
Embora não haja graus de Felicidade, uma vez que todos os santos de
Cristo verão Deus e, assim, serão completamente bem-aventurados, a
Escritura ensina que há graus de glória (doxa, gloria), proporcional à fidelidade
e aos sofrimentos dos crentes cristãos na vida presente. (2 Co 9.6; 1 Co 15.41,
42; D n 12.3) (Omnibus una salus sanctis, sed gloria dispar; cf. Lutero, S. L.,
VIII, 1223ss.) Essas diferenças de glória não suscitarão inveja, visto que o
ciúme é pecado (G1 5.20,21) e o pecado estará completamente abolido no
céu. (S1 17.15; 16.11)
É realmente preciso que se conceba o céu como u m determinado lugar
@ou) onde os bem-aventurados verão Deus e gozarão a glória suprema de
modo perfeito. (Mt 5.12; 6.20; 1 Pe 1.4; Mc 16.19). Não devemos, porém,
tomar esse "determinado lugar" em sentido material. Assim como o pou
damnatorum é toda parte onde Deus revela a sua eterna justiça punitiva, o
pou beatorum é toda parte onde Deus revela sua graça e amor eternos em
glória desvelada. Dessa forma, os anjos estão sempre no céu, mesmo quando
ministram aos santos na terra. (Mt 18.10; Lc 1.19)
d. Os santos no céu. A Escritura descreve como santos de Deus que
herdarão a vida eterna todos quantos crêem em Cristo. (Jo 3.16-
18,36) Por essa razão, é errado atribuir-se a vida eterna também aos
que não são crentes com base em sua iustitia naturalis et civilis.
( ~ w í n ~ l i oHofmann;
, cf. Lutero, contra Zwínglio, que expressou a
esperança de encontrar n o céu gentios como Hércules, Teseu,
Sócrates, etc.) Cristo ordenou expressamente aos seus discípulos
que pregassem o Evangelho a toda criatura, acrescentando a
advertência de que todo aquele que não cresse seria condenado. (Mc
16.15,16; Lc 24.47; c€. também At 26.18)
Que só os verdadeiros crentes serão salvos eternamente, transparece
também em todas as passagens na Escritura a) em que se ordena aos ministros
cristãos sejam fiéis e diligentes em seu sagrado ofício, a fim de que nenhuma
alma se perca por incredulidade (Ez 3.18,19; 2 T m 4.1,2; 2.23-26; 1 T m
4.15,16); b) em que todos os cristãos são exortados a instruir, repreender e
advertir os irmãos que erram, a Fim de que não percam a salvação de sua alma
por apostasia (Mt 18.15-17; 1 Co 5); e c) em que todos os cristãos são
admoestados a viver vida santa, para que não se tornem culpados da
condenação de ninguém em virtude do escândalo de se negar a fé e profissão
cristã. (Mt 18.6,7)
Dogmática Cristã

e. A finalidade da doutrirza da salvação eterna. Assim como a doutrina


da condenação eterna serve para advertir as pessoas da incredulidade
e segurança carnal, assim a doutrina da vida eterna serve para incitar
os crentes a maior fé e para sustê-los em seu fiel seguimento de
Cristo. ( M t 10.22; 24.13; M c 13.13) A verdadeira vida cristã é
impossível sem constante consideração da segura esperança da vida
eterna. (Fp 3.12-14; 1.23,24; M t 6.19-21)
Na vida presente, os crentes cristãos não Iogram o reconhecimento
que merecem na qualidade de filhos de Deus (1 Jo 3.2), da maneira como o
seu Salvador não era apreciado durante a sua peregrinação na terra. (1s 53.1-
3; Jo 1.10-11) Além do mais, como são odiados e afligidos por "todos os
homens" (Mt 10.22,25; 24.9), têm de suportar muitas tribulações em geral,
antes que possam entrar no Reino divino da glória. (At 14.22) Por isso,
deveriam ter sua atenção voltada constantemente para a sua segura herança
no céu, de modo a poderem superar todo o mal e obter o triunfo eterno. (Mt
5.12; 2 Co 4.16-18) Toda sorte de tribulação é o prêmio terreno especialmente
dos ministros cristãos (2 T m 2.9; 2 Co 4.7-ll), visto que o mundo detesta o
Evangelho de Cristo (1 Co 1.23) e há de abominá-lo até a consumação do
século. (2 T m 4.1-8)
Em toda a sua tribulação, porém, os cristãos dominarão e obterão a
vitória (Rm 8.35-39), se, a exemplo do apóstolo Paulo (2 T m 1.12),
prosseguirem na fé e retiverem firmes a sua esperança da glória eterna, que
tem o selo do Espírito Santo. (Jo 16.33; 1 Jo 5.4,s; Ap 2.7-11; 12.11)
Acerca do uso prático da doutrina da vida eterna, Gerhard escreve: "A
doutrina a respeito do céu dos bem-aventurados e da vida eterna não se acha
exposta nas Sagradas Escrituras, para que ociosamente disputemos, como
teóricos, a respeito da localização do céu, da visão bem-aventurada, das
propriedades dos corpos glorificados, mas para que, como pessoas práticas,
tomando em consideração os prometidos gozos da vida eterna cada dia, sim,
cada hora, sim, cada momento, possamos manter-nos bem junto ao caminho
que conduz para 1á e evitar cuidadosamente tudo quanto possa causar
retardamento ou chamar-nos de volta da entrada para a vida eterna.
Em 2 Co 4.18, os piedosos são descritos pelo apóstolo como atentando,
não nas coisas que se vêem, (ta blepómena), mas nas que não se vêem (ta mee
blepónzena). Um dos antigos, a quem se perguntara que livros usava em seus
estudos diários, respondeu que estudava cada dia num livro com três páginas,
uma vermelha, outra preta, outra branca; que, na vermelha, lia acerca da
paixão de nosso Senhor; na preta, acerca dos tormentos dos perdidos e, na
branca, acerca dos gozos dos glorificados, e que, deste estudo, tirava mais
proveito do que se examinasse todas as obras dos filósofos." (Doctr. Theol.,
p. 663)
Das Últimas Coisas

"Christus gubernet mentes nostras ad veram pietatem,


Et restituat ecclesiae piam et perpetuam concordiam! Amen."

GLORIA!
- consensus ecclesiae p a t m [I081
A debito ad posse non valet consequentia [342] Consequentiae legitimae [I371
A praecepto ad posse non valet consequentia [2381 Conservatio [ 1931
3831 Consubstantialis [16 11
Actio praevia 11941 Contemptus sacramenti damnat, non privatio [469/
Actus personales [163] 5 O41
Adhortationes, legales, evangelicae, r2381 Contritio cordis, confessio oris, satisfactio operis
Admonitiones, legales, evangelicae, 13421 i4631
Agraphos, vox [52] Conversio prima [341]
- secunda [341]
Aliquid discrimen in homine 1951
Alloiosis [270] - reiterata [341]
- alloiosis em Zwínglio aplicado a absolvição 14351
Creatio continuata [I941
Allos, o Pai é chamado outro, allos, diferente do Crimen laesae maiestatis [97
Filho [I591 Cmx theologomm [76]
Analogia fidei 11481 Culpa, todos os homens por natureza estão in eadem
Angelus increatus r1991 culpa 17615641
Antigraphos, vox 1521 Cur alii, alii non? [76/96/249/346/416/567]
Antilegomena [122/128/140] Cur aiii prae alús? [76/96/346/551/567
Appetitus sensitivus [221] Cur non omnes? 1761
Apokalypsis [52]
Apokatastasis [591]
Apotelesmata, o que se quer dizer com 12801 Dei mors, Dei passio, Dei sanguis [281]
Appetitus sensitivus [207] Desertio Christi 12891
Apprehensio, simplex [149] "Desperto" r3501
- spiritualis [I491 Deszendenztheorie 11841
A priori. Escritura deve ser aceita como verdade a Deus assumpsit naturam humanam, non hominem
priori [37] i2601
Argumentum in circulo [I331 Deus non dat interna nisi per externa [336]
Articuli antecedentes, consequentes, 19413571 Dicta probantia [ I 071
Articulus fundamentalissimus [68] Diesseitigkeitstheologie 1781
Articulus stantis et cadentis ecclesiae r2531 Dii nuncupativi r1671
Autopistos (autoritativo), A Escritura é, L1321 Doctrina divina 591
Auctoritas normativa et causativa [I321 Donatio fidei é conversão [330]
Donatio virium spiritualium est conversio r3321
B Donum supernaturale 12081
Baptismus fluminis et flaminis [474 - snpperadditum [208]
Buchstabendienst 11091 - concreatum 12081
Buchstabenknechtschaftl unwurdiger Lehrzwangl
gesetzlicher Geist 1921 E
Ecclesia est invisibilis [5 111
- una [511]
Castigationes paternae [216/403] - sancta [512]

Causae formaliter causantes non sunt in Deo r1761 - catholica [512]

Causae secundae [I7911941 - apostolica 5121


Causae virtualiter causantes sunt in Deo 11761 - est mater fidelium [514]
"Chave errada" [435] - ecclesiae particulares [5161
Christum treiben [I281 - ecclesiae purae, corruptae [5181191
- repraesentativa [523]
Clauso utero [287]
Clavis erransl Fehischlussel 14371 Ecclesia primitiva [I391
Conceptio miraculosa [257] Efficacia resistibilis 11431
Concursus [I931 Eggraphos, vox, [52]
Condescendit nobis Deus, etc. [I691 Einheitliches Ganzes, ein, construído sobre o pilar
Consensus ecclesiae [I081 da consciência cristã etc. [96]
Expressões
Eisepesis r1471 I
"em, com e sob" [488]
Ich, das wiedergebome [28]
Epískopoi (bispos) (5401
Idiomata, significado de 12691
Erkenntnis-theoretische Frage [88]
Impulsus scnbendi [I 18/122]
Erlebnis, das christliche [28]
- Hollaz sobre [118]
Errare in Deum non cadit [85]
- Quenstedt sobre [I181
Erscheinungen, Gleichartigkeit der psychologischen
- é negado pelos católicos romanos [ I 18/19]
i351 In corde meo iste unus regnat articulus, sc. fides
Exegesis 11471
Christi, etc. [311]
Ex opere operato [422]
Index Generalis dos Jesuítas [401]
Ex sensu [145]
Insignis philosophus (Adão) [208]
Ex nolentibus volentes facit [345]
Instrumentum áergon [279]
Extra ecclesiam nulia salus [512]
Intuitu fidei [553/556]
Extra illud Calvinisticum [275]
- tal doutrina náo é escntunstica [558]
- pode ser compreendida apenas em um sentido
F sinergista 15591
Fidei ratio 1441 - nem todos os que a ensinaram eram sinergistas
Fides humana, divina [86] 15591
- onde a fides divina é encontrada [I321331 Iustitia
- fides heroica [179]
- civilis [236/238/345/390]
- patitur sibi benefieri 13181 - spiritualis [238/345/389]
- fides infantium fides actualis est [322] - legalis, evangelica [178]
- fides caritate formata [376]
Filioque [I631
Finis theologiae 1821 J
Finis cuius Scnpturae 11381 Jenseitstheologie [78]
Finitum non eSt capax infiniti [485]
K
G Koine [I251
Generatio aequivoca [I841
Genus idiomaticum [269] L
- maiestaticum [271]
Lacunae [95]
- não há quarto genus [272]
Lehrfortbildung [78/891
- apotelesmaticum [279]
- Lutero inculpável de 1981
Gnadenlohn [395]
Levicula [I241
Glaubensbewusstsein, chnstliches [28]
Lex necat peccatorem, non peccatum, etc. [67]
Gratia infusa [49/243/361]
Lex praescnbit, evaugelium inscribit [66/145]
Gratia particularis [44]
Libertas a coactione 11971
Gratia universalis [44/96/247]
Locutio exhibitiva [481/489]
Gubematio divina [122/193]
Los-von-der-Schrift-Bewegung [28]

M
Habitus Mandatum divinum [I191
- spiritualis [54] Manducatio generalis, indignonim [496]
- practicus r811 Mater ecclesia saiicta [43]
- exhibitivus [87]
Materia coelestis [477/493/492]
- demonstrativus [87] - materia terrena [492]
- practicus é adquirida [I001 - o que ela não é [493]
Heilanstalt, Igreja não é uma [507] Materia est principium passivum [I871
Hominis voluntas in conversione non est otiosa, Media dativa, effectiva [310]
etc. 13391 Media dotika 12501
Homo certus est passive, etc. [88] Meditatio; Meditação na Teologia [100/101]
Homo in conversione passive sese habet [333] Medium cognosceudi [84]
Homologumena [122/128/140] Medium iustificatiouis [Sol]
Homo peccator [82] Medium leptikon 12501
Hombile decretum 15631 Medius, status [569]
Meritum de congruo, de condigno [400]
Dogmática Cristã

Metabasis eis allo genos [I051 - illocalis [I731


Mirabilia seu mira [201] - repletiva [I721
Modus subsistendi [I601 Predigtamt. pfarramt [525/531]
- operandi [I601 Preposicões anti. hyper, significado de [299]
- loquendi [170/173] Presbyteroi (presbíteros) [540]
Moles coeli et terrae [I83118411851 Principium cognoscendi [38/51/85/97/105/110/
Monstrum incertitudinis r4913651 1261
Mutatio nulla cadit in Deum [170] Proegnoo [577]
Prolegomena [27]
N Protevangelium [I0412111
Necessitas immutabilitatis [197]
Nihil habet rationem sacramenti extra usum a Christo Q
institutum r4921 Quad materiale, formale [I9513891
Norma normans, norma normata [108/138] Quod non est biblicum, etc. [59]
Norma discretionis [I381 Quod ubique. etc. r1081
- remissiva [I461 Quot humanae naturae, tot personae humanae r2591
Nosse cum affectu et effectu [175/558] Quot personae. tot essentiae, axioma que não fica
Notiones personales r1631 bem em se tratando de Deus [162]
Notitia innata [I541
- acquisitiva r1541
R
Reatus culpae: poenae [216]
O Religionsgeschichte [35]
Offenbamngsurkunde [I201 Religionsmengerei [521]
Omnipraesentia intima, extima [286] Repristinationstheologen [89]
Opera ad extra [164/180] Res inanimatae [468]
- ad intra [164/180]
Opinio legis [34/39/111] S
Oratio [I001
Sacramentalis uni non fit nisi in distributione [492]
Ordo salutis, relação dos vários artigos na [311/
Semper virgo [287]
3491
Schriftganze, das [98]
Schriftprinzip [105/137/146]
P Scientia naturalis, libera, media; scientia de futuro
Panis extra usum a Christo institutum non est corpus conditionata [I741
Christi [492] Scintillula fidei [329/337]
Particulae exclusivae [375] Scriptura locuta, etc. [28]
Peccata clamantia r2311 Scriptura Sacra est Deus incarnatus [106]
Peccata commissionis et omissionis [229/230] - non est muta, etc. [I361
Peccata enormia não destrói a fé (Calvinistas) [231] - finis cui Scnptura Sacra sunt omnes homines [I381
Peccatum irremisibile [232] - finis cuius Scnptura Sacra [I381
Perichoresis [I641 - versiones Scriptura Sacra son solum utiles, etc.
Perspicuitas rerum, verborum [I491 i1381
Pestilentissima pestis r3601 - Scriptura Scripturam interpretatur; Scnptura sua
Petros, petra [513/514/534] luce radiat [I471
Pheromenoi [114/1 161 Sedes doctrinae [98/107/136/148]
Physische Wirkung, Naturwirkung [478] Selbstbewusstsein, das fromme [28]
Poenitentia Selbstgewiszheit [88]
- continuata [340] Sensus gratiae [243]
- quotidiana [383] Sheol / (hades) r58715881
Portenta; a quem Lutero chama desta forma, [28] Si homo non periisset, etc. [253]
Potestas ministerialis, ordinis, clavium, inrisdictionis Simplicitas divina [I701
i5381 Skandalon [73/520]
- além da potestas clavium ministros não têm Sola fide
autoridade [539] - a doutrina da [354]
Potestas clavium [367] - o que se quer dizer por [356/361]
Praedestinatio non est absoluta, sed ordinata [553] - Papa, o Anticristo por anatematizá-la [365]
Praesentia divina Sola fides membra ecclesiae constituit [505]
- localis [44/172] Sola gratia [45/95/96/100/249]
- a doumna da eleiqão a inculca [559] - naturalis [262]
Sola Scnptura [I001 - accidentalis [263]
Solus Deus convertit hominem [334] - sustentativa 12631
Sophismata 11791 - habitualis [263]
Status medius. não há 133913501 - essentialis [264]
Sub specie aeternitatis [412] - per adoptionem [264]
Suggestio verborum [116] - mystica [311]
- reaiis [I161 Usus loquendi [30]
- literalis [I181 - magistenalis, ministerialis da razão [95/106/137]

v
Tabula secunda [401/465/101] Verbum internum [465/144/53 111441
Terminus peremptorius [342] Versiones Scripturae Sacrae [138]
Terminus vitae [I981 Verstockung eine Folge der Selbstverstockung [564]
Terrores conscientiae, não meritórios [337] Vis dativa, effectiva [334]
Tertium comparationis [I191 Vocatio immediata, mediata [531]
Testimonium Spitirus Sancti [I321135132113641 Vocatio seria [564]
37614041 Voluntas
Theologesantes [53] - gratiae [250]
Theologia debet esse grammatica 11061 - ordinata [250]
Theologia irregenitorum [54] - antecedens [2511565/590]
Theólogos, ho; theologus [53/101] - consequens [25 115651590]
Theopneustos [I1411 1611171 - divina, - prima, - secunda, porque falamos de [565]
Theorie, kiinstliche [I301
Theósdotos [47] W
Tohuvabohu [185] Wirklichkeitsmenschen [I291
Transmutationshypothese [I841 Wirklichkeitssinn [28]
Tres causae efficientes conversionis (não há) [333]

U
z
Zorneswahl, não há [563]
Unio Zweinaturenlehre [260]
- nominalis [262]
Dogmática Cristá

TEXTOS
B ~ B L ~ CEXPLICADOS
OS

Atos João
2.24 r2911 19.34 [2991
11.21 [326]
13.48 [564] 1 João
19.1-6 [473] 1.8-10 [381]
3.9 [381]
Apocalipse
16.11 [589] Lucas
20 [578] 22.20 r4981

1 Coríntios
7 . 1 0 s ~[I251
11.25 [498]
15.29 [467]

2 Coríntios
5.18-21 [302]
1 Pedro
Filipenses 1.10-2 L1131
2.12,13 [415] 3.18-20 [290/575]
4.6 L2911
Gálatas
3.3 [39] 2 Pedro
3.22 13961 1.10 [560/561]

Gênesis Romanos
1 e 2 [I891 8.29 [557]
3.15 [581] 9.18 [566]
9.22 [565/579]
Hebreus
6.4-6 L2331 1 Samuel
10.26-7 [233] 28.19 [575]
12.14 [376]
2 Tessalonicenses
2.3-12 [541]
ABF.LARDO APOLOGIA
- nega a satisfação vicária [37] - obras [38]
ADOCI0hml0 - heresias [57]
- modalidade de nestorianismo [264] - sola fide [69/70]
ADOPCIOMSTAS
11581 - livre-arbítrio [236]
AG~osnm~ o
11741 - reter o Evangelho [245]
Ammmo - expiação de Cristo [301/302]
- atributos e essência divinos [I681 - fé [303]
- Trindade [I561
- hexaemeron [I851
- providência divina [I931
- definição errônea do pecado pelos papistas [212]
- opinio legis [332]
- corruptio hereditaria [218]
- erros dos papistas sobre o arrependimento [352]
- pecado original como dano acidental [222]
- significado de justificaçáo [360/363]
- livre-arbítrio [238]
- doctor doctorum Christus, cuius schola in terra
- justificação por obras [364]
- fazer boas obras [388]
et cathedra in coe10 est [296]
- 'vícios fúlgidos' [391] - recompensa da graça [396]
- Batismo é água ligada à Palavra de Deus r4661
- exaltação das boas obras 13961
- sacramentos [421]
JoÃo
AGRÍCOLA,
- absolvição [433/434]
- o decálogo pertence no tribunal, não no púlpito
- propósito da Santa Ceia [478]
14451 - membros da Igreja [506/507]
- antinomista [445]
- instituição divina do ministério público [529]
kWíiV0
- contra a reivindicação de que os sacerdotes devem
- natureza de Cristo [264] ser obedecidos em todas as coisas [539]
AMB~ósr0 - propósito da morte [570]
- fé 13841 - castigo eterno dos ímpios [587]
AMmALDm AQUINO, TOMÁSDE
- [247] - sobre o significado e função da Teologia [52]
AMSDORF A ~ M O
- boas obras são prejudiciais à salvação [376] - [158/161/255]
AMYRALW,
MOISÉS
- Deus oferece a graça a todos, mas somente aos - theologeesantes 1531
eleitos concede fé [247] - conhecimento natural de Deus pelas obras divinas
ANALÍTICO,
&TODO da criação [I521
- [I001 ARMINIANOS
ANTQUILACIONISTAS - [45/69/244/245]
- das últimas coisas (escatologia) [591] ASTRUC,
JEAN
ANSELMO
DE CANTUÁRIA - Gênesis 1 e 2 não se coadunam [189]
- sua filosofia religiosa [36] ATANÁSIO
- negou a obediência ativa de Cristo [37] - aequalis patri secundum divinitatem, minor Patre
- como homem, Cristo obedeceu à Lei divina para secundum humanitatem [I601
seu próprio bem [2121 - hexaemeron [I851
~ C R I S T O S OS
, - Deus opera milagres não separadamente da
- L921 natureza humana [28 11
ANTE~OMLSMO - sobre o genus apotelesmaticum [281]
- [378/445] ATEÍSMO
APOLINÁRIO - [151/153/174/192/196/198/215]
- o 'logos' tomou o lugar do 'nous' [255]
Dogmática Cristã

AUGSBURGO,
CONFISSÃO
DE
- o termo 'pessoa' 11581 - porque o comer do fmto proibido trouxe morte
- causa do pecado 12161 [223]
- efeitos da Queda [220]
- pecado original [221/222] - figura retórica no todo da declaração 14841
- fé justificadora [247] BLDDEES
- o ofício de Cristo [295] - conhecimento sem assentimento [317]
- arrependimento [35 I ]
B U S ~ Z LHORÁCIO
L,
- justificação [355] - transformação de caráter [304]
- essência das boas obras [384]
- iuamissibilidade da fé 14131
C.U.CED~N~,
CONC~LIODE
- [262]
- meios da graça [418]
- finalidade dos sacramentos [422] C m s , JORGE
- absolvição [435] - inspiração [I 1711201
- essência da Santa Ceia [479] cmv
- o que propriamente é a Igreja L5061 - tradicão não é fonte de fé [40]
- o Estado, uma ordenação de Deus [515] - método analítico [I001
- necessidade do chamado [531] - inerrância das Escrituras [I181
AURÉOLO,~ R O - autoridade canônica das Escrituras [I361
- [I681 - a essência eterna de Deus e os atributos divinos
AUTO-HIPOSTASISMO
(autohypóstatos) i1681
- criação [I831
- Cristo se coadunava gradativamente ao logos
- causa eficiente da criação 11841
12651
- Estado de integridade [2061207]
AXIOMA
RACIONALISTA
C A L ~ T TEOLOGIA
A,
- a graça eficaz age imediatamente [44]
- Teologia reformada 1431441
BAIER
- nega a 'gratia universalis' 1451961
- doutrinas não-fundamentais 1751
- erra com relação ao pecado contra o Espírito
- questões abertas [78]
Santo [233]
- método analítico [I001
- ensina que Deus é a causa da perdição de alguns.
- perspicuidade da Bíblia [I471
12481
- nossas atitudes frente aos anjos [204]
- graça divina não pode ser resistida [249]
- Estado de humilhação de Cristo [282]
- limita a graça divina ao eleito 12491
- eficácia da Bíblia [I431
- explora a vontade oculta, insondável de Deus
- conversão transitiva e intransitiva 1541
r2521
- arrependimento [352]
- nega a comunhão das naturezas r26612681
- definição de Igreja r5061
- nega o 'genus maiestaticum' [272]
BAS~LIO - seu 'ou - ou' concemente ao 'genus maiestaticum'
aplicou o termo 'Teologia' à doutrina da Trindade
r2781
i531 - erra a respeito da descida de Cristo ao inferno
B E L ~ O ~2921
- o pontífice romano como o vigário de Cristo -sua visão de céu1 espaço criado [293]
C5091 - ensina que 'peccata enormia' dos cristãos não
- Igreja, ajuntamento de homens tão visível [511] destroem a fé [231]
B m - nega a inamissibilidade da fé 14131
- uma eventual 'vitória do sinergismo' [334] - não conforta o pecador atemorizado [414]
- sola gratia 13481 - atribui habilidade ao homem no que tange à
- aritinomianismo [445] perseverança na fé L4141
- doutrina da Santa Ceia em Calvino [482] - seu erro com relação aos meios da graça 14191
- doutrina da eleição e salvação [566] 4231
BEZA - faz a eficácia dos sacramentos depender da fé
- contra a explicação das palavras da instituição [4231
em Calvino [483] - nega a necessidade dos sacramentos [423]
BIBLICISMO - não tem meios da graça para os não-eleitos [4251
- mero cristianismo intelectual [61] 4261
- razão humana como 'principium cognoscendi' - em última análise, não tem meios da graça nem
11251 mesmo aos eleitos [426]
- baseia a certeza da salvação na iluminação interna
r4261
Índice Onomástico
- seu erro com relação à operação imediata do - graça divina [245]
Espírito Santo [44/426/433] - necessidade da morte de Cristo [247]
- destrói a doutrina da graça e fé salvadoras [427/ - genus apotelesmaticum [279]
4281 - redenção 12811
- sua relação próxima junto ao Romanismo [428] - artigo da justificação [359]
- rejeita a absolvição/ zwinglianismo [434/436] - direito da Igreja na vocação [533]
- faz da oração um meio da graça [442] - fé como conseqüência que segue a eleição [557]
- confunde Lei e Evangelho 14561 - ressurreição do corpo [583]
- nega~aeficácia do Batismo [464] CÍCERO
- desaprova o Batismo ministrado por leigo [468] -termo 'religião' [29]
- perverte a doutrina da Santa Ceia [478] -theologi [53]
- ensina o beber e comer espirituais [480] - conhecimento natural de Deus pelas divinas obras
- concorda com relação à doutrina da Santa Ceia da criação (1521
[482] - corrupção original [2 181
- seu erro quanto à doutrina da Santa Ceia é refutável - prova teológica [591]
148.33 - argumeiitum e consensu gentium [592]
- acusa Luteranismo de ter dado sentido literal às C~ÊNCIA
E TEOLOGIA
palavras da instituição [488] - debate [84]
- ensina que o corpo de Cristo é somente presença - em qual sentido a Teologia não é uma ciência
local [488] [84/85]
- fé faz do comer e beber um sacramento [494] - em que sentido a Teologia é uma ciência [85/86]
- acusa Luteranismo de ensinar que a palavra do - é preferível não definir a Teologia cristã
homem produz presença real 14951 primariamente como uma ciência 1871
- não tem Santa Ceia, mas Batismo procede [497] CIPRIANO
- ressalta que não se deveria falar da Santa Ceia
- 1 João 5.7 [I661
como sendo um selo da graça divina [500/501]
CJSMÁTICOS
- ensina eleição absoluta r5511
- (separatistas) [522]
- limita 'gratia universalis' [554]
- ensina que o resultado é a interpretação do
propósito de Deus L5661
- ensina reprovação eterna à condenação 15901
C..u.m-o - interpretação das Escrituras [43]
- ensinou a doutrina zwingliana da Santa Ceia [482/ - boas obras necessárias para a justificação [49]
4831 - confunde a graça e os dons da graça [243]
- anatematiza a definição luterana de graça
- acomodação quanto à terminologia luterana
justificadora 12431
14831
- blasfema a doutrina escriturística da justificação
- sua explicacão das palavras da instituição [483/
4841 pela fé 13541
- argumentação racionalista com relação à presença
- ensina a necessidade de boas obras para a salvação
real [484/485] i3751
- ensinou que o sinal visível não confere graça - perverte e condena o Evangelho [401/402]
15001
CONTROVÉRSIA
CRIPTOQUEN~TICA
CAWT~T - [283/284]
- opositor fanático de Lutero [476] CREDOS
- explicação quanto à Ceia foi rejeitada por - oposição dos modernistas que advogam uma
reformados [483] religião sem credo [78]
CEIA - católicos [79]
- dos calvinistas e papistas estl fora da instituição - não desenvolvem doutrinas [90]
de Cristo r4931 CREMER
- julgamento de alguns teólogos luteranos com - defende a instituição divina da Santa Ceia [4761
relação à ela [497] CRIACIONISMO
CESAROPAPISMO - 1761
- [522] CRISOSTOMO
CmMNmz - Santa Ceia [495]
- método sintético [I001 - inferno [589]
- fixar o cânone bíblico [140/141] DANAEUS
- o conhecimento de Deus que salva [I541 - essência divina não pode ser comunicada a algo
- Deus, o Criador r1901 criado [266]
Dogmática Cristã

DANNHAUER - direito das igrejas locais quanto ao chamado r5331


- método analítico [I001 5341
- corpo e sangue de Cristo i4961 - Papa, o anticristo [544]
DELrTzscH - doutrina concernente ao anticristo não é
- Cristo se esvaziou dos atributos divinos r2651 fundamental [544]
DICOTO~ Esro1~0
- r1871 - [I741
DIECKHOFF Evo~uçkoTEÍSTA E ATE~STICA
- sinergismo [340] - i1531
DOCETAS EU&IO
- [69/254] - antilegomena [I401
DONATISMO EUI~QUIO/
ECTIQUUNISMO/
MONOFISITISMO
- grupo separatista 15221 - [261/262/265/268]
DORNER E~4m
- Cristo se coadunava gfadativamente ao logos - atribui as palavras à confissão de Pedro [514]
C2651 EWERMENTALISMO/
VlVENCIALISM0MODERNO
- idéia errônea acerca de Cristo [284] - (Erlebnistheologie) [429]
DORPAT FAWO
- Evangelho eficaz só quando proclamado i4201 - [I981
DORT,S~NODO
DE FECIFI.
- [248] - corpo e sangue de Cristo [206]
DUALISMO
CRJSTÃO FÉLIX
DE URGEL
- [171] - [264]
ECT~PICA,
TEOLOGIA FICHTE,
J.G.
- L601 - argumentnm iuridicum i59 115921
ELIPANDO
DE TOLEDO FILIPISTAS
- [264] - deve-se condenar a incredulidade pelo Evangelho
EMP~REO i4451
- [I861 FINNEY(metodista)
ENCRA~ - erro do perfeicionismo [380/381]
- elementos na Santa Ceia L2001 FLÁcIo
ENTUSIASTAS - Deus, o Criador [I911
- separam o poder da Palavra [I431 FLACIONISMO
- rejeitam o principium cognoscendi [I471 - 12221
- papado é mero entusiasmo [I091 FOCINIANOS
- rejeitam os meios da graça [429] - [I581
- seus argumentos contra os meios da graça [4301 FÓRMULA
DE CONC~RDIA
43 11 - Lei [64]
- clamam revelações privadas [I081 - Evangelho [64]
EPINO - mistério da eleição [I821
- como homem, Cristo obedeceu à Lei divina para - pecado original [218]
seu próprio bem [212] - como o pecado original pode ser conhecido [218/
EPrsco~m~o 2191
-
- 15301 >
- efeitos da corrupção hereditária [219/221]
EPÍSTOLA
PALHI~A - porque o pecado original é pecado da natureza
- epistola de Tiago [128] i2241
ERASMO - arbítrio humano nas coisas espirituais [236/238]
- conversão, contra Eutiquianismo e Nestorianis-
- [45/171/376/558]
mo [268/274]
ESMALCALDE,
Os ARTIGOS
DE
- expiação vicária de Cristo [301]
- pecado hereditário [218]
- fé [303]
- perda da fé [341]
- encobrimento da majestade de Cristo [286]
- fé justificadora i3581
- o conforto do assentar de Cristo à direita de
- meios da graça [418]
Deus ... [294]
- absolvição r4331
- sinergismo [330]
- propósito da Santa Ceia [476]
- o irregenerado L3321
- poder das igrejas [525/526]
Índice Ononzáçtico
- monergismo [333/334] - o mistério na doutrina da eleição [554]
- meios de conversão [334] - considerar nossa eleição [554]
- Lei e Evangelho [336] - sola gratia na eleição [555]
- entusiastas [336/337] - efeito da eleição [556]
- novos movimentos na conversão [337] - eleição, uma causa da nossa salvação 15571
- mudança na conversão r3431 - advertência à não-rejeição dos meios da graça
- ouvir a Palavra de Deus externamente [346] 15601
- mistério na eleição e conversão [347] - o conforto da eleição [562]
- ressurreição [350] - mistério na eleição [564/565]
- sola fide [354] - Deus não é injusto ao condenar os descrentes
- fé justificadora [358] 15651
- presença de obras na justificação [361/362] - salvação eterna 15911
- ordem entre justificação e santificação 13691 FRANCK
- causa eficiente da santificação [370/371] - Cristo se esvaziou de seu conhecimento divino
- meios da santificação 13731 12651
- necessidade de boas obras [374] - objeto da eleição eterna 15521
- ensina que boas obras não são necessárias para a FUNDAMENTALISMO
salvação [375] - doutrinas do [432]
- rejeita o Majorismo [376]
- nega a necessidade dos meios da graça [432]
- erro de Amsdod [378] FUNDAMENTALISTAS
- necessidade da santificação e boas obras [377/
- [931
3781
GERHARD
- combate da carne contra o espírito [380]
- método sintético [I001
- perfeicionismo [380/381]
- confundir justiça imputada e justiça incipiente
- a fonte da fé 11381
- perfeição divina [I451
[383/384]
- Trindade no Antigo Testamento [I661
- fonte de boas obras [387]
- passagens claras e obscuras nas escrituras [148]
- porque as boas obras são agradáveis a Deus [389]
- clareza das Escrituras 114911501
- os julgamentos inescrutáveis de Deus não devem
- atribuição da criação ao Pai, Filho e Espírito
ser explorados [417]
Santo [160/161]
- meios da graça [418]
- atributos divinos [168/170]
- sua definição de Lei [443]
- sua definição de Evangelho [444] - não há mutabilidade em Deus [I701
- presença divina [I711
- sua explicação no uso do termo 'Evangelho'
- bondade divina [I791
i4441 - providência [I931
- particularidades comuns à Lei e ao Evangelho
- porque os anjos perversos não foram restabele-
i4451
cidos r2031
- distinção entre Lei e Evangelho [454]
- essência da Santa Ceia [478]
- porque a corrupção original é propagada 12181
- livre-arbítrio 123.51
- pontos sacramentais [482]
- o que faz da Santa Ceia um sacramento [494] - sofrimento e morte de Cristo [281]
- Cristo, o Sacerdote [300]
- necessidade da consagração na Santa Ceia r4951
- designação divina do ministério r5261
4961
- Missa dos romanistas [496]
- chamado mediato como sendo divino [532]
- habitação da alma após a morte [572]
- a necessidade da ação completa da Santa Ceia
[4971
GEES
- significado das palavras da instituição [499]
- Cristo se esvaziou de seu conhecimento divino
- eleição r5451 12651
- eleição é uma causa da salvação [547] GIBBONS,
CARDEAL
- eleição compreende o plano da salvação 15481 - não-clareza das Escrituras [15 11
5491 - Igreja Católica como sociedade para a santificação
- crentes não devem especular sobre a secreta dos membros [211/216/254/399/400]
presciência de Deus [550] GORDON,
A.J.
- somos eleitos em Cristo [551] - perfeicionismo r3821
- não devemos sondar o abismo da presciência GRAEBNER,
A.L.
abscôndida de Deus [551] - define Teologia subjetiva e objetiva [53/54]
- devemos nos ater à vontade revelada de Deus - define decreto da predestinação [I801
i5511
Dogmática Cristã

GROTIUS,
HUGO(Teologia da Nova Inglaterra) - artigos não-fundamentais [74]
- teoria governamental 13051 - método analítico [I001
IJ[ADES/SHEOL - artigos de fé [78]
- [587] - inspiração i1171
HAFENREFFXR - impulsus divinus i1181
- autoridade das Escrituras [132/135]
- purgatório C5741
- uso ministerial da razão [I371
HARNACK,
A
- eficácia da Palavra divina [I441
- graça de Deus sem a morte de Cristo [2461
- três pessoas em Deus [164/165]
- cristão vive pela convivência pessoal com Deus.
- unidade divina [I701
não por meios da graça [430]
- criação [183]
- sobre a Santa Ceia [498/499]
- Deus. o Criador [1?11
&SE, CARLOS - cooperação [I951
- fé robusta na vida eterna [592] - providência permissiva [I961
HASTINGS,
SUA ENCYCLOPAEDIA - conhecimento dos anjos perversos [202]
- inspiração [I291 - pecado original [2181
HEERBRAND - causa do pecado original [223]
- 'fides non est conditio...' [251] - definição de pecado atual [224]
- abster-se de ensinamento definitivo quanto a - vontade conseqüente [252]
passagens obscuras [585] - comunicação dos atributos [268]
IIÉRcULFS - genus idiomaticum [268]
- gentios no céu, esperança zwingliana [595] - descida de Cristo ao inferno [291]
HERMANN,
H - ascensão [293]
- vivencialista moderno [430] - fé [318]
HETERODOXAS,
IGREIAS - conversão i3261
- [519/521] - justificação [353]
HEXAEMERON - imperfeição da santificação [379/380]
- [I851
- definição de boas obras [384]
- palavras da instituição [483]
HILÁRlo - onde é o inferno L5891
- hexaemeron [I 851
HOLT~ANN
HILEY,R. W - nega a instituição do Batismo L4571
- inspiração [I1511 161
- Herrenmahl r4761
HODGE,
CHARLES HOMERO
- systeinatic theology i441451 - argumentum e consensu gentium i5921
- defende a inspiração verbal e plenária [I211
- graça eficaz age imediatamente [I441
HORÁCIO
- corrupção original i2181
- ensina que o resultado é a interpretação dos
propósitos de Deus [248] HUBER,
SAMUEL
- morte de Cristo [281/282] - objeto da eleição eterna [552]
- bênção do cálice [496] HUMBOLDT,
ALEXANDRE
DE
HOEFLING - antropólogo quanto a unicidade da raça humana
- 152915301 [1881
HOFM
ANN Hmrus
- pai da Teologia subjetiva [29] - erra sobre a doutrina da eleição [557/558]
- imagem de Deus [209] Hus
- Cristo se esvaziou de seu conhecimento divino - reconheceu no Papa o anticristo [544]
i2651 H m
- teoria da garantia 13051 - método sintético [I001
- repudia a 'satisfactio vicaria' I5081 - pecado atual [224]
- objeto da eleição eterna [553] - significado do termo 'livre-arbítrio' [235]
- doutrina da ressurreição no Antigo Testamento - instituição divina do ministério i5261
15811 - abster-se de ensinamento definitivo quanto a
HOU passagens obscuras [586]
- define religião i291341 hxALAPsARL4Nos
- revelação privada não é fonte de fé [40] - [248]
- artigos fundamentais [71] ~ ~ A L I S M O
- artigos fundamentais secundários [72/73] - 1611
Índice Onomástico

ISRm - membros de lojas não devem ser admitidos à


- Jeová (Javé) [579/580] Santa Ceia [503]
- nomen Dei essentiale [167/168] - maçonaria é culto pagão [503]
- pronúncia de 11681 LQEm
JL~ELICEER - geistlicher Stand 15291
- desmente a instituição divina da Santa Ceia [475] - noção incorreta sobre o ministério público [534]
K~AY
THEOWR
, LOGm
- inspiração e autoridade da Bíblia [129/130] - pré-existente, o verdadeiro Mestre no Antigo
KAHm Testamento [298]
- Cristo se esvaziou dos atributos divinos [265] LDm
- relatos diferentes não significam que Bíblia não - prova teológica [591]
seja inspirada [199] Lvrwo
- purgatório L2831 - sua atitude frente à Bíblia [28/61]
f(Ah~, hn~amn - fazer um teólogo [55]
- filosofia religiosa [37] - teólogos [59]
- argumentum ethonomicum [592] - distinção entre Lei e Evangelho [67]
KEC~WIIW - justificação [68]
- rejeita a explicação de Zwínglio das palavras da - erro do cristão [73]
instituição 14821 - meios pelos quais os cristãos são governados

- assegurou que as palavras da instituição em sua 1831


toialidade devem ser explicadas figurativamente - fides divina (861
[483/484] - convicção 1881
K
EYm - credos [90]

- nega a existência de Deus i1531 - reter a Palavra de Deus [90]


- efeitos de pequenos erros [94]
KIRN
- acusado de desenvolver doutrinas [98]
- Cristo permanecia separado do logos [265]
- oratio, meditatio, tentatio [I011
- teoria da garantia [305]
- Papado é entusiasmo 11091
- repudia a 'satisfactio vicaria' 15091
- Escrituras [ I 111
- morte existia antes do pecado [570]
- inspiração [111/118]
KLIEFOTH - sobre 1 aos Coríntios 7.10 11251
- [529] - sua assumida 'atitude liberal' frente à Bíblia [I271
KOENIG - "feno, palha e restolho" [I281
- método analítico [100] - Homologumena e Antilegomena 11281
KRAm - "in acie minus valet" [I281
- palavras da instituição [483] - "epístola palhiça" [I281
KRETZVMNN,
P.E - "Christum treiben" [I291
- luz elementar 11861 - direito de julgar doutrina [I361
- obra do terceiro dia da criação [I871 - conselho metodológico aos ministros [I421
KURTZ - eficácia da Bíblia [142]
- restabelecimento de um mundo dantes criado - efetuar algo através da Palavra [I441

11861 - clareza das Escrituras [148/149]


LaCrÂNcIo - Deus, o Criador [I911
- termo 'religião' [29] - sobre Gênesis 9.6 e Tiago 3.9 [209]

LANGE - mulher [211]


- atribui as palavras à confissão de Pedro 15141 - obediência satânica do Papa (2131
- castigos 12171
LATERMANN
- o custo1 preço pago por Cristo i2461
- seu sinergismo [239/339/340/344/347]
- a concepção sobrenatural de Cristo [288]
LEÃo,O GRANDE - conversão [326]
- genus apotelesmaticum 12811 - contra Erasmo [334/348]
LEIBNIZ - eficácia da Palavra 133513371
- prova metafísica [591] - o proceder de Deus na conversão [343]
LIMBORCH
(arminiano) - regeneração [350]
- erro do perfeicionismo [380/381] - sola fide [358/359]
LOJAS
M~ÇÔNICAS - fé [370]
- [409] - crescer na santificação 13721
- norma das boas obras [385/387]
Dogmática Cristã

- obras de Alexandre Magno, Júlio César e Cípio ~CPHERSON


13901 - zwischenleib [575]
- inabilidade do homem não-regenerado em ~ ~ J o R
praticar boas obras [392] - boas obras necessárias à salvação [376]
- ministério cristão (3941
Muomro
- pastor evangélico procura crescer na santificação
- L37613771
[394/395]
- dizimar [395/396]
M.L\TQLF~SMO
- o Cila do maniqueísmo (2221
- passagens que prometem recompensa 13961
- valor das boas obras [397/398]
RIARIA, A VIRGLM
- obras que sucedem fora da fé [400/401]
- não houve imaculada concepção de [218/223]
- cruz dos cristãos (40214031 - 'semper virgo' 12881
- oração cristã (4071 m-20
- oração do não-regenerado 14091 - [I531
- eficácia da oração verdadeira [410] MEIS~R, BALTHIS-AR
- Pai-Nosso (4101 - finalidade da Teologia 1831
- formas de oração (41014111 - abster-se de ensinamento definitivo quanto a
- esperança da vida eterna [411] passagens obscuras [296]
- Evangelho como absolvição [419/420] MEL~NCETHON
- ter fé e firmar-se na fé 14321 - introduziu sinergismo [45/239]
- absolvição [434] - método sintético (1001
- meios da graça no Antigo Testamento (4401 - sobre Deus [I651
- Antinomianismo (4451 - três causas da conversão 13331
- alvo da Lei e do Evangelho [448] - sua conclusão sinergista 13471
- ligação íntima entre Lei e Evangelho [449] - vontade do homem anuente 13471
- necessidade do Espírito Santo na distinção entre - boas obras como 'causa sine qua non' 13761
Lei e Evangelho 14511 - o evangelho condena o pecado (4481
- distinção entre Lei e Evangelho [456] - seu sinergismo [554]
- efeitos do Batismo [464] MÊNIo
- Batismo infantil 14721 - boas obras necessárias à salvação [376]
- a finalidade da Santa Ceia (4981 ~ Y E R
- comunhão livre [502] - 'est' não quer dizer 'significat' 14821
- aqueles que desprezam a Santa Comunhão (5051 MiLENÁrcros
- erro produzindo erro 15221
- (3091
- sacerdócio espiritual de todos os crentes 15281
MISÚRI, SÍNODO DE
- necessidade dos meios da graça pelos quais o
- [232]
Espírito Santo opera 15311
- todos os cristãos são 'Pedros' (5331
- ordenação 15351
- Paulo foi um 'servus' (5371
- igualdade dos pastores cristãos 15401 - resultado da aplicação da filosofia à Teologia
- ministério público, o ofício supremo (5401 i371
- condição da alma após a morte [572] - rejeita as Sagradas Escrituras (491
- a ressurreição do corpo (5821 - resultado do indiferentismo (741
- julgamento dos crentes [585] - mostra as conseqüências desastrosas da liberdade
- destruição do mundo em sua forma presente [5861 acadêmica [93]
5871 - considera a razão humana como a fonte da fé
LUTERANA,
IGREJA [1051106]
- não uma seita [46] - uma excrescência direta do racionalismo crasso
- o que o termo significa [47] dos séculos XVIII e XIX (1201
- nega a necessidade da expiação vicária de Cristo
- define graça justificadora a partir das Escrituras
12441 i1691
- não a 'una sancta', mas a verdadeira Igreja - rejeita a Escritura como a única fonte da verdade
Ortodoxa [520] i1751
MODERNISTAS, TEÓLOGOS
LUTHARDT
- ponto de vista dos [27]
- Cristo se esvaziou dos atributos divinos 12651
- racionalistas 11771
- objeto da eleição [553]
- Deus gracioso sem a redenção de Cristo [247]
Índice Onomástico

MONARQU~A~\?SMO PARSIMOMO,
JOÃO
- [I581 - descida de Cristo ao inferno [291/292]
MONERGLSMO PARTICULARISMO
- da graça divina a qual devemos nossa perseverança - [248/249/250]
[125/126] PATRIPASSIANOS
MOXOTELF~.~SMO - [I581
- 12551 PELAGJANOS
MopsuÉsn~,TEODORO
DE - afirmam que pecado alheio não pode ser
- união relativa nas duas naturezas de Cristo [264] imputado [218]
MUELLER,
MAX - negam a corrupção hereditária1 Caribdes do
- diferença entre a religião cristã e as outras assim pelagianismo [22 112391
chamadas religiões 1311 PERFEICIONISMO
MUEN~IEYER - [380-3851
- geistlicher Stand r52915341 hX3IMTSM0
MUENZER - [I531
- entusiasta [430] PEYRERE,
ISAAC
NAZIANZA,
GREGÓRIO
DE (hó theólogos) - judeus procedem de Adão; gentios, dos pré-
- defendeu a divindade de Cristo [53] adamitas [I881
- categorias angelicais [201] PFEFFINGER
NESTORIANISMO - recebidos por crer no Filho [554]
- [262/267/268] PFEIFFER
NIEMEYER - Teologia positiva [59]
- Consensus Tigurinus [478/479] PmLlPP1
NITZSCH-STEFAN - imagem de Deus [209]
- fonte da fé [61] - intuitu fidei finalis, ex praevisa fide finali [557-
NOESGEN 5591
- Herrenmahl [476] PrnzsTAs
- as palavras de Cristo na instituição da Ceia [489] - como endereçam o pecador atemorizado [431]
OECOLAMPÁDIO - rejeitam a absolvição1 Satanstuhl 1434-436,4421
- a figura retórica em 'meu corpo' [481] - fazem da oração um meio da graça [442]
- finitum non est capax infiniti r4841 PJSCATOR,
JoÃo
OLSHAUSEN - in copula 'est' non posse tropum E4821
- santidade de Maria r2571 ~ T Ã O
ORÍGENES - prova metafísica [592]
- Batismo infantil na Igreja primitiva [467] POACH
OSIANDRO
(OSIANDER),
J.A. - Lei como assunto do Estado [445]
- natureza angelical [199] POI~&.MO
- Adão criado somente à semelhança de Cristo - definição de [153/172]
~2071 PONTO
DE VISTA
- habitação e influência de Cristo [360] - teológico [27]
- nega o 'actus forensis' [361] - das várias secções [27]
- objeto da eleição eterna [553] - cristão [27]
OTIMISMODE LEIBNIZ - único e correto [27]
- [190] POSIT~TLSMO
Om, - [153/154]
- lei como assunto do Estado [445] PRÉ-ADAMITAS
PANTEÍSMO - [I881
- [153/1711190/195/196/211] PRESBITERIANA,
CONFISSÃO
DE F É
- determinismo panteísta [215] - poderes das convenções eclesiásticas [523]
PAPA PSICOLOGIA
DA RELIGIÃO /FILOSOFIA
DA RELIGIÃO /
- o anticristo, visto que anatematiza a doutrina RELIGIÃOCOMPARADA
escriturística do 'sola fide' [365] - (religionsgeschichte) 1351
PAPISTAS PSICOL~GICOS,
FENOMENOS
- ensinam que o homem foi originalmente - [35/36]
indiferente [208] PSICOPANIQUISMO
- negam a comunhão das naturezas em Cristo [266] - [572]
Dogmática Cristã

QUACRES~
QUACRE~SMO/
QUACRELKA R~-SCII
- negam a instituição do Batismo [458] - problemas teológicos [77]
- rejeitam a Santa Ceia [475] Rlmcm
QUENOTICISMO - teólogo racionalista moderno [46]
- [265/273/283/284] - rejeita o Evangelho de Cristo [97]
QUE~oncis~As - Deus gracioso sem a redenção de Cristo [247]
- [284] - teoria declaratória r3051
QUENSTEDT Rom
- o termo 'religião' [34] - definicão de .igreja' [508]
- as Escrituras, única fonte de fé 1391
- - B, IGREJA
ROMXY CAT~LICA
- consentimento da Igreja não é fonte de fé [40/ - aceita tradicão como fonte de fé [27]
801 - anatematiza justificação pela fé [43]
- método analítico [I001 seu principal erro [49]
- de que forma escreveram os escritores sagrados - ensina justificação por obras e paganiza 0 Cristianismo
i1171 i491
- impulsus scribendi [ I 1811191 - perverte os antigos credos por erros anticristãos
- fides divina [132] i791
- argumentos da razão [I341 - estigmatiza Lutero como herético [I021
- eficácia da Bíblia [I431 - sua Teologia é mero entusiasmo [I091
- caráter resistível da palavra eficaz [143/144] - nega 'impulsus scribendi' [119]
- passagens obscuras [I481 - acusa os luteranos de argumentarem em círculo
- conhecimento natural de Deus [I541 i1331
- empíreo [I861 - aceita apócrifos [I401
- providencia permissiva [197] - faz da Vulgata o único texto autoritário r1421
- Estado de corrupção 12111 - rejeita a clareza das Escrituras [I471
- pecado original [218] - ensina que o homem esteve originalmente em
- comunhão das naturezas (2671 um Estado de indiferença moral [208]
- imperfeição da santificação [379] - imagem de Deus, um dom sobrenatural [208]
- norma das boas obras [386] - definição errônea de pecado [212]
- porque obras agradam a Deus [389] - enche o mundo de obediência satânica [213]
- eficácia da Palavra divina [421] - imaculada coiicepção de Maria [218]
- necessidade da ação completa na Santa Ceia [497] - minimiza pecado original, negando a corrupção
- salvação eterna [593] total do homem decaído [219]
QUILIASTM - seu caráter anticristão prova-se pela hiperdulia
- (OUmilenaristas) [309/577] r2221
RACIONAI,ISMO - definição errada de pecados atuais [231]
- axioma racionalista dos reformados [44] - livre-arbítrio em assuntos espirituais [238]

- sistema unificado (ein einheitliches Ganzes) [97] - confunde graça e dons da graça [243]
RACIONAI,ISTA,
TEOLOGIA - anatematiza a graça justificadora como 'gratuitus
- procura construir um sistema unificado [97] favor Dei' [243]
- nega a comunhão das naturezas em Cristo [266]
- imperfeita e incompleta [99]
- ensina que o finito é incapaz do infinito [272]
- fia-se na 'experiência cristã' [I091
- nega o 'genus inaiestaticum' [272]
- nega a encarnação de Cristo L2591
- nega adoração à natureza humana de Cristo [277]
REFORMADA,TEOLOGIA
- ensina que Cristo foi um novo Legislador [297]
- (conforme Teologia Calvinista) [44]
- ensina justiça por obras [304]
RELIGIÃO - ensina a abominação da Missa [305]
- definição [29/32]
- nega a comunicação dos atributos [308]
- sinônimos [29] - substitui a Palavra de Deus por ordenanças
- número de religiões [31]
humanas r3081
- comparativo [34]
- é a Igreja do Anticristo [308]
- filosofia da religião [36]
- ensina que fé é assentimento, não confiança no
- fontes [38]
Evangelho [3 121
- religião da fé [39]
- anatematiza a fé como confiança em Cristo
- religião no Antigo Testamento [40/41] [313/314]
- religião da carne [43]
- ensina que a fé é 'otiosus habitus' [313]
- fé salva porque é uma boa obra ou a fonte de boas
obras L3181
Índice Onotnástico

- nega que o crente possa estar seguro da salva@o L3191 SAMOSATA,


PAULO
DE
- ensina que a conversão é obra meritória [327] - (monarquiano dinâmico1 adocionista)
- definição errônea de arrependimento (3511 - Filho mero homem [I581
- sua doutrina falsa de contrição faz da verdadeira SALIGER,
JoÁo
contrição algo impossível 13521 - uuio sacramentalis 14971
- é a maior inimiga da Igreja Cristã porque nega o SAVOXAROLA
.sola fide' [354] - reconheceu no Papa o anticristo [544]
- sua doutrina falsa da justificação L3551
SCEENKEL
- anatematiza o 'sola fide' [356/357]
- rejeita a explicação de Carlstadt [482]
- ensina justificação por obras L3641
- faz da santificação a base da justificação 13691
SCHILLER
- ensina que as boas obras são necessárias para a - queda do homem [211]
salvação 13753 SCHLEIERMACHER
- ensina que a fé salva visto que ela opera pelo - teólogo científico [46]
amor r3761 - convicção pessoal [88]
- ensina perfeicionismo r3801 - sistema panteísta [97]

- falsos padrões de boas obras L3861 - Escritura in totum [I071

- considera as obras pagãs como boas L3911 - teoria da garantia [305]


- a mais perfeita das boas obras: a própria - zwischenleib 15751

instituição 13991 SCHWENKFELD (entusiasta)


- falsa doutrina da penitência [400] - nega o 'actus forensis' [361]
- o ensino pernicioso de fazer-se mal para uma - erro do perfeicionismo [380/381]
boa finalidade [400] SCOTUS,
DUNS
- erro com relação aos sacramentos, funcionando - modo unívoco [I681
como 'ex opere operato' [422/423] SEEBERG
- erro quanto ao propósito da morte de Cristo - Cristo permanecia separado do logos 12651
i4241 SEMIPELAGIANISMO
- erro com relação aos meios da graça [425] - acha-se 'extra ecclesiam' 1691
- 'sacramento da penitência' [425] - o homem pode dar início à sua conversão [239]
- erro concernente à 'chave errada' 14351
SÊNECA
- nega a certeza da salvação [435] - corpo é de natureza perecível [570]
- confunde Lei e Evangelho L45514561
SEPARATISTAS
- ensina que o Batismo opera 'ex opere operato'
- cismáticos [522]
i4621
- anatematiza a doutrina de que recebemos perdão
WILLIAM
S~EDD,
no Batismo pela fé r4621 - defende a inspiração verbal e plenária [I211
- ensina a absoluta necessidade do Batismo [470] - influência do Espírito independe da Palavra L4331
- perverte a doutrina da Santa Ceia 14781 - Zwínglio e Calvino em pontos sacramentais 14821
- nega que na Santa Ceia seja oferecido perdão dos - ignora a posição luterana 15651
pecados [500] SINCRETISMO
- falsa doutrina da Igreja [508/509] - 15211
- repudia todos os pastores não ordenados por SINERGISMO
bispos [535/536] - [45/69/961239/249/252]
- o 'sacramento' da ordenação confere 'ex opere - seu caráter pernicioso [347]
operato' um caráter indelével [537] - de que fonte deriva suas doutrinas [348/349]
- o 'sacramento' da ordenação confere também - sutil e moderno 13491
poder para transubstanciar o pão e o vinho [537] - sua corrupção dos meios da graça [419/428]
- ensina o purgatório 157215731 - nega a certeza da salvação L4541
RUSELISMO - confunde Lei e Evangelho [456]
- nega o castigo eterno 11691 - limita o 'gratia universalis' [554]
Ruemms SÍNODOS
- negam o lugar dos condenados 15881 - tem poder consultivo 15221
- não são superigrejas [523]

- negam que houvesse três pessoas na Trindade S~TÉTICO,


MÉTODO
rissi - [IOO]
SALVAÇÁO,
ExÉRcrro DA SISTEMAS
TEOL~GICOS
- Batismo como 'cerimônia judaica' [459] - definição 1941
- rejeitam a Santa Ceia [475] - em que sentido a Teologia cristã é um sistema 1941
Dogmática Cristã

- porque, contudo, ela não deveria ser chamada


um sistema [95] - expressa que o paganismo dispunha de Batismo
- 'elos que faltam' [95] i4601
S~CRATES B ~ m r Loh(FANTUNA IGREJA
PRIhíITW4
- exigira que se sacrificasse um galo a Esculápio - [467]
i371 TEsn.
- gentios no céu, esperança zwingliana [595] - gentios no céu. esperança zwingliana C5951
SOHNNS THo~LASKS
- 'descensus' se relaciona ao inteiro Estado de - mal interpretável [446]
humilhação [292] - objeto da eieicão eterna [553]
SPAETH,
DR.A. TK~LCIO~IO
- João 20.19-24 [436] - V61
S P ~ A TRL\~LB~TAVCL~Ç%O
- desmente a instituição divina da Santa Ceia [475] - [478.481.487,488]
STOECKHARDT TRICOTOMLA
- a destruição de Jerusalém [577] - [I871
STROEBEL TRm6S-rA.s
- cristão batizado, sacerdote espiritual [530] - [I631
STRONG Umomio
- criação [I981 - [521,522]
- profecia moderna [298] UNITÁRIOS
- experiência e habitação de Cristo [428] - Deus gracloso sem a redenção de Cnsto [247]
SUBORDINACIONISTAS UNITARISMO
(modernismo)
[159,63] - Cristo mero homem r2651
SWRALAPSARIANOS UNIVERSALJSMO
i2481 - nega o castigo eterno [I691
T m - anjos decaídos poderiam ser restaurados [202]
- mencionado por Aristóteles [53] VALENTINO
TEOL~GICOS,
PROBLEMAS - corpo de Cristo era de origem celestial C2551
i761 VILMAR
TEOLOGIA - geistlicher Stand [229]
- científica [28,46,61] - noção incorreta sobre o ministério público [534]
- racionalista [46] - objeto da eleição eterna [554]
- o que a cristã é [52] VINCENTNS
DE LERINUM
- o termo [52] - coiisensus patrum [I081
- subjetiva ou concreta [53]
VIRG~LIO
- objetiva ou abstrata [53]
- argumentum e consensu gentium [592]
- considerada como capacidade [54]
- considerada como doutrina [58]
VOIGT
- positiva Idogmática [59] - doutrina da ressurreição no Antigo Testamento
- arcetípica, ectípica [60] i5811
- divisões da C631 vom
- propósito da cristã [81,2] - Evangelho eficaz só quando proclamado [420]
- Teologia e ciência [84] WALTBER,
DR.
- em que sentido Teologia é uma ciência [85] - instituição do ministério público [529]
- e convicção [88] - necessidade do ofício pastoral [530]
- sistemas teológicos [94] - ministério público não é um Estado espiritual
- 'theologia est habitus practicus' [I011 C5381
- 'theologia debet esse grammatica' [I061 - salvação dos eleitos mediante a fé [556]
WARFIELD,
BENJAMIN
- defende a inspiração verbal e plenária [I211
WEIGEL(entusiasta)
- nega o 'actus forensis' [361]
- erro do perfeicionismo [308,1]
WELSS,
B.
- desmente a instituição divina da Santa Ceia r4751
índice Onornástico

G, DE (1536)
W ~ A ' B E RCOSC~RDIA z'ANc%I
- Lutero sobre a 'manducatio indignorum' [496] - figura retórica no todo da declaração [484]
WIEmER ZWÍNGLIO
- atribui as palavras à confissão de Pedro [514] - Espírito Santo não necessita de guia ou veículo
WORW,EDITO DE 1144,2441
- condena Lutero r3991 - canibalismo, banquete tiesteano [478]
WYCLIF - palavras da instituicão [481]

- reconheceu no Papa o anticnsto r5441 - Eucaristia como 'commemoratio' [496]


- 'anthropophagi' i4971
- [500,502]
Dogmáticn Cristã

- a doutrina escntunstica do anticristo [541]


- um sacramento [424] - sentido lato e restrito do termo 'anticristo' [541]
- Evangelho é absolvição [433] - característica do [542/543]
- ensinada nas Escrituras [435] AWIGO TESTA\~TO
- da Igreja papista [435] - sua diferença essencial em relação ao Novo
- a doutrina escriturística da absolvição contra os Testamento [50]
opositores 14361 - citado como Palavra de Deus no Novo
- Doutor Spaeth sobre o poder da absolvição dado Testamento [112/113]
aos discípulos [437] ~ETITE
DO HOSE31 CORRL'PTO
- objeções [437] - [221]
- Batismo e Santa Ceia são formas [438]
- não é para ser pronunciada condicionalmente - [I401
i4381 APOLOG~CA
- questões requeridas [439] - sua função [87/88]
ADIÁFORO
~ROPRUCÃO
- idéias errôneas acerca dos adiáforos [226] - [161/164]
- Batismo não é [468]
ARFCPEND~TO
- gestão eclesiástica [523]
- compreende contrição e fé [335]
- res mediae [530]
- doutrina do [351]
ALMA - diário, um retomo ao Batismo L4651
- provas para a imortalidade da [591]
ARTIGOS
DE FÉ
- esperança cristã de salvação difere da doutrina
- o que são [77/78]
pagã sobre a imortalidade da [592]
- mistos, puros [78/154]
Anros
ASCENSÃO DE CRISTO
- doutrina [I991
- r2931
- nome [199]
- natureza [200] "ASEIDADE"
DIVINA
- conhecimento [200] - [I711
- atributos [200] Anã
- milagres [200] - [I711
- casamento de anjos com homens 12011 - divinos de geração e espiração [I631
- número e categorias [201] - operações internas e externas [163/164]
- bons e maus [202] ATRIBUTOS
DIVINOS
- originalmente, positivamente bons r2021 - e essência de Deus [I671
- 'in bono confirmati' [203] - como descrevê-los acomodando-os ao pensa-
- eleição [203] mento e linguagem humanos [I681
- serviço dos anjos bons [203] - divisão [I681
- sua visão beatífica e perfeita do amor de Deus - negativos [I691
i2031 - positivos [I731
- a quem servem [203] - comunicados à natureza humana de Cristo [268/282]
- devemos estimá-los, mas não cultuá-10s r2041 Amoco~ncçAo
ANJOS MAUS - L881
- inimigos de Deus [202] DA B~BLIA
AUTORIDADE
- seus milagres [200] - [I311
- não predestinados à condenação 12021 - provas [I331
- por que decaíram [202] - se a Igreja a rejeita/ Schriftprinzip [137]
- seu Estado de miséria [202] - do Antigo Testamento [I391
- porque não restaurados no favor divino [203] - do Novo Testamento [139/140]
- sua punição [203] BATLSMO
- como prejudicam o homem 12051 - doutrina do [457]
- odeiam a Igreja [205] - artigo fundamental secundário [71]
- seu castigo [206] - propósito [421]
ANTIcRIsm - instituição divina [457]
- [500/365/401/5 1215221 - aplicação da água [459]
Índice Remissivo
- o que faz dele um sacramento [459]
- de feitura humana r4601
- em nome de Cristo [460]
- a fórmula L4601
- atos batismais de seitas antitrinitárias [461]
- um meio da s a c a [461]
- impossível se Lei e Evangelho são confundidos
- distinção entre Batismo e Evangelho 14621
14521
- doutrina papista 'ex opere operato' [462]
CÉu
- calvinistas negam sua eficácia [463]
- meio de regeneração nos adultos [464]
- ao qual Cristo ascendeu [292/293]
- finalidade da ascensão 12931
- 'materia coelestis' [464]
- seu uso 14651 - graus de glória r5951
- linguagem do céu 15951
- quem a Igreja deveria batizar 14661
- um lugar [595]
- das crianças [466]
- pelos mortos 14671
- santos no céu [595]
- miuistrantes [468]
- finalidade de sua doutrina [596j
- necessidade 14681 CHAMADO
- não absolutamente necessário 14681 - imediato e mediato [531/532]
- costumes [470] - o caráter divino do chamado mediato [532]
- opera fé 1471]
- mediante o chamado. a congregação transmite o
- não opera 'ex opere operato' [471] ministério 1.5391
- a quem perguntas devem ser feitas 14721 CLAREZA
DAS ESCRITURAS
- quando a fé é gerada 14721 - [I471
- de João Batista [473] - no que diz respeito a que as Escrituras são
- 'sacramentum initiantialis' r4761 explícitas [148]
Boas OBW - com o que tal clareza não pode ser identificada 11491

- e fé 13691 - a quem as Escrituras não são claras [150]


- objeções à [I501
- e santificação r36913701
- negada pelos papistas e entusiastas [I511
- sua necessidade r3741
- são necessárias 13741 'CAPERNA~TICO' DA CELA
COMER DO SENHOR
- mas não efeitos de coercão r3751 - 14801
- não necessárias para a salvação [375] COMUNGANTES
(comensais)
- indícios da fé [376] - indignos recebem o corpo e sangue de Cristo
- não prejudiciais à salvagão 13771 14961
- por que devem ser feitas 13781 - quem pode ser admitido à Santa Ceia [502]
- não são livres [378] - devia examinar-se 15031
- sua doutrina 13781 - indigno não devia ser admitido à mesa do Senhor
- sua norma 13841 15031
- feitas apenas pelos crentes 13861 C o m o DAS NATUREZAS EM CRISTO
- dos crentes não são perfeitas r3881 - 12651
- porque são elas agradáveis a Deus quando feitas - é real 12661
pelos crentes 13881 - não mera contigüidade [267]
- dos gentios r3891 - sem confusão das naturezas [267]
- progresso do cristão em boas obras [392] - inseparável [267]
- perversão de sua doutrina [399] c 0 M U N H Ã 0 PRTVADA
- por que as boas obras dos católicos romanos - r5021
devem ser condenadas [400] CONCILIAÇÁO (expiação, satisfação)
BONDADE
DIVINA - teorias da [49/50]
- atributo divino [177] - doutrina da expiação vicária/ artigo fundamental
- objeções 11791 i691
CÂNONE B~BLICO - expiação vicária de Cristo [301]
- como foi fixado [139/140] - erros com relação a satisfação vicária [303]
CAPACIDADE
TEOL~GICA - teorias modernas quanto à expiação [304/305]
- L541
- aquisição [100/101]
CARÁTER HIST~RICO
- (Cristianismo histórico1 Cristo histórico) 1631
Dogmática Cristã

CONDENAÇÃO - transitiva e intransitiva r3391


- eterna, dos anjos perversos r2061 - continuada [340]
- doutrina da condenação eterna r5861 - reiterada [341]
- punição dos condenados [586] - objeções contra o monergismo nela [342]
- suas causas 15891 - caráter pernicioso do sinergismo r3471
- propósito de sua doutrina i5901 - sinônimos [349]
CONFIRMAÇÃO C o ~ í ~ c c à o
- não uma 'confirmação' do Batismo [465] - subjetiva r881
- por que a conservamos 14651 - convicção própria é condenada [88]
C o m s à o - como pode ser obtida [88/89]

- pública ou privada, deve ser mantida [504] 'CORAÇÃO REGENERADO'


Co~nssõES - L621
- são normas secundárias r1391 C o m(xusnus
- 'quia', não subscrição 'quatenus' 11391 - r1861
- necessidade relativa delas C1401 CORPCS
C ~ T I
CONHECIMENTO
CRISTÃODE DEUS - (celebração do) [480]
- 11541 CORRWÇÃO
CONHECIMENTO
NATURAL DE DEUS - Estado de L2111
- [I521 - original propagada a toda a humanidade r2181
- é verdadeiro r1541 - conhecida do homem por natureza [219]
- seu valor [154] - deve ser aprendida das Escrituras [219]
- sua limitação r1541 - falsas visões difundidas a respeito dela [219]

CONSAGRAÇÃO
(ato de consagrar) - corrupção e vontade da pessoa r2191

- deve ser mantida na Santa Ceia [495] CULPA


DE ADÃO IMPUTALIA AOS DESCENDENTES
- Calvino negou sua necessidade [495] - [217]
CONSCIÊNCIA [214] CUSTA
DA REDENÇÃO
- pecados contra a consciência [229] - não há custo de nossa parte r2461
CONSCIÊNCIA CRISTA CRENTES/
OS QUE CRÊEM
- [55,46,60,61,97] - são membros da Igreja [506]
CONSEQÜÊNCIAS - são causas instrumentais da Igreja [514]
- de negar a inspiração [I291 - cristãos em cargos governamentais [516]
- do pecado 12161 - devem professar a verdade divina r2571

CONSUBSTANCIAÇÃO - e pastores são distinguidos pela Escritura [529]


- [494] - devem organizar as igrejas locais r5291
- velar pela doutrina [529]
CONTRADIÇOES
ALEGADAS NA ESCRITURA
- têm o direito do chamado [532]
- [I741
- devem considerar-se eleitos [549]
CONTRIÇÃO
- estão seguros de sua eleição somente se aderirem
- contrição e fé [335-3371 a Cristo [554]
- doutrina papista da contrição r3511 - não podem estar seguros de sua eleição se
CoNVERsÃo avaliarem a salvação por uma conduta diversa
- doutrina [325] no homem 155415551
- definição [325] - estão advertidos pelas Escrituras quanto a serem
- não uma mera mudança de mentalidade ou carne (sarx) [555]
melhora moral r3261 - como novas criaturas, devem esquecer as
- pontos especiais a se considerar em conexão a advertências e ameaças da Lei [555/556]
ela [327] - referências aos crentes temporários são
- ponto de partida e término dela [329] advertências da Lei [556]
- mera centelha de fé significa completa conversão CRIAçáo
i3291 - doutrina [I 831
- causa eficiente r3301
- definição [I831
- obra somente de Deus [330] - sua ordem [I831
- cooperação depois [332]
- hexaemeron 11851
- seus meios [334]
- relato da criação feito por Moisés único autêntico
- movimentos internos [337]
à disposição [I851
- é instantânea [338]
- seis dias r1851
- sucessiva [338]
- mediata [185]
- sua graça é resistível [339]
- do homem [I871
Índice Remissivo

- anjos [189] CRUZ


- seus fatos conhecidos por Moisés [I891 - é uma 'concio legis realis' [50]
- ato espontâneo de Deus [190] - dos cristãos [402]
- ato externo de Deus [I901 - o que contém [402]
- pelo Pai mediante o Filho e o Espírito Santo - conexão entre Cristianismo e cruz [404]
i1911 - como os cristãos a consideram [404]
- sua fmalidade [191] - benefícios de portar a cruz [405]
CRIS~YISMO - força para carregá-la [405]
- religião idealizada por Deus [50] DECÁLOGO
CRlsn, - contém feições cerimoniais [215]
- doutrina da pessoa / artigo fundamental [69] DECRETOS
- providência divina atribuída a [194] - doutrina [180]
- doutrina de [253] - da criação [180]
- não teria se tornado homem, não tivesse o - da redenção [I801
homem caído [253] - da predestinação [I811
- pessoa de [254] DESCIDA
DE CRISTO
AO INFERNO [290]
- divindade de [254] - negação da [291/292]
- chamado 'Deus' no predicado [255] DESENVOLVIMENTO
DOUTRINÁRIO
- Subordinacianos ensinam-no como Deus em sentido - [78/89]
secundário [255] - por que deve ser condenado [89]
- humanidade de 12551 - credos não o são [90]
- a impecarninosidade de [256]
. - impossíirel [90]
- livre do pecado original 12571
- Lutero acusado de [98]
- imortalidade de r25712581
DESERÇÃO
- aparência externa de 12581
- advertências escriturísticas sobre [416]
- impessoalidade de [258]
- racionalistas modernos ensinam que as naturezas DEUS
humana e divina dele gradualmente se coaduna- - doutrina [152]
ram [259] - Santíssima Trindade [155]
- união pessoal de r2601 - definição de Deus [I651
- comunhão das naturezas de [265] - Santíssima Trindade revelada no Antigo
- comunicação dos atributos de [268]
Testamento [165]
- a morte de [281]
- essência e atributos [167]
- Estados de [282] - não movido por nada fora de si mesmo [173]
- nem sempre utilizou sua majestade divina - não é a causa do pecado [215]
comunicada à natureza humana [282] - pecados contra Deus [230]
- idéias errôneas quanto à sua humilhação [283] - pode ser resistido no reino da graça r2481
- operou 'em, com e através'de sua natureza
- não é um termo genérico r2551
humana [287] DISCIPLINAS
- Sua concepção e nascimento [287] - as quatro teológicas [80]
- circuncisão, educação e vida de [288] DIVINDADE
DE CRISTO
- sofrimento e morte de [288] - [254/255]
- sepultamento de [288/289] DIVISÕES NA IGREJA
- exaltação de [289] - r411
- ressurreição de 12921 D h o
- ascensão de [293] - [394]
- o assentar-se à direita de Deus [293/294/276] DOGMAS
- Seu ofício [295]
- e Igreja [78]
- não um novo legislador [297] - o que é um dogma da Igreja [80]
- o profeta da Igreja do Antigo Testamento [298] - e disciplinas teológicas [80]
- verteu seu próprio sangue [299]
DOM~NIO
DO SER HUMANO SOBRE AS CRIATURAS
- Sua intercessão sacerdotal [305] - [210/211]
- ofício real de [306]
DOUTRINAS
- reino tríplice de [307]
- confusão de [29]
- seu corpo glorificado não é 'materia coelestis'
- fundamentais e não-fundamentais [67]
do Sacramento do Altar [493]
- qual a mais fundamental de todas [68]
- Sua instituição faz da Santa Ceia um sacramento
- fundamental primária [711
i4951
- fundamental secundária [71]
Dogmática Cristã

- o que deve ser lembrado quanto à [73] - segundo advento de Cristo i5751
- indiferença em relação à i731 - ressurreição dos mortos r5801
DÚVIDAS C O N C E R N E ~
A SALVAÇ~~O - Juízo Final [584]
- quando emergem [127] - fim do mundo [585]

EFICÁCIA DA B ~LM - condenação eterna (5861

- 11421 - salvação eterna [591]

- negada pelos unitários e pelagianos [I431 &(SRITORES SACROS


- poder divino da Palavra é resistível r1431 - relapo entre o Espírito Santo e os escntores sacros
- eficácia 'extra usum' r1441 i1191
- atividade do Espírito através da Palavra não deve - seus estudos e pesquisas [123]
ser julgada 'ex sensu' i1441 & m a 4
- eficácia da Lei e Evangelho [145] - Santa, única fonte e norma da fé e vida cristã
EFICÁCIA DA GRAÇA DMNA [28/104/522]
- sua negação [249] - rejeitada pela Teologia moderna racionalista [61]
ELEIÇÃO - 'lacunae' (omissões) na [96]

- doutrina [I 8115451 - infalível [97/98]

- definição do decreto da predestinação r5451 - doutrina da [I041

- não ocorre 'intuitu fidei' [547] - substitutos para [105/106]

- compreende todo o plano da salvação [548] - é -Deus incarnatus' [I061

- não uma mera predestinação dos meios da - conteúdo geral da [I071

salvação [549] - atitude dos romanistas em relação à [I091

- é 'Persotienwahl, Einzelwahl' [545] - atitude dos calvinistas quanto à i1091


- como os crentes a consideram [549] - atitude da Teologia racionalista no que diz
- uma doutrina de alegria e conforto i5501 respeito à r1091
- a correta visão da eleição de alguém [550] - a Palavra de Deus [1 111
- ao estudar sua doutrina, não devemos satisfazer - 'causa principalis' [I161
à nossa razão 15511 - os sacros escntores foram 'causae instrumentales'
- não há absoluta r5521 da [I161
- não devemos considerá-la 'nude' [552/553] - diversidade de estilos na [I211
- Fórmula de Concórdia não a ensina num sentido - objeções à sua inspiração [I201
lato [552] - 'Offenbarungsurkunde' [I211
- seu objeto [552] - as variantes nas cópias da [I221
- estende-se apenas sobre aqueles que estão salvos - contradições na 11241
[552] - citações inexatas na [I251
- não é 'ordinatio mediorum' r5531 - assuntos triviais na [I251
- não há 'ex praevisa fide finali' [553] - propriedades da [I311
- somente 2 clara aos crentes que aderem a Cristo - autoridade canônica da [I351
1554) - emprego da [I361
- sua certeza é uma certeza da fé i5551 - 'livro mudo' (papistas) [I361
- a relação da fé com a eleição [556] - um livro para todos os homens [I381
- fé é seu efeito [557] - 'finis cuius' da 11381
- o propósito de sua doutrina i5591 - traduções da i1381
- inculca o 'sola gratia' [559] - a norma absoluta [I381
- é advertência contra a justiça própria i5591 - eficácia da [I421
- como ela conforta o crente [562] - perfeição e suficiência r1451
- não há eleição para a condenação [563] - como apresenta suas doutrinas [I461
- por que o homem rejeita sua doutrina escritu- - clareza da 11471
rística [566] ESPERANÇA
DA VIDA ETERNA
ERRAR DE CRISTÁO /NÁo-CRISTÃO [73] - [411]
ESCÂNDALO - uma característica dos crentes [411]
- doutrina do [226] - seu efeito na vida cristã [411]
- distinção entre o escândalo que se causa e o seutir- - a imperfeição dos cristãos relacionada à espe-
se escandalizado [227] rança [412]
E~CATOLOGIA - Lutero sobre [411]
- doutrina r5691 ESPÍRITO SANTO
- morte temporal [569] - relação entre o Espírito Santo e os escritores
- condição da alma entre a morte e a ressurreição sacros i1191
- pecado contra o Espírito Santo [231]
i5711
Índice Remissivo

- impossível a conversão reiterada, se o pecado - uso do termo nas Escrituras [322]


contra o Espírito Santo for cometido [341] - a terminologia da Igreja com relação a ela 13231
- opera através da Palavra [420] - atendimento da fé, feição essencial da conversão
l3ssÊxcLi [329]
- significado da essência divina 11621 - justiça da fé e justiça de vida [369]

EnaDo - amissibilidade da fé 14131


- não é servo da Igreja 15151 - relação da fé com os meios da graça 14221
- formas de governo [515] - fé não deve estar baseada na fé [432]
- e Igreja devem estar separados [5 161 - a f é do homem não faz da Santa Ceia um
ESTADO DE GRAÇA
sacramento 14951
- [365] - o específico objeto da f é do comungante 14981
ESTADOSDE CRISTO 'FELIZ
INCONSEQ~~ÊNCIA'

- doutrina dos [282] - L731


- Estado de humilhação r2821 'FESTACOMEMORATIVA'
- Estado de exaltação [289] - Santa Ceia celebrada em memória da morte de
ETIBNDADE Cristo pelos calvinistas [501]
- divina [I711 FILHO
DE DEUS

E M - r2591
- como foi criada [187] w HOMEM
FILHO
- subordinada a Adão [189] - [259]
- como sua alma foi criada [I891 FIRMAMENTO
EVANGELHO - [186]
- definido pela Fórmula de Concórdia [64] FOGO
DO INFERNO
- como absolvição [419/420] - [589]
- erro dos teólogos modernos quanto a este assunto FRUTO
DA ÁRVORE PROIBJDA
14201 - por que comer dele foi fatal [223]
- seu poder sobrenatural [420] Gmos
- definicão [444] - estar sem o Evangelho não desaprova a graça uni-
- uso peculiar do termo [444] versal [249]
- imperativos [447] GRAÇA
DMNA
- não condena o pecado [448] doutrina [241]
-
- racionalistas modernos o modificam para Lei necessidade da 12411
-
14541 - definição 12421
E V ~ O S D E M A R ~ ~ ~ E L ~ E -Aatributos T O da S graça
D ~divina
~ ~ justificadora
~ [245]
- unânimes como 'homologumena' na Igreja Antiga - terminologia 12501
i1411 - graça divina salvadora é 'Dei favor' [357]
Evo~uçÃo GRAÇA
EFICAZ
- [184/185/208/211] - [i091
EXALTAÇLO DE CRISTO
12891 GRAÇA
INFUSA
- seus estágios [290] - L491
EXcoMUNIIÃo GRAÇA
IRRESISTÍVEL
- [518/539] - [248]
EXPERIÊNCIA CRISTA GRAÇA
JUSTIFICADORA
- [28/61/2] - não absoluta 12451
FÉ - é graça em Cristo [245]
- fontes da [38/52/86/105/124] - não exclui a justiça divina [246]
- como justifica [243] - é universal 12471
- doutrina da fé salvadora [312] - é séria e eficaz [249]
- sua natureza [3121 GRAÇA UNIVERSAL
- seus sinônimos [315] - negada pelos calvinistas [248]
- porque justifica [317] - deve ser mantida ainda que gentios morram sem
- ato ou instrumento passivo (3181 o Evaiigelho [249/250]
- verdadeira, vivificadora [319] - deve ser mantida ainda quando Deus endurece
- fé e certeza da salvação [319] aqueles que endureceram a si mesmos [248]
- s e o crente pode ficar seguro de possuir a fé H A s r r a ç Ã o DO ESPWTO
SANTO
salvadora [320] - [366]
- fé das crianças [322]
Dogmática Cristã

~ C R I l A S - em sentido mais amplo [209]


- estão fora da Igreja 15061 - sede da [209]
- não verdadeiros membros das igrejas locais 15171 - consequências da [210]
HOMEM - imagem de Deus e a mulher [211]
- doutrina do [207] - fim último da imagem de Deus no homem [211]
- criado à imagem de Deus [207] M
D
IA
E
N
D
IS
E DIVINA
- criado à imagem do Deus triúno [207] - [171]
- natureza do homem e imagem divina [208] LWORTAJ~ADE
- fim último da imagem divina no homem E2111 - absoluta e relativa [210]
- Estado de corrupção do homem [211] IMPANAÇÃO
- 'velho homem' e 'novo homem' [372] - 14941
Hósm L ~ U I L I D A D DIVINA
E
- uso na Santa Ceia [492] - r1701
HUMANIDADE
DE CRISTO INCREDULIDADE
- provas para a [255] - obra de Satã 12051
HUMILHAÇÃO DE CRISTO INERRÂ_NCTA DAS &CRlTUXA.S
- Estado de 12821 - negação da [46]
- idéias errôneas acerca da [283] INFANTE3
- fases da r2871 - por que deveriam ser batizadas [466]
IGREJA - podem crer [467]
- Igreja universal [505] - Batismo infantil na Igreja primitiva [467]
- definição [505] - que morreram sem o Batismo [467]
- definição papista [506/508/509] - fé dos infantes [472]
- erros com relação a ela [507] 'INFELIZ
CONSEQUÊNCIA'
- sua doutrina se encontra na justificação pela fé - 17315221
i5081 O
N
REFNI
- suas propriedades [5 1O]
- castigo eterno E5861
- sua glória [512]
- graus de punição [589/590]
- Cristo não a construiu sobre Pedro [513]
- onde fica 15891
- como é fundada e preservada [514]
INFINIDADE DIVINA
- igrejas locais [516]
- definição do termo 15161
- [I711
INVESTIGAÇÃO HLST~RICA
- divinamente instituídas 15171
- ortodoxas e heterodoxas 15181 - [110]
-
- heterodoxas e o verdadeiro discipulado r5201 INsPIRAÇÃo
- impossibilidade de comunhão com as heterodoxas - negação da 1461
[5ii] - provas à [ l l l ]
- uso conveniente de sua doutrina [522] - doutrina da [I 141
- Igreja representativa [522] - verbal [1 151

IGREJA CRISTA - Hiley sobre [I1511 161


- tem um único mestre [92] - 'suggestio verborum' [I161
- repudia o Unitarianismo [I061 - 'suggestio realis' [I161
- plenária [I171
- não desenvolve doutrinas r1081
IGREJAS LOCAIS
- maneiras da [I171
- direitos e tarefas de [523] - Hollaz sobre [I771
- envolve uma certeza a priori [I181
- seu direito em chamar e ordenar 15331
- objeções quanto ao seu direito em chamar e
- inclui o impulso divino ao escritor [I181
ordenar [534/535] - objeções à [I201
- devia vigiar o ministério 15381 - negada por citações inexatas [123]
- certas passagens que supostamente contradizem
ILUMINAÇÃO
a [I241
- o que é [351]
- más consequências alegadas em relação à r1251
IMACULADA CONCEIÇAO - Luteranismo confessional sobre [I261
- [218] - eine 'Kuenstliche Theorie' [I 271
IMAGEM DE DEUS[207] - causa e consequências por negá-la 11291
- [207] INSTITUIÇÃO DE CRISTO
- [208] - da Santa Ceia faz dela um sacramento [495]
- perdida tendo em vista a Queda [209]
- significado das palavras da [498]
Índice Remissiva

E
D
AIG
R
E
T
NI - é Palavra de Deus [444]
- do Novo Testamento [I411 - promessas da Lei [446]
- do homem [207] -ministério de condenacão [447]
- Estado de [208] -o objetivo da Lei [448]
INTELKÊNCIA DMNA - reprova o pecado e o ímpio r4481

- [I751 - usos da lei [449,450,451]


~ C E S S Ã O - 'usus paedagogicus, elenchticus et politicus' [451]
- de Cristo [305] LEIE EVANGELHO
- do Espírito Santo [306] - são opostos [64]
JUDAS - doutrina [63]
- não coagido a pecar [198] - definida pela Fórmula de Concórdia [64]
JUDEUS - distinção entre [64/145]
- usos da Lei [373]
- conversão geral dos [579]
- retomo destes à Palestina [580]
- são contraditórias [65]
- confusão quanto à Lei e Evangelho causa dúvida
Juízo FINAL em relação a salvação [416]
- [584]
- a doutrina [443]
- dos crentes e descrentes [584/585]
- definição de [443]
- não é um processo demorado [585]
- consideradas antagônicas [446]
- como os crentes julgarão com Cristo [585]
- promessas de [447]
Juízos INSONDÁVEIS DE DEUS - apenas aspectos diferentes de Deus em relação
- não devem ser esquadrinhados r2521 ao pecador [449]
JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ - relação íntima entre [449]
- doutrina da [353] - a arte de distinguir [451]
- objetiva, subjetiva [353] - quem abre mão da verdadeira distinção entre
- 'sola fide' [354] L4551
- o que se quer dizer com r3551 - teólogos modernos afirmam uma uniformidade
- o que pressupõe [357] superior entre elas [456]
- é a doutrina central da religião cristã [357] - como são confundidas de um modo sutil [457]
- terminologia para guardar corretamente tal LEIMORAL
doutrina [359] - não é o decálogo [214]
- um ato forense [360]
- norma das boas obras, mas não sua fonte [386/
- não requer presença de boas obras [361] 3871
- não possui graus [362]
LEISDE AFINIDADE E CONSANGWINIDADE
- é perdão dos pecados [362]
- [215]
- com relação à bases de obras [363]
- seus efeitos [365]
LEIDO LEVIRATO
- fonte da santificação [370]
- E2151
- insistência nela não leva à negligência da
LEISIMUTÁVEIS DA NATUREZA
santificação r3941 - [I951
- relacionada tanto como 'jurídica' quanto LBERDADE
ACADÊMICA
'eticamente' [401] - extrapolada pela Teologia racionalista [91]
JUSTIFICAÇÃO POR GIWÇA - verdadeira liberdade [911
- pontos a serem relacionados em conexão com
- negação da [49]
- Lutero sobre [68] (921
- não pode ser ensinada caso Lei e Evangelho - conseqüências desastrosas [93]
forem confundidas 14541 LIBERDADE
CRISTÃ
JUSTIÇA CIVIL NÃO AUXILIA NA CONVERSÃO - quando deve ser mantida e quando não [226]
- [345] - efeito da justificação [367]
- Justiça divina [177] Lm-ARBíTRIo
LH - sua doutrina L2351
- Lei divina e pecado [213] - não há em questões espirituais 123.51
- definida pela Fórmula de Concórdia [213] - argumentos acerca da perda total em questões
- moral [215] espirituais [238]
- cerimonial [214] LÓGICA
- Igreja não tem direito de fazer leis [213] - uso correto e incorreto da [I371
- como a Lei pode ser conhecida [214] LUTADO ESP~RITO
CONTRA A CARNE
- sua definição [443] - [370]
- 'psicológico'l das psychologische Geheimnis
- primeiro dia da criação 11861 i5671
3fnis MORTE
- externos pelos quais a Teologia sacra cumpre sua - sua causa [209/210]
finalidade [83] - seu tríplice aspecto [216/217]
- prescritos por Deus [I981 - temporal [569]
\ ~ I O SDA GRAÇA - em que ela consiste [569]
- doutrina dos 14181 - seus suaves nomes 15691
- seu duplo poder 14181 - seus nomes aplicados aos descrentes 15691
- perversão da doutrina dos [419] - causas da morte temporal [570]

- como o Calvinismo relaciona os r4191 - sujeitos a ela [570]


- como o Sinergismo corrompe os [419] - segunda L5701
- o Evangelho, um dos 14191 - condição da alma entre ela e a ressurreição 15711

- Batismo, um dos 14211 MULHER


- Santa Ceia, um dos r4211 - criada à imagem de Deus [210]
- por que Deus ordenou muitos [422] - sujeita ao homem [210]
- doutrinas errôneas acerca dos [424] MUNDO
- a importância da doutrina dos 143114321 - o fim do r5851
- uma foriiia de absolvição 14331 E CONCEITO DA TEOLOGLA
NATUREZA
- no Antigo Testamento r4391 - 1271
- e oração 14401 NATUREZA
-A DE CRISTO
MI?TODOS - [255]
- teológicos 1991 - peculiaridades 12561
- tcológicos sintético e analítico [100] - extensão local 12671
MILAGRES - atributos divinos comunicados a ela 12741
- explicação dos [I771 - não foi um 'instrumentum passivum' 127512791
- efetuados por anjos [200] - os modos da presença da 12761
M
L
IENAR
SM
IO - adoração da [277]
- a doutrina do Milenarismo, antiescriturística - Cristo nem sempre utilizou os atributos comuni-
[578,579,580] cados à sua natureza humana [282]
MINISTÉRIO PÚBLICO - Cristo operou em, com e através de sua natureza
- definição de [525] humana [287]
- designado divinamente 15261 Novo MANDAMENTO
- em que sentido ele é público [526] - [297]
- e o sacerdócio de todos os crentes 15261 Novo TESTAMENTO
- provas de que o ministério público é ordenação - sua diferença essencial em relação ao Antigo
divina r5281 Testamento 1501
- a necessidade do 15301 - tão canônico quanto o Antigo Testamento [I131
- o chamado ao [531] - testemunho histórico do [I391
- como o ministério público é desprezado [531] - integridade do [I411
- ministério público cristão não é um Estado OBDURAÇ~O
espiritual especial [537] - doutrina da r2271
- o poder do 15391 - causas da [227/565]
- a relação dos ministros cristãos entre si r5391 OBEDIRNC~~
- é o ofício supremo na Igreja 15401 - ativa e passiva [300]
MINISTRANTES
DO BATISMO OBJETMDADE DA IGREJA LUTERANA
- quem pode e afins 14681 - 14321
MINISTROS CRISTÃOS 1BOASOBRAS
OBRAS
- despenseiros de Cristo [502] - [69183]
m . 4 - Apologia sobre [38]
- papista r3051 - multiplicação infindável de [41]
- sacrifício da E4801 - externas feitas pelos irregenerados e recom-
- não é sacramento [496] pensadas nesta vida [326/327]
- Concílio de Trento sobre a [561] - por que devem ser excluídas da justificação [354]
MISTÉRIO - doutrina papista das [355]
- na doutrina da eleição 15671 - dos gentios [389]
Índice Remissivo
(~BSESSAO - causas do [215]
- espiritual e física [205] - 'subiectum quod' do 12161
OFícros DE CRISTO - 'subiectum quo' do [216]
- a doutrina dos 12951 - conseqüências do L2161
- tríplice [295/296] - efeitos do pecado negado [217]
- profético E2961 - pecado original [217]
- execução do ofício profético no Estado de - definição de pecado atual [224]
exaltação 12971 - de cometimento (agendo) e omissão (omittendo)
- sacerdotal r2981 12241
- real 13061 - o que pertence ao 12241
- erros concementes ao ofício real E3081 - causas do pecado atual [225]
ONIPRESEXÇA
DIVINA - Deus não é a causa do [225]
- 11711 - classificação dos pecados atuais [228]
OPERAÇÁO FÍSICA DA SANTA
CEW - contra o Espírito Santo [232]
- [478] ORIGINAL
PECADO
ORAçáo
- doutrina do 12171
- d e f ~ ç ã ode 12171
- e Teologia [I011
- a vida cristã e a [406] - por que é chamado assim 12181
- o que pressupõe [407]
- um mal positivo [221]
- orações dos gentios [408]
- lado positivo e negativo do 12221
- orações das lojas maçônicas E4091
- não uma 'substantia' [222]
- o que opera 14091
- um 'accidens'; porém não uma nódoa borrifada
ou mancha 12221
- o que pede [409/410]
- condicional [410] - universalidade do r2231
- causa do 12231
- incondicional r4101
- heróica [410] - efeitos do [223]
- Pai-Nosso r4101 - fonte de todos os pecados atuais [223]
- orações pelos santos finados [410/411]
- 'pecado da natureza', inerente [224]
- aos anjos r4111
- no Batismo, referência ao r4711
- ao Filho do homem [411] PECADOS
- improvisadas [411] - pecado não é 'substantia materialis' E2221
- formas de [411] - de omissão [224/230]
- não é um dos meios da graça 14401 - atuais [224]
- por que os calvinistas fazem da oração um meio - voluntários e involuntários r22812291
da graça r44114421 - sem perfeito conhecimento [229]
ORDENAÇÁO
- sem propósito deliberado da vontade [229]
- graves e menos graves [230]
- [535]
- dominantes [231]
- absoluta [535]
- mortais (ou dominantes) [231]
PAI
- veniais (ou não-dominantes) 123I ]
- usado essencial e pessoalmente [I641
- sete pecados [capitais] segundo os papistas [231]
PALAVRAS
DA INSTITUIÇÃO
- perdoáveis 12321
- o que dizem [480/498] - ocultos e manifestos [234/237]
- como os calvinistas as interpretam 14831 - pessoais 12341
- o argumento calvinista contra elas a partir de - alheios cuja culpa partilhamos 12341
João 6 14851 PENA
DA ExCOMUNHÁO
PALAVRA
DE DEUS
- [518/539]
- sua doutrina, um artigo fundamental 1701 ~RSEVERANÇA
- sua perversão consiste em escândalo [73/96/97]
- doutrina da [413]
PARTICIPAÇ~O - dois fatos vitais quanto à [413]
- nos pecados dos outros 12341 - erro calvinista em relação à [413]
- divina nas boas e más ações [195/505]
- erro sinergista concernente à [414]
PECADO PESSOAIS (DE DEUS)
- doutrina do pecado e suas conseqüências: um - atos pessoais de Deus [163/164]
artigo fundamental 1681 - notações pessoais de Deus 11641
- doutrina do 12121 - propriedades pessoais de Deus 11641
- definição de [212] PESSOAS
(PERSONAE) EM DEUS
- e a Lei divina [213]
- significado do termo 11621
Dogmn'tica Cristã

PODER
DIVINO - quando foi dada à humanidade [49]
- quando pode ser resistido e quando não o pode - não meramente 'a mais elevada' I501
[I4411781 - e Teologia cristã [511
POLÊMICAS DE CRISTO
E SEUS AP~STOMS - conhecimento religioso e teológico é funda-

- L571 mentalmente o mesmo [51]


- seu caráter histórico [62]
PREDESTINAÇÃO
- decretos da [180] RENOVAÇÃO
- a 'segunda forma' da [558] - um sinônimo de santificação [369]
PRESCIÊNCIA DIVINA - 'renovatio inchoata, imperfecta' [382]
- e responsabilidade humana [I741 REr%mmNO BATISMO
- origem do mal [I741 - 'abrenuntiatio Satanae' [472]
F'RESENÇA RESISTÊNCIA COMTU A GRAÇA
- três modos da presença de Cristo [488] - natural e proposital [349]
F'RESENÇAREAL REssuRRnçÃo
- [44/172/482] - sua doutrina. um artigo fundamental [70]
- o que implica [488] - de Cristo [297]
- diz-se que Lutero a teria enfatizado por demais - Deus (causa eficiente) ressuscitou Cristo [292]
i4991 - Cristo, também como causa eficiente em sua
PROPOSIÇÕES PESSOAIS REAIS ressurreição [293]
- [267] - do corpo de Cristo [293]
PROVAS
- dos mortos [580]
- ensinada no Antigo Testamento [580]
- para a autoridade das Escrituras [I331
- em que consiste [582]
- para a existência de Deus 11541
- quem ressuscitará dos mortos [582]
PROVIDÊNCIA DIVINA
REVELAÇÕES
- doutrina da [I931
- fixas [40]
- definição da [I931
- particulares, não são fonte de fé f40]
- objetos da 1941
- objeções à [194]
SACERD~CIO
- e causas secundárias [I941
- o poder do sacerdote não faz do comer e do beber um
- participação divina nas boas e más ações [I951 sacramento [495]
- permissiva [196] SACRAMENTOS
- e livre-arbítrio [I971 - são 'verbum visibile' [72]
PURGATÓIUO - sua essência e finalidade [72]
- L5731 - doutrina dos [72]
QUEDA
DO HOMEM
- meios eficazes da graça [335]
- Palavra visível 14211
- [211/223]
- meios da graça [421]
QUEST~>ESABERTAS/ PROBLEMAS TEOLÓGICOS [76]
- o perdão que oferecem [422]
W o - da Igreja papista [423]
- humana não é fonte de fé [39] - o sacramento do Batismo [459]
- seu 'usus magistenalis, instmmentalis' [95/106/137] - doutrina da Santa Ceia [475/476]
- tem substituído as Escrituras [105] SALVAÇAO ETERNA
- razão iluminada não é uma fonte de fé r1071 - doutrina da r5911
- uso ministerial da r1371
- no que consiste [592]
RECOMPENSA DA GRAÇA
- a glória da [595]
- [396] - a finalidade da doutrina da [596]
RECONCILIAÇÃO - o uso prático da doutrina da [596]
- objetiva e subjetiva [302] SANTA
CEIA
REGENERAÇÃO - sua doutrina, um artigo fundamental secundário
- o que é [350] ~711
REINOTR~PLICEDE CRISTO - um dos meios da graça [421]
- [307] - o que oferece e concede [421]
RELAÇÃO ENTRE O ESP~RITO - sua instituição r4751
SANTO E OS SANTOS ESCRITORES - 'sacramentum confirmationis' [476]
- [i191 - seus nomes [476]
RELIGIÃO C ~ T Ã
- sua relação com os outros meios da graça [476]
- 'medium iustificationis' 14761
- a absoluta [47]
- sua característica especial [476]
Índice Renzissivo
- 'operação física' da [478] TRADIÇÃO
- doutrina escriturística da [478] - não é fonte de fé [40]
- doutrina reformada da [480] TRADUÇ~ES
DA B~BLIA
- doutrina luterana e as palavras da instituição da - necessidade das [I381
i4871 - sua relação quanto ao original [141]
- diferentes relatos das palavras da instituição [489] - conselho de Lutero quanto ao seu uso [I421
- elementos materiais na [491] TRIBULAÇÃO E m ç Ã o
- distribuição dos elementos é necessária [492] - Deus, a causa de [225]
- o que faz dela um sacramento [494]
TRINDADE
- finalidade da [498]
- Santíssima [155]
- bênçãos da [501]
- sua doutrina: incompreensível à razão [I581
- quem pode ser admitido na [502]
- sua doutrina em controvérsia [I581
- membros da maçonaria não deviam ser admitidos
- terminologia da doutrina da [I611
na [503]
- Lutero sobre [162]
- a necessidade da [504]
- revelada no Antigo Testamento [I6511671
S A ~ ~ D ADIVINA
DE
UBIQUIDADE
- atributo divino [I771
- [276/485]
SA~TIFICAÇÃO
UNIÃO PESSOAL EM CRISTO
[260]
- doutrina da [368]
- única [261]
- em sentido lato e restrito [368.369]
- idéias errôneas acerca da [261]
- e boas obras [369/370]
UNIÃO SACRAMENTAL [479]
- não é Estado ocioso [370]
- causa eficiente da [370] - o que não é [486]
- calvinistas não ensinam a [493]
- movimentos internos da [371]
- doutrina luterana da [493]
- meios da [372]
- necessidade da [374]
- quando ocorre a [497]
- imperfeicão da [379] UNIDADE
- artigo da santificacão é mantido puro somente - cristã, a obra da graca divina [47]
se o mesmo ocorrer como o artigo da justificação - divina [I691
i3831 - da raça humana [I881
- e a vida cristã [402] - Verdade divina
SATISFAÇÃO VICÁRIA DE CRISTO 11781
- Vida divina
- L691
SEPULTAMEATO
DE CRISTO 11731
VINHO
- [288]
SISTEMAS
ASTRON~MICOS
- uso na Santa Ceia [492]
VISÃO BEAT~FICA E IMEDIATA DE DEUS
- [187]
SOTERIOLOGIA - [594]
VIVIFICAÇÃO
- doutrina da [591]
- o que é [350]
SUCESSÃO APOST~LICA
VOCAÇÃO
- [529/537]
SUCO
DE W A NA CELEBRAÇÃO DA SANTA
CEIA - o que é [351]
- r4921 VONTADE
TENTAÇÃO
- humana e presciência divina [I741
- divina [I761
- doutrina da [227]
- antecedente e conseqüente de Deus [I761
TEOLOGIA
CRISTA
- resistível e irresistível de Deus [176]
- significado etimológico [52] - absoluta e mediata de Deus [177/250]
- o que compreende [53] - graciosa e condicional de Deus r17712521
- finalidade [81] - revelada e oculta de Deus [I7712521
- meios pelos quais este fmalidade é realizada [83] - humana livre de coerção [I971
- um sistema [94]
- corrupta do homem r2191
- o teólogo cristão [97] - doutrina do livre-arbítrio [235]
- metodologia [I011
- Hutter sobre [235]
TEORIA - não há duas vontades em Deus [252]
- declaratória [50] - de Deus única norma da oração cristã [122/123]
- governamental [49] VONTADES
CONTRADIT~RIASEM DEUS
(NÃO HÁ)
- do exemplo moral [49]
- [176]

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