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implementação da Inteligência Artificial (IA) nas várias esferas cotidianas, tendo como
base o livro “AI Superpowers: China, Silicon Valley and the New World Order” do
autor Kai-Fu Lee. Kai-Fu Lee nasceu em Taiwan em 1961 e aos 11 anos de idade se
“Sinovation Ventures”.
Grande entusiasta das facilidades que a IA pode trazer aos humanos, em seu
tecnologias, ficando anos à frente dos demais países. Entretanto, Lee demonstra como
essa balança de poder mudou em direção à China nos últimos anos, país que hoje
tecnologias. Nesse ínterim, o livro aborda como a China chegou a seu estágio atual,
como os Estados Unidos lidam com essa concorrência, quais as implicações da
implementação da IA no dia a dia das pessoas, como os empregos serão afetados por
esse novo paradigma e também discute a nova ordem mundial que pode emergir da
inteligência artificial é um tema central abordado, pois além do próprio autor discorrer
sobre o assunto em grande parte do livro, entende-se que essa será uma das
portanto, um tópico que precisa ser discutido urgentemente nos dias atuais. Além disso,
súbita mudança da estrutura econômica, fato apontado pela obra “A Era das
Revoluções” (HOBSBAWN, 1962). A era pré industrial concentrava tarefas de alto teor
hábil nas mãos de uma pequena população, artesãos, paradigma esse questionado
narrativa tecno-otimista, que afirma que esse processo de ruptura econômica atual pelo
lapidar ao afirmar que a nova era que se está por construir com a inteligência artificial
não distribuirá empregos como ocorreu nas revoluções dos séculos XVIII e XIX, mas
sim assumir por completo tarefas que possuem dois critérios: podem ser otimizados
pelo uso de dados e não requerem interação social. Tal perspectiva é confirmada por
Frey e Osborne (2013), que dizem que ao contrário das transformações das Revoluções
renda média. Assim, percebe-se que é descabida a comparação proposta pelos tecno-
otimistas.
colocar isso como fato ao atacar a narrativa tecno-otimista como explicado, o livro
consenso sobre as proporções que esse fenômeno tomará. O autor cita e explica diversos
fazer estimativas reais em torno do assunto. Porém, ele mesmo acaba por desvalidar o
caráter empírico da discussão ao sugerir que nenhum dos estudos sobre o tópico
apresentado no livro é válido por não conseguirem prever o real avanço que o deep
learning teve no período estimado. Ao fazer isso, Lee confirma a linha de argumentação
de argumento de autoridade -que não lhe falta- em suas especulações ao negar estudos
científicos sobre o futuro. Apesar de ser uma escolha delicada, o autor consegue se
equilibrar de forma a persuadir o leitor a admitir suas opiniões, mesmo que grande parte
do que ele escreve acabe caindo sobre o embasamento exclusivo de sua posição de
autoridade.
Talvez uma das partes mais importantes do livro seja a apresentação das ideias
tem capacidade de executar tarefas simples (single domain) e repetitivas, mas faltam a
que a nova demanda por empregos surgiria. Disso, Lee constrói um sistema cartesiano
(denominado de Safe Zone pelo autor) seria o com menor risco de automatização, uma
vez que se trata de tarefas extremamente sociáveis e complexas, como CEO, psiquiatria
e etc. -esse quadrante será responsável pela maior oferta de empregos na conforme o
avanço do deep learning. O segundo e quarto quadrante (Human Venner e Slow Creep,
respectivamente) correm riscos notáveis de substituição por máquinas, porém nem todas
suas tarefas podem ser automatizadas com a tecnologia atual, apesar de enfrentarem
ameaçado e o primeiro a ser afetado, posto que não requer capacitação ou interações
sociais.
trabalho com a parte mais humana de suas ideias, afirmando que isso possibilitará o
homem a se libertar dos valores industriais e podendo assim achar validação de seu
próprio valor em outros quesitos de sua existência, mais especificamente no amor. Essa
reconexão do homem com sua própria humanidade e a tradução desse feito no mercado
um novo zeitgeist.
Entretanto, por mais persuasivas e belas que sejam as ideias do autor, assim
como a forma que ele narra sua história de batalha contra o câncer, o leitor deve atentar-
se a não cegar-se à realidade fria que ele descreve para o futuro, especialmente ao notar
que ele fala de um lugar de completo privilégio. O enorme desemprego somado com a
na parte humana e um tanto espiritual das suas especulações porque ele se encaixaria na
parte superior do sistema de castas tecnológicas que ele mesmo cunha no livro. No
futuro mais humano de Lee, países subdesenvolvidos não teriam mais as mesmas
crescimento. Acerca dessa perspectiva, Hidalgo e Hausmann (2013) em seu livro “The
Atlas of Economic Complexity” trazem uma relação que corrobora com o que é exposto
no livro de Lee. Segundo os autores, países com rendas mais altas são aqueles que
conseguem combinar diferentes conhecimentos entre si de forma que outros países não
o conseguem. Dessa forma, percebe-se que China e Estados Unidos saem na frente
nesse quesito, uma vez que ambos possuem ferramentas tecnológicas (conhecimento)
dominado por eles nesse setor, impedindo outros países de se inserirem nesse mercado.
mesmo país tenderá ser uma constante exponencial, em que quanto mais se atinge o tão
desejado progresso, mais concentrados ficam os frutos desse avanço. O autor do livro
comenta sobre o assunto de forma breve, sem se aprofundar nas principais implicações
Dessa forma, percebe-se que o avanço da inteligência artificial pode ser ambíguo para a
renda.
Eduardo Bismarck levou à Câmara dos Deputados o projeto de lei 21/2020, emenda que
Segundo esse projeto, o uso da IA no país deve levar em conta os Direitos Humanos,
relatório sobre o impacto do uso da IA que deve ser entregue ao poder público, que por
sua vez, tem o direito de postular mudanças no sistema caso ache necessário. Apesar de
ainda não ter sido aprovada e colocada em prática, tal medida é de extrema
importância, pois além de mostrar que o governo já discute sobre o assunto, essa lei
foca nos usuários como necessitantes de proteção, evidenciando que a era da IA terá
grande impacto, muitas vezes negativo, na vida das pessoas. As autoridades públicas,
(2019) vem aumentando pelo 17º trimestre consecutivo, alcançando seu maior nível no
ano passado. Dessa forma, verifica-se que muito ainda se deve fazer em relação ao uso
da IA em larga escala no Brasil, tanto para que ela não aprofunde ainda mais a
desigualdade social no país e também para que os brasileiros possam usufruir dessa
Lee chega a tratar de forma mais justa o futuro que prevê, discutindo possíveis
novos três R’s: reduce, retrain e redistribute. Os dois primeiros são opostos, mas
mercado. O problema com essa teoria é que ele cai no utopismo liberal, que assume a
nossa sociedade. O que não significa que de fato essa readaptação não irá acontecer -e é
por isso que ela é em partes verdadeira e aplicável-, ela só não irá ser suficiente a
poupar catástrofe econômica que está por vir caso o desemprego se torne comum.
solução proposta seria a divisão de empregos partilhando com várias pessoas tarefas que
trabalho semanais como consequência. O autor não chega a se aproximar dos que
O momento em que Lee trata o assunto com maior seriedade é quando ele
discorre sobre o Redistribute, que basicamente consiste em uma discussão sobre uma
renda básica universal (RBU). O autor não erra ao dar o holofote a essa proposta por
mais tempo que as outras, a ideia de uma RBU é a única drástica o suficiente para ser
levada a sério no cenário da crise que ele constrói durante o livro. A ideia de que o
dinheiro não seria mais exclusivamente fruto do trabalho, mas agora também da simples
dignidade humana está em perfeita sincronia com a libertação dos valores industriais
que Lee tanto reitera durante o livro. Não destacar e enfatizar a ideia de uma RBU seria
mais uma afirmação do privilégio do autor tão evidente na obra assim como também
uma crença de varinhas mágicas do Vale do Silício, uma espécie de Deus Ex Machina.
apontam que o estabelecimento de uma renda básica universal pode ser desaconselhável
para o bom funcionamento da máquina pública, dado que tal medida pode trazer
RBU precisaria de outras abordagens para tornar-se suficiente. Lee então expõe sua
opinião da educação como principal solução para o que está por vir. O autor não chegar
grande parte das especulações e críticas do autor no resto do livro. Lee falha em manter-
Europa, regiões que estaticamente possuem coeficiente positivos para a correlação entre
conhecimento do próprio “eu” será impactado por essa mudança de paradigmas, e assim
intimidade e etc. A geração Z será o grupo demográfico impactado por essa crise, posto
uma só geração. Não só essa geração será a que terá maior dificuldade de se inserir no
Também conhecidos como nativos digitais, os jovens nascidos entre o final dos
anos 1990 e 2010 desenvolveram uma relação única com o espaço digital no qual eles
(TURNER, 2015). De acordo com um estudo, mais de 90% desses jovens preferem
aproximadamente 60% afirmaram que a vida social começa na internet, mais da metade
afirmam que se sentem mais confortáveis conversando com outras pessoas online e 70%
acreditam ser mais conveniente interações sociais online (PALLEY, 2012). Conforme o
construindo.
O avanço da sociologia digital será crucial para entender as reverberações desses
importante conforme o peso do ambiente online aumenta em nossas vidas. Para além
disso, outros ramos das ciências sociais também deverão ganhar mais peso conforme as
mudanças aqui tratadas se consolidam. Sociólogos serão responsáveis pelos estudos das
inúmeras inovações científicas e tecnológicas que estão por vir, dos valores econômicos
gerados por essas e como esses serão distribuídos, além de observar a profunda
Nesse ínterim, verifica-se que o campo da sociologia tem muito a contribuir com
o padrão de sociedade que Kai-Fu Lee demonstra surgir nos próximos anos com o
avanço das tecnologias digitais. Isso porque, dada a presença maçante das máquinas
modo de vida dos humanos, fazendo com que a sociologia ganhe um papel mais
preponderante nos estudos sociais, penetrando mais a fundo nos pressupostos das
também vários âmbitos da esfera social, com ênfase, principalmente, nos governos e em
problemas gerados pela IA, porém, há uma contradição nisso. Ao mesmo tempo em que
fala que a tendência é que a renda fique concentrada cada vez mais nas mãos dos
o lucro, não é de se esperar que essa classe contribua notoriamente para superar os
entraves causados, em boa parte, por suas próprias empresas. Assim, espera-se que os
“maquinização” das tarefas, aspecto também abordado pelo autor. Ademais, organismos
dos países que buscam soluções para os entraves da IA, pois eles facilitam o
Kai-Fu Lee ao longo do livro afirma que a China é o país que mais detém dados de seus
lugares. Levando em conta que isso ocorre em diferentes graus em outras regiões do
planeta e que empresas como Google, Amazon ou Facebook sabem, muitas vezes, mais
de nós que nós mesmos, o uso de dados por terceiros é uma preocupação real de muitas
pessoas, haja vista que, dessa forma, a liberdade de escolha é afetada e um sentimento
de vigilância é sentido por muitos. Apesar do autor discutir brevemente acerca desse
assunto, verifica-se que Lee não está tão preocupado com o uso indevido desses dados,
afirmando, inclusive, que a população chinesa está disposta a abrir mão de parte de sua
China, Kai-Fu Lee parece estar menosprezando possíveis fraudes e o uso antiético de
informações alheias.
realizar tarefas. Não dá para negar que a IA tem um grande potencial para facilitar a
vida dos humanos, realizando incumbências de forma muito mais rápida, prática e
satisfatória do que é possível fazer hoje. Entretanto, esse futuro distópico carece de
vida daqueles que viverão a era dos algoritmos. Não há um horizonte claro de quais ou
quinze ou vinte anos a inteligência artificial estará presente em grande parte da vida
humana.
transformações e adaptações ao contexto que se vive, o que mostra uma alta capacidade
inteligência artificial não será diferente, muitos problemas e engasgos sociais irão surgir
mas com diferentes abordagens e soluções, além de uma firme ponte de comunicação
entre as esferas sociais, concordamos que os obstáculos podem ser superados em favor
REFERÊNCIAS
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https://www.project-syndicate.org/commentary/why-universal-basic-income-is-a-bad-
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PALLEY, W. (2012). Gen Z: Digital in their DNA. New York, NY: Thompson.
Disponível em:<http://www.jwtintelligence.com/wpcontent/uploads
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