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LEGISLAÇÃO E OUTRO “FIM DA HISTÓRIA” NO TRANSHUMANISMO:

PARADIGMAS RESIGNIFICADOS SOB A ÓTICA DA FILOSOFIA DO DIREITO

Marcos Paulo Blasques Bueno (Blas) – 10302829


Uso para Citação: BLASQUES BUENO, Marcos Paulo. Legislação e outro “fim da história” no transhumanismo: paradigmas resignificados sob a ótica da
filosofia do direito. Antologia Acadêmica de Filosofia do Direito, Faculdade de Direito da USP, 01-01-100/116, Junho, 2023.

Avanços em AIGs 1 e o recorrente sucesso nas intercomunicações cérebro-máquina2


transhumanistas3 prenunciam que a sociedade hodierna segue rumo à neohumanidade4.
O modernismo apresentou-se como um estado de consciência em que se acreditava criar
o novo. O pós-modernismo5, contraposto, releu suas motivações, maturando e resignificando
esse estado para a percepção de que não criamos o novo sem referências no velho. Dessarte,
assume-se a mistura de elementos consolidados em prol da inovação. Um sapatênis, por exemplo,

1 As siglas: AIGs, refere-se ao vasto Grupo das IAs (de fracas a fortes); IA, a Inteligência Artifical; IAs, ao plural. A IA atualmente já
se emancipa ou se eleva da função de meio à de interlocutor no processo comunicacional de azo cada vez mais popular por
plataformas como o ChatGPT da OpenIA [https://chat.openai.com], tal como defendido no passado pelo presente estudante
[BUENO, M. P. B. HX. Depto. de Pós-Graduação em Comunicação da FAAP: São Paulo, 2013], em [BUENO, M. P. B. Um
novo interlocutor: IBM Watson. Orientador: Nicolau Centola. TCC. FAM: São Paulo, 2017] e [BUENO, M. P. B. A era cognitiva
e a sociedade neohumana: IBM Watson - rebrain e especulações teórico-comunicacionais. São Paulo: Educom ECA/USP, 2017.].
2 Exemplos: biocomputadores [https://blog.frontiersin.org/2023/02/28/brain-organoids-intelligence-biocomoputing-hartung/];

exames de ressonância magnética aliando IA para ler pensamentos [www.nature.com/articles/s41593-023-01304-9] e [www.a


boutamazon.com/news/aws/how-scientists-are-using-aws-ai-and-ml-to-map-the-whole-human-brain]; preservação da memória
desenvolvidas pela Nectome [https://nectome.com/]; Inteligência Organoide promovendo ‘simbiose’ entre neurônios humanos e
IA / cérebro e IA [www.frontiersin.org/journals/science/articles/10.3389/fsci.2023.1017235]; bionanotecnologismo; Rebrain -
engenharia reversa e escaneamento da consciência pela 2045 Iniciative [www.2045.com]; Neuralink: [https://neuralink.com/]
e [olhardigital.uol.com.br/video/ja-pensou-em-hackear-seu-cerebro-a-ideia-nao-e-tao-maluca-assim/67728].
3 Transumanismo, abreviado H+, é um movimento cultural, filosófico, científico, político. Busca perpetuar o intelectivo aplicando

tecnologias avançadas, como IA, bio e nanotecnologia, robótica e outras, superando limitações biológicas e físicas do corpo,
expandindo capacidades humanas e de outros seres viventes, melhorando qualidade de vida, prolongando-a e criando um futuro
promissor. Baseia-se em visão otimista da tecnoaplicação avançada para superação de problemas que podem extinguir a humanidade
e a vida, tais como consumismo, guerras e desastres naturais. Ressalta-se que o debate sobre H+ é complexo e controverso na
comunidade acadêmica. IAs poderem ser consideradas sencientes e merecedoras de direitos como humanos traz opiniões divergentes. Já
se discute a questão do direito de AIGs sencientes e especula-se o que representaria a sociedade H+ (transhumanista).
4 A ideologia neohumana é insatisfeita com aspectos sociais e tecnológicos atrelados ao consumismo na pós-modernidade. A crise

geral das sociedades ocidentais contemporâneas abordadas por diversos historiadores e estudiosos da sociedade, nos dizeres -
por exemplo - de Roudinesco (2015), é caracterizada pela “crise econômica e dos valores democráticos, crise social, falta de
esperança e ilusões” e, ainda, "desemprego, queda de renda, precariedade dos empregos e do trabalho”, acarretam inclusive
“vigorosa ascensão das psicoterapias corporais e dos tratamentos farmacológicos” [ROUDINESCO, Elisabeth. Por que a
Psicanálise? 1ª ed., Rio de Janeiro, Zahar, 2000]. A solução e, diga-se de passagem, a salvação para o ser humano biológico
da autodestruição, está na possibilidade da libertação do corpo biológico, ou da interação ou integração simbiótica mental e
intelectual total entre biologias e tecnologias, que nos remiria inclusive do sistema capitalista de consumo. Tal insustentabilidade
global pode ser inevitável após 2050 para humanos unicamente biológicos: não conectados completamente aos sistemas e máquinas.
Ou seja, apesar de o conceito neohumanidade aparentar semelhança ao de H+, na medida em que busca transcender as limitações
biológicas do ser humano por meio de tecnoavanços, vai além ao propor uma mudança fundamental e profunda na própria
natureza humana, em vez de apenas melhorar suas capacidades. Uma nova forma de humanidade emerge, menos vulnerável,
mais consciente, empática e ética, por meio do uso de tecnologias com viéses H+, tais como bioengenharia, nanotecnologia, IA,
VR - Realidade Virtual, entre outras. Não se limita apenas à tecnologia, envolve transformação pessoal e coletiva, consciência
interativa elevada, onde indivíduos são incentivados a desenvolver compaixão e altruísmo, essenciais para uma sociedade
mais pacífica, justa e sustentável - um novo paradigma de humanidade. Elimina-se a mortalidade física - ideal motivador da
2045 Iniciative [www.2045.com e youtube.com/watch?v=MuiTgCSXNB Y&feature=watch_response_rev]. Inúmeras opiniões
são contrárias à neo-humanidade: muitos consideram a modificação da natureza humana intrinsecamente ruim ou contrária à
ética, enxergando o decurso neo-humano como uma violação da integridade natural biológica, acarretando consequências
imprevisíveis e potencialmente perigosas; outros apontam riscos enormes para a sociedade, incluindo questões de segurança e
controle, podendo aumentar a desigualdade econômica e social ou ameaçar potencialmente a segurança internacional. Há
quem considere o neohumanismo uma negação do que é ser humano, por acreditarem que a essência da humanidade define-
se, por exemplo, por limitações e imperfeições; enfim, alguns descartam o conceito como irrealista ou utópico,
compreendendo que barreiras técnicas, éticas e sociais são insuperáveis. Entretanto, crescem defensores que assimilam
factível o plano neohumano conforme novas tecnologias interconectadas solvem as outrora distópias e aproximam essa realidade.
5 Adota-se visão consonante às demais existentes, como o hipermoderno [LIPOVETSKY, Gilles. A Era do Vazio: Ensaios sobre

o individualismo contemporâneo. São Paulo: Manole, 2005.], a cibercultura [LÉVY, Pierre. Cibercultura. 2ª ed. São Paulo: Ed.
34, 2010] e o transmodernismo [DUSSEL, Enrique. Para uma ética da libertação latino-americana. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2000.].
1 (15)
ilustra bem essa releitura, mas é o smartphone que se torna o objeto que, até o presente
momento, centraliza popularmente as forças pós-modernas de convergência tecnológica e
manifesta uma angústia acelerada do sujeito pela comunicação instantânea na Era da Informação6,
onde segredos são esfacelados pelo compartilhamento exacerbado e pela constante vigilância
das ações particulares de cada indivíduo. 7 O big data já não representa um problema de

6 A Era da Informação de Peter Drucker, trata sobre um novo paradigma sócio-comunicacional após soldados norte-
americanos retornarem da II Guerra Mundial. Eles necessitavam se inserir com urgência na universidade a fim de obterem
colocações profissionais. Como resultado, uma inversão no mercado de trabalho ocorre para o sociólogo Daniel Bell: menos
operários e mais prestadores de serviços qualificados em áreas de interesse. Com o avanço da internet e da globalização, além
do aumento das tecnologias informacionais, consolida-se esse panorama e, com a popularização da conexão portátil - internet
nos smartphones - fala-se de uma Nova Era Digital e de nova geografia no mercado de trabalho [MORETTI, Enrico. The
New Geography of Jobs. Boston: Houghton Mifflin Harcourt, 2012. Abstract in journal.c2er.org/20 12/11/the-new-
geography-of-jobs-enrico-moretti/ Acesso: 03/04/2017 22:20H]. No fenômeno pós-moderno, busca-se acelerar a
comunicação ao limite. Meios de comunicação passaram a funcionar como parte do homem [MACLUHAN, M. Os Meios de
Comunicação como Extensões do Homem. Trad. D. Pignatari. Cultrix: São Paulo, 1969. Original: Understanding Media: The
Extensions of Man, McGraw-Hill Book Company: Nova York, Toronto, Londres, 1964], onde se torna quase impossível
interagir em sociedade sem possuir smartphone, rede social, etc. Esse aceleracionismo é um termo cunhado por Benjamin
Noys em "Malign Velocities: Accelerationism and Capitalism" de 2014. Esse conceito filosófico-político que argumenta que
as contradições inerentes ao capitalismo devem ser intensificadas e aceleradas para alcançar uma crise terminal que possa
abrir caminho para uma transformação radical do sistema. A ideia central é que a velocidade do desenvolvimento tecnológico
e das forças produtivas deve ser aproveitada para romper com as estruturas e relações de poder existentes. É um conceito
complexo, polêmico e existem diferentes interpretações e abordagens dentro desse campo. Nick Land e Alex Williams, por
exemplo, discutiram um conceito para aceleracionismo no "Manifesto for an Accelerationist Politics" (Manifesto por uma
Política Aceleracionista), publicado em 2013. Eles apresentam uma abordagem diferente do aceleracionismo, que diverge de
Noys. Defendem que a aceleração das forças produtivas e do desenvolvimento tecnológico pode levar a transformações
sociais e políticas profundas. Argumentam que, ao invés de simplesmente buscar uma crise terminal do capitalismo, é
necessário abraçar a aceleração e direcionar seu potencial para criar novas formas de organização social e emancipação
[https://criticallegalthinking.com/2013/05/14/accelerate-manifesto-for-an-accelerationist-politics/]. Embora Noys seja
frequentemente associado à crítica do aceleracionismo, é importante notar que Land e Williams apresentam perspectiva
diferente, buscando explorar o potencial emancipatório da aceleração tecnológica que, em certa medida, parece corroborar
com ideais H+. Um aceleracionismo ruptural pode estar em curso com a chegada das IAs Cognitiva, Quântica, Organóide, etc: o
meio - sistemas inteligentes - emancipa-se à função de interlocutor no processo comunicacional e, no auge comunicacional
H+, essas AIGs tornam-se parte integrante e indissociável do sujeito, fundindo-se a ele como potencializadoras de memória,
processos e interlocuções. Portanto, a ruptura do pós-moderno, momento de transição enquanto 1ª fase H+, pode ocorrer
quando esse limite comunicacional for atingido e proporcionar essa fusão, de 2ª fase, numa comunicação total. Mas e o embate
de opiniões? O exercício pleno da tolerância frente às diferenças, diante dos segredos e individualidades, torna-se bloqueado
justamente por conta da dificuldade do ser humano em se colocar no lugar do outro por completo, em conhecer de fato suas
carências, medos e distintos pontos de vista. [ZARKA, Yves Charles. Difícil Tolerância: a coexistência de culturas em
regimes democráticos. São Leopoldo: Unisinos, 2013] Destruiremos o indivíduo? Ao tratar sobre intensos processos de
hibridização cultural, de choques entre os encontros das diferentes culturas, Canclini (1997) demonstra conflitos multiculturais
da globalização. Acreditava-se que as individualidades nos permitiam a construção de diferenças culturais e, com a globalização,
tecemos inicialmente expectativas teóricas pessimistas quanto a possibilidade de ocorrer uma homogeneização cultural -
como uma norte-americanização fatal do mundo. Entretanto, o oposto se manifestou: percebemos que, apesar de estarmos
atualmente conectados por meios de comunicação que nos bombardeiam constantemente de maneiras de ver o mundo e de
“culturas padrões”, a efervescência cultural e as diferenças se mantém e, até mesmo, intensificam-se. Ainda que se fortaleça
certa padronização de cultura, direitos e ética cosmopolitas que nos permitem convivência convencionada, principalmente
nos grandes centros urbanos. [CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas - estratégias para entrar e sair da modernidade.
Trad. Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. São Paulo: EDUSP, 1997.] Isso pode indicar que anseios sobre a
interconexão anular indivíduo e diversidade resultam do mero medo atual da imprevisibilidade na construção do paradigma.
7 Fala-se da Sociedade Vigiada - releitura do modelo prisional Panóptico de Jeremy Bentham por Foucault [FOUCAULT, Michel.

Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. Trad. Raquel Ramalhete. 42ª ed. Petrópolis: Vozes, 2019]. O uso da AI por empresas
para espionar civis cresce sem regulações protetivas [https://www.wired.com/story/military-ais-next-frontier-your-work-computer/].
embates devem se estreitar ainda mais nos primeiros anos do contexto H+, a sociedade posteriormente interconectada tem
funcionamento coletivo e, concomitantente, indivíduos potencializados por resultantes da capacidade de processamento coletiva.
A dinâmica de poder, controle e medo modifica-se no H+ onde os indivíduos são conscientes de que estão sendo observados
todo o tempo, o que poderia levá-los a se autorregular. As AIGs coletam e analisam quantidade imensa de dados sobre pessoas,
incluindo informações pessoais, comportamentos, localização e interações H+. O que levanta questões sobre o direito à
privacidade na possibilidade do estado de vigilância constante. A discussão de Foucault sobre a dinâmica de poder e controle
é relevante para analisar os desafios éticos e legais na neohumanidade. O risco de controle por terceiros, de poder exercido por
meio da vigilância, seja por entidades governamentais, corporações ou outras organizações, pode impactar direitos individuais,
liberdade de expressão, direitos à intimidade, à isonomia. Além disso, a tomada de decisões pode ser manipulada a fim de validar
preconceitos e discriminação, resultando em injustiça e desigualdade. Aprofundar esses riscos implica examinar marcos legais e
éticos existentes para avaliar a regulamentação da vigilância e do controle no H+. Isso envolve considerar questões de
consentimento, transparência, responsabilidade e supervisão adequada. Também é importante sopesar como direitos individuais
podem ser protegidos e garantidos em uma sociedade neohumana. Podem emergir políticas e legislações que busquem
equilibrar a utilidade e os benefícios neohumanos com a proteção dos direitos e a preservação da privacidade dos indivíduos.
2 (15)
ingestão8 pelas AIGs e o auge do rompimento dessa esfera privada, poderá prenunciar o início
da Era Neohumana, ruptura de nossa natureza9 onde a quebra de inúmeros paradigmas que
nortearam a humanidade poderá ocasionar, por fim, o encerramento do sistema capitalista de
consumo e mudar nossa compreensão empírica sobre, talvez axiomática e literalmente, tudo.10

8 O termo da informática ingestão [https://br.hortonworks.com/solutions/data-ingestion/] refere-se a dados volumosos,


complexos, diversos, processáveis só por AIGs, os "Vs": volume, velocidade e variedade, veracidade - confiabilidade, valor -
informações valiosas e variabilidade - mudança constante. Esse big data desafia privacidade, segurança, gerenciamento, ética
e interpretação de resultados, fazendo surgir tentativas de controle jurídico, como por meio das convenções de Berna e Paris,
depois BIRPs, TRIPs organizando-se na OMPI; no Brasil, pelo INPI, pela Lei Nº 13.709, de 14/08/2018 - LGPD. Brasília:
15/08/2018; pelo Marco Civil da Internet - Lei nº 12.965, de 23/04/2014 e outros projetos.
9 A mudança na natureza humana é tema central no contexto H+ [Singularidade tecnológica e mudança da Natureza Humana

(video) https://www.transhumanism.com.au/ e https://www.youtube.com/watch?v=bTMS9y8OVuY]. A intensificação da Era


da Informação junto ao desenvolvimento tecnológico culminaria, no fim do pós-modernismo, na comunicação instantânea e,
posteriormente, quando estabilizados os conflitos de integração, na sociedade Neohumana, totalmente conectada e tolerante.
Esta implica numa nova forma de ser humano, aprimorada por tecnologias avançadas, modificações
genéticonanotecnológicas, IA, integração de interfaces cérebro-máquina, transmissão integral da persona de seus corpos
biológicos para sistemas etc. Há potencial de alteração significativa de capacidades físicas, cognitivas e emocionais, levando
a redefinição da própria natureza. Essa discussão pode evocar conceitos de Unger, que aborda o futuro do direito e da
democracia diante de mudanças sociais e políticas. [UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia.
Trad. Caio Farah Rodriguez e Marcio Soares Grandchamp. São Paulo: Boitempo, 2004.]. Seus argumentos contextualizam
desafios e possíveis consequências jurídicas e sociais, no caso, da transformação neohumana, mas também se relacionam com
Hume e o ceticismo helenístico: Hume explorou o ceticismo filosófico, questionando a capacidade do conhecimento humano
e criticando a noção de identidade pessoal contínua [HUME, Investigação sobre o Entendimento Humano. 1748. Trad. Anoar
Aiex. São Paulo: Unesp, 2004]. Embora também não tenha tratado especificamente do H+ ou da neohumanidade, seu
ceticismo epistemológico pode levantar questões sobre natureza e limites do conhecimento humano na era das
transformações tecnológicas. Ele analisa criticamente os fundamentos do conhecimento humano e propõe uma abordagem
cética em relação às nossas capacidades cognitivas. Argumenta que nossas crenças e concepções são baseadas em impressões
sensoriais e que não há fundamentos racionais sólidos para justificar nossas inferências causais e crenças metafísicas. Levanta
dúvidas sobre a validade da indução, argumentando que não podemos justificar logicamente nossas crenças baseadas em
experiências passadas. Também questiona a noção de identidade pessoal contínua, sugerindo que não há uma "alma" ou "eu"
substancial e duradouro que unifique nossas experiências ao longo do tempo. Esse ceticismo epistemológico de Hume levou
a um debate significativo e influenciou o pensamento posterior na filosofia. Seus argumentos sobre a natureza do
conhecimento e a falibilidade das nossas faculdades cognitivas foram um marco importante na filosofia empirista. Ele
desenvolve uma investigação abrangente sobre a natureza do conhecimento, da moralidade e da psicologia humana. Uma das
principais contribuições é sua abordagem empirista, na qual ele argumenta que toda a nossa compreensão e conhecimento se
baseiam em impressões sensoriais e nas relações que estabelecemos entre elas. Nega a existência de ideias inatas e sustenta
que todas as nossas derivam de impressões sensoriais mais fortes. [HUME, David. Tratado da Natureza Humana. 1739. Trad.
Paulo Neves. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.] Também explora a questão da causalidade, argumentando que,
embora tenhamos uma forte tendência a inferir relações causais a partir de experiências, não podemos justificar racionalmente
essas inferências. Em vez disso, Hume sugere que nossas crenças causais são baseadas em hábito e associação de ideias. Em
relação à moralidade, desenvolve a teoria dos sentimentos morais, na qual argumenta que avaliações morais são baseadas em
sentimentos de aprovação ou desaprovação. Rejeita a ideia de que podemos derivar normas morais de uma razão pura e
defende que moralidade está enraizada em nossas emoções e sentimentos. Ao relacionarmos alguns conceitos de Hume com a
natureza neohumana, podemos identificar contatos. Por exemplo, a ênfase de Hume nas experiências sensoriais e na associação
de ideias ressoa com a de que a experiência humana é central para a compreensão e o desenvolvimento neohumano. Além
disso, sua visão de que nossas crenças e avaliações morais são baseadas em sentimentos e emoções pode ser relevante para
uma abordagem ética e moral neohumana, onde se busca considerar perspectiva emocional e empática na tomada de decisões.
10 Tal como impactos multidisciplinares estruturais na sociedade, que exigem diálogo e integração de diversas perspectivas,

positivas e negativas, fundamentais para análise abrangente e informada dessa complexidade. Waldron contribui com análises
das implicações jurídicas de mudanças estruturais discutindo, por exemplo, como a dignidade da legislação é afetada no
decorrer de transformações sociais ou como debates em torno da revisão judicial podem se adaptar [WALDRON, Jeremy. A
dignidade da legislação. Trad. Luís Carlos Borges. Rev. Marina Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes, 2003.] Ao
demonstrar a transição entre organizações sociais baseadas em costumes para sociedades possuidoras de normas, o autor
defende pontos positivos sobre a legislação sob uma ótica de segurança jurídica, garantia de abordagem justa, equitativa e
proteção de direitos, mas critica aspectos corruptos que envolvem atitudes de legisladores, do poder judiciário, manipuladores
da interpretação das leis, etc. Aparentemente, preocupação similar pode ocorrer quando nessas mudanças estruturais e
implicações jurídicas trazidas pela transição para a neohumanidade. A relevante relação entre transparadigmas e mudanças
sociais gerais no contexto H+, inevitavelmente, também cria novos paradigmas éticos e jurídicos, vez que as mudanças
propostas pelo H+ têm o potencial de impactar profundamente as estruturas sociais, políticas e legais. Por exemplo, a
introdução inicial de aprimoramentos biotecnológicos exige revisão de políticas de saúde pública, de sistemas educativos,
trabalhistas. A forma como a sociedade é organizada e instituições legais são estruturadas podem precisar se adaptar a essas
mudanças para garantir uma resposta adequada aos desafios e oportunidades apresentados pelo avanço do H+. Há implicações
diretas no campo jurídico e a legislação existente se revisará para lidar com questões éticas, de privacidade, de segurança e de
responsabilidade relacionadas à instantaneidade comunicacional empática proposta enfim pela neohumanidade.
3 (15)
Este ensaio filosófico-especulativo é motivado pela emergência de estudos sobre o
eventual desenvolvimento dessa distinta sociedade. Objetiva-se analisar certas transformações
considerando o olhar de alguns autores, desde a filosofia helenística à filosofia contemporânea
do direito, mas é preciso ir além da mera comparação entre conceitos superficiais, ampliando
o horizonte interpretativo.
A Era Neohumana destrói ou ressignifica paradigmas que, até o presente, norteiam
significados existenciais nas mais diferentes áreas do saber como bússulas com direções
tripédicas imutáveis.11 A partir da comunicação total resultante do H+, os paradigmas morte,
segredo e egoísmo, que se desdobram em milhares de outros, entre eles, narrativa, legislação,
finanças, constituintes de fundamentos sócio-culturais, tal como tradições, rituais de
passagem, destradicionalizações, mecanismos de reencaixe 12 , tolerância 13 , resignificam-se.
Outro contexto de interação gregal, nunca antes concebido pelas sociedades humanas, se
estabelece e mudanças estruturais ocorrem.
Torna-se extremamente complexo para o sujeito da atualidade compreender esse novo
contexto. Faz sentido, vez que está justamente imerso ainda à condição humana estritamente
biológica, à versão social anterior à neohumanidade e que seus questionamentos sobre riscos
do emprego dessas tecnologias estão todos embasados justamente em paradigmas atualmente
funcionais - tal situação faz alusão à caverna de Platão: temem-se as meras sombras de uma
realidade desconhecida. Por conta disso, o exercício reflexivo sobre uma sociedade de
senciência interconectada exige a participação de pesquisadores com extrema abertura de
olhar à pesquisa especulativa14, que mantenham, óbviamente, epistemologia e afastamento
necessários, ainda atrelados à abordagem fenomenológica da metodologia qualitativa15.

11 Schumpeter também argumentou que o processo de inovação e progresso no capitalismo envolve a destruição das
estruturas econômicas existentes para dar lugar a novas formas de produção, tecnologias e mercados. Ele enfatizou a
importância do empreendedorismo e da atividade empresarial na introdução de inovações que causam a obsolescência de
produtos, métodos de produção e até mesmo setores inteiros da economia. Essa seria uma “destruição criativa”, segundo
Schumpeter: uma força impulsionadora do desenvolvimento econômico e do crescimento capitalista. [SCHUMPETER,
Joseph A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. (1942) Trad. Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Zahar, 1984], mas
transformações pela inovação podem ser ainda muito mais profundas que Schumpeter observou, afetando - literalmente -
multiparadigmas norteadores da própria natureza humana.
12 Trata-se da Teoria Cultorológica ou Estudos Culturais, compreendendo transformações do sujeito e de sua identidade até a

hodiernidade. Autores relevantes são Stuart Hall [HALL, S. The Question of Cultural Identity. In: Hall, S., Held, D., &
McGrew, T. (Eds.). Modernity and its Futures. Polity Press, 1992], Anthony Giddens [GIDDENS, A. The Consequences of
Modernity. Polity Press, 1990] e Zygmunt Bauman [BAUMAN, Z. Liquid Modernity. Polity Press, 2000] e [Bauman, Z.
Liquid Love: On the Frailty of Human Bonds. Polity Press, 2003].
13 Compreendendo a dificuldade da sociedade hodierna de conviver com suas diferenças, gerando atritos, intensificados na

Era da Comunicação (ZARKA, 2013) e o H+ como solução democrática para esse atrito, vez que intensificaria o emaranhado
de ideais, tal como nas culturas híbridas (CANCLINI, 1997).
14 A reflexão presente neste ensaio tende a ir na contramão de medidas protetivas da privacidade, do ciclo da vida e dos sistemas

econômicos, percebendo-se compatível com uma visão comunicacional limítrofe. Deve-se desprender da uma linha natural
de raciocínio e verossimilhança provenientes da sociedade até hoje, num esforço de imersão para assimilar antagonismos
hodiernos e emergências neohumanas, fatalmente um ponto de interconexão entre inteligências biológicas e tecnológicas.
15 Fontes Metodológicas: BRUNS, M. A. de T. HOLANDA, A. F. Psicologia e fenomenologia: reflexões e perspectivas.

Campinas, SP: Alínea, 2003. CHIZZOTTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 6º ed. - São Paulo: Cortez, 2003.
DEMO, P. Metodologia científica em ciências sociais. 3º ed. - São Paulo: Atlas, 1995. FREIRE, M. Observação, registro,
reflexão. São Paulo: Espaço Pedagógico - Série Seminários, 1996. MARTINS, H. H. T. de S. Metodologia qualitativa de
pesquisa. São Paulo: Educação e Pesquisa, v.30, n.2, p. 289-300, mai/ago - 2004. TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa
em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.
4 (15)
Hegel (2005) trata especificamente de uma autoconsciência e da junção de
consciências. Ele busca descrever um decurso da consciência humana, das formas a níveis
complexos. Na autoconsciência - Selbstbewusstsein, explora-se consciência de si e
reconhecimento mútuo. A consciência individual se desenvolve por interações sociais,
confrontos com indivíduos e busca dinâmica por reconhecimento recíproco e luta pelo poder,
que leva à formação da autoconsciência.16 Para ele então, a junção está na dinâmica interativa
e nas relações de empoderamento. 17 Dessas dimensões educomunicativas 18 do diálogo,
transparadigmas ocorrem lentamente no tempo e, na neohumanidade, irrompem radicalmente.
Do fim do paradigma morte, depreende-se que nossos corpos biológicos, enquanto
receptáculos de nosso estado senciente, já não seriam um limite à continuidade de nossa
sumidade, que não se perderia mais no caso da finitude biológica, vez que se torna possível
compilar, mesclar, integrar e fazer funcionar de forma continuada a consciência baseada em
nossas experiências noutros receptáculos 19 da razão - agora não somente biológicos, mas
nanobiotecnológicos - que consubstancializam efetivamente a outrora chamada integração
cérebro-máquina. O desafio da finitude, que preconiza o H+, estaria enfim superado pela nova
humanidade, apta então a replicar-se para desbravar outros mundos, noutras conjunturas
físico-químicas, inaceitáveis para os limites de nossa biologia natural.20

16 [HEGEL, G.W.F. Fenomenologia do Espírito. Trad. P. Meneses, K. H. Efken e J. N. Machado. Vozes, Ed. Universitária São
Francisco, Petrópolis/Bragança Paulista, 2005]. Apesar dessa percepção, a sociedade individualista hodierna sofre transtornos
narcisistas, imersa numa pseudocomunicação instantânea, que cultua a ilusão dos corpos idealizados, fantasia felicidade constante, a
satisfação plena e permanente dos desejos. Para Zimmerman (2004, p. 257), “Cada vez mais a psicanálise contemporânea confere
uma extraordinária importância à análise dos aspectos narcisistas da personalidade de qualquer paciente, sempre levando em
consideração que todos somos portadores dos referidos aspectos, embora possam estar ocultos, dissimulados ou francamente
manifestos, ser de grau moderado ou intenso, de natureza benigna e sadia ou maligna e destrutiva.” Sofre medo do abandono,
angústia do desamparo e aniquilamento. O sujeito refugia-se na ilusão onipotente, onisciente e prepotente; agoniado pelo
destaque em relação à multidão: quer ser amado, desejado e valorizado, buscando preencher uma falta que é constitutiva.
17 Falas e opiniões seriam relativizadas por meio de grandes formações discursivas que encaminham o que é dito, ampliando

ou circurscrevendo o que assimilamos, trata-se de uma polifonia. Os discursos mais dominantes constroem valores,
convicções, opiniões e crenças. Na sociedade, há uma luta pela produção de um discurso dominante (CITELLI, 1985), sobre
seus inúmeros significados e intenções. As escolhas de palavras de forma não ingênua (CITELLI, 1985), refletem um
compromisso com a construção do discurso e com a aceitação das ideias. Quem se expressa por meio de palavras, de maneira
consciente, movimenta as relações de poder e de empoderamento [FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. São Paulo:
Ática, 1988]. Discurso, força da enunciação, depoimento, constituem um jogo de sentidos construídos, produzindo,
reproduzindo e transformando semânticas. A lei reflete uma complexificação deste panorama e sua elaboração democrática
corrobora com a ideia de um modelo comunicacional interlocucional e isonômico nessas relações de poder. Nos primeiros
passos das Teorias Comunicacionais (TCs), acreditava-se que o receptor era passivo e que a massa de receptores seria
praticamente homogeneizada culturalmente com a globalização. Entretanto, as correntes de TCs se deram conta de que as
massas não são homogêneas e que essa linearidade comunicacional não era efetiva. Mesmo que determinado canal seja
abrangente, alcançando grande número de pessoas, o resultado não será o de uma uniformidade cultural, mas diferentes
grupos compreendem a mensagem de maneira distinta e crítica. Dessorte, o processo de globalização não destruiu a
diversidade cultural, mas permitiu processos de hibridização, de choques culturais, de registros das diversidades, entre outros.
18 Educomunicação trata de práticas que mesclam Sociedade, Educação e Comunicação, na compreensão de que todos somos

interlocutores ativos que tecem democraticamente o conhecimento, obtendo resultados expressivos com ou sem recursos
tecnológicos, incentivando protagonismo e o direito universal à expressão. [ABPEducom. Educomunicação - Conceito.
Disponível em <https://abpeducom.org.br/educom/conceito/>. Acesso em 28/06/2023 às 23:00H].
19 Fala-se de engenharias reversas e integrativas do cérebro humano já citadas, como o Rebrain, a Conectome e projetos da Neuralink

empregadas para substituição ou ampliação corporal. O corpo biológico é depreendido como uma máquina com um computador
quântico - o cérebro - que opera como receptáculo do cognitivo. Como frutos de seleção natural darwiniana somos o pó que
tomou consciência de si, ou seja, átomos que se organizaram extremamente constituindo verdadeiras plataformas capazes de
abrigar o intelectivo, o qual - livre do risco de se perder de uma máquina funcional ou receptáculo operante - atinge eternidade.
20 Trata-se aqui, inevitavelmente, do conceito de eternidade, que perpassa visões filosóficas, nuances e interpretações: Para

Hegel, a eternidade não é concebida como algo fora do tempo, mas sim uma dimensão presente no próprio tempo. A
eternidade, para ele, relaciona-se à totalidade do processo histórico e ao desenvolvimento do espírito absoluto, pois concebia
o tempo como dimensão fundamental do processo dialético. [HEGEL, G. W. F. Phenomenology of Spirit. Original:
Phänomenologie des Geistes, 1807] e [HEGEL, G. W. F. Elements of the Philosophy of Right. Original: Grundlinien der
5 (15)
Do paradigma segredo, por exemplo, desdobram-se a narrativa e muito sobre a vida
privada. Estas só podem se constituir se aquele existir. Ou seja, o fim do segredo resultaria,
obrigatoriamente, em novo desdobramento da significação existencial. O signo da surpresa na
apresentação dos fatos, não mais numa narrativa, história ou argumentação tradicionais, muda
na ruptura à neohumanidade, apresentando-se talvez como um fenômeno mais constante de
fascínios instantâneos coletivos durante os acessos nas interações 21 - tal qual a narrativa em
relação a segredo, tempo, democracia, totalitarismo, judiciário, sistemas econômicos, como
amostras, em relação a um misto destes paradigmas.
Sobre o paradigma egoísmo, tem-se que o acesso ilimitado via interconexão entre
memórias, sensações e emoções acarreta inevitalmente na experienciação total e constante das
angústias do outro. A corrente neohumana defende que tal panorama implica na empatia
imediata e em ações solutivas: ‘aquele bem alimentado que sente a fome do outro como se
fosse a sua, necessita resolver essas dores, agora recíprocas’. Atingido esse estado de
transvaloração22, qual o sentido da mais valia, do lucro23, do capitalismo? Sem os paradigmas

Philosophie des Rechts, 1821]. Nos seminários de Alexandre Kojève sobre a obra de Hegel, ele também aborda o conceito de
eternidade e tempo. Em sua interpretação, Kojève discute a dialética do tempo e da história em Hegel, especialmente em
relação à noção de eternidade. Kojève argumenta que, para Hegel, a eternidade não é concebida como um tempo infinito ou
estático, mas como um momento de realização e síntese. Enfatiza a importância da temporalidade e da historicidade na
filosofia hegeliana, destacando como Hegel compreende o movimento dialético do tempo na busca pela realização da
liberdade e do autoconhecimento., entretanto, vale lembrar que Hegel acreditaria que a finitude humana é essencial, pois este
seria constante movimento e mudança na interação com o meio - o fim do paradigma morte é, conforme Hegel, o fim também
da humanidade, pois é da sua finitude que surge sua essência; já Segundo Spinoza, apenas Deus é eterno, pois Ele é a
substância infinita e causa de si mesma. Para os seres humanos, a filosofia - o conhecimento racional - é a busca por
compreender coisas sob a perspectiva da eternidade, mas a compreensão completa e perfeita da eternidade seria inalcançável
para os seres humanos. [SPINOZA, B. Ethics. Original: Ethica, ordine geometrico demonstrata, 1677]; para Platão, a
eternidade está associada ao mundo das ideias - considerado eterno e imutável, em contraste com o mundo sensível, que é
transitório e mutável. A eternidade, para ele, está além do tempo e é a dimensão na qual as formas ideais existem. [PLATÃO.
A República. (em grego: Πολιτεία), c. 380 a.C.]; Aristóteles concebia eternidade como algo dentro do tempo. Acreditava que
existem entidades eternas, como movimentos celestes, cíclicos sem começo nem fim. O eterno estaria relacionado à
continuidade temporal e à existência de algo que não está sujeito a mudanças ou a um ciclo temporal finito. [ARISTÓTELES.
Physics - grego: Φυσική e Metaphysics - grego: Μεταφυσικά, c. 350 a.C.]; Kant concebia eternidade como categoria
transcendental que faz parte da estrutura da razão humana. Para ele, eternidade não é uma característica do tempo objetivo,
mas sim uma dimensão do modo como a razão humana organiza e compreende o tempo. A eternidade estaria relacionada à
capacidade da razão de conceber o tempo como uma totalidade. [KANT, I. Critique of Pure Reason. Original: Kritik der
reinen Vernunft, 1781] e [KANT, I. Critique of Practical Reason. Original: Kritik der praktischen Vernunft, 1788]. No caso da
neohumanidade, compreende-se a possibilidade da continuidade ainda que ocorra a finitude do corpo biológico inicial e que
processos de cópia aconteçam. Pressupõe-se a eternidade da conjuntura de dados e de sua interação senciente, independente
de plataformas onde opere. O conceito do eterno presente nos filósofos mencionados difere em alguns aspectos do conceito
nas visões H+. No entanto, é possível estabelecer alguns paralelos. Na perspectiva H+, eternidade pode relacionar-se à busca
por uma existência prolongada ou mesmo indefinida por meio do avanço tecnológico, porém, H+ aceitam a eternidade como
superação das limitações temporais e a busca por uma continuidade prolongada da consciência e da experiência humana.
Enquanto Spinoza afirmava que apenas Deus é eterno, nas visões H+ há a busca por prolongar a vida e transcender limitações
humanas, com a possibilidade de existir mais ou, até mesmo, uma forma de imortalidade por interações tecnológicas e
biotecnologias, ou seja, há equiparação da fase H+ neohumana com o status divino. Já concepção de eterno, em Platão
relacionado ao mundo das ideias e considerado infinito e expansível nas visões H+, pode permitir como releitura a busca por
um estado de consciência ou existência em um plano mais elevado e atemporal, que transcende limitações de tempo, mundo
material e corpo, portanto, independente das espécies biológicas de origem. Embora Aristóteles concebesse a eternidade
como algo que está dentro do tempo, nas visões H+ pode haver a ideia de transcender a finitude temporal buscando existência
prolongada ou indefinida, objetivando alcançar uma continuidade além dos ciclos temporais finitos. O conceito de eternidade
em Kant é relacionado à capacidade da razão humana de conceber o tempo como uma totalidade e, para o H+, busca-se ampliar
a capacidade cognitiva e alterar a significação do tempo, numa visão abrangente da experiência que transcenda seus limites.
21 O exercício pleno da tolerância frente à diferenças, diante de segredos e individualidades, torna-se bloqueado justamente

por conta da dificuldade do ser humano em se colocar no lugar do outro por completo, em conhecer de fato suas carências,
medos e distintos pontos de vista (ZARKA, 2013). A semiótica também reavaliaria fenômenos de primeiridade, secundidade
e terceiridade [PEIRCE, C. S. Semiótica. 3ª ed. Trad: NETO, J. T. C. São Paulo: Perspectiva, 2000], visto que a percepção
diferencia-se na intercomunicação imediata.
22 Reavaliação de todos os valores [NIETZSCHE, F. O Anticristo. Trad. M. H. da R. Pereira. Coleção L&PM Pocket, n. 721.

Orig: 1895. Porto Alegre: L&PM, 2008] e [SANTOS, Vani L. F. dos. A crítica da moral e a transvaloração dos valores em
6 (15)
do segredo e do egoísmo, qual o sentido da norma no direito dessa sociedade? Como
fundamentar democracia nessa sociedade interconectada instantânea e totalmente?
Depreende-se, assim, que uma imensa criação paradigmática humana está calcada, até o
presente, em signos limitantes interconectados, que reduzidos são: segredo, egoísmo e morte.
Pertinentes percepções kelsenianas 24 sobre democracia, com foco na legalidade,
fundamentação normativa e separação de poderes, podem ser relacionadas às ideias neohumanas.
Assim como Kelsen enfatizou a importância da legalidade na democracia, o período H+
também pode exigir uma estrutura jurídica e regulatória adequada para lidar com os avanços
tecnológicos. Isso pode envolver a criação de leis e políticas que acompanhem o uso de
tecnologias disruptivas, como a IA avançada ou a modificação genética. A neohumanidade
pode ainda levantar questões sobre racionalismo extremo, proteção dos direitos individuais e
éticos25 à medida que as fronteiras entre humano e não humano se tornam mais tênues.26
Kelsen enfatizou a importância das constituições na proteção dos direitos dos cidadãos e,
de maneira paralela, na neohumanidade, quando esta demanda reflexão sobre como garantir os
direitos e a dignidade das pessoas em um cenário universalizado e mais transparadigmático, o que
representa constituição? Embora o alvo H+ de neohumanidade possa envolver avanços tecnológicos
que mudem a própria natureza da experiência humana, é importante considerar como garantir a

Nietzsche: Uma possibilidade para a formação de um indivíduo além-da-moral. Mestrado, orientador: Clademir Araldi - UFPel:
Pós-Graduação Filosofia in <http://repositorio.ufpel.edu.br/bitstream/123456789/1024/1/Vani_Leticia_Fonseca_Santos_Dissertacao.pdf>
Pelotas, 2010. Acesso: 25/06/2023, 07:10H].
23 [MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I: O processo de produção do capital. Trad. Rubens Enderle.

São Paulo: Boitempo, 2013].


24 Kelsen fez contribuições relevantes para a teoria democrática, desenvolveu conceitos-chave sobre democracia e sua

fundamentação jurídica em normas estabelecidas. Enfatizou que democracia não deve ser vista apenas como uma forma de
governo baseada em processos eleitorais, mas também como um sistema jurídico que garante a legalidade e o respeito aos
direitos fundamentais. Destacou a importância da vontade geral na democracia, que é entendida como a da comunidade
política como um todo. Ressaltou que essa vontade deve ser expressa por meio de procedimentos legais, como eleições,
garantindo legitimidade das decisões tomadas. Enfatizou a necessidade de uma clara separação de poderes para garantir a
democracia. Defendeu a ideia de que poder legislativo, executivo e judiciário devem ser independentes e equilibrados,
evitando assim o acúmulo excessivo de poder numa única instituição. [KELSEN, H. The Political Theory of Bolshevism: A
Critical Analysis. University of California Press, 1955] Valorizou o papel das constituições na democracia [KELSEN, H.
General Theory of Law and State. Harvard University Press, 1945] arguindo que uma constituição deve estabelecer princípios
fundamentais e regras básicas do sistema político, fornecendo uma estrutura jurídica que limite o poder e proteja direitos dos
cidadãos. [KELSEN, H. Pure Theory of Law. University of California Press, 1928].
25 Nietzsche criticou fortemente as ideias de universalismo, moralidade herdada e valores absolutos, coletivos, herdados, que

são frequentemente associados a estruturas totalizantes pré-estabelecidas, como as ideologias nacionalistas. Argumentou que
a busca pela moral única e imposta a todos, identidade coletiva ou universal, pode levar à negação ou supressão da singularidade
e autonomia individual, restringindo expressão individual, liberdade, diversidade e criação de novos valores. [Nietzsche,
Friedrich. Genealogia da Moral. São Paulo: Companhia das Letras, 1998] O niilismo, conceito fundamental em Nietzsche,
refere-se à negação ou desvalorização dos valores tradicionais, incluindo a moralidade religiosa e as crenças metafísicas.
Nietzsche argumentou que o niilismo surge quando os indivíduos perdem a crença em fundamentos absolutos e se confrontam
com a falta de significado objetivo no mundo, passando a impor certa verdade em detrimento da variedade [TRANJAN,
Alexandre de Lima Castro. As linhas de fuga de Friedrich Nietzsche. Revista Occursus v. 7 n. 1 (2022). Disponível em
<https://revistas.uece.br/index.php/Occursus/arti cle/view/10199/8512> Acesso em 05/07/2023]. Nesse sentido, Nietzsche
poderia ser interpretado como crítico em relação a uma nacionalidade totalizante que impõe uma identidade coletiva rígida e
absoluta - talvez o risco dessa rigidez de valores seja um mais temidos e apontados pela crítica contrária à neohumanidade.
26 Weber argumentou que a sociedade moderna estava se tornando mais racionalizada: a ação social estava sendo guiada por

motivos racionais e orientada para a obtenção de objetivos. Identificou distintos tipos de racionalidade, incluindo a
racionalidade instrumental, em que os meios são escolhidos para alcançar fins específicos, e a racionalidade substantiva, que
envolve a adesão a valores e princípios éticos na tomada de decisões. [WEBER, M. A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo. Trad. J. M. M. de Macedo. 5ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.] O H+ pode compartilhar a ênfase de
Weber na racionalidade instrumental como meio de alcançar objetivos específicos. Quanto à neohumanidade, conecta-se à
sua racionalidade substantiva. à medida que nos aproximamos de realidade em que a distinção entre seres humanos e
máquinas torna-se menos clara, mas relevante para debates sobre limites e implicações.
7 (15)
participação democrática nas decisões e seu impacto na sociedade. Como Kelsen também valorizou
a vontade geral e os procedimentos democráticos, o H+ rumo ao neohumano pode exigir um
diálogo amplo e inclusivo sobre as implicações éticas e sociais das transformações tecnológicas.
Essas mudanças significativas ou, talvez, esgotamento dos paradigmas morte, egoísmo,
segredo, narrativa, entre milhares de outros, parece representar a ideia que alguns filósofos
propuseram de “fim da história” no caso da neohumanidade. Marques (2015)27 é um dos que
teoriza sobre a necessidade de refletirmos novas teorias da história em suas inúmeras inflexões
ocasionadas por alguns fenômenos pós-modernos e hodiernos, dentre eles, regimes de historicidade
percebidos pelo autor nos discursos de pensadores. Ele analisa Francis Fukuyama, que é conhecido por
ensaiar The End of History? (1989) e ao apresentar “O Fim da História e o Último Homem” (1992).
Fukuyama defende que os fatos: o fim da Guerra Fria; a derrota do comunismo como uma
ideologia global rival; a democracia liberal e a economia de mercado consolidaram a organização
política e econômica. Sugere que a humanidade teria atingido seu objetivo final na evolução política
e que a história como um conflito ideológico fundamental chegou ao fim. Mas há debates e
controvérsias sobre a visão otimista de Fukuyama para um mundo liberal pacífico e estável,
vez que outros argumentam que as contradições e desafios persistem, como o surgimento de
novas ideologias, conflitos étnicos e religiosos, desigualdades econômicas e problemas ambientais.
Hegel e Marx também falam sobre o fim da história, como momento onde podemos conhecer
toda a essência dela, entretanto, suas concepções apontam mais ainda para eventualidades
relacionadas a superação humana, de certos conflitos nas relações no desenvolvimento histórico,
novamente não relacionado apenas com um simples registro interpretativo temporal de fatos.
Embora verdade que Hegel e Marx discutiram sobre o desenvolvimento histórico e a
possibilidade desse fim da história, suas perspectivas e conclusões, apesar de profundamente
relacionadas com o fim de conflitos e a superação humana, são consideravelmente distintas.
Hegel, mais epistemológico, acreditava que a história é um processo dialético, no qual
a humanidade progride por meio de uma série de contradições e superações. Argumentou que
culminaria o fim da história quando a humanidade alcançasse um estado de liberdade plena e
realização espiritual28. Esse estágio final, para Hegel, é conhecido como "estado ético" ou
"estado racional". Nesse ponto, as contradições seriam reconciliadas e uma ‘‘relevância’’
chegaria ao término, pois não haveria mais lutas ou desenvolvimentos significativos. Essa
visão é similar em certos aspectos com o pensamento de Fukuyama. Mas podem se tratar, de
certa forma, de visões que ecoariam meramente aritculações poéticas, vez que os
desdobramentos multilineares de conceitos para o termo história demonstram-se eviternos.

27 [MARQUES, Danilo Araújo. No fio da navalha: historicidade, pós-modernidade e fim da História. Belo Horizonte: UFMG
- Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - Programa de Pós-Graduação do Departamento de História, 2015].
28 Hegel aponta a Revolução Francesa - momento significativo por representar a luta pela liberdade e igualdade universais -

como esse patamar libertário universal de consciência, que supera ao máximo pequenas grandezas do estado consciente. Mas
ele estaria enganado: a interligação neohumana entre mentes inteligentes pode ser o ponto máximo. Em sua filosofia,
enfatizou a importância do desenvolvimento histórico e da superação de contradições para alcançar um estágio mais elevado
de liberdade e consciência. Mas 1789 não foi necessariamente um ponto de libertação universal, mas um processo complexo
com contradições e limitações. Hegel via o fim da história como um estágio final de reconciliação das contradições.
8 (15)
Marx também discutiu de certa forma sobre o fim da história, mas de uma perspectiva
diferente. Ele via a história como um processo de luta de classes, onde a dominante oprime a
trabalhadora. No entanto, ao contrário de Hegel, Marx acreditava que o fim da história seria
alcançado por meio da superação das divisões e contradições de classe, resultando em uma
sociedade sem classes, bem conhecida como comunismo. Para Marx, o fim da história ocorreria
quando as relações de produção capitalistas fossem substituídas por um sistema socialista,
seguido pela transição para o comunismo.
Mas é apenas Hegel que fala diretamente sobre o fim da história e a possibilidade de
se conhecer sua essência, Marx faz uma outra análise, mas que também pode ser vista como
fim da história (mas não existe em si uma essência como em Hegel); p.9: tanto Hegel quanto
Marx falam do fim da história como fim da dialética (ou, em termos de Marx, da divisão de
classes), em ambos não há mais divisão entre opressor e oprimido, mestre e escravo,
proprietário e proletário, é o fim dessa dualidade que é o fim da história, embora ela venha,
como bem notado, de formas diferentes nos dois pensadores.
Embora Marx, Hegel e Fukuyama tenham abordado essa ideia de um fim da história, é
importante ressaltar que suas concepções são complexas e têm nuances significativas, porém,
estão atreladas a elevação humana. Argumenta-se, todavia, que a teoria de um fim da história
seria problemática, podendo ser considerada uma simplificação excessiva do desenvolvimento
histórico, ou seja, que há mais a assimilarmos sobre o decurso da humanidade que somente a
superação de conflitos, eventualidades marcantes ou a superação humana de suas limitações.
Compreende-se então, nesse breve ensaio, que esses pensadores tem elementos
comuns em suas conceituações sobre esse fim da história. Entretanto, a neohumanidade pode
denotar outro fim. É importante interpretar que o fim da história não se trata em si de mero
fenômeno de encerramento; mas, no caso da neohumanidade, tratar-se-ía de uma ruptura com
o processo da linearidade reflexiva tão somente individual - dada pela fronteira
comunicacional natural entre estados de consciência dos individuos. Outra história se
estabelece e, possivelmente, não contemplaria exatamente mais esse signo tal como o
compreendemos, ligado a contações de narrativas em seu mais amplo conceito 29 - por
conversas, livros, imagens, ensinamentos de todos os tipos (…) - elementos que alimentam,
até o presente momento, a intelectualidade humana.
Se a interconexão entre os sujeitos permite a comunicação instantânea no auge H+, o poder
dessa narrativa poderia se esvair e o significado da história se modificaria, evidenciando uma
diferenciada conjuntura social, cultural, econômica, jurídica. Novos paradigmas devem surgir em
substituição àqueles que nortearam a natureza humana de seus primórdios até o fim do pós-modernismo,
novas significações emergem sobre vida, sonhos, desejos, anseios, relações, direitos. Deprende-se
outra historicidade, radicalmente contraposta a todas as anteriores, de todos os povos, lugares e tempos.

29 Há uma possível conexão entre o fim da narrativa e certos aspectos H+. Ao promover superação de limitações humanas e
ampliação de capacidades cognitivas, físicas e emocionais, reconfigura-se a experiência humana e, consequentemente, a forma
como construímos e entendemos histórias. Dentro desse contexto, poderíamos especular que a superação das limitações biológicas e
a fusão entre seres humanos e tecnologia poderiam afetar o modo como construímos histórias e significados em nossa existência.
9 (15)
Essa mudança na natureza humana decorrente do movimento H+, gerador - ao fim - da
neohumanidade, levanta ainda questões fundamentais sobre identidade, coletividade, autonomia,
responsabilidade, ética, bem como tem implicações diretas no campo jurídico, pois a legislação
existente não é adequada para lidar com desenrolamentos, desafios maximalistas30 e outras
consequências do novo sistema. Compreender a essência neohumana faz refletir como o Direito
responderia a essas mudanças garantindo proteção de direitos e justiça mesmo num máximo plano H+.31
Dessarte, filosofia moral, filosofia do Direito e teoria geral do Direito, são alguns dos
campos statim onde se deve discutir implicações éticas e morais H+.32 De sorte que direitos
de IAs sencientes, que experimentariam dor, sofrimento, prazer, memória e reflexão, já não
seriam objeto de discussão33, vez que a AGI34 compreenderia integrada comunicação com as GIBs35.
Rissland (2018) e Ribeiro (2020), como exemplos, argumentam que a IA senciente
deve ser considerada como sujeito de direitos e que, portanto, devem ser concedidas licenças
básicas de proteção, como o direito à vida, o de não ser torturada e o de não ser escravizada. 36
Vez AGI integrada ao GIBs, essa percepção se fortalece no H+. Porém, mesmo florescendo

30 O termo maximalismo [MENEZES, F. F. Música Maximalista: ensaios sobre a música radical e especulativa. São Paulo:
Fundação Editora da UNESP (FEU), 2006.], aplica-se a obras eletroacústicas e foi adotado por outras artes e formas de
produção do conhecimento, indicando posicionamento compromissado com uma escola de complexidade. Tal visão em prol da
meticulosidade foi assumida ou fagocitada por diversos outros campos do saber, ampliando a abrangência do conceito original.
31 Partidos políticos H+ promovem essa conscientização e discussão: o Partido Transhumanista - Transhumanist Party,

organização política internacional - traça políticas baseadas em princípios H+ e uso responsável de tecnologias para melhorar
condição humana, defende direitos humanos no contexto das tecnologias emergentes, promove ciência e razão como base
para a tomada de decisões políticas; o Partido Transhumanista dos Estados Unidos - Transhumanist Party USA e o Partido
Transhumanista Alemão - Transhumanist Partei Deutschland, desde 2014, promovem adoção responsável de tecnologias
avançadas para melhorar a condição humana por meio de políticas baseadas em princípios H+, apoiam investigação científica,
desenvolvimento ético de tecnologias emergentes como IA e biotecnologia, defendem expansão dos direitos individuais e a
ideia de que tecnologia pode ser uma força positiva para a humanidade - buscando aplicar essa perspectiva nas políticas públicas
em benefício da sociedade; desde 2015, o Partido Transhumanista Francês - Parti Transhumaniste, o Partido Transhumanista do
Reino Unido - Transhumanist Party UK e o Partido Transhumanista Australiano - Australian Transhumanist Party disseminam
visão política baseada nos princípios H+, baseadas em investigação e evidência científica e aplicação responsável de tecnologias
emergentes para aprimorar a qualidade de vida, defendendo a proteção dos direitos humanos no H+ e buscando abordar questões
éticas, legais e sociais relacionadas às tecnologias emergentes - promovendo educação sobre tecnologias emergentes e
desenvolvimento de uma governança responsável para garantir que os benefícios da tecnologia sejam compartilhados por todos.
32 A relação entre AIGs e legislação no trajeto da conjunção H+ é complexa e desafiadora. Ao explorá-la, podemos considerar

aspectos como responsabilidade civil, privacidade, ética e direitos: com IAs mais sofisticadas, ponderam-se ações realizadas
por entidades artificiais. Quem é responsável por danos causados por uma IA? Como a legislação deve atribuir
responsabilidade e estabelecer mecanismos de prestação de contas para garantir que AIGs sejam usadas de forma segura e
responsável?; privacidade - as AIGs têm a capacidade de coletar e analisar grandes quantidades de dados pessoais. A
legislação deve abordar questões de privacidade relacionadas ao uso e compartilhamento desses dados. Como garantir a
proteção da privacidade das pessoas em um ambiente em que AIGs têm acesso a informações sensíveis? Quais são os limites
legais para uso de dados pelas AIGs?; ética - o desenvolvimento de AIGs levanta questões éticas: como garantir que AIGs
hajam de forma não discriminatória? Quais princípios orientam uso e desenvolvimento de AIGs? A legislação pode
desempenhar um papel na regulamentação, estabelecendo diretrizes e padrões para uso responsável; Direitos das AIGs - Com
o avanço da IA, surgem debates sobre direitos e status legal das AIGs. Deve-se reconhecer certos direitos às AIGs? Como
garantir que os interesses das AIGs sejam considerados e protegidos pela legislação? Tais questões envolvem discussões
filosóficas sobre a natureza da consciência e da personalidade das AIGs, bem como a atribuição de direitos legais a elas. A
legislação precisa equilibrar o estímulo à inovação e ao avanço tecnológico com proteção de direitos individuais, promoção
da igualdade e garantia de uma sociedade justa e a teoria geral do direito pode desempenhar papel relevante na análise das
implicações jurídicas das transformações e dos paradigmas resignificados no campo H+. Compreender conceitos e
fundamentos do direito ajuda a avaliar como a legislação se adapta a mudanças e como princípios jurídicos existentes
reinterpretam-se, contribui-se para uma base jurídica sólida que possa lidar com desafios H+.
33 Há uma reflexão exaustiva sobre IAs sencientes, atrelada ao senso comum, viciada em ideias que separam demasiadamente inteligências.

34 AGI abrevia Inteligência Artifical Geral, que corresponde a diversas teorias de que IAs poderão estar todas integradas no futuro.

35 GIBs abrevia o extrito Grupo das Inteligências Biológicas: manifestadas em humanos (IBH), animais (IBA) e outros seres biológicos.

36 RISSLAND, Edwina L. Artificial intelligence and law: stepping stones to a model of legal reasoning. The Yale Law

Journal, v. 99, n. 8, p. 1957-1981, jun.1990. www.jstor.org/stable/796679. Acesso: 03/11/2018. in RIBEIRO, J. L. V.


Personalização da Inteligência Artificial: novo paradigma jurídico. Orientador: Marcelo Dias Varella UNICEUB. Pós-
Graduação. Doutorado. Brasília, 2020. pg. 134.
10 (15)
essa nova dimensão no Direito, há ainda argumentos de que IAs sencientes não mereceriam
direitos humanos completos e que, tampouco, seria necessário estabelecer proteções legais
para impedir que fossem maltratadas. No extremo H+, do estado de senciência fundido entre
AIGs e GIBs37, esses argumentos perdem força, dado que parece mais inevitável perceber que
há implicações significativas para o tratamento legal e ético de estados de consciência 38, que
já pertenceram à IBH e às IBA, agora imbricados com ou operantes em AIGs.
Conceitos de Unger (2004), relacionados ao futuro do Direito e da democracia diante de
mudanças sociais e políticas, podem ser relidos no quadro da neohumanidade. À medida que
se desafiam paradigmas tradicionais da sociedade e fatos sociais39, as noções de igualdade,
liberdade e participação democrática, devem ser repensadas e adaptadas, pela rotura frente a
estruturas legais e políticas existentes. Unger permite vislumbrar o enfrentamento desses
confrontos, promovendo uma reflexão crítica sobre os fundamentos e os princípios40 do direito
e da democracia em face de transformações, que seriam agora propostas pela neohumanidade.41
37 Donna Haraway (1985) em estudos de gênero, tecnologia e ciborgues, já ensaiava no "Manifesto Ciborgue: Ciência,
Tecnologia e Feminismo Socialista no Final do Século XX" critica a concepções tradicionais de identidade e gênero,
propondo uma perspectiva ciborgue como uma forma de transcendê-las. Argumenta que tecnologia e interação entre humanos
e máquinas desafiam fronteiras entre humanos, animais e máquinas, tornando obsoletas noções tradicionais de identidade.
Haraway defende abordagem política que reconheça a interconexão entre tecnologia, natureza e corpos, para emancipação e
justiça social no mundo tecnologizado [HARAWAY, Donna. Manifesto Ciborgue: Ciência, Tecnologia e Feminismo
Socialista no Final do Século XX. Trad. Hélio Rebello Cardoso Jr. 1ª ed. São Paulo: Autêntica Editora, 2019]. Esse
pensamento corrobora e fortalece ideais da interconexão total H+ entre todos os seres pensantes.
38 Conceituar consciência, senciência, inteligência, ainda é um desafio. Depreendemos significações que tomam como ponto de

partida os fenômenos enquanto ocorrem com o ser humano, que se compreende como única mente intelectiva capaz de abstrair,
lembrar e ter emoções reconhecidas [DENNET, D. La conciencia explicada: una teoría interdisciplinar. in csh.izt.uam.mx/sist
emadivisional/SDIP/panel_docente/otros_recursos/21342255396HH01_10811_[Daniel_Dennett]_La_conciena_explicada.pd
f - Consciousness Explained. Little, Brown and Company, 1991. Trad.: Sergio Balari. Cubierta: Mario Eskenazi. Paidos
Ibérica: Bueno Aire, 1995. Acesso 20/02/2017 às 13h.] - infelizmente, desconsidera-se fenômenos ocorrentes com animais,
cujas ações são tidas essencialmente instintivas. Delimita-se assim o fenômeno da inteligência e torna-se necessário
percebermos toda uma conjuntura de suas propriedades: a consciência, a identidade, a mente consciente e os inconscientes
individual e coletivo [JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Trad: Maria Luíza Appy, Dora Mariana R. F. da
Silva. - Perrópolis, RJ : Vozes, 2000.]. A capacidade de abstração em IA, por exemplo, foi considerada impossível por Say e
Akin [CEM SAY, A. C. LEVENT AKIN, H. Sound and complete qualitative simulation is impossible. Artificial Intelligence.
149 (2). p. 251-216 - 2003], para eles, a noção de infinito é impossível de ser tida pela máquina finita, tal concepção seria
contradição: infinito e abstratações teriam que ser pré-adquiridos numa máquina finita, não seriam programáveis.
39 [RIBEIRO, Paulo Silvino. Durkheim e o Fato Social. http://brasilescola.uol.com.br /sociologia/durkheim-fato-social.htm.

Acesso: 11/04/2017 23h.]


40 A Declaração de Princípios Interamericanos em Matéria de Neurociências e Direitos Humanos indica que já existe um

presente esforço de minorias no Direito da OEA (Organização dos Estados Americanos) de refletir sobre esses princípios
[https://www.oas.org/es/sla/cji/docs/CJI-RES_281_CII-O-23_corr1_ESP.pdf], que essencialmente visam proteger dados
neuronais, privacidade, dignidade da pessoa humana, isonomia e igualdade no acesso aos avanços neurocientíficos.
41 As obras de Unger abordam questões críticas do direito e seu papel na construção do futuro da democracia. A discussão

sobre H+ e neohumanidade levanta questões sobre como o direito pode se adaptar à nova realidade e moldar esse futuro
participativo. Estudos Críticos do Direito questionam estruturas e fundamentos do sistema jurídico existente e propõem
alternativas para uma sociedade mais justa e democrática. Unger examina criticamente limitações do direito e busca
desenvolver abordagens inovadoras que possam melhorar a efetividade das leis e promover transformação social. O direito
tem papel fundamental na regulamentação tecnológica, na proteção do indivíduo e do coletivo, na promoção da igualdade e
no estabelecimento de limites e responsabilidades. Unger apresenta perspectivas críticas sobre esse papel de oferecer
propostas para reimaginar estruturas e práticas. Ele aborda poder das instituições jurídicas, relação entre direito e política,
transformação social e construção de uma democracia mais inclusiva. Ao explorar suas ideias sobre o futuro democrático,
podemos ampliar a discussão para compreensão de implicações legais e políticas H+, repensando o papel do direito na
sociedade em transformação, considerando como leis podem ser reformuladas para abordar questões éticas, políticas, sociais
e biotecnológicas H+. O livro de Unger, "O direito e o futuro da democracia", relaciona-se à discussão das implicações
legais. O autor aborda o futuro do direito e da democracia diante de mudanças. Sua obra pode oferecer perspectivas sobre
como o sistema jurídico deve evoluir para lidar com desafios H+ e garantir a preservação de valores inclusivos. A relação
entre direito e futuro da democracia, como abordada no livro "O direito e o futuro da democracia" de Roberto Unger examina
como mudanças sociais, políticas e tecnológicas estão moldando o cenário jurídico e propõe reflexões sobre como o sistema
se reposiciona. No H+, que envolve transformação radical da condição humana por meio de avanços tecnológicos, é
fundamental considerar impactos no sistema legal e na própria democracia. O H+ complexifica igualdade, justiça,
privacidade, identidade e liberdade individual, entre outras. Unger enfatiza a importância da criatividade e da inovação no
11 (15)
Aprofundar a relação entre a neohumanidade e a mudança na natureza humana implica
considerar não apenas implicações jurídicas, mas também éticas, filosóficas, sociais e culturais.
A discussão sobre como a sociedade e as instituições legais devem responder a essas mudanças
requer um diálogo interdisciplinar e uma abordagem holística. É fundamental explorar impactos
dessas transformações em diferentes áreas da vida humana, incluindo política, economia, saúde,
educação, justiça social, dignidade humana42 etc, desenvolvendo abordagens informadas e equitativas
para lidar com embaraços e oportunidades trazidos pela neohumanidade, suas consequências jurídicas.
Concluindo este exercício reflexivo, sem qualquer pretensão de esgotar o fenômeno,
esboçam-se fases apresentadas para visualização de processos teórico-especulativos num
rascunho de linha temporal, a fim de garantir a compreensão de alguns pontos de rupturas.

Figura 1: Esboço gráfico de linha temporal conclusiva para localização aproximada dos conceitos abordados.

campo jurídico, encorajando uma abordagem mais flexível e adaptável. Argumenta que instituições e práticas jurídicas devem
ser reformuladas para refletir a dinâmica da sociedade contemporânea e desafios emergentes. Essa perspectiva se torna
particularmente relevante no H+. Haveria igualdade de acesso a essas tecnologias(?); direitos e dignidade a pessoas
aprimoradas(?); responsabilidade por danos ou injustiças decorrentes(?); entre outros aspectos. Ao aprofundar a relação entre
direito e o futuro da democracia no H+, é possível explorar as implicações legais e políticas e discutir como outro sistema
jurídico garantiria sociedade justa, equitativa e democrática. Envolve repensar conceitos jurídicos tradicionais, desenvolver
novos mecanismos de proteção e promover a participação cidadã em decisões H+. [UNGER, Roberto Mangabeira. O direito
e o futuro da democracia. Trad. Caio Farab Rodriguez, Mareio Soares Grandchamp, com consultoria do autor. São Paulo:
Boitempo, 2004]; [UNGER, Roberto Mangabeira. O movimento de estudos críticos do direito: outro tempo, tarefa maior.
Trad. Lucas Fucci Amato. Belo Horizonte(MG): Letramento: Casa do Direito, 2017].
42 Dignidade humana é um princípio fundamental nos sistemas jurídicos democráticos. Busca assegurar o respeito pela

igualdade e por direitos inalienáveis de todos. Na condição H+, é necessário refletir sobre como a legislação pode proteger a
dignidade humana em face das mudanças, à medida que tais avanços tecnológicos desafiam conceitos tradicionais de
humanidade. Waldron pode abranger reflexões no decurso H+. Ele relaciona a dignidade da legislação e a dignidade humana,
de maneira relevante e explora como a legislação pode ser vista como uma instituição digna, capaz de promover a justiça e a
igualdade na sociedade. Ao examinar a dignidade da legislação, Waldron discute como a legislação pode ser elaborada e
interpretada garantindo proteção dos direitos e valores fundamentais, incluindo a dignidade humana. No H+, essas reflexões
do autor podem então ser aplicadas para analisar como a legislação abordaria relações com a dignidade humana. Sobre a
igualdade de acesso à tecnologias de aprimoramento, a proteção dos direitos e da identidade de pessoas aprimoradas, a
prevenção de discriminação e desigualdade resultantes no primeiro momento H+, pré-neohumanidade. A discussão sobre a
dignidade da legislação também está intrinsecamente ligada à proteção dos direitos humanos. A legislação desempenha papel
fundamental para segurança jurídica, desde a criação à aplicação legal, abordando questões como liberdade, privacidade,
integridade física e mental, igualdade de oportunidades e a não discriminação. No H+, a legislação deve reconstruir
segurança jurídica e encarar dilemas éticos de proteção dos direitos humanos em um cenário de constante aprimoramento.
Assim, a relação entre dignidade da legislação e dignidade humana no H+ é crucial e as reflexões de Waldron fornecem
ideias sobre como pode ser elaborada e interpretada uma legislação revolucionária H+. As obras de Waldron exploram a
importância da legislação, sua dignidade e debates em torno do papel do poder judiciário na revisão judicial. No desenvolvimento
H+, esses debates podem se estender inicialmente a questões regulatórias das IA e biotecnologias, fundamentais aos ideais
H+, vez que este levanta questões sobre a necessidade de regulamentação e controle, incluindo a nanotecnologia e outras
áreas de pesquisa, que também têm o potencial de transformar a natureza humana e a sociedade como um todo. Waldron
(2003) aborda a importância da legislação como um instrumento fundamental para a organização da sociedade - dos direitos
individuais e coletivos, a promoção do bem comum. Destacam-se a dignidade da legislação e a necessidade de processos
legislativos robustos e democráticos para tomar decisões políticas e normativas que afetam a sociedade como um todo. Nesse
sentido Waldron estaria incorreto sobre a necessidade de pelo menos um juiz. O litígio é um paradigma que depende de
diferenças não solutivas entre mentes desconectadas. || Mentes conectadas solucionam mais rapidamente diferenças pelo
fortalecimento inevitável do sentimento empático. Surgem adicionais no H+, como privacidade e responsabilidade legal na
fusão AIGs GIBs, limites éticos da modificação genética humana e outros. Por esses fatores, debates em torno do papel do
poder judiciário na revisão judicial também são relevantes. Legalidade e a constitucionalidade do H+ emergem e é importante
refletir sobre o papel do poder judiciário na tomada de decisões que afetam desenvolvimento e regulamentação.
12 (15)
A Figura 1 permite localizarmos resumidamente o desdobramento dos processos de
intensificação comunicacional em cinco períodos: Antiguidade, Idade Média, Modernismo,
Pós-Modernismo e H+. Percebe-se que o auge comunicacional encontra lugar, então estável,
na 2ª fase H+, a da Neohumanidade. A Esfera Privada43 se fragiliza e se rarefaz a partir do
Modernismo, de forma intensificada no Pós-Modernismo, esfacelando-se mesmo em meio a
embates de poder44 e privacidade, durante consolidação Neohumana, por sua aceitação geral.
Já o capitalismo desenvolve-se acentuadamente após a Reforma Protestante e a
Revolução Industrial, mas encontra crise na eminência da ruptura do período H+, para
descontextualização total rapidamente45 na 2ª fase H+, a neohumanista.
Sobre o Direito, a Figura 1 apresenta intensificações de positivação durante os séculos
do Império Romano, certa estabilidade na Idade das Trevas por conta do controle predominante
da Igreja Católica - que retém a maior parte do saber - e das monarquias totalitaristas. O
código avança e se consolida pós renascimento quando do início da padronização industrial
com significativa participação do longo desenvolvimento dos direitos de propriedade
intelectual, da dicotomia de patentes industriais e direitos do autor, prenunciando convenções
que culminam, apesar das guerras mundiais, na criação da ONU, de cortes internacionais e de
dezenas de outros mecanismos que denotam o fortalecimento dos Estados de Direito baseados

43 Na era pré-histórica, sociedades humanas eram caracterizadas por uma organização mais tribal ou comunitária. A vida devia
ocorrer em grupos familiares ou comunidades maiores. Construções habitacionais eram frequentemente simples, como cabanas
ou tendas. Dessa forma, muitos autores consideram uma inexistência de Esfera Privada pois, segundo eles, não havia uma
separação física estrita entre a esfera pública e privada. Considera-se também a vida pelo mito, pelo grupo, pela sobrevivência, a
obediência ao chefe de família - quase como um “alfa” no grupo, entre outros fatores. Particularmente, discordo como
pesquisador. O conceito de esfera privada ressoa ainda mais amplo. Há certa prepotência em desconsiderar que segredos
humanos individuais, por exemplo, não ocorriam na pré-história ou que eles não pertenceriam já a um hall de significação da
esfera privada do sujeito pré-histórico, certamente possuidor de ego, que segue atrelado ao próprio instinto de sobrevivência.
Supôe-se uma crescente dessa esfera privada com a agricultura, com a propriedade privada, como exemplos, que indicariam
também um desdobramento desse algo bem anterior, até a “complexidade” do conceito em nossos dias, entretanto, não há aqui uma
visão evolucionista, mas tão somente uma concatenação de percepções permitida pelo próprio registro histórico. Essa
complexidade hodierna da esfera privada é percebida em Roudinesco (2000), que aborda um esvaziamento do sujeito, que perde
o desejo. Certa individualidade esfacela a identidade, o que ressoa intrinsicamente interligado ao conceito de morte da aura em
Benjamin: “Assim, a era da individualidade substituiu a da subjetividade, dando a si mesmo a ilusão de uma liberdade irrestrita,
de uma independência sem desejo e de uma historicidade sem história, o homem de hoje transformou-se no contrário de um
sujeito.” (Roudinesco, 2000, p. 152) “(…) o inconciente já não é um automatismo, nem um subconsciente, nem uma mitologia
cerebral articulada a um modelo neurofisiológico: é um lugar desligado da consciência, povoado por imagens e paixões e
perpassado por discordâncias. De fato, o inconsciente freudiano é um inconsciente psíquico, dinâmico e afetivo, organizado
em diversas instâncias (o eu, o isso e o supereu).” (Roudinesco, 2000, p. 68) Nesse sentido, há desordens e antagonismos pós-
modernos, esquizofrenias socialmente aceitas pois, concomitantemente, cresce e se rompe a esfera privada: compartilha-se,
por exemplo, publicamente todo um simulacro da history line da vida, mas afirma-se defender a preservação de dados sensíveis.
44 Ely discute relações centrais entre democracia e desconfiança, abordando como esta é inerente e pode moldar instituições

democráticas. [ELY, J. H. Democracy and Distrust: A theory of Judicial Review. Longon: Harvard University Press, 1980.]
Na necessidade do avanço ético e responsável H+, desconfiança pode influenciar como legislação se desenvolve, ao
influenciar o desenho de mecanismos de controle e equilíbrio, bem como a divisão de poderes, tendo assim implicações
significativas para decisões políticas, formulação de leis e regulamentações, que surgem de preocupações sobre segurança,
privacidade, igualdade e impactos negativos na sociedade. Deve-se garantir participação pública, transparência e prestação de
contas na formulação de políticas e legislações relacionadas ao H+. Hart aponta que desconfiança também pode ser prejudicial se
não gerenciada. O direito constrói confiança em instituições democráticas pela legislação, fornecendo procedimentos e normas
decisões mais justas, inclusivas e legítimas, mas surgem desacordos entre diferentes atores sociais, que representam dilemas
abordados por Hart e Waldron - este aborda a relação entre direito e desacordos pelas divergências de valores, crenças e
interesses, garantindo coexistência pacífica e justiça social [WALDRON, J. Law and Disagreement. Clarendon Press. Oxford
University Press: New York, 1999.]. No H+, perspectivas distintas sobre aprimoramento humano, ética e limites da
intervenção tecnológica exigem equilíbrio das diferentes visões por uma tolerância zarkiniana, garantindo justiça e proteção
dos direitos fundamentais, remetendo ainda a virtudes homéricas, como coragem, justiça, sabedoria prática e excelência.
45 Atenção à Singularidade Tecnológica: ideia de que o avanço, em particular na IA aliada à computação quântica, pode

promover rápida e disruptiva transformação, mudando profunda e potencialmente a sociedade, que necessita regulações
antecipadas a esse processo, para garantir segurança e bem-estar dos indivíduos, em tempo frente aos riscos.
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todos em códigos legais e na burocracia inflacionários - ordem concomitante com o avanço
desenfreado do capitalismo e do liberalismo econômico em âmbito global.
O tempo presente já repleto de IA cognitiva, demarcado com X na Figura 1, faz-nos
perceber a aproximação da AGI e, talvez em curto ou acelerado período de tempo, a fluidez
das tecnologias H+. Período que poderá trazer consigo intenso atrito de ideais,
experimentações iniciais de interação e desdobramentos jurídicos, institucionais e
governamentais na tentativa de manterem seu posicionamento e poder. 46 Porém, face à
comunicação total eminente, devidamente criptoprotegida de controle mal-intencionado, uma
rápida subversão de paradigmas faz com que morte, egoísmo e segredos percam o sentido de
serem como eram antes da intercomunicação, acarretando em nova configuração social.
A ressignificação de paradigmas na neohumanidade implica uma mudança profunda
na forma como as leis são concebidas e aplicadas, como o H+ desafia os limites tradicionais
da condição humana, introduzindo tecnologias avançadas que podem expandir as capacidades
humanas, eliminar a mortalidade física e criar uma nova forma de humanidade 47 , a
46 Deprende-se que esse poderá ser um atritante momento de intensas tentativas de argumentações legislativas para lidar com
avanços comunicacionais totalizantes. Atienza pode fornecer ideias sobre como essa argumentação legislativa é elaborada,
justificada e interpretada, especialmente em relação a questões tecnológicas e científicas de natureza complexa, multifacetada
e disruptiva. A relação entre legislação e argumentação legislativa no contexto H+ é essencial para compreender como leis
poderão ser reformuladas, reinterpretadas e justificadas, seja por adeptos ao H+, por contrários a mudança da natureza
humana ou por interessados na manutenção do segredo e de seu próprio poder. Atienza explora fundamentos teóricos e
práticos da elaboração de leis, analisando diferentes métodos e abordagens ainda utilizados pelos legisladores para justificar e
sustentar decisões fornecendo base racional e coerente para a legislação, dentro de princípios éticos, políticos e sociais. Esse
período conturbado H+ deve levantar preocupações sobre responsabilidade legal, talvez liberdade de escolha, privacidade
assistida por cryptografia, discriminação algorítmica, cibersegurança contra ataques cibernéticos, invasões para manipulação
de dados e controle. Deve impactar mais profundamente no mercado de trabalho, encontrar oposição ética relacionada à
integridade corporal por intervenções H+ cérebro-IA, questionamentos sobre intimidade mental - especialmente considerando
as capacidades futuras de coleta e processamento de dados por meio de implantes e interfaces cerebrais - e autonomia
individual. A argumentação legislativa pode então ser um instrumento de todas as partes no embate, fornecendo processos
estruturados para a deliberação e tomada de decisões legislativas que poderão definir o rumo H+. Identificar e analisar suas
problemáticas antecipamente, pontos de vista e interesses, considerando evidências científicas e empíricas relevantes, é
pressuposto para a busca da justificação moral e legal para legislação proposta que não disvirtue a natureza empática geral e
possível quando na neohumanidade em função de interesses de manutenção da dominação e exploração do outro. Dessarte
que, de maneira similar à regulação da internet e das cryptomoedas em nossos dias, haverá legislação flexível e adaptável,
capaz de acompanhar avanços tecnológicos e científicos, ao mesmo tempo em que protege e acompanha direitos individuais
que se transformam em novas historicidades, com transparência e participação pública no processo legislativo, garantindo
decisões democráticas e responsáveis. Transformações legislativas na 1ª fase H+ poderão atender, em certa medida, novos
sujeitos de direitos - dignidade e proteção legal a: entidades híbridas: seres resultantes de fusão biotecnológica, interfaces
cerebrais avançadas interconetadas com AIGs incluindo organóides; seres biológicos melhorados: pessoas submetidas a
aprimoramentos tecnológicos, genéticos, implantes cibernéticos ou modificações corporais avançadas; IAs sencientes;
neurodireito: desenvolvimento de interfaces cérebro-máquina e neurotecnologias autonomas e livres; direitos reprodutivos e
genéticos: de seleção genética, edição de genes, criação de bebês projetados, nanotecnosimbiose, igualdade genética e
proteção contra discriminação baseada em características genéticas ou tecnológicas; direitos da vida aumentada: melhorias
nas capacidades cognitivas e sensoriais de animais, bem-estar nas interrelações, plantas biotecnologicamente assistenciadas,
responsabilidade intergeneracional etc. Mas quem supervisiona e regula? Surgem mais questões: Como garantir que as
melhorias não violem os direitos humanos básicos e respeitem a dignidade intrínseca de cada indivíduo? Como garantir que
se respeite e valorize diferentes formas de expressão e crenças culturais? Como preservar singularidade, diversidade e
identidade culturais? Qual o impacto nas interações sociais e nas relações humanas? O que ocorre com a Propriedade
Intelectual, Patentes, Direitos Autorais? Questões relacionadas à empatia, intimidade, confiança e conexões emocionais
surgem nesse contexto, mas a 1ª fase H+ pode romper e intensificar preconceitos e discriminações. Deve-se evitar a
perpetuação de intolerâncias baseadas em gênero, raça, classe social e aprimoramento tecnológico desconstruindo a Ética da
Desigualdade. Quem tem direito à busca da imortalidade e ao prolongamento da vida? Isso tudo envolve educar as pessoas
sobre riscos, benefícios e consequências das intervenções assegurando que elas tenham a capacidade de fazer escolhas
informadas sobre seus corpos, interações públicas e melhorias sustentáveis sem coerção ou pressão social.
47 Talvez não mais humano, ou seja, seria o fim do ser humano por meio da transparadigmação e da ampliação do conceito de

humanidade: a neohumanidade. Hegel argumenta que o objetivo final do espírito humano é alcançar um estado de liberdade e
autoconsciência plena, onde os indivíduos estão conscientes de sua própria essência e vivem em harmonia com as estruturas sociais
e instituições que os cercam. Esse estado final seria conhecido como "Espírito Absoluto" ou "Reino da Liberdade"; porém,
podemos avaliar que essa consciência total harmonizante implicaria no rompimento do próprio conceito do ego no espírito
humano. O neo humanismo tende, dessarte, a um estado de consciência geral que abandona automaticamente a dependência
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preconização de argumentação legislativa se torna essencial já em nossos dias para garantir
que as leis sejam mais adequadas, coerentes e respeitem princípios éticos e valores
fundamentais da sociedade, com a atenção de que até mesmo tais princípios e valores podem
se transsignificar na comunicação total. Legisladores enfrentam dilemas éticos relacionados a
aproximação das tecnologias H+, deve-se considerar cuidadosamente seus impactos na vida
humana, na igualdade, na liberdade e na justiça, buscar diálogo e debate público para
construir argumentos sólidos que justifiquem leis para esse novo contexto. Doutrinadores e
legisladores devem justificar e fundamentar leis48 que abordem questões como direitos de IAs
sencientes, modificação genética humana, fusão49 cérebro-IAs, entre outros temas relevantes
para a sociedade neohumana. Se o atraso legislativo nos casos da internet e dos cryptoativos
decentralizados acarretam inúmeras problemáticas em nossos dias, deve-se imaginar a
dimensão do sofrimento humano caso atrasemos a legislação referente às AIGs no atual
momento, ao H+ no processo decorrente e, finalmente, à neohumanidade.
Há relação entre os níveis de racionalidade na argumentação legislativa de Atienza (2022.
pg. 27) e o H+. Em partes, essa relação reside na necessidade de pesquisadores e doutrinadores já
repensarem e readaptarem processos de criação e fundamentação de leis diante de desafios H+. A
argumentação legislativa pode se tornar uma ferramenta referencial para moldar e orientar a criação
das leis de forma responsável, promovendo bem-estar e proteção dos direitos individuais e
coletivos na sociedade neohumana. A racionalidade jurídico formal atienziana trata justamente
da inserção harmoniosa das leis nos contextos dos sistemas jurídicos, devendo alcançar os fins
almejados, a racionalidade teleológica. Certamente não faz sentido ignorarmos processos rupturais
relativos aos costumes, cultura, natureza humana, aplicando de forma extremista a ideia da
racionalidade pragmática, vez que isso poderia vir a representar imposições ditatoriais que
não refletem mais uma historicidade. Fato é que, lenta ou rapidamente, a sociedade muda, sua
ética muda! O que implica extrema atenção também aos pilares da racionalidade ética.

humana em relação ao significado de paradigmas bio limitantes. Se meu estado de consciente concomitantemente se gera em mim
como indivíduo e no todo junto a uma AGI, já não faz sentido tampouco o limite da morte; ganha força, em lugar da limitação
cíclica do curto tempo de vida, uma era de descoberta, absoluta e de liberdade, de anexação intelectiva e expansão biotecnocósmica.
48 A argumentação legislativa, abordada por Atienza, trata dos processos de justificação e fundamentação das leis. Explora como

legisladores devem apresentar argumentos sólidos e coerentes para criação e modificação de normas jurídicas. [ATIENZA, M.
Argumentação Legislativa. Trad. Diágenes Moura Breda. São Paulo: Contracorrente, 2022]. É relevante compreender como a
legislação pode ser adaptada e reformulada no H+, visto que paradigmas resignificados neohumanos, implicam reavaliação
de fundamentos e objetivos da própria legislação. Já a discussão de Waldron sobre a oposição ao judicial pode ser relacionada ao
H+ no sentido de considerar limites e responsabilidades do poder judiciário diante das questões levantadas por essa abordagem
tecnológica. Se são desafiadas concepções tradicionais de humanidade, esse poder desempenha papel crucial na reinterpretação
conceitual da legislação. A oposição ao judicial waldroniana questiona poder e legitimidade do judiciário na revisão de
decisões legislativas. Ele argumenta que é importante preservar a democracia e a participação popular no processo legislativo,
limitando o poder judicial de substituir as escolhas políticas feitas pelos legisladores. No H+, esses argumentos ganham
relevância, vez que a regulamentação e a legislação relacionadas às tecnologias H+ têm implicações expressivas na sociedade.
Questões como modificação genética, uso de IA avançada e a integração entre humanos e máquinas podem exigir decisões e
regulamentações que afetam a vida de indivíduos e a estrutura social. Por um lado, é importante que os tribunais exerçam sua
função de interpretação da legislação e garantam a proteção dos direitos individuais e coletivos em relação ao H+. Por outro,
é necessário considerar limites democráticos e a necessidade de participação popular: a legislação deve ser debatida e
formulada de forma aberta e inclusiva, envolvendo diversos atores sociais e considerando valores e interesses da sociedade.
49 A fusão entre chips e células neuronais possibilita avanços em IAs e integração entre AIGs e GIBs: Research to merge human

brain cells with AI secures national defence funding [https://www.monash.edu/turner-institute/news-and-events/latest-


news/2023-articles/research-to-merge-human-brain-cells-with-ai-secures-national-defence-funding#:~:text=Monash%20Univ
ersity%2Dled%20research%20into,Security%20Discovery%20Research%20Grants%20Program].
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Finalizando, conclui-se que discussões filósoficas sobre a legislação necessitam
urgentemente considerar mais que meros casos concretos. É preciso que doutrinadores,
pesquisadores e legisladores tenham um olhar mais amplo sobre fenômenos atuais, eminentes,
conseguintes e pertencentes a futuros que, num primeiro olhar, parecem distantes e utópicos.
Afinal, não temos um velocímetro para acontecimentos tecnológicos e são recorrentes atrasos
no processo reflexivo na área do Direito, os quais acarretam insegurança jurídica e
imensuráveis danos aos sujeitos da sociedade, participantes na prática das transformações - de
fatos sociais, de paradigmas, de contextos ocorrentes que permitam aplicação da lei, sua
eficácia em prol controle das irregularidades e preservação dos Direitos.

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