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ANÁLISE DO DECAIMENTO DE PATÓGENOS ORIGINÁRIOS DE

CONTAMINAÇÃO FECAL EM CORPOS D’ÁGUA FLUVIAIS: UM ESTUDO


DE CASO DA BACIA DO RIO PAVUNA-MERITI

Rodrigo Hoerner Morais Marques

Projeto de Graduação apresentado ao Curso


de Engenharia Ambiental da Escola
Politécnica, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários
à obtenção do título de Engenheiro.

Orientador:

Osvaldo Moura Rezende

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2022
ANÁLISE DO DECAIMENTO DE PATÓGENOS ORIGINÁRIOS DE
CONTAMINAÇÃO FECAL EM CORPOS D’ÁGUA FLUVIAIS: UM ESTUDO DE
CASO DA BACIA DO RIO PAVUNA-MERITI

Rodrigo Hoerner Morais Marques

PROJETO DE GRADUAÇÃO SUMETIDO AO CORPO DOCENTE DO CURSO DE


ENGENHARIA AMBIENTAL DA ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS
PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE ENGENHEIRO AMBIENTAL.

Examinado por:

_____________________________________________________

Prof. Osvaldo Moura Rezende, D.Sc.

_____________________________________________________

Prof. Iene Christie Figueiredo, D.Sc.

_____________________________________________________

Dr. Carina Stefoni Böck, D.Sc.

RIO DE JANEIRO, RJ – BRASIL

Fevereiro de 2022

1
Resumo do projeto de graduação apresentado à Escola Politécnica/UFRJ como parte dos
requisitos necessários para a obtenção do grau de Engenheiro Ambiental.

ANÁLISE DO DECAIMENTO DE PATÓGENOS ORIGINÁRIOS DE


CONTAMINAÇÃO FECAL EM CORPOS D’ÁGUA FLUVIAIS: UM ESTUDO DE
CASO DA BACIA DO RIO PAVUNA-MERITI

Rodrigo Hoerner Morais Marques

Fevereiro/2022

Orientador: Osvaldo Moura Rezende

O entendimento de como a malha fluvial de uma bacia hidrográfica carente de


infraestrutura de esgotamento pode servir como mecanismo de transporte para organismos
com potencial patogênico é crucial para o processo de tomada de decisão quanto a
investimentos em infraestrutura e resposta. No caso do SARS-CoV-2, que até agora não se
mostrou capaz de transmitir infecção por via aquática, sua identificação visa prover
subsídios a políticas de saúde pública, através do monitoramento baseado na epidemiologia
do esgoto (WBE). Para alcançar tais objetivos para a bacia do Pavuna-Meriti, foi construído
um modelo de decaimento de patógenos unidimensional, a fim de aplicar uma metodologia
relativamente simples e replicável para esse tipo de estudo. Os resultados obtidos a partir da
simulação de coliformes retornam valores acima da concentração permitida para a classe de
corpo hídrico menos restritiva na maioria dos pontos a jusante dos lançamentos de esgotos.
Esse resultado evidencia a grave realidade da bacia em relação a contaminação fecal, o que
pode colocar em risco a população residente em localidades vulneráveis. Os resultados
oriundos da simulação de SARS-CoV-2 indicam a inviabilidade da aplicação de
monitoramento deste organismo na bacia, já que as concentrações reportadas em regiões de
interesse foram menores do que a concentração limite de identificação teste de identificação
padrão. Esse resultado indica a necessidade de um sistema de esgotamento sanitário
adequado para a implementação de sistemas de WBE.

Palavras-Chave: Contaminação fecal, Modelagem ambiental, Coliformes, SARS-CoV-2,


bacia hidrográfica, esgotos não tratados.

2
Abstract of project presented to the Polytechnic School/UFRJ as part of the necessary
requirements to obtain the degree of Environmental Engineer.

ANALYSIS OF FECAL CONTAMINATION ORIGINATED PATHOGEN DECAY: A


CASE STUDY OF THE PAVUNA-MERITI RIVER BASIN

Rodrigo Hoerner Morais Marques

February/2022

Advisor: Osvaldo Moura Rezende

Understanding how the river network of a hydrographic basin lacking sewage infrastructure
can serve as a transport mechanism for organisms with pathogenic potential is crucial for
the decision-making process regarding investments in infrastructure and response. In the
case of SARS-CoV-2, which so far has not shown potential to transmit infection by water,
its identification aims to provide subsidies to public health policies, through monitoring
based on wastewater-based epidemiology (WBE). To achieve these objectives for the
Pavuna-Meriti basin, a one-dimensional pathogen decay model was assembled in order to
apply a relatively simple and replicable methodology for this type of study. The results
obtained from the simulation of coliforms return values above the permitted concentration
for the less restrictive water body class in all points downstream of sewage releases. This
result shows the severe reality of the basin in relation to fecal contamination, which may
put at risk the population living in vulnerable localities. The results from the SARS-CoV-2
simulation indicate the unfeasibility of monitoring this organism in the basin, since the
concentrations reported in regions of interest were lower than the minimum required
concentration for the standard identification test. This result indicates the need for an
adequate sewage system for the implementation of WBE systems.

Keywords: Fecal contamination, Environmental modeling, Coliforms, SARS-CoV-2, river


basin, untreated sewage.

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Sumário
Lista de Figuras ...................................................................................................................... 6

Lista de Tabelas ...................................................................................................................... 9

1. Introdução...................................................................................................................... 10

1.1. Objetivos.................................................................................................................... 11

1.2. Metodologia ................................................................ Erro! Indicador não definido.

2. Revisão bibliográfica..................................................................................................... 14

2.1. Modelagem da qualidade da água em rios: organismos patogênicos. ....................... 14

2.1.1. Modelagem de coliformes em cursos d’água ........................................................ 15

2.2. SARS-CoV-2 ............................................................................................................. 17

2.2.1. Visão geral e mecanismos de contaminação .......................................................... 18

2.2.2. Presença de SARS-CoV-2 nos esgotos e aplicações de WBE............................... 20

2.2.3. Decaimento de SARS-CoV-2 em águas residuárias. ............................................. 23

3. Metodologia Aplicada ................................................................................................... 26

3.1. Caracterização da bacia de estudo ............................................................................. 26

3.1.1. Aspectos físicos ..................................................................................................... 26

3.1.2. Saneamento ............................................................................................................ 29

3.1.3. Aspectos Socioeconômicos.................................................................................... 31

3.2. Dados de entrada ....................................................................................................... 35

3.2.1. Aporte de Esgotos não tratados.............................................................................. 35

3.2.2. Quantificação da população em relação ao saneamento ........................................ 36

3.2.3. Definição dos pontos de lançamento ..................................................................... 39

3.2.4. Dados de infectados: COVID-19 ........................................................................... 43

3.2.5. Dados hidrodinâmicos ........................................................................................... 45

4
3.3. Construção da grade .................................................................................................. 48

3.4. Metodologia de cálculo ............................................................................................. 52

3.4.1. Decaimento no trecho ............................................................................................ 52

3.4.2. Vazões .................................................................................................................... 53

3.4.3. Carga de patógenos ................................................................................................ 55

3.4.3.1. Aporte de Coliformes ......................................................................................... 55

3.4.3.2. Aporte de SARS-CoV-2 ..................................................................................... 56

3.4.3.3. Carga a montante e jusante................................................................................. 57

3.4.4. Concentração ......................................................................................................... 58

3.4.5. Calibração .............................................................................................................. 59

4. Cenários simulados e resultados ................................................................................... 63

4.1. Contaminação fecal - Coliformes .............................................................................. 63

4.2. SARS-CoV-2 ............................................................................................................. 70

5. Conclusões .................................................................................................................... 88

6. Referências Bibliográficas ............................................................................................ 90

5
Lista de Figuras

Figura 8 Concentrações virais no esgoto de Niterói sobrepostas aos registros de casos e


óbitos relacionados ao covid-19. Fonte: Prado et al.,2021. .................................................. 22

Figura 1: Hidrografia da bacia do Pavuna-Meriti ................................................................. 27

Figura 2: Tipos de cobertura de solo na bacia do Pavuna-Meriti. Elaboração própria, fonte


dos dados:IPP (2017) ............................................................................................................ 28

Figura 3: Locais com risco de eventos de inundação CPRM (2017). .................................. 29

Figura 4: Sistemas de Esgotamento Sanitários presentes na bacia. Elaboração própria, fonte


dos dados: INEA................................................................................................................... 30

Figura 5: Espacialização da renda média por habitante por mês acima de 10 anos de idade
na bacia do Pavuna-Meriti. Elaboração própria, fonte dos dados: IBGE (2010) ................. 32

Figura 6 Regiões de comunidades na bacia. Elaboração Própria. Fonte dos dados: IBGE
(2010) ................................................................................................................................... 33

Figura 7 Regiões de comunidade em áreas sujeitas a inundações. Elaboração Própria, fonte


dos dados: IBGE (2010), CPRM (2017). ............................................................................. 34

Figura 9: Setores censitários na bacia do Pavuna-Meriti. Elaboração Própria, fonte dos


dados: IBGE (2010) .............................................................................................................. 36

Figura 10: Setores censitários com serviço de esgotamento sanitário ................................. 37

Figura 11: Setores Censitários sem serviço de esgotamento sanitário ................................. 38

Figura 12: Centroides dos setores censitários sem esgotamento .......................................... 40

Figura 13: Centroides dos setores censitários com esgotamento ......................................... 40

Figura 14: Pontos de lançamento referentes aos setores sem esgotamento sanitário ........... 41

Figura 15: Pontos de lançamento referentes aos setores cem esgotamento sanitário........... 42

Figura 16: Vazões obtidas através do MODCEL ponto a ponto .......................................... 47

Figura 17: Sobreposição de todos os pontos de lançamento traçado dos percursos do esgoto.
.............................................................................................................................................. 49

6
Figura 18: Traçado completo dos percursos dos esgotos sanitários ..................................... 49

Figura 19: Pontos de Mistura estimados............................................................................... 50

Figura 20: Pontos da Grade .................................................................................................. 51

Figura 21: Aporte de esgotos por trecho .............................................................................. 64

Figura 22: Vazão de esgotos agregada a jusante por ponto de cálculo ................................ 65

Figura 23:Mapa esquemático da carga de coliformes por trecho ......................................... 66

Figura 24: Concentração de coliformes a jusante de cada trecho......................................... 67

Figura 25:gráfico de dispersão dos resultados de concentração de coliformes, em cópias/L..


Elaboração Própria ............................................................................................................... 68

Figura 26: Demonstrativo de pontos acima do padrão de coliformes .................................. 69

Figura 27: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Janeiro ....................................................... 72

Figura 28: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Fevereiro ................................................... 72

Figura 29: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Março ........................................................ 73

Figura 30: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Abril ......................................................... 73

Figura 31: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Maio .......................................................... 74

Figura 32: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Junho ........................................................ 74

Figura 33: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Julho ......................................................... 75

Figura 34: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Agosto ....................................................... 75

Figura 35: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Setembro ................................................... 76

Figura 36: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Outubro .................................................... 76

Figura 37: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Novembro ................................................ 77

Figura 38: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Dezembro ................................................. 77

Figura 39: Intervalos dos resultados de concentração de SARS-CoV-2 em cópias/L para


pontos com vazão de esgotos acima de 0,19m³/s ................................................................. 79

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Figura 40: Intervalos dos resultados de concentração de SARS-CoV-2 em cópias/L para
pontos com vazão de esgotos acima de 1m³/s ...................................................................... 80

Figura 41: Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de janeiro 82

Figura 42: Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de fevereiro
.............................................................................................................................................. 82

Figura 43: Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de março 83

Figura 44: Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de abril ... 83

Figura 45:: Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de maio . 84

Figura 46: Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de junho . 84

Figura 47: Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de julho .. 85

Figura 48: Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de agosto 85

Figura 49: Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de setembro
.............................................................................................................................................. 86

Figura 50: Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de otubro 86

Figura 51: : Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de


novembro .............................................................................................................................. 87

Figura 52: Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de


dezembro .............................................................................................................................. 87

8
Lista de Tabelas

Tabela 1 Parâmetros de desinfecção de SARS-CoV-2 e MS2 em água de rio e água do mar


.............................................................................................................................................. 24

Tabela 2: Resultados para o coeficiente de decaimento de SARS-CoV-2 em águas


residuárias não tratadas. Fonte: Adaptado de Ahmed et al. (2020) ...................................... 25

Tabela 3: Variação de Kb em função da temperatura. Fonte: Adaptado de Ahmed et al.


(2020) ................................................................................................................................... 25

Tabela 4 Total de casos reportados e população infectada efetiva para o dia 27 de cada mês
de 2021 ................................................................................................................................. 44

Tabela 5: Dados de vazão referentes à série histórica disponível para as estações na bacia
do Pavuna-Meriti. Fonte: Elaboração própria, dados do HIDROWEB, ANA (2018) ......... 46

Tabela 6: Valores de Temperatura e Kb para cada mês simulado ........................................ 53

Tabela 7: Valores amostrados para concentração de coliformes no ponto de calibração .... 62

Tabela 8: Resumo de dados de entrada para simulação de coliformes ................................ 64

Tabela 9: Limites de Coliformes Termotolerantes de acordo com a classe de


enquadramento para água doce............................................................................................. 68

Tabela 10: Resultados mês a mês para a carga de SARS-CoV-2 no exutório ..................... 71

Tabela 11: Resumo dos resultados das análises de correlação entre os resultados de
concentração e o número de emissores ativos. ..................................................................... 78

9
1. Introdução

Sistemas fluviais podem ser considerados mecanismos de transporte e disseminação de


patógenos. Essa característica ocorre em função da presença de diversos microrganismos
nos sistemas fluviais, muitos de origem humana, oriundos principalmente da contaminação
fecal nos corpos d’água. Esse potencial pode ser agravado se considerada a condição
inadequada dos sistemas de saneamento ambiental, com interações não programadas entre
as redes de manejo de águas pluviais urbanas e de coleta de esgotamento sanitário,
principalmente em países periféricos.

A bacia do rio Pavuna-Meriti é um exemplo desta situação, desprovida de serviços


adequados de coleta e tratamento dos esgotos sanitários, ainda sofre com frequentes
eventos de alagamento e inundações, que fazem com que a população local entre em
contato com águas potencialmente contaminadas. Tendo em vista esse cenário, o
entendimento de como o sistema de drenagem em suas atuais condições pode servir como
mecanismo de transporte para organismos com potencial patogênico é crucial para o
processo de tomada de decisão quanto a investimentos em infraestrutura e resposta, caso
haja organismos que tenham o meio aquático como uma via de contaminação.

No caso do SARS-CoV-2, agente causador da pandemia de Covid-19, que não é capaz de


transmitir infecção por via aquática, o entendimento de sua presença em corpos fluviais e
no esgoto sanitário pode ser de grande valia como dado de monitoramento da infecção em
determinada população. Assim, o entendimento da presença desse tipo de organismo visa
prover subsídios a políticas de saúde pública, através do monitoramento epidemiológico
baseado em esgotos sanitários (WBE - wastewater-based epidemiology).

A epidemiologia do esgoto é uma metodologia largamente empregada e testada. Sua


utilização na quantificação de moléculas de drogas ilícitas, seus metabólitos e adulterantes
tem permitido estimar o consumo comunitário de uma variedade de substâncias, de forma
empírica, não invasiva e em tempo quase-real. (HASAM, S. W. et al., 2020) Sua aplicação
para o monitoramento de SARS-CoV-2 pode colaborar com dados oriundos do sistema de
saúde no dimensionamento do alcance da doença. Além disso, pode ajudar a combater a
subnotificação de casos, já que, enquanto nem todas os infectados são contabilizados pelo
sistema público de saúde, todas as pessoas geram esgotos diariamente. Além disso, esse

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tipo de monitoramento tende a ser mais barato, menos invasivo e requer uma logística mais
aplicável a largas escalas, podendo também não apenas quantificar, mas espacializar o
número de casos.

Dessa forma, a estimativa da presença dos patógenos estudados por esse trabalho ao longo
da bacia do Rio Pavuna-Meriti visa obter resultados através de metodologias simples e
replicáveis que possam servir de auxílio a tomada de decisão para políticas de saúde
pública e também de investimentos de saneamento ambiental.

Este trabalho se desenvolve em decorrência da determinação do aporte da carga de SARS-


CoV-2 para a modelagem de transporte e dispersão do patógeno na baía de Guanabara em
estudo realizado no Laboratório de Modelos Computacionais em Engenharia
(LAMCE/COPPE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Além disso, foi realizado
como motivação os diversos sistemas de monitoramento de SARS-CoV-2 nos esgotos
implantados ao redor do Brasil, em especial aqueles com participação da UFRJ: Monitora
Corona e Rede Covid, projetos que, ao longo de um período socialmente crítico, se
esforçaram para implementar estratégias de WBE aplicados à covid-19 de forma a
contribuir com o monitoramento da pandemia no Rio de Janeiro.

1.1. Objetivos

Esse trabalho tem como objetivos gerais o estudo do sistema fluvial da bacia do complexo
Pavuna-Meriti como meio de transporte de organismos patogênicos oriundos de
contaminação fecal aportada no sistema por esgotos não tratados. Essa análise será feita a
partir de dois focos específicos. O primeiro será o potencial destes corpos hídricos como
transportadores de organismos com potencial patogênico. Esse potencial será investigado
principalmente através de organismos indicadores de contaminação fecal. A outra
abordagem será no sentido de analisar o potencial dos rios contidos na bacia como
indicadores de saúde, sob a ótica de epidemiologia baseada em águas residuárias (WBE).
Essa abordagem será direcionada para o estudo de caso de SARS-CoV-2, um organismo
que não apresenta potencial de contaminação conhecido por corpos d’água, mas que vem
11
sendo alvo de estudos de monitoramento com base nos esgotos com resultados promissores,
inclusive em localidades próximas à bacia estudada.

A partir dos objetivos gerais propostos, pode-se definir os seguintes objetivos específicos
do trabalho:

 Analisar o estado da arte do monitoramento epidemiológico baseado em águas


residuárias para o SARS-CoV-2;
 Apresentar a bacia do Pavuna-Meriti e entender os potenciais desse sistema para
transporte e monitoramento de patógenos;
 Definir uma metodologia para modelagem 1D do transporte de patógenos na bacia
do rio Pavuna-Meriti;
 Aplicar o modelo apresentado para o SARS-CoV-2 e coliformes totais, para se obter
um resultado que explicite as cargas e concentrações dos organismos analisados ao
longo da bacia.
 Tecer um diagnóstico do potencial da bacia tanto para o transporte de organismos
patogênicos quanto para o monitoramento epidemiológico, a fim de servir como
apoio para políticas de saúde pública para a região.

1.2. Estruturação do trabalho

O procedimento foi baseado nas seguintes etapas:

1. Revisão bibliográfica do decaimento de SARS-CoV-2 em corpos d’água e do seu


monitoramento epidemiológico em águas residuárias.
2. Definição da bacia do rio Pavuna-Meriti como estudo de caso, com uma breve
apresentação sobre os aspectos socioeconômicos e morfológicos da bacia, além de uma
revisão sobre o atual cenário do saneamento ambiental nessas localidades.
3. Construção de uma grade 1D ao longo da hidrografia e definição dos pontos de
lançamento de esgotos não tratados na bacia, com auxílio do software QGIS.

12
4. Obtenção dos dados de entrada do modelo referentes à vazão e velocidade de
escoamento em cada trecho, a partir do software MODCEL.
5. Metodologia de cálculo para se obter os valores de vazão, carga de partículas e
concentração a montante e jusante de cada trecho.
6. Calibração e validação dos resultados com base em dados de monitoramentos de
qualidade de água de rios.
7. Interpretação dos resultados com base em WBE e análise de sensibilidade do modelo
apresentado.
8. Discussão e conclusão com base nos objetivos apresentados.

13
2. Revisão bibliográfica

Microrganismos estão naturalmente presentes nos cursos d’água e são fundamentais para as
dinâmicas biogeoquímicas e ecossistêmicas desse tipo de meio, por desempenharem
diversas funções regulatórias, relacionadas intimamente à transformação de matéria. O
próprio tratamento biológico de águas residuárias depende essencialmente da atuação de
microrganismos.

No entanto, outro aspecto relevante na relação entre microrganismos e corpos d’água é a


possibilidade da presença de agentes transmissores de doenças nesse tipo de meio. Esse
aspecto é especialmente relevante quando se trata de qualidade biológica de corpos d’água
e os potenciais usos antrópicos associados a rios e estuários.

O entendimento do comportamento desse tipo de organismo e como sua presença pode ser
simulada são a pergunta chave para a construção do modelo proposto pelo trabalho. A
partir disso, a temática acerca da interação desses organismos com o meio aquático, a
modelagem de sua presença em corpos d’água e as possíveis aplicações desse tipo de
estudo serão os assuntos centrais abordados na revisão bibliográfica.

2.1. Modelagem da qualidade da água em rios: organismos patogênicos.

A principal origem da presença de organismos patogênicos são os aportes de esgotos


sanitários nos corpos d’água (Von Sperling, 2018). A biota encontrada nos esgotos pode
variar entre saprófitas, comensais, simbiontes e parasitas, sendo que apenas este último
caso é capaz de transmitir doenças à seres humanos e animais (Von Sperling, 2014). Vírus,
protozoários, bactérias e helmintos são os principais grupos de interesse no tocante a saúde
pública e a sua identificação e quantificação em corpos d’água é de vital importância e
interesse tanto para as diretrizes da engenharia sanitária quanto para a gestão de serviços de
saúde (Von Sperling, 2014).

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No entanto, a presença desses organismos em corpos d’água pode ser de difícil detecção,
devido a sua reduzida concentração, principalmente após a diluição dos esgotos no corpo
hídrico. Assim, faz-se necessária a utilização de organismos indicadores de contaminação
fecal, geralmente associados às bactérias do grupo coliforme. As bactérias desse grupo são
os indicadores mais utilizados para contaminação fecal em corpos d’água por uma série de
fatores (Von Sperling, 2014), como:

 Resistência ligeiramente superior às bactérias patogênicas. Caso esse grupo de


organismos fosse extremamente mais resistente ou menos resistente em qualquer
grau do que as bactérias patogênicas, a associação entre a presença de organismos
dos dois grupos ficaria comprometida.
 Métodos de detecção rápidos e econômicos;
 Presença abundante nas fezes humanas, representando entre 1/3 e 1/5 do peso das
fezes de todos os seres humanos;
 Possuem mecanismos de remoção idênticos ou similares à maioria dos patógenos
transmissíveis por via aquática.

Sendo assim, a detecção e modelagem da presença de coliformes é o indicador principal da


contaminação fecal em corpos d’água. Por serem amplamente utilizados, inclusive pelo
monitoramento de qualidade dos rios no estado do Rio de Janeiro, serão usados também
nesse trabalho, como indicadores de contaminação fecal e como instrumento de calibração
do modelo.

2.1.1. Modelagem de coliformes em cursos d’água

Os coliformes são organismos que tem como condições ambientais ótimas aquelas do trato
intestinal do ser humano. Quando expostos a condições adversas, como as águas de um
Rio, tendem a diminuir em número. Esse fenômeno é caracterizado como decaimento. O
decaimento de coliformes e patógenos em geral pode ser aproximado por modelos

15
matemáticos, que visam representar a cinética do decaimento para cada tipo de organismo
(Von Sperling, 2014).

A cinética do decaimento bacteriano e de patógenos de forma geral geralmente é expressa


pela lei de Chick (Von Sperling, 2014), que indica que a taxa de mortalidade desses
organismos é diretamente proporcional à concentração de organismos no meio e
inversamente proporcional a um coeficiente de decaimento específico para cada organismo.
Essa lei pode ser expressa como a Equação 1.

= −K ∗ N (1)

Onde:

 N representa o número mais provável de coliformes.


 𝐊 𝐛 representa o coeficiente de decaimento, específico para cada tipo de organismo.
 t representa o tempo.

Essa equação pode ser integrada em relação ao tempo, levando a uma fórmula para a
concentração ou número de coliformes em função do tempo, representada pela Equação 2.

N = N ∗ e( ∗ ) (2)

Onde:

 N representa o número mais provável de coliformes.


 𝐍𝟎 representa o número inicial de coliformes.
 𝐊 𝐛 representa o coeficiente de decaimento, específico para cada tipo de organismo.
 t representa o tempo decorrido.

Sendo assim, o decaimento de coliformes em um curso d’água assume a forma de uma


função logarítmica com concavidade voltada para cima, tendo o tempo como variável
independente. Esse tipo de modelo de decaimento é o mais utilizado para decaimento de
patógenos de forma geral, sendo também o modelo utilizado para o decaimento de SARS-
CoV-2, tendo como variação para o modelo de coliformes apenas a constante de
decaimento do organismo.

16
A constante de decaimento para cada organismo, por sua vez, varia de acordo com uma
série de fatores, como turbulência do corpo d’água, incidência solar, e até mesmo a própria
concentração de organismos (Baldim, 2013; Von Sperling, 2014). No entanto, assume-se
que os valores da constante de decaimento dependam basicamente de dois fatores
principais: as condições bioquímicas do corpo d’água e a temperatura (Von Sperling,
2014). Normalmente, a determinação dos valores de K e sua variação com a temperatura é
feita empiricamente para cada organismo, a partir da testagem de amostras com
temperaturas e parâmetros de qualidade monitorados. Para o grupo dos coliformes, pode-se
expressar a relação de K com a temperatura a partir da a Equação 3 (Von Sperling, 2014):

K =K ∗ θ( )
(3)

Onde:

 𝐊 𝐛𝐓 representa o número mais provável de coliformes.


 𝐊 𝐛𝟐𝟎 representa o coeficiente de decaimento para 20°C.
 𝛉 representa o coeficiente de temperatura, valor que varia dependendo das
características do meio e do organismo.
 𝐓 representa a temperatura.

2.2. SARS-CoV-2

O SARS-CoV-2 é um vírus da família coronavírus, responsável pela doença COVID-19 e


pela pandemia mundial em 2020, 2021 e que perdura em 2022. Nas últimas duas décadas,
diversos novos coronavírus foram responsáveis por uma série de surtos de diferentes
escalas. O SARS-CoV-1, em 2003 e o MERS-CoV em 2012 foram responsáveis por
milhares de casos nas regiões atingidas, com taxas de mortalidade de 10% e 40%,
respectivamente (SILVERMAN, 2020).

O SARS-CoV-2 patógeno foi descoberto no final de 2019 por um cientista e médico em


Wuhan, na China. Sua transmissão começou a ser acompanhada no país, mas rapidamente

17
se espalhou pelo mundo e gerou uma crise de saúde mundial, com impactos sem
precedentes nas economias e nos sistemas de saúde ao redor do mundo. Os sintomas
clínicos mais comuns da síndrome respiratória aguda grave são tosse seca, febre, cansaço e
dores no corpo. Na data da redação desse texto, mundialmente já haviam sido registrados
aproximadamente 340 milhões de casos, com 5,6 milhões de óbitos. A região estudada não
se exclui desse cenário, de acordo com a base de dados da universidade John Hopkins
(2022), o Estado do Rio de Janeiro registrou, até o dia 24 de fevereiro de 2021, 1,989
milhões de casos, totalizando 71.659 óbitos (CSSE, 2022), o que representa mais de 1% da
população do estado.

2.2.1. Visão geral e mecanismos de contaminação

A forma predominante de contágio do coronavírus é de pessoa para pessoa, tendo seu


mecanismo primário de contaminação gotículas presentes no aparelho respiratório,
expelidas pela respiração, tosse ou espirros (XIAO, F. et al, 2020; SHUTLER, J. D. et al.,
2021). No entanto, o RNA viral pode ser excretando também por via fecal, e alguns
autores apresentam a possibilidade de partículas viáveis em águas residuárias.

Wong et al. (2020) relatam a observação de partículas infecciosas no trato intestinal de


pacientes que apresentaram sintomas como diarreia e vômitos. Além disso, observou-se a
presença de RNA viral nos dejetos de metade dos pacientes contaminados com covid-19
nesse estudo, sendo que as amostras fecais continuaram testando positivo por períodos mais
longos se comparados às análises de amostras provenientes do aparelho respiratório
superior.

Shutler et al. (2021) fazem uma análise do risco da transmissão de SARS-CoV-2 por águas
de rios por país, baseado em dados de temperatura, população e índices de diluição. No
entanto, o próprio estudo admite que faltam dados para comprovar o potencial infeccioso
do vírus por vias aquáticas e para determinar a fração de vírus viáveis presentes em corpos
d’água, e utiliza uma análise comparada baseado nos dados de adenovírus.

18
Oliveira et al. (2021) conduzem um estudo sobre a viabilidade do SARS-CoV-2 em
amostras de águas de rio e entradas de estação de tratamento de esgoto, ambas em Minas
Gerais – Brasil, com o objetivo de terminar a variação em função da temperatura e
condições ambientais do corpo d’água, variando de esgotos sanitários brutos e rios
altamente impactados por esgotos sanitários a corpos hídricos com turbidez extremamente
baixas. Na realização desse estudo, todas as amostras foram autoclavadas. No entanto,
como a forma de determinação da viabilidade do vírus não foi especificada, os resultados
não serão considerados no cálculo realizado nesse trabalho.

Xiao et al. (2020) conduziram um estudo que conseguiu isolar vírus ativos com
infecciosidade confirmada nas fezes de 2 dos 3 pacientes que tiveram resultados positivos
para RNA na massa fecal. Em contrapartida, esse estudo não analisa a permanência do
potencial infeccioso do vírus após a mistura com outros componentes presentes no
esgotamento sanitário e muito menos provenientes da diluição em corpos d’água
superficiais, que são fatores importantes para se determinar se há potencial de
contaminação por via orofecal.

No entanto, o consenso da maioria das publicações (FONGARO. C.. et al., 2021;


GUERRERO-LATORRE, L. et al., 2020; PRADO. T. et al., 2021; SILVERMAN, A. I.;
BOEHM, A. B., 2020) sobre o tema é de que o SARS-CoV-2 não representa riscos
significativos de contaminação por via aquática, em consequência do lançamento de
esgotos sanitários. Isso se dá principalmente pela própria estrutura do vírus. Os coronavírus
possuem entre 120 e 160 nanômetros de diâmetro, e são vírus envelopados por uma camada
lipídica que apresentam genoma ssRNA relativamente grandes. Essas duas últimas
características os diferenciam de vírus característicos de infecções transmitidas por
contaminação orofecal (SILVERMAN, A. I.; BOEHM, A. B., 2020) e essas características
são indicadas na literatura para justificar o baixo risco de infectabilidade por vias aquáticas.
Além disso, a maioria dos estudos afirmam não ter encontrado vírus ativos nem no trato
intestinal dos pacientes nem em águas residuárias.

Portanto, percebe-se que ainda há espaço para mais estudos e obtenção de dados para o
potencial de contaminação do SARS-CoV-2 por vias orofecais. No entanto, como a maioria
da literatura até o momento parece indicar que esse potencial é inexistente ou irrisório, esse

19
trabalho não abordará seus resultados sobre uma ótica de potencial de contaminação de
covid-19 por vias aquáticas.

2.2.2. Presença de SARS-CoV-2 nos esgotos e aplicações de WBE.

O potencial infeccioso do SARS-CoV-2 proveniente do esgoto ainda é incerto, havendo


uma minoria de estudos que indica a possibilidade real da presença de vírus ativo no
esgoto, enquanto a maioria restante afirma que a baixíssima probabilidade de concentrações
de vírus ativos necessárias para que haja contaminação por via aquática (OLIVEIRA et al.,
2021; PRADO et al., 2021), como exposto no item anterior. Por outro lado, a aplicação do
monitoramento do SARS-CoV-2 em águas residuárias ainda possui um potencial de
contribuição para a saúde pública sob a ótica de WBE.

A capacidade de monitorar rapidamente a propagação de doenças é essencial para


prevenção, intervenção e controle. No entanto, existem limitações dos atuais sistemas de
vigilância para lidar com o rápido crescimento populacional, com o surgimento de novos
organismos patogênicos e com ressurgimento de infecções outrora controladas. Neste
contexto, o WBE se coloca como uma nova ferramenta epidemiológica, com potencial para
complementar sistemas de vigilância de doenças infecciosas e subsidiar sistemas de alerta
precoce para surtos de doenças. Suas vantagens frente a outras técnicas de vigilância em
saúde pública são a capacidade de monitorar tendências espaciais e temporais e produzir
resultados em tempo quase-real ou real (GONZAGA et al. 2020). Além disso, uma das
principais utilidades do sistema de WBE é gerar dados que sirvam como controle para
subnotificação de casos, causadas por pacientes que não se dirigem ao sistema de saúde,
seja por falta de acesso à estrutura de saúde pública, por ter sido assintomático ou por
possíveis erros ou falhas na notificação dos casos pós diagnóstico.

Para se entender as possibilidades de implementação de sistemas de monitoramento em


águas residuárias, deve-se entender também o mecanismo de identificação do patógeno. O
monitoramento de SARS-CoV-2 em amostras fecais e respiratórias de pacientes infectados
pela COVID-19 é feito majoritariamente por qRT-PCR (quantitative reverse transcription
20
polymerase chain reaction), uma técnica de transcrição reversa e reação em cadeia da
polimerase amplamente utilizada para verificar a expressão gênica, ou seja, identificar e
quantificar o RNA em amostras (SILVERMAN, A. I.; BOEHM, A. B., 2020). Os estudos
indicam que em torno de 55% do total de pacientes com covid-19 testam positivo para
presença do RNA viral na massa fecal. Dentre esses pacientes, os resultados de análise no
aparelho respiratório que permaneceram positivos para o RNA do SARS-CoV-2 por uma
média de 16,7 dias, enquanto nas amostras fecais os resultados permaneceram positivos por
período superiores, em torno de 27,9 dias após o início dos primeiros sintomas, ou seja, em
média 11,2 dias a mais do que nas amostras respiratórias (WONG, M.S.C. et al., 2020;
SILVERMAN, A. I.; BOEHM, A. B., 2020). Esse dado será importante na determinação do
aporte de esgotos não tratados no próximo capítulo.

Sistemas de monitoramento dessa natureza foram implementados em diversos países, como


Austrália, Holanda, França, Espanha, Itália, Japão, China, Índia, Estados Unidos e Brasil.
(AHMED et al., 2020a; MEDEMA et al., 2020; RANDAZZO et al., 2020; WURTZER et
al., 2020; PRADO et al. 2021). Esses monitoramentos demonstraram consistentemente, no
que diz respeito às águas residuárias nos sistemas de esgotamento sanitário ou em sistemas
fluviais, a presença do SARS-CoV-2 nesse tipo de sistema.

Ao analisar amostras de entrada e saída de seis estações de tratamento de esgoto na


Espanha, Randazzo et al. (2020) confirmaram a presença do RNA viral à montante da
estação. Relataram também remoção total ou parcial após o tratamento secundário, sendo
que não foi mais encontrado nenhum sinal do material genético do SARS-CoV-2 após o
tratamento terciário convencional.

Ao analisar amostras de entrada proveniente de três estações de tratamento de esgoto na


Itália, La Rosa et al. (2020) obtiveram resultados positivos para presença de carga
genômica do SARS-CoV-2 em metade delas. Os autores dessa publicação recomendaram o
monitoramento nas estações de tratamento inclusive em períodos de baixo contágio, para se
manter o controle da doença na população e munir as autoridades de saúde com dados para
resposta em casos de surtos de contágios.

Prado et al (2021) monitoraram a presença do RNA viral do SARS-CoV-2 no sistema de


esgotamento sanitário de Niterói, município que também integra a região metropolitana do

21
Rio de Janeiro, entre abril e agosto de 2020. Seus resultados mostram que a detecção do
vírus no esgoto acompanhou a tendência do número de casos no período analisado, como
pode-se ver na Figura 1.

Figura 1 Concentrações virais no esgoto de Niterói sobrepostas aos registros de casos e óbitos relacionados ao covid-
19. Fonte: Prado et al.,2021.

A partir dos resultados apresentados, percebe-se o potencial da implementação de


monitoramento de SARS-CoV-2 nos esgotamentos sanitários. No entanto, a implementação
de um sistema de monitoramento desse tipo ganha uma complexidade a mais quando a
região em questão não é totalmente atendida por coleta e tratamento de esgoto, como é o
caso da bacia do Pavuna-Meriti.

Em casos como esse, onde o esgoto está presente no sistema de drenagem urbana, ele se
encontra muito mais diluído, e referências de sistemas de WBE na literatura são mais
escassos. Para o entendimento se é possível esperar bons resultados de monitoramento
nesse tipo de sistema, deve-se entender o comportamento do patógeno em corpos d’água
fluviais. Para isso, o principal aspecto a ser compreendido é o decaimento do SARS-CoV-2
nesse tipo de ambiente.

22
2.2.3. Decaimento de SARS-CoV-2 em águas residuárias.

A importância de se quantificar a taxa de decaimento do SARS-CoV-2 abrange desde


estimativas sistemáticas que podem ser utilizadas para gestão pública até condições de
armazenamento e manuseio de amostras de águas residuais para análise. Os modelos
atualmente quantificados pela literatura seguem o modelo logarítmico, amplamente
utilizado para decaimento de patógenos, como mostrando anteriormente nesse trabalho.
Sendo assim, o modelo de decaimento apresentado pela literatura e consequentemente
utilizado nesse trabalho seguirão a forma da equação 2, que é:

N = N ∗ e( ∗ ) (2)

Onde:

 N representa a quantificação mais provável de RNA viral.


 𝐍𝟎 representa a quantificação inicial de RNA viral.
 𝐊 𝐛 representa o coeficiente de decaimento, específico para cada tipo de organismo.
 t representa o tempo decorrido.

Sendo assim, o trabalho de determinação do decaimento viral se resume na determinação


do coeficiente 𝐊 𝐛 . Novamente, da mesma forma que foi exposto para os coliformes, os
valores de K variarão essencialmente com a condição bioquímica do meio e com a
temperatura. O esperado é que águas com maior presença de microbiota e maiores
temperaturas retornem valores de K maiores, o que aceleraria o decaimento do
microrganismo alvo.

Sala-Comorera et al. (2021) conduziram um estudo em volumes de controle para se


quantificar o decaimento de SARS-CoV-2 em ecossistemas aquáticos. As amostras de água
utilizadas para se quantificar o decaimento foram amostras de água de rio e amostras de
águas de mar, ambas da região de Dublin – Irlanda. Para o experimento, as amostras foram
filtradas e esterilizadas, com filtros de 0,22 micrômetros, e inoculadas com SARS-CoV-2.
A quantificação do RNA viral nas amostras foi feita através de qRT-PCR. Foi conduzido
também amostras inoculadas com bacteriófagos para ser feita a comparação entre as

23
constantes de decaimento obtidas. Os resultados para os valores de K estão expressos na
Tabela 1.

Tabela 1 Parâmetros de desinfecção de SARS-CoV-2 e MS2 em água de rio e água do mar

Chin et al. (2020) ao testar amostras in vitro com metodologia similar ao estudo anterior,
obteve um valor de K em função da temperatura expressado na Equação 4. Esse resultado
retornou uma incerteza de 7,5% nas amostras de águas de rio a 22°C.

Kb = 0,05 * T[°C] - 1,32 (4)

Ahmed et al. (2020) se propõe a fazer um estudo de decaimento comparativo entre o


SARS-CoV-2 e o MHV (Mouse Hepatite Virus) em águas residuárias não tratadas, águas
residuárias autoclavadas e água potável declorada. Essas análises foram feitas nas
temperaturas de interesse de 4, 15, 25 e 37°C. As amostras foram retiradas de estação de
tratamento de esgoto na Austrália e incubadas no escuro para avaliar o efeito da
temperatura no decaimento. Os resultados obtidos para os valores de K estão expostos
Tabela 3, enquanto os resultados obtidos do K em função da temperatura estão expressos
na Tabela 3.

24
Tabela 2: Resultados para o coeficiente de decaimento de SARS-CoV-2 em águas residuárias não tratadas. Fonte:
Adaptado de Ahmed et al. (2020)

Matriz Temperaturas (°C) SARS-CoV-2


k(média±DP) [CI 95%] r² T90 dias(média±DP)
4 0,084 ± 0,013 [0,103 a 0,064] 0,79 27,8 ± 4,45 [22,4 a 50,1]
Água residuais não tratadas 15 0,114 ± 0,012 [0,144 a 0,083] 0,71 20,4 ± 2,13 [16,0 a 27,7]
25 0,183 ± 0,008 [0,219 a 0,149] 0,87 12,6 ± 0,59 [10,5 a 15,5]
37 0,286 ± 0,008 [0,370 a 0,202] 0,74 8,04 ± 0,23 [6,22 a 11,4]

Tabela 3: Variação de Kb em função da temperatura. Fonte: Adaptado de Ahmed et al. (2020)

Matriz Parâmetros do modelo SARS-CoV-2


Água residuais não tratadas Taxa de decaimento Log (k) = 0,016 x T
constante (°C) - 1,16
r² 0,93

Analogamente, os autores conduziram uma análise da persistência do MHV (Mouse


Hepatitis Virus) como controle e validade do método implementado, obtendo resultados
consistentes. Os valores de variação em função da temperatura são bastante pertinentes,
mas a aplicação das taxas de decaimento sofre algumas interferências para as condições que
serão estimadas nesse trabalho. O decaimento foi analisado em uma câmara escura, o que
não ocorrerá normalmente no corpo hídrico, que está sob constante radiação solar em
grande parte de seu trajeto. Essa diferença subdimensionaria o decaimento do vírus no
corpo d’água. Por outro lado, o canal de drenagem dilui o esgoto sanitário de forma a
proporcionar condições bioquímicas que diminuiriam a taxa de decaimento em relação à
obtida no trabalho citado.

Em virtude da condição de saneamento da bacia, as condições microbiológicas dos corpos


hídricos serão consideradas mais próximas de águas residuárias não tratadas do que de
águas de rio em condições naturais. Além de realizar experimentos nesse tipo de meio e de
ter sido mais citado até a data de redação desse texto, o procedimento de se testar um vírus
com características similares para aferir a qualidade dos testes, o que confere credibilidade
aos resultados, fazem com que os resultados obtidos por Ahmed et al. (2020) sejam os
resultados aplicados para os cálculos de decaimento nesse trabalho.

25
3. Metodologia Aplicada

3.1. Caracterização da bacia de estudo

Para se entender o fenômeno de decaimento de patógenos nos corpos d’água de uma bacia
hidrográfica é necessário o conhecimento de aspectos físicos da bacia, como hidrografia e
uso do solo. No entanto, para se ir além e compreender os impactos causados pelo
fenômeno estudado, é importante ter ciência de aspectos estruturais, como o risco de
inundações e sociais, como a distribuição de renda nesse território ou como se organiza a
ocupação do território pela população. Para isso, será realizada uma breve caracterização da
bacia, para que esses conceitos gerais sejam abordados e as análises dos resultados possam
se aproximar mais da realidade dos habitantes da região.

A bacia do rio Pavuna-Meriti, escolhida para investigação neste estudo, fica localizada no
extremo nordeste do município do Rio de Janeiro – RJ, abrangendo também os municípios
de Nilópolis, São João de Meriti e Duque de Caxias.

3.1.1. Aspectos físicos

O principal aspecto físico para se entender o decaimento de patógenos nos corpos d’água
fluviais da bacia é a própria hidrografia. A bacia possui duas principais sub-bacias, a sub-
bacia do rio Acari e a sub-bacia do rio Pavuna. Após o desague do rio Acari, o Rio Pavuna
passa a se chamar Rio São João de Meriti, que tem sua foz na baía de Guanabara, próximo
à Ilha do Governador. A bacia drena uma área de 181 km², e o comprimento total de seus
canais de drenagem é de aproximadamente 180 km (PSAM, 2019). Os limites da bacia e a
hidrografia estão expostos na figura 1.

A topografia da região é bastante importante no que se refere às condições de


macrodrenagem. A bacia é composta de uma grande área de baixada, com declives
acentuados nas partes altas, principalmente quando a bacia encontra o maciço da pedra

26
branca, a sudoeste e na extensão do rio Pavuna. Essa característica deixa a bacia propensa a
velocidades de escoamento mais altas nas regiões mais de montante do que nas áreas de
baixada, o que deixa a bacia susceptível a movimentos de massa nas partes mais altas e a
assoreamento e inundações nas partes baixas.

Figura 2: Hidrografia da bacia do Pavuna-Meriti

Outro fator que impacta no escoamento superficial da bacia é seu uso do solo. A bacia está
completamente inserida na região metropolitana do Rio de Janeiro, então, naturalmente,
grande parte de sua área é coberta por edificações e superfícies impermeáveis, sendo
majoritariamente tomada por ocupações urbanas de alta e média densidade.
Aproximadamente 129 km² dos 180 km² da bacia estão ocupados por esse tipo de
cobertura, o que representa 71,67% de área de baixa permeabilidade (IPP, 2017). A bacia
possui ainda algumas áreas florestadas e de campo aberto, que contribuem para a
permeabilidade e estabilidade das partes altas. Essas áreas estão bastante concentradas nos
Parques Estaduais da Pedra Branca, ao sul, e do Mendanha, à Oeste da bacia. O mapa que
representa o uso do solo está representado na Figura 3.

27
Figura 3: Tipos de cobertura de solo na bacia do Pavuna-Meriti. Elaboração própria, fonte dos dados:IPP (2017)

A elevada cobertura impermeável na bacia e a transformação dos leitos dos rios em canais
de drenagem retilíneos, como se pode perceber principalmente na parte baixa da bacia (IPP,
2017), reflete um conceito de drenagem urbana que se aproxima do higienismo clássico.
Esse conceito foi concebido visando o afastamento dos esgotos e da poluição dos centros
urbanos, em uma época de um crescimento urbano nunca visto e muitas vezes desordenado.
No momento, esse tipo de abordagem em relação a drenagem cumpriu seu papel de
higienizar as cidades, mas, ao se analisar os impactos que reverberam até hoje, é observada
uma acentuada degradação ambiental da bacia e dos seus rios. Além disso, a ocupação de
zonas propensas a inundação e o aumento intensivo da impermeabilização do solo da bacia
também podem intensificar a ocorrência de inundações em áreas habitadas. Esse impacto
pode ser observado no mapa que representa as áreas suscetíveis a esse tipo de fenômeno,
representado pela Figura 4.

28
Figura 4: Locais com risco de eventos de inundação CPRM (2017).

3.1.2. Saneamento

O entendimento inicial da estrutura de saneamento existente na bacia, principalmente do


sistema de esgotamento sanitário (SES) é de vital importância para alcançar os objetivos do
trabalho. Isso se dá pelo fato de que o aporte considerado de contaminação fecal é
justamente pela produção de esgoto que o sistema existente ainda não tem êxito em tratar e
destinar de maneira ideal.

A não universalização do serviço de esgotamento sanitário é uma realidade para a região


metropolitana do Rio de Janeiro e se resume muito bem ao se analisar a bacia estudada. Ao
se analisar os indicadores de saneamento dos municípios abrangidos pela bacia, percebe-se
que a universalização do serviço de coleta e tratamento de esgotos sanitários ainda não é
uma realidade para a região estudada.
29
Embora reveladores, os indicadores do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento
(SNIS) fazem o recorte por município, apresentando informações agregadas. Considerá-los
como verdadeiros para a bacia diretamente seria um equívoco já que existem outras regiões,
principalmente no município do Rio de Janeiro, que possuem outras realidades referentes a
infraestrutura urbana. Sendo assim, é necessário a espacialização do Sistema de
Esgotamento Sanitário (SES) existente na bacia para que se possa fazer uma análise mais
precisa do esgotamento na bacia. A disposição das redes de esgotamento juntamente com o
posicionamento das Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) existentes na bacia está
exposta na Figura 5.

Figura 5: Sistemas de Esgotamento Sanitários presentes na bacia. Elaboração própria, fonte dos dados: INEA

Como pode-se perceber, existem duas ETEs de grande porte na bacia mapeadas pelo
Programa de Saneamento Ambiental (PSAM), que é a fonte dos dados utilizados nesse
mapa. São elas a ETE Pavuna, mais a jusante, e a ETE Deodoro, mais a montante. Além
disso, afere-se facilmente o déficit de cobertura da rede em relação a área da bacia,

30
principalmente se for levado em consideração o total da área ocupada por edificações,
como já foi apresentado no item anterior.

Sendo assim, para a estimativa o lançamento dos esgotos, optou-se por um método baseado
nessa espacialização das redes ao invés dos indicadores do SNIS, por se considerar essa
informação mais específica apenas para a bacia de estudo e por ser espacializada, o que é
vital para a obtenção dos pontos de lançamento de esgotos não tratados. Essa metodologia
será apresentada em detalhe mais à frente.

3.1.3. Aspectos Socioeconômicos

Para se entender a realidade da população da bacia, é necessário o entendimento de alguns


dados socioeconômicos. O principal dado que pode possibilitar alguma compreensão acerca
da vulnerabilidade da população é a renda. É notório que o subúrbio do Rio de Janeiro, em
sua maior parte, carece de serviços básicos e sua população possui renda menor do que os
habitantes das regiões mais centrais, como Zona Sul e Centro. Como nossa bacia engloba
apenas regiões periféricas das Zonas Norte e Oeste, além de municípios da baixada
fluminense, é de se esperar que a realidade econômica da maior parte da população siga a
tendência de maior vulnerabilidade socioeconômica das regiões adjacentes.

Ao se analisar as rendas médias por setor censitário, representadas na Figura 6, as


expectativas expressadas acima se confirmam (IBGE, 2017). A maior parte da bacia tem
renda média inferior a um salário-mínimo por mês: 83,5% dos setores censitários
reportaram renda média inferior a R$1000,00. Isso representa 1,35 milhões de pessoas
vivendo em regiões com renda per capita inferir a mil reais por mês. A região da bacia que
destoa do resto por ter a maior renda média da bacia, acima de R$3.000,00 por mês, são os
setores censitários que englobam a vila militar, complexo habitacional destinado a
servidores das forças armadas, ou seja, uma região onde o desemprego é praticamente
inexistente e os salários pagos aos habitantes não obedecem aos padrões de mercado.

31
Figura 6: Espacialização da renda média por habitante por mês acima de 10 anos de idade na bacia do Pavuna-Meriti.
Elaboração própria, fonte dos dados: IBGE (2010)

Esses dados confirmam uma situação de vulnerabilidade social da bacia. Uma população
que majoritariamente ganha menos do que um salário-mínimo por mês por pessoa, caso
impactadas por eventos de inundação ou outros cenários com possibilidade de perdas
materiais ou humanas, tem sua capacidade de reestruturação muito reduzida. Essa realidade
é agravada para as pessoas que residem em regiões de aglomerados subnormais. Essas
regiões são catalogadas pelo IBGE como “comunidades”, o que engloba favelas e
conjuntos habitacionais de baixa renda. Essas regiões, além de possuírem a vulnerabilidade
socioeconômica já discutida, geralmente também sofrem com um afastamento da
infraestrutura do estado, o que se manifesta na falta de serviços públicos, incluindo
esgotamento sanitário e drenagem, o que agrava a falta de resiliência dessa população. Na
Figura 7 podem ser visualizadas as regiões consideradas comunidades inseridas na bacia. A
população residente nessas áreas totaliza aproximadamente 539 mil pessoas,
aproximadamente um terço da população da bacia.

32
Figura 7 Regiões de comunidades na bacia. Elaboração Própria. Fonte dos dados: IBGE (2010)

Além disso, podemos restringir essas áreas para uma condição ainda mais crítica. A partir
do momento que essas pessoas estão em maior condição de vulnerabilidade,
consecutivamente, deduz-se que elas seriam as mais gravemente afetadas em caso de
evento de inundação. Além disso, tendem a ser as pessoas com menos acesso à serviços de
saneamento e saúde. Dessa forma, considera-se que as regiões de comunidade que estão
inseridas em regiões com riscos de inundação são as mais críticas da bacia ao se pensar nos
riscos associados a contaminação fecal nos corpos hídricos. O mapa que representa essas
áreas pode ser visto na Figura 8. Os habitantes dessas regiões totalizam 76,8 mil habitantes,
o que corresponde a aproximadamente 5% dos habitantes da bacia.

33
Figura 8 Regiões de comunidade em áreas sujeitas a inundações. Elaboração Própria, fonte dos dados: IBGE (2010),
CPRM (2017).

34
3.2. Dados de entrada

Qualquer tipo de modelo matemático, dos mais simples aos mais complexos, requerem uma
determinada quantidade de dados de entrada. No caso da simulação abordada por este
trabalho, os principais dados de entrada são referentes ao aporte de patógenos e à
hidrodinâmica dos corpos d’água da região.

No entanto, esse tipo de informação não se dá de forma direta. Para se determinar o aporte
de patógenos, por exemplo, se faz necessária uma série de dados acerca de diferente setores
e áreas de conhecimento. Entre esses dados, estão o aporte de esgotos não tratados, o ponto
de lançamento considerado dos esgotos e a taxa de emissores efetivos de determinado
patógeno. A metodologia implementada para a determinação desses parâmetros é descrita a
seguir.

3.2.1. Aporte de Esgotos não tratados

O principal dado de entrada para o cálculo da contaminação pelos esgotos não tratados é o
aporte de esgoto em si. Para ser possível o cálculo de decaimento, deve-se estimar a
quantidade de esgotos que são lançados no corpo hídrico e a localização desses
lançamentos.

Ambas as informações de “quanto” esgoto é lançado e “onde” o esgoto é lançado estão


intimamente ligadas à distribuição populacional na bacia. Os geradores de esgotos
sanitários no ambiente urbano são essencialmente as pessoas, logo, o entendimento de
como elas se distribuem no território é essencial para a determinação de estimativas dessa
natureza.

Portanto, o estudo da contribuição de esgotos não tratados se inicia com os setores


censitários do IBGE (Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística). Os setores são unidades
de divisão territorial utilizadas pelo instituto como unidade básica para se determinar dados
populacionais. Na Figura 9 pode-se observar a divisão da bacia nos setores censitários.

35
Figura 9: Setores censitários na bacia do Pavuna-Meriti. Elaboração Própria, fonte dos dados: IBGE (2010)

Uma observação importante é que os setores censitários são uma divisão política, não
respeitando os limites da bacia hidrográfica. Por isso, a fim de se calcular a população
residente apenas no interior da bacia, calculou-se uma taxa de povoamento (hab/km²) antes
de executar o corte nos setores da borda da bacia, e calculou-se a nova população a partir
dessa taxa de povoamento e da área da nova geometria. A partir desse procedimento que se
obteve a população total residente na bacia, que totaliza 1.616.254 habitantes, como já
exposto anteriormente.

A partir dessa etapa, a população será dividida em regiões com sistema de esgotamento
sanitário e sem sistema de esgotamento sanitário, como será demonstrado a seguir.

3.2.2. Quantificação da população em relação ao saneamento

Um problema prático para se segregar quais esgotos serão considerados no trabalho é a


separação entre quais esgotos são tratados e quais não. A abordagem utilizada para
contornar essa questão foi a de separar os a população em dois grupos: localidades

36
atendidas com sistema de coleta de esgotos e localidades não atendidas com sistema de
coleta de esgotos.

Para se definir esses dois grupos, foi feita a sobreposição do shapefile de esgotamento
sanitário, proveniente do PSAM, com os setores censitários. O critério utilizado foi
considerar os setores que tivessem qualquer tipo de rede coletora ou rede tronco em seu
interior ou em seu limite seriam considerados como atendidos pelo sistema de esgotamento
sanitário. Os setores que se enquadram nesse grupo podem ser visualizados na Figura 10.
Essas regiões correspondem a 508.738 habitantes, ou seja, 31,48% da população da bacia.

Figura 10: Setores censitários com serviço de esgotamento sanitário

Os demais setores que não possuem nenhum traçado de esgotamento em seus limites foram
considerados como não atendidos pelo sistema de esgotamento sanitário e o esgoto
estimado de suas populações será tratado inicialmente como esgoto não tratado, lançado no
corpo hídrico receptor, seja por lançamento direto ou através das galerias de águas pluviais.

37
Na Figura 11 pode-se visualizar os setores censitários que formam a área considerada como
“sem esgotamento sanitário”.

Essa divisão gerou uma população total considerada sem esgotamento sanitário de
1.107.517 habitantes, ou seja, 68,52% da população da bacia. Sabendo esses montantes e
onde essas pessoas habitam, agora deve-se estimar os pontos de lançamento de esgoto.

Figura 11: Setores Censitários sem serviço de esgotamento sanitário

Vale lembrar que a metodologia apresentada não é direta para determinar se de fato os
esgotos dessas regiões são ou não tratados. Isso se deve, principalmente ao fato de nem
todos os esgotos coletados serem tratados. Uma parcela dos esgotos coletados pelo sistema
de esgotamento é apenas afastada do ponto de origem, sendo lançado no corpo receptor
sem passar por qualquer processo de tratamento. Para contornar esse problema, serão
atribuídos fatores de multiplicação de 0 a 1 para cada um dos grupos de pontos de
lançamento. Esses fatores serão definidos a partir de um processo de calibração utilizando
como base os dados de concentração de coliformes de estações de monitoramento na bacia.
Esse processo será melhor explicado mais a frente, em um item dedicado à calibração.

38
Além desse erro principal, existem também outros erros inerentes a metodologia que serão
amortizados pelo processo de calibração. Um deles é o fato de que os traçados de
esgotamento obtidos nas bases de dados públicas provavelmente estão ultrapassados devido
à investimentos recentes que visam a universalização do serviço de esgotamento sanitário
no Rio de Janeiro, o que pode superdimensionar a parcela da população sem esgotamento.
Outro possível erro na direção oposta é referente à própria escolha de se utilizar qualquer
sobreposição de rede para considerar aquela região como completamente atendida, o que
tende a subdimensionar a parcela da população sem esgotamento.

3.2.3. Definição dos pontos de lançamento

O levantamento real dos pontos de lançamento de esgoto nos corpos hídricos de uma bacia
como a analisada nesse trabalho seria uma tarefa extremamente onerosa e, mesmo com os
recursos disponíveis, bastante difícil de ser cumprida com êxito. Esse é um problema
recorrente quando se trata de contribuição difusa de poluição, como no caso dos aportes de
esgotos sanitários em uma região densamente urbanizada. Podem existir e pode-se estimar
que de fato existem muitos pontos de lançamento com vazões das mais variadas. Outro
agravante é o mapeamento precário no Rio de Janeiro dos sistemas de microdrenagem
urbana existentes, além de vários deles serem enterrados e de difícil identificação.

Por isso, faz-se necessário o uso de locais de lançamento estimados. Para isso, foi feita uma
aproximação de que o esgoto correspondente ao setor censitário seria lançado no ponto da
hidrografia mais próximo. Para cumprir essa tarefa, foi extraído o centróide de cada setor
censitário, a partir da função “mean center” do software QGis. Esse processo converteu a
informação de população que antes era expressa espacialmente em uma área para ser
expressa em apenas um ponto. A espacialização dos centroides dos setores censitários sem
esgotamento pode ser observada na Figura 12, enquanto a referente aos setores com
esgotamento pode ser observada na Figura 13.

39
Figura 12: Centroides dos setores censitários sem esgotamento

Figura 13: Centroides dos setores censitários com esgotamento

40
Esses pontos representam a origem dos esgotos sanitários para essas populações. Para se
definir o ponto de lançamento, cada centróide foi aproximado para o ponto da camada de
hidrografia mais próximo. Os pontos projetados na camada de hidrografia são considerados
os pontos de lançamento, ou seja, há um ponto de lançamento para cada feição de setor
censitário, totalizando em 3110 pontos. Os pontos de lançamento referentes à população
atendida sem esgotamento sanitário estão representados na Figura 14, enquanto os demais
estão representados na Figura 15.

Figura 14: Pontos de lançamento referentes aos setores sem esgotamento sanitário

41
Figura 15: Pontos de lançamento referentes aos setores cem esgotamento sanitário

42
3.2.4. Dados de infectados: COVID-19

A modelagem do decaimento de SARS-CoV-2 se diferencia da modelagem de coliformes


em um aspecto relevante. Ao passo de que todas as pessoas excretam coliformes
diariamente pela massa fecal, apenas uma parte da população excreta um patógeno
específico, como é o caso do outro microrganismo alvo desse trabalho.

Para se determinar qual parcela da população de fato excretaria SARS-CoV-2, deve-se


analisar a distribuição temporal de casos e o tempo pelo qual o infectado continua
excretando partículas virais. Como já foi discutido na revisão bibliográfica, o tempo médio
observado para a presença de partículas virais nas fezes dos pacientes foi de 27,5 dias.

Sendo assim, para a determinação dos dados de população infectada na bacia, utilizou-se os
dados do município do Rio de Janeiro, que é o município mais representativo em termos de
população e área na bacia, e extrapolou-se o percentual de infectados para cada setor
censitário da bacia.

Dessa forma, foi utilizado como referência a base de dados sobre os casos individuais
disponibilizada no portal online DATA.RIO (disponíveis em:
<https://www.data.rio/datasets/PCRJ::dados-indiv-mrj-covid19-21>, último acesso em 24
de janeiro de 2022).

Na base de dados extraída do portal, executou-se uma análise em Python para se extrair o
acumulado de casos confirmados cujo dia do início dos sintomas tenha sido entre os dias 1
e 27 de cada mês de 2021, gerando um total de 12 valores de população infectada dentro do
prazo de detecção de SARS-CoV-2 nas fezes para o ano de referência. Esse agregado foi
divido pela população do Rio de Janeiro, 6,748 milhões de habitantes (IBGE, 2021), para se
obter a proporção de infectados em relação a população no dia 27 de cada mês. Esse
resultado está expresso nas colunas “Total de Casos” e “População Infectada” da Tabela 4.

Para a definição dos cenários de modelagem, os dados obtidos através dessa metodologia
serão utilizados como dados de entrada da população infectada, permitindo o cálculo do
cenário para o dia 27 de cada mês do ano de 2021. No entanto, a população infectada não é
a população que de fato é emissora de material viral. Como foi explicitado na revisão

43
bibliográfica, o índice médio de presença de RNA de SARS-CoV-2 nas fezes dos pacientes
infectados é de 55%, ou seja, para determinação da população infectada efetiva os valores
na tabela acima ainda devem ser multiplicados por 0,55. Multiplicando essas porcentagens
pela população total da bacia, obtém-se os valores apresentados na Tabela 4.

Tabela 4 Total de casos reportados e população infectada efetiva para o dia 27 de cada mês de 2021

POPULAÇÃO POPULAÇÃO POPULAÇÃO


MÊS TOTAL DE CASOS
INFECTADA EFETIVA % EFETIVA TOTAL
JANEIRO 18155 0,27% 0,15% 2392
FEVEREIRO 9813 0,15% 0,08% 1293
MARÇO 26048 0,39% 0,21% 3431
ABRIL 24221 0,36% 0,20% 3191
MAIO 26662 0,40% 0,22% 3512
JUNHO 18452 0,27% 0,15% 2431
JULHO 22324 0,33% 0,18% 2941
AGOSTO 37116 0,55% 0,30% 4889
SETEMBRO 13084 0,19% 0,11% 1724
OUTUBRO 3107 0,05% 0,03% 409
NOVEMBRO 1694 0,03% 0,01% 223
DEZEMBRO 2223 0,03% 0,02% 293

44
3.2.5. Dados hidrodinâmicos

Parte primordial para a determinação do decaimento ponto a ponto na bacia são os dados
hidrodinâmicos de entrada necessário para as equações de decaimento e concentração. Os
dois principais dados são a velocidade por trecho e a vazão por trecho. Pela característica
dos corpos d’água alvos desse trabalho, uma pluralidade de tipos de modelos
hidrodinâmicos poderia ser utilizada para levantamento desses dados.

Como o exemplo abordado se trata de uma bacia composta de rios naturais e canalizados
que drenam áreas altamente urbanizadas, é esperado um padrão de trajeto de escoamento e
contribuição das áreas de drenagem muito afetadas por intervenções antrópicas no
território. Por causa disso, para driblar a questão da interferência antrópica no escoamento
da drenagem, optou-se pela adoção de um modelo que tem como princípio a representação
do espaço urbano através de compartimentos homogêneos, que cobrem toda a superfície da
bacia, a transformando em uma malha integrada que tem a interação entre as partes regidas
pelos tipos de escoamento que ocorrem entre elas. A ferramenta utilizada para isso é o
Modelo de Células de Escoamento – MODCEL, modelo desenvolvido na própria UFRJ.
Mais especificamente, será aplicado um modelo da bacia do rio Pavuna-Meriti
desenvolvido por Oliveira e Miguez (2018). O MODCEL se resume a um modelo de
células Quasi-2D baseado no conceito de células de escoamento, no qual a área proposta é
representada através de uma malha de compartimentos, integrando a área em toda a bacia
através de uma relação de vínculos de entrada e saída de fluxo.

No entanto, para aplicação do modelo para calcular as vazões e velocidades de escoamento


para um cenário de tempo seco, foi necessário reajustar as condições de contorno. Para
determinar as vazões de base dos canais, utilizou-se os dados de vazão disponíveis
provenientes das estações de monitoramento fluvial na bacia. Os dados foram obtidos na
plataforma HIDROWEB, sítio administrado pela ANA (Agência Nacional de Águas e
Saneamento Básico) que disponibiliza dados referentes a estações de monitoramento
pluviométrico e fluviométrico. Foram utilizados os dados referentes a três estações, os
dados obtidos estão expressos na Tabela 5 .

45
Tabela 5: Dados de vazão referentes à série histórica disponível para as estações na bacia do Pavuna-Meriti. Fonte:
Elaboração própria, dados do HIDROWEB, ANA (2018)

Código da Área de Código da Área de


Data Vazão Data Vazão
estação drenagem estação drenagem
59305002 20/07/2005 1.95 78.1 59305002 18/01/2000 1,455 78.1
59305002 07/07/2005 1.84 78.1 59305002 22/12/1999 1,618 78.1
59305002 07/07/2005 2.08 78.1 59305002 07/12/1999 0.828 78.1
59305002 07/07/2005 2.86 78.1 59305002 27/10/1999 1,803 78.1
59305002 07/07/2005 2.37 78.1 59305002 15/09/1999 1,022 78.1
59305002 30/05/2005 1.02 78.1 59305002 03/08/1999 0.827 78.1
59305002 27/04/2005 1.44 78.1 59305002 23/07/1999 1,034 78.1
59305002 20/04/2005 1.18 78.1 59305002 17/06/1999 0.597 78.1
59305002 01/03/2005 1.04 78.1 59305002 27/05/1999 1.36 78.1
59305002 15/02/2005 0.975 78.1 59305002 25/03/1999 1.6 78.1
59305002 13/01/2005 2.21 78.1 59305002 23/02/1999 1.36 78.1
59305002 22/02/2002 1.84 78.1 59305002 09/02/1999 0.984 78.1
59305002 06/08/2001 1,029 78.1 59305002 26/01/1999 1.2 78.1
59305002 13/06/2001 0.809 78.1 59305002 14/01/1999 1.14 78.1
59305002 19/01/2001 1 78.1 59305002 06/01/1999 1.93 78.1
59305002 12/01/2001 1,397 78.1 59305002 28/12/1998 1.56 78.1
59305002 27/12/2000 0.809 78.1 59305002 17/12/1998 0.854 78.1
59305002 19/12/2000 0.963 78.1 59305002 10/12/1998 0.982 78.1
59305002 20/11/2000 1,177 78.1 59305002 25/11/1998 1.07 78.1
59305002 07/11/2000 1,261 78.1 59305002 11/11/1998 11.8 78.1
59305002 26/10/2000 0.919 78.1 59305002 11/11/1998 7.56 78.1
59305002 06/09/2000 1,017 78.1 59305002 11/11/1998 8.77 78.1
59305002 11/08/2000 2,378 78.1 59305002 06/11/1998 1.02 78.1
59305002 11/07/2000 1,016 78.1 59305018 01/03/2009 2,921 57.5
59305002 09/06/2000 0.712 78.1 59305018 16/01/2009 2,968 57.5
59305002 30/05/2000 1,086 78.1 59305018 26/09/2008 5,147 57.5
59305002 20/04/2000 1,029 78.1 59305003 04/03/2009 5.55 78.1
59305002 31/03/2000 0.984 78.1 59305003 04/03/2009 5.55 78.1
59305002 17/02/2000 7,198 78.1 59305003 14/01/2009 1.04 78.1
59305002 17/02/2000 8,119 78.1 59305003 17/12/2008 1.67 78.1
59305002 17/02/2000 5,181 78.1

A partir desses dados, ao se realizar um cálculo para a contribuição média por área drenada,
foi possível a obtenção de uma contribuição média de escoamento superficial aproximada
de 0,05 m³/s.km². Este valor foi aplicado para as células de drenagem superficial da bacia

46
na forma de uma contribuição constante ao longo do período simulado. Os valores obtidos
para a iteração que apresentou menos oscilações no trecho principal estão representados em
um mapa conceitual, que pode ser visto na Figura 16.

Figura 16: Vazões obtidas através do MODCEL ponto a ponto

47
3.3. Construção da grade

Para a implementação da metodologia de cálculo, que será exposta a seguir, a hidrografia


precisa ser dividida em trechos, sendo que esses trechos precisam ser referenciados em
relação ao trecho de jusante e/ou montante. A primeira questão relevante ao se montar a
grade é referente à resolução, que se traduz no comprimento médio do trecho. Ao se
escolher trechos de maior comprimento, a rodagem das simulações seria mais rápida e a
construção do modelo mais simples, que é importante para o objetivo desse trabalho. Além
disso, se mostrou importante a conferência manual das relações de montante e jusante para
garantir resultados coerentes, o que limita muito o limite superior de pontos.

Por outro lado, ao se escolher trechos de menor comprimento, o cálculo se torna mais
preciso por uma série de fatores. O principal deles é que cada trecho “célula” da grade 1D é
na verdade um ponto, então o trecho de comprimento a ser determinado e os pontos de
lançamento abrangidos por ele seriam espacialmente representados como um único ponto.
Logo, quanto menor o trecho, mais pontos e menor o deslocamento médio da aproximação
do ponto de lançamento estimado para o ponto da grade. Outro fator relevante é que, com
mais pontos, mais pontos seriam analisados com os resultados e a amostragem seria mais
próxima do que se enxerga na realidade.

Ao cenário exposto acima soma-se a realidade de que nem todos os trechos necessitam de
alta precisão, já que naturalmente alguns trechos são de maior interesse que outros. Para
definição de trechos de interesse, traçou-se os percursos de cada ponto de lançamento até o
exutório. A sobreposição de todos os pontos de lançamento usada para traçar os percursos
pode ser observada na Figura 17, enquanto apenas os percursos traçados por este método
podem ser visualizados na Figura 18. Os trechos da hidrografia concomitantes a esses
percursos são considerados trechos de maior interesse, já que serão afetados pelo aporte de
esgotos e, consequentemente, pela contaminação fecal. Por outro lado, os trechos que não
foram utilizados nesses percursos não terão contribuição de esgoto baseado na metodologia
desse trabalho, logo, a precisão referente à grade nesses trechos pode ser menos rigorosa.

48
Figura 17: Sobreposição de todos os pontos de lançamento traçado dos percursos do esgoto.

Figura 18: Traçado completo dos percursos dos esgotos sanitários

49
Além do critério já estipulado, foi também definido uma categoria de pontos de especial
interesse: os pontos de mistura. Os pontos representados pela interseção entre os traçados
dos percursos de esgoto correspondem a pontos onde ocorrerá a mistura entre dois rios que
sofreram aporte de esgotos a montante, logo, esses pontos são pontos de interesse para o
cálculo. Sendo assim, foi inserido manualmente pontos de cálculo em todos os locais com
essa característica. Esses pontos estão representados na Figura 19. Isso faz com que, além
de gerar pontos a mais de cálculo, as distâncias entre os pontos de cálculo no entorno dos
pontos de mistura sejam reduzidas, o que é positivo para regiões de interesse.

Figura 19: Pontos de Mistura estimados

Tendo o exposto em mente, foi definido o comprimento dos trechos em 200 metros. Esse
valor gerou aproximadamente 1000 pontos de grade, quantidade passível de conferência
manual para garantir a confiabilidade dos resultados, além de retornar detalhamento
suficiente para a escala da bacia. Os pontos de cálculo serão, assim, os pontos médios de
cada trecho, segmentados a cada 200 metros, e os pontos de mistura inseridos
manualmente. A grade final com todos os pontos está representada na Figura 20. A grade

50
final calculada possui um total de 927 pontos, espaçados por uma distância média de 154
metros.

Os pontos da grade são vinculados ao ponto imediatamente a jusante, para fim de


possibilitar a aplicação dos cálculos. A escolha pelo ponto a jusante ao invés de montante é
que cada ponto na grade possui apenas um ponto a jusante, mas vários pontos possuem
mais de um ponto a montante.

Figura 20: Pontos da Grade

51
3.4. Metodologia de cálculo

A implementação dos cálculos será feita ponto a ponto do modelo. O princípio básico da
dinâmica de cálculos será o princípio da conservação da massa. O principal aspecto de
diferenciação é que, no caso do cálculo de carga de patógenos por trecho, esse princípio é
similar ao de um reator com reações químicas, onde há consumo de determinada
substância.

Os cálculos foram realizados em planilhas Excel, a fim de facilitar a visualização dos


resultados e o acesso aos cálculos. Como há apenas em torno de 900 pontos de cálculo, não
há problema algum no que se refere a capacidade de cálculo da ferramenta escolhida.

Os cálculos empregados para determinar cada variável por ponto será descrito a seguir.

3.4.1. Decaimento no trecho

Conforme discutido no capítulo de revisão bibliográfica, a taxa de decaimento aplicada


seguirá um modelo logarítmico, seguindo a Equação 2. Além disso, será implementada a
variação de temperatura obtida pelos experimentos de Ahmed et al. (2020) para águas
residuárias não tratadas. As temperaturas foram consideradas as médias de temperatura para
os meses alvos na cidade do Rio de Janeiro, de acordo com a base de dados Climate-
data.org.

𝐾 = 10( , (° )) ,

A partir dessa equação e dos dados de temperatura, pode-se definir os valores de K para
cada mês, expostos na Tabela 6. Lembra-se que esses valores de K estão calculados para o
tempo expresso em dias.

Assim, a partir da Equação 2, pode-se definir a variação na carga do patógeno será:

N = N ∗ e( ∗ )

52
O que retorna à equação que representa o parâmetro de variação (∆), que será utilizada para
o cálculo da carga de patógenos:

∆ = N/N = e( ∗ )

Tabela 6: Valores de Temperatura e Kb para cada mês simulado

MÊS Temperatura K

JANEIRO 26,7 0,099


FEVEREIRO 27,0 0,100
MARÇO 25,9 0,096
ABRIL 24,3 0,091
MAIO 21,8 0,083
JUNHO 20,8 0,080
JULHO 20,1 0,078
AGOSTO 20,9 0,080
SETEMBRO 22,2 0,084
OUTUBRO 23,7 0,089
NOVEMBRO 24,2 0,091
DEZEMBRO 25,8 0,096

3.4.2. Vazões

O primeiro dado a se calcular para efetuar o cálculo ponto a ponto é o dado que representa
todo o aporte de esgoto no modelo, o aporte de esgoto bruto por ponto. Para calcular esse
dado, utilizou-se a seguinte fórmula:

𝐴 = (𝐼 × 𝑃 ) + (𝐼 × 𝑃 ) 𝐾 (5)

Onde:

53
 𝐴 Significa o aporte de esgoto no ponto p;

 𝐼 Significa o coeficiente de calibração para a população sem esgotamento;

 𝑃 Significa a população sem esgotamento contribuinte diretamente ao ponto p;

 𝐼 Significa o coeficiente de calibração para a população com esgotamento;

 𝑃 Significa a população com esgotamento contribuinte diretamente ao ponto p;

 𝐾 Significa a contribuição individual de esgotamento sanitários, em m³/s,


considerado 0,18 de acordo com Von Sperling (2017)

Com os valores de entrada de esgotos estipulados, deve-se calcular o valor de esgoto a


montante e a jusante de cada ponto, seguindo o princípio de conservação da massa para as
vazões de esgoto, chegamos às equações abaixo.

Cálculo da vazão de esgotos a jusante do trecho:

𝑄𝑒 = 𝑄𝑒 + 𝐴 (6)

 𝑄𝑒 Significa a vazão de esgotos a jusante para o ponto p;

 𝑄𝑒 Significa a vazão de esgotos a montante para o ponto p;

 𝐴 Significa o aporte de esgoto no ponto p;

Cálculo da vazão de esgotos a montante do trecho:

( )
𝑄𝑒 = ∑ 𝑄𝑒 (7)

 𝑄𝑒 Significa a vazão de esgotos a montante para o ponto p;


( )
 ∑ 𝑄𝑒 Significa o somatório das vazões a jusante dos pontos imediatamente

montante do ponto p

54
Sendo assim, pode-se somar a vazão de base obtida no item referente aos dados
hidrodinâmicos para se obter a vazão no trecho, a partir da equação a seguir:

𝑄 = 𝑄𝑒 + 𝑄 (8)

 𝑄 Significa a vazão total a jusante para o ponto p;

 𝑄𝑒 Significa a vazão de esgotos a jusante para o ponto p;

 𝑄 Significa a vazão de base para o ponto p;

Como pode-se perceber, foi considerada a vazão a jusante para calcular a vazão no trecho,
ou seja, foi feita a aproximação como se as contribuições de esgoto fossem antes do ponto
de monitoramento da vazão. Essa aproximação é consequência do fato da grade de pontos
ser na realidade uma grade de trechos retilíneos, com um comprimento médio, como
explicado anteriormente no item dedicado a construção da grade.

3.4.3. Carga de patógenos

O cálculo da carga de patógenos é a etapa de cálculo que concentrará os modelos de


decaimento. Essa abordagem foi empregada a partir da observação de que todos os testes
para definição dos valores foram feitos com volumes de controle estáticos. Ou seja, se o
decaimento fosse aplicado à concentração a montante e jusante, o fenômeno de diluição
pela vazão extra aportada no trecho interferiria no resultado de decaimento, o que seria
incorreto. Da maneira empregada, o decaimento é feito a parte da modelagem das vazões,
de forma que as concentrações de patógeno, resultado principal do cálculo, sejam obtidas
de forma correta.

3.4.3.1. Aporte de Coliformes

55
Os valores médios identificados de concentração de coliformes nos esgotos sanitários
utilizados como entrada do modelo é de 10^9 cópias/L (Von Sperling, 2014). A partir dessa
informação, pode-se calcular a carga de coliformes em cada ponto, a partir da seguinte
fórmula:

𝐾 = 𝐶 × 𝑄 × 10³ (8)

Onde:

𝐾 Significa a carga de coliformes no aporte de esgoto no ponto p;

𝐶 : representa a concentração de patógeno esgoto em cópias/L, a multiplicação por 10³

𝑄 : representa a vazão de esgotos lançada nesse ponto da grade em m³/s, calculada no item
anterior.

3.4.3.2. Aporte de SARS-CoV-2

O cálculo do aporte de SARS-CoV-2 possui uma complexidade a mais, referente ao fato de


nem toda a população será considerada como fonte de partículas de SARS-CoV-2. Assim,
será utilizado a multiplicação por um fator que representa a população efetiva de
lançamento. O cálculo desse fator e os valores considerados para cada mês foram
abordados com detalhes no item 6.2.

Ademais, o procedimento segue o padrão do já visto para os coliformes. Como visto na


revisão conceitual, os valores médios identificados de concentração de SARS-CoV-2 nos
esgotos é de 10 cópias/mL, ou seja, 10 cópias/L, que será a unidade trabalhada durante
os cálculos, por habitante infectado. A partir dessa informação, pode-se calcular a carga de
esgotos em cada ponto, a partir da seguinte fórmula:

𝐾 = %𝑃 × 𝐶 × 𝑄 × 10³ (10)

Onde:

 𝐾 Significa a carga de patógeno no aporte de esgoto no ponto p;


56
 %𝑃 : representa a taxa da população efetivamente emissora de SARS-CoV-2
na bacia;
 𝐶 : representa a concentração de patógeno no esgoto em cópias/L;
 𝑄 : representa a vazão de esgotos lançada nesse ponto da grade em m³/s, calculada
no item anterior.

3.4.3.3. Carga a montante e jusante

As cargas a montante e jusante foram calculadas de forma similar às vazões de esgoto a


jusante e montante, a principal diferença e a aplicação do fator de decaimento Δ para a
determinação da carga a jusante. Foram empregadas as seguintes equações:

Cálculo da carga de patógenos a jusante do trecho:

𝑁𝑒 = ∆ (𝑁𝑒 + 𝐾 ) (11)

 𝑁𝑒 Significa a carga de patógeno a jusante para o ponto p;

 𝑁𝑒 Significa a carga de patógeno a montante para o ponto p;

 𝐾 Significa a carga de patógeno no aporte de esgoto no ponto p;


 Δ fator de decaimento

Cálculo da carga de patógenos a montante do trecho:

( )
𝑁𝑒 = ∑ 𝑁𝑒 (12)

 𝑁𝑒 Significa a carga de patógeno a montante para o ponto p;


( )
 ∑ 𝑁𝑒 Significa o somatório das cargas de patógeno a jusante dos pontos

imediatamente montante do ponto p.

57
3.4.4. Concentração

A concentração de patógenos por ponto na bacia é o resultado alvo principal do trabalho.


Isso se deve pelo fato de que o processo de calibração ser pautado em amostras de
concentração de coliforme. Esse processo de calibração será abordado em detalhes no
próximo item.

A partir de momento em que se tem o valor de vazões e cargas de patógenos a montante e a


jusante do trecho, o cálculo das concentrações se torna simples. Esses cálculos estão
expressos a seguir.

Cálculo da concentração a montante:

𝑁𝑒
𝐾𝑒 = (13)
(𝑄 )

 𝐾𝑒 Significa a concentração de patógeno a montante para o ponto p;

 𝑄 Significa a vazão a montante no trecho para o pronto p;

Cálculo da concentração a jusante

𝑁𝑒
𝐾𝑒 = (14)
𝑄

 𝐾𝑒 Significa a concentração de patógeno a jusante para o ponto p;

 𝑄 Significa a vazão a jusante no trecho para o pronto p;

Esses dois valores foram calculados para mostrar que o valor de concentração no trecho
representado por cada ponto de cálculo está compreendido entre a concentração a montante
e a concentração a jusante.

58
3.4.5. Calibração

O processo de calibração do modelo, ou de estimativa dos parâmetros integrantes das


equações, serve basicamente para aproximar o resultado o máximo possível da realidade,
garantindo a validade do modelo construído para representar o fenômeno modelado. Essa
etapa se faz necessária já que diversas incertezas e erros estão associados no processo de
construção dos modelos, como foi ressaltado ao longo do texto.

Modelos ambientais geralmente apresentam limitações para o processo de calibração, como


a não linearidade das equações, a dificuldade da representação dos sistemas em escala real,
a dificuldade nas quantificações de reações bioquímicas, elevado número de parâmetros e a
dificuldade de identificação de determinados processos ecológicos (Von Sperling, 2017).

No caso do modelo desenvolvido nesse trabalho, grande parte dessa complexidade está
associada às constantes de decaimento aplicadas. As relações ecológicas, condições
bioquímicas e algumas variáveis físicas como radiação solar estão sendo representadas por
esses valores, que foram adotados a partir de estudos experimentais encontrados na
bibliografia.

No caso da modelagem de coliformes, extraiu-se um valor validado experimentalmente


para a região da Baía de Guanabara, sistema hidrológico que compreende a bacia do Rio
Pavuna Meriti. Os resultados para a região da Baía de Guanabara para o decaimento de
coliformes retornam tempos entre 4,6 e 9,2 horas para o decaimento de 90% da
concentração inicial (BALDIM, 2013). Esses resultados refletem valores de K
(coeficiente de decaimento) estão entre 6 e 11, para aplicação da unidade temporal em dias.
Para o modelo, utilizou-se um valor intermediário de 8. A utilização desse valor se deve
principalmente a aplicação de dois fatores que influenciam no decaimento de coliformes:
luz solar e salinidade. Nos testes avaliados na bibliografia, a maior parte foram realizados
em condições de águas mais salinas do que as encontradas na bacia, o que faz com que o
K tendesse a retornar valores menores do que os encontrados. Por outro lado, muitos dos
testes simularam condições noturnas, o que não seria aplicável já que as amostras de
monitoramento de qualidade de água dos rios, que será o valor de campo utilizado para
calibração, são tomadas geralmente durante o dia. Esse aspecto tenderia em um coeficiente
59
de decaimento maior do que os resultados obtidos na literatura. Logo, por causa desses dois
fatores, decidiu-se em utilizar um valor intermediário para o decaimento.

Sendo assim, como esses valores foram obtidos a partir de estudos experimentais de
terceiros, eles não foram alvo da calibração. Como o principal dado de entrada quantificado
por esse estudo foi o aporte de esgotos não tratados, essa será a grandeza alvo do processo
de calibração. Assim, foram inseridas duas constantes de calibração e funcionam como
fatores de multiplicação, uma vinculada à população sem esgotamento sanitário e outra
vinculada a população com esgotamento sanitário. Essas constantes serão alteradas pela
ferramenta Solver do Excel até que a concentração em determinados pontos ou determinado
ponto seja igual ou o mais próxima possível dos resultados de monitoramento.

O esperado é que a vazão de esgoto efetiva encontrada após o monitoramento seja


ligeiramente inferior à população estimada na metodologia. Essa expectativa se justifica
principalmente por dois motivos. O primeiro deles é o fato de que o modelo não considerou
o decaimento de coliformes existente entre o ponto de geração, considerado o ponto médio
do setor censitário correspondente, e o ponto de lançamento no corpo receptor. Essa
estimativa seria muito imprecisa, devido ao fato de que o escoamento se daria via canais de
drenagem ou redes de esgoto, dados que não são acessíveis e que variariam muito ponto a
ponto, além de representarem um trecho muito menor e do que o caminho do curso d’água
em si. O outro motivo que corrobora essa hipótese são os recentes investimentos na
ampliação do sistema de esgotamento da bacia, o que pode fazer com que os dados
referentes ao traçado das redes de esgoto estejam ligeiramente desatualizados.

Para validar os resultados obtidos pelas simulações, fez-se uso dos dados de qualidade
referentes ao monitoramento de rios realizados pelo INEA. Um obstáculo encontrado para a
calibração é o fato de que os resultados para as análises de coliformes geralmente tem como
limite superior de quantificação o valor de 1,6 ∗ 10 cópias por 100 mililitros. Ou seja,
pontos de monitoramento que apresentem uma proporção elevada das amostras retornando
valores acima do limite superior de detecção não poderão ser utilizados para a calibração de
forma que retornem resultados precisos. Das oito estações presentes na bacia, quatro
retornam todos os valores disponíveis acima do limite de detecção e três apresentam mais
de 75% dos resultados acima de 1,6 ∗ 10 cópias por 100 mL.

60
A estação que retornou os resultados mais apropriados foi também a estação mais a jusante,
a estação SJ220, já no rio São João de Meriti. Ao se utilizar os dados entre 2013 e 2019,
que são os dados disponíveis na plataforma, a estação possui 26 resultados. Desses 26, 15
retornaram valores acima do limite superior de detecção, o que representa 58% das
amostras. Em virtude do cenário exposto acima, essa será a única estação utilizada para a
calibração do modelo, sendo que os dados em questão estão utilizados na Tabela 7.

Para poder considerar todos os valores na calibração, foi feito uma aproximação
considerando que a dispersão dos valores abaixo do limite superior de detecção seja a
mesma da dispersão observada abaixo dos limites inferiores de detecção, para se encontrar
um valor médio para ser usado para a calibração. O valor encontrado foi de 1,7 ∗ 10
cópias por 100 mL.

Sendo assim, utilizou-se a ferramenta Solver do Excel para aproximar a concentração de


coliformes no trecho da hidrografia onde está inserida a estação utilizada no processo acima
ao valor obtido, alterando as constantes de calibração. Os resultados obtidos foram de 0
(zero) para a constante de calibração referente à vazão de esgotos tratados e 0,7 para a
vazão de esgotos não tratados. Ou seja, para o valor da concentração de coliformes no
trecho referente à estação de monitoramento utilizada ser compatível com os dados
amostrados em campo, deve ser considerado uma vazão de esgotos que corresponde a 70%
do estimado na metodologia, um resultado que está condizente com as expectativas já
desenvolvidas acerca das constantes de calibração. Vale lembrar que esse resultado não
quer dizer que exatamente 70% dos esgotos considerados de fato não são tratados, já que
existem outros erros agregado ao modelo, como a precisão da vazão no ponto e os valores
atribuídos para a constante de decaimento. Esse valor serve apenas para aproximar o
resultado geral o máximo possível da realidade, através da grandeza que foi a estimada
inteiramente nesse trabalho, o aporte de esgotos.

61
Tabela 7: Valores amostrados para concentração de coliformes no ponto de calibração

ESTAÇÃO ANO OPERADOR RESULTADO


SJ220 2019 9,20E+05
SJ220 2019 1,60E+06
SJ220 2019 9,20E+05
SJ220 2019 5,40E+05
SJ220 2019 3,50E+05
SJ220 2018 > 1,60E+06
SJ220 2018 9,20E+05
SJ220 2018 > 1,60E+06
SJ220 2017 > 2,42E+04
SJ220 2017 1,60E+06
SJ220 2016 > 1,60E+06
SJ220 2016 3,50E+05
SJ220 2016 > 1,60E+06
SJ220 2015 > 1,60E+06
SJ220 2015 > 1,60E+06
SJ220 2015 > 1,60E+06
SJ220 2014 > 1,60E+06
SJ220 2014 > 1,60E+06
SJ220 2014 1,60E+06
SJ220 2014 9,20E+05
SJ220 2014 9,20E+05
SJ220 2014 > 1,60E+06
SJ220 2013 > 1,60E+06
SJ220 2013 > 1,60E+06
SJ220 2013 > 1,60E+06
SJ220 2013 > 1,60E+06

62
4. Cenários simulados e resultados

Com os dados de entrada e as metodologias de cálculo definidas, pode-se rodar as


simulações propostas. Para verificar a contaminação fecal como um todo, será feita uma
modelagem de coliformes, utilizando os dados já abordados ao longo do trabalho. Essa
modelagem, além de retornar os valores mais característicos sobre risco de contaminação
por patógenos de via aquática, também serviu para a calibração do modelo, descrita no item
anterior.

Além disso, serão feitas as simulações para aferir a presença de SARS-CoV-2 na bacia.
Para verificar se essa presença seria um bom indicador da presença da doença na região,
serão feitas 12 simulações, que utilizarão os dados de contaminados entre os dias 1 e 27
para cada mês do ano de 2021, como já foi explicado a fundo anteriormente.

4.1. Contaminação fecal - Coliformes

O cenário referente à simulação feita para quantificar o decaimento de coliformes utiliza os


dados já abordados ao longo do trabalho. Como não existe variação temporal do aporte de
coliformes e os dados hidrodinâmicos abordam uma condição hidráulica média em tempo
seco, a simulação será realizada para apenas um cenário de dados de entrada. Um resumo
dos dados complementares utilizados no cálculo pode ser visto Tabela 8.

63
Tabela 8: Resumo de dados de entrada para simulação de coliformes

Organismo simulado: Coliformes

Coeficiente de contribuição para áreas com esgotamento 0


Coeficiente de contribuição para áreas sem esgotamento 0.70
T (°C) 26
K (1/d) 8.000
Concentração no efluente (cópias/L) 1000000000
Taxa de portadores 100.00%
Taxa de portadores emissores 100.00%
Produção per capita de esgotos (L/hab.d) 150

Além dos valores reportados na tabela acima, os dados de entrada incluem o aporte de
esgotos, as vazões e velocidades por trecho. As velocidades e vazões por trecho foram
explicitadas no capítulo referente aos dados hidrodinâmicos. Os aportes de esgoto em cada
trecho após o processo de calibração estação representados na Figura 21.

Figura 21: Aporte de esgotos por trecho

64
Como pode-se perceber, o aporte de esgotos variou entre 0 e quase 29 l/s nos trechos
utilizados. Dos 927 pontos trabalhados, houve aporte de esgotos em 423, o que representa
45% dos trechos recebendo esgoto sanitário não tratado. O valor médio dos valores não
nulo foi de 2,2 l/s, enquanto se consideramos todos os valores, foi de aproximadamente 1
l/s.

Ao rodar o modelo para esse aporte de esgotos, pode-se adquirir também a vazão agregada
de esgoto em cada ponto. Esse resultado é uma representação, já que na realidade não tem
como se separar as vazões de esgoto das vazões de base dos rios. No entanto, esse resultado
reflete o quanto de esgoto já foi lançado na hidrografia a montante daquele ponto. A partir
desse resultado, percebe-se que a contribuição total de esgoto não tratado obtido na bacia é
de 1.353 l/s. A título de comparação, as duas ETEs de grande porte da bacia, (ETE Deodoro
e ETE Pavuna) tratam juntas em torno de 1.100 l/s (SNIRH; 2020). O mapa que expressa
esses resultados pode ser visto na Figura 22. Com esses resultados para o aporte de esgotos,
pode-se rodar as simulações de decaimento de patógenos.

Figura 22: Vazão de esgotos agregada a jusante por ponto de cálculo

65
Como resultado do decaimento de patógenos, o primeiro a ser analisado é a carga de
coliformes por ponto. Esse resultado considera a quantidade de coliformes esperada a
jusante do trecho representado por cada ponto de cálculo. O mapa que representa a carga de
coliformes por ponto está representado na Figura 23. Esse resultado permite a visualização
adequada dos trechos com mais montante de contaminação fecal, além de permitir a
visualização das zonas de maior ou menor decaimento de coliformes ao longo da
hidrografia.

Figura 23:Mapa esquemático da carga de coliformes por trecho

Como pode-se observar, a carga de coliformes segue a tendência da vazão de esgoto


agregada, no que diz respeito à tendência de retornar valores maiores quanto mais a jusante
na bacia. No entanto, observa-se também a influência do decaimento, que faz com que
trechos mais a jusante sejam mais impactados por esse fenômeno em seu percurso que
trechos mais a montante, devido à menores velocidades de escoamento. Os valores
resultantes oscilaram entre 0 e 3,15 ∗ 10 , sendo que o intervalo que compreendeu 75% dos
valores, foi entre 1,66 ∗ 10 e 2,25 ∗ 10 . A mediana dos valores foi 2,25 ∗ 10 e a média

66
3,18 ∗ 10 , essa discrepância entre a média e a mediana indicam a discrepância entre os dados, já
que os valores encontrados nos trechos finais da hidrografia retornaram valores pelo menos uma
ordem de grandeza acima do terceiro quartil dos dados.

No entanto, para a análise referente à contaminação fecal, faz-se necessário os dados de


concentração. A concentração a jusante do ponto foi obtida dividindo a carga de coliformes
encontrada acima pela vazão do MODCEL, aproximando-se o ponto da célula mais próxima do
modelo hidrodinâmico, como já foi explicado anteriormente. Os resultados referentes a este
resultado estão expressos na Figura 24.

Figura 24: Concentração de coliformes a jusante de cada trecho

A bacia não possui enquadramento dos corpos d’água em classes de água doce previstas na
CONAMA 357, no entanto, a AGEVAP afirma que, de acordo com o uso atual, os principais rios
da bacia se enquadram como classe 4. Na CONAMA a concentração permitida para coliformes
termotolerantes está explícita na tabela abaixo:

67
Tabela 9: Limites de Coliformes Termotolerantes de acordo com a classe de enquadramento para água doce

Limite Coliformes
Enquadramento
(cópias/100mL)
Classe 1 200
Classe 2 1000
Classe 3 2500
Classe 4 4000

Considerando o limite de classe 4, já que é a classe estimada pela agência de bacia de


acordo com os usos atuais, tem-se que 841 dos 927 pontos estão acima do limite de para o
parâmetro. Isso representa um total de aproximadamente 91% dos trechos da bacia
considerados com contaminação fecal. Se analisada a dispersão dos pontos, percebe-se que
75% deles estão entre 3.57 ∗ 10 e 7.52 ∗ 107 , um valor em ordem de grandeza 10 mil vezes
superior ao limite para a classe de enquadramento menos restritiva. A dispersão dos valores
de concentração pode ser observada na Figura 25.

1.00E+09
1.00E+08
1.00E+07
1.00E+06
1.00E+05
1.00E+04
1.00E+03
1.00E+02
1.00E+01
1.00E+00

Figura 25:gráfico de dispersão dos resultados de concentração de coliformes, em cópias/L.. Elaboração Própria

Apenas 18 pontos com concentração não nula estão abaixo do limite de 4000
cópias/100mL, o que aproxima o resultado de uma realidade de que apenas os pontos mais
a montante de cada trecho, onde ainda não houve aporte de esgotos não tratados, podem ser
considerados como livres de contaminação fecal. Se observado o mapa conceitual
representado na Figura 26, percebe-se que de fato essa pode ser considerada a realidade da
bacia. Pode-se ver claramente a tendência de pontos abaixo do padrão de contaminação

68
fecal presentes apenas nos pontos mais a jusante de cada ramo, significando que
aproximadamente apenas os pontos que não receberam nenhum aporte de esgotos estão
dentro do padrão do corpo hídrico.

Ao se regressar a Figura 8, referente às comunidades inseridas em zonas de risco de


inundação, percebe-se a maior concentração de áreas nas regiões mais a jusante da bacia,
justamente nas regiões onde praticamente todos os pontos retornam resultados de
contaminação fecal acima do padrão. Este fato configura o risco que essa população, que já
se encontra em situação de vulnerabilidade social, se encontra em caso de eventos de
inundação e alagamento, ou em qualquer outro caso de contato com os canais de drenagem.

Figura 26: Demonstrativo de pontos acima do padrão de coliformes

Vale a pena destacar que esse cenário foi obtido ao se utilizar os limites impostos para um
corpo hídrico de água doce classe 4. Essa classe é a menos restritiva prevista em legislação,
prevendo apenas os usos para harmonização paisagística e lançamento de efluentes. O fato
de que praticamente a totalidade dos corpos hídricos da bacia reportam resultados de
concentração de coliformes acima desse limite explicitam a severidade da condição de

69
qualidade de água desses rios. Esse cenário indica a necessidade de se rever a infraestrutura
da região o mais brevemente possível, de forma a recuperar os rios da região para uma
realidade menos crítica.

4.2. SARS-CoV-2

Diferentemente da simulação de coliformes, o número de emissores de SARS-CoV-2 varia


com o tempo. Portanto, serão necessárias mais simulações para entender a presença do
RNA viral na bacia em relação ao número de casos. Como já foi citado anteriormente no
texto, serão feitas 12 simulações, uma para o dia 27 de cada mês de 2021. O ano de 2021
foi o escolhido já que foi o ano mais recente da pandemia de covid-19 e, além disso, foi um
ano em que o número de casos teve uma grande oscilação mês a mês. Essa característica
será valiosa para a determinação da viabilidade de aplicação de estratégias de WBE para a
bacia, ao avaliar diferentes abrangências da infecção.

Os principais resultados apresentados por este trabalho serão a carga a jusante por trecho e
a concentração a jusante por trecho. Os resultados referentes a carga são eficazes para
verificar o efeito do decaimento ao longo da hidrografia. Como a constante de decaimento
para o RNA viral é ordem de grandezas menor do que a constante de decaimento para
coliformes, é esperado ver um impacto reduzido do decaimento. O cenário da carga serve
também para validar a metodologia de cálculo relacionada ao agregado de vazões e aportes
de patógeno. Os resultados para a carga de SARS-CoV-2 na bacia estão expressos da
Figura 27 até a Figura 38. A escala de cores foi mantida nas figuras para permitir uma
comparação mais fácil entre os diferentes cenários simulados.

Observa-se que de fato o fenômeno de decaimento foi menos perceptível para SARS-CoV-
2 do que para os coliformes. Além disso, destaca-se a maior carga de patógeno nos pontos

70
mais a jusante da bacia, com uma progressão quase que inalterada pelo decaimento à
medida que as vazões dos trechos se acumulam.

Analisando a progressão mês a mês pelas imagens a seguir, fica claro o impacto da variação
de casos na carga aportada na bacia. No entanto, mesmo que a variação ao longo da bacia
tenha sido expressiva, a variação no exutório ficou restrita em uma ordem de grandeza,
como pode-se de ver na Tabela 10, que expressa a variação de resultados de carga de saída
para os meses simulados.

Tabela 10: Resultados mês a mês para a carga de SARS-CoV-2 no exutório

JAN 1.85E+08
FEV 9.99E+07
MAR 2.66E+08
ABR 2.48E+08
MAI 2.75E+08
JUN 1.90E+08
JUL 2.31E+08
AGO 3.83E+08
SET 1.35E+08
OUT 3.19E+07
NOV 1.74E+07
DEZ 2.27E+07

71
Figura 27: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Janeiro

Figura 28: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Fevereiro

72
Figura 29: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Março

Figura 30: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Abril

73
Figura 31: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Maio

Figura 32: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Junho

74
Figura 33: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Julho

Figura 34: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Agosto

75
Figura 35: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Setembro

Figura 36: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Outubro

76
Figura 37: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Novembro

Figura 38: Carga de SARS-CoV-2 por trecho - Dezembro

77
Como o SARS-CoV-2 até então é considerado não infeccioso por vias aquáticas, o
principal objetivo no que diz respeito à sua modelagem na bacia foi a averiguação da
possibilidade da implementação de um sistema de WBE a partir de trechos fluviais. A
possibilidade dessa implementação faria com que bacias pouco esgotadas também
pudessem ser alvo desse tipo de sistema. Para poder fazer uma avaliação correta desse
potencial, o principal dado a ser analisado é a concentração. Isso se dá ao fato de que as
principais barreiras serem os limites de detecção do teste empregado nas análises e a
correlação dos resultados com o número de casos.

Caso os resultados não possuam correlação verificável com o número de casos, mesmo que
seja possível a quantificação exata da concentração de patógenos no corpo d’água, esses
resultados não teriam tanta aplicação prática quanto se os dados estivesses relacionados
com o número de emissores ativos na bacia.

Para averiguar essa correlação, foram feitas três análises de correlação dos resultados de
concentração com a quantidade de emissores ativos. Foram empregadas as análises de
Pearson, Kendall e Spearman para cada ponto em cada mês simulado. A Tabela 11 resume
a amostragem dos resultados trazendo os valores de maior correlação, menor correlação e
correlação média para cada uma das metodologias empregadas.

Tabela 11: Resumo dos resultados das análises de correlação entre os resultados de concentração e o número de
emissores ativos.

Pearson Kendall Spearman

maior 1 1 1

média 0.999994 0.999994 0.999994

menor 0.99992 0.99992 0.99992

Como pode-se perceber, todas as metodologias indicam que houve correlação praticamente
exata dos resultados de concentração com o número de casos para todos os pontos, com os
resultados divergindo apenas na quinta casa decimal. Era esperado que o resultado ao longo

78
da bacia fosse homogêneo, já que não foi empregada uma diferenciação de distribuição
espacial dos emissores, no entanto, o fato da correlação ser exata indica que, a partir dos
resultados obtidos, esse não seria o fator impeditivo para a aplicação de metodologias de
WBE orientado para SARS-CoV-2 na bacia.

No caso dos limites de detecção, o principal impeditivo é caso a faixa de concentração dos
locais de interesse para servirem como ponto de amostragem retornem valores de
concentração fora dos limites de detecção do rt-PCR, que é o teste mais amplamente
utilizado para detectar SARS-CoV-2. Caso os valores estejam acima desse limite, mas as
variações entre os meses tiverem uma distância entre si menor que a incerteza do teste,
também configuraria um impeditivo para a implementação do sistema de monitoramento.

Sendo assim, para avaliar essa condição, foram feitos gráficos de amostragem dos
resultados de concentração em pontos tidos como pontos de interesse para cada mês. Esses
pontos foram escolhidos de acordo com a vazão. Foram tidas duas amostragens de pontos
de interesse, a primeira, os pontos com vazão de esgotos agregada acima de 0,19 m³/s, o
que retornou em 140 pontos, e a segunda para os pontos com vazão de esgotos agregada
acima de 1m³/s, o que retornou em 34 pontos. Os resultados dessas amostragens podem ser
visualizados na Figura 39 e na Figura 40 respectivamente.

70000

60000

50000

40000

30000

20000

10000

0
JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

Figura 39: Intervalos dos resultados de concentração de SARS-CoV-2 em cópias/L para pontos com vazão de esgotos
acima de 0,19m³/s

79
35000

30000

25000

20000

15000

10000

5000

0
JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

Figura 40: Intervalos dos resultados de concentração de SARS-CoV-2 em cópias/L para pontos com vazão de esgotos
acima de 1m³/s

Como pode-se perceber com os gráficos acima, os resultados para os pontos que seriam
mais representativos em relação à população da bacia retornaram valores de concentração
não maiores de 60000 cópias/L, situação agravada no caso dos pontos acima de 1m³/s de
esgotos acumulado, que não passaram de 35000 cópias/L. No entanto, o limite inferior do
rt-PCR é de 125 cópias/mL, o que faz com que os pontos que retornariam informações mais
abrangentes sobre a bacia sejam inviáveis como pontos de monitoramento por apresentarem
concentrações de RNA viral inferiores ao limite inferior de detecção do teste, mesmo para
ao mês de pico de casos em 2021. Uma consideração importante sobre esse resultado é que
foram consideradas vazões médias obtidas no registro histórico de monitoramento da bacia,
fazendo com que o resultado não considere a variação sazonal de vazões, o que resultaria
em valores de concentração ainda menores para os meses chuvosos. Esse resultado pode ser
reavaliado caso sejam desenvolvidos testes acessíveis mais sensíveis, mas é um cenário
longe da realidade, já que os testes disponíveis já são considerados tendo uma sensibilidade
bastante alta.

Os resultados apresentados acima indicam que o monitoramento de SARs-CoV-2 nos


esgotos em trechos fluviais não seria viável e não retornaria resultados utilizáveis para o
setor de saúde pública, como foi o caso dos resultados já obtidos para sistemas
80
implementados em sistemas de esgotamento sanitário. No caso da simulação apresentada
por esse trabalho, ficou claro que as altas vazões presentes nos canais de drenagem, muito
maiores do que aquelas encontradas em SES, fazem com que a concentração do SARS-
CoV-2 nesse tipo de ambiente seja reduzida ao ponto de que não seja identificável pelos
testes de alta sensibilidade. Os resultados gerais de concentração estão expressos entre a
Figura 41 e a Figura 52.

81
Figura 41: Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de janeiro

Figura 42: Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de fevereiro

82
Figura 43: Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de março

Figura 44: Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de abril

83
Figura 45:: Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de maio

Figura 46: Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de junho

84
Figura 47: Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de julho

Figura 48: Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de agosto

85
Figura 49: Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de setembro

Figura 50: Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de otubro

86
Figura 51: : Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de novembro

Figura 52: Concentração a jusante de SARS-CoV-2, ponto a ponto, para o mês de dezembro

87
5. Conclusões

No decorrer do desenvolvimento do trabalho, pôde-se abordar as principais questões


levantadas nos objetivos gerais e específicos propostos para esse texto. Por ser um assunto
que depende de conhecimentos gerados muitos recentemente, as vezes ainda em estudos
incipientes, muitas vezes as pesquisas e o aprofundamento no tema geraram mais perguntas
do que respostas precisas. No entanto, de forma geral, avalia-se um desenvolvimento
pertinente acerca dos objetivos propostos inicialmente.

O estado da arte no que diz respeito ao decaimento de patógenos e modelagem da


contaminação fecal em corpos d’água fluviais já é bem consolidado. Em contrapartida, não
se pode afirmar o mesmo acerca dos estudos sobre o comportamento do SARS-CoV-2 em
corpos d’água fluviais que recebam uma quantidade significativa de esgoto bruto. Mesmo
muitos estudos de qualidade tendo sido produzidos em ambientes controlados, ainda há
uma quantidade grande de dados dissonantes, muito derivado também da não padronização
de metodologias de ensaio. Assim, pode-se dizer que existe espaço nessa área para a
elaboração de estudos mais aprofundados sobre o comportamento do patógeno nos sistemas
de esgotamento sanitário e drenagem, principalmente no caso de regiões onde os dois
sistemas interajam de forma mais intensa e desordenada, como é o caso da bacia do
Pavuna-Meriti.

Foi também abordado pela caracterização da bacia as principais características que


influenciam os potenciais e riscos da bacia acerca da contaminação fecal em corpos d’água.
Destacam-se a quantidade de zonas de risco de inundação aliada à expressiva parcela da
população residente em comunidades, fazendo com que o espaço amostral que englobe
pessoas que habitam espaços inundáveis em situação de vulnerabilidade social seja
extremamente significativa. Quando contrastado este cenário com os resultados da
modelagem de coliformes, pode-se dizer que com clareza que existe um grande potencial
de perigo na bacia acerca da contaminação fecal dos corpos d’água.

O resultado da simulação em si retornou valores condizentes com o esperado e o resultado


dos processos de calibração indicaram que as estimativas e pressupostos necessários não
fugiram drasticamente da realidade. Como ponto de melhoria perceptível para simulações
88
futuras, seria a utilização de uma grade mais detalhada para a obtenção dos dados
hidrodinâmicos, o que facilitaria a correlação de todos os pontos da grade de forma mais
precisa. Além desse ponto, as metodologias empregadas para definição de esgotamento
sanitário e a obtenção dos resultados referentes à carga de patógeno e vazão de esgotos se
mostraram bastante consistentes em relação aos resultados esperados para a bacia em
questão, fazendo com que se mostrassem de relativa simplicidade de aplicação e
replicabilidade, o que pode fazer com que sejam boas ferramentas para estudos com
escopos similares.

Por fim, os resultados referentes à concentração de SARS-CoV-2 nos pontos da bacia, que
visavam avaliar a aplicabilidade de estratégias de WBE também foram bastante conclusivos
e elucidativos. O fato de que nenhum ponto com abrangência considerada suficiente para a
aplicação de um plano de monitoramento epidemiológico ter retornado valores de
concentração nem próximo do limite mínimo para serem utilizáveis mostra que de fato a
melhor abordagem para esse tipo de sistema parece ser a testagem nos sistemas de
esgotamento sanitário, principalmente quando separador absoluto. Esse resultado endossa o
resultado da simulação de contaminação fecal no sentido da necessidade de universalização
do serviço de esgotamento sanitário e da implementação de um sistema de coleta e
tratamento eficientes. Esse estudo aponta para a já conhecida necessidade desse tipo de
sistema para que ao mesmo tempo possa ser reduzido o risco proveniente das águas
residuárias para a população, estas possam gerar benefício para as comunidades geradores a
partir do monitoramento epidemiológico, o que reverteria a ótica dos esgotos de meramente
um problema para ser afastado para uma fonte de dados relevantes que colaboram no
aperfeiçoamento da saúde pública da região.

89
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