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Históriae Cultura Gastronômica
Históriae Cultura Gastronômica
DIREÇÃO UNICESUMAR
palavra do reitor
Reitor
Wilson de Matos Silva
Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos IGC 4 em 7 anos consecutivos. Estamos entre os 10
com princípios éticos e profissionalismo, não somente maiores grupos educacionais do Brasil.
para oferecer uma educação de qualidade, mas, acima A rapidez do mundo moderno exige dos edu-
de tudo, para gerar uma conversão integral das pes- cadores soluções inteligentes para as necessidades
soas ao conhecimento. Baseamo-nos em 4 pilares: de todos. Para continuar relevante, a instituição de
intelectual, profissional, emocional e espiritual. educação precisa ter pelo menos três virtudes: ino-
Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos vação, coragem e compromisso com a qualidade. Por
de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia,
mil estudantes espalhados em todo o Brasil: nos quatro metodologias ativas, as quais visam reunir o melhor
campi presenciais (Maringá, Curitiba, Ponta Grossa do ensino presencial e a distância.
e Londrina) e em mais de 300 polos EAD no país, Tudo isso para honrarmos a nossa missão que
com dezenas de cursos de graduação e pós-graduação. é promover a educação de qualidade nas diferentes
Produzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais áreas do conhecimento, formando profissionais ci-
de 500 mil exemplares por ano. Somos reconhecidos dadãos que contribuam para o desenvolvimento de
pelo MEC como uma instituição de excelência, com uma sociedade justa e solidária. Vamos juntos!
boas-vindas
boas-vindas
Pró-Reitor de Ensino de EAD Diretoria de Design Educacional
Janes Fidélis Tomelin Débora do Nascimento Leite
Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está conceitos teóricos em situação de realidade, de ma-
iniciando um processo de transformação, pois quando neira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja,
investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou pro- estes materiais têm como principal objetivo “provocar
fissional, nos transformamos e, consequentemente, uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta
transformamos também a sociedade na qual estamos forma possibilita o desenvolvimento da autonomia
inseridos. De que forma o fazemos? Criando opor- em busca dos conhecimentos necessários para a sua
tunidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de formação pessoal e profissional.
alcançar um nível de desenvolvimento compatível com Portanto, nossa distância nesse processo de cresci-
os desafios que surgem no mundo contemporâneo. mento e construção do conhecimento deve ser apenas
O Centro Universitário Cesumar mediante o geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos
Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou
durante todo este processo, pois conforme Freire seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente Virtual
(1996): “Os homens se educam juntos, na transfor- de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, as-
mação do mundo”. sista às aulas ao vivo e participe das discussões. Além
Os materiais produzidos oferecem linguagem disso, lembre-se que existe uma equipe de professores
dialógica e encontram-se integrados à proposta pe- e tutores que se encontra disponível para sanar suas
dagógica, contribuindo no processo educacional, dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendiza-
complementando sua formação profissional, desen- gem, possibilitando-lhe trilhar com tranquilidade e
volvendo competências e habilidades, e aplicando segurança sua trajetória acadêmica.
História e Cultura Gastronômica
Apresentação do Livro
Professor Mestre
Kleber Eduardo Men
Olá, aluno(a)!
Seja bem-vindo(a) ao livro da disciplina de História e Cultura Gastronômica
do curso de Gastronomia da Unicesumar. É um prazer enorme ter sido con-
vidado pela instituição para ser autor deste livro e, também, o professor
formador desta disciplina, assim como fui também da disciplina de História e
Cultura do Brasil. Como é de praxe, antes de tudo, gostaria de me apresentar.
Sou o professor Kleber Eduardo Men, sou formado em História, pela
Universidade Estadual de Maringá (UEM), no ano de 2007. Sou especialista
em Docência no Ensino Superior pela Unicesumar, no ano de 2011, e possuo
mestrado em História das Instituições e das Ideias, pela Universidade Estadual
de Maringá, no ano de 2013. Tenho mais de oito anos de experiência em
docência, incluindo os ensinos fundamental, médio e superior e os cursos
preparatórios.
Além de professor, sou autor de vários livros didáticos destinados à
Educação a Distância, modalidade essa que me dedico bem antes de minha
formação, já que trabalhei como Editor de TV por vários anos. No que diz
respeito a este material, vou apresentar a você o tema central de cada unidade
que aqui será abordada.
Na primeira unidade, vamos abordar a formação da civilização Ocidental.
Analisaremos a partir do Renascimento Cultural, já que foi a partir desse perío-
do que esse modelo de civilização começou a se estruturar e, ao mesmo tempo,
difundir-se pelo mundo. Sendo assim, vamos abordar o Renascimento e algu-
mas das bases que edificaram esse paradigma, que, nesse caso em específico,
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 7
História e Cultura da
Civilização Ocidental
15 O Renascimento Cultural e a
Emergência do Paradigma Greco-
Romano em Fins da Idade Média
35 A Globalização e a Difusão do
Modelo de Civilização Ocidental
UNIDADE 2
61 O Comportamento à Mesa
UNIDADE 3
A Evolução da Gastronomia
83 Da Necessidade Fisiológica à
Arte: A Evolução da Gastronomia
93 Expansão, Globalização
e Gastronomia
101 AClássica
Contribuição da Cozinha
Francesa
Legendas de
Ícones
Dica do Chef: dicas rápidas para complementar um conceito, detalhar procedimentos e proporcionar
sugestões. Habilidades: elo entre as disciplinas do curso. Mão na massa: indicação de atividade
prática. Fatos e Dados: complementação do conteúdo com informações relevantes ou acontecimentos.
Minicaso: aplicação prática do conteúdo. Reflita: informações relevantes que proporcionam a reflexão de
determinado conteúdo. . Recapitulando: síntese de determinado conteúdo, abordando principais conceitos.
Saiba mais: Informações adicionais ao conteúdo.
História e Cultura
da Civilização Ocidental
KLEBER EDUARDO MEN
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
Objetivos de Aprendizagem
• Estudar como o modelo de homem greco-romano emergiu na Europa
Ocidental em fins da Idade Média.
• Observar como foi a formação da civilização Ocidental.
• Compreender quais foram os elementos que formaram a civilização
Ocidental.
• Entender como o modelo de civilização Ocidental se difundiu pelo
mundo.
13
Introdução
Gostaria que você, aluno(a) da Unicesumar, prestasse muita atenção no que será demonstrado
nesta introdução. Se você já passou dos 30 anos de idade, certamente já deve ter assistido à
clássica trilogia, estrelada por Michael J. Fox e Cristopher Lloyd, “De volta para o futuro”. Se
não assistiu, deveria assistir! Porém, qual a razão de estarmos tecendo tal comentário? É fácil!
Em uma das cenas do terceiro filme da série, que se passa quase totalmente em 1955, o perso-
nagem Dr. Emmett L. Brown (Cristopher Lloyd) faz um comentário sobre um transistor que se
quebrou, dizendo que a razão de tal ruína se justificava, pois a peça era “made in Japan”. Marty
McFly (Michael J. Fox), rapidamente, o corrige e diz que, em 1985, ano em que se inicia toda a
história, tudo era fabricado no Japão. Principalmente os aparelhos eletrônicos.
Da mesma maneira, se o(a) distinto aluno(a) tivesse a capacidade de construir uma máquina
do tempo, a utilizasse para voltar ao ano de 1985 e aterrissasse, portando, alguns aparelhos
eletrônicos fabricados na China, o espanto seria o mesmo, pois, há trinta anos, esse país não
era a sombra do que se vê hoje.
Imagine, então, se você pudesse pegar essa mesma máquina do tempo e regressar ao início
do século XVI? Imagine, também, que você entraria em uma taberna e dissesse ao público
presente que daquele continente emergiriam os valores que transformariam toda a sociedade;
que as pessoas daquele continente seriam as responsáveis por descobrir e colonizar um Novo
Mundo; que aquela população iria propagar os valores do cristianismo por todo o globo, bem
como seus usos e costumes!? Também não se assustaria se alguém lhe tentasse queimá-lo vivo,
já que o considerariam louco.
Pois bem! Hoje em dia, parece muito fácil perceber que os valores da civilização Ocidental
estão por toda parte, não apenas do lado Oeste do globo terrestre. Basta observar a quantidade
de pessoas que utilizam calças jeans e bebem Coca-Cola ao redor do mundo, isso apenas para
citar dois exemplos bem simples.
Sendo assim, partindo desse ponto de vista, vamos buscar compreender como se formou
a civilização Ocidental, e, ao longo do livro, apresentar como ela está intimamente ligada à
cultura gastronômica, bem como seus valores, seus usos e costumes, sua identidade, enfim,
tudo aquilo que nos for necessário para entendermos esse que é o mais bem-sucedido modelo
civilizatório já visto.
História e Cultura Gastronômica
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 15
O Renascimento Cultural e a
Emergência do Paradigma
Greco-Romano em
Fins da Idade Média
O
Renascimento foi o responsável por foram sentidas na política, uma área de grande
quebrar o modelo de sociedade do- importância na formação da sociedade moderna.
minada pelos dogmas medievais, em Em suma, o Renascimento mexeu, de forma sig-
que uma vida de contemplação era nificativa, com as estruturas morais europeias.
preferível (muitas vezes obrigado) a uma vida Nesse contexto, a cultura gastronômica
de prazeres. Podemos, então, logo imaginar que também não poderia passar ilesa a essas trans-
o homem se tornou um ser mais risonho, alegre formações, conforme podemos observar:
e feliz, já que a busca pelo prazer começa a guiar As cidades italianas da Renascença ge-
os seus instintos. Entretanto, esse evento está raram a ruptura decisiva dos padrões
ligado a um contexto muito mais amplo, con- gastronômicos medievais. Nessa so-
ciedade urbana, dava-se menos ênfase
forme destacou Cambi (199, p. 222-223):
à ostentação em favor da elaboração
Na origem da civilização Renascentista qualitativa, modelo que se difundia em
estão as grandes transformações políti- todas as cortes europeias. A profusão de
cas, sociais e culturais que, iniciadas no alimentos que caracterizara os banque-
século XIV e até mesmo antes, fazem tes da Idade Média cedia lugar à concep-
sentir seus efeitos nos séculos seguintes. ção mais refinada dos prazeres da mesa
Entre essas, assumem particular relevân- (FRANCO, 2010, p. 151).
cia dois fenômenos estreitamente cone-
xos entre si. O primeiro é representado
pela formação dos Estados nacionais na
Europa e os regionais na Itália. O fim
das duas grandes instituições universa-
listas medievais, o papado e o Império,
favorece o nascimento e a sucessiva afir-
mação de algumas entidades nacionais.
França e Inglaterra sobretudo, com a
O Renascimento foi um momento de nossa
consequente simplificação da geografia
história em que os valores oriundos da
política e o desaparecimento de numero-
cultura Ocidental grega e romana come-
sos potentados feudais locais, nascidos à
çaram a ser resgatados pelos pensadores
sombra da política imperial e da Igreja.
e artistas italianos.
Monalisa (Gioconda) de Leonardo da Vinci. Uma das obras que se tornou um ícone do Renascimento.
História e Cultura Gastronômica
Dando continuidade a nossa discussão, primei- Essas atividades, somadas a uma nova men-
ramente, é preciso deixar claro, estimado(a) alu- talidade urbana que insurgia nesse contexto,
no(a), que antes do advento do Renascimento, a foi também um dos fatores mais importan-
Igreja Católica era a instituição mais bem orga- tes à consolidação do Renascimento. Segundo
nizada na Europa e que sua forma de interpretar Manoel (2011, p. 79):
o mundo foi imposta como um dogma. Nesses No plano da vida material, o fortaleci-
termos, o Renascimento representou um grande mento da burguesia, a descoberta de
abalo ao predomínio mental dessa instituição, novas terras e a ampliação da explo-
ração capitalista, naquele momento
pois a liberdade de pensamento passou a ser
configurada na política mercantilista,
vista como algo inerente ao “novo homem”. iniciaram a demolição da sociedade
Um dos pontos fundamentais desse perí- feudal. No âmbito da crença, a Reforma
Protestante abalou seriamente o mo-
odo foi a emergência de uma classe social que,
nopólio religioso da Igreja Católica,
ao contrário dos aristocratas feudais, tinham a obrigando-a a convocar o Concílio de
sua riqueza oriunda das atividades comerciais. Trento (1545-1563), durante o qual foi
instituída a Contra-Reforma, ficando a
Companhia de Jesus, fundada em 1540,
encarregada de elaborar um método pe-
dagógico para fazer a Contra-Reforma
por meio da educação.
Numa sociedade que se preocupa em explicitar as diferenças sociais por toda espécie de meios, o tipo de
alimentação permitia estabelecer uma segregação não só entre as diferentes classes, mas também uma
diferenciação entre cultura rural e cultura urbana. Os documentos literários constituem indicadores parti-
cularmente sensíveis do valor social atribuído aos diversos alimentos e nos permitem apreender o código
social ao qual estes e as refeições eram investidos. Inúmeros textos nos lembram que o consumo diário de
pão branco distinguia os citadinos das populações rurais. Estas revelavam-se mais propensas a consumir
pão feito com uma mistura de cereais (trigo e milhete, por exemplo) ou, mais simplesmente ainda, cozendo
os cereais e consumindo-os sob essa forma bruta. Longe de ser puramente literária, essa distinção é com-
provada também pela existência de discriminações sociais e alimentares nos espaço confinado dos nativos
do século XV, que previam pelo menos duas mesas diferentes. Segundo o relatório de Benedetto Dei aos
Consoli e Signori del Mare de Pisa em 1471, a escala de salários respeitava estritamente a hierarquia dos
homens a bordo, que também se refletia nas diferenças de cardápios. Servia-se pão branco ao proprietário
do navio e aos oficiais, enquanto o resto dos homens devia se contentar com rações de biscoitos secos.
Fonte: GRIECO, Allen J. Alimentação e classes sociais no fim da Idade Média e na Renascença. In: FLANDRIN, Jean-Louis;
MONTANARI, Massino (Org.). História da Alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 1998. (p. 468.)
O Calvinismo foi uma seita cristã, surgida no seio da Reforma Protestante, no século XVI, e que dentre seus
principais valores está uma moral ligada ao trabalho honesto. Com base na teoria da Predestinação, para
Calvino, o homem já nasce predestinado a salvação. Dentre os sinais divinos dessa escolha, está o acúmulo
de riqueza por meio do trabalho. Dessa forma, criou-se uma moral religiosa na qual o trabalho era visto
como uma forma de louvar e agradecer a Deus e que foi fundamental para a proliferação do capitalismo
no mundo.
No campo religioso, conforme foi destacado por Vamos raciocinar da seguinte maneira: segundo
Manoel (2011), a Reforma Protestante acabou a teoria bíblica, o homem foi criado a imagem e
por quebrar o monopólio do cristianismo que semelhança de Deus. Dessa forma, não há nada
a Igreja Católica possuía. Além disso, com o ad- sobre a Terra semelhante ao homem, nem em
vento da religião calvinista, o trabalho passou a espírito, nem com a capacidade de raciocínio.
ser visto como dom divino e como uma maneira Já que somos a mais perfeita obra de Deus e se
de se aproximar de Deus. Sendo assim, essa nova Ele nos deu a capacidade de pensar, agir, racio-
mentalidade, que se difunde com essas trans- cinar, ter prazer, criar, inventar, sorrir, seria um
formações, vai, aos poucos, originando novos desrespeito a Deus caso não usássemos esses
valores, que serão importantes para a formação dons e talentos. Assim, o Humanismo coloca
da mentalidade moderna Ocidental. Outro ele- o homem no centro das ações. Tudo que se faz
mento que vem no bojo do Renascimento é o aqui na Terra, em primeiro lugar, deve se levar
Humanismo, que, segundo o autor, embora não em conta o prazer mundano. Deus, contudo,
negue a existência de Deus, coloca o homem em continuou, como citado anteriormente, sendo
um plano superior da vida mundana. Ou seja, visto como a força criadora do universo. Em
o mundo espiritual pertence a Deus, mas aqui linhas gerais, essa foi a essência do Humanismo.
na Terra o homem foi colocado para ser feliz. Portanto, o Renascimento Cultural, que se
iniciou na Península Itálica no século XIV e se
O Humanismo foi uma violenta reação
ao modo de pensar, de educar, de se ex- difundiu pela Europa nos séculos seguintes, não
primir, e, podemos mesmo afirmar, foi foi apenas um evento do qual emergiram inú-
uma reação à maneira de viver da Idade meros artistas e pensadores. Foi um momento
Média. As novas ideias renascentistas
não se limitaram a recuperar os pensa-
que fez surgir um novo homem, que passou a
dores da Antiguidade, mas chegaram integrar essa sociedade com novos valores, com
a estabelecer uma espécie de tribunal novos pontos de vista acerca da sua própria
epistemológico. Se, antes, o que valia era
existência. Todas essas transformações foram
o saber referente a Deus e à salvação da
alma, as novas realidades concretas e importantes para moldar a sociedade Ocidental,
intelectuais do Renascimento, e da Era criando costumes e práticas culturais que são
Moderna em geral, estabeleceram que o vistas até hoje.
homem era o centro das preocupações do
No contexto de transformações causadas
próprio homem (MANOEL, 2011, p. 79).
pelo Renascimento, as cidades que mais tive-
Eu gostaria que você, aluno(a), refletisse sobre a ram destaque nesse período foram as italia-
citação acima com base no exemplo que lhe darei. nas Gênova e Veneza. Nessa região, em razão
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 21
Os “Aplicativos”que Formaram a
Civilização Ocidental
As palavras inveja e cobiça, quando as ouvi- de todos. Ninguém entra em campo para perder.
mos, quase sempre nos causam ojeriza, indepen- Você gostará de ser reconhecido como aquele que
dente do contexto em que elas estão inseridas. faz o melhor molho, o melhor tempero, enfim,
Entretanto, quando elas são colocadas na prática tudo isso fará com que você se dedique ainda
no mundo comercial, elas podem ser o grande mais e que se aperfeiçoe para que seu desem-
motor do desenvolvimento das sociedades. Em penho atraia uma clientela bastante qualificada.
suma, inveja e cobiça são os motores da compe- Contudo, infelizmente, muitas pessoas interpre-
tição. Quando você estiver trabalhando, desem- tam que, para ser melhor do que o outro, não é
penhando as suas funções como profissional da preciso melhorar, mas sim sabotar o concorrente.
gastronomia, certamente objetivará ser o melhor Nada mais ruim do que isso!
Para os padrões do século XV, a China era estava mais avançada e, em decorrência disso,
um lugar relativamente agradável de se acabaram tomando a dianteira das transforma-
viver. A rígida ordem feudal estabelecida ções e inovações tecnológicas. Essa explicação
História e Cultura Gastronômica
está na própria geografia da região: nem comida. Entretanto, tudo isso pode ser reme-
Podemos encontrar a resposta obser- tido à ideia do consumo, que é o outro “aplicativo”
vando os mapas da Europa medieval, que caracteriza a sociedade Ocidental, conforme
que mostram literalmente centenas de já destacamos. Entretanto, como tudo na vida,
Estados concorrentes, dos reinos da
sempre há dois pontos de vista.
costa Ocidental às muitas cidades-esta-
dos situadas entre o Báltico e o Adriático, A competição, bem como a necessidade de
de Lübeck a Veneza. Havia aproximada- as empresas maximizarem os lucros, do ponto
mente mil cidades na Europa do século
de vista da cultura alimentar, foi o que criou um
XIV; e ainda cerca de 500 unidades mais
ou menos independentes 200 anos mais formato de alimentação, o qual, praticamente,
tarde (FERGUNSON, 2012, p. 63). foi a marca principal do século XX: a empresa
McDonalds. Segundo Franco (2010, p. 243),
Essa fragmentação fez com que essas cidades- no afã de maximizar o lucro, a
-estados competissem entre si. Conforme já McDonaldização dissimula um dos
foi dito, a competição foi a mola propulsora seus artifícios mais eficazes: substituir a
maior parte possível do trabalho assala-
que impulsionou o Ocidente para a dianteira
riado pelo trabalho da própria clientela.
do mundo. Em suma, podemos concluir com as Para tanto, as empresas devem conven-
palavras de Ferguson (2012, p. 65) que: cer os clientes de que tudo é feito para
oferecer-lhes serviços mais eficientes.
A fragmentação política que caracterizou Na verdade, à medida que a sociedade
a Europa impossibilitou a criação de qual- se McDonaldiza, todos gastamos mais
quer coisa que lembrasse remotamente tempo fazendo fila e executando tarefas
o império Chinês. Também incentivou não remuneradas para um número cres-
os europeus a procurar oportunidades cente de empresas.
– econômicas, geopolíticas e religio-
sas – em terras distantes. Você poderia
dizer que se tratou de dividir e governar
Isso, segundo o autor, está em todos os ramos
– exceto que, paradoxalmente, foi divi-
dindo a si mesmos que os europeus con- da vida civil, pois o termo McDonaldização já se
seguiram governar o mundo. Na Europa, tornou um paradigma de produção e maximização
o pequeno era belo porque significava dos lucros, pois vemos isso em bancos, em call cen-
competição – e competição não só entre
ters e vários outros estabelecimentos comerciais.
Estados, mas também no interior destes.
Assim como Taylor, Ford e Toyota, o Mcdonald’s
Como você já percebeu, a competição é a mola pro- também poderá ser elevado à categoria como
pulsora do capitalismo. Sem a competição, não te- modelo produtivo a ser seguido. Entretanto, esse
ríamos roupas, calçados, telefones, computadores, é um outro debate!
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 29
Pois bem, prezado(a) aluno(a), imagine você restaurante de fast food, uma pessoa usando
saindo agora de sua residência com destino a tênis, telefonando com seu celular, divertindo-
dar uma volta ao mundo. A possibilidade de -se com seus smartphones, ou, simplesmente,
você ficar espantado com a forma das pessoas deslocando-se de um lado para o outro com um
se vestirem em locais muito distantes ainda é automóvel. Isso é um fenômeno recente e que
grande, mas, certamente, a quantidade de locais merece muita discussão e questionamentos para
que lhe proporcionará tal espanto foi bastante entender a razão de tudo isso.
reduzida, em comparação ao período em que O que há em nossas roupas que parece
Kanh fez o seu inventário imagético. Se, por ser irresistível aos outros povos? Vestir-se
acaso, for visitar as mesmas regiões onde esse como nós significa querer ser como nós?
Claramente, não se trata só de roupas.
banqueiro esteve, as chances de você se deparar
Trata-se de abraçar toda uma cultura
com as mesmas situações são remotas. A que se popular que passa pela música e pelo
deve isso? A evolução da ciência e da tecnologia? cinema, sem falar dos refrigerantes e da
fast food. Essa cultura popular contém
Sim, são dois fatores importantes, mas todos
uma mensagem sutil. Diz respeito a li-
eles devem ser colocados a serviço do consu- berdade – o direito de se vestir ou beber
mo, pois foi esse um dos principais fatores da ou comer como você quiser (mesmo que
ocidentalização do mundo. isso signifique ser como todos os demais).
Diz respeito à democracia – porque só
Em linhas gerais, podemos afirmar que,
os produtos de consumo que realmen-
em qualquer canto do mundo que visitar, di- te agradam as pessoas são produzidos
ficilmente não encontrará uma calça jeans, um (FERGUSON, 2012, p. 237).
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 31
Trocando em miúdos, o modelo de vida assim o desejam. Dessa forma, prevalece o velho
Ocidental, intimamente ligado ao vestuário, foi brocardo: “o cliente sempre tem razão”.
o meio mais democrático, no que diz respeito a O consumismo é um fenômeno que veio
atender aos anseios da população, já que nin- para ficar. Nem as sociedades anticapitalistas,
guém vai até sua casa com uma calça jeans e o principalmente aquelas oriundas da doutrina
obriga a vestir. Da mesma maneira que ninguém marxista, foram capaz de resistir a esse modo
vai até você e lhe força a utilizar um tênis. Nós de vida. O consumo é eficiente porque ele é
utilizamos essas vestimentas porque elas são sedutor, não é preciso impor nada a força, basta
mais confortáveis e simples. O tênis, bem como fazer com que as pessoas sintam vontade em
a calça jeans – só para utilizar dois exemplos bá- consumir determinado produto e pronto.
sicos – somente são produzidos em larga escala, Não é necessária qualquer ação violenta. Ao
em diferentes tonalidades de cores e tamanhos, mesmo tempo em que a sociedade de consumo
além de preço, porque os próprios consumidores se propôs democrática, pois visava fornecer às
História e Cultura Gastronômica
pessoas uma grande variedade daquilo que elas Europa, em função da Primeira Guerra (1914-
queriam consumir, esse modelo acabou por ho- 1918), além dos regimes totalitários de orientação
mogeneizar a forma de se vestir, de comer, ou socialista que dominaram países como Alemanha,
seja, criou um paradoxo (FERGUSON, 2012). Itália e a União Soviética. Tudo isso limitou demais
Foi justamente essa sociedade de consumo, o acesso das pessoas e dos empreendedores ao
bem como a revolução da produtividade do século crédito. Crédito esse que foi, digamos, mais farto
XX, que acabou por diminuir a diferença aparente a partir da década de 1950. Isso afetou profun-
entre ricos e pobres. O paradigma taylorista de damente a economia, já que, com a facilidade de
produtividade proporcionou ao industrial produzir se emprestar dinheiro, as empresas passaram a
mais com menores custos, podendo repassar essa produzir mais e as pessoas, como agora podiam
economia no preço final da mercadoria, fazendo pagar os produtos parcelados, também puderam
com que as pessoas tivessem um acesso cada vez adquirir produtos sem a necessidade de dinheiro
maior a produtos mais baratos. Segundo Silveira, à vista. Isso jamais havia acontecido!
Carvalho e Alexandre (2010, p. 89), “através da Os pais dos baby boomers foram a pri-
Revolução da Produtividade, gerada com base nas meira geração a ter acesso significativo
experiências de Taylor, é que foi possível a mul- ao crédito ao consumidor. Eles compra-
ram sua casa a prazo, seu carro a prazo
tiplicação de bens, riqueza e a melhoria real nas
e seus eletrodomésticos – geladeiras,
condições de vida dos trabalhadores”. aparelhos de TV e máquinas de lavar
A sociedade de consumo é tão forte que até roupa – a prazo. Em 1930, quando veio
a Depressão, mais da metade dos lares
mesmo nos movimentos ditos revolucionários,
norte-americanos tinha eletricidade, um
que levantam bandeiras contra o capitalismo, automóvel e uma geladeira. Em 1960,
é possível ver jovens com seus iPhones, iPads, cerca de 80% dos norte-americanos
tinha não só essas conveniências, como
vestindo roupas de marcas da moda, bem como
também telefone. E a velocidade com
fazendo um lanchinho em alguma rede de fast que os novos bens de consumo duráveis
food famosa. Essa imagem é comum em todos os se difundiam continuou aumentando.
cantos do mundo, não apenas restrita ao mundo A Máquina de lavar foi inventada antes
da Depressão, em 1926. Em 1965, 39
Ocidental. Isso é a prova mais concreta de que o anos mais tarde, metade dos lares tinha
consumo foi um aplicativo que deu certo! uma. O ar condicionado foi inventado
Toda essa cultura do consumismo se tornou em 1945. Passou da marca dos 50%
em 1974, 29 anos depois. A secadora
evidente logo após a Segunda Guerra Mundial
de roupas apareceu em 1949, e 23 anos
(1939-1945). A primeira metade do século XX depois estava em mais da metade dos
foi bastante complicada, principalmente para a lares (FERGUNSON, 2012, p. 278-279).
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 33
Isso é apenas para mostrar um pouco das trans- recentemente, e isso pode ser visto principal-
formações que o incentivo ao consumo pro- mente aqui no Brasil.
vocou na sociedade. No que diz respeito aos Sendo assim, a sociedade de consumo, bem
países desenvolvidos, como os Estados Unidos, como a competição, é um dos principais pilares da
Canadá, Japão e outros da Europa, esse fenô- civilização Ocidental. Foram esses aplicativos que
meno do consumismo foi algo experimentado colocaram o Ocidente na condição de vanguarda
logo após a Segunda Guerra, entretanto, nos das inovações e transformações, que mudaram cul-
países emergentes, esse consumismo somente turas, usos, costumes, além de proporcionar muito
fora transformado em um estilo de vida mais desenvolvimento e conforto em nossas vidas.
Fonte: SILVEIRA, Itamar Flávio; CARVALHO, Suelem Halim Nardo de; ALEXANDRE, Luís Fernando Pessoa. O
Taylorismo e a Questão do trabalho na contemporaneidade. In: SILVA, Moacir José da; SILVEIRA, Itamar Flávio.
História Econômica Moderna e Contemporânea. Maringá: EDUEM, 2010. p. 85-104 (Com adaptações).
História e Cultura Gastronômica
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 35
A Globalização
e a Difusão do Modelo de
Civilização Ocidental
Roberta era uma garota que adorava dançar. Devido ao seu talento nato, entrou para um grupo
de danças típicas alemãs, pois, na cidade onde havia nascido, Rolândia, no norte do Paraná, a
cultura germânica era muito forte. Ela sempre participava das apresentações com o seu grupo
e isso chamava a atenção de muitas pessoas, inclusive de estrangeiros, que prestigiavam a
apresentação do grupo em festas tradicionais.
Certo dia, o grupo do qual Roberta fazia parte foi convidado a fazer uma apresentação em uma
cidade na Alemanha. Diante disso, Roberta se indagou: qual a razão de nós irmos nos apresen-
tar na Alemanha, será que eles não conhecem essas danças por lá? Sua curiosidade a levou a
descobrir que, na verdade, em razão da globalização, muito da cultura tradicional alemã acabou
sendo esquecida. Ficando apenas registrada na memória e no folclore dos descendentes de
alemães que ainda estão vivos.
A necessidade de preservar a cultura fora do território germânico foi tão grande que, atual-
mente, muitas danças típicas de regiões da Alemanha somente são conhecidas no Brasil. Por
isso, a importância da apresentação do grupo de Roberta na Alemanha, pois iriam mostrar aos
germânicos um pouco da própria cultura que eles haviam esquecido.
Fonte: história fictícia, criada pelo autor, para ilustrar como a manutenção da cultura é importante a um
grupo social.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 39
Prezado(a) aluno(a), cabe aqui uma importante lideradas pelos EUA tinham como maior ob-
observação. Durante os anos da Guerra Fria, jetivo o foco na satisfação das pessoas. Como
o embate entre capitalismo e socialismo foi a toda economia de mercado, o foco principal
tônica desse período. URSS e EUA disputavam está no cliente, nos consumidores. Afinal,
palmo a palmo a hegemonia do mundo. No são eles que irão destinar os seus ganhos à
final das contas, o capitalismo se sobressaiu aquisição de uma determinada mercadoria.
ao comunismo. Qual a razão de tudo isso? Essa disputa por uma fatia maior do mercado
Inúmeras explicações poderiam ser ditas, en- fez com que a qualidade de vida dos países
tretanto, podemos destacar apenas um ponto. capitalistas, bem como o índice de desenvol-
Enquanto o esforço dos países comunistas, vimento humano fossem bem superiores aos
liderados pela URSS era de fortalecer o Estado, países comunistas. Para ilustrar mais uma vez
fazendo com que todo esforço fosse em dire- a nossa afirmação, destacaremos novamente
ção a torná-lo potente, as nações capitalistas a calça jeans:
Assim como os jovens do mundo inteiro, os adolescentes da União Soviética e seus satélites na
Europa Oriental estavam clamando por jeans. Portanto, é realmente estranho que o principal
rival dos Estados Unidos no mundo pós-guerra não tenha sido capaz de copiar essa peça de
roupa tão óbvia. Talvez se tenha pensado que a loucura ocidental por jeans havia tornado a vida
mais fácil para os soviéticos. Afinal, supostamente a União Soviética era o paraíso proletário, e
os jeans são muito mais fáceis de fazer que as calças Sta-Prest, por exemplo (outra invenção de
Levi Strauss, introduzida em 1964). Mas, de alguma forma, o bloco comunista foi incapaz de
entender o poder de sedução de uma peça de indumentária que poderia ter simbolizado com igual
eficácia as virtudes do dedicado trabalhador soviético. Em vez disso, o jeans azul, e a música pop
com a qual logo esteve intimamente associado, tornaram-se símbolos perfeitos da superioridade
ocidental. E, ao contrário das ogivas nucleares, o jeans foi de fato lançado contra os soviéticos:
houve exposições da Levi’s em Moscou em 1959 e em 1967 (FERGUSON, 2012, p. 284-285).
Para se ter uma ideia, prezado(a) aluno(a), sempre arranjavam uma maneira de conseguir
Niall Ferguson destaca, também, que havia algumas peças dessa vestimenta. Era, por assim
na Alemanha Oriental o chamado “crime do dizer, um dos produtos mais contrabandeados
jeans”, pois os jovens da Alemanha Oriental do lado Oriental.
que possuíam algum parente do lado Ocidental
História e Cultura Gastronômica
A
globalização do modo de vida O nome é "Adeus Lênin" e mostra a experiência
Ocidental, simbolizada pelo jeans, de uma família da Alemanha Oriental depois
fica explícita, principalmente, nos que o muro de Berlim caiu. O que aconteceu
movimentos revolucionários que se após a queda foi, literalmente, uma inunda-
proliferaram a partir dos anos 1960. O principal ção de produtos capitalistas. Desde comida
“uniforme” de atos antiamericanos era o jeans. a vestimentas. As transformações ocorridas
Ou seja, mais um paradoxo, já que eles protes- foram em uma velocidade extraordinária. O
tavam contra aquilo que vestiam. engraçado é pensar que o tal muro havia sido
Há um filme que retrata muito bem a construído pelos comunistas com a justifica-
forma como o modelo de vida, bem como os tiva de que era para evitar que os moradores
produtos criados pelo mundo Ocidental capi- do lado capitalista não atravessassem para o
talista se sobressaíram ao Oriental capitalista. lado comunista, sobrecarregando o sistema
daquele lado. O que se viu, na prática, foi algo
totalmente inverso.
Portanto, para concluirmos este tópico, é
importante esclarecer mais uma vez que toda
essa globalização somente foi possível devido
ao fato de que o modelo de vida capitalista
Ocidental sempre objetivou atender aos anseios
e necessidades colocados pelas pessoas, pelos
cidadãos comuns. Essas pessoas não queriam
mísseis ou ogivas nucleares, mas sim liquidifi-
cadores, ar-condicionado, televisores em cores,
aparelhos de som, carros e, principalmente, ves-
timentas confortáveis, baratas e agradáveis aos
olhos. Infelizmente, nenhum outro modelo de
civilização conseguiu ser mais eficiente do que
o Ocidental nesse quesito.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 41
considerações finais
Prezado(a) aluno(a)!
Nesta unidade, nosso objetivo foi o de destacar alguns pontos essenciais para que
nossa compreensão da história e da cultura gastronômica sejam mais abrangentes. Não
seria possível, aqui, abarcar toda história da humanidade, aliás, nem foi esse nosso
objetivo, mas é importante ressaltar que o enfoque se deu na cultura Ocidental, pois,
além de ter sido o paradigma civilizatório que obteve mais êxito, nós fazemos parte dela.
Sendo assim, vamos retomar alguns pontos!
Primeiramente, é importante deixar claro que, na transição da Idade Média para a
Modernidade, foi um período crucial na história do Ocidente. O renascimento trouxe
à tona um modelo de vida que ficara esquecido na antiguidade. Esse modelo tinha
o homem como seu principal objeto de preocupação, dessa forma, toda uma cul-
tura foi edificada para consolidar o homem no centro do universo, ou seja, a cultura
antropocêntrica.
Foi também nesse momento que o modelo de vida desenvolvido na Europa Ocidental
começou a tomar a dianteira de outras nações. Para ilustrar melhor essa relação, apre-
sentamos ao distinto aluno os aplicativos que tornaram isso possível. Sendo assim, a
sociedade de consumo e a competição foram os dois pontos abordados por nós, pois
acreditamos ser esses dois a principal base do mundo atualmente. A competição fez e
ainda faz com que inúmeras pessoas se debrucem em estudos para desenvolver me-
canismo em que situações do conforto possam ser criadas. Além disso, essa mesma
competição nos permite ter acesso a diversos produtos de marcas e preços diferentes.
Essa é, por assim dizer, a mola propulsora também da sociedade de consumo que, por
consequência, é também a mola propulsora de nossa sociedade.
Do ponto de vista da globalização do modelo de vida Ocidental, vale lembrar que isso
somente foi possível em razão do objetivo central, que é a satisfação das pessoas. Essas
pessoas, transformadas em potenciais consumidores, tiveram suas vidas revolucionadas
com a maior disponibilidade de bens de consumo, facilitando suas tarefas de trabalho,
além de facilitar, significativamente, a vida doméstica.
Portanto, diante disso, vamos, agora, tratar da intimidade dessa civilização que se
formou a luz de tudo isso que fora exposto até aqui. Vamos entender como as práticas,
usos e costumes que hoje possuímos foram, aos poucos, moldados por um conjunto de
regras que, muitas vezes, foram inerentes à vontade das pessoas.
História e Cultura Gastronômica
atividades de estudo
material complementar
Título: Adeus Lênin.
Ano de lançamento: 2002.
Sinopse: Este filme mostra, de forma bem hilária, como a vida de uma família
é profundamente revolucionada com a Queda do Muro de Berlim e o con-
sequente fim do comunismo na Alemanha Oriental. De uma hora pra outra,
eles sentem a invasão de produtos como a Coca-Cola, televisores em cores,
equipamentos eletrônicos em geral, dentre outros. A parte engraçada é que
os jovens buscam esconder da mãe, uma comunista fervorosa e de saúde
debilitada, todas essas transformações.
leitura complementar
De Henry Ford
ao Mcdonald’s
A industrialização da alimentação e o surgimento, no nosso século, da distribui-
ção em grande escala constituem fenômenos recentes deste lado do Atlântico.
Datam sobretudo dos anos de 1960. Em compensação, nos Estados Unidos
alguns produtos alimentares industrializados – entre os quais a Coca-Cola
– encontram-se no mercado há cem anos ou mais. Heinz, Nabisco, Kellogg,
Campbell, figuram já entre as maiores empresas americanas na década de
1880 ou 1890, e a indústria agroalimentar revela-se, no final do século XIX,
a primeira do país. A descoberta das bactérias e a obsessão subsequente em
relação aos germes favorecem, paradoxalmente, uma concentração da indústria
de laticínios. No início do século XX impõe-se a obrigação de pasteurizar o
leite e só conseguem sobreviver as empresas capazes de fazer investimen-
tos consideráveis, que, em decorrência de tal operação, se tinham tornado
necessários. Desde os anos 1930 desenvolve-se no país a distribuição em
grande escala. Nesse sentido, a América antecipa tendências surgidas mais
tardiamente em outras partes. Assim, a compreensão dessa realidade ame-
ricana deveria permitir apreender melhor os fenômenos que, em matéria de
alimentação, estão se processando há cerca de trinta anos no Velho Mundo.
(...).
Em duas ou três décadas, uma parte crescente do trabalho culinário, tanto
em casa como no restaurante, deslocou-se da cozinha para a fábrica. Esses
alimentos transformados, “marketados”, divulgados pela publicidade, são
também produtos que incorporam um valor agregado cada vez mais elevado,
já presente no nível da preparação: a indústria toma à sua conta o essencial
do trabalho doméstico; uma vez transformados pela indústria, os alimentos
tornam-se “alimentos-serviço”.
(...).
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 45
leitura complementar
As modificações introduzidas nos gêneros alimentícios não correspondem
somente a uma demanda dos consumidores. Nesse aspecto, desde os anos
de 1960, a distribuição desempenha um papel determinante. Com efeito,
ela obedece a diversos imperativos – logísticos, tecnológicos, econômicos.
É também sob a pressão dos distribuidores que se desenvolvem e se gene-
ralizam mercadorias mais fáceis de estocar, transportar, exibir e conser-
var nas prateleiras. A agricultura seleciona produtos por sua aparência e
duração de vida nas lojas. Das frutas aos queijos, os alimentos cotidianos
passam por profundas transformações. Do mesmo modo, é sob a pressão
dos supermercados que, nos anos 1960, aparecem e depois se impõem as
embalagens plásticas, em particular para a água mineral e o óleo. As garrafas
de PVC implantam-se rapidamente porque são mais fáceis de transportar
em paletes, mais leves, menos frágeis, além de serem descartáveis. Somente
muito mais tarde as pessoas se deram conta de seus inconvenientes para o
ambiente. Alguns consumidores começam a se queixar: seu queijo favorito
é, quase sempre, pasteurizado, as maçãs são apenas da variedade insípida
dita Golden delicious, as frutas chegam aos supermercados sem o devido
grau de maturação, o pão já não tem as características gustativas às quais
estavam acostumados. Em contrapartida, os supermercados oferecem
preços vantajosos ao conseguirem consideráveis economias pelas compras
em alta escala.
Fonte: FISCHLER, Claude. De Henry Ford ao McDonalds. (texto adaptado). In: FLANDRIN,
Jean-Louis; MONTANARI, Massino. (Org.). História da Alimentação. São Paulo: Estação
Liberdade, 1998. p. 845-848.
História e Cultura Gastronômica
Civilização, Usos e Costumes
KLEBER EDUARDO MEN
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
Objetivos de Aprendizagem
• Apresentar ao aluno como o comportamento social foi moldado
ao longo dos anos.
• Destacar que o comportamento está diretamente ligado ao tipo
de sociedade que se deseja formar.
• Estudar como as necessidades fisiológicas também foram objeto
de preocupação para a concepção de uma nova sociedade.
• Observar como os hábitos, em geral, foram objeto de preocupa-
ção das civilizações.
49
Introdução
Olá, aluno(a)!
Nesta segunda unidade de nosso livro, vamos fazer uma análise sobre o comportamento e
os usos e costumes que fizeram parte do processo civilizatório. Vamos refletir de que maneira as
nossas práticas comportamentais foram inseridas em nossas vidas, bem como a forma como elas
estão presentes, além de sua importância para a consolidação do modelo de Civilização Ocidental.
Certa vez, ao ficar encantado com a sobremesa de um restaurante, veio-me uma vontade
imensa de lamber o delicioso creme de chocolate com pimenta que havia sobrado no prato. Ao
perceber a minha ideia, minha esposa logo me repreendeu, dizendo que não seria educada tal
atitude. Entretanto, mesmo sabendo que tal ato não seria bem visto pelos frequentadores do
restaurante, fiquei me indagando, quem foi o responsável por criar esses códigos de etiqueta? De
onde veio essa lista de mandamentos do que podemos ou não fazer? Qual diferença tem entre
eu passar o dedo sobre o meu próprio prato e levá-lo à boca ou utilizar uma colher para isso?
Esta unidade terá como objetivo abordar essas questões, lançando luzes sobre esses manuais
de comportamento que surgiram com a finalidade de moldar os costumes.
O que diferencia os homens dos animais é a nossa capacidade de raciocinar. Se você pisar
na pata de seu dócil cão de estimação, certamente, se a pisada for dolorida, ele irá lhe morder
em busca de se defender. Isso, pelo menos em regra, não ocorre com os seres humanos, pois
temos outros meios para solucionar nossos problemas que não a agressão física. Posto isso,
devemos compreender que o processo de civilização do homem passou, antes de tudo, por uma
formatação dos seus usos e costumes. A criação desse conjunto de regras foi uma maneira de
nos separar ainda mais dos animais. Por isso, compreendê-los é, acima de tudo, entender a nossa
própria existência em sociedade.
Para que nosso trabalho obtenha êxito, vamos utilizar como referência principal a obra do
sociólogo Norbert Elias, que, em seu livro “O processo civilizador”, conseguiu nos mostrar onde
se encontra toda a gênese dos costumes que hoje são praticados em todo mundo Ocidental.
Sendo assim, convido você, estimado(a) aluno(a), para fazer uma viagem sobre o nosso com-
portamento social, observando como as práticas que nos cercam são oriundas de uma ampla
experiência civilizatória.
História e Cultura Gastronômica
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 51
A Evolução do
Conceito de Civilização:
Apontamentos
Preambulares
Estádio de Futebol
tal expressão tem a ver com o conceito de civili- de uma vida urbana, pois não possuíam casa.
zação, pois o que não é aceito como algo normal Vestiam-se mal, enfim, a lista é bastante extensa
na vida em sociedade é taxado como bárbaro. e mostra uma enorme carga de preconceito que
Deixando as discussões semânticas de lado, é os romanos possuíam.
importante destacar que foram os romanos que Após a queda do Império Romano, houve a
empregaram a expressão “bárbaros”, para definir formação de inúmeros reinos bárbaros. Nesse
aqueles povos que se situavam além das frontei- sentido, com a estruturação de religião cristã
ras do Império. Ostrogodos, visigodos, hunos, no Ocidente, esses reinos foram, aos poucos,
germanos, dentre outros, foram todos taxados sucumbindo diante do poder do cristianismo
de bárbaros, pois, além de não serem súditos e se tornaram peças fundamentais no proces-
romanos, não comungavam dos mesmos usos so de consolidação dessa religião. Podemos
e costumes, o que deixava os romanos horrori- apontar como ápice dessa interação a coroa-
zados com o comportamento grosseiro deles. ção de Carlos Magno, no Natal do ano de 800,
A lista de “transgressões” praticadas pelos como Imperador do Sacro Império Romano
bárbaros era enorme. Eles não falavam o latim, Germânico. Em resumo, o cristianismo foi o
não utilizavam o fogo, não temperavam a responsável por civilizar os bárbaros, tornan-
comida, a carne que consumiam era pratica- do seus costumes e práticas mais aceitáveis ao
mente crua e era aquecida entre as coxas dos modelo desejado por essa instituição (ARRUDA;
cavalos durante as marchas. Não desfrutavam PILETTI, 2003).
Os bárbaros era um nome genérico dado a grupos humanos que invadiram os limites do Império
Romano e foram uma das grandes causas da decadência dessa civilização. germanos, ostrogodos,
visigodos, francos e vários outros causavam ojeriza nos romanos, em razão dos seus costumes
rudimentares.
Para conhecer mais a respeito das invasões bárbaras ao Império Romano Ocidental, acesse o link:
<http://www.mundoeducacao.com/historiageral/invasoes-barbaras.htm>. Acesso em: 12 jan. 2015.
História e Cultura Gastronômica
Fonte: VICENTINO, Cláudio. Projeto Radix: História. São Paulo: Scipione, 2009.
Quem foi Carlos Magno? Foi Rei dos Francos da dinastia Carolíngia e coroado
pelo Papa Leão III, no Natal do ano de 800, Imperador do Sacro Império Romano
Germânico. Devido ao seu poder militar, foi considerado como o braço armado da
Igreja Católica na luta contra a incursão dos mouros na Europa. Foi um dos grandes
responsáveis por impedir que o continente europeu sucumbisse diante da expansão
muçulmana. A dinastia a qual pertencia foi a primeira grande aliança entre a Igreja
Católica e um governante de origem bárbara.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 55
O conceito de civilização, o qual iremos empre- A citação acima não pode ser vista sem causar
gar aqui, ganhou contornos mais bem definidos certa estranheza, pois se trata de algumas
na obra de Erasmo de Rotterdam De civilitate observações feitas por Erasmo de Rotterdam
morum puerilium (Da civilidade em crianças), com relação ao comportamento humano. Seu
no século XVI. Em razão da grande aceitação livro, como era de praxe no contexto em que
que essa obra teve em seu contexto, podemos viveu, tinha como objetivo educar alguém,
afirmar que essa discussão era mais do que im- nesse caso em específico, buscava instruir
prescindível, pois havia uma necessidade muito um menino nobre, filho de príncipe, aos bons
grande de moldar um novo tipo de homem, modos (ELIAS, 2011). Assim como Maquiavel
deixando aquele modelo de civilização feudal (2000), procurou no mesmo contexto instruir
cada vez mais como parte do passado. Segundo um príncipe sobre como se colocar a frente de
Elias (2011), o tema desse livro era bem simples, um Estado, Rotterdam visava com a educação
pois tratava do comportamento das pessoas atingir outros objetivos.
em sociedade.
o fato de apresentarmos a ela o que se deve de que nosso padrão comportamental evoluiu
fazer, muitas vezes, em nada resolve. É preciso de uma forma grosseira de vida. Ou seja, nossa
coagi-las, algumas vezes castigá-las com mais forma de agir, hoje, poderá ser considerada
rigor, a fim de que se crie um comportamento imprópria em anos futuros, pois estamos evo-
adequado, pelo menos aos olhos da sociedade luindo constantemente quanto a isso. Nesse
como um todo. Mas isso serve para nos alertar sentido, podemos destacar:
O comportamento social e a expressão de emoções passaram de uma forma e padrão que não
eram um ponto de partida, que não podiam em sentido absoluto e indiferenciado ser designa-
dos de “incivil”, para o nosso, que denotamos com a palavra “civilizado”. E para compreender
este último temos que recuar no tempo até aquilo de onde emergiu. A “civilização” que estamos
acostumados a considerar como uma posse que aparentemente nos chega pronta e acabada, sem
que perguntemos como viemos a possui-la, é um processo ou parte de um processo em que nós
mesmos estamos envolvidos. Todas as características distintivas que lhe atribuímos – a existência
de maquinarias, descobertas científicas, formas de Estado, ou o que quer que seja – atestam a
existência de uma estrutura particular de relações humanas, de uma estrutura social peculiar, e
de correspondentes formas de comportamento (ELIAS, 2011, p. 70).
Em suma, prezado(a) aluno(a), precisamos com- sociedade. Muitos costumes desaparecem por
preender nosso comportamento social, bem completo, enquanto alguns são readaptados
como todas as nossas práticas domésticas, sob a novas situações. Por exemplo, a prática de
o prisma da evolução. O que o homem medieval atividade fisiológicas não deixou de existir com
fazia, em muitas situações, não era algo “incivi- o tempo, entretanto, ao invés de fazer suas ne-
lizado”, mas apenas uma prática que, naquele cessidades atrás de escadarias ou nos jardins,
contexto, foi aceita. Assim também temos que foi substituído por um modelo mais higiênico
compreender que esse costume apenas foi mar- e mais apropriado a vida moderna, que são os
ginalizado em razão da sua inaptidão ao novo banheiros. Sendo assim, vamos, agora, observar
padrão de sociedade que emergiu. de forma mais íntima como esses comporta-
A história nos mostra que rupturas e con- mentos foram sendo moldados para uma nova
tinuidades fazem parte da evolução de nossa realidade social.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 59
História e Cultura Gastronômica
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 61
O Comportamento
à Mesa
As lições de boas maneiras sempre fizeram Diante dos exemplos e comentários citados
parte da alta corte europeia na Idade Moderna. acima, o comportamento à mesa sempre foi
Basta assistir ao seriado britânico Downton muito importante. No poema de Tannhäuser,
Abbey e perceberá toda pompa que reveste citado por Norbert Elias, podemos perceber, de
momentos simples do cotidiano. O simples maneira bem clara, quais eram os comporta-
ato de beber um chá, o que para nós, reles mentos adequados nessa ocasião tão especial:
mortais, pode ser algo banal, para a nobreza 1. Considero homem bem-educado
europeia era semelhante a uma cerimônia de aquele que sempre pratica boas maneiras
casamento, ou uma reunião mais refinada. e nunca se mostra grosseiro.
2. Há muitas formas de boas maneiras
Nota-se, no seriado em destaque, que havia e elas servem a muitos bons fins. O
roupa para tomar chá, para passear no bosque, homem que as adota nunca erra.
para almoçar, jantar, ir à igreja, visitar os do- 25. Quando comes, não esqueça os
pobres. Deus te recompensará se os
entes no hospital, caçar etc. Embora o seria- tratares bondosamente.
do não tenha obrigação alguma em ser um 33. Um homem refinado não deve ar-
documento histórico, faz um retrato muito rotar na colher quando acompanhado.
É assim que se comportam pessoas na
coerente de alguns comportamentos que a corte que praticam má conduta.
sociedade de corte apresentava, mesmo em seu 37. Não é polido beber no prato, embora
momento decadente, pós 1º Guerra Mundial alguns que aprovam esse grosseiro
hábito insolentemente levantem o prato
(1914-1918). e o sorvam como se fossem loucos.
41. Os que caem sobre os pratos como
suínos quando comem, bufando repug-
nantemente e estalando os lábios...
45. Algumas pessoas mordem um pedaço
de pão e, em seguida, mergulham-no
grosseiramente no prato. Pessoas refina-
das rejeitam essas más maneiras.
49. Algumas pessoas roem o osso e reco-
locam-no na travessa. Isto é uma grave
Aprofunde seus conhecimentos e estude falta de educação.
em detalhes sobre etiqueta e montagem 53. Os que gostam de mostarda e sal
de uma mise-en-place de mesa na disci- devem ter o cuidado de evitar o sujo
plina de Etiqueta e Serviço de Sala ainda hábito de neles pôr os dedos.
neste módulo!! 57. O homem que limpa a garganta pigar-
reando quando come e o que se assoa na
toalha da mesa são ambos mal-educados,
isto vos garanto (ELIAS, 2011, p. 91-92).
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 63
Observando a citação acima, percebi que o ato Certamente que você, aluno(a) de gastronomia
de minha esposa ter condenado a simples vonta- da Unicesumar, quando era criança, já dever
de que eu tive de lamber o prato com o creme de ter sido repreendido por seus pais ou qualquer
chocolate com pimenta é uma coisa bem antiga. pessoa mais íntima a não falar de boca cheia.
Na verdade, observando detalhadamente o que Beber e sujar a taça de bebida com restos de
fora destacado por Elias, deixa-nos claro que comida é, além de um sinal claro de falta de
havia um processo que visava moldar os mem- educação, um sinal de falta de higiene. Por
bros de uma determinada classe social a como isso, a preocupação em passar uma mensagem
se comportarem de maneira correta perante os que mostre quais são as práticas aceitáveis.
outros e, nesse caso, em um jantar. A lista de
A
exigências nessa ocasião é extensa. credito, prezado(a) aluno(a), que
Norbert Elias (2011) destaca que não era em os fatos narrados acima devem
apenas um material que tais exigências apareciam. ter feito parte da vida de vocês,
Muitos outros autores da época fizeram questão afinal, somos seres humanos, so-
de mencionar quase que ipsis litteris os mesmos ciáveis e o que nos dá a condição de viver em
comentários vistos nessa citação. O que fica evi- sociedade é, justamente, a nossa capacidade
dente era que havia quase que uma obsessão por de se comportar conforme determina a regra
boas maneiras. Continuemos com nossa análise: social dominante. Não adianta querermos
65. O homem que quer falar e comer ao nos comportar como bem entendemos, se a
mesmo tempo, e fala no sono, nunca sociedade como um todo não aceita tais atos
descansará tranquilamente. de nossa parte. É preciso lembrar que existem
69. Não sejas barulhento à mesa, como
axiomas que as pessoas visam proteger e, para
algumas pessoas são. Lembrai-vos, meus
amigos, que coisa alguma é tão grosseira. isso, existe o direito. Por exemplo, nascemos
81. Considero maneiras péssimas alguém nus. Não há nada mais natural do que isso.
com a boca cheia de comida e que bebe ao
Entretanto, há uma regra de convívio social
mesmo tempo, como se fosse um animal.
85. Não deves soprar sua bebida, como que não tolera que as pessoas saiam nuas em
alguns gostam de fazer. Isto é um hábito ambientes públicos, ocasionando até mesmo
grosseiro que deve ser evitado. punições mais severas, previstas em nossa
94. Antes de beber, enxuga a boca para
sociedade no Código Penal. Ou seja, este é um
não sujar a bebida. Este ato de cortesia
deve ser observado em todas as ocasiões exemplo de como uma coisa natural torna-se
(ELIAS, 2011, p. 93). crime perante a sociedade.
História e Cultura Gastronômica
Thiago era um rapaz criado em um ambiente familiar muito simples. As poucas festividades
que frequentava, quando adolescente, eram churrascos com seus amigos. Ocasiões essas
sem qualquer tipo de cerimônia, pois a única preocupação era se entupir de carne e de
muita bebida. Sendo assim, agia conforme o padrão determinado pelo meio em que habitava.
Ao se formar em uma universidade, teve contato com pessoas de um comportamento
mais refinado. E, em uma das ocasiões, fora convidado para jantar na casa de um de seus
professores. Como aperitivo, foi servido a ele e a seus colegas uma boa porção de amen-
doim, castanha de caju e pistache, esse último Thiago jamais havia visto em sua frente.
Comê-lo foi uma experiência inesquecível, haja vista que os primeiros foram mastigados
com casca e tudo.
Percebendo que havia algo errado e com medo de denunciar sua ignorância, Thiago masti-
gou aquilo algumas vezes e, depois, ficou pensando no que de tão especial havia naquele
negócio tão duro. Foi aí que o filho de um dos seus amigos se aproximou da mesa e jogou
para dentro da boca algumas dessas sementes. Imediatamente o garoto fora surpreendido
pelo seu pai que disse que a maneira correta de comer tal produto era retirando a casca.
Thiago não aguentou e caiu na gargalhada, denunciando sua falta de habilidade, virando
motivo de risos para seus colegas.
Fonte: história real vivenciada pelo autor do livro, mas com nomes fictícios, para preservar o direito
à personalidade das personagens.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 65
Quem morou em cidade pequena, no inte- questão de falta de educação. Se você conhecer
rior, já dever ter percebido que, nos bares mais um canhoto que já ultrapassou a barreira dos
simples, onde frequentam pessoas das classes 60 anos de idade, pergunte a ele como era ter
menos favorecidas, ainda persiste um costume de fazer tudo com a mão esquerda quando era
que a pessoa, ao degustar uma cachaça, joga um garoto? A resposta, certamente, poderá parecer,
pouquinho no chão dizendo que é o tal “gole do a priori, engraçada, mas, na época, era uma espé-
santo”. O que antes era visto como um costume cie de violência psicológica, pois não era correto
normal, atualmente, já é repudiado até mesmo escrever ou fazer qualquer coisa utilizando a
nos estabelecimentos mais modestos. mão “errada”.
Da mesma forma, se você vai degustar uma Uma informação essencial que devemos
comida e está muito quente, qual seria a sua pri- destacar é que esses códigos de conduta são
meira atitude instintiva? Claro, jogar a comida oriundos de uma classe social dominante. Ou
fora. Somente quem teve uma experiência de seja, foi a aristocracia a responsável por estabele-
queimar a boca com comida quente sabe per- cer um conjunto de regras que os diferenciassem
feitamente o quão dolorido isso é. Contudo, a na essência e no comportamento dos demais es-
maneira correta de proceder diante desses im- tamentos. Dessa forma, vale lembrar que todas
previstos foi apresentada por Antoine Courtin, essas mudanças devem ser analisadas sob o
no século XVII, conforme podemos observar: prisma da história das Instituições e das Ideias,
Para que a convivência entre esses grupos pu- Certamente, eles podem ter dinheiro, mas a
desse ser mais harmônica, essas regras foram “formação” de um comportamento, como já
sendo disseminadas. Dessa forma, destacamos fora citado, não é coisa que se obtém do dia
Elias (2011, p. 106): pra noite.
Conforme observamos na obra de Norbert Elias, Muitos dos ensinamentos que serão des-
O Processo Civilizador (2011), um dos principais tacados aqui neste livro, prezado(a) aluno(a),
estudiosos do comportamento humano, como fazem parte de livros didáticos que eram utiliza-
já citamos aqui, foi Erasmo de Rotterdam. Esse dos no período em que foram escritos. Percebe-
autor faz inúmeras observações quanto a forma se que a etiqueta social era muito importante
das pessoas se comportarem diante dos outros. para o desenvolvimento das pessoas, conforme
Um dos pontos mais interessantes que podemos podemos observar abaixo:
notar é de que forma as pessoas devem proce- A pessoa bem-educada sempre deve
der para conciliar necessidades fisiológicas e, evitar expor, sem necessidade, as partes
ao mesmo tempo, não ser mal educado. Enfim, às quais a natureza atribuiu pudor. Se
a necessidade a compele, isto deve ser
os hábitos e costumes, de modo geral, foram
feito com decência e reserva, mesmo
transformados, objetivando atender a um novo que ninguém mais esteja presente. Isto
paradigma social. Vamos analisar algumas dessas porque os anjos estão sempre presentes
e nada mais lhe agrada em um menino
observações feitas por Rotterdam, no século XVI,
do que o pudor, o companheiro e guar-
além de outros autores que foram estudados por dião da decência. Se produz vergonha
Norbert Elias e que tiveram grande influência na mostrá-los aos olhos dos demais, ainda
formatação dos usos e costumes. menos devem ser elas expostas pelo
toque (ELIAS, 2011, p. 130).
Polidez, prezado(a) aluno(a), é o que podemos Como foi possível perceber, havia um cuida-
classificar como um tipo de comportamento do especial com esse hábito que, antes desse
adequado a determinadas situações. Isso, é processo mais intenso de moldagem compor-
claro, de forma bastante genérica. Entretanto, tamental, era visto como algo normal. Um
esse comportamento, ao ser visto como o mais ponto que chama a atenção é o forte teor dis-
adequado, passa, também, a ser imitado por criminatório dessa passagem, quando se refere
outras pessoas. Assim, temos o livre arbítrio que o fato de que assoar o nariz no braço ou
para compartilharmos dos mesmos comporta- no cotovelo era coisa de mercador. Ou seja,
mentos que acreditamos estar corretos. Dessa como já citamos anteriormente, há uma clara
forma, relegamos àquele que se comporta di- distinção social baseada nos comportamentos.
ferente o defeito de mal educado. Em suma, Contudo, essas observações não param por
ao mesmo tempo em que temos liberdade, ai. Vejamos:
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 73
formalidade. Há registros históricos de que Essa simples observação sobre o lado correto
escarrar e cuspir no chão era visto como algo de se deitar mostra como a sociedade daquela
aceitável. Entretanto, aos poucos, isso foi sendo época, em relação ao homem e à mulher, era
História e Cultura Gastronômica
considerações finais
Prezado(a) aluno(a), é importante que você tenha percebido que a formatação
de nossa sociedade foi um processo lento e que fez parte de um contexto
social em que o modelo de sociedade feudal foi substituído gradativamente
por um modelo de sociedade urbano. Entretanto, esse processo está longe
de ter chegado ao fim.
Diariamente, somos compelidos a nos comportarmos de acordo com as
normas de convívio social. Seja por meio de autocensura ou por imposições
estabelecidas pelo poder estatal, obrigando-nos a nos comportarmos de
acordo com as normas aceitas pela sociedade de um modo geral. Por isso a
grande preocupação em manter os alunos na escola, pois é ela o principal
instrumento de que dispõe o governo.
No que diz respeito ao ofício da gastronomia, é de grande importância
a esse profissional que saiba a origem do nosso comportamento como seres
membros de uma sociedade. Já ouviu o ditado de que é o hábito que faz o
monge? Por isso, para que tenhamos êxito em nossa profissão, é de suma im-
portância que saibamos que a interpretação de usos e costumes é indispensável
para que possamos ser profissionais de sucesso. Quando se trata de culinária,
a curiosidade a respeito de temas ligados a ela pode ser o grande diferencial
entre um restaurante normal e um extraordinário. Por isso, esta unidade
teve como principal objetivo apresentar a você, aluno(a), de forma bastante
divertida, como sofremos durante séculos aquilo que podemos chamar de
ditadura dos bons costumes. Dessa forma, para finalizar nosso livro, vamos
enfocar os costumes vinculados diretamente à culinária, compreendendo
como a história dessa, enquanto arte, foi desenvolvida. E esse é o tema de
nossa próxima unidade.
História e Cultura Gastronômica
atividades de estudo
material complementar
Título: O processo civilizador – Vol. 1 – Uma História dos Costumes.
Autor: Norbert Elias.
Ano da Edição: 2011.
Editora: Zahar.
Sinopse: O livro narra como o comportamento social foi alvo de estudos
em busca de moldar o novo tipo de homem que a sociedade almejava. De
forma bastante divertida, o autor elenca como os usos e costumes foram
transformados, fruto de um processo civilizador que assistimos até hoje.
Somos todos
leitura complementar
Objetivos de Aprendizagem
• Apresentar como foi a evolução e a relação do homem com a
forma de se alimentar.
• Estudar como a globalização modificou os hábitos alimentares.
• Destacar como a evolução da sociedade também pode ser perce-
bida pela alimentação.
• Compreender a importância da cozinha francesa.
81
Introdução
Olá, alunos(as)!
O homem, conforme destacamos implícita e explicitamente ao longo deste livro, foi adqui-
rindo novos hábitos, bem como criando novos mecanismos para transformar sua realidade em
outra. Em outras palavras, o homem age em busca de alterar uma situação de desconforto por
uma de melhor comodidade. É aquilo que Ludwig von Mises (1990) denominou de ação humana.
O homem não é apenas homo sapiens, mas sim um homo agens, pois está a todo momento
agindo e interagindo com sua realidade.
Assim, também, precisamos compreender que, no que diz respeito à gastronomia, essa mu-
dança foi extraordinária, haja vista que o homem, movido por inúmeros interesses pessoais, foi
capaz de tornar uma necessidade fisiológica em um objeto de arte. Isso mesmo! O ato de comer,
como já sabemos, é um ato inerente a nossa condição de seres vivos. Para nos manter em pé,
precisamos nos alimentar. Não obstante, esse ato foi elevado a uma categoria artística e que,
atualmente, está cada dia mais em voga, considerando a quantidade de atores que apresentam
programas televisivos em que o tema central é a culinária.
Dessa forma, nesta terceira unidade do livro de História e Cultura Gastronômica, vamos
mostrar a você, estimado(a) aluno(a), como se deu essa transformação. De que maneira o homem
evoluiu da condição de caçador para os píncaros da profissão de gastrônomo.
Seguindo a linha de raciocínio que fora desenvolvida desde o início deste livro, vamos
mostrar como a civilização Ocidental assistiu às transformações no campo da culinária, bem
como a estruturação da cozinha clássica francesa, que é sinônimo de arte, quando o assunto é
gastronomia.
Sendo assim, convido você para viajar no mundo da arte gastronômica mundial, observando
de que maneira o homem transformou a necessidade de comer em arte, buscando um sentido
mais abrangente nessa profissão tão desejada na atualidade.
História e Cultura Gastronômica
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 83
Da Necessidade
Fisiológica à Arte:
A Evolução da
Gastronomia
Rio Nilo, Egito, um dos mais importantes rios para a História do homem em sociedade.
E
ntretanto, vale lembrar que os hábitos alimentares não são oriundos apenas de
uma questão biológica. O que diferencia o homem dos animais é a sua capacida-
de de sociabilização, ou seja, a capacidade de viver em sociedade. O homem é,
em regra, fruto do meio onde vive, mas com capacidade suficiente para influir
nessas decisões. No que diz respeito ao gosto, ao prazer de ingerir determinado alimento,
esse vínculo com o meio fica mais evidente:
Denomina-se Crescente Fértil a região que possuía formato de lua crescente, banha-
da por vários rios, dentre eles, o Tigre, Eufrates e o Nilo, que durante o período das
cheias, suas margens eram inundadas, fazendo que se depositassem vários materiais
orgânicos, o que tornava o solo bastante fértil, permitindo que a agricultura forne-
cesse subsistência à população que habitava as suas margens. Foi nessa região que,
segundo os pesquisadores, houve a organização dos primeiros centros populacionais
que se tem registro.
História e Cultura Gastronômica
Joaquim era um rapaz que possuía alguns costumes. Vivia pesquisando na internet opções de restaurantes
para comer, quando sobrava algum dinheiro no seu orçamento. Pesquisava sobre a gastronomia italiana,
chinesa, japonesa, francesa, enfim, conhecia muita coisa na teoria, mas, na hora de colocar em prática, ele
não conseguia.
Toda vez que ia a um restaurante, pedia o mesmo prato. Ou, pior ainda, sempre que desejava conhecer um
restaurante novo, em razão de suas poucas oportunidades para sair, acabava optando pelos de costume,
só para não ter decepção com a comida.
Na verdade, desde criança, Joaquim foi criado praticando os mesmos hábitos alimentares. Filho de uma
família de italianos tradicionais, aos domingos, a macarronada era servida de forma religiosa. Não havia
domingo que ele não fosse à Missa no período da manhã e, depois, almoçava com a família a boa velha
macarronada. Isso, de certa forma, acabou por moldar o seu gosto culinário, ficando avesso a mudanças
mais radicais.
Essa situação pode parecer engraçada, mas existem muitas pessoas iguais ao Joaquim que, na dúvida,
acabam se comportando da mesma maneira, evitando que tenham surpresas desagradáveis.
Já deixamos claro, na introdução desta unida- É de grande importância que o aluno perceba
de, que o homem é um agente de sua própria que a seletividade é algo natural ao ser humano.
história, de sua própria vida. Dessa forma, ele Não podemos tentar impor a ele um padrão
se adapta com uma facilidade muito maior do único de alimentação. Experiências como essas
que outros mamíferos. Basta observar o seu foram feitas em países comunistas e o resultado
comportamento diante da rejeição a alguns ali- foi miséria e catástrofe, com a morte de milhares
mentos, bem como a aceitação deles em casos de pessoas em decorrência da fome.
de extrema necessidade. Dando continuidade a nossa discussão,
A
ssistimos, então, na Grécia, a evo-
lução daquele que hoje é visto com
uma das peças fundamentais da
vida em sociedade, o cozinheiro.
Esse sujeito, que passou gradativamente a co-
mandar uma equipe para cozinhar as refeições,
aos poucos, foi ganhando notoriedade. Vale lem-
brar que o trabalho braçal na Grécia Antiga era
realizado pelos escravos e esse ponto crucial não
poderia passar em branco, conforme destacou
Franco (2010, p. 39):
A relação entre trabalho braçal e escravidão, em bem semelhantes a que temos hoje. Em razão
Roma, era semelhante à da Grécia, sendo que a dos romanos não comerem sentados à mesa
profissão de cozinheiro era atividade realizada (conforme texto complementar da unidade an-
pelos escravos comuns, entretanto, com a as- terior), a refeição deles também foi adaptada a
censão dos banquetes como elemento do status essa situação.
quo romano, esses cozinheiros começaram a A posição reclinada ao comer condiciona-
ganhar importância cada vez maior, sendo que va a predileção por alimentos moídos ou
essa profissão passou a ser vista como um meio de pequenos pedaços. Criou-se, assim,
uma grande variedade de pratos à base
de ascender socialmente (FRANCO, 2010).
de carne, frango, peixe, camarão, lagos-
Acredito que você, caro(a) aluno(a) da ta, moídos e servidos sob a forma de
Unicesumar, já deve ter visto, ao menos, um bolinhos, croquetes e quenelles. Essas
preparações, semelhantes a algumas ser-
filme que retrata o período de esplendor do
vidas atualmente em coquetéis, eram
Império Romano. Também deve ter percebido chamadas esicia (FRANCO, 2010, p. 46).
que os banquetes eram um elemento de osten-
tação das camadas mais privilegiadas, que, no Dessa forma, é importante perceber que cada
caso, eram os patrícios. Ao aprofundar o estudo, forma de se comportar perante a mesa deter-
percebemos que esses banquetes eram muito minou que as refeições fossem adaptadas. Isso
semelhantes com os jantares mais formais que é um claro sinal da evolução da gastronomia.
vemos hoje. Observe a citação abaixo: Pratos mais elaborados e de uma complexidade
Expansão,
Globalização e
Gastronomia
América. Fonte de carboidrato, esse tubérculo é O milho também foi um dos produtos
de fácil adaptação e, depois de ter conquistado que a globalização provocada pelas Grandes
espaço por praticamente toda América pré-co- Navegações europeias difundiu pelo mundo.
lombiana, ganhou apreço na Europa e passou a Cultivado principalmente pelos nativos ame-
integrar a alimentação de vários países. ricanos da região da América Central, o milho
Fácil de cultivar, adaptável a quase todo logo se espalhou pelo mundo, alterando signifi-
tipo de solo e clima, tolerando longa cativamente a dieta das populações, sobretudo,
armazenagem, a batata seria a melhor no norte da Itália, onde a polenta tornou-se um
garantia contra a fome que, nos séculos
dos pratos mais admirados pelos habitantes do
anteriores, havia dizimado populações
na Europa. Outras virtudes da batata país da bota (FRANCO, 2010).
são sua excepcional produtividade e Na modesta opinião desse autor, uma das
rápida maturação. Considera-se que a
maiores delícias já produzidas pelo homem
Revolução Industrial só foi possível e que
a Europa só escapou das fomes cíclicas também se originou do descobrimento da
graças à propagação das plantações de América. Esse produto é o chocolate.
batata (FRANCO, 2010, p. 120).
Os incas, a milhares de quilômetros de
distância dos astecas, produziam cacau
A batata se popularizou tanto que se tornou em quantidade suficiente para uso de
toda a população. Entre os maias e as-
uma das principais guarnições utilizadas em
tecas, porém, só a nobreza podia dar-se
vários pratos. O tradicional bife de chorizzo, os ao luxo do uso habitual do chocolate.
hambúrgueres, além de outros pratos, parecem Houve tempo em que as sementes do
cacau, símbolo de riqueza, eram usadas
ser incompletos sem as deliciosas batatas-fritas.
como dinheiro (FRANCO, 2010, p. 123).
A batata pode ser comida cozida, assada, frita,
pura, acompanhada, em conserva, recheada. E, Não é difícil percebermos que o chocolate caiu
se fôssemos destacar os pratos em que podem rapidamente no gosto dos europeus e demais
ser utilizadas as batatas, ficaríamos como o per- regiões. O chocolate é um produto que pode ser
sonagem Buba, do filme Forest Gump (1994), consumido em qualquer época e em qualquer
naquela cena hilária em que descreve os pratos situação. São vários os motivos que levaram
em que são utilizados camarões. Enfim, a batata os europeus a se apaixonarem pelo chocolate,
possui, para muitos, aquilo que a mandioca re- principalmente seu efeito estimulante, além do
presenta para os brasileiros. sabor, é claro.
História e Cultura Gastronômica
Durante a Segunda Guerra Mundial, os inimigos não contavam com uma arma secreta,
infalível e “irresistível” dos Aliados: o chocolate. Quer dizer, nem tão irresistível assim.
Para que os soldados não atacassem todo o estoque de barras de emergência, uma
companhia norte-americana fabricante de chocolate foi incumbida de desenvolver
uma ração rica em nutrientes que alimentasse os combatentes em situação de
urgência, que não derretesse com o calor, mas que fosse pouco atrativa ao paladar.
Baseada numa fórmula inventada pelo capitão Paul P. Logan, uma mistura de cho-
colate, açúcar, leite em pó desnatado, manteiga de cacau, vanilina, aveia e vitamina
B1, a fábrica do industrial Milton Hershey produziu com sucesso a “Ração D”, um
tablete resistente, calórico, nutritivo e tão saboroso “quanto uma batata cozida”.
Ao longo da guerra, produziu-se na América meio milhão de tabletes da ração-D por
dia. A invenção tornou-se uma arma crucial nos campos de batalha. Cada tablete
fornecia 600 calorias, energia suficiente para manter em alerta um soldado em
condições extremas.
Ainda hoje produz-se a ração-D para o exército, marinha e aeronáutica norte-ameri-
canos. Inclusive as tais barras de chocolate, numa versão um pouco mais apetitosa,
alimentam os astronautas da Nasa em missões espaciais.
Fonte: COSTA, Alexandre Tadeu. O Cacau é Show. São Paulo: IPSIS, 2008. p. 189.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 97
C
Várias sobremesas ibéricas seriam divul-
om a descoberta da América, o açúcar, gadas nas colônias americanas graças,
até então um produto muito raro na em grande parte, a religiosas para quem
Europa, passou a ser produzido em a venda de doces se tornaria uma fonte
de renda comunitária. Muitas receitas
larga escala. O Brasil, durante os sé- tomariam cores novas com a assimilação
culos XVI e XVII, era um dos grandes produtores de ingredientes locais como, por exem-
mundial de açúcar. Esse produto passou a se plo, o coco (FRANCO, 2010, p. 125-126).
seu tempo a confeccionar tratados sobre a que Portugal se lançou ao mar no século XV, em
alimentação. busca das tão cobiçadas especiarias. Produtos
Sendo assim, percebemos claramente que a esses que abrilhantavam e davam um sabor mais
composição de sua culinária tem um fundo filo- do que especial aos alimentos. Esse país também
sófico, pois a combinação dos alimentos obedece não ficou à margem da influência da China, no
a uma lógica que muito se assemelha às con- que diz respeito às suas práticas alimentares,
cepções universais, aos temas ligados a própria embora tenha mantido uma cultura alimentar
existência terrena, como podemos observar: bastante autônoma.
Gostaria que você, prezado(a) aluno(a), prestas- Enfim, poderíamos destacar inúmeras outras
se bastante atenção nessa passagem acima, pois influências que a interação Ocidente e Oriente
mostra claramente o conceito de refeição oriun- proporcionou. Árabes, Nórdicos, Japoneses,
do dos chineses, em que não se come apenas enfim, a lista é grande e sortida. Entretanto,
pelo prazer, mas também se utiliza do alimento para o nosso propósito neste livro, acreditamos
como uma forma de maturação do espírito, ou que foi possível mostrar a você, estimado(a) alu-
seja, de refletir sobre as várias faces do universo. no(a), boa parte da cultura e da história geral que
Em suma, comer para os chineses possui uma influenciaram, de forma direta e indireta, a arte
característica mística. da culinária. Não obstante, um livro sobre tal as-
A Índia, como já se destacou inúmeras sunto não estaria completo sem mencionarmos a
vezes, possui uma ligação muito estreita com importância da culinária francesa, pois foi nesse
a história do mundo em geral, uma vez que foi país que essa profissão ganhou glamour. Sendo
em busca de uma rota alternativa para esse país assim, convido você para nosso próximo tópico.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 99
História e Cultura Gastronômica
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 101
A Contribuição da
Cozinha Clássica
Francesa
Marc-Antoine Carême nasceu em 1754. Filho de pais paupérrimos, foi por eles
abandonado. Começou sua carreira com o pâtissier Bailly, experiência que marcou
profundamente seu gosto e sua vida profissional. Passou muito tempo estudando
e copiando gravuras de arquitetura clássica a fim de reproduzi-las na cozinha por
meio de suas elaboradas pièces montées.
Carême gozou sempre de enorme prestígio. Serviu ao czar Alexandre I, o barão de
Rothschild, Jorge IV da Inglaterra e Luís XVIII. Recebia altos salários e era exigente
a respeito das condições em que teria de exercer seu talento. Só trabalhava em
casas particulares. Permaneceu muito tempo no castelo do Barão Rothschild e lá
passou os últimos anos de sua vida ativa.
A cozinha de Marc-Antoine Carême, apesar de seus aspectos complicados, repre-
senta contribuição no sentido da simplificação. Ele propõe a busca de combinações
ideais de sabores, em vez de sua mera justaposição, característica da cozinha da
Antiguidade e da Idade Média. Divulgou o conceito de que sabores e odores não
podem ser julgados isoladamente, mas, sim por seu inter-relacionamento, e fez um
trabalho de codificação sem precedentes na história da grande cuisine.
Carême substituiu os complicados coulis do século XVIII por três molhos básicos:
espagnole, velouté e bechamel. Além dos molhos à base de ovo (mayonnaise,
hollandaise e béasnaise), a partir dos três molhos básicos preparava dezenas de
molhos compostos.
Fonte: FRANCO, Ariovaldo. De caçador a Gourmet. São Paulo: SENAC, 2010, p. 213-214.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 105
considerações finais
atividades de estudo
1. Descreva brevemente de que forma a evolução do homem, enquanto membro
de uma civilização, está ligada à história da gastronomia.
material complementar
Com relação à importância do cozimento dos alimentos à evolução humana, leia essa
importante matéria no link: <http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/um_cere-
bro_maior_gracas_ao_cozimento_dos_alimentos.html>. Acesso em: 08 fev. 2015.
Editora: SENAC
leitura complementar
A Modernidade a Domicílio:
Microondas e Congelado
leitura complementar
CONCLUSÃO
No que diz respeito à história da gastronomia, é importante que saibamos que o ato
de comer é, antes de mais nada, uma necessidade fisiológica. Come-se para dar prazer,
mas, antes de tudo, para sobreviver. Sendo assim, o homem trilhou um longo caminho
até que essa necessidade biológica pudesse se tornar algo digno de arte, de valor sen-
timental. Assim, podemos afirmar, de forma simplificada, que surgiu a gastronomia e
a França, país do Ocidente, foi uma das grandes responsáveis por todo esse processo.
Espero que o objetivo deste livro tenha sido alcançado. Embora, conforme já destaca-
mos anteriormente, ele esteja longe de significar um ponto final, pois visa, primeiramente,
despertar no(a) aluno(a) a necessidade de se aprofundar ainda mais nesses temas e, quem
sabe, em um futuro não muito distante, poderá ser autor(a) de seu próprio material.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 113
referências
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COULANGES, Fustel de. As Cidades Antigas. E-book. São Paulo: Editora das Américas, 2006.
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FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massino (Orgs.). História da Alimentação. São Paulo:
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FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massino (Org.). História da Alimentação. São Paulo:
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História e Cultura Gastronômica
referências
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Pessoa. O Taylorismo e a Questão do trabalho na contemporaneidade. In: SILVA, Moacir José da;
SILVEIRA, Itamar Flávio. História Econômica Moderna e Contemporânea. Maringá: EDUEM,
2010. p. 85-104.
SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. 4ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999.
gabarito
embora sempre estivessem submissas à vonta-
1. Orientação de resposta: Precisamos compreender
de dos homens. Cada família, cada classe social,
que o Renascimento foi um período de retorno
possuía seu papel bem definido. É importante
dos valores da cultura greco-romana. Esse para-
observar o choque de valores em decorrência do
digma cultural passou a valorizar o ser humano,
novo modelo de sociedade que surge naquele
colocando-o como centro do universo. O mundo,
contexto.
naquele contexto, foi entendido como o lugar
onde o homem deveria viver e ter prazer pela 3. Orientação de resposta: Resposta livre, basta
sua vida. Isso fez que toda uma estrutura artística que o(a) aluno(a) faça essa observação tomando
e cultural fosse desenvolvida para esse “novo cuidado com a metodologia, sem levar em conta
homem” que emergiu. preconceitos ou coisas do gênero.
As trocas feitas por esses produtores possibilitou várias partes do mundo. A Europa recebia do
que mais pessoas tivessem acesso a produtos Oriente as especiarias, enquanto os europeus
que antes era de uso exclusivo apenas daqueles difundiam seu uso por onde passavam. Dessa
que conseguiam produzi-los. forma, houve um incremento muito grande na
gastronomia, em razão das trocas culturais pro-
porcionadas pela globalização.
UNIDADE II
3. Orientação de resposta: Conforme o próprio texto
1. Orientação de resposta: É importante que o(a)
destacou, foi ele quem criou as bases gastro-
aluno(a) observe como os usos e costumes,
nômicas, possibilitando a divisão dos molhos e
bem como o conceito de civilização, mudaram
toda uma estrutura que facilitou e organizou o
ao longo dos anos.
trabalho na cozinha. Seria muito importante o(a)
2. Orientação de resposta: Observe que há situa- aluno(a) pesquisar mais sobre esse importante
ções e situações. Cada qual com seu nível de exi- personagem da gastronomia.
gência. As mulheres, ao contrário do que dizem,