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Skull 2003, fax em papel térmico, 30 x 23 cm

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ONCE IN
A LIFETIME
[REPEAT]
curadoria Delfim Sardo

Culturgest
ÍNDICE
Delfim Sardo 10—20
Benjamin Weil 22—40

42—184
Jacinto Lageira 187—194

198—206
Nicola Oxley
e Nicolas de Oliveira

208—219

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João Onofre ONCE IN A LIFETIME [REPEAT]

Fissura 1

Benjamin Weil
2

e João Onofre
em conversa
Obras 3

Linguagem Quase 4

sem Palavras
Até Nada Restar 5

Biografia 6
1. 2.

Richard Wollheim, “Minimal Art”, in Untitled (we will never be boring),


Arts Magazine, Janeiro 1965, pp. 1997, vídeo SD, cor, s/som, 60’,
26-32. 233 x 308 cm

Untitled (Martha) 1998, vídeo SD, cor, s/som, 16’’ (loop), 160 x 130 cm

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3. 4. 5. 6.

Untitled, 1998, vídeo SD, cor, som, Untitled (L’Eclisse), 1999, vídeo SD, Untitled (Martha), 1998, vídeo SD, Untitled (2001), 1999, vídeo SD,
3’’ (loop), 190 x 210 cm p/b, s/som, 20’’ (loop), 400 x 300 cm cor, s/som, 16’’ (loop), 160 x 130 cm cor, s/som, 14’’ (loop), 400 x 300 cm

FISSURA

DELFIM SARDO

Na parede está um fax, devidamente emoldurado, do caráter absorto dos personagens para gerar a credibilidade
que tem escrito «Everything disappears». A frase cumpre o seu da obra pictórica e sair das malhas da teatralidade, também os
destino no papel térmico e está ali como uma testemunha de si personagens dos primeiros vídeos de Onofre agem para o outro,
mesma. Poderia ser uma resposta a uma das frases de Lawrence quer de uma forma inconclusa (como é o caso do casal que, em
Weiner, «As long as it lasts». Tudo é assim. Tudo é enquanto duas passadeiras rolantes, frente a frente, caminha para nunca
dura e tudo desaparece, como uma frase enviada a si próprio concretizar o encontro)2, quer sob a forma da acção física sobre
num fax que, ele próprio como tecnologia de comunica- o outro (nas duas obras em que um corpo cai sobre outrem, ou
ção, também já não dura e irá, inexoravelmente, desaparecer. se projeta de um para o outro lado da tela de projeção)3.
O próprio artista necessita de o confirmar, dizendo de si para Um conjunto de dados ficou estabelecido, nestes
si da forma mais clara possível, literalmente enviando a si mes- primeiros trabalhos videográficos, sobre as relações entre corpos:
mo a confirmação do inevitável desaparecimento das palavras o ritmo, a repetição e o tempo são as ferramentas que ocupa-
sobre o papel. Como escreveu Richard Wollheim em 19651, ram o universo criativo do artista num primeiro período do seu
se para o escritor (pensava em Mallarmé) descrever a angústia trabalho e não só no campo da imagem videográfica – como é
da página em branco requer um grande esforço, para o artista o caso dos estetoscópios entrelaçados que permitem que duas
só é necessário colocar uma folha em branco na parede. O fax pessoas possam ouvir em simultâneo o som dos seus batimentos
emoldurado na parede parece, orgulhosamente ostentando o cardíacos. Claro que ritmo, repetição e tempo são características
seu progressivo desvanecimento, confirmar esta aparente faci- de muitas das expressões artísticas contemporâneas, mas no caso
lidade: para falar da morte, só é preciso mostrar o caminho que de Onofre transformaram-se numa espessa neblina que, a espa-
leva à sua inevitabilidade. Expor-se. ços, se desvanece para revelar a melancolia de uma acção que
Os vídeos de João Onofre iniciaram-se por peças não possui conclusão ou destino. Talvez por isso mesmo as suas
que parecem exprimir exatamente o oposto umas das outras, obas videográficas seguintes são manipulações e apropriações
mas que apresentam sempre acções de um corpo sobre outro, ou de momentos melancólicos de memórias cinematográficas (um
a impossibilidade dessa acção se exercer. Nessas primeiras obras, fragmento de L’Eclisse de Antonioni4, um excerto de Martha, de
os protagonistas da acção que é apresentada nunca se encontram Fassbinder5, um plano de 2001: Odisseia no Espaço, de Stanley
de frente para a câmara e, por inerência, para o espectador. Pelo Kubrick6), sistematicamente convertidos em loop e, mais do que
contrário, executam acções entre si e para outro na imagem, mas isso, transformados em movimentos circulares. Duplamente cir-
encontram-se absortos nesses gestos. Como se ilustrassem uma culares (na sua temporalidade, como no desenho espacial), estas
aporia de Denis Diderot no século XVIII sobre a necessidade obras de 1998 e 1999, embora utilizem fragmentos apropriados

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a obras de referência do universo do cinema – ao contrário das

Instrumental version 2001, vídeo SD, cor, som, 6’53’’, 274 x 370 cm
três obras anteriores – são convertidas em danças rotativas que
se repetem indefinidamente, confirmando no seu trabalho a im-
portância do processo de repetição.
De alguma forma, o ritmo que pautava os trabalhos
anteriores, visual e físico (os passos do par na passadeira, o som
sintético do impacto dos corpos) é aqui substituído por um mo-
vimento fluido e rotativo, no qual a manipulação da imagem e
da sua temporalidade é completamente absorvida pela coerência
narrativa da circularidade. Uma valsa que rodopia enquanto a
câmara gira em seu redor, demonstrando, da forma mais gráfica
possível, o entrelaçamento entre o princípio e o fim que, não
mais se distinguindo, encenam as volutas de um processo de
eterno retorno. Aquilo a que, no universo da imagem em movi-
mento, se veio a chamar um loop por associação aos movimentos
circulares das acrobacias aéreas.

loop
A circularidade do loop instala-se, paulatina, como
um dispositivo fundamental da sua obra videográfica. Mesmo
para lá do uso do vídeo, a repetição sucessiva inerente ao loop,
ou mais genericamente ao que come a cauda, ao que se instala
como uma ida-e-vinda entre dois corpos, vai tomando o seu
trabalho: nas obras fotográficas, esparsas, nas quais as imagens
auto-confirmam os títulos (como o caso de Your closed hand
makes the size of your heart and together they make the minimum
distance that it could be from another one, realizada dois anos de-
pois, em 2001), ou em objetos como o duplo estetoscópio que
mistura o som de dois corações em tempo real. Esta persistência
perene no loop merece alguma reflexão.
O loop é um mecanismo persistente da arte con-
temporânea que utiliza o tempo recorrente, nomeadamente
nos campos do som, da imagem filmográfica e videográfica.
A sua relevância, no entanto, está inscrita desde o século XIX,
no fenómeno de massas que foram os panoramas pintados, bem
como nos mecanismos proto cinematográficos, como é o caso
dos Phenakistiskope, do Zoetrope, ou nos vários tipos de Lan-
terna Mágica, mecanismos que funcionam invariavelmente em
loop a partir de mecanismos, eles mesmos, circulares.
Os panoramas, enormes telas pintadas instaladas em
edifícios cilíndricos especificamente concebidos para o efeito,
foram inventados (e patenteados) por Robert Barker no final do
século XVIII e rapidamente se espalharam por Londres, Paris e,
de forma viral, pela Europa como ainda, posteriormente, pelos
Estados Unidos. Como grandes eventos paisagísticos e/ou nar-
rativos, na circularidade que lhes era inerente, suscitavam um
problema estrutural: nas grandes cenas paisagísticas, nas visões das
cidades e nos episódios de batalhas, num momento determinado
da cena que se desenrolava perante os olhos atónitos dos especta-
dores a partir de uma plataforma central – como é ainda possível
experienciar no panorama de Bourbaki, na Suíça – o presente
encontrava o passado (não é esta a natureza do eterno retorno?).
O entretecer deste hiato temporal era um dos grandes
desafios dos construtores de panoramas. Pelos escolhos das dila-
tações e contrações de uma superfície de tela pintada que podia
medir mais de 10 m de altura e 100 m de comprimento, o ponto de
encontro entre o que aconteceu e o que está a acontecer perante os
olhos dos espectadores – uma coluna militar que toma uma cidade,
um confronto ou uma escaramuça, os reforços que chegam a acudir
a uma situação já dada como perdida num outro ponto da narrativa
pictórica – o momento em que o tempo instaura uma circularidade
autofágica, é o ponto de loop. Este é o segredo e, simultaneamente,
o limite (a condição de possibilidade) do panorama.

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7. 8.

Instrumental version, 2001. Trata-se Também o filme de Stan Douglas Bitches Brew. Enquanto os filmes
de um vídeo no qual um coro Luanda-Kinshasa (2013) parte do de Godard e de Onofre cercam a
interpreta o tema “The Robots“ do filme de Godard, captando uma cena a partir de um plano-sequên-
grupo alemão Kraftwerk, do álbum banda de Afro-Beat a gravar num cia rotativo e exterior, no filme de
The Man-Machine, de 1978. estúdio mítico, desta feita da Co- Douglas a rotação é realizada a
lumbia, no qual Miles Davis gravou partir do centro.

O loop é, então, a condição de possibilidade, o que trabalho recente: quase um corolário dos processos de circula-
permite uma narrativa que, não recorrendo aos dispositivos de ridade e recorrência que tipificam a sua produção videográfica,
suspensão da descrença (a suspension of disbelief de que falava a obra parte de uma estrutura complexa: num espaço fechado
Coleridge) que constroem a diegese cinematográfica, estabelece – de facto, o palco do auditório da Culturgest, embora esta
um lugar que, esse sim - constrói a cena onde o acontecimento referência seja inútil porque a não referencialidade espacial é a
se pode desenrolar. A circularidade instituída pelo loop dissolve, sua característica fundamental – uma banda composta por qua-
portanto, o tempo sequencial – o tempo da narrativa –, num tro elementos (teclista, baterista, guitarrista e baixo) e um coro
primado do espaço sob a forma de palco, ou de um qualquer seu de gospel de dezoito elementos interpretam o tema “I Want to
avatar, tornando a acção num renovado e permanente presente. Know What Love Is”, sucesso dos Foreigner de 1984. Comple-
Este processo, no entanto, está também intima- tando o círculo em torno de um microfone suspenso no centro
mente conectado com o uso da repetição como mecanismo. estão também duas dezenas de praticantes de rugby (masculinos
A repetição é inerente à circularidade – embora não se esgote e femininos). Durante quase duas horas e quarenta minutos,
necessariamente nela – e instala-se a partir dos primeiros traba- a banda e o coro interpretam uma versão do refrão, repetindo-o
lhos como um tempo marcado pelo som (ou por ele pontua- até à sua exaustão, enquanto os elementos das equipas de rugby,
do), propondo aquilo que toda a repetição propõe: uma atenção à vez, tentam aproximar-se do microfone central para entoarem
acrescida e uma acuidade em relação à diferença. Porventura, o grito da perplexidade adolescente, precisamente a frase do re-
a repetição, tão importante no início do percurso de Onofre – e frão e que dá título à música. Nunca conseguem cumprir o pro-
falo tanto da repetição mecânica, quanto da repetição represen- pósito porque são placados por outros elementos, num processo
tada –, tem uma origem dupla: por um lado, é tributária do caráter repetitivo, decetivo e extenuante, filmado em carrossel em torno
hipnótico da música repetitiva (de Steve Reich e La Monte do grande grupo de intervenientes. A obra possui um referente
Young ao Rock ’n’ Roll ou aos Kraftwerk7), mas também de uma relativamente distante, o filme de Jean-Luc Godard One Plus
noção de serialidade que está omnipresente na crítica ao objeto One, de 1968, no qual os Rolling Stones são filmados no mítico
artístico individualizado presente nos conceptualismos das Olympic Sound Studio durante a gravação de “Sympathy for
décadas de 1960 e 1970, campo a partir do qual Onofre realiza the Devil”8. O enorme plano-sequência que cerca o grupo não
a sua permanente frotagge. foi objeto de qualquer edição, registando o desgaste dos interve-
Onofre, no entanto, utiliza o loop em duas aceções nientes, os seus fracassos, as progressivas desistências até à disso-
distintas: nas primeiras obras utiliza recursivamente o loop “sem lução e completo esvaziamento de propósito. De facto, o filme é
costuras” (tradução literal de “seamless loop”, processo no qual um loop, embora possua uma narrativa do cansaço e dos corpos
o fim e o início estão de tal forma cerzidos que não é possível progressivamente exauridos, mas a circularidade do plano e a sua
detetar com exatidão o ponto de união), embora tenha con- desabrida extensão, a repetição do refrão e da situação de fracasso
tinuado a utilizar este processo mesmo quando as suas peças instalam uma situação (mais uma vez) autofágica que desenha,
vivem de uma espécie de narrativa que passa para lá da acção inescapavelmente, um lugar e não um tempo.
circular. É o caso de obras, como as já referidas, em que utiliza É o encontro deste processo que veio a transformar
footage recolhido a obras cinematográficas (manipulando aqui a obra de João Onofre, pelo menos os trabalhos que utilizam o
por vezes o tempo e cruzando a direção normal da acção com loop como dispositivo, num permanente processo de circunscri-
o seu inverso); no entanto, a utilização do loop é também funda- ção de um lugar de suspensão temporal, no qual o próprio gesto
mental em peças que parecem possuir um princípio e um fim, de circunscrição – e a circularidade espreita em todos os cantos –
como é o caso de Untitled (N’en Finit Plus), de 2010-2011, reali- propõe uma determinada noção de teatralidade.
zada doze anos depois das primeiras peças, na qual uma adoles-
cente interpreta uma canção de Petula Clark (ou a versão desta
de um tema dos The Searchers de 1963, “Needles and Pins”). teatralidade
A canção marca o tempo do filme, mas o movimento da câmara
retoma a circularidade da melopeia, fazendo-a interminável e Se, numa primeira fase, o movimento circular se
construindo uma unidade espácio-temporal que resulta numa desenha, literalmente, no espaço do loop em redor ou face a um
materialização da letra da própria canção, que canta uma noite personagem – ou um pequeno grupo de agentes de uma acção –,
interminável. Outras vezes, no entanto, os vídeos de João Onofre na continuidade do trabalho de João Onofre surge, progressi-
não são montados em “seamless loop” – ou seja, voltam a um vamente, uma situação na qual um conjunto de personagens
genérico, como é o caso de VOX, de 2015 –, apesar da própria executa uma acção, por vezes colectiva, face a um plano fixo
movimentação da câmara realizar um movimento de rotação em (e já se compreenderá porque não falo de “face ao espectador”).
torno do seu objeto, um músico que toca um tema numa falésia O tempo da recursividade, na sua proposta de um
à beira do mar. Mesmo nestes casos, as obras são passadas em presente expandido, desenha um espaço que é o lugar no qual
contínuo, não sendo possível ao espectador escolher o momento um acontecimento se desenrola. Este lugar passa a definir-se
da acção, porque, para além do genérico, não existem pausas. como um palco, uma cena que, pela sua presença, define o espaço
Um caso extremo desta tipologia de procedimento da acção. Ao contrário do que sucedia nos primeiros trabalhos,
é a obra Untitled (zoetrope), realizada especificamente no con- nos quais os personagens estão absortos no desenvolvimento
texto desta exposição.Vale a pena determo-nos um pouco neste de uma tarefa ou de um ato (caminhar, fazer um pino num

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semáforo na noite de lisboa, comer flores), a partir de 2000 – e, 9.
sobretudo, a partir de Casting – não é o loop que instaura o espa- Konrad Feischenfeld, “Romantic
ço da acção, mas a colocação frontal de um conjunto de agentes Irony”, in The Romantic Spirit in
que, de frente para a câmara, a interpretam. A partir desta obra German Art, 1790-1990, Edimburgo
um novo processo começa a afirmar-se no seu trabalho: a acção e Londres: The Scottish Gallery of
é dirigida ao espectador e é desempenhada (performed) para ele, Modern Art, The Hayward Gallery,
mas não frente a ele – de facto, é frente à câmara. Esta tipologia 1994, p. 179.
de desempenho para o espaço real, do espaço de representação
para o espaço habitado pelo espectador, afirma uma teatrali-
zação do processo performativo, não só pela frontalidade, mas um «reconhecimento pelo artista do caráter paradoxal da sua
também porque os agentes são intérpretes de um guião pautado posição»11. Nas artes visuais – onde a questão da ironia pos-
pela natureza da acção que se desenrola no tempo. sui um eco muito menor do que no campo da literatura – ela
Não é, portanto, a temporalidade que define o es- é possível pelo entendimento romântico da visualidade como
paço, mas o desenho de um “palco” – de uma cena, com as suas uma linguagem: uma linguagem cifrada, bem entendido, mas
hierarquias espaciais, o fundo e a boca de cena – que possibilita a uma linguagem em todo o caso, que pode surgir sob a forma do
presença do gesto performativo, ou seja, do gesto que realiza ou arabesco, do desenho no espaço.
que apresenta. A partir deste momento e desta obra transforma- É essa possibilidade de entendimento que permite
dora do seu percurso, o vídeo enquanto processo encontra uma o uso de recursos estilísticos como dispositivos que instauram
nova funcionalidade que é a de possibilitar uma teatralidade “per- um discurso de segunda instância a partir do uso recursivo de
formada” para o dispositivo tecnológico, ele próprio redentor do processos e métodos desenvolvidos por outros artistas que esta-
gesto teatral porque se interpõe como mediador da representação. beleceram um campo para, simultaneamente, gerar uma distân-
Interpondo esta nova camada representacional fica aberto um cia – a da citação, ou da paráfrase – e uma proximidade afetiva.
campo de paradoxo: o que é “performado” para o espectador só é Mais complexo o jogo irónico se torna quando o campo esti-
possível porque este não está lá e, em seu lugar, está uma câmara, lístico (ou retórico, ou conceptual) definido é, ele mesmo, um
uma equipa de filmagem e todo o aparato dedicado ao desenvol- campo irónico em relação ao seu contexto ou ao seu objeto.
vimento de uma segunda instância de representação. Esta linha de Este procedimento é central na metodologia de tra-
trabalho continuaria por um conjunto de peças, nomeadamente o balho de João Onofre e, em alguns casos, parece expor-se como
já referido Instrumental version e Pas d’action, de 2002. um procedimento quase do domínio da comédia. Provavelmen-
Porventura a obra que materializaria de forma mais te o exemplo mais evidente será Catriona Shaw sings Baldessari
intrigante e simultaneamente mais assertiva esta teatralização do sings LeWitt re-edit Like a Virgin extended version, 2003. Neste
processo performativo seria Untitled (Original orchestrated ersatz vídeo, parte de uma trilogia, a cantora pop Catriona Shaw canta,
light version), 2010-2011: num palco de um teatro, uma orquestra com a banda sonora de “Like a Virgin”, o hit de Madonna de
interpreta, pomposa e formalmente, uma canção emblemática 1984, as “sentences” de Sol LeWitt, de 196812. De facto, a can-
de Adelaide Ferreira, “Dava Tudo”, de 1989. A canção é inter- tora não interpreta as 35 proposições de LeWitt, mas a versão
pretada em conjunto pela cantora no seu estilo pungente e dra- cantada das mesmas por John Baldessari, registadas num vídeo
mático, e por João Onofre (na sua única aparição como performer de 1972. A mise-en-abyme irónica de interpretações sucessivas
num vídeo), este expondo a sua inadequação e inaptidão para proposta por Onofre possui múltiplas ressonâncias, na medida
a tarefa que se comprometeu a desempenhar. O registo, entre em que o seu objeto é a versão (já em si, irónica) de Baldessa-
o profissionalismo da orquestra, o acetinado do arranjo, a ilu- ri das proposições de LeWitt. Agora convertidas numa versão
minação teatral do palco e o claro mal-estar produzido pela atualizada a partir de um tema icónico da cultura popular um
incompetência vocal de Onofre, transforma o processo numa pouco démodé já à época da sua apropriação e interpretadas por
dolorosa metamorfose de um momento paródico num arrastar uma cantora profissional, e devolvem ao domínio da proficiên-
trágico, incongruente e contraditório porque cada um dos pro- cia vocal a interpretação da obra original (qual?) pairando a
tagonistas encena um processo de representação de si mesmo, estranha suspeita de que as próprias proposições LeWitt seriam,
re-significando permanentemente o lamento do refrão («Dava em si mesmas, irónicas.
tudo para te ter aqui...»), epicamente exaurido. Representação Este circuito de apropriações e paráfrases sucessivas
sobre representação, o vídeo propõe um paradoxo: é aqui que se só tem sentido porque parte de uma “vontade de paradoxo” que
desvela uma verdade, mas irónica. se aproxima da ironia romântica de Schlegel, tomando o campo
conceptual como a possível “natureza” do trabalho artístico.
A trilogia na qual este trabalho se insere tem como
ironia ponto comum o próprio ateliê do artista, opção que, em si mes-
ma, é o resultado de uma operação metafórica. Na altura em
Na teoria da retórica, desde Quintiliano, a ironia que Onofre realizou este ciclo de trabalhos [Untitled (vulture in
é descrita como a possibilidade de se dizer o oposto do que se the studio), 2002 e Believe (levitation in the studio), 2002], o ateliê
quer significar. Segundo Konrad Feischenfeld9, na análise que dos artistas tinha deixado há muito de ser um lugar de transfor-
este produz sobre a ironia romântica (mais uma vez a partir mação material para ser – sobretudo no imaginário artístico do
de Quintiliano), esta pode ser entendida como figura ou como final do século passado – um misto entre arquivo e laboratório
o uso metafórico de uma palavra ou expressão. Como figura, conceptual. A referência a Bruce Nauman presente em Believe
a ironia pode aplicar-se ou emanar de uma completude – de (levitation in the studio) ocupa um lugar exemplar na tematização
uma situação, ou mesmo de toda uma vida – e, nesse senti- do ateliê: Nauman, no início do seu percurso em S. Francisco,
do, o fragmento é o instrumento próprio da ironia, na medida quando se instalou num estúdio no Mission District, formulou
em que o seu caráter (precisamente) “fragmentário” impede a o silogismo incessantemente repetido que conclui que tudo o
possibilidade de uma totalidade que, no entanto, a sua aparente que o artista faz no estúdio é arte. Claro que o teste a esta pro-
exemplaridade parece intuir. A ironia romântica, tal como defi- posta teria de ser realizado a partir de tarefas impossíveis, pelo
nida por Friedrich Schlegel no final do século XVIII10, implica menos dentro das possibilidades físicas do corpo. É neste sentido

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10. 11. 12. 13.

Em vários textos e fragmentos. Como descreve William Vaughan, “Sentences on Conceptual Art”, Every Gravedigger in Lisbon (Ajuda
“Landscape and the Ironie of Natu- originalmente publicadas em Art- Cemetery, Alto São João Cemetery,
re”, in The Romantic Spirit in German -Language, Vol. I, n.º I, 1969. Benfica Cemetery, Carnide Ceme-
Art, 1790-1990, The Scotish Gallery tery, Lumiar Cemetery, Olivais Ce-
of Modern Art, The Hayward Gallery, metery, Prazeres Cemetery), 2006
Edimburgo e Londres, 1994, p.184.

beckettiano – de desenvolvimento de uma acção persistente- vida como plano representacional no centro do engodo produ-
mente votada ao fracasso – que Nauman ensaiou a sua tentativa zido por Onofre. Esta operação revela, também, o fascínio que
de levitação em 1966, fracassada como tal mas claramente bem- o seu trabalho foi tendo com a infância e a adolescência como
-sucedida em termos duchampianos: não existe outro sentido momentos nos quais a morte parece pairar sem sombra.
para uma tentativa fracassada de levitação documentada (Failling É precisamente a partir do fantasma da morte con-
to Levitate in the Studio, 1966), senão demonstrar ironicamente vocado pelo artista que a dimensão trágica se instala, o que viria
que o seu único sentido é ser arte. a suceder de forma ainda mais marcada em Untitled (I See a
A reformulação de João Onofre realiza uma segunda Darkness), de 2007. Num estúdio de gravação, duas crianças de
ironia sobre a primeira (que passava por ser uma pequena 11 e 12 anos interpretam um tema de Will Oldham de 1999,
tragédia) sob a forma de farsa: contrata um ilusionista que, com popularizado por Johnny Cash no ano seguinte. A canção é uma
a ajuda da sua partenaire, encena um número de feira de preten- névoa espessa que se abate em prenúncios de morte, mas as
sa levitação, um número de gato-escondido-com-rabo-de-fora crianças que a interpretam, focadas na própria dificuldade da
ali mesmo executado, no aperto do ateliê. Outro caso, embora tarefa, vão deixando vir à superfície a sua felicidade por consegui-
confirmando ainda a reafirmação da ideia de ironia romântica, rem chegar ao fim de um tema de execução difícil, com palavras
está presente na segunda obra deste período, que inclui um abu- que escapam à sua compreensão. Em contraciclo em relação à
tre – e uma boa dose de desapego em relação aos materiais no noite da vida que desce sobre o tema, uma luz geral cada vez mais
estúdio. O caráter trágico e confrangedor da destruição que o intensa vai comendo a imagem até só restar um clarão, o branco
enorme animal provoca no ambiente frio e profissional do estú- do ecrã com o eco dos últimos acordes.
dio do artista (tão distante já do cliché do estúdio como lugar Esta evocação da morte, estabelecida a partir do
demiúrgico) é, evidentemente, uma piada séria, como se refere jogo contraditório em relação à candura da juventude, remata
Goethe ao seu Fausto. Esta contradição, ou este paradoxo entre o fascínio pela possibilidade em aberto da juventude que não é
o caráter predador do próprio artista, cujo trabalho revolve nas representável senão a partir do seu contrário, o espectro da mor-
entranhas de um passado da própria história da arte, e a sua ex- te ou o arrebatamento da vontade. No primeiro caso, um dos
posição a um necrófago que, também ele, revolve sem piedade trabalhos que materializa de forma mais determinada a ironia da
as entranhas da sua própria obra, pode ser entendido como um morte é o já referido Untitled (N’en Finit Plus), de 2010-2011,
comentário seriamente jocoso à própria atividade criativa, ou no qual a canção interpretada pela adolescente do fundo de um
uma punição pela sua permanente predação. Em todo o caso, o buraco que é inevitável associar a uma sepultura é, também ela,
caráter irónico da obra só é entendível se for enquadrado num sobre a noite, fechando um ciclo em relação a Untitled (I See
primado paradoxal e não como uma mera inversão de sentido, a Darkness). No entanto, é de referir que, no mesmo período
ultrapassando o campo retórico da ironia para a propor como (a partir de 2006), Onofre realizou dois trabalhos diretamente
figura, ou seja, como emanação da vida. Esta figura, no entanto, associados à morte: um levantamento, devidamente assinalado
só é compreensível como figura Romântica, ou seja, como num mapa do Plano de Desenvolvimento Regional de Lisboa
representação fragmentar de uma axiologia dos grandes temas da dos locais onde a morte está legalmente inscrita (morgues, hos-
História da Arte (a morte, o amor, o fracasso, a memória e a epi- pitais e cemitérios) e um trabalho fotográfico de produção de
fania) como ersatz da vida. retratos coletivos, por cemitério de Lisboa, dos seus coveiros13.
Este último trabalho, formalmente executado como um retrato
clássico de grupo tendo como fundo um ciclorama, possui
finitude a particularidade de unificar todos os seus retratados numa comum
utilização de óculos escuros, processo que, ao mesmo tempo,
Ora a vida só é representável através da sua finitude. lhes retira individualidade (e, portanto, os agencia coletivamente)
Em 2006 e 2007, dois trabalhos de João Onofre e inscreve um certo decorum nas imagens.
dirigem-se diretamente à inevitabilidade da finitude e à sua re- Não parece de somenos importância este procedi-
presentação. Em Thomas Dekker an interview (2006), a situação mento. Da mesma forma que Velazquez, no extraordinário retrato
criada por Onofre resulta num jogo quase perverso sobre os do bobo Juan Calabazas conhecido como El Bufón Calabacillas,
mecanismos de produção da ficção. Dekker é um actor cujo pa- 1637-1639, desfoca o rosto para obnubilar o extremo estrabismo
pel mais relevante é a interpretação de uma criança alienígena do retratado – o que pode ser reconhecido como um gesto de
e perversa em The Village of the Damned, de John Carpenter, filme uma refinada ética da representação –, também Onofre protege
icónico de 1995. O personagem interpretado por Dekker é o o olhar daqueles que cuidam dos mortos, permitindo a teatra-
único que escapa à morte no filme, desaparecendo. A partir dessa lização da sua frontalidade e outorgando ao espectador a possi-
abertura da narrativa, Onofre coloca ao actor um conjunto de bilidade de um olhar que se pode confrontar com os que, mais
questões de facto dirigidas ao personagem por ele interpretado direta e derradeiramente, lidam com a morte sem o cruzamento
anos antes e a que este responde com uma candura que parece do olhar. Nesta dupla proteção (do retratado e do espectador) há
não compreender a ratoeira em que é apanhado. De alguma uma evidência do decoro com que Onofre lida com a perceção
forma situado na sequência de Casting, vídeo que é também um da finitude, mas também o reconhecimento da dificuldade e fra-
jogo de enganos “performados” por adolescentes, em Thomas gilidade do processo de representação que está sempre presente
Dekker a relação dual com o entrevistador coloca a questão da no seu trabalho.

19
14.

Untitled, 2016

Por outras palavras, a proposta de que o processo


artístico, na sua permanente tentativa de lidar com a finitude,
não possui outro recurso senão situar-se no limar da falha, ou
do fracasso: mostrar a inconclusividade da aproximação entre
os corpos, a finitude através do que nunca termina, a morte
através da juventude, a tentativa como necessariamente votada
ao fracasso.

fracasso
Em 2016 Onofre realizou uma instalação sonora
a partir da edição de fragmentos dos cinco álbuns de estúdio
gravados pelo guitarrista português Carlos Paredes 14 (1925-
-2004), especificamente dos momentos nos quais a respiração
do músico é audível. Ao longo da sua vida, pela forma peculiar
como se debruçava sobre a guitarra, nunca foi possível realizar
gravações de Paredes sem que o ruido da sua respiração ficasse
presente. Embora o músico desprezasse esse ruido parasitário, o
público sempre gostou deste rasto da presença física do guitar-
rista – como acontece, aliás, com gravações de Glenn Gould,
de Abdulah Ibrahim ou de Keith Jarrett. Onofre realizou uma
colagem sonora de todos os momentos nos quais a respiração
é audível, num palimpsesto cozido pelo vaivém daquele hálito
que transpõe o cuidado técnico, a delicadeza do rendilhado de
Paredes e o seu virtuosismo para impor a fisicalidade háptica de
um fantasma.
Em muitos trabalhos de Onofre o fracasso é o motor
da intensidade: no vídeo que apresenta o dueto entre o artista
e Adelaide Ferreira, em Casting, em Untitled (vulture in the Studio),
e, finalmente em Untitled (zoetrope), de 2018-2019.
Há uma fissura que se abre neste interesse reiterado
pelo fracasso e é por essa fissura que penetra, como uma fina
corrente de ar, a fragilidade da vida e do humano, a inevita-
bilidade da perda e a impossibilidade de totalidade. É também
por essa fissura que a ironia se instala, que o fragmento fracassa
na sua exemplaridade auspiciosa, que a juventude se perde e se
desgasta e que um rumor de uma canção pop, repetida até dela
não ficar senão o eco, parece condensar um sentido total.
Na parede está um fax, devidamente emoldurado,
que tem escrito «Everything disappears». A frase cumpriu já o seu
destino no papel térmico e está ali como uma testemunha preté-
rita de si mesma. Agora sim, desvanecida e melancólica.

20
21
1. 2.

Untitled, 1997, 2 estetoscópios Untitled (we will never be boring),


alterados, aço inoxidável, 1997, video SD, cor, s/ som, 60’,
95 x 9 x 1 cm. 233 x 308 cm.

Untitled 1997, 2 estetoscópios alterados, aço inoxidável, 95 x 9 x 1 cm

22
3. 4. 5. 6.

Untitled, 1998, video SD, cor, som, Untitled (Martha), 1998, video SD, Untitled (L’Eclisse), 1999, video, Untitled, 1999, vídeo SD, cor, som,
loop de 3” (loop), 190 x 210 cm. cor, s/som, loop de 16’’ (loop), p&b, s/som, 20’’ (loop), 3’’ (loop), 190 x 210 cm.
160 x 130 cm. 400 x 300 cm.

BENJAMIN
WEIL e JOÃO
ONOFRE EM
CONVERSA
LISBOA 16.12.2018

Benjamin Weil : Na tua exposição há um trabalho JO : Não pretendia infligir dor, como ocorria, por
participativo/objecto relacional, que fizeste a partir de dois estetos- exemplo, no início da body art no final dos anos 60, início dos 70.
cópios1. Os visitantes da exposição devem examinar o estetoscópio Sabia, contudo, que eles se magoariam um ao outro.
em grupos de dois e ouvir os batimentos cardíacos um do outro. Continuei, posteriormente, a explorar a relação entre
Também referiste um vídeo que fez nessa altura. De que se trata? duas pessoas, entre dois corpos, embora o processo tenha evoluí-
do, já que decidi usar found footage. O primeiro trabalho, intitulado
João Onofre : Consiste num homem e numa mu- Martha4, foi feito com excertos do filme homónimo de Rainer
lher, frente a frente, em passadeiras, num ginásio. Durante uma Werner Fassbinder, que ele realizou para televisão [produzido
hora, caminham em direcção um ao outro sem saírem do mesmo pela West Deutsche Rundkumpf em 1974]. Escolhi uma cena em
sítio. O título do vídeo é Untitled (we will never be boring)2. que a câmara circula à volta de dois actores que se aproximam um
do outro. Criei, de seguida, um loop com um movimento para a
BW : Porquê uma hora? frente e para trás, criando uma espécie de dança mecânica. Pro-
duzi uma outra peça semelhante5 com um excerto de L’Eclisse de
JO : Porque usei uma cassete Hi-8, a qual só permitia Michelangelo Antonioni (O Eclipse, 1962), com Monica Vitti e
gravar uma hora de filme. Alain Delon, a partir do seu primeiro encontro na casa de Delon.
Vitti é uma mulher casada prestes a ter uma relação adúltera com
BW : Produziste outras obras do mesmo género? Delon. Tentam dar as mãos e depois soltá-las. Basicamente, criei
um loop com esse fragmento, de forma que esse gesto se torna um
JO : Sim. Trabalhei durante três anos com performers movimento perpétuo.
e acção. Em 1998, filmei um homem a cair sobre uma mulher Nesse mesmo ano, produzi também um vídeo com dois
e vice-versa, como se fossem magnetizados um para o outro3. performers com o peito virado para baixo, que dão uma volta e
Suspendi-os à vez num tecto de dois metros de altura e deixei caem de costas6. Fiz a mesma rotação de 90º do quadro e, quando
que ele ou ela caísse em cima do outro. Depois, fiz uma rotação se assiste, temos uma atracção e uma repulsa perpétuas entre esses
de 90º do quadro. Assim, em vez de uma queda, o que se vê é uma dois corpos. Trabalhei com dois performers. Depois rodei cada
atracção ultra-rápida dos dois corpos. um deles. Creio que estava a aprender que o espaço da videoes-
fera tem o seu próprio conjunto de regras que não se aplicam
BW : Deixas a mulher cair em cima do homem: não se directamente à realidade. As regras da gravidade, por exemplo, são
magoaram um ao outro nesse processo? Querias que eles se magoassem? um desses casos.

23
7. 8. 9.

Untitled (2001), 1999, vídeo SD, Instrumental version, 2001, vídeo Pas d’action, 2002, vídeo SD, cor,
cor, som, 14’’ (loop), 400 x 300 cm. SD, cor, som, 6’53”, 274 x 370 cm. som, 4’16’’, 246 x 312 cm.
Untitled 1998, vídeo SD, cor, som, 3’’ (loop), 190 x 210 cm

24
10. 11.

Untitled (orchestral), 2016-2017, controladores, software de controlo -amplificadores, interface de áudio Untitled (vulture in the studio),
1 câmara de vídeo, 10 painéis sola- original, 2 placas PCB originais, 2 digital, composição original, som 2002, vídeo SD, cor, som, 9’36’’,
res, 4 caldeiras Babcock & Wilcox, computadores, 16 microfones, 16 em tempo real. 316 x 420 cm.
16 braços robotizados, 2 micro- colunas, 6 subwoofers, 16 pré-

Em todos esses filmes, o que se vê são duas pessoas – dois BW : Há pouco referiste que a duração da peça da
corpos – a serem atraídas como ímanes e repelidas ao mesmo tempo, passadeira se baseava na duração da cassete. É algo que voltaste
num movimento repetitivo e infinito. Além da relação entre duas a explorar desde essa altura ou não?
pessoas, estava também interessado num ritmo ou numa batida.
JO : A duração é uma das minhas preocupações cons-
BW : Referes-te ao batimento cardíaco, central na tantes: determinar a duração certa para cada trabalho implica
peça do estetoscópio, ou a algo diferente? compreender a lógica dessa duração, o modo como modela todo
o trabalho. Dito isto, a duração da cassete determinou a duração
JO : O ritmo no estetoscópio é o batimento cardíaco. da peça da passadeira. A duração de Instrumental version corres-
No entanto, nas peças da “queda”, usei o som específico da que- ponde à duração da canção original dos Kraftwerk. No caso das
da, que é um som muito ritmado e concreto. Então, sim, há uma duas peças de “queda”, cada uma de 3 segundos, a duração é a da
preocupação semelhante o tempo todo. acção – mesmo que a filmagem tenha demorado muito tempo
porque se revelou bastante complicado suspender as pessoas do
BW : Dirias, então, que o ritmo, ou essa batida, é a tecto. Em Pas d’action9, uma peça na qual um grupo de bailarinos
essência de um diálogo entre duas pessoas, dois corpos? A ambi- executa endurance “sur les pointes” e “demi-pointes”, a duração
guidade dessa troca, essa atração/repulsa... é determinada pelo período de tempo em que eles conseguem
permanecer nessa posição.
JO : Algo nesse sentido, sim. Entendo a duração como uma espécie de contentor, na
medida em que enquadra a obra: um guião e a sua duração são
BW : Produziste outras obras com found footage? a forma como estruturo o meu processo de trabalho. Por exem-
plo, com Untitled (orchestral)10, a obra que produzi para a Sala das
JO : Em 1999, produzi Untitled (2001)7, com um Caldeiras no MAAT, em 2016-2017, o guião era: «uma peça so-
excerto do filme de Stanley Kubrick, 2001: Odisseia no Espaço. nora será ativada pelo sol, usando painéis solares para captar a sua
Depois comecei a criar vídeos onde documentava acções. energia; a intensidade dos raios solares afetará o ritmo e o volume
do som da composição de percussão tocada por robôs». Sabíamos
BW : Consideras que o teu método de trabalho evo- que o percurso do sol mudaria do princípio ao fim da exposição.
luiu, passando da exploração de uma ideia, independentemente Contudo, tive também em conta o acaso – ou o imprevisível.
dos media, para uma pesquisa de base mais formal no mesmo me- Nesta obra, é o facto de o sol não brilhar com a mesma intensida-
dium? Ou há momentos em que revertes para um processo orien- de todos os dias, já que as condições meteorológicas podem estar
tado por ideias, por assim dizer? mais ou menos nubladas. Produzi também uma peça com um
abutre, na qual levei esse animal selvagem para o meu estúdio11.
JO : Sempre trabalhei com muitos media, mas o vídeo A reacção da ave não era previsível, o que, obviamente, afectou
tornou-se, de certo modo, nuclear na minha prática artística, ainda directamente a estrutura e, por conseguinte, a duração do vídeo.
que tenha continuado a trabalhar com outros media. Poder-se-ia,
então, dizer que o período de 1997 a 1999/2000 funciona como BW : Esse trabalho tem alguma coisa que ver com
um corpo de trabalho específico. Comecei, então, a investigar outros. a peça do coiote de Joseph Beuys?

BW : Lembro-me da primeira peça que vi da tua JO : Estava mais a pensar no El ángel exterminador de
autoria. Foi em São Francisco, em 2001, como parte de uma ex- Luis Buñuel, e em como poderia abordar a finitude enquanto
posição colectiva. Era o vídeo de um coro que cantava à capela assunto. O abutre alimenta-se de cadáveres, um animal que cul-
“The Robots”8, a canção dos Kraftwerk. Quando é que fizeste turalmente simboliza a morte. Filmei o abutre a tentar voar, mas
essa peça e como é que surgiu? a falhar, estando limitado pelo espaço e não sendo capaz de se re-
lacionar com este. O vídeo documenta este paradoxo de ter uma
JO : Foi em 2001. Estava interessado em que um coro ave muito grande, que normalmente vive num ambiente extre-
de câmara – cujo repertório é, geralmente, música sacra – interpre- mamente aberto, presa no meu estúdio e provocando estragos, de
tasse “The Robots”, dos Kraftwerk, um dos primeiros exemplos alguma maneira. Deixa de ser o símbolo da morte – é, antes, um
da música pop eletrónica e, como tal, um marco. Os cantores animal preso num local que tenta desesperadamente descobrir
interpretavam não apenas a melodia, mas também todos os sons uma saída. Nesse sentido, é muito real.
gerados pelos sintetizadores. Interessava-me saber como é que vozes
humanas a cantarem em sincronia criariam sons produzidos de BW : Dirias que muito do que pensas quando começas
forma mecânica. a reflectir sobre cinema e sobre performance é mais influenciado
pelo cinema do que pela história da arte?
BW : Dirias, então, que há uma ligação entre os vídeos
iniciais relacionados com o corpo e este trabalho? Em retrospetiva, JO : Além do cinema, o que mais me interessa é como
vês o desenrolar de uma meta-narrativa? os artistas nos anos 60 e 70 usavam a imagem em movimento –
celuloide e, depois, vídeo – para documentar acções. O que esses
JO : Neste caso, é menos sobre o corpo e mais sobre artistas faziam era documentar e filmar uma acção. Ao contrário
a sua relação com a tecnologia e como esta o pode afetar. do cinema, quando, por exemplo, Bas Jan Ader documenta uma

25
26
Tacet 2014, vídeo 2K, cor, som, 7’40”, dimensões variáveis

27
12. 13.

Casting 2000, vídeo SD, cor, som, 12’59’’, 274 x 370 cm


Catriona Shaw Sings Baldessari Casting, 2000, vídeo SD, cor, som,
sings LeWitt re-edit Like a Virgin 12’59”, 274 x 370 cm.
extended version, 2003, vídeo SD,
cor, som, 14’23’’, 269 x 356 cm.

queda, trata-se de uma queda real, e não fictícia. O que é filmado


é real, assim como quando coloco um abutre no meu estúdio e
faço um vídeo da sua reacção, porque não se pode planear a acção
de um animal selvagem. Estou interessado nessa dinâmica, na ideia
de que o que estou a mostrar não é representação mas a documen-
tação, sem edição, de uma acção.

BW : Então, nesse sentido, não tem nada que ver


com cinema...

JO : Nada. Apela a algo que é muito real. Por exem-


plo, o coro que gravei a cantar a música dos Kraftwerk é um coro
real, que existe fora do filme, e não um conjunto de actores que
fingem ser cantores: cantavam mesmo enquanto os gravava.
É também por este motivo que a duração é tão impor-
tante para mim. Tudo o que filmo está de facto a acontecer, em
tempo real. Nesse sentido, não se trata de um sistema de represen-
tação com o seu próprio conjunto de regras diegéticas que induz
a suspensão da descrença típica do cinema.

BW : Quando referimos há pouco Instrumental version,


o teu foco parecia estar na forma como uma voz humana conse-
gue reproduzir sons feitos por máquinas. Falaste sobre a relação
entre o corpo e a tecnologia…

JO : No início dos anos 2000, a tecnologia começou


a permear visivelmente todos os aspectos das nossas vidas: o advento
da Internet, como é óbvio, e a disseminação dos computadores
e respectivos ecrãs. O vídeo digital significava que se podia editar
num computador. Sentir essa mudança também alimentou o meu
interesse em criar uma reinterpretação “analógica” de uma das
peças mais famosas do início da “techno pop”. Interessava-me
a forma como a tecnologia estava a mudar a nossa relação física
com as coisas, e também no tipo de fascínio tecnológico que
prevalecia na altura. A tecnologia era uma nova utopia, resolveria
todos os problemas.

BW : Contudo, “The Robots” remonta ao início


dos anos 70…

JO : Exatamente. E isso leva-me ao outro motivo pelo


qual essa música em particular me interessava: o facto de que qual-
quer um a conseguiria reconhecer como antecessora da utopia
digital. É um factor que ajuda a atrair o espectador para a obra,
envolvendo-o directamente nesta.

BW : Quando produziste o trabalho com a música da


Madonna12? Foi na mesma altura?

JO : Dois anos depois. Embora ambos estejam relacio-


nados com a cultura pop, na realidade vejo-os como pertencentes a
dois grupos diferentes de obras. Instrumental version faz parte de uma
série que lida com grupos de pessoas, que inclui também a peça do
casting13 e, de seguida, Pas d’action, a peça com os bailarinos.
O grupo seguinte de obras está directamente ligado
à ideia do estúdio. Inclui a peça com a canção da Madonna, além
de Untitled (vulture in the studio) e Believe (levitation in the studio)14
que, na verdade, foi a primeira da série. Todas foram feitas no meu

28
14. 15. 16. 17.

Believe (levitation in the studio), Making of, 2004, video SD, cor, Untitled (SUN 2500), 2010, vídeo Tacet, 2014, vídeo 2K, cor, som,
2002, vídeo SD, cor, som, 4’24’’, som, 8’48’’, 300 x 400 cm. HD, cor, som, 8’10’’, dimensões 7’40”, dimensões variáveis.
288 x 383 cm. variáveis.

estúdio e todas elas se referem à história da arte, de uma forma ou neste caso não o pude fazer. A filmagem final é composta por
de outra. Believe (levitation in the studio) refere-se especificamente
sete ou oito planos, que editei para corresponder à duração real
a Failing to Levitate in the Studio (1966), de Bruce Nauman, uma da acção. O mesmo acontece em Tacet17: filmei vários planos do
fotografia a preto e branco de dupla exposição que fez no seu piano a ser queimado, dado ser impossível documentar a acção
estúdio a tentar levitar. Dado que encenou o seu próprio fracasso, num único plano.
pretendi responder humoristicamente, com um toque profissional, Pelo contrário, não há edição numa obra como Casting,
à mesma situação, o que resultou em conseguir o que Nauman mas temos a composição da mise en scène. Faço uma edição sin-
não conseguiu: uma levitação. crónica dentro do plano, posicionando os modelos em três filas.
Pedi-lhes que, um a um, se aproximassem da câmara enquanto os
BW : Então, Bruce Nauman é a tua referência, e a ideia outros, em segundo plano, começavam a interagir. Assim, aquilo
do estúdio como um lugar para fazer arte, o que é uma proposta que na realidade vemos são as diferentes linhas temporais: a linha
menos óbvia nos dias de hoje. temporal de quando o modelo está à frente da câmara e, em si-
multâneo, a acção que acontece nas três filas atrás dele. Ou seja,
JO : Nauman tem uma relação muito específica com trata-se de editar dentro do plano.
o estúdio. Não é apenas um lugar onde ele produz obras de forma
privada, mas também onde se podem realizar acções e experiências, BW : Então, na maioria dos casos, a duração do vídeo
que ele documenta através da fotografia ou do vídeo. Ao fazê-lo, é a duração real da acção…
rompe de certa forma com a fronteira entre a privacidade do pro-
cesso criativo num espaço de produção e o espaço de exposição, JO : Exactamente. Encaro os vídeos como documen-
onde o trabalho está perante o público. Para mim, isto é fundamen- tários directos de uma acção.
tal, e trouxe-me de volta ao estúdio. Como uma espécie de con-
clusão para esta série de obras, produzi Making of15, que consistiu BW : Isso faz-me pensar na auto-reflexividade que
em pedir a um estafeta que transportasse a minha câmara ligada, caracteriza as primeiras experiências com vídeo, quando os artis-
gravando a viagem do meu estúdio até à galeria… ou seja, passar tas começaram a apropriar-se desse novo medium no início dos
do privado para o público, com o “espaço intermédio” de transição. anos 70 para se gravarem a fazer uma coisa qualquer. A câmara
era uma mera testemunha: um meio de gravar instantaneamente
BW : A ideia de produzir trabalho no estúdio assume algo de outra forma efémero, de transpor o tempo. Joan Jonas fala
todo um novo significado hoje em dia, na medida em que muitos muito sobre isto: documentar uma acção no estúdio e transpor a
artistas entregam realmente a produção das suas obras a profissio- intimidade do estúdio para o espaço de exposição. O vídeo é fac-
nais: arquitetos, engenheiros, oficinas, etc. De alguma forma, nos tual quanto à duração real da acção documentada mas, de algum
dias de hoje, o estúdio é mais um escritório, um lugar de pesquisa, modo, deixa de ser o mesmo período de tempo, porque é uma
experimentação ou reflexão, e não tanto um local de produção. gravação e porque é experienciado num tempo e num espaço di-
ferentes. Assim, embora não seja uma representação, há uma ideia
JO : Creio que a ideia de o artista ter uma epifa- auto-consciente de se gravar algo...
nia sozinho na sua torre de marfim é muito modernista. Embora
possa ter acontecido outrora, actualmente o estúdio está ligado JO : …com o propósito de mostrá-lo mais tarde:
ao mundo e é permeado pela vida quotidiana e pela cultura pop: trata-se, de facto, de um fragmento de tempo extraído do continuum,
um local de trabalho como qualquer outro. Por conseguinte, o à medida que é gravado e reproduzido. De alguma forma, este
estúdio pode ser um lugar onde enceno uma acção para gravá-la. fragmento torna-se autónomo.
Posso, por exemplo, trazer um mágico para realizar uma levita-
ção ou pedir a Catriona Shaw para reencenar a famosa peça de BW : Sim, exacto. É uma transposição do tempo. É um
John Baldessari, que consiste numa gravação do próprio a cantar enquadramento do tempo.
“Sentences on Conceptual Art” de Sol LeWitt [publicado origi-
nalmente em 1968]. O canto de Baldessari é péssimo. Ao trabalhar JO : O vídeo no campo das artes visuais é concebi-
com uma cantora pop profissional e ao usar a melodia de “Like a do de uma forma muito diferente do vídeo no campo das artes
Virgin” de Madonna, o meu objetivo era “actualizar” a sua tentativa performativas.
deliberadamente fracassada, por assim dizer. Esta obra funciona do Creio que que a atenção prestada à acção é muito mais
mesmo modo que a minha reencenação da levitação falhada de clara quando se vê estes artistas visuais históricos a usarem o filme.
Bruce Nauman.
BW : Esta ideia de transpor o tempo é interessante
BW : Então essa ideia de captar uma acção efémera, porque o tempo real necessário para executar a acção – o processo
que acontece longe do olhar do público, também influenciou a criativo – é mantido intacto e é, por conseguinte, visível para
obra produzida que documenta a transferência de um veleiro da o público. Enquanto uma pintura é o resultado de um processo,
rua para uma piscina16? A duração da gravação é igual à duração o tempo dispensado na sua elaboração torna-se invisível quando
real dessa acção? a mesma é finalizada e exibida.

JO : É sim. Contudo, embora costume fazer planos- JO : Acho que o vídeo tem uma ligação com a rea-
-sequência – e, por conseguinte, não edite as minhas gravações – lidade que é muito mais forte do que o cinema. Isto porque no

29
18.

Running dry series, 2005-2007,


marcador acrílico sobre papel de
algodão, 100 x 70 cm.

GHOST 2009-2012, vídeo HD, cor, som, 14’04’’, dimensões variáveis

30
19. 20. 21. 22.

Classified series, 2005-2011, Box sized Die featuring (...), 2007 GHOST, 2009-2012, vídeo HD a Untitled, 2016, par stereo, 14’12’’.
classificados em vários jornais (em curso), ferro, materiais de isola- cores com som, 14’04’’, dimensões
europeus. mento acústico, duração variável e variáveis.
desconhecida, 183 x 183 x 183 cm.

cinema há sempre, segundo o jargão, a “suspensão da descrença” JO : Som … hmm… há tanto para dizer…
e, no vídeo, acredito que exista uma ligação indexical profunda
com a realidade. Como uma fotografia Polaroid. Tiramos uma BW : Criaste obras apenas com som, sem imagem,
Polaroid e, em termos indexicais, dizemos que é realidade. É um mas com uma presença escultórica, como se incorporasse o som.
instantâneo, não alterado digitalmente, de modo que está muito Por exemplo, temos aquela obra, uma performance numa caixa20;
mais ligada à realidade do que uma fotografia analógica impressa. consideras que esta é a tua primeira incursão no som?

BW : Nos editoriais de moda, creio que ainda usam a JO : Não. Antes disso explorei o dephasing – na acep-
Polaroid antes de tirarem a fotografia final… ção de Steve Reich – quando produzi a peça das quedas: quando
fazia o loop, os performers giravam à volta dos seus próprios eixos
JO : São as chamadas Polaroid backs. Os fotógrafos para trás e para a frente. Estava interessado em explorar diferen-
usam-nas para testar a iluminação e decidirem que direcção tes sequências temporais no mesmo vídeo de loop aparentemente
seguir. Trata-se de uma espécie de “confirmação da realidade”. fechado, que posteriormente entra e sai de sincronismo devido à
O vídeo introduziu este imediatismo na imagem em movi- sua progressão no tempo.
mento: a partir desse momento, passámos a conseguir verificar
imediatamente o que tínhamos gravado. É essa vivacidade que BW : Neste caso, o som gravado é diferente do som
realmente me interessa. ao vivo. A banda sonora de GHOST 21 também é retrabalhada:
não pediste a um compositor para trabalhar a partir do som na-
BW : Há fotografias no teu corpo de trabalho? tural ao vivo?

JO : Algumas, cerca de dez. Algumas misturadas com JO : Pedi, e ele elaborou uma composição a partir
texto. do drone constante produzido pelo trânsito na Ponte 25 de Abril,
a ponte central de Lisboa. Este som pode ser ouvido em todo
BW : É a quietude que te incomoda? o centro da cidade de Lisboa: faz parte integrante da paisagem,
mesmo que muitos possam não saber o que é realmente. É um
JO : Isoladamente, a fotografia é menos propensa som naturalmente familiar para qualquer lisboeta. Fazia, por isso,
a mostrar a qualidade performativa do meu trabalho. O vídeo sentido escolher esta composição para a ilha que desce o rio e
permite-me fazer isso, assim como o desenho. Por exemplo, se que, pelo caminho, passa por baixo dessa ponte.
pensarmos na série de desenhos Running dry18, conseguimos ver,
de facto, o processo de realização... BW : Embora existam vídeos nos quais o som é parti-
cularmente importante, estava também a pensar em obras sonoras
BW : Estás a dizer-me que desenhaste até a caneta secar? que não têm imagem. De certa forma, temos uma imagem que
encarna o som, ou uma espécie de elemento escultórico…
JO : Sim: logo, o desenho torna-se um objecto per-
formativo. De uma forma mais abrangente, relaciono o processo JO : Sim. Diria que se trata de um movimento no
desses trabalhos com os desenhos Blind Time de Robert Morris. sentido da desmaterialização da obra de arte. Box sized Die é um
bom exemplo, assim como a instalação que produzimos para o
BW : Isso faz-me pensar em Anthropometries, de Yves MAAT. Há também a obra que fiz com todas as gravações de
Klein, embora, nesse caso, a acção tenha sido encenada e pública. Carlos Paredes22, um guitarrista português muito famoso, que
Na verdade, existem filmes fantásticos dessas acções. consiste na compilação de todas as respirações que consegui
escutar enquanto ouvia os álbuns de estúdio que Paredes pro-
JO : A performance é fundamental no meu trabalho, duziu ao longo da sua carreira. Este trabalho é essencialmente
independentemente do media. Também considero assim o traba- sobre a imaterialidade da obra de arte, na medida em que se
lho que fiz com anúncios classificados19, na medida em que ence- materializa sob a forma de dois altifalantes, mas também por-
no uma relação com o leitor da minha frase: «this stays between que é um som que não é música, ou seja, quando foi gravado,
us» [isto fica entre nós]. Não estou a tornar um segredo público, não foi feito para ser ouvido.
mas estou a declarar publicamente que existe um segredo. Por A peça Box é uma abordagem diferente: convido bandas
conseguinte, trata-se de uma tautologia no domínio público. de Death Metal para actuarem no interior da estrutura, mas quan-
do tocam, a porta é fechada e não se consegue ouvir ou ver nada.
BW : Ligas esta obra a peças anteriores que exploram
o contacto humano, como uma forma de relacionamento com o BW : Quanto tempo dura a performance?
outro?
JO : Até ficarem sem ar e terem de abrir a porta de
JO : Estas obras surgiram cinco ou seis anos depois, novo. Quando a banda começa a tocar, continua enquanto a porta
mas existem algumas semelhanças. é fechada à sua frente; depois disso, não há nada para ver além de
[Pausa] uma estrutura primária que nem é minha, foi concebida por Tony
Smith. O que tentei fazer foi activar a ideia do silêncio como
BW : Ainda não falámos sobre o som. morte, devido à falta de ar dentro da caixa. O volume sonoro da

31
32
33
34
35
23. 24. 25. 26.

Skull, 2003, fax em papel térmico, Untitled (bells tuned D.E.A.D.), Acousmatic arrangement inside Untitled (leveling a spirit level
30 x 23 cm. 2017, composição espacializada an invisible square, 2013-2014, in free fall feat. Dorit Chrysler’s
para 4 torres sineiras em Coimbra, 12 carrilhões de vento Koshi, 11 BBGV dub), 2009, vídeo HD, cor,
c.14’30’’. com afinação de fábrica, 1 afinado a som, 4’20’’, dimensões variáveis.
D.E.A.D., LED, dimensões variáveis

peça quando a porta está aberta com a banda a tocar liga-a à vida BW : E sempre resultou em D – E – A – D?
humana, no princípio e no fim da performance. Trata-se de algo
cageiano, quando se olha para um objeto minimalista, quando tem JO : Sim, é uma composição com três notas, mas
a porta fechada, e só se consegue ver e ouvir quietude à frente, elaborada com espaço e tempo, já que os sinos estavam separados:
mas sabe-se que há algo no interior que está vivo. havia som a vir de todo o lado. Em 2013, já tinha afinado alguns
carrilhões de vento para executarem a mesma composição25. Ou
BW : Até certo ponto, parece o oposto perfeito de seja, entrava-se no espaço da exposição e os carrilhões de vento
uma suspensão da descrença. eram ativados quando se passava por eles.

JO : Poder-se-ia dizer isso, sim. Os teus sentidos e a BW : Referiste dois compositores: John Cage e Steve
tua percepção andam para a frente e para trás porque se sabe que Reich. Existem outras referências específicas deste tipo de traba-
há uma banda a tocar no interior e, ainda assim, não se consegue lho ou deste tipo de pesquisa?
ouvir nada. Na verdade, sinto-me extremamente desconfortável
quando assisto à performance porque sei que os músicos vão JO : Diria que ambos são importantes para mim, mas
tocar durante o máximo tempo que conseguirem até ficarem Cage talvez seja mais.
fisicamente exaustos.
BW : Afirmaste uma vez que a arte poderia ser consi-
BW : Além desta performance ao vivo, realizaste derada um vírus que espalha uma boa contaminação…
outros eventos ao vivo?
JO : Penso mais em termos de sabotagem… E, mais
JO : Outras obras sonoras? especificamente, penso em sabotagem auto-infligida. Contudo, se
pensar em Untitled (orchestral), a noção de contaminação viral fun-
BW : Não necessariamente. Alguma acção que tenha ciona muito bem: a minha instalação invadiu de forma invisível
ocorrido no espaço real e em tempo real? a Sala das Caldeiras da Central Tejo [no MAAT] e transformou
completamente a percepção do local. A presença imponente das
JO : Bem, como afirmei antes, acredito que a perfor- caldeiras naquele espaço torna quase impossível mostrar qualquer
mance permeia todo a minha obra. Outro exemplo que me vem coisa, quanto mais projecções de vídeo. Com a minha interven-
à cabeça é um trabalho menos conhecido: enviei um fax para o ção, as estruturas tornaram-se, de certa forma, objectos de arte
meu estúdio há alguns anos com a afirmação «everything disa- magníficos. E embora antigamente tenham fornecido energia às
ppears» [tudo desaparece]23. Foi na época em que as máquinas de turbinas na sala adjacente, transformei-as em instrumentos musi-
fax funcionavam com papel térmico que, como sabes, implicava cais que recebem energia ao invés de produzi-la.
que o conteúdo desaparecesse gradualmente. Quando se trata de sabotagem, refiro-me explicitamente
ao meu interesse pelo fracasso como um dos componentes essen-
BW : Onde estava a tentar chegar era à ideia de que a ciais do meu trabalho. Isto é bastante evidente com Pas d’action,
caixa é uma peça que o visitante experimenta em tempo real, sem onde os bailarinos devem manter uma pose em “sur les pointes”
mediação. Criaste outras obras que não eram mediadas? e “demi-pointes” até colapsarem. Este tipo de falha condiciona a
duração da peça. Logo, não apenas o fracasso é de alguma forma
JO : Em 2017, criei uma composição em tempo real “incorporado”, se quisermos, como é também estrutural e con-
que usava os sinos de duas igrejas e um sino universitário do ceptualmente necessário.
centro da cidade de Coimbra durante a Bienal Anozero24: tinha
quatro campanários a tocarem os sinos por ordem específica to- BW : Por que razão lhe chamas fracasso, se alcançaste
dos os dias às 10:00, quando a exposição abria, e às 18:00, quando o que estavas a tentar fazer?
a exposição fechava, de modo que se podia ouvir as notas D (ré),
E (mi), A (lá) e depois D (ré) novamente. JO : Se pensares em Untitled (leveling a spirit level in free
fall feat. Dorit Chrysler’s BBGV dub)26, no qual um tipo em queda
BW : D, E, A, D e depois começava de novo? livre tenta constantemente endireitar um nível de bolha, talvez
se torne mais claro onde eu estou a tentar chegar. O que ele está
JO : Não totalmente. A espacialização era a seguinte: a tentar fazer é quase impossível, e é precisamente essa a questão:
uma igreja que se situava na baixa da cidade tocava, por exem- a vontade de perseguir uma impossibilidade.
plo, as notas D e E, e a igreja no centro da cidade respondia Talvez a ideia de uma contaminação viral se aplique me-
com a outra nota. Assim, estavam sempre a produzir o mesmo lhor quando me aproprio de material cultural da esfera pública:
conjunto de notas... mas o sentimento era um pouco como um por exemplo, quando uso os sinos de Coimbra. Amplio o uso de
diálogo. Ouvíamos o sino da torre da Universidade a tocar D, E algo que tem um propósito específico, aproprio-me dos códigos
e A e, depois, o sino da torre da igreja principal – a Sé Nova de para criar algo diferente... de certa forma, atribuo um novo signi-
Coimbra – respondia, por assim dizer, tocando D, passando de ficado aos sinos. Logo, talvez a apropriação cultural ou a noção de
seguida para E, A, e D. Ou seja, era como uma brincadeira entre pós-produção, para ser mais preciso, possa ser uma contaminação
três notas dos sinos. viral porque muda a percepção do material original.

36
27.

Untitled (LIB), 2012, impressão a


jacto de tinta sobre papel Luster,
conjunto de 13, dimensões variáveis.

BW : Com Catriona Shaw Sings Baldessari sings LeWitt a ironia é um processo crítico mental que não tem o potencial
re-edit Like a Virgin extended version, aproprias-te de um ícone his- emocional do humor. Contudo, a arte não é sobre fazer piadas
tórico da arte, bem como de um ícone da cultura pop. O resultado ou algo sem significado. Não creio que isso seja atractivo nem
é um híbrido, em que a arte contamina a cultura pop e vice-versa. interessante de forma alguma.
Também é interessante que as palavras da música original sugiram
igualmente, em certa medida, a ideia de uma nova experiência. BW : Apontar para a qualidade absurda da nossa reali-
Escolheste a canção super famosa da Madonna para combinar com dade? Dar importância a algo sem outro propósito além do gesto:
as palavras de Sol LeWitt? em todas as obras que referi previamente – e na maioria das que
vi –, parece haver uma preocupação semelhante. As imagens são
JO : “Sentences on Conceptual Art “, de Sol LeWitt, muito fortes. Uma palmeira numa ilha em movimento ou um
é um manifesto: trata-se de um texto de natureza experimental, veleiro preso numa piscina são imagens muito fortes. Diria que há
ao mesmo tempo que tende a estabelecer um sistema de pensa- tanto humor quanto gravitas. Antes falámos sobre o fracasso, mas
mento. Há algo de quase sagrado nisso, mas também algo de naif. é também claro que, tanto esta acção como muitas outras, se não
A canção da Madonna tornou-se um produto cultural seminal. todas, dependem de uma logística incrivelmente bem executada.
Logo, de certa forma, têm um estatuto semelhante. Quando John Sabes exactamente o que tentas alcançar e transmitir quando de-
Baldessari cantou LeWitt, também usou músicas famosas da época: fines estas acções?
“Strangers in the Night” de Frank Sinatra ou o hino nacional dos
EUA. Quando decidi retrabalhar essa performance, convidei uma JO : No início, não sei com precisão como será a
famosa cantora pop e usei uma célebre canção do nosso tempo. imagem. Não conheço todos os detalhes nem o seu resultado. Por
exemplo, o guião conceptual da ilha era conceber um arquétipo
BW : Lembras-te quando é que Baldessari fez esse de uma ilha perfeita no topo da qual está uma palmeira – que,
trabalho? por sinal, não é fácil de encontrar no hemisfério norte – e fazê-la
navegar pelo rio. Como podes imaginar, é mais fácil falar do que
JO : O trabalho foi lançado em 1972, quatro anos fazer! Filmámos o vídeo em agosto, e tivemos que garantir que a
depois de Sol LeWitt ter publicado pela primeira vez “Sentences ilha permanecesse perto da costa, de modo a obter boas gravações.
on Conceptual Art”. Este foi um manifesto, uma definição de arte O que não esperava era a presença de zilhões de pessoas na costa,
conceptual, uma “receita” para qualquer um se tornar um artista todas hipnotizadas pelo que estavam a ver, a tirar fotos e a gravar
conceptual perfeito. os seus próprios vídeos... Esta acção existe como o vídeo GHOST,
mas também é materializada por milhares de imagens, estáticas e
BW : Na sua introdução, Baldessari fala sobre con- em movimento, captadas por cada testemunha da acção original27.
tribuir com este trabalho para uma melhor difusão das frases de
LeWitt. O tom é de um humor inexpressivo, a estética do vídeo BW : Ou seja, muitas pessoas viram a acção em tempo
a mais minimalista possível. De certa forma, podemos imaginar real e não filmada por ti como uma obra de arte… talvez alguma
que o seu empreendimento aponta para o facto de que alguém incongruência da vida quotidiana… Consideras isto como fazen-
não poderia ser tão sério e, ainda assim, não duvidamos de que do parte do teu trabalho?
Baldessari respeitasse LeWitt, como ele realmente afirma. A história
da arte conceptual demonstra um incrível nível de rigor intelec- JO : Não concebi o trabalho dessa forma, logo, é
tual, mas também um extraordinário sentido de humor, como se incidental, mas não o rejeito. Estou interessado na reacção de um
fosse impensável ser tão directo, tão sério. público espontâneo. Penso que o projecto de fazer um arquétipo
de uma ilha deserta que, de alguma forma, é o sonho de infância
JO : Acredito que o trabalho de Baldessari é maculado de muitos ocidentais, torna-o acessível a um público mais vasto
por um tipo de humor da Costa Oeste: a arte dele tem aquela qua- desde o início. Na verdade, a minha ilha finge assemelhar-se a um
lidade de ser incrivelmente rigorosa e divertida ao mesmo tempo. desenho de criança, algo que qualquer um consegue reconhecer.
Assim, o projecto pertence, naturalmente, a todos.
BW : Qual é o papel do humor na tua obra? Muitas das
acções que realizaste baseiam-se no absurdo – como transportar BW : Dirias que este é um fio comum no teu trabalho?
um veleiro com um guindaste para uma piscina onde mal cabe ou Afinal de contas, evocas a Madonna e os Kraftwerk para realizá-
fazer navegar uma ilha artificial pelo rio Tejo. Os empreendimen- -lo… apela às pessoas devido a um certo grau de familiaridade
tos são incrivelmente complicados do ponto de vista logístico, mas com um aspecto da acção...
existe também algo deliberadamente absurdo sobre eles. De certo
modo, o mesmo se aplica quando pedes a um coro para cantar sons JO : Familiaridade é uma boa expressão, sim. A refe­
sintetizados como se fosse uma partitura musical barroca. rência à cultura pop aproxima as pessoas do trabalho. Depois, pos-
so levá-las para outra coisa.
JO : O humor é sério. Não é apenas uma operação ra-
cional, mas também uma operação emocional que envolve todos BW : No outro dia, ao mostrar GHOST a alguém, falei
os nossos sistemas. No início de 2000, a maioria dos curadores e da incongruência de uma ilha deserta que atravessa uma cidade
críticos de arte com quem conversava insistia na ironia. Creio que (em direcção a jusante) como uma metáfora para um migrante

37
Untitled (SUN 2500) 2010, vídeo HD, cor, som, 8’10’’, dimensões variáveis

38
28. 29.

Swarovski series, 2007-2008, Black monochrome series,


cristais Swarovski sobre papel de 2007-2008, acrílico sobre papel de
algodão, 100 x 70 cm. algodão, 100 x 70 cm.

que procura estabelecer-se num novo território e não encontra o Coming”. Como nos trabalhos de Boetti, é necessário ler os tex-
seu caminho. Ao mesmo tempo, o sonho da ilha deserta também tos de cima para baixo e depois da esquerda para a direita.
remete para um paraíso inatingível. Pode ser tantas coisas! Con- A relação que mantenho com o trabalho de Boetti nestes
tudo, o que é interessante é pensar por que referências tão óbvias desenhos é semelhante à que tenho com John Cage em Tacet – o
não são reconhecidas por tantas pessoas. Ou seja, as pessoas con- Piano Preparado incendiado com um pianista a interpretar 4’33’’.
seguem identificar-se com – e pensar que compreendem melhor Contudo, neste caso, refiro-me a vários tropos do trabalho de
– uma pintura do século XVIII. Como se dominassem todos os Cage e misturo-os num esforço esperançoso de criar algo atraen-
códigos incorporados na superfície. te: o primeiro é o Piano Preparado; o segundo é a indeterminação
levada a um outro nível.
JO : O meu trabalho diz respeito à realidade que
nos rodeia, precisamente por causa disto: quero criar as condições BW : O que obténs como resultado?
para que qualquer pessoa possa entrar nela. Gosto da ideia da ilha
enquanto migrante. JO : Tacet está explicitamente relacionado com 4’33’’
de Cage. Esta peça é sobre o silêncio como um conceito. Ele
BW : Usas habitualmente a palavra escrita na tua obra. argumenta que não existe tal coisa como o silêncio – e, por con-
Referimos há pouco a série de desenhos Running dry, mas há seguinte, nunca temos a hipótese de experienciá-lo – nem mesmo
também outros quando soletras palavras com cristais Swarovski28; numa câmara anecoica, onde afirmou que conseguia ouvir o fluxo
e depois há os desenhos com letras de música rock29. Pensas nestes do sangue nas suas veias. Assim, o que experienciamos são ape-
trabalhos como imagens conceptuais? nas diferenças de volume: volume baixo ou alto. De certa forma,
podemos afirmar que 4’33” é sobre ouvir os sons “naturais” da
JO : Suponho que o conceito de linguagem como vida humana, os sons concretos que nos rodeiam em qualquer
matéria seja um facto histórico totalmente estabelecido. Mas o momento. Por exemplo, se executado num auditório, ouviremos
meu interesse pela linguagem também tem que ver com as event 4 minutos e 33 segundos de sons produzidos pelo público. Dito
scores. Por exemplo, 4’33’’ (1952) é um ponto de viragem porque isto, o pianista que convidei para interpretar a peça de som de
a partitura é escrita com linguagem. Marca o início de uma nova Cage está exposto a uma situação seriamente difícil – continuar a
forma operativa de pensar visualmente, por assim dizer, ao con- contar o tempo, enquanto executa a peça silenciosa perante uma
siderar a linguagem como um material. Reflectindo um pouco densa muralha de fogo. Consequentemente, existe um outro nível
sobre a prática ou um conjunto de práticas de alguém, o que acho de indeterminação. Esta segunda referência é ao Piano Preparado:
muito importante na sua forma estrutural é a ideia das event scores. decidi atear fogo ao meu. Uma vez em chamas, é impossível dizer
As event scores são pequenos textos com propensão para serem re- como a situação vai evoluir; está fora de controlo. Isto relaciona-
petidos, executados por outras pessoas que não o artista. Trata-se -se com a acção de levar um abutre para o meu estúdio.
de um conjunto de instruções que constituem, em si, um objecto Tanto no caso de Boetti como de Cage, refiro-me direc-
performativo. Alguns deles são enunciados performativos, como tamente à sua trademark, mas infundo-os com outra coisa.
Austin descreve. Quando se enuncia, quando se diz aquela linha
de discurso, está-se, na verdade, a fazer uma acção. Creio que é BW : Dirias que esse factor é o acaso?
este um dos meus interesses na linguagem. E também na ideia de...
JO : Não é bem assim: é aquela ideia do contentor
BW : … Mas, por exemplo, se pensares nos dese- a que continuo a referir-me. A indeterminação programática não
nhos Swarovski, as letras tornam-se explicitamente objectifica- é improvisação: começo sempre com um guião e, uma vez esta-
das, monumentalizadas de uma certa maneira: os cristais e o uso belecido, posso deixar o acaso criar a forma final ou, se preferires,
de uma fonte serifada dissipam, de alguma forma, o facto de uma manifestação do real dentro do contentor. O estúdio com
haver um texto que se pode ler. É-se facilmente seduzido pela o abutre no interior é este contentor: a sua reacção e comporta-
qualidade quase pirosa da forma; só depois, eventualmente, se mento ocorrem enquanto o filmo a descontrolar-se. Da mesma
percebe que há conteúdo para ler. Por conseguinte, o trabalho forma, o piano é incendiado e gravo, em tempo real, a destrui-
funciona em dois níveis: a sua forma exageradamente dramati- ção do instrumento, enquanto o pianista continua, estoicamente,
zada e o conteúdo que se pode facilmente ignorar. A propósito, a tocar. Neste caso, a peça é também sobre a resistência do pianista
que textos são esses? perante essas enormes labaredas, enquanto continua a tocar a
composição em três movimentos. Acho que isso cria uma tensão
JO : Para esses desenhos, baseei-me nas tapeçarias que diferente da peça original de Cage. Em 4’33’’, tudo depende dos
Alighiero Boetti fez em colaboração com artesãos no Afeganistão. sons do público ou do auditório. Geralmente, muitas pessoas na
Apresentam expressões como “A Riveder le Stelle”, “Mistico plateia começam a tossir.
Romantico” ou “Il Peggio è Passato”. De forma semelhante,
colaborei com uma empresa de Berlim especializada em aplica- BW : É verdade! As pessoas costumam tossir antes de
ções Swarovski. Também usei as competências técnicas de outras um concerto começar.
pessoas para realizar o meu trabalho. O texto em cada desenho
inverte a lógica dos aforismos de Boetti: “Mistico Romantico” JO : Temos de tossir antes da música começar, certo?
torna-se “Insensitive Atheist”, “A Riveder le Stelle” torna-se “No Acho que isso também tem que ver com o acaso... e com a
more Stargazing” e “Il Peggio è Passato” torna-se “The Worst is indeterminação.

39
30.

Leap into the street (boombox


travelling), 2004, vídeo SD, cores,
som, 1’20’’, 300 x 400 cm.

BW : Então estabeleces uma diferença entre o acaso BW : De certa forma, o tempo o dirá... acho que é
e a indeterminação? mais sobre o que pode ser aceite ou rejeitado agora e no futuro.
Se pensarmos na noção de “Salon des Refusés” e o que resta
JO : Creio que são condições ligeiramente diferentes. daqueles que estavam no Salão Oficial, percebemos que é difícil
Pensa, por exemplo, no vídeo que fiz com uma boombox a cair da dizer o que é arte boa e o que não é. E talvez isto continue a
varanda de um prédio de 4 andares, que vai de encontro a uma acontecer. Quem sabe o que será reconhecido como a arte boa
árvore, que tem agarrada uma câmara que a filma30. A música é do nosso tempo daqui a cinquenta ou cem anos...
dos Joy Division, e à medida que o ritmo dessa música aumenta,
a boombox perde o equilíbrio e cai. Agora, posso descrever verbal- JO : Estou a pensar como, nas consolas, costumávamos
mente esta acção, mas não faço ideia de qual será o resultado em editar vídeos há vinte anos. Existia algo que se chamava “botão
termos de imagem. Posso especular sobre isso, mas não vou saber de arte”, que as pessoas usavam para induzir a câmara lenta
até filmar. E é isso que informa todo o meu trabalho. e, por conseguinte, um vídeo em câmara lenta tornava-se instan-
taneamente “arte”. Como resultado, muitas pessoas começaram
BW : Em alguns casos, a indeterminação é maior do a produzir vídeos em câmara lenta em todo o lado. Alguns até
que noutros. Não se controla a queda de uma boombox ou a propa- eram bonitos... Pergunto-me até que ponto estas preocupações
gação de um fogo, mas sabe-se mais ou menos como um guindaste formais têm, no final de contas, algum interesse.
que ergue um veleiro o pode colocar na piscina para onde é
suposto ser transportado. A logística de uma tal acção exige um BW : Falando de forma, e dado que usas muitas formas
grau de precisão que te permite prever o resultado. Por exemplo, diferentes, como decides explorar uma ideia com uma forma e
os teus colaboradores calcularam a quantidade de água que era não com outra? Quando é relevante fazer um vídeo ao invés de
necessário deixar na piscina para que esta não transbordasse com um desenho ou de uma peça de som…?
o barco lá dentro...
JO : Acho que o que mais me interessa é explorar os
JO : Sim, mas até certo ponto. O grau de indetermi- limites de um determinado medium, expandir as suas fronteiras.
nação pode ser mais pequeno, mas não inexistente. Não é como Quando se tenta alargar os limites, começa a acontecer algo in-
se produzisse uma fotomontagem de um veleiro dentro de uma teressante. Penso em Box sized Die: quando a porta está fechada,
piscina. A acção e a sua duração carregam um certo factor do assemelha-se a uma escultura de Tony Smith; contudo, quando a
desconhecido.Talvez esteja a tentar fazer colidir o mundo estético porta está aberta, vemos o material de isolamento de som com os
com o mundo real. Isto faz sentido? instrumentos musicais no interior, dando-lhe o aspecto de relí-
quia, de algo que aconteceu antes, e do qual estamos a ver apenas
BW : Sim, faz. os restos... Quase como um artefacto arqueológico.

JO : Se fores a um museu, irás concentrar-te na ex-


periência que associas ao museu. O museu contém uma forma
canonizada e fixa. Ou seja, esperas ver arte quando vais a um
museu porque é isso que sempre soubeste esperar. Contudo,
diria que a arte contemporânea tenta especificamente romper
as fronteiras entre o que é arte e o que é real, pelo menos nos
últimos cinquenta anos, apesar das primeiras vanguardas há mais
de cem anos.

BW : Sim. Esse é também o caso da Musique Con-


crète. O contexto é o que cria a mudança cognitiva: de repente,
consigo ouvir um ruído comum e encontrar harmonia, que não
conseguiria decifrar se escutasse o mesmo ruído fora da sala
de concertos. É por isso que algumas pessoas podem perguntar
“por que é arte?” Logo, poder-se-ia dizer que a arte contem-
porânea é uma decisão deliberada do artista, mas está também
relacionada com o facto de o visitante ser capaz de aceitar esta
decisão e interessar-se pela mesma. Caso contrário, creio que se
poderia argumentar que não é arte.

JO : Bem, se pensarmos em “arte clássica”, é mais


difícil não a chamar de arte, é mais difícil questioná-la, porque já
foi canonizada. No caso da arte produzida nos últimos 50 anos,
é possível contestar a suposição de ser ou não arte, mas a decisão
deliberada dos artistas mantém-se apesar do espectador. De certa
forma, esta questão ainda não foi totalmente resolvida...

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UNTITLED (ZOETROPE)
2018-2019, vídeo 4K, 2.93:1, cor, som, 141’

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UNTITLED
2016, par stereo, 14’ 12’’

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VOX
2015, vídeo HD, cor, som, 10’27’’, dimensões variáveis

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Texto da Obra:

PROMISE OF A SCULPTURE

The man in the picture is a water diviner. He


locates water buried deep underground, with
particular skills.
This photograph together with this text stand
for the ownership of this work of art and also
the ownership of a promise. A promise of a
sculpture.
This photograph entitles the owner to the future
construction of an authentic Artist’s fountain.
The owner of this work will choose a site and
will engage a water diviner in order to locate a
source of water.
The sculpture will only be complete when the
appropriate drilling and plumbing have been
implemented, and once water flows from the
ground, through the fountain designed for this
location by the Artist.
The certificate of authenticity will then be
issued.

This photograph in conjunction with this


statement is the current form of this piece.

May 2012 / João Onofre

72
PROMISE OF A SCULPTURE
2012, impressão a jacto de tinta sobre papel Luster e papel impresso a jacto de tinta, 67 x 81,5 cm

73
Texto da Obra:

LEVITATION IN THE STUDIO (XMAN H


VERSION) LISBON/BARCELONA

The following is a numbered and signed


certificate of a photographic limited edition.
The photograph is produced using the
Ilfochrome printing process and it is approved,
signed and numbered by the Artist and the
Printmaker.
To ensure the integrity of the process, all extra
copies were destroyed on completion.
The artist and the printmaker hereby affirm the
authenticity of this photographic edition.

Date: 2002-2007
Printing date: 19th January 2007
Edition Number: _ /6
Paper: ILFOCHROME CLASSIC RC
Printing process: ILFOCHROME
Lab: EGM-Laboratoris Color
Printmaker: Jaume Cendra
ID: 46106380 M
Signature:

One photograph joins this statement


as the form of this piece.

January 2007 / João Onofre

74
LEVITATION IN THE STUDIO (XMAN H VERSION)
2007, impressão lfochrome e impressão a jacto de tinta sobre papel, 82 x 102 cm

75
Texto da Obra:

DURATION, VARIABLE AND LOCATION PIECE


(UNNUMBERED EXTENDED VERSION) LISBON

On June 21, 2006, a young woman was


photographed at the exact instant in time
determined to be exactly 1/8’’ of a second
before 12:26 GMT, the time of the summer
solstice inasmuch as the aperture of the
camera at ‘4’, (1/4’’ of a second) the image in
the memory card became complete 1/8’’ of a
second past 12:26 GMT: put another way, after
the first 1/8’’ of a second of the summer had
elapsed.
As the subject of the photograph faced toward
the south, the right side of her body was
oriented toward the west: as the sun moves
from east to west (thus time), the photograph
represents the young woman during an instant
when approximately half of her body existed
in the old season, spring, while the other half
had entered the new season, summer, indeed,
consisted with the spirit of both seasons she
wears the appropriate costumes: a sleeved shirt
and a bikini.
The young woman bears a strong resemblance
to another young woman represented in
Douglas Huebler’s piece: Duration piece # 31,
Boston, January 1974. At least more —…-so
than almost everyone else in the world.

One photograph joins this statement as the form


of this piece.

June 2006 / João Onofre

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DURATION, VARIABLE AND LOCATION PIECE (UNNUMBERED EXTENDED VERSION)
2006, C-print digital e impressão a jacto de tinta sobre papel Luster, 61 x 85 cm

77
Swarovski series
UNTITLED (INSENSATE ATHEIST CAPRI BLUE VERSION),
UNTITLED (THE WORST IS COMING LIGHT BLUE VERSION),
UNTITLED (NO MORE STARGAZING CRYSTAL VERSION),
UNTITLED (THE WORST IS COMING LIGHT SIAM VERSION),
UNTITLED (IMAGINING NOTHING BURGUNDY VERSION),
UNTITLED (THE WORST IS COMING CRYSTAL VERSION)
2007-2008, cristais Swarovski sobre papel de algodão, 100 x 70 cm
Cada obra da série tem três edições individualmente coloridas

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Black monochrome series
UNTITLED VU (1ST LINE OF THE 3RD CHORUS BEFORE 2ND GUITAR SOLO),
UNTITLED RM (LAST LINE FROM LAST CHORUS),
UNTITLED C (3RD LINE 2ND VERSE),
UNTITLED CC (LAST VERSE W/BACK VOCALS),
UNTITLED JD (LAST LINE OF THE 2ND VERSE),
UNTITLED DB (FIRST LINE 1ST VERSE W BACK VOCALS),
UNTITLED M (LAST LINE FROM LAST CHORUS)
2007-2008, acrílico sobre papel de algodão, 100 x 70 cm

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89
Degradation series
PEN DEGRADATION,
CORE DEGRADATION,
BRINGING OUT THE DEGRADATION,
INNER DEGRADATION,
PINK DEGRADATION,
RED DEGRADATION,
BLUE DEGRADATION,
YELLOW DEGRADATION,
SILVER DEGRADATION,
GOLD DEGRADATION
2007, marcador acrílico sobre papel de algodão, 100 x 70 cm

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Running dry series
PEN RUNNING DRY,
BLUE RUNNING DRY,
PINK RUNNING DRY,
PURPLE RUNNING DRY,
YELLOW RUNNING DRY,
RED RUNNING DRY,
GREEN RUNNING DRY,
SILVER RUNNING DRY,
BEIGE RUNNING DRY,
GOLD RUNNING DRY
2005-2007, marcador acrílico sobre
papel de algodão, 100 x 70 cm

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100
101
102
103
Five Words in a Line series
UNTITLED (BI-TURBO EXTENDED VERSION),
UNTITLED (TURBO EXTENDED VERSION),
UNTITLED (SPECIAL EDITION VERSION),
UNTITLED (TURBO EXTENDED VERSION),
UNTITLED (NOS EXTENDED VERSION),
UNTITLED (TURBO EXTENDED VERSION),
UNTITLED (TURBO EXTENDED VERSION),
UNTITLED (INJECTION EXTENDED VERSION),
UNTITLED (R EXTENDED VERSION)
2006, marcador acrílico e autocolante sobre papel de algodão, 100 x 70 cm

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107
108
109
110
111
112
UNTITLED (N’EN FINIT PLUS)
2010-2011, vídeo HD, cor, som, 3’03’’ (loop), dimensões variáveis

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114
115
116
117
UNTITLED (N’EN FINIT
PLUS ORIGINAL VIDEO
SOUNDTRACK)
2010-2011, Disco de vinil com cor, prego
de prata maciça, 3’10’’, 45 RPM

UNTITLED (ORIGINAL
ORCHESTRATED ERSATZ LIGHT
VERSION ORIGINAL VIDEO
SOUNDTRACK)
2010-2011, Disco de vinil com cor, prego
de prata maciça, 5’55’’, 45 RPM

UNTITLED (I SEE A
DARKNESS ORIGINAL VIDEO
SOUNDTRACK)
2007, Disco de vinil, prego de prata
maciça, 4’18’’, 45 RPM

INSTRUMENTAL VERSION
ORIGINAL VIDEO SOUNDTRACK
2003, Disco de vinil com cor, prego de
prata maciça, 6´36’’, 45 RPM

CATRIONA SHAW SINGS


BALDESSARI SINGS LEWITT
RE-EDIT, LIKE A VIRGIN
EXTENDED VERSION ORIGINAL
VIDEO SOUNDTRACK
2003, Disco de vinil com cor, prego de
prata maciça, 13´40’’, 45 RPM

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UNTITLED (LEVELING A SPIRIT LEVEL IN FREE FALL FEAT. DORIT CHRYSLER’S BBGV DUB)
2009, vídeo HD, cor, som, 4’20’’, dimensões variáveis

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UNTITLED (I SEE A DARKNESS)
2007, vídeo HD, cor, som, 4’18’’, 174 × 310 cm

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BOX SIZED DIE FEATURING HOLOCAUSTO CANIBAL
2007-2019, ferro, materiais de isolamento acústico, banda de death metal, 183 x 183 x 183 cm

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UNTITLED (I SEE A DARKNESS ORIGINAL VIDEO SCORE)
2007, impressão a jacto de tinta e tinta esferográfica sobre papel, 70 x 75 cm

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UNTITLED (LISBON’S AUTHORIZED DEATH LOCATIONS)
2004, PDM de Lisboa, autocolantes Astro Magic, 59 x 84 cm

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EVERY GRAVEDIGGER IN LISBON (AJUDA CEMETERY, ALTO SÃO JOÃO CEMETERY, BENFICA CEMETERY,
CARNIDE CEMETERY, LUMIAR CEMETERY, OLIVAIS CEMETERY, PRAZERES CEMETERY)
2006, C-print digital, conjunto de 7, 64.8 × 71.8 (cada)

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UNTITLED (LUMINOUS PURPLE FOUNTAIN)
UNTITLED (LUMINOUS FOUNTAIN)
2005, fotografia digital montada em alucobond e plexiglass, 110 × 150 cm

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CATRIONA SHAW SINGS BALDESSARI SINGS LEWITT RE-EDIT LIKE A VIRGIN EXTENDED VERSION
2003, vídeo SD, cor, som, 14’23’’, 269 x 356 cm

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BELIEVE (LEVITATION IN THE STUDIO)
2002, vídeo SD, cor, som, 4’24’’, 288 x 383 cm

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UNTITLED (VULTURE IN THE STUDIO)
2002, vídeo SD, cor, som, 9’36’’, 316 x 420 cm

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YOUR CLOSED HAND MAKES THE SIZE OF YOUR HEART AND TOGETHER
THEY MAKE THE MINIMUM DISTANCE THAT IT COULD BE FROM ANOTHER ONE
2001, C-print, 25 x 18 cm

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UNTITLED (L’ECLISSE)
1999, vídeo SD, p&b, s/som, 20’’ (loop), 400 x 300 cm

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UNTITLED
1997, 2 estetoscópios alterados, aço inoxidável, 95 x 9 x 1 cm

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Universal Declaration of Human Rights and an image of beauty converted into binary code serie (key version)
2014-2015 (pormenor), suíte de trinta e seis aquatintas sobre papel de algodão, 235 x 180 cm
LINGUAGEM
QUASE SEM
PALAVRA

JACINTO LAGEIRA

Na história já muito longa daquilo a que se chama críticos, público, instituições – acredita na existência de uma
”poemas figurados”, que teve início há 2000 anos e prossegue essência da arte ou das artes, ou em qualquer das leis ou regras
ainda hoje – passando pela poesia visual, concreta e sonora, pelo definitivas dos géneros, utilizadas durante muito tempo para fi-
grafismo tipográfico, pelos textos electrónicos difundidos ex- xar as práticas artísticas. Mas o mesmo não se pode dizer da
clusivamente online –, uma zona difícil de delimitar continua zona cinzenta, sobretudo a da nossa época, onde a maioria dos
a perdurar apesar de todas as trocas, empréstimos e interacções artistas plásticos deseja que a sua produção seja lida como um
entre as artes literárias e as artes visuais. Optar, neste último caso, conjunto de obras plásticas, e onde a maioria dos escritores de-
pela expressão ”artes plásticas” não mudará grande coisa, pois seja que a sua produção seja lida como um conjunto de obras
a palavra, a letra ou a página apreendida visualmente também literárias. Uma vez abandonadas, e mesmo fortemente rejeitadas,
possuem uma componente plástica. Essa zona cinzenta, onde as noções de essência, género e leis, resta o desafio das formas
um número considerável de obras literárias não se inclui no e das semânticas – aquilo a que poderíamos chamar uma visão
domínio das artes plásticas, e onde estas se recusam a pertencer poética do mundo, apesar do carácter aparentemente antiquado
à poesia ou à prosa, mesmo num campo mais alargado, não tem desta expressão. E falar de uma visão poética literária ou de uma
que ver apenas com uma questão de géneros ou categorias ar- visão plástica do mundo não nos conduzirá a um novo impasse,
tísticas. E o mesmo vale no interior de cada ”género” (pintura, pois é justamente aí que se joga este entrosamento de diferen-
escultura, cinema, teatro, dança). O facto é que vários escrito- ças. Apreender, compreender e interpretar o mundo, a realidade,
res e poetas reivindicaram a sua ligação às artes plásticas (por aquilo que nos rodeia, de maneira literária – isto é, por meio do
exemplo, o grupo Noigrandes, os irmãos Augusto e Haroldo de texto e da linguagem – não corresponde a uma apropriação e a
Campos, a poesia concreta, Brion Gysin) e que vários artistas uma interpretação plástica – isto é, de modo geral, a uma apro-
plásticos e pintores não rejeitam uma possível confusão ou fusão priação por meio de formas e de matérias não linguísticas. Não
com o literário (Dada, Futurismo, Fluxus, Marcel Broodthaers, que a linguagem esteja mais apta a tocar a realidade: ela recon-
entre tantos outros). figura-a de modo diferente. Mas que “diferença” está aqui em
A produção artística do século XX e do período causa? Apanhados entre os partidários de uma constituição lin-
actual caracterizou-se e caracteriza-se, pois, por um estranho fe- guística do pensamento – como Wittgenstein, que acredita que
nómeno: quanto maior é a zona cinzenta, mais as diferenças são não se pode pensar sem linguagem – e os partidários de uma
marcadas, se não mesmo firmemente reivindicadas, apesar do constituição não-linguística do pensamento – como Rudolf
trânsito regular entre os dois lados indeterminados da dita zona. Arnheim, que defende a existência de um ”pensamento visual”
Será isto assim tão importante? Já quase ninguém – artistas, isento de palavras –, continuamos a ter grande dificuldade em

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encontrar respostas relativamente às modalidades que podem
assumir as nossas representações – linguagem, imagens, um misto
dos dois? E isto assumindo que temos, de facto, representações
– muitos autores contestam a tese representacionista. Não
podendo entrar aqui em certos debates filosóficos e neuro-
científicos – que, no entanto, estão directamente relacionados
com esta problemática –, assinalemos simplesmente que esta
questão permanece em aberto, e que estudos recentes nos deixam
muitas vezes perplexos, como os que provam que a incapaci-
dade de nomear as cores não impede de modo nenhum a sua
compreensão e categorização. A arte do passado, a arte moderna
e a arte contemporânea também não resolveram estes enig-
mas, mas puseram-nos regulamente diante dos nossos olhos, e
apresentaram – materialmente, e não apenas idealmente – as suas
diferentes versões.
A versão mais explícita refere-se precisamente às
obras simultaneamente plásticas e linguísticas. Nestes casos, es-
taremos a ler algo de plástico ou a visualizar uma linguagem?
Ao ler um livro, uma revista, um jornal, é provável que come-
cemos por prestar atenção aos elementos plásticos (formato, cor,
tipografia, papel, paginação...). Progressivamente, porém, deixa-
mos de os ver e passamos a concentrar-nos na representação do
conteúdo. A representação mental excede, então, a visualização
imanente de todos os outros elementos materiais, como se não
existissem, ou fossem quase invisíveis. No caso dos “livros de
artista” e, a fortiori, no das obras de arte verbo-voco-visuais,
os criadores insistem fortemente nas ambivalências, destacando
os materiais em si mesmos.
Nas séries Running dry (10 desenhos, 2005-2007)
ou Degradation (2007), João Onofre executou “formas”, letras
mais desenhadas que escritas onde se compreende imediata-
mente que o sentido do que é lido corresponde àquilo que
foi feito: desenhar, com o mesmo marcador, uma frase – «pen
running dry» – onde se manifesta nitidamente o esgotamento
da tinta à medida que se avança para o fim da inscrição. O tempo
instantâneo de compreensão da significação verbal não corres-
ponde de modo nenhum ao tempo requerido para desenhar
o conjunto. E o mesmo vale para o tempo instantâneo de com-
preensão da significação visual: apreendemos de imediato que a
tinta se vai esgotando. Ora, se tal não aparecesse “plasticamente”
– se a tinta fosse uniforme e plena em todas as letras –, o signi-
ficado da frase, no final, seria inexacto ou contraditório. E isto
aplica-se também à direcção do desenho, executado de cima
para baixo, pois o contrário – a tinta a desaparecer no início da
frase, se o desenho tivesse sido executado de baixo para cima –
não corresponderia ao processo enunciado pelo verbo running
(a operação em curso, aquilo que se produz, o devir). Mas tal já
não é inteiramente verdade se, mantendo-se o mesmo processo,
se desenhar, desta vez, as palavras «pen degradation» (degrada-
ção, apagamento). Estas palavras não requerem uma direcção ou
uma semântica precisas, quaisquer que sejam as cores utilizadas
nos desenhos, ainda que as expressões «core degradation» ou
«bringing out the degradation» permitam restabelecer a coinci-
dência entre a componente plástica e o significado. Note-se, de
passagem, que o desenho de uma frase com um marcador cuja
tinta se esgotasse progressivamente, mas cujo sentido não esta-
belecesse nenhuma referência directa ao desenho não poderia
fazer coincidir a semântica e as formas. No entanto, esta falta
de concordância ou de correspondência verbo-visual é apenas
aparente, dada a arbitrariedade do símbolo linguístico que liga
indefectivelmente o significante e o significado. Estas diferentes
séries de desenhos, ao declinar um princípio semelhante, jo-
gam com ampliações ou estreitamentos do olhar, da percepção
e da leitura, até um ponto-limite onde seria possível separar
significante e significado, mas sem chegar a atingir este ponto

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Camouflage series Untitled (CL-40), Untitled (CVE-26), Untitled (6A for Terror), Untitled
(CL-55), Untitled (1A of the CV-4) 2011, acrílico sobre papel de algodão, 100 x 70 cm
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Pas d’action 2002, vídeo SD, cor, som, 4’16’’, 246 x 312 cm
de ruptura. Os signos plástico e visual devem poder ser lidos recrutados, que se tornariam, em alguns casos, pintores célebres
e percebidos simultaneamente. do Expressionismo Abstracto: a camuflagem de guerra.
No que toca a estas séries, falou-se de tautologia a A ambivalência produzida pela justaposição de ima-
propósito dos modos de proceder e do seu sentido, mas esta gem e intelecto, visível e legível, ver e ler, conduz-nos às questões
definição possível requer alguns esclarecimentos. No seu uso da filosofia da linguagem anteriormente suscitadas, nomeada-
corrente, a “tautologia” – cuja raiz grega, tauto logos, significa mente a de saber se uma imagem pode ser ou tornar-se um
”que diz a mesma coisa” – deveria poder aplicar-se aqui, já que conceito, semelhante aos conceitos provindos da linguagem. Na
a imagem final repete o que é dito pelo significado verbal, e maioria dos desenhos de João Onofre, as letras, as palavras e a
vice-versa. Mas tratando-se de uma coincidência do verbal e do sua tipografia, bem como o seu tamanho, formato, cores ou dis-
plástico, ou do plástico e do verbal, poder-se-á realmente falar posição são também imagens, como qualquer palavra ou letra de
de uma repetição? Voltamos à questão da temporalidade, tanto qualquer língua. Um desenho, uma forma, são necessários para
para o criador como para o receptor. Trata-se, na verdade, de que o significado, mesmo de uma só letra, possa fazer sentido –
um fenómeno performativo, no sentido usado por Austin, pois na Grécia antiga, o termo graphein significava ao mesmo tempo
o autor do desenho, enquanto desenha, vai produzindo um es- escrever e desenhar. Mas mesmo que não tenhamos acesso ao
crito que, uma vez terminado, significará exactamente aquilo código gráfico (do japonês, do hindi, do cirílico, do grego...),
que foi executado. Não existe, pois, propriamente falando, uma este continua a ser composto por imagens. O conhecimento do
repetição. Não é dito o mesmo que uma outra coisa: apenas foi código gráfico criará, então, a dita ambivalência, levando a que
executado um gesto único significando precisamente esse gesto na imagem das letras, das palavras e das frases – pois trata-se,
único ao longo de todo o processo, do princípio ao fim. Na também, de imagens – eu veja e leia imediatamente um sentido
maioria das séries, o que está em causa é, antes, um isomorfis- e, sobretudo, salvo um esforço considerável, não consiga dei-
mo, acrescido de um isocronismo, dado que a temporalidade do xar de ler a imagem apresentada. Nos casos muito específicos
visual e do legível têm a mesma duração – para o receptor, não em que imagens e linguagens se confundem e diferenciam ao
para o produtor. Se se prestar atenção à etimologia, tautologia mesmo tempo, o espectador não experimenta um ”desdobra-
significa mais precisamente ”dizer a mesma palavra” – ταὐτό, de mento da percepção”, tal como analisado por Richard Wollheim
ὁ αὐτός (o autos), ”o mesmo”, e λόγος (logos), “palavra”. Nesse a propósito de telas de Manet (ou de qualquer outro quadro,
sentido, o nosso olhar-leitura diz, de facto, a mesma palavra. Mas gravura, desenho ou escultura que não contenha linguagem ou
a menos que o autor ocupe, em seguida, a posição do receptor, signos linguísticos) onde posso ver e prestar atenção tanto aos
não poderá repetir aquilo que ainda não terminou. E o processo, elementos materiais da tela (marcas de pincel, grão, textura, es-
uma vez concluído, é da ordem do performativo. pessura, nuances cromáticas...) como à imagem (por exemplo, a
Por comparação, a maioria das obras de Lawrence representação de uma mulher deitada ou assomando à varanda).
Weiner não consiste, para o seu autor, nem em tautologias, na Esta atitude perceptiva – a que Wollheim chama twofoldness –
acepção precedente, nem em fenómenos performativos, no sen- é quase impossível nas obras verbo-visuais, pois ver a imagem
tido de Austin, dado que a execução é conduzida por outras de letras, palavras ou frases plasticamente reconfiguradas é, ao
pessoas. Mas, para o receptor, trata-se de ”dizer a mesma palavra” mesmo tempo e inevitavelmente – a menos que se ignore os
lendo a obra – e, pelo próprio facto de ler, de um fenómeno códigos linguísticos – ler essas letras, palavras e frases enquanto
performativo, visto que se lê o que se vê e que se vê o que se tais. Wollheim distingue, para as pinturas (isentas de elementos
lê no mesmo movimento, e que se actualiza o visual e o legível linguísticos), entre seeing-in e seeing-as: nas manchas e pinceladas,
no mesmo momento, ao ver e ao ler. Ora, recorrendo a uma eu vejo uma forma como sendo uma mulher, uma cena de batalha
comparação trivial, o slogan publicitário «100% dos nossos clien- ou uma paisagem. Ora, quando percebo e reconheço, numa obra
tes compram os nossos produtos» é, sem dúvida, uma perfeita antiga, moderna ou contemporânea, um fragmento de letra ou
tautologia, muito diferente dos nossos exemplos artísticos. Pois, de palavra, um signo diacrítico, a mais pequena vírgula, percebo,
regressando às obras, tratar-se-á verdadeiramente da mesma coisa, vejo e leio inelutavelmente essa forma/imagem não como esta
ou da mesma palavra? ou aquela coisa, mas como a própria coisa que se auto-designa.
O visível e o legível, embora perfeitamente inter- Aqui reside a grande diferença entre signos linguísticos e sig-
dependentes e interligados, são diferentes quanto à sua matéria: nos estritamente visuais, pois a ”dupla significância” da lingua-
desenho, visualidade e imagem para o signo plástico; semântica, gem permite-lhe referir-se a outra coisa enquanto se refere a si
legibilidade e conceito para o signo linguístico. As ambivalên- mesma. Assim compreendida, a auto-reflexividade da linguagem
cias com que joga o artista – e não as ambiguidades – acentuam consiste, de facto, em dizer (escrever, falar, enunciar) que ela se
ora as sobreposições do legível e do visível ora a sua disparidade, auto-refere no próprio acto de dizer (escrever, falar, enunciar).
e mesmo a sua quase impossibilidade, tanto material como in- A série Five Words in a Line apresenta e dá a ler tanto
telectual. A Black monochrome series impede-nos de ver/ler o que o conteúdo como a descrição do texto, descrevendo o que ele
parece ser a descrição daquilo que estamos a fazer: «can you see é, como é e porquê. Uma vez mais, mas numa outra variante, a
me», «nothing much to offer», «something will come out of this» coincidência do visível e do legível, da forma e do sentido, da
– fragmentos de frases extraídos de uma canção. Os seis dese- matéria e do ideal, parece tender para a tautologia, embora a sé-
nhos da Camouflage series escondem tão bem o que é designado rie jogue, antes, com a auto-referência linguística, ao abandonar
pela sua função que não vemos claramente, ou imediatamente, o inevitavelmente uma possível auto-referência do conjunto à no-
que eles encobrem. Ou, antes, vemos e lemos o que está escrito, ção de imagem. Supondo que o texto propõe, no início: «This is
mas a referência de certos termos não é evidente. Até desco- an image of forty-eight words…» – e, mais exactamente, «This
brirmos que a palavras e os números camuflados na composição is an image of fifty-two words…» –, tal seria igualmente verdade
tipográfica – «CVE-26 Sangamon; 11-A USS Saratoga; CL-40 relativamente à nossa leitura-visão, mas deslocaria o significado
Brooklyn; CV-9 Essex; Terror CM-5; Salem CM-11» – corres- para a imagem das palavras, e não já – ou não apenas – para o
pondem aos nomes verdadeiros de navios de guerra da armada significado abstracto, conceptual ou intelectual que surge com
norte-americana utilizados durante a Segunda Guerra Mundial. a leitura. Com efeito, eu não leria um texto, ou não leria ape-
As bandas largas e transparentes que cobrem partes dos desenhos nas um texto, mas olharia para a imagem de um texto que se
lembram, claro, o que foi realizado à época por vários artistas dá a ler como texto numa imagem – um texto que constitui,

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por isso mesmo, uma imagem. É claro que o artista sabe isso com o facto de o texto do Qohèleth, embora mundialmente co-
perfeitamente, mas joga com a ambivalência entre imagem e nhecido, não ter alterado muito os pensamentos e as práticas dos
texto, claramente apresentada nos logótipos do final da frase que seres humanos a que se dirige, o que dá ao mesmo tempo razão
acompanham o texto(-imagem) e que são, ao mesmo tempo, por ao texto e demonstra o sentido profundo daquilo que enuncia.
natureza e definição, texto e imagem. De resto, estes logótipos Alternando entre o êxito, a eficácia ou a plenitude e o fiasco,
são maliciosamente descritos pelo nome da sua marca, pelo nú- a falência ou o insucesso, João Onofre deve, porém, se quiser
mero de letras que compõem o seu nome (nº 1), ou simplesmente mostrar claramente esta luta, cumprir minuciosamente – o que
pela letra que é ao mesmo tempo o nome, o texto, a imagem não deixa de ser paradoxal – este programa de recaídas incertas.
e aquilo que é designado pelo texto-imagem como sendo uma Modos de ser e de fazer que Paul Watzlawick resumia através da
«letra» (nº 5). É importante sublinhar, também, que o número fórmula, que dá nome a um ensaio: How to Fail Most Successfully.
de palavras muda ligeiramente para se adequar à auto-descrição Com efeito, o espectador é surpreendido e metralhado entre e
e que, de modo igualmente malicioso, o logótipo propriamente pelo rigor formal e plástico das obras de João Onofre, as suas
dito não é contado como palavra, embora seja referido de modo futilidades e falhas, tudo produzido ao mesmo tempo. Pois ”ter
implícito ou explícito ao longo de toda a leitura, já que tudo o êxito a falhar” requer preparação, reflexão, organização e planifi-
que é lido é literalmente o produto do objecto da marca iden- cação, de maneira que nada deve ser deixado ao acaso. E requer
tificada pelo seu logótipo. a consciência de que esta posição é, ela própria, arriscada, no
Poder-se-ia identificar algumas das referências plás- limiar do insustentável ou do impossível. Mau grado todos estes
ticas (Bruce Nauman, Douglas Huebler, Edward Ruscha) ou obstáculos epistemológicos, psicofísicos, materiais, financeiros,
literárias (Gertrud Stein) que formam os panos de fundo ar- plásticos e estéticos, Onofre mantém o rumo e acredita que se
tísticos de João Onofre. E o mesmo pode dizer-se do som e pode realizar tudo isto ao mesmo tempo. E o mais surpreen-
da música, onde são igualmente exploradas as modalidades da dente é que, ao fazê-lo de modo concreto, acaba por cumprir
auto-designação, da auto-reflexividade, ou ainda da citação, da a aparente contradição: ”ter êxito a falhar”. Para tal, recorre a
remontagem ou da repetição, métodos também utilizados pelo procedimentos diversos, que têm em comum uma estratégia de
nosso artista. Se nos cingirmos a certos elementos do trabalho desvio e evitamento.
de João Onofre, entre tanto tantos outros, dois chamam parti- A estratégia mais evidente, mas também a mais
cularmente a atenção: a desproporção entre os meios e os fins enigmática – e que nos reconduz aos nossos questionamentos
e a ausência da palavra (salvo raras excepções). As duas atitudes sobre a linguagem –, consiste na ideia de que não se deve, de
artísticas estão frequentemente ligadas. modo algum, contar, falar e dizer por meio da palavra – no
Para atingir os seus fins e demonstrar de modo qua- sentido da palavra viva, embora não completamente, pois é gra-
se obsessivo que tudo em arte funciona segundo a teoria e a vada. Melhor ainda, não se deve falar de todo. Certas citações
prática do «what you see is what you see» e do «what you hear fílmicas – Untitled (Martha), 1998; Untitled (L’Eclisse), 1999, re-
is what you hear» – uma outra forma de tautologia, por assim tiradas dos filmes de Rainer Werner Fassbinder e Michelangelo
dizer –, João Onofre não recua perante nenhuma dificuldade ou Antonioni, respectivamente – não são sonorizadas nas obras de
desafio, mesmo que a sua actividade raie, por vezes, a bizarria, Onofre. E, como em muitas outras obras, mesmo sonorizadas
a incongruência, a extravagância, a insensatez e até mesmo o (Untitled, 1998, onde um homem e uma mulher caem um sobre
absurdo. Fazer transportar, com uma grua, um barco à vela de o outro), ninguém fala… de viva voz. Pois todos esses gestos
9 metros sobre os telhados da cidade, para o pousar numa pis- dizem, significam, indicam e assinalam várias coisas muito con-
cina de 10 metros, cheia de água, onde o barco mal se aguenta cretas. Como sabemos, de resto, por experiência própria, um
– como era previsível, e como fora previsto –, eis um feito que gesto ínfimo pode falar mais (positivamente ou negativamente)
suscita ao mesmo tempo admiração e estupefacção, pois requer do que qualquer longo discurso. Se nos ficarmos pelos casos
a mobilização de meios materiais e humanos consideráveis para pouco numerosos em que uma palavra viva é pronunciada (atra-
um resultado bastante fútil – Untitled (SUN 2500), 2010. Este vés de uma gravação), esta é sempre posta em cena por Onofre e
género de acções, que à primeira vista são perfeitamente gra- apresentada claramente como um artifício teatral, cinematográ-
tuitas e inúteis – próximas das de Fischli/Weiss ou de Roman fico, uma palavra em representação da própria representação – e,
Signer –, percorrem o trabalho de João Onofre desde o início. logo, uma mise en abyme, como em Thomas Dekker an interview
Veja-se, por exemplo, Untitled (we will never be boring), 1997. (2006). Em Casting (2000), jovens modelos femininos e mas-
Um dos traços definidores da arte é o jogo, o jogo culinos dizem, uns a seguir aos outros, uma das últimas frases
pelo jogo, a inutilidade, a ausência de funcionalidade, a forte pronunciadas no filme Stromboli (1950), de Roberto Rossellini:
redução, ou até mesmo a ausência completa de qualquer valor «Che io abbia la forza, la convinzione e il coraggio». Embora
de uso, privilegiando o gesto gratuito, livre, desinteressado, sem não possamos julgar a vida passada, presente e futura destas pes-
finalidade. Tudo isto apenas pela ”beleza do gesto”. O feito do soas, todas elas atraentes, magníficas, vestidas segundo as últimas
protagonista de Nothing will go wrong (2000), por exemplo, ao rea- modas, elas não têm ar de sofrer o que sofreu a personagem do
lizar um gesto acrobático tão efémero quanto fantasista e frívolo, filme. Mas trata-se, nos dois casos, de ficções, e pode ser que
consiste em manter-se em equilíbrio sobre o poste de um semá- estes jovens venham a sofrer, na realidade, tanto ou até mais do
foro, apoiando-se apenas com as mãos. Em Pas d’action (2002), é que a ficção projecta num imaginário.
pedido a um grupo de bailarinos profissionais que se mantenham Ao fazer encarnar noutros corpos, quer sejam mais
imóveis durante vários minutos, em pontas e meias pontas – pos- jovens ou menos convencionais nos seus gestos, poses, atitudes,
turas de exercícios comuns, mas que, dada a demonstração banal maneiras de ser e fazer, ou na sua língua, aquilo que outras pa-
de um gesto banal, não leva muito longe. A ”acção”, neste caso, é lavras significaram quando produzidas por outros corpos, per-
das mais reduzidas – como explica, aliás, o pas, ao mesmo tempo tencentes a outras épocas e estéticas, cria-se uma estranheza no
o movimento da perna e a marca de negação. seio da própria linguagem. E isso relembra-nos de imediato que
A maior parte das obras de João Onofre decorre, as- uma palavra é feita de carne, de uma carga emotiva, de um peso,
sim, numa fronteira muito fina entre insucesso, exagero, puerili- que ela contém uma tessitura, um ritmo e uma sonoridade úni-
dade e soberba, ilustrando bem a sentença do Eclesiastes: «Vaida- cos. Assim, em Untitled (N’en Finit Plus), de 2010-2011, a jovem
de das vaidades, tudo é vaidade». A vaidade primeira prende-se Beatriz Mateus canta a capella uma velha canção de Petula Clark,

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“La nuit n’en finit plus” (1964), usando o seu corpo, a sua voz e instrumentista Carlos Paredes e não a sua guitarra, o instru-
o facto de se encontrar no fundo de um buraco cavado no solo mento graças ao qual se tornou famoso e é reconhecido como
– aqui, também, meios enormes destinados, em sentido literal e compositor e intérprete. As respirações são extraídas dos cinco
figurado, a deslocar o sentido –, para produzir uma experiência álbuns gravados em estúdio e tomam o lugar da música como
muito estranha, tornada mais interessante, aliás, pela ausência de se representassem o seu avesso, o seu negativo sonoro, testemu-
orquestra, de instrumentos e de qualquer outro som que não o nhando uma vida já desaparecida e ao mesmo tempo próxima
da sua voz. Inversamente, a canção “Dava Tudo”, encarnada mo- e íntima no acto da escuta. Na obra de Onofre, o humano já
mentaneamente por João Onofre em Untitled (Original orchestrated tem menos que ver com o logos, a palavra, ou o eikon, a imagem,
ersatz light version), 2010-2011 – canção que faz jus ao seu nome, do que com a linguagem cantada, a linguagem sem palavras, ou
pois o artista, sempre em busca de formas de ter êxito a falhar, mesmo um simples suspiro.
canta de modo medíocre –, é encarnada rapidamente, no vídeo, Surpreendentemente, Wittgenstein não explorou
pelo seu verdadeiro corpo criador, a saber, Adelaide Ferreira. esta possibilidade, preferindo a ideia de que «aquilo que não se
É incomparável. Podemos não gostar da canção, das palavras pode dizer pode ser mostrado», embora em algumas passagens
(bastante lamechas, escritas pela cantora), ou da música, mas não a propósito da música e da leitura poética esteja bem ciente de
deixa de ser verdade que Adelaide Ferreira possui uma voz ex- que o sentido das palavras é também uma questão de sonori-
traordinária. Também aqui surpreendem as desproporções ou os dade, de musicalidade, de métrica, de ritmo. Mostrar o sentido
desfasamentos entre a mobilização de uma orquestra sinfónica através das imagens, dos sons e dos cantos é uma modalidade in-
e este género de canções: ou muito pouco ou não o suficiente. corporada desde há muito na nossa modernidade. Mas com que
É certo que Pierre Boulez também dirigiu obras de Frank Zappa, objectivos, para fazer o quê, destinada a que fins? Bem ou mal,
nomeadamente The Perfect Stranger (1984), mas “Dava Tudo” não mais do que palavras ou narrativas, as imagens mostram signifi-
está propriamente ao nível de Gustav Mahler, ainda que, muitas cados poderosos e terríveis. Mas Onofre não se cansa de meditar
vezes, as palavras das obras de música dita clássica, incluindo a sobre esta sentença famosa e muito ”cageana” (sem dúvida por
contemporânea, não sejam de grande qualidade – os poemas influência do budismo zen) do Qohèleth: «Há um tempo para
de Wilhelm Müller para a Winterreise (Viagem de Inverno, 1827), estar calado e um tempo para falar» (Qo 3,7). Ainda que o se-
de Schubert, envelheceram bastante. De igual modo, não será gundo momento deste tempo existencial seja maioritariamente
incongruente pedir ao Coro de Câmara da Universidade de obliterado nas obras de João Onofre – ou, antes, substituído,
Lisboa para cantar – ou antes proferir sons e onomatopeias – o literalmente, por “um tempo para cantar” –, duas obras opostas,
tema “The Robots”, retirado de um álbum dos Kraftwerk (ou- mas não antagónicas, parecem ilustrar esta intenção, a começar
tro desfasamento)? pelos seus títulos: VOX (2015) e Tacet (2014).
Ao que parece, o objectivo não é tentar uma mistu- O termo latino vox designa, claro, a voz, mas também
ra de géneros, ou lançar pontes entre músicas eruditas e músicas o som produzido pela voz, bem como as suas diversas tessituras
populares, ou mostrar que a má e a boa música existem desde e intensidades. Na obra VOX, ouvimos um músico/cantor, sem
sempre nos diferentes campos da produção musical. O que está quase nunca o ver – pois está escondido por um chapéu-de-sol –
em causa, salvo raras excepções no conjunto da obra, é antes a tocar um instrumento (uma guitarra) e a fazer vocalizos… sem
um esforço contínuo para evitar a fala. Imprime-se, escreve-se, palavras. Tacet – termo latino que significa «silêncio», utilizado
lê-se, fazem-se gestos, canta-se, mas quase nunca se fala. O canto nas partituras para indicar ao intérprete um silêncio a respeitar
domina, aliás, todas as outras formas de expressão, pois pode- – é uma citação directa da obra de John Cage, 4’33”. Mas desta
-se até teorizar a arte conceptual cantando (Catriona Shaw sings vez, o pianista, embora toque a peça de Cage, acaba por deitar
Baldessari sings LeWitt re-edit Like a Virgin extended version, 2003). fogo ao piano, e vemos o instrumento consumir-se de modo
Cantar é, assim, uma maneira de dizer, de enunciar, de produzir inexorável e ruidoso. Deitar fogo ao silêncio através da imagem
sentido sem ter de produzir uma palavra. É certo que as canções é, assim, o correlato do som ao qual foi retirada uma parte da
são feitas de palavras (lyrics, letra), mas não de palavra, no sentido imagem que produz o som (o músico de VOX). Note-se que
próprio do termo. O que está em jogo é uma espécie de reco- esta espécie de auto-de-fé musical e auditivo (e não textual,
lhimento em relação ao mundo imediato, efervescente e caótico, livresco ou linguístico) é efectivamente concretizado. E mesmo
permitido por um deslocamento do ritmo verbo-voco-visual que se trate de um piano em segunda mão, é, ainda assim, um
que o compõe. E, no entanto, é impossível escapar a este ritmo, instrumento verdadeiro que é irremediavelmente destruído. Um
como notou o Qohèleth : «Todas as coisas são difíceis; o homem instrumento produtor de som e de sentido. É certo que o silên-
não pode explicá-las por palavras. O olho não se farta de ver e o cio é uma parte integrante da música, bem como da linguagem,
ouvido não se cansa de ouvir» (Qo 1,8). Na verdade, a questão é mas Tacet vai ao ponto de destruir um instrumento e o silêncio
ainda mais complexa para um artista visual, a menos que consiga que lhe é inerente. Quando a aniquilação é completa, existe, de
resolver o problema da (re)presentação, ou da presença do ver e facto, um tempo para estar calado.
do ouvir, não já por meio das palavras, mas através do visível da O tempo para estar calado ou em silêncio é ge-
imagem e do audível do som e do canto – e mais ainda, na obra ralmente o tempo da morte, dos enterros e dos cemitérios, das
de Onofre, pelo legível/visível de imagens sonoras e auditivas. cerimónias fúnebres onde se leem, precisamente, as linhas do
Não se diz mais nada, não se fala mais: mostra-se. Por isso vemos Eclesiastes acima citadas. Ao observar a maior parte das obras
nas suas obras imagens de casais na ”impossibilidade de comu- de João Onofre, não percebemos imediatamente que laços po-
nicar” – um lugar comum, mas nem por isso menos eterno deriam ligá-las a este aspecto fatídico e inelutável da existência.
– e contactando sem recorrer à palavra; contactos visuais, mas sem À primeira vista, ou mesmo observando as obras várias vezes, isso
proximidade física ou troca de palavras; ouve-se canções onde se não é nada evidente. No entanto, as referências a cemitérios es-
fala de abandono, de incompreensão, de dúvida, de amores des- tão já presentes no mapa que os inventaria em Lisboa – Untitled
feitos – neste último caso, com um excesso de palavras, mas sem (Lisbon’s authorized death locations), 2004 – e de modo mais claro
recurso à palavra, no sentido próprio do termo. Ou então a audi- na série de fotografias Every gravedigger in Lisbon (2006), onde
ção substitui a apresentação visual, como acontece em diversos se veem coveiros posando de pé, de frente para a câmara, em
casos, entre os quais o da instalação sonora Untitled (2016), de pequenos grupos, exibindo todos o mesmo utensílio banal, que
natureza quase absurda, onde se ouve apenas a respiração do produz um forte punctum nas imagens: um par de óculos de sol.

193
O que mais surpreende não é tanto o sorriso ou o contenta-
mento destas pessoas que convivem diariamente com os mortos,
que os manejam e transportam. O que mais surpreende são os
seus óculos. Que alguns os pudessem usar, eis algo de anódino;
mas que todos os usem é algo que suscita de imediato uma série
de interrogações. Bem vivos, de carne e osso, todos esses rostos
cujos olhos não se veem fazem pensar em crânios.
Certas obras de Onofre mencionam explicitamente
a morte ou a condição mortal, como o trabalho Box sized DIE
featuring Sacred Sin (2007-2008), citação descontextualizada da
escultura de Tony Smith, um cubo negro em aço, também in-
titulado Die (1962), que propõe um jogo de palavras entre dice
(dado) e die (morrer). Note-se que esta obra foi encomendada
verbalmente, ao telefone, por Smith, e que este nunca realizou
esboços ou imagens preparatórias. A voz, a descrição verbal, fo-
ram suficientes. Uma outra forma de linguagem, a linguagem
Braille, em Untitled (a tour in Auschwitz), 2005, representa – ou
fornece uma imagem óptico-táctil a quem não sabe descodificar
os pontos – o testemunho de um sobrevivente do campo de
concentração. Para os praticantes do braille, a página é imediata-
mente falante, significante, e este é aliás um dos raros exemplos,
na obra de Onofre, de uma palavra tocada – mas não, ainda, de
uma palavra falada. Outras formas linguísticas, mas que só fun-
cionam em inglês, aparecem em Acousmatic arrangement inside
an invisible square, 2013-2014 e Untitled (bells tuned D.E.A.D.),
2017. Com efeito, o sistema de notação das notas musicais em
inglês ou alemão faz-se com letras. Assim, DEAD corresponde
a: D (ré), E (mi), A (lá), D (ré). Diferentes sinos podem, pois, ser
escolhidos para produzir esta ou aquela nota e emitir, metafori-
camente, através de uma linguagem notacional convencional, um
som possível da morte. O mesmo acontece, de resto, em certos
rituais cristãos, e inspirou a John Donne estes versos famosos:

No man is an island entire of itself; every man


is a piece of the continent, a part of the main;
[…] any man’s death diminishes me,
because I am involved in mankind.
And therefore never send to know for whom the bell tolls;
it tolls for thee.

Meditation XVII, “No Man is an Island”


Devotions upon Emergent Occasions

Uma obra mais antiga de Onofre, Skull (2003), uma


simples página de fax onde está escrito «everything disappears»
– inscrição que, naturalmente, acabará por apagar-se, tal como
estava escrito, e que prenuncia tudo aquilo que deixaremos um
dia de poder ler (salvo graças a uma reprodução) –, pode ajudar
a completar, de modo não exaustivo, esta curiosa rede de lín-
guas, linguagens, cantos e suspiros que procuram nomear a nossa
humana condição na sua finitude e no seu destino inelutável.
A jovem cantando do fundo do seu buraco – e, para mais, uma
canção cuja letra afirma que «a noite não tem fim» – é quase
uma metáfora daquilo que nos espera a todos. Mas o Qohèleth
já o tinha dito: «Eis o que há de pior entre tudo o que se faz sob
o Sol; as mesmas coisas acontecem a todos» (Qo 9,3). Reencon-
tramos a tautologia através dos milénios: as mesmas situações,
as mesmas palavras.

194
Untitled (original orchestrated ersatz light version) 2010-2011, vídeo HD, cor, som, 5’55’’, dimensões variáveis

195
196
197
1. 2.

Cameron Crowe, “Almost Famous Walter Pater, “The School of Gior-


– Movie Fone: Cameron Crowe on gione”, in The Renaissance: Studies
‘Almost Famous,’ ‘Say Anything…’ in Art and Poetry, Adam Phillips,
and Where He Keeps the Boom ed. Oxford e Nova Iorque: Oxford
Box”, entrevista por Moviefone, University Press, 1986, p. 86.
10 fevereiro 2011, in http://www.
theuncool.com/press/almost-fa-
mous-moviefone/
Making of 2004, vídeo SD, cor, som, 8’48’’, 300 × 400 cm

198
3. 4. 5. 6.

João Onofre, “You can’t entirely Cameron Crowe, “Moviemaking, Gernot Böhme, “The art of the Norman M. Klein, The Vatican to
control fire… João Onofre, Laurence from the Soundtrack up”, in LA stage set as a paradigm for an Vegas: A History of Special Effects.
Crane and Andrew Renton in con- Times, 25 Setembro 2005, https:// aesthetics of atmospheres”, in Nova Iorque: New Press, 2004.
versation”, in Tacet, (cat.). Londres: www.latimes.com/archives/la-xpm- Ambiances: International Journal of
Marlborough Contemporary Art, 2015. -2005-sep-25-ca-crowe25-story.html Sensory Environment, Architecture
and Urban Space, 10 Fevereiro
2013, https://journals.openedition.
org/ambiances/315

ATÉ NADA
RESTAR

NICOLAS DE OLIVEIRA e NICOLA OXLEY

«No dia certo, a canção certa pode durar para sempre.»1

A máxima do crítico Walter Pater de que «toda a A história contada por Crowe realça a função per-
arte aspira constantemente à condição de música»2 pressagia o formativa da música, a sua capacidade de produzir acções. A sua
impacto do som no visual. Para os modernistas, a conclusão afirmação sugere que o som tem a capacidade de determinar
lógica encontrava-se no campo etéreo da abstração, produzin- tanto aspectos tangíveis como intangíveis de um medium visual:
do, paradoxalmente, uma visualidade hermética. Mas na nossa conta uma história, localiza os protagonistas e, acima de tudo,
era digital, em que os regimes escópicos instantâneos são mais cria a atmosfera, a mais fugaz das condições, como a caracterizou
prevalentes do que nunca, o som diminui a sua fixação ao intro- o filósofo Gernot Böhme:
duzir uma dimensão temporal. «As atmosferas são totalidades [que] impregnam
A preocupação com o tempo das imagens, com o tudo, tingem todo o mundo […] com uma certa luz, unificam
seu aspecto temporal persistente, está no cerne da obra de João uma diversidade de impressões num único estado emotivo […]
Onofre, que incorpora vídeo, instalação, performance, fotografia algo entre as coisas e o sujeito perceptivo».5
e desenho. O som e a música popular têm um papel funda- Analogamente, as instalações e os vídeos de Onofre
mental em toda a sua obra, ampliando a perceção temporal e produzem um conjunto de condições que dão origem a impres-
estabelecendo ligações explícitas entre o espaço do trabalho e o sões espaciotemporais específicas. Longe de serem intangíveis,
do público. Por consequência, afirma o artista, «o meu interesse estes espaços são manifestações visuais e sonoras cuidadosamente
[…] reside em como mostrar o tempo enquanto objecto da organizadas – «espaços programados»6 que efetivamente coreo-
imagem em movimento através do som».3 grafam o sentimento.
O argumentista e realizador Cameron Crowe afirma A aparente preocupação do artista com o macabro
que ouve os seus filmes antes de os escrever. Também se conhece parece imbuir a atmosfera de várias peças, mas não devemos
o seu hábito de pôr música no plateau para criar ambientes es- considerá-la superficialmente. A referência à morte em alguns
pecíficos. Tocar uma faixa de punk rock no volume máximo antes títulos pode apontar para a apropriação linguística do título de
de uma cena com Philip Seymour Hoffman deixou o falecido uma peça de um seu par influente como Bruce Nauman, que
actor sentado com a cabeça nas mãos: afinou um violino para as notas ré-mi-lá-ré, que no sistema de
«“Pus a música que estás a ouvir na cena”, expliquei. notação anglo-saxónico soletram a palavra DEAD (i.e., morto).
Muitas caras estavam agora a olhar fixamente para mim. “Sim, eu Também a banda pop Super Furry Animals editou uma música
sei”, disse Hoffman pacientemente. “Eu já estava a representar.”»4 do seu álbum Radiator, de 1997, com o título “Bass tuned to

199
7. 9. 11. 13.

Wallace Stevens, Opus Posthu- Durante uma sessão de DJ, o John Cage, ibid., p. 28. “David Claerbout: The time that
mous, Milton J. Bates (ed.). Nova membro dos Daft Punk, Thomas remains”, Parasol Unit, Londres, in
Iorque: Vintage Books, 1989, p. 195. Bangalter, foi supreendido pela po- 12. https://parasol-unit.org/whats-on/da-
tência do feedback ao vivo ao ligar vid-claerbout-the-time-that-remains/
A palavra “tacet” significa uma
8. um gira-discos, levando-o a criar
pausa ou um período de silêncio
uma faixa musical, transformando 14.
A peça Pendulum Music (1968) em notação musical.
o subproduto sonoro em conteúdo
de Steve Reich foi interpretada Jonathan Crary, Suspensions of
musical.
em 1969 no Whitney Museum of Perception: Attention, Spectacle
American Art por artistas como Mi- and Modern Culture. Cambridge,
10.
chael Snow, Richard Serra e Bruce Mass.: MIT Press, 1999, p. 2.
Nauman, o que realça a relação John Cage, citado em Susan
próxima entre a arte moderna e a Sontag, Styles of Radical Will. Nova
composição minimalista. Iorque: Farrar, Strauss & Giroux,
1966, p. 10.

D.E.A.D”, um lamento por um amor perdido. A peça de Onofre morador ou visitante de Lisboa. Em termos de arqueoacústica,
Acousmatic arrangement inside an invisible square (2013-2014) con- o ruído da ponte está gravado na cidade como uma assinatura,
siste em 12 carrilhões de vento Koshi, dos quais um está afinado um espelho sonoro.
para essas mesmas notas, enquanto Untitled (bells tuned D.E.A.D) O duplo oferece um motivo ressonante na obra de
(2017) consiste num sistema de chamada e resposta entre sinos Onofre e surge com inúmeras formas e feitios. Na tradição musical,
de igrejas da cidade de Coimbra que se encontram dentro do a versão cover retoma faixas de tempos passados, permitindo-lhes
alcance acústico uns dos outros. ressoar através do tempo. Do mesmo modo, a instalação sonora
Box sized DIE (2007-2008) expande esta analogia Untitled (cactuses) (2011) apresenta dois gira-discos que tocam
com a morte ao contratar uma banda de Death Metal para to- dubplates das versões de Jeff Buckley (1994) e de Nina Simone
car dentro de um cubo de ferro insonorizado. A peça retoma (1966) do tema “Lilac Wine” (1950) de James Shelton, em phasing.
aspectos de DIE (1962) do artista minimalista Tony Smith, que Este tipo de composição sonora, conhecida por
comparou as dimensões da escultura monolítica de 183 cm às de Phase Music, foi inspirada pelos loops de Terry Riley e desen-
um caixão. Neste caso, a sugestão de Onofre não é meramente volvida por minimalistas como Steve Reich.8 Dois ou mais
linguística, mas real, dado que a banda deve tocar até ficar sem instrumentos tocam sequências de notas idênticas com tem-
ar, uma afirmação prosaica de que a morte é o fim da duração. pos subtilmente diferentes, saindo gradualmente do uníssono,
A alusão do artista ao confinamento prossegue em passando de um ligeiro eco a uma clara duplicação de cada
Untitled (N’en Finit Plus) (2010-2011), que usa o título da ver- nota até alcançar um efeito de ressonância complexo. Esta res-
são francesa de Petula Clark do êxito americano “Needles and sonância sónica entre duas notas pode estender-se à experiência
Pins” (1963), cantada acapella por uma jovem de pé no fundo agregada das faixas de Buckley e Simone. A dissonância e res-
de uma vala, no meio de um campo sob o céu estrelado. A cova sonância que surgem à medida que as canções entram e saem
representa uma sepultura acabada de abrir e alarga a preocupa- de sincronia fazem parte de um processo de escuta atenta, e são
ção do artista com a nossa existência efémera, também demons- totalmente intencionais, ao passo que as performances musi-
trada pela série fotográfica Every gravedigger in Lisbon (2006), cais apresentam inúmeras situações de desvios ou subprodutos
um conjunto de sete fotografias que retratam os coveiros de não intencionais.9 A peça sonora Untitled (2016), de Onofre,
cada freguesia lisboeta a usar óculos de sol. A sua competên- consiste numa compilação de todas as respirações que marcam
cia profissional, aperfeiçoada pela repetição, permite-lhes não a execução do influente guitarrista português Carlos Paredes
ver os defuntos nem partilhar a dor pelo seu falecimento. A fa- nos seus álbuns de estúdio. A respiração deste virtuoso da gui-
miliaridade ou exposição repetida torna-os imunes à emoção tarra é inserida no lugar tradicionalmente ocupado pela músi-
provocada pelo acto do enterro. Os óculos de sol podem aludir ca, aludindo a uma ausência como núcleo do trabalho. Também
ao anonimato, ou podem sugerir que quem os usa é “cego” em nos recorda La Disparition (1969), o romance lipogramático de
relação à sua tarefa. O processo de passar de um lugar para outro Georges Perec onde a letra “e” foi totalmente omitida. Para
confere uma imagem ao irrepresentável, algo que tem de ser experienciar um vazio textual ou sonoro é necessário colocar
posto no lugar da pessoa que já não está presente e que absorve algo à sua volta, seja uma circunscrição ou mesmo uma morosa
o sentimento de perda. O poeta Wallace Stevens diz que «a rea- série de respirações.
lidade é um cliché do qual escapamos através da metáfora»7, uma Esta ideia de vazio e silêncio prolifera nas práticas
vez que estamos presos a conceitos inerentes à linguagem. Deste artística e sonora a partir do minimalismo. No entanto, o compo-
modo, a morte coloca-nos fora da linguagem. sitor John Cage rejeita a quietude argumentando que «o silêncio
A presença do lugar é fortemente inflectida no traba- não existe. Há sempre qualquer coisa a acontecer que produz um
lho do artista. As localizações – frequentemente exteriores – dos som».10 Ele advoga que «o silêncio permanece, inevitavelmente,
vídeos cimentam esta relação com a cidade de Lisboa e a paisa- uma forma de discurso […] e um elemento num diálogo».11
gem dos seus arredores. Em GHOST (2009-2012), uma ilha Consequentemente, o silêncio é uma impossibi-
com uma grande palmeira flutua Tejo abaixo em direção ao mar. lidade que só se pode alcançar na morte, uma característica
Apesar de não haver uma banda sonora composta especifica- perceptual explorada na sua peça seminal 4’33” (1952), na qual
mente para este vídeo, as imagens são acompanhadas pelo som o pianista David Tudor permanece sentado a um piano de cauda
sibilante da Ponte 25 de Abril, por baixo da qual passa a ilha e durante o tempo indicado no título. O instrumento mantém-se
cuja grande escala domina visualmente a margem do rio, sen- em silêncio, mas este é pontuado pelo ruído ambiente na sala de
do a sua ressonância imediatamente reconhecida por qualquer concertos. O vídeo de Onofre Tacet (2014)12 retoma a estrutura

200
15. 16. 18. 19.

Robert Bird, “Andrei Tarkovsky Pierre Marcabru, citado em Richard O autor afirmou que a ideia para o Don DeLillo, Point Omega. Londres:
and Contemporary Art: Medium Brody, Everything is Cinema: The romance surgiu da sua visita à ins- Picador, 2010, p. 18.
and Mediation”, in Tate Papers, n.º Working Life of Jean-Luc Godard. talação 24 Hour Psycho do artista
10 (Outono 2008), https://www. Nova Iorque: Henry Holt & Co., Douglas Gordon no MoMA, em 20.
tate.org.uk/research/publications/ 2008, p. 73. Nova Iorque. Para esta peça, o ar-
David Claerbout, “I sculpt in dura-
tate-papers/10/andrei-tarkovsky- tista reduz a velocidade do conheci-
tion“, entrevista por A. Will Brown,
-and-contemporary-art-medium-an- 17. do filme de Alfred Hitchcock, fazendo
Studio International, 12 Maio, 2016,
d-mediation a projeção durar um dia inteiro.
Boris Groys, Going Public. Berlim: https://www.studiointernational.com/
Sternberg Press, 2011. index.php/david-claerbout-interview

e timing desta peça histórica, mas o pianista é também usado como uma grua gigante, e a sua colocação dentro de uma piscina de
elemento incendiário que prepara e destrói o piano pegando- dez metros num local densamente edificado no centro da cidade,
-lhe fogo. O silêncio relativo de Cage é amplificado pelo rugir como acontece em Untitled (SUN 2500), é uma acção particu-
das chamas que consomem o instrumento. larmente gratificante por aquele encaixe tão incacreditavelmente
A imolação de qualquer artefacto cultural sugere a à medida. Assim, apesar de os vídeos de Onofre manterem a sin-
quebra de um tabu – ecoando a queima de livros, lugares de gularidade da acção e a satisfação da concretização, a sua execu-
culto ou indivíduos – mas também se significa como um acto de ção permanece extremamente árdua e, no caso de alinhar um
purificação, uma catarse que conduz à renovação. Ao passo que a nível de bolha em queda-livre, totalmente impossível. A docu-
duração da peça de Cage é arbitrária, a interpretação de Onofre mentação de uma única acção faz sobressair a natureza duracio-
pauta-se por uma maior urgência, visto que o perigo para o pia- nal do vídeo relativamente à narrativa do cinema.
nista aumenta progressivamente à medida que o fogo se aproxima. «O plano-sequência esteve no centro da viragem
Neste caso, a duração precisamente reproduzida coincide com o do filme para o vídeo [...] [enquanto] a mudança da projeção
limite da resistência. para a instalação apenas aumentou, quanto muito, a atenção
A duração tem sido uma constante para os artistas prestada à forma temporal.»15
desde a década de 1960, com peças como Empire (1964) de Andy A importância da instalação não pode ser sobre-
Warhol, um filme em câmara lenta e sem enredo que mostra o valorizada, dado que é sinónimo do espaço da exposição e,
Empire State Building em Nova Iorque ao longo de oito horas, portanto, do espaço do espectador. Ao utilizarem o espaço do
ou Organ2/ASLSP (As SLow aS Possible) (1987) de John Cage, público como parte integral do trabalho, os vídeos de Onofre
uma partitura para piano adaptada para órgão com uma duração são maioritariamente apresentados como instalações completas,
de 639 anos, na sua mais recente iteração. Entre os pares mais e não como simples projecções fílmicas. As projecções – guiadas
recentes de Onofre incluem-se artistas como Stan Douglas, pela frontalidade – privilegiam a noção da vista da janela bidi-
Christian Marclay ou David Claerbout, cujos vídeos intercalam mensional, o que pressupõe um observador passivo, em contraste
imagens e som de forma a alterar a percepção do tempo. Claerbout directo com o envolvimento imersivo do público que se encontra
diz que a duração «não é um estado independente, como o tempo, na instalação, «como se a parede entre o mundo real e o mundo
mas um estado intermédio».13 Assim, pode dizer-se que a duração projectado tivesse sido derrubada».16
opera como um intervalo entre eventos que o interrompem. De acordo com o teórico Boris Groys, a instalação
Em algumas destas peças, prestar atenção deixa de ofe- “privatiza” o espaço da exposição que, de outro modo, é de na-
recer uma experiência gratificante, pois o tempo parece estender-se tureza “pública”17. Por conseguinte, o artista providencia a sua
para lá do limite do suportável, dando lugar a novas formas de propriedade privada, permitindo o acesso ao público, mas sob
visualização e de escuta. Numa sociedade fortemente mediatizada, rigorosas condições de visualização.
o conceito de atenção tornou-se uma importante comodidade. Estas acções provocam uma fusão do espaço da
«Os indivíduos definem-se e moldam-se em termos obra com a esfera íntima do espetador. O romance Point Omega
de uma capacidade de “prestar atenção”, ou seja, de desvincu- (2010) de Don DeLillo começa e termina com a descrição de
lação de um campo mais alargado de atracção, seja esta visual ou uma instalação que examina minuciosamente a passagem através
auditiva, para isolarem ou se concentrarem num número reduzido de do limiar entre ficção e realidade:18
estímulos.»14 «Parecia real, o ritmo era paradoxalmente real, o mo-
Os vídeos Untitled (SUN 2500) (2010), GHOST vimento dos corpos era musical, mal se movendo, dodecafonismo,
(2009-2012) e Untitled (leveling a spirit level in free fall feat. Dorit as coisas quase não aconteciam, a causa e o efeito afastados tão
Chrysler’s BBGV dub) (2009) registam acções isoladas, frequente- drasticamente que lhe parecia real, tal como se diz que são reais
mente em tempo real. A simplicidade monótona dos movimentos todas as coisas no mundo físico que não compreendemos.»19
– descida, flutuação e queda – contraria a complexidade da or- Gradualmente, os sentidos do narrador vão-se
ganização e do equipamento necessários para os executar. Fazem habituando à presença dos outros espectadores na instalação
lembrar o fenómeno de “completion bias”, manifestado pela sensa- – o modo como os seus corpos interrompem a projecção, lan-
ção de prazer obtida pela realização de tarefas específicas, muitas çando sombras e formas, e os modos da sua própria (des)atenção
vezes também associado ao comportamento obsessivo-compul- e interacção social. Como se o exterior estivesse a infiltrar-se no
sivo, no qual os indivíduos se sentem impelidos a repetir acções trabalho, já que «a vida não é uma colecção de eventos, a vida
simples. De facto, a elevação de um veleiro de nove metros com é uma cena».20

201
21. 23. 25. 27.

Robert Bird, op. cit. Gilles Deleuze, Bergsonism, Hugh Sabine Folie, “Writing Turned Image: Sabine Folie, ibid., p. 228.
Tomlinson e Barbara Habberjam an Alphabet of Pensive Language”,
22. (trad.). Nova Iorque: Zone Books, in Un Coup de Dès. Viena: Generali 28.
1991, p. 58. Foundation, 2008, p. 233.
Henri Bergson, An Introduction to Martin Duffy, “Concerning the Use &
Metaphysics. Indianapolis: Hackett Symbolism of Nails”, Three Hands
24. 26.
Publishing Co. Inc., 1999, p. 40. Press, https://threehandspress.
Jonathan Crary, 24/7: Late Capita- Jacques Derrida, “Différance”, in com/concerning-the-use-symbolis-
lism and the Ends of Sleep. Londres Alan Bass, Margins of Philosophy. m-of-nails-by-martin-duffy/
e Nova Iorque: Verso, 2013, pp. Chicago: University of Chicago
5-8. Press, 1982, pp. 3-27.

Encontramos dois modos opostos de estar como iniciar o longo adeus da desintegração gradual. Skull (2003) usa o
espectador: concentração máxima e visionamento distanciado. papel térmico de um fax para apagar gradualmente a mensagem
A profunda atenção tende a ser associada ao ecrã plano, ao passo «everything disappears» [tudo desaparece], enquanto El Pais Gris
que o visionamento imersivo é mais circunspecto. Marca uma (2005) e La Repubblica Griggia (2007) mostram primeiras pági-
viragem importante do cinema para o vídeo, sendo que o primei- nas de jornais desvanecendo para cinzento mediante a repetição
ro localiza o conteúdo na interface do ecrã, enquanto o segundo exaustiva da sua fotocópia.
desloca a ênfase para a frente, para o espaço de recepção. «[…] o vácuo, o ecrã de projecção vazio, a folha de
«Na tensão dialética que marcou o regime clássico papel em branco [actua] como um instrumento para uma possível e
de representação, a videoarte marca a vitória final da suspensão perfeitamente consciente marcação e afirmação do texto ou objecto,
sobre o suspense.»21 confrontando um mundo que é totalmente determinado e ocupa-
O filósofo Henri Bergson descreve a duração como do pelo sentido, sujeito a um poder alienado de eliminação.»25
«a vida contínua de uma memória que prolonga o passado no Este excesso de objectos e de informação foi su-
presente, seja porque o presente encerra […] a imagem inces- jeito a um processo de esvaziamento por sucessivas gerações de
santemente crescente do passado, seja […] porque testemunha artistas. A peça 1965/1-∞ (1965-), de Roman Opalka, consiste
o fardo cada vez mais pesado que arrastamos connosco à me- numa série de telas cinzentas pintadas individualmente com nú-
dida que envelhecemos. Sem esta sobrevivência do passado no meros brancos; em cada nova tela, o artista acrescentou mais um
presente, não existiria duração, mas somente instantaneidade».22 por cento de branco ao fundo, acabando por conduzir à fusão
Mas a memória não é apagada por eventos; não re- completa dos números com a brancura do suporte. A duração da
move um passado a favor de outro, na medida em que estes existência do próprio artista pode ser medida pelos 233 quadros.
continuam co-presentes. O contínuum espaço-tempo é assim Os desenhos de Onofre das séries Running dry
definido pela sucessão e pela simultaneidade. (2005-2007) e Degradation (2007) retomam o tema da dedução
«O passado é “contemporâneo” do presente que e declínio. Ambas as séries são demonstrações de tautologias, na
ele foi.»23 medida em que existe uma coincidência exacta entre as acções
A asserção de Gilles Deleuze contrasta com o pre- a que o texto alude e a sua execução.
sente perpétuo que presumivelmente marca a nossa experiência Este silenciamento gradual da linguagem recorda-
do século XXI. O historiador de arte Jonathan Crary defende -nos a ênfase que o poeta Stéphane Mallarmé coloca nos espaços
que as circunstâncias do dia presente promovem uma «condição entre as letras e as palavras na página. A sua teoria do “espaça-
de visibilidade instrumentalizada e interminável […] que pode mento” defende que o espaço aberto entre palavras se torna
ser caracterizada como uma inscrição generalizada da vida hu- condição prévia para que um texto surja como tal, bem como
mana na duração, sem interrupções […] É um tempo que já não para indicar a ausência de um significado e destino definitivos,
passa».24 Onofre inverte esta condição inexorável da visibilidade já que, apesar de as palavras se referirem umas às outras, elas
ao traduzi-la para uma dimensão sonora em Untitled (orchestral) não formam uma estrutura fechada. O filósofo Jacques Derrida
(2016-2017), uma instalação sonora site-specific controlada pela adoptou a teoria de Mallarmé, sustentando que «o movimento
passagem diária do sol. A partitura composta por Miquel Bernat da significação só é possível na medida em que cada elemento
foi executada por um sistema de percussão robotizado escon- […] se relacione com outra coisa que não ele mesmo».26
dido nas enormes caldeiras de metal alojadas dentro de uma Nas suas peças, Onofre invoca a alternância entre
monumental central eléctrica desactivada. A instalação substitui o significado e a sua ausência; a sombra do fracasso permanece
o fogo da fonte de energia original pelo calor do sol. Apesar de palpável ao longo da sua luta sisifiana com tarefas auto-impostas,
visualmente inalteradas, as máquinas e instalações dormentes são um tropo familiar na arte desde a modernidade, que eviden-
rearticuladas pela composição enquanto performance sonora de cia o crescente interesse pela futilidade. Esta posição realça a
percussão, na qual passado e presente se ecoam um ao outro no importância do processo em detrimento da conclusão, uma
corpo do público. vez que esta é continuamente diferida. É este mesmo estado
O filósofo da linguagem J.L. Austin descreve a de protraimento que acaba por tipificar o trabalho, dado que a
performatividade como sendo a capacidade da linguagem e da incapacidade de concluir um gesto também sugere que o seu
comunicação de agirem ou consumarem uma acção. As acções significado é adiado.
performativas actuam fora da linguagem constativa ou descriti- O filme La Pluie (Projet pour un Texte) (1969), de
va, dado que não é possível considerá-las verdadeiras ou falsas; Marcel Broodthaers, mostra o artista sentado à secretária a escre-
ao invés, produzem mudança. ver com uma caneta de tinta permanente debaixo de uma chuva
Onofre tira proveito do poder performativo da lin- torrencial. A acção centra-se na tentativa infrutífera do escritor de
guagem, mas em vez de o utilizar para criar algo, utiliza-o para conferir permanência às suas palavras, as quais são imediatamente

202
29. 30. 32. 33.

João Onofre, entrevistado por Onofre, ibid., p. 45. Henri Bergson, Laughter: an Essay Jörg Heiser, All of a sudden: Things
Gerald Matt, in J.J. Charlesworth e on the Meaning of the Comic that matter in Contemporary Art.
Gerald Matt, João Onofre. Bregenz: 31. (1914). Nova Iorque: Dover Publica- Berlim: Sternberg Press, 2008.
Magazin 4, 2004, p. 44. tions, 2013, p. 11b.
“Kenneth Goldsmith interviewed by
34.
Philip Davenport”, Outubro 2011,
in The Dark Would. Volume Two: Tristan Tzara, “Photography from
Anthology of Language Art, Philip the Verso”, in G3, (Junho 1924),
Davenport (ed.). Nova Iorque: Apple p. 39.
Pie Edition, 2013.

dissolvidas pelo aguaceiro. O filme mostra «o processo de uma Ao utilizar tácticas de desfamiliarização que ecoam as
produção de texto falhada – não como a documentação de uma ideias do crítico e teórico Viktor Shklovsky, os vídeos do artista
ideia, mas como uma demonstração literal do fracasso».27 permitem escapar de uma realidade normativa para um processo
As “partituras anotadas” de Onofre derivam dos seus evolutivo de realidade que envolve completamente o espectador.
vídeos e substituem, em grande medida, a escrita por notação Para o fazer, observa cuidadosamente convenções e competên-
musical. Não obstante, representam uma forma de linguagem cias familiares, mas altera o contexto no qual estas se desenrolam.
coerente que afunila no sentido da acção performativa, dado Abordando a dissociação entre a mensagem e o seu
que se tratam de instruções para tocar música ou cantar. Além mediador, Untitled (I See a Darkness) (2007) apresenta dois jo-
disso, a sua proveniência autoral apresenta uma qualidade hesi- vens rapazes interpretando a canção epónima de Will Oldham.
tante na medida que as partituras fazem o mapeamento da viagem A situação é uncanny, dado que há algo reprimido que está sem-
entre o artista, o compositor e os intérpretes e executantes das pre a voltar, algo que eles não conseguem compreender, já que
mesmas. Deste modo, cumprem a dupla função de conjunto de a escuridão sobre a qual cantam é uma sensibilidade de adultos,
instruções e de documentação de um processo criativo. inatingível para crianças pré-adolescentes. É como se os rapazes
As bandas sonoras dos vídeos do artista também estivessem suspensos fora do tempo: conseguem cantar as pala-
ganham forma material através dos discos de vinil. Aqui, vras, mas o seu significado fica adiado até à idade adulta.
a instrução dá lugar à documentação codificada gravada numa Enquanto alguns dos vídeos de Onofre exploram
superfície. Apesar de estas peças discretas poderem ser escutadas aptidões individuais, estes são ainda mais pungentes quando re-
num gira-discos, geralmente são colocadas na parede com um correm a grupos de intérpretes, quando corpos individuais se
prego de prata produzido especialmente para o efeito. O ru- agregam num organismo. Em Instrumental version (2001), o artista
dimentar gesto de exibição de Onofre confere uma presença recorre a um grupo coral para apresentar uma versão acapella
visual a algo que é supostamente imaterial: a linguagem e o som. do tema electrónico seminal, “The Robots”, dos Kraftwerk.
«Os pregos [...] têm um poder de fixação […] de «A mãe de todas as músicas tecno», diz Onofre, «tem qualquer
ligar uma coisa a outra. […] Quando uma coisa é colocada em coisa de ”futurismo passé”»30. O absurdo da ideia poderia ser
contacto com outra, estabelece uma aligação. […] Isto inclui a demonstrado em teoria, mas as suas implicações só são com-
ligação de duas coisas numa aligação por um prego, de modo pletamente corroboradas através da performatividade de uma
que uma possa influenciar a outra.»28 acção, «quando se passa pelo processo de o fazer em vez de
A aligação de Onofre entre os objectos também su- o propor», de acordo com o escritor Kenneth Goldsmith. 31
gere uma parceria com as suas raízes na cultura do ocultismo, A interpretação humana dada por Onofre à canção vai em
dominada por fenómenos e forças invisíveis, reflectindo a sua contracorrente com a ênfase mecânica dos Kraftwerk. A di-
preocupação com a mortalidade anteriormente discutida. O que ficuldade está em dar uma voz humana à máquina através da
está para lá permanece incognoscível, e é por isso que a mente imitação, como uma pura inversão do papel da tecnologia, que
inquieta especula. procura sempre seguir o exemplo humano.
A fim de diferir o desfecho, o artista procura mostrar «As atitudes, gestos e movimentos do corpo huma-
apenas o que está à mão em vez de contar o que está implícito. no são risíveis na exacta proporção em que esse corpo nos faz
A qualidade emblemática dos seus vídeos oferece ao espectador lembrar de uma mera máquina.»32
acesso directo ao significante – o som ou a imagem – mantendo o Notavelmente, a comédia surge quando se estabe-
significado – a ideia – instável. A ausência geral de pós-produção lecem dois quadros de referência diferentes e se orquestra uma
evoca também a influência dos primórdios do cinema, que precedem colisão entre eles. De facto, o crescimento da mecanização no
a edição cinematográfica e assentam no movimento produzido séc. XX conduziu à comédia física nos primórdios do cinema,
num plano fixo – um pino executado num semáforo ou um esta- quando as palhaçadas e os bate-cus dominavam os filmes mudos
feta de mota entre dois destinos para fazer uma entrega. em resultado do contraste entre a fragilidade humana e a fiabi-
Na obra do artista, nada é exactamente quando ou lidade das máquinas, como defende Jörg Heiser.33 Apesar de os
onde deveria ser, porque o tempo está desconjuntado, enquanto vídeos de Onofre explorarem o humor, isso nunca acontece
as acções e os objectos estão deslocados. Para validar este dis- à custa do intérprete, nem, de facto, do espectador, dado que
torcido estado de coisas, Onofre recorre a indivíduos e grupos a própria falibilidade da acção humana é central à sua obra.
profissionais cujo desempenho, apesar dos seus máximos esfor- «A imperfeição humana», poderíamos argumentar, «tem mais
ços, nunca escapa completamente à duplicação espectral do real. virtudes consideráveis que a exactidão das máquinas».34
«Eu ponho estas pessoas a fazer aquilo que fazem O “des-acerto” subjacente a tanto do humor é cen-
para ganhar a vida: cantar, representar ou qualquer outra coisa. tral ao vídeo Imus in girum et nunquam igne consumemur [move-
[Elas fazem] já parte de uma cultura do espectáculo.»29 mo-nos em círculos, à noite, e nunca somos consumidos pelo

203
35. 38. 41. 43.

Guy Debord, “In girum imus nocte Stefan Sulzer, The Day my Mother Em 1832, Marie Taglioni mudou Tadeusz Kantor, citado em Michal
et consumimur igni“, Spectacle touched Robert Ryman. Zurique e o ballet para sempre ao dançar Kobialka, “A Visual History of Ta-
Theater, http://www.spectaclethea- Estugarda: Edition Taube, 2016. em pontas todo o bailado La Syl- deusz Kantor’s Theatre”, in Journal
ter.com/in-girum-imus-nocte/ phide, o que foi visto como uma of Dramatic Theory and Criticism 7,
39. imagem da leveza e levitação, nº. 1, Outono 1992, p. 119.
36. e marcou um afastamento em
João Onofre entrevistado por Ge-
relação a danças que utilizavam 44.
Katy Siegel, “Live/Work”, in The rald Matt, op. cit., p. 46.
sapatos de salto alto.
Studio Reader: On the Space of Stromboli, longa-metragem realiza-
Artists, Mary Jane Jacob e Michelle 40. da por Roberto Rossellini em 1950.
42.
Grabner (ed.). Chicago: University of
Nathan Jurgenson, The Social
Chicago Press, 2010, p. 313. Benjamin Buchloh, in James Cole- 45.
Photo: On Photography and Social
man, George Baker (ed.). Cambri-
Media. Nova Iorque: Verso, 2019, David Price, The Fielders, AND
37. dge, Mass.: October Books, MIT
p. 117. Public, 2013.
Press, 2003, p. 92.
Alexander Dumbadze, Bas Jan Ader:
Death is Elsewhere. Chicago: Univer-
sity of Chicago Press, 2013, p. 155.

fogo], baseado num antigo enigma palindrómico relacionado afirmação que ganhou uma carga emocional com a peça de
com o voo das traças atraídas pelas chamas, o qual também foi Bas Jan Ader I’m too sad to tell You (1971), na qual o artis-
utilizado pelo teórico Guy Debord no título do seu último fil- ta é filmado a chorar incontrolavelmente, uma sugestão da
me, de 1978, que comenta a ironia da vida vivida na «completa «autenticidade percebida num mundo da arte inautêntico» e
vacuidade da sociedade mediatizada».35 demonstração de um «comportamento que parece inequivo-
A subtil alteração operada por Onofre sobre o pa- camente significativo». 37
líndromo original mantém o movimento circular, mas elimina Tal como Nauman e Ader, Onofre esforça-se por
o contacto letal com o fogo. O vídeo do artista mostra uma permanecer autêntico e evitar o vício da mediação, um feito di-
equipa de bombeiros a dar uma mangueirada a um homem que fícil de alcançar numa era dominada por iterações tecnológicas
claramente não está a arder, prestando-lhe, depois, primeiros cada vez mais barrocas.
socorros. O pathos do perigo óbvio e imediato de se ser con- «O que está a acontecer está mesmo a acontecer.»38
sumido pelo fogo, inverte-se, tornando-se batético, na medida Nos vídeos do artista, vemos todas as coisas que estão
em que o personagem tem de suportar o processo de ser salvo à mão da maneira como estas se apresentam. Não são produtos,
desnecessariamente. mas eventos encenados sem uma performance pública, que assen-
A peça Joke job project (2005) conduz o gosto do tam numa preparação intensiva, ensaios pacientes e uma encenação
artista pelo absurdo à sua conclusão lógica. Ele contrata uma meticulosa. O artista esconde o trabalho, bem como o sacrifício
jovem licenciada em literatura moderna para editar um livro necessário para trazer à luz estas imagens em movimento.
de anedotas descarregadas da Internet, ordenando-as alfabetica- Em Pas d’action (2002), um grupo de jovens baila-
mente por punch line. O artista aplica competências profissionais rinos num enquadramento fechado eleva-se simultaneamente
de uma forma enviesada, impedindo o desempenho das tarefas em meias-pontas. O esforço individual para manter a posição
no contexto das convenções de trabalho normais. transmite-se a todo o grupo, que começa a oscilar subtilmente
Em geral, as peças de Onofre não tecem conside- num único movimento, como que de uma única entidade, para
rações sobre o processo de produção, nem sobre o local onde evitar aquilo a que Onofre chama o «efeito dominó»39 e tombar
são planeadas e preparadas, nomeadamente, o estúdio, outrora para fora do enquadramento.
considerado o domínio sagrado e privado do artista. Katy Siegel «A quietude numa imagem enfatiza a sua qualida-
escreve que, hoje em dia, o estúdio encarna «a relação entre a pro- de performativa»,40 escreve o teórico dos social media Nathan
dução da arte e outros tipos de produção numa sociedade, num Jurgenson, reivindicando o aspecto encenado da fotografia em
determinado momento, e a relação entre o trabalho e a vida».36 detrimento do movimento do vídeo. Pas d’action quase elimina a
A série de vídeos de Onofre filmados no seu distinção entre a inércia e a mobilidade, dado que a tentativa de
estúdio conserva o humor cuidadosamente arquitectado que se estase dos bailarinos – ponto alto da formalidade e da técnica41
encontra presente na restante obra. Untitled (vulture in the studio) – acaba por falhar quando se dissolve em movimento; dito de
(2002), Believe (levitation in the studio) (2002) e Catriona Shaw outro modo, o vídeo tenta tornar-se fotografia, mas acaba por se
sings Baldessari sings LeWitt Re-Edit Like a Virgin Extended Version desmoronar novamente em vídeo.
(2003) mostram o espaço como uma situação permeável Os artistas têm uma relação longa, mas frequente-
e experimental que combina pesquisa, produção e apresenta- mente desconfortável, com o palco, povoado de actores, seja este
ção e onde a presença dos seus pares está bem patente: a peça em um cenário de filmagem ou o teatro. Tal como vimos, à seme-
que John Baldessari canta horrivelmente as seminais “Sentences lhança de outros notáveis artistas, Onofre identifica-se mais com
on Conceptual Art” (1969) de LeWitt ao som de várias melo- o discurso relativamente recente do vídeo do que com a pesada
dias inapropriadas leva Onofre a reorquestrar a mesma ao som história do cinema. Também a sua utilização do “palco” se pode
da famosa música de Madonna, mas introduzindo agora uma identificar mais com o campo da performance originária dos
cantora profissional para melhorar as questões musicais. estúdios de arte.
As primeiras acções em estúdio de Bruce Nauman, O historiador de arte Benjamin Buchloh afirma
na década de 1960 – uma levitação falhada, andar de um lado que artistas como «[Vito] Acconci, [Dan] Graham e Nauman
para o outro e tocar um instrumento –, são descritas de ma- reincorporaram o aspecto teatral tanto na linguagem como
neira prosaica como “arte é aquilo que um artista fizer”, uma no gesto, mas fizeram-no precisamente em total oposição às

204
46. 49. 51. 53.

João Onofre entrevistado por Ge- Sherrie Levine entrevistada por Hans Richter, ibid., p. 43. “Out of Time: The Brilliant Soundtra-
rald Matt, op. cit., pp. 44-48. Jeanne Siegel, in Sherrie Levi- ck of Hal Ashby’s ‘Coming Home’”,
ne (cat.), Jeanne Siegel e David 52. Indie Outlook, 7 Maio 2019, https://
47. Deitcher (ed.). Zurique: Kunsthalle indie-outlook.com/2019/05/07/
“I Want to Know What Love Is”
Zurich, 1991, p. 16. out-of-time-the-brilliant-soundtrack-
Gernot Böhme, op. cit. alcançou o primeiro lugar da tabela
-of-hal-ashbys-coming-home/
de singles no Reino Unido a 15
50.
48. de Janeiro de 1985, destronando
Hans Richter, “The badly trained “Do They Know It’s Christmas?”
Allison Anders, “Interviews”, in Ce-
Soul” (1924), citado em Experience: dos Band Aid, mantendo-se nessa
lluloid Jukebox: popular music and
Culture, Cognition and the Common posição durante três semanas. A 2
the movies since the 50s, Jonathan
Sense, Caroline A. Jones, David de Fevereiro de 1985, subsituiu o
Romney e Adrian Wootton (ed.).
Mather e Rebecca Ochill (ed.). recordista “Like a Virgin”, de Madon-
Londres: British Film Institute, 1995,
Cambridge, Mass.: MIT Press, na, no topo da tabela Billboard Hot
p. 119.
2016, p. 42. 100. Onofre também já usou esta
canção de Madonna na sua obra.

definições tradicionais da teatralidade. Encenaram a teatralidade Enquanto os planos contínuos de Onofre realçam
como algo manifestamente exterior às convenções da retórica, «a impressão de realidade»,46 estes são complementados pelos
enunciação e dramaturgia».42 «espaços afinados»47 ou atmosferas auditivas produzidas pelas
O artista e encenador seminal Tadeusz Kantor ficou suas bandas sonoras, as quais apresentam a manipulação de ver-
famoso pelo seu sistema de teatro que desencorajava a repre- sões pop que têm um profundo impacto mnemónico sobre o
sentação, em que os actores eram obrigados a debater-se com público, dado que «a música popular é a única referência cul-
coisas que ultrapassavam as questões interpretativas; as suas téc- tural que ainda temos em comum.»48 No campo da música, a
nicas eram apropriadas em vez de aplicadas em conformidade, e repetição consegue aceder a uma rede de memória amplificada
estes eram utilizados como demonstradores que estavam apenas pela ubiquidade das canções:
a fazer o seu trabalho, defendendo que «o “comportamento” do «Quando se tem uma experiência visceral, esta per-
actor deve “paralisar” a realidade do texto, ser-lhe justaposto».43 faz um conhecimento mais profundo do que quando temos o
Um exemplo indirecto desta luta é sugerido em conhecimento cerebral da coisa.»49
Thomas Dekker an interview (2006), em que Onofre examina mi- A presença de uma emoção sentida profundamente
nuciosamente a relação entre a vida e a ficção. O antigo actor está no centro das peças de Onofre, especialmente se conside-
infantil é entrevistado na pele do personagem extra-terrestre rarmos que «o sentimento é um processo tão precisamente or-
que desempenhou no filme de John Carpenter A Cidade dos ganizado e mecanicamente exacto como o pensamento». 50
Malditos (1998) – no qual é o único sobrevivente –, mas as res- O cineasta pioneiro Hans Richter escreve que «o filme não
postas são dadas pelo actor Dekker, cuja vida sempre revolveu oferece ”pontos de paragem” […] dado que a sensação e o sen-
em torno dos filmes. As entrevistas a actores de cinema devem timento […] são […] um processo-movimento».51
transmitir alguma informação, mesmo que forçada, sobre a vida O plano contínuo é uma técnica clássica utilizada
do actor. No entanto, a identidade de Dekker permanece estra- no cinema – desde O Nascimento de uma Nação (1915), de
nhamente fundida com a do personagem, impedindo-o de fazer D. W. Griffith, e A Sede do Mal (1958), de Orson Welles, a A Arca
a distinção entre a arte e a vida. Russa (2002), de Alexander Sokurov – para envolver os es-
Se a sua encarnação do personagem leva o actor a pectadores no ambiente total dos seus filmes. A continuidade
deslizar sem esforço entre realidades, a incapacidade de sentir realça a natureza hermética de um ecossistema fechado, au-
empatia com um personagem perturba o faz-de-conta da ficção. mentando a coerência de uma ficção para que coincida com
O esforço da actuação é palpável em Casting (2000), que mostra o espaço do próprio público.
uma longa fila de modelos que são convidados a dizer uma úni- A panorâmica circular é uma característica recor-
ca frase, carregada de dilemas existenciais, originalmente profe- rente na obra de Onofre, e especialmente eficaz em Untitled
rida por Ingrid Bergman em Stromboli.44 As suas tentativas sérias (Zoetrope) (2018-2019), uma vez que cria uma correspondência
e repetidas são minadas pela sua falta de técnica de representa- entre o olhar do espectador e a objectiva da câmara, que circu-
ção e pelo seu fraco domínio da língua italiana, o que resulta la o palco elíptico chiaroscuro povoado por um coro de gospel
numa afectada declamação kantoresca, desprovida de emoção e vestido de prateado, uma banda rock e um grupo de jogadores
empatia, o que, por sua vez, revela o mecanismo de um jogo que de râguebi. O filme, que dura 2 horas e 22 minutos, é acompa-
se desenrola ad infinitum. nhado pelo grande êxito dos Foreigner “I Want to Know What
«Os jogadores que apanham a bola andam sonâm- Love Is”52 (1985), que funciona como banda sonora contínua
bulos, e os do meio do campo habitam o seu sonho. […] Uma para a peça, ao mesmo tempo que fornece deixas e instruções
faixa, um quadrado, uma oval, um círculo, uma corda, um limite, aos intérpretes. A banda toca e, de tempos a tempos, é acom-
uma borda, um campo. Estas formas e feitios, aceites de acordo panhada pelo coro, o qual é esporadicamente interpolado pela
comum mas sem qualquer outro sentido, delineiam o campo no entoação do refrão por parte de elementos da equipa de râguebi,
qual eles se encontram e olham fixamente.»45 que são placados antes de terminarem a frase.
O romancista David Price descreve a latitude dada «A música tem um papel fundamental […] para es-
aos jogadores num campo de jogos, mas estes comportam-se tabelecer um sentido de época, enquanto ecoa frequentemente
como num sonho, as suas acções sustentadas apenas pela memó- sob a superfície de uma dada cena, complementando a acção
ria processual da repetição. como um coro grego.»53

205
54. 56.

Lauren Anderson, citada em Vasko Popa, “The Shadow Maker”,


Pauline Reay, Music in Film: in Selected Poems, Anne Pennin-
Soundtrack and Synergy. Nova gton (trad.) e Ted Hughes (introd.).
Iorque: Wallflower Press, 2004, Londres: Penguin, 1969, p. 122.
p. 68.

55.

Lauren Anderson, ibid., p. 73.

A música ocidental é geralmente linear e finita, en-


quanto a música tradicional do gamelão é altamente repetitiva
e ininterrupta, realçando uma forma cíclica. Onofre introduz
esta presença musical sustentada na banda sonora ao estender
uma breve secção de uma única balada pop a toda a sua duração,
criando um fluxo e refluxo sonoro.
«Mesmo quando se escuta apenas um breve trecho
de uma canção popular num filme, este alude automaticamente
à presença do resto da canção enquanto entidade separada que
existe fora da banda sonora»,54 [e dá] «voz aos sentimentos e ati-
tudes que o visual não explicita […] como alusionismo musical
a falar em nome dos personagens.»55
As emoções dos protagonistas ao longo da obra
fílmica do artista nunca são totalmente libertadas, pois as cir-
cunstâncias para o fazer não o permitem. Ao invés, estas são
reprimidas pelo esforço de actuar em face de probabilidades
impossíveis num mundo em que aparentemente tudo joga con-
tra os seus esforços. Os seus sentimentos são profundos, mas
simplesmente expressos: eles perguntam “o que é o amor” (what
love is), “veem uma escuridão” (see a darkness) e desesperam com
“a noite sem fim” (the night without end). Onofre compõe negros
tapetes sonoros que ecoam sentimento sem nunca caírem no
sentimentalismo. O artista conhece a diferença entre uma coisa
e a sua sombra.

At the zenith you cut the shadows back


To their proper size
You teach them to bow to you
And as they bow they disappear56

206
207
JOÃO ONOFRE nasceu em Lisboa em 1976, onde vive e trabalha.

Estudou na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, tendo concluído o Master of


Fine Arts no Goldsmiths, University of London no Reino Unido em 1999 e o
Doutoramento em Arte Contemporânea no Colégio das Artes da Universidade
de Coimbra em 2018.

www.joaoonofre.com
208
Exposições individuais 2014 2007
Tacet. Marlborough Cristina Guerra
Contemporary, Londres, Contemporary Art, Lisboa.
Inglaterra, RU. (Cat.).
Galleria Franco Noero,
Turim, Itália.
2013 Galeria Toni Tàpies,
Neuer Kunstverein Wien, Barcelona, Espanha.
Viena, Áustria.
Teatro Thalia, Lisboa.
2006
Curadoria: Delfim Sardo. I-20 Gallery, Nova Iorque,
Solar Galeria de Arte E.U.A.
Cinemática, Vila do Conde.
3 Oeuvres de João Onofre, 2005
Chantiers d’Europe Lisbonne Galeria Toni Tàpies,
Paris. Théâtre de la Ville, Barcelona, Espanha.
2019
Paris, França. Curadoria:
José-Manuel Gonçalves. Roma Roma Roma Gallery,
João Onofre Once in Roma, Itália.
a Lifetime [REPEAT].
Culturgest, Lisboa.
2012
Curadoria: Delfim Sardo. 2004
(Cat.) MNAC — Museu Nacional
de Arte Contemporânea do Magazine 4, Bregenz,
Áustria. (Cat.). Curadoria:
Chiado, Lisboa. Curadoria:
Gerald Matt e Wolfang Fetz.
2017 Helena Barranha.
Untitled (orchestral). Sala Making of. Cristina Guerra
Cristina Guerra
das Caldeiras, MAAT — Contemporary Art, Lisboa.
Contemporary Art, Lisboa.
Museu de Arte, Arquitetura
e Tecnologia, Lisboa.
Curadoria: Benjamin Weil. 2003
2011
Nothing will go wrong.
Palais de Tokyo, Paris, CGAC — Centro Galego
2016 França. Curadoria: de Arte Contemporánea,
Appleton Square, Lisboa. Marc-Olivier Wahler. Santiago de Compostela,
Curadoria: Ana Cristina Espanha. Curadoria:
Galeria Toni Tàpies,
Cachola. Pedro Lapa. (Cat.).
Barcelona, Espanha.
Nothing will go wrong.
Galleria Franco Noero, MNAC — Museu Nacional
2015 Turim, Itália. de Arte Contemporânea do
Kunstpavillion, Munique, Chiado, Lisboa. Curadoria:
Alemanha. Fundació Joan Miró,
Barcelona, Espanha. Pedro Lapa. (Cat.).
HANGAR – Artistic Curadoria: TRES. Kunsthalle Wien, Project
Research Center, Lisboa. Space Karlsplatz, Viena,
Curadoria: Bruno Leitão. Áustria. Curadoria:
João Onofre, Ciclo Coleção 2010 Gerald Matt.
António Cachola. Chiado Lighten Up. CAV — Centro La Caja Negra. CAAM —
8 — Espaço Fidelidade Arte de Artes Visuais, Coimbra. Centro Atlántico de Arte
Contemporânea, Lisboa. Curadoria: Marc-Olivier Moderno, Las Palmas de
Curadoria: Delfim Sardo. Wahler. (Cat.). Gran Canaria, Espanha.

209
2002 Exposições No habrá nunca una puerta.
MoMA PS1, Nova Iorque, coletivas (seleção) Estás adentro: Obras
E.U.A. Curadoria: de la Coleção Teixeira
Alanna Heiss. de Freitas. Fundación
Galeria Toni Tàpies, Banco Santander, Madrid,
Barcelona, Espanha. (Cat.). Espanha. Curadoria: Luiza
Teixeira de Freitas.
Ileana Tounta Gallery,
Atenas, Grécia. Run. In Spite Of, Porto.
Curadoria: Ana Cristina
Programa Art Center, Cachola.
Cidade do México, México.
El Desig de Creure. Arts
Herzliya Museum of Art, Santa Mónica, Barcelona,
Telavive, Israel. Curadoria: Espanha. Curadoria:
Dalia Levin. (Cat.). Cèlia del Diego. (Cat.).
2020
Projecto Slow Motion. Miradas al Arte: Arte
Fundação Calouste en Serie, Centro Botín,
Gulbenkian, Lisboa; Santander, Espanha.
2018
ESTGAD, Caldas da Intersticial: diálogos
Curadoria: Benjamin Weil.
Rainha. Curadoria: Miguel no Espaço entre
Wandschneider. Festa. Fúria. Femina. Acontecimentos I.
Central Tejo – MAAT, Centro de Arte Oliva, São
Museu de Arte Arquitectura João da Madeira. Curadoria:
2001 e Tecnologia, Lisboa. Miguel von Hafe Pérez.
I-20 Gallery, Nova Iorque, Curadoria: Sandra Vieira (Cat.).
E.U.A. (Cat.). Jürgens e António Pinto
A Guerra como Modo de
Ribeiro. (Cat.).
Ver. MACE – Museu de Arte
Red Light: Sexualidade e Contemporânea de Elvas,
representação na Coleção Elvas. Curadoria:
Norlinda e José Lima. Ana Cristina Cachola.
Centro de Arte Oliva, São
OVNi Festival. Forum
João da Madeira.
d’Urbanisme et
Curadoria: Sandra Vieira
d’Architecture, Nice, France.
Jürgens. (Cat.).
Curadoria: Yves Nacher.
Good Vibrations. Cristina
Zéro de Conduite: Obras
Guerra Contemporary Art,
da Coleção de Serralves.
Lisboa.
MACS – Museu de Arte
Performing PAC. Made of Contemporânea de
Sound, PAC — Padiglione Serralves, Porto.
d’Arte Contemporanea, Curadoria: João Ribas
Milão, Itália. e Ricardo Nicolau. (Cat.).
You’ve eaten Roses,
now you’ll drink the Moon!
2019
Fórum Arte Braga, Braga.
Constelações: uma
Curadoria: Nicolas de
coreografia de gestos
Oliveira e Nicola Oxley.
mínimos. Museu Coleção
Berardo, Lisboa. Curadoria: El Desig de Creure. Centre
Ana Rito e Hugo Barata. d’Art lo Pati, Tarragona;

210
Centre d’Art Maristany, Uma Coleção = Um Museu, Curadoria: Miguel von
Barcelona, Espanha. 2007-2017, Obras da Hafe Pérez.
Curadoria: Cèlia del Diego. Coleção António Cachola.
Vanguardas e
(Cat.). Elvas. Curadoria: João
Neovanguardas na Arte
Silvério.
Visceral Monuments. Hub Potuguesa Séculos XX
Criativo do Beato, Lisboa. Them or Us! A project on e XXI. MNAC – Museu
Curadoria: John Romão. scientific, social and political Nacional de Arte
fiction. Galeria Municipal do Contemporânea do Chiado,
ESCALA 1:1. 21 Artistas Porto, Jardins do Palácio Lisboa. Curadoria: Rui
Contemporáneos Portugue- de Cristal, Porto. Curadoria: Afonso Santos.
ses / Una Reflexión sobre la Paulo Mendes. (Cat.).
Escala en la Arquitectura y
la Obra de Arte. Tabacalera
2015
La Principal, Madrid, Espa- 2016 Views on Mainz – 111
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El paisaje reconfigurado. Arquivo e observação. Vila Alemanha. Curadoria:
Centro Botín, Santander, Franca de Xira: Câmara
Thomas D. Trummer.
Espanha. Curadoria: Municipal. Curadoria:
David Santos. Rituels, répétitions,
Benjamin Weil. (Cat.).
contraintes, tentations.
DRIFT. Miradas I See a Darkness.
Musée Régional d’Art
cruzadas entre diseño Fondazione Sandretto Re
Contemporain Languedoc-
y arte contemporâneo. Rebaudengo, Turim, Itália.
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MAC – Museo de Arte Curadoria: Irene Calderoni.
França. Curadoria: Joana
Contemporáneo, La El peso de un gesto. Caixa Neves. (Cat.).
Coruña, Espanha. Forum Barcelona; Caixa
Of Other Places –
Curadoria: David Barro. (Cat.). Forum Madrid, Espanha.
A Series of film screenings.
Curadoria: Julião Sarmento.
State of Concept, Atenas,
2017 (Cat.).
Grécia. Curadoria: Myrto
El Desig de Creure. MAC –
Traces, International Video Katsimicha.
Mataró Art Contemporani,
Collection of Isabelle and
Mataró; Centre D’Art Punk. Its Traces in
Jean-Conrad Lemaitre.
la Panera, Lléida; Sala Contemporary Art. CA2M
Minsheng Art Museum,
Muncunill, La Terrassa, – Centro de Arte Dos de
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Espanha. Curadoria: Célia Mayo, Madrid, Espanha.
Del Diego. (Cat.). P. – Uma homenagem a Curadoria: David G. Torres.
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de Arte Contemporânea General Indisposicion.
Curadoria: Miguel von Hafe
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Pérez. (Cat.).
Curadoria: Delfim Sardo. Fabra i Coats: Centre
(Cat.). Punk. Its Traces in Contem- d’Art Contemporani de
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go de vídeos das coleções
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Maria & Armando Cabral
Espanha. Curadoria: David
e Cal Cego. Arquipélago Everywhere is the same sky:
G. Torres. (Cat.).
– Centro de Artes Contem- uma perspetiva de paisa-
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Açores. Curadoria: Carolina Cristina Guerra e José Lima. Centro de
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211
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Guerra. (Cat.). Gherkin Plaza, Londres, – Warwick Arts Center,
Inglaterra, RU. Curadoria: Coventry, Inglaterra, RU.
Pontos Colaterais – Coleção
Stella Ioannou. Curadoria: Fiona Venables.
Arte Contemporânea Arqui-
(Cat.).
pélago, uma seleção. Ar- One step ahead moving
quipélago – Centro de Artes backwards. KM Temporaer, Benzine. Le Energie Della
Contemporâneas, Ribeira LEAP, Berlim, Alemanha. Tua Mente. La Triennale
Grande, Açores. Curadoria: Curadoria: Elisa R. Linn e di Milano, Milão; Opficio
João Silvério. (Cat.). Lennart Wolff. Golinelli, Bolonha, Itália.
Cruce de Colecciones. Curadoria: Cristiana
Tão alto quanto os olhos Perrella. (Cat.).
CAAM – Centro Atlántico de alcançam. Fundação
Arte Moderno, Las Palmas Eugénio de Almeida, Évora. Itinerarios. XIX Becas de
de Gran Canaria, Espanha. Curadoria: Delfim Sardo. Artes Plásticas. Fundación
Curadoria: Omar-Pascual (Cat.). Botín, Santander, Espanha.
Castillo. (Cat.). (Cat.).
Resonance(s). Maison
PICTURES and CREAM, Particulière Art Center, The Age of Divinity.
The confidential report of Plataforma Revólver, Lisboa.
Bruxelas, Bélgica.
the life and opinions of Curadoria: Hugo Barata.
Curadoria: Josep Maria
Tristram Shandy & friends, (Cat.)
Civit, Gauthier Hubert e
Volume 1. Cristina Guerra
Claire Giraud-Labalte. Deep Feelings. From
Contemporary Art, Lisboa.
antiquity to now. Krems
Curadoria: Paulo Mendes. Video: Action, Language,
Kunsthalle, Krems,
A Window in Berlin. Berlim,
Um horizonte de proximida- Áustria. Curadoria: Sylvia
Alemanha. Curadoria:
des: Uma topologia a partir Ferino-Pagden, Brigitte
Ángela Molina.
da Colecção António Ca- Borchhardt-Birbaumer, Irene
chola. Arquipélago – Centro The Embodied Vision, Calderoni e Hans-Peter
de Artes Contemporâneas, Performance for the Wipplinger.
Ribeira Grande, Açores. Camera. MNAC –
Workplace: Six films
Curadoria: Sérgio Mah. Museu Nacional de Arte
about life in the modern
(Cat.). Contemporânea do Chiado,
workplace. Harris Museum
Lisboa. Curadoria: Ana Rito
Punk. Its Traces in & Art Gallery, Preston,
e Jacinto Lageira.
Contemporary Art. ARTIUM Inglaterra, RU. Curadoria:
– Centro-Museo Vasco On Drawing II. Cristina Fiona Venables. (Cat.).
de Arte Contemporáneo, Guerra Contemporary Art,
Sincronia: Artistas
Vitoria-Gasteiz, Espanha. Lisboa. Curadoria: Bruno
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Curadoria: David G. Torres. Marchand.
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Fundação EDP – Museu Contemporânea de Elvas, Espanha. Curadoria:
da Electricidade, Lisboa. Elvas. Curadoria: Isabel António Franco.
Curadoria: Delfim Sardo. Pinto e Patrícia Machado.
Postscript: Writing After
(Cat.). Marulhar – Artistas Portu- Conceptual Art. The
After Bretton. De gueses Contemporâneos. Power Plant, Toronto,
Netherlandsche Bank, Oi Futuro Flamengo, Rio de Canadá. Curadoria: Nora
Amsterdão, Países Baixos. Janeiro, Brasil. Curadoria: Burnett Abrams e Andrea
Curadoria: Cristina Lucas. Delfim Sardo. (Cat.). Andersson.

212
Sob o Signo de Amadeo – Espanha. Curadoria: No place like – 4 houses
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– Centro de Arte Moderna, Coimbra; Espaço BES,
Wide open school.
Fundação Calouste Lisboa e Palácio das Artes,
Hayward Gallery, Londres,
Gulbenkian, Lisboa. Porto. Curadoria: Delfim
Inglaterra, RU. Curadoria:
Curadoria: Isabel Carlos, Sardo. (Cat.).
Ralph Rugoff. (Cat.).
Ana Vasconcelos, Leonor
Theatre of Life. Center The Half-Shut Door: Artist’s
Nazaré, Patrícia Rosas e
of Contemporary Art Znaki Soundtracks. SE8, Londres,
Rita Fabiana.
Czasu-CoCA, Turon, Inglaterra, RU. Curadoria:
More than I dare to think Polónia. Curadoria: Nicci Oxley e Nicolas de
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L’evento Immobile 2012. The Last First Decade.
Londres, Inglaterra, RU.
Casa Masaccio Centro Ellipse Foundation, Estoril.
Curadoria: Andrew Renton.
per l’Arte Contemporanea, Curadoria: Alexandre Melo
Habitar(s). Galeria da San Giovanni Valdarno, e Ivo André Braz.
Biblioteca Almeida Garrett, Itália. Curadoria: Cristiana Stereo. Centro de Memória,
Porto. Curadoria: Suzanne Collu, Saretto Cincinelli Vila do Conde.
Cotter, João Silvério e e Alessandro Sarri.
Isabel Sousa Braga. (Cat.). All to Wall. Cristina Guerra
Acció! Galeria Toni Tàpies, Contemporary Art, Lisboa.
Barcelona, Espanha. Curadoria: João Silvério.
2012 O Assalto ao Castelo. Paço Festival SOS 4.8. City
Watch That Sound. dos Duques, Guimarães – Center, Múrcia, Espanha.
Netwerk / Centrum Voor Capital Europeia da Cultura,
Curadoria: David Barro.
Hedendaagse Kunst, Aalst, Guimarães. Curadoria:
Bélgica. Curadoria: Hans Paulo Cunha e Silva. (Cat.). Labirintos – Obras da Co-
Bocxstael. lecção do CAM. Funda-
A man is walking down the
ção Calouste Gulbenkian,
Radar. Loughborough street. At a certain moment,
Lisboa. Curadoria: Leonor
Univeristy Arts, he tries to recall something,
Nazaré. (Cat.).
Leicestershire, Inglaterra, RU. but the recollection escapes
him. Automatically, he slows Super 8. Christopher
2012 Odisseia Kubrick. Grimes Gallery, Santa
down. Cristina Guerra
Solar, Vila do Conde. Mónica, CA, E.U.A.
Contemporary Art, Lisboa.
Moral Holiday. Northern Curadoria: Luiza Teixeira Curadoria: Julião Sarmento.
Gallery for Contemporary de Freitas e Thom O’Nions. Là où se fait notre histoire.
Art, Sunderland, Inglaterra, FRAC Corsica, Córsega,
RU. Curadoria: Alistair França. Curadoria: Anne
Robinson. 2011
Alessandri. (Cat.).
Videosphere: A New
Postscript: Writing After Generation. Albright-Knox
Conceptual Art. MCA Denver Art Gallery, Buffalo, NY,
– Museum of Contemporary 2010
E.U.A. Curadoria: Holly E.
Art, Denver, CO, E.U.A. Representação
Hughes.
Curadoria: Nora Burnett Portuguesa na 12ª
Observers. CCB – Centro Exposição Internacional de
Abrams e Andrea Andersson.
Cultural Belém, Lisboa. Arquitectura da La Biennale
This is not an art show, Curadoria: Jean-François di Venezia – No place like….
either. Fabra i Coats – Cen- Chougnet, Ana Rito Università Ca’Foscari,
tre de Arte Contemporáneo e Hugo Barata. Veneza, Itália. Curadoria:
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213
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MACRO – Museo di Arte Lisboa. Curadoria: Leonor Curadoria: Paul Willemsen
Contemporanea di Roma, Nazaré. e Thomas Trummer. (Cat.).
Roma, Itália. Curadoria: A Culpa não é minha – Evento 2009 – Collective
Francesco Bonami. (Cat.). Colecção António Cachola. Intimacy. Vários locais
Freeze. Nils Staerk Gallery, CCB – Museu Berardo, públicos, Bordéus, França.
Copenhaga, Dinamarca. Lisboa. Curadoria: Jean- Curadoria: Didier Fiuza
Curadoria: Caroline Bøge. François Chougnet. Faustino. (Cat.).
Box sized DIE featuring Da Outra Margem do Not for Sale. Galeria Toni
Vidres a la Sang. Plaça Atlântico. Centro de Arte Tàpies, Barcelona, Espanha.
dels Àngels, Barcelona, Hélio Oiticica, Rio de
Janeiro, Brasil. Curadoria: Exposição *04. Espaço BES
Espanha.
Paulo Reis. Arte & Finança, Lisboa.
A Roll of the dice. Cristina
Arrivals and Departures, Presque Rien III. Laure
Guerra Contemporary Art,
Europe. Mole Vanvitelliana, Genillard Gallery, Londres,
Lisboa. Curadoria: David
Ancona, Itália. Curadoria: Inglaterra, RU.
Barro.
Andrea Bruciati e Walter
Estancias, Residencias, Gasperoni. (Cat.).
Presencias. Una 2008
construcción particular. Baghdad / Space Cog /
TEA Tenerife Espacio de 2009 Analyst. Frith Street Gallery,
las Artes, Santa Cruz Look at me – Faces and Londres, Inglaterra, RU.
de Tenerife, Canárias, Gazes in Art 1969-2009. Curadoria: Andrew Renton.
Espanha. Museo Cantonale d’Arte, Trust in Me. Charles H. Scott
Muito Obrigado – Artistas Lugano, Suiça. Curadoria: Gallery, Vancouver, Canadá.
Portugueses en la Coleción Bettina Della Casa. (Cat.).
Curadoria: Cate Rimmer.
de la Fundación Coca- Desiring Necessities.
Collection Videos & Films
Cola. DA2-Domus ARTIUM, John Hansard Gallery,
Isabelle and Jean-Conrad
Salamanca, Espanha. Southampton, Inglaterra,
Lemaitre. Kunsthalle Kiel,
Video XXI. Colección RU. Curadoria: Ilaria Giani.
Kiel, Alemanha. (Cat.).
Lemaître. Centro Fundación (Cat.).
Telefónica – Museo de Arte Todas as Histórias.
La Mesure du Désordre.
de Lima, Lima, Peru. MACS – Museu de Arte
Le Parvis Centre d’Art
Contemporânea de
Um percurso, dois sentidos. Contemporain, Ibos,
Serralves, Porto.
Colecção do MNAC-MC, da França. Curadoria:
actualidade a 1850. MNAC Sébastien Faucon. (Cat.). Listen Darling…The World
– Museu Nacional de Arte Homenagem e is Yours. Ellipse Foundation,
Contemporânea do Chiado, esquecimento: de Almada Estoril. Curadoria: Lisa
Lisboa. Curadoria: Helena Negreiros a Alexandre Phillips. (Cat.).
Barranha. Estrela: obras da Colecção Parangolé – Fragmentos
Jogos de Espelhos – do CAM da Fundação desde os 90: Brasil,
Coleção António Cachola. Calouste Gulbenkian. Portugal, Espanha.
MACE – Museu de Arte Fundação Eugénio de Museu Patio Herreriano
Contemporânea de Elvas, Almeida, Évora. Curadoria: de Valladolid, Valladolid,
Elvas. Curadoria: João Leonor Nazaré. (Cat.). Espanha. Curadoria: David
Pinharanda. Barro e Paulo Reis. (Cat.).

214
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University Art Gallery, Josep Mª Civit. Represen-
ATTITUDE! Iconoscope,
University of California, San taciones de la tragedia y la
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Diego, CA, E.U.A. Curadoria: banalidad contemporánea.
Curadoria: David G.Torres.
Stephen Hepworth. CDAN – Centro de Arte y
Blind Date – Le Naturaleza, Huesca,
Art Unlimited, ART Basel
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38. Basel, Suiça. Curadoria:
Magazzino d’Arte Moderna, Menene Gras Balaguer.
Simon Lamunière. (Cat.).
Roma, Itália. Curadoria:
Mariuccia Casadio. Portugal Agora – À propos
Mondo e Terra. La
des lieux d’origine. Mudam
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Corsica. MAN – Museo Studio Museum Harlem, Moderne Grand-Duc Jean,
d’Arte Provincia di Nuoro, Nova Iorque, NY, E.U.A. Luxemburgo, Luxemburgo.
Sardenha, Itália. Curadoria: Curadoria: Christine Y. Kim. Curadoria: Clément
Anne Alessandri. Minighetti, Marie-Claude
Vive la mort: Marc & Josée
Mão dupla. Movimento/ Beaud e Björn Dahlström.
Gensollen. Fundació Suñol,
Identidade. Sesc Pinheiros, (Cat.).
Barcelona, Espanha.
São Paulo, Brasil. Come come come into my
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Curadoria: Sarah Zürcher. world. Ellipse Foundation,
1965-2005. New Media
Estoril. Curadoria: Andrew
Collection, Centre Pompidou.
Renton. (Cat.).
ACMI – Australian Centre
2007
for the Moving Image,
Repetition. VideoZone-4 –
Melbourne; MCA – Museum
The International Video Art 2006
of Contemporary Art
Biennal. CCA – Center for The Youth of Today.
Australia, Sidney, Austrália.
Contemporary Art, Telavive, Schirn Kunsthalle, Frankfurt,
Curadoria: Christine Van
Israel. Curadoria: Boaz Arad. Alemanha. Curadoria:
Assche. (Cat.).
Matthias Ulrich. (Cat.).
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Existencias. MUSAC
tomorrow / Köln Show2. Mise en échec. CIRCA,
– Museo de Arte
European Kunsthalle. Spruth Montréal, Canadá.
Contemporáneo de Castilla
Magers Gallery, Colónia, Curadoria: Natasha Herbert.
y León, Leão, Espanha.
Alemanha. Curadoria:
Curadoria: Augustín Pérez Work in progress. DAC
Nicolaus Schafhausen
Rubio. (Cat.). – Dumbo Arts Center,
e Florian Waldvogel.
Brooklyn, NY, E.U.A.
Bird Watching. Teylers
The Exposed Animal. Kiss Curadoria: Jessica Hough.
Museum, Haarlem,
Museum, Untergröningen,
Países Baixos. Une vision du monde:
Alemanha. Curadoria:
Selected works from the
Otto Rothfuss e Margarete
Residents, 2003-2007. video art of Isabelle and
Rebmann. (Cat.).
Espace EDF Electra, Paris, Jean-Conrad Lemaître.
Escucha con tus ojos. França. Curadoria: Nathalie La Maison Rouge Fondation
Fundación La Caixa, Viot. (Cat.). Antoine de Galbert, Paris,
Barcelona, Espanha. França. Curadoria: Christine
50 Anos de Arte
Curadoria: Nimfa Bisbe. Van Assche.
Portuguesa. Fundação
Où? Scènes du Sud: Calouste Gulbenkian, Video, An Art, A History
Espagne, Italie, Portugal. Lisboa. Curadoria: Raquel 1965-2005 New Media
Carré d’Art – Musée Henriques da Silva, Ana Collection. Centre

215
Pompidou. Taipei Fine Art Héros à jamais. Dirty Boulevard. Fort
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Curadoria: Christine Van Contemporary Art of Biel, d’Art Contemporaine,
Assche. (Cat.). Bienna, Suiça. Curadoria: Francheville, Lyon, França.
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On leaving and Arriving.
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Curadoria: Victoria Combalía
Curadoria: David Barro.
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(Cat.).
Encapsulated in life
Em Fractura. Hangar K7
Open House. Ellipse (Pittsburgh International
Fundição de Oeiras, Oeiras.
Foundation Art Centre, Festival of Firsts). Wood
Curadoria: Paulo Mendes.
Estoril. (Cat.). Street Galleries, Pittsburgh,
(Cat.).
PA, E.U.A. Curadoria: Jan
Stopover. Fri-Art Centre
Lágrimas. Mosteiro de Schuijren. (Cat.).
d’Art Contemporain,
Alcobaça, Alcobaça.
Friburgo, Suíça. Curadoria Ne me touche pas. Villa
Curadoria: Paulo Reis.
Sarah Zürcher. (Cat.). Vauban – Galerie d’Art de
(Cat.).
la Ville de Luxembourg,
Neo-Con. Contemporary
Camera Fissa. Franco Luxemburgo, Luxemburgo.
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Art. Apex Art, Nova
Portugal, Outras Roussel. (Cat.).
Iorque, NY, E.U.A.; British
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Itália. Curadoria: Cristiana Arte Alameda, Cidade do Collections privées
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Atenas, Grécia. Curadoria:
Andrea Gilbert. (Cat.).
2003
2005
Plunder – Culture as
Tiempos de Video 1965
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– 2005: The New Media 2004
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Collection of the Centre Arte Portugués y Español
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Pompidou. CaixaForum, de los anos 90. CAAM –
Curadoria: Katrina Brown.
Barcelona, Espanha. Centro Atlántico de Arte
Curadoria: Christine Van Moderno, Las Palmas de Gesellschaftsbilder / Images
Assche. (Cat.). Gran Canaria, Espanha. for society. Kunstmuseum
Curadoria: Ninfa Bisbe e Thun, Tune, Suíça. Curadoria:
Portugal Novo – Artistas de
João Fernandes. (Cat.). Madeleine Schuppli. (Cat.).
hoje e amanhã. Pinacoteca
do Estado de São Paulo, Animals. Haunch of Venison Just Stand There! MIT
São Paulo, Brasil. Curadoria: Gallery, Londres, Inglaterra, List Visual Arts Center,
Alexandre Melo. (Cat.). RU. Curadoria: Christiane Cambridge, MA, E.U.A.
Schneider. (Cat.). Curadoria: Bill Arnig.

216
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Gallery, Londres, Inglaterra, Reina Sofia, Madrid, Harald Szeemann. (Cat.).
RU. Curadoria: Alexandre Espanha. Curadoria:
Biberstein, Cesár, Onofre,
Polazzon. Berta Sichel. (Cat.).
Sarmento, Sendas,
Art Unlimited, Art Basel 33. Technology + Human Toscano. Cristina Guerra
Basel, Suíça. Curadoria Response. Sun Valley Contemporary Art, Lisboa.
Simon Lamunière. (Cat.). Centre for the Arts,
Milano Europa 2000 –
Paris is burning. Entwistle Ketchum, ID, E.U.A.
Fin-de-Siècle, The Seeds
gallery, Londres, Inglaterra, Curadoria: Jennifer Gateli.
of the Future. Palazzo
RU. Curadoria: Darren Flook.
Video Art Programme de la Triennale de Milano,
Intervallo N.1. Vistamare, (13th Biennale of Sydney), Milão, Itália. Curadoria:
Pescara, Itália. Curadoria: Art Gallery of New South Alexandre Melo. (Cat.).
Alessandro Rabottini. Wales, Sidney, Austrália.
BIDA – Valencia Bienal.
Let’s all get together. Curadoria: Emil Gogh.
Valência, Espanha. Curadoria:
Sociability, leisure and
Art Statements, Art Basel Marta Mouriarty. (Cat.).
other political reasons for
32. Basel, Suíça. (Cat.).
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de Arte Contemporánea VideoZone, 1st International Fundação Calouste
de Vigo, Vigo; ARTIUM Video Art Biennial. Telavive, Gulbenkian, Lisboa. (Cat.)
Centro-Museo Vasco de Israel. Curadoria: Sergio
Arte Contemporáneo, New Releases. 4A Centre
Edelsztein. (Cat.).
Victoria-Gasteiz, Espanha. for Contemporary Asian Art,
Curadoria: Javier Gonzalez Sidney, Austrália. Curadoria:
de Durana e Daniel Eguskiza. Emil Gogh. (Cat.).
2001
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Museum of Contemporary do Campo Alegre, Porto. Nijmegen, Países Baixos.
Art, Chicago, IL, E.U.A. Curadoria: Pedro Lapa. (Cat.). Curadoria: Siebren de Haan.
Curadoria: Staci Boris
Wattage and Friendship. Disseminações. Culturgest,
e Dominic Molon.
Mullerdechiara Gallery, Lisboa. Curadoria:
Outras alternativas: novas Berlim, Alemanha. Pedro Lapa. (Cat.).
experiencias visuais en Curadoria: David Hunt. (Cat.).
Portugal. MARCO – Museo
de Arte Contemporánea Situation 0: Recent
2000
de Vigo, Vigo, Espanha. Portuguese Art. YBCA –
Performing Bodies. Tate
Curadoria: David Barro. Yerba Buena Center for
Modern, Londres, Inglaterra,
(Cat.). the Arts, São Francisco,
RU. Curadoria: Helena
CA, E.U.A. Curadoria:
Baker, Iwona Blazwick,
René de Guzman.
Sophie McKinlay e Adrian
2002
Antarctica. Entwistle Gallery. George. (Cat.).
Fair Play: De Nouvelles Londres, Inglaterra, RU.
Règles du Jeu. Fondation The Mnemosyne Project.
Curadoria: Darren Flook.
d’Art Contemporain Daniel CAPC – Círculo de Artes
& Florence Guerlain, Île. My Generation. Atlantis Plásticas de Coimbra,
de.France, França. Curadoria: Gallery, Londres, Inglaterra, Coimbra. Curadoria: Delfim
Jean Marc Prévost. (Cat.). RU. Curadoria: Mark Nash Sardo. (Cat.).
e Alexandre Pollazzon.
Human Interest. Philadelphia Full Serve. Rove – West
Museum of Art, Filadélfia, La Biennale di Venezia, 49th 27th Street, Nova Iorque,
PA, E.U.A. Curadoria: International Exhibition of NY, E.U.A. Curadoria:
Susan Rosenberg. Art – Plateau of Humankind. Kenny Schachter.

217
Plano XXI – Portuguese 1998 Coleções
Contemporary Art. Acasos & Materiais. CAPC Institucionais
Intermedia Gallery, Glasgow, – Círculo de Arte Plásticas
Escócia, RU. Curadoria: de Coimbra, Coimbra. Albright-Knox Gallery,
Paulo Mendes. (Cat.). Curadoria: Paulo Mendes. Buffalo, Nova Iorque, E.U.A.
XXVI Bienal de Pontevedra. III Bienal de Arte AIP’98. Centre Georges Pompidou-
Palacio de la cultura y Associação Industrial MNAM/CCI, Paris, França.
Facultad Ciencias Sociales, Portuense, Porto.
Pontevedra, Espanha. Curadoria: Carlos Vidal. Centro de Arte Botín,
Curadoria: Miguel von Haffe (Cat.). Santander, Espanha.
Pérez e Maria Corral. (Cat.). Cnap – Centre National des
Arritmia – As inibições e Arts Plastiques, Ministère
os prolongamentos do de Culture, Paris, França.
Humano. Mercado Ferreira Colecção da Câmara
Borges, Porto. Curadoria: Municipal de Lisboa,
João Sousa Cardoso. (Cat.). Lisboa.
I Hate New York. Rove
Colecção da Câmara
– Shoreditch High St.,
Municipal do Porto, Porto.
Londres, Inglaterra, RU.
Curadoria: Colecção PLMJ, Lisboa.
Kenny Schachter.
Coleção Holma/Ellipse
Sweet & Low. Rove – Foundation, Estoril.
Lispenard St., Nova Iorque,
Fundação Calouste
NY, E.U.A. Curadoria:
Gulbenkian, CAM, Lisboa.
Kenny Schachter.
FLAD-Fundação Luso-
-Americana, Lisboa.
1999
Coleção António Cachola. Fundación La Caixa,
MEIAC – Museo Extremeño Barcelona, Espanha.
e Iberoamericano de Arte Fonds Régional d’art
Contemporáneo, Badajoz, Contemporain Corse,
Espanha. Curadoria: João Córsega, França.
Pinharanda. (Cat.).
Fondazione Sandretto Re
7 Artistas ao 10º Mês. Rebaudengo, Turim, Itália.
Fundação Calouste
Gulbenkian, Lisboa. Fundação Leal Rios, Lisboa.
Curadoria: João Pinharanda. GAM – Galleria Civica
(Cat.). D’Arte Moderna e
1° Bienal de Arte Contenporanea, Turim,
Contemporânea da Maia: Itália.
Identificação de uma MAAT – Museu de Arte,
Cidade. Maia. Curadoria: Arquitectura e Tecnologia,
António Cerveira Pinto. Lisboa.
Chainstore. Trinity Buoy MACE – Museu de Arte
Wharf, Londres, Inglaterra, Contemporânea de Elvas,
RU. Curadoria: Naomi Fox Elvas: Colecção António
e Saki Satom. Cachola, Elvas.

218
MACS – Museu de
Serralves, Porto.
MCA-Museum of
Contemporary Art, Chicago,
Illinois, E.U.A.
MNAC/MC – Museu
Nacional de Arte
Contemporânea – Museu
do Chiado, Lisboa.
Ministério da Cultura
Português, Lisboa.
Mildred Lane Kemper
Art Museum, St. Louis,
Missouri, E.U.A.
MEIAC – Museo Extremeño
e Iberoamericano de Arte
Contemporáneo, Badajoz,
Espanha.
Musac, León, Espanha.
Norton Museum of Art,
Palm Beach, Florida, E.U.A.
The Weltkunst Foundation,
Zurique, Suiça.

219
Este livro é publicado na Livro:
sequência da exposição
Textos
João Onofre: Once in a Lifetime
Delfim Sardo
[REPEAT] Benjamin Weil / João Onofre
na Culturgest, em Lisboa, Jacinto Lageira
entre 16 de fevereiro Nicola Oxley e Nicolas
e 19 de maio 2019 de Oliveira

Box sized DIE featuring Coordenação


Holocausto Canibal Sílvia Gomes
Mário Valente
Performances:
15 de fevereiro Traduções
e 17 de maio 2019 KennisTranslations:
Catarina Horta Salgueiro
(pp. 22-40)
Bernardo Ferro
(pp. 187-194)
Luisa Yokochi
(pp. 198-206)

Desenho gráfico
Exposição: Vera Velez

Curador Fotografia
Delfim Sardo DMF, Lisboa
(pp. 22, 88-89, 96-97,
Direção de produção 110-111, 114-115,
Mário Valente 132-133, 136, 139-143,
145-147, 162-163,
Produção 170-171, 223)
Fernando Teixeira Marco Pires (pp 62-63)
Hugo Santos Silva (Estagiário) Vera Marmelo
(pp 140-141)
Montagem Vasco Vilhena
Joana Batel (pp 188-189)
Michael Bennett
Bruno Cecílio Impressão e acabamento
Jöris Dalle Norprint - a casa do livro
Daniel Fernandes
Laurindo Marta Tiragem
João Nora 350 ex. (versão portuguesa)

Apoio técnico Impresso na EU


Balaclava Noir
© 2020 Fundação Caixa Geral
Apoio de Depósitos – Culturgest
© das obras reproduzidas,
o artista; dos textos e das
imagens, os seus autores

220
Agradecimentos
Cristina Guerra
Contemporary Art
Coleção Toni Tàpies
Fundação Caixa Geral de
Depósitos – Culturgest Paulo Santo
Rua Arco do Cego, 50 Américo Marques
1000-300 Lisboa
José Carlos Santana Pinto
Coleção Teixeira de Freitas
Coleção Holma/Ellipse
Foundation
Apoios
Col.lecció Civit
e aos restantes coleciona-
dores que cederam obras
Fundação Carmona e Costa para a exposição e que
Rua Soeiro Pereira Gomes,
preferiram permanecer
Lote 1- 6.º A e D anónimos.
1600-196 Lisboa Os nossos agradecimentos
especiais à Coleção Maria
& Armando Cabral, pela
importante colaboração na
produção desta exposição,
e a Maria da Graça Carmona
e Costa, sem a qual esta
publicação não teria sido
possível.

ISBN
(versão portuguesa)
978-972-769-124-1

Depósito legal
477156/20

221
Skull 2003, Fax em papel térmico, 30 x 23 cm
reprodução de 2019

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