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Sofia Stein
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
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INTRODUÇÃO
•
Referência do artigo: STEIN, S. I. A. . Identidade em Contextos Modais. In: II Simpósio Internacional
'Principia', 2002, Florianópolis. Linguagem e Filosofia, 2001. v. 2. p. 107-121.
Defender a tese da extensionalidade significa condenar como obscura uma boa parte da
linguagem ordinária, toda aquela parte que trata de intensões. Para justificar a defesa de tal tese,
Quine procura mostrar que é factível ‘eliminar’ idiomas intensionais sem causar prejuízo à
atividade científica, que é a atividade que tem em vista ao procurar ‘libertar’ a linguagem de suas
‘obscuridades’. Para tanto, distingue entre contextos lingüísticos puramente referenciais e
contextos aos quais falta transparência referencial, aos quais ele chama de opacos. Entre os
contextos, ou sentenças, não-transparentes encontramos as citações, as ‘construções de crenças’
(belief constructions) e os contextos modais.
A argumentação de Quine para mostrar a falta de clareza de idiomas intensionais percorre
duas vias. Por um lado, Quine parte ao ataque dos critérios de identidade para objetos
intensionais e conclui ser impraticável a identificação desses objetos, e, portanto, inadmissível a
utilização deles em uma linguagem que pretende ser clara e isenta de paradoxos. Para demonstrar
esse fato, o autor se utiliza da análise da quantificação em contextos opacos. Por outro lado,
Quine insiste na defesa da tese da extensionalidade por considerar mais claros critérios empíricos
de identificação de objetos, que localizam esses espaço-temporalmente, do que outros tipos de
critérios, como o da descrição de propriedades essenciais ou acidentais, cuja aceitação é exigida
de quem, segundo Quine, defende a viabilidade, por exemplo, da lógica modal.
Para Hintikka, a crítica de Quine à crença na capacidade de identificação de intensões
pressupõe um preconceito há muito arraigado entre os filósofos analíticos, o preconceito de que
não é factível ‘sair da linguagem’ para tratar dela. Em oposição a essa visão chamada por ele de
‘universalista’, Hintikka afirma ser possível dar passos para ‘fora’ do discurso. Hintikka defende
que se pode construir ‘modelos semânticos realistas’ que explicam as relações ontológicas entre a
linguagem e seus objetos, sejam esses espaço-temporais ou não. Esse otimismo com relação à
possibilidade de determinação da referência de objetos e dos critérios de verdade de sentenças,
incluindo as que contêm operadores modais, também é compartilhado por Ruth Barcan Marcus e
Dagfinn Follesdal.
2
necessity”, ser essencial esclarecer primeiramente noções lógicas e semânticas, tais como a de
identidade e quantificação e as de designação e significado.
Segundo Quine, um dos princípios fundamentais da identidade é o de “permutabilidade
salva veritate”. Porém, existem exemplos de sentenças significativas nas quais os nomes
considerados idênticos não podem ser substituídos sem que se altere o valor de verdade da
sentença. Nesses casos, segundo o autor, o que ocorre é que o nome não é usado de forma
‘puramente designativa’, isto é, não é usado apenas para ‘designar’ um objeto, mas também é
dada importância à forma do nome em questão.
Um exemplo comum de uso não-designativo de um nome é o de nomes entre aspas.
Nesses casos, o nome entre aspas designa o próprio nome e não um objeto. Da mesma maneira,
em enunciados que contêm atitudes proposicionais, os nomes que estão no contexto da atitude
proposicional não estão sendo usados de forma ‘puramente designativa’. No enunciado, dado
como exemplo por Quine no artigo citado acima,
3
que demonstra, segundo o autor, que nomes nesses contextos não estão em posições puramente
designativas.
Em Meaning and Necessity, de 1947, Rudolf Carnap explica que Quine, assim como
Frege, percebe que, nos contextos não-extensionais, os nomes não referem de forma ordinária.
Porém Quine, diferente de Frege, não afirma que o nome passa a referir uma entidade diversa da
ordinária, e, sim, afirma que, em contextos não-extensionais, o nome não refere, ou melhor, não
designa nenhuma entidade. Apesar de Quine evitar o uso da quantificação em contextos nos quais
ocorrem falhas na aplicação do “princípio de permutabilidade salva veritate”, evitando assim a
chamada por Carnap “antinomia da relação nominal”, a teoria de Quine, segundo Carnap,
restringe de forma indesejável o uso de variáveis quantificadas em contextos intensionais, como
os que estão presentes em sistemas de lógica modal.
Carnap discorda de Quine em relação à impossibilidade de quantificação em contextos
modais, isto é, em relação à impossibilidade de ligar por um quantificador uma variável inserida
em tal contexto. Segundo Carnap, se se considerar que uma expressão tem tanto uma extensão
quanto uma intensão, então não se torna necessário restringir o uso da quantificação em contextos
intensionais, particularmente, em contextos modais. Porém, é importante frisar que, apesar de
Carnap discordar de Quine em relação à possibilidade do uso da quantificação em tais contextos,
Carnap insiste em que é essencial para o desenvolvimento da lógica modal responder às objeções
elaboradas por Quine.
Em cartas de outubro de 1945 e janeiro de 1946, Quine admite, por sua vez, que Carnap,
em seu manuscrito intitulado Extension and Intension, que seria publicado sob o título de
Meaning and Necessity em 1947, desenvolveu um meio convincente de conciliar a lógica modal
com a quantificação. Mesmo assim, Quine vê nessa conciliação algumas sérias desvantagens.
Segundo a interpretação de Quine, as variáveis em uma linguagem modal só têm intensões como
valores, e, portanto, os valores ‘extensionais’ de variáveis desaparecem nesses contextos. Contra
essa interpretação, Carnap argumenta, em Meaning and Necessity, que é errôneo afirmar que,
devido aos valores das variáveis em contextos modais designarem intensões, as extensões
desaparecem do universo da linguagem. Segundo a visão de Carnap, não é possível uma
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expressão, seja ela um nome ou um predicado, possuir apenas uma extensão e não, uma intensão
ou vice-versa.
Carnap defende que, na transição de uma linguagem extensional para uma linguagem
modal, entidades extensionais tais como indivíduos e classes não ‘desaparecem’ simplesmente.1
Tanto em uma linguagem extensional quanto em uma intensional, todo designador (símbolo
individual, predicado ou sentença) tem intensão e extensão. Ao falarmos, em uma linguagem
modal, acerca da intensão de um designador, este mantém a sua extensão.
No artigo “Reference and Modality”, publicado na coletânea From a Logical Point of
View , em 1953, que contém partes do artigo “Notes on existence and necessity” (1943) e partes
do artigo “The problem of interpreting modal logic” (1947), Quine reafirma a pertinência de sua
análise dos contextos modais (especialmente os regidos pelos operadores de necessidade e
possibilidade estritos, como na lógica modal de Lewis) como sendo ‘contextos referencialmente
opacos’. Segundo Quine, a idéia geral das modalidades é baseada:
1
Meaning and Necessity, p.200.
2
“Reference and Modality”, p. 143.
3
Idem, p. 148.
5
representassem os sentidos dos nomes (objetos intensionais em Frege) ou conceitos individuais
(objetos intensionais em Carnap e Church). Todavia, a ontologia de objetos intensionais traz
consigo uma grande desvantagem, pois o princípio de individuação de objetos intensionais se
assenta nas noções de sinonímia e analiticidade, ambas consideradas por Quine pouco claras e
mal definidas.
Em “Three Grades of Modal Involvement”, de 1953, Quine inicia afirmando que todos os
operadores modais, tais como ‘possibilidade’, ‘impossibilidade’, ‘não-necessidade’, podem ser
definidos com o uso do operador de necessidade. Esse fato remete à conclusão de que tudo o que
for afirmado filosoficamente acerca desse operador trará consequências também para os outros.
Nesse artigo, Quine distingue entre três tipos de usos possíveis da idéia de necessidade na
lógica: a. Pode-se interpretá-la como ‘predicado semântico’, que pode ser atribuído a nomes de
enunciados e representado pelo símbolo ‘Nec’; b. Pode-se pensá-la como ‘operador de
enunciados’, que é anexado a enunciados formando enunciados modais e que pode ser
representado pelo símbolo ‘nec’; c. Por fim, pode-se anexar o operador de necessidade a
sentenças abertas, que contêm variáveis e, portanto, precisam de um quantificador universal ou
existencial para terem sentido.
Quine chama a esses três tipos de aplicações da idéia de necessidade de “três graus de
aceitação da idéia de necessidade em um sistema lógico ou semântico”, sendo que (a) seria o
mais fraco e (c) o mais forte.
Assim como em artigos anteriores, em “Three Grades of Modal Involvement”, Quine
define um enunciado como ‘puramente referencial’ se os nomes nele puderem ser permutados por
nomes idênticos sem alteração do valor de verdade do enunciado. Por sua vez, um enunciado ou
contexto é ‘referencialmente opaco’ se transforma a ocorrência de um nome, que em outro
contexto era referencial, em uma ocorrência não-referencial.
A necessidade interpretada como predicado semântico (grau mais fraco de aceitação da
necessidade) pode ser inserida em contextos regidos pelo princípio da extensionalidade, pois esse
predicado é atribuído a uma sentença entre aspas, citada, que pode ser parafraseada. Se adotamos,
seguindo um exemplo dado por Quine, as letras ‘n’, ‘g’ e ‘f’ respectivamente para ‘9’, ‘>’ e ‘5’ e
o símbolo de concatenação de Tarski para unir símbolos, podemos traduzir
6
Nec (9 > 5)
Por
Nec (n g f )
Essa paráfrase mostra que, nos diz Quine, o predicado semântico de necessidade está
anexado a um nome de um enunciado e não a um enunciado composto. A paráfrase, portanto,
esclarece o papel do enunciado semântico de necessidade. Já os contextos criados pelo operador
de enunciados ‘nec’ não podem ser parafraseados de forma a seguirem a princípio de
extensionalidade. Adeptos da lógica modal, segundo Quine, podem não achar importante a
preservação do princípio de extensionalidade em todos os contextos, já que, na linguagem
ordinária, há diversos contextos que não seguem esse princípio; porém, alerta Quine, a suspensão
da vigência do princípio de extensionalidade leva a que seja preciso revisar a lógica dos termos
singulares.
A lógica modal, segundo a análise de Quine no mesmo artigo citado acima, fortaleceu-se
a partir de uma confusão feita por Whitehead e Russell no Principia Mathematica entre a
implicação material e a relação de implicação lógica. Para sanar essa confusão, Lewis fez a
distinção entre o símbolo da implicação material ‘’ e o símbolo da implicação estrita ‘‘. Para
definir a implicação estrita, Lewis utilizou-se do operador de necessidade ‘nec’:
p q nec (p q)
7
semântico e de teoria da prova que faz mais sentido falar da validade lógica, e a validade lógica,
por sua vez, é a melhor explicação da necessidade como predicado semântico; 3. Ao usar ‘Nec’
(predicado semântico) anexado a uma citação fica evidente que o contexto é referencialmente
opaco; 4. Ao adotar ‘nec ‘ (operador de enunciados) pode-se ficar tentado a quantificar sobre esse
operador, o que levaria a problemas de substituição das variáveis ligadas; 5. Pode-se aplicar ‘nec’
sobre ‘nec’ (fazê-los interagir), enquanto não é factível aplicar ‘Nec’ sobre ‘Nec’, pois ‘Nec’ se
aplica sobre nomes e “Nec (9 > 5)” é um enunciado.4
No entanto, frisa Quine, apesar dos benefícios que a conversão de ‘nec’ em ‘Nec’ possa
trazer, a interpretação da necessidade como predicado semântico não permite a construção da
lógica modal como ela se apresenta ordinariamente. A necessidade como predicado semântico
permite apenas construir uma lógica modal ‘escassa’, sem as complexidades da lógica modal
ordinária, sem todos os ‘princípios de interação de operadores modais’ que integram essa última.
Apesar de Quine oferecer uma interpretação aceitável da idéia de necessidade que
possibilita seu uso em contextos extensionais, isso não possibilita a quantificação sobre contextos
modais. Quando se aplica a quantificação sobre enunciados modais, tais como “nec (x > 5)”, não
é possível mais ver a ocorrência ‘x’ como referencialmente opaca, isto é, como se referindo à
forma de denominação de objetos, enfim, a nomes. O ‘9’, que no exemplo “nec (9 > 5)” se
encontrava no lugar do ‘x’, podia ser visto como refencialmente opaco, enquanto uma variável
quantificada tem, em geral, que apontar ou designar um objeto para poder ser substituída pelo
nome ou nomes desse objeto. Entretanto, ‘x’, nesse contexto, além de não apontar para um
objeto, não nos informa qual nome devemos escolher para substitui-la. Isso mostra que, apesar de
a manutenção do valor de verdade de enunciados modais depender ‘da maneira pela qual um
objeto é referido’, ou seja, da referência a nomes, a simples quantificação sobre variáveis em
contextos modais não mostra como essa escolha entre nomes deve ser feita.
Segundo Quine, pode-se concluir três observações importantes da análise da aplicação da
quantificação sobre enunciados modais: 1. A quantificação em contextos modais não é totalmente
absurda se são feitos ajustes nas definições contextuais dos termos singulares envolvidos; 2. Ao
aplicar a quantificação em contextos modais, a identidade entre objetos só pode ser afirmada se
for vista como necessária; 3. Para a quantificação nos contextos modais fazer sentido, é preciso
4
Quine esclarece que se se insistir em aplicar ‘Nec’ sobre ‘Nec’, o que antes era tratado como enunciado
passa a ser tratado como nome.
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que se defenda, ao mesmo tempo, o essencialismo aristotélico, isto é, que uma coisa tenha alguns
atributos essenciais e outros acidentais.
Apesar dessa equivalência com um princípio extensional, cujo valor de verdade depende
da observação, a relação de identidade entre nomes próprios é sempre tautológica ou
analiticamente verdadeira, isto é, necessária. Afirmar uma identidade verdadeira é sempre afirmar
uma identidade necessariamente verdadeira, cuja verdade não pode ser colocada em dúvida pela
observação. Pode-se, por engano, afirmar uma relação de identidade que é falsa, o que equivale,
segundo Marcus, a não afirmar uma identidade em absoluto, porém, se afirmamos uma
identidade verdadeira, afirmamos uma identidade que é sempre, em qualquer contexto,
verdadeira, cujo valor de verdade não se altera com nenhuma observação empírica de
propriedades dos objetos. Dessa forma, mesmo se se quantifica em contextos modais, qualquer
problema com relação à permutação de nomes é evitado, pois só é permitida a permutação de
nomes entre os quais há uma relação de identidade necessariamente verdadeira.
Já para Quine, em “Reply to professor Marcus” (1962), Marcus confunde o uso
substitucional com o uso objetual das variáveis, pois quer que a quantificação substitucional
exerça o mesmo papel exercido pela quantificação objetual, ou seja, o papel de propiciar a
referência a objetos. Marcus precisa introduzir a noção de nome próprio (com o sentido de
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‘designador rígido’ kripkiano) para que seja possível designar inequivocamente um objeto e para
poder substituir variáveis em contextos modais por nomes, o que é pressuposto acontecer na
quantificação substitucional. Porém, se a referência a objetos for feita por variáveis, e não por
nomes, como acontece na quantificação objetual, elimina-se o problema de ter que pressupor a
existência de nomes próprios. Se, diz Quine, observamos as variáveis como designando objetos e
não nomes, então não precisamos mais nem discutir o que seria um nome próprio nem,
tampouco, afirmar que nomes próprios são ‘necessariamente’ idênticos se designam o mesmo
objeto. Variáveis estariam por objetos, e nomes apenas expressariam maneiras de como
aprendemos ou estipulamos contingentemente falar desses objetos referidos pelas variáveis.
Enfim, ao afirmar que a identidade entre nomes é necessária, Marcus pressupõe que se
saiba exatamente quando dois nomes são idênticos, isto é, que se saiba inequivocamente quando
dois nomes designam o mesmo objeto. Para tanto, é preciso que os nomes façam uma referência
direta e inequívoca a objetos. Essa exatidão na determinação da referência de nomes é posta em
dúvida por Quine. Segundo ele, além de ser contingente o fato de dois nomes serem usados para
designarem um mesmo objeto, não temos como ter certeza se dois nomes designam de fato um
mesmo objeto.
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se está falando, enfim, não conseguiu mostrar que é possível quantificar em contextos modais,
pois não conseguiu mostrar quais são os objetos referidos pelas variáveis nesses contextos.
Assim como Marcus, Follesdal argumenta que as críticas de Quine têm que estar erradas,
isto é, em contextos modais tem que ser possível fazer referência a objetos extensionais e não
meramente a intensões, pois, se forem corretas, toda tentativa de explicar a forma de enunciados
de causa, contrafactuais, de crença, de dever etc. deve ser abandonada.
Seguindo os passos de Arthur Smullyan e Marcus, entre outros, Follesdal afirma ser
possível defender a lógica modal dos ataques de Quine fazendo a diferenciação entre nomes
próprios e descrições definidas. Ao fazer isso, fica claro, segundo ele, a indispensabilidade do
essencialismo para a lógica modal. Para ele, essencialismo significa uma “combinação de
transparência referencial e opacidade extensional”. Isso é o mesmo que: “seja o que for que seja
verdadeiro de um objeto, é verdadeiro dele independente do modo como se faz referência ao
objeto (transparência referencial), e, entre os predicados verdadeiros de um objeto, alguns são
necessariamente verdadeiros dele, outros só acidentalmente (opacidade extensional)”.5 Ao
distinguir nomes próprios de descrições e definir descrições contextualmente, passa a ser factível,
segundo Follesdal, referir objetos com nomes próprios em contextos modais de forma
transparente, sem que seja preciso saber quais os predicados que se aplicam a esses objetos.
De fato, para que sejam admissíveis substituições salva veritate em contextos modais, tem
que haver um modo de referir inequivocamente objetos nesses contextos e isso só pode ser feito
com o que Follesdal chama de nomes genuínos. Descrições não podem ser consideradas nomes
genuínos, pois sua referência não é unívoca, não independe do contexto, depende das
propriedades conhecidas do objeto. O operador modal de necessidade, se anteposto a variáveis,
exige que essas sejam substituídas por nomes genuínos, que não referem conforme o contexto. Só
isso permite a quantificação em contextos modais.
Porém, Follesdal, no artigo de 1986 “Essencialism and Reference”, alerta para a confusão
feita por alguns autores (incluindo Quine) entre a exigência de que variáveis em contextos
modais sejam substituídas por nomes genuínos e exigir que saibamos quais as propriedades
essenciais dos objetos referidos por esses nomes para podermos identificá-los. Isto é, Follesdal
alerta para a confusão entre exigir uma posição essencialista dos defensores da lógica modal para
que os operadores modais tenham sentido e exigir uma posição essencialista para que se saiba a
que objetos os nomes referem. Ele sustenta que é o primeiro essencialismo que é condição da
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defesa da lógica modal e não o segundo. Um defensor da lógica modal precisa sustentar que os
objetos tenham propriedades essenciais e acidentais, porém não precisa sustentar que são as
primeiras que identificam os objetos.
CONCLUSÃO
Além do artigo “Intensions Revisited”, de 1977, que foi o primeiro sobre lógica modal
depois de 1962, e de alguns poucos artigos como “The Elusiveness of Reference”, de 1983 e
“Promoting Extensionality”, de 1994, nos quais trata dos problemas da permutação de nomes em
contextos modais, Quine ainda escreveu muito sucintamente sobre o tema no livro The Pursuit of
Truth, de 1990. Quine parece ter se desinteressado pela discussão em torno dos problemas
gerados pela lógica modal. Para ele, a lógica modal é dispensável e as expressões modais são
usadas na linguagem ordinária com um sentido bem diverso daquele dado a elas pelos
essencialistas. Diz Quine:
Nós modificamos uma sentença com o advérbio ‘necessariamente’ quando é uma sentença presumida
aceitável para nosso interlocutor e afirmada somente como um passo em direção a considerações
abertas ao debate. Ou nós escrevemos ‘necessariamente’ para identificar alguma coisa que se segue de
generalidades já expostas, como em adição a novas conjeturas ou hipóteses.6
No seu uso cotidiano como eu o descrevo, ‘necessariamente’ é uma observação de segunda ordem que
tem como objetivo que a sentença seja julgada verdadeira por todos os envolvidos, pelo menos no que
concerne ao argumento. Um papel de segunda ordem semelhante é desenhado então para
‘possivelmente’. Já que ele simplesmente significa ‘não necessariamente não’, ‘possivelmente’ marca
a sentença como uma que as crenças ou pressuposições ativas das partes envolvidas não excluem
5
“Quine on Modality”, p.184.
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como falsa. Graças à nossa enorme ignorância, o reino da possibilidade assim concebido é muito mais
vasto do que o da necessidade. É o domínio de todos os nossos planos e conjeturas, todas as nossas
esperanças e temores. 7
Portanto, mesmo que, aceito o essencialismo, apesar das dificuldades em identificar quais
as propriedades que devem ser chamadas essenciais, aceita a existência, mesmo que
problemática, de nomes genuínos, resta ainda a questão central sobre a real aplicabilidade da
lógica modal para além dos cálculos lógicos, com domínios pré-fixados. Isto é, o argumento
usado tanto por Marcus quanto por Follesdal de que as modalidades são usadas cotidianamente e
por isso não podem ser simplesmente ignoradas é posto em xeque pela análise quiniana, que
conclui que o uso de ‘necessariamente’ e ‘possivelmente’ não compromete os falantes da
linguagem natural com nenhum tipo de essencialismo.
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