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Docentes da Unisul lançam obra sobre a Lei n. 13.

431/17
de Escuta Protegida
22 de março de 2018

Os professores do curso de Direito da Unisul Fábio Gesser Leal, Klauss Correa de Souza e Rafael Giordani
lançam o livro ‘Comentários à Lei da Escuta Protegida n. 13.431/17 de 04 de abril de 2017. A obra traz
apontamentos, artigo por artigo, sobre os aspectos legais, com abordagem acerca da evolução histórica da
escuta protegida no Brasil e menção às experiências de outros países, às normas internacionais e nacional e à
doutrina e jurisprudência correlatas.

O depoimento especial, em ambiente próprio e com o acompanhamento de profissional especializado,


implantado no Brasil a partir de 2003, por iniciativa do então juiz José Antônio Daltoé Cezar, e recomendado
pelo CNJ no ano de 2010, até a vigência da Lei n. 13.431/2017 era praticado sem a regulamentação legal
expressa.

Em Santa Catarina, o método de oitiva especial é aplicado na comarca de Braço do Norte desde 2012, pelo juiz
Klauss Corrêa de Souza, juntamente com a equipe integrada pelos servidores Fábio Gesser Leal e Rafael
Giordani Sabino, autores da obra, bem como por assistentes sociais, oficiais da Infância e Juventude, psicólogos
e promotores de justiça. O livro foi publicado pela Conceito Editorial e está disponível no site da editora.
SINDJESP
Sindicato - Judiciários, SP (Trabalhadores do TJSP)
quarta-feira, 28 de março de 2018

NÃO À INQUIRIÇÃO DE CRIANÇAS! NÃO À LEI


FEDERAL N° 13.431/17 (ESCUTA ESPECIAL)!
(* texto publicado no boletim SINDJESP 28)

Os/as trabalhadores/as do
Judiciário Paulista, em Assembleia Estadual realizada na capital
paulista, no dia 12/03/18, na perspectiva de nenhum direito a
menos, aprovaram como uma de suas bandeiras de luta oNão
a Lei Federal n° 13.431, de 04 de abril de 2017, que
regulamenta a inquirição de crianças e adolescentes vítimas ou
testemunhas de violência, sobretudo sexual, nos processos
judiciais, com a finalidade de produzir provas contra seus
supostos agressores, que na maioria das vezes são pessoas de
sua própria família.
Este procedimento de inquirição denominado atualmente como
“Escuta Especial”, já teve outros nomes desde suas primeiras
experiências no Brasil, entre eles: “depoimento especial”, “escuta
especializada”, “inquirição especial”, “inquirição não
revitimizante”, “depoimento sem dano”, “entrevista forense”.

É importante destacar que a condição de sujeito de direitos é


uma conquista recente na história da infância.  

A Constituição de 1988, em consonância com a Convenção das


Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, seguida do Estatuto
da Criança e do Adolescente, de 1990, constituem-se como
marcos legais de um novo paradigma para a infância. A criança,
historicamente vista como objeto a serviço dos interesses do
adulto, passa a ser compreendida na peculiar condição
de pessoa em desenvolvimento. A partir de então, qualquer
tipo de política pública, programa de atendimento,
método/abordagem, etc., direcionados às crianças e
adolescentes devem passar pelo crivo dos marcos legais e
considerar o “superior interesse da criança”.

Compreendemos que isso que não ocorre na chamada “Escuta


Especial” de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.
Inquirir crianças nos processos criminais que envolvem violência
sexual, não tem por finalidade criar um ambiente de escuta e
acolhimento, saber como ela está se sentindo ou mesmo
propiciar a aplicação de medidas de proteção (artigo 101, ECA).
O objetivo central da inquirição de crianças é trazer aos autos a
prova da materialidade, especialmente nos casos em que a
violência não deixa vestígios físicos, a fim de se elevar os índices
de condenação.    

São inúmeros os estudos de profissionais da área da saúde e da


infância e juventude, que alertam para os danos emocionais e
psíquicos de se sujeitar crianças ao procedimento de inquirição.
Colocar o peso e a responsabilidade da produção da prova em
crianças, além de desconsiderar seu sofrimento, a expõe diante
de um complexo fenômeno que é o da violência dentro da
família, num momento em que ela deveria ser acolhida e
cuidada. 

Conforme a Constituição de 1988, é dever da família, da


sociedade e do Estado colocar a criança, o adolescente e o
jovem, a salvo de “(...) toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.” (art. 227).
Considerar o superior interesse da criança em qualquer situação
de violação de seus direitos é garantir sua proteção e cuidados,
com políticas integradas ao sistema de garantia de direitos.  

Transferir o desejo de punição do universo dos adultos às


crianças e adolescentes, e mais, exigir delas o ônus da prova,
significa mantê-las num ciclo de violência, já que suas ações,
sua fala, seu interesse, permanecem submetidos às
necessidades dos adultos, devendo tudo acontecer na hora, com
quem e do jeito que a justiça determina.

 “É comum a criança avistar o abusador no ambiente forense


por ocasião de sua inquirição, ainda que o depoimento não seja prestado na sua presença, fato que contribui para
reacender o conflito e a ambivalência de seus sentimentos, porquanto, em muitos casos, nutre forte apego pelo
abusador, com quem, no mais das vezes, mantém vínculos parentais significativos. O abusador costuma transferir
para a criança a responsabilidade pelo ocorrido ou pelas consequências da revelação, convencendo a vítima de que
será sua culpa se o pai for para a cadeia ou se a mãe ficar magoada com ela. Delegacias de Polícia, Fóruns e
Tribunais não são locais apropriados para crianças; são, essencialmente, espaços de resolução de litígios
envolvendo adultos” (AZAMBUJA, s/n. [online]).
Mas qual a diferença entre ouvir e inquirir uma
criança? Segundo Azambuja:

“Inquirirsignifica perguntar, indagar, fazer perguntas


direcionadas, investigar, pesquisar. Ouvir, por sua vez, significa escutar o que ela tem a dizer, dar ouvidos, dar
atenção às palavras da criança, o que pode vir expresso por intermédio do brinquedo, como valioso instrumento
utilizado por profissionais [...] com o mínimo de interferência possível, dispondo-se a ouvir o que a criança tem a falar”
(2012, p. 17,18).

No procedimento denominado “Escuta Especial” o profissional


que assume o “papel” de “inquiridor” ou “intérprete” no
“interrogatório”, não pode utilizar de instrumentais lúdicos,
brinquedos, livros, histórias, ou qualquer outro material que
facilite o diálogo ou que minimize o constrangimento dos
pequenos com o assunto abordado, a fim de não “distrair” a
criança do objetivo de sua vinda ao Fórum. Desconsidera-se que
a criança tem o seu tempo de falar, do modo e a quem desejar,
no espaço que se sentir protegida e acolhida. Como também tem
o direito de não falar sobre o assunto. Despreza-se que o que ela
necessita é de um espaço de proteção e acolhimento e, que os
profissionais que a atendem, tanto da rede de atendimento como
do próprio judiciário (entre eles assistentes sociais e psicólogos),
podem, a pedido do juiz produzir laudos para contribuir com o
processo.

Torna-se importante destacar que laudos/relatórios/pareceres


produzidos por profissionais de diversas áreas do conhecimento
(assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, médicos,
psiquiatras, advogados, educadores, etc.), são comumente
utilizados nos processos judiciais da infância, juventude e da
família. Invariavelmente documentos dessa natureza são
utilizados para subsidiar decisões judiciais muito sérias, como o
estabelecimento da guarda de filhos, o acolhimento ou
desacolhimento institucional, a destituição do poder familiar,
causando estranheza sua recusa para os casos que envolvem
violência sexual.

A incapacidade do Sistema de Justiça Brasileiro em lidar com o


fenômeno social da violência, em especial da violência sexual, a
alienação de muitos juristas fruto de uma cultura legalista, que
desconsidera o conhecimento produzido por outras áreas do
conhecimento, num contexto de ampliação do Estado Punitivo
em detrimento a um Estado de Bem-Estar Social, tem levado o
Judiciário Brasileiro a ressuscitar procedimentos de inquirição
anteriores à Constituição de 1988.

Em que pese o posicionamento autoritário do Judiciário Paulista,


o qual tem determinado a participação de assistentes sociais e
psicólogos contrários a inquirição de crianças em processos de
violência sexual, sob pena de punição, passando por cima das
resoluções e recomendações dos respectivos Conselhos
Profissionais e, desconsiderando as reais atribuições destes
profissionais no judiciário, tendo como pressuposto o “superior
interesse da criança”, deixamos claro que ainda há resistência!
NÃO À INQUIRIÇÃO DE CRIANÇAS!

SINDJESP

Referências:

AZAMBUJA, M. R. F., A interdisciplinaridade e o conteúdo dos laudos: instrumentos para a garantia da proteção da
criança vítima de violência sexual. In: Violência Sexual e escuta judicial de crianças e adolescentes: a proteção de
direitos segundo especialistas. São Paulo: AASPTJ-SP: CRESS-SP, 2012.

___________________ A inquirição da vítima de violência sexual intrafamiliar à luz do superior interesse da criança.
[Online] Disponível em http://www.crianca.mppr.mp.br/pagina-1450.html. Acesso em 07/03/2018.

http://www.crianca.mppr.mp.br/pagina-1450.html
file:///D:/usuario/Downloads/8207-28786-1-PB.pdf

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