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ABSTRACT
This work aims to a) understand the nuances of children's testimonies, with an emphasis on child suggestibility and b)
to know interview protocols capable of minimizing distorted reports and avoiding (re) victimization). It is an
exploratory study of a descriptive nature that aims to provide an overview of the theme from the theoretical data
analyzed. The production of an oral evidence can be influenced by several factors, such as personal characteristics of
the witness, the passage of time, the interviewer's bias or even the ritualization of the judicial procedure. The child is
guaranteed the opportunity to be heard in any judicial or administrative process that participates, either directly or
through a representative or body, so children can speak in court, but they are more suggestible and have more false
suggested memories than adults, an appropriate environment to be heard is important, especially children who have
been sexually abused. When a child needs to report some experience in court, this report is often the only source of
information for the formation of the judge's conviction. Interviews with children must meet some ethical and protocol
procedures and need to recognize the specificity of treatment, as conveyed by forensic interview protocols, such as
Cognitive Interview (EC), Forensic Interview Protocol of the National Institute of Child Health and Human
Development (NICHD) and Cornerhouse Forensic Interview Protocol. Understanding the personal characteristics of
children and applying appropriate listening techniques can be a way of minimizing false memories, obtaining more
complete reports and observing the principle of protection.
Keywords: false memories; child suggestibility; a testimony; justice; interview protocol
INTRODUÇÃO
Está assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida em todo processo judicial ou
administrativo que participe, ou diretamente ou por intermédio de um representante ou órgão. A
criança poderá expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados a si e essas
opiniões devem ser levadas em consideração em função de sua idade e maturidade (Convenção
sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Decreto nº 99.710 de 1990). A participação da criança
pode ser dar, por exemplo, em processos judiciais que envolvam guarda, adoção e violência, pelo
que se faz necessária a compreensão de algumas nuances relacionadas a essa participação e tomada
de depoimentos, como processo mnemônico, falsas memórias, sugestionabilidade e protocolos de
técnicas de entrevistas.
O processo mnemônico, necessário para a participação de crianças ou adultos em
interrogatórios judiciais – assim como para relatarem qualquer situação na vida corriqueira –, não é
objetivo como muitas vezes se idealiza. A produção de uma prova oral pode ser influenciada por
fatores vários; até o momento de se reconstituir um fato e formar os autos de um processo, desvios
podem se suceder. Desvios esses que passam por características pessoais da testemunha, pelo
decurso do tempo, pelo viés do entrevistador ou mesmo pela ritualização do procedimento
judiciário (HENRIQUES; SILVA, 2018). Não que os testemunhos sejam falsos, mas são passíveis
de distorção, de falsas memórias.
As falsas memórias não são mentiras, mas informações não verdadeiras derivadas do
funcionamento habitual da memória, mas que podem modificar a versão de um fato; são
semelhantes às memórias verdadeiras por ter a mesma base cognitiva e neurológica (STEIN, 2010).
Uma memória falsa pode, por exemplo, induzir alguém a aceitar a culpa por um crime que não
cometeu e a desenvolver recordações para apoiar os seus sentimentos de culpa (LOFTUS, 1997).
Do ponto de vista neurológico, é possível definir a memória como aquisição, formação,
conservação e evocação de informações; a memória pode ser estudada de acordo com a função –
memórias que produzem arquivos e que gerenciam a realidade –; tempo – memórias de curta ou
longa duração – ou conteúdo – memórias declarativas ou procedurais (IZQUIERDO, 2010).
A memória também é entendida fora do contexto de codificação que se dá no cérebro em
razão de um fato passado, pois a ação de lembrar ocorre no hoje, embora, evidentemente,
assentando-se em lembranças. O tempo não é uma sucessão de presentes, é um estar presente, logo,
a memória também pode ser considerada um estar presente (GIDDENS, 2009).
Esquecimentos surgem tanto pela falta de sinapses quanto pela repressão de memórias, o
que se aplica não somente aos indivíduos em suas vidas cotidianas, mas também às testemunhas.
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Elas podem reprimir lembranças de crimes, por exemplo, caso sejam ruins ou dolorosas; por
consequência, é possível que seu depoimento seja distorcido.
Em sentido contrário, memórias são criadas em substituição àquelas causadoras de
sofrimento ou mesmo há incentivos de se criar esta ou aquela memória – indução de falsas
memórias. A repressão e a criação de memórias, em alguns casos, podem ser consideradas uma arte,
a arte de esquecer (IZQUIERDO, 2010) ou mesmo de lembrar o que nunca ocorreu.
As falsas memórias podem ser classificadas em espontâneas ou sugeridas. As espontâneas,
resultantes de distorções internas, são consequências de processos de distorções mnemônicas
endógenas a ponto de se comprometer parte da informação original da informação Já as sugeridas
são a incorporação de uma nova informação obtida por meios externos (BRAINERD; REYNA,
1995, STEIN ET AL, 2001, REYNA; LLOYD, 1997). Há mais dificuldade em se esquecer
memórias falsas do que memórias verdadeiras (STEIN, 2010).
A aceitação de informações é possibilitada em razão da sugestionabilidade, tendência de se
incorporar informações alteradas às suas recordações pessoais, emanadas de fontes externas,
intencional ou acidentalmente. Em algumas situações, a sugestionabilidade opera como defesa ou
técnica de adaptação a circunstâncias “adversas ou estressantes”. As falsas memórias espontâneas
tendem a aumentar com a idade e as sugeridas são mais recorrentes em crianças, sobretudo as de
idade pré-escolar, de 5 e 6 anos (STEIN, 2010).
As falsas memórias aumentam, outrossim, em relação a conteúdos emocionais negativos,
sendo que, nesses casos, há diminuição da memória verdadeira para os detalhes periféricos; e são
esses detalhes que muitas vezes interessam à justiça. O aumento dos níveis de estresse facilitaria a
recordação até certo patamar; após isto, os efeitos prejudiciais se intensificariam, provocando uma
piora nas lembranças, possivelmente relacionada à sua fragmentação (PERGHER et al., 2006)
Genericamente, algumas falhas metodológicas durante as entrevistas podem alterar o teor
dos relatos: não explicar o propósito da entrevista nem as suas regras básicas, não solicitar o relato
livre, fazer perguntas sugestivas confirmatórias ou fechadas, não acompanhar o que a testemunha
acabou de dizer, não permitir pausas e interromper a fala da testemunha, não fazer o fechamento da
entrevista (PERGHER, G. K.; STEIN, L. M, 2005, STEIN, 2010). A subjetividade do entrevistador
também é capaz interferir no teor dos relatos da testemunha ao intensificar a memória não do fato
testemunhado, mas da narrativa do fato contido nas perguntas do próprio entrevistador.
Especificamente, em relação ao depoimento de crianças em juízo, algumas particularidades
precisam ser levadas em consideração e as orientações protocolares existentes podem minimizar a
incidência de relatos distorcidos e a (re) vitimização.
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Testemunho infantil
O ato de depor carrega consigo questões peculiares que podem alterar o teor dos
testemunhos em geral e, quando analisado sob a ótica de pessoa em desenvolvimento, as
vulnerabilidades desse depoimento somam-se à sugestionabilidade do testemunho infantil.
A sugestionabilidade é a tendência de se incorporar informações externas distorcidas,
apresentadas intencional ou acidentalmente (SCHACTER, 1999). As falsas memórias surgem de
forma espontânea – quando a própria pessoa as cria – e por indução de outras pessoas – sugestão de
informações. A este segundo caso, dá-se o nome de sugestionabilidade, e quando ocorrido em
crianças, sugestionabilidade infantil.
Crianças com mais de 6 anos já apresentam competências para efetuar depoimentos em
juízo (MARTINS; ESTEVÃO, 2018), mas ainda assim são mais sugestionáveis do que adultos, e de
diferentes formas. Não se chegou a uma conclusão – e não se poderia chegar, talvez – sobre o perfil
da criança sugestionável, mas há dados que podem auxiliar no entendimento dessa questão. Nesse
sentido, quanto maior a inteligência verbal e as habilidades linguísticas, menor a possibilidade de
haver sugestionabilidade e quanto mais tímida a criança, mais sugestionável ela pode ser (CECI et
al, 2007). As perspectivas que explicam a influência da sugestionabilidade infantil nos relatos
passam pelo viés social, cognitivo e individual.
Pela perspectiva sociolinguística, a aquisição da linguagem e a criação das memórias
seriam acompanhadas pelo viés social, ou seja, a memória se desenvolveria no contexto das
interações sociais. Por exemplo, a depender de como os pais estruturam histórias passadas, a criança
desenvolveria sua capacidade narrativa. Para a perspectiva da formação do self cognitivo, a criança
formaria memórias, mas estas só fariam parte das suas memórias autobiográficas com o
desenvolvimento do self cognitivo (reconhecimento que aquilo aconteceu) após os dois anos de
idade, quando só então diferenciaria os acontecimentos da vida com fatos vivenciados (STEIN,
2010).
Segundo Martins e Estevão (2018), crianças entre 6 e 10 anos, em sua maioria, sabem
diferenciar a verdade da mentira e não são tão sugestionáveis por estranhos quanto por figuras
afetivas de referência como pai e mãe. Entretanto, essas crianças não ponderam a intencionalidade
no ato de enganar alguém. Assim, necessário se conhecer as nuances que envolvem os pais das
crianças que prestam depoimentos, uma vez que elas podem estar ocultas e, segundo entendemos,
também baseadas na sugestão e no gerenciamento de falsas informações.
Quanto mais jovens, as crianças tendem a distorcer os relatos e apresentam mais
dificuldade na recordação livre e aprendem desde cedo que os adultos possuem mais conhecimentos
do que elas e essa deferência as tornam mais vulneráveis às sugestões dos próprios adultos (STEIN,
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aquela analisada em um laudo psicológico. Em trabalho empírico, (ELOY, 2012), percebeu-se que o
juiz de primeira instância entendeu contraditório o escrito nos documentos e desconsiderou as
técnicas e as teorias empregadas no laudo pericial. Esses dados demonstram a desvalorização
efetiva do discurso da criança e a insegurança dos profissionais em renunciar ao ideário da criança
propensa à fantasia e à indução em sua retórica, sobretudo quando a criança é vítima e testemunha.
As entrevistas com crianças devem atender alguns procedimentos éticos e protocolares;
precisam reconhecer a especificidade de tratamento e manejo que se fazem necessários ao lidar com
crianças e a pôr questões a elas. Relevante, pois, conhecer alguns protocolos de entrevista forense,
como Entrevista Cognitiva (EC), Protocolo de Entrevista Forense do National Institute of Child
Health and Human Development (NICHD) e Protocolo de Entrevista Forense da Cornerhouse.
A Entrevista Cognitiva foi desenvolvida com base em conhecimentos científicos da
Psicologia Cognitiva e da Psicologia Social, pelos psicólogos Edward Geiselman e Ron Fisher, na
década de 80, a partir de análises das técnicas de entrevistas utilizadas com testemunhas por
policiais. Genericamente, pode-se dizer que a EC objetiva a obtenção de depoimentos mais precisos
num menor número de encontros, com a maximização da qualidade das informações e
minimizações de interferências, como falsas memórias e viés do entrevistador.
Para tanto, cinco etapas devem ser observadas: a) “rapport”, início da entrevista com
assuntos neutros, explicação dos objetivos, com ambiente acolhedor para o entrevistado; b) a
recriação do contexto original e estimulação da recordação mental por meio da recriação das
percepções com pausas para possibilitar uma ampla lembrança; c) relato livre, sem interrupções d)
questionamento de acordo com o nível de compreensão e desenvolvimento do entrevistado; e)
fechamento, com resumo das informações prestadas e tópicos neutros para possibilitar o surgimento
de informações residuais ou corrigir eventuais equívocos (STEIN, 2010).
O Protocolo de Entrevista Forense do National Institute of Child Health and Human
Development (NICHD) apresenta roteiro de entrevista pormenorizado e sugere as perguntas a serem
feitas, bem como a ordem a serem postas (RIBEIRO et. al, 2014): na introdução, há a apresentação
pessoal e a informação sobre o registro de áudio e de vídeo, seguida da avaliação sobre os conceitos
de verdade e de mentira e a discussão das regras da entrevista, explicitando o direito da criança de
dizer “não sei”. Na sequência, o rapport, com discussão de temas prazerosos à criança e do estímulo
à produção de narrativas detalhadas sobre eventos positivos e o treino da memória episódica, ou
seja, treinar falar detalhes sobre os eventos acontecidos no passado; após, a transição para os
eventos significativos, com questionamento do conhecimento da criança sobre o objetivo da
entrevista.
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Se nenhuma informação for obtida por meio de questões como “você sabe por que veio
conversar aqui hoje?”, o Protocolo NICHD solicita que sejam realizadas outras tentativas de
introduzir, gradualmente, como “eu soube que sua mãe está preocupada com você. Fale-me por que
sua mãe está preocupada.” ou “eu soube que você contou para a professora que alguém estava te
incomodando”. Em seguida, ocorre a avaliação dos incidentes, caso haja revelação de alguma
informação anteriormente, com perguntas abertas e focais, como. Em seguida, o protocolo solicita
que sejam explorados os vários incidentes, sendo que apenas nesta etapa são admitidas perguntas
fechadas, porém, seguidas de questões abertas. Por fim, o fechamento da entrevista com a discussão
de temas neutros (RIBEIRO et. al, 2014).
O Protocolo de Entrevista Forense da Cornerhouse, conhecido como RATAC (Rapport,
Identificação de Anatomia, Inquérito por Toque, Cenário de Abuso e Encerramento) é um
procedimento semiestruturado de questionamento para uso com supostas vítimas de abuso sexual
infantil. Esse protocolo leva em consideração fatores que afetam o desenvolvimento, como
memória, atenção, compreensão, linguagem (simples ou complexa) e conceitos (concretos ou
abstratos).
O documento inclui diretrizes para fazer perguntas apropriadas à idade e capacidade das
crianças – quem, o que, quando e onde – para que seja fornecido um relatório estruturado e detalhes
contextuais do incidente. Protocolos eficazes de entrevistas são necessários para garantir a
segurança das supostas crianças vítimas e proteger os direitos dos supostos agressores de abuso
infantil durante o processo investigativo. Em termos práticos, sugere-se durações diferentes de
entrevistas para cada faixa etária, assim, a) as entrevistas com crianças por volta de 3 anos não
deveriam ultrapassar muito o tempo de 15 minutos; a) crianças entre 4 e 5 anos conseguem manter a
atenção de 20 a 25 minutos; c) seria possível entrevistar crianças de 6 a 10 anos por 30 ou 45
minutos e d) crianças mais velhas, com mais de 10 anos, poderiam manter a atenção em média por
uma hora (ANDERSON et al., 2010).
Com base em princípios éticos e técnicos, Ribeiro et. al (2014) recomendam a adoção de
protocolos de entrevistas com fundamentos científicos para a oitiva de crianças e adolescentes no
contexto jurídico. Todas as ações propostas antes, durante e após a audiência especial devem estar,
ademais, condizentes à declaração dos direitos das crianças, ao Estatuto da Criança e do
Adolescente e aos princípios éticos profissionais de quem realizar a escuta. Esses profissionais
precisam estar em capacitação continuada sobre desenvolvimento humano em condições de
adversidade, como a violência.
Em se tratando das perguntas, sugere-se a reflexão com pares, uma vez que tais perguntas
não podem ferir a dignidade da criança ou adolescente ou as recomendações técnicas. Deve haver
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CONCLUSÃO
A violência contra crianças é invisível porque ocorre na maioria das vezes às escondidas e
o relato delas pode ser a única evidência de um processo criminal, sendo muito difícil de se
determinar se tal agressão ocorreu ou não. Assim, tanto os processos quanto as avaliações
psicológicas precisam levar em consideração a palavra da criança, a partir de métodos adequados,
evitando-se a (re) vitimização. Tendo em vista que a maioria dos processos sobre falsas memórias
encontrados envolviam crianças ou adolescentes, sugere-se o desenvolvimento de mais estudos que
possam contribuir para melhor compreensão do tema.
As crianças têm capacidade de recordação e de evocação, mas não é exigível se lembrem
de tudo e a forma de se perguntar é decisiva para a qualidade dos relatos. Conforme disse Ribeiro et
al (2014), todos os profissionais que lidam com entrevistas de crianças e adolescentes são parte
integrante do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente e devem ser entendidos
como articuladores da rede de proteção. Para o reconhecimento dos espaços de escuta especial
como espaço contínuo de diálogo e de relacionamento entre a equipe interprofissional e para que
ocorra a troca de experiências sobre técnicas apropriadas de entrevistas com crianças, necessário
entender o Direito não como fechado e autônomo (BOURDIEU, 1989), mas aberto às contribuições
de outros campos do conhecimento.
Necessário se faz repensar a confiabilidade dos relados dos depoimentos em juízo, uma vez
que falsas memórias espontâneas ou sugeridas podem incrementar ou criar eventos que nunca
aconteceram. A qualidade da recordação do evento é prejudicada pelo tempo entre o evento e a
entrevista; também é possível que uma criança não consiga contar os detalhes de história que lhe
sucedeu, não por ter esquecido, mas por se sentir culpada pelo ocorrido. A compreensão das
características pessoais das crianças e a aplicação de técnicas adequadas de escuta podem ser um
caminho de minimização de falsas memórias, de obtenção de relatos mais completos e de
observância ao princípio da proteção integral.
REFERÊNCIAS
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