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RESENHA CRÍTICA

Resumo: O objetivo do estudo é compreender a capacidade da mente humana de


criar falsas memórias e sua influência e incidência na prova testemunhal do
processo penal. Aponta para a alta incidência de casos de falsas memórias no
processo penal brasileiro.

Introdução: O texto destaca a importância da prova no processo judicial e a necessidade de


alcançar a verossimilhança entre os fatos históricos e sua reconstrução, pois o processo não
busca a verdade absoluta. Ele enfatiza que a prova testemunhal desempenha um papel crucial
no processo penal, mas que as falsas memórias podem comprometer sua qualidade devido a
influências internas e externas. O texto argumenta que compreender como as falsas memórias
afetam as decisões jurídicas é fundamental para a gestão da prova oral e a valoração das
provas em processos criminais. Portanto, defende a importância de estudar esse tema para a
justiça criminal.

2 - A PROVA NO PROCESSO PENAL: SEU OBJETO E A PROVA TESTEMUNHAL


ENQUANTO MODALIDADE

2.1 - O OBJETO DA PROVA:


O texto aborda a natureza da prova no contexto do processo penal, destacando inicialmente
que a prova é um instrumento utilizado para buscar a verdade. No entanto, ele ressalta que a
busca pela verdade no processo penal não se refere a uma verdade absoluta, mas sim a uma
verdade possível dentro dos limites procedimentais.
O texto menciona que existem diferentes concepções de verdade, desde a ideia aristotélica de
adequação do intelecto à coisa até concepções mais contemporâneas que enfatizam a verdade
como um consenso entre agentes comunicantes. Nesse contexto, a verdade no processo penal
é vista como uma "argumentação intersubjetiva, comunicável linguisticamente e racionalmente
verificável" que não busca alcançar verdades absolutas, mas sim aquelas que podem ser
consideradas provadas de forma indubitável e intersubjetiva.
Destaca-se que a busca por uma verdade real ou certeza absoluta foi uma orientação histórica
no processo penal, mas o jogo argumentativo procedimental relativiza essa busca, levando em
consideração outros interesses, como as garantias processuais do réu. Assim, o processo busca
uma "constatação empírica parcial" dos fatos por meio da instrução.
O texto ressalta que, no processo penal, o objetivo das partes é convencer o juiz de que sua
versão dos fatos é a correta, não buscando uma certeza absoluta, mas sim uma certeza relativa
que seja suficiente para convencer o magistrado. Isso se enquadra no sistema acusatório, no
qual as partes buscam persuadir o juiz por meio da prova.
O texto menciona três princípios processuais que norteiam a prova no processo penal: o
princípio da investigação, que exige que o juiz baseie sua decisão nos fatos alegados pelas
partes e nas provas apresentadas; o princípio da livre apreciação da prova, que permite ao juiz
avaliar as provas de forma discricionária, mas sempre com motivação; e o princípio in dubio
pro reo, que estabelece que, em caso de dúvida sobre os fatos, é preferível absolver um
culpado do que condenar um inocente.
Esses princípios são cruciais na atividade de valoração da prova pelo juiz durante o julgamento,
e a prova tem como objetivo orientar o convencimento do magistrado no momento da
sentença.

2.2 - A CLASSIFICAÇÃO DA PROVA COMO TESTEMUNHAL:


O texto aborda a classificação da prova no processo penal, com foco na prova testemunhal.
Inicialmente, explora os diferentes critérios de classificação da prova, como direta e indireta,
plena e não plena, e baseada na forma como é apresentada ao juízo (documental, material ou
testemunhal). Em seguida, concentra-se na prova testemunhal, destacando suas características
fundamentais: oralidade, objetividade e retrospectividade.
O texto menciona que a oralidade é uma característica da prova testemunhal, mas observa que
o artigo 204, parágrafo único, do Código de Processo Penal, permite a consulta a apontamentos
escritos. Quanto à objetividade, ressalta que a perspectiva de Heidegger desafia a noção de
pura objetividade, pois a visão de mundo do testemunho pode influenciar a forma como os
fatos são narrados. Além disso, a prova testemunhal é caracterizada pela retrospectividade,
pois se refere a eventos ocorridos no passado.
O texto também menciona as três fases da formação do testemunho: o conhecimento do fato,
a conservação desse conhecimento e a declaração do conhecimento. A qualidade do relato da
testemunha é influenciada por diversos fatores, como sua memória, a forma como ela atribui
sentido aos eventos e os filtros mnemônicos que podem distorcer a realidade vivenciada.
Por fim, o texto destaca a importância de compreender o funcionamento da memória humana
e suas potenciais falhas, especialmente no contexto do testemunho no processo penal. Ele
sugere que o estudo interdisciplinar da memória humana é crucial para compreender como ela
pode ser enganosa e levar a distorções nos relatos de testemunhas.

3 - MEMÓRIA E FALSAS MEMÓRIAS: ABORDAGEM MULTIDISCIPLINAR

3.1 - MEMORIA:
O texto aborda a memória humana e as falsas memórias, adotando uma abordagem
multidisciplinar que envolve medicina, psicologia e psiquiatria fisiológica. Inicialmente,
descreve a memória como um conjunto de subsistemas interligados que influenciam e são
influenciados por elementos internos e externos.
A memória é essencial para a formação da personalidade e a interação com o mundo, pois é
através dela que adquirimos, armazenamos e evocamos informações e eventos passados. Ela
não possui uma localização específica no cérebro, mas é resultado de conexões e circuitos
neurais complexos.
O texto também destaca as diversas classificações da memória, incluindo tipos baseados no
tempo de armazenamento, tipo de informação, modalidade sensorial envolvida e etapas do
processo de evocação.
Em seguida, o texto explora o conceito de falsas memórias, destacando que são artefatos
criados pela mente para preencher lacunas na memória. Isso pode ocorrer quando nossas
expectativas, valores e conhecimentos prévios entram em conflito com os eventos reais. O
texto menciona estudos que demonstram como as pessoas podem inadvertidamente inventar
detalhes para completar suas lembranças, muitas vezes acreditando nas lembranças que
criaram.
O texto também aponta que fatores ambientais, sociais, culturais e educacionais podem
influenciar a criação de memórias falsas ou distorcidas. Em última análise, a compreensão da
memória humana e de suas falhas é fundamental para entender como as falsas memórias
podem influenciar o processo penal e os depoimentos de testemunhas.

3.2 - FALSAS MEMÓRIAS:


O texto explora o conceito de falsas memórias, que são lembranças de eventos que nunca
aconteceram ou que ocorreram de maneira significativamente diferente da relatada. Essas
memórias podem surgir de forma espontânea, como parte do mecanismo de funcionamento
da memória, ou serem induzidas por influências externas.
As falsas memórias espontâneas são aquelas em que a pessoa recupera o significado e a
essência de um evento, mas não a memória literal, muitas vezes devido à inserção de novas
informações. Por outro lado, as falsas memórias sugeridas são influenciadas por informações
falsas fornecidas por terceiros ou pelo ambiente externo, levando a uma distorção da memória
original.
O texto destaca que as emoções desempenham um papel significativo na criação de falsas
memórias, especialmente em situações de traumas ou eventos intensos. Algumas técnicas
psicoterapêuticas usadas para recuperar memórias emocionais da infância podem resultar em
falsas memórias. Essas memórias falsas podem ser fruto de sugestões ou autossugestões e
podem criar uma narrativa completa ou apenas partes dela.
Além disso, o texto menciona que as falsas memórias não são mentiras deliberadas, mas sim
distorções na memória que levam a pessoa a acreditar sinceramente na veracidade do que está
relatando. Também enfatiza que, mesmo quando as memórias são totalmente fabricadas,
muitas vezes estão baseadas em alguma verdade subjacente.
Por fim, o texto ressalta que as pesquisas nas neurociências têm avançado na compreensão das
falsas memórias e questionado a capacidade humana de lembrar eventos de forma precisa.
Isso tem implicações na confiabilidade dos depoimentos de testemunhas em processos
judiciais e levanta questões sobre a liberdade de decisão humana.

4 - FALSAS MEMÓRIAS NA PROVA TESTEMUNHAL DO PROCESSO PENAL

O texto aborda a importância da prova testemunhal no processo penal, destacando que, em


muitos casos, é a única prova disponível. No entanto, discute o problema das falsas memórias
que podem afetar a confiabilidade das testemunhas. A falsa memória é reconhecida como uma
característica natural da memória humana, mas pode prejudicar a justiça processual. O
Ministério da Justiça realizou um estudo sobre a influência das falsas memórias nos processos
penais, revelando que muitos casos tiveram discussões sobre esse problema, principalmente
em crimes contra a dignidade sexual. No entanto, o impacto prático dessas discussões tem sido
limitado. O texto conclui que é necessário revisar as práticas jurídicas, a legislação e aprofundar
o conhecimento sobre o tema para neutralizar o problema no sistema de justiça penal.

4.1 - FATORES INTENSIFICADORES DAS FALSAS MEMÓRIAS NO PROCESSO


PENAL E POSSÍVEIS VIAS DE NEUTRALIZAÇÃO:
No contexto do processo penal, diversos fatores influenciam o desenvolvimento de falsas
memórias, sendo dois deles a passagem do tempo e o procedimento de evocação da
recordação.
O tempo desempenha um papel crucial nas narrativas com falsas memórias. Geralmente, as
falsas memórias são mais comuns quando o testemunho é prestado semanas, meses ou anos
após o evento em questão. A passagem do tempo pode fazer com que as lembranças se
deteriorem e, ao mesmo tempo, pode aumentar a durabilidade das falsas memórias, pois a
repetição das lembranças falsas pode fortalecê-las.
Para neutralizar o impacto do tempo na formação de falsas memórias, uma alternativa é a
realização de múltiplas entrevistas com a mesma testemunha, buscando detectar contradições
em sua narrativa ao longo do tempo. No entanto, essa abordagem tem suas limitações, pois a
repetição das entrevistas pode reforçar as falsas memórias.
Outro fator influenciador é o procedimento de evocação da recordação, especialmente no
contexto de reconhecimento pessoal. Muitas vezes, práticas informais, como apontar
diretamente o suspeito, podem induzir falsas memórias na mente das testemunhas.
Para mitigar a influência dos procedimentos inadequados de evocação da recordação, sugere-
se a adoção de práticas mais rigorosas e procedimentos formais, como a utilização de vidro
técnico em reconhecimentos presenciais. Além disso, a gravação de entrevistas na fase pré-
processual e a realização de registros escritos ou em vídeo durante abordagens policiais são
medidas que podem ser implementadas para melhorar a precisão das memórias.
Em resumo, a detecção e neutralização das falsas memórias exigem uma série de esforços,
incluindo a coleta adequada de provas, a utilização de técnicas de entrevista aprimoradas e a
documentação cuidadosa de eventos relevantes. Essas práticas visam aprimorar o sistema de
justiça penal e melhorar a qualidade das investigações e julgamentos.

4.2 - CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E AS FALSAS MEMÓRIAS:


O Código de Processo Penal (CPP) contém disposições que podem tanto auxiliar na prevenção
das falsas memórias quanto contribuir para a sua ocorrência.
O artigo 204 do CPP permite que as testemunhas consultem brevemente apontamentos
escritos ao prestarem depoimento, o que poderia ajudar a garantir uma lembrança mais
precisa dos eventos. No entanto, essa prática não oferece garantias, já que os apontamentos
podem já estar contaminados pela falsa memória no momento em que são feitos.
O artigo 17 do CPP permite a inquirição de testemunhas por videoconferência, o que pode
reduzir a influência de fatores externos que afetam a precisão da memória, como o temor ou
constrangimento causado pela presença do réu.
O artigo 210 do CPP estabelece que as testemunhas devem ser ouvidas de forma que não
saibam e nem ouçam os depoimentos das outras testemunhas, o que evita a contaminação das
lembranças uns dos outros. No entanto, essa prática nem sempre é rigorosamente seguida na
prática forense.
O artigo 212 do CPP define a forma como as perguntas às testemunhas devem ser formuladas.
Infelizmente, muitas vezes as perguntas são repetitivas ou indutivas, o que pode influenciar
negativamente a formação de falsas memórias.
No geral, embora o CPP contenha disposições que podem ser úteis para evitar ou minimizar
falsas memórias, a sua aplicação na prática forense nem sempre é adequada. Melhorias nos
procedimentos de inquirição, incluindo a adoção da entrevista cognitiva, podem ser benéficas
para reduzir a influência das falsas memórias no sistema de justiça penal.

5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Em conclusão, o fenômeno das falsas memórias é uma questão relevante que merece atenção
no sistema de justiça criminal. É crucial compreender como as memórias podem ser
influenciadas e distorcidas ao longo do tempo e durante o processo de coleta de provas.
É evidente que existe um descompasso entre as disposições legais e as práticas jurídicas
relacionadas à coleta de provas e ao depoimento de testemunhas. Essa disparidade pode
contribuir para o desenvolvimento de falsas memórias e prejudicar a busca pela verdade nos
processos criminais.
Para lidar com esse problema, é fundamental que os operadores do direito, incluindo
advogados, juízes e promotores, trabalhem em conjunto com outras disciplinas e ciências,
como a psicologia do testemunho e as neurociências. A adoção de práticas interdisciplinares
pode ajudar a desenvolver medidas e soluções que reduzam o impacto das falsas memórias no
processo penal, contribuindo para decisões mais justas e precisas na resolução dos casos
criminais.
Portanto, a conscientização sobre as falsas memórias e o compromisso com a melhoria dos
procedimentos no sistema de justiça criminal são passos essenciais para assegurar a equidade
e a integridade no processo penal. Isso não apenas protege os direitos dos acusados, mas
também ajuda a garantir que os verdadeiros culpados sejam responsabilizados pelos crimes
que cometeram.

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