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LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos, para quê? São Paulo: Cortez, 2010. [12ª Ed., Orig.

1998]

Capítulo 3 – “Os significados da educação, modalidades de prática educativa e a organização do sistema educacional”, pp. 69-103

1. Objetivo: os muitos significados de “educação”. (pp. 69-71)


1.1. Como elaborar uma definição apropriada de “educação”?
1.1.1. Proposta: considerar elementos etimológicos, definições clássicas e as críticas a essas definições.
1.2. A partir dessa elaboração: quais são as modalidades de educação e como elas podem se articular sistemicamente?
1.3. Hipótese: a prática educativa é o objeto de estudo da ciência pedagógica, centro das demais ciências da educação.
1.4. Justificativa: entre os profissionais da educação, há entendimentos diversos e fragmentados do que seja educação.
1.4.1. Por um bom motivo: educação é um fenômeno complexo e multidimensional.
1.4.2. Mas também por reducionismo: cada especialista vai enfatizar como educação a dimensão de sua especialidade.

“[...] precisamente por serem muitas as portas de entrada para o estudo da educação, faz-se necessário o esforço de clarificar
o âmbito do educativo, isto é, o que distingue o enfoque educativo da realidade de outros enfoques. Essa tarefa pertence à
Pedagogia, na condição de ciência da e para a educação; ela sintetiza as contribuições das demais ciências da educação, dando
unidade à multiplicidade dos enfoques analíticos do fenômeno educativo”. (p. 71)

2. O conceito de educação. (pp. 71-83)


2.1. É possível delimitar um conceito de educação que expresse as características distintivas do fenômeno educativo?
2.2. Etimologia.
2.2.1. Dois termos: educare (alimentar/cuidar/criar plantas, animais, crianças) e educere (extrair, conduzir para).
2.2.1.1. Gaston Mialaret, As ciências da educação, 1976: curiosamente, já na etimologia, notamos o conflito entre
‘alimentar’ com conhecimentos e desenvolver as possibilidades da criança.
2.2.2. Foi substantivada no termo educatio (educação), sintetizando os dois sentidos anteriores: cuidados aplicados aos
educandos para adaptar seu comportamento às expectativas da sociedade.
2.2.2.1. Esse é o sentido do senso comum até hoje: “dar educação”.
2.2.2.2. E como tal, é algo que se dá na família, na escola, na igreja, na fábrica e outros espaços sociais.
2.2.3. Tal sentido etimológico tem um viés conservador e funcionalista: função adaptadora e de reprodução social.
2.2.3.1. É inevitável partir dessa ideia básica; é a partir dela que se desenvolvem as teorias da educação, tratando
sobre sua natureza, fins, modalidades e métodos.
2.3. Algumas definições clássicas.
2.3.1. Ponto em comum entre as várias teorias clássicas: centralidade da ideia de desenvolvimento, i.e., a visão de que o
ser humano se desenvolve continuamente ao longo da vida, e a educação é a configuração da personalidade a partir de
determinadas condições.
2.3.2. Principal ponto de divergência: esse processo educativo depende de disposições internas, da influência do ambiente ou
da ação recíproca entre ambos? E, consequentemente, qual a finalidade da ação educativa?
2.3.2.1. Concepções naturalistas: inatistas – primazia dos fatores biológicos do desenvolvimento; logo basta “tirar para
fora” o que já existe na natureza do indivíduo. (Ex. Pestalozzi e as leis universais da natureza humana).
2.3.2.2. Concepções pragmáticas: inatistas – educação é autoatividade guiada pelos interesses e necessidades do
sujeito; logo, é preciso fornecer experiências de interação para o estímulo das funções cognitivas. (Ex. Dewey e a
educação como reorganização da nossa experiência vivida).
2.3.2.3. Concepções espiritualistas: inatistas – educação é a regeneração do ser humano, mediante um processo
interior de aperfeiçoamento na direção de uma verdade transcendental. (Ex. Pedagogia Católica e a “reta razão
iluminada por Cristo”).
2.3.2.4. Concepções culturalistas: inatistas – há uma predisposição do indivíduo para a apropriação dos bens culturais
acumulados pela humanidade, que são necessários para a formação da sua vida interior e personalidade; logo, a
educação é transmissão desses bens culturais. (Ex. Dilthey e a ideia de uma influência intencional no desenvolvimento
dos indivíduos).
2.3.2.5. Concepções ambientalistas: toda força educativa está no ambiente exterior, configurando a conduta dos
indivíduos às exigências da sociedade. (Ex. Durkheim e a educação como preparação física, intelectual e moral para
ocupar um lugar na sociedade; ou o Behaviorismo e a concepção do ser humano como uma criatura moldável por
estímulos, cabendo à educação organizar situações de indução e extinção de comportamentos).

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2.3.2.6. Concepções interacionistas: evitam a polarização entre ação educativa externa e atividade interna do sujeito.
2.3.2.6.1. Núcleo comum das várias teorias: a aprendizagem é um processo de construção ativa do
conhecimento pelo sujeito, durante toda a vida, através da interação com o meio.
2.3.2.6.2. Divergência: justamente o “quanto” é meio e o “quanto” é iniciativa do sujeito.
2.3.3. Essas teorias clássicas apontam para o ‘dilema do pensamento pedagógico de nossa época’ (Bogdan Suchodolski, A
pedagogia e as grandes correntes filosóficas, 1984): as relações entre educação e vida, i.e., a polarização entre o sujeito “ tal
como deve ser” e o sujeito “tal como é”.
2.3.4. Porém, todas elas se movem dentro de uma visão liberal de educação: isolam os sujeitos do seu contexto, ou consideram
o meio e as relações sociais como algo pronto e estático.
2.3.4.1. Esquecem-se que o processo educativo é um fenômeno social; imbuído, portanto, das contradições sociais.
2.4. A concepção histórico-social, desenvolvida dentro de uma tradição socialista-marxista, pretende criticar essa educação
liberal.
2.4.1. Concepção histórico-social: concebe a educação como expressão de uma determinada forma de organizar as relações
sociais dentro de uma sociedade.
2.4.1.1. Como tal, sob a hegemonia capitalista, ela reproduz as relações sociais e a ideologia dessa sociedade.
2.4.1.2. E, ao mesmo tempo, é palco de lutas, resistências e transformações.
2.4.1.2.1. Por isso é “histórico-social”: a educação nunca é a mesma em todas as épocas e lugares.
2.4.2. Consequentemente, a educação transborda as instituições tradicionais: os processos educativos ocorrem onde houver
produção da vida material e cultural (“práticas sociais”).
2.4.2.1. “Práticas sociais” são, inicialmente, práticas políticas; mas também no discurso pedagógico, na legislação, na
prática educacional. E, como tais, não são unívocas – são contraditórias, reprodutoras e disruptivas.
2.4.2.1.1. I.e: o saber “transmitido” pela ideologia pode ser apropriado e usado para a compreensão das
relações de poder, atuando para formação política das classes dominadas e sua conscientização para a práxis
de luta.
2.5. Diante disso, é possível arriscar algumas definições:
2.5.1. Educação em sentido amplo:

“Em sentido amplo, a educação compreende o conjunto dos processos formativos que ocorrem no meio social, sejam eles
intencionais ou não-intencionais, sistematizados ou não, institucionalizados ou não. Integra, assim, o conjunto dos processos
sociais, pelo que se constitui como uma das influências do meio social que compõe o processo de socialização”. (p. 81)

2.5.2. Educação em sentido estrito:

“Em sentido estrito, a educação diz respeito a formas intencionais de promoção do desenvolvimento individual e de inserção
social dos indivíduos, envolvendo especialmente a educação escolar e extra-escolar”. (pp. 81-82)

2.5.3. Logo, educação é uma prática social:

“A educação, enquanto atividade intencionalizada, é uma prática social cunhada como influência do meio social sobre o
desenvolvimento dos indivíduos na sua relação ativa com o meio natural e social, tendo em vista, precisamente, potencializar
essa atividade humana para torná-la mais rica, mais produtiva, mais eficaz diante das tarefas da práxis social postas num dado
sistema de relações sociais”. (p. 82)

2.5.3.1. É uma “configuração” dos sujeitos: formação por meio da transmissão e apropriação ativa de conhecimentos,
habilidades e valores orientadas à práxis social, em ambientes intencionalmente organizados para esta prática social.
2.5.3.2. Perpassada por relações sociais reais: objetivos e conteúdos não são neutros; estão postos pelas relações de
poder existentes numa sociedade (dominação/resistência).
2.5.3.3. O modo desse desenvolvimento se manifesta em processos de transmissão e apropriação ativa de
2.5.4. Mais do que isso, é prática social de mediação: movimento de objetivação-apropriação da cultura.
2.5.4.1. I.e.: conhecimentos, habilidades e valores são internalizados pelos sujeitos, mas não para adaptação à
realidade postas, e sim para um novo patamar de produção de cultura (prática transformadora).
2.5.4.2. É nesse movimento de objetivação-apropriação que se constituem os conteúdos da educação, em contexto.

3. Outros sentidos: educação como instituição, processo e produto. (pp. 83-86)


3.1. Educação como instituição social: estrutura organizacional.
3.1.1. Instituição materialmente falando: sistema educacional (que hoje vai além das redes de ensino).
3.1.2. Instituição culturalmente falando: a “educação brasileira”, “a educação antiga” etc.
3.2. Educação como processo: ação educadora.

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3.2.1. G. Mialaret: união de um agente, um modo de atuação e um destinatário.
3.3. Educação como produto: os resultados (o “aluno educado”).
3.3.1. Questão complexa: o que é sucesso na educação?
3.4. Em referências aos processos e produtos, ainda é preciso levar em consideração que a educação ocorre em muitas dimensões
(formação integral do ser humano).
3.4.1. Consenso na literatura sobre a preponderância das dimensões cognitiva, social, afetiva, física, estética e ética.
3.4.2. Porém, outras tem surgido, de acordo com as mudanças sociais: educação ambiental, educação sexual etc.

4. As modalidades de educação: informal, não-formal, formal. (pp. 86-92)


4.1. Primeira distinção importante: educação intencional e educação não-intencional.
4.1.1. Educação não-intencional: não planejada, é o poder de fatores naturais, ambiente social, valores, costumes e ideias
de condicionarem o processo de socialização e apropriação de conhecimentos e habilidades.
4.1.1.1. A ela pode-se chamar de “educação informal”.
4.1.2. Educação intencional: fruto da complexidade crescente da vida social cultural, é necessidade de organizar espaços,
tempos, objetivos, conteúdos e métodos de educação.
4.1.2.1. Esta desdobra-se em “educação formal” e “educação não-formal”.
4.2. Educação não-formal e formal:
4.2.1. “Formal” = estrutura. Portanto, onde houver trabalho pedagógico-didático previamente preparado, é formal.
4.2.1.1. Não é só a educação escolar que tem estrutura e forma: educação profissionalizante, sindical etc.
4.2.2. “Não-formal”: relações pedagógicas intencionais, mas com baixa estruturação.
4.2.2.1. É o caso de ações educativas dos movimentos sociais, animação cultural, equipamentos como museus etc.
4.3. Cautela: as modalidades informal, formal e não-formal se interpenetram.
4.3.1. Um grupo de mães organizadas em uma associação de bairro (não-formal) pode usufruir de um curso sobre aleitamento
materno (assunto informal), através de profissionais de saúde que irão ministrar as atividades com propósito e diretrizes
(formal).
4.3.2. A escola (formal) pode promover uma visita a um museu (não-formal).
4.4. Pedagogismo (educação = educação escolar) e sociologismo (tudo é educação) são reducionismos empobrecedores do debate.
4.4.1. O caráter não-intencional e não-institucionalizado da educação informal não diminui a importância do impacto das ações
humanas e ambientais na conformação dos hábitos, valores e modos de pensar e agir.
4.4.1.1. Há um rico campo de investigação aqui: estudos sobre educação e reprodução social, educação e trabalho,
currículo e sociedade, currículo explícito e currículo oculto etc.
4.4.1.2. Por causa do peso da ideia de “formação”, é preciso discutir a transformação dos processos educativos dentro
da escola e os efeitos dos elementos informais no seu dia a dia.
4.4.1.2.1. Esse tem sido o empenho da pedagogia crítico-social.

5. Setorização dos serviços educacionais. (pp. 92-95)


5.1. Necessidade agora de compreender como a educação-processo e educação-produto, em suas modalidades informal, formal e
não-formal, se articulam dentro de um sistema.
5.2. “Sistema educacional”: conjunto de princípios, instituições, estruturas e processos articulados para atingir os fins da educação.
5.2.1. Como expressão da especialização do processo educativo, não cabe falar de sistema para a educação informal.
5.2.2. Porém, ele não se limita ao sistema de ensino: há outras instituições educativas.
5.2.2.1. Dilema posto na LDB: bases da educação nacional? Necessidade de excluir outros espaços.
5.2.2.1.1. Nem tudo o que é intencional em educação vira institucional... Discussão sobre política educacional.

6. Educação como objeto de estudo da Pedagogia. (pp. 95-98)


6.1. Diante das definições anteriores, a conclusão é que a tarefa da Pedagogia é a teoria e prática da educação.

“A Pedagogia investiga os fatores reais e concretos que concorrem para a formação humana, no seu desenvolvimento histórico, para
daí extrair objetivos sociopolíticos e formas de intervenção organizativa e metodológica em torno dos processos que correspondem à
ação educativa”. (p. 96)

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6.1.1. Sendo a educação um fenômeno social, mutável, a Pedagogia também se transforma dialeticamente (se transforma ao
intervir no objeto de estudo, a educação).
6.1.2. Por mais que existam “ciências da educação” (Psicologia da Educação, Sociologia da Educação etc.), elas estudam o
fenômeno educativo a partir dos conceitos da sua área de origem; a Pedagogia não: aproximação global, própria.
6.1.2.1. A Pedagogia cria a pedagogia própria de cada prática educativa: pedagogia escolar, pedagogia profissional etc.
6.2. Sendo a educação escolar uma manifestação bem peculiar da prática educativa, há certo predomínio da pedagogia escolar.
6.2.1. I.e.: uma pedagogia preocupada com a instrução e o ensino.

7. Conclusão. (pp. 98-102)


7.1. O tema é complexo e a contribuição foi singela.
7.2. Porém, aponta-se para um problema: a Pedagogia não dispõe de uma estruturação formal de conceitos.
7.2.1. Necessidade de um maior desenvolvimento de uma teoria da educação mais sistemática.
7.3. Post-Scriptum.
7.3.1. Uma primeira versão do texto foi publicada em 1992, como resposta a críticas contra a pedagogia crítico-social, que
estaria defendendo a chamada escola tradicional.
7.3.1.1. Crítica de educadores populares: contraposição entre o papel dos movimentos sociais e a escola pública oficial.
7.3.1.2. Crítica de intelectuais da Sociologia da Educação: ênfase no caráter ideológico da escola pública oficial.
7.3.2. Pretendia-se apontar para um maior equilíbrio entre as modalidades da educação, sem reducionismos e defendendo o
espaço próprio da Pedagogia.
7.3.3. De lá para cá, os debates se intensificaram, com a chegada das discussões “pós-modernas”.
7.3.3.1. Boa parte dos educadores passa ao largo desse debate, enquanto outros são ávidos em aderir ou se defender
dos modismos, importação de temas sem conexão com as práticas ou defender/desprezar referências clássicas.
7.3.3.2. Necessidade de superar isso através de uma investigação mais precisa do fenômeno educativo, com
contribuições não enviesadas das outras ciências.

“[...] que se renuncie à tentação de substituir uma coisa pela outra, e ainda, a totalidade social pela singularidade, o
universal pelo particular, o texto pelo contexto, o social pelo cultural, a linguagem analítica e formal pela linguagem
representacional”. (p. 101)

7.3.4. Mas um acerto foi enfatizar a necessidade investigar a interface entre a educação informal, formal e não formal: hoje há
uma redução das fronteiras entre as modalidades, com as novas tecnologias.
7.4.3.1. Temos presenciado uma renovação da Pedagogia como teoria prática da ação educativa.

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