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SAVIANI, Dermeval. A escola e a democracia. Campinas: Autores Associados, 2008. (Orig.

1983)

Capítulo 3 – “A escola e a democracia II: para além da teoria da curvatura da vara”, pp. 47-64. (Orig. 1982)

1. A superação da pedagogia tradicional e da pedagogia nova. (pp. 47-49)


1.1. Recapitulação do texto anterior (“A escola e a democracia I”).
1.2. As teses apresentadas ali funcionam como antíteses às ideias dominantes no meio educacional hoje.
1.2.1. Curvar a vara: só enunciar a concepção correta não é o bastante – é preciso desautorizar o senso comum.
1.3. Portanto, agora, é momento de ultrapassar esse momento da antítese, rumo à síntese.
1.3.1. Para isso, tem-se a necessidade de aprofundar os conceitos usados anteriormente.
2. Pedagogia nova e pedagogia tradicional. (pp. 49-53)
2.1. “Pedagogia nova”, “pedagogia da existência” = concepção humanista da filosofia da educação.
2.1.1. Humanista porque se centra na vida, na atividade.
2.1.1.1. Várias correntes: pragmatismo, vitalismo, historicismo, existencialismo, fenomenologia.
2.1.1.2. Ainda que, no Brasil, se manifeste principalmente pelo pragmatismo da Escola Nova.
2.2. Contrapõe-se à pedagogia tradicional, da essência, que se centra no intelecto, no conhecimento.
2.2.1. Primado do psicológico sobre o lógico.
2.3. A primeira tese contextualizava ambas as pedagogias: passagem do igualitarismo à pedagogia das diferenças.
2.3.1. Com consequência política: justificação das desigualdades como “diferenças”.
2.4. E isso já é um indicativo da superação de ambas: as duas são cegas aos seus condicionantes objetivos.
2.3.1. Ambas são ingênuas e idealistas, pois entendiam que era possível modificar a sociedade pela educação.
2.3.1.1. I.e.: a relação entre educação e estrutura social é representada de modo invertido.
2.3.2. A pedagogia da essência possui um caráter revolucionário, por defender a igualdade essencial dos homens.
2.3.2.1. Que permanece: importância dos conhecimentos para a luta pela igualdade real, e não somente formal.
2.3.2.2. A diferença aqui é que concebemos os conteúdos culturais como históricos: devem-se transformar os
conteúdos formais, fixos e abstratos em conteúdos reais, dinâmicos e concretos.
2.3.2.2.1. Nesse ponto, é um dos méritos da Escola Nova: denunciar a formalidade dos conteúdos.
2.3.2.2.2. Mas não justifica a subordinação dos conteúdos aos métodos e processos.
2.4. Portanto, a pedagogia revolucionária é crítica, pois enxerga-se como condicionada.
2.4.1. A escola não é agente da transformação social (x teorias não-críticas)
2.4.2. Mas também não é determinada unidirecionalmente pela estrutura social (x teorias reprodutivista).
2.4.3. Trata-se de uma dialética escola-sociedade: superação da crença na autonomia ou na dependência absoluta
da educação em relação às condições sociais.
2.4.3.1. A pedagogia revolucionária está além da querela entre as pedagogias da essência e da existência.
3. Para além dos métodos novos e tradicionais. (pp. 53-64)
3.1. As críticas da Escola Nova não atingiram o método tradicional, mas sim a forma como ele se tornou desvinculado das
suas razões e finalidades, tornando-se repetitivo e mecânico.
3.1.1. Uma teoria, método ou proposta não devem ser avaliados não em si, mas nas suas consequências.
3.2. O movimento da Escola Nova acabou por aprimorar a educação das elites e empobrecer a educação das massas.
3.2.1. Funcionou nas escolas da elite.
3.2.2. Mas quando seu ideário chegou às escolas públicas populares, contribuiu para afrouxar a disciplina e secundarizar
a transmissão dos conhecimentos, rebaixando o nível do ensino.
3.3. Alguns até propuseram uma espécie de “Escola Nova Popular” (C. Freinet e Paulo Freire).
3.3.1. Freire situa-se dentro da concepção humanista apontada antes, por conta do seu existencialismo cristão.
3.3.1.1. Crítica a pedagogia tradicional (“bancária”) e advoga uma pedagogia ativa, dialógica.

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3.4. Curiosamente, justamente quando se formula essa radicalização freireana da Escola Nova, novos mecanismos de
recomposição de hegemonia são acionados, e o foco passa para o tecnicismo pedagógico.
3.4.1. Meios de comunicação de massa aplicados à educação e uso de “tecnologias de ensino”.
3.4.1.1. No limite, pode-se defender até mesmo a desescolarização!
3.5. É por isso que uma pedagogia articulada aos interesses populares valorizará a escola e o conhecimento.
3.5.1. Não será um discurso sobre o método: será a superação do tradicional e do novo.
3.5.1.1. Não é ecletismo: a discussão fica posta em outros termos.
3.5.1.1.1. Nem professor, nem aluno como centro: estes dois como agentes sociais.
3.5.2. Poderia ter até mesmo os cinco passos, semelhantemente aos esquemas de Herbart e Dewey:
3.5.2.1. Não a preparação (iniciativa do professor), nem a atividade (iniciativa do aluno): o ponto de partida é a
prática social comum a professor e aluno.
3.5.2.1.1. Apenas há uma diferenciação: a prática social entendida pelo professor é sintética, resultado
da articulação de seus conhecimentos e experiências sociais; pelos alunos como sincrética, caótica.
3.5.2.2. Não a apresentação de novos conhecimentos, nem o problema como obstáculo para o aluno transpor: o
segundo passo é a problematização da prática social e dos conhecimentos necessários para lidar com ela.
3.5.2.3. Não a assimilação de conteúdos ou coleta de dados: instrumentalização – a apropriação pelas classes
populares das ferramentas culturais necessárias à luta social pela emancipação.
3.5.2.4. Não a generalização, nem a hipótese: catarse – elaboração superior da estrutura social como
superestrutura na consciência (Gramsci).
3.5.2.5. Por fim, não a aplicação, nem a experimentação, mas sim a própria prática social novamente, agora
entendida sinteticamente, em pé de igualdade com o professor.
3.5.2.5.1. Por isso há um impacto na relação professor-aluno: a igualdade nunca é perdida de vista,
mas como ponto de chegada da relação.
3.5.2.5.2. Por isso a educação não muda a sociedade: transforma os agentes sociais, sujeitos da prática
social, ao mesmo tempo que precisa lidar com os condicionantes sociais das práticas que problematiza.
3.5.2.5.2.1. “Educação das consciências” (A. Sánchez Vázquez, Filosofia da práxis, 1968).
3.5.2.5.2.2. A compreensão da prática social passa por uma alteração qualitativa, sendo ela
suporte e contexto, pressuposto e alvo, fundamento e finalidade da prática pedagógica.
3.6. Essa teorização parte do conceito de educação como atividade mediadora no seio da prática social global.
3.6.1. Por isso o método não é indutivo, nem experimental: é dialético.
3.6.1.1. O movimento que vai da síncrese à síntese, passa por uma mediação da análise.
3.6.2. Nesse sentido, apesar da dialética ser método de ciência (como posto por Marx na Contribuição para a Crítica da
Economia Política), não se cai no mesmo erro da Escola Nova, ao confundir pesquisa e ensino: partimos da prática social
e retornamos a ela, descobrindo novos conhecimentos e assimilando eles.
3.6.2.1. Os cinco passos são um esforço didático: não são passos, são um único movimento orgânico e
articulado.
3.6.3. Poderíamos exemplificar essa concepção com o processo de alfabetização.
3.6.3.1. A necessidade de alfabetização é posta pela prática social.
3.6.3.1.1. Para as crianças, essa prática social é captada de modo caótico, sincrético; para o professor,
é uma síntese (ainda que precária).
3.6.3.2. Por sua natureza, é uma prática social que necessita de pouca problematização.
3.6.3.3. A instrumentalização se impõe: necessidade de passar de analfabeto para alfabetizado.
3.6.3.4. Cartarse: assimilação subjetiva da estrutura objetiva chamada língua.
3.6.3.5. Por fim, o alfabetizado adquire condições de ler e se escrever tão bem como o professor.
3.7. Por essas características, a pedagogia proposta acima se pretende a serviço dos interesses populares.
3.7.1. Tal “pedagogia revolucionária” (por falta de termo melhor) coloca a educação a serviço da transformação das
relações de produção; e como tal será atacada pelos interesses dominantes.
3.7.2.1. Trata-se de lutar no campo pedagógico como se luta na sociedade.

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3.7.2.1.1. Parte-se do dissenso, para transformar as relações de produção que impedem a igualdade
real em nossas sociedades, nas quais a escola está dialeticamente imbricada.

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