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VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Coordenação do trabalho pedagógico: do projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala de aula.

São Paulo: Cortez,


2019. [16ª edição revista e ampliada; original: 2002]

Capítulo 4 – “Sobre o papel da supervisão/coordenação pedagógica”, pp. 125-172.

1. Papel da supervisão pedagógica. (pp. 126-133)


1.1. Flutuação conceitual: supervisão pedagógica, coordenação pedagógica, professor-coordenador, pedagogo, orientador
pedagógico.
1.1.1. Não confundir com supervisão educacional: responsável pelo acompanhamento de várias escolas pelo sistema de ensino.
1.2. Qual é a sua identidade profissional? Alguns elementos:
1.2.1. Elemento histórico: função associada ao controle das atividades docentes.
1.2.1.1. PABAEE (1957-1964): parceria com o gov. dos EUA para formação de professores em “Inspeção Escolar”.
1.2.1.2. Lei n. 5692/1971: instituiu a supervisão como serviço específico da escola de 1º e 2º grau.
1.2.1.3. Propagação do tecnicismo educacional durante a ditadura: introjeção, na escola, de uma espécie de divisão
social do trabalho (separando que planeja/supervisiona de quem executa).
1.2.1.3.1. Celestino Silva Jr., Supervisão da educação: do autoritarismo ingênuo à vontade coletiva, 1984:
postulando-se a incompetência do professor, assegura-se a posição do supervisor.
1.2.2. Definição negativa do papel: anseios por uma reconfiguração da situação da supervisão pedagógica.
1.2.2.1. Não é fiscal de professor, nem “pombo-correio” do sistema de ensino.
1.2.2.2. Não é ajudante de professor, diretor etc.
1.2.2.3. Não é burocrata, nem profissional de gabinete.
1.2.2.4. Não é “dicário”, nem generalista (entender de quase nada de quase tudo).
1.2.3. Definição positiva:

“[...] a coordenação pedagógica é a articuladora do Projeto Político-Pedagógico da instituição no campo


Pedagógico, organizando a reflexão, a participação e os meios para a concretização do mesmo, de tal forma que a
escola possa cumprir sua tarefa de propiciar a todos os alunos a aprendizagem efetiva, o desenvolvimento humano
pleno e a alegria crítica (docta gaudium), partindo do pressuposto de que todos têm direito e são capazes de
aprender”. (pp. 128-129)

1.2.3.1. Portanto, o núcleo definidor da identidade é o pedagógico: processos de ensino e aprendizagem de todos.
1.2.3.2. Logo, é uma função supervisora, e não uma posição supervisora: ele é um educador/formador da sua equipe.
1.2.3.2.1. Relembrando Cap. 3: é um intelectual orgânico do seu grupo.
1.2.4. Elemento essencial de sua identidade: a prática da mediação.
1.2.4.1. I.e.: a capacidade de articular a pedagogia da sala de aula à pedagogia institucional (educar os educadores).
1.2.4.2. Quem gere a sala de aula é o professor em sua relação com os alunos; mas o coordenador/supervisor é
elemento catalisador dessa interação.
1.2.4.2.1. O coordenador acolhe e tensiona o professor, segundo os valores e objetivos do PPP.
1.2.5. Ampliando os horizontes com outros elementos:
1.2.5.1. Natureza das relações com a administração educacional central: interface, não intermediário.
1.2.5.1.1. É papel do coordenador fazer uma aproximação crítica entre as demandas do sistema de ensino e
do interior da escola.
1.2.5.2. “Líder de comunidades formativas” (Alarcão).
1.2.5.2.1. I.e.: especialista em processos de formação que se desdobram para além da escola (comunidade).
1.2.6. Situação das condições de trabalho.
1.2.6.1. As próximas partes deste capítulo irão analisar mais profundamente esses elementos objetivos e subjetivos.

2. Condições subjetivas para a ação supervisora. (pp. 133-170)


2.1. Todo processo de mudança enfrentará resistência (às vezes legitima, às vezes mera teimosia).
2.2. Para transformar as práticas dentro da escola, o supervisor pedagógico deve dominar três dimensões:
2.2.1. Dimensão atitudinal: valores e crenças (é a parte mais desafiadora).

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2.2.2.1. Esforço para não moralizar o trato com os professores: analisar a gênese de práticas distorcidas – alienação.
2.2.2.2. Como fazer isso?
2.2.2.2.1. Usar categorias de análise para qualificar as intervenções:
2.2.2.2.1.(1). Criticidade: ‘por que as coisas estão assim?’.
2.2.2.2.1.1.1. É o avesso da ingenuidade (não ver o problema), da reprodução da ideologia
dominante (negação do problema) e das pseudossuperações (maquiar o problema).
2.2.2.2.1.1.2. Trata-se de compreender a natureza contraditória do real: problematização
para a tomada de consciência.
2.2.2.2.1.1.3. Necessidade de: momento positivo (identificar pontos fortes), problematização
(crítica), autocrítica (pautar as próprias contradições) e metacrítica (entender os limites da
análise e das possibilidades do real).
2.2.2.2.1.(2). Totalidade: princípio da complexidade (Morin).
2.2.2.2.1.2.1. Não focar nos indivíduos: focar nas relações complexas que se desdobram
dentro da escola.
2.2.2.2.1.2.2. Ao intervir, tentar ser sistêmico: quanto mais elementos mobilizados, maiores
os efeitos possíveis.
2.2.2.2.1.(3). Historicidade: ‘como chegamos a isto?’.
2.2.2.2.1.3.1. A história do profissional, do grupo, da instituição, do sistema de ensino: tudo
informa melhor a natureza da situação atual das coisas.
2.2.2.2.2. Desenvolver sensibilidade e confiança.
2.2.2.2.2.1. Centralidade do afeto na construção das relações: deixar-se afetar pelo outro.
2.2.2.2.2.2. Cuidar para não se precipitar ou generalizar julgamentos.
2.2.2.2.2.3. Identificar e valorizar mudanças, mesmo que pequenas.
2.2.2.2.2.4. Construir relacionamentos de confiança com base em ações concretas.
2.2.2.2.2.5. Saber lidar com críticas.
2.2.2.2.2.6. Colocar-se sempre em postura de formação.
2.2.2. Dimensão procedimental: saber-fazer.
2.2.2.1. Usar as seguintes categorias de intervenção para referência do trabalho:
2.2.2.1.(1). Práxis: ação transformadora, refletida, imbuída de emoção e vinculada à realidade.
2.2.2.1.1.1. Um vício comum é entender a teoria com vindo “antes” da prática.
2.2.2.1.1.1.1. Motivo: preconceito com a “teoria” após sucessivas “receitas” e modismos. Os
efeitos dos erros pedagógicos demoram a aparecer, complicando sua avaliação.
2.2.2.1.1.1.2. Motivo: domínio dos saberes provenientes da experiência dos estudantes, que
não são problematizados na formação inicial (ao chegar na graduação, os alunos já têm anos
de experiência escolar).
2.2.2.1.1.2. Porém, quando não há “teoria” explicitada, o que existe é ideologia reproduzida.
2.2.2.1.1.3. A ideia de práxis rompe com isso: é reflexão a partir da prática, é prática refletida,
reflexão sobre a prática e reflexão sobre reflexão.
2.2.2.1.1.3.1. O professor como autor.
2.2.2.1.(2). Método: sistematicidade das intervenções, através de um plano de trabalho.
2.2.2.1.2.1. Um vício comum é a coordenação não se distinguir do grupo e não ter um norte a seguir.
2.2.2.1.2.2. Para qualificar as intervenções no cotidiano da escola é preciso:
2.2.2.1.2.2.1. Compreender concretamente a realidade.
2.2.2.1.2.2.2. Ter clareza de objetivos (intencionalidade posta no PPP).
2.2.2.1.2.2.3. Estabelecer um plano de trabalho.
2.2.2.1.2.2.4. Agir conforme o planejamento.
2.2.2.1.2.2.5. Avaliar sua própria prática.
2.2.2.1.2.3. Significa ter méthodos (metà = fim + hodos = caminho): não perceber intuitivamente a
realidade, mas sim esmiuçar os nexos dela.
2.2.2.1.(3). Continuidade-ruptura.

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2.2.2.1.3.1. G. Snyders, Para onde vão as pedagogias não-diretivas: partir de onde o sujeito está,
mirando nas superações da condição presente.
2.2.2.1.3.2. I.e.: a dialética do respeitar e problematizar.
2.2.2.1.3.2.1. Articular o antigo e o novo em um ato presente de criação.
2.2.2.1.(4). Diálogo problematizador: interlocução.
2.2.2.1.4.1. É um duplo privilégio da coordenação estar numa função que permite escutar os
indivíduos e enxergar o conjunto.
2.2.2.1.4.2. Por isso, é de suma importância legitimar as falas dos professores, ao mesmo tempo em
que trava um diálogo franco, aberto a críticas e tendo por horizonte o PPP.
2.2.2.1.(5). Significação: resgatar o valor e o sentido comum do trabalho educativo.
2.2.2.1.5.1. I.e.: trabalhar a desesperança e o ceticismo.
2.2.2.2. Usar as seguintes categorias de sustentação da mudança:
2.2.2.2.(1). Ética: assumir responsabilidades (mesmo quando indesejadas) e querer o bem do grupo.
2.2.2.2.(2). Visão de processo: a mudança vem por aproximações sucessivas.
2.2.2.2.(3). Avaliação: coragem para questionar o trabalho e ter uma relação propositiva com o erro.
2.2.2.2.(4). Participação: diretividade interativa (nem espontaneísmo, nem anomia – ter proposta e debatê-
la).
2.2.2.3. Usar algumas estratégias complementares.
2.2.2.3.1. Diversidade de formas de intervir: atendimentos individuais, planejamento coletivo, reuniões
semanais por ciclo, disciplina, séries etc., acompanhamento de aulas, momentos de estudo em grupo.
2.2.2.3.2. Sobre os modos de vínculo, há dois modelos comuns no Brasil: um coordenador por escola, ou
coordenadores itinerantes.
2.2.2.3.3. Experiências de sucesso:
2.2.2.3.3.1. Estudos coletivos: ter cuidado na seleção de textos com ligação com a realidade da
escola.
2.2.2.3.3.2. Circular boas práticas: levar ou trazer professores para fazer relatos de experiências.
2.2.2.3.3.3. Visão estratégica: gastar energia com quem quer mudar, ao invés de tentar “vencer” os
mais resistentes.
2.2.2.3.3.4. Estudos de caso: melhor forma de detonar processos de reflexão sobre a prática.
2.2.2.3.3.5. Acompanhamento das aulas: pactuar com os professores e sempre dar devolutivas
formativas, e não práticas de vigilância.
2.2.2.3.3.6. Superar o papel de controle sobre os instrumentos de avaliação (“dar o aval”): essa
prática é criadora de dependência e impede a reflexão sobre os erros.
2.2.2.3.3.7. Reduzir a burocracia ao mínimo (formulários que ninguém lê, nem dá devolutiva).
2.2.3. Dimensão conceitual: construir o conhecimento do professorado.
2.2.3.1. Mais do que dominar diferentes teorias da aprendizagem, é ajudar o professor a ser autor da “epistemologia
da sua prática” (Schön).
2.2.3.2. Envolve:
2.2.3.2.1. Movimento de construção-desconstrução: tensão entre uma teoria (entendida como uma mediação
simbólica da realidade) desejada e uma teoria subjacente na consciência.
2.2.3.2.1.1. Isso se faz com uma “arqueologia da consciência” (Freire): i.e., trabalhar com as
representações mentais sobre o ensino, os alunos, o currículo, a avaliação etc.
2.2.3.2.1.2. Isso só ocorrerá dentro de um clima de respeito e liberdade: eliminar as barreiras e
constrangimentos nas discussões, para que o saber seja reconstruído no diálogo.
2.2.3.2.1.3. Logo: existência de um diálogo autêntico = combater o autoritarismo e a imaturidade.
2.2.3.2.1.3.1. Presente nas partes: estabelecer um clima de curiosidade epistemológica em
relação à própria prática, com humildade e abertura.
2.2.3.2.1.3.2. Presente na instituição: autoavaliar a escola e estabelecer condições objetivas
para a reflexão sobre suas práticas.
2.2.3.2.2. Domínio dos sabres disciplinares (problema caro à coordenação).

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2.2.3.2.2.1. É uma angústia comum o coordenador tentar conhecer de todas as áreas do
conhecimento ou abster-se de compreender as particularidades de cada campo do saber (“jogar a
toalha”).

“Entendemos que o supervisor deve ter uma sólida formação em termos de uma concepção de
educação e de seus fundamentos (históricos, epistemológicos, pedagógicos, sociológicos,
psicológicos, antropológicos) aliada a um conhecimento dos conceitos fundamentais de cada área do
saber, bem como a uma cultura geral que lhe permite ter uma visão de totalidade da prática
educativa”. (p. 169)

2.2.3.2.2.2. Sendo o papel do coordenador fazer a mediação crítica entre os professores e o saber,
está tudo bem ele não entender de tudo em todas as áreas do conhecimento: manter a postura de
busca por capacitação permanentemente.
2.2.3.2.2.2.1. Ou seja: na interlocução com o professor, os saberes são postos em
circulação, onde ambos são aprendizes.

3. Condições objetivas para a ação supervisora. (pp. 170-172)


3.1. São igualmente essenciais as condições objetivas (materiais e políticas) de trabalho do supervisor pedagógico.
3.1.1. Melhores condições de trabalho do ponto de vista administrativo, pedagógico e comunitário.
3.1.2. Ter espaços e tempos adequados para realizar o trabalho coletivo.
3.1.3. Ter espaços e tempos adequados para realizar o acompanhamento individual dos professores.
3.1.4. Dispor de biblioteca pedagógica na escola.
3.1.5. Ter possibilidades de articular o trabalho pedagógico da escola com outras unidades.
3.1.6. Ser possível constituir um grupo de formação permanente dos coordenadores/supervisores.
3.1.7. Organizar grupos de pesquisa espontâneos, abertos a qualquer profissional.
3.1.8. Diminuir a rotatividade de professores nas escolas.
3.1.9. Lutar pela continuidade (crítica) das políticas educacionais iniciadas.

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