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Os transcendentais

Uma doutrina inegavelmente medieval é a


dos transcendentais. Foi defendida por Tomás de
Aquino, em exemplo. Contudo, a minoria que
estuda a filosofia do Aquinate sabe qual seja.
Afim de trazer o tema para o círculo de
divulgação (afinal, há numerosos artigos que
tratam das cinco vias e da via negativa. No
entanto, nenhum que trate dos transcendentais,
explique-os de forma didática e correta e
combata seu detratores. O tema é demasiado
esquecido.), escrevo este breve texto.
Longe da pretensão de expor
detalhadamente os termos ou de resolver a
problemática, peço que corrijam-me e
apresentem objeções nos comentários, será de
muita ajuda.
Verum, Bonum, Res, Aliquid,
Anum, Pulchrum
Os transcendentais são uma forma de
exprimir “um modo geral aplicável a todo
ente”. Os transcendentais são conceitos que
encontramos em todas as coisas que existem — e
Naquele que É. São, assim, sinônimos do ente e
identificam-se com ele na realidade, in re,
distinguindo-se apenas no intelecto. São, a rigor,
aspectos ou propriedades do ente, e dizem-se
mutuamente convertíveis com ele.
O ente, pois, é dito uno, porque não é
divisível. É dito verdadeiro de acordo com a
inteligência e bom segundo a vontade. Isso
equivale a dizer que tudo o que é ente, que existe,
é verdadeiro e bom segundo seu próprio modo de
ser. Algo é mais ou menos bom, mais ou menos
verdadeiro, quanto tem mais ou menos de ser.
Tudo o que é, é uno, indivisível e uma
totalidade de sua existência. O
transcendental unum refere-se à totalidade e
identidade do ente, determinado por uma forma,
essência. É evidente que uma coisa não pode ser
ela mesma e outra ao mesmo tempo,
contrariando o princípio de individuação
numérica. Logo, tudo o que é, é uno, uma
totalidade em si mesmo e único numericamente.
Para além disso, algo é dito verdadeiro
quando o apreendemos corretamente; “veritas
est adaequatio intellectus ad rem”, diz o
Aquinate. Ao nosso intelecto adequar-se à coisa,
é expressada a verdade. A verdade, no entanto,
não depende do juízo próprio da alma, mas antes
se encontra nas coisas, como adianta veremos.
Para além disso, algo pode ser dito bom de
acordo com o apetite (leia-se: vontade) que o
deseja. O desejável pela vontade, pois, é bonum.
Temos dupla via: o ente é verdadeiro quando
apreendido corretamente pelo intelecto e bom
quando desejado pela vontade. Pelo supra-
exposto pode parecer que os transcendentais não
existem realmente, in re, mas apenas em nossa
mente. O oposto é o verdadeiro.
O estatuto ontológico dos
transcendentais
A realidade pode ser considerada a partir de
dois tipos de intelecto: (i)o divino; (ii)os demais
(que incluem as substâncias separadas -anjos- e
os humanos). Já foi demonstrado, no
artigo “Sobre a Santíssima Trindade”, que o Sumo
Ser Subsistente possui ações intelectivas e uma
vontade. Deus, mais precisamente, conhece todas
as coisas mediante um único e eterno ato de
intelecção e quer todas as coisas, enquanto deseja
primeira e propriamente a si mesmo.
Não é verdade que se não inteligirmos algo
este passa automaticamente a ser falso, nem que
ao não desejarmos algo este passa a ser mau. Se o
estatuto ontológico dos transcendentais estivesse
sob tutela do intelecto humano, mui
sugestivamente, eles estariam em constante
contradição nas coisas, podendo algo ser bom e
mau, verdadeiro e falso ao mesmo tempo em
relação a duas pessoas que o conceituam. Os
entes, no entanto, ao serem sustentados no ser
pela potência ativa divina já “comportam” os
transcendentais, pois esse et bonum, verum, unum
convertur. A coisa tem de verdade, de bondade e
unidade o mesmo tanto que possui de ser. Ao
serem inteligidas, pensadas, como artífice pensa
nos seus produtos antes de fazê-los, toda criatura
diz-se verdadeira. Ao serem desejadas por Deus
mediante o desejo de si mesmo, toda criatura diz-
se boa, ou que possui bem.
Se, porem, alguém considera mau ou falso
algo que pelo Sumo Ser Subsistente é mantido no
ser, e por isso é bom e verdadeiro, não há
contradição, se não que por conta de um
intelecto infinitamente débil em potência
intelectiva, há a pífia e errante apreensão do
objeto. O Sumo Intelecto não pode errar, é
contínuo, sempre em ato; a este não lhe falta
qualquer perfeição. Se os ente são ditos bons,
verdadeiros e unos segundo o tanto mesmo que
possuem de ser, o Sumo Ser Subsistente será dito
Sumo Bem, a Verdade, de todo Uno, e todas as
qualidades que se podem encontrar nas coisas
criadas em modo máximo, como já foi visto.
Ademais, ao conhecer e querer primeira e
propriamente si mesmo é dito Suma Verdade e
Sumo Bem.

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