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A história da saúde mental no Brasil e na Alemanha
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Você está aqui » Início » Comunicação e informação » Notícias » Entrevista: A história da saúde mental no Brasil e na Alemanha
15/12/2016
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2017515 Entrevista: A história da saúde mental no Brasil e na Alemanha
atuação, abordando as críticas que recebeu em seu país e também no
Brasil. Ao falar sobre as pesquisas em torno da eugenia e a medicina
mental internacional, relata que há um esforço relativamente recente de
trabalho com a história transnacional ou global no Brasil. O historiador
disse acreditar que nos próximos anos novos trabalhos contribuirão com o
tema.
As viagens internacionais de
psiquiatras e neurologistas são
citadas em diversos trabalhos da
historiografia brasileira, mas não
como parte de uma profunda
Pedro Muñoz. Foto: Arquivo Pessoal.
investigação sobre as redes
científicas transnacionais da medicina mental. Embora sejam trabalhos de
grande qualidade, existem lacunas, sejam de ordem analítica, sejam datas
e dados gerais. Isso ocorreu pela própria abordagem da historiografia, ou
mesmo, pela grande perda e dispersão de fontes de época e, ainda, pela
pouca existência de acervos pessoais. Nesse sentido, a documentação alemã
contribuiu para o trabalho de análise dessas lacunas. Talvez, o caso do
psiquiatra baiano Juliano Moreia seja o mais exemplar. Por ter sido um dos
principais nomes da psiquiatria brasileira, na primeira metade do século 20,
Moreia foi muito estudado pela historiografia. Porém, os estudos se
restringiam a perspectiva da história nacional, fazendo com que suas
viagens e seus contatos internacionais fossem apenas acionados para
explicar as reformas empreendidas por ele, ao longo de sua direção no
Hospício Nacional de Alienados, entre 1903 e 1930. Nesses trabalhos, foi
muito analisada a reapropriação da psiquiatria kraepeliana, seja em uma
perspectiva difusionista ou não. Sabia‐se da fama internacional de Juliano
Moreira. Porém, não tínhamos maiores informações sobre como Juliano
Moreira era visto e tratado por seus colegas estrangeiros. Tampouco,
tínhamos a real dimensão de sua rede internacional, isto é, como ela foi
montada, em parceria com que médicos brasileiros, em contato com que
médicos alemães e estrangeiros, com que recursos, que contingências
históricas favoreceram a sua organização etc. Embora a tese aprofunde
algumas questões do contexto nacional, o foco maior da tese foi estudar o
intercâmbio e as relações científicas bilaterais entre Brasil e Alemanha. Era
nesse ponto que eu e meus orientadores, Cristiana Facchinetti e Stefan
Rinke, pretendíamos dar uma maior contribuição para a historiografia. O
objetivo da tese foi mostrar como as ideias, saberes e modelos
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institucionais circulavam. No caso de Juliano Moreira, mostrei quando
exatamente ocorreu sua primeira viagem; como e em que circunstâncias
ocorreram as demais; o que elas representaram; discuti como sua primeira
viagem a Europa modificou sua agenda de trabalho; comparei a agenda de
pesquisa de Moreira com a de Kraepelin, bem com os modelos
institucionais criados ou acionados pelos dois; acompanhei a formação de
sua equipe de colaboradores ao longo de sua trajetória; mostrei que
Afrânio Peixoto, Ulysses Vianna, Antonio Austregésilo e, por fim, Cunha
Lopes atuaram em diferentes momentos e em distintas circunstâncias na
parceria com Juliano Moreira durante o processo de aproximação da
psiquiatria brasileira com a alemã, já que cada um desses personagens
tinha seu próprio itinerário político e sua própria agenda intelectual de
trabalho.
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transmissores de doenças. Apontou também a existência de vetores e
contribuiu para a produção de vacinas. Com isso, a medicina realizou um
novo investimento no corpo e no biológico, utilizando‐se de novas
ferramentas (microscópio e laboratórios) e novas formas de olhar
(Foucault). Embora isso não tenha sido um processo linear, muito menos
marcado pela ausência de debates, polêmicas e resistências, pode‐se dizer
que a revolução bacteriológica representou um importante capítulo da
história da medicina como ciência. No caso da medicina mental, observei
que os médicos alemães, desde o século 19, estavam centrados nos
mesmos objetivos: uso do microscópio, criação de laboratórios,
desenvolvimento de estudos clínicos e anatomofisiológicos, muita
especialização e experimentação etc. Atento a tudo isso, Kraepelin montou
uma equipe de colaboradores e uma nova agenda de pesquisa para a
medicina mental em Dorpat, em Heidelberg e, finalmente, em Munique. No
entanto, o próprio Kraepelin anotou em sua “Autobiografia” que existiam
muitas dificuldades para a psiquiatria alcançar êxitos similares aos da
bacteriologia. Diferentemente dos neurologistas do século 19, que colocaram
a clínica em segundo lugar, por entenderem a doença mental como
incurável, Kraepelin fez uma defesa feroz da importância da clínica e da
psicologia, isto é, do contato com os pacientes. Ao tentar solucionar as
dificuldades para a produção do conhecimento científico na medicina
mental, Kraepelin em colaboração com Franz Nissl e Alois Alzheimer,
montou uma agenda de trabalho inovadora que circulou internacionalmente.
No Brasil, coube a Juliano Moreira realizar a reapropriação das diretrizes
de pesquisa lançadas por Kraepelin. Em uma conferência, no Rio de
Janeiro, em 1931, o médico alemão Walter Spielmeyer destacou os avanços
da medicina mental desde o desenvolvimento das técnicas de microscopia
de Nissl, ainda no século 19. Porém, destacou também a existência de
lacunas e persistentes dificuldades. Em 1933, Ernst Rüdin, ex‐aluno e
colaborador de Kraepelin em Munique, assumiu a direção do Instituto
Alemão de Pesquisas Psiquiátricas e implementou uma agenda de trabalho
radicalmente diferente da perspectiva lançada por Kraepelin e retomada
por Walter Spielmeyer – que havia se tornado diretor do instituto quando
Kraepelin faleceu, em 1926. Rüdin centralizou os esforços na psiquiatria
genética e na higiene racial (eugenia alemão). O médico brasileiro Ignácio
da Cunha Lopes, que acompanhou o trabalho de Rüdin, em 1930, destacou
que a fase curativa da medicina havia declinado, sendo substituída pela
fase profilática. Isto quer dizer que a clínica, a psicologia e mesmo a
anatomopatologia de Nissl e Spielmeyer cediam lugar à psiquiatria genética
e à eugenia, que representavam outro tipo de discurso biológico da
medicina mental, bem como uma distinta agenda biopolítica. A diferença
entre o Brasil e a Alemanha é que os colegas brasileiros, embora afinados
no discurso biológico da higiene racional alemã (Cunha Lopes foi um deles),
não conseguiram colocar em prática no país essa outra agenda biopolítica
mais radical, que renegou a clínica em prol da esterilização ou mesmo da
eutanásia. Além disso, mostrei que essa agenda biopolítica mais radical não
era um consenso, nem na República de Weimar, nem no Brasil dos anos
1920 e 1930. Para entender como ela se tornou prioritária na Alemanha,
tive que seguir a história das universidades e dos cientistas alemães no
Terceiro Reich.
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trabalhos de André Felipe Silva, Magali Sá [Romero], Stefan Wulf e Stefan
Rinke (só para citar alguns exemplos) é que a Alemanha saiu bastante
debilitada da guerra, seja do ponto de vista político e econômico, seja na
seara científica internacional. Ao final da Primeira Guerra Mundial, os
cientistas franceses e belgas organizaram um boicote à ciência alemã. Os
cientistas alemães foram proibidos de participar dos congressos e eventos
internacionais. A língua alemã, até então forte na ciência internacional,
também foi excluída. Nesse contexto, como disse, organizou‐se uma política
cultural exterior (Kulturpolitik) e uma política latino‐americana
(Lateinamerikapolitik) que contribuíram para o aumento da presença alemã
na América Latina, bem como para o acirramento da disputa por influência
entre França e Alemanha na América do Sul. Embora os cientistas tivessem
suas próprias iniciativas, eles se associaram a essas políticas para
barganhar apoio econômico junto ao Estado (brasileiro e também o
alemão). Isso facilitou, por exemplo, a circulação de médicos brasileiros na
Europa e de médicos alemães na América do Sul. Entre os médicos
alemães, vieram basicamente neurologistas, cujo esforço de atração por
parte dos brasileiros pode ser encontrado nas fontes antes mesmo da
Primeira Guerra Mundial.
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Medicina do Rio de Janeiro. Moreira teve que brigar na arena intelectual
(defender suas ideias e pontos de vista), mas teve também que negociar
no plano político. O resultado dessas negociações foi a publicação da
classificação nacional de doenças mentais de 1910. Embora, Kraepelin tenha
sido uma grande referência, ele foi também um dos principais pontos de
discordância. É dessa forma que propus entender Kraepelin e sua
importância para a psiquiatria brasileira do século passado.
Em primeiro lugar, deixei de lado esse guarda‐chuva tão usado para falar
da psiquiatria alemã. Refiro‐me ao organicismo. Embora os estudos
anatomopatológicos produzidos nos laboratórios alemães tivessem marcado
uma época, penso não ser correto dizer que apenas os alemães eram
organicistas. Antonio Austregésilo, após visitar os Estados Unidos em 1927,
defendeu que os estudos semiológicos e anatomopatológicos estavam
bastante avançados na América do Norte. Na França, perseguia‐se, desde
Pinel, o extrato orgânico e biológico da doença mental. Na tese, mostro,
por exemplo, que Kahlbaum [Karl Ludwig] ‐ importante referência para
Kraepelin ‐ dialogava com seus colegas franceses Falret [Jean‐Pierre] e
Bayle [Antoine‐Laurent]. Estes dois acreditavam que a patologia mental
poderia ser isolada, tal como ocorreria na anatomoclínica da medicina
geral. Quando Henrique Roxo visitou Paris, ele destacou a importância dos
laboratórios franceses e dos estudos anatomopatológicos. Por essa razão,
decidi abrir mão desse guarda‐chuva do organicismo e decidi analisar os
diferentes discursos biológicos produzidos pela medicina mental, no período
estudado. Isso se mostrou bastante importante para compreender também
as relações entre os saberes investigados: psiquiatria, neurologia e eugenia.
Acho curiosa a sua pergunta, embora ela seja muito pertinente. Digo isso,
porque na tese eu procurei entender o inverso, isto é, como e por que a
medicina mental contribuiu para a Era dos Extremos. Porém, existem
muitos trabalhos que responderão a sua pergunta. Todos eles foram
produzidos ao longo do movimento da Reforma Psiquiátrica. Não há dúvidas
que as grandes guerras, os genocídios, o holocausto e os autoritarismos
contribuíram, e muito, para que a psiquiatria tenha sido amplamente
contestada e modificada, na segunda metade do século 20. Os trabalhos de
Franco Basaglia, Benedetto Saraceno, Paulo Amarante, Joel Birman e
Jurandir Freire Costa discorrem bem sobre as mudanças pelas quais a
psiquiatria passou no mundo e no Brasil. A reforma foi realizada e, aqui,
foi organizada uma rede de atenção psicossocial, com ambulatórios e CAPs
[Centros de Atenção Psicossocial]. Parece‐me que, no entanto, vivemos
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novos desafios no século 21. Temos uma sociedade altamente medicalizada,
baseada no espetáculo, no consumo e no imperativo da felicidade. O
resultado disso é um alto consumo de remédios psiquiátricos como Rivotril
e Ritalina, muitas vezes sem o devido acompanhamento médico. Os
elevados índices de depressão, pânico, alcoolismo e drogadição chamam
bastante a atenção dos especialistas. Aos historiadores, cabe investigar a
relação entre o DSM IV e V [Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders, no original em inglês (4ª e 5ª edições)] e os chamados médicos
neokraepelianos. E, talvez, assim, apresentar as continuidades e
descontinuidades entre a psiquiatria biológica do século 21 e a psiquiatria
alemã da primeira metade do século 20. Talvez, neste ponto a minha tese
de doutorado traga contribuições importantes, embora não seja esse o seu
tema, inclusive, porque foge bastante do recorte temporal da pesquisa.
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