Colite pseudomembranosa: desregulação da microbiota intestinal
como causa de infecção clínica por Clostridium difficile
Rio Branco - Acre
2022 UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE E DO DESPORTO
CURSO DE BACHARELADO EM MEDICINA
Mário Marcelo Freire de Melo
Colite pseudomembranosa: desregulação da microbiota intestinal
como causa de infecção clínica por Clostridium difficile
Trabalho apresentado à disciplina de
Fisiologia Médica II, do curso de Bacharelado em Medicina da Universidade Federal do Acre. 03 de junho de 2022
Prof. Dr. César Arruda Meschiari
Docente
Rio Branco - Acre
2022 Colite pseudomembranosa: desregulação da microbiota intestinal como causa de infecção clínica por Clostridium difficile A microbiota intestinal estabelece uma relação de comensalismo com o hospedeiro, absorvendo os nutrientes do lúmen dos intestinos e, como consequência de sua localização e atividade metabólica, colaborando para a manutenção de um ambiente desfavorável à proliferação de microorganismos potencialmente patogênicos. Quando este cenário é perturbado, tem-se uma disbiose: o desequilíbrio entre organismos comensais benéficos e agressores predispõe o indivíduo a alterações do trato gastrointestinal, como maior risco a infecções, sepse e diversos distúrbios fisiológicos, incluindo-se doenças neurológicas, endócrinas e cardiovasculares (PANTOJA, C. L et al, 2019).
Nesse sentido, é importante ressaltar que esta função protetora é
realizada mediante mecanismos de colonização intestinal: a microbiota pode formar uma barreira biomecânica, isto é, impedindo a fixação de patógenos devido à competição territorial e de captação de nutrientes, e também uma barreira bioquímica, a qual é formada pelos metabólitos responsáveis por repelir patógenos, modificar o pH do meio e estimular a resposta imune linfocitária ou de produção de imunoglobulinas IgA no lúmen a partir do tecido linfático associado ao intestino (GALT). Como exemplo tem-se as bifidobactérias capazes de produzir citocinas que estimulam respostas inflamatórias e a Escherichia coli, produtora de colicinas que impedem a instalação patológica de sua própria espécie no local (FRANCA, G. M et al, 2021).
O bacilo Clostridium difficile é uma bactéria gram-positiva responsável
pela colite pseudomembranosa, condição em que a estrutura celular do epitélio intestinal é alterada pela produção das enterotoxinas A e B, o que causa diarreia e formação de pseudomembranas (FRANCA, G. M et al, 2021). É uma infecção bastante prevalente no ambiente hospitalar: 20% dos adultos hospitalizados são colonizados, embora a maioria não apresente doença clínica (ROBBINS, S. L. et al, 2013). Dentro desta perspectiva, o principal fator de risco para a infecção por C. difficile é a exposição a regimes terapêuticos com uso de antibióticos de amplo espectro, a exemplo de penicilinas e cefalosporinas, fazendo desta infecção causa predominante de diarreia nosocomial (CZEPIEL, J. et al, 2019). Um exemplo da relação desta infecção com a microbiota intestinal é um processo essencial à instalação e proliferação de C. difficile: a germinação de seus esporos favorecida pelo desbalanço entre ácidos biliares primários e secundários. Produzidos no fígado, os ácidos primários auxiliam na digestão de gorduras e são liberados e reabsorvidos no intestino delgado. Todavia, porções significativas alcançam o colón e são metabolizadas em ácidos biliares secundários pela microbiota pertencente principalmente ao filo bacteriano Firmicutes: esta metabolização inibe o crescimento de C. difficile. Portanto, a desregulação da microbiota intestinal causada pelos antibióticos desfavorece a produção de ácidos secundários e, por conseguinte, promove a proliferação patogênica do bacilo (CROBACH, M. J. T. et al, 2018).
A infecção por C. difficile é considerada um problema de saúde pública,
apresentando casos de leves a moderados, com diarreia, febre, náuseas e vômitos, e casos graves seguidos por febre alta, distúrbios eletrolíticos, sepse, megacólon tóxico, alterações mentais, falência múltipla de órgãos e óbito (PEREIRA, N. G., 2014). O tratamento é preconizado com os antibióticos vancomicina e metronidazol, e, mais recentemente, a fidaxomicina tem seu uso indicado, pois é um antibiótico capaz de combater bactérias gram-positivas sem alterar drasticamente a microbiota intestinal (CZEPIEL, J. et al, 2019). De fato, a precária resposta aos tratamentos medicamentosos convencionais eleva o risco de recorrência em 30%, e múltiplos episódios de infecção aumentam o risco de infecção relacionada a terapia antibiótica em 60% (MESSSIAS, B. A. et al, 2018).
Outrossim, o uso de terapia antibacteriana, pode comprometer a
quantidade e a diversidade das populações comensais durante meses, o que pode ser motivo para indicação de, por exemplo, um transplante de microbiota fetal (TMF) em vista de solucionar esta fragilidade da mucosa intestinal. O TMF consiste na transmissão de microbiota de um doador saudável, via colonoscopia ou endoscopia, por exemplo, para que o paciente possa recuperar sua própria microbiota (MESSIAS, B. A. et al., 2018). Nesse sentido, interrompe-se o ciclo de recorrências, assim impedindo a reinstalação do bacilo, embora estes benefícios estejam associados a um risco aumentado de transmissão de patógenos infecciosos a partir do doador, além do risco de desenvolvimento de distúrbios autoimunes (CZEPIEL, J. et al, 2019; PEREIRA, N. G., 2014). Referências bibliográficas
CZEPIEL, Jacek et al. Clostridium difficile infection. European Journal of
Clinical Microbiology & Infectious Diseases, v. 38, n. 7, p. 1211-1221, 2019.
CROBACH, Monique JT et al. Understanding Clostridium difficile
colonization. Clinical microbiology reviews, v. 31, n. 2, p. e00021-17, 2018.
FRANCA, Greik Machado et al. O EFEITO IMUNOMODULADOR DA
MICROBIOTA INTESTINAL, AS CONSEQUÊNCIAS DE SEU DESEQUILÍBRIO E A PROFILAXIA PROBIÓTICA. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 7, n. 9, p. 151-175, 2021.
MESSIAS, Bruno Amantini et al. Fecal microbiota transplantation in the
treatment of Clostridium difficile infection: state of the art and literature review. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, v. 45, 2018.
PANTOJA, Caroline Lobato et al. Diagnóstico e tratamento da disbiose:
Revisão Sistemática. Revista Eletrônica Acervo Saúde, n. 32, p. e1368-e1368, 2019.
PEREIRA, Nelson Gonçalves. Infecção pelo Clostridium difficile. JBM, v. 102,
n. 5, p. 27-49, 2014.
ROBBINS, S. L.; KUMAR, V.; ABBAS, A.K. [tradução de Claudia Coana... et al]. Patologia: Bases Patológicas das doenças. 9ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.