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CURSO DE

GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA

Modalidade EAD

GUIA DIDÁTICO
Epístolas Gerais

Rodrigo Antonio de Paula e Silva


Pindamonhangaba/SP – maio de 2021
CONTEÚDO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 5

Tabela I .............................................................................................................. 7

CAPÍTULO I – HEBREUS, A SOBERANIA DE CRISTO. .................................. 9

1.1 AS CONTROVÉRCIAS SOBRE A AUTORIA ............................................... 9

Quadro I - Desenvolvimento do pensamento sobre a Autoria da Epístola aos


Hebreus ............................................................................................................ 10

1.2 DATA E LOCAL DA ESCRITA ................................................................... 12

1.2.1 Local da carta .......................................................................................... 12

1.2.2 Destinatários da Epístola aos Hebreus ................................................... 14

1.3 ESTRUTURA E TEOLOGIA DE HEBREUS ............................................... 16

1.3.1 Estrutura da Epístolas aos Hebreus ........................................................ 17

Quadro II – ESBOÇO DA CARTA AOS HEBREUS ......................................... 17

1.3.2 Teologia na Epístolas aos Hebreus ......................................................... 18

1.3.2.1 Uma mensagem escatológica em Hebreus .......................................... 19

1.3.2.1 Hebreus, uma cristologia consistente ................................................... 20

Tabela II – Superioridade de Jesus .................................................................. 21

CAPÍTULO II – TIAGO, FÉ COMO AÇÃO NA HISTÓRIA ................................ 22

2.1 AUTORIA DA EPÍSTOLA DE TIAGO ......................................................... 22

2.2 DATA E LOCAL DA ESCRITA ................................................................... 24

2.2.1 Data da Epístola ...................................................................................... 24

2.2.1 Destinatários da epístola ......................................................................... 25

2.3 ESTRUTURA E TEOLOGIA DA EPÍSTOLA DE TIAGO ............................ 25

2.3.1 Estrutura de Tiago ................................................................................... 26

Quadro III – ESBOÇO DA CARTA de tiago ..................................................... 26

2
2.3.2 Teologia de Tiago .................................................................................... 27

2.3.2.1 Uma mensagem escatológica em Tiago .............................................. 28

2.3.2.1 Natureza de Deus em Tiago ................................................................. 28

2.3.2.1 Teologia pratica em Tiago .................................................................... 29

CAPÍTULO III – 1-2 pedro e Judas uma apologia cristã ................................... 30

3.1 AUTORIAS DE 1-2 PEDRO e judas ........................................................... 30

3.1.1 Autoria de 1 Pedro ................................................................................. 31

3.1.2 Autoria de 2 Pedro .................................................................................. 32

3.1.3 Autoria de Judas ..................................................................................... 33

3.2 LOCAL E DATA .......................................................................................... 33

3.2.1 Datas de escrita das três Epistolas Gerais .............................................. 34

3.2.2 Destinatários das duas epístolas de Pedro e Judas ................................ 34

3.3 ESTRUTURA E TEOLOGIA DE 1 – 2 PEDRO E JUDAS .......................... 36

3.3.1 Estrutura de 1 – 2 Pedro e Judas ............................................................ 36

Quadro IV – ESBOÇO DA CARTA DE 1 PEDRO ............................................ 37

FIGURA I – RELACIONAMENTO ENTRE 2 PEDRO E JUDAS ...................... 38

Quadro V – ESBOÇO DA CARTA de 2 pedro e judas ..................................... 38

3.3.2 Teologias em 1 Pedro ............................................................................. 40

3.3.2.1 Escatologia em 1 Pedro ....................................................................... 40

3.3.2.2 Teologia e a Cristologia em 1 Pedro .................................................... 41

3.3.3 Teologias em 2 Pedro e Judas ................................................................ 42

3.3.3.1 Similaridades das teologias em 2 Pedro e Judas ................................. 43

CAPÍTULO IV – Epístolas joaninas: amor sacrificial em TEMPOS difíceis ...... 45

4.2 Local e datas das epístolas de joão ........................................................... 47

4.2.1 Datas de escrita das três Epistolas Gerais .............................................. 47

4.2.2 Destinatários das epístolas de João ........................................................ 48


3
4.3 ESTRUTURA E TEOLOGIA DAS EPÍSTOLAS JOANINAS ....................... 48

4.3.1 Estrutura das Epístola de João ............................................................... 49

Quadro VI – SIMILARIDADE DOS TEXTOS NO EVANGELHO E EPÍSTOLAS


DE JOÃO.......................................................................................................... 49

Quadro VII – ESBOÇO DE 1 JOÃO ................................................................. 50

Quadro VIII– ESBOÇO DE 2 E 3 JOÃO ........................................................... 51

4.3.1 Teologia das Epístola de João ................................................................ 51

4.3.1.1 Escatologia nas Epístolas Joaninas ..................................................... 51

4.3.1.2 Cristologia nos escritos Joaninos ......................................................... 52

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 53

BIBLIOGRAFIA BÁSICA .................................................................................. 54

4
INTRODUÇÃO

Caros alunos e alunas,

É com imenso prazer que damos início às aulas sobre as Epístolas


Gerais. Esses escritos que possuem um conteúdo teológico que extrapola os
discursos religiosos, mas é um convite à vida prática, um testemunho histórico
daqueles que assumem o discipulado de Cristo, com todas suas peculiaridades
as tornam um atrativo para os estudos, de maneira que as controvérsias
históricas e os debates nos levam a querer conhecer mais.

Epístolas gerais e seu lugar na literatura bíblica

Uns dos marcos da fé cristã, é a Bíblia Sagrada. O livro que está


presente na maneira de pensar e agir dos cristãos. Ao analisar a Bíblia vamos
encontrar em sua coleção vários gêneros literários, não somente um escrito,
porém uma coleção de escritos. Ela está presente na confissão de fé e possui
afirmações sobre sua inspiração e inerrância. Com isso estudar ou ler a Bíblia
é mergulhar em uma história desde sua escrita até a definição do cânon
sagrado.
Quando estudamos a Bíblia podemos observar, em sua composição
algumas divisões, como por exemplo, o Novo e o Velho Testamento. Essas
divisões, ajudam a entender o termo Bíblia. Conforme afirma Reis, (2006, p.20)
“Bíblia resguarda a ideia primordial de sua formação a partir da junção de
diversos livros em um único volume”. Para Cairns (2008, p.60) “O Novo
Testamento não é um pico isolado da literatura religiosa; ao contrário, é o ponto
mais elevado de uma cordilheira de literatura religiosa produzida pela igreja
primitiva”.
A Bíblia cristã como conhecemos é resultado de um processo histórico
em resposta aos desafios de cada época para manter a fé cristã com base em
escritos que são inspirados por Deus. Segundo Cairns (2008):

5
“As pessoas supõem, equivocadamente, que o cânon foi estabelecido
pelos concílios eclesiásticos. Não foi assim, pois vários concílios que
se pronunciavam sobre o problema do cânon do Novo Testamento
apenas os tornavam públicos... O desenvolvimento do cânon foi um
processo demorado, basicamente encerrado em 175 anos, exceto por
uns poucos livros cuja autoria era ainda discutida” (CAIRNS, 2008, p.
101)

O cânon é por definição, literalmente, uma “vara de medir”. Não estamos


avaliando o seu desenvolvimento e formas, porém devemos observar que a
formação do Novo Testamento foi algo que aconteceu ao longo do tempo na
história do cristianismo. Os textos que temos em mãos foram submetidos a um
parâmetro para selecionar e diferenciar os escritos da época. Para Carson,
Moo e Morris (1997, p. 550-551) existiam três padrões de critérios que ao longo
dos séculos serviam de fatos determinantes para aceitação do escrito como
inspirado e canônico. Esses aspectos eram: 1- Ortodoxia e/ou regula fidei
(regra de fé); 2- Apostolicidade; 3- Catolicidade. Com isso foram realizados ao
longo da história, análises e discussões sobre os escritos da época.
Reis (2006, p.134) define dois termos para o processo do canôn do

Novo Testamento, que são “homologoumena – (`μολογουμενα)” e

“antilegomena – (αντιλεγομένα)”, o primeiro caracteriza os livros que foram


aceitos como canônicos pela totalidade da igreja primitiva, contudo o segundo
termo antilegomena eram os livros que geraram maior debate e análise para
aceitação, foram postos em dúvidas. Os antilegomenas se mostram de grande
importância pois é o objeto de nosso estudo nessa disciplina, excluindo I
Epístola de Pedro e I Epistola de João os demais são classificados como
antilegomena.
Observado alguns aspectos da formação do Novo testamento e do
processo chamado cânon, podemos observar a tabela a seguir sugerida por
Reis (2008, p. 27 grifo do autor).

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Tabela I
Gênero Literário Obra Autoria
História Evangelho Segundo Mateus Mateus, o apostolo
História Evangelho Segundo Marcos Marcos, o discípulo
História Evangelho Segundo Lucas Lucas, o Discípulo
História Evangelho Segundo João João, o Apóstolo
História Atos dos Apóstolos Lucas o Discípulo
Doutrina Epistola ao Romanos (sic) Paulo, o apóstolo
Doutrina I e II Coríntios Paulo, o apóstolo
Doutrina Epístola aos Gálatas Paulo, o apóstolo
Doutrina Epístola aos Efésios Paulo, o apóstolo
Doutrina Epístola aos Filipenses Paulo, o apóstolo
Doutrina Epístola aos Colossenses Paulo, o apóstolo
Doutrina I e II Epístolas aos Tessalonicenses Paulo, o apóstolo
Pessoal I e II Timóteo Paulo, o apóstolo
Pessoal Epístola a Tito Paulo, o apóstolo
Pessoal Epístola a Filemom Paulo, o apóstolo
Doutrina Epístola aos Hebreus incerta
Doutrina Epistola de Tiago Tiago, o discípulo
Doutrina I e II Pedro Pedro Apostolo
Doutrina I Epístola de João João, o Apóstolo
Pessoal II e III Epístola de João João, o Apóstolo
Doutrina Epístola de Judas Judas, meio irmão de Jesus
Escatologia Livro de Apocalipse João, o Apóstolo
(próprio autor)
No Novo Testamento apresentam dentro das literaturas as epístolas que
se dividem em: Epístolas Paulinas (escrita pelo apóstolo Paulo) e Epístolas
Gerais. Os escritos epistolares se definem como:

“Coletivamente, as Epístolas pressupõem a história de Jesus conforme


contada nos Evangelhos; suas principais preocupações residem na
instrução, no encorajamento e na exortação do povo de Deus. Como
tais as Epístolas têm várias coisas em comum” (FEE e GRUDEN, 2019,
p.311)

Dentro dessa coletânea de livros cabe a essa disciplina analisar as


Epistolas Gerais, ou epistolas católicas (universal). Entendemos esses escritos

7
como não sendo escritos Paulinos e também são escritos universais porque
são endereçados às várias comunidades e não a uma específica conforme os
escritos paulinos. As Epístolas Gerais contêm as seguintes obras: Hebreus;
Tiago; I e II Pedro; I, II e III João e Judas. Cada epístola será analisada em seu
teor: histórico (data, autor e destinatário), doutrinário e prático.
Boas aulas e bons estudos a todos!

Rodrigo Silva

8
CAPÍTULO I – HEBREUS, A SOBERANIA DE CRISTO.

A Epístola aos Hebreus tem suscitado muitos debates sobre vários


aspectos desta carta, no desenvolvimento da história da igreja. Porém, o mais
intrigante nos debates é o seu conteúdo que é reconhecido como uns dos
tratados teológicos mais importantes do Novo Testamento, onde Jesus é
descrito como maior que os principais ícones dos judeus e de sua fé.

1.1 AS CONTROVÉRSIAS SOBRE A AUTORIA

Inicialmente a análise histórica se torna necessária, para que possamos


olhar de maneira progressiva e para termos um ponto de partida, auxiliando o
entendimento dessa importante Epístola e do desenvolvimento de um
pensamento cristológico. Devido ao anonimato do autor, a Epístola aos
Hebreus teve sua aceitação no cânon sagrado questionada e discutida.
Para Cairns (2008, p.101) “A demora da igreja em aceitar Hebreus e
Apocalipse como canônicos indica o cuidado e a atenção que ela dispensou a
esse problema”. Porém mesmo diante das polêmicas, na virada do século II,
Clemente de Roma (30 a 100 d.C.), atribuiu a Paulo autoria da Epístola.
Contudo em alguns cânones a Epístola não aparece. Guthrie (2011, p.15)
aponta a ausência de Hebreus, nos livros autorizados por Márciom 1, ainda
ressalta que possivelmente seria pela alta dependência que esta carta tinha do
Antigo Testamento. Outro fator descrito pelo autor é também a ausência de
Hebreus no cânon Muratoriano2, mas isso deve ser uma deturpação na lista de
texto desse cânon.

1 Marcião ou Márciom, a escrita do nome difere de acordo com o autor, ele era filho do Bispo
de Sinope, localizado na região do Ponto. Foi nesse lugar em que Márciom conheceu a fé
cristã, contudo, possuído de uma antipatia por dois aspectos; o primeiro o mundo material; o
segundo a religião judaica. Por isso sua doutrina (heresia) combina esses dois elementos. No
ano de 144 Márciom foi para Roma, onde fundou sua própria igreja conseguindo vários
seguidores. Em resposta a heresia de Márciom que deu início a compilação de uma lista de
livros sagrados. (GONZÁLEZ, 2011, p. 66-67)
2 Denominado cânon Muratoriano, pois foi descoberto por Ludovico A. Muratori (1672 – 1750),

foi datado de 180 d.C. pela Biblioteca Ambrosiana de Milão. Na lista encontrada por Muratori
forma considerados canônicos 22 livros, excluindo parte das Epístolas Gerais e Apocalipse,
que ainda eram discutidas sobre seu lugar no cânon. (CAIRNS, 2008, p. 101)

9
Interessante pensar que muitas grades de disciplina de teologia vão
apresentar o nome desta matéria como Hebreus e Epístolas Gerais, isso é
decorrente ao desenvolvimento do cânon sagrado na história, porque Hebreus
por alguns pais da igreja, ficava no corpo Paulino das epístolas. Isso vamos
observar no esquema abaixo:

QUADRO I - DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO SOBRE A AUTORIA


DA EPÍSTOLA AOS HEBREUS3

Século II – Seu principal argumento sobre a ausência


Clemente de de um nome pessoal no texto da carta, se
Alexandria dá em razão que o próprio Jesus era o
Autoria de Paulo apóstolo onipotente aos Hebreus, que por
um ato de humildade de Paulo a escrita
não se estruturou da mesma maneira do
que as cartas aos gentios.

O Sucessor de Clemente de Alexandria,


inicia um processo de questionamento
Século II – sobre a autoria Paulina. Contudo não
Orígenes questionou sua canonicidade, seguindo a
questiona a opinião de outros anciãos através de uma
Autoria de historiografia, conjecturava que Lucas ou
Paulo, Clemente fora o autor, mesmo sendo
favorável a proposição que Lucas
escreveu os pensamentos de Paulo, mas
ele conclui dizendo: “somente Deus sabe
o autor”

3Guthrie, Donald. Hebreus – Introdução e Comentário. Tradução Gordon Chown. São Paulo,
Edições Vida Nova – 2011, p.14-17.

10
Neste período Cipriano de Cartago, não
Século III – faz uma proposição sobre a autoria da
Cipriano de Epístola aos Hebreus, uma vez que ele
Cartago não aceitava o escrito como pertencente
ao cânon)

No período da patrística, Hilário é o


primeiro a aceitar a carta. Algum
tempo depois é acompanhado por
Jerônimo na proposição dos escritos
aos Hebreus. Contudo é Agostinho
Século IV e V – que é o pensador principal em
Hilário; defender a Epístola, em seus
Jerônimo e primeiros escritos o bispo de Hipona
Agostinho faz menção sobre uma autoria
Paulina, contudo em seus últimos
escritos a carta aparece como
anônima, contudo, Agostino reconhece
a autoridade da Epístola aos Hebreus.

Neste período da história, a Epístola


volta ao centro do debate sobre sua
Século XVII – autoria. Para o reformador Lutero, o
Martinho Lutero autor sugerido era Apolo. Porém no
Concílio de Trento (1545 d.C.)
declarou enfaticamente a autoria de
Paulo. Essa atitude foi uma tentativa
de resolver o debate que percorreu
os séculos da história(Elaborado
da Igreja.
pelo autor).
Ao observar as disputas e proposições sobre quem foi o autor da
Epístola aos Hebreus, o ponto comum em meio aos debates é sobre a
autoridade da carta. Mesmo diante das dúvidas sobre a autoria, a maioria dos
teólogos reconhecem seu conteúdo como regra de fé. Vários nomes foram
ventilados ao longo da história, como por exemplo: Paulo; Lucas; Barnabé;
Apolo; Clemente. Dentro de toda essa trama histórica podemos ficar com a
declaração de Orígenes: “Mas, com toda honestidade, quem escreveu a
epístola só Deus sabe”. (CARSON; MOO E MORRIS, 1997, P.439).

11
“Não resta dúvida de que, quando foi incorporada à obra paulina –
provavelmente em Alexandria, no século II – estava sendo reconhecida
que ela possuía condição canônica. Aliás (até onde sabemos), nem em
Alexandria nem na igreja oriental nunca se duvidou de sua
canonicidade, quaisquer que fossem as dúvidas que pudesse haver
sobre sua autoria.” (CARSON; MOO E MORRIS, 1997, P.449)

Nas controvérsias existentes, grande parte dos teólogos


contemporâneos não conseguem evidências para apoiar a autoria paulina, pelo
contrário, existem evidências internas em Hebreus que contradizem sobre a
autoria de Paulo. Como por exemplo o estilo literário, uma carta redigida com
grego clássico, e com os métodos helenístico da época.
Contudo o texto de Hebreu 2.3 “Esta salvação, primeiramente
anunciada pelo Senhor, foi-nos confirmada pelos que a ouviram.” (Bíblia,
NOVA VERSÃO INTERNACIONAL4, 2017 grifo do autor). Podemos notar que
o escritor argumenta que recebeu de alguém que ouviu o anúncio do próprio
Cristo. A base do argumento de Paulo na defesa de seu apostolado é que ele
recebeu do próprio Cristo, como podemos confirmar em I Coríntios 11.23
“Pois recebi do Senhor o que também lhes entreguei”. (Bíblia, NVI, 2017–
grifo do autor).

1.2 DATA E LOCAL DA ESCRITA

Nesse momento nos atentaremos sobre a formação da epístola,


possíveis datas, leitores e local da escrita. Assim como sua autoria é
desconhecida e possui várias possibilidades, os aspectos constituintes da
epístola, a saber, local, data e destinatários, se encontram em uma trama maior
ou semelhante à autoria.

1.2.1 LOCAL DA CARTA

4 A tradução Bíblica Nova Versão Internacional, será identificada pela sigla NVI,
conforme realizado por muitos autores em comentários Bíblicos.

12
Como todo processo de historiografia, existem aproximações e hipóteses
sobre as datas em que os eventos acontecem, com isso apresentaremos três
possíveis datas da escrita de Hebreus, assim como a hipótese levantada para
defini-las.
A primeira data é 55 d.C. A principal argumentação é a partir do texto de
Hebreus (12.4) “Na luta contra o pecado, vocês ainda não resistiram até o
ponto de derramar o próprio sangue” (Bíblia, NVI, Rio de Janeiro, 2017), no
texto citado observamos que na metáfora apresentada, possivelmente os
destinatários não haviam sofrido com martírios, devido ao período de forte
perseguição levantada pelo imperador Nero (55 – 68 d.C.), período marcado
pelo grande derramamento de sangue de cristãos. (CARVALHO, 2008, p. 19)
A segunda data é 63 d.C. Essa hipótese tem dois pontos importantes
para pensar nesse período. O primeiro é a morte de Tiago no ano 63 d.C. Que
a epístola foi escrita para igreja em que ele liderava. O segundo ponto
considera essa data por não mencionar em sua literatura a destruição do
templo no ano 70 d.C. Com isso teóricos apontam que possivelmente a data
seria o período entre 63 e 70 d.C. Existe alguns textos que apoiam essa ideia.
Hebreus (7.8; 9.6-9; 13.10). Nesses textos os verbos gregos são escritos no
tempo presente, indicando o sistema litúrgico do templo. (CARVALHO, 2008, p.
19-20)
A terceira data limite é 70 d.C. Dois aspectos se apresentam nesse
período, o primeiro, é o fato que o texto não cita a destruição do Templo de
Jerusalém, que ocorreu no ano 70 d.C. Empreendimento realizado pelo
imperador Vespasiano. O segundo é a citação sobre a soltura de Timóteo,
personagem de grande apreciação, pelo autor da carta. Hebreus 13.23 “Quero
que saibam que o nosso irmão Timóteo foi posto em liberdade. Se ele chegar
logo, irei vê-los com ele.” Teóricos que defendem esse período, posterior a 70
d.C. Argumentam que a não citação da destruição ao templo, ocorre porque o
assunto era de conhecimento geral, e que a citação sobre a libertação de
Timóteo, seria uma segunda prisão que o jovem pastor sofreu, esse fato é
relacionado com base ao ano de escrita da II Epístola a Timóteo, que é

13
datada no ano 66 d.C. Carta que Paulo escreve ao pastor de Éfeso.
(CARVALHO, 2008, p.20-21)
Todas as três hipóteses sobre a possível data da Epístola aos Hebreus
apresentadas possuem evidências internas e externas para dar base ao
argumento, contudo as três também apresentam deficiências em sustentar a
hipótese. Existem vários estudiosos que argumentam sobre uma data ou
sobre a outra, porém permanece a disputa de argumentação. Mas podemos
notar que não se pode eliminar nenhuma data entre 55 d.C. e 100 d.C.

1.2.2 DESTINATÁRIOS DA EPÍSTOLA AOS HEBREUS

Seguimos envoltos em um mistério, que a Epístola aos Hebreus nos


proporciona, acredito que o conteúdo teológico tão rico e as grandes
controvérsias dessa carta à torna uma das mais especiais e um intrigante
escrito a ser estudado.
Primeiramente observaremos Hebreus 10.32-34.

“Lembrem-se dos primeiros dias, depois que vocês foram iluminados,


quando suportaram muita luta e muito sofrimento. Algumas vezes
vocês foram expostos a insultos e tribulações; em outras ocasiões
fizeram-se solidários com os que assim foram tratados. Vocês se
compadeceram dos que estavam na prisão e aceitaram alegremente
o confisco dos próprios bens, pois sabiam que possuíam bens
superiores e permanentes.” (Bíblia, NVI, 2018)

Pode-se notar que no texto citado acima, o autor apresenta detalhes


pessoais, de eventos sofrido pelo grupo em que a carta foi endereçada, ele
possui em sua mente uma comunidade específica, agora sim entramos em
uma trama sobre quem seriam essas pessoas, apresentaremos as principais
teorias sobre os grupos apresentados.
Carson; Moo e Morris (2020, p.444-445) apresenta algumas localidades
para onde a carta poderia ter sido enviada. Como: Palestina, moradores de
Jerusalém, Alexandria, Antioquia, Bitínia, Ponto, Cesaréia, Colossos, Corinto,
Chipre, Éfeso e Samaria. Dentre todas essas localidades, os autores
argumentam que Roma seria um dos locais, devido a igreja de Roma ter

14
demorado para aceitar a teoria da autoria Paulina. Nessa localidade também
que a carta é citada em um escrito de Clemente de Roma. A forte relação com
a Região da Itália, ocorre pela interpretação de Hebreus 13.24 “Saúdem a
todos os seus líderes e a todos os santos. Os da Itália lhes enviam
saudações.” (Bíblia, NVI, 2018), é interpretado “os da Itália”, como um grupo
de pessoas que haviam deixado a Itália e viviam em outras localidades.
A localidade em si não apresenta tanta relevância, se considerarmos o
conceito de Epístolas Gerais, porque esse conceito tem o objetivo de um
documento que pode ser lido em várias comunidades. Contudo, pelo estilo
refinado do grego de Hebreus somado as descrições do sistema de culto
levítico que contêm na epístola, podemos afirmar que era para um grupo de
judeus cristãos ou judeus helenistas.
Para Carvalho (2008, p.21-22), a carta pode ter três grupos distintos, o
primeiro já citado, judeus cristãos; o segundo poderia ser o partido político
nominado essênios e o terceiro grupo de gentios. No grupo de judeus,
possivelmente estejam inseridos ex-sacerdotes, que deixam um lugar de
destaque na religião judaica e assumem o anonimato na nova religião, com
isso a epístola consolaria esse grupo para que não retrocedessem à velha
prática, assim abandonando a fé no Cristo. Conforme podemos ver no texto de
Hebreus 5.12-13, onde o autor reconhece o conhecimento já existente pelos
leitores.

“De fato, embora a esta altura já devessem ser mestres, vocês


precisam de alguém que lhes ensine novamente os princípios
elementares da palavra de Deus. Estão precisando de leite, e não de
alimento sólido! Quem se alimenta de leite ainda é criança, e não tem
experiência no ensino da justiça.” (Bíblia, NVI, 2018)

O segundo grupo de possíveis destinatários, o grupo político-religioso


dos Essênios era um pequeno grupo de Judeus, que no ano 170 a.C. migraram
para região desértica na região do mar morto até o vale do Nilo na parte
egípcia, deixando as cidades. Isto ocorreu devido a dominação do Império
Selêucida. Mudando das cidades para o deserto devido a corrupção que
imperava neste momento, eles mantinham a tradição dos profetas e o segredo

15
da pura doutrina. Um grupo de costumes irrepreensíveis, exemplo na moral,
boa fé e pacíficos. Eles esperavam que aparecessem dois Messias. Por isso
alguns teólogos acreditam que seria bons destinatários para Epístola aos
Hebreus. Pois a carta sendo endereçada a eles corrigiria os erros da
esperança em dois Messias, um Rei-Messias, descendente de Davi e outro
Sacerdote-Messias descendente de Levi, que daria continuidade as tradições
sacerdotais, conforme Hebreus 8.1-2 “O mais importante do que estamos
tratando é que temos um sumo sacerdote como esse, o qual se assentou à
direita do trono da Majestade nos céus”. (Bíblia, NVI, 2017).
O terceiro grupo de possíveis destinatários, seria um grupo de gentios.
O principal argumento para defender esse grupo como o destinatário aparece
em algumas sentenças em Hebreus (3.12) “Cuidado, irmãos, para que
nenhum de vocês tenha coração perverso e incrédulo, que se afaste do Deus
vivo.” (Bíblia, NVI, 2017. Grifo do autor); Hebreus 6.1 “Pelo que, deixando os
rudimentos da doutrina de Cristo, prossigamos até a perfeição, não lançando
de novo o fundamento do arrependimento de obras mortas e de fé em Deus”
(Bíblia, João Ferreira de Almeida5 Corrigida, 2009. Grifo do autor). Essas
sentenças grifadas não pertencem à tradição judaica, contudo faz mais
sentido quando aplicadas aos grupos de gentios.
Foram apresentadas muitas possibilidades sobre os destinatários, porém
é aceito pela maioria dos teólogos atuais que o público-alvo da epístola seria
os judeus, porque vários argumentos estão relacionados com o Antigo
Testamento.

1.3 ESTRUTURA E TEOLOGIA DE HEBREUS

Até aqui notamos a consistência de Hebreus quanto sua teologia e


estrutura, mesmo que o autor, destinatários e local de escrita sejam incógnitas
que percorrem séculos da história cristã. Contudo, quando o assunto é a

5 A tradução Bíblica João Ferreira de Almeida Corrigida, será identificada pela sigla JFAC,
conforme realizado por muitos autores em comentários Bíblicos.

16
estrutura da carta e sua teologia existe uma unanimidade que a reconhece
como inspirada e possuidora de autoridade divina.

“A carta se assemelha mais a um tratado que uma carta normal, com


exceção das saudações finais. Entretanto, uma antiga forma de carta
era “carta-ensaio”, que no antigo judaísmo e cristianismo teria
naturalmente se assemelhado a uma homilia ou sermão escrito;”
(KEENER, 2017, p.757)

Escrita em um grego clássico e de alta poder de argumentação com


base nas Escrituras, ou no conhecimento ritualístico judaico, os métodos
empregados têm forte semelhança com os escritos do mar morto e em especial
no intérprete e filósofo Filo. Feito essa introdução observaremos a estrutura de
Hebreus.

1.3.1 ESTRUTURA DA EPÍSTOLA AOS HEBREUS

Existem várias divisões feitas pelos teólogos, cada um faz um esboço


para melhor compreender, lembrando que a bíblia em capítulos e versículos,
podemos dizer que são coisas modernas, pois os escritos sagrados eram
compostos em uma peça literária única, não existiam tais divisões. De modo
resumido, Pearlman (1997, p.310) divide em três principais temas; I- A
Superioridade de Jesus aos Mediadores e líderes do Antigo Testamento (1.1 –
8.6); II- A superioridade da Nova Aliança à Antiga (8.7 – 10.18); III- Exortações
e admoestações (10.19 – 13.25). Dentro dessa divisão resumida, podemos
observar que o tema principal de Hebreus é a superioridade de Jesus em
relação a todos os ícones judeus e práticas religiosas daquela época.
Para ampliar nosso olhar sobre o esboço, adaptamos a divisão sugerida
por Guy P. Duffield, DD, comentarista da Epístolas aos Hebreus da Bíblia de
Estudo Plenitude. (BÍBLIA DE ESTUDO PLENITUDE, 2002, p.1287-1288).

QUADRO II – ESBOÇO DA CARTA AOS HEBREUS

I-A II – A SUPERIORIDADE
SUPERIORIDADE DA DO MINISTÉRIO DE III – A SUPERIORIDADE
PESSOA DE JESUS JESUS CRISTO 4.4 - 10.8 DA CAMINHADA DA FÉ
17
CRISTO 1.1 - 4.13 10.19 - 13.25
A. Jesus melhor que A. Jesus melhor do que A. Um chamado a
os profetas 1.1-3 Arão 4.14--5.10 segurança total da fé
B. Jesus melhor do 1.Compreensivo e 10.19—11.40
que os anjos 1.4-2.18 compassivo 4.14---5.4 1. Um chamado a
firmeza da fé
(Primeira advertência 2.Segundo a ordem de
:contra a negligência 10.19-39
Melquisedeque 5.5-10
2.2-4) (Quarta advertência:
(Terceira advertência:
C. Jesus melhor que contra retroceder 10.26-
contra a falta de
Moisés 3 .1-13 39)
maturidade 5.11--6.20)
D. Jesus melhor que 2. Uma descrição da fé
B. O Sacerdócio de
Josué 4.1-13 11.1-3
Melquisedeque, portando
(Segunda advertência: de Jesus Cristo, melhor e 3. Heróis da fé 11.4-40
contra a descrença 4 maior do que o de Arão B. A persistência da fé
.1-3,11-13) 7.1--8.5 12.1-29
1.Arão paga dízimos a 1. A persistência de
Melquezedeque 7.1-10 Jesus 12.1-4
2.Os sacerdotes arônicos 2.O valorElaborada
da disciplina
pelo autor
não fizeram nada perfeito 12.5-24
7.11-22 (Quinta advertência :
3. Os sacerdotes arônicos contra recusar a Deus
morreram 7.23-28 12.25-29)
4. Os sacerdotes arônicos C. Admoestações sobre
serviram apenas sombras o amor 13.1-6
8.1-5 1. Amor no domínio
C. Jesus mediador de social 13.1-17
uma melhor aliança 8.6— 2. Amor no domínio
10.18 religioso 13.7-17
1. A melhor aliança D. Conclusão 13-18-25
8.6-13
2. O santuário e
sacrifícios do AT
Elaborado pelo autor
9.1-10
3. O santuário e
sacrifícios do NT
9.11—10.18 (Elaborado pelo autor)
1.3.2 TEOLOGIA NA EPÍSTOLA AOS HEBREUS

Hebreus é reconhecido por ser uma literatura produzida em um grego


clássico, propondo que o autor é um exímio conhecedor do idioma, algo que
vale a pena ser acrescentado antes de entrarmos no aspecto da teologia da

18
epístola. Para definir sua teologia, o autor pontua a exegese do Antigo
Testamento, que demonstrará a supremacia do filho de Deus, como
cumprimento das promessas descritas pelos profetas de Israel.
Uma carta envolta em tantas controvérsias e dúvidas, como ela chegou
até nós? Como ela ultrapassou concílios e debates e permaneceu no cânon?
Essas perguntas são respondidas pela qualidade teológica de Hebreus, e por
responder umas das questões mais importantes para a humanidade, como nos
aproximar de Deus. Com uma cristologia consistente e uma mensagem de
esperança a epístola coloca quem a lê no rumo correto.

1.3.2.1 UMA MENSAGEM ESCATOLÓGICA EM HEBREUS

Em um contexto de esfriamento da fé, dúvidas sobre a figura do Filho,


Hebreus traz uma mensagem escatológica que tem como propósito animar e
corrigir a doutrina dos destinatários da carta. Ladd (2003, p.763-764), comenta
o estilo da teologia da carta. Para esse autor existe um dualismo escatológico,
isso se apresenta devido a carta se sincronizar entre duas teologias, a primitiva
e helenista. A ideia de dois mundos é descrita nos capítulos 8 e 9, gerando
assim uma tensão. Essa tensão existente entre as duas teologias é
denominada “já” e o “ainda não”, que em um modo geral é escatologia
realizada ou plenitude escatológica, e a consumação escatológica que aguarda
a segunda vinda de Cristo, como podemos observar em Hebreus 9.24-26.

Pois Cristo não entrou em santuário feito por homens, uma simples
representação do verdadeiro; ele entrou no próprio céu, para agora se
apresentar diante de Deus em nosso favor; não, porém, para se oferecer
repetidas vezes à semelhança do sumo sacerdote que entra no Santo dos
Santos todos os anos, com sangue alheio. Se assim fosse, Cristo precisaria
sofrer muitas vezes, desde o começo do mundo. Mas agora ele apareceu
uma vez por todas no fim dos tempos, para aniquilar o pecado mediante o
sacrifício de si mesmo. (BÍBLIA, NVI, 2017)

Para Carvalho (2009, p. 47) esse aspecto escatológico fica evidente em


três aspectos, o primeiro retratado pelo passado na esperança messiânica; o
segundo aspecto o presente e a obra de Jesus; o terceiro o porvir, ideia que
concorda com a escatologia da consumação de Ladd.

19
1.3.2.1 HEBREUS, UMA CRISTOLOGIA CONSISTENTE

Cristologia não é somente um tema para as igrejas cristãs, esse tema


tem gerado muitas heresias no decorrer da história da igreja. A imagem
produzida na teologia e imaginário das pessoas demonstram os rumos que
elas tomam em sua doutrina e modo de viver. Com isso podemos afirmar que a
Cristologia de Hebreus é algo consistente, não somente por descrever a
imagem e a obra de Jesus, mas por apresentar uma interpretação dos escritos
veterotestamentário apresentando a superioridade de Jesus em relação aos
maiores símbolos judaicos. Isso fica evidente logo no início da epístola,
conforme declara o autor em Hebreus 1.3.:

“O Filho é o resplendor da glória de Deus e a expressão exata do seu


ser, sustentando todas as coisas por sua palavra poderosa. Depois
de ter realizado a purificação dos pecados, ele se assentou à direita
da Majestade nas alturas” (BÍBLIA, NVI, 2017)

O tema central em Hebreus é a superioridade, e/ou supremacia de


Cristo, por toda carta vamos ver o processo de análise das obras prometidas e
como elas se realizam em Jesus inaugurando uma nova aliança. Conforme
declara Guthrie (2011, p. 43) “Tudo quanto acontecia na antiga aliança agora
foi substituído por uma aliança melhor. São realmente as implicações desta
nova aliança que formam o alvo principal da carta”.
Na teologia cristológica de Hebreus, de acordo com Guthrie (2011, p.43-
46) o autor da epístola descreve em três aspectos sobre a pessoa de Jesus
Cristo, que são: pré-existência; humanidade; exaltação do filho. O primeiro
aspecto pré-existência diz respeito a Jesus como Deus, agente da criação de
todas as coisas, Hebreus 1.2 “mas nestes últimos dias falou-nos por meio do
Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas e por meio de quem fez o
universo” (BÍBLIA, NVI, 2017). O segundo aspecto, a humanidade, declara sua
obra, passando por todos as agonias humanas, porém com perfeição, Hebreus
4.15 “pois não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das
nossas fraquezas, mas sim alguém que, como nós, passou por todo tipo de

20
tentação, porém, sem pecado”. (BÍBLIA, NVI, 2017). O terceiro aspecto é a
exaltação do filho, que pressupõe o filho como herdeiro supremo de todas as
coisas, existe um sentido de plena realização em Jesus. Hebreus 6.20 “onde
Jesus, que nos precedeu, entrou em nosso lugar, tornando-se sumo
sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque” (BÍBLIA, NVI,
2017).
Como ponto central dos escritos, é a superioridade de Jesus sobre a
antiga aliança e seus modos litúrgicos e líderes. Na tabela a seguir listaremos
essas comparações.

TABELA II – SUPERIORIDADE DE JESUS6

JESUS MAIOR QUE ...


COMPARAÇÃO TEXTO EM HEBREUS
Anjos 1.5 - 2.9
Moisés 3.1-6
Josué 4.1-16
Arão 5.1-14
Ordem Levítica 7.1-28
Antiga Aliança 8.1-13
(Elaborado pelo autor)

Então, ao analisar a descrição cristológica podemos constatar a


superioridade de Cristo em relação a antiga aliança, ele não é somente
superior, contudo, ele inaugura uma aliança melhor e eterna. Em Hebreus
Jesus é a concretização de todos os tipos7 do Antigo Testamento, que eram
somente sombra da suprema revelação de Deus na pessoa do filho.
Em torno da teologia de Hebreus e a superioridade de Jesus, existe uma
teologia da esperança, a partir do capítulo 11 o autor demonstra a natureza da
fé e a perseverança dos santos, uma fé que vai lutar contra todos os aspectos
externos e visíveis, de maneira que o autor entende as dificuldades presentes,

6 Tabela II adaptada do livro Gonçalves, José. A Supremacia de Cristo – Fé, esperança e


ânimo na carta aos Hebreus, CPAD, Rio de Janeiro, 2017.
7 De acordo com Carson; Moo e Morris (1997, p.451), a tipologia empregada na epístola aos

Hebreus permite analisar pressuposições hermenêuticas dos cristãos do século I.

21
mas instruí seus leitores a ter fé no invisível e oculto, Hebreus 11.1” Ora, a fé é
a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos.”
(BÍBLIA, NVI, 2017). Mesmo que a argumentação gire toda na figura do
Cristo, na galeria dos heróis da fé no capítulo onze, vamos observar que pela
fé muitos participaram de eventos históricos extraordinários. No capítulo 12 é
apresentado a disciplina da vida cristã, aspecto que auxilia na perseverança
da fé, para evitar que a apostasia aconteça, diante das dificuldades do
presente século.
Finalizando esta rica epístola no capítulo 13, em que o autor de Hebreus
aconselha seus leitores sobre questões práticas, exortando sobre a vida
social, vida particular, vida religiosa e o novo altar cristão, pedindo assim em
Hebreus 13.22 “Rogo-vos, porém, irmãos, que suporteis a palavra desta
exortação; porque abreviadamente vos escrevi” (BÍBLIA, NVI, 2017). Esse
apelo convoca a todos a considerar essas palavras de extrema importância
para seus leitores.
CAPÍTULO II – TIAGO, FÉ COMO AÇÃO NA HISTÓRIA

A fé cristã não é uma filosofia em que seus adeptos ficam discursando


sobre os feitos de sua divindade, mas é um convite para uma experiência
prática e de vivência no cotidiano, é fé revelada como uma ação histórica
através das obras, esse será o principal debate em torno da epístola de Tiago.
Na história da igreja surgiu muito debate sobre essa epístola, ao ponto de
Lutero, na Reforma, declarar “que era palha”, existia uma resistência sobre a
estrutura e teologia de Tiago.

2.1 AUTORIA DA EPÍSTOLA DE TIAGO

Apesar de esta epístola ter suas controvérsias no processo do cânon,


ela em seu início já cita o nome do autor, Tiago 1.1 “Tiago, servo de Deus e
do Senhor Jesus Cristo, às doze tribos dispersas entre as nações:
Saudações” (BÍBLIA, NVI, 2017, grifo do autor). Esse aspecto fica evidente

22
sobre o nome do autor, contudo podemos notar que existiam mais de um
Tiago na narrativa bíblica, mas quem é esse Tiago? Nessa saudação
podemos constatar que o autor é alguém conhecido e que possui uma
autoridade, esse pode ser uns dos argumentos pela falta de justificativa de
quem era o autor, apresentando poucos detalhes. Com o passar do tempo
pode ter-se perdido quem era o autor, devido a mudança geracional dos
cristãos.
Carvalho (2009, p. 66) aponta quatros pessoas com o mesmo nome do
autor da epístola, que são: Tiago, o filho de Zebedeu; Tiago, filho de Alfeu;
Tiago, o pai de Judas Tadeu; Tiago, o irmão do Senhor Jesus. Essas quatro
possiblidades também são mencionadas pelos autores já citados nesse texto.
Analisando os relatos históricos teremos uma aproximação de quem seria o
possível autor da epístola de Tiago.
O primeiro Tiago, o Filho de Zebedeu também conhecido como Tiago
Boanerges, filho do trovão – Marcos 3.17, irmão de João, ambos originários da
cidade de Cafarnaum, onde moravam com seu Pai, esse personagem não
pode ser considerado como possível autor, pois o relato histórico de seu
martírio é anterior a escrita da carta. Textos em que esse Tiago é mencionado
– Mc 1.19; 5.37; 9.2; 10.35; 14.33.
O segundo Tiago, filho de Alfeu e de Maria (irmã da mãe de Jesus)
também identificado como Tiago, o menor recebe esse título por causa de sua
estatura inferior ao do irmão de João, e por ser o mais novo dos apóstolos. Nas
escrituras não existe mais registro sobre esse personagem, após ascensão de
Jesus. Contudo a tradição histórica relata que ele foi morto por ordem do sumo
sacerdote Ananias. Textos em que esse Tiago é mencionado – Mt 10.3,27; Mc
3.18; 15.40; Lc 6.15; At 1.13.
O terceiro Tiago, o pai de Judas Tadeu, devido a ausência de relatos
consistentes sobre esse personagem fica descartada a possibilidade de ele ser
o autor da epístola. Textos em que esse Tiago é mencionado – Mt 10.3; Mc
3.18; Lc 6.16; At 1.13. Ele aparece de maneira coadjuvante, seu nome é
mencionado porque seu filho fazia parte do colégio apostólico.

23
O quarto Tiago, o irmão de Jesus. Esse personagem é uma liderança
reconhecida em Jerusalém, vários teóricos o apontam como o escritor da
epístola, também reconhecido por ser meio irmão de Jesus. Figura que teve
sua elevação no cenário histórico, após a ressurreição de Jesus. Essa hipótese
ganha mais sustentação, quando colocamos em comparação as ideias do
concílio de Jerusalém Atos 15.13-21, escrito por Lucas, com as ideias da carta
de Tiago principalmente referente a ênfase doutrinária. Textos em que o meio
irmão de Jesus aparece – Mc 6.3; Jo 7.5; At 12.17; 15.13; 21.18; Gl 1.19; 2.9.

2.2 DATA E LOCAL DA ESCRITA

Nesta parte observaremos as possibilidades sobre os elementos


históricos da Epístola de Tiago, elementos esses que nos auxiliam no processo
exegético da epístola Para Fee e Stuart (2019, p. 394) “Tiago é
reconhecidamente difícil de ler, em razão de seus muitos começos e paradas,
reviravoltas e giros”. Então coletar maior quantidade de informações sobre o
entorno dos leitores e do autor auxilia neste estudo.

2.2.1 DATA DA EPÍSTOLA

Possivelmente a epístola de Tiago foi escrita entre os anos de 45 até 62


d.C. Isso é apresentado devido os vários eventos históricos dessa época, mas
também uma relação muito forte com a vida do autor. Possivelmente essa carta
foi escrita pouco antes de 62 d.C. Porque de acordo com o historiador Flávio
Josefo, o meio irmão de Jesus foi martirizado nesse ano. Alguns autores, como
por exemplo Coelho e Daniel (2014, p14-15); Carvalho (2008, p. 68-69) e Moo
(2011, p.33-34) conjecturam que, Tiago escreveu sua carta antes de Paulo ser
um obreiro reconhecido, também que a escrita ocorreu antes do Concílio de
Jerusalém, que provavelmente tenha sido realizado por volta dos anos 50 d.C.
Somando as hipóteses sobre o autor e a data da escrita, podemos
constatar que a escrita foi realizada em Jerusalém, apesar de não existir

24
evidências internas na carta. De acordo com a tradição cristã, essa carta
circulou primeiramente em Jerusalém.

2.2.1 DESTINATÁRIOS DA EPÍSTOLA

Tiago 1.1 “Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, às doze


tribos dispersas entre as nações: Saudações” (BÍBLIA, NVI, 2017, grifo do
autor). Da mesma forma que o nome Tiago levanta possibilidades entre os
biblicistas e teólogos, o assunto destinatário da epístola também nos
apresentará algumas possibilidades. Lembrando que o conceito de epístola
gerais, remete a ideia do escrito ser dirigido a diversas comunidades, mas
quem seriam os membros dessas doze tribos? A quem o autor se refere?
Responder essas perguntas nos ajudará a ter um contexto histórico dos
leitores da carta de Tiago.
Para Carvalho (2008, p. 69) o autor tinha o objetivo de alcançar
pessoas específicas, eram os judeus que habitavam em lugares distantes da
Palestina, inseridos em outros povos. Reforçando essa tese, Moo (2011, p.
35) descreve utilizando as evidências internas dos escritos de Tiago.

“Tiago viveu em Jerusalém durante este período e seus leitores,


provavelmente, se encontrariam em regiões imediatamente fora da
Palestina, junto à linha costeira para o norte, na Síria e, talvez, no sul
da Ásia Menor. Várias alusões na carta, principalmente a referência às
“primeiras e últimas chuvas” (5.7), parecem confirmar esta localização;
pois apenas ao longo da costa oriental do mar Mediterrâneo é que as
chuvas ocorrem nessa sequência”

Para Coelho e Daniel (2014, p.16), o termo “doze tribos” é


aparentemente simbólico, que os escritos de Tiago, teriam um público mais
amplo do que apenas para os judeus, que toda a carta era para os cristãos,
sejam eles judeus ou gentios. Com isso podemos constatar que a Epístola foi
endereçada a todos os cristãos que pertenciam ao corpo de Cristo.

2.3 ESTRUTURA E TEOLOGIA DA EPÍSTOLA DE TIAGO

25
Dentre todas as epístolas do Novo Testamento, Tiago é a carta menos
doutrinária, contudo existe um aspecto prático dos escritos, com o objetivo de
animar em meio às provas, também o autor tem uma preocupação com uma
justiça social e as atitudes dos ricos para com os pobres.

2.3.1 ESTRUTURA DE TIAGO

Tiago apresenta uma estrutura epistolar tradicional, inicia com uma


saudação e se identifica conforme vimos em Tiago 1.1, contudo ela omite a
pessoalidade, como por exemplo, saudação, percurso de viagens ou pedido de
oração. Em sua estrutura pastoral, vamos notar que os verbos estão no
imperativo, outros aspectos desta epístola são: a estrutura pouco rígida e as
divisões por assunto que não ficam bem desenhadas. Em sua estrutura vamos
encontrar uma variedade de metáforas e figura de linguagens, tornando a carta
muito popular para os seus dias, igualando os escritos de Tiago com o método
de ensino aplicado por Jesus em seu ministério terreno. (CARSON, MOO E
MORRIS, 1997, p.461). Dentro de sua estrutura o autor tem como objetivo, 1-
consolar os judeus cristãos, que passavam por provas severas; 2 – corrigir falta
de ordem nas reuniões; 3 – ensinar a fé como ação concreta na história.
Pearlman (1997, p. 318-319) faz um esboço da epístola em seis
divisões. I – A tentação como prova de fé (1.1-21); II – As obras como
evidência da fé salvadora (1.22 – 2.26); III – As palavras e seu poder (3.1-12);
IV – Verdadeira e falsa sabedoria (3.13 – 4.17); V – Paciência sob opressão: a
paciência da fé (5.1-12); VI – Oração (5.13-20). Esse autor resume as divisões
dos conteúdos. Para ampliar nosso olhar sobre o esboço adaptamos a divisão
sugerida por Moo (2011, p. 55), comentarista da Epístola de Tiago.

QUADRO III – ESBOÇO DA CARTA DE TIAGO

I - Destino E Saudação a- Introdução e saudação1.1

26
a -A permissão para as provações atinja seu
propósito (1.2-18)
II - As Provações E A Maturidade
b - A sabedoria, a oração e a fé
Cristã (1.2-18)
c - A pobreza e a riqueza (1.9-11)
d - As provações e a tentações (1.12-18)
a - Uma exortação quanto ao falar e à ira
(1.19-20)
III - O Verdadeiro Cristianismo
b - "Tornai-vos, pois, praticantes da palavra"
Contemplado Em Suas Obras
(1.21-27)
(1.19-2.26)
c - A Imparcialidade e a lei do amor (2.1-13)
d - A fé que salva (2.14-26)
a- Os efeitos nocivos da língua em controle
(3.1-12)
b - A verdadeira sabedoria traz paz (3.13-18)
IV - As Dissenções Dentro Da
c - Os prazeres malignos são a fonte de
Comunidade (1.19-2.26)
dissensões (4.1-3)
d - Um chamado ao arrependimento (4.4-10)
e - A maledicência é proibida (4.11-12)
a - A arrogância é condenada (4.13-17)
b - Condenados aqueles que fazem mal uso
V - As Implicações De Uma
da riqueza (5.1-6)
Cosmovisão Cristã (4.13 - 5.11)
c - Um estímulo à perseverança paciente
(5.7-11)
a - Os juramentos (5.12)
VI - Exortações Finais (5.12-20) b - A oração e a cura (5.13-18)
c - Uma chamada final à ação (5.19-20)
(Elaborado pelo autor)

2.3.2 TEOLOGIA DE TIAGO

As homilias de Tiago caracterizam o seu modo de escrita, deste meio


irmão de Jesus. O autor escreve sobre uma diversidade de tema, que não
segue uma ordem, porém estão plenamente ligados pela prática da vida cristã.
Historicamente Tiago não sofreu críticas severas, podendo ver que nos
primeiros séculos esteve presente nos escritos de Clemente; Pastor de Hermas
e outros. A crítica maior acontece somente no século XVII, com o reformador
Lutero, que tem em seu arcabouço teológico a teologia paulina sobre o tema de
justificação pela fé. Na verdade, Martinho Lutero faz uma leitura de uma

27
teologia contra a outra, gerando assim as controvérsias, que levam o
reformador a declarar que a teologia da epístola de Tiago era “palha”.
De acordo com Moo (2011, p. 40-41), é muito comum a Epístola de
Tiago ser analisada como um escrito sem nenhuma teologia, contudo os
escritos de Tiago são uma coleção de homilias práticas, que faz o convite a
seus leitores a mostrarem sua ortodoxia através da ortopraxia, ou seja,
precisamos observar a teologia de Tiago como algo prático. Os ensinos
teológicos desta carta contribuem para nossa compreensão sobre fé e obra; a
oração; a natureza de Deus; a origem do pecado e a sabedoria, vale ressaltar
que não são textos doutrinários como confissões de fé, mas são ensinamentos
práticos a partir desses temas.

2.3.2.1 UMA MENSAGEM ESCATOLÓGICA EM TIAGO

Para amparar seu discurso sobre a prática do evangelho, como um sinal


histórico de todo cristão, a ideia escatológica está presente em seus escritos,
isso acontece para que as pessoas fossem motivadas a entender e praticar as
exortações do escritor. O julgamento vindouro (escatológico), tem um papel
primordial nos capítulos desta epístola, conforme vemos em Tiago 5.9 “Irmãos,
não se queixem uns dos outros, para que não sejam julgados. O Juiz já está
às portas!” (BÍBLIA, NVI, 2017, grifo do autor); Observe que Tiago tem em
mente a consumação dos tempos como algo eminente.
Dentro desse contexto podemos ver que Tiago acreditava na escatologia
inaugurada, em concordância com os ensinos de Jesus e de Paulo, é
apresentada a tensão escatológica “já” e “ainda não”, nesse pensamento
escatológico que se desenvolve a teologia prática desta epístola.

2.3.2.1 NATUREZA DE DEUS EM TIAGO

Nada mais teológico sobre o tema a natureza de Deus, nesse aspecto a


carta de Tiago está mergulhada em conceitos sobre os atributos de Deus. Toda
a argumentação contida na carta de Tiago está baseada na natureza de Deus,
28
ou seja, toda conduta esperada pelo autor está ligada à ética da natureza de
Deus.
Tiago 1.17 “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto,
descendo do Pai das luzes, que não muda como sombras inconstantes.”
(BÍBLIA, NVI, 2017). No início da epístola já observamos que todo ato de
bondade tem origem em Deus, e que esse Deus é imutável, ele usa um
atributo comunicável, a bondade, atributo esse que Deus compartilha com
seus filhos, e também usa um atributo incomunicável, imutabilidade de Deus
“que não muda”, característica que é inerente somente à pessoa de Deus.
Moo (2011, p.44 – 42) declara sobre a grave acusação, de que o autor
não conduz seus escritos entorno da pessoa de Jesus, aparecendo somente
duas vezes (1.1; 2.1) e somente na segunda menção do nome do mestre que
é colocado como o objeto de fé. Porém de maneira implícita, Tiago
desenvolve a ideia de somente há um “Legislador e Juiz” e que na volta de
Jesus, ele agirá como juiz, isso demonstra que mesmo que, implicitamente, o
autor tinha em mente a divindade de Jesus. De maneira natural os primeiros
cristãos enxergavam Jesus como Deus.

2.3.2.1 TEOLOGIA PRÁTICA EM TIAGO

As obras assumem um papel importante na teologia de Tiago (2.14-26),


ao ponto de ser debatida como contraditória aos ensinos de Paulo, discussão
essa que toma um maior corpo no período da reforma de maneira que Lutero é
seu maior crítico, contudo quando colocado cada escrito, seja Tiago, ou Paulo
perceberemos que o público-alvo de cada escrito assume um papel decisivo no
processo exegético. Para Moo (2011, p. 45) Paulo e Tiago estão combatendo
problemas distintos, o apóstolo dos gentios está combatendo a ênfase
exacerbada de seus leitores, que tentam pelas obras serem justificados. Já
Tiago está do lado oposto deste pensamento, em que os seus leitores
adotavam uma atitude estática, não se moviam em obras algumas, tornando a
fé uma ortodoxia estéril.

29
“No coração de sua homilia está o sincero desejo de Tiago no sentido
de que os cristãos deixem para trás esta “meia fé”, instável e
incoerente, e avancem em direção a um compromisso com Deus, que
seja de todo coração, invariável em pensamentos, palavras e atos”.
(MOO, 2011, p.51)

Teologia prática em Tiago é algo que desafia seus leitores a serem


atores principais na transformação histórica, de modo que todos busquem
sabedoria, sendo Deus a fonte (1.5; 3.13-18), que todos observem a verdadeira
religião (1.27), que todos sejam solidários usando a riquezas de maneira sábia
(5.1-6). Todo esse discurso o autor fundamenta com a ideia de lei no Antigo
Testamento, para Tiago a lei é o evangelho, que o autor chama de “lei da
liberdade”; “a exigência de Deus resumida em Jesus, deve ser sincera e
coerente. E esta obediência tem um importante aspecto social”. (MOO, 2011, p.
51)
Com isso podemos observar a riqueza desta epístola que apresenta
muitos aspectos práticos da vida cristã, e se torna um desafio para sua leitura
necessitando um olhar social e de testemunho público conforme afirma Tiago
1.18: “Por sua decisão ele nos gerou pela palavra da verdade, para que
sejamos como que os primeiros frutos de tudo o que ele criou.” (BÍBLIA, NVI,
2017).

CAPÍTULO III – 1-2 PEDRO E JUDAS: UMA APOLOGIA CRISTÃ

Apesar de na Bíblia essas três epístolas: 1 e 2 Pedro e Judas, não serem


sequenciais, seguimos alguns autores citados neste texto, como por exemplo Ladd
(2003); Carson, Moo e Morris (2020), estes, agrupam essas três epístolas gerais, devido
à grande ligação de II Pedro e Judas, sendo que uma pode ter sido material de consulta
da outra.

3.1 AUTORIAS DE 1-2 PEDRO E JUDAS

As três epístolas levam os nomes de seus possíveis autores, escritas em


um tempo difícil em que existia diversas perseguições, que ocorriam, no

30
ambiente interno, proporcionado por falsos mestres, e uma perseguição
externa, de modo que o império romano perseguia e matava os cristãos.
Nesses tempos difíceis, faz necessário uma teologia ortodoxa, que produza
esperança.

3.1.1 AUTORIA DE 1 PEDRO

As autorias das epístolas sempre encontram barreiras para definir quem


realmente é o autor, isso são decorrentes o processo histórico e o afastamento
da data da escrita. Muitos estudiosos vão argumentar que 1 Pedro é uma
pseudoepígrafe, ou seja, foi escrita por alguém que utilizou um pseudônimo
para validar o teor do escrito.
Conforme explica Mueller (2011, p.19-20) os eruditos que são contra a
autoria petrina, possuem pelo menos quatro teses para acreditar que autor da
primeira epístola não foi Pedro.
Primeiro argumento é que o grego da epístola é culto demais, em Atos
4.13 o apóstolo é descrito como “homem iletrado e inculto”, demonstrando
assim que o estilo literário não poderia ser de Pedro.
Segundo argumento, teologia da carta segue muito mais uma linha de
pensamento paulino, o estilo do escritor diria muito mais que ele é discípulo de
Paulo do que de Pedro.
Terceiro argumento, está relacionado com a falta de detalhes sobre o
ministério terreno de Jesus, apontando que o autor não estava ligado ao círculo
íntimo do Mestre, que esses detalhes dariam maior autoridade a Pedro.
Quarto argumento, é que a epístola aponta para um período de
perseguição mais intensa aos cristãos, que isso aconteceu sob o governo de
Nero, período também do martírio do apostolo Pedro.
Seguindo por eruditos mais conservadores, não existem dúvidas sobre a
autoria petrina. Para esses autores existem fatos internos da carta, que
apontam para autoria do apóstolo Pedro. Carvalho (2008, p.99-100) aponta
para semelhança de assuntos tratados na primeira carta, com os sermões de
Pedro relatados em Atos dos Apóstolos. “Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos
31
eleitos de Deus, peregrinos dispersos no Ponto, na Galácia, na Capadócia, na
província da Ásia e na Bitínia”. (BÍBLIA, NVI, 2017, grifo nosso) já na
introdução fica claro a estrutura epistolar, como uma saudação e identificação
do autor, evidência suficiente para atribuir a autoria a Pedro, contudo fica a
indagação sobre o estilo literário, a questão do grego refinado em que a
epístola foi redigida.
Mueller (2011, p. 21-22) apresenta um contexto histórico sobre a influência
helênica na região da Galileia, sendo assim o conhecimento prévio do idioma
grego por parte de Pedro. Outro aspecto importante é a utilização de uma
amanuense, conforme podemos ver em 1 Pedro 5.12 “Com a ajuda de
Silvano, a quem considero irmão fiel, eu lhes escrevi resumidamente,
encorajando-os e testemunhando que esta é a verdadeira graça de Deus.
Mantenham-se firmes na graça de Deus” (BÍBLIA, NVI, 2017, grifo nosso).
Tudo aponta que com auxílio de Silvano, que era uma pessoa culta e versada
no grego é que a carta foi escrita. O próprio texto de primeira Pedro tem
resistido aos debates sobre sua autoria, a autoria petrina se torna legitimada
e com clareza pode ser aceita.

3.1.2 AUTORIA DE 2 PEDRO

Sobre a autoria de 2 Pedro, vale ressaltar sobre a resistência de sua


aceitação pelo cânon, devido as diferenças existentes, em relação a primeira
carta. De acordo com Carvalho (2008, p. 102) “A autoria da Segunda Epístola
escrita por Pedro é questionada por alguns ramos da Teologia, que se
embasam nas seguintes objeções: plágio literário, gnosticismo e perseguições.”
Pontua Carson; Moo e Morris (1997, p.480), que 2 Pedro, possui maior
proporção de palavras não encontradas em nenhum outro lugar da Bíblia, mas
os que consideram a autoria petrina argumentam que essa falta de contexto se
daria devido a utilização de um amanuense diferente. Contudo tudo indica que
Pedro seja realmente o autor desse segundo escrito, 2 Pedro 1.1 “Simão
Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo, àqueles que, mediante a justiça

32
de nosso Deus e Salvador Jesus Cristo, receberam conosco uma fé
igualmente valiosa”. (BÍBLIA, NVI, 2017, grifo nosso). Pedro se declara com
seu nome original “Simão”, outro aspecto é a citação do relato histórico como
testemunha ocular da transfiguração.

3.1.3 AUTORIA DE JUDAS

Existe uma forte ligação entre 2 Pedro e Judas, podemos notar que 19
versículos de um total de 25 versículos de Judas são encontrados na segunda
carta do apóstolo Pedro. Mas quem seria o autor desta epístola?
No seu primeiro versículo seguindo o padrão epistolar o autor se
identifica, “Judas, servo de Jesus Cristo e irmão de Tiago, aos que foram
chamados, amados por Deus Pai e guardados por Jesus Cristo” (BÍBLIA, NVI,
2017, grifo nosso). Dois aspectos sobre essa identificação dever ser
ressaltado, primeiro que o autor se identifica como servo de Jesus Cristo, a
segunda seu parentesco com Tiago, a maior probabilidade é que o Tiago
mencionado seja o meio irmão de Jesus, que era um líder em destaque na
igreja primitiva, esse seria o maior motivo dele ser citado. Com isso
observamos que Judas escritor da epístola está dentro do círculo familiar de
Jesus conforme vemos em Marcos 6.3 “Não é este o carpinteiro, filho de
Maria e irmão de Tiago, José, Judas e Simão? Não estão aqui conosco as
suas irmãs? “E ficavam escandalizados por causa dele.” (BÍBLIA, NVI, 2017,
grifo nosso). Por Judas ser coadjuvante, e não ter um nome expressivo entre
os discípulos de Jesus, ajuda a reforçar a tese que Judas, o meio irmão de
Jesus, tenha sido o autor desta epístola de apenas um capítulo.

3.2 LOCAL E DATA

Quando agrupamos as três epístolas colocamos em uma linha temporal,


e com isso podemos observar quais as possíveis datas e destinatários, nos
aproximando assim mais perto do objetivo do autor no processo hermenêutico
das duas cartas de Pedro e da carta de Judas.
33
3.2.1 DATAS DE ESCRITA DAS TRÊS EPISTOLAS GERAIS

As duas cartas de Pedro possuem uma variação de datas devido às


várias hipóteses sobre a autoria da carta, contudo se observarmos que o autor
seja realmente Pedro, limitaremos os escritos até o ano 67 d.C. Próximo da
data de seu martírio.
Partindo do pressuposto da autoria petrina, Carvalho (2008, p.103-104)
data a primeira epístola no início da década de 60 do primeiro século. Devido
ao contexto histórico, marcado pela transição política no governo de Roma,
existia naquela ocasião uma pseudo tranquilidade, ao ponto de Pedro escrever
sobre “honrar o rei” 1Pedro 2.17 “Tratem a todos com o devido respeito: amem
os irmãos, temam a Deus e honrem o rei”. (BÍBLIA, NVI, 2017). A segunda
epístola foi escrita de acordo com a tradição histórica por volta dos anos 65 –
68 d.C. Justifica-se pela perseguição rigorosa que ocorreu até o ano de 64
d.C. Perseguição promovida pelo Imperador Nero, que culminou no martírio
de Pedro, limitando assim o escrito da segunda carta a 67 d.C. Data próxima
da morte de Pedro.
No caso da epístola de Judas, devido sua brevidade de assunto fica
mais difícil datar realmente essa epístola. Para Carvalho (2008, p.170) a data
seria superior ao ano 80 d.C. Motivo esse que a carta tem como objetivo
combater a heresia gnóstica, que fica mais forte na segunda metade do
século I. A data estaria nesse espaço de tempo porque no início do século II,
o autor já havia falecido.

3.2.2 DESTINATÁRIOS DAS DUAS EPÍSTOLAS DE PEDRO E JUDAS

Quando estamos nos debruçando sobre as Epístolas Gerais, “católica”


ou “universais”, pensar em destinatários gera muitas possibilidades. Moo
(2011, p. 15) diz que as epístolas gerais, no início da igreja, eram textos pra
serem lidos nas comunidades cristãs em geral, não eram endereçadas a uma

34
igreja específica. Contudo isso não indica que os autores sagrados não tinham
um público em mente.
Pedro escreve suas duas epístolas, para um grupo diversificado de
cristãos, nesse grupo pertenciam judeus e gentios. De acordo com Carvalho
(2008, p. 105), o público de Pedro residia nas seguintes localidades: Ponto,
Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia. Por inferência podemos alegar que a
maioria desse grupo era de gentios. Cabe enfatizar que o apóstolo Pedro não
foi o evangelizador dessas pessoas conforme ele próprio afirma em 1 Pedro
1.12 (BÍBLIA, NVI, 2017, grifo nosso)

“A eles foi revelado que estavam ministrando, não para si próprios,


mas para vocês, quando falaram das coisas que agora lhes foram
anunciadas por meio daqueles que lhes pregaram o evangelho
pelo Espírito Santo enviado do céu; coisas que até os anjos anseiam
observar.”

Não se pode dizer muito mais sobre os destinatários das duas


epístolas de Pedro, contudo pensar na região das províncias da Ásia não
seria algo a ser descartado, ou desprezado. É uma boa conjectura que nos
ajuda a localizar no tempo e espaço o público-alvo de Pedro.
Com relação à epístola de Judas, temos menos informações ainda
contudo vale analisar seu terceiro versículo “Amados, procurando eu
escrever-vos com toda a diligência acerca da comum salvação, tive por
necessidade escrever-vos e exortar-vos a batalhar pela fé que uma vez foi
dada aos santos” (BÍBLIA, JFAC, 2009, grifo nosso). Para Carson, Moo e
Morris (2020, p.511) demonstra que o autor tinha em mente quem eram seus
leitores, esses destinatários são convidados a “batalhar pela fé”, esse grupo
de cristãos estavam sendo bombardeados pela seita gnóstica, mas definir de
maneira exata quem eles eram é um trabalho que os elementos internos da
carta não possibilitam.
Fee e Stuart (2019, p. 420) apontam que os destinatários seriam
possivelmente judeus de alguma parte da palestina que tinham conhecimento
dos escritos apocalípticos e do antigo testamento, essa constatação é devida

35
Judas utilizar escritos antigos como base da sua carta. Entretanto a
classificação desta carta como universal, permite que ela fosse lida em todas
as comunidades, assim auxiliaria quaisquer pessoas que passassem pelos
ataques gnósticos.

3.3 ESTRUTURA E TEOLOGIA DE 1 – 2 PEDRO E JUDAS

As três epístolas em análise, possuem uma estrutura pastoral, que


admoesta seus leitores a perseverarem contra as perseguições, e a resistir os
falsos ensinos. Enquanto 1 Pedro explica a atitude cristã perante as
perseguições externas, 2 Pedro e Judas exortam seus leitores sobre as
perseguições internas com os falsos ensinos, por parte dos gnósticos que se
infiltraram nas comunidades.

3.3.1 ESTRUTURA DE 1 – 2 PEDRO E JUDAS

As epístolas apresentam uma estrutura dualística, isso acontece,


porque, um dos objetivos das cartas é combater o gnosticismo, essa seita tem
como principal objetivo realizar uma dicotomia entre o espiritual e carnal, entre
mundo e céu. Em resposta aos falsos mestres, os autores criam sua base de
argumentação no dualismo.
Estruturalmente 2 Pedro está relacionado com Judas, gerando assim
duas possibilidades como descreve Carson, Moo e Morris (2020, p.484-485) a
primeira possibilidade é que uma epístola tenha servido de material de
pesquisa para o outro, a segunda hipótese é que ambas as cartas usaram o
mesmo documento, por isso apresentam grande similaridades nos assuntos.
Pearlman (1997, p.323-324) faz um esboço simplificado de 1 Pedro,
para podemos observar os temas na estrutura desta epístola, para este autor a
primeira carta do apóstolo se divide em quatro principais seções, que são: I –
Regozijo no sofrimento por causa da salvação (1.1-12); II – Sofrendo por causa
da justiça (1.13 – 3.22); III – Sofrendo com Cristo (4); IV – Exortações finais (5).

36
Mueller (2011, p.44-47) que analise interna da carta nos ajuda a
observar melhor o que nela está proposto, com isso ele divide em nove temas
principais, dentro dessa divisão existem subdivisões conforme podemos
observar no quadro IV abaixo.

QUADRO IV – ESBOÇO DA CARTA DE 1 PEDRO

I – Saudação Introdução (1.1-2)


a – Consequência da ressurreição de Jesus Cristo para
os crentes (1.3-5)
II– Louvor A Deus
b – Sofrimentos e dificuldades no presente são
Pela Salvação – (1.3-
provocações para a fé (1.6-9)
12)
c – Salvação hoje: cumprimento da palavra profética de
ontem (1.10-12)
III – O Novo Status a – Santidade adquirida deve ser vivida (1.13-21)
Do Cristão E Suas b – A palavra de Deus leva ao amor fraterno (1.22-25)
Consequências (1.13 c – Crescimento na palavra, edificação do grupo cristão
– 2.10) sobre o fundamento que é Cristo (2.1.10)
a – Formulação geral: por que os cristãos são instados
a um novo estilo de vida (2.11-12)
b – Na vida pública (2.13-17)
IV – Exortações Para
c – Nas relações de trabalho (2.18-20)
A Vida Diária (2.11 –
d – Cristo, supremo modelo para todos (2.21-25)
3.12)
e – Em casa (3.1-7)
f – Formulação geral: aprendam da Palavra de Deus a
viver em paz e harmonia (3.8-12)
a – Comportem-se de forma respeitosa, mesmo
quando não são tratados com respeito (3.13-17)
V – Relações Com
b – De novo, Cristo é o modelo: Ele se deu em amor, e
Os Não-Cristão (3.13
assim venceu os poderes do mal (3.18-22)
– 4.6)
c – Por isso, vivam o novo, estimulados pelo exemplo
de Cristo (4.1-6)
VI – Relações Entre
Os Cristãos a – (4.7-11)
VII– Os Sofrimentos
No Presente E O Que
Eles Significam a – (4.12-19)
a – Aos presbíteros (5.1-4)
VIII – Exortações b – Aos mais novos (5.5)
Finais (5.1-11) c – Diante de Deus e diante do diabo (5.6-11)
IX – Despedidas a – (5.12-14)

37
(Elaborado pelo autor)

As semelhanças existentes em 2 Pedro e Judas suscita um debate


interessante sobre quem emprestou de quem o texto, contudo para Carson,
Moo e Morris (2020, p. 485) ambos os autores, podem ter utilizado fontes mais
antigas para redigir as epístolas, como por exemplo Marcos e Q, contudo não
existem informações suficientes para que possamos definir, porém é evidente
em cada estrutura a semelhança existente.
Conforme as duas possibilidades existentes, a primeira que 2 Pedro e
Judas se utilizaram um do outro (figura 1.1) e a segunda que ambos utilizaram
uma fonte comum (figura 1.2) propomos a figura I.

FIGURA I – RELACIONAMENTO ENTRE 2 PEDRO E JUDAS

FONTE
COMUM
JUDAS

2 PEDRO

JUDAS 2 PEDRO

Figura 1.2
Figura 1.1

Elaborado pelo autor

Com base em Green (2011, p.55 e 147) esboça os temas da seguinte


maneira conforme quadro V.

QUADRO V – ESBOÇO DA CARTA DE 2 PEDRO E JUDAS

JUDAS
2 PEDRO

38
CAPÍTULO UM
a – Introdução e saudação (1.1-2)
b – Os privilégios do Cristão (1.3-4)
c – A escada da fé (1.5-7) CAPÍTULO ÚNICO
d – Cristãos estéreis e frutíferos (1.8-9) a – O autor e seus leitores (1-2)
e – Um alvo digno (1.10-11) b – A carta que Judas não escreveu,
f – A verdade aceita repetição (1.12-15) e a carta que escreveu (3-4)
g – A verdade é atestada por c – Três lembranças de advertência
testemunhas oculares apostólicas (1.16- (5-7)
18) d – Aplicadas as analogias do
h – A verdade é atestada por escrituras julgamento (8-9)
proféticas (1.19-21) e – Diatribe contra os falsos mestres
(10-13)
CAPÍTULO DOIS f – A profecia de Enoque aplica-se a
a – Acautelai-vos dos falsos mestres eles (14-16)
(2.1-3) g – As palavras dos apóstolos se
b – Três exemplos de julgamento e aplicam a eles (17-19)
livramento (2.4-10a) h – Exortações aos fiéis (20-23)
c – A insolência dos falsos mestres i – Doxologia (24-25)
(2.10b-11)
d – Sua arrogância, concupiscência e
gula (2.12-16)
e – A nulidade dos falsos mestres (2.17-
22)

CAPÍTULO TRÊS
a – Reiterando o propósito da carta (3.1-
2)
b – O escárnio dos que zombam da
segunda vinda (3.3-4)
c – Pedro argumenta na base da
história (3.5-7)
d – Pedro argumenta na base da
Escritura (3.8)
e – Pedro argumenta na base do caráter
de Deus (3.9)
f – Pedro argumenta na base das
promessas de Cristo (3.10)
g – As implicações éticas da segunda
vinda (3.11-14)
h – Pedro cita Paulo como apoio (3.15-
16)
i – Conclusão (3.17-18)

(Elaborado pelo autor)

39
3.3.2 TEOLOGIAS EM 1 PEDRO

Toda teologia contida nas duas epístolas de Pedro mais a teologia da


Epístola de Judas, trazem um importante ensinamento para os leitores da
época, assim como para atualidade dos estudantes de teologia, como também
para aqueles que reconhecem na Bíblia seu instrumento de pesquisa, e/ou
modo de vida. Bom lembrarmos que essas epístolas tem uma função
apologética, defendendo a ortodoxia cristã, dos falsos mestres da época em
que foram redigidas.

3.3.2.1 ESCATOLOGIA EM 1 PEDRO

Em sua primeira carta o apóstolo Pedro trabalha sua escatologia


semelhante aos sermões de Atos dos Apóstolos como também em Paulo,
apresentando um dualismo temporal. Conforme expressa Ladd (2003, p. 790-
791) que na teologia petrina na primeira carta, o autor faz separação entre
“este século e o século futuro”. Sendo o presente a tensão entre o agora e o
futuro. Ainda afirma que a glória escatológica tem início no ministério de Jesus,
e que sua morte e sua ressurreição é cumprimento das promessas
messiânicas. Indicando o sofrimento da era presente como marca inseparável
da glória escatológica.
Carvalho (2008, p.125-126) afirma que a ressurreição de Jesus é o
marco histórico que inaugura o pensamento escatológico de 1 Pedro. Tendo
como principal argumento que a ressurreição do Cristo é a prova da
restauração futura. O aspecto de maior valor dessa epístola está na citação a
qual diz que: os sofrimentos presentes estão contrastados com a glória do
porvir 1 Pedro 5.8-10.

Sede sóbrios, vigiai, porque o diabo, vosso adversário, anda em


derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar; ao
qual resisti firmes na fé, sabendo que as mesmas aflições se
cumprem entre os vossos irmãos no mundo. E o Deus de toda a
graça, que em Cristo Jesus vos chamou à sua eterna glória, depois
de haverdes padecido um pouco, ele mesmo vos aperfeiçoará,
confirmará, fortificará e fortalecerá. (BÍBLIA, NVI, 2017)

40
Pedro não trabalha somente a ideia futura para seus leitores, ele
assevera em sua teologia o viver santo e consagrado para Deus. Esse aspecto
da sua teologia está plenamente ligado aos textos veterotestamentários, como
por exemplo Levítico 11.44-45 que confirma com 1 Pedro 1.14-16. Dentro de
todo esse escopo teológico de 1 Pedro, podemos afirmar que a palavra
“esperança” é a chave no processo de interpretação. Com uma escatologia de
esperança ligado a uma cristologia presente no Cristo ressurreto, que mesmo
diante do mundo mau suportou toda as dificuldades e sendo nosso maior
exemplo, nessa novidade de vida que temos agora.
Ladd (2003, p. 792) ainda explica que a escatologia é assunto
importante nos escritos petrinos, porém ele não usa a palavra “parousia” para
descrever o evento escatológico, ele usa “apokalypsis”, que significa revelação
e descreve os eventos futuros a partir dessa ideia.

3.3.2.2 TEOLOGIA E A CRISTOLOGIA EM 1 PEDRO

Para Ladd (2003, p. 793-794) a doutrina de Deus está fortalecida em um


conteúdo trinitário, apesar de que não fica evidente em uma dissertação sobre
o tema, contudo se apresenta de maneira prática. Isso fica evidente em sua
introdução em 1 Pedro 1.2 “eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em
santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de
Jesus Cristo: graça e paz vos sejam multiplicadas” (BÍBLIA, NVI, 2017 grifo
nosso). Nessa introdução é apresentado o processo da salvação na
perspectiva da Trindade.
Conforme já observado a cristologia existente em 1 Pedro é algo de alto
nível, contudo Ladd (2003, p. 795) chama atenção que na elaboração da
doutrina cristológica, o apóstolo traz o título de “Senhor” “kyrius”, ele tem a
intensão mais prática do relacionamento dos seus leitores com Jesus como
Senhor, colocando assim Jesus no mesmo patamar de Deus.

41
Na cristologia de Pedro, existe um texto que vem chamando atenção dos
teólogos ao longo da história, 1 Pedro 3.18-20, texto que fala da descida de
Jesus ao “Hades”.

“Pois também Cristo sofreu pelos pecados uma vez por todas, o justo
pelos injustos, para conduzir-nos a Deus. Ele foi morto no corpo,
mas vivificado pelo Espírito, no qual também foi e pregou aos
espíritos em prisão que há muito tempo desobedeceram, quando
Deus esperava pacientemente nos dias de Noé, enquanto a arca era
construída. Nela apenas algumas pessoas, a saber, oito, foram salvas
por meio da água, e isso é representado pelo batismo que agora
também salva vocês — não a remoção da sujeira do corpo, mas o
compromisso de uma boa consciência diante de Deus — por meio da
ressurreição de Jesus Cristo” (BÍBLIA, NVI, 2017, grifo nosso)

Ladd (2003, p. 796-797), aponta três principais ideias sobre esse texto,
sobre essa descida ao inferno (Hades). A primeira ideia circulou na era da
patrística, pensamento sobre o estado intermediário, e os espíritos eram de
homens que viveram na época de Noé ou tempos anteriores a Jesus histórico.
A segunda opinião elaborada e mantida por Agostinho e alguns reformadores,
é que Cristo antes de vir fisicamente ao mundo, pregou aos contemporâneos
de Noé aos que estavam vivos. Terceira e mais aceita na atualidade, é que no
estado intermediário, foi proclamado por Cristo a vitória do evangelho para os
anjos caídos, que estavam aprisionado no Hades. A pregação não está
relacionada com uma oferta de salvação, contudo é uma pregação triunfante
de Jesus que pela sua morte e ressurreição o Cristo venceu todos os inimigos
do mundo espiritual.
A teologia em 1 Pedro nos proporciona um estudo edificante, o apóstolo
não tenta formular grandes dogmas, mas a partir da sua experiência e com o
“servo sofredor” 1 Pedro 2.24, ele elabora uma mensagem de consolo em meio
as dificuldades presentes, contudo ele também vislumbra uma eternidade de
glória.

3.3.3 TEOLOGIAS EM 2 PEDRO E JUDAS

42
As teologias de 2 Pedro e Judas, são elaboradas em um processo
apologético de defesa da fé genuína, ambos enfrentam falsos ensinos e sob a
perseguição de falsos mestres são obrigados a orientar seus destinatários
sobre o perigo. Para Green (2011, p.36-37) ambas as cartas combatiam um
tipo de heresia gnóstica em sua fase primitiva, ou seja, seu início, tal seita tinha
como principal debate o senhorio de Jesus, eles negavam tal fator da fé cristã,
assim como debochavam da demora da “parousia”, fator que aprece de forma
explicita em 2 Pedro.

3.3.3.1 SIMILARIDADES DAS TEOLOGIAS EM 2 PEDRO E JUDAS

Existe um eixo em que a teologia petrina da segunda carta se guia. Pelo


menos três grandes assuntos, ou assuntos principais, fazem parte da
elaboração do apóstolo Pedro, temas que são: 1 – A inspiração Bíblica; 2 - A
Transfiguração; 3 – A demora da segunda vinda de Cristo. Para Ladd (2003, p.
807) “Há poucos ensinos de interesses teológicos em Judas, que não se
encontram em 2 Pedro.
Referente a inspiração Bíblica, Carvalho (2008, p.133-134) apresenta a
existência de similaridade com os ensinos paulinos. Contudo Pedro precisou
adaptar o assunto de maneira que respondesse às problemáticas de seus
leitores. 2 Pedro 1.20-21.

“Antes de mais nada, saibam que nenhuma profecia da Escritura


provém de interpretação pessoal, pois jamais a profecia teve origem
na vontade humana, mas homens falaram da parte de Deus,
impelidos pelo Espírito Santo”. (BÍBLIA, NVI, 2017)

O início de sua argumentação está plenamente ligado aos escritos


proféticos do antigo testamento, devido os falsos mestres estarem iludindo os
seguidores de Cristo. Pedro declara que o Espírito Santo, inspira as escrituras
“pois jamais a profecia teve origem na vontade humana”, ou seja, toda
escritura é da vontade de Deus, segundo aspecto é que existe uma revelação
no processo de interpretação, “nenhuma profecia da Escritura provém de

43
interpretação pessoal”. Isso demonstra que o mesmo Espírito inspira e
interpreta as escrituras, ou seja, que os falsos mestres não pertenciam a
Deus, e faziam uma interpretação falsa.
Algo interessante sobre o tema da inspiração das escrituras, conforme
declara Ladd (2003, p. 805) é que a segunda epístola de Pedro, é a
referência mais antiga da igreja apostólica que consideravam os escritos de
Paulo, ou parte deles como Escrituras conforme vemos em 2 Pedro 3.15b-16.

“como também o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a


sabedoria que lhe foi dada, falando disto, como em todas as suas
epístolas, entre as quais há pontos difíceis de entender, que os
indoutos e inconstantes torcem e igualmente as outras Escrituras,
para sua própria perdição” (BÍBLIA, JFAC, 2009)

A palavra grega empregada por Pedro para escrituras, traz a ideia


escrituras do Antigo Testamento, isso demostra que Pedro conhecia alguns
escritos paulinos e que ele os reconhece, descrevendo os textos de Paulo na
mesma altura dos escritos veterotestamentários.
Segundo tema da teologia petrina da segunda carta é sobre a
transfiguração, evento histórico descrito nos evangelhos (Mateus 17.1-8;
Marcos 9.2-13; Lucas 9.28-36). Esse tema da glorificação de Jesus como o
filho de Deus, aparece somente em 2 Pedro, como tema a ser debatido com
os falsos mestres gnósticos que enfatizavam a busca de conhecimento como
modo de salvação, conforme o apóstolo escreve em 2 Pedro 1-19-18.

“De fato, não seguimos fábulas engenhosamente inventadas, quando


lhes falamos a respeito do poder e da vinda de nosso Senhor Jesus
Cristo; pelo contrário, nós fomos testemunhas oculares da sua
majestade. Ele recebeu honra e glória da parte de Deus Pai,
quando da suprema glória lhe foi dirigida a voz que disse: "Este é o
meu filho amado, em quem me agrado". Nós mesmos ouvimos essa
voz vinda do céu, quando estávamos com ele no monte santo”.
(BÍBLIA, NVI, 2017, grifo nosso)

Em sua análise do evento da transfiguração Carvalho (2008, p. 135)


declara que na tese petrina o momento da transfiguração reforça a autoridade
das escrituras. Assim como o conhecimento verdadeiro sobre o Cristo é um

44
fato que parte de uma experiência de revelação miraculosa do indivíduo com
Deus e com o próprio Cristo e assim também foi a experiência dos três
apóstolos no monte da transfiguração. Pedro sedimentou sua teologia com
base nos escritos antigos, demonstrando como esse evento histórico foi o
cumprimento das profecias antigas.
Diferentemente de Pedro, Judas faz uso de livros apócrifos durante seu
escrito. Green (2011, p.47) aponta pelos mesmos dois livros que Judas utiliza
na formulação do seu texto, que são: 1- Assunção de Moisés; 2- Livro de
Enoque. Sendo que o segundo Judas cita diretamente, no versículo 14 e 15.

“Enoque, o sétimo a partir de Adão, profetizou acerca deles: "Vejam,


o Senhor vem com milhares de milhares de seus santos, para julgar a
todos e convencer a todos os ímpios a respeito de todos os atos de
impiedade que eles cometeram impiamente e acerca de todas as
palavras insolentes que os pecadores ímpios falaram contra ele”.
(BÍBLIA, NVI, 2017)

As outras citações de livros apócrifos, são sobre a descrição que Judas


faz dos anjos caídos, assunto esse que também vemos em 2 Pedro, que
provavelmente se utilizou de Judas, ou de uma mesma fonte.
Podemos concluir que a existência dessas duas epístolas, ocorrem por
lutarem por uma fé genuína, que a similaridade existente também, é para
alcançar os objetivos que nas epístolas são semelhantes., com isso a teologia
elaborada pelos dois autores está relacionada com o contexto histórico e
desafios que as comunidades enfrentavam.

CAPÍTULO IV – EPÍSTOLAS JOANINAS: AMOR SACRIFICIAL


EM TEMPOS DIFÍCEIS

Chegamos nas últimas três epístolas que fazem parte do bloco das
sagradas escrituras que denominamos Epístolas Gerais. Nesses capítulos
veremos os assuntos que formam os escritos Joaninos, analisaremos 1 João; 2

45
João e 3 João, conforme vimos na Tabela I, a primeira, com aspectos mais
doutrinários e as outras duas com um conteúdo mais pessoal.
Interessante é que pelas três epístolas levarem o nome de João, já nos
conduz a pensar na autoria joanina, contudo nem sempre foi assim, Stott
(2011, p. 15) aponta na história que a primeira epístola como
“homologoumena”, ou seja, livros aceitos, já as outras duas epístolas entram
como “antilegomena”, ou livros contestados.

4.1 AUTORIAS DAS TRÊS EPÍSTOLAS DE JOÃO

Da mesma maneira que Hebreus, a primeira epístola de João não


possuí evidência estrutural de uma carta escrita em grego no primeiro século,
porque é omitido o nome do autor e os destinatários, já nas outras duas
epístolas o autor se apresenta como “O presbítero”. Contudo existe muita
evidencia interna do estilo de redação das epístolas de João com o quarto
evangelho (João). Carvalho (2008, p.143) aponta pelo menos três aspectos
para atribuir a autoria ao apóstolo João.
Primeiro fator é a familiaridade do autor, com os ensinos e as pessoas
de Jesus, afirmando ser testemunho ocular do ministério de Jesus. Segundo
fator é a autoridade apostólica entre os primeiros leitores, os anciãos que
recebiam estes documentos os ensinavam em suas comunidades. Esta prática
era decorrente ao reconhecimento da autoridade do escrito, logo este havia
sido redigido por alguém que presenciou historicamente os feitos de Jesus. O
terceiro aspecto é a similaridade dos assuntos tratados no evangelho e nas
epístolas, é evidente uma continuidade dos assuntos, quando colocado em
paralelos os quatros escritos atribuídos ao apóstolo João.
Outro fator externo das escrituras sobre a autoria da primeira epístola de
João é o testemunho dos pais da igreja no primeiro século. Stott (2011, p. 14-
15) aponta que vários comentaristas bíblicos percebem a presença dos escritos
joaninos, citados em literaturas desta época. Como por exemplo, nos escritos
de Clemente de Roma, no Didaquê e na epístola a Diogneto. A segunda e a
terceira carta de João, não aparecem de maneira tão clara, contudo alguns
46
escritores também fazem uso de seu material literário e atribuem a autoria a
João, como podemos observar na citação feita por Irineu e Clemente de
Alexandria, mas essas duas últimas tiveram maior dificuldade em serem
reconhecidas como canônicas.
Apóstolo João aparece na narrativa Bíblica (João 1.35-39; Marcos 1.16-
20), ele era pescador, também conhecido como filho de Zebedeu. Esse
apóstolo que esteve em momentos mais íntimos de Jesus, sendo testemunha
ocular de momentos históricos marcantes, estava entre os três discípulos,
sendo Pedro, Tiago e João, no evangelho de sua autoria ele se reconhece
como “o discípulo amado”, texto que está em João 13.23 “Ora, um de seus
discípulos, aquele a quem Jesus amava, estava reclinado no seio de Jesus”.
Essa percepção escrita pelo apóstolo João é a base de toda sua teologia,
tanto para o quarto evangelho, como para suas três epístolas.

4.2 LOCAL E DATAS DAS EPÍSTOLAS DE JOÃO

Existe um tom familiar e amoroso, nos escritos joaninos. Apesar do


apóstolo debater com falsos mestres, ele usa de uma linguagem fraternal, para
que seus leitores pudessem ser orientados sobre a conduta diante dos temas
tão diversos que poderiam ser letais para a comunidade da fé.

4.2.1 DATAS DE ESCRITA DAS TRÊS EPÍSTOLAS GERAIS

Pensar na autoria joanina para as três epístolas, nos coloca em um


espaço tempo, tanto para o local da escrita, como para a data da escrita.
Carson, Moo e Morris (2020, p. 499) apontam Éfeso como origem das cartas,
eles argumentam que o apóstolo João, junto com evangelista Filipe e suas
filhas, mudaram para essa cidade após a guerra Judaica (66 – 70 d.C.), apesar
de não poder concluir os dados históricos, essa hipótese tem grande aceitação
por diversos teólogos.
Seguindo a mesma lógica de espaço tempo Carvalho, (2008, p. 144-
145), acredita que as cartas joaninas foram escritas 85 d.C. e 90 d.C. Ponto
que ajuda a determinar esse período e o conteúdo apologético existente nas
47
epístolas, que combatiam com a seita gnóstica desse tempo. Outro fator que
ajuda a localizar as epístolas nesse período é o testemunho de Policarpo o
bispo de Esmirna, que também era discípulo direto de João, o bispo demonstra
muita familiaridade com a teologia joanina. As cartas estão próximas da
produção do evangelho de João.

4.2.2 DESTINATÁRIOS DAS EPÍSTOLAS DE JOÃO

Internamente as três epístolas não nos apresentam claramente quem


são os destinatários. Na primeira epístola João, chama seus leitores de
“filhinhos” (1 João 1.1). Na segunda epístola de João é direciona a “senhora
eleita” (2 João 1.1). Somente na terceira epístola que temos um nome, essa
carta é escrita ao “amado Gaio” (3 João 1.1). Sem muitas informações internas,
é preciso usar fontes externas para tentar aproximar os escritos de seu público-
alvo.
Para Carvalho (2008, p.145) pelo local em que o apóstolo João habitava,
que era Éfeso, os possíveis destinatários seriam as igrejas localizadas nas
proximidades de Éfeso, na região da Ásia menor, espaço esse que era formado
pelas setes igrejas que são: Esmirna; Pérgamo; Tiatira; Éfeso; Sardes;
Filadélfia e Laodicéia. Para Carson, Moo e Morris (2020, p. 501) a
determinação geográfica do destinatário, é apenas uma “inferência a partir
daquilo que é reconstruído do local de origem dos documentos”.
A falta de informação sobre os destinatários, é a característica das
epístolas gerais, contudo isso não é um aspecto que diminua seu valor nas
escrituras, esse fator se torna relevante porque podemos colocar os escritos
como universais, e seus valores podendo ser utilizados pelas comunidades de
fé de todos os tempos.

4.3 ESTRUTURA E TEOLOGIA DAS EPÍSTOLAS JOANINAS

Observar a estrutura e a teologia é uma tentativa de ampliar nosso olhar,


é como colocar uma lupa sobre o texto para que possamos captar, no processo
48
hermenêutico e exegético o objetivo do autor, assim como a contextualização
para a atualidade dos escritos. Toda estrutura e teologia são em resposta aos
problemas que as comunidades de fé enfrentavam, com isso o autor ao
elaborar o texto ele tem em mente ser a resposta para problemas reais.

4.3.1 A ESTRUTURA DAS EPÍSTOLA DE JOÃO

Os objetivos gerais de cada epístola apresentam a forma de seus


escritos, isso nos ajuda a analisar a similaridade dos assuntos, tanto no
evangelho como nas epístolas. Conforme quadro VI8.

QUADRO VI – SIMILARIDADE DOS TEXTOS NO EVANGELHO E


EPÍSTOLAS DE JOÃO

EVANGELHO 1 JOÃO 2 JOÃO 3JOÃO


2.24 4.1-3 7
8.31 3.18 1 1
10.18 4.21 4 3
13.34 2.7 5
14.21 5.3 6
15.11; 16.24 1.4 12 - 13 13 - 14
21.24 12

As referências do quadro acima demonstram que nas estruturas do


evangelho e nas estruturas das cartas existem similaridades de assuntos,
revelando uma mesma autoria. Reis (2008, p.234-235) ainda complementa ao
analisar a estrutura das epístolas. A primeira epístola tem um eixo estrutural
que enfatiza os princípios básicos do Cristianismo, também faz um tratado
preventivo evitando que o aparecimento de grupos que proporcionam divisão
na comunidade de fé. A segunda epístola, seguindo uma linha doutrinária
procura advertir a igreja, sobre os falsos ensinos dos mestres gnósticos. Na
terceira epístola, o apóstolo João escreve de maneira pessoal, procurando

8 Quadro adaptado de Reis (2008, p. 233)

49
corrigir atitudes de alguns obreiros, referente ao abuso de autoridade e falta de
hospitalidade.
Para observarmos a diversidade de assuntos, observamos a maneira
que Stott (2011, p.49) divide o esboço as três epístolas. A primeira epístola é
dividida em sete temas principais, a segunda epístolas em três temas principais
e a terceira em quatro temas.

QUADRO VII – ESBOÇO DE 1 JOÃO

I - Prefácio Introdução (1.1-4)


a – A negação de que o pecado rompe a nossa
comunhão com Deus (1.6-7)
II – A Mensagem Apostólica E
b – A negação que existe pecado em nossa
Suas Implicações Morais (1.5
natureza (1.8-9)
– 2.2)
c – A negação de que o pecado se mostra em
nossa comunidade (1.10 – 2.2)
a – Obediência, ou a prova moral (2.3-6)
b – Amor, ou prova social (2.7-11)
III – Primeira Aplicação Das
c – Digressão acerca da igreja (2.12-14)
Provas (2.3-27)
d – Digressão acerca do mundo (2.15-17)
e – Fé, ou a prova doutrinária
a – Uma elaboração da prova moral: justiça
(2.28 – 3.10)
b – Uma elaboração da prova social: amor
(4.13-21)
IV – Segunda Aplicação De c – Combinação das três provas (5.1-5)
Prova (2.28 – 4.6) d – Cristo, supremo modelo para todos (2.21-
25)
e – Em casa (3.1-7)
f – Formulação geral: aprendam da Palavra de
Deus a viver em paz e harmonia (3.8-12)
a – Mais uma elaboração da prova social: amor
(4.7-12)
V – Terceira Aplicação De
b – Combinação das provas doutrinárias e
Provas (4.7 – 5.5)
social (4.13-21)
c – Combinação das três provas (5.1-5)
VI – As Três Testemunhas E a – As três testemunhas (5.6-12)
A Nossa Consequente b – A nossa consequente segurança (5.13-17)
Segurança (5.6-17)
VII – Três Afirmações E Uma
Exortação Para Concluir
(5:18-21) Conclusão

50
(Elaborado pelo autor)

QUADRO VIII– ESBOÇO DE 2 E 3 JOÃO

2 JOÃO 3 JOÃO
CAPÍTULO ÚNICO
CAPÍTULO ÚNICO
I – A Introdução (1-3)
I – A mensagem a Gaio (1-8)
II – A Mensagem (4-11)
II – A mensagem concernente a Diótrefes
III – A Conclusão (12,13)
(9-10)
III – A mensagem concernente a Demétrio
(11-12)
IV – A conclusão e saudação (13-14)
(Elaborado pelo autor)

4.3.1 TEOLOGIA DAS EPÍSTOLAS DE JOÃO

As epístolas gerais, estão diretamente ligadas a problemas práticos e


reais, isso não representa que sejam menos teológicas que os outros escritos,
esses textos apontam para uma teologia prática, algo que realmente toque a
vida, respondendo a perguntas reais.

4.3.1.1 ESCATOLOGIA NAS EPÍSTOLAS JOANINAS

Pensamento escatológico de João, está relacionado diretamente com a


regeneração, aspecto que habilita o ser humano a participar da parousia, ou
seja, da segunda vinda de Jesus, um cristão deve nascer de novo, isso
acontece pelo sacrifício de Jesus, como está relatado em 1 João 2.1-2.

“Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo, para que não pequeis; e,
se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo,
o justo. E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente
pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo”. (BÍBLIA, NVI,
2017)

51
Carvalho (2008, p.166) compreende que a compreensão de João sobre
a segunda vinda, está em termos apocalípticos, e que os falsos mestres
operam pelo espírito do anticristo, que na linguagem joanina tal espírito já
operava no mundo naquela época, conforme observamos em 2 João 1.7
“Porque já muitos enganadores entraram no mundo, os quais não confessam
que Jesus Cristo veio em carne. Este tal é o enganador e o anticristo”
(BÍBLIA, NVI, 2017). Para João a presença desses enganadores é um sinal
da volta de Jesus, é um prenúncio da parousia.
Para Ladd (2003, p.816) a aparição da figura do anticristo nas escrituras,
é vista como um adversário do Messias, tudo o que se opõe a obra de Cristo.
Nos escritos de João essa figura é representada, por falsos mestres, líderes
rebeldes. Porém que será manifesto em uma única pessoa no fim dos tempos.

4.3.1.2 CRISTOLOGIA NOS ESCRITOS JOANINOS

Da mesma maneira que Pedro enfatizou em suas epístolas, João dá


uma ênfase especial para humanidade de Jesus, toda sua cristologia é uma
apologia contra os falsos ensinos dos gnósticos. Essa humanidade fica clara
nos textos (1 João 2.18-19, 22-24; 4.1-4; 2 João 7). Carvalho (2008, p. 164)
aponta João combatendo a seita gnóstica, influenciada pela filosofia grega, que
declarava a materialidade do mundo como má. Por isso os hereges negavam a
humanidade de Cristo. A união hipostática de Cristo, ou seja, a pessoa de
Cristo possui duas naturezas, humana e divina.
Cristologia em João é uma defesa da humanidade de Cristo, mas
também Jesus é apresentado como preexistente, 1 João 1.1-2.

“O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os


nossos olhos, o que temos contemplado, e as nossas mãos tocaram
da Palavra da vida (Porque a vida foi manifestada, e nós a vimos, e
testificamos dela, e vos anunciamos a vida eterna, que estava com o
Pai, e nos foi manifestada)” (BÍBLIA, NVI, 2017, grifo nosso)

Na busca por uma teologia da humanidade de Jesus, o autor das


epistolas não negligência a divindade do Messias, no trecho acima observamos

52
a ênfase da eternidade de Jesus, atributo somente dado a Deus, isso reforça a
cristologia joanina. Essa união das naturezas de Cristo será definida como
dogma na história da igreja nos concílios de Calcedônia em 451 d.C.
Base da teologia joanina é a pessoa de Jesus, nossa entrada pelo novo
nascimento e uma vida que reflita historicamente a quem pertencemos. Nas
epístolas de 2 e 3 João vemos o autor se dirigindo a problemas que as
comunidades da fé enfrentavam. Na segunda o apóstolo aconselha sobre a
hospitalidade de falsos mestres, na última carta ele fala da falta de
hospitalidade por parte de Diótrefes, e como deveria agir Gaio. Nas três
epístolas o autor sagrado busca orientar de maneira prática como deveria ser a
atitude do povo eleito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Existe uma necessidade em aprofundar os estudos sobre as epístolas


gerais que demostraram um rico conteúdo para a igreja primitiva. Neste estudo
observamos que as cartas católicas ou epístolas gerais, no decorrer da história,
se entrelaçaram em muitas contradições e controvérsias. Isso torna o conteúdo
das cartas universais um ambiente fértil para pesquisa teológica em diversas
áreas, a exemplo de uma análise histórica mais aprofundada, exegeses de
textos e até mesmo uma teologia prática para as comunidades da fé.

53
BIBLIOGRAFIA BÁSICA

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