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Sete mandamentos da acessibilidade

Devagar e de forma pontual, o Desenho Universal vem sendo introduzido em


novos empreendimentos - e começa a derrubar os padrões do homem médio,
transformando as regras da arquitetura

Por Silvana Maria Rosso

Graças à instituição
da lei federal 10.098,
desde 2004 todo e
qualquer projeto
arquitetônico ou
urbanístico no Brasil
deve seguir a NBR
9050 e atender aos
princípios do Vila Dignidade, primeiro projeto da CDHU, idealizado a partir das
Desenho Universal, diretrizes do Desenho Universal
que prega a democratização dos usos dos espaços e objetos. Cinco anos depois, assistimos a
várias mudanças nas áreas públicas, que foram obrigadas a se adaptar às novas regras. No
âmbito privado, o mercado imobiliário ainda se limita às exigências da lei, mas ações pontuais
mostram que há um movimento em prol da diversidade.

De acordo com a arquiteta Sandra Perito, presidente do Instituto Brasil Acessível, "o Desenho
Universal ainda é desconhecido, e as empresas ficam apenas na intenção de se adequar às
normas". A arquiteta Silvana Cambiaghi, que é cadeirante, é mais cética e vê mais erros que
acertos nos empreendimentos residenciais e comerciais atuais. Nas áreas privadas e mesmo
comuns dos empreendimentos, pode-se encontrar verdadeiras gafes. Vãos de portas minúsculos
que mal permitem o acesso de um obeso; rampas inacessíveis por causa de entradas exíguas ou
com algum tipo de obstáculo; além dos inseguros pisos escorregadios que revestem halls de
entrada e corredores de edifícios são alguns dos exemplos.

Os pioneiros

Empresas da iniciativa privada, como a construtora J. Bianchi de Mogi das Cruzes, uma das
pioneiras em projetar segundo os sete conceitos do Desenho Universal, começam a empreitada
como uma estratégia de marketing. Ela criou a linha Lifetime Home, que oferece imóveis mais
flexíveis e adaptáveis, numa tentativa de inovar e dar um plus no empreendimento, e não de
iniciar um novo modo de projetar.

"Com a grande aceitação do primeiro empreendimento da linha, o Olímpia, em Suzano (SP),


percebemos que os novos conceitos traziam benefícios que a maioria das pessoas valorizam, e
não uma minoria como imaginávamos", explica a arquiteta Juliana Tartaglia, gerente de projetos
da empresa. O segundo condomínio da linha, o Odeon, está ainda em construção em Mogi das
Cruzes (SP) e já vem com novas adaptações. De acordo com a arquiteta, a J. Bianchi está
aprimorando a introdução do Design Universal em seus projetos e não tem previsão de quando
os implantará de vez em todos os produtos da empresa.

Já a Tecnisa, que constatou a inversão da pirâmide populacional e a necessidade de imóveis


voltados para pessoas com mais de 50 anos, depois de muitos estudos para desenvolver o novo
produto, segundo o conceito da Consciência Gerentológica, esbarrou no desenho universal,
concluindo que as adaptações eram bem mais simples que imaginavam e atenderiam uma gama
bem maior de usuários. "Esse projeto é um protótipo. As adequações ocorrerão em todos os
novos empreendimentos, independente do bairro e do padrão", afirma a arquiteta Patrícia
Campos de Valadares, gerente de projetos da incorporadora.

A partir de 2010, as áreas comuns dos novos projetos da Tecnisa terão menos escadas, mais
rampas, escadas submersas para facilitar o acesso às piscinas, pisos sem brilho e
antiderrapantes, corredores e portas mais largos, em um total de mais de 30 itens. "Muitas
coisas estão nos detalhes e estamos trabalhando para criar uma arquitetura que inclua a
preocupação em atender às necessidades do maior número de pessoas, da criança ao idoso",
explica a arquiteta.

No Estado de São Paulo, a Secretaria de Habitação e a CDHU (Companhia de Desenvolvimento


Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo) lançaram em abril as diretrizes para a
implantação do Desenho Universal em todos os novos empreendimentos de interesse social. O
projeto Vila Dignidade, voltado para a terceira idade já é baseado no conceito. Já no município
de São Paulo, a Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação) também tem planos de projetar
os imóveis à luz dos princípios.

Infelizmente, apesar da lei federal, muitos municípios e Estados ainda não se deram conta da
importância da introdução do Desenho Universal na arquitetura. Outras incorporadoras,
questionadas sobre os itens que garantem a acessibilidade em seus empreendimentos,
enxergam os princípios como ferramenta de marketing em vez de um conjunto de regras que
atendem pessoas com mobilidade reduzida, deficientes e idosos, ao contrário do que realmente
eles ditam.

O que diz a norma

Revisada em 2004, a NBR 9050 traz várias novas definições que esclarecem as medidas a serem
tomadas em projeto, de acordo com o Desenho Universal.

 Área de transferência
 Área de manobra
 Área de aproximação
 Medidas para alcance manual e visual
 Comunicação e sinalização
 Tamanho de letras e distâncias, bem como contrastes de cores
 Pisos táteis de alerta e de orientação
 Declividade das rampas
 Áreas de transferência para a bacia sanitária, boxe, banheira
 Localização de barras de apoio
 Medidas mínimas para um boxe comum
 Medidas mínimas para vaso sanitário

Consciência gerontológica

Antenada com a demanda que surge relacionada à aquisição de imóveis por pessoas mais
velhas, preocupadas não somente com seu conforto mas também com sua segurança, a Tecnisa
lançou o "Projetando com consciência gerontológica", desenvolvido por meio de estudos
realizados por uma equipe multidisciplinar, para a criação de ambientes inteligentes que
proporcionem conforto, qualidade de vida e inclusão social para todas as pessoas. Um dos
principais objetivos do projeto é ampliar a acessibilidade do idoso, que em geral é excluído dos
empreendimentos imobiliários, à estrutura dos empreendimentos, proporcionando maior
integração e qualidade de vida. E o conforto e a segurança dos usuários por medidas que
facilitam a utilização, ou eliminam ou alertam sobre possíveis obstáculos.

Erros mais comuns

 Inexistência de banheiros acessíveis em áreas comuns como salão de festas, piscinas,


playground
 Obstáculos nas áreas externas (escadas, degraus isolados, canaletas de águas pluviais sem
grelhas)
 Acesso dificultado em piscina (foto 1)
 Maçanetas tipo bola ou difíceis de serem usadas (foto 2)
 Sanitários e lavabos com portas de 0,60 m, dificultando a entrada de obesos e cadeirantes
 Sanitários sem possibilidade de aproximação e transferência da bacia, pia e chuveiro
 Ausência de barras principalmente nos boxes do chuveiro (foto 3)
 Bancada e pias altas demais para crianças
 Vaso sanitário alto demais para crianças
 Tomadas baixas para pessoas idosas
 Largura de portas e circulação interna exíguas, dificultando a locomoção de pessoas em
cadeira de rodas ou obesos
 Obstáculos dentro das unidades
 Janelas da sala com área de visibilidade muito alta (ideal no mínimo 0,60 m)
 Falta de sinalização em relevo e braile nas áreas comuns
 Elevadores com mensagens de voz, mas não indicam a rota
 Falta de mapa tátil, a sinalização acaba confundindo o usuário
 Inexistência de uma rota acessível até o elevador. Em geral colocam um patamar e degrau
para acesso ao elevador social
 Ausência de rotas acessíveis externas em terrenos com declividade acentuada, grelhas ou
grelhas inadequadas
 Campainha e interfone sem informação visual para pessoas com deficiência auditiva e visual
 Pisos derrapantes, como mármores polidos e cerâmicas esmaltadas e brilhantes
 Inexistência de vagas reservadas para pessoas com deficiência nas garagens
 

Banheiro universal

1) Espelho colado na parede ou com inclinação = 10o

2) Trinco sobre maçaneta do tipo alavanca: produto e instalação com conceito universal

3) Metal monocomando

4) Lavatório de semiencaixe proporcionando maior aproximação

5) Acionamento da descarga - altura máxima = 1,00 m

6) Barras de apoio

7) Bacia especial com altura = 0,44 m


8) Barra de apoio em "L"

9) Baguete chanfrado (em rampa)

10) Barra de apoio vertical

11) Banco basculante com cantos arredondados (0,45


m x 0,90 m)

Novos empreendimentos

Equiparação nas possibilidades de uso

Idealizado para incluir os idosos, o projeto da Tecnisa,


na Água Rasa, em São Paulo, com lançamento previsto até o fim do ano, acabou se
transformando em um projeto piloto para a introdução dos princípios do Desenho Universal em
todos os seus empreendimentos a partir de 2010. E tudo começa já no material publicitário que,
em vez de ser estrelado por casais jovens e seus filhos pequenos, agora é protagonizado pelos
netinhos e seus

vovôs. No projeto, estão previstos entre os equipamentos de


lazer um clube de convivência, escada submersa na piscina,
portas mais largas e banheiros adaptados nas áreas comuns,
bem como pisos opacos no hall. "São medidas que beneficiam
todas as faixas etárias", ressalta a arquiteta Patrícia Campos
de Valadares, gerente de projetos da Tecnisa. A empresa está
preparada para prestar uma consultoria na customização dos
apartamentos da porta para dentro. E também está
desenvolvendo kits com diferentes adaptações que o
cliente poderá escolher na hora da compra.

Dimensão e espaço para uso e interação

O design deve oferecer espaços e dimensões


apropriados para interação, alcance, manipulação e
uso. Para atender uma série de tipologias e
necessidades humanas, esse conceito prioriza as proporções das medidas. Os projetos da Vila
Dignidade, da CDHU, do protótipo da Tecnisa e dos empreendimentos da J. Bianchi, por
exemplo, consideram as áreas de manobra dentro das unidades para um cadeirante. As portas
têm vão mínimo de 80 cm e abrem para fora. Interruptores e tomadas seguem novas alturas,
para facilitar o uso por cadeirantes, idosos e até uma criança.

 
Flexibilidade de uso

A J. Bianchi lançou a linha Lifetime Home, que oferece


uma construção flexível e adaptável a diversas
condições da vida. "Os empreendimentos são grandes
caixas, com apenas um elemento estrutural, fechado
nas bordas e dividido no miolo. As áreas comuns são
contempladas com rampas para minimizar os desníveis, os banheiros são adaptados e os pisos
são antiderrapantes. Nas unidades, as portas internas têm largura
mínima de 82 cm, os pontos de tomada e interruptor estão em
altura mais cômoda, e os pisos das áreas molháveis são
antiderrapantes.

Segundo esse conceito, o design deve ser de fácil compreensão e


uso. Detalhes pequenos como a escolha adequada de modelos de
torneiras e de maçanetas fazem a diferença. "As torneiras
recomendadas são monocomando ou misturadores com dois
volantes com 1/4 de volta", indica a arquiteta Sandra Perito, do Instituto Brasil Acessível. Já as
maçanetas devem ser de alavanca, e as fechaduras, se possível, devem ser instaladas acima
delas, para facilitar a sua visualização. Os projetos da J. Bianchi, da Tecnisa e da CDHU
oferecem esses itens.

Esse princípio dita que o design deve comunicar eficazmente


ao usuário as informações necessárias. E um exemplo, que
também vem sendo adotado pelas incorporadoras, como a
Brookfield, é a sinalização universal nas áreas comuns dos edifícios. Outra seria o piso tátil, que
sinaliza as rotas e obstáculos para pessoas com deficiência visual, aplicado apenas em alguns
empreendimentos comerciais.

Tolerância ao erro

Nesse conceito, o design deve minimizar os riscos e


as consequências adversas de ações involuntárias ou
imprevistas. Aqui, entram os pisos antiderrapantes,
rampas com declividade correta e corrimãos. Nas áreas comuns, tanto nos projetos da J.
Bianchi, da Tecnisa e da CDHU, os pisos são antiderrapantes. As rampas, que devem seguir a
declividade determinada pela NBR 9050, têm sido adotadas em muitos empreendimentos novos
em São Paulo, inclusive para levar às áreas de lazer. No projeto piloto da Tecnisa, a piscina tem
degraus submersos, para facilitar a entrada de idosos e crianças. E o corrimão em alturas
diferenciadas, que apoia o usuário em escadas e rampas, passou a ser
item em alguns imóveis novos, como o Aimberê, da Idéia Zarvos.

Mínimo esforço físico

O design pode ser utilizado de forma eficiente e confortável,


facilitando a vida do usuário. Para atender esse item, as tecnologias
são bem-vistas. Caso das plataformas, que driblam os obstáculos
quando a rampa não funciona são previstas de forma pontual em
empreendimentos residenciais.

Conteúdo online exclusivo:


Consulte uma publicação da jornalista Ana Claudia Carletto e da arquiteta Silvana
Cambiaghi sobre desenho universal, além de livro da Prefeitura de São Paulo com
diretrizes sobre acessibilidade em edificações e vias públicas

 Acessibilidade
 Marilia gabrili

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