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O objetivo deste artigo é traçar paralelos entre a ressignificação do Móvel Moderno Brasileiro
a partir do século XXI com as categorias de standard form, de collection form e de asset form,
propostas pelos sociólogos pragmáticos franceses Luc Boltanski e Laurent Esquerre, em The
economic life of things: Commodities, Collectibles, Assets (2016). Este estudo qualitativo, de
caráter sociológico e fenomenológico, encontra-se baseado em referências bibliograficas e em
entrevistas semi-estruturadas em profundidade, feitas com comerciantes e colecionadores.
Assim, pretende-se conjecturar se os Móveis Modernos Brasileiros podem ser considerados
representantes das mudanças dos paradigmas da economia da indústria para a do
enriquecimento.
Os objetos criados são distintos das coisas naturais; pois, por serem reflexo da
existência humana, são criados por indivíduos para serem interpretados por meio da leitura
crítica do sujeito observador. Sendo assim, ao analisar os objetos produzidos para a sociedade,
este estudo se debruça particularmente sobre os objetos práticos pertencentes ao ambiente
residencial, ou seja, aqueles objetos considerados pelos moradores como especiais,
selecionados para satisfazer rotineiramente a vida do lar e, portanto, mais envolvidos com a
identidade do morador.
Sob a luz da semiótica, qualquer informação capaz de ter sua identidade reconhecível
na consciência por meio de um padrão é uma unidade de informação e pode ser denominada
de “sinal”. Já o símbolo é um tipo de sinal, definido pela representação de algum objeto (uma
qualidade, coisa física ou ideia) para outro sinal de interpretação (para uma discussão sobre o
significado de objetos domésticos estimados de uma semiótica perspectiva). Os objetos, vistos
como signos têm a qualidade da objetividade, diferenciando-se dos signos das ideias e das
emoções pela sua condição física, material, e provocam leituras semelhantes da mesma
pessoa ao longo do tempo, como também por pessoas diferentes. (CSIKSZENTMIHALYI;
ROCHBERG-HALTON, 1981, p. 14)
Todo o universo das coisas criadas para fins utilitários está envolvido pela condição
simbólica da cultura. O que para alguns é um luxo, como redes de esgoto e água limpa
corrente, passa despercebido por outros. Nesse sentido, torna-se complicado distinguir a
função relacionada ao uso dos significados simbólicos, mesmo nos objetos mais práticos, pois
“mesmo coisas puramente funcionais servem para socializar uma pessoa para um certo hábito
ou modo de vida e são sinais representativos desse modo de vida” (CSIKSZENTMIHALYI;
ROCHBERG-HALTON, 1981, p. 20-21).
A importância social das coisas como símbolos de status é verificada pelas ações e
comportamentos de quem já detém alto status, ao convencionar modelos de influência a
serem seguidos e mesmo o objeto incluído pelas elites incorporará seu status e, assim, atrairá
a atenção daqueles com menos poder. É verdade que um objeto escolhido por uma elite
geralmente já possui uma ou mais das características: raridade, custo e idade. MAS, às vezes,
até objetos simples, como plantas e adornos de casas comuns, podem ser investidos com
atributos de status como "moda" ou "estilo" (CSIKSZENTMIHALYI; ROCHBERG-HALTON, 1981,
p. 30).
Por ser mais específica, a sociologia dos mercados compreende as firmas (empresas),
os mercados de produtos e de trabalho, bem como as conexões entre fornecedores,
trabalhadores e Estados, com enfoque para o papel das culturas locais e o complexo sistema
de significados, ao analisar como agem na formação dos “produtos” e a inserção de padrões
2
FLIGSTEIN N.; DAUTER L. A Sociologia dos mercados. CADERNO CRH, Salvador, v. 25, 66, p. 481-504,
Set./Dez. 2012. DOI https://doi.org/10.1590/S0103-49792012000300007. Disponível em
https://www.scielo.br/j/ccrh/a/hBS6YwFvLp9XGLfyst7jMxJ/abstract/?lang=pt. Acesso em 8 fev 2022.
6
3
Teoria econômica neoclássica
4
Importante ressaltar que os atores do mercado são em sua maioria organizações e a dinâmica
organizacional influencia a dinâmica do mercado.
5
Sob o ponto de vista de Durkheim (1964).
7
A sociologia pragmática6, praticada por Luc Boltanski e Laurent Thévenot, tem como
foco o estudo do complexo sistema das áreas da vida social, em que além dos estudos
empíricos dos objetos clássicos da sociologia, busca atender também fenômenos pouco
visitados pelos sociólogos, como a música, crenças populares, dentre outros. Desse modo,
lança o olhar sobre os fatos de ordem macrossociológica, sem os dissociar das operações e dos
processos pelos quais esses fatos se tornam descritíveis, num esforço para nunca deixar o
plano das situações e, por conseguinte, o nível “micro”.
6
BARTHE Y.; RÉMY C; et al. Sociologia pragmática: guia do usuário. Sociologias, Porto Alegre, ano 18, n°
41, jan/abr 2016, p. 84-129. Este artigo foi publicado originalmente em francês na Revue Politix [Barthe
Yannick et al., “Sociologie pragmatique: mode d'emploi”, Politix, 2013/3 N° 103, p. 175-204. DOI:
10.3917/ pox.103.0173]. Com a permissão dos autores, Sociologias o apresenta em língua portuguesa,
na tradução da Professora Patrícia Reuillard (UFRGS). https://doi.org/10.1590/15174522-018004104
Disponível em https://www.scielo.br/j/soc/a/BxNzBRcP7JswWVjvDtjkGWJ/?lang=pt. Acesso em 8 fev
2022.
Para os autores a “sociologia pragmática” ou “sociologia das provas” são originadas a partir de duas
vertentes: a antropologia das ciências e das técnicas, desenvolvida por Michel Callon e Bruno Latour, e a
sociologia dos regimes de ação, praticada por Luc Boltanski e Laurent Thévenot
8
7
Neologismo que se encontra no original como: “Dans tous les cas, et l’on peut y voir l’une des
principales formes d’unité et de cohérence de l’approche pragmatique, c’est un présentisme
méthodologique qui prévaut. Il se traduit notamment par l’affirmation que l’action ne saurait être
déduite simplement ou mécaniquement du passé, dans la mesure où elle introduit toujours, par rapport
à ce dernier, une indétermination propre.” In: Sociologie pragmatique: mode d'emploi Yannick Barthe,
Damien de Blic, Jean-Philippe Heurtin, Éric Lagneau, Cyril Lemieux, Dominique Linhardt, Cédric Moreau
de Bellaing, Catherine Rémy, Danny Trom Dans Politix 2013/3 (N° 103), pages 175 à 204. Disponível em
https://www.cairn.info/revue-politix-2013-3-page-175.htm?ref=doi. Acesso em 17/03/2022.
8
O artigo do Luc Boltanski e Arnault Esquerre integra o conteúdo do livro “Enrichissement: une critique
de la marchandise”, publicado na França e editado pela Gallimard, no ano de 2017.
9
Por definição, para os autores, “preço” refere-se ao resultado do teste que ocorre
quando o objeto muda de mãos, pois permanece mesmo após a transação ser concluída; e o
“valor” pode ser oferecido antes da compra para justificar o preço, pois enaltece as
propriedades inerentes ao objeto. Portanto, enquanto esse objeto não passa pelo teste de
troca, seu “preço”, ou seu “valor de mercado”, permanece subjetivo. Segundo Boltanski e
Esquerre, o objeto declarado como de valor incomensurável não se enquadra nos moldes de
precificação tradicional, pois encontra-se destituído completamente do campo do cálculo
econômico, sendo necessário apreender novos paradigmas de avaliação (BOLTANSKI &
ESQUERRE, 2016, p. 36-37).
9
[…] Moreover, while the social classes of industrial economies were forged in the crucible of political
conflict, and later itemized by government statisticians, the same cannot be said of the divisions now
taking shape in the work of enrichment […]. In: BOLTANSKI & ESQUERRE (2016, p. 35. Destaque da
pesquisadora). A palavra crucible foi traduzida pela pesquisadora pelo termo “cadinho” com a mesma
intenção apresentada por Gilberto Freyre, em “Casa-grande & senzala” (1933), ao cunhar o conceito de
“cadinho das raças”, ou seja, muito além do termo miscigenação Freire define novo modelo para a
sociedade multirracial brasileira.
10
No livro “Distinção: crítica social do julgamento”, o sociólogo francês Pierre Bourdieu elabora a base
do conceito de “distinção”, considerando que, na maneira de ver do mundo simbólico, a transmissão
dos valores, virtudes e competências são reproduções da moral, ou seja, há o reconhecimento entre os
indivíduos de acordo com suas escolhas de consumo. Os capitais objetivados nas práticas são
distinguidos em três dimensões “clássicas”: o econômico, o cultural e o social. (BOURDIEU, 2007).
11
“Enriched objects” (BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 35)
10
enriquecimento;
Por definição, é a categoria que compreende os objetos destinados ao uso (Figura 1).
Com a padronização dos processos industriais a partir do século XIX, uma das principais
inovações subjacentes ao desenvolvimento da sociedade industrial foi a reprodução invariável
de um protótipo, chamado inclusive de “objeto moderno” 13. Os fabricantes dos produtos
saídos das linhas de produção, feitos a partir de projetos elaborados para que todos sejam
absolutamente iguais, ganham – além de produtividade por meio de economias de escala – a
concessão do direito de patente (que garante ao titular do objeto o monopólio pelo uso do
projeto patenteado) e de determinação dos preços ao consumo (BOLTANSKI & ESQUERRE,
2016, p. 37-38).
12
Boltanski apresenta as três formas de avaliação: standard, colletion e asset, que podem ser traduzidas
como formas padrão, coleção e ativo. Com a finalidade de garantir o significado dos termos
apresentados pelos sociólogos, durante o texto optou-se por manter as palavras em inglês.
13
Argan
11
No gráfico desenvolvido pelos sociólogos (Figura 1), a categoria standard form, o eixo
diferencial começa com objetos que satisfazem necessidades genéricas, como uma caneta
esferográfica; e no outro extremo desse eixo, encontram-se produtos de tecnologias
inovadoras, como computadores ou telefones celulares. O eixo temporal refere-se ao período
de tempo em que um produto deve satisfazer seu usuário antes de se tornar descarte. Em um
dos lados, há aqueles considerados descartáveis, destinados ao uso a curto prazo, tal como os
barbeadores; e no outro, estão os produtos considerados duráveis, como relógios caros que o
comprador poderá usar por décadas, deixando para a próxima geração. Boltanski e Esquerre
propõem a existência de um terceiro eixo, presente diagonalmente, em que mostram as
diferenças entre os produtos bottom-of-the-range14, que são apenas ligeiramente
diferenciados e não muito duráveis, em uma extremidade; e os produtos top-of-the-range,
altamente diferenciados e muito duráveis, como um carro Mercedes, estão do outro lado
(BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p.37-38).
Esta categoria tem como principal característica atribuir valores aos objetos prontos e
consumidos (standard form). Esse processo de valoração desempenha um papel vital para a
determinação dos “objetos enriquecidos”, os quais são reunidos e organizados em um sistema
e se relacionam entre si por meio de suas diferenças e semelhanças formais, conceituais,
estéticas e históricas, ou seja, tais características formam as coleções. Por sua vez, uma
14
Bottom-of-the-range, pode ser traduzido para o português como o piso da escala, o mais básico dos
objetos de fabricação, em contraste com top-of-the-range, topo da escala, o mais sofisticado e de
menor produção.
12
coleção é a possibilidade de organização dos objetos pelo seu grau de complexidade, como por
exemplo, louças de barro produzidas em um país em determinado momento, diferenciadas de
acordo com o tamanho, cor, forma etc. Outra característica marcante presente no collection
form é a sua orientação para o passado, pela capacidade de estabelecer valor às coisas antigas,
independentemente de seus possíveis usos (BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 38-40).
Peças que eram consideradas lixo inútil há muito tempo foram recuperadas
de sótãos ou porões antigos - ou escavadas no chão - para obter um preço
alto. Muitos dos itens agora exibidos em museus ou galerias se enquadram
nessa categoria. Esse processo de seleção, que distingue entre o que deve
ser conservado e o que deve ser consignado ao esquecimento, é a tarefa
central daqueles que trabalham no campo do patrimônio 15 (BOLTANSKI &
ESQUERRE, 2016, p. 40. Destaque da autora).
15
Pieces that had long been considered worthless junk have been retrieved from old attics or basements
—or dug out of the ground—to fetch a hefty price. Many of the items now displayed in museums or
galleries fall into this category. This selection process, distinguishing between what is to be conserved
and what is to be consigned to oblivion, is the central task of those who work in the heritage field.
(BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 40. Tradução e destaques da pesquisadora). Os destaques referem-
se respectivamente aos procedimentos de conservação que podem contribuir para o valor agregado ao
objeto e, ainda, àqueles objetos esquecidos, os quais não sofreram ação de restauração, encontrando-
se intactos ao tempo.
13
16
O referido destaque evidencia a principal característica dos objetos elevados ao status de
notoriedade, uma vez que a produção foi encerrada há décadas, gera o atributo de raridade.
14
tempo, os objetos reproduzidos diminuem de valor, mesmo que sejam idênticos em todos os
aspectos.
Desse modo, não há como se estabelecerem barreiras físicas para a criação de réplicas,
embora sejam necessárias cópias, para serem elementos de conservação do original. Boltanski
e Esquerre consideram que as reproduções não devem mudar de mãos pelo mesmo preço que
o do original, uma vez que uma cópia, por mais perfeita que seja, não pode pretender
incorporar a força da memória ligada ao contato físico passado entre o original e uma pessoa
ou evento específico, ou seja, uma coleção deve conter apenas peças “autênticas” (BOLTANSKI
& ESQUERRE, 2016, p. 40-41).
Outra abordagem que evidencia o papel da categoria collection form se refere aos
volumosos investimentos das empresas de luxo na exploração do mundo da arte
contemporânea. Sobre esse assunto, particularmente, os autores observam que as empresas
costumam se aproveitar do processo de legitimação dos objetos excepcionais para atrair os
seus clientes, potencialmente “colecionadores” de arte, a consumirem produtos assinados por
artistas. A estratégia dessas empresas é, além de agregar valor artístico aos seus produtos pela
17
Consumo conspícuo ou consumo ostentatório são conceitos atribuídos por Veblen, que se referem ao
consumo de objetos que não são para uso de sobrevivência ou de necessidades práticas.
15
aura que envolve as obras de arte, como também criar ambientes com os artistas, financiando
exposições e decorando seus showrooms. Os sociólogos enfatizam que a arte contemporânea,
como objetos novos, tem sua valoração efetivamente concretizada somente quando esses
objetos são trocados no mundo das artes, e o sinal óbvio dessa elevação é quando o objeto
encontra seu lugar em uma coleção (BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 41-42).
As modalidades principais pelas quais o valor é definido pelo collection form, referem-
se às coleções organizadas hierarquicamente nas categorias de protótipos e espécimes,
segundo Figura 2. O protótipo identificado está relacionado inicialmente aos produtos
estabelecidos pelo standard form e posteriormente reapropriados pela collection form, após
um período de degradação gerado pelo uso. Esse fenômeno pode ser identificado quando
objetos artesanais ou industriais, tais como caixas de fósforos, latas vazias de cerveja, dentre
outros, depois de vendidos a um preço muito baixo, perdem todo o valor de mercado,
transformando-se em itens colecionáveis e seus preços aumentam consideravelmente. Quanto
aos espécimes, de acordo com os autores, referem-se aos objetos produzidos em séries
limitadas, como relógios de primeira linha ou carros sofisticados. Conforme os produtos
seguem para a extremidade superior do eixo diferencial, a distinção entre protótipo e
espécime diminui ou até desaparece e os exemplos mais impressionantes são as obras de arte
(BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 42-43).
Boltanski e Esquerre explicam que no asset form incide a liquidez, ou seja, a facilidade
de converter o objeto em dinheiro vivo, sendo importantes três fatores: 1) transportabilidade
do objeto (ou sua escritura); 2) capacidade de realizar transações discretamente, para comprar
ou vender o ativo sem atrair a atenção dos fiscais, por exemplo; 3) existência de ferramentas
confiáveis de avaliação que podem ser usadas em uma ampla área geográfica, para que o
16
objeto possa ser comprado ou vendido por um preço semelhante em muitos lugares diferentes
(BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 48-49).
Esses fatores podem ser aplicáveis sobre objetos que têm a vantagem de serem
relativamente fáceis de transportar sem atrair muita atenção, pois permitem ao seu detentor
evitar impostos, algo que é mais difícil de realizar no caso de ativos imobiliários (um
apartamento no centro de Londres ou Paris não pode ser simplesmente transferido para outro
país). Um ato escrito registrado com as autoridades mudará de mãos, mas isso pode ser
mantido obscuro por meio de acordos financeiros complexos (BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016,
p. 48-49).
eixo temporal, deve-se incorporar o custo do tempo, geralmente indexado a uma taxa de juros
que seja atual; e, no eixo diferencial, o custo do risco, o qual depende de uma estimativa da
relação entre os lucros esperados de uma transação de alto risco e os custos de redução desse
risco (BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 49-50). Cabe recordar que, nas análises de Boltanski e
Esquerre, a representação dos eixos no asset form pode apresentar oposições.
Em um extremo, há os ativos que prometem lucros futuros cuja previsão leva em conta
um custo de risco moderado, desde que sejam negociados no curto prazo, por exemplo;
porque sua circulação se beneficiaria de efeitos miméticos que favorecem a especulação,
como costuma ser o caso de ativos financeiros, mas também de obras de arte; em outras
palavras, a preferência pelos lucros presentes vence em relação ao futuro. Neste locus, os
ativos mudam de mãos rapidamente, pois cada comprador não apenas busca submetê-los ao
teste de câmbio na esperança de lucro imediato enquanto a tendência é ascendente, mas
também se esforça para desembaraçá-los o mais rápido possível quando o mercado entra em
atividade. As crises financeiras são os exemplos mais conhecidos dessas contrações de
pânico18, porque nelas os ativos em negociação existem apenas no papel (ou em formato
eletrônico); mas podem-se encontrar inversões semelhantes na demanda por objetos
materiais procurados pelos colecionadores, como violinos raros ou obras de arte
contemporânea (BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 50).
Já no outro extremo, encontram-se os ativos que aguardam por lucros futuros a longo
prazo, em outras palavras, receita alta o suficiente para compensar os elevados custos de
tempo e risco. Nesse caso, os ativos mudam de mãos mais lentamente e as razões para manter
os objetos vêm da expectativa de um investimento 19, pois é esperado que o objeto aumente
de valor ao longo do tempo; ou, ainda, pela posse de um tipo de apólice de seguro, que
transforme dinheiro líquido em algo que se acredita que seja mais seguro contra a destruição
de riqueza, na tentativa de conciliar riscos desiguais relativos a diferentes tipos de ativos. O
dinheiro ganho com a negociação de ativos altamente voláteis pode ser "depositado" desta
maneira: armazenado em reserva por meio de investimentos que parecem particularmente
capazes de resistir ao teste do tempo, mesmo que ofereçam apenas receita moderada
(BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 50-51).
3.3.1. Armazenamento
18
Contrações de pânico podem ser observadas pela economia mundial como reflexo da pandemia do
COVID19, por exemplo.
19
O assunto da especulação no mercado desses objetos foge ao escopo da pesquisa, limitando-se a
analisar a valoração e precificação a partir da visão sociológica.
18
Portanto, a partir do entendimento das distinções sobre como os objetos podem ser
valorados, levanta-se a dúvida sobre a questão do poder: quem controla a determinação
dessas diferenças e o estabelecimento de seu valor? Para Boltanski e Esquerre (2016, p. 53-54)
em um contexto capitalista, esse poder se manifesta na capacidade de um operador explorar
características específicas que ele dominou e, assim, desvalorizar aquelas com as quais seus
concorrentes estão contando para obter lucro.
Adquiridos originalmente para servirem às suas funções práticas, entre as décadas de 1940 a
1960, eram mobílias vendidas a altos preços, direcionadas a uma elite de feições modernas e
com condições financeiras de adquiri-las. Os móveis tinham pouco poder de revenda à época,
pois tinham como apelo o padrão de conhecimento das pessoas sobre Arte Moderna e
mobílias europeias.
22
[…] owners still have considerable power to influence the value of objects; but this power is manifested
indirectly, a measure of how much control the owners have over those who compose the narratives
about objects’ values and difference—and thus the ability to move prices to their own advantage. This
indirect power can be crucial when pieces in one’s possession are being capitalized. […]. (BOLTANSKI &
ESQUERRE, 2016, p. 54. Tradução da pesquisadora).
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A área demarcada em verde localiza no gráfico da categoria standard form como era a
atribuição de valor na produção dos MMB durante a metade do século XX: bens duráveis,
feitos em produção limitada e muitas vezes sob encomenda [6]. Quanto ao eixo diferencial,
ainda no mesmo período, no gráfico standard form, eles se encontram no quadrante superior
direito e pode-se inclusive propor que, devido às características de sofisticação dos materiais e
[7a] e as falsificações (ou contrafações) [7b]. Por um lado, na “reedição”, reprodução cujo
critério confere projeto original, com montagem e materiais idênticos, o fabricante emite
certificado de autenticidade. Nele constam autorização dos representantes dos direitos legais
Assim, as reedições no gráfico standard form [7a] são representadas pela área vermelha no
quadrante superior direito, bem na linha diagonal a qual indica que são objetos top-of-the-
limitadas e exclusivas, e de alto valor de mercado. Ademais, tais móveis novos e com
Por outro lado, há os móveis falsos [7b], reproduzidos sem a autorização dos detentores dos
direitos, cujo termo jurídico é “contrafação”. De acordo com a Lei Federal n° 9.279/1994, que
palavra “contrafação”; mas aponta às sanções em casos de objetos falsificados. Já, no Artigo
Federal n° 9.610/1998, que regulamenta, altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos
autorais, introduz o termo “contrafação” no Artigo 5°, parágrafo VII, definindo que
21
“contrafação é a reprodução não autorizada”, sujeita a penas e multas. E ainda, quem produz e
revende o objeto falsificado comete o crime de falsidade ideológica, previsto no Artigo 299 do
form [7b]. A área roxa maior encontra-se no eixo temporal como bens duráveis, no entanto,
como são falsos, no eixo diferencial encontram-se no quadrante inferior direito, como móveis
atribuição do collection form referem-se aos objetos que passaram de alguma forma pela
experiência do uso e configuram-se sob o olhar do passado. Contudo, dentre os anos de 1940
até fins de 1960 os MMB não eram comercializados como objetos de coleção.
No gráfico collection form, quanto às características de compra dos referidos móveis à época
da produção, de acordo com a análise dos catálogos de revistas de decoração residencial das
décadas de 1950 e 1960, observa-se que havia uma preocupação em adquirir tais móveis para
Por esse motivo, no gráfico collection form, essas mobílias representadas pela área demarcada
pequenos grupos sociais. Isto porque, pelo eixo temporal os compradores tinham como
objetivo atender aos efeitos de memória envolvidos em questões familiares e pessoais; e, pelo
22
Assim, o processo de atribuição de valor do MMB pela categoria de collection form [8b] se dá
a partir do século XXI, quando passa a ser representativo de uma época e de um padrão de
Sob o ponto de vista mercadológico do século XXI, os MMB são representados no gráfico
original desses móveis com a situação mercadológica no século XXI, observa-se que os MMB
produzidos pela primeira vez estão localizados no quadrante superior esquerdo no eixo
sociais. Já, na atualidade, os mesmos MMB ressignificados são representados por duas áreas
superior direito.
Essa mudança entre quadrantes é significativa, pois demonstra a passagem dos móveis
universo dos objetos colecionáveis. No gráfico há ainda uma pequena distinção relativa aos
móveis singulares, portanto raros, os quais foram produzidos por designers que alcançaram
Visto sob a perspectiva da categoria de atribuição de asset form, quando os Móveis Modernos
Brasileiros estavam em circulação corrente, entre as décadas de 1940 a 1960, a compra seguia
de compra, chegando ao ponto de não ser possível inclusive à revenda. Sendo assim, o gráfico
asset form não comporta a situação desses objetos, pois não se tornaram – ainda – patrimônio
de investimento.
Esquerre, ou seja, para que aconteça a transição da economia da indústria para a economia do
O eixo temporal do gráfico asset form avalia o preço atual do artigo, a partir dos valores
informados pelo mercado secundário, normalmente por meio dos leilões 58, os quais são
previsto para venda imediata e, no outro extremo, a estimativa de preço ao qual esse objeto
Os MMB encontram-se representados pelas duas áreas em amarelo [9], localizadas nesses dois
extremos do eixo temporal, uma vez que esses móveis podem transitar pelo mercado como
objetos com valor e revenda rápida, como também podem ser armazenados para
investimentos futuros sem risco de perderem seu valor de capital. No eixo diferencial, esses
objetos possuem liquidez e mobilidade, logo, encontram-se localizados nos dois quadrantes
superiores do gráfico.
No mercado, pode-se especular que há, pelo menos, três categorias de mobílias em circulação;
e suas características conferem maior ou menor capital agregado, dependendo das condições
gerais.
24
Os MMB mais procurados são ressignificados pela notoriedade do designer que se tornou
fabricação que lhes deram resistência; e pelas madeiras, que não são mais encontradas em seu
estado bruto na atualidade. Se a mobília possui esses três atributos, sua liquidez é certa e os
valores podem ser imprevisíveis, tanto é assim que costumam ser revendidas em leilões ou
Outra categoria de MMB é aquela com procedência e assinatura do designer, mas sofreu
nobres, não há prevalência do Jacarandá da Bahia. Esses móveis possuem liquidez, sendo
destituir uma atribuição de autoria. Esses mobiliários normalmente possuem toda a sorte de
contemporâneas, estofamento recente, junções com ferragens. Essas peças são vendidas em
Portanto, a transformação dos MMB em bens de capital foi observada no Brasil a partir da
internacional. Em 2018, três colecionadores 59 foram unânimes em dizer que mantêm MMB
arte. Na capital de São Paulo, uma colecionadora conta que possui três MMB muito
seus filhos para a compra de imóveis. Desses colecionadores, dois deles possuem MMB em
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suas residências, utilizados restritivamente para compor cenário com obras de artes. Até
ressignificação dos MMB suas funções práticas, estéticas e simbólicas, além de notório para o
colecionismo, reforça a proposição de que os MMB podem ser considerados como “objetos
enriquecidos”, conforme aponta Boltanski e Esquerre, e lhes são atribuídos valores tais de
Em relação ao gráfico (Figura 2) considera-se que, a partir dos primeiros anos do século
XXI, os Móveis Modernos Brasileiros passam de coleções comuns, de objetos convencionais
como cadeiras, mesas, estantes, bancos, dentre outros encontram-se
Referências bibliográficas
Sociologia do consumo
Sociologia do mercado
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FLIGSTEIN N., DAUTER L. A Sociologia dos mercados. CADERNO CRH, Salvador, v. 25, 66, p. 481-
504, Set./Dez. 2012. DOI https://doi.org/10.1590/S0103-49792012000300007 Disponível em
https://www.scielo.br/j/ccrh/a/hBS6YwFvLp9XGLfyst7jMxJ/abstract/?lang=pt. Acesso em 7 fev
2022.
BARTHE Y., RÉMY C., et al. Sociologia pragmática: guia do usuário. Sociologias, Porto Alegre,
ano 18, n° 41, jan/abr 2016, p. 84-129. Este artigo foi publicado originalmente em francês na
Revue Politix [Barthe Yannick et al., “Sociologie pragmatique: mode d'emploi”, Politix, 2013/3
N° 103, p. 175-204. DOI: 10.3917/ pox.103.0173]. Com a permissão dos autores, Sociologias o
apresenta em língua portuguesa, na tradução da Professora Patrícia Reuillard (UFRGS).
https://doi.org/10.1590/15174522-018004104