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Resumo (100 palavras)

O objetivo deste artigo é traçar paralelos entre a ressignificação do Móvel Moderno Brasileiro
a partir do século XXI com as categorias de standard form, de collection form e de asset form,
propostas pelos sociólogos pragmáticos franceses Luc Boltanski e Laurent Esquerre, em The
economic life of things: Commodities, Collectibles, Assets (2016). Este estudo qualitativo, de
caráter sociológico e fenomenológico, encontra-se baseado em referências bibliograficas e em
entrevistas semi-estruturadas em profundidade, feitas com comerciantes e colecionadores.
Assim, pretende-se conjecturar se os Móveis Modernos Brasileiros podem ser considerados
representantes das mudanças dos paradigmas da economia da indústria para a do
enriquecimento.

Resumo (600 a 800 palavras)

O objetivo deste artigo é traçar paralelos entre o fenômeno da ressignificação do


Móvel Moderno Brasileiro a partir do século XXI com as categorias de standard form,
de collection form e de asset form para o colecionismo particular, propostas pelos
representantes da sociologia pragmática francesa Luc Boltanski e Laurent Esquerre, em
The economic life of things: Commodities, Collectibles, Assets (2016).
O artigo apresenta-se em quatro partes, sendo a primeira a apresentação das
sociologias do consumo, do mercado e pragmática; a segunda é o estudo dirigido do
texto de Boltanski & Esquere; a terceira é a de relacionar as premissas dos sociólogos
franceses com o mercado dos Móveis Modernos Brasileiros; e a quarta refere-se aos
paralelos entre a valorização dos objetos com as categorias de Luc Boltanski e Laurent
Esquerre.
A primeira parte apresenta as principais linhas norteadoras das sociologias do
consumo e do mercado, com a intenção de entender o sistema de preço e mercado
dos objetos por meio dos significados imputados a esses artefatos. E sob a perspectiva
da sociologia pragmática, como a sociedade imputa valor aos objetos ora
ressignificados e elevados ao status de notoriedade, e comercializados para grupos
específicos. Esses objetos ao serem somados ao conjunto das coleções, servem a
diversos propósitos, como contemplação, decoração, complementar lacunas de acervo
e, ainda, podem refletir para a sociedade a identidade desse consumidor – neste caso,
2

o colecionador –, pois contribui para socialização e introdução em afiliações a grupos


de status.
Na segunda parte, há o aprofundamento da sociologia pragmática com foco na leitura
analítica do texto de Boltanski e Esquerre, The economic life of things: Commodities,
Collectibles, Assets (2016). Nesse texto, os sociólogos analisam a dinâmica da mudança
do sistema capitalista desde os últimos anos do século XX até a atualidade, com a
aceleração do processo de desindustrialização provocado pelo desenvolvimento da
tecnologia no século XX. Nesse sentido, Boltanski e Esquerre propõem que na atualidade
pode-se considerar a existência de dois tipos ideais de economia: a da ”industrialização”, cujos
valores dependem de seus processos de produção e que, posteriormente, são discriminados
por estatísticos do governo; e a do “enriquecimento”, referente aos atuais processos que
geram aumento de valor nos objetos, os quais são apreendidos pela capacidade de se
tornarem bens de capital.

Na terceira parte as abordagens elencadas pelas segunda e terceira partes são


escrutinadas e relacionadas pela apropriação teórica dos gráficos propostos por Luc
Boltanski e Laurent Esquerre. A partir dos gráficos são realizadas proposições entre as
categorias de standard form, de collection form e de asset form com relação aos Móveis
Modernos Brasileiros: quando de sua comercialização na época de produção e nos dias
atuais; como eram recepcionados pelos compradores no período de uso e como são
percebidos pelos colecionados no século XX; e qual era a intenção de compra assim que
eram produzidos e o processo de enriquecimento que esses objetos adquirem ao serem
valorados como objetos de luxo, e por conseguinte, a transformação em bens de capital.

Este estudo qualitativo, de caráter sociológico e fenomenológico, tem como eixo a


revisão sistemática do quadro referencial teórico com a finalidade de ampliar o campo
da sociologia do consumo e do mercado para o universo dos objetos práticos
ressignificados, tais como design de mobiliário e arte moderna e contemporânea,
como também, por meio das análises realizadas pelas entrevistas semiestruturadas
feitas com comerciantes e colecionadores de Móveis Modernos Brasileiros. A partir do
levantamento dos dados, mostrar como o consumo desses objetos reflete o cotidiano
e a vida material de uma seleta classe de consumidores. Assim, conjectura-se se os
Móveis Modernos Brasileiros podem ser representantes das mudanças dos paradigmas
da economia da indústria para a economia do enriquecimento, uma vez que esses
3

objetos fabricados entre as décadas de 1940 e 1960 se tornam objetos “enriquecidos”


a serviço da produção de riqueza por meio de sua transformação em objetos de luxo.

1 Sociologia do consumo e do mercado

Os objetos criados são distintos das coisas naturais; pois, por serem reflexo da
existência humana, são criados por indivíduos para serem interpretados por meio da leitura
crítica do sujeito observador. Sendo assim, ao analisar os objetos produzidos para a sociedade,
este estudo se debruça particularmente sobre os objetos práticos pertencentes ao ambiente
residencial, ou seja, aqueles objetos considerados pelos moradores como especiais,
selecionados para satisfazer rotineiramente a vida do lar e, portanto, mais envolvidos com a
identidade do morador.

Nesse universo do consumo dos objetos particulares, os estudiosos da sociologia do


consumo, Mihaly Csikszentmihalyi e Eugene Rochberg-Halton, em The meaning of things:
domestic symbols and the self (1981), procuram entender como os objetos são valorizados e
por que se tornam parte do conhecimento que temos dos seres humanos para se poder
investigar o que acontece entre pessoas e coisas. Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton
concordam que os objetos com os quais as pessoas interagem não são simplesmente
ferramentas para a sobrevivência ou para tornar a sobrevivência mais fácil e confortável: neles
incorporam-se objetivos, manifestam-se habilidades e moldam-se as identidades de seus
usuários, pois

Os objetos do lar representam, pelo menos potencialmente, o ser endógeno


do proprietário. Embora se tenha pouco controle sobre as coisas
encontradas fora de casa, os objetos domésticos são escolhidos e poderiam
ser descartados livremente se produzissem muito conflito dentro do eu.
Assim, os objetos domésticos constituem uma ecologia de signos que
refletem e moldam o padrão do eu do proprietário. Pode-se notar neste
contexto que o termo "ecologia" significa literalmente o estudo dos
domicílios1 (CSIKSZENTMIHALYI; ROCHBERG-HALTON, 1981, p. 17).
Ao longo das análises sobre a formação das capacidades dos indivíduos de se
reconhecerem e de estabelecerem relações com os grupos sociais, os sociólogos do consumo
conjecturam sobre como é a formação do complexo e delicado sistema de circularidade
chamado de socialização. Para eles, a finalidade dos indivíduos de criarem grupos de
1
The objects of the household represent, at least potentially, the endogenous being of the owner.
Although one has little control over the things encountered outside the home, household objects are
chosen and could be freely discarded if they produced too much conflict within the self. Thus household
objects constitute an ecology of signs that reflects as well as shapes the pattern of the owner's self. It
might be noted in this context that the term "ecology" literally means the study of households.
(CSIKSZENTMIHALYI; ROCHBERG-HALTON, 1981, p. 17. Tradução livre da autora)
4

socialização é a de reorganizar as atenções individuais para a redução de conflitos. Assim,


devido a essa condição, na socialização como um processo de interação “entre as pessoas
requer uma ordem de consciência que preserva e altera o sistema simultaneamente; [a fim de]
moldar a pessoa enquanto preserva seus objetivos.” Ao aprofundar as conexões entre os
grupos sociais frente aos objetos produzidos pelo homem, examinam o papel desses artefatos
para a socialização. (CSIKSZENTMIHALYI; ROCHBERG-HALTON, 1981, p. 7-8)

Sob a luz da semiótica, qualquer informação capaz de ter sua identidade reconhecível
na consciência por meio de um padrão é uma unidade de informação e pode ser denominada
de “sinal”. Já o símbolo é um tipo de sinal, definido pela representação de algum objeto (uma
qualidade, coisa física ou ideia) para outro sinal de interpretação (para uma discussão sobre o
significado de objetos domésticos estimados de uma semiótica perspectiva). Os objetos, vistos
como signos têm a qualidade da objetividade, diferenciando-se dos signos das ideias e das
emoções pela sua condição física, material, e provocam leituras semelhantes da mesma
pessoa ao longo do tempo, como também por pessoas diferentes. (CSIKSZENTMIHALYI;
ROCHBERG-HALTON, 1981, p. 14)

uma vez que

Todo o universo das coisas criadas para fins utilitários está envolvido pela condição
simbólica da cultura. O que para alguns é um luxo, como redes de esgoto e água limpa
corrente, passa despercebido por outros. Nesse sentido, torna-se complicado distinguir a
função relacionada ao uso dos significados simbólicos, mesmo nos objetos mais práticos, pois
“mesmo coisas puramente funcionais servem para socializar uma pessoa para um certo hábito
ou modo de vida e são sinais representativos desse modo de vida” (CSIKSZENTMIHALYI;
ROCHBERG-HALTON, 1981, p. 20-21).

Como exemplo, há os objetos que denotam status, que se encontram presentes em


quase todas as culturas, têm seus significados e contextos tão diversos e variados quanto os
grupos sociais existentes no mundo. A escolha de objetos para serem símbolo de status e
também o uso desses objetos aumenta o poder de status. Assim, eles são símbolos de status e
o valor desses objetos materiais pode desenvolver formas de poder: “Consiste no respeito,
consideração e inveja dos outros”. Logo, uma coisa atribuída de valor de status age como um
modelo que irradia os objetivos simbólicos do status àqueles que definem os padrões e se
apropriam dessas mensagens de poder (CSIKSZENTMIHALYI; ROCHBERG-HALTON, 1981, p. 29-
30).
5

A importância social das coisas como símbolos de status é verificada pelas ações e
comportamentos de quem já detém alto status, ao convencionar modelos de influência a
serem seguidos e mesmo o objeto incluído pelas elites incorporará seu status e, assim, atrairá
a atenção daqueles com menos poder. É verdade que um objeto escolhido por uma elite
geralmente já possui uma ou mais das características: raridade, custo e idade. MAS, às vezes,
até objetos simples, como plantas e adornos de casas comuns, podem ser investidos com
atributos de status como "moda" ou "estilo" (CSIKSZENTMIHALYI; ROCHBERG-HALTON, 1981,
p. 30).

Dentre os símbolos de status, o dinheiro é a forma mais abstrata e puramente


simbólica criada. Portanto, na sociologia do consumo o enfoque está no significado dos
produtos para as pessoas e a maneira como elas usam o dinheiro e o mercado para
estabelecer significado, status e moralidade. Agora, para os estudiosos da sociologia do
consumo, a cultura está profundamente implicada na troca mercantil. FLIGSTEIN e DAUTER
analisam que os produtos “são objetos culturais imbuídos de significados baseados em
entendimentos comuns e são eles próprios símbolos ou representações desses significados” e
o consumo reflete as vidas materiais dos consumidores, ao mesmo tempo em que fornece
ambiente propício para que possam expor suas identidades e pertencimento entre grupos de
status. Na verdade, o que importa para a sociologia do mercado são os significados ligados aos
produtos negociados por consumidores e produtores, pois os significados moldam as relações
interpessoais das trocas mercantis e, ao mesmo tempo são, também, moldados por elas
(FLIGSTEIN; DAUTER 2012, p. 491).

O promissor campo da sociologia dos mercados 2 abrange diversas categorias


econômicas da atualidade, embora seja distinta da sociologia econômica, a qual se distingue
da primeira por ser um estudo voltado às pesquisas sobre consumo e vínculos entre Estados e
o ambiente familiar e doméstico; a formação educacional e a vida econômica. Em termos mais
gerais, a sociologia dos mercados está envolvida nas relações proporcionadas pela troca social
e a sua estruturação, aquela dos mercados, sob condições capitalistas (FLIGSTEIN; DAUTER,
2012, p. 481).

Por ser mais específica, a sociologia dos mercados compreende as firmas (empresas),
os mercados de produtos e de trabalho, bem como as conexões entre fornecedores,
trabalhadores e Estados, com enfoque para o papel das culturas locais e o complexo sistema
de significados, ao analisar como agem na formação dos “produtos” e a inserção de padrões
2
FLIGSTEIN N.; DAUTER L. A Sociologia dos mercados. CADERNO CRH, Salvador, v. 25, 66, p. 481-504,
Set./Dez. 2012. DOI https://doi.org/10.1590/S0103-49792012000300007. Disponível em
https://www.scielo.br/j/ccrh/a/hBS6YwFvLp9XGLfyst7jMxJ/abstract/?lang=pt. Acesso em 8 fev 2022.
6

de moralidade na geração de tipos particulares de mercados (FLIGSTEIN; DAUTER, 2012, p.


481).

A sociologia dos mercados busca reconhecer as origens, operações e dinâmicas dos


mercados como estruturas sociais, com a preocupação de não haver sobreposição conceitual.
Devido à variedade de abordagens, a formulação de uma definição sociológica para os
mercados torna-se uma tarefa difícil. A tradicional teoria econômica neoclássica 3 não engloba
a força da estrutura social no mercado, pois a atividade simples de troca de bens e de serviços
entre atores é geralmente entendida como passageira; pois - para a teoria econômica
neoclássica - o preço (i. e., a quantidade de uma mercadoria que é trocada por outra usando
um meio generalizado de troca, i. e., dinheiro) é determinado pela oferta e demanda da
mercadoria, e não menciona que os atores 4 do mercado têm de se encontrar. Para FLIGSTEIN e
DAUTER (2012, p. 489), os sociólogos que estudam o mercado moderno devem considerar que
entre os atores são criadas bases de confiança, de amizade e de dependência e que a “troca
social não estruturada, aleatória, encerrada em si mesma e anônima não é um mercado” 5;
pois,

O dinheiro precisa existir de modo a permitir que os atores do mercado


possam fazer mais do que regatear bens não equivalentes. Os atores
precisam saber qual é o preço. Por trás de toda a troca está o fato de que
tanto os compradores quanto os vendedores creem que não serão
trapaceados. Essa crença em geral pressupõe mecanismos informais (i. e.,
conhecimento pessoal sobre o comprador e o vendedor) e formais (i. e., a
lei) que governam a troca (FLIGSTEIN e DAUTER, 2012, p. 489).

Portanto, é o consumo que reflete o cotidiano e a vida material dos consumidores e é


o consumo que lhes fornece as formas para que os indivíduos expressem suas identidades e
afiliações a grupos de status. No entanto, visto sob a perspectiva dos dois em sociólogos
Fligstein e Dauter (2012, p. 491), o que importa são os significados que se encontram
associados aos produtos que, negociados por consumidores e produtores, adaptam-se às
relações interpessoais de trocas mercantis e, por sua vez, são adaptados por elas.

2 Sociologia pragmática ou sociologia das provas

3
Teoria econômica neoclássica
4
Importante ressaltar que os atores do mercado são em sua maioria organizações e a dinâmica
organizacional influencia a dinâmica do mercado.
5
Sob o ponto de vista de Durkheim (1964).
7

A sociologia pragmática6, praticada por Luc Boltanski e Laurent Thévenot, tem como
foco o estudo do complexo sistema das áreas da vida social, em que além dos estudos
empíricos dos objetos clássicos da sociologia, busca atender também fenômenos pouco
visitados pelos sociólogos, como a música, crenças populares, dentre outros. Desse modo,
lança o olhar sobre os fatos de ordem macrossociológica, sem os dissociar das operações e dos
processos pelos quais esses fatos se tornam descritíveis, num esforço para nunca deixar o
plano das situações e, por conseguinte, o nível “micro”.

Assim, os sociólogos pragmáticos desenvolveram novas formas de pesquisar, de


coletar dados, de explorar os campos, de pensar cada caso e uma das principais características
é a de trazer à percepção as alternativas para a articulação entre as realidades situacionais e
estruturais entre os níveis “micro” e “macro”, tais como: operários e grupos religiosos;
estudantes e universo artístico; polêmicas científicas e escândalos político-financeiros;
universo das mídias e Medicina; preocupação com a gestão ambiental e legislação ambiental;
funcionamento dos mercados financeiros e práticas de manutenção da ordem e de vigilância;
dentre outros (BARTHE Y.; RÉMY C, 2016, p. 86-90).

Na sociologia pragmática, os estudos se aproximam da metodologia dos historiadores,


pois são dedicados a captar concretamente os fenômenos observáveis e pesquisar qualquer
ação, ou seja, se dedicam a apreender concretamente os fenômenos observáveis na situação –
o desenrolar da ação – independente do tempo pelo qual esta ação se encontra: ou está
acontecendo no presente, ou se foram recentemente ou mesmo se já pertencem a um
passado longínquo. Assim, ao investigar o passado de uma sociedade, grupo ou dispositivo
organizacional, a sociologia pragmática tem como foco explicar por que os atores
contemporâneos se confrontam, seja por ações e julgamentos, por recursos legados por seus
predecessores, no presente e

6
BARTHE Y.; RÉMY C; et al. Sociologia pragmática: guia do usuário. Sociologias, Porto Alegre, ano 18, n°
41, jan/abr 2016, p. 84-129. Este artigo foi publicado originalmente em francês na Revue Politix [Barthe
Yannick et al., “Sociologie pragmatique: mode d'emploi”, Politix, 2013/3 N° 103, p. 175-204. DOI:
10.3917/ pox.103.0173]. Com a permissão dos autores, Sociologias o apresenta em língua portuguesa,
na tradução da Professora Patrícia Reuillard (UFRGS). https://doi.org/10.1590/15174522-018004104
Disponível em https://www.scielo.br/j/soc/a/BxNzBRcP7JswWVjvDtjkGWJ/?lang=pt. Acesso em 8 fev
2022.
Para os autores a “sociologia pragmática” ou “sociologia das provas” são originadas a partir de duas
vertentes: a antropologia das ciências e das técnicas, desenvolvida por Michel Callon e Bruno Latour, e a
sociologia dos regimes de ação, praticada por Luc Boltanski e Laurent Thévenot
8

Esse presentismo7 merece ser qualificado de metodológico, pois não


prejulga que os fenômenos presentes tenham um interesse analítico
superior aos do passado: ele reivindica apenas que os fenômenos do
passado sejam examinados com a mesma metodologia que os do presente,
isto é – para um pesquisador pragmático –, respeitando sua indeterminação
relativa e seu dinamismo interno (BARTHE Y.; RÉMY C., et al., 2016, p. 91).

Pela sociologia pragmática, a postura do presenteísmo só é legitimada se a postura do


passado histórico for incluída na investigação, uma vez que os próprios participantes da
situação o convoquem explicitamente. Como exemplo pode-se pensar nas mais variadas
práticas relacionadas às formas de vida coletiva e aos mundos profissionais estruturados
historicamente (BARTHE Y.; RÉMY C, 2016, p. 91-93).

Entretanto, na sociologia pragmática ou das provas, deve-se levar em consideração


que o objetivo não é o de revelar interesses particulares travestidos de argumentos genéricos,
ou de buscar existência de interesses ocultos, ou então de medidas inconscientes. O ponto que
leva a sociologia das provas à formação dos interesses está no âmago dos estudos. Contudo,
esses interesses não têm caráter explicativo da ação ou do discurso, mas são o seu produto. De
fato, o interesse se torna um objeto de pesquisa em si nesse campo profícuo e inesgotável,
pois além de contribuir para compreender o comportamento dos atores, o pesquisador deve
ter conhecimento das provas que ele decide estudar previamente (BARTHE Y.; RÉMY C, 2016,
p. 95-96).

3 A vida econômica das coisas

Os sociólogos franceses, Luc Boltanski e Arnaud Esquerre 8, discorrem sobre as


mudanças no sistema capitalista dos últimos trinta anos, no artigo The economic life of things:
Commodities, Collectibles, Assets (2016). De acordo com os autores, os dois tipos ideais de
economia da indústria e de enriquecimento compreendem que o valor das coisas é baseado
no trabalho de muitos atores diferentes, cujos papéis são organizados em uma hierarquia,
baseada no reconhecimento e no lucro que se espera obter no final. Entretanto, Boltanski e
Esquerre avaliam que, diferentemente da economia da “industrialização” – cujas classes

7
Neologismo que se encontra no original como: “Dans tous les cas, et l’on peut y voir l’une des
principales formes d’unité et de cohérence de l’approche pragmatique, c’est un présentisme
méthodologique qui prévaut. Il se traduit notamment par l’affirmation que l’action ne saurait être
déduite simplement ou mécaniquement du passé, dans la mesure où elle introduit toujours, par rapport
à ce dernier, une indétermination propre.” In: Sociologie pragmatique: mode d'emploi Yannick Barthe,
Damien de Blic, Jean-Philippe Heurtin, Éric Lagneau, Cyril Lemieux, Dominique Linhardt, Cédric Moreau
de Bellaing, Catherine Rémy, Danny Trom Dans Politix 2013/3 (N° 103), pages 175 à 204. Disponível em
https://www.cairn.info/revue-politix-2013-3-page-175.htm?ref=doi. Acesso em 17/03/2022.
8
O artigo do Luc Boltanski e Arnault Esquerre integra o conteúdo do livro “Enrichissement: une critique
de la marchandise”, publicado na França e editado pela Gallimard, no ano de 2017.
9

sociais foram forjadas no cadinho 9 do conflito político e na oposição entre trabalhadores e


aqueles que controlam os meios de produção, na economia do “enriquecimento” essas
distinções de status geralmente giram em torno dos direitos de propriedade e de
estabelecimento de valor nos objetos, especialmente quanto à propriedade intelectual, em
que uma quantidade limitada de detentores de direitos coexiste com um número muito maior
de pessoas executando tarefas fragmentárias (BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 35-36).

Partindo de uma perspectiva diferente do conceito de “distinção” de Pierre Bourdieu 10,


os sociólogos focam suas atenções, não no consumo, mas na produção da riqueza por meio da
transformação de objetos em objetos de luxo, e examinam a quem esses objetos são
destinados e quais são seus valores próprios, ou seja: o da "riqueza". Para isso, consideram
que tanto a lógica social dos "objetos enriquecidos" 11, bastante distinta da do antigo mundo
industrial, bem como o termo “enriquecimento” referem-se aos processos que aumentam o
valor dos objetos. Desse modo, qualquer objeto pode ser enriquecido, desde o mais antigo até
o contemporâneo, e o enriquecimento pode ser físico – por exemplo, expondo vigas em uma
casa antiga –, ou cultural, na apropriação do uso de um dispositivo narrativo que destaca
certas qualidades do objeto, a fim de ressaltar diferenças e identidades (BOLTANSKI &
ESQUERRE, 2016, p. 34-35).

Por definição, para os autores, “preço” refere-se ao resultado do teste que ocorre
quando o objeto muda de mãos, pois permanece mesmo após a transação ser concluída; e o
“valor” pode ser oferecido antes da compra para justificar o preço, pois enaltece as
propriedades inerentes ao objeto. Portanto, enquanto esse objeto não passa pelo teste de
troca, seu “preço”, ou seu “valor de mercado”, permanece subjetivo. Segundo Boltanski e
Esquerre, o objeto declarado como de valor incomensurável não se enquadra nos moldes de
precificação tradicional, pois encontra-se destituído completamente do campo do cálculo
econômico, sendo necessário apreender novos paradigmas de avaliação (BOLTANSKI &
ESQUERRE, 2016, p. 36-37).
9
[…] Moreover, while the social classes of industrial economies were forged in the crucible of political
conflict, and later itemized by government statisticians, the same cannot be said of the divisions now
taking shape in the work of enrichment […]. In: BOLTANSKI & ESQUERRE (2016, p. 35. Destaque da
pesquisadora). A palavra crucible foi traduzida pela pesquisadora pelo termo “cadinho” com a mesma
intenção apresentada por Gilberto Freyre, em “Casa-grande & senzala” (1933), ao cunhar o conceito de
“cadinho das raças”, ou seja, muito além do termo miscigenação Freire define novo modelo para a
sociedade multirracial brasileira.
10
No livro “Distinção: crítica social do julgamento”, o sociólogo francês Pierre Bourdieu elabora a base
do conceito de “distinção”, considerando que, na maneira de ver do mundo simbólico, a transmissão
dos valores, virtudes e competências são reproduções da moral, ou seja, há o reconhecimento entre os
indivíduos de acordo com suas escolhas de consumo. Os capitais objetivados nas práticas são
distinguidos em três dimensões “clássicas”: o econômico, o cultural e o social. (BOURDIEU, 2007).
11
“Enriched objects” (BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 35)
10

Com a finalidade de orientar o estabelecimento de valor no mundo dos objetos,


Boltanski e Esquerre (2016, p. 37) propõem as seguintes três categorias de avaliação 12 que
compõem o foco desta articulação:

1. Standard form [padrão], na qual a produção industrial se baseia;

2. Collection form [coleção], usado em vários graus pelas economias de

enriquecimento;

3. Asset form [ativo], compreendido pelas coisas avaliadas estritamente em termos do


preço ou que se espera que elas obtenham.

Para melhor análise das três formas de avaliação de objetos, os autores


desenvolveram um método de percepção gráfica, a partir de dois eixos – temporal e
diferencial –, sendo que o primeiro diz respeito a como o tempo é tratado no estabelecimento
do valor dos objetos; e o segundo diz respeito a maneiras de lucrar com essas diferenças
(BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 52-53).

3.1. Standard form

Por definição, é a categoria que compreende os objetos destinados ao uso (Figura 1).
Com a padronização dos processos industriais a partir do século XIX, uma das principais
inovações subjacentes ao desenvolvimento da sociedade industrial foi a reprodução invariável
de um protótipo, chamado inclusive de “objeto moderno” 13. Os fabricantes dos produtos
saídos das linhas de produção, feitos a partir de projetos elaborados para que todos sejam
absolutamente iguais, ganham – além de produtividade por meio de economias de escala – a
concessão do direito de patente (que garante ao titular do objeto o monopólio pelo uso do
projeto patenteado) e de determinação dos preços ao consumo (BOLTANSKI & ESQUERRE,
2016, p. 37-38).

Figura 1 – Standard form: Value, Time and Difference

12
Boltanski apresenta as três formas de avaliação: standard, colletion e asset, que podem ser traduzidas
como formas padrão, coleção e ativo. Com a finalidade de garantir o significado dos termos
apresentados pelos sociólogos, durante o texto optou-se por manter as palavras em inglês.
13
Argan
11

Fonte: BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 39. Figure 1

No gráfico desenvolvido pelos sociólogos (Figura 1), a categoria standard form, o eixo
diferencial começa com objetos que satisfazem necessidades genéricas, como uma caneta
esferográfica; e no outro extremo desse eixo, encontram-se produtos de tecnologias
inovadoras, como computadores ou telefones celulares. O eixo temporal refere-se ao período
de tempo em que um produto deve satisfazer seu usuário antes de se tornar descarte. Em um
dos lados, há aqueles considerados descartáveis, destinados ao uso a curto prazo, tal como os
barbeadores; e no outro, estão os produtos considerados duráveis, como relógios caros que o
comprador poderá usar por décadas, deixando para a próxima geração. Boltanski e Esquerre
propõem a existência de um terceiro eixo, presente diagonalmente, em que mostram as
diferenças entre os produtos bottom-of-the-range14, que são apenas ligeiramente
diferenciados e não muito duráveis, em uma extremidade; e os produtos top-of-the-range,
altamente diferenciados e muito duráveis, como um carro Mercedes, estão do outro lado
(BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p.37-38).

3.2. Collection form

Esta categoria tem como principal característica atribuir valores aos objetos prontos e
consumidos (standard form). Esse processo de valoração desempenha um papel vital para a
determinação dos “objetos enriquecidos”, os quais são reunidos e organizados em um sistema
e se relacionam entre si por meio de suas diferenças e semelhanças formais, conceituais,
estéticas e históricas, ou seja, tais características formam as coleções. Por sua vez, uma
14
Bottom-of-the-range, pode ser traduzido para o português como o piso da escala, o mais básico dos
objetos de fabricação, em contraste com top-of-the-range, topo da escala, o mais sofisticado e de
menor produção.
12

coleção é a possibilidade de organização dos objetos pelo seu grau de complexidade, como por
exemplo, louças de barro produzidas em um país em determinado momento, diferenciadas de
acordo com o tamanho, cor, forma etc. Outra característica marcante presente no collection
form é a sua orientação para o passado, pela capacidade de estabelecer valor às coisas antigas,
independentemente de seus possíveis usos (BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 38-40).

Em uma perspectiva mais abrangente, Boltanski e Esquerre consideram duas questões


importantes quanto às diferenças entre as categorias collection form e standard form. A
primeira diz respeito ao standart form, representada pelas economias industriais, o tempo de
trabalho e outros custos de produção são incorporados aos produtos, enquanto no collection
form, os produtos já passaram pelo período de produção e consumo, sendo assim, os custos
previstos geralmente são muito substanciais, tal como a conservação (armazenamento,
manutenção, restauração, seguro etc.). A segunda questão diz respeito à inversão do processo
de descarte dos objetos pelo collection form, nos quais, ao contrário da standard form, o valor
em vez de diminuir à medida que envelhecem, torna-se maior, assim as obras ficam mais
valiosas, e as

Peças que eram consideradas lixo inútil há muito tempo foram recuperadas
de sótãos ou porões antigos - ou escavadas no chão - para obter um preço
alto. Muitos dos itens agora exibidos em museus ou galerias se enquadram
nessa categoria. Esse processo de seleção, que distingue entre o que deve
ser conservado e o que deve ser consignado ao esquecimento, é a tarefa
central daqueles que trabalham no campo do patrimônio 15 (BOLTANSKI &
ESQUERRE, 2016, p. 40. Destaque da autora).

Boltanski e Esquerre consideram, ainda, que outra importante característica do


collection form é a apropriação de empresas que exploram a produção dos artigos de luxo em
associação a objetos que sejam de coleção e ou sejam de arte sob três aspectos.

Figura 2 – Collection form

15
Pieces that had long been considered worthless junk have been retrieved from old attics or basements
—or dug out of the ground—to fetch a hefty price. Many of the items now displayed in museums or
galleries fall into this category. This selection process, distinguishing between what is to be conserved
and what is to be consigned to oblivion, is the central task of those who work in the heritage field.
(BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 40. Tradução e destaques da pesquisadora). Os destaques referem-
se respectivamente aos procedimentos de conservação que podem contribuir para o valor agregado ao
objeto e, ainda, àqueles objetos esquecidos, os quais não sofreram ação de restauração, encontrando-
se intactos ao tempo.
13

Fonte: BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 43. Figure 2

Primeiramente, os sociólogos evidenciam como um aspecto importante o papel das


propriedades do collection form no comércio das antiguidades preciosas, obras de arte,
edifícios históricos, até relógios ou carros que não estão mais em produção, conforme
demonstrado no eixo vertical da Figura 2. Em seguida, destacam outro aspecto: o como as
empresas desenvolvem o marketing dos produtos confeccionados genuinamente "feitos à
mão" que, ao serem inicialmente prototipados nas oficinas artesanais, são fabricados em
escala maior em resposta à crescente demanda 16. E, por último, o terceiro aspecto é relativo
ao desenvolvimento de produtos de luxo em séries limitas, com tempos de espera de meses
ou até anos para seus clientes ricos. Temporalidade larga que é apresentada no gráfico entre
os eixos diferencial de objetos de sofisticação e temporal de força de preservação de memória
(BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 40-41).

Postos os elementos mais importantes, agora se pode analisar mais atentamente o


aspecto das produções limitadas. Os sociólogos ressaltam que, depois que uma série é
concluída, quaisquer cópias adicionais desse protótipo original são estigmatizadas como
reproduções e, nesse sentido, enquanto o preço dos objetos da série original aumenta com o

16
O referido destaque evidencia a principal característica dos objetos elevados ao status de
notoriedade, uma vez que a produção foi encerrada há décadas, gera o atributo de raridade.
14

tempo, os objetos reproduzidos diminuem de valor, mesmo que sejam idênticos em todos os
aspectos.

Desse modo, não há como se estabelecerem barreiras físicas para a criação de réplicas,
embora sejam necessárias cópias, para serem elementos de conservação do original. Boltanski
e Esquerre consideram que as reproduções não devem mudar de mãos pelo mesmo preço que
o do original, uma vez que uma cópia, por mais perfeita que seja, não pode pretender
incorporar a força da memória ligada ao contato físico passado entre o original e uma pessoa
ou evento específico, ou seja, uma coleção deve conter apenas peças “autênticas” (BOLTANSKI
& ESQUERRE, 2016, p. 40-41).

Ainda como estratégia de marketing, Boltanski e Esquerre enfatizam a apropriação dos


“traços de memória”, os quais também são parte do plano estratégico das empresas para
diferenciar seus produtos e marcas por meio de associação com figuras históricas, artistas ou
celebridades únicas, para tanto empregam técnicas de storytelling. E, ainda, o estabelecimento
de valor – que se configura por meio dos elos narrativos das pessoas que tocaram fisicamente
o objeto – desempenha um papel central na collection form, juntamente com a proibição de
reprodução (BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 40-41).

Nessas análises, a categoria collection form tem um papel importante para os


compradores de artigos de luxo, por considerar que, uma vez que esses objetos não são
adquiridos para atender a uma necessidade, a aquisição de tais mercadorias pode servir a um
outro propósito: o do consumo conspícuo, ou o conhecido consumo ostentatório 17, o qual se
encontra embasado na aquisição de objetos cujo propósito é aumentar o prestígio perante a
sociedade, por meio da exibição pública da riqueza pessoal. Nesse caso, o collection form pode
legitimar circunstâncias especiais de consumo, principalmente quanto aos colecionadores que
atuam em grande escala, em que objetos são comprados e armazenados em estoque sem
nunca serem exibidos aos olhos de outras pessoas, ou mesmo dos olhos de seus proprietários
(BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 41).

Outra abordagem que evidencia o papel da categoria collection form se refere aos
volumosos investimentos das empresas de luxo na exploração do mundo da arte
contemporânea. Sobre esse assunto, particularmente, os autores observam que as empresas
costumam se aproveitar do processo de legitimação dos objetos excepcionais para atrair os
seus clientes, potencialmente “colecionadores” de arte, a consumirem produtos assinados por
artistas. A estratégia dessas empresas é, além de agregar valor artístico aos seus produtos pela

17
Consumo conspícuo ou consumo ostentatório são conceitos atribuídos por Veblen, que se referem ao
consumo de objetos que não são para uso de sobrevivência ou de necessidades práticas.
15

aura que envolve as obras de arte, como também criar ambientes com os artistas, financiando
exposições e decorando seus showrooms. Os sociólogos enfatizam que a arte contemporânea,
como objetos novos, tem sua valoração efetivamente concretizada somente quando esses
objetos são trocados no mundo das artes, e o sinal óbvio dessa elevação é quando o objeto
encontra seu lugar em uma coleção (BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 41-42).

As modalidades principais pelas quais o valor é definido pelo collection form, referem-
se às coleções organizadas hierarquicamente nas categorias de protótipos e espécimes,
segundo Figura 2. O protótipo identificado está relacionado inicialmente aos produtos
estabelecidos pelo standard form e posteriormente reapropriados pela collection form, após
um período de degradação gerado pelo uso. Esse fenômeno pode ser identificado quando
objetos artesanais ou industriais, tais como caixas de fósforos, latas vazias de cerveja, dentre
outros, depois de vendidos a um preço muito baixo, perdem todo o valor de mercado,
transformando-se em itens colecionáveis e seus preços aumentam consideravelmente. Quanto
aos espécimes, de acordo com os autores, referem-se aos objetos produzidos em séries
limitadas, como relógios de primeira linha ou carros sofisticados. Conforme os produtos
seguem para a extremidade superior do eixo diferencial, a distinção entre protótipo e
espécime diminui ou até desaparece e os exemplos mais impressionantes são as obras de arte
(BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 42-43).

3.3 Asset form

Na terceira forma de avaliação denominada categoria asset form, os objetos são


adquiridos pela oportunidade de acumular capital, tornam-se uma mercadoria de
investimento, sendo que a única propriedade relevante nesse objeto é o preço e a facilidade
de convertê-lo em dinheiro vivo a qualquer tempo. Nesse caso, não se aplica a questão da
utilidade como acontece na standard form: qualquer coisa pode ser um ativo nesse sentido,
independentemente de seu valor standard ou collection. Tratados como ativos, os objetos têm
valor na medida em que constituem capital e, se levar em conta o preço atual, podem ser
configurados como possíveis fontes de enriquecimento e de receita a longo prazo (BOLTANSKI
& ESQUERRE, 2016, p. 47-48).

Boltanski e Esquerre explicam que no asset form incide a liquidez, ou seja, a facilidade
de converter o objeto em dinheiro vivo, sendo importantes três fatores: 1) transportabilidade
do objeto (ou sua escritura); 2) capacidade de realizar transações discretamente, para comprar
ou vender o ativo sem atrair a atenção dos fiscais, por exemplo; 3) existência de ferramentas
confiáveis de avaliação que podem ser usadas em uma ampla área geográfica, para que o
16

objeto possa ser comprado ou vendido por um preço semelhante em muitos lugares diferentes
(BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 48-49).

Figura 3 – Asset Form

Fonte: BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 49. Figure 3

Esses fatores podem ser aplicáveis sobre objetos que têm a vantagem de serem
relativamente fáceis de transportar sem atrair muita atenção, pois permitem ao seu detentor
evitar impostos, algo que é mais difícil de realizar no caso de ativos imobiliários (um
apartamento no centro de Londres ou Paris não pode ser simplesmente transferido para outro
país). Um ato escrito registrado com as autoridades mudará de mãos, mas isso pode ser
mantido obscuro por meio de acordos financeiros complexos (BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016,
p. 48-49).

No mercado, Boltanski e Esquerre lembram da importância do papel das casas de


leilão: elas divulgam o preço pago pelos compradores e proporcionam a atribuição de valores
regulares, assim mostram o que está em maior evidência como ativo, uma vez que a
estabilidade de preço de uma obra em diferentes mercados depende em grande parte do
“reconhecimento” alcançado pelo artista (BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 48-49).

No eixo temporal, conforme apresentado na Figura 3, nos objetos tratados como


ativos, a capitalização – valor previsto no tempo presente do fluxo de receita futura – tem
como objetivo estimar o preço atual do artigo: o que um comprador estaria disposto a pagar
agora para garantir sua propriedade, na esperança de receita futura, em vez de investir esse
dinheiro em outra transação envolvendo outros bens. Para que esta transação aconteça, no
17

eixo temporal, deve-se incorporar o custo do tempo, geralmente indexado a uma taxa de juros
que seja atual; e, no eixo diferencial, o custo do risco, o qual depende de uma estimativa da
relação entre os lucros esperados de uma transação de alto risco e os custos de redução desse
risco (BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 49-50). Cabe recordar que, nas análises de Boltanski e
Esquerre, a representação dos eixos no asset form pode apresentar oposições.

Em um extremo, há os ativos que prometem lucros futuros cuja previsão leva em conta
um custo de risco moderado, desde que sejam negociados no curto prazo, por exemplo;
porque sua circulação se beneficiaria de efeitos miméticos que favorecem a especulação,
como costuma ser o caso de ativos financeiros, mas também de obras de arte; em outras
palavras, a preferência pelos lucros presentes vence em relação ao futuro. Neste locus, os
ativos mudam de mãos rapidamente, pois cada comprador não apenas busca submetê-los ao
teste de câmbio na esperança de lucro imediato enquanto a tendência é ascendente, mas
também se esforça para desembaraçá-los o mais rápido possível quando o mercado entra em
atividade. As crises financeiras são os exemplos mais conhecidos dessas contrações de
pânico18, porque nelas os ativos em negociação existem apenas no papel (ou em formato
eletrônico); mas podem-se encontrar inversões semelhantes na demanda por objetos
materiais procurados pelos colecionadores, como violinos raros ou obras de arte
contemporânea (BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 50).

Já no outro extremo, encontram-se os ativos que aguardam por lucros futuros a longo
prazo, em outras palavras, receita alta o suficiente para compensar os elevados custos de
tempo e risco. Nesse caso, os ativos mudam de mãos mais lentamente e as razões para manter
os objetos vêm da expectativa de um investimento 19, pois é esperado que o objeto aumente
de valor ao longo do tempo; ou, ainda, pela posse de um tipo de apólice de seguro, que
transforme dinheiro líquido em algo que se acredita que seja mais seguro contra a destruição
de riqueza, na tentativa de conciliar riscos desiguais relativos a diferentes tipos de ativos. O
dinheiro ganho com a negociação de ativos altamente voláteis pode ser "depositado" desta
maneira: armazenado em reserva por meio de investimentos que parecem particularmente
capazes de resistir ao teste do tempo, mesmo que ofereçam apenas receita moderada
(BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 50-51).

3.3.1. Armazenamento

18
Contrações de pânico podem ser observadas pela economia mundial como reflexo da pandemia do
COVID19, por exemplo.
19
O assunto da especulação no mercado desses objetos foge ao escopo da pesquisa, limitando-se a
analisar a valoração e precificação a partir da visão sociológica.
18

A opção pelo “armazenamento” dos objetos que se enquadram na categoria asset


form, vem sendo amplamente explorada por colecionadores de obras de arte caras e segue a
tendência atual dos bancos de suspender a distinção entre poupança e investimento. As obras
de arte armazenadas em reservas técnicas ou depósitos de guarda estão sujeitas à dupla
categoria de avaliação: podem ser contempladas simultaneamente pelas qualidades que as
tornam preciosas na collection form, enquanto também como uma espécie de moeda de
reserva sob os auspícios da asset form (BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 51).

Nesse caso, segundo Boltanski e Esquerre,

[...] quando algumas peças excepcionais são negociadas regularmente em


um pequeno grupo de colecionadores, a capitalização desses ativos é
apoiada pela redução do nível de incerteza sobre seu valor monetário real.
Os preços aparentemente exorbitantes que alguns compradores estão
dispostos a pagar de fato servem a um propósito bastante mundano,
sustentando o valor de todos os ativos nessa categoria. Isso reduz o perigo
de uma destruição em larga escala da riqueza coletiva, uma ameaça que
sempre paira sobre o acúmulo de coisas, por mais exaltadas e "eternas" que
possam ser20 (BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p.51. Aspas dos autores).

Ademais, nessa categoria de atribuição de valores, os envolvidos têm interesse ora


pessoal, enquanto competidor com outros que possuem desejo pelo mesmo objeto; ora
coletivo, pois participam dessa rede de colecionadores ricos, em que todos são motivados pela
manutenção do valor dos objetos que possuem. Esse interesse compartilhado os incentiva a
desenvolver formas específicas de cooperação, que incluem a concorrência para aumentar o
nível das propostas21 (BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 51).

Portanto, a partir do entendimento das distinções sobre como os objetos podem ser
valorados, levanta-se a dúvida sobre a questão do poder: quem controla a determinação
dessas diferenças e o estabelecimento de seu valor? Para Boltanski e Esquerre (2016, p. 53-54)
em um contexto capitalista, esse poder se manifesta na capacidade de um operador explorar
características específicas que ele dominou e, assim, desvalorizar aquelas com as quais seus
concorrentes estão contando para obter lucro.

Para as economias industriais baseadas no standard form, o principal agente de


produção (se ele possui os meios de produção ou depende dos acionistas) controla as
20
[…] when a few exceptional pieces are regularly traded within a small group of collectors, the
capitalization of these assets is supported by lowering the level of uncertainty about their real monetary
value. The seemingly exorbitant prices that some buyers are willing to pay in fact serve a rather
mundane purpose by sustaining the value of all the assets in this category. This reduces the danger of a
large-scale destruction of collective wealth, a threat which always hangs over accumulations of things,
however exalted and “eternal” they may be […] (BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p.51. Aspas dos
autores. Tradução da pesquisadora).
21
Sarah Thornton, Seven Days in the Art World, London 2009.
19

características relevantes do produto e se esforça para preservá-las e protegê-las recorrendo


às leis e à jurisprudência. No caso da asset form, o poder sobre as diferenças relevantes é
detido por pessoas que, independentemente de serem ou não proprietárias (agências de
classificação, por exemplo) estimam o valor com base em projeções narrativas sobre o futuro,
quase que exclusivamente sobre lucros futuros. E, ainda, no collection form, a avaliação de
objetos é controlada por quem tem o poder de definir as diferenças entre eles, que dependem
de sua avaliação, contudo

[...] os proprietários ainda têm poder considerável para influenciar o valor


dos objetos; mas esse poder se manifesta indiretamente, uma medida de
quanto controle os proprietários têm sobre aqueles que compõem as
narrativas sobre os valores e as diferenças dos objetos - e, portanto, a
capacidade de mover os preços para sua própria vantagem. Esse poder
indireto pode ser crucial quando peças em poder de alguém estão sendo
capitalizadas22 (BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 53-54).

Para concluir, a sociologia pragmática francesa de Luc Boltanski e Laurente Esquerre


considera que os objetos são parte integrante do discurso do enriquecimento da sociedade
atual, independente dos padrões de fabricação, pois os valores agregados são determinados
por regulamentos subjetivos com preços e comercialização de modo pragmático.

4 Móvel Moderno Brasileiro na era do enriquecimento

O processo de ressignificação do MMB mostra-se congruente com a proposta de Boltanski e

Esquerre quanto à atribuição de valores, em situações bem específicas.

Adquiridos originalmente para servirem às suas funções práticas, entre as décadas de 1940 a

1960, eram mobílias vendidas a altos preços, direcionadas a uma elite de feições modernas e

com condições financeiras de adquiri-las. Os móveis tinham pouco poder de revenda à época,

pois tinham como apelo o padrão de conhecimento das pessoas sobre Arte Moderna e

mobílias europeias.

22
[…] owners still have considerable power to influence the value of objects; but this power is manifested
indirectly, a measure of how much control the owners have over those who compose the narratives
about objects’ values and difference—and thus the ability to move prices to their own advantage. This
indirect power can be crucial when pieces in one’s possession are being capitalized. […]. (BOLTANSKI &
ESQUERRE, 2016, p. 54. Tradução da pesquisadora).
20

A área demarcada em verde localiza no gráfico da categoria standard form como era a

atribuição de valor na produção dos MMB durante a metade do século XX: bens duráveis,

feitos em produção limitada e muitas vezes sob encomenda [6]. Quanto ao eixo diferencial,

ainda no mesmo período, no gráfico standard form, eles se encontram no quadrante superior

direito e pode-se inclusive propor que, devido às características de sofisticação dos materiais e

da produção, eram top-of-the-range dos móveis.

Há de se considerar as atuais reproduções, ainda na categoria do standard form: as reedições

[7a] e as falsificações (ou contrafações) [7b]. Por um lado, na “reedição”, reprodução cujo

critério confere projeto original, com montagem e materiais idênticos, o fabricante emite

certificado de autenticidade. Nele constam autorização dos representantes dos direitos legais

de imagem e de patentes, bem como série e quantidade de peças idênticas reproduzidas.

Assim, as reedições no gráfico standard form [7a] são representadas pela área vermelha no

quadrante superior direito, bem na linha diagonal a qual indica que são objetos top-of-the-

range. Ademais, essas reproduções se localizam entre os eixos da durabilidade, de cópias

limitadas e exclusivas, e de alto valor de mercado. Ademais, tais móveis novos e com

certificação de autenticidade, e também podem ser adquiridos como objetos colecionáveis,

isso porque na atualidade já não há MMB originais disponíveis para compra.

Por outro lado, há os móveis falsos [7b], reproduzidos sem a autorização dos detentores dos

direitos, cujo termo jurídico é “contrafação”. De acordo com a Lei Federal n° 9.279/1994, que

regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, não há referência direta à

palavra “contrafação”; mas aponta às sanções em casos de objetos falsificados. Já, no Artigo

198 da mesma lei, determina-se a apreensão de “produtos assinalados com marcas

falsificadas, alteradas ou imitadas, ou que apresentem falsa indicação de procedência”; e a Lei

Federal n° 9.610/1998, que regulamenta, altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos

autorais, introduz o termo “contrafação” no Artigo 5°, parágrafo VII, definindo que
21

“contrafação é a reprodução não autorizada”, sujeita a penas e multas. E ainda, quem produz e

revende o objeto falsificado comete o crime de falsidade ideológica, previsto no Artigo 299 do

Código Penal, pelo uso indiscriminado de comercialização de um móvel cujo projeto é

reconhecidamente assinado por um determinado designer, sem a devida licença dos

detentores legais, como se fosse original.

As falsificações aparecem representadas em duas áreas em cor roxa no gráfico da standard

form [7b]. A área roxa maior encontra-se no eixo temporal como bens duráveis, no entanto,

como são falsos, no eixo diferencial encontram-se no quadrante inferior direito, como móveis

que perdem o valor de criatividade e de originalidade. Há algumas falsificações que escapam à

barreira da investigação da autenticidade e acabam sendo comercializados ou como originais

ou como uma atribuição e estão representados no quadrante superior direito.

Incorporação em coleções de arte (collection form)

Pela perspectiva de Boltanski e Esquerre, as características essenciais da categoria de

atribuição do collection form referem-se aos objetos que passaram de alguma forma pela

experiência do uso e configuram-se sob o olhar do passado. Contudo, dentre os anos de 1940

até fins de 1960 os MMB não eram comercializados como objetos de coleção.

No gráfico collection form, quanto às características de compra dos referidos móveis à época

da produção, de acordo com a análise dos catálogos de revistas de decoração residencial das

décadas de 1950 e 1960, observa-se que havia uma preocupação em adquirir tais móveis para

decorar suas residências com objetos de arte moderna [8].

Por esse motivo, no gráfico collection form, essas mobílias representadas pela área demarcada

em laranja [8a], localizada no quadrante superior e esquerdo no gráfico, referem-se às

compras feitas em primeira mão de objetos singulares e que representam a memória de

pequenos grupos sociais. Isto porque, pelo eixo temporal os compradores tinham como

objetivo atender aos efeitos de memória envolvidos em questões familiares e pessoais; e, pelo
22

eixo diferencial, buscavam padrões de singularidade nas mobílias, justamente por

pertencerem a um seleto grupo de status.

Assim, o processo de atribuição de valor do MMB pela categoria de collection form [8b] se dá

a partir do século XXI, quando passa a ser representativo de uma época e de um padrão de

produção. Logo, os MMB se enquadram nessa categoria sob três aspectos:

a) o reconhecimento progressivo do designer como artista;

b) a singularidade das mobílias e a sofisticação da produção;

c) representatividade desses móveis como objetos culturais.

Sob o ponto de vista mercadológico do século XXI, os MMB são representados no gráfico

collection form pelas áreas demarcadas em cor violeta.

Ao compararmos as análises dos gráficos collection form referentes ao período de produção

original desses móveis com a situação mercadológica no século XXI, observa-se que os MMB

produzidos pela primeira vez estão localizados no quadrante superior esquerdo no eixo

temporal [8a], ou seja, representam os efeitos de memória de famílias e pequenos grupos

sociais. Já, na atualidade, os mesmos MMB ressignificados são representados por duas áreas

em cor violeta e encontram-se localizados no gráfico collection form [8b], no quadrante

superior direito.

Essa mudança entre quadrantes é significativa, pois demonstra a passagem dos móveis

modernos, do que antes estava na condição de objetos familiares, para representativos do

país; e sua valorização atravessa as fronteiras do doméstico para serem legitimados no

universo dos objetos colecionáveis. No gráfico há ainda uma pequena distinção relativa aos

móveis singulares, portanto raros, os quais foram produzidos por designers que alcançaram

status de reconhecimento internacional.

Móvel Moderno Brasileiro como bens de capital (asset form)


23

Visto sob a perspectiva da categoria de atribuição de asset form, quando os Móveis Modernos

Brasileiros estavam em circulação corrente, entre as décadas de 1940 a 1960, a compra seguia

os padrões tradicionais de aquisição de mobílias: durante o despojo os móveis perdem o valor

de compra, chegando ao ponto de não ser possível inclusive à revenda. Sendo assim, o gráfico

asset form não comporta a situação desses objetos, pois não se tornaram – ainda – patrimônio

de investimento.

Essa condição é marca significativa do processo de revaloração de um objeto meramente

industrial e comercial para um “objeto enriquecido”, de acordo com a premissa de Boltanski e

Esquerre, ou seja, para que aconteça a transição da economia da indústria para a economia do

enriquecimento, é imprescindível que objetos se tornem bens de capital.

O eixo temporal do gráfico asset form avalia o preço atual do artigo, a partir dos valores

informados pelo mercado secundário, normalmente por meio dos leilões 58, os quais são

obrigados a apresentar os valores comercializados. Assim como em um leilão, os valores

anunciados encontram-se no eixo temporal da seguinte forma: em um extremo há o valor

previsto para venda imediata e, no outro extremo, a estimativa de preço ao qual esse objeto

pode chegar, apostando na receita futura.

Os MMB encontram-se representados pelas duas áreas em amarelo [9], localizadas nesses dois

extremos do eixo temporal, uma vez que esses móveis podem transitar pelo mercado como

objetos com valor e revenda rápida, como também podem ser armazenados para

investimentos futuros sem risco de perderem seu valor de capital. No eixo diferencial, esses

objetos possuem liquidez e mobilidade, logo, encontram-se localizados nos dois quadrantes

superiores do gráfico.

No mercado, pode-se especular que há, pelo menos, três categorias de mobílias em circulação;

e suas características conferem maior ou menor capital agregado, dependendo das condições

gerais.
24

Os MMB mais procurados são ressignificados pela notoriedade do designer que se tornou

reconhecido por conta do tempo e da sua trajetória; e também pelas características de

fabricação que lhes deram resistência; e pelas madeiras, que não são mais encontradas em seu

estado bruto na atualidade. Se a mobília possui esses três atributos, sua liquidez é certa e os

valores podem ser imprevisíveis, tanto é assim que costumam ser revendidas em leilões ou

entre colecionadores, e o valor de revenda é acima do preço comprado anteriormente [10].

Outra categoria de MMB é aquela com procedência e assinatura do designer, mas sofreu

intervenções, apresenta aparência de nova, e apesar de constatada a presença de madeiras

nobres, não há prevalência do Jacarandá da Bahia. Esses móveis possuem liquidez, sendo

facilmente comercializados e os preços variam em decorrência da procura nas galerias ou

feiras de design, no entanto, sem garantia de liquidez no mercado futuro.

E ainda, há MMB cujo projeto é reconhecidamente de algum designer famoso, contudo, na

ausência de informações sobre procedência, os indícios formais podem complementar ou

destituir uma atribuição de autoria. Esses mobiliários normalmente possuem toda a sorte de

intervenções e descaracterizações, com mistura de madeiras nobres com madeiras

contemporâneas, estofamento recente, junções com ferragens. Essas peças são vendidas em

galerias com preços menores.

Portanto, a transformação dos MMB em bens de capital foi observada no Brasil a partir da

década de 2010, quando ganharam representatividade no mercado secundário nacional e

internacional. Em 2018, três colecionadores 59 foram unânimes em dizer que mantêm MMB

estocados como investimento, em depósitos para armazenagem e reserva técnica de obra de

arte. Na capital de São Paulo, uma colecionadora conta que possui três MMB muito

procurados pelo colecionismo armazenados, os quais futuramente serão doados a cada um de

seus filhos para a compra de imóveis. Desses colecionadores, dois deles possuem MMB em
25

suas residências, utilizados restritivamente para compor cenário com obras de artes. Até

mesmo os galeristas também possuem MMB em armazenamento como garantia de liquidez.

Final thoughts: MMB, Patrimônio Nacional

Dentre as indagações exploratórias analisadas, ressalta-se a observação de que o fenômeno de

ressignificação dos MMB suas funções práticas, estéticas e simbólicas, além de notório para o

colecionismo, reforça a proposição de que os MMB podem ser considerados como “objetos

enriquecidos”, conforme aponta Boltanski e Esquerre, e lhes são atribuídos valores tais de

relevância econômica, a ponto de serem utilizados como bens de investimento e de liquidez,

tanto no mercado futuro quanto no atual.

Gráfico mostra qual o padrão de produção em que os móveis foram feitos


originalmente e do outro lado, com a ressignificação dos móveis para o status de objetos
enriquecidos, os móveis reproduzidos por meio das reedições encontra-se agora localizado na
área do gráfico voltado para o seleto grupo de consumidores .

4.2 Incorporação em coleções de arte (collection form)

Figura 2 – Collection form


26

Fonte: BOLTANSKI & ESQUERRE, 2016, p. 43. Figure 2

Em relação ao gráfico (Figura 2) considera-se que, a partir dos primeiros anos do século
XXI, os Móveis Modernos Brasileiros passam de coleções comuns, de objetos convencionais
como cadeiras, mesas, estantes, bancos, dentre outros encontram-se

4.3 Móvel Moderno Brasileiro como bens de capital (asset form)


27

Adquiridos originalmente para servirem às suas funções práticas, eram mobílias


vendidas por altos preços, direcionadas a uma elite de feições modernas. Os móveis tinham
poder de revenda à época. Após o processo de enriquecimento, esses objetos são bens de
capital, ou seja, encontram-se nas duas extremidades do eixo diferencial, por ser uma
aquisição de pouco risco, liquidez

Referências bibliográficas

Sociologia do consumo

CSIKSZENTMIHALYI, M., ROCHBERG-HALTON, E. The meaning of things: domestic symbols and


the self. Cambridge, MA: MIT Press, 1981.

Sociologia do mercado
28

FLIGSTEIN N., DAUTER L. A Sociologia dos mercados. CADERNO CRH, Salvador, v. 25, 66, p. 481-
504, Set./Dez. 2012. DOI https://doi.org/10.1590/S0103-49792012000300007 Disponível em
https://www.scielo.br/j/ccrh/a/hBS6YwFvLp9XGLfyst7jMxJ/abstract/?lang=pt. Acesso em 7 fev
2022.

Sociologia pragmática ou sociologia das provas

BARTHE Y., RÉMY C., et al. Sociologia pragmática: guia do usuário. Sociologias, Porto Alegre,
ano 18, n° 41, jan/abr 2016, p. 84-129. Este artigo foi publicado originalmente em francês na
Revue Politix [Barthe Yannick et al., “Sociologie pragmatique: mode d'emploi”, Politix, 2013/3
N° 103, p. 175-204. DOI: 10.3917/ pox.103.0173]. Com a permissão dos autores, Sociologias o
apresenta em língua portuguesa, na tradução da Professora Patrícia Reuillard (UFRGS).
https://doi.org/10.1590/15174522-018004104

Disponível em https://www.scielo.br/j/soc/a/BxNzBRcP7JswWVjvDtjkGWJ/?lang=pt. Acesso


em 8 fev 2022.

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