Você está na página 1de 118

CÓP

ESTA PUBLICAÇÃO OU PARTE DELA NÃO PODEM SER REPRODUZIDAS OU


TRANSMITIDAS EM QUALQUER FORMA OU QUALQUER MEIO, INCLUINDO
FOTOCÓPIAS OU GRAVAÇÕES SEM O CONSENTIMENTO POR ESCRITO DA
COMISSÃO DOS CURSOS DE FÉRIAS – IOC.
AUTORES

Mariela Martínez Gómez, Ph.D. Graduada em Ciências


Biológicas pela Universidade da República Oriental do Uruguai
(Udelar, Montevidéu, Uruguai); mestre em Ciências pelo
Programa de Pós-graduação em Biologia Celular e Molecular do
Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz (IOC,
FIOCRUZ, Rio de Janeiro). Doutora pelo mesmo programa de
pós-graduação, na área de Biologia Molecular e Celular, com
ênfase em Virologia. Atua como pós-doutoranda no Laboratório de Biologia Molecular de
Flavivírus, IOC, FIOCRUZ, Rio de Janeiro. Coordenadora do presente curso.

Myrna Cristina Bonaldo, Ph.D. Graduada em Biologia pela


Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em Ciências
Biológicas (Genética) pela UFRJ e doutora em Ciências Biológicas
(Genética) pela UFRJ. Atualmente é pesquisadora titular da
FIOCRUZ, chefe do Laboratório de Virologia Molecular de
Flavivírus do IOC. Coordenadora do presente curso.

Déberli Ruiz Fernandes, Ph.D. Graduada em Biomedicina


com habilitação em Análises Clínicas pela Faculdade União das
Américas. Possui mestrado pelo programa de pós-graduação em
Microbiologia, Parasitologia e Patologia da Universidade
Federal do Paraná e especialização em Biotecnologia pela
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, doutorado pelo
programa de pós-graduação em Biologia Parasitária do IOC
(FIOCRUZ, Rio de Janeiro). Foi professora e coordenadora de curso na Faculdade Uniamérica.
Foi professora da Universidade Positivo. Atua como pós-doutoranda no Laboratório de
Biologia Molecular de Flavivírus, IOC, FIOCRUZ, Rio de janeiro.
Fernanda Barreiro Brito, Bacharel. Graduada em Ciências
Biológicas: Microbiologia e Imunologia pela UFRJ. Atualmente é
mestranda no programa de Biologia Celular e Molecular do IOC
(FIOCRUZ, Rio de Janeiro), desenvolvendo seu projeto de
dissertação no Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus.

Iasmim Silva de Mello, Ph.D. Graduada em Biomedicina com


habilitação em análises clínicas pela Universidade Federal
Fluminense (UFF, RJ); Mestre em Genética e Bioquímica pelo
Programa de Pós-graduação em Biologia Parasitária do IOC
(FIOCRUZ, Rio de Janeiro). Doutora pelo Programa de Pós-
graduação, na área de Biologia Molecular e Celular, com ênfase
em Virologia. Atua como pós-doutoranda no Laboratório de
Biologia Molecular de Flavivírus, IOC, FIOCRUZ, Rio de Janeiro.

Nathália Dias Furtado, M.Sc. Graduada em Ciências Biológicas


com habilitação em Biotecnologia pelo Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ, Rio de
Janeiro); mestre em Ciências pelo Programa de Pós-graduação em
Biologia Celular e Molecular do IOC (FIOCRUZ, Rio de Janeiro).
Atualmente, desenvolve a tese de doutorado no mesmo programa
de pós-graduação na área de Virologia, no Laboratório de
Biologia Molecular de Flavivírus.

1
Lucca de Lima Siqueira Oliveira, Bacharel. Graduado em
Biomedicina pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Atualmente é mestrando no programa de Biologia Celular e
Molecular do IOC (FIOCRUZ, Rio de Janeiro) desenvolve seu
projeto no Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus.

Lidiane Menezes Souza Raphael, M.Sc. Graduada em Farmácia


pela UFRJ; mestre em Ciências pelo Programa de Pós-graduação
em Biologia Celular e Molecular do IOC (FIOCRUZ, Rio de
Janeiro). Atualmente é técnica de laboratório no Laboratório de
Biologia Molecular de Flavivírus do IOC, FIOCRUZ, Rio de
Janeiro.

2
PREFÁCIO

Na última década, os métodos moleculares aplicados ao estudo de vírus têm


experimentado um rápido desenvolvimento. Por um lado, foram aprimoradas técnicas que têm
sido amplamente utilizadas na virologia, e por outro, foram desenvolvidas novas ferramentas,
principalmente, para decifrar e estudar os genomas virais, assim como para manipulá-los. O
desenvolvimento de novos métodos de edição de genoma juntamente com a biologia sintética,
deram origem a novas perspectivas sobre o desenho de vírus repórteres. Estes vírus podem ser
utilizados para aprimorar nosso conhecimento em diversos campos da área da virologia.
Aspectos relacionados à patogenicidade dos vírus, resposta imune, replicação viral, entre
outros, podem ser elucidados com estes tipos de ferramentas. Neste curso, pretendemos
introduzir as técnicas moleculares comumente utilizadas para a obtenção de genomas virais,
assim como para a construção de clones infecciosos aos alunos de graduação. Iremos mostrá-
los a aplicabilidade destas técnicas e a importância das mesmas tanto para o desenvolvimento
de vacinas, quanto para dar resposta em caso de surtos/epidemias/pandemias causadas por
vírus. Desenvolvemos a presente apostila para que o aluno possa se familiarizar e ler a respeito
dos assuntos que serão discutidos durante o curso, e esperamos que essa leitura desperte a
curiosidade e interesse pelos assuntos tratados.

Mariela Martínez Gómez

3
4
Índice de figuras – Capítulo 1
Figura 1.1. Exemplos de equipamentos de uso individual (EPIs) e de uso coletivo (EPCs)
utilizados comumente utilizados em laboratórios de pesquisa. ............................................... 13
Figura 1.2. Estrutura dos nucleotídeos. .................................................................................... 25
Figura 1.3. Estrutura da molécula de DNA.............................................................................. 26
Figura 1.4. Classificação de Baltimore. ................................................................................... 27
Figura 1.5. Ação dos detergentes sobre a membrana plasmática. ........................................... 28
Figura 1.6. Isolamento de ácidos nucleicos com fenol e clorofórmio. .................................... 30
Figura 1.7. Isolamento de RNA utilizando TRIzol. ................................................................. 31
Figura 1.8. Extração de ácidos nucleicos por colunas. ............................................................ 32
Figura 1.9. Dogma central da biologia molecular.................................................................... 33
Figura 1.10. Regiões de anelamento dos diferentes tipos de iniciadores................................. 35
Figura 1.11. Retrotranscrição in vitro. ..................................................................................... 36
Figura 1.12. Passos finais de uma reação de PCR. .................................................................. 37
Figura 1.13. Representação esquemática dos componentes da reação de PCR. ...................... 40
Figura 1.14. Esquema das etapas do ciclo de PCR. ................................................................. 42
Figura 1.15. Gráfico representativo do aumento do número de moléculas de DNA durante os
cinco ciclos iniciais da reação de PCR. ................................................................................... 43
Figura 1.16. Esquema da metodología de eletroforese. ........................................................... 44
Figura 1.17. Esquema da composição de inicadores em uma PCR múltiple que contém 4 alvos
de amplificação. ....................................................................................................................... 45
Figura 1.18. Esquema da PCR nested. ..................................................................................... 46
Figura 1.19. Esquema representativo da OneStep PCR........................................................... 47
Figura 1.20. Comparação no fluxo de trabalho do sistema SYBR green e TaqMan. .............. 49
Figura 1.21. Dispersão do SARS-CoV-2 rastreadocom base na informação genômica obtida
através de sequenciamento. ...................................................................................................... 52
Figura 1.22. Representação esquemática da metodologia de sequenciamento de DNA por
Sanger. ..................................................................................................................................... 55
Figura 1.23. Esquema da metodologia de sequenciamento de Sanger......................................56
Figura 1.24. Esquema da reação de pirosequenciamento. ....................................................... 58
Figura 1.25. Etapas do sequenciamento por síntese (Illumina). .............................................. 59
Figura 1.26. Metodologias de sequenciamento de terceira geração. ....................................... 61
Figura 1.27. Polos de sequenciamento da Rede Genômica Fiocruz. ....................................... 65
5
Índice de quadros – Capítulo 1
Quadro 1.1. Tipos de risco e possíveis consequências. ........................................................... 11
Quadro 1.2. Classificação das situações capazes de afetar a saúde no trabalho. ..................... 12
Quadro 1.3. Classificação, descrição e exemplo de laboratórios a partir de seu nível de
biossegurança. .......................................................................................................................... 14
Quadro 1.4. Variáveis relacionadas ao preparo de amostras biológicas para realização de
examens laboratoriais............................................................................................................... 17
Quadro 1.5. Vantagens e desvantagens dos métodos de purificação. ..................................... 32

6
SUMÁRIO CAPÍTULO 1

CAPÍTULO 1 - DECIFRANDO O GENOMA VIRAL .......................................................... 9


CONCEITOS BÁSICOS DE BIOSSEGURANÇA NO LABORATÓRIO............................10
OBTENÇÃO E PROCESSAMENTO DE AMOSTRAS BIOLÓGICAS...............................15
Fase pré-analítica......................................................................................................................16
Fase analítica............................................................................................................................19
Fase pós-analítica.....................................................................................................................20
REQUISITOS PARA O USO DE AMOSTRAS BIOLÓGICAS NA PESQUISA NO ÂMBITO
DA FIOCRUZ..........................................................................................................................20
Comitê de Ética em Pesquisa...................................................................................................20
Comissão de Ética no Uso de Animais....................................................................................22
Projetos que não necessitam de apreciação ética.....................................................................23
Situações em que não compete à CEUA analisar uma proposta..............................................23
EXTRAÇÃO DE ÁCIDOS NUCLEICOS E RETROTRANSCRIÇÃO.................................24
Conceitos básicos.....................................................................................................................24
Extração de ácidos nucleicos....................................................................................................27
Retrotranscrição (RT)...............................................................................................................33
REAÇÃO EM CADEIA DA POLIMERASE E ELETROFORESE.......................................36
Breve histórico.........................................................................................................................36
Fundamentos............................................................................................................................37
Reagentes necessários para a reação........................................................................................38
Etapas da reação.......................................................................................................................41
Análise dos resultados..............................................................................................................43
Aplicação da técnica de PCR na Virologia..............................................................................44
REAÇÃO EM CADEIA DA POLIMERASE EM TEMPO REAL........................................48
Ensaios de quantificação..........................................................................................................49
Aplicações da técnica de RT-qPCR na Virologia....................................................................50
SEQUENCIAMENTO GENÔMICO.......................................................................................51
Sequenciamento pelo método de Sanger..................................................................................52
Automação do método de Sanger.............................................................................................55
Sequenciamento de nova geração (NGS).................................................................................57
Aplicações das técnicas de sequenciamento genômico em Virologia.....................................62
INTRODUÇÃO A VIGILÂNCIA GENÔMICA DE VÍRUS.................................................63
7
REFERÊNCIAS CAPÍTULO 1 .............................................................................................66

8
CAPÍTULO 1 - DECIFRANDO O GENOMA VIRAL

Por que é importante decifrar o genoma dos vírus? O sequenciamento genômico


permite a elucidação da base genética de importantes características virais, como a
identificação do vírus, de suas proteínas virais, motivos funcionalmente relevantes e a detecção
da variabilidade genética. Conjunto de informações muito estratégicas para o desenvolvimento
de pesquisa em Virologia. Outro dado importante que pode ser obtido através da análise de
genomas, é que ao compararmos diversos genomas de um dado vírus, é em geral possível se
estabelecer como está acontecendo a transmissão, assim como, o tempo que o vírus tem
circulado na nossa população, e qual é a sua origem. Estes dados são de vital importância na
hora de adotar medidas adequadas pelas autoridades competentes para conter sua
disseminação. Neste sentido, existem diversos exemplos recentes na história das viroses
emergentes e reemergentes, como são o caso do vírus Zika, do vírus Ebola e, mais
recentemente, do coronavírus SARS-CoV-2 (do inglês: Severe acute respiratory syndrome
coronavirus 2).

Mas afinal, em que consiste um vírus? O vírus é uma partícula infecciosa com
característica de parasita intracelular obrigatório. Ele é formado por proteínas estruturais que
moldam um capsídeo, dentro do qual é comportado um genoma que pode variar na composição
de ácido nucleico, ácido desoxirribonucleico (DNA – do inglês: do inglês: Deoxyribonucleic
acid) ou ácido ribonucleico (RNA – do inglês: ribonucleic acid), e no tipo (fita simples, fita
dupla, segmentado etc.). Alguns vírus podem possuir, além do capsídeo, um envelope viral
composto da membrana fosfolipídica derivada da célula hospedeira e proteínas de envelope
virais. Os vírus não são parasitas exclusivos de humanos: existem vírus que infectam animais
terrestres, animais aquáticos, plantas e até mesmo células procariotas. Inclusive, existem vírus
que infectam outros vírus.

Uma forma de estudar os vírus é através da análise do genoma viral. Desde a obtenção
da amostra até a obtenção do genoma viral é necessária a realização de diversas técnicas
moleculares, entre as quais encontramos a extração de ácidos nucleicos, retrotranscrição (RT),
reação em cadeia da polimerase (PCR - do inglês: Polymerase Chain Reaction) e
sequenciamento genômico. Nas próximas sessões deste capítulo discutiremos estas técnicas,
assim como outras que são comumente utilizadas para o estudo dos vírus, como a PCR em
tempo real (qPCR – do inglês: quantitative Polymerase Chain Reaction). Porém, antes de

9
apresentar as diversas técnicas moleculares, vamos aprender alguns conceitos básicos e
necessários sobre biossegurança em laboratórios de pesquisa e ensino, assim como sobre a
correta manipulação de amostras biológicas para o estudo dos vírus.

CONCEITOS BÁSICOS DE BIOSSEGURANÇA NO LABORATÓRIO

Os laboratórios de ensino e pesquisa necessitam de plena harmonia entre os


profissionais e estudantes com amostras e agentes biológicos, equipamentos e resíduos que
compartilham o mesmo espaço. Essa demanda é fundamental para que o local se configure apto
a oferecer a aquisição de conhecimento. Para que isto se concretize, obstáculos devem ser
suplantados e as situações que configurem risco devem ser prevenidas. Deve ser considerado
que o manuseio de equipamentos e materiais em laboratório sempre apresenta risco, seja por
falha humana, falha técnica de materiais ou equipamentos mal utilizados. Desse modo, a
adoção de medidas que prezam pela responsabilidade e segurança dos trabalhadores envolvidos
e do meio ao redor se configuram como uma forma extremamente eficaz de minimizar os riscos
e, até mesmo, eliminá-los.

Segundo Teixeira e Valle (1996), a Biossegurança pode ser entendida como um


“Conjunto de ações (técnicas, administrativas, educacionais, médicas e psicológicas) voltadas
para a prevenção, minimização ou eliminação de riscos inerentes às atividades de pesquisa,
produção, ensino, desenvolvimento tecnológico e prestação de serviços, visando à saúde do
homem, dos animais, a preservação do meio ambiente e a qualidade dos resultados".

Um dos conceitos iniciais importantes para a determinação de uma cultura estável de


biossegurança no ambiente laboratorial é o de agente de risco ambiental. Consideram-se riscos
ambientais os agentes físicos, químicos, biológicos e, até mesmo, ergonômicos existentes nos
ambientes de trabalho que, em função de sua natureza, concentração ou intensidade e tempo de
exposição, são capazes de causar danos à saúde do trabalhador.

Exemplos:

Riscos físicos: ruídos, vibrações, frio, calor...

Riscos químicos: poeiras, fumos, neblina, gases…

10
Riscos biológicos: vírus, bactérias, fungos, parasitas…

Riscos ergonômicos: esforço físico intenso, levantamento e transporte manual de


peso…

Riscos de acidente: eletricidade, arranjo incorreto do espaço físico…

Além disso, muitos são as possíveis consequências das situações de risco citadas, como
exemplificado no quadro abaixo (Quadro 1.1.).

Quadro 1.1. Tipos de risco e possíveis consequências.

Físicos Químicos Biológicos Ergonômicos Acidentes


Incapacidade Intoxicação Afastamento Diminuição do
Lesão temporária
temporária aguda ou crônica temporário foco / atenção
Afastamento
Incapacidade Afastamento
temporário ou Fadiga Lesão definitiva
permanente definitivo
definitivo
Menor
Incapacidade;
Morte Morte rendimento Morte
Morte
intelectual
Adaptado a partir de Boas Práticas Químicas em Biossegurança, de Paulo R. de Carvalho; 2
ed; 2013.

É imprescindível também, que haja a diferenciação entre os conceitos de perigo, risco,


acidente e incidente dentro do contexto científico (Quadro 1.2.). Estes podem representar uma
única situação, assim como participarem cronologicamente de uma circunstância.

11
Quadro 1.2. Classificação das situações capazes de afetar a saúde no trabalho.

Perigo Risco Acidente Incidente


Agente (físico, químico, Probabilidade de sofrer os Ação não intencional, que a
Ação não intencional que
biológico…) que pode efeitos resultantes da pesar de representar
pode resultar em dano.
causar efeitos adversos à exposição a determinado potencial de dano, não se
Materialização do risco
saúde fator de perigo concretiza

Exemplos:
Respingo de suspensão viral
Gota de suspensão viral
escapa do eppendorf, em
Manipular patógeno sem entra em contato com os
Microrganismos quantidade irrisória e sem
equipamento de proteção olhos, resultando em
atingir o profissional em
infecção
questão

Adaptado a partir de “Boas Práticas Químicas em Biossegurança”, de Paulo R. de Carvalho; 2


ed; 2013.

Para evitar ao máximo esse tipo de situação, é necessário todo tipo de cautela e
precaução. Nesse contexto, se insere o conceito de contenção. A contenção é a proteção
individual e do ambiente de trabalho contra a exposição a agentes infecciosos, que pode ser
proporcionada pelo uso de equipamentos de segurança adequados.

Os equipamentos de proteção podem ser divididos em equipamentos de proteção


individual (EPIs) e equipamentos de proteção coletiva (EPCs) (Figura 1.1.). Um EPI é um
dispositivo de uso individual do trabalhador, possuindo como principal função a proteção à
saúde e segurança dos colaboradores de todas as áreas do laboratório, sendo seu uso obrigatório
e um direito de todo profissional de saúde. Já os EPCs são utilizados para proteção coletiva dos
profissionais expostos aos riscos.

12
Figura 1.1. Exemplos de equipamentos de uso individual (EPIs) e de uso coletivo (EPCs)
utilizados comumente utilizados em laboratórios de pesquisa.

A contenção secundária compreende a proteção do ambiente externo contra a


contaminação de origem do laboratório. Seu objetivo é alcançado a partir de uma construção
estrutural adequada do local e por tarefas de rotina do trabalho, como descarte de resíduos,
descontaminação de áreas, etc.

Os vírus, que são o foco principal do presente curso, são classificados pela Organização
Mundial da Saúde (OMS) como agentes de risco biológico. Essa nomenclatura envolve
também outros microrganismos e segue diversos critérios para ser estabelecida (ex: Modo,
meio e via de transmissão, índice de letalidade, patogenicidade, endemicidade, disponibilidade
de medidas de prevenção e profilaxia, etc). A classificação ocorre de acordo com a respectiva
classe de risco (classes 1, 2, 3 e 4) referentes aos perigos causados pelos microrganismos
infecciosos, sendo esses números também adotados para designar seus respectivos laboratórios
de manuseio (Quadro 1.3.).

13
Quadro 1.3. Classificação, descrição e exemplo de laboratórios a partir de seu nível de
biossegurança.

Exemplos de
Nível de biossegurança Descrição
laboratório
NÍVEL BÁSICO I
Microrganismos pouco suscetíveis de provocar
Risco fraco na escala Ensino básico
doenças no homem ou animais sadios
individual e coletiva
NÍVEL BÁSICO II Germes patogênicos capazes de provocar
Posto de saúde de
doenças em seres humanos ou animais, mas que
primeira linha; Hospital
geralmente não apresentam um perigo sério
Risco individual moderado e de nível primário; Ensino;
para quem os manipula em condições de
limitado para a comunidade Diagnóstico e saúde
contenção, para a comunidade ou para o
pública
ambiente
CONTENÇÃO NÍVEL III Patógenos que geralmente causam doenças
graves ao homem e aos animais, podendo
Risco elevado na escala representar um risco sério para quem os Laboratório de
individual e limitado na escala manipula e se disseminado na sociedade, diagnostico especializado
coletiva embora existam medidas de prevenção e
tratamento
CONTENÇÃO MÁXIMA
Agente patogênico que provoca, geralmente,
NÍVEL IV
uma doença humana ou animal, grave e que se
Unidade de germens
transmite facilmente de um individuo a outro,
Elevado risco individual e para patogênicos perigosos
direta ou indiretamente. Normalmente, não
a comunidade
existem medidas de prevenção e tratamento

Adaptado de “Classificação dos Laboratórios por Nível de Biossegurança (NB)” – Marco


Antonio F. da Costa e Maria de Fátima Barrozo da Costa; Rio de Janeiro, 2009.

A seguir, estão listados alguns exemplos de agentes de risco biológico das diferentes
classes:

Classe I: Lactobacillus spp, Bacillus subtilis.

Classe II: Herpesvírus, Calicivírus.

Classe III: Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), vírus Zika, Hantavírus.

Classe IV: Vírus Ebola, vírus da peste bovina.

14
Em cada um dos níveis de biossegurança laboratorial, configura-se como necessária a
utilização de equipamentos de segurança específicos para a situação:

Nível de Biossegurança 1 (NB-1): Jaleco não-inflamável, luva, touca.

Nível de Biossegurança 2 (NB-2): Jaleco não-inflamável, luva, touca, cabine de


segurança biológica.

Nível de Biossegurança 3 (NB-3): Jaleco descartável, dois pares de luvas, propé, touca
e máscara.

Nível de Biossegurança 4 (NB-4): Macacão de pressão positiva.

OBTENÇÃO E PROCESSAMENTO DE AMOSTRAS BIOLÓGICAS

Diversos são os cuidados que devemos tomar na hora de manipular as amostras


biológicas, tanto para o diagnóstico virológico, quanto para o desenvolvimento de pesquisas.
Neste sentido, parece válido explorar as diferentes fases dos exames laboratoriais para ilustrar
de uma forma mais didática a importância dos processos de obtenção e processamento de
amostras biológicas para estudos virológicos.

Os exames laboratoriais têm três fases: pré-analítica, analítica e pós-analítica. A fase


pré-analítica envolve a preparação e orientação do paciente, coleta, manipulação e
armazenamento do espécime diagnóstico, antes da determinação analítica. Ou seja, engloba
todas as atividades que antecedem o ensaio laboratorial, dentro ou fora do laboratório. A fase
analítica inicia-se com a validação do sistema analítico, através do controle da qualidade
interno na amplitude normal e patológica, e se encerra quando a determinação analítica gera
um resultado. Já a fase pós-analítica, inicia-se após a geração do resultado analítico,
quantitativo e/ou qualitativo, sendo finalizada, após a entrega do laudo conforme legislação
vigente.

Considerando que cerca de 70% das decisões e diagnósticos médicos possuem os testes
de laboratório como base, os resultados dos exames laboratoriais são essenciais para o
tratamento de diversas enfermidades. Qualquer erro nas fases mencionadas pode resultar na
obtenção de um resultado incorreto, levando a orientações inadequadas por parte do médico, o
que muitas vezes pode ter como consequência o agravamento da doença. Dessa forma, erros e

15
variações nesse processo podem resultar em danos gravíssimos à saúde pública e à
credibilidade das instituições relacionadas.

Fase pré-analítica

A fase pré-analítica, como mencionado, envolve os processos desde o momento da


chegada do paciente ao laboratório clínico até a passagem do material coletado para a fase
analítica. Essa fase passa por processos como recepção, orientação do paciente dada pelo
profissional de saúde, coleta da amostra biológica e transporte. É importante ressaltar que é
nessa fase em que ocorre de 46% a 68,2% dos erros observados em exames laboratoriais,
justamente, por se tratar de uma etapa em que diversos processos são manuais. Sendo assim, é
necessária atenção redobrada nesse contexto para evitar danos e perdas em diversos âmbitos,
desde pessoais até laboratoriais.

Para gerar resultados laboratoriais confiáveis, além da boa execução das técnicas, é
necessário garantir a boa qualidade da amostra biológica. Entende-se como boa amostra aquela
obtida em quantidade suficiente, em recipiente adequado, bem identificado, armazenado e
transportado da forma correta. Existem diversas variáveis comumente observadas no preparo
e manuseio da amostra biológica a partir da qual será realizado o exame laboratorial para
diagnóstico virológico (Quadro 1.4.).

16
Quadro 1.4. Variáveis relacionadas ao preparo de amostras biológicas para realização de
examens laboratoriais.

Variáveis

Hemólise

Centrifugação

Tempo de processamento

Exposição à luz solar

Evaporação

Aliquotagem

Condições de transporte

Preservativos inadequados

Contaminações (frascos inadequados, bactérias)

Adaptado de Gestão da qualidade laboratorial. – 1.ed. Comissão de Análises Clínicas do


Conselho Federal de Farmácia. 2011.

No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) todas as amostras coletadas devem ser
cadastradas em um sistema de registro abrangente e interconectado entre os estados. No Brasil,
o principal sistema de cadastro de amostras é o Gerenciador Ambiental de Laboratórios (GAL),
que foi desenvolvido para os laboratórios de Saúde Pública que realizam exames de notificação
compulsória, de média e alta complexidade das amostras de origem humana, animal e
ambiental. Este sistema possui como objetivos e funções:

17
− Gerenciamento do processo de trabalho desenvolvido pelos Laboratório Central de
Saúde Pública (LACENs) e sua rede de Laboratórios conveniados;
− Rastreamento do paciente/exame desde o cadastro até a liberação dos resultados dos
exames solicitados;
− Cadastro de pacientes e exames realizado pelos usuários (Municípios), proporcionando
assim melhores informações sobre o paciente;
− Liberação dos resultados on-line pelos analistas responsáveis;
− Impressão de Resultados diretamente no município solicitante, diminuindo o tempo de
entrega dos laudos;
− Realização de relatórios epidemiológicos em tempo real;
− Acompanhamento de pacientes/exames pelas Vigilâncias Epidemiológicas municipal,
estadual e nacional;
− Agilizar a tomada de decisões em surtos e epidemias.

Os laboratórios privados contam com seu próprio sistema de cadastramento de amostras


e emissão de resultados.

Dentro do processo pré-analítico, uma das etapas mais importantes é a coleta da amostra
biológica, que deverá ser realizada por um profissional de saúde qualificado. É preciso ter em
mente que infecções virais diferentes podem requerer amostras biológicas diferentes. Por outro
lado, além de ter em conta o tipo de amostras biológica dependendo do vírus que se suspeita
por causa da clínica e/ou de associação epidemiológica, o tempo de coleta da amostra também
é um fator determinante. Portanto, a fase da doença na qual o paciente se encontra
(considerando o dia do aparecimento de sintomas) junto à suspeita clínica irão determinar qual
amostra será coletada e qual exame será solicitado. Coletar a amostra biológica durante a fase
aguda da doença e no local onde está ocorrendo a replicação do vírus aumenta o êxito do
diagnóstico laboratorial.

A seguir, mencionaremos alguns exemplos de locais de infecção e amostra a ser


coletada. No caso de vírus que causam infecção respiratória, em geral, a amostra indicada é o
aspirado de nasofaringe e swab de garganta. São exemplos de vírus que causam doença
respiratória: coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2 – do inglês:
Severe acute respiratory syndrome coronavirus 2), influenza, vírus sincicial respiratório
(VSR), entre outros. Vírus que causam infecção entérica em geral requerem coleta de fezes
18
para o seu diagnóstico. São exemplos de vírus que causam infecção entérica: rotavírus,
norovírus, adenovírus, entre outros. Vírus que podem causar lesões na pele (viroses
dermotrópicas), a indicação é a coleta de líquido da vesícula, como no caso de herpesvírus
simples 1 e herpesvírus simples 2. Quando a infecção é no sistema nervoso central a indicação
usual é a coleta de líquido cefalorraquidiano, como no caso do vírus da raiva e alguns
enterovírus. Diversos vírus podem ser detectados a partir de amostras de urina (ex. vírus Zika),
sangue (ex. herpesvírus humano tipo 6, vírus dengue) e/ou soro (ex. febre amarela). Quando o
paciente vem a óbito diversas amostras podem ser coletadas a partir de qualquer tecido.

Fase Analítica

É a fase responsável pela análise da amostra, através da verificação dos instrumentos e


reagentes e monitorização dos processos analíticos, obtendo assim o resultado para qual o
exame foi solicitado. São diversos os métodos associados ao diagnóstico de infecções virais,
sendo alguns deles a cultura de células, a imunofluorescência e até mesmo a observação através
de microscópio óptico. No âmbito molecular, uma das principais técnicas associada ao
diagnóstico viral é a PCR, idealmente em sua modalidade quantitativa, chamada de PCR em
tempo real (qPCR - do inglês: quantitative Polymerase Chain Reaction). Ao ser realizada, essa
técnica é capaz de mensurar a carga viral a partir de uma amostra biológica (sangue, soro, urina,
leite materno, etc) do indivíduo em questão, assim confirmando ou não a suspeita inicial. No
diagnóstico laboratorial podem se empregar métodos diretos ou indiretos para a identificação
do agente etiológico. Os métodos diretos são aqueles que identificam o agente etiológico,
podendo ser detectado tanto o genoma, proteínas do patógeno, ou o patógeno em si. São
exemplos: isolamento do agente etiológico (em cultura celular, ovos embrionados, ou em
animais de laboratório); microscopia eletrônica; imunofluorescência (IF); ensaio
imunoenzimático (EIE), PCR; qPCR, etc. Os métodos indiretos são aqueles que detectam
anticorpos contra o agente etiológico, exemplos: IF e EIE.

19
Fase pós-analítica

É responsável pela verificação das análises feitas ao longo da fase pré-analítica, assim
como a liberação dos resultados para o paciente e ao médico, possibilitando assim a
interpretação dos resultados pelo solicitante. Os dados, após serem aprovados e liberados pelo
laboratório, serão utilizados para o laudo do paciente.

No que se refere a liberação dos laudos, isto está relacionada aos laboratórios públicos
de referência, e aos laboratórios de análises clínicas privados. No caso dos laboratórios que
atuam só na área da pesquisa, as amostras biológicas utilizadas têm outro fim.

REQUISITOS PARA O USO DE AMOSTRAS BIOLÓGICAS NA


PESQUISA NO ÂMBITO DA FIOCRUZ

A ética em pesquisa exige que a prática da ciência seja realizada de acordo com
princípios éticos e com este intuito, foram criados os comitês de ética. Estes, como instâncias
de controle social e de caráter regulatório, são responsáveis por avaliar os projetos de pesquisa
que envolvem seres humanos e animais, antes das etapas de execução, visando garantir o
respeito e a prevenção de danos, minimizando os efeitos decorrentes do desenho experimental,
além de dedicar a atenção necessária àqueles que promovam intervenção no meio ambiente.
Desta forma, os comitês de ética são compostos por um colegiado multiprofissional que
desempenham um papel fundamental, contribuindo para que a pesquisa científica seja realizada
conforme a normativa vigente e com absoluto respeito aos princípios, compromissos e
exigências bioéticas e de biossegurança em geral.

Comitê de Ética em Pesquisa

A Fiocruz conta com um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP Fiocruz) que analisa e
avalia projetos de pesquisa que envolvem seres humanos. O objetivo é garantir que as pesquisas
atendam aos fundamentos éticos, científicos e ao cumprimento das Resoluções do Conselho
Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). Além do CEP Fiocruz, algumas unidades da

20
Fundação contam com comitês de ética próprios, com as mesmas responsabilidades e
prerrogativas. As atribuições do CEP consistem em:

1. Revisar todos os protocolos de pesquisa com a responsabilidade pelas decisões sobre a


ética da pesquisa a ser desenvolvida na instituição.

2. Emitir parecer consubstanciado por escrito.

3. Manter a guarda confidencial e o arquivamento do protocolo completo, que ficará à


disposição das autoridades sanitárias.

4. Desempenhar papel consultivo e educativo, fomentando a reflexão em torno da ética na


ciência.

5. Receber dos participantes da pesquisa ou de qualquer parte, denúncias de abusos ou


notificação sobre fatos adversos que possam alterar o curso normal do estudo,
deliberando pela continuidade, modificação ou suspensão da pesquisa, devendo
adequar o termo de consentimento.

6. Manter comunicação regular e permanente com a Comissão Nacional de Ética em


Pesquisa (CONEP/MS).

Um Fórum de Comitês de Ética de Pesquisa da Fiocruz (CEPs) foi instituído em 2011,


vinculado à Vice-Presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas (VPPCB). Considerando a
importância de promover a integração entre os CEPs da Fiocruz, o Fórum é composto pelos
coordenadores de todos os CEPs das Unidades Técnico-Científicas da Fiocruz (ou seus
representantes), dois representantes da VPPCB e dois integrantes do quadro da Fiocruz. Entre
os objetivos deste fórum estão:
− Estabelecer um fórum permanente para discussão e ampliação do conhecimento
sobre os aspectos éticos das pesquisas que envolvem seres humanos;
− Integrar processos e procedimentos dos CEPs, aumentando a eficiência
institucional na avaliação e no acompanhamento de projetos de pesquisa
envolvendo seres humanos;

21
− Criar ambiente de discussão e ampliação do ensino da bioética na Fiocruz.

Comissão de Ética no Uso de Animais

Na Fiocruz existe uma comissão vinculada à Vice-Presidência de Pesquisa Coleções


Biológicas, chamada de Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA), responsável pela
avaliação e qualificação ética de procedimentos experimentais, bem como produtos biológicos
que envolvem o uso de animais de laboratório no âmbito da Fiocruz. Portanto, toda atividade
envolvendo o uso de animais na fundação deverá ser previamente submetida à análise e
aprovação da CEUA/Fiocruz. A apresentação dos projetos à comissão é feita por meio de um
sistema web, denominado WebCeua (url: https://www.ceua.fiocruz.br/ceuaw000.aspx).
Devido a atuação da fundação em diversos estados no país, a mesma conta com mais quatro
Comissões de Ética no Uso de Animais:

• Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz Pernambuco)


• Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz Bahia)
• Instituto Oswaldo Cruz
• Fiocruz Rondônia

A CEUA/Fiocruz funciona por meio do licenciamento de projetos que são apresentados


pelo corpo de profissionais. Sabemos que a ciência envolvendo animais de laboratório é um
processo dinâmico, o que torna necessário a atualização dos projetos aprovados caso se
verifique que algum procedimento não é mais aceito. Por este motivo, as licenças pedidas à
CEUA/Fiocruz podem ter duração de até 4 anos e após o tempo determinado, deverá ser
reapresentada como um novo projeto, mesmo que não haja modificações.
Após a aprovação do protocolo, o documento deve ser assinado por todos os membros
da equipe de pesquisa e entregue à CEUA para então, ter a licença concedida. No caso em que
exista a necessidade de alterações no projeto (ex.: troca de membro da equipe, alteração do
número de animais, inclusão de um procedimento), o proponente deve apresentar um Termo
Aditivo para avaliação. É importante ressaltar que não são concedidos Termos Aditivos para
alterações significativas do projeto, como por exemplo, mudança de objetivos ou alteração de
local de realização, entre outros.

22
Projetos que não necessitam de apreciação ética

Define-se pesquisa envolvendo seres humanos (Resolução 466/12, item II.14), como
“pesquisa que, individual ou coletivamente, tenha como participante o ser humano, em sua
totalidade ou partes dele, e o envolva de forma direta ou indireta, incluindo o manejo de seus
dados, informações ou materiais biológicos”. Deste modo, os projetos de pesquisa que não se
encaixam nas definições expostas acima, ou que já foram executados, não necessitam de
aprovação do CEP da Fiocruz.

Situações em que não compete à CEUA analisar uma proposta

Existem algumas situações em que não é competência da CEUA institucional analisar.


Desta forma, a CEUA não emitirá licenças para propostas que se enquadrem nas seguintes
condições:

1) Projetos de ensino/pesquisa que já foram executados. A CEUA não emite parecer


retroativo sobre protocolos experimentais finalizados e que não foram previamente analisados;

2) Projetos que envolvem o uso de animais invertebrados. Conforme prevê a Lei nº


11.794 de 08 de outubro de 2008, a CEUA analisa projetos relacionados ao uso de animais,
não humanos, pertencentes ao filo Chordata, subfilo Vertebrata.

3) Projetos cuja experimentação animal e eutanásia ocorrerem em outra


instituição. Cada instituição deve constituir CEUA própria para a avaliação de seus projetos
de pesquisa/protocolos de ensino, conforme prevê a Lei nº 11.794 de 08 de outubro de 2008.

OBS: Caso a proposta envolva mais de uma instituição, ela deverá ser aprovada por
ambas as CEUAs, quando devidamente regulamentadas. Não deve ser permitida a pesquisa
com o uso de animais em instituições que não apresentam a CEUA.

23
EXTRAÇÃO DE ÁCIDOS NUCLEICOS E RETROTRANSCRIÇÃO

Conceitos básicos

A descoberta da estrutura de dupla hélice de DNA é atribuída aos contemplados do


prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1962, James Watson, Francis Crick e Maurice
Wilkins. Atualmente, a contribuição fundamental da cientista Rosalind Franklin também é
reconhecida, pois suas descobertas foram simultâneas às dos seus colegas e serviram como
base para os recebedores do prêmio Nobel. Entretanto, outras descobertas foram necessárias
para o avanço do conhecimento em torno da molécula de DNA. Em 1869, um químico
fisiológico suíço, Friedrich
Miescher identificou uma
molécula que batizou de
“nucleína” dentro do núcleo de
linfócitos humanos. Muito tempo
depois, em 1919, o médico e
químico russo Phoebus Levene
propôs a composição das
moléculas de DNA e de RNA por
quatro bases nucleotídicas.

Graças a Levene, sabemos


hoje que o DNA é composto por
uma série de nucleotídeos, que por
sua vez, possuem três
componentes em comum: um
grupamento fosfato, um açúcar (ribose, para RNA, e desoxirribose, para DNA), e uma base
nitrogenada (Figura 1.2.). Essas bases podem ser classificadas em duas categorias baseadas no
número de anéis aromáticos, as purinas (adenina, A, e guanina, G), com dois anéis, e as
pirimidinas (citosina, C, timina, T, e uracila, U), com um anel. Além disso, já está bem
estabelecido que as moléculas de DNA contêm A, G, C e T, enquanto as moléculas de RNA
possuem as mesmas bases, exceto pela T, que é substituída pela U.

24
Figura 1.2. Estrutura dos nucleotídeos. Adaptado do website
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Base_nitrogenada>, acesso em 16 de junho de 2022.

Erwin Chargaff, um bioquímico austríaco, propôs em 1950, um conjunto de três regras


que foi uma peça-chave para a posterior proposta da estrutura de dupla hélice por Watson e
Crick. Chargaff analisou por cromatografia, o DNA de diferentes espécies e constatou que as
bases nitrogenadas não são encontradas em proporções iguais, e que a quantidade de bases
nitrogenadas variava entre as espécies, mas não entre indivíduos da mesma espécie. Por fim,
observou que, interessantemente, a quantidade de A sempre igualava a quantidade de T, e a
quantidade de C sempre igualava a quantidade de G. Logo, ao proporem o modelo de dupla
hélice de DNA, Watson e Crick chegaram à conclusão que existe sempre um pareamento entre
uma purina e uma pirimidina, sendo os pares de base complementares, A - T, e G - C.

A estrutura do DNA não é formada apenas pelo pareamento entre as bases


complementares. Os nucleotídeos se ligam covalentemente entre o grupamento hidroxila do
açúcar desoxirribose de um nucleotídeo e o grupamento fosfato do próximo. Esse arranjo forma
uma cadeia alternada de grupamentos fosfato e açúcar no polímero DNA, conhecida como
esqueleto açúcar-fosfato (Figura 1.3.).

25
Figura 1.3. Estrutura da molécula de DNA. Adaptado de Leslie A. Pray, Ph.D. 2008 Nature
Education.

Em organismos eucariontes e procariontes, o RNA é a molécula responsável por


armazenar a informação hereditária, que deve ser transcrita em RNA e, posteriormente,
expressa em proteínas. De forma distinta, alguns vírus são capazes de conservar a informação
genética em moléculas de RNA. Em 1971, o biólogo David Baltimore classificou a diversidade
genômica dos vírus com base na síntese de RNA mensageiro (mRNA) (Figura 1.4.).

26
Figura 1.4. Classificação de Baltimore. Adaptado do website
<https://www.gratispng.com/png-nplhdc/>, acesso em 20 de abril 2022.

Extração de ácidos nucleicos

A manipulação dos ácidos nucleicos permitiu o avanço dos estudos em biologia


molecular. Na virologia, a obtenção do DNA ou RNA viral possibilita a caracterização dos
vírus, assim como a execução de metodologias que abrangem desde o diagnóstico de viroses
até o desenvolvimento de diversas estratégias de clonagem e protótipos vacinais. Atualmente,
a extração de ácidos nucleicos é realizada seguindo protocolos com reagentes padronizados,
muitos dos quais estão disponíveis em kits comerciais de qualidade controlada.

A partir de amostras biológicas, a extração de DNA ou RNA pode ser realizada em uma
sequência de três etapas, constituída por (1) lise celular, (2) purificação e (3) eluição das
moléculas obtidas. As técnicas comumente usadas em cada etapa citada constam a seguir.

27
1) Lise celular:

A lise celular consiste no rompimento da membrana plasmática para que o ácido


nucleico presente no interior da célula seja externalizado. Essa etapa pode ser baseada em
processos físicos, químicos, enzimáticos ou na combinação entre esses diferentes métodos.

Dentre os métodos físicos, é possível utilizar instrumentos como sonicadores, que


podem ser aplicados em diversos tipos de amostras; homogeneizadores líquidos, ideais para
cultivos celulares e beads, normalmente utilizadas para amostras de mamíferos, vegetais e
microrganismos.

O método químico pode ser baseado no uso de detergentes como o dodecil sulfato de
sódio (SDS), surfactante aniônico que possui uma porção apolar, capaz de interagir com
lipídeos, e uma porção polar, que interage com a água. Ao entrar em contato com os
fosfolipídios presentes na membrana plasmática, esse composto promove a formação de esferas
de moléculas anfipáticas denominadas micelas, resultando na desestruturação da bicamada
lipídica (Figura 1.5.).

Figura 1.5. Ação dos detergentes sobre a membrana plasmática. Adaptado do website
<https://biologia.ifsc.usp.br/biomolcel1/roteiros/extracaoDNA.pdf>, acesso em 16 de junho de
2022.

28
Os sais caotrópicos são agentes desnaturantes, em solução aquosa rompem a rede de
ligações de hidrogênio entre as moléculas de água, aumentando a solubilidade de substâncias
apolares na água. O tiocianato de guanidina e a ureia são exemplos de agentes caotrópicos que
podem ser utilizados ainda na etapa de lise, promovendo a inibição de nucleases e o isolamento
inicial do ácido nucleico para uma extração de alto rendimento.

2) Purificação:

A etapa de purificação consiste em isolar os ácidos nucleicos dos demais componentes


presentes no lisado celular, assim como na lavagem do isolado obtido utilizando etanol ou
soluções comerciais específicas. Dentre os métodos de isolamento, serão abordados o
fenol/clorofórmio, TRIzol, colunas e beads magnéticas.

2.1) Fenol/clorofórmio:

A combinação fenol e clorofórmio solubiliza proteínas e as isolam dos ácidos nucleicos,


moléculas solúveis em água. O lisado celular em contato com esses reagentes precisa ser
inicialmente centrifugado para gerar uma solução trifásica, constituída por fase aquosa superior
(contendo o material genético), interfase e fase proteica inferior (Figura 1.6.). A fase aquosa
deve ser coletada e o ácido nucleico precipitado, normalmente através da utilização de etanol,
para posterior ressuspensão com água ou tampão. A partir dessa metodologia, é recomendado
o uso de fenol com pH básico para a purificação de DNA e fenol com pH ácido para o
isolamento de RNA. Para protocolos de extração simultânea de DNA e RNA de mesma
amostra, o fenol em pH 4,5 - 5,5 promove a separação dos dois tipos de ácidos nucleicos em
fases distintas.

29
Figura 1.6. Isolamento de ácidos nucleicos com fenol e clorofórmio.

2.2) TRIzol:

O TRIzol é uma solução monofásica comumente utilizada para a purificação de RNA.


É composto por tiocianato de guanidina e fenol, que possibilitam respectivamente a inibição e
a solubilização de proteínas. De forma semelhante ao mencionado no tópico 2.1, o lisado
celular em contato com o reagente deve ser centrifugado para a formação de uma solução
trifásica, que terá uma fase superior contendo água e ácidos nucleicos a ser separada. Os
protocolos de extração com TRIzol normalmente incluem etapas com clorofórmio (auxilia na
solubilização de proteínas), isopropanol (promove a precipitação do RNA), etanol (para a
lavagem do ácido nucleico) e solvente (eluição) (Figura 1.7.).

30
Figura 1.7. Isolamento de RNA utilizando TRIzol. Adaptado do website
<https://www.zymoresearch.com/pages/what-is-trizol>, acesso em 16 de junho de 2022.

2.3) Colunas e beads magnéticas:

A utilização de colunas e beads magnéticas para a extração de ácidos nucleicos é uma


estratégia disponível em kits comerciais, com protocolos mais rápidos e que mantêm o alto
rendimento da purificação. As colunas são constituídas por matriz de sílica ou outras resinas
com carga positiva, capazes de reter as moléculas de DNA/RNA naturalmente negativas pela
presença dos grupos fosfato nos nucleotídeos. O lisado celular é inicialmente acrescido de um
tampão de ligação, para que o ácido nucleico seja dissociado da fase aquosa e ligado à resina.
O material é centrifugado dentro das colunas, onde será submetido à solução de lavagem e,
posteriormente, eluido da matriz por um solvente (Figura 1.8.). De forma semelhante, as beads
possuem carga positiva e promovem a retenção do ácido nucleico negativamente carregado. A
separação é feita de forma magnética, com o auxílio de um imã.

31
Figura 1.8. Extração de ácidos nucleicos por colunas.

Para a escolha do método de purificação, deve ser levado em consideração as suas


vantagens e desvantagens (Quadro 1.5.).

Quadro 1.5. Vantagens e desvantagens dos métodos de purificação.

32
3) Eluição:

A etapa de eluição consiste na adição de um solvente para a dispersão e armazenamento


do ácido nucleico em solução. Podem ser utilizados água do tipo I (ultrapura, livre de
nucleases) ou tampões como TE (Tris-HCl e EDTA) e EB (Tris).

Retrotranscrição (RT)

O fluxo de expressão da informação genética foi postulado em 1958 pelo biólogo


Francis Crick, que conceituou os processos de transcrição e tradução de forma unidirecional,
no que ficou conhecido como o dogma central da biologia molecular. Em 1970, os
pesquisadores David Baltimore e Howard Temin publicaram a descoberta da enzima
transcriptase reversa, capaz de catalisar a formação de DNA complementar (cDNA) utilizando
como molde a molécula de RNA (Figura 1.9.). O conhecimento sobre a retrotranscrição
permitiu a reformulação do conceito inicial do dogma central, validando a transcrição
bidirecional em retrovírus, que foram a fonte para o isolamento da enzima e a obtenção de
cDNA in vitro.

Figura 1.9. Dogma central da biologia molecular. O esquema atualizado inclui a transcrição
reversa. Adaptado do website <https://www.blogs.unicamp.br>, acesso em 16 de junho de
2022.

33
A utilização biotecnológica da transcriptase reversa se tornou possível com a obtenção
da sua versão termoestável, capaz de atuar em reações sob condições variáveis de temperatura.
No estudo dos vírus de RNA, a transcrição reversa é fundamental para diversas técnicas
moleculares que demandam a presença de DNA molde, como a PCR e a clonagem.

Os protocolos de retrotranscrição normalmente são divididos em duas reações,


constituídas pelos seguintes componentes:

Reação de pareamento:

● Iniciadores ou primers: São sequências nucleotídicas curtas (oligonucleotídeos) de


fita simples que se anelam ao ácido nucleico molde. Esses iniciadores são
reconhecidos pela transcriptase reversa, que utilizará os nucleotídeos livres
presentes na reação para polimerizar a fita de cDNA. Para se obter bons pares de
iniciadores é necessário se ater à detalhes, como por exemplo, o tamanho dos
mesmos, não podendo ser tão pequenos a ponto de perder a especificidade, nem tão
grandes, de modo a atrapalhar o pareamento (annealing) ao DNA molde.

● dNTPS: São desoxirribonucleotídeos fosfatados contendo as diferentes bases


nitrogenadas (adenina, timina, guanina e citosina), fundamentais para a etapa de
polimerização;

● RNA molde;

● Água livre de nuclease.

De acordo com o cDNA de interesse a ser obtido, podem ser usados os seguintes
iniciadores (Figura 1.10.):

1. OligoDT, capaz de se parear à cauda de poliadenina presente no RNA mensageiro


e nos genomas de alguns vírus de RNA;

2. Gene-específicos, que são complementares à determinada região do gene de


interesse. Esse tipo de iniciador pode ser desenhado de acordo com a necessidade
do usuário;

3. Randômicos, que se anelam em regiões não-específicas do RNA molde.

34
Figura 1.10. Regiões de pareamento dos diferentes tipos de iniciadores. Disponível em
https://toptipbio.com/cdna-synthesis-primers/, acesso em 16 de junho de 2022.

Mix da reação de transcrição reversa:

● Tampão da enzima: Mantém o pH ideal para a reação (geralmente pH 8,3) e contém


o cofator enzimático (MgCl2);

● Ditiotreitol (DTT): Molécula redutora, que evita a oxidação da enzima;

● Inibidor de RNase: Mantém o RNA molde íntegro ao inibir enzimas capazes de


clivá-lo;

● Transcriptase reversa.

A reação de pareamento deve ser incubada, seguindo as informações de tempo e


temperatura fornecidas pelo fabricante e, posteriormente, adicionada à segunda reação para
nova incubação. Como mencionado, a ligação dos primers à fita de RNA permite o
reconhecimento pela transcriptase reversa, que iniciará a extensão. Nessa etapa, o domínio
polimerase da enzima promove a adição de nucleotídeos complementares ao molde para a
polimerização da fita de cDNA (Figura 1.11.).

35
Figura 1.11. Retrotranscrição in vitro. Adaptado de website
<https://slideplayer.com.br/slide/9962176/>, acesso em 16 de junho de 2022.

REAÇÃO EM CADEIA DA POLIMERASE E ELETROFORESE

Breve histórico

A técnica de PCR foi criada em 1987 por Kary Mullis. Desde sua concepção, esta
tecnologia causou uma verdadeira revolução na biologia, tanto na pesquisa visando o
entendimento de processos biológicos fundamentais, como nas áreas aplicadas, envolvendo
diagnósticos e melhoramento genético de plantas e animais domésticos.

Mullis conseguiu especificidade na cópia de segmentos específicos, introduzindo o


conceito de primer de PCR, e na utilização de uma DNA polimerase termoestável. Até então,
a precursora da PCR, descrita por Saiki e colaboradores em 1985, demandava grandes
quantidades de enzima, adicionadas a cada ciclo de amplificação. Além disso, foram
desenvolvidos vários equipamentos para a automatização da adição da enzima após cada ciclo,
todos de custo elevadíssimo (os primeiros “termocicladores”). Mullis utilizou a então recém
descrita Taq DNA polimerase termoestável isolada da bactéria de fontes termais Thermus

36
aquaticus. Esta enzima se mantém estável em temperaturas de até 117ºC, com temperatura
ótima de 72ºC. Estes dois passos tornaram a técnica muito mais fácil de se realizar.

Fundamentos

A reação de PCR se baseia no pareamento e extensão enzimática de um par de


oligonucleotídeos (pequenas moléculas de DNA de fita simples) utilizados como iniciadores
(primers), que delimitam a sequência de DNA de fita dupla alvo da amplificação. Estes
iniciadores são sintetizados artificialmente de maneira que suas sequências de nucleotídeos
sejam complementares às sequências específicas que flanqueiam a região alvo (Figura 1.12.).

Figura 1.12. Passos finais de uma reação de PCR. A figura mostra as duas fitas-mães,
pareadas com as suas fitas-filha complementares, sintetizadas a partir da adição dos
desoxinucleotídeos pela DNA polimerase. Disponível em <https://www.imt.usp.br/wp-
content/uploads/proto/protocolos/aula1.pdf/>, acesso em 14 de junho 2022.

37
Reagentes necessários para a reação

A reação sempre parte de um DNA molde, extraído convenientemente da amostra, ou


de uma amostra de RNA, convertida para cDNA. O ideal é que o ácido nucléico esteja livre de
impurezas (proteínas, lipídeos, outro ácido nucléico, reagentes de extração, etc.) e numa
concentração mínima de 5µg/ml, apesar de quantidades bem menores poderem ser utilizadas.
A seguir estão descritos, detalhadamente, os reagentes utilizados em uma reação de PCR e
exemplificados na figura 1.13.:

1) DNA Polimerase, Buffers (Soluções-Tampão) e MgCl2:

A DNA polimerase escolhida deve sempre operar sob as condições de reação instituídas
e mantidas pelos tampões específicos, além de ser ativada pela presença de um íon metálico
específico, e, obrigatoriamente, deve ser termoestável. A mais utilizada ainda é a Taq DNA
polimerase, porém, em alguns protocolos seu uso é contraindicado.

Esta enzima é classificada como Non-Proofreading (sem atividade exonucleotítica), o


que quer dizer que pode haver alguns erros na sequência do fragmento final, pois enzimas desta
classe percorrem a fita de DNA apenas uma vez, dando chance de que algum erro durante a
duplicação não seja reparado. Além disso, ela ainda adiciona uma adenina extra às
extremidades 3´ do DNA, o que pode dificultar o uso posterior do fragmento amplificado
(inserção em vetores).

Atualmente, o mercado oferece enzimas com concentrações maiores, chegando a cerca


de 2500 U/mL que são extremamente mais processivas, como o caso da Phusion High Fidelity
(Thermo Fisher Scientific) e PrimeStar GXL (Takara-Bio), que chegam a amplificar
fragmentos de até 30 Kb. Além disso, são classificadas como enzimas Proofreading, pois além
de percorrerem a fita mãe no mínimo 2 vezes (a enzima pode percorrer a cadeia tanto no sentido
5’-3’ quanto no 3’-5), possuem atividade exonucleotídica, isto significa que quando um par de
bases incorreto é reconhecido, a DNA polimerase inverte sua direção por um par de bases de
DNA e extirpa a base incompatível.

A solução tampão é responsável pela manutenção do pH da reação durante o processo


de replicação. A composição do tampão é variável de acordo com a enzima utilizada, mas todos
contêm o composto Tris-HCl e sais.

38
Além disso, um reagente de importância crítica, o MgCl2, obrigatoriamente, deve estar
presente. Este íon é um doador muito estável de íons Mg2+, que são cofatores indispensáveis
para atividade da enzima, a desnaturação do DNA, o pareamento dos iniciadores, altera o
rendimento da reação, e a redução do número de erros inseridos no produto sintetizado pela
enzima. Também ajuda na estabilidade da ligação entre o DNA molde, o iniciador e a enzima.
Vale ressaltar que algumas enzimas utilizam outros íons metálicos como cofatores.

2) Deoxinucleotídeos trifosfatados (dNTP) - dATP (desoxiAdenosina Trifosfatada),


dCTP (desoxiCitidina Trifosfatada), dGTP (desoxiGuanosina Trifosfatada), dTTP
(desoxiTimidina Trifosfatada):

Os desoxinucleotídeos são a matéria-prima propriamente dita para a síntese das fitas-


filhas. São compostos por nucleotídeos (ATP, TTP, CTP, GTP) desoxilados no carbono 5´ da
desoxirribose e devem ser adicionados em concentrações iguais na reação. Os dNTPs são
ligados à fita-mãe pela polimerase através da extremidade 3’, numa área delimitada pelos
iniciadores, que são pequenas sequências de DNA (15 a 30 bases) complementares às bordas,
e liberam o fosfato como produto desta reação de adição.

3) Iniciador ou primer ou oligonucleotídeo:

Os iniciadores são sequências de DNA sintético com 15 a 30 nucleotídeos, que são


complementares a regiões altamente conservadas do genoma de interesse. Esses devem ser
compostos por 40 a 60% de bases Guanina e Citosina e não devem ser complementares aos
demais primers empregados na reação. Além da complementaridade, um ponto
importantíssimo da natureza deste reagente é o seu ponto médio de fusão, denominado Tm (Tm
– do inglês: temperature of melting ou melting point), que é a temperatura na qual metade dos
iniciadores está pareada às fitas de DNA e a outra, livre na solução. Ele deve ser levado em
consideração na hora da montagem do par de iniciadores (ou primers) a ser utilizado. Quando
a Tm dos iniciadores possui uma diferença maior que 5 graus, a reação não é recomendada.

39
4) Água deionizada livre de nucleases (DNase e RNase free)

É utilizada para ajustar a concentração final dos componentes da reação, além de


completar o volume final desejado.

5) Ácido Nucleico

Ácido nucleico pode ser o DNA ou cDNA ou RNA extraído da amostra biológica,
diluído em água ultrapura (DNase e RNase free) ou em tampões de eluição em casos de kits
comerciais. O excesso de DNA pode inibir a reação de PCR, enquanto a escassez pode
ocasionar um resultado falso positivo.

Figura 1.13. Representação esquemática dos componentes da reação de PCR.


Especificação dos componentes da reação de PCR, dNTPs (citosina, guanina, adenina e
timina), enzima, primers, íon de magnésio e a amostra (DNA), tampão da enzima e a água
(DNAse e RNAse free). Adaptado de Apostila Curso de Verão Fiocruz, HIV: Aspectos
virológicos e genética do hospedeiro. Edição 2014.

40
Etapas da reação

Após o preparo da reação e adição do DNA molde, esta mistura é incubada em um


termociclador, equipamento que permite a replicação da região-alvo a ser estudada in vitro,
através de repetidos ciclos de tempo associados a temperaturas, de acordo com as seguintes
etapas (Figura 1.14.):

A) Desnaturação: Ao ser aquecido, o DNA dupla fita se desnatura, permitindo que a


dupla fita se separe em duas fitas simples. Esta etapa ocorre em temperaturas elevadas, em
torno de 90 a 95 ºC, que variam de acordo com a enzima utilizada para o processo e com
características específicas da sequência de DNA a ser trabalhada, tal como o conteúdo de
guanina (G) e citosina (C).

B) Pareamento: A redução da temperatura permite que os iniciadores se pareiem com a


região alvo por homologia durante o processo de renaturação do DNA. Esta temperatura é
calculada de acordo com as propriedades do iniciador, tais como: tamanho e composição. A
temperatura desta etapa geralmente varia de 45 a 65 ºC.

C) Extensão: Com a ligação do iniciador, teremos a formação de uma pequena dupla


fita, formada por este e o DNA alvo, a qual será reconhecida pela enzima que se acoplará e
adicionará as bases nitrogenadas contidas na reação de acordo com a complementariedade da
fita molde, sintetizando, assim, novas fitas complementares de DNA. A temperatura desta etapa
varia de acordo com a enzima usada na reação (67 ºC a 72 ºC) e o tempo dessa etapa depende
do tamanho da região a ser amplificada e da capacidade de incorporação da enzima.

41
Figura 1.14. Esquema das etapas do ciclo de PCR. Essa imagem ilustra os processos pelos
quais o DNA molde passa em cada etapa de um ciclo na reação de PCR. A amostra sofre
desnaturação térmica devido à alta temperatura na primeira etapa, seguindo-se a redução da
temperatura permitindo que ocorra a renaturação da fita de DNA, e a ligação desta com os
iniciadores na região alvo. Por último, ocorre a extensão do fragmento, em uma temperatura
maior que a do pareamento e menor que a da desnaturação. Adaptado de Bruces, ALBERTS,
JOHSON, Alexander, LEWIS, Julian, ROBERTS, Keith, WALTER, Peter, and RAFF, Martin.
Biologia Molecular da Célula, 5ª edição. ArtMed, 2011. pág 545.

A quantidade de ciclos varia de acordo com a enzima utilizada e a quantidade do DNA


molde presente na reação, como mencionado na figura acima (Figura 1.15.). Os múltiplos
ciclos resultam no aumento exponencial da quantidade de DNA, como exemplificado na Figura
14, estabelecendo assim uma relação entre a amplificação (A), eficiência da reação (E) e o
número de ciclos (C): A= (1+E) C.

42
Figura 1.15. Gráfico representativo do aumento do número de moléculas de DNA durante
os cinco ciclos iniciais da reação de PCR. Este gráfico representa o aumento exponencial do
número das moléculas de DNA em cada ciclo da reação PCR, em uma reação com 100 % de
eficiência. Adaptado de Apostila Curso de Verão Fiocruz, HIV: Aspectos virológicos e
genética do hospedeiro. Edição 2014.

Diversos fatores podem inibir a reação de PCR, impedindo que seja executada com
sucesso. Dentre eles, podemos citar: o excesso/escassez de DNA; excesso/escassez de algum
dos componentes da reação (enzima, primer, etc.); a presença de proteínas na reação, como
resíduos resultantes do método empregado para purificar o DNA; dentre outros. Por estas
razões, a necessidade de padronização dos componentes da reação é altamente recomendada e
deve ser aplicada na rotina laboratorial.

Análise dos resultados

Após a reação de PCR, a amplificação do fragmento é observada pela análise da


presença ou ausência (qualitativa) de bandas na corrida de uma pequena percentagem da

43
amostra amplificada (produto da reação de PCR) em gel de agarose ou poliacrilamida
submetidos a uma corrente elétrica, processo denominado de eletroforese (Figura 1.16.A).

Então, os fragmentos de DNA migram através da matriz de gel em função da corrente


elétrica empregada, sendo separados de acordo com o tamanho. Um padrão de DNA com
bandas de tamanhos conhecidos, é tipicamente incluído para que o tamanho dos fragmentos
nas amostras da PCR possa ser determinado. Como a molécula de DNA é negativamente
carregada, ela migra em direção ao pólo positivo (Figura 1.16.B).

Para visualização das bandas referentes aos fragmentos de DNA, as mesmas precisam
ser marcadas com intercalantes de DNA (exemplos: gelred, brometo de etidio), e serão
reveladas por meio da incidência de luz UV emitida por um equipamento denominado
transiluminador.

Figura 1.16. Esquema da metodologia de eletroforese. A) Migração dos fragmentos


conforme peso molecular e formação das bandas. B) Visualização das bandas. Disponível em
https://kasvi.com.br/principios-da-tecnica-de-eletroforese/, acessado em 14 de junho de 2022.

Aplicação da técnica de PCR na Virologia

A PCR é amplamente utilizada na detecção e na identificação de patógenos virais. Nas


últimas décadas, esta técnica tem sido amplamente modificada para expandir sua utilidade e

44
versatilidade. A PCR multiplex permite a detecção simultânea de várias sequências alvo pela
incorporação de vários conjuntos de iniciadores (Figura 1.17.).

Figura 1.17. Esquema da composição de iniciadores em uma PCR multiplex que contém
4 alvos de amplificação. Neste caso, o objetivo é a amplificação de quatro variantes virais.
Adaptado de <https://old.abmgood.com/>, acesso em 28 de junho de 2022.

Para aumentar a sensibilidade e a especificidade, uma etapa de dupla amplificação pode


ser feita com iniciadores "aninhados" adequadamente, o que conhecemos como PCR nested
(Figura 1.18.).

45
Figura 1.18. Esquema da PCR nested. Adaptado de <https://old.abmgood.com/>, acesso em
28 de junho de 2022.

Os vírus de RNA podem ser detectados utilizando a RT-PCR em duas reações


diferentes ou utilizando o que conhecemos como OneStep PCR, em que as reações de RT e
PCR ocorrem uma seguida da outra sem a necessidade de manipulação da amostra entre as
reações (Figura 1.19.).

46
Figura 1.19. Esquema representativo da OneStep PCR. Adaptado de
<https://www.genaxxon.com/>, acesso em 28 de junho de 2022.

Com o número crescente de genomas virais disponíveis nos bancos de dados, diversos
genes virais podem servir como alvos de amplificação fundamentais para o desenho de testes
de diagnóstico virológicos. Como resultado, na última década, o número de ensaios de PCR
desenvolvidos comercialmente e em laboratórios de pesquisa teve um crescimento
exponencial. Além de ser uma ferramenta que permite a detecção de vírus, essa detecção pode
ser de um vírus em particular ou de diversos vírus em uma mesma reação (PCR multiplex). A
PCR também é uma ferramenta amplamente utilizada para genotipagem de vírus e detecção de
variantes virais. Existem diversas outras variações da técnica de PCR que podem ser aplicadas
no estudo dos vírus como: PCR digital, PCR Touch Down, entre outras. Nós não iremos discutir
todas as técnicas nesta apostila.

Um avanço significativo na tecnologia de PCR é a PCR quantitativa em tempo real, na


qual a amplificação e a detecção de produtos amplificados são acopladas em um único
recipiente de reação, técnica que discutiremos na próxima seção.

47
REAÇÃO EM CADEIA DA POLIMERASE EM TEMPO REAL

Desenvolvida recentemente, essa variação do PCR (RTqPCR, do inglês Real Time


quantitative Polymerase Chain Reaction) está acoplada a um sistema que permite monitorar a
detecção e o acúmulo da quantidade específica do produto de PCR após cada ciclo da reação
com o emprego de um fluoróforo ou intercalante de DNA quando excitado por um determinado
comprimento de onda. Diversos sistemas foram desenvolvidos para este método, porém os
mais conhecidos e utilizados são: o SYBR green e o TaqMan.

O sistema SYBR green utiliza um fluoróforo que se liga covalentemente entre a fita
dupla de DNA e, com a excitação da luz emitida pelo sistema óptico do termociclador, emite
uma fluorescência verde. As vantagens da utilização desse sistema incluem: baixo custo,
facilidade no uso e sensibilidade. A desvantagem é que a ligação em todo DNA fita dupla que
surge durante a reação, incluindo dímeros dos iniciadores e outros produtos inespecíficos,
podem superestimar a concentração do fragmento alvo. O SYBR green não ligado ao DNA
exibe uma fluorescência muito pequena, que é realçada logo quando a ligação ao DNA
acontece.

O sistema TaqMan é caracterizado por uma sonda ou fragmento de DNA marcado,


utilizado para hibridizar com outra molécula de DNA. Ela detecta sequências específicas nos
fragmentos de DNA amplificados na PCR. Esta sonda apresenta em uma extremidade um
fluoróforo, e na outra extremidade um quencher (molécula que aceita energia do fluoróforo na
forma de luz ou calor). Os produtos da reação são detectados pela fluorescência gerada após a
atividade exonuclease 5’->3’ da Taq DNA polimerase.

Durante a PCR em tempo real, a sonda TaqMan hibriza com a sequência de fita simples
de DNA complementar alvo para amplificação. No processo de amplificação, a sonda Taqman
é degradada devido a atividade exonuclease da Taq DNA polimerase, separando o quencher da
molécula fluorescente durante a extensão. A separação do quencher resulta em um aumento da
intensidade da fluorescência. Assim, durante o processo de amplificação, a emissão de luz é
aumentada de forma exponencial. Esse aumento da fluorescência só ocorre quando a sonda
hibridiza e a amplificação da sequência alvo é estabelecida. Baseada nessa característica, esse
sistema tem como sua principal vantagem a sensibilidade e especificidade, no entanto, é mais
caro. Abaixo segue o fluxograma dos sistemas SYBR green e TaqMan (Figura 1.20.):
48
Figura 1.20. Comparação no fluxo de trabalho do sistema SYBR green e TaqMan.
Adaptada de <https://www.smobio.com/faq-real-time-pcr>, acesso em 14 de junho de 2022.

Ensaios de quantificação

Para calcular os resultados dos seus ensaios de quantificação, podem ser usadas duas
metodologias: a quantificação absoluta e a relativa.

O ensaio de quantificação absoluta é utilizado para quantificar amostras desconhecidas


interpolando suas quantidades a partir de uma curva padrão, que possui quantidades conhecidas
daquela determinada amostra. Um exemplo de sua utilização é quando o número de cópias
virais é correlacionado com um estado de uma doença. É de interesse para o pesquisador saber
o número exato de cópias do RNA alvo em uma determinada amostra biológica para monitorar
o progresso da doença.

Já o ensaio de quantificação relativa é utilizado para analisar alterações na expressão


gênica em uma determinada amostra relativa à outra amostra de referência (tal como uma

49
amostra controle não tratada). Nesse caso, genes de referência são utilizados para calibração
da reação, como GAPDH, β-actina e EF1-α.

Aplicações da técnica de RT-qPCR na virologia.

O método de qPCR é utilizado frequentemente como uma ferramenta de diagnóstico de


microrganismos patogênicos. Este método, apresenta uma acurácia na detecção do gene alvo,
e a principal vantagem é o fornecimento de resultados quantitativos, o que permite a
determinação da carga viral em uma dada amostra. Isto é muito importante para o
monitoramento de infecções virais.

No que se refere aos ensaios de diagnóstico rápido dos vírus, a RT-qPCR possui
vantagens e desvantagens. Uma das grandes vantagens é a possibilidade de tornar esse método
em uma metodologia altamente específica ao se utilizar sondas de hidrólise ou hibridização
que sejam específicas para uma sequência alvo. Além disso, esse é um ensaio que produz
resultados quantitativos ao longo de algumas horas. Uma outra vantagem é a capacidade de
analisar diversas amostras simultaneamente, dado que a técnica normalmente funciona em um
formato de ensaio que comporta uma placa de 96 poços. Assim, é altamente viável a realização
de testes simultâneos, o que configura um alto rendimento da técnica, principalmente em
situações em que testes de alto volume são vitais, como por exemplo, durante períodos
epidêmicos ou pandêmicos. No entanto, embora a técnica ofereça resultados relativamente
rápidos, existe uma preparação prévia da amostra que demanda tempo e possui um custo
adicional. Ademais, é necessário um equipamento próprio para a reação de RT-qPCR, o que
configura desvantagem do método. Nos últimos dois anos, durante a pandemia de SARS-CoV-
2, vimos a importância de um método de diagnóstico específico e ágil. Isso porque, no caso de
doenças com alto potencial de disseminação, quanto mais precoce for o diagnóstico, melhor é
o prognóstico do paciente e mais rapidamente são adotadas as medidas de controle de
disseminação da doença na comunidade.

Na pesquisa científica, a adoção do método quantitativo de PCR pode ser uma boa
alternativa para determinar a carga viral em experimentos que envolvem a infecção
experimental in vitro e in vivo.

50
A aplicação em diagnósticos como a detecção de patógenos ou doenças torna-se
interessante, uma vez que esta técnica permite a quantificação e rapidez no resultado, pois não
mais requer a detecção em gel de eletroforese, necessário na análise do PCR convencional.

SEQUENCIAMENTO GENÔMICO

Sequenciar um fragmento de DNA significa que é possível conhecer a sequência em


que as quatro bases nucleotídicas (adenina, guanina, citosina e timina) ocorrem dentro de uma
determinada molécula de ácido nucleico. Por que é importante conhecer a sequência genômica
de um organismo? Como mencionado na introdução deste capítulo, conhecer a sequência
genômica dos vírus nos permite determinar a organização dos genes virais, e a composição das
proteínas virais. Além disso, podemos extrair a partir da sequência genômica informações que
tem a ver com processamento e regulação dos genes e das proteínas virais. Também podemos
obter informações relacionadas á replicação viral patogênese, tropismo celular, etc.

Por outro lado, conhecer o genoma viral também nos permite entender as vias e rotas
de transmissão viral, estes dados são de suma importância na hora de realizar a vigilância
epidemiológica das viroses, e principalmente na prevenção e controle de surtos e epidemias
(Figura 1.21.).

O conhecimento da evolução molecular de um vírus também pode contribuir para novos


métodos de diagnóstico, formulação de novos medicamentos para tratamentos mais eficazes
contra as doenças por ele causada, assim como no desenvolvimento de vacinas.

51
Figura 1.21. Dispersão do SARS-CoV-2 rastreado com base na informação genômica
obtida através de sequenciamento. Retirado do website <nextstrain.org>, acesso em 26 de
maio 2022.

Sequenciamento pelo método de Sanger

Na década de 1950, enquanto os avanços do conhecimento da estrutura de DNA


ocorriam, Frederik Sanger se empenhava para determinar a sequência de aminoácidos das duas
cadeias da insulina bovina. A sua metodologia consistia em três etapas fundamentais:
fragmentar a insulina em cadeias menores por meio de hidrólise; marcar o aminoácido em
posição terminar com dinitrofluorbenzeno (FDNB); fracionar os fragmentos, primeiro usando
eletroforese e, em seguida, utilizando-se cromatografia de partição.
A partir deste método, foi possível constatar que o tamanho dos fragmentos de
aminoácidos dependia do tempo de reação da hidrólise, permitindo que se obtivesse fragmentos
de diferentes tamanhos. Conhecendo a extremidade de cada um desses fragmentos, devido à
marcação pelo FDNB, foi possível sobrepô-los e elucidar a sequência de aminoácidos, pela sua
identificação química, de cada um dos fragmentos da insulina. Sanger recebeu um Prêmio
Nobel por esta descoberta, revelando que as proteínas não são estruturas amorfas e possuem
uma identidade química única e bem definida.

52
Em 1962, Sanger foi convidado para atuar no Laboratório de Biologia Molecular da
Universidade de Cambridge, onde ele viria a desenvolver o método de sequenciamento de DNA
em 1977. Este método se baseia na estrutura do DNA que discutimos na subseção anterior,
onde o DNA é formado pelas ligações entre as bases nitrogenadas, mas que seu arcabouço é
formado por ligações entre o grupamento hidroxila de uma desoxirribose com o grupamento
fosfato do nucleotídeo seguinte. Portanto, a presença da hidroxila na posição 3’ da
desoxirribose é que permite a adição, por meio de ligações fosfodiéster, de novos nucleotídeos
à fita de DNA. Este trabalho gerou um segundo Prêmio Nobel para Sanger em 1980.
A inovação apresentada por Sanger consiste na adição de um nucleotídeo marcado
radioativamente, e modificado para interromper a adição de novos nucleotídeos, ou seja, a
elongação da fita de DNA. A modificação corresponde à retirada do grupamento hidroxila da
desoxirribose, formando um di-desoxirribonucleotídeo trifosfatado (ddNTP). A utilização de
um determinado ddNTP em uma reação de polimerização de DNA, implicaria na geração de
fitas filhas de todos os tamanhos possíveis. Através da técnica de eletroforese em gel, seria
possível inferir a ordem correta das bases nitrogenadas presentes na fita de DNA.

53
Originalmente, o sequenciamento de Sanger era realizado em quatro etapas (Figura
1.22.):

1. Desnaturação: o DNA molde que será sequenciado precisa deixar de estar em


conformação de dupla fita. Portanto, as ligações de hidrogênio presentes entre as bases
nitrogenadas eram quebradas através da adição de um ácido ou uma base, gerando fitas
simples de DNA (ssDNA – do inglês: single strand DNA).

2. Elongação: o ssDNA era adicionado à quatro tubos diferentes (um para cada base, a, C,
G, T), contendo primers, DNA polimerase, dNTPs de todas as bases e ddNTP
radiomarcado de uma determinada base.

3. Eletroforese: após a reação de polimerização, realizava-se uma eletroforese em gel de


poliacrilamida, contendo em cada lane a reação de uma base, ou seja, a reação na qual
foi adicionado o ddNTP correspondente. Portanto, o gel teria quatro lanes, um para cada
uma das reações contendo ddATP, ddGTP, ddCTP ou ddTTP. Sendo assim, era
possível observar no gel os diferentes fragmentos, interrompidos em diferentes posições
pelos ddNTPs, separadamente. Ao final da área do gel, o analito era recolocado em um
novo gel para que a separação pudesse continuar ou, de maneira análoga, uma nova
reação era realizada, iniciando o sequenciamento a partir de onde o anterior havia
parado.

4. Análise da sequência: após a separação pela eletroforese, realizava-se uma


autorradiografia que permitia a visualização e leitura de cada um dos fragmentos. Uma
vez que a eletroforese separa fragmentos por tamanho, o menor fragmento, ou seja, o
que está mais perto do final da área da autorradiografia, corresponde ao começo da fita,
enquanto o maior, ao final.

54
Figura 1.22. Representação esquemática da metodologia de sequenciamento de DNA
por Sanger. Adaptado de Menck, 2017.

Automação do método de Sanger

A análise do sequenciamento pelo método descrito acima, é um processo longo e


propenso a erros humanos. Desde então, algumas melhorias foram acrescentadas ao método
para aumento de robustez e velocidade. Essas alterações incluem o uso de ddNTPs marcados
com fluoróforos diferentes para cada base, o que permite que o DNA seja analisado em apenas
um tubo de reação, ao invés de quatro.

55
Além disso, a eletroforese para análise dos fragmentos é realizada em capilares, uma
melhoria introduzida por Jorgensen, ainda na década de 1980. Esse método consiste na
utilização de um detector de laser posicionado ao final do capilar, permitindo captar sinais
fluorescentes emitidos pelos ddNTPs conjugados à fluoróforos. O capilar é construído com
sílica de alta pureza, o que reduz o calor produzido a níveis insignificantes, permitindo uma
maior velocidade de separação, além do processo ser completamente automatizado (Figura
1.23.).

Atualmente, o sequenciamento de DNA pelo método de Sanger é realizado de forma


automatizada e o método anterior caiu em desuso. As etapas do sequenciamento permaneceram
as mesmas: desnaturação, elongação, eletroforese e análise dos fragmentos de DNA.
Entretanto, o emprego da PCR, da Taq DNA polimerase e da eletroforese capilar com arranjo
de diodos e cubetas de fluxo permitiu o sequenciamento genético em paralelo de múltiplos
analitos centenas de vezes maiores que aquele analisado por Sanger, incluindo o genoma
humano inteiro.

Figura 1.23. Esquema da metodologia automatizada do sequenciamento de Sanger.


Adaptado de <www.magazinescience.com/en/biology/automated-dna-sequencing>, acesso em
16 de junho de 2022.

56
Sequenciamento de nova geração (NGS)

O método de Sanger é altamente eficiente, gerando sequência de alta qualidade para


trechos relativamente longos. Este método é amplamente utilizado para determinar a sequência
de produtos amplificados por PCR ou RT-PCR, e plasmídeos bacterianos, sendo o padrão ouro
para esses fins. Porém, o método se torna dispendioso para projetos de larga escala, como obter
sequências de um genoma inteiro ou de metagenoma (determinação da “população” de
genomas de uma determinada amostra viral). Além disso, a sensibilidade do sequenciamento
de Sanger o torna ineficiente para algumas aplicações: como para alelos mutantes de baixo
nível ou para análise de regiões altamente polimórficas (que é o caso do MHC/HLA). Portanto,
se fizeram necessárias inovações nas metodologias de sequenciamento nucleotídico.

Em 2005, a primeira plataforma de sequenciamento de alta vazão (NGS – do inglês:


Next-Generation Sequencing), foi introduzida no mercado pela 454 Life Sciences. A principal
inovação permite que o sequenciamento de um fragmento de DNA seja realizado sem a
necessidade de amplificação por clonagem em vetores bacterianos. Na metodologia de NGS, o
DNA a ser sequenciado também é fragmentado, entretanto a reação de sequenciamento difere
da detecção de fluoróforos e do uso de dNTPs modificado, da metodologia de Sanger.

A metodologia apresentada pela 454 Life Sciences foi adquirida pela Roche e se baseia
na medida da síntese de pirofosfato, o subproduto da reação de ligação entre um nucleotídeo e
o outro. Portanto, quando o grupamento fosfato se liga à hidroxila do desoxirribonucleotídeo
seguinte, há liberação de um pirofosfato, sendo sua detecção diretamente proporcional à síntese
da fita de DNA. Esta metodologia consiste em uma PCR em emulsão de moléculas únicas dos
fragmentos de DNA, seguida da reação de pirosequenciamento (Figura 1.24.). A reação
emprega a ATP sulfurilase, para converter o pirofosfato resultante da elongação da fita de DNA
em ATP. A molécula de ATP é utilizada como substrato para a enzima quimioluminescente
luciferase, que emite luz proporcionalmente, portanto, à síntese de pirofosfato. A determinação
da sequência é feita ao adicionar um dNTP por vez na reação, com lavagens entre cada reação.

57
Figura 1.24. Esquema da reação de pirosequenciamento. Neste esquema, as moléculas de
DNA estão sendo amplificadas de forma clonal no PCR de emulsão. A ligação aos adaptadores
nas microesferas, que possuem primers específicos, seguida da PCR produz uma biblioteca de
DNA. Essa é a base conceitual do sequenciamento NGS apresentado pelas plataformas 454 e
Ion Torrent. Adaptado de Heather & Chain. Genomics, 2016.

Posteriormente, surgiram outras tecnologias de NGS, que se baseiam na detecção da


fluorescência de terminadores de elongação reversíveis. A tecnologia de sequenciamento por
síntese pode ser realizada em paralelo para um grande número de amostras de DNA. Os
fragmentos de DNA são ligados a adaptadores imobilizados em uma superfície. Dessa forma,
as etapas de elongação ocorrem de maneira agrupada em um ponto específico da superfície.
Cada nucleotídeo é marcado com um fluoróforo e quando o nucleotídeo é incorporado à fita de
DNA imobilizada, a fluorescência emitida é detectada por uma câmera CCD. O fluoróforo
ligado no nucleotídeo terminador é removido e um novo ciclo se inicia para determinar a
próxima base na sequência de DNA (Figura 1.25.). O processamento paralelo permite que uma
molécula possa ser sequenciada individualmente, e ter a sua proporção estimada no total das
sequências obtidas. As principais diferentes plataformas que empregam o sequenciamento por
síntese são: 454 (Roche), NextSeq, MiSeq, MiniSeq, iSeq (Illumina), SOLiD System (Applied
Biosystems), Ion torrent (Thermo Fisher Scientific) e MinIon (Oxford Nanopore
Technologies).

58
Figura 1.25. Etapas do sequenciamento por síntese (Illumina). Os fragmentos de DNA são
ligados aos adaptadores complementares aos que estão imobilizados na superfície sólida da
célula de sequenciamento. O DNA é, então, amplificado formando agrupamentos (clusters),
em seguida, a reação de sequenciamento ocorre. A cada adição de nucleotídeo, um fluoróforo
emite luz que é registrada por um detector, gerando as sequências curtas (reads), que serão
alinhadas, formando sequências maiores (contigs), que serão utilizados para a montagem da
sequência de interesse. Confeccionado no site BioRender <https://app.biorender.com/>.

59
Apesar da amplificação de DNA ter revolucionado as metodologias de sequenciamento
até então, em algumas circunstâncias, ela pode introduzir erros de nucleotídeos, favorecer
algumas sequências em detrimento de outras, ou ainda, gerar um viés quantitativo, alterando a
relação de frequência e abundância de fragmentos de DNA existentes antes da amplificação e
após a amplificação.

Desta forma, o princípio básico da terceira geração de sequenciadores de alto


rendimento baseia-se na ausência da necessidade de amplificação prévia da amostra, podendo
detectar a sequência de DNA diretamente de uma única molécula. Entre estas tecnologias
destacam-se principalmente: a Heliscope, o SMRT da Pacific-Bioscience e o Oxford Nanopore,
que utilizam desde polimerases modificadas imobilizadas em uma superfície até nanoporos que
detectam variações de corrente elétrica, ou ainda, a liberação de íons resultantes do processo
de polimerização da molécula nascente, como na tecnologia Ion. Contudo, a metodologia Ion
ainda utiliza bibliotecas enriquecidas, não sendo sequenciamento de moléculas únicas.

A tecnologia desenvolvida pela Pacific Biosciences (PacBio), single-molecule, real-


time (SMRT) sequencing, o DNA fragmentado é ligado a adaptadores em grampo (hairpin),
formando uma sequência topologicamente circular, chamada de SMRTbell. Após esta etapa, o
SMRTbell é adicionado à uma célula contendo uma DNA polimerase, e os dNTPs marcados
com fluoróforos são adicionados para iniciar a reação. A luz emitida pelo fluoróforo é detectado
por uma câmera, que captura o comprimento de onda e a posição relativa da base incorporada
ao DNA nascente. Esta metodologia gera um read mais longo, diminuindo os erros e
ambiguidades durante a montagem dos contigs e da sequência alvo de DNA (Figura 1.26.A).

A plataforma oferecida pela Oxford Nanopore os fragmentos de DNA são longos, e


ligados a adaptadores conjugados com uma proteína motora em uma ou nas duas extremidades.
Esse DNA ligado é adicionado a uma célula de sequenciamento contendo milhares de
nanoporos imobilizados em uma membrana sintética. Os adaptadores direcionam o DNA para
os nanoporos e as proteínas motoras iniciam o desenovelamento do DNA de dupla fita. O DNA
é uma molécula naturalmente carregada negativamente, portanto, aplica-se uma corrente
elétrica, que favorece a passagem do DNA pelo poro sob ação da proteína motora, em uma
velocidade de 450 bases por segundo. Enquanto o DNA atravessa o poro, ocorrem interrupções
na corrente elétrica que são características e permitem a identificação da sequência de DNA
(Figura 1.26.B).

60
Figura 1.26. Metodologias de sequenciamento de terceira geração. (A) Pacific Biosciences.
(B) Oxford Nanopore Technologies. Adaptado de Logsdon, e colaboradores (2020).

61
As metodologias de sequenciamento NGS de DNA estão sendo cada vez mais
empregadas, revolucionando a pesquisa biológica em áreas como a genética, genômica,
biotecnologia e medicina. Existe, portanto, um aumento na qualidade dos dados gerados, assim
como no tamanho de sequências (reads), contando ainda com uma diminuição na quantidade
inicial de amostra necessária. As mudanças que ocorrem neste campo são rápidas e inovadoras,
resultando em técnicas de sequenciamento mais robustas e acuradas, além de gerar uma grande
quantidade de dados com uma alta velocidade.

Diante disso, há uma necessidade de desenvolvimento de novas metodologias para


análises de dados, concentradas principalmente na área da bioinformática, que vem se tornando
o grande desafio dos últimos anos. Assim, desde a descoberta da estrutura da molécula de DNA
em 1953, o constante desenvolvimento das técnicas moleculares vem construindo marcos
científicos para a evolução do sequenciamento de DNA, desde a metodologia de Sanger (1977)
até os sequenciadores de segunda geração (2005), ou mais recentemente, e ainda em constante
desenvolvimento, os sequenciadores de terceira geração (2010).

Aplicações das técnicas de sequenciamento genômico em Virologia

As informações genômicas completas de vírus patogênicos que estejam circulando em


uma população é fundamental para o controle eficaz das doenças virais. Isso porque a
habilidade dos vírus se adaptarem ao ambiente, infectar diferentes espécies, desenvolver
resistência a drogas antivirais e evadir a imunidade adquirida através da vacinação pode estar
associada a mutações que se acumulam ao longo da evolução viral. Assim, o sequenciamento
do genoma dos vírus permite a detecção exata da sequência nucleotídica do genoma viral e
contribui para a compreensão das doenças virais, especialmente em termos de diversidade
genética, evolução, patogenicidade, virulência e desenvolvimento de protótipos vacinais. Além
disso, é uma ferramenta muito importante para a identificação de vírus em circulação, bem
como no rastreamento de relações ancestrais, sendo possível inferir suas origens, além de
possibilitar a descoberta de novos vírus.

A partir do sequenciamento genômico dos vírus é possível realizar análises


filogenéticas. Um múltiplo alinhamento de sequências genômicas virais pode ser usado na
construção de uma árvore filogenética, que descreve a relação evolutiva entre os vírus que estão
sendo estudados. De uma maneira geral, à medida que os vírus evoluem, as mutações em seus
62
genomas são acumuladas ao longo do tempo e, as diferenças na sequência nucleotídica entre
genomas virais, indicam o quão recentemente esses genomas compartilham um ancestral
comum. Em outras palavras, genomas virais que divergiam em um passado recente possuem
menos diferenças nucleotídicas em comparação com genomas virais cujo ancestral comum é
mais antigo.

INTRODUÇÃO À VIGILÂNCIA GENÔMICA DE VÍRUS

Os vírus emergentes e reemergentes podem ter um impacto direto na saúde pública,


acarretando gastos econômicos e sociais muitas vezes imensuráveis, como aconteceu na
epidemia do vírus Zika no Brasil em 2015. Neste sentido, é relevante a identificação rápida do
vírus, para implantar as medidas de saúde públicas necessárias para o controle da doença.
Historicamente, as sequências do genoma viral têm sido cada vez mais usadas para inferir
genótipos ou análises de linhagens virais durante surtos e epidemias. O que se utilizava até
poucos anos atrás era a obtenção de sequências parciais do genoma, através do sequenciamento
pelo método de Sanger, para caracterizar a fonte de infecção, cepas epidêmicas e padrões de
disseminação. Hoje em dia, utiliza-se o termo “vigilância genômica em tempo real”, o que se
refere ao sequenciamento do material genético de patógenos, análise e comparação das
similaridades e diferenças genéticas, identificando, desta forma, alterações ligadas às origens
ou características de uma doença. Além disso, a informação genômica dos vírus, assim como
de outros patógenos, combinada com outras fontes de dados, como informações geográficas,
detecção em esgotos, etc, pode ajudar na implantação estratégica de medidas de saúde pública
para uma população específica, o que se conhece hoje como “saúde pública de precisão'', ou
para uma região.

Os vírus com genoma de RNA (influenza, SARS-CoV-2, rotavírus, entre outros)


acumulam continuamente mutações em seu genoma. À medida que o genoma viral adquire
essas alterações de nucleotídeos, os pesquisadores podem combinar análises genômicas
inovadoras com ferramentas epidemiológicas mais tradicionais para permitir a caracterização
fenotípica e imunológica de novas variantes virais, o que pode oferecer informação sobre o
potencial infeccioso e patológico. A atual pandemia de COVID-19 demostrou claramente a
importância de criar redes de colaboração nacionais, regionais e mundiais que permitam o

63
acesso rápido à informação de sequências virais. Desta forma, a rota de transmissão do vírus
pode ser rapidamente elucidada, o que permite à adoção de medidas de controle e prevenção
eficazes.

Neste sentido, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) tem realizado um esforço nacional
de pesquisa a partir da criação da Rede Genômica Fiocruz em março de 2020
(http://www.genomahcov.fiocruz.br/), contribuindo de maneira significativa para codificar o
genoma do SARS-CoV-2 e acompanhar suas linhagens e mutações genéticas. Especialistas de
todas as unidades da Fiocruz no país e de institutos parceiros se empenham diariamente em
gerar dados mais robustos sobre a evolução do vírus e contribuir para um melhor preparo do
país no enfrentamento da pandemia em termos de diagnóstico mais precisos e vacinas eficazes.
A rede inclui o Laboratório de Referência Nacional em vírus respiratórios junto ao Ministério
da Saúde e de referência para a Organização Mundial da Saúde em Covid-19 nas Américas,
atuando ativamente na vigilância genômica do SARS-CoV-2 (Figura 27). Além disso, a Rede
participa da iniciativa internacional de acesso aberto às informações sobre genomas de vírus
influenza e coronavírus, o GISAID (https://www.gisaid.org/), sendo um dos grupos curadores
da iniciativa na América do Sul.

A iniciativa GISAID promove o compartilhamento rápido de dados de todos os vírus


da gripe e do SARS-CoV-2, incluindo informações sobre as sequências genéticas, dados
clínicos e epidemiológicos relacionados a vírus humanos. Além disso, também inclui dados
geográficos e específicos de espécies associados a vírus de aves e outros animais. Estas
informações são utilizadas por pesquisadores de todo o mundo que estudam como os vírus
evoluem e se espalham durante epidemias e pandemias. A iniciativa garante que o acesso aberto
aos dados no GISAID seja fornecido gratuitamente a todos os indivíduos que concordaram em
se identificar e concordaram em manter o mecanismo de compartilhamento do GISAID,
promovendo a colaboração entre pesquisadores com base no compartilhamento aberto de dados
e no respeito a todos os direitos e interesses.

64
Figura 1.27. Polos de sequenciamento da Rede Genômica Fiocruz. Disponível em
http://www.genomahcov.fiocruz.br/a-rede/, acesso em 20 de junho 2022.

Apesar de sua utilidade, a vigilância genômica apresenta desafios para muitas agências
de saúde pública no mundo. A montagem e análise de dados genômicos requer uma
infraestrutura computacional avançada e analistas treinados em disciplinas que, historicamente,
não fazem parte da saúde pública, incluindo bioinformática, biologia computacional e ciência
de dados. Isso significa que a capacidade dos órgãos de saúde pública de analisar e interpretar
dados genômicos dentro de um contexto epidemiológico, muitas vezes, fica além da capacidade
laboratorial de realização do sequenciamento. É importante que países como o Brasil, onde
diversas epidemias de vírus emergentes e reemergentes têm acontecido nas últimas décadas, o
investimento na saúde pública considere a melhora no sistema de vigilância nacional de
patógenos, assim como a capacidade de diagnóstico.

Por último, embora a vigilância epidemiológica de vírus humanos seja importante, o


monitoramento de vírus zoonóticos também é fundamental. Sabemos hoje que a transmissão
entre espécies desempenha um papel crucial no surgimento de doenças virais. De fato, a

65
maioria dos vírus emergentes são zoonóticos, isto significa que podem ser transmitidos para os
humanos a partir de outros animais. Os animais selvagens, como mamíferos, aves, gado e
animais domésticos, são hospedeiros de muitos patógenos, e atuam como reservatórios de
vírus, que podem se propagar sem causar doenças. Entretanto, ocasionalmente, esses vírus
podem infectar outras espécies, incluindo o homem. Quando ocorre um salto de espécie, por
exemplo, quando o vírus é transmitido passa do animal selvagem para humano, acontece o que
chamamos de transmissão zoonótica. Este tipo de transmissão pode acarretar sérios impactos
econômicos e na saúde humana, como fomos testemunhas recentemente da pandemia de
SARS-CoV-2. Portanto, mais uma vez, a importância da vigilância epidemiológica de vírus se
torna uma ferramenta essencial na prevenção e combate da transmissão viral zoonótica.

REFERÊNCIAS CAPÍTULO 1

Abramson, RD. (1995) Thermostable DNA Polymerases. In: PCR Strategies by Innis
M.A., Gelfand D.H.; Sninsky J.J. 1 ed. San Diego: Academic Press. Cap. 4; 39- 57.

Aires, CAM, et al. (2015) Biossegurança em transporte de material biológico no âmbito


nacional: um guia breve. Rev Pan-Amaz Saude, Ananindeua, v. 6, n. 2, p. 73-81, jun.
Disponível em <http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-
62232015000200010&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 18 de junho de 2022.

Ali, N, et al. (2017) Current Nucleic Acid Extraction Methods and Their Implications to
Point-of-Care Diagnostics. Biomed Res Int. 9306564. doi: 10.1155/2017/9306564. Epub 2017
Jul 12. PMID: 28785592; PMCID: PMC5529626.

Marco Antonio F. da Costa e Maria de Fátima Barrozo da Costa. Biossegurança de OGM:


uma visão integrada. Rio de Janeiro: Publit, 2009.

Paulo Roberto de Carvalho. Boas práticas químicas em biossegurança. 2.Ed. Rio de


Janeiro: Interciência, 2013.

Cadernos de estudos avançados. v.3, n.1, 2006 - Rio de Janeiro: Instituto Oswaldo Cruz.

Cassedy, A, et al. (2021) Virus Detection: A Review of the Current and Emerging
Molecular and Immunological Methods. Front Mol Biosci. Apr 20;8:637559. doi:
10.3389/fmolb.2021.637559. PMID: 33959631; PMCID: PMC8093571.
66
Castan, E. Extração de DNA e RNA - aula prática. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=Un2C6iTSrgk&t=616s>, acesso em 16 de junho de
2022.

Chomczynski, P; Sacchi, N. (2006) The single-step method of RNA isolation by acid


guanidinium thiocyanate-phenol-chloroform extraction: twenty-something years on. Nat
Protoc. 1(2):581-5. doi: 10.1038/nprot.2006.83. PMID: 17406285.

Eidne, KA; Faccenda, E. (1996) The polymerase chain reaction. In: Molecular and Cellular
Genetics (Principles of Medical Biology) by Bittar E.E. & Bittar N. Burlington:
Elsevier.Cap.13, Vol.5, 271-288.

Erlich, H; Bronson SR. (1993) How to Optimize, Modify, and/or Troubleshoot PCR
Reactions. Clinical Immunology. 13(12); 163-166

Gestão da qualidade laboratorial. – 1.Ed. Comissão de Análises Clínicas do Conselho


Federal de Farmácia, 2011.

Heather, JM; Chain, B. (2016). The sequence of sequencers: The history of sequencing
DNA. Genomics, 107(1), 1–8.http://doi.org/10.1016/j.ygeno.2015.11.003.

Houghton, SG; Cockerill, FR. Real-time PCR: overview and applications. Surgical
Research Review. Volume 139, Issue 1, P1-5, Jan 01, 2006.

Hoy, MA. (2003) Amplification by the Polymerase Chain Reaction: Molecular Biology
Made Accessible. In: Insect Molecular Genetics by Hoy M.A. 2. ed. Burlington: Academic
Press, Cap.8, 206-253.

Santos, NSO, et al. Introdução à Virologia Humana. 2.Ed. 2008.

Kim, WK, et al. (2021) Genomic Epidemiology and Active Surveillance to Investigate
Outbreaks of Hantaviruses. Front Cell Infect Microbiol. Jan 8;10:532388. doi:
10.3389/fcimb.2020.532388. PMID: 33489927; PMCID: PMC7819890.

Kinganda-Lusamaki, E, et al. (2021) Integration of genomic sequencing into the response


to the Ebola virus outbreak in Nord Kivu, Democratic Republic of the Congo. Nat Med 27,
710–716. doi: 10.1038/s41591-021-01302-z.

Kolmodin, LA; Birch DE. (2002) Polymerase Chain Reaction: Other Parameters for
Successful PCR. In: PCR Cloning Protocols (Methods in Molecular Biology) by Chen B. &
Janes H.W. 2. ed. New Jersey: Humana Press, Cap.1, 9-10

67
Manual de Biossegurança - Laboratório Central de Saúde Pública do Espírito Santo
(LACEN/ES). 2019.

Manual de segurança biológica em laboratório/ Organização Mundial da Saúde (OMS) –


3.Ed. 2004.

Manual de procedimentos técnicos para coleta, acondicionamento e transporte de amostras


biológicas. – Revisão 03. Laboratório Central de Saúde Pública do Espírito Santo
(LACEN/ES). 2014.

Manual de procedimentos técnicos para coleta, acondicionamento e transporte de amostras


biológicas. – 3.Ed. Laboratório Central de Saúde Pública de Santa Catarina (LACEN/SC).
2017.

Manual de coleta, acondicionamento e transporte de amostras para exames laboratoriais.


Oorganizado por Elza Gadelha Lima., et al. – 2.Ed. Fortaleza: SESA, 2013.

Menck, CF. Genética Molecular Básica: dos genes aos genomas, 1ª Ed. Rio de Janeiro –
RJ: Gen, 2017.

Mullis, KB; Faloona, FA. (1987) Specific synthesis of DNA in vitro via a polymerase-
catalyzed chain reaction. Methods Enzymol. 155:335-50. doi: 10.1016/0076-6879(87)55023-
6. PMID: 3431465.

Logsdon, GA, et al. (2020) Long-read human genome sequencing and its applications. Nat
Rev Genet 21, 597–614. doi: 10.1038/s41576-020-0236-x.

Portal da Fundacao Oswaldo Cruz - Ética e pesquisa. Disponível em


<https://portal.fiocruz.br/etica-em-pesquisa>, acesso em 23 de junho de 2022.

Pray, L. (2008) Discovery of DNA structure and function: Watson and Crick. Nature
Education 1(1):100.

Robishaw JD, et al. (2021) Genomic surveillance to combat COVID-19: challenges and
opportunities. Lancet Microbe. Sep;2(9):e481-e484. doi: 10.1016/S2666-5247(21)00121-X.
Epub 2021 Jul 27. PMID: 34337584; PMCID: PMC8315763.

Saiki, RK, et al. (1985) Enzymatic amplification of beta-globin genomic sequences and
restriction site analysis for diagnosis of sickle cell anemia. Science. Dec 20;230(4732):1350-
4. doi: 10.1126/science.2999980. PMID: 2999980.

68
Slatko, BE., et al. (2018) Overview of Next-Generation Sequencing Technologies. Current
Protocols in Molecular Biology. n. 122, v. 59.

Tan, S.C.; Yiap, B.C. (2009) DNA, RNA, and protein extraction: the past and the present.
J Biomed Biotechnol. 574398. doi: 10.1155/2009/574398. Erratum in: J Biomed Biotechnol.
2013;2013:628968. PMID: 20011662; PMCID: PMC2789530.

Tipu, HN; Shabbir, A. (2015) Evolution of DNA sequencing. Journal of the College of
Physicians and Surgeon. n. 25, p. 210-215.

Valones, MAA., et al. (2009) Principles and applications of polymerase chain reaction in
medical diagnostic fields: a review. Brazilian Journal of Microbiology. v. 40, n. 1.

Virus taxonomy: classification and nomenclature of viruses: Online Report of the


International Committee on Taxonomy of Viruses. (2017-2020) Editor in Chief: Lefkowitz E.J.
(2017-2019), Eds: Davison A.J., Siddell S., Simmonds P. http://ictv.global/report.

Wilson, RK, et al. (1990) Development of an automated procedure for fluorescent DNA
sequencing. Genomics 6 :626–636.

Yang, S; Rothman RE. (2004) PCR-based diagnostics for infectious diseases: uses,
limitations, and future applications in acute-care settings. Lancet Infect Dis. Jun;4(6):337-48.
doi: 10.1016/S1473-3099(04)01044-8. PMID: 15172342; PMCID: PMC7106425.

69
70
Índice de figuras – capítulo 2
Figura 2.1. Desenho esquemático de uma bactéria com seu DNA cromossômico e plasmídeos
que se replicam de maneira independente. .............................................................................. 76
Figura 2.2. Plasmídeo pBR322. ............................................................................................... 78
Figura 2.3. Esquema da clonagem molecular. ......................................................................... 80

Figura 2.4. Nomenclatura da enzima de restrição EcoRI...........................................................82


Figura 2.5. Tipos de clivagens realizadas pelas enzimas de restrição. .................................... 83
Figura 2.6. Esquema das etapas para a construção de plasmídeo recombinante. .................... 84

Figura 2.7. Determinação da massa de inserto para reação de ligação.......................................85


Figura 2.8. Microscopia óptica evidenciando efeito citopático em células Vero. ................... 88
Figura 2.9. Antígenos em vacinas. ........................................................................................... 89
Figura 2.10. Componentes das vacinas. ................................................................................... 90
Figura 2.11. Formação de dímeros de pirimidina (amarelo) sob radiação UV........................ 92
Figura 2.12. Atenuação de vírus humanos em células não-humanas. ..................................... 93
Figura 2.13. Representacao do processo de produção da vacina contra o vírus da febre amarela.
.................................................................................................................................................. 95
Figura 2.14. Esquema de produção da vacina contra a Hepatite B.......................................... 96
Figura 2.15. Esquema de produção da vacina para HPV. ........................................................ 98
Figura 2.16. Estratégia da vacina de DNA. ............................................................................. 99
Figura 2.17. Terapia gênica com vetores virais. .................................................................... 100
Figura 2.18. Produção da vacina AstraZeneca....................................................................... 101
Figura 2.19. Processo de fusão entre nanopartículas lipídicas e endossoma. ........................ 103
Figura 2.20. Moléculas de uridina e N1-metilpseudouridina. ............................................... 104
Figura 2.21. Regiões de inserção de epítopos heterológos. ................................................... 107

71
Índice de quadros – capítulo 2
Quadro 2.1. Tipos de enzimas de restrição. ............................................................................. 82
Quadro 2.2. Referências da expressão de proteínas heterólogas entre E e NS1 de diversos
patógenos. .............................................................................................................................. 109

72
SUMÁRIO CAPÍTULO 2

CAPÍTULO 2 - MANIPULANDO O GENOMA VIRAL ......................................................74


CLONAGEM EM VETORES PLASMIDIAIS.......................................................................76
Vetores plasmidiais................................................................................................................. 77
Etapas da clonagem molecular.................................................................................................79
ENZIMAS DE RESTRIÇÃO E LIGAÇÃO IN VITRO........................................................... 81
Ligação in vitro........................................................................................................................ 85
TRANSCRIÇÃO IN VITRO E TRANSFECÇÃO................................................................... 86
VACINAS VIRAIS.................................................................................................................. 89
Tipos de vacinas virais............................................................................................................. 91
CONSTRUÇÃO E VALIDAÇÃO DE UMA PLATAFORMA VACINAL......................... 105
REFERÊNCIAS CAPÍTULO 2............................................................................................. 111

73
CAPÍTULO 2 - MANIPULANDO O GENOMA VIRAL

Neste capítulo serão abordadas as etapas realizadas a partir da compreensão do genoma


viral. No capítulo anterior discutimos sobre a obtenção de uma amostra potencialmente
infectada com vírus, como se faz a extração dos ácidos nucleicos, a retrotranscrição no caso de
vírus com genoma de RNA, a amplificação do DNA e o sequenciamento genômico, entre
outros assuntos. Neste capítulo, discutiremos sobre algumas metodologias utilizadas para a
manipulação do genoma viral como: recombinação genética, a qual consiste em um processo,
por meio do qual elementos genéticos inseridos em dois genomas são ligados, formando uma
unidade; clonagem, apresentando protocolos que utilizam plasmídeos como vetores de
clonagem. Além disso, estudaremos as enzimas de restrição e suas funções, bem como
discutiremos o processo de transcrição in vitro. Após a abordagem conceitual em relação às
abordagens utilizadas na manipulação do genoma viral, serão apresentados os tipos de vacinas
virais, e alguns conceitos e exemplos importantes relacionados ao desenvolvimento de
plataformas vacinais.

Ao final desse capítulo, será possível compreender, com maior clareza, como a
manipulação do genoma viral pode contribuir para o entendimento da replicação viral, de
fatores genéticos que possam estar relacionados à patogênese ou infectividade dos vírus, à
resposta imune e evolução viral. Além disso, teremos discutido diferentes abordagens de
desenvolvimento de vacinas a partir da obtenção de vírus sintéticos atenuados, ou a partir da
clonagem e expressão de genes imunogênicos em sistemas bacterianos.

Antes de começar discutindo as técnicas de biologia molecular comumente utilizadas


na manipulação dos genomas virais, vale a pena mencionar resumidamente os requisitos para
trabalhar com organismos geneticamente modificados (OGM) dentro da Fiocruz. Todos os
laboratórios que desejem desenvolver atividades e projetos relacionados a OGM e derivados
deverão requerer o Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB) à Comissão Interna de
Biossegurança (CIBio) da Fiocruz. Este certificado será expedido pela Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio), sempre e quando sejam atendidas todas as normas de
segurança e demais exigências estabelecidas pela CTNBio. Além disso, será levado em
consideração:

- A competência da equipe que desenvolverá o projeto;

74
- A infraestrutura laboratorial exigida para os trabalhos com OGM.

Após o recebimento do pedido do CQB, a Secretaria Executiva da CTNBio deverá:

- Manifestar-se sobre a documentação oferecida (prazo de até 30 dias), solicitando


informações complementares que forem necessárias;

- Ocorrendo a necessidade de apresentação de esclarecimentos, o pesquisador principal


deverá encaminhá-los, por meio da CIBio (prazo máximo de 90 dias);

- Atendidas as exigências e, quando necessário, realizada a vistoria, a CTNBio decidirá


sobre a expedição do CQB (prazo máximo de 120 dias).

Importante ressaltar que o pesquisador principal deve comunicar à CIBio sempre que
for necessário alterar qualquer componente do seu projeto quando essas alterações modificarem
as condições aprovadas na emissão do CQB. Por sua vez, a CIBio deverá requerer a extensão
do CQB junto à CTNBio. Exemplo de modificações vinculadas ao projeto que devem ser
comunicadas:

- Ampliação das instalações descritas no CQB;

- Alteração de classificação do risco de OGM e seus derivados, em decorrência de uma


nova atividade.

A CIBio, para cumprimento da Resolução Normativa no 1, de 20/06/06 (url:


http://www.ctnbio.gov.br/index.php/content/view/3486.html), realizará inspeções prévias nas
áreas onde serão manipulados OGMs. Além disso, a CTNBio, juntamente com os órgãos de
fiscalização dos ministérios, realizará vistorias anuais na Instituição, podendo revogar o CQB
previamente concedido caso o resultado da vistoria não seja satisfatório.

75
CLONAGEM EM VETORES PLASMIDIAIS

Nesse bloco iremos abordar uma técnica que ficou muito conhecida na biologia
molecular e tem um princípio muito parecido com a PCR, no entanto, aqui utilizamos uma
célula para aumentar a quantidade de um fragmento alvo de DNA. Conhecida como
"Tecnologia do DNA recombinante" e popularmente por "Engenharia genética" e "Clonagem".
Entende-se por DNA recombinante, todo o DNA composto por segmentos de diferente origem
e ligados entre si, podendo esta origem ser de duas espécies diferentes (DNA natural) ou a
combinação de uma espécie (DNA natural) com DNA sintético.

Um dos principais objetivos nos trabalhos com DNA recombinante é obter muitas
cópias de um determinado gene de interesse. Para isso produzem-se bactérias ou leveduras
transgênicas que contêm o gene desejado, deixando-as depois multiplicarem-se, o que nos
permite obter grandes quantidades dos genes pretendidos (Figura 2.1.). Uma célula ou
organismo transgênico contém DNA estrangeiro, isto é, DNA sintético ou de outro organismo,
integrado no seu próprio material genético.

Figura 2.1. Desenho esquemático de uma bactéria com seu DNA cromossômico e
plasmídeos que se replicam de maneira independente. Adaptado de Apostila Engenharia
Genética - Clonagem de DNAs em Bactérias (Módulo I), ACÇÃO FOCO – 1999, Universidade
de Évora.

76
Para clonar um fragmento de DNA (ex. um gene, ou domínio de uma proteína), o
mesmo é inserido num elemento genético auto-replicante o que conhecemos como vetor de
clonagem. Estes vetores apresentam algumas características gerais, como:

− Possuir locais de reconhecimento para enzimas de restrição (sítios de restrição


para enzimas específicas);
− Permitir replicação de DNA exógeno;
− Ser de fácil isolamento;
− Ter pequenas dimensões;
− Permitir a multiplicação do DNA de interesse, juntamente com o DNA do vetor,
produzindo um número elevado de cópias do DNA alvo.

Existem seis tipos de vetor de clonagem: plasmídeos, fagos, cosmídeos, PAC (do
inglês: P1 Artificial Chromossome), YAC (do inglês: Yeast Artificial Chromossome) e BAC
(do inglês: Bacterial Artificial Chromossome). Nesta apostila iremos focar nos vetores
plasmidiais que são os utilizados na rotina de trabalho e pesquisa do Laboratório de Biologia
Molecular de Flavivírus.

Vetores plasmidiais

Os plasmídeos são pequenos segmentos de DNA circular dupla fita com replicação
independente, presentes em bactérias. As mesmas possuem além do DNA plasmidial, o
cromossômico (bacteriano). Sua replicação é feita pela maquinaria que realiza a replicação do
DNA cromossômico, à mesma velocidade ou a uma velocidade superior (o que provoca um
número elevado de cópias do plasmídeo na bactéria).

Os vetores de clonagem mais simples e os mais utilizados na clonagem de genes, são


os baseados em pequenos plasmídeos bacterianos. Há um vasto número de vetores plasmidiais
diferentes disponíveis com a E. coli e que se podem obter em fornecedores comerciais. Estes
plasmídeos apresentam a vantagem de combinar a facilidade de purificação com outras
propriedades desejáveis, tais como uma alta eficiência de transformação, indicadores
selecionáveis convenientes para transformantes e recombinantes e a capacidade de clonar
porções relativamente grandes de DNA (até 8 Kb). A maioria das experiências de clonagem de
77
genes de "rotina" utilizam um destes vectores plasmidiais, sendo um dos mais utilizados o
pBR322 (Figura 2.2.), que foi um dos primeiros a ser desenvolvido. Atualmente utilizam-se
também outros que derivam dele, tais como o pBR327, o pUC8 e o pGEM3Z.

Os plasmídeos possuem 4 sítios essenciais:

1. Uma origem de replicação (designada “ori” nas bactérias): essencial para a sua
replicação e transmissão para a descendência;
2. Uma marca genética de seleção: características únicas que permitam que sejam
selecionados por uma característica específica (genes de resistência a antibióticos);
3. Um sítio de clonagem múltipla (MCS – do inglês: Multiple Cloning Site): trata-se de
sítio que contém as sequências reconhecidas pelas enzimas de restrição.
Normalmente um sítio para cada enzima, para que esta possa “cortar e abrir” o
plasmídeo e neste espaço possa ser colocado o “inserto”.
4. Promotor: Controla o primeiro estágio de expressão génica à ligação da RNA-
polimerase ao DNA.

Figura 2.2. Plasmídeo pBR322. pBR322 apresentando sua origem de replicação e genes de
resistência para ampicilina e tetraciclina. Além disso, as enzimas de restrição foram destacadas

78
em azul. Disponível no website >https://en.wikipedia.org/wiki/PBR322/>, acesso em 14 de
junho de 2022.

Etapas da clonagem molecular

A clonagem do DNA tem como etapas básicas:

a) Cortar e abrir o plasmídeo e "inserir" o gene. Esse processo baseia-se em


enzimas de restrição (que cortam o DNA) e na DNA ligase (que une/cola o DNA).

Antes da realização desse “corte e cola”, o gene de interesse deve ser obtido. Para isso
enzimas de restrição ou PCR são utilizados; após a digestão tanto do plasmídeo, quanto do
gene alvo com as enzimas de restrição escolhidas, a DNA ligase une os fragmentos através de
ligações fosfodiéster, gerando um plasmídeo recombinante contendo o gene;

b) Inserir o plasmídeo na bactéria. Os plasmídeos e outros DNA podem ser


introduzidos nas bactérias, num processo chamado transformação. A transformação pode ser
feita de duas maneiras: 1) Quimicamente: aqui as bactérias são submetidas a uma incubação
com gelo e imediatamente colocadas a uma temperatura de 42 ºC, dessa forma, a parede celular
das bactérias fica mais permeável, facilitando a entrada dos plasmídeos. 2) Eletroporação:
bactérias são submetidas a um choque elétrico, o que faz com que sua permeabilidade aumente
e os plasmídeos entrem.

c) Plaqueamento. Um plasmídeo geralmente tem um gene de resistência aos


antibióticos, que permite que as bactérias sobrevivam na presença de um antibiótico específico.
Assim, as bactérias portadoras de plasmídeo podem ser selecionadas em placas com nutrientes
contendo o antibiótico. As bactérias sem plasmídeo morrerão, enquanto bactérias portadoras
de plasmídeo podem viver e reproduzir-se. Cada bactéria sobrevivente dará origem a um grupo
pequeno, como um ponto, ou colônia, de bactérias idênticas em que todas carregam o mesmo
plasmídeo que são chamadas de clones.

d) Triagem dos clones. Uma forma inicial de triagem se dá pela presença do antibiótico
na placa de petri onde as bactérias foram cultivadas. Somente crescerão aquelas que possuírem
o plasmídeo, pois o mesmo possui o gene de resistência para o antibiótico em questão. No
entanto, nem toda as colônias irão necessariamente conter o plasmídeo completo. Isso acontece
porque, durante uma ligação, fragmentos de DNA nem sempre ficam "colados" exatamente da
79
maneira que queremos. Dessa maneira, os clones que crescerem nas placas podem ser triados
por digestão com enzimas de restrição, enzimas estas que estarão presentes no plasmídeo, ou
por PCR, através da amplificação de um fragmento do gene inserido.

e) Aumento de massa plasmidial. Uma vez que encontramos uma colônia de bactérias
com o plasmídeo certo, podemos cultivar uma grande cultura de bactérias portadoras do
plasmídeo para aumentar a massa plasmidial.

Abaixo está um desenho esquemático das etapas da clonagem molecular (Figura 2.3.):

Figura 2.3. Esquema da clonagem molecular. Adaptado de


<https://pt.khanacademy.org/science/biology/biotech-dna-technology/dna-cloning-
tutorial/a/bacterial-transformation-selection/>, acesso em 14 de junho de 2022.

80
ENZIMAS DE RESTRIÇÃO E LIGAÇÃO IN VITRO

As enzimas de restrição são endonucleases capazes de clivar as ligações fosfodiéster


presentes no DNA. Foram descritas pelos pesquisadores Werner Arber, Daniel Nathan e
Hamilton Smith, ganhadores do prêmio Nobel em Medicina ou Fisiologia (1978) pela
descoberta do sistema de Restrição Modificação (RM). O sistema RM é um mecanismo de
defesa bacteriano contra DNAs exógenos, muitas vezes provenientes de bacteriófagos. Esse
fenômeno ocorre em duas etapas principais, sendo a primeira baseada na metilação do DNA
procarionte e a segunda na clivagem do DNA viral pelas enzimas de restrição. As reações
podem ser catalisadas por uma enzima, contendo os domínios metilase e endonuclease, ou por
duas enzimas distintas para cada função.

Diversas enzimas de restrição já foram isoladas e são nomeadas de acordo com o


gênero, espécie e estirpe da bactéria de origem, assim como a ordem de descoberta (Figura

81
2.4.). São classificadas em três tipos, tendo como um dos principais critérios o sítio de clivagem
(Quadro 2.1.). As endonucleases do tipo II são frequentemente utilizadas na engenharia
genética, já que promovem a hidrólise dentro da região de reconhecimento e não necessitam
de ATP, apenas do cofator enzimático (Mg2+).

Figura 2.4. Nomenclatura da enzima de restrição EcoRI.

Quadro 2.1. Tipos de enzimas de restrição.

*Os exemplos apresentam o nome da enzima de restrição e seu respectivo local de clivagem.

*nts – Nucleotídeos.

82
É possível caracterizar as endonucleases em ambíguas ou não-ambíguas de acordo com
os sítios de reconhecimento no DNA. As enzimas de restrição ambíguas reconhecem apenas
uma sequência de nucleotídeos, enquanto as não-ambíguas reconhecem sequências variáveis.

Exemplos:

Ambígua: HinfI – Reconhece sequências de cinco pares de bases com início GA e final
TC (GANTC, sendo N variável);

Não-ambígua: BamHI – Reconhece apenas a sequência GGATCC.

Outra caracterização dessas enzimas é feita através do tipo de clivagem, podendo ser
abrupta, quando ocorre no eixo de simetria do sítio de restrição e gera extremidades
abruptas/cegas, ou coesiva, onde a hidrólise é realizada ao redor do eixo de simetria da
sequência e gera extremidades coesivas/pegajosas (Figura 2.5.).

Figura 2.5. Tipos de clivagens realizadas pelas enzimas de restrição. Disponível em


<https://slideplayer.com.br/slide/376140/>, acesso em 15 de junho de 2022.

A tecnologia do DNA recombinante é a combinação de sequências de DNA


provenientes de duas ou mais fontes. Normalmente, está relacionada com a ligação do inserto
de interesse ao vetor plasmidial para a técnica de clonagem molecular, como abordado
anteriormente no tópico ‘’clonagem em vetores plasmidiais’’. A descoberta das enzimas de
restrição tornou esse método possível, permitindo a obtenção de extremidades pareáveis entre

83
genes-alvo e vetor a partir de hidrólises realizadas com uma mesma enzima (Figura 2.6.). Na
virologia, o DNA recombinante é amplamente utilizado, como para estudos de genes virais e
desenvolvimento de vacinas.

Figura 2.6. Esquema das etapas para a construção de plasmídeo recombinante.


Adaptado de: <https://pt.khanacademy.org/science/ap-biology/gene-expression-and-
regulation/biotechnology/a/overview-dna-cloning>, acesso em 29 de junho de 2022.

Os componentes das reações de digestão (clivagem por enzimas de restrição) incluem:

• DNA molde;
• Água livre de nucleases;
• Tampão da enzima (contendo o cofator);
• Enzima de restrição.

O tempo de incubação é variável, sendo importante seguir o protocolo do fabricante. A


temperatura usada é em torno de 37°C e comumente inativa-se a reação à 65°C por 15 minutos.
Para confirmar a hidrólise, o produto da digestão pode ser submetido à eletroforese em gel de
agarose.
84
Ligação in vitro

A ligação entre sequências nucleotídicas é a etapa que procede às reações de digestão.


No caso da clonagem molecular, as extremidades do inserto e do vetor geradas pela clivagem
da enzima de restrição precisam ser pareadas e unidas. Essa união é possível através das DNA
ligases, enzimas capazes de formar ligações fosfodiéster entre os terminais 5’ e 3’ das
sequências de DNA utilizando ATP ou NAD+. Em 1967, os pesquisadores Weiss e Richardson
isolaram a molécula através do extrato de Escherichia coli infectada por fagos e descreveram
a sua função no reparo aos danos de DNA.

Na engenharia genética, a DNA ligase mais utilizada é a de bacteriófago T4 (T4 DNA


ligase). Os protocolos para a reação de ligação em plasmídeos incluem os seguintes reagentes:

• Vetor;
• Inserto;
• Água livre de nuclease;
• Tampão da enzima;
• T4 DNA ligase.

É recomendado seguir o tempo e as temperaturas de incubação e inativação informadas


pelo fabricante.

Um fator importante para determinar as massas de vetor e inserto a serem utilizadas é


o tamanho dos fragmentos. Como o plasmídeo tende a ser maior que o DNA a ser inserido, a
probabilidade de ligação do inserto é baixa e sua proporção deve ser maior (razões inserto:vetor
a partir de 2:1). O cálculo de ligação consta na figura 2.7.

Figura 2.7. Determinação da massa de inserto para reação de ligação.

85
Exemplo:

a) Massa do vetor: 100 ng;


b) Tamanho do inserto: 0,5 kb;
c) Tamanho do vetor: 3 kb;
d) Razão inserto/vetor: 3:1.

(100 x 0,5) / 3 x 3/1 = 50 ng de inserto

TRANSCRIÇÃO IN VITRO E TRANSFECÇÃO

Depois das clonagens e ligação in vitro, somos capazes de gerar um cDNA viral que é
o molde para a geração de vírus sintéticos, no entanto, flavivírus, que são alvos dos estudos
desenvolvidos no Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus, possuem como material
genético RNA, sendo assim, para obtenção dos mesmos, deve-se transformar o cDNA em
RNA, essa etapa é denominada transcrição in vitro.

A transcrição é uma reação catalisada pelas polimerases tendo como molde uma fita de
DNA. O processo é iniciado quando a RNA polimerase liga-se a uma sequência especial de
DNA denominada promotor. Nessa sequência de bases, existe uma região específica chamada
sítio de iniciação, que contém a primeira base do DNA a ser transcrita em RNA (chamada de
+1). A partir desse ponto, a polimerase move-se ao longo do molde, sintetizando RNA, até
alcançar em uma sequência de terminação da transcrição.

Ao contrário das DNA polimerases, as polimerases do RNA são capazes de iniciar a


transcrição sem a necessidade de um iniciador. Os procariontes possuem apenas um tipo de
RNA polimerase, enquanto os eucariontes possuem três. As polimerases do RNA são, em geral,
moléculas complexas formadas por múltiplas cadeias polipeptídicas e têm massa ao redor de
500 mil kDa.

A caracterização da primeira RNA polimerase foi feita em 1982, a partir da polimerase


SP6 de um bacteriófago. Dois anos depois, em 1984, foi então caracterizada a utilização dessa
enzima para produção de RNA in vitro. De lá para cá foram descritos outros promotores, como
T7, T3 que são alvos de comercialização através dos Kits de transcrição in vitro.

86
De maneira geral, para a obtenção de um RNA em quantidades ideais para trabalho, são
necessários alguns ingredientes:

1) DNA molde. DNA plasmidial linearizado e produtos PCR que contêm um sítio
promotor para uma polimerase de RNA. Além disso, de maneira geral, qualquer DNA com um
sítio promotor, que é puro o suficiente para ser facilmente digerido com enzimas de restrição,
pode ser usado para transcrição in vitro;

2) NTP/CAP. São os nucleotídeos (adenina, uracila, citosina e guanina) que serão


adicionados pela RNA polimerase ao longo do prolongamento da cadeia. O Cap é uma base
modificada, 7-metilguanosina, que é adicionada à extremidade 5’ do RNA. O Cap confere
maior estabilidade à molécula de RNA, pois protege-a da ação de fosfatases e nucleases. Além
disso, aumenta a chance desse RNA ser capturado pelos sistemas eucarióticos de tradução,
levando a uma maior produção de proteínas;

3) Tampão da reação. Utilizado para manter o pH e condições ideais para atividade


da enzima;

4) RNA polimerase.

Após a realização da transcrição, se faz necessária a conferência do resultado através


de um gel de agarose.

Para regeneração de vírus sintéticos, esse RNA gerado é então introduzido nas células,
que serão suscetíveis aos vírus, permitindo sua replicação. O RNA viral é introduzido nas
células através de uma metodologia denominada transfecção. A mesma pode ser realizada de
algumas maneiras, no entanto, iremos focar nas duas principais:

- Por meio de choque elétrico (eletroporação), mesmo princípio utilizado na


transformação em bactérias. O choque faz com que a membrana plasmática fique mais sensível,
aumentando sua permeabilidade e permitindo a entrada dos ácidos nucleicos.

- Por meio de lipídios ou lipossomos, onde é utilizada a lipofectamina, reagente que


permite a formação de lipídios catiônicos, formando lipossomos que contêm DNA ou RNA
para entrega. Esses lipossomos se fundem com a membrana celular e liberam ácido nucleico
na célula.

87
Após a transfecção, as células devem ser observadas por alguns dias, até a confirmação
da presença viral. Em células Vero, que são células de rim de macaco, comumente utilizadas
no estudo de diversos vírus, é possível observar um efeito causado pela infecção, denominado
efeito citopático (CPE – do inglês: Cytopathic effect). Esse efeito é caracterizado por uma
grande quantidade de células mortas, levando a espaços na monocamada e formação de ninhos
de infecção (Figura 2.8.).

Figura 2.8. Microscopia óptica evidenciando efeito citopático em células Vero. As setas
brancas marcam onde se observou CPE após infecção pelo vírus Zika RioU1 e o vírus sintético
IC. RioU1. Adaptado de de Mello, IS e colaboradores (2021).

A comprovação da recuperação viral pode ser feita através de um PCR direcionado à


uma região conhecida do genoma viral. Para isso é necessário transformar esse RNA em cDNA,
utilizando a reação de RT. Após a obtenção do cDNA, o mesmo será utilizado como molde
para síntese da segunda fita de DNA, que será, portanto, complementar ao cDNA. Por essa
reação ser altamente específica e sensível, ela pode detectar cópias de RNA que se encontram
em baixas concentrações.

88
VACINAS VIRAIS

As vacinas são preparações biológicas capazes de fornecer imunidade adquirida ao


hospedeiro frente a um patógeno. A resposta imune à vacinação é denominada ativa por gerar
memória imunológica, fenômeno que permite o reconhecimento do agente infeccioso anos
após o encontro inicial. A manutenção desse processo ocorre pela ação de linfócitos T e B,
células que respondem rapidamente aos casos de infecções subsequentes.

A composição vacinal normalmente requer outros ingredientes além do agente


imunogênico, denominado antígeno (Figura 2.9.). Dentre esses constituintes, podem estar
inclusos adjuvantes, que melhoram a resposta imunológica à vacina tornando-a mais rápida,
forte e duradoura (ex.: alumínio); conservantes, para que não ocorra a contaminação do produto
após a sua abertura (ex.: 2-fenoxietanol); estabilizadores, que previnem a ocorrência de reações
químicas (ex.: albumina recombinante humana) e diluentes, utilizados para a diluição de
vacinas antes de seu uso (ex.: água esterilizada). As vacinas ainda podem conter vestígios
residuais, que são ingredientes inativos e surgem a partir das substâncias utilizadas durante o
processo de fabricação, assim como surfactantes, responsáveis por manter os componentes
misturados (Figura 2.10.).

Figura 2.9. Antígenos em vacinas. Adaptado do website <https://www.who.int/>, acesso em


16 de junho de 2022.

89
Figura 2.10. Componentes das vacinas. Adaptado do website <https://www.who.int/>,
acesso em 16 de junho de 2022.

No século XVIII, o médico franco-inglês Edward Jenner observou que indivíduos que
ordenhavam vacas eram imunes à varíola humana, doença que na época era responsável por
um grande número de óbitos na Inglaterra. Com o intuito de testar sua hipótese, Jenner
promoveu a transferência do pus de varíola bovina de Sarah Nelmes para um indivíduo
saudável chamado James Phipps. Posteriormente, James foi infectado com as partículas de
varíola humana e contraiu levemente a doença. Esse processo de imunização ficou conhecido
como ‘’variolação’’. Em 1885, o cientista francês Louis Pasteur desenvolveu a vacina
antirrábica e introduziu o termo ‘’vacinação’’ em homenagem à Jenner. A varíola humana foi
erradicada em 1980 após uma campanha de vacinação global estabelecida pela Organização
Mundial da Saúde (OMS), onde a fonte da vacina utilizada foi o vírus Vaccinia, relacionado
ao vírus da varíola bovina.

90
Tipos de vacinas virais

Existem diversas tecnologias de vacinas antivirais sendo desenvolvidas e muitas


autorizadas para a imunização da população. São comumente divididas em três gerações,
compostas por vacinas produzidas com o vírus inteiro, inativado ou atenuado (1° geração);
vacinas que apresentam apenas proteínas ou peptídeos virais (2° geração); vacinas produzidas
a partir de sequências do genoma dos vírus (3° geração). A seguir, serão abordadas as
tecnologias de vírus inativados e atenuados, subunidade recombinante, virus-like particle
(VLP), vacinas de DNA, vetores virais e mRNA.

1. Vírus inativado

As vacinas de vírus inativados consistem na entrega de partículas virais que foram


previamente submetidas a processos físicos ou químicos que eliminam a sua infectividade, mas
mantêm a sua propriedade antigênica.

Dentre os processos físicos, podem ser citados os tratamentos com raios gama (γ) ou
ultravioleta (UV). A radiação UV é dividida em três categorias, sendo (i) UV-A (320 a 400
nm), (ii) UV-B (280 a 320 nm) e (iii) UV-C (200 a 280 nm). Para a inativação de vírus, é
utilizada a radiação UV-C no comprimento de onda de 254 nm, que permite a formação de
dímeros entre as pirimidinas (citosina, timina ou uracila) adjacentes do genoma viral (Figura
2.11.). Esse fenômeno afeta a estrutura do ácido nucleico, inibindo a capacidade replicativa e
transcricional do vírus.

91
Figura 2.11. Formação de dímeros de pirimidina (amarelo) sob radiação UV. Disponível
no website <http://romeo.if.usp.br/~browngon/04/fotorreativacao.html>, acesso em 16 de
junho de 2022.

Os métodos químicos comumente utilizados na inativação dos vírus são baseados em


formaldeído ou beta-propiolactona. O formaldeído é um composto de baixo peso molecular e
tamanho, capaz de passar pelas membranas das células onde o vírus é cultivado e pelo capsídeo
viral. Seu mecanismo de ação é amplo, podendo interagir com os ácidos nucleicos resultando
em adutos (adição de grupos químicos) de N-hidroximetil nas bases nitrogenadas (guanina,
citosina e adenina). Além disso, é capaz de induzir bases de Schiff (condensação de aldeídos
com aminas primárias) gerando ligações cruzadas DNA-DNA e DNA-proteínas. Esses
fenômenos afetam o genoma do vírus e induzem inativação proteica. A beta-propiolactona
geralmente causa efeitos maiores em vírus envelopados, passando pela membrana por
gradiente de difusão. Esse reagente gera a alquilação irreversível das bases nitrogenadas do
genoma viral.

Após o cultivo do vírus e a sua inativação, os vírions (partículas virais completas fora
da célula) são purificados para que sejam utilizados como imunizantes na composição vacinal.

92
A purificação pode envolver técnicas como a filtração, diálise, precipitação, ultracentrifugação
e cromatografia. Exemplos de vacinas de vírus inativados oferecidas gratuitamente no Brasil
pelo Sistema Único de Saúde (SUS) são contra o vírus Influenza, a poliomielite (SALK) e a
hepatite A.

2. Vírus atenuado

As estratégias de atenuação viral são amplas e consistem em reduzir a virulência do


patógeno sem afetar a expressão dos antígenos, permitindo a manutenção de uma resposta
imunológica eficiente. Para isso, o vírus precisa passar por técnicas que induzem mutações
pontuais para comprometer sua patogenicidade, fazendo com que se replique de forma mais
lenta. Alguns métodos são a propagação dos vírus em diferentes culturas celulares ou em
diferentes temperaturas fisiológicas, deleção ou mutação de genes e desotimização de códons
(Figura 2.12.).

Figura 2.12. Atenuação de vírus humanos em células não-humanas. Adaptado de Flint, J.,
et al., Principles of Virology, 4th edition.

93
Em 1951, o microbiologista sul-africano Max Theiler recebeu o prêmio Nobel de
Medicina ou Fisiologia pelo desenvolvimento da vacina atenuada contra a febre amarela.
Theiler usou o agente etiológico isolado do paciente Asibi para empregar a estratégia de
propagação viral em culturas celulares distintas. Após fazer passagens do vírus em tecidos
embrionários de camundongo e galinhas com e sem nervo, o pesquisador foi capaz de isolar e
purificar mutantes com perda de viscerotropismo, neurotropismo e capacidade replicativa em
mosquitos. A vacina contra a febre amarela apresenta alto desempenho imunogênico e segue
sendo fabricada e disponibilizada à população (Figura 2.13.).

94
Figura 2.13. Representação do processo de produção da vacina contra o vírus da febre
amarela. Disponível em <https://www.bio.fiocruz.br/images/infografico-producao-vacina-
febre-amarela.pdf>, acesso em 16 de junho de 2022.

A atenuação viral por deleção ou mutação gênica foi empregada pela primeira vez em
1992 por Lien e colaboradores, onde genes relacionados à replicação do vírus herpes simplex
tipo 1 (HSV-1) foram deletados. Essa técnica ficou marcada como a primeira geração de vírus
atenuados de forma não-empírica, sendo menos imprevisível e mais reprodutível. A deleção ou
mutação é feita em genes essenciais para o processo de replicação viral, gerando vírus
modificados não replicantes ou com capacidade replicativa limitada. Por outro lado, a
expressão gênica é mantida e as proteínas virais são produzidas.

Os diferentes organismos apresentam preferência pela leitura de determinados códons


sinônimos, fenômeno relacionado aos níveis de RNA transportador (tRNA) em eucariotos e
bactérias. Baseadas nessa premissa, as vacinas com vírus atenuados por desotimização de
códons consistem na substituição, por mutagênese ou produção de vírus sintéticos, dos códons
virais que são preferencialmente utilizados no hospedeiro pelos sub-ótimos. A recodificação é

95
feita de forma sinônima e não altera a composição de aminoácidos das proteínas a serem
expressas.

3. Subunidade

As vacinas de subunidade não apresentam a partícula viral completa, apenas um


fragmento antigênico do patógeno. O desenvolvimento desses imunizantes atualmente é feito
através da tecnologia do DNA recombinante, abordada em outros tópicos dessa apostila. A
sequência de DNA referente à proteína ou peptídeo viral é inserida no vetor, que será utilizado
para a transformação ou transfecção celular. Os processos de transcrição e tradução do gene de
interesse promovem a síntese do antígeno, que deve ser extraído e purificado para a utilização
vacinal.

Licenciada em 1986, a primeira vacina de subunidade recombinante começou a ser


administrada na população contra o vírus da Hepatite B, sendo produzida em Saccharomyces
cerevisiae. O antígeno escolhido foi a proteína de superfície viral HBsAg (Figura 2.14.).

Figura 2.14. Esquema de produção da vacina contra a Hepatite B. Disponível em


<http://ole.uff.br/wp-
content/uploads/sites/236/2017/12/aula_3_prevencao_controle__2016_0.pdf>, acesso em 16
de junho de 2022.

96
As vacinas de subunidade caracterizam a 2° geração de tecnologias vacinais. Outras
abordagens que empregam o uso de fragmentos do patógeno como imunizantes podem ser
considerados subtipos desse método. Se tornou vantajosa por ter produção econômica e de
larga escala, além de apresentar efeitos colaterais minimizados. Porém, tende a promover baixa
indução da resposta imunológica, sendo necessário o uso de adjuvantes.

4. Virus-like particle

As VLPs consistem em partículas pseudovirais com a ausência do material genético do


vírus. As proteínas estruturais são expressas para a formação do capsídeo viral, que é montado
in vitro e posteriormente purificado. O principal exemplo de vacina que emprega essa
metodologia atua frente ao Papilomavírus humano (HPV – do inglês: human papilomavirus),
agente etiológico da infecção sexualmente transmissível (IST) de maior ocorrência. O método
também é frequentemente estudado para o delivery de fármacos.

A produção da vacina para HPV é realizada através da clonagem do gene viral L1, que
é expresso em proteínas formadoras de capsídeo (capsômeros). São necessários em torno de 72
capsômeros L1 para a montagem das VLPs, processo feito em leveduras para posterior
extração, purificação e aplicação vacinal (Figura 2.15.).

97
Figura 2.15. Esquema de produção da vacina para HPV. Adaptado do website
<https://www.jci.org/articles/view/22674/figure/3>, acesso em 17 de junho de 2022.

5. Vacinas de DNA

O método de imunização baseado na entrega de ácidos nucleicos faz parte da terceira


geração de tecnologias vacinais (Figura 2.16.). Seu primeiro relato foi por Wolf e colaboradores
(1990), após observar a expressão de uma proteína estranha em animais inoculados com
plasmídeos recombinantes. Em 1994, a OMS cunhou o nome ‘’vacinas de ácidos nucleicos’’,
sendo classificadas em subtipos para DNA ou RNA. No que diz respeito à virologia, a
tecnologia consiste na construção de plasmídeos recombinantes contendo um ou mais genes do
vírus de interesse, que devem estar sob o controle de um promotor eucarioto. Esses vetores são
extraídos e purificados após a clonagem molecular, sendo utilizados como componente vacinal.

98
Figura 2.16. Estratégia da vacina de DNA. *Genegun é um método de transferência direta
do ácido nucleico para as células. Disponível em <http://angloresolve.plurall.net/
press/question/3379664>, acesso em 17 de junho de 2022.

Após aplicação no indivíduo a ser imunizado, o construto não é capaz de ser replicado
e o promotor é reconhecido pelas células hospedeiras, permitindo a transcrição do gene viral.
Com o processo traducional, os antígenos são expressos e desencadeiam a resposta imune. As
vacinas de DNA podem ser utilizadas para vírus de genoma RNA a partir de genes sintéticos
ou pela geração de cDNA. Normalmente, a eficácia dessa tecnologia vacinal é influenciada
pela via de administração, sendo maior quando injetada de forma intracutânea do que
intramuscular.

99
6. Vacinas de vetores virais

Em 1972, o pesquisador David Jackson e sua equipe introduziram o conceito de vacinas


de vetores virais utilizando engenharia genética para obter o DNA recombinante do vírus símio
40 (SV40). Após 10 anos desse feito, Moss e colaboradores (1982) usaram o vírus vaccinia
como vetor de expressão gênica. Já em 2019, foi licenciada a vacina contra o vírus Ebola
(Ad26.ZEBOV/Janssen), que utiliza adenovírus para expressar os genes do patógeno.

No contexto vacinal, os vetores virais são um tipo de vacina de subunidade, tendo como
premissa a utilização de vírus não patogênicos para a entrega do antígeno, obtido de um vírus
capaz de causar doença. A abordagem também é frequentemente utilizada em estudos de
terapia gênica, visando o tratamento de doenças genéticas pela substituição de genes ausentes
ou defeituosos (Figura 2.17.). No desenvolvimento de vacinas, o vírus vetor deve passar por
estratégias de atenuação para que a sua virulência seja comprometida. O gene heterólogo,
codificando o antígeno de interesse, é inserido no genoma do vírus atenuado, que servirá de
molde para a expressão de proteínas na célula hospedeira.

Figura 2.17. Terapia gênica com vetores virais. Disponível em


<https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-da-saude/cientistas-buscam-aumentar-a-seguranca-de-
terapia-genetica/>, acesso em 17 de junho de 2022.

100
Recentemente, diversas propostas vacinais foram desenvolvidas com o intuito de conter
a pandemia da doença causada pelo novo coronavírus (COVID-19). Dentre as autorizadas para
uso preventivo, estão as vacinas de vetores adenovirais AZD1222 (Oxford/AstraZeneca) e
Ad26.COV2.S (Janssen) (Figura 2.18.). Ambas foram baseadas na deleção do gene E1 de
adenovírus (de chimpanzé e humano, respectivamente) para a inserção do gene S (Spike,
proteína de superfície) do SARS-CoV-2, causador da doença.

Figura 2.18. Produção da vacina AstraZeneca. Adaptado de


<https://canalciencia.ibict.br/ciencia-em-sintese1/especial-covid-19/378-adenovirus-a-
tecnologia-da-vacina-de-oxford>, acesso em 17 de junho de 2022.

No tópico ‘’Construção e Validação de uma Plataforma Vacinal’’, serão abordadas


todas as etapas necessárias para a obtenção de vírus sintéticos recombinantes por clones
infecciosos. De modo geral, os principais passos para o desenvolvimento de vírus como vetores
são:

a) Seleção da proteína heteróloga a ser expressa, que deve apresentar elevado potencial
imunogênico;
b) Escolha do vírus vetor não-patogênico, com deficiência ou atenuação da replicação;
101
c) Estratégia de inserção da sequência exógena ao genoma do vetor, visando a
estabilidade genética viral.

Os processos de produção da vacina consistem na seleção de linhagens celulares


adequadas para o cultivo dos vírus obtidos, determinação das condições ideais de crescimento
e processamento, isolamento e purificação viral. Em seguida, o imunizante deve passar por
diversos testes de eficácia e segurança.

A tecnologia vacinal de vetores virais apresenta vantagens por induzir ação eficiente de
anticorpos e linfócitos TCD8. Esse fenômeno é motivado pela entrada dos vírus modificados
nas células e consequente expressão do antígeno, que pode ser liberado no meio ou direcionado
às vias de processamento intracelular. Porém, a resposta a esses vírus híbridos pode ser
imprevisível, principalmente em indivíduos mais vulneráveis.

7. RNA mensageiro

Com a pandemia de COVID-19, houve uma grande mobilização da comunidade


científica em desenvolver imunizantes eficazes e seguros para conter o avanço da doença. Esse
fato revolucionou a vacinologia, impulsionando a introdução das vacinas de mRNA. No caso
das vacinas contra o SARS-CoV-2, o mRNA codifica a proteína S e é empacotado em
nanopartículas lipídicas (LNPs – do inglês: lipid nanoparticles), que são endocitadas pela
célula hospedeira. Dentro dos endossomos (pH 5-6), os lipídeos catiônicos são ionizados e
fusionados à membrana endossomal, permitindo a liberação do mRNA ao citosol para que seja
traduzido pelos ribossomos (Figura 2.19.). Após o processo traducional, o antígeno viral é
expresso e capaz de induzir resposta imunológica.

102
Figura 2.19. Processo de fusão entre nanopartículas lipídicas e endossoma. Adaptado de
Ramachandran e colaboradores (2022).

Naturalmente, moléculas de RNA exógenas são reconhecidas por receptores


intracelulares e degradadas. Para evitar esse fenômeno, vacinas como a mRNA-1273
(Moderna) e BNT162b2 (Pfizer/BioNTech) apresentam a substituição de uridinas por
pseudouridinas promovida pela transcrição in vitro com a enzima T7 RNA polimerase (Figura
2.20.). Apesar de reduzir o estímulo à ativação da resposta imunológica, as pseudouridinas
tendem a potencializar o processo de tradução. Outros elementos encontrados no mRNA da
vacina BNT162b2 são o cap e a região não traduzível (UTR – do inglês: Untranslated region)
otimizada na extremidade 5’, para proteção com recrutamento ribossomal e aumento da
tradução com códons de iniciação preferenciais, respectivamente. Na extremidade 3’, também
há UTR, que eleva a expressão da proteína ao estabilizar o mRNA, e cauda poliA.

103
Figura 2.20. Moléculas de uridina e N1-metilpseudouridina. Adaptado de Nance e
colaboradores (2021).

Além das LNPs, outras formas de entrega do mRNA às células são estudadas, como a
injeção do mRNA nu, nanoemulsão catiônica (CNE – do inglês: Cationic nanoemulsions),
carregamento ex vivo de células dendríticas (DCs – do inglês: Dendritic Cells) e peptídeos
catiônicos. O método de injeção do mRNA nu consiste na entrega da molécula sem
transportadores, sendo questionável pela exposição do mRNA às RNases e sua retenção pela
membrana celular. As CNEs são emulsões de óleo em água, como exemplo os adjuvantes
MF59 e AS03. Já o carregamento ex vivo de DCs emprega a introdução do mRNA nesse tipo
de células apresentadoras de antígenos, que seriam transfectadas aos indivíduos por técnicas
como a eletroporação leve. Por fim, os peptídeos catiônicos são carregados positivamente por
possuírem muitos resíduos de aminoácidos como lisina e arginina, tornando possível sua
complexação ao mRNA de carga negativa.

A utilização de mRNA é um campo promissor no desenvolvimento de vacinas. No que


diz respeito aos imunizantes frente à COVID-19 que empregam tal tecnologia, sua eficácia e
segurança são comprovadas, mas questões como a durabilidade da proteção fornecida devem
ser avaliadas com o passar dos anos.

104
CONSTRUÇÃO E VALIDAÇÃO DE UMA PLATAFORMA VACINAL

No contexto de vacinas de vetores virais, é possível estabelecer um vírus atenuado como


vetor vacinal, que possua no seu genoma, uma inserção de um epítopo imunogênico de um
patógeno de interesse, constituindo uma plataforma vacinal baseada em vírus. Sendo assim,
como mencionado na seção anterior, o vírus vetor atuaria como um cavalo de tróia, infectando
o hospedeiro, sem causar doença, e expondo a porção do patógeno capaz de gerar imunidade
adaptativa contra a sua respectiva doença. O vírus vetor, portanto, precisa ter características
importantes, como a capacidade de replicação em humanos sem causar doenças. Alguns vírus
utilizados como vetores são adenovírus, vírus da estomatite vesicular (VSV), lentivírus,
citomegalovírus e o vírus da febre amarela vacinal, que exploraremos nesta seção. A construção
de uma plataforma vacinal baseada em vírus, envolve etapas de engenharia genética,
culminando na obtenção de vírus sintéticos modificados. A tecnologia de genética reversa para
a construção de clones virais, chamados de clones infecciosos, foi desenvolvida pela primeira
vez, para o vírus da poliomielite, em 1981, por Vincent Racaniello e David Baltimore. Para a
obtenção de clone infeccioso, é necessário que o genoma viral seja obtido por PCR e clonado
em vetores bacterianos para a amplificação genômica, e posteriormente, inserido em células
para a obtenção de vírus sintéticos.

O clone infeccioso do vírus vacinal da febre amarela (YFV), cepa 17D, foi obtido pela
primeira vez em 1989, por Ricardo Galler e Charles Rice, e desde então tem sido utilizado para
diferentes propósitos. A síntese de YFV 17D ocorreu em cinco etapas:

Obtenção do DNA complementar genômico: Como o YFV pertence à classe IV de


Baltimore, ou seja, possui genoma de fita simples de RNA com polaridade positiva, esta etapa
necessita de retrotranscrição. Ou seja, a amostra viral que deu origem ao clone infeccioso, é
submetida a RT-PCR. Na etapa de PCR, foram gerados quatro amplicons de cDNA, que
cobrem o genoma completo, e que tem sítios de restrição em suas extremidades.

Clonagem dos fragmentos em vetores plasmidiais: Os quatro fragmentos de cDNA


foram clonados individualmente em um vetor plasmidial de baixo número de cópias, através
de tratamento com enzimas de restrição, seguido de ligação in vitro. Os plasmídeos foram
amplificados por transformação em bactérias e purificados para as próximas etapas.

105
Montagem do cDNA genômico: A montagem do genoma ocorreu em duas etapas.
Primeiramente, os fragmentos que continham as extremidades do genoma foram fusionados
em um mesmo plasmídeo, e os fragmentos com a parte central do genoma, em outro plasmídeo,
através de clonagem como descrito no item anterior. Assim, foi estabelecido um sistema de
apenas dois plasmídeos que expressam o genoma de maneira estável. A segunda etapa consistiu
na montagem final do cDNA genômico completo e de maneira sequencial, através de digestão
com enzimas de restrição e ligação in vitro, novamente. Entretanto, o plasmídeo resultante não
é novamente amplificado em bactérias, e sim, linearizado por tratamento de restrição, expondo
o promotor de transcrição.

Transcrição in vitro: O cDNA precisa ser transcrito em RNA, para que esteja na
configuração do genoma natural do YFV 17D, possibilitando a formação de partículas virais
viáveis. Para isso, o cDNA foi submetido à transcrição in vitro, utilizando a RNA polimerase
que reconhece o promotor de transcrição, adicionado à extremidade 5’ do genoma viral.

Transfecção em células eucariotas: O RNA transcrito foi inserido em células Vero


(derivadas de rim de macaco verde) por eletroporação. A maquinaria celular foi responsável
pela tradução do genoma viral, possibilitando sua replicação, e a regeneração de partículas
virais viáveis. Após em torno de 72h da transfecção, foi possível observar o efeito citopático
na monocamada celular, ou seja, células mortas, provavelmente decorrente da infecção viral.
A confirmação da recuperação de partículas virais foi realizada por RT-PCR do sobrenadante
celular, e posterior sequenciamento do genoma viral.

A obtenção do clone infeccioso do YFV 17D, abriu portas para inovações em vacinas,
tanto no sentido de otimizar a produção da vacina da febre amarela, quanto para o
desenvolvimento de vacinas recombinantes, carreando epítopos heterólogos.

A escolha da região do genoma para a inserção de epítopo heterólogo é uma etapa


crítica para o sucesso da obtenção de um vírus recombinante. O fragmento de interesse precisa
ser inserido, sem causar perturbações no genoma e na montagem da partícula viral infectiva,
caso contrário, a replicação viral pode ser comprometida e a expressão do epítopo, ineficiente.

Diversas estratégias de expressão foram experimentadas no genoma do YFV 17D


(Figura 2.21.). Regiões com variações de deleção natural, sugerem que a inserção de
modificações não perturbaria o ciclo replicativo viral. Neste contexto, a porção inicial do gene

106
da proteína do capsídeo (C) ainda é amplamente explorada para produção de vírus
recombinantes. Assim como a posição 200 da proteína de envelope (E), 236 da proteína não
estrutural 1 (NS1) e a região não traduzida 3’. As regiões intergênicas, que possuem peptídeos
sinal para clivagem proteolítica, também são interessantes para expressão de fragmentos
maiores, mantendo o correto processamento da poliproteína viral, reduzindo a perturbação no
ciclo replicativo. Duas regiões de interesse foram mapeadas entre os genes E e NS1, e entre
NS2B e NS3.

Figura 2.21. Regiões de inserção de epítopos heterológos. (A) Estrutura genômica do YFV:
o genoma é composto por uma fita simples de RNA, que possui um único quadro aberto de
leitura, codificando uma poliproteína que é processada co- e pós-traducionalmente por
proteases virais e do hospedeiro. As setas vermelhas indicam as regiões exploradas para
inserção de epítopos heterólogos. (B) Regiões de clivagem proteolítica da poliproteína viral:
as setas brancas indicam regiões clivadas pela protease viral, as setas pretas, pela signal
peptidase do hospedeiro, e o triângulo azul, pela furina, também do hospedeiro. (C) Topologia

107
da poliproteína viral na membrana do retículo endoplasmático (RE). Durante a tradução, a
poliproteína viral se organiza na membrana do RE como demonstrado nesta figura. Vale
ressaltar que a protease viral atua nas regiões de clivagem que estão na face citoplasmática da
membrana, e as proteases do hospedeiro, na face interna do RE. As setas brancas, pretas e o
triângulo representam os sítios de clivagem proteolítica, como na figura (B), e as setas
vermelhas representam os sítios de inserção heteróloga na poliproteína viral. Adaptado de
Bonado e colaboradores (2014).

A expressão de epítopos de maior comprimento, pode tornar a imunogenicidade mais


eficiente contra o patógeno de interesse, no contexto de um vetor viral. Portanto, as regiões
intergênicas E/NS1 e NS2B/NS3 se tornaram principais alvos para inserção de genes
heterólogos. A expressão heteróloga precisa também ter uma característica importante de
estabilidade. A replicação viral em modelo celular impõe uma pressão seletiva, isso quer dizer
que o genoma recombinante contendo o gene de interesse precisa se manter íntegro após
diversos ciclos de infecção, sendo tolerado na replicação viral.

A expressão entre NS2B e NS3 não se mostrou estável, o que significa que após ciclos
de infecção em células, o inserto heterólogo foi eliminado, não sendo sustentável a replicação
viral concomitante com um inserto longo. Por outro lado, a inserção de um gene codificante da
proteína auto fluorescente verde (EGFP) entre E e NS1 foi possível e estável mesmo depois de
20 ciclos de infecção em células. A partir desta descoberta, foram experimentadas diferentes
expressões heterólogas para patógenos virais e até protozoários (Quadro 2.2.).

108
Quadro 2.2. Referências da expressão de proteínas heterólogas entre E e NS1 de
diversos patógenos.

Gene heterólogo Immunização Referência


Bonaldo & Galler, 2005;
Proteína repórter EGFP 2 doses (camundongos)
Bonaldo et al., 2007
boost in Rhesus monkeys
Gag 45-269 Bonaldo et al., 2010
primed with rBCG

Gag 44-84

Gag 76-123
SIV
Gag 142-186
(vírus da
prime com rYF e boost
imunodeficiência Gag 250-415
com rAdenovírus 5 Martins et al., 2013
símia) Vif 1-110
(macacos Rhesus)
Vif 102-214

Nef 45-210

45–210

Trypanosoma ASP-2
2 doses (camundongos) Nogueira et al., 2013
cruzi 261-380
HIV
(vírus da
p24 2 doses (camundongos) Franco et al., 2010
imunodeficiência
humana)
1 dose (porquinho-da-
GPC Bredenbeek et al., 2006
índia)
2 doses (camundongos e
Lassa Vírus GP1 Jiang et al., 2011
porquinho-da-índia)
2 doses (camundongos e
GP2 Jiang et al., 2011
porquinho-da-índia)
Adaptado de Bonaldo e colaboradores (2014).

109
A validação do YFV 17D como plataforma vacinal foi realizada, inicialmente, com a
proteína repórter EGFP, como mencionado acima. A expressão de uma proteína inteira com
alta estabilidade foi a primeira etapa da prova de conceito. Entretanto, expressar um gene
heterólogo não consiste em ter um protótipo vacinal funcional. É fundamental que esse
constructo viral seja imunogênico e promova proteção diante da infecção pelo patógeno de
interesse. Portanto, os vírus recombinantes precisam ser inoculados em modelos animais, no
caso do YFV recombinante, em camundongos, em um primeiro momento, e a resposta
imunológica seria avaliada a partir de amostras coletadas desses animais.

A escolha do modelo animal depende do patógeno em questão e do tipo de análise a ser


realizada. Levando em consideração que a imunidade adaptativa se divide em humoral e
celular, ou seja, resposta mediada por anticorpos e resposta mediada por linfócitos, a análise
da imunogenicidade deve ser através da análise de anticorpos no soro dos animais e da
produção de células T nos órgãos linfoides. Os camundongos da linhagem BALB/c e C57/Bl-
6 possuem uma resposta imunológica contra o YFV 17D amplamente caracterizada e são os
modelos mais utilizados para esse tipo de análise. Sendo assim, seria extremamente relevante
que os animais inoculados com YFV 17D recombinante, apresentem anticorpos neutralizantes
contra YFV, assim como, anticorpos específicos contra a proteína heteróloga. Além de células
T que reconheçam epítopos específicos tanto do YFV 17D quanto do patógeno de interesse.

Outra análise essencial para a validação do protótipo vacinal, é o experimento de


desafio. Nesta análise, os animais que seriam inoculados precisam ser suscetíveis ao patógeno
de interesse. Um exemplo que está citado no quadro 2.2, foi o vírus YFV 17D expressando a
proteína ASP-2 do Trypanosoma cruzi. Para este patógeno, o modelo animal escolhido foi o
camundongo A/J que é suscetível ao protozoário. Assim, os animais foram inoculados com o
YFV 17D recombinante, em um regime de duas doses, e após um mês da segunda dose, os
camundongos foram infectados com T. cruzi. Os animais que receberam as duas doses de YFV
17D/ASP-2 apresentaram maior tempo médio de sobrevida que os animais que foram
infectados apenas com o parasita.

O uso do YFV 17D como plataforma vacinal ainda é amplamente utilizado, inclusive
para desenvolvimento de vacinas humanas, como a vacina da Dengue (Dengvaxia, Sanofi-
Pasteur), que é um vírus da mesma família do YFV. A estratégia de expressão de gene
heterólogo de outros patógenos não pertencentes ao gênero Flavivirus também tem sido
considerada, por exemplo, constitui uma estratégia vacinal contra o SARS-CoV-2, causador da

110
COVID-19. Entretanto, apesar dos resultados promissores, algumas validações ainda precisam
ser realizadas.

REFERÊNCIAS CAPÍTULO 2

Alberts, B, et al. Nucleases de restrição cortam grandes moléculas de DNA em fragmentos


específicos. In: Biologia Molecular da Célula. 6ª Ed., Porto Alegre, Artmed, p. 463.

Ambion by Life Technologies. mMESSAGE mMACHINE Kit - High Yield Capped RNA
Transcription Kit: User guide. (Pub. no. 1340M Rev. G) Disponível em
https://tools.thermofisher.com/content/sfs/manuals/cms_055516.pdf, acesso em 17 de junho de
2022.

Ávila-Pérez, G, et al. (2020) In vivo rescue of recombinant Zika virus from an infectious
cDNA clone and its implications in vaccine development. Sci Rep. Jan 16;10(1):512. doi:
10.1038/s41598-020-57545-2. PMID: 31949262; PMCID: PMC6965646.

Artika, IM, et al. (2020) Pathogenic viruses: Molecular detection and characterization.
Infect Genet Evol. Jul;81:104215. doi: 10.1016/j.meegid.2020.104215. Epub 2020 Jan 30.
PMID: 32006706; PMCID: PMC7106233.

Borba, CM; Pereira, MEC. Organismos geneticamente modificados – como trabalhar


legalmente?. Biossegurança de OGMs Volume 2. Rio de Janeiro, 2009.

Bonaldo, MC, et al. (2010) Recombinant yellow fever vaccine virus 17D expressing simian
immunodeficiency virus SIVmac239 gag induces SIV-specific CD8+ T-cell responses in
rhesus macaques. J Virol; 84:3699 - 706; http://dx.doi.org/ 10.1128/JVI.02255-09; PMID:
20089645

Bonaldo, MC; Galler R. (2005). Method for the Production of Recombinant Virus, DNA
Constructs, Recombinant Virus and Vaccine Compositions BRAZIL: Fundação Oswaldo Cruz,
93.

Bonaldo, MC, et al. (2016) Isolation of Infective Zika Virus from Urine and Saliva of
Patients in Brazil. PLoS Negl Trop Dis. Jun 24;10(6):e0004816. doi:
10.1371/journal.pntd.0004816. PMID: 27341420; PMCID: PMC4920388.

111
Bonaldo, MC, et al. (2007) Construction and characterization of recombinant flaviviruses
bearing insertions between E and NS1 genes. Virol J. Oct 30;4:115. doi: 10.1186/1743-422X-
4-115. PMID: 17971212; PMCID: PMC2173888.

Bonaldo, MC, et al. (2014) The yellow fever 17D virus as a platform for new live attenuated
vaccines. Hum Vaccin Immunother. 10(5):1256-65. doi: 10.4161/hv.28117. Epub 2014 Feb
19. PMID: 24553128; PMCID: PMC4896586.

Bredenbeek, PJ, et al. (2006) A recombinant Yellow Fever 17D vaccine expressing Lassa
virus glycoproteins. Virology. 345:299 - 304; http://dx.doi.org/ 10.1016/j.virol.2005.12.001;
PMID: 16412488

Bristow, AF. (1993) Recombinant-DNA-derived insulin analogues as potentially useful


therapeutic agents. Trends Biotechnol. Jul;11(7):301-5. doi: 10.1016/0167-7799(93)90018-5.
PMID: 7763953.

Brown, TA. Clonagem gênica e análise de DNA. Porto Alegre: Artmed. 376 p, 2003.

Butler, ET; Chamberlin, MJ. (1982) Bacteriophage SP6-specific RNA polymerase. I.


Isolation and characterization of the enzyme. J Biol Chem. May 25;257(10):5772-8. PMID:
7040372.

Cassedy, A, et al. (2021) Virus Detection: A Review of the Current and Emerging Molecular
and Immunological Methods. Front Mol Biosci. Apr 20;8:637559. doi:
10.3389/fmolb.2021.637559. PMID: 33959631; PMCID: PMC8093571.

de Mello, IS, et al. (2021) Recovery of Synthetic Zika Virus Based on Rio-U1 Isolate Using
a Genetically Stable Two Plasmid System and cDNA Amplification. Front Microbiol. Feb
24;12:639655. doi: 10.3389/fmicb.2021.639655. PMID: 33717035; PMCID: PMC7943741.

Ertl, HC. (2016) Viral vectors as vaccine carriers. Curr Opin Virol. Dec;21:1-8. doi:
10.1016/j.coviro.2016.06.001. Epub 2016 Jun 18. PMID: 27327517.

Fields, S; Song O. (1989) A novel genetic system to detect protein-protein interactions.


Nature. Jul 20;340(6230):245-6. doi: 10.1038/340245a0. PMID: 2547163.

Fiolet, T, et al. (2022) Comparing COVID-19 vaccines for their characteristics, efficacy and
effectiveness against SARS-CoV-2 and variants of concern: a narrative review. Clin Microbiol
Infect. Feb;28(2):202-221. doi: 10.1016/j.cmi.2021.10.005. Epub 2021 Oct 27. PMID:
34715347; PMCID: PMC8548286.

112
Flint, J, et al. Vaccines. In: Principles of Virology. 4ª Ed., (Washington, DC, ASM Press),
pp. 254–279, 2015.

Franco, D, et al. (2010) Evaluation of yellow fever virus 17D strain as a new vector for
HIV-1 vaccine development. Vaccine. 28:5676 – 85. Doi: 10.1016/j.vaccine.2010.06.052;
PMID: 20600494

Gebre, MS, et al. (2021) Novel approaches for vaccine development. Cell. Mar
18;184(6):1589-1603. doi: 10.1016/j.cell.2021.02.030. PMID: 33740454; PMCID:
PMC8049514.

Groenke, N, et al. (2020) Mechanism of Virus Attenuation by Codon Pair Deoptimization.


Cell Rep. Apr 28;31(4):107586. doi: 10.1016/j.celrep.2020.107586. PMID: 32348767.

Jiang, X, et al. (2011) Yellow fever 17D-vectored vaccines expressing Lassa virus GP1 and
GP2 glycoproteins provide protection against fatal disease in guinea pigs. Vaccine. 29:1248 -
57; http://dx.doi.org/ 10.1016/j.vaccine.2010.11.079; PMID: 21145373

Johansen, IE. (1996) Intron insertion facilitates amplification of cloned virus cDNA in
Escherichia coli while biological activity is reestablished after transcription in vivo. Proc Natl
Acad Sci U S A. Oct 29;93(22):12400-5. doi: 10.1073/pnas.93.22.12400. PMID: 8901593;
PMCID: PMC38003.

Konopka-Anstadt, JL, et al. (2020) Development of a new oral poliovirus vaccine for the
eradication end game using codon deoptimization. NPJ Vaccines. Mar 20;5(1):26. doi:
10.1038/s41541-020-0176-7. PMID: 32218998; PMCID: PMC7083942.

Lauring, AS, et al. (2010) Rationalizing the development of live attenuated virus vaccines.
Nat Biotechnol. Jun;28(6):573-9. doi: 10.1038/nbt.1635. Epub 2010 Jun 7. PMID: 20531338;
PMCID: PMC2883798.

Maranhão, A. Q. Transformação bacteriana. In: Azevedo, M. O.; Felipe, M. S. S.; Brígido,


M. M.; Maranhão, A. Q.; Souza, M. T. de. Técnicas básicas em biologia molecular. Brasília,
DF: Universidade de Brasília, 211 p, 2003.

Martins, MA, et al. (2013) Immunogenicity of seven new recombinant yellow fever viruses
17D expressing fragments of SIVmac239 Gag, Nef, and Vif in Indian rhesus macaques. PLoS
One. 8:e54434. Doi: 10.1371/journal.pone.0054434; PMID: 23336000

113
Melton, DA, et al. (1984) Efficient in vitro synthesis of biologically active RNA and RNA
hybridization probes from plasmids containing a bacteriophage SP6 promoter. Nucleic Acids
Res. Sep 25;12(18):7035-56. doi: 10.1093/nar/12.18.7035. PMID: 6091052; PMCID:
PMC320141.

Nance, KD; Meier JL. (2021) Modifications in an Emergency: The Role of N1-
Methylpseudouridine in COVID-19 Vaccines. ACS Cent Sci. May 26;7(5):748-756. doi:
10.1021/acscentsci.1c00197. Epub 2021 Apr 6. PMID: 34075344; PMCID: PMC8043204.

Nascimento, AAC, et al. Tecnologia do DNA recombinante. Ribeirão Preto: Universidade


de São Paulo, 1999. 85 p. Apostila.

Nogueira, RT, et al. (2013) Recombinant Yellow Fever Viruses Elicit CD8+ TCell
Responses and Protective Immunity against Trypanosomacruzi. PLoSONE 8(3):e59347.
doi:10.1371/journal.pone.0059347

Oreshkova, N, et al. (2021) A Yellow Fever 17D Virus Replicon-Based Vaccine Platform
for Emerging Coronaviruses. Vaccines. 2021; 9(12):1492. Doi: 10.3390/vaccines9121492

Pierson, TC; Diamond, M.S. (2020) The continued threat of emerging flaviviruses. Nat
Microbiol 5, 796–812. Doi: 10.1038/s41564-020-0714-0

Pingoud, A, et al. (2005) Type II restriction endonucleases: structure and mechanism. Cell
Mol Life Sci. Mar;62(6):685-707. doi: 10.1007/s00018-004-4513-1. PMID: 15770420.

Pu, SY, et al. (2011) Successful Propagation of Flavivirus Infectious cDNAs by a Novel
Method To Reduce the Cryptic Bacterial Promoter Activity of Virus Genomes. Journal of
Virology. Mar 15;85(6):2927–41.

Racaniello, VR; Baltimore D. (1981) Cloned poliovirus complementary DNA is infectious


in mammalian cells. Science. Nov 20;214(4523):916-9. doi: 10.1126/science.6272391. PMID:
6272391.

Ramachandran, S, et al. (2022) Delivery Strategies for mRNA Vaccines. Pharmaceut Med.
Feb;36(1):11-20. doi: 10.1007/s40290-021-00417-5. Epub 2022 Jan 30. PMID: 35094366;
PMCID: PMC8801198

Reece, JB, et al. (2011). DNA tools and biotechnology. Em Campbell biology (10th ed., pp.
408-435). San Francisco, CA: Pearson.

114
Rice, CM, et al. (1989) Transcription of infectious yellow fever RNA from full-length
cDNA templates produced by in vitro ligation. New Biol. Dec;1(3):285-96. PMID: 2487295.

Sá, MFG, et al. Clonagem e expressão de genes. Brasília, DF: Embrapa Recursos Genéticos
e Biotecnologia, 2002, 52 p. Apostila

Sabbaghi, A, et al. (2019) Inactivation methods for whole influenza vaccine production.
Rev Med Virol. Nov;29(6):e2074. doi: 10.1002/rmv.2074. Epub 2019 Jul 23. PMID:
31334909.

Sambrook, J, et al. Molecular cloning. A laboratory manual, 2 nd ed., Cold Spring Harbor
Laboratory Press, 1989.

Sanders, B, et al. (2014) Inactivated Viral Vaccines. Vaccine Analysis: Strategies,


Principles, and Control. 45-80. Published 2014 Nov 28. doi:10.1007/978-3-662-45024-6_2

Santos, NOS, et al. Vacinas antivirais. In: Virologia Humana. 3ª Ed., Rio de Janeiro, RJ,
Guanabara Koogan, capítulo 7.

Shan, C, et al. (2016) An Infectious cDNA Clone of Zika Virus to Study Viral Virulence,
Mosquito Transmission, and Antiviral Inhibitors. Cell Host and Microbe. Jun 8;19(6):891–
900.

Stephen J. Thomas; In-Kyu Yoon. (2019) A review of Dengvaxia®: development to


deployment, Human Vaccines & Immunotherapeutics, 15:10, 2295-2314, doi:
10.1080/21645515.2019.1658503

Stobart, C; Moore M. (2014) RNA Virus Reverse Genetics and Vaccine Design. Viruses.
Jun 25;6(7):2531–50.

Tomori, O; Kolawole, MO. (2021) Ebola virus disease: current vaccine solutions. Curr Opin
Immunol. Aug;71:27-33. doi: 10.1016/j.coi.2021.03.008. Epub 2021 Apr 17. PMID:
33873076.

Tsetsarkin, KA, et al. (2016) A full-length infectious cDNA clone of Zika virus from the
2015 epidemic in Brazil as a genetic platform for studies of virus-host interactions and vaccine
development. mBio. Jul 1;7(4).

Universidade de São Paulo. Manual de Construção de Vetores de Expressão. Disponível em


<https://ctcusp.org/pdf/reports/manual.pdf>. Acesso em: 16 de Junho de 2022.

115
Universidade de São Paulo. Biologia Molecular - Texto 4: Transcrição e Processamento do
RNA. Disponível em
<https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3005345/mod_resource/content/1/BiologiaMolecul
ar_texto04%20%288%29final.pdf> Acesso em 17 de junho de 2022.

Ura, T, et al. (2014) Developments in Viral Vector-Based Vaccines. Vacinas (Basileia) .


2014;2(3):624-641. doi:10.3390/vaccines2030624

Verbeke, R, et al. (2021) O alvorecer das vacinas de mRNA: O caso COVID-19. J Controle
de Liberação. 333:511-520. doi:10.1016/j.jconrel.2021.03.043

Watson, F. (1993) Human gene therapy-progress on all fronts. Trends in Biotechnology 11:
114-117.

Weger-Lucarelli, J, et al. (2017) Development and Characterization of Recombinant Virus


Generated from a New World Zika Virus Infectious Clone. Journal of Virology. Jan;91(1).

Yang, Y, et al. (2017) A cDNA Clone-Launched Platform for High-Yield Production of


Inactivated Zika Vaccine. EBioMedicine. Mar 1;17:145–56.

Yu, R, et al. (2015) Formation, Accumulation, and Hydrolysis of Endogenous and


Exogenous Formaldehyde-Induced DNA Damage. Toxicol Sci.;146(1):170-182.
doi:10.1093/toxsci/kfv079

116

Você também pode gostar