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Jardim Escuro

Cultivei ervas daninhas por todos os lados. Tomaram as paredes, o teto. No chão, tentaram criar
raízes, mas são do tipo rasteira, superficiais, ainda que tentassem furar o piso, não conseguiriam.
Não têm força. No entanto, se espalharam e cresceram da altura de samambaia silvestres, que nem
sei se existem.

Uma vida regando, cultivando pestes e pragas como se fossem animais exóticos e temperamentais,
na expectativa de um dia torná-los amáveis e respeitáveis.

Fui buscar longe metais e outros materiais raros para fazer jóias caras, porém simples, para todos
eles. Tudo para adorná-lo, os queridos insetos que cultivei no meu quarto escuro. Nunca tive
coragem de acender a luz para ver exatamente o que já tinha se transformado naquele lugar, mas era
entrar no quarto que já logo se percebia os insetos correndo na minha direção. Eles subiam em
mim, ficavam me circulando. Em vários momentos senti que eles me amavam e reconheciam o
cuidado que eu tinha com ele; ir visitá-los, de alimentá-los e sempre que dava dedicava uma atenção
extra para eles, mesmo quando me picavam e zumbiam muito perto do meu ouvido.

As trepadeiras se enrolavam no meu pé com tanta força que, às vezes, chegava a desconfiar que
eram plantas carnívoras tentando me sufocar a fim de me devorar. Mas era só o jeito delas me
trazerem pra mais perto e sentir, o que para elas era conhecido, a rejeição por suas condições,
rasteira.

Esse Jardim Escuro que cultivei por muito tempo tomou forma, jeito, cheiro e foi meu abrigo ao
longo dos anos. Quando as coisas não davam certo eu ia me esconder lá com aquilo que me era
“familiar”, a dor. Aprendi que no escuro tudo se esconde, inclusive a dor. Meus adoráveis insetos e
minhas plantinhas estavam sempre, mas é sempre, que eu precisava me esconder de alguma dor do
mundo. Porém, por conta do escuro eles não viam minha dor. Eu não falava sobre como me sentia,
eles não conseguiam me ver.
Às vezes, eles sentiam o cheiro da dor quando estava muito forte e se manifestavam me ferroando
incessantemente.

Minhas trepadeiras me abraçavam. Enrolavam-se na minha cintura e aos poucos pegavam o meu
pescoço. Entendo que era como elas me acolhiam, eu as deixava me tomarem, quando tentavam
tapar os meus olhos e pegar minha cabeça eu precisava cortar.

Conto com tanto amor desse lugar que me acolheu, pois hoje preciso “desmatar” esse quarto e
deixar o sol entrar. Eu estou crescendo. Tenho novos interesses, novos entendimentos, novos livros
e precisarei de espaço para guardar novas experiências, emoções, memórias e vou precisar desse
cômodo da casa.

É com carinho, gratidão que me despeço do meu jardim escuro. Dos meus insetos de estima(ação).
Abrirei as portas e as janelas para que possam sair em paz e no seu tempo, mas que não se
demorem, nem toda paz é para sempre e a reintegração de posse pode ser necessária.

Desejo que aprendam a viver na luz, sozinhos e que se trepem o mais alto que puderem, e possam
enxergar o mar. Olhar pro mar sempre é uma boa opção. O amor é grande e cabe na linha do
horizonte sobre o mar.

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