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ESPORTE COMO

MÉTODO NA
FORMAÇÃO CIDADÃ
DE JOVENS
za ascensão social; o esporte promove a paz.
Jaderson Silva Barbosa 1 Seria o esporte capaz de tamanhos feitos? Ao
reconhecer o esporte como uma produção cul-
RESUMO tural, influenciado por questões sociais, econô-
O artigo apresenta alguns resultados da micas, políticas, saberemos que o mesmo irá
experiência no programa Ação Cidadã, realiza- expressar atitudes humanas, que representam
da na Universidade Estadual de Feira de San- inclusão ou exclusão, aproximações ou distan-
tana, no interior da Bahia, no qual o esporte ciamentos, transformações ou reproduções
apresenta uma concepção de conteúdo e mé- Sendo assim, o que está em jogo não é
todo focado no processo de construção cidadã. o esporte em si, mas para quais fins o mesmo
Foram utilizados contribuições de referenciais está sendo utilizado. A problemática em dis-
teóricos que discutem o esporte e a educação cussão é sinalizada nas diversas produções
cidadã, além da Pesquisa-Ação, que contribuiu na área e debates acadêmicos que denunciam,
na identificação dos resultados no contexto especialmente após a década de 80, o empo-
das ações desenvolvidas. brecimento da função educativa do esporte,
PALAVRAS CHAVES: esporte. educa- impactado especialmente pela presença da
ção. cidadania espetacularização dos mega-eventos (Olim-
píadas, Copa do Mundo etc), que reproduzem
pelo país práticas e discursos salvacionistas,
ABSTRACT excludentes e descontextualizados.
The article presents some results through Neste sentido, devemos construir outras problemas (DIONNE, 2007; THIOLLENT, 2011).
the experience in the Citizen Action program, possibilidades de compreensão do esporte, Nesta produção serão apresentados
held at the Feira de Santana State University, in demarcando que o esporte deve servir para apenas resultados obtidos a partir de alguns
the interior of Bahia, where the sport presents denunciar problemas sociais e não para legi- instrumentos de coletas, especialmente as en-
a conception of content and method focused timar estes problemas; que pode contribuir na trevistas e o diário de bordo. A problemática
on the process of citizen building. We used melhoria da qualidade de vida dos pratican- central da pesquisa foi: qual a contribuição
contributions from theoretical frameworks tes e não para prejudicar sua saúde; que pode do PEAC na formação esportiva e cidadã dos
that discuss sport and citizen education, in ad- promover cidadania e não reforçar processos alunos matriculados na Escola de Esporte do
dition to Action Research, which contributed to excludentes e discriminatórios; que pode es- programa? Existe contribuição significativa do
the identification of the results in the context sencialmente ser uma ação lúdica, livre das PEAC, no sentido de possibilitar para a trans-
of the actions developed. amarras hegemônicas e não uma mercadoria a formação social de crianças e jovens em situ-
KEYWORDS:. sport. education. citi- serviço de poucos (Soares, 1992; Malina, 2009; ação de risco social onde foi implementado o
zenship Silva, 2009; Brach, 2005 e Souza, 2009). Programa?
O estudo utilizou como inspiração o mé- Destacou-se que, a partir das expe-
todo da Pesquisa-Ação, que ajudou a identifi- riências com o PEAC, especialmente, o projeto
1. ENTRANDO EM CAMPO... car, analisar e descrever os dados da realidade Escola de Esportes, foi possível chegar a con-
O QUE ESTÁ EM JOGO? dentro do contexto das ações desenvolvidas. clusões, mesmo que provisórias, trazendo por
A Pesquisa-Ação tende a fortalecer a relação exemplo, elementos que propõem rupturas e
O esporte, como manifestação da cultura entre a teoria e prática; favorecer alianças e contribuições em dimensões micro (proposi-
corporal, compreendido dentro do contexto comunicações entre pesquisadores e atores; ção conceitual, procedimentos didáticos-meto-
histórico e social, é, ao mesmo tempo, produto perseguir o duplo objetivo de conhecimentos dológicos) e macroestruturais (modelo de so-
e processo cultural não podendo, portanto, ser a desenvolver (pesquisa) e de situações a mo- ciedade, política pública, combate a violência),
personificado. Na sociedade em geral, ouvimos dificar (ação); produzir um novo saber na ação ambas, permanentemente interconectadas.
frases, como: o esporte retira das drogas; o e para a ação; e se inserir em um processo de
esporte promove saúde; o esporte oportuni- tomada de decisão com vista à resolução de
1 Professor da Universidade Estadual de Feira de Santana-BA (UEFS); Mestre em Educação. Coordenador do Programa Encaminhar: Ação Cidadã (PEAC/UEFS-Ba) e Colaborador
do NIT/UEFS-Ba. E-mail jsbesportescontato@gmail.com
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2. JOGANDO O JOGO... especial no imaginário popular, valorizada e conjuntura tem contribuído para uma explo-
ESPORTE E EDUCAÇÃO reconhecida como um importante espaço de são de atitudes desumanas, como: os diversos
formação dos conhecimentos humanos siste- tipos de violência, a exclusão, o consumismo,
Já com a bola rolando, importante de- matizados, os saberes culturais. Neste sentido, exemplos de processos ironicamente e lamen-
marcar que para iniciar uma tabelinha entre o é a Educação Física, que dentro do espaço tavelmente irracionais.
esporte e a educação que se manifestam numa escolar ou em outras espaços de atuação que Desta forma, precisamos de rupturas cada
dinâmica histórica, inicialmente, será necessá- tem como objeto de ensino a cultura corporal, vez mais profundas e radicais nestes modelos
rio estabelecer as aproximações submetendo inclusive o esporte. propostos pelo sistema hegemônico que se
a análise crítica. Numa tentativa de propor A Educação Física tem, ao longo de sua apropriam de produções e sensações humanas,
“novos sentidos” para a intervenção da área de história, uma (in)tensa ligação com o esporte e transformando tudo em lucro e rendimentos.
Educação Física, através do esporte, enquanto o esporte com o jogo. A história do esporte está Fica evidente o que Bauman ressalta o que
prática pedagógica, em espaços educativos diretamente vinculada a história dos jogos. O para ele é a capacidade onívora dos merca-
(projetos sociais, escolas etc). Esta proposição jogo, o esporte, (além da dança, luta etc.), são dos de consumo, verdadeiros predadores com
envolve uma compreensão da cultura corporal produções culturais e manifestações da cultu- “(...) fantástica habilidade de aproveitar todo
como uma teia de aprendizados construídos ra do corpo, sendo a Educação Física a área de e qualquer problema, ansiedade, apreensão,
historicamente, tecidos na constituição biocul- conhecimento legitimada para oportunizar a dor e sofrimento humanos – sua capacidade
tural da condição humana. apropriação crítica destes conhecimentos. de transformar todo protesto e todo impacto
Para Severino (2006) a educação é o de ´força contrária` em proveito e lucro” (BAU-
processo inerente à vida dos seres humanos, O esporte é uma atividade corporal, MAN, 2013, p. 31). Embriagado neste mesmo
intrínseco à condição da espécie, uma vez que historicamente criada e socialmente sistema está também o esporte.
a reprodução dos seus integrantes não envol- desenvolvida em torno de uma das Melo (2013) destaca que o esporte está
ve apenas uma memória genética, pressupõe expressões da subjetividade humana, integrado com o desenvolvimento do capita-
também uma memória cultural. o jogo lúdico, que não objetiva resul- lismo (situação vista também em sistemas dito
Sigamos na direção de um repertório ain- tados materiais, e, o traço primordial socialistas), estando relacionado com uma sé-
da mais amplo e plural para a compreensão da do esporte, subjacente ao lúdico, é o rie de conjunturas que configuram uma lógica
educação, destacando-a como um processo de caráter competitivo, o qual tem se
iniciação aos importantes saberes e sentires convertido na força mais motivadora
humanos. Educação possui como sua expres- para afirmação e disseminação da sua
são latina a palavra educere que conota tirar prática (ESCOBAR, 2005, p. 27).
para fora de, conduzir, levar e criar. Assim,

Educere incide em processos educa- Ms estejamos atentos que frases como:
cionais que emergem desde dentro, “O Esporte é fator de inclusão social”; “O Es-
e, com seu dinamismo e intensidade, porte promove a ascensão social”; “o Esporte
fomentam o espírito de criticidade e educa”; “O Esporte é saúde”, “O Esporte retira
de inventividade, o senso intuitivo e os adolescentes da drogas”, são retóricas vistas
a imaginação criante dos indivíduos. nas grandes mídias e, talvez como conseqüên-
Processos que também implicam na cia, presentes de maneira salvacionista e/ou
transmissão e na assimilação dos sa- reprodutivista nos discursos (críticos, ingênu-
beres e dos valores instituídos, mas, os ou perversos) que ressoam em praças es-
sobretudo, implicam em sua expansão, portivas, em projetos sociais, nas escolas, nas
criação e recriação, nas in-tensidades universidades, nos palanques, nos becos, nas
dos fluxos moventes da cultura, atra- ruas etc.
vés da renovação e da instituição de Divergir e romper com essa lógica pode
novos saberes e sentires. Desse modo, contribuir para a formação de uma atitude
a ação de educar incide no cuidado criativa e reflexiva, possibilitando às futu-
com a iniciação aos Sentidos huma- ras gerações, propor caminhos alternativos,
nos, de modo teórico e vivencial (grifo transformadores, mais humanos. Até porque é
meu) (ARAÚJO, 2008, p. 190). condenável o modelo de crescimento mundial
proposto para a sociedade, pois, em geral, está
A escola assumi um papel essencial neste baseado e “medido pelo aumento da produção
processo de iniciação aos sentidos humanos, material, e não de serviços com lazer, saúde e
e, ao longo dos anos percebe-se um aumento educação” (BAUMAN, 2013, p. 88).
significativo na complexidade da vida social, o Penso que os caminhos propostos, em ge-
que desencadeou a implementação de práticas ral, tem nos levado à reprodução do que está
sistematizadas e intencionais, sendo atribuída posto, uma educação (e um esporte) “entendi-
à este espaço a responsabilidade, de modo for- da inteiramente dependente da estrutura so-
mal e explícito, na inserção de novos membros cial geradora de marginalidade, cumprindo aí
no tecido sociocultural (SEVERINO, 2006). a função de reforçar a dominação e legitimar
Desde então, a escola ocupa um lugar a marginalização” (SAVIANE, 2008, p. 5). Esta
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que precisa ser superada. abaixo no quadro 1 o relato sobre o perfil de dificuldade do Estado em reformar a
alguns dos alunos da escola. Um olhar a partir educação, a ponto de poder formar me-
das professoras de uma escola municipal onde lhor seus cidadãos; família e vizinhan-
3. SEGUNDO TEMPO... a maioria dos alunos do PEAC estudavam. ça que reduziram suas competências
PARTINDO PARA O ATAQUE, para gerar estímulos e confiança em
EM BUSCA DA SUPERAÇÃO! criança e jovens com ralação à impor-
Professora (1). Dificuldade com tância da educação e formação; eman-
aprendizado, é indisciplinado. Chegou cipação precoce dos jovens com níveis
Neste momento serão destacados os im- sem saber ler, não se entrosa. Tem ver- educacionais baixos, associada às al-
pactos na formação das crianças envolvidas no gonha. Não é interessante para ele, pois, tas taxas de fecundidade, contribuin-
Projeto Escola de Esporte do PEAC/UEFS-Ba a não consegue acompanhar. O sistema do para que a pobreza se acentue na
partir dos resultados das entrevistas com pro- vai e empurra. A família é envolvida primeiras etapas da vida familiar, fato
fessoras e coordenação das escolas e conside- com drogas. Não conheço nem a mãe e que se liga intimamente ao item an-
rações extraídas do diário de bordo. nem o pai. A vida dele é bem complica- terior; segregação residencial, criando
Durante as aulas de esporte no pro- da, tem uma índole boa. Não consegue focos de moradia com alta densidade
grama, notamos que muitas situações reper- enxergar a escola como um meio para demográfica; dificuldade cada vez
cutiam o que observarmos na sociedade em uma vida melhor. O pai é ex-presidiário. maior de intercâmbio entre pessoas
geral. E um dos desafios do programa era não E para que vai estudar? O pai e a mãe de diferentes níveis socioeconômicos
reforçar práticas esportivas condicionadas a tem dinheiro. A família é envolvida com em espaços públicos; segmentação
necessidade de separação dos diferentes, dis- o tráfico. dos serviços básicos, especialmente
tribuídos conforme gênero, aptidão física, va- Professora (2). Não tem dificulda- da educação (WERTHEIN apud HIRA-
lorizadas ou não de acordo com os interesses des de aprendizado, sabe ler, escrever. MA, 2012, p. 104-105).
e padrões estabelecidos para esta ou aquela Não tem muita ligação com a mãe. Mora
modalidade esportiva, para esta ou aquela com a avó. O pai dela foi morto a tiros, No caso dos/as alunos/as do PEAC, a
função socialmente determinada, pois, estaria devido ao envolvimento com o tráfico. ausência da família, a aproximação com a cri-
agindo assim, longe da proposta de uma edu- Ela é uma evangélica sozinha. Adora minalidade e o processo de educação básica
cação cidadã. esporte. Acho que o caminho dela ta aí escolar deficiente, que produz os analfabetos
Esta situação fica bem clara quando, mes- dentro (do PEAC). Antes ela ficava la- e também os analfabetos funcionais (com di-
mo com todo o cuidado e tensão propositiva vando prato e arrumando a casa, agora ficuldades de compreender o que lê ou de se
na condução das aulas, os valores do esporte tem o futebol para ir. expressar criticamente por meio da escrita)
de alto rendimento, divulgados e fortalecidos Professora (3). Não tem dificuldade (Hirama, 2012) indicam que os poucos avanços
pela mídia em geral, ainda se materializavam de aprendizado. Se ele conseguir ficar conquistados com a Escola de Esportes podem
nas aulas da Escola de Esportes. Um pensar e atento ele vai longe, muito esperto. Se e devem ser valorizados.
agir que traziam tensionamentos no dia-a-dia vacilar ele te rouba, é manhoso. Dá dor No quadro 2 abaixo constam as principais
do jogar esportes no PEAC. de barriga, de dente tudo isto para ir respostas das entrevistas realizadas com as
Como exemplo, podemos citar os alunos embora. Têm histórico de tráfico com professoras e coordenadora da escola regular
e alunas que inicialmente não queriam jogar a família, dois irmãos presos (irmã e destes alunos/as matriculados/as na Escola de
juntos, que não queriam jogar com um deter- irmão). Menino bom! Chega chorando Esportes sobre as contribuições do Programa
minado colega, que buscavam essencialmente contando que alguém da família está após 4 meses de intervenção.
o produto final (gol, ponto, cesta – o resultado) apanhando da polícia. Mora na região
importando-se pouco com o processo e/ou do 13. Região que ocorre tráfico no
com o outro. Como de fato incluir numa socie- novo horizonte. Gosto muito de Sam.
dade excludente?
O importante neste aspecto foram os
processos de mediação, as oportunidades de Quadro 1: o perfil pedagógico e social
diálogos geradores de discussões em rodas dos/as alunos/as sob a ótica das professoras
coletivas de diálogo, que permitiram ao gru-
po estabelecer regras e estratégias didáticas Fica bem evidente nas respostas das pro-
e de condutas para que novos conhecimentos fessoras que a vida destas crianças apresenta,
fossem produzidos. E isto foi se materializando em sua maioria, uma realidade social e familiar
nas ações/atitudes que iam se modificando ao que as colocavam em extrema vulnerabilidade.
longo do desenvolvimento das práticas espor- O que esperar de crianças expostas a estas si-
tivas educativas na Escola de Esportes. tuações desestimuladoras? E o esporte neste
A Escola de Esporte, acontecia nas, qua- contexto? Consegue contribuir?
dras da UEFS/BA com jovens moradores dos A problemática mencionada pelas profes-
bairros circunvizinhos da UEFS/Ba. Que, em soras foi identificada também pela UNESCO.
geral, apresentavam altos índices de criminali- Em um trabalho sobre políticas públicas e ju-
dade, inclusive com o envolvimento de alguns ventude esta instituição apontou os processos
de seus moradores com tráfico de drogas. Para que reafirmam a exclusão, frutos da confluên-
ajudar a caracterizar socialmente um pouco cia entre mercado, Estado e sociedade. Dentre
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mais esta região circunvizinha da UEFS segue eles destaco:

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mudança de concepção sobre o esporte; as
Professora (P1): (...)Existe a neces- melhoras na conduta na escola; a melhoria nos
sidade de praticar esportes, a agitação valores e atitudes cidadãs. Mãe 1: Minha filha disse que gos-
ameniza um pouco (risos), fica com a Nesta perspectiva a cidadania “ex- tou. E melhorou mais no estudo e no
energia voltada para o esporte. São alu- plica-se como criação de espaços sociais de comportamento. Tem tirado boas notas.
nos de uma comunidade pesada aqui, luta (movimentos sociais) e definição de ins- Eu creio que melhorou, o comporta-
muitos pais envolvidos com isto (se tituições para a expressão política (partidos, mento até em casa. Atenta com o celu-
referindo as drogas). órgãos públicos), visando conquista e consoli- lar para vê se tem alguma mensagem
Professora (P2): Meninos bem con- dação de direitos (BETTI, 2009, p. 47). Estaria o do programa.
tentes, para mim é fundamental. Tá um PEAC dentro e através da UEFS se configuran- Mãe 2: Os meus (filho e filha) gos-
empolgação, gente fazendo fila para do como um espaço de luta? De estímulo ao tam muito né (...) é único dia que meu fi-
deixar entrar. Mudaram a maneira de vê desenvolvimento da cidadania? A identificação lho acorda cedo. Esporte sempre é bom,
o esporte, achavam que era só futebol. de direitos e a socialização de saberes? De só tem ajudar. Torcer para que o ano que
Eles contam tudo que acontece lá para uma luta contra os diversos tipos de violência vem continue (...) Ele gosta mesmo do
a gente, acho que mudou a concepção no qual as crianças e jovens da comunidade vôlei e do basquete, agora a menina
de esporte. Fico preocupada com os alu- estavam envolvidos? topa qualquer parada.
nos que vão direto para a escola depois O sonho de ascensão social através do Mãe 3: Ele gostou muito da ideia
da aula (no PEAC) e sem se alimentar. esporte é algo muito presente entre crianças do esporte. Duas vezes ele queria vir
Vê isto para os próximos, são carentes! mais pobres. Talvez para o senso comum o e eu proibi, ele estava com o nariz es-
Alguns choraram por que as mães não esporte seja a expressão mais democrática de correndo e dizia “não eu tenho que ir”.
levaram para tenta matricular na Escola justiça, de igualdade e que o sucesso no campo Outro dia tava com dor de cabeça. Era
de Esportes. esportivo, em geral, depende apenas do talen- um lugar que ele se sentia bem. Passou
Coordenadora: Eu acho que con- to e da determinação do seu praticante. Nesta a gostar a ter de ler, comprou um livro
tribui de maneira significativa. Temos compreensão a ascensão social, a aquisição de lá para ler e não sei o que tem a ver
crianças sem muitas perspectivas. Ou bens materiais, o sucesso almejado são apenas esporte com livro, mas passou a gostar
na TV ou na rua (...) ir para o esporte já para os mais esforçados, para aquelas que “são um pouco de leitura.
contribui. A regra da disciplina e o cum- brasileiros e não desistem nunca”.2 Pai 1: Eu gosto muito. Eu sempre
primento dos horários já muda a vida A mídia exerce uma grande influência que posso tô por aqui, eu gosto muito
dos meninos (...) eles ficam sozinhos e nos modos de vida, constrói estilos de vida, como os professores conversam com
a família sai para o trabalho. A escola ditam normas e regras e manipula os desejos eles. Assim conversar sobre dividir, o va-
e o projeto podem ajudar (...) eu con- do povo. No entanto, “se não posso, de um lado lor da amizade, isto é muito importante
sigo perceber que o projeto já ajudou. estimular os sonhos impossíveis, não devo, de na vida deles. Eles têm sempre que con-
O histórico dos alunos que apresentam outro negar a quem sonha o direito de sonhar. versar. Sempre aparece um problemi-
indisciplina, eles já melhoraram com o Lido com gente e não com coisas” (FREIRE, nha aqui e outro ali e eles estão sempre
projeto. Especialmente os alunos do 5° 1996, p 163). Neste sentido, o educador que junto. Então isso é muito importante
ano. Tudo (...) o processo de inscrição, a vai atuar com o esporte precisa apresentar a gente que é pai né, sabendo que vai
rotina inicial, não faltar. Pequenas for- ao educando os fatores que podem contribuir para cá e tá sendo cuidado.
ças que geram uma força maior. Muda ou dificultar a realização destes sonhos, atra- Pai 2: A droga tá terrível né. Eu fico
a realidade e não apenas o financeiro vés de uma intervenção crítica, sem omitir os sentido pelos pais, por que não vem né
dos alunos. Afasta do mundo das dro- dados da realidade. Estarei assim dando-lhe (...) eu costumo dizer lá no bairro, é ca-
gas, mantém a saúde, que não seja um uma liberdade de pensamento, uma autono- rente e perdi projeto igual a este, por
aviãozinho (referindo-se a uma função mia para compreender os fatores limitantes e que os próprios pais não dão incentivo
dada aos traficantes aos menores de incentivadores, para que dentro das infinitas (...) Os pais infelizmente deixa a desejar
idade no bairro de entregar drogas). A possibilidades da criatividade humana, eles (...).
integridade física, moral e espiritual. A possam confrontar os seus desejos e trilhar Pai 3: Já é tão difícil as coisas.. É
gente percebe que eles estão até mais suas escolhas (quando efetivamente possíveis) tão difícil educar o filho, oferecer algu-
contentes com a escola. Uma nova rede pelo mundo. Sendo mais feliz ou mais triste, mas coisas. A gente tem alguma coisa
de relações que estão se criando. Todo mas especialmente quando bem informado, em tempo de eleição nas comunidades,
projeto pode transformar (...). tenha o direito de fazer suas escolhas. Mesmo infelizmente (...) aqui um projeto desse
reconhecendo que estará diante de uma so- aqui e o pessoal não valoriza (...) só tá
Quadro 2. Vozes das professoras e coorde- ciedade na qual o atual modelo hegemônico presente quando é eleição. A gente sabe
nadora da Escola Municipal é, muitas vezes, determinante, injusto e exclu- disso. Acho que na verdade dá, acho que
dente. dá, eu mesmo não posso nem tá aqui
Na fala das professoras (quadro 2) Os familiares presentes no último semi- hoje, mas tô (...) tem que se programar.
são identificados elementos que apontam uma nário de avaliação da Etapa 1 do Projeto Es-
superação dos/as alunos/as da condição que cola de Esportes deixaram suas considerações Quadro (3): Fala das famílias – Seminário
se encontravam antes da intervenção com o sobre a importância do programam na comu- de avaliação ETAPA 1
Projeto Escola de Esportes. Elementos como: nidade.
2 Slogan para uma campanha de marketing fruto de uma parceria público-privada entre a ABA (Associação Brasileira de Anunciantes e o Governo Federal) que utilizava situa-
ções de superação de personalidades famosas, no caso do esporte a imagem utilizada foi a superação de Ronaldinho “Fenómeno” que após várias cirurgias voltou aos campos de futebol e
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tornou-se campeão mundial com a seleção brasileira.

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Alguns dos relatos transcritos no cussões apresentadas frutos da pesquisa e da transformações são possíveis e que o futuro
quadro 3 acima deixam claro a importância da ação, identifico que o PEAC permitiu aos seus não está determinado, o que já é um sinal de
importância do programa junto a comunidade. atores e autores produzirem, no campo teóri- esperança. O futuro se faz na construção, numa
Relatam exemplos de esforço e compromisso co-prático, novos conhecimentos que puderam atitude otimista (PRIGOGINE, 2003) e, ainda,
de muitos alunos/as e também dos familiares, contribuir com o processo de formação dos reconhecer que “carvalhos centenários desen-
em estarem envolvidos com todas as ações seres humanos envolvidos no programa, inclu- volveram-se a partir de bolotas ridiculamente
propostas pelo projeto mesmo num país onde: sive propondo um novo olhar para as questões minúsculas” (BAUMAN, 2013, p. 28). Se quiser-
educacionais e sociais, numa perspectiva críti- mos, enquanto educadores, ampliar os impac-
(...) O clientelismo, o patrimonialismo ca, que envolve as discussões na área da Edu- tos de nossas ações e melhorar as condições
e a corrupção ainda perpassam as cação (Física) e do esporte em projetos sociais. de atuação dos envolvidos devemos também,
práticas que queremos democráticas, Foram apenas 4 meses de realização da produzir espaços de resistências na dimensão
transparentes. A desigualdade de ren- Escola de Esporte no entanto, a partir das in- global.
da e de posse da terra, as diferenças formações coletadas, o PEAC contribuiu para O Esporte pode ser conteúdo e método
no acesso a bens e serviços, as dispa- ampliar olhares, rever condutas e teorias, pro- neste processo de resistência. Uma produção
ridades regionais, a discriminação dos por mudanças e, especialmente, vivenciar o cultural humana, inserido em um contexto so-
negros, indígenas e mulheres, entre esporte, oportunizando-o para crianças e ado- cial e deve ser um bem para a humanidade. É
outras mazelas, convivem com o di- lescentes que não possuem acesso a este tipo necessário romper com a compreensão de uma
namismo econômico, com a inovação de experiência cultural. minoria, por muitas vezes, oportunista, assis-
tecnológica, enfim, com o desenvolvi- O discurso “salvacionista” que determi- tencialista, vendedora de ilusão, que em geral
mento. Orgulhamo-nos de estar entre nadas ações geralmente ditas “sociais” propõe utilizam o esporte apenas pelas suas possibi-
as dez maiores economias do mundo, com o esporte não deve deixar de considerar, lidades econômicas ou como argumento teó-
mas frequentemente negligenciamos agindo sempre e nos tensionamentos necessá- rico panfletário, desconsideram, assim, os seus
o fato de ocuparmos a 84ª posição no rios, a necessidade reivindicar ou revelar, em jogadores, usando-os como peças descartáveis
ranking mundial do Índice de Desen- paralelo, e talvez a priori, a melhoria na quali- em um tabuleiro social de interesses produti-
volvimento Humano (IDH) (FORPRO- dade de vida dos jovens, das famílias inseridas vistas ou de ganho de votos em trocas de api-
EX, 2012, p.11). no contexto onde será desenvolvido um proje- tos, bolas ou coletes.
to sócio-educativo. Apesar das contradições sempre apa-
A condição social destes alunos e alunas Devemos acreditar, por mais que dura que rentes, vivamos esperando (construindo e
era ainda um fator agravante e impactante no seja a realidade, que a mesma criança que ar- vivenciando) dias melhores, inspirado nas es-
projeto, revelando aos nossos olhos as contra- remessa uma bola de handebol em direção as peranças que renascem na natureza, nos seres
dições e desigualdades existentes em nosso traves/redes na quadra de esportes marcando humanos e nas quadras/campos de esportes
país. Desta maneira, a discussão passa a ser um belo gol, pode usar as mãos para tirar uma pelo nosso imenso Brasil. Que se recomece o
mais ampla, uma luta constante por um maior vida humana. Isto por que o gol marcado na jogo (quantas vezes for necessário), com no-
e melhor acesso a educação de qualidade; uma infância nesta quadra, não leva em conta (e vos sujeitos, novas estratégias, novas teorias,
melhor moradia com as condições de sanea- nem poderia isoladamente) romper e superar novas práticas. Só que a cada novo (re)início
mento básico e saúde; a oportunidade de em- as injustiças na qual aquela criança continuou estejamos ainda mais fortalecido no pensar
pregos e salários dignos; acesso a alimentação submetida. Contudo, felizmente, nem uma coi- e agir em prol de um mesmo desejo: a trans-
e ao lazer de qualidade. sa e nem outra está determinada. formação humana. Numa metamorfose onde a
Diante dos enfrentamentos, proposições, vida fecunda o pensamento e as ações e estes,
Chegando ao Final do Jogo... Ou Seria um considerações, debates, intervenções que fo- fecundam a vida. Assim, “eu prefiro ser esta
(Re)Começo? ram vivenciados durante o PEAC podem ser metamorfose ambulante (...) do que ter aquela
produzidos novos conhecimentos e estes se velha opinião formada sobre tudo” Raul Seixas.
Diante das limitações e possibilidades materializaram em ações sempre ressignifica-
reveladas (ou não) ao longo da análise e dis- das, numa atitude propositiva de acreditar que

Referências
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