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O conceito de Bildungsroman

The concept of Bildungsroman

João Gabriel Haiek Elid Nascimento 1

Resumo: Procura-se analisar no presente artigo o conceito de Bildungsroman - romance


de formação - enquanto determinada categoria literária constituída através de uma
discussão acadêmica, para consequentemente concluir em que media essa atitude
histórico-discursiva inaugura rupturas e continuidades em relação a sua principal e mais
expressiva obra artística de referência; a saber: Os Anos de Aprendizado de Wilhelm
Meister, de Goethe. Para tanto, será realizado primeiramente uma apresentação da
origem histórica do conceito para em seguida expor os principais avanços teóricos de
sua discussão acadêmico-literária. Por fim, procurar-se-á justificar a potencialidade da
obra de Goethe como evento de destaque para a fundamentação do conceito de
Bildungsroman relacionando-o tanto com a exposição do enredo da obra, quanto do seu
legado artístico: contemporaneamente à sua publicação e posteriormente frente à
reverberação do paradigma goethiano em alguns romances do século XX.
Palavras-chave: Bildungsroman; Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister;
Goethe; Discussão acadêmica; Legado artístico.

Abstract: The aim of this article is to analyze the concept of Bildungsroman - novel of
formation - as a determined literary category constituted through an academic
discussion, in order to conclude in what media this historical-discursive attitude
inaugurates ruptures and continuities in relation to his main and most expressive
reference artistic work; namely: The Years of Learning by Wilhelm Meister, by Goethe.
For this purpose, a presentation of the historical origin of the concept will be made first,
and then the main theoretical advances of its academic-literary discussion will be
presented. Finally, we will try to justify the potentiality of Goethe's work as a prominent
event for the foundation of the concept of Bildungsroman, relating it both to the
exhibition of the work's plot, as well as its artistic legacy: at the same time as its
publication and later on reverberation of the Goethian paradigm in some 20th century
novels.
Keywords: Bildungsroman; Wilhelm Meister's Years of Learning; Goethe; Academic
discussion; Artistic legacy.

***
(...) o Bildungsroman é um conceito constituído
discursivamente, isto é, sustentado por uma
atitude histórico-discursiva do que por suas
características históricas imanentes (MASS,
2000, p. 240).

Die Bildung: o conceito

1
Graduando em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). E-
mail: gabrielelid@hotmail.com.
O conceito de Bildungsroman

Bildung se trata de um neologismo contemporâneo ao século XXIII quase que


intraduzível, já que apresenta uma intensa carga ideológica devido ao seu vínculo à
corrente iluminista e à cultura alemã. Antropologicamente, se refere ao aperfeiçoamento
pessoal que conduz o indivíduo à autoconscientização de uma identidade cultural de
bem comum: uma instituição coletiva semelhante à Paideia grega, e à humanitas latino-
romana. Ou seja, sempre relacionada a uma boa orientação educacional na qual o ser
humano ali inserido se forma moralmente.
A partir disso, a Bildung acabou flertando com outros significados, o que acabou
lhe conferindo muitas vezes uma concepção sinônima a Die Erziehung (educação) e Die
Entwicklung (desenvolvimento). Muitas vezes perpassada como uma autonomia
individual, um único ser humano incorporaria a totalidade da cultura de sua civilização:
a saber, uma tônica que, segundo Selbmann, é herdeira do processo de liberdade
subjetiva promovido pelo Iluminismo (SELBMANN, 1994a, p. 1-2).
Um processo que, apesar de orientado a um fim, o possui como algo ainda
indeterminado e passível de mutação. Uma concepção que orientou grande parte da
formação da identidade nacional alemã, como afirma o célebre comentador alemão na
seguinte passagem:
Com esse final agora aberto do Bildung processo acompanhou-se uma
mudança abrangente na imagem do homem. Para o clássico alemão, o
conceito de Bildung subiu para a categoria central de seu modelo de
interpretação do mundo, através do qual expandiu o conceito de Bildung em
três aspectos essenciais: a natureza exemplar da antiguidade (Winckelmann),
a conexão com as concepções de metamorfose (Goethe) e como um conceito
estético contrarrevolucionário da educação (Schiller) (Ibid., p. 2)2.

É neste contexto que, a comunidade intelectual e artística alemã, sobretudo entre


Schiller e Goethe, se mostrará de grande valor para o desenvolvimento de suas obras: a
notável amizade que os dois artistas mantiveram por mais de uma década, irá perpassar
todo o período de redação dos Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister. O criador da
historiografia na Alemanha, G. G. Gervinus revela a importância desta interação a partir
da perspectiva de alguém que pôde contemplar esse evento contemporaneamente:
Naquele tempo [...] não tínhamos na Alemanha uma história, um Estado, uma
política, tínhamos apenas literatura, apenas ciência e arte. Ela excedeu a tudo,
venceu em toda parte, por isso dominou as ânsias da época [...]. Assim como

2
“Mit diesem nun offenen Ende des Bildungsprozesses ging ein umfassender Wandel des Menschenbilds
einher. Für die deutsche Klassik stieg der Bildungsbegriff zur zentralen Kategorie ihres
Weltdeutungsmodells auf, durch sie wurde der Bildungsbegriff in drei wesentlichen Aspekten erweitert:
Die Vorbildhaftigkeit der Antike (Winckelmann), die Verbindung mit Metamorphosevorstellungen
(Goethe) und als ästhetisches gegenrevolutionäres Erziehungskonzept (Schiller)”.

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a Revolução Francesa atravessou rapidamente todas as formas estatais de


desenvolvimento político, no século passado repetiu-se em nosso país toda a
história de nossa literatura de até então até que se chegasse àqueles que a
fizeram avançar [...]. Foi somente com Goethe e Schiller que nos fizemos
independentes (SCHILLER|GOETHE, 2010, p. 14).

A pretensão por uma formação universal, que até então era privilégio apenas da
aristocracia, vem a incluir um público mais vasto a possibilidade dessa educação
orientada pela obra de arte, movimentando a frágil classe média alemã à emancipação
política através da cultura. Assim como expresso nas Cartas sobre a Educação estética
da humanidade, de Schiller, é apresentado a exigência de uma imediata intuição estética
da forma ideal no próprio plano sensível; de modo a superar os limites que o âmbito da
experiência impunha através da influência do kantismo.
É, pois, considerando tal conjuntura, bem como os ressentimentos com o
resultado da Revolução Francesa que o regime de terror impôs, que a comentadora
brasileira Wilma Patrícia Mass afirma:
Goethe efetivamente realizou uma estetização da sociedade, por meio das
intrincadas relações entre as personagens, que, ao final do romance, se
explicam e se harmonizam, não apenas por relações de matrimônio e
parentesco, mas também de afinidades espirituais, eletivas (MASS, 2000, p.
22).

Assim, a volta à antiguidade como um objetivo pedagógico deveria se dar, no


contexto moderno, como algo orientado, pelo menos de imediato, pela sensibilidade.
Algo que, longe de se chocar com as pretensões da Revolução Francesa em romper
totalmente com o “Antigo Regime”, acabará por desencadear a partir da reinterpretação
da cultura antiga, um novo propósito ao homem moderno: um processo dialético tanto
de conservação do clássico paradigma quanto da criação de uma nova personalidade.
É dessa forma também que Mass irá conduzir seu raciocínio ao mostrar no final
do século XVIII o desdobramento de um período de fortes tendências literárias nas
quais se objetivará tanto a orientação infanto-juvenil a partir de uma “sociedade
educadora”, quanto a conscientização dos espaços públicos com a consequente
determinação dos ambientes particulares-familiares; de modo que “o fenômeno literário
constituído pelo romance de formação só pode ser compreendido se relatado à transição
entre a cultura feudal e a emancipação econômica burguesa” (MASS, 2000, p. 29):
transferindo a cultura da herança e posse medievais para o fundamento do mérito
adquirido pelo individuo burguês em ascensão através da força literária, e não tanto pelo
impulso economicamente lento na Alemanha (MASS, 2000, 29-30).

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Der Bildungsroman: a origem do termo


A determinação histórica do Bildungsroman tem sua origem com Karl
Morgenstein (1770-1852), professor alemão redescoberto por Fritz Martini nos anos
sessenta, e considerado como o primeiro a cunhar o termo na língua alemã. É, pois, com
Martini que se encontrará uma importante referência no registro e na compreensão da
metamorfose que esse conceito sofreu com o passar do tempo, desde seu início com
Morgenstein.
A constituição semântica do termo tem, no seu início, uma intrínseca relação
com o conceito de romance filosófico (philosophischer roman), pois estabelecerá sua
essência de tal modo na identidade do herói, que se possibilitará até mesmo observar o
reflexo do próprio autor e de sua própria Bildung nos personagens que constituíam o
universo do protagonista do romance. Essa proximidade autobiográfica do
Bildungsroman com seu autor é tamanha, que o leitor acaba sendo muitas vezes
seduzido a não ignorar o desenvolvimento de sua própria consciência conduzida e
exposta pelo personagem principal: “Esse exibicionismo literário, na expressão do
próprio processo educacional, parece ser o ponto central, no qual Morgenstern fixa seu
conceito-de-romance-de-formação” (SELBAMNN, 1994a, p. 10) 3. Uma determinação
do gênero que, de acordo com Selbmann, já caracteriza uma diferenciação tanto da
epopeia quanto do drama. (Ibid., p. 11).
A demarcação de Morgenstern do romance didático do Iluminismo é apenas
passageira ("nada didático"); assim como a diferenciação adicional entre o
romance filosófico, o romance de arte e o Bildungsroman geral, ele se
relaciona ao clássico conceito de Bildung como uma formação geralmente
concebida harmoniosamente, universalmente humana. Nesse ponto, o
Wilhelm Meister de Goethe se torna o paradigma do gênero, ‘o mais
excelente do gênero, do nosso tempo e para o nosso tempo’ (Ibid., p. 11) 4.

Contudo, as Lições sobre Estética (Vorlesungen über die Asthetik , mantidas por
mais de dez anos por Morgenstein garantiram, por outro lado, uma grande liberdade de
resposta à questão por ele posta, muitas vezes identificando o romance de formação

3
Dieser literarische Exhibitionismus in der Darstellung des eigenen Bildungsprozesses scheint der
Angelpunkt zu sein, an dem Morgenstern seinen Bildungsroman-Begriff festmacht.
4
Die Abgrenzung gegen den didaktischen Roman der Aufklärung leistet Morgenstern nur flüchtig
(»nichts Didaktisches«); sie bezieht sich, wie auch die weitere Differenzierung von philosphische Roman,
Kunstroman und allgemeinem Bildungsroman, auf die klassische Bildungskonzeption einer harmonisch
gedachten, allgemein menschlichen Bildung. An dieser Stelle wird dann doch Goethes
WilhelmMeisterzum Patadigma der Gattung, zum »vorzüglichsten seiner Art, aus unserer Zeit für unsere
Zeit.

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(Bildungsroman) como a melhor expressão do romance: “Com sua expansão universal


dos conceitos, o próprio Morgenstern transforma sua terminologia em uma fórmula
vazia, quando ele afirma que todo bom romance seja basicamente um romance de
formação” (Ibid., p. 9) 5.
Essa indeterminação do gênero já em seu início pode ser comprovada quando,
por exemplo, as Lições sobre Estética ministradas por Hegel, contemporâneas a
Morgenstein, acabaram por imprimir à teoria do romance, e consequentemente aos Anos
de Aprendizado de Wilhelm Meister, apenas um fenômeno marginal ao épico: em que
“para Hegel, o romance como ‘epopeia burguesa moderna’ recebe a tarefa de apresentar
e ao mesmo tempo transmitir o ‘conflito entre a poesia do coração e a prosa conflitante
dos relacionamentos’” (Ibid., p. 12) 6.

Bindulgsroman: a discussão acadêmico-literária


Apesar de Morgenstein ter criado o termo, e Hegel ter comentado Os Anos de
Aprendizado de Wilhelm Meister, “a efetiva história da pesquisa em romance de
formação começa com Wilhelm Dilthey” (SELBMANN, 1994a, p. 15)7: foi em seu
livro, Leben Schleiermachers, que o idealista alemão fez emergir para o discurso
acadêmico o conceito de Bildungsroman, determinando-o mais propriamente como uma
subespécie do romance (Kunstlerroman) derivado da “escola de Wilhelm Meister”
(Ibid., p. 16).
Já em germe em Morgenstein e Hegel, foi Dilthey quem endossou o conceito de
Bildung analogamente àquilo que Selbmann designou por “teoria evolutiva biológica-
orgânica” (biologisch-organischen Evolutionstheorie), reiterando na linguaguem técnica
do objeto de pesquisa termos como “estágio“ (Stufe) e “maturo“ (Reife): sem os quais a
determinação do romance de formação (Bildungsroman) não viria a se consolidar (Ibid.,
p. 16).
O trabalho feito por Dilthey acabou por revelar na própria história de discussão
do conceito um processo de formação (Bildingsprozess), ou melhor, uma
autodeterminação que tem a estrutura não apenas semelhante, mas complementar à do

5
Mit seiner universalen Begriffserweiterung macht Morgenstern seine Begriffsprägung dann allerdings
selbst zur Leerformel, wenn er behauptet, jeder gute Roman sei im Grunde ein Bildungsroman.
6
Der Roman als »moderne bürgerliche Epopöe« erhält bei Hegel die Aufgabe, den »Konflikt zwischen
der Poesie des Herzens und der entgegenstehenden Prosa der Verhältnisse« darzustellen und zugleich zu
vermitteln.
7
Mit Wilhelm Dilthey beginnt die eigentliche Geschichte der Bildungsroman-Forschung.

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herói do romance. Desse modo, a mera expressão do conceito de Bilgundsroman acabou


por resultar no desenvolvimento de obras de uma nova e posterior corrente de jovens
escritores no século XX (Ibid., p. 17): “Com Hegel, Dilthey lê o caminho-de-formação
do herói como um impulso involuntário de um estado paradisíaco para um mundo
inimigo” (ibid., p. 17) 8.
Essa luta com essas realidades “inimigas” do mundo objetivo e a consequente
harmonia com o “paraíso perdido”, além de secularizar a história sagrada da salvação -
ou sacralizar a formação cultural humana -, mostra que o Bildungsroman é um romance
da interioridade, com a tônica em um no sujeito particular, muitas vezes se confundindo
à “semelhança da imagem divina” uma “força imanente da natureza”: a saber, uma
influência do movimento pietista, segundo Rolf Selbmann (Ibid., p. 1). Incorpora-se
assim tais “ambientes” na própria consciência do indivíduo em formação, da mesma
forma que lhes concede institucionalidade enquanto um estágio deste desenvolvimento.
Com Dilthey, essa perspectiva histórica não apenas assinala uma literatura
popular alemã especializada à forma romanesca, mas também, uma forma a serviço do
estado [ideal]; no sentido de que a integração com a sociedade está sempre como
horizonte. Assim, não se trata nem da expressão de um mero saber, nem da falta dele,
mas da experiencia interna e universal à própria consciência, e necessariamente à crítica
ao ambiente que lhe é objetado. Todavia, esse desenvolvimento não deve ser visto como
se ocorresse unilateralmente, apenas ao sujeito; mas necessariamente todos os
ambientes experienciados também passam por um processo dialético de reconhecimento
daquele vivente.
Dentro desta dialética compreensão tem-se uma “dupla-face” do Bildungsroman:
que, por um lado é visto como uma estrutura formal que serve de fundamento universal
de aculturação para diversos indivíduos em “aprendizado”; e por outro, como abertura à
autonomia e à liberdade subjetiva. Tal conjuntura não é um atributo acidental, como
bem observa Selbmman, pois se trata de uma estrutura essencial não apenas para a
manifestação da relação entre o educador já desenvolvido, e o educando em processo de
descoberta, mas principalmente para a prévia postulação de um objetivo que de certa
forma é inescapável, apesar de se mostrar inefável quanto ao seu completo fechamento:

8
Mit Hegel liest Dilthey den Bildungsweg des Helden als unfreiwilligen Austrieb aus einem
paradiesischen Urzustand in eine feindliche Welt.

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Se alguém levar isso a sério, então a peculiaridade estrutural do romance de formação


estaria precisamente nessa conexão intensiva entre um narrador educado, um herói a
ser educado e um leitor envolvido nesse processo (SELBMANN, 1994, p. 30) 9.

“Conexão” esta, vista também como bastante conflituosa:


Esse "aspecto hermafrodita do romance de formação" [...], a tensão que não é
resolvida harmoniosamente, mas persistente, é o que define o gênero em si e
aproxima o romance de formação da utopia literária. É uma tese ousada que o
romance de formação também oferece aos leitores de hoje acesso direto e
identificável, porque é mais próximo da narrativa moderna do que o romance
social, mas merece ser investigado (Ibid., p. 23)10.

Tensão esta já consciente em Dilthey, que identificava nesta constante


desigualdade a necessária projeção de aperfeiçoamento mantida quase que
constantemente pelo herói (Ibid., p. 29): “O narrador reflete essa falta de conhecimento
das coisas reais da vida como o déficit educacional de um herói” (Ibid, p. 65) 11. A
identificação deste conflito – ou tensão - no âmago da obra é algo que vem a se
expressar, em última instância, na própria discussão literária do conceito:
Martini prova pela primeira vez que o conceito do romance de formação não
foi cunhado por Dilthey, mas por Morgenstern, e que o conceito e a história
inicial do romance de formação pertencem muito mais próximos do que
normalmente se supõe. [...] Martini pode mostrar que o romance de formação
não é uma "forma estética categórica", mas uma "forma histórica" cujos pré-
requisitos residem menos em um ‘legalismo estrutural formal’ isolável, mas
‘principalmente no material, na temática e em suas intenções e funções’
(Ibid., p. 21)12.

Assim, uma pré-representação canônica do Bildungsroman deve sempre


apresentar, para ser legítima, a abertura para a metamorfose dessa abstração
pretensamente imediata e totalizante do conteúdo.

9
Nimmt man dies ernst, dann würde die Struktureigenheit des Bildungsromans gerade in diesem
intensiven Wirkungszusammenhang zwischen einem gebildeten Erzähler,einem zu bildenden Helden und
einem in diesen Prozeß hineingezogenen Leser liegen!.
10
Dieses »Zwitterhafte am Bildungsroman« [...], die eben nicht harmonisch aufgelöste, sondern
durchgehaltene Spannung macht für Swales gerade das eigentliche Gattungsmerkmal aus und nähert den
Bildungsroman der literarischen Utopie an. Ob damit der Bildungsroman auch dem heutigen Leser einen
direkten, identifikatorischen Zugang ermöglicht, weil er dem modernen Erzählen näher liege als der
Gesellschaftsroman, ist eine kühne These, die freilich eine Untersuchung verdiente.
11
Diese mangelnde Kenntnis der realen Dinge des Lebens reflektiert der Erzähler als ein Bildungsdefizit
des Helden.
12
Martini weist darin erstmalig nach, daß der Begriff des Bildungsromans nicht von Dilthey, sondern von
Morgenstern geprägt worden ist und damit die Begriffsprägung und die Frühgeschichte des
Bildungsromans viel enger zusammengehören, als man gemeinhin annimmt. [...]. Martini kann zeigen,
daß der Bildungsroman keine »kategoriale ästhetische Form«, sondern eine »historische Form« ist, deren
Voraussetzungen weniger in einer isolierbaren »formalen Strukturgesetzlichkeit«, sondern »primär im
Stofflichen, Thematischen und in seiner Wirkungsabsicht und -funktion liegen.

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Entretanto, concluir que a história do conceito não realçou um aspecto


padronizado e a-histórico, nem de longe significa um motivo para não conceder o
mérito da pesquisa literária; pois, foi ela que, por si só, deu sequência em efetivar a
experiência e consequentemente a crítica à realidade latente no romance de Goethe
(Ibid, p. 21). É neste ponto que podemos ver a arte ultrapassando a si mesma, ao servir
de pedra de toque para a conscientização de uma identidade cultural: longe de uma
orientação instalada autocraticamente, mas como um astucioso impulso cuja finalidade
é descoberta autonomamente.
É pois, justamente a concessão deste campo complexo de determinação que
serve como pré-requisito para a apropriação hermenêutica; até porque, o conceito de
Bildungsroman já está, querendo ou não, sendo utilizado em muitos dos “manuais de
estudos literários”: demonstrando que, se não há ainda uma possível determinação
definitiva e técnica, por outro lado, seu fenômeno já se mostra inevitavelmente presente
e atuante nas discussões como categoria literária, ao menos pela sua utilidade prática.
(SELBMANN, 1994a, p. 22)
Assim, apesar deste direito de cidadania no diálogo literário se garantir sem uma
determinação unanime da “comunidade científica”, atribui-se reiteradamente ao
romance de Goethe o “cânone mínimo” e fundamento criativo para as discussões sobre
o conceito de Bildungsroman, como também afirma Mass:
(...) dezenas de verbetes em enciclopédias literárias entendem o
Bildungsroman como um gênero cuja obra modelar é Os anos de
aprendizado de Wilhelm Meister, período no qual Goethe, ao lado de
Schiller, reina soberbo como a figura emblemática (MASS, 2000, p. 23).

Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister: o enredo


Destacado as características conceituais do Billdungsroman, resta, pois,
justificar a potencialidade destas discussões em sua obra literária de referência.
A primeira parte do livro pode ser caracterizada por duas grandes características:
o apaixonado relacionamento de Wilhelm com a jovem Mariane, e a decisão
antiburguesa de desenvolver sua personalidade através da carreira teatral. No curso
destas escolhas iniciais enfatiza-se não necessariamente um progresso cultural (Bildung)
propriamente dito, mas principalmente a experiência e familiarização com o círculo
social no qual o protagonista participa. Além disso, pode-se considerar que o teatro se
trata de um estágio que permanecerá por toda a história de formação
(bildungsgeschichte) como o grande ponto de inflexão entre o jovem, herdeiro de uma

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vida comerciante e o início da autonomia pelo seu desenvolvimento. (SELBMANN,


1994a, p. 60)
A utilização da arte como ponto de partida para a construção moral do indivíduo
é evidenciada não apenas no enredo e no caráter literário que Os Anos de Aprendizado
representam, mas também, filosoficamente, nas Cartas sobre a educação estética do
humanidade de Schiller. Que, de acordo com Lukács:
O motivo de sua decisão provém de sua compreensão, à época, de que, nas
condições sociais existentes, só o teatro lhe poderia proporcionar o pleno
desenvolvimento de suas capacidades humanas. O teatro, a poesia dramática
são, portanto, aqui somente meios para o livre desenvolvimento da
personalidade humana (Goethe, 1994b, p. 594).

Elogiado particularmente por Schiller nas Correspondências com Goethe, a


revolta romântica antiburguesa é encarnada nos personagens Mignon e harpista: se trata,
pois, da primeira etapa da educação, e que tem seu ponto de enfoque, como já aludido,
na vida teatral. Diferentemente da relação com estas personagens, as correspondências
mantidas entre Wilhelm e Werner foram também uma condição necessária,
principalmente por estabelecer entre os aprendizados oriundos da sagrada vida ética
burguesa e aqueles de ideal humanista: pois ambos tinham os mesmos objetivos, serem
homens bons e virtuosos! - embora com perspectivas diferentes (SELBMANN, 1994a,
p. 62). É nesta troca de cartas que se pode extrair várias passagens que sintetizam a
filosofia de nosso herói.
O entusiasmo de Schiller em relação a Wilhelm Meister, que foi um dos
principais temas tratados em quase toda a extensão da Correspondência de cartas com
Goethe, começou a se tornar nítido com aquela datada em 3 de julho de 1796, em que o
poeta trata da concepção do todo que a comunidade dos personagens ali se estruturou;
principalmente no que diz respeito à relação de Wilhelm com Werner, o que, segundo
Schiller, “(...) enobrece o realismo para o qual o senhor conduz o herói do romance”
(SCHILLER|GOETHE, 2010, p. 80).
A partir disso, consequentemente, Wilhelm segue uma vida contrária à de seu
próprio amigo Werner, que permanece na vida de um homem de negócios: e foi assim,
o modelo imediatamente contraposto ao do herói do Bildungsroman. Esta dicotomia
permanecerá produtiva pelo menos até o momento em que Wilhelm é impelido a
abandonar sua carreira artística e iniciar suas atividades comerciais: é neste momento
que o protagonista passa a não mais considerar a vida de um homem de negócios como

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oposto ao seu objetivo último, mas, sem negá-la completamente, apenas a considera
como um estágio necessário a ser superado em direção à nobreza de caráter. Concepção
esta que pode ser vislumbrada na seguinte fala de Wilhelm, apesar de expressa apenas
em uma fase avançada do livro:
- Oh, que inútil severidade da moral – exclamou -, quando a natureza, a seu modo
amoroso, nos forma para tudo aquilo que devemos ser! Oh, as estranhas exigências da
sociedade burguesa que primeiro nos confunde e nos desencaminha, para depois
exigir de nós mais que a nossa própria natureza! (GOETHE, 1994b, p. 502).

Entretanto, será nas cartas com seu primo e amigo de infância Werner, que
representa o paradigma burguês no romance, que Wilhelm explicitará mais
sinteticamente tais intenções. Em uma das mais famosas passagens do romance, o nosso
protagonista escreve a seu primo:
De que me serve fabricar um bom ferro, se meu próprio interior está cheio de
escórias? E de que me serve também colocar em ordem uma propriedade
rural, se comigo mesmo me desavim? Para dizer-te em uma palavra: instruir-
me a mim mesmo, tal como sou, tem sido obscuramente meu desejo e minha
intenção, desde a infância [...].
Fosse eu um nobre, e bem depressa estaria suprimida nossa desavença; mas
como nada mais sou do que um burguês, devo seguir um caminho próprio, e
espero que venhas a me compreender. Ignoro o que se passa nos países
estrangeiros, mas sei que na Alemanha só a um nobre é possível uma certa
cultura geral, e pessoal, se me permites dizer [...].
Se, na vida corrente, o nobre não conhece limites [...], pode portanto
apresentar-se onde quer que seja com uma consciência tranquila diante dos
seus iguais, pode seguir adiante, para onde quer que seja, ao passo que o
burguês nada se ajusta melhor que o puro e plácido sentimento do limite que
lhe está traçado (GOETHE, 1994b, p. 292-3).

Tal orientação começa a se delinear quando Wilhelm, ainda em suas viagens de


negócio, depois de muito já ensaiar sua partida, escolhe permanecer mais um tempo
com a companhia de teatro que ele havia conhecido: tudo pela sedutora imagem de
experimentar viver alguns momentos com a nobreza, que os haviam contratado para
uma apresentação em seu castelo.
A segunda etapa do romance, que tem seu possivelmente seu representante na
educação de uma figura feminina nas Confissões de uma bela alma (Livro VI), narra a
conciliação entre a revolta romântica e a nobreza serena, na qual a sociedade burguesa
capitalista não está mais em contradição de princípios com o ideal humanista; como
pode ser comprovado no tom mais resignado que Goethe imprime na fala de Narcise,
conforme a citação abaixo:
Acometeu-me um susto violento ao ler o jornal, e corri para o meu quarto,
que tranquei ao entrar. A primeira dor se desfez em lágrimas; o pensamento
seguinte foi: “Isso não se deu por acaso”; e imediatamente acatei a decisão de

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aceitar tudo de bom grado, porque também esse mal aparente não poderia ser
senão para meu verdadeiro bem. Assaltaram-me então os sentimentos mais
suaves, que dissiparam todas as nuvens de pesar; sentia que com aquela ajuda
tudo poderia suportar. Sentei-me bem-disposta à mesa, para assombro dos
meus familiares (GOETHE, 1994b, p. 376).

O modo como Goethe conduz a primeira parte do romance ao espírito


representado na citação acima foi, de maneira genial, conectado com a vida do
protagonista ao fazer com que a própria cena representada por Wilhelm lhe revelasse
uma função de caráter mais elevado que a vida teatral, encaminhando seu papel a uma
amplitude que passaria a abranger não apenas os limites do palco, mas principalmente a
efetividade da vida além dele. Foi apenas depois de encenar Hamlet que essa reviravolta
de perspectiva começou a ser revelada para o nosso herói: o ápice de suas habilidades
cênicas na peça de Shakespeare é ao mesmo tempo a saída de cena do teatro como tema
central na formação cultural do herói. O teatro deixa então de ser visto como uma
missão final, para ser apenas um ponto de transição a um objetivo mais nobre.
Um objetivo que agora, se deslocará da mera formação individual para a
formação coletiva; transferindo sua inclinação à vida artística para se dispor em
assuntos de interesse geral. Foi com a tomada de consciência da diferença entre o papel
representado na cena teatral com a vida em sociedade, que Wilhelm dispensou
centralizar no teatro certa resolução para seu “romance”: a esperança no teatro se
mostrou como uma resolução apenas paliativa, supondo que se poderia conquistar a
mesma dignidade de um nobre através de sua representação em cima do palco.
O desapontamento de Wilhelm, que já vinha da incompatibilidade mencionada
no parágrafo anterior – da identidade do objetivo da sua vida com a vida teatral -, se
acrescentará posteriormente à sua recusa em identificar seu sistema de educação
exclusivamente contido e expresso em uma determinada sociedade de nobres. Dessa
forma, tal nobreza de caráter, que agora é um objetivo mais determinado, não deve ser
relacionada tanto ao título social, mas sim a uma inclinação da vontade. Pois não se
trata de indício em restaurar a antiga nobreza denuncia pela Revolução [Francesa], mas
de buscar e renovar as clássicas relíquias humanistas que ali estavam reservadas como
tesouros particulares de uma classe. Algo confirmado posteriormente por Lukács,
quando este comenta que,” (...) aos olhos de Goethe, a nobreza tem valor
exclusivamente como trampolim, como condição favorável a tal formação da
personalidade” (GOETHE, 1994b, p. 597).

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Seria, pois, reservado ao indivíduo nascido no seio de uma família burguesa o


papel heroico de transmitir a outras classes esses nobres ideais humanistas. Assim,
apesar das diferenças imutáveis de nascimento, Wilhelm não deixou de aproveitar uma
conciliação entre o espirito nobre e o poeta romântico antiburguês: visto que, “o
contraste funcional entre o nascimento aristocrático e a classe média evolui para um
funcional que parte de níveis equivalentes” (SELBMANN, 1994a, p. 70) 13. Trata-se de
um fato que, depois da convivência secreta com os sábios da nobre sociedade da torre,
as diferenças de origem social acabam por se tornar bem mais toleráveis quando a
igualdade educacional é estabelecida: “Essa afinidade dos heróis educacionais da novela
pela nobreza parece se tornar quase constitutiva para o gênero [...]. Na nobreza, pode-se
supor, o herói reflete também sua escolaridade social” (Ibid., p. 71) 14.
Como diz Lukács, cria-se uma ilha, não como uma fuga, mas que mantem
relações com a sociedade hostil. É com Goethe que o ideal humanista, exaltado em
grande parte da literatura desde o Renascimento, passa a se realizar mais concretamente
na vida cotidiana e principalmente em lugares não aparentemente propícios. Tal ilha
criada pelo indivíduo que percorre esse autodesenvolvimento é também o embrião de
uma nova era de progressiva transformação da sociedade burguesa (GOETHE, 1994b,
p. 601): assim, falsamente entenderia o Bildungsroman de Wilhelm Meister se
resumisse sua história exclusivamente a um objeto cultural por alcançar.
Agora, se pode-se falar de uma “terceira parte” do romance, esta residiria, para
Lukács, “em concentrar todas essas tendências na pequena sociedade da segunda parte e
contrapor a essa realidade concentrada, como utopia, ao resto da sociedade burguesa”
(Ibid., p. 609): não nos personagens; na verdade, a maioria não a tem consciente a
conciliação deste ideal; mas é na perspectiva do narrador que essa falta é revelada como
aquilo que governa moralmente a ação de todos, sendo eles conscientes ou não (Ibid., p.
599). “A realização dos ideais humanistas é neste romance não só o parâmetro para
julgar as diversas classes e seus representantes, como também a força propulsora e o
critério de ação de todo romance” (Ibid., p. 598).
É, entretanto, no complexo sistema de regras e cartas da sociedade da torre, que
Goethe alude a um curso no qual a evolução de Wilhelm pode ser compreendida como

13
Aus dem ständischen Gegensatz zwischen adeliger Geburt und Bürgertum entwickelt sich dann ein
funktionaler, der von gleichwertigen Ebenen ausgeht.
14
Diese Affinität der BildungsromanHelden zum Adel scheint geradezu konstitutiv für dieGattung zu
werden [...]. Am Adel, so steht zu vermuten, bespiegelt der Held seine erreichte Bildungshöhe auch
gesellschaftlich.

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astuciosamente controlada e determinada de antemão; mas de tal forma que se persegue


uma orientação consciente e livre de toda resignação fatalista (GOETHE, 1994b, p.
601):
Por mais importante que fosse para mim cada uma daquelas experiências no
momento crítico, meu relato seria muito pálido, insignificante e inverossímil,
se eu fosse citar casos isolados. Como eu era feliz ao ver que milhares de
pequenos acontecimentos reunidos me demonstravam, tanto quanto a
respiração a comprovar o sinal de minha vida, que eu não estava sem Deus
no mundo! Ele estava perto de mim, eu estava diante dele. E isso o que posso
dizer com a máxima veracidade, evitando intencionalmente toda linguagem
teleológica sistemática (Ibd., p. 386).

É o que muitos comentadores interpretam quando se expõe a grande inexistência


de mandamentos morais e regras técnicas de pedagogia: justamente como comprovação
aqui de uma orientação não unilateralmente destinada a um destino determinista: não se
trata, pois, de uma obediência à moral imposta, mas de uma livre aceitação pela
compreensão da razão contida naquela conjuntura aparentemente contingente.
Contraditoriamente ao destino de Wilhelm, Werner se mostra transformando
num “hipocondríaco trabalhador” no reencontro com seu primo; quando o velho amigo
acaba por mostrar uma desvirtuação ainda maior às intenções de Wilhelm ao propor que
se utilizasse da educação e da comunidade promovida na sociedade da torre como um
instrumento para se tornar mais rico e poderoso. Isso, depois de Werner muito bem já
ser informado da incompatibilidade da utilidade da vida burguesa com as nobres
aspirações educacionais de Wilhelm.
Sobre essa chamada “sociedade da torre”, e a carta de aprendizado que ela
destinou de modo personalizado a Wilhelm, bem como os rituais a ele submetidos,
relata Selbmann:
Ao mesmo tempo, o processo aparece como uma contra-fatura de uma
performance teatral, com a cortina levantada e abaixada várias vezes [...]; o
que parece estar direcionado contra a carreira teatral de Wilhelm acaba sendo
complementar: a carta de ensino também é um "papel" (SELBMANN, 1994a,
p. 66)15.

Entretanto, simplesmente como uma negação da vida passada, e não como uma
continuação do teatro na vida como um todo, Wilhelm primeiramente interpreta nestas
cartas a completa inexistência de cultura onde antes ele havia procurado: a saber, na
vida teatral (SELBMANN, 1994b, p. 67).
15
Zugleich erscheint der Vorgang als Kontrafaktur einer Theateraufführung mit mehrfach gehobenemund
gesenktem »Vorhang« [...]; was wie gegen Wilhelms Theaterlaufbahn gerichtet zu sein scheint, erweist
sich als ihr komplementär: auch der Lehrbrief ist eine »Rolle«.

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Por fim, Wilhelm termina o romance sem um postulado de


educação/aculturação; nem um resumo do caminho tomado de sua vida. Mas
certificando sua incompreensibilidade frente a felicidade na qual ele ali encontrara:
contestando para o leitor a definição de um aprendizado, além da falta de influência do
protagonista sobre o próprio destino.
Tal interpretação pode ser levada em consideração quando, ameaçado a perder a
mão de Therese, a única decisão que Wilhelm diz ter efetivamente tomado em toda a
sua vida, de pedi-la em casamento, na verdade não se demonstrou como uma boa
escolha, e teve que ser astuciosamente orquestrada para um destino mais adequado aos
interesses coletivos, e não reconhecidos pelo protagonista, a saber: conduzido a um
destino mais feliz com Natalie, mulher quem ele considerava representar efetivamente o
ideal feminino. “Se olharmos para esse alegado paradigma do romance de formação,
devemos compreender que o intérprete não pode encontrar tudo o que procura: sem
receitas, sem modelo educacional, sem resultado” (SELBMANN, 1994a, p. 73)16.
Ou seja, tem-se um final feliz, mas sem um caminho educacional alcançado,
algum tipo de conclusão, ou autonomia nas decisões tomadas. Pode-se até mesmo ver,
assim como Mass, que o caminho não foi positivo, mas negativo, no sentido de que
decresce a vontade individual do herói, pois enquanto no início ele, mesmo que
ingenuamente, ainda decide fervorosamente por sua carreira teatral e por seus
apaixonados encontros com Mariane, no final, ele acaba se entregando à vontade de
seus amigos a partir da reflexão “estéril” e “sábia” feita na Sociedade da Torre (MASS,
2000, p. 193): segundo Mass, um “herói sem autonomia”.

A recepção do romance contemporânea a Goethe: entre a obra e o conceito


É interessante também apresentar a reação causada contemporaneamente a
algumas importantes personalidades frente ao impacto da publicação dos Anos de
Aprendizado de Wilhelm Meister, e anterior ao termo Bildungsroman; vejamos. Apesar
do desentendimento mútuo a respeito entre von Humdbolt, Schlegel, Körner e Schiller;
muito se repercutiu sobre a percepção deste último a respeito da incompatibilidade da
comunidade e da inquietação causada pelo romance de Goethe, que o via como uma
grande oportunidade de insistir novamente na constituição programática do romance:

16
Überblickt man nun dieses angebliche Paradigma des Bildungsromans, so muß man feststellen, daß der
Interpret alles das, was er sucht, nicht findet: keine Rezepte, kein Bildungsmodell, kein Ergebnis.

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Schiller defendia, portanto, que a fundamentação filosófica da história de formação do


herói devia ser, justamente a partir da influência de Wilhelm Meister, melhor trabalhada
(SELBMANN, 1994a, p. 58).
Entretanto, é na carta de 8 de julho de 1796 que começa a crítica mais rigorosa:
Schiller revela a necessidade de uma ordem na sucessão dos eventos que está ausente
em certas passagens; acabando por criar uma lacuna entre o romance e sua a moral: não
seria esta a intenção de Goethe? A discussão acadêmico-literária indica, em grande
medida, essa possibilidade.
Mesmo assim, a maioria dos trechos nos quais Schiller atribui sua crítica
permanecem inalterados pelo autor; dessa forma, do mesmo modo que se mostra uma
aproximação do romance de Goethe com os princípios que norteiam as Cartas sobre a
educação estética da humanidade, por outro lado vê-se uma crítica geral à
concretização final de Wilhem Meister: a mística por trás da sua resolução já causava
incomodo.
Já segundo Körner e von Humdbolt, Wilhelm Meister foi certamente o mais
necessário, mas não o mais importante personagem: foi a principal causa efetiva e
fenomênica do romance, mas não a sua razão e causa final. Acontecendo tudo ao seu
redor, mas nunca por sua escolha, o herói acabou adquirindo um caráter nitidamente
figurativo, plástico (Bildsamkeit) (SELBMANN, 1994a, p. 58)
Para Schlegel, Wilhelm Meister foi uma das três maiores tendências de seu
tempo, juntamente com a Doutrina da Ciência de Fichte, no campo filosófico. e a
Revolução Francesa no campo político. Os três eventos endossam o caráter
experimental que o romance expressa na sua discussão conceitual: três tendências em
comum de grande influência e poder, mas sem realização e consequentemente sem um
modelo que lhes sirva de fundamento. (Ibid., p. 59).
É a este momento único da história humana que Lukács remete ao afirmar, que:
Tanto ideológica, quanto artisticamente, o Wilhelm Meister é produto de uma
crise de transição, de uma curtíssima época de transição. Assim como não
teve precedentes imediatos, tampouco pôde ter uma sucessão artística
verdadeira (GOETHE, 1994b, p. 609).

A herança de Wilhem Meister nos romances do século XX


Como foi aludido anteriormente, a recepção de Wilhelm Meister e do
Bildungsroman, em grande medida é subordinada aos seus estudos acadêmicos-
literários, que não apenas renovam, como atualizam o seu legado:

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“O chamado renascimento de um romance educacional alemão mais recente


por volta de pouco depois de 1900 começou quase exatamente ao mesmo
tempo que a autoridade de Dilthey, quando o romance educacional foi
introduzido como um termo para estudos literários” (SELBMANN, 1994a, p.
29)17.

O século XX da psicanálise e das duas guerras mundiais se inicia com a


fragmentação do sujeito, criando uma severa crise nos pressupostos que desenvolviam
teleologicamente o indivíduo à harmonia de seu ser: é a nova fase do romance burguês
(MASS, 2000, p. 209-210). Assim, a formula do modelo goethiano, em conciliar a ação
na realidade social com a contemplação do indivíduo fica impossibilitada por uma
acentuação no aspecto subjetivo.
O processo de constituição de um gênero realiza-se, portanto, como reação
ante uma tradição literária que o antecede, bem como perante demandas e
constelações históricas contemporâneas desse processo. A experiência de
leitura do público tem papel fundamental, uma vez que é por meio dela que
se veicula a tradição literária preexistente, e que se realizam as tradições por
estabelecer (Ibid., p. 65).

Segundo Mass, será Felix Krull de Thomas Mann e O Tambor de Günter Grass
os dois maiores exemplos em que essa reação à tradição do Bildungsroman se realizou
mais nitidamente. (Ibid., p. 215) No primeiro, diferentemente daquele de Goethe, a
comentadora brasileira afirma que, “o protagonista, ao relatar sua trajetória, não tem
como perspectiva a integração, a constituição de uma personalidade individual, mas sim
a abolição de quaisquer marcas distintivas de caráter” (Ibid., p. 215)
Assim, como uma antítese do objetivo nobre e solene de uma educação clássica,
o Felix Krull procura se aproximar de classes diferentes daquela que nasceu através da
trapaça, e, logicamente, não para integrá-las à sua cultura, mas apenas para ascender seu
status social, a saber: o modelo picaresco dos disfarces impressos em suas corrupções, e
a pseudo-autobiografia de um anti-herói (MASS, 2000, p. 224-225).
Já no romance de Günter Grass, ao invés do malandro anti-herói, tem-se uma
paródia recheada da mais sutil ironia. O enredo, apesar de também apresentar o conflito,
como em Meister, entre seguir a herança paterna e a vocação artística, aqui
ironicamente simbolizada pelo tambor de lata, a história prossegue com uma série de
recusas, cujo destino é a internação do protagonista no hospício, onde é feita a
“gloriosa” retrospectiva de sua trajetória (Ibid, p. 234).

17
Die sog. Renaissance eines neueren deutschen Bildungsromans um und kurz nach 1900
beginntziemlich genau zeitgleich mit der Autorität Diltheys bei der Einführung des Bildungsromans als
Terminus der Literatutwissenschaft.

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Por fim, desta vez identificado por Marco Aurélio Werle, o Gato Murr, de
Hoffmann, revela a consciência desta herança através da impossibilidade, em nenhum
plano de realidade, de resolução dos conflitos entre o mundo ideal da nobreza e o real
burguês de modo muito mais explícito do que se vislumbrou no romance de Goethe.
Narrado em primeira pessoa, e de uma forma muito mais solta, a história transmite o
caos e o pessimismo de um lado mais tenebroso e desconfiado da ação humana
(WERLE, 2017, p. 290-291):
“Grosso modo, se temos de um lado o entusiasmo de Goethe pelos ideais
humanistas, de outro há Hoffmann, que já está se aproximando da atmosfera
de pensamento pré-revolução de julho de 1830, e de um Schopenhauer ou
Nietzsche” (WERLE, 2017, p. 292).

Conclusão
“A pergunta que se impõe é: quais são as consequências, para os estudos
literários, da utilização demasiada de um termo tão impregnado de circunstancialidade e
historicidade?” (MASS, 2000, p. 24).
A história da recepção e interpretação de Os Anos de Aprendizado de Wilhelm
Meister pode ser vista até hoje como estando tão intrinsecamente conectada com a
[in]determinação conceitual do próprio Bildungsroman; que lhe é praticamente
impossível desvencilhar, pois nunca foi expresso por completo e suficientemente o seu
processo de definição.
Por outro lado, pode-se também compreender o que Goethe quer com seu
romance como diferente da formalização de um modelo educacional: pois não há nem
na carta educacional de Wilhelm, nem na carta de ensino da Torre, e nem mesma na
conclusão do romance, nenhuma prática doutrinal explicita que possa ser implementada
pelo educador que “narra” esse aprendizado a um outro “herói”. (SELBMANN, 1994a,
p. 59-60).
Apesar de todas essas determinações negativas, o seu poder enquanto paradigma
do romance educacional continua inevitavelmente influenciando novos escritores e
discussões literárias, como afirma Selbmann:
Wilhelm Meister pode ser considerado como um paradigma do romance de
formação, pois ele se concentra em todos os discursos educacionais da época
e os entrelaça, mas não os “realiza” ou os resolve de maneira exemplar, como
o discurso sobre o maior ou mesmo o único romance de formação alemão
quer saber, mas como ele faz o dela representa potencial abertura e

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continuidade, sua mutabilidade e reversibilidade (SELBMANN, 1994a, p.


74)18.

Assim, é justamente essa distância histórica impressa pela circunstancialidade da


obra a pedra de toque que garante a atualização do conceito e consequentemente do
paradigma de seu herói: na apropriação hermenêutica, no caso do conceito
Bildungsroman; ou na sua realização do fim universal de formação (Bildung) do herói,
no caso de Wilhelm
Em outras palavras, o objetivo, ou conclusão da educação histórica de seu herói,
pode ser desdobrada no próprio resultado que a discussão sobre a formalização estética
de seu conceito efetivou: o que, sem dúvida alguma, é o que se deveria esperar de um
trabalho dessa envergadura, podendo-se vislumbrar até mesmo a clássica “adequação ou
identidade do intelecto com a sua coisa”; ou, da discussão conceitual e do romance.
Assim, tal abertura à indeterminação conceitual, faz com que a própria história
do conceito de Bildungsroman renove a pesquisa abrindo sempre a possibilidade de
uma visão a ser captada. Um escapasse à fixidez da letra morta pela canonização da
forma, atualizando nesta discussão a reincidente criação de uma particularidade
histórica e geográfica que não pertencia à sua pré-representação; mas sempre a ela
referenciado.

Referências Bibliográficas
GOETHE, J. W. Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister. São Paulo: Ensaio.
1994b.

MASS, W. P. M. D. O cânone mínimo: O Bildungsroman na história da literatura. São


Paulo: Editora Unesp. 2000.

SELBMANN, R. Der deutsch Bildungsroman. Stuttgart: Weimar: Metzler. 1994a.

SCHILLER, F.; GOEHE, J. W. Correspondência. São Paulo. Hedra. 2010

WERLE, M. A. A dimensão filosófica do Meister de Goethe E do Gato Murr de


Hoffmann. Discurso, v. 47, nº 1, 2017, p. 283-06. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/discurso/article/view/134092>. Acesso em: 10 de Julho de
2020.

18
Als Paradigma des Bildungsromans kann Wilhelm Meister insofern gelten, als er alle Bildungsdiskurse
der Epoche zentral thematisiert und miteinander verschänkt, sie aber nicht >erfüllt< oder mustergültig
löst, wie es die Rede vom größten oder gar einzigendeutschen Bildungsroman wissen will, sondern als er
ihre potentielle Offenheit und Fortsetzbarkeit, ihre Veränderbarkeit und Aufhebbarkeit darstellt.

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