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o 29 | 2018 | [ 47 - 63 ]
e-ISSN 2182-1453
Resumo | No século 20, a morte foi considerada tabu, assustadora e fora de controlo. Hoje algo mu-
dou. Vemos como atrações turísticas sítios que estão ligados com a morte, como memoriais e museus
Em Portugal o Turismo cemiterial começa a atrair pessoas. Cemitérios históricos são classicados como
tornam-se comuns.
O Turismo cemiterial tem sido visto como um ramo do Turismo Negro. Mas as motivações que levam
something changed. We now look as tourist attractions sites which relate to death, such as war memo-
In Portugal Cemetery Tourism is beginning to attract people. Historic Cemeteries are classied as Na-
tional Heritage, Municipalities take good care of them, endowing them with infrastructures and guided
Cemeterial Tourism has been considered a branch of Black Tourism. But the motivations that bring
* Licenciado em História, pela Universidade do Porto. Mestre em Antropologia, pela Universidade do Minho. Douto-
rando em Turismo, Universidade de Aveiro.
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O cemitério é, sobretudo, visto como um es- fora das igrejas era mal entendido pela
turas, de outras religiões, de outras dimensões. E por isso, para este como para outros cemitérios
A questão da construção de cemitérios em Por- (Agramonte, também no Porto, ou Prazeres, em
tugal, nomeadamente no Norte do País, é um caso Lisboa) se encontram soluções de organização do
de estudo interessantíssimo. espaço de modo a torna-los mais agradáveis, o
Tal como lembram João de Pina Cabral e Rui que fez deles um instrumento de desenvolvimento
Graça Feijó (1985), no Portugal dos inícios de no- urbano. É ainda Rio Fernandes quem arma (Fer-
vecentos os mortos eram sepultados dentro das nandes, 1997: 273):
igrejas paroquiais ou em seu redor. Foi a falta
O cemitério [. . . ] foi um importante
de espaço para sepultamentos dentro dos templos
elemento de construção da cidade de
que fez com que se inumasse o mais perto deles,
nais do século XIX e de boa parte do
isto é, ao seu redor, nos adros.
século actual, apoiando a expansão da
Entretanto um pouco por toda a Europa
mancha urbana e servindo de suporte
desenvolvem-se novas ideias que levam a diferen-
a signicativas concentrações de acti-
tes atitudes quer perante a morte ela mesma, quer
vidades (com natural relevo para mar-
perante a questão de saúde pública que ela fre-
moristas e oristas) [. . . ].
quentemente representava e para a qual se via uma
só solução: proibir os enterramentos nas igrejas e Sepultar fora das igrejas signicou por isso uma
transferir os cemitérios paroquiais para fora das nova moldura arquitetónica, geralmente em meio
Entre nós estas novas atitudes acompanham pondia à realização do túmulo, uma nova moldura
as novas ideias que nos chegam com as Invasões económica, eram muito elevadas as verbas gastas,
Mas as circunstâncias não foram lineares. Por uma nova hipótese de armação social.
exemplo no caso do Cemitério do Prado do Re- De facto, não se tratou apenas de uma ques-
pouso, no Porto, sabemos que as transformações tão de higiene e saúde pública, questão prático-
urbanas, mas também as sociais e políticas, que cientíca e político-social da sociedade oitocen-
a cidade sofreu ao longo do século XIX foram de- tista. Se assim fosse, os cemitérios católicos seriam
terminantes. Como o foram também os desapare- em espaços em descampados, muito sóbrios e com
cimentos ou alterações de uso de mosteiros, con- túmulos de arquitetura padronizada tal como ve-
A propósito, o Geógrafo Rio Fernandes escreve Aliada à questão higiénica surge o novo campo
O cemitério, de facto, é outra das al- espelho da cidade dos mortos e permitiu satisfa-
terações que o triunfo liberal introduz zer o velho anseio de o indivíduo mais abastado se
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monumentalizar distinguindo-se dos outros atra- comercialização e uma ética comercial que (explí-
vés de uma marca perene, de um objeto de consa- cita ou implicitamente) aceitam a visita (intenci-
gração - o seu túmulo - comparando-se assim aos onal ou incidental) como uma oportunidade para
É justamente esta condição de cidade dos Procurando uma denição concreta do fenó-
mortos, uma das que mais confere ao cemitério meno, Philip Stone (2010), escreve: "Turismo Ne-
grande potencialidade turística. gro é o ato de viajar e visitar atracões que apresen-
O Turismo Cemiterial tem sido visto como visitas têm o seu quê de redenção, sem que se inte-
um ramo, se assim podemos dizer, do chamado ressem pela cultura local, seja ela judaica ou não,
Turismo Negro ou, em inglês, Dark Tourism. sendo que o seu interesse é nos mortos e não nos
rismo, Turismo Mórbido, Turismo Macabro, Tu- Claro que esta visão nos aproxima estas visi-
rismo Sombrio e até Turismo de Dor, consiste nor- tas às peregrinações. Lennon e Foley (2002) são
malmente em visitar lugares associados à morte também de opinião que esta ideia de peregrinação
Segundo Lennon e Foley (2000), o Turismo Ne- na sua maioria em circunstâncias ligadas à violên-
gro consiste no ato de viajar e de visitar os locais de cia, como os campos de morte de Choeung Ek no
morte, catástrofes e cenários aparentemente ma- Cambodja, Auschwitz - Birkenau na Polónia, Goli
cabros. Citados por Borges (2011), aqueles inves- Otok na Croácia, o Ground Zero em Nova Iorque,
tigadores destacam três pontos principais sobre o Oradour-sur-Glane e a Ponte de Alma, em França,
Turismo Negro, um dos quais é que os elementos a Capela dos Ossos de Évora e até as ruinas de
educativos dos locais são acompanhados por uma Vilarinho da Furna, de enorme potencial turístico.
Figura 1 | A chama da liberdade tornada Memorial da Princesa Diana (Paris). Fonte: Foto do autor
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Aliás lembra-nos James Young (1993) que esta locais associados ao turismo negro, nomeadamente
questão não é nova, já que anal locais como as os designados cemitérios históricos, vai à procura
catacumbas de Roma são respeitados pontos tu- da História, do confronto com a memória deste ou
cas sombrias também dão resposta a um senti- Nós próprios, que acompanhamos várias des-
mento de luto nacional e de senso de sobrevivência, sas visitas nomeadamente a cemitérios do Porto,
ajudando o visitante a obter um signicado para a inquirimos os visitantes que nos colocaram exata-
sua própria existência social. mente diante destas motivações. Vários estudos
Mas, se o Turismo Negro está em ascensão de visitantes, ainda inéditos, levados a cabo por
e já vai sendo visto por muitos dentro da nor- investigadores, também parecem ir de encontro a
que muitas pessoas preferem evitar más memórias, O mesmo parece acontecer com alguns estu-
mesmo que se trate da história dos seus parentes, dos publicados, como os de Stephanie Yuil (Yuil,
das suas famílias, das suas cidades e dos seus paí- 2003), Liliane Afonso (Afonso, 2010), Marijana
Por seu lado o psicólogo social Benoit Monin 2015) e Courtney Ann Mundt (Mundt, 2016).
(2007), acredita que o Turismo Negro estabelece De todo o modo, valerá certamente reetir so-
uma ligação entre observador e observado, já que, bre esta questão. Aliás o próprio Philip Stone
quando se está num local de tragédia, há a ten- (Stone, 2011) manifestou já há algum tempo a
dência de o visitante ver o mundo com o mesmo necessidade de novos olhares, sob novas perspe-
olhar da vítima. E em alguns locais há de facto tivas, a propósito da investigação sobre Turismo
mesmo ambiente de quem viveu aquele momento. Há, desde os anos 90, bastante literatura sobre
As razões para viajar para uma região atingida a relação do Turismo Negro, enquanto turismo
por uma catástrofe natural ou para visitar um me- da morte, da dor, do sofrimento não só com o
morial às vítimas de um genocídio são tão vari- Turismo Cultural como com outras áreas do Tu-
adas quanto as motivações para férias em geral. rismo. Já em 1996 o International Journal of He-
Numa série de artigos sobre o Turismo Negro a ritage Studies publicava um número especial, co-
blogger e viajante australiana Amanda Kendle ordenado por Malcolm Foley e John Lennon onde
(Kendle, 2008) refere razões tais como o desejo estas questões eram abordadas. Depois, foi uma
de entender como as pessoas sobrevivem a um de- constante de artigos, números especiais e revistas
sastre e a demonstração de simpatia para com o com contribuições dos maiores especialistas sobre
reram por uma causa justa, e outros menos louvá- Duncan Light (Light, 2017), da Universidade
veis como o interesse na morte e a depravação. de Bournemouth fez muito recentemente uma ex-
No geral, os adeptos deste tipo de turismo, celente resenha de todas estas contribuições, num
procuram novidade, diversão, aventura e novos co- trabalho que voltaremos a citar mais adiante.
nhecimentos. Ser praticante de turismo negro, no Ora Philip Stone (2006;152) desenvolveu uma
entanto, não é obrigatoriamente sinónimo de ve- tipologia de locais turísticos relacionados com
Quadro 1 | Uma tipologia de locais turísticos, segundo Philip Stone (Stone, 2006; 152).
A existência desta tipologia turística não cau- e paisagísticos presentes nas cidades e onde se re-
sará estranheza a quem se interessa por estes te- produz, de fato ou de forma idealizada, a ordem
dos mortos, é a outra face, o outro lado do espelho mesmo um local que transcende em muito um es-
da cidade dos vivos. paço de morte. Foi o que aconteceu com o cemité-
Michel Vovelle (1993) explica que o lugar dos rio de La Recolecta em Buenos Aires. Este bairro
rer dos tempos. No século XIX, os cemitérios as- século XIX, porque o cemitério aí se encontrava
sumem grande importância no imaginário visioná- instalado. La Recolecta é hoje uma das grandes
rio dos arquitetos. É nesse período que surgem os atrações turísticas de Buenos Aires.
grandes projetos dos cemitérios urbanos, como são Na América do Sul, mormente no Brasil, mu-
conhecidos hoje. São do início do século XIX os dam os paradigmas cemiteriais, quiçá impulsiona-
cemitérios centrais de Viena e de Estocolmo, bem dos quer pelos curiosos sincretismos religiosos quer
como os cemitérios do Père Lachaise, de Montmar- pela falta de espaço nas grandes cidades, quer
tre e de Montparnasse, em Paris. Para o autor, os pela mudança de mentalidades e atitudes perante
cemitérios são espaços de repouso privilegiado, sí- a morte. Começam a surgir os chamados cemité-
tios agrestes repletos de monumentos aptos a aco- rios verticais, escorreitos de formas e de decora-
lher todas as homenagens da memória familiar e ções, sem obras de arte ou mausoléus que possam
Michel Ragon (1981), grande estudioso dos ce- rada, onde apenas pequenas placas de mármore
mitérios, adverte que estes podem ser considera- ou de bronze identicam a sepultura. Apesar das
dos a segunda morada, onde o túmulo é a casa e transformações, continuam a receber visitantes e
o cemitério é a projeção de um quarteirão, de uma turistas, prestando algum tipo de homenagem a al-
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guém, ídolo futebolístico, cinematográco, ou po- jas, onde há igualmente sepulturas. Ou mesmo os
lítico, que esteja ali sepultado. seus adros. E, claro, as Pirâmides do Egito, para
(2007), um ponto turístico consolidado nos mais Por outro lado, se nos lembrarmos que o Con-
diferentes países do mundo. cílio de Rouen em 1231 proibiu, sob pena de ex-
Creio não ser este o momento de abordar em comunhão quem dançasse nos cemitérios (Afonso,
profundidade a questão da fruição turística de es- 2010), e que em 1405 o Papa retoma a proibição
paços sagrados. Em primeiro lugar porque é uma de dançar, interditando também os jogos de to-
discussão que, ao menos para já, precisa ainda de das as espécies, mímicas, teatros, malabarismos,
muita contribuição reexiva. Depois, porque tem músicos, charlatães, etc. (Ariès, 1975), podemos
de ser posta a vários níveis. E por último porque por como hipótese que a sacralidade desses espa-
só essa abordagem justicaria uma tese, ou várias, ços estava. no mínimo, muito atenuada.
não estando ao alcance de um simples artigo que Por outro lado, cemitérios com caraterísticas
apenas pretende recentrar o modo como se classi- próprias, podem merecer o respeito e a admiração
ca esse tipo de turismo. dos visitantes, não atentando em nada a sua sa-
de discussão. É o cemitério um espaço sagrado? Veja-se o caso, por exemplo, do Cemitério Ju-
Não foi ele dessacralizado no séc. XIX? Não foi daico de Praga, um lugar completamente à parte
ele retirado à inuência da Igreja, quer no aspeto da Cidade, onde nos sentimos transportados para
ritual quer no aspeto administrativo? Não foi ele um mundo diferente, como se numa cápsula do
transformado num espaço neutro onde todos têm tempo, e nos seus escassos metros quadrados so-
lugar, independentemente de terem ou não terem mos levados a reetir sobre o caos e a ordem, o an-
E se é polémico o Turismo Cemiterial porque um local obrigatório de visita turística, mas, espaço
1
se pisa o solo sagrado do cemitério, teremos que protegido, o bulício não impede que o local seja ha-
deixar de visitar o Panteão Nacional, ou o Mos- bitat de inúmeras espécies animais, colocando-nos
teiro dos Jerónimos, que também é panteão, ou frente a frente a questão da morte regeneradora de
1 Mesmo o caráter sagrado (com o signicado exclusivo com que é utilizado nestes debates) do cemitério não é uma
constante histórica. Na preparação de uma palestra monográca sobre um cemitério do distrito do Porto que zemos
há semanas consultamos o seu regulamento, elaborado em julho de 1869. Este determina várias coisas. Uma era que o
diretor era responsável por Velar pela ordem e decoro dentro do cemitério proibindo as discussões irritantes, cantigas,
frases indecorosas, brinquedos de crianças, colóquios de namorados e enm todos os atos incompatíveis com a profunda
gravidade e respeito que deve sempre existir em um lugar que é dedicado aos mortos. A outra mostra-nos como pode-
riam ser então aproveitadas algumas potencialidades dos cemitérios. É que se algo se proibia, é porque se fazia. . . Não
permitir dentro do cemitério plantações de arvores frutíferas, hortaliças ou qualquer vegetal que possa servir de alimento,
e bem assim a criação de aves domésticas ou de quaisquer outros animais (ADP, Fundo do Governo Civil).
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Figura 3 | A vida por entre a morte. Cemitério de Praga, 2011 Fonte: Foto do autor
Entretanto, os cemitérios foram-se tornando nos existiram. E, por isso, estarmos relacionados
em mais do que locais de veneração. Lennon e Fo- com o cemitério, ou o cemitério relacionado con-
enlutados familiares, são quem visitam e realizam Enquanto os cemitérios europeus já são refe-
deslocações organizadas ao cemitério (2000: 77). rências para o turismo, os cemitérios portugueses
Para alguns, esses cemitérios transformaram-se, começam a aparecer, aos poucos, nos roteiros tu-
como refere van Herk. São . . . Histórias enigmá- rísticos das cidades. É o caso, no Porto, do Cemi-
epidemias como a da varíola ou da gripe, morta- mitérios Municipais de Agramonte e Prado do Re-
lidade no parto, tempestades e tragédias climáti- pouso, e que possuem recursos comuns aos gran-
cas, barreiras étnicas. Distinções sociais - classe, des cemitérios europeus referenciais turísticos, ou
dinheiro e família também são reencenadas na seja, as obras de arte, as personalidades ali sepul-
própria estruturação do cemitério, famílias sepul- tadas, e o usufruto de um espaço sossegado dentro
de eleição, vítimas em valas comuns e, no passado, Não é novo o hábito de visitar alguns dos ce-
suicídios e ateus fora da santidade do recinto (van mitérios portuenses. Esta atividade tem até sido
Herk 1998: 54). levada a cabo com alguma constância por algumas
Também estes aspetos representam referências entidades, como a Câmara Municipal do Porto, e
evocativas de um passado que pode, mais ou me- por algumas personalidades como o Prof. Fran-
nos, ter afetado alguém que conhecemos, ou pelo cisco Queirós. Mas, a um nível mais amplo, são
menos termos conhecimento de que esses fenóme- ainda iniciativas algo isoladas.
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Figura 4 | Cemitério da Lapa (Porto). Visita Guiada por Francisco Queiroz Fonte: Foto do autor
turístico de um cemitério não se avalia somente Mas anal, o que é que traz turistas aos cemi-
pelo que contém, mas também pela sua localiza- térios. O que é que motiva a sua visita? O que faz
ção, enquadramento urbano, asseio e, sobretudo, com que ele escolha aquele destino em detrimento
pela questão das dissonâncias no seu interior. Os de outro?
cemitérios históricos e monumentais são como ci- Eduardo Rezende (2006), um geógrafo brasi-
dades em miniatura e também possuem os seus leiro que se converteu ao estudo do fenómeno do
centros históricos, frequentemente descaracteriza- Turismo Cemiterial naquele País, escreve: O ce-
dos por obras mais recentes ou pela alteração da mitério é uma fonte de pesquisa geográca (lo-
própria paisagem original. Ao contrário do que se calização e expansão das cidades), histórica (anti-
passa no mundo anglo-saxónico, os cemitérios por- gos hábitos e razões de inumar), sociológica (como
tugueses degradam-se muito pela renovação e não a sociedade lida com a morte e a memória), an-
tanto pelo abandono. tropológica (representações individuais e coletivas
Mas o interesse pela visita aos cemitérios não da morte), linguística (signos verbais), literária
abrandou, ao menos na Área Metropolitana do (escritos sobre as necrópoles, epitáos), artística
Porto. Continuam as visitas, espera-se a saída (escultura funerária, vidros, metais), arquitetónica
das classicações, encara-se a possibilidade de pu- (construções tumulares), arqueológica (antigos tú-
blicar um Roteiro de Turismo Cemiterial da Área mulos), hidrogeológica (águas subterrâneas cemi-
Metropolitana do Porto, e existe até um grupo no teriais) pedológica (os solos dos cemitérios), ge-
Facebook, chamado Saudade Perpétua, que tem nealógica e heráldica (famílias, nomes, brasões),
como dinamizador principal Francisco Queiroz, e demográcas (imigrantes, casamentos), nobiliár-
que muito embora se estenda a tudo o que é Ro- quica (linhagens nobres), e até, acrescentamos, a
mantismo, tem por epicentro os cemitérios. satisfação da natural curiosidade de saber como os
uma necessidade social quando a pessoa entende Pearce (1987) pensa, por outro lado, que o
que deve viajar para obter determinado status e as- método ideal é partir não das atividades, mas das
sim ser estimada pelo grupo. De outra forma, se necessidades dos turistas para realizar a viagem.
a pessoa busca no turismo a autorrealização como Assim ele constrói, a partir da teoria de Maslow,
atividade que lhe satisfaça e que lhe traga prazer um esquema que diferencia necessidades, que se
cimento de novas culturas, o turismo virá por úl- Como refere Alvarez Sousa (2010), . . . um
timo na escala de necessidades do homem. mesmo recurso ou produto, por exemplo o Ca-
Resultantes destes desejos e necessidades sur- minho de Santiago, para uns pode servir para se
gem as motivações turísticas, que giram em torno descontrair, para outros para se estimular ou não
de lazer, negócios, férias e recreação, saúde, visita se aborrecer, para outros para não se aborrecer,
a parentes, encontros, conferências, etc. para outros para se relacionar com pessoas, para
Temos então que o estudo da motivação pode outros para elevar a sua autoestima fazendo a via-
ser perspetivado em três variáveis: gem à vista de outras pessoas, e para outros para
- As forças intrínsecas ao indivíduo, como se- tamos nós, para muitos serve para alcançar várias
- O objeto que atrai o indivíduo, por ser Atua como um gatilho que despoleta todos os
fonte de satisfação da força interna que o acontecimentos envolvidos na viagem. Por outras
que mobiliza o organismo para a ação, a partir vê, um ato fundamental para uma boa gestão da
de uma relação estabelecida entre o ambiente, a coisa turística, seja ela qual for.
necessidade e o objeto de satisfação. São muitos os trabalhos sobre este tema, que
Quer isto dizer que, na base da motivação, está aparecem aliás muito bem recenseados por Fran-
sempre um organismo que apresenta uma vontade, cisco Dias (2009), que coloca neste aspeto as
que predispõe o organismo para a ação em busca - Por que é que algumas pessoas preferem
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férias de tipo itinerante e outras optam por atração turística tanatológica contri-
necessidades dos visitantes? E por sua vez Brigitta Pécsek (Pécsek, 2015), num
Mas vejamos alguns casos interessantes. Para arma que o seu trabalho permite:
tas semiestruturadas mostram em que Este quadro, extraído daquele trabalho, ilustra
medida as experiências de visitar uma uma das questões colocadas nas entrevistas e ques-
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apreço.
O recente e notável trabalho de Duncan Light procura, a gestão dos espaços, e os métodos de in-
(Light, 2017) a que já nos referimos, para além vestigação. Identica áreas em que a investigação
de elencar dezenas e dezenas de trabalhos sobre deve ser aprofundada ou mesmo iniciada.
este tema produzidos ao longo de duas décadas, É um trabalho de extrema utilidade para esta
vai mais longe. Avalia o progresso dessa produ- questão. Entre muitos outros dados, fornece-nos
ção tendo em conta seis eixos de principais de te- um interessante quadro que se reproduz de se-
Quadro 3 | Inuências das áreas disciplinares no desenvolvimento da investigação em turismo negro e tanaturismo 1996/2016
Mas mais, nas suas conclusões, Light arma, e uso turístico de lugares associados à
faço uma citação longa pela sua importância: morte e ao sofrimento não veem ne-
mente viajar (peregrinar) aprender, Embora o objetivo principal do cemitério seja cons-
tal, as suas motivações e experiências sua memória para os vivos, ele não é desprovido
são difíceis de distinguir daquelas dos de atratividade turística, e não só. Essa atrativi-
turistas tradicionais. Se há turistas dade estende-se aliás por vários temas, de entre os
parecem ser um fenómeno raro. Defuntos célebres - Este tema é talvez o mais
[O turismo negro] foi originalmente cemitério. Muitos turistas, do simples curioso ao
pensado como algo distinto do tu- verdadeiro admirador, vêm visitar os defuntos mais
rismo patrimonial e muitos outros paí- conhecidos. Uma grande razão da visita ao cemi-
ses adotaram subsequentemente essa tério da Lapa (Porto) é o facto de Camilo Castelo
posição. No entanto, duas décadas Branco aí estar sepultado, embora até em jazigo
bém, ser motivo de interesse. Um grande número período romântico, as esculturas que adornam as
de espaços funerários tem já vários séculos de exis- sepulturas, algumas de artistas famosos, são de
tência, tendo evoluído através dos tempos para se interesse especial para o turista, permitindo-lhe
tornar no que são hoje. O turista apaixonado pela por vezes a descoberta de peças de arte magní-
História gostará de conhecer os testemunhos do cas num lugar que se crê triste e austero. Sendo a
período em que se construiu o cemitério e as modi- arte funerária eminentemente simbólica, descobrir
cações que sofreu. Este aspeto está intimamente os signicados dessa simbologia é outro dos aspe-
ças), como por materiais vegetais (árvores, ores). as suas atitudes perante a morte, a sua estrati-
Estas duas facetas arquitetónicas denem a at- cação social, a sua organização prossional, níveis
mosfera do lugar e, portanto, têm um grande económicos, gostos artísticos, tudo isso se reete
impacto sobre a sua atratividade turística Além nos cemitérios. Por isso, conhecê-lo, é conhecer a
da sua vegetação, a conceção arquitetónica do ce- outra face da comunidade. Parafraseando o título
mitério confere-lhe um carácter próprio, podendo da tese de mestrado de Ana Paula Pegas (Pegas,
transformá-lo num ponto interessante para o tu- 2013), é O visível que não se vê.
rismo onde seja agradável estar e passear, isto Um exemplo de Cemitério com interesse tu-
sobretudo se se situam em zonas urbanas menos rístico, onde vemos tudo isto, é o parisiense Père
providas de espaços verdes. Arte funerária - A Lachaise. Será talvez o mais famoso cemitério do
beleza do cemitério não se limita apenas ao seu mundo, devido à sua localização no centro da ca-
desenho urbano e ao seu ambiente. A arte fune- pital francesa, à beleza dos seus monumentos e ao
rária, isto é, as capelas, as sepulturas e todos os número de pessoas famosas que aí estão sepulta-
seus aspetos decorativos, são peças fundamentais das. Foi fundado em 1804 numa época em que
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Chapu, valorizado por todo o espaço verde envol- tada ao Curso de Turismo. Belo Horizonte, Uni-
Jim Morrison, Pierre Bourdieu, etc. Tem como Almeida, M. (2007) Morte, Cultura, Memória: Múltiplas
oferta turística visitas guiadas gerais e temáticas Interseções. Uma interpretação acerca dos cemitérios oi-
tocentistas situados nas cidades do Porto e Belo Hori-
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zonte. Tese (Doutorado em História) Faculdade de
jardins, O Père Lachaise contado aos de 20 anos
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