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História da Criminologia

As diferentes formas de punição

Desde quando existem prisões? Por quem eram “habitadas”? Quem eram os criminosos?

A prisão “pena das sociedades civilizadas”, para Foucault, que já estabelece uma distinção entre
sociedades e formas de punição. Este é um estabelecimento destinado ao cumprimento de medidas
privativas da liberdade. Portanto, o criminoso torna-se no objeto alvo dessa pena. O objetivo destas
medidas é a obtenção da proteção e defesa social.

Idade Média

A primeira figura de desvio foi a do leproso, considerado uma entidade preocupante da qual a
sociedade tinha de se defender. Na época existiam até estabelecimentos para onde os leprosos
eram enviados, designados de leprosarias/gafarias, para se evitar a contaminação da doença
(acreditava-se que a lepra era contagiosa).

O objetivo não era de providenciar um tratamento aos doentes, mas segregá-los e vigiá-los. Estas
gafarias eram afastadas da comunidade, da vida social, do núcleo, para existir um menor risco de
contágio. Quando iam à cidade, tinham que levar sinos para assinalar a sua aproximação, e isto era
obrigatório, para o resto da população se afastar.

Identificação e segregação do leproso

 Através de denúncias - pela perceção dos sintomas na pele, muito percetíveis. Quem se
apercebesse destes sintomas era obrigado a denunciar.
 Esta doença era confundida com outras doenças, nomeadamente, pele e venéreas.
 Era considerado um símbolo da promiscuidade e do pecado, de que a alma estava corroída
pelo erro. Acreditava-se que esta doença estava associada à promiscuidade.
 O alegado doente comparecia perante um júri constituído por 3 elementos (um juiz, um
representante da ciência/medicina e um representante da Igreja). Assim que era
apresentado perante o júri, era considerado leproso e não podia ser contestado nem pelos
familiares.

Um dos sucessores do leproso é o louco.

A partir do século XVII, a loucura na figura do alienado, passa a outro mal eleito contra o qual a
sociedade se devia defender. As leprosarias antecederam os hospitais dos alienados do século XIX.
Quem tratava destes sujeitos era o médico alienista (atuais psiquiatras).

Nesta época existiram os asilos, destinados à salvaguarda do corpo social (“os sãos”). O objetico era
a proteção contra a degenerescência (na medida em que colocavam em causa a evolução do
Homem e da sociedade); impedir o alastramento da loucura; e defesa dos desmandos e violências
contra a tranquilidade ordeira na sociedade, na ausência destes sujeitos. Os loucos eram
considerados a causa de todos os males, estavam a colocar em causa a evolução da sociedade.
Assim, ao confiná-los naquele espaço, proteger-se-ia a sociedade.

Marginalidade heterogénea

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Os asilos eram de utilização alheia à entidade que albergavam, constituíam figuras desviantes os
vagabundos, vadios, mendigos, órfãos, delinquentes, desempregados, loucos. Todos coexistiam e
estavam aglomerados no mesmo espaço. A função desse espaço era não deixar transbordar a
marginalidade para fora dos seus muros, ou seja, o objetivo era afastá-los da sociedade para não a
afetarem, e não qualquer tipo de tratamento.

O grande enclausuramento (Foucault)

Iniciado em Paris, em 1656, com o Hospital Geral. Neste estabelecimento inserem-se todas as figuras
da desviância da altura e incluía as prostitutas. Não era, no entanto, a primeira forma de segregação
do louco. É sim uma nova forma de executar essa exclusão. Existiu anteriormente, na idade média, a
nave dos loucos, que consistia na exclusão do louco da sociedade, mas periodicamente era trazido à
comunidade, havendo uma circulação da loucura para ser confrontada e ser dado a conhecer o
alienado aos olhos da comunidade e iria permitir a distinção entre o são e o louco.

Com o grande enclausuramento do “Hospital dos Loucos” estão criadas as condições para que se
gere um novo saber sobre o louco que é submetido a um novo olhar (função do alienista) e para se
mistificar a loucura que foi retirada ao olhar da comunidade.

O grande enclausuramento foi um ato novo em si e nas suas consequências: primeiro porque até aí
nunca se tinha produzido o internamento de marginais de uma forma tão massiva e compulsiva, até
então era feito de forma pontual, não fazendo sentido aglomerar todas as formas de desvio;
segundo porque se deu a conhecer o louco ao olhar médico, resultando no surgimento da psiquiatria
(disciplina de corpo próprio a partir do séc. XIX, mas que remete até ao séc. XVII). Só depois de
nascido o asilo/manicómio, com o grande enclausuramento, é que se começam a estudar os
marginais.

Mas porque é surgem outras figuras de desvio? Porque surge a necessidade de enclausuramento?

Enquadramento histórico

Transição da Idade Média para a Idade Moderna - as conceções medievais vão ser alvo de grandes
críticas no período renascentista. O Estado vai-se autonomizando face à Igreja.

No decorrer dos séculos XIV, XV e XVI dá-se o desenvolvimento comercial e industrial com a
formação de uma nova classe capitalista na economia, substituindo o feudalismo. Vai emergir a
grande burguesia (mercadores, banqueiros, patrões industriais), e são quem retiram maior lucro
deste sistema económico. A riqueza, até este momento, era símbolo da perdição da alma.
Posteriormente, passou a ser uma virtude e um valor em si.

Estes fenómenos fomentaram um desenvolvimento rápido das cidades, que teve origem na
movimentação demográfica, em que as pessoas que viviam e trabalhavam no campo
tradicionalmente, mudam-se para a cidade que se torna no local da fortuna e das oportunidades.

Analogia da máquina - o corpo social é visto como uma máquina cuja rotatividade e funcionamento
resultam do trabalho, do lucro, da mão de obra. Quem não se adapta a esta máquina, os
subprodutos, é visto como a escória do corpo social, que tinha de ser eliminada para a máquina
funcionar.

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O enclausuramento é uma espécie de limpeza, para que a circulação do mercado se faça em
segurança. O asilo seria o mecanismo regulador dos subprodutos do capitalismo. O objetivo deste
enclausuramento seria o de segregar qualquer subproduto que poderia colocar em causa o
capitalismo.

Fenómeno de internamento

Por toda a Europa estabeleceram-se medidas legislativas específicas, como a criação de Hospitais
Gerais, onde se albergavam toda a espécie de marginais (heterogeneidade), com a função de
separação e segregação em prol da defesa social. Pode falar-se em estrutura asilar, que consiste no
estado indiferenciado, isto é, na mesma estrutura/estabelecimento encontravam-se diferentes
formas de desvio como loucos, prostitutas e órfãos.

No entanto, começa uma separação entre as populações marginais, pois entendeu-se que não era
concebível isolar todas num só espaço. Criam-se estruturas específicas entre os criminosos, doentes,
mendigos, vagabundos, verificando-se um desdobramento do asilo em instituições específicas para
os acolher. Surgem as prisões para criminosos, hospitais para doentes, orfanatos para órfãos, por
exemplo. A estrutura asilar diz-se estar na base da criação das prisões.

Começaram a surgir figuras recém-diferenciadas, como o alienado-criminoso, cuja criminalidade era


acidental, enão intencional (poderia ser colocado em qualquer manicómio); criminoso-alienado, o
crime presente na sua própria organização constitucionalmente anómala, os loucos morais, os
epiléticos, os impulsivos (manicómios especiais); criminoso-criminoso, que pertencia exclusivamente
à justiça, sem qualquer tratamento, ausência da loucura.

O alienado, no quadro explicativo da época, é um degenerado, considerado perigoso, que se desvia


à espécie e podia pôr em causa a reprodução do tipo normal humano, sendo de evitar que tivessem
filhos, pela ameaça que constituíam à proliferação que carrega a degenerescência.

Reforma na estrutura asilar - este contexto levou a sucessivas reformas implementadas na estrutura
asilar. Existiu o movimento do “no restraint” (Inglaterra, França), e este tratou-se do movimento da
reação face às condições miseráveis em que eram albergados os alienados e os modos deploráveis
como eram tratados. Este movimento alarga-se às prisões, hospitais, entre outros, insurgindo-se
contra a repressão física.

Prisão - Instituição física - nem sempre existiram prisões, pelo menos no formato atualmente
conhecido. Porém, sempre existiram figuras de desvio e instituições que desempenharam, na Idade
Média, papéis de segregação e exclusão social.

Prisão - pena - elemento diferenciador, a prisão até aqui não estava associada à privação de direitos,
neste caso o da liberdade, a pena não era refletida e as decisões pertenciam ao soberano, sem
qualquer justificação, a liberdade não constituía um bem essencial.

Os diferentes modelos de penalidade (Foucault, 1975)

No final do século XVIII existiam 3 grandes formas de organizar o poder de punir:

1. Punição através do suplício (punição física), herança do direito monárquico


2. Punição como requalificação dos indivíduos, pressupondo-os enquanto sujeito de direito
3. Punição através da instituição prisional

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Diferentes modelos - condições de emergência

O suplício é o correlato/consequência do “poder soberano” - ou seja, é a consequência do poder da


vida ou de morte que o rei detinha sobre os seus súbditos. A morte-suplício é a arte de reter a vida
no sofrimento, subdividindo-a em mil mortes (Foucault). A ideia principal por detrás deste castigo é
fazer sofrer o máximo de tempo possível.

Exemplos de Bourbon (1704-1789) – Fuga de escravos: bastonadas, marcas com ferro em brasa,
mutilações, morte ou galeras em caso de reincidência; Fuga com furto: estrangulamento, suplícios;

Galeras - sanção em que os condenados cumpriam uma pena de trabalhos forçados como
remadores nas galés, embarcações de guerra europeias até ao desenvolvimento da navegação. A
partir do século XVI possuíam velas que apesar de rudimentares, auxiliavam na sua movimentação.
Era necessário recorrer à força de cerca de 250 homens, recrutados de diversas formas. Os galeotes
eram escravos, voluntários ou condenados. Em Portugal, os prisioneiros eram simplesmente
retirados dos cárceres e acorrentados às galés durante alguns combates. A pena de trabalho nas
galés era uma forma de expiação das culpas do réu, a duração variava consoante o tipo de crime e
esta podia entre 2 e 12 anos. Os condenados esperavam em prisões comuns até serem requisitados,
mas foram também construídas, em Lisboa, prisões específicas, denominadas de galeras, que
abrigavam uma parte dos condenados às galés.

Penas variadas em função do que se pretende punir: açoites, passando pelo ferro em brasa até à
condenação à fogueira;

Punição: castigo que implica um ritual, denominado de liturgia punitiva, sendo uma celebração
pública. Em relação à vítima, deverá deixar uma marca corporal ou, se conduzir à morte, marca-o
retirando-lhe a vida; em relação à justiça, deverá tornar-se um espetáculo para ser visto por todos os
outros. É também um ritual político, em que o criminoso não ataca apenas a vítima em questão, mas
o próprio soberano, visto que é a lei ditada por ele que é infringida.

O espetáculo tinha como objetivo instaurar o medo e mostrar o poder do soberano. Mais tarde,
assume uma função de exemplo, como forma de prevenir a criminalidade, a atual dissuasão.

O povo assumia um papel fundamental nas cerimónias dos suplícios, era pela sua presença que se
tornavam num espetáculo, e ao testemunharem o que acontecia aos criminosos, minimizava a
probabilidade de cometerem algo semelhante. O papel ambíguo do povo: assume o papel para o
qual foi requisitado, ficar aterrorizado, e é confrontado com sentimentos de revolta perante a
violência que testemunha. Ao mesmo tempo este é o tipo de violência que pode pôr em risco o
poder monárquico, pois pode originar o designado contrapoder - revolta do povo pela violência
extrema do poder soberano.

Movimento dos reformadores - segunda metade do século XVIII.

Começou a surgir um protesto generalizado contra os suplícios - crítica ao excesso do castigo, à


irregularidade no poder de punir e procura de uma punição mais regular, eficaz e constante.
Apoiado pelo movimento dos reformadores, nomeadamente: Beccaria (1764) “Os delitos e as
penas”. Esta obra desempenhou um papel essencial na criação da moderna racionalidade penal. Este
movimento esteve na origem do contrato social, e questiona-se o direito de punir e a sua utilidade.

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Existem 2 leituras possíveis deste movimento – para os historiadores do direito penal foi um
despertar de uma atitude humanista que não suporta a crueldade dos suplícios.

Segundo Foucault: Suavização dos crimes -> suavização das leis

A criminalidade de sangue foi progressivamente passando a ser substituída pela criminalidade de


fraude. Esta alteração está associada às mudanças histórico-sociais referidas: ascensão da burguesia;
crescimento demográfico; valorização jurídica das relações de propriedade; multiplicação das
riquezas e das propriedades - faz emergir a necessidade de uma maior e mais eficaz segurança.

Características da Criminalidade (séculos XVI-XVIII) -> Predomínio de uma criminalidade violenta; a


partir da segunda metade do século XVIII regista-se um aumento dos crimes contra a propriedade,
desaparecimento dos crimes contra costumes e aumento global do número de crimes. Durante o
séc. XVIII há um progressivo desaparecimento/suavização das penas mais cruéis, abolição da tortura,
comutação da pena de morte e desenvolvimento do hospital e da prisão.

Teoria jurídica da penalidade

Quando os indivíduos são colocados num local e são privados das suas liberdades, tornam-se mais
vulneráveis, havendo assim a oportunidade de serem estudados e observados para a construção de
conhecimento, permitindo o surgimento do saber sobre esta área. Procura-se formas de punição
diferentes e mais eficazes com o objetivo de requalificar os indivíduos para se reinserirem na tal
“engrenagem”, na máquina que é a sociedade. Frisando esta ideia, o objetivo desta teoria, não é o
de punir menos, mas punir de forma mais eficaz e melhor.

Direito de Punir/Teoria do Contrato Social

Os poderes individuais são delegados ao Estado que, em contrapartida, tem o dever de zelar pelo
bem-estar e segurança das populações. Se o cidadão aceitar as leis do Estado, aceita também as leis
que irão punir se ele romper o pacto estabelecido entre cidadãos e Estado. O direito de punir irá
sofrer alterações, na medida em que este se desloca da vingança do soberano e desse direito
arbitrário, para a necessidade e um de direito de defesa social. A pena deixa de ter a função de
espetáculo, para impor o medo no corpo social, tem a função de pena exemplar, tendo um formato
de tornar aquele um exemplo para não ir contra o contrato social, e prevenção.

A pena exclusivamente corporal é abandonada, e vai deslocar-se para a alma, atuando sobre a
mesma, tornando-se numa pena incorpórea. Corpo - o mal que lhe é causado deixa de ser o objetivo
final da pena. O corpo é visto agora como um instrumento/meio para atingir a alma. Deste modo, o
alvo deixa de ser o corpo e passa a ser a liberdade do sujeito, agora considerada como um direito em
si.

Nova conceção do poder - passa pela elaboração de um conjunto de regras que fundamentam o
poder de punir e que substituem a arbitrariedade do poder do soberano e o uso da tortura e
discricionariedade no “processo judicial”. As testemunhas acusatórias e suas declarações eram
obtidas por tortura; as testemunhas de defesa eram proibidas; assim como os advogados de defesa.

O grande objetivo desta conceção era que a pena se tornasse eficaz e se estendesse a todo o corpo
social exercendo uma função preventiva. O criminoso, ao romper o trato social, torna-se inimigo de

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toda a sociedade, e não apenas da vítima em questão ou do soberano, é visto como um “anormal”
que não cumpriu as regras impostas e aceites por todos, surgindo a figura de “homo criminalis”
(Lombroso), pois põe em causa toda a funcionalidade da sociedade.

Punição - retribuição

A punição será uma retribuição ao criminoso pelos seus atos para com os seus concidadãos. A
punição deve ter utilidade, na medida em que haja um interesse público subjacente a toda a
penalidade, sendo visível para todos. Por isso é que a maior parte das condenações que iam de
encontro aos objetivos dos reformadores eram de trabalho nas obras públicas, pois contribuía para
os interesses públicos e era visível por todos, tendo assim utilidade. “Que os castigos sejam uma
escola mais do que uma festa; um livro aberto mais do que uma cerimónia.” (Foucault, 1975).

Prisão - as prisões não correspondiam aos objetivos dos reformadores, as penas não eram
diferenciadas em função do crime cometido ou do condenado em concreto. As penas não tinham
qualquer efeito sobre as populações pois já não eram visíveis para a comunidade, não cumprindo o
requisito da visibilidade. Sintetizando, a prisão não se enquadra no movimento reformador, mas
contrariava os seus princípios e é nociva porque mantém os condenados na ociosidade, pois não
tinham qualquer atividade.

Prisão - uma nova estratégia de poder

Apesar de todas estas críticas, a detenção como forma de punição, vai cobrir todo o campo da
penalidade. A prisão surge, segundo Foucault, não do movimento dos reformadores, mas dos
mecanismos próprios a um poder disciplinar, isto é, sendo o objetivo construir conhecimento sobre
os criminosos, estes eram colocados em vigilância constante para permitir que fossem estudados.

Docilidade – utilidade dos corpos

O poder disciplinar/disciplina são todos os métodos que permitem o controlo minucioso das
operações do corpo do sujeito, sendo usado como meio para a obtenção de conhecimento,
impondo-lhe uma relação de docilidade-utilidade. Nasce a anatomia-política, em que se tem
domínio sobre o corpo, sem o escravizar, sem o brutalizar, como acontecia na forma de punir
anterior, com os suplícios.

A prisão como problema social - o surgimento do sistema penitenciário

Em 1791 deu-se o surgimento do Código Penal Francês e funda-se a pena de privação de liberdade
como pena principal, sendo que isto atualmente ainda se mantém. Deu-se a disseminação das
prisões por toda a Europa e nos Estados Unidos da América. Devido ao facto de irem contra os
princípios dos reformadores, começaram a surgir debates sobre as suas finalidades, sobre a gestão
dos reclusos e sobre as condições físicas a que eram submetidos. Os atuais sistemas penitenciários,
apesar de tanto tempo passado, são herdeiros do sistema posto em prática na passagem para o
século XIX.

Howard e Fry foram dois autores relevantes neste aspeto:

 Howard - “State of prisons in England and Wales” (1777). As preocupações subjacentes a


este autor seriam as viagens por prisões europeias em busca de um modelo ideal de prisão
que impedisse a pena de degenerar em crueldade, abuso e injustiça. Recomendava a

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limpeza e arejamento das celas, separação de homens, mulheres e crianças, o
encarceramento celular de noite e o trabalho comum, em silêncio, durante o dia. O objetivo
seria evitar sofrimentos inúteis para lá da privação de liberdade. Há a busca de um modelo
de prisão ideal, onde a aprendizagem e requalificação do sujeito seriam feitas através da
autodisciplina.
 Fry, com a obra “Observations on the visiting superintendence and government female
prisoners” (1827), demonstrou preocupações quanto às mulheres detidas e às crianças
nascidas nas prisões. Recomendava o direito à educação dentro das prisões, e a instalação
de escolas e ateliês de costura nas prisões com o grande objetivo é evitar sofrimentos e
humilhações inúteis.

Modelo da Pensilvânia (Eastern Penitentiary, 1827)

O objetivo deste modelo era a modificação do comportamento do sujeito através do isolamento


total e da reflexão, não havendo qualquer contacto entre reclusos, nem entre guardas e reclusos. A
requalificação do sujeito era feita através da relação do sujeito com a sua própria consciência,
deixando-o refletir sozinho. As únicas visitas permitidas seriam as dos padres ou visitas oficiais e o
único objeto permitido dentro das celas era a Bíblia. Posteriormente, os sujeitos tinham direito a
uma hora de movimentação fora da cela, mas eles com os pés entrelaçados e com um capuz na
cabeça, para não haver contacto algum. A arquitetura da prisão era radial, de modo a fazer os
prisioneiros acreditar que estavam a ser vigiado e controlados a tempo inteiro e composta por celas
individuais, sendo a segurança e o regime assegurados pela própria arquitetura.

Era um modelo mais dispendioso, porque a própria arquitetura envolvia demasiado trabalho, era
muito detalhada e com pouca rentabilidade. Isto levava a muitos casos de loucura e imensos casos
de suicídio. Os detidos entravam nas celas de uma vez por todas e apenas saíam no final da
sentença, exceto em caso de doença. Cada cela estava provida de água e possuía sistema sanitário
próprio e um corredor individual para exercício físico. Acreditava-se que a religião ajudava na
requalificação.

Modelo de Auburn (desde 1821)

Este modelo teve mais adesão porque era considerado mais económico. Além disso, os números de
loucura e suicídio eram inferiores aos do modelo anterior. O objetivo deste modelo seria a
modificação do comportamento individual através da coação. O isolamento estava associado a uma
reunião sem comunicação, ou seja, havia uma subdivisão da prisão de dia e de noite. Os outros
objetivos seriam, o uso de técnicas disciplinares mais sérias, evitar a promiscuidade, e podiam existir
ofensas corporais, pois como os prisioneiros trabalhavam coletivamente, podiam existir interações
por descuido.

O regime era composto pela subdivisão da prisão, durante a noite estavam em isolamento e
enclausuramento celular, e durante o dia eram colocados numa sala em comum para o trabalho
coletivo em silêncio absoluto, onde podia haver recurso ao chicote, quando havia comunicação ou
(tentativa). Este regime era assegurado pelos guardas prisionais.

Debate: tratar ou punir?

O tratamento tinha como objetivo manipular os indivíduos, há a crença na regeneração e numa


sociedade sem crime nem reincidência, para depois o devolver à sociedade. Há a necessidade de

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estudos científicos e comparativos do sistema penitenciário. Para os defensores do tratamento, o
sistema penitenciário seria um instrumento de reparação.

Depois há autores como Tocqueville, que entendem que o sistema penitenciário é um sistema de
punição. A prisão é o centro da penalidade e há um intenso ceticismo face ao tratamento e à
capacidade de regeneração do delinquente, ideia determinística de que não há nada a fazer quanto
a estes indivíduos e de que o interesse social exige a punição de quem vai contra o contrato social.

“O interior das celas de Filadélfia apresentou-nos um espetáculo novo e muito interessante. O


detido goza em geral de boa saúde, está bem vestido, alimentado e dormido; encontra à sua porta
bens materiais que nunca teve no seu mundo. E, no entanto, é profundamente infeliz; o castigo
intelectual que lhe é infligido atira ao mais fundo da sua alma um terror mais profundo que as
correntes e os golpes. Não será assim que uma sociedade esclarecida e humana deve punir? Aqui a
pena é ao mesmo tempo a mais doce e a mais terrível jamais inventada. Apenas de dirige ao espírito
do homem, mas exerce sobre ele uma incrível influência.” (Tocqueville)

Panótico (Bentham)

É uma estruturação das prisões em termos de edifício que vai permitir que isto tudo se concretize de
forma mais simples possível. Por isso é que se diz que o panótico encontrou na prisão a sua
expressão mais privilegiada. É vista como uma utopia refletida por Bentham que se materializou
como projeto arquitetural na maior parte das prisões europeias em 1830-1840.

Celas de visibilidade, em que há um ponto central do qual o olhar permanente pode controlar
simultaneamente prisioneiros e guardas prisionais. Diferentes formas de panótico: clássico ou
benthamiano; semi-círculo; cruz; estrela. A ideia permanente é “faz tudo como se estivesses a ser
contemplado”. O panótico vai permitir um sistema de documentação individualizante e permanente
de cada recluso. Também foi denominado de sistema de “conta ou contabilização moral”, em que há
um boletim individual, que deu origem ao atual dossiê individual. O objetivo é efetivamente a prisão
enquanto local de constituição de um saber que é regulado pelo exercício penitenciário, pelo poder.

Beccaria (Escola Clássica de Direito Penal)

Existem autores com diferentes perspetivas nesta Escola. Com esta escola surge a necessidade de as
leis serem objetivas, pois até à época eram usadas pelos juízes de forma demasiado heterogénea e
subjetiva, originando penas injustas e arbitrárias. A Escola Clássica de Direito Penal marca o
surgimento do Direito Penal como ciência e dos seus princípios. O crime, para o iluminismo, tem em
conta como se define o indivíduo, como o sujeito é racional, as ações são racionalizadas e
voluntárias e o sujeito é responsável pelas suas ações (caso seja imputável). A pena, para o indivíduo
considerado responsável, será configurada consoante determinados princípios, e segundo Beccaria,
um deles seria a utilidade da pena.

Beccaria com a obra “Dos delitos e das penas”, delimita os princípios da ECDP. Insurge-se contra o
arbítrio dominante na punição e a falta de objetividade, coerência e limites das penas que eram
atribuídas até ao século XVIII. Parte de como a pena é necessária e o seu conceito de utilidade em
termos sociais e individuais.

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Contexto e referências ideológicas - A Escola Clássica de Direito Penal emerge no século XVIII na
Europa. Nasceu inspirada no movimento iluminista; com a nova conceção filosófica da pessoa, os
ideais de racionalidade, justiça, igualdade, liberdade e fraternidade do indivíduo, contra a estrutura
social apoiada pela Igreja e o Soberano, sendo uma reação reformadora contra todos os excessos do
programa punitivo medieval. O programa punitivo, a partir daqui, desvincula-se das questões éticas
e religiosas, passando a ser entendido como um poder que deve ser autónomo e neutro. Rutura com
o sistema de governo de regime absolutista, apoiado na religião e no rei. O poder filosófico ganha
força e questiona-se a realidade da punição.

 A Escola Clássica de Direito Penal tem origem no contexto político europeu caracterizado
pela decadência do estado monárquico absolutista e por uma nova forma de Estado baseada
numa ideologia liberal onde o indivíduo deixa de ser um objeto, passando a ser um sujeito
de direitos e com as suas garantias.
 O Estado desvincula-se da Igreja, tornando-se laico.
 Os iluministas tentam objetivar os princípios tentando limitar o poder soberano do Estado
que se impunha sobre o indivíduo de forma arbitrária. Por isso é que Beccaria defende que
os sujeitos devem ser mais formados e instruídos, para saberem os seus direitos e garantias.
 O contrato social, conceção de que a aplicação da pena é um mecanismo de prevenção da
criminalidade.
 Há autores nesta Escola que defendem o sistema punitivo e as condições desumanas que os
reclusos sofriam, considerando que a prisão não podia ser vista como um lugar onde as
pessoas são alimentadas e têm condições dignas, porque poderiam ter condições melhores
que a maioria da população não delinquente tinha, o que não era o desejado.
 Ideia geral sobre a utilidade da pena - tentativa de se equilibrar a tensão existente entre a
liberdade individual e o bem-estar social. As penas que ultrapassam a necessidade de
conservar o propósito da salvação pública são injustas, e tanto mais justas quanto mais
sagrada e inviolável for a segurança e maior a liberdade que o soberano considerar aos
súbditos. Toda a sua tese é sustentada na tensão entre o poder de aplicação das leis e das
penas e a liberdade individual de cada sujeito.
 Sumariamente, a sua proposta opõe-se a toda a violência física, que era valorizada até então
e denuncia também que as classes mais desfavorecidas eram objeto de maior violência na
aplicação das penas.
 Os autores desta época defendem então que determinada pena deve ser aplicada, ou não,
de forma neutra e independente da condição financeira ou estatuto social do indivíduo.
 Ideia de que as leis devem ser sobretudo objetivas e deve-se abolir qualquer lei que não seja
bem delimitada e que dê aso a subjetividades na sua aplicação.

 Estas ideias já vão estar expostas no código penal português de 1886, normas objetivas,
conforme proposto por Beccaria, para evitar dúvidas de como punir e não punir ou ilibar
alguém, de forma aleatória ou subjetiva.
 Beccaria é a favor da ideia do contrato social na sociedade e na atividade penal, ou seja, os
indivíduos têm de ceder parte da sua liberdade em troca da paz social. A soberania gere essa
soma de liberdades e protege assim os indivíduos de agressões de outros e das
arbitrariedades do próprio Estado, garantindo as liberdades de cada um.

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 O Direito é útil na medida em que garante da paz social que garante que os sujeitos vivem
em harmonia. As sanções devem ser mais adequadas e correspondentes ao dano provocado
pelo ofensor. A lei deve ser sempre aplicada, sem exceções, e de forma inflexível. A punição,
então, deve ser sempre proposta no mínimo, segundo Beccaria, o excesso é prejudicial em
relação à utilidade do Direito. Concluindo, mais vale ser punido por defeito do que por
excesso.
 “O fim dos castigos não pode ser outro, senão o de impedir o culpado de causar novos danos
aos seus concidadãos e dissuadir os outros de cometer atos semelhantes. É necessário
escolher as penas e uma forma de as infligir que, guardada toda a proporcionalidade
transmitam, a impressão mais eficaz e duradoura possível do espírito dos homens e o menos
cruel no corpo do culpado.”
 Características da pena: deve ser justa para dissuadir comportamentos futuros de
severidade; deve ser necessária, só punir se se tiver a certeza de que o crime foi cometido;
útil, se a pena é inútil, não pode ser aplicada; dissuasora, na medida em que deve
demonstrar que um determinado ato vai produzir mais prejuízo ao sujeito do que
vantagens; proporcional ao dano causado; célere porque se a pena demorar muito tempo
corre-se o risco de esquecer a qual o comportamento que está a ser punido.
 Beccaria crítica qualquer forma de negociação entre as partes na resolução do litígio, não
havendo negociação possível; a pena deve ser aplicada, não devendo haver perdão.
 Beccaria fundamenta-se no princípio da legalidade, sendo necessário conceber a legislação,
em relação aos crimes e às penas de forma objetiva. Propõe a prevenção do crime através
da legislação e da utilidade da pena, propondo a teoria utilitarista da pena, e qualquer pena,
para ele, deve derivar da absoluta necessidade, quando não for necessária, torna-se tirana.
Nesta obra, o princípio da legalidade é fundamental, assim como o princípio da divisão dos
poderes, e o da limitação da arbitrariedade judicial e da proporcionalidade das penas. A
única maneira de evitar os delitos é procedendo à sua punição, e acrescenta que existiam 3
vícios do Antigo Regime que devem ser eliminados com os novos códigos:
 As leis não sendo correspondentes aos interesses gerais dos cidadãos, servem os
privilegiados da estratificação social;
 Os poderes públicos pensavam, erradamente, que a única forma de evitar delitos
seria castigar todas as condutas de forma aleatória e desproporcional, o que na
realidade só aumenta a criminalidade;
 As prescrições legais que faltam de claridade e de precisão, o que permitia aos
magistrados total livre-arbítrio na interpretação legislativa, aplicando as penas de
qualquer maneira.

Este autor propôs a criação de um tipo alternativo de código penal normativo, em que a política
criminal se baseava em cinco pilares:

1. As leis devem ser claras, objetivas e simples (de fácil interpretação), evitando livre-arbítrio
na sua utilização, e decisões judiciais subjetivas e arbitrárias.
2. As leis devem ser criadas baseadas na razão, na racionalidade, opondo-se ao modo obscuro
em que estas eram elaboradas no antigo regime.
3. A aplicação da justiça devia ser exemplar e livre de corrupção isto (subjetividade da tomada
decisão do magistrado).

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4. O cidadão honesto devia ser compensado, na mesma linha de pensamento em que o
cidadão desonesto é punido.
5. Era necessário que a população elevasse os seus níveis de instrução e cultura, o que iria
auxiliar na prevenção criminal, porque os indivíduos saberiam que atos constituíam crime e
as penas correspondentes (dissuadindo a prática criminal), e conheciam as suas liberdades
para não serem privados delas.

Perspetiva de Bentham na Escola Clássica do Direito Penal

Bentham propõe a aplicação do panótico nas prisões, internatos de crianças, na indústria,


instituições de trabalho, e outros exemplos. Foucault recupera este modelo no século XX para
explicar o controlo social e a forma como este modelo surge na modernidade. O Panótico, para este
autor, descreve e ilustra como as sociedades modernas passam a controlar o indivíduo através da
vigilância constante, garantindo que o sujeito se adapte e submeta a uma certa ordem, sendo
também uma forma de o sujeito se autocontrolar.

Parte de um princípio fundamental, considera que o bem de todos, a felicidade do todo e individual,
só seria possível caso se conseguisse determinar o bem e o mal na sociedade. O bem-estar, a
segurança e os prazeres da sociedade são o fim legislador. Considera necessário criar um quadro
completo de leis aplicáveis a qualquer sistema legal. O Panótico é uma proposta sobretudo
arquitetónica, mas não só, a partir do panótico prisional, ele pretendia reformar o panorama social,
pois considerava que a sociedade no seu todo tinha de passar por mudanças para prevenir o crime e
garantir o bem-estar geral. Este modelo pressupõe o internamento, que garante o controlo rigoroso
através da disciplina, em particular de quem está internado (operários, miseráveis, prisioneiros), e
no geral, sobre toda a sociedade. Montou um sistema de controlo amplo que implicava registos de
todas as despesas, contabilidade, etc., de maneira a propor um modelo que otimizasse as
instituições.

Nas prisões, propõe uma torre de vigia interior no centro do panótico, sendo necessário apenas um
guarda para controlar a prisão na sua integridade, para o detido pensar que está sobre constante
vigilância e adotar comportamentos normativos.

Este sistema tinha vantagens em termos económicos e de aplicação das normas no indivíduo,
podendo ser utilizado na sociedade, controlando a miséria, a indigência, a criminalidade juvenil, por
exemplo, e tornando a sociedade mais eficiente, prevenindo o crime. É uma ideia que satisfaz um
dos paradigmas do século XVIII, por se tratar de um conjunto de regras que vai ao encontro do
princípio utilitarista.

Bentham é um dos pensadores que propõe, por exemplo, a prevenção especial negativa. Ou seja, o
sujeito como ser racional, não praticará delitos caso tenha a noção de que vai ser punido. A pena
serve para evitar a reincidência (utilidade). Especial negativa porque se foca no indivíduo, potencial
criminoso. A prevenção geral assenta mais na sociedade, na medida em que a pena deve servir de
exemplo para o todo.

Desta escola surgem três grandes propostas: a teoria da justiça; a teoria da prevenção geral negativa
e a teoria da prevenção especial negativa. A teoria da justiça distancia-se mais das outras duas
teorias, propõe a retribuição do mal causado. Entende a pena como uma retribuição (Carrara), o
sujeito que comete delitos não tem reabilitação possível e deve ser eliminado da sociedade. A

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aplicação da lei limita-se a punir as infrações à lei, pretendendo apenas castigar o sujeito. A teoria da
prevenção geral negativa considera que a aplicação da pena tem como objetivo prevenir novos
delitos e a reincidência. A pena é dissuasora, coagindo a comunidade, para os sujeitos não se
imporem à ordem social estabelecida. A teoria da prevenção especial negativa foca sobretudo no
indivíduo essa prevenção. Dirige-se mais ao delinquente em concreto, para evitar que ele reincida.

Estatística Moral e Judiciária

Na época positivista passa-se a estudar o crime de forma científica. Neste contexto abandonam-se as
ideias filosóficas e valorizam-se as relações de causa-efeito e este raciocínio migra para a sociedade.
As ciências positivistas baseiam-se nas leis determinísticas (causalidade).Nesta lógica, se conseguisse
identificar as causas do crime, poderiam ser eliminadas, eliminando o crime.

Contexto - séc. XIX, surgem muitas mudanças para além da Revolução Industrial, instalando-se uma
ordem social complexa e desconhecida que implica novos problemas ao Estado, e como resultado, a
criminalidade aumentava constantemente, com novos tipos de criminalidade e altas taxas de
reincidência, significando que as estratégias penais estavam comprometidas, principalmente a pena
prisional, que era a de excelência.

Recorre-se a dados estatísticos produzidos na época na procura de perceber aspetos demográficos.


Estes são encomendados pelo Estado, as estatísticas em relação à população existem pelo menos
desde o século XVI, geridas primeiramente pelo clero, a novidade é o Estado encomendar estes
trabalhos para poder agir sobre a população e financeiramente – impostos.

O crime torna-se objeto da ciência: surgem os primeiros estudos sistemáticos sobre o crime que
passa a ser concebido como fenómeno social. O objetivo é explicar o crime e procurar as causas, o
que é diferente de compreender o crime (avaliação qualitativa). Tenta-se correlacionar o crime com
várias variáveis, como a idade, o sexo, a pobreza; criam-se serviços especializados que têm como
missão compilar estatísticas demográficas, sanitárias e económicas; estabelecem-se estatísticas
completas sobre detenções e condenações e estabelece-se o Estado-Nação, o Estado necessita de
conhecer a Nação para a gerir. As transformações da vida social decorrente da industrialização,
urbanização levaram os governantes a sentir necessidade de mecanismos que permitissem controlar
as situações de doença, mortalidade, imoralidade e crime.

Seguem-se os trabalhos estatísticos de: Guerry e Quetelet.

Quetelet - o trabalho deste autor baseia-se nos dados estatísticos produzidos na época.

Introduz a ideia de probabilidade do crime - pendor/tendência para o crime - leis estocásticas.


Afirma que perante determinadas condições há uma tendência para o crime em função de
probabilidades. Ele compara dados estatísticos e como variam consoante determinadas
características.

Mostra que os padrões de comportamento parecem seguir a curva de Gauss. Todos os indivíduos
têm uma certa tendência para o crime, no entanto, esse pendor varia em função da idade,
encontrando-se o pico por volta dos 25 anos, a idade das paixões e da força. Mas para além da
idade, existem outras características em função das quais a tendência para o crime varia, assim
como o tipo de criminalidade. Esta tendência é nula num número muito reduzido de pessoas e no
outro extremo encontram-se as pessoas para quem essa possibilidade constitui quase uma certeza.

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Principais contributos: procura leis que regem a criminalidade e os seus fatores determinantes,
nomeadamente sociais. Os seus estudos não são meras descrições da relação entre os fenómenos,
procurando pesar as diferentes causas encontradas para explicar os fenómenos sociais. Entende que
as taxas da criminalidade são influenciadas por causas constantes, que agem de forma contínua, mas
com energias e tendência mutáveis; e causas acidentais, que se manifestam apenas fortuitamente,
agindo indiferentemente num ou noutro sentido.

Conclusões: verificou uma tendência para o crime, não individual, mas coletiva e quantificável. Um
indivíduo cometer um crime é irrelevante, deve medir-se a criminalidade nas massas populacionais.

As causas do crime apontadas pelo autor são: a idade; o género (verificou que os homens são quem
mais comete crimes, o que se relaciona com a força física dos homens, as mulheres cometem mais
crimes contra a propriedade do que contra a integridade física); verifica a inexistência de uma
relação direta entre a criminalidade e a pobreza (aliás, registou que nas zonas mais ricas da Bélgica
era onde se registavam mais crimes cometidos por haver uma maior consciência das desigualdades
sociais); leis térmicas da delinquência, afirma que a delinquência varia consoante o clima (nos meses
mais frios eram cometidos mais crimes contra a propriedade e nas épocas de temperaturas amenas
e quentes, mais crimes contra as pessoas, justificando-se com a maior interação social existente).

Cartografia de Guerry

O autor preocupa-se com a distribuição do crime na geografia francesa e cartografa certas áreas
francesas para verificar a regularidade do crime, no tempo e no espaço.

Guerry, tal como Quetelet, defendia que se os efeitos são proporcionais às causas é de esperar que
se uma sociedade não sofrer mudanças num determinado período de tempo, a criminalidade desse
período deverá ser semelhante à medida anterior. Quando as causas são semelhantes,
tendencialmente apresentam determinadas características. Nos seus estudos constata regularidades
em relação aos tipos de crime, e uma variação de pouca magnitude entre géneros, também compara
a criminalidade consoante o clima. Além disso, não verifica uma relação entre pobreza e
criminalidade.

“Statistique morale” - Guerry

“cada ano se reproduz o mesmo número de crimes, segundo a mesma ordem, nas mesmas regiões,
e cada classe de crime tem a sua distribuição particular e é invariável por sexo, idade, estação...”; “a
maior parte dos factos de ordem moral considerados ao nível social e não ao nível individual, é
determinada por causas regulares cujas variações se mantêm dentro de limites estreitos”;

Verificava que a variação da taxa de crime era insignificante, nunca ultrapassava os 4%. Defende que
o crime é regular e que há contextos favoráveis ao cometimento de crimes pessoas mais suscetíveis
a cometê-los. Há uma explicação social para o crime. A diferença deste autor relativamente a
Quetelet é que consegue através do mapeamento estatístico do crime perceber que em certas
zonas o crime é mais elevado.

Principais contributos: constatação da constância e regularidade entre diferentes regiões, quer nos
números dos diferentes tipos de crime, quer nas características dos grupos populacionais que os
cometem (nomeadamente idade e género), quer na repartição dos crimes por ano. Conclui que a

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criminalidade não é um fenómeno acidental pelo que é possível desenvolver uma “análise estatística
moral”.

Um aumento da pobreza não conduz a um acréscimo da criminalidade: é necessário entender este


fenómeno ligado a outros fatores, nomeadamente a época (Revolução Industrial) e a maneira como
esta modificou a sociedade. O crime acontece porque há uma passagem bruta de um tipo de
sociedade para outro, uma sociedade muito mais heterogénea, o que motiva o aumento da
criminalidade, sobretudo nas regiões onde se concentra mais população e não propriamente nas
regiões mais pobres.

O autor que conclui que não é a pobreza que origina o crime, mas as desigualdades sociais,
acentuadas sobretudo no meio urbano, pela revolução industrial e o desenvolvimento comercial,
local de maior densidade social que irá revelar as gritantes desigualdades socioeconómicas.

Também na relação com a instrução, e contrariamente à ideia generalizada, distingue entre a


necessidade de instrução intelectual e moral – segundo Guerry só isso levaria à diminuição da
criminalidade. Constatou que os níveis de instrução escolar não têm relação direta com a
criminalidade, nomeadamente, com superiores níveis de instrução escolar, há um aumento de
determinados tipos de crimes. Sugere investir sobretudo na instrução moral da sociedade, e não
exclusivamente na escolar.

Heranças destes autores: mostram que há contextos propícios para o crime e que este é regular, não
é acidental. Os seus estudos põem em causa a liberdade individual do sujeito em relação ao crime,
põem em causa o livre arbítrio. O crime passa a ser encarado como um fator homogéneo, passível
de ser mensurável e descrito.

Contributos das estatísticas morais para a governação - face à constatação da regularidade do


crime ao longo do tempo e das regiões, a liberdade individual, ainda que não negada, passa a ser
considerada como um fator aleatório; no conjunto das vontades, o efeito das vontades individuais
neutraliza-se e o livre arbítrio deixa de ser considerado como uma das causas do crime pois se os
sujeitos fossem livres, não haveria esta constante nas estatísticas.

As causas dos crimes devem ser procuradas, na organização social, na desigualdade na repartição
dos bens entre a sociedade, desigualdade na instrução, idade, género, sem esquecer as
características climáticas onde são feitos os estudos.

• Assiste-se a um movimento de inquéritos sociais, através do qual se descreve a miséria e as


condições de vida dos trabalhadores da nascente indústria;

• Este modo de vida tem a sua face negra na delinquência que é objeto de preocupação das classes
mais abastadas, que clamam a prevenção, mais do que a repressão penal;

• O vício, a ignorância, a miséria são as grandes características da classe perigosa que se concentra
na classe laboriosa;

• A prioridade dos governantes passa a ser então o combate à pobreza, gerindo as habitações e as
ligações dos elementos da família, controlando e vigiando o espaço;

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• Começam a surgir as utopias da cidade, considerações que se se ampliam a várias áreas do
conhecimento, como a filosofia. Procura-se dar uma configuração diferente à cidade que permita
ligar o desenvolvimento urbano ao bem-estar;

• Criam-se as cidades operárias, um sistema de segurança social e de política urbana, na luta contra
o alcoolismo através de leis proibicionistas ou restritivas. Saber e poder encontram-se tendo a figura
do delinquente e o fenómeno do crime como fundo comum. O cientista e o homem político aliam-se
para ensaiar a neutralização de um mal considerado social.

Positivismo - altera-se o objeto de estudo, até aqui estudava-se o crime, a partir daqui o foco está
no criminoso pois é algo concreto e observável no qual se podem fazer experiências, alterando-se o
paradigma.

Este saber do séc. XIX surge numa época em que as expectativas otimistas em relação às reformas
penais propostas ruíram, o crime aumentou e a reincidência perdura, surgindo novos tipos de crime.
É necessária uma mudança de paradigma, começando-se a estudar o delinquente, conhecer a sua
natureza e através disso conhecer as causas do crime, o que permitiria propor tratamentos
possíveis, e a previsão da criminalidade.

Neste contexto surge a criminologia científica da Escola Positivista Italiana. O método experimental é
conhecido como a chave do conhecimento, através da observação dos factos em si, e não seguindo
um método dedutivo (inspiraçao em Comte). Segundo os positivistas, é necessário um método
indutivo, experimental, quantitativo, distancia-se da metafísica e da filosofia.

Estes autores recusam a ideia a ideia de livre-arbítrio, pois o sujeito em si transporta a predisposição
criminal, nas características físicas e mentais, não tendo capacidade de decidir de comete o crime ou
não. A antropologia criminal de Lombroso beneficiou de várias teorias anteriores, nomeadamente
da fisionomia (Lavater), da frenologia (Gall) e da psiquiatria (Pinel e Esquirol).

Psiquiatria - no séc. XIX, as pessoas com doenças mentais eram consideradas loucas, e eram
colocadas em instituições penitenciárias, mas foram começando a surgir hospitais próprios a estes
sujeitos, apesar de não existir um saber médico especializado. A partir deste século surge uma nova
categoria de conhecimento – o doente mental, substituindo a categoria do louco, encarando-se
como problema médico, que é simultâneo ao surgimento científico da figura do criminoso. Começa-
se a relacionar certas doenças mentais a certos comportamentos ligados a determinados tipos de
crimes. Pinel e Esquirol propõem conceitos novos para aliar os conceito de doença mental e crime.
As suas metodologias examinam as características e comportamentos destes sujeitos, para que a
partir daí se estabeleçam leis gerais. Estes autores realçam a sobrelotação das instituições para
dentes mentais e a crueldade dos seus tratamentos.

Pinel propõe o conceito de mania, que vai divergir em diferentes tipos de manias, distingue as
doenças mentais por excesso - mania, ou por ausência - melancolia e idiotice. Há uma necessidade
de se fazer esta distinção e assim identificar tratamentos adequados às tendências criminais.
Considera que há doenças curáveis e é essencial encontrar o tratamento adequado para cada uma.

Esquirol, posteriormente, aprofunda estes estudos e define um novo conceito – monomania. Esta é
uma paixão excedente e pode surgir de uma paixão depressiva e tristeza extrema, por exemplo.
Diferentes tipos de monomania (intelectual, afetiva e instintiva). Importa diagnosticar o caso

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individual e não se devem atribuir as causas à hereditariedade apenas, podem haver fenómenos
históricos que tenham realçado estas doenças.

Para além destes autores, Morel e os seus estudos da degenerescência, também influenciados pelo
darwinismo, foram provavelmente o que mais influenciou Lombroso, que estabelece uma ligação
direta entre os crimes e as tendências genéticas, existindo a degenerescência hipotética da raça
humana. Esta degenerescência era hereditária e, portanto, era necessário travar esta cadeia de
transmissão, que prejudicava a espécie, impedindo que os indivíduos em questão se reproduzissem.
Lombroso procura sinais visíveis no sujeito que indicassem degenerescência, através de repetidas
observações dos sujeitos.

O Nascimento da Criminologia

A diversidade dos objetos de estudo, a proximidade de outras disciplinas e a multiplicidade dos


métodos de investigação irão ser preponderantes para o aparecimento desta ciência
multidisciplinar. O questionamento da Autonomia Científica da Criminologia e o seu surgimento é
algo complexo e em constante atualização.

Álvaro Pires aborda problemas particulares da Criminologia, como a falta de consenso quanto à
autonomia científica da Criminologia, quanto aos seus objetos de estudo, quanto à sua data de
aparecimento e até da própria terminologia, pois nem sempre se denominou deste modo. a
Criminologia apareceu no último quarto do séc. XIX precedida por expressões como “antropologia
criminal”.

Originou debates, nomeadamente:

 Quanto ao nome: Principais opções desta questão - Como é que este saber deve ser
designado? - a) Antropologia Criminal (focava-se essencialmente no estudo do criminoso); b)
Sociologia Criminal; c) Criminologia; d) Ciência Criminal; e) Biologia Criminal; f) Política
Criminal. A escolha de nome está muito relacionada com o objeto de estudo preferencial.
 Quanto ao Estatuto Científico da Criminologia - Poderá ser uma ciência autónoma,
respeitando todos os parâmetros que uma ciência autónoma respeita? Ou será um ramo de
uma outra ciência? E se sim, de qual? Alternativamente, poderá ser um campo de estudo (ou
corpo de conhecimentos) composto por diferentes saberes? Será esta uma ciência
fundamental ou uma ciência aplicada, em que teria utilidade prática na realidade?
 Quanto à identidade e papel do criminólogo. Não tendo sido definida como ciência ou ramo
de uma outra, há incertezas nesse aspeto. No que difere de um sociólogo, de um psicólogo,
de um penalista? O que os distingue de outros profissionais da justiça? Qual será o papel do
criminólogo? Deve ser um guardião da ordem, na medida preventiva do desvio?
 Sobre os seus objetos de estudo: desde o estatuto teórico do crime, os tipos de objeto, os
critérios de escolha dos comportamentos, os aspetos do controlo social. O que é o crime?
Será uma realidade substancial (comportamento bruto) ou uma construção penal, o crime o
existe em si, como substância, ou só existirá a partir do momento em que é tipificado
legalmente? Que objetos devem ser estudados? Será que a criminologia se deve alongar ao
estudo do controlo social, ou deverá cingir-se ao estudo do delinquente, do ato, ou da
vítima?
 Sobre a sua data de surgimento: Em que momento terá “nascido” a criminologia? No séc.
XVIII com os autores clássicos, nomeadamente Beccaria, Bentham, etc.? Ou no início do séc.

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XIX com os primeiros conhecimentos pretensão científica e estatística (Pinel, Quetelet,
Guerry...). Ou devemos cingir este surgimento no auge da Escola Positivista Italiana
(Lombroso, Ferri, Garófalo) no último quarto do séc. XIX?

Estatuto teórico da Criminologia

Este autor inicia por dizer que a criminologia poderá ser um ramo de uma outra ciência alternativa,
voltando-se à questão de qual seria essa ciência? O autor refere que a “ciência-mãe” para a
Criminologia vai depender das preferências teóricas de quem está a investigar, por exemplo, alguém
ligado à sociologia, irá tendencialmente afirmar que a ciência-mãe da criminologia será a sociologia.

A conclusão de Pires é que a criminologia é uma ciência de estatuto duplo:

A criminologia não é necessariamente uma ciência autónoma, mas também não se reduz a campo
de estudo de conhecimento, portanto irá assumir um estatuto duplo sendo duas coisas em
simultâneo: um campo de estudo ou “corpo de conhecimento” em conjunção da complexa atividade
de conhecimento, será resultante de um equilíbrio resultante destas duas vertentes

 Campo de estudo ou “corpo de conhecimento” - vai implicar a existência de diferentes


saberes disciplinares ligados por um tema comum; isto implica a inclusão de diversos
saberes que não são científicos e que não têm a pretensão de o ser (“pré-científicos”) como
o saber de Beccaria sobre o Direito Penal. O critério para ser incluído no campo
criminológico, é ser um “saber sério” (científico ou não) que versa sobre a questão criminal
num sentido amplo.
 Complexa atividade de conhecimento - atividade interdisciplinar, não se negando a ligação a
outras disciplinas, e irá ter, em simultâneo, preocupações científicas e éticas. O objetivo
desta atividade de conhecimento é trazer compreensão sobre a questão criminal, num
sentido alargado (situações-problema e controlo social), não atuando apenas sobre o
criminoso, mas também com a preocupação sobre o controlo social. Substitui a noção de
ciência autónoma, uma vez que a criminologia não responde a duas condições: 1º não tem
um objeto-domínio próprio, e 2º não contém teorias .

Sintetizando: o campo de estudos segundo o autor é o conjunto de saberes vários sobre o desvio e a
reação social. Os seus critérios são a contribuição ligada ou pertinente para um tema, como por
exemplo, uma obra sobre o crime, tudo o que estuda o crime é tomado em conta neste campo de
estudo, como sendo conhecimento criminal. Já a atividade de conhecimento não contribui na
produção de conhecimento, mas sim na forma como essa forma de conhecimento irá permitir
responder à questão criminal. Era definida como sendo um projeto especial de conhecimento
interdisciplinar (científico e ético) sobre a questão criminal.

Mesmo tendo esta visão do Estatuto Duplo, Pires vai dar respostas diferentes em relação à data de
surgimento da criminologia, consoante se situe como campo de estudo ou como atividade de
conhecimento.

Data de nascimento – Onde situar?

1. Período da Escola Clássica (Beccaria) - designado também de período pré-científico .


Neste âmbito, se vistos do ponto de vista de campo de estudos podem ser situados
como integrantes da criminologia, pois são estudos que contribuíram para o

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surgimento da mesma. Já para a atividade de conhecimento, não se aplica, pois
entende-se que esse conhecimento derivava das ciências jurídicas, do Direito, e não
da Criminologia.
2. Primeiras investigações de pretensão científica, no primeiro terço do séc. XIX -
sobretudo as investigações estatísticas e cartográficas sobre o crime, em que
destacam autores como Guerry e Quetelet.
3. Escola Positivista Italiana - auge no último quarto do séc. XIX, com Lombroso, Ferri e
Garófalo.

Se se considerar a criminologia como corpo de estudos, o seu nascimento será situado no primeiro
nível. Se se considerar a criminologia enquanto atividade complexa de conhecimento situa-se no
terceiro momento, exclusivamente.

A atividade de conhecimento afirma que a Criminologia surge apenas na Escola Positivista Italiana,
mas as fases que a antecederam, permitiram uma ajuda para o seu nascimento. Quando se pensa na
criminologia não se nega o que antecede à Escola Positivista Italiana, só que são vistos como
períodos pré-científicos. Ou seja, dificilmente resolveria estudar os delinquentes, nomeadamente
Lombroso, através dos crânios, se não houvesse este ímpeto inicial pré-científico afirmando a
importância de estudar o crime e os delinquentes. Não se trata necessariamente de um desacordo
em relação à inclusão do material, o que se verifica é alguma confusão em relação ao momento que
se deve ou não empregar o termo ou conceito de criminologia.

Em relação à terminologia da área, nunca houve consenso. Quem avançou primeiramente com o
termo Criminologia terá sido Garófalo (1885) na sua obra, que teria esse título, tendo paternidade
sobre o termo. No entanto, ainda muito ligado à Antropologia Criminal, referindo-a mais ao longo da
obra, este conceito está relacionado com tese de Lombroso e os Congressos Internacionais de
Antropologia Criminal (1885-1911). Lombroso trouxe uma inovação aos estudos antropológicos,
porque introduziu o criminoso como objeto de estudo. Foi-se saindo um pouco da antropologia
criminal pois foram aparecendo teses que sustentavam o impacto sociológico e do ambiente, será
algo das vivências, do ambiente e contexto social em que o sujeito está inserido, que influencia o
crime, abandona-se um pouco a ideia de Lombroso do criminoso nato e avança-se para o impacto
ambiente social (supremacia do social sobre o biológico). Ferri irá referir de igual modo a
preponderância do psicológico do sujeito, e como este interpreta a tudo o que se é exposto,
havendo a introdução deste terceiro elemento. Numa fase posterior da Escola Positivista Italiana,
não se fala em determinismo biológico, nem em determinismo sociológico, mas determinismo
biopsicosociológico, relacionando as 3 vertentes na forma de distinção do delinquente face ao não-
delinquente. Seguem-se as teses de Durkheim (1894) e Sutherland (1924), entendida como a teoria
que mais se aproxima da exclusividade da criminologia (Teoria Geral do Crime). A partir de 1938
surgem os congressos internacionais de criminologia que se prolongam até aos dias de hoje.

Os objetos - este autor considera existirem dois principais aspetos dos objetos - o estudo das
situações-problema ou comportamentos problemáticos (a criminologia deveria estudar apenas os
problemas criminalizados previstos na lei, ou também dedicar-se ao estudo de comportamentos não
criminalizados, mas mesmo assim considerados desviantes?). Tudo isto deverá ser considerado
objeto de estudo da criminologia, tem se em conta como objeto de estudo, as situações-problema
pertinentes sem regulação jurídica, ou seja, os desvios, os comportamentos de transgressão às
normas morais ou jurídicas pertinentes e os comportamentos criminalizados.

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Por outro lado, seria o estudo do controlo social (reação ou regulação social), ou seja, estudar como
as leis são criadas (penais) e o sistema de justiça atua e o seu funcionamento (penal, administrativo,
civil, etc.), a forma de atuação da polícia e dos tribunais e as suas decisões de tipo judiciário.
Atualmente, insere-se na criminologia o estudo do que é a justiça procedimental, o estudo do
sistema prisional e a intervenção psicossocial, da política criminal em que os criminólogos devem
atuar, e dos modos alternativos de resolução de conflitos e programas de prevenção.

D. Garland – o projeto governamental e o projeto científico

Para este autor, a Criminologia é um “género específico de discurso e de estudo do crime,


desenvolvido na Modernidade e distinto de outras formas de falar e pensar o comportamento
criminal”. Há um distanciamento da Criminologia em relação às outras ciências sociais: como a
sociologia da desviância e do controlo, e um afastamento entre discurso criminológico e discurso do
senso-comum. Esta disciplina é vista pelo autor como uma disciplina distinta com uma identidade
própria, que tem ao seu dispor, as suas próprias revistas, associações profissionais, institutos e
professores.

Entende que a Criminologia é resultante da convergência de dois projetos, o projeto científico e o


projeto governamental. O projeto governamental, é no fundo, o lado empírico da Criminologia e
projeto lombrosiano, o lado científico da Criminologia, e relacionam-se entre si, constatada na
verificação empírica, ou seja, a utilidade prática de determinados conhecimentos científicos.

 Projeto científico - pretende conhecer os criminosos, desenvolver um conjunto de


conhecimentos que permitam adquirir compreensão de quem comete o delito, e do
fenómeno criminal. Isto originou-se pela premissa inicial de que os criminosos podem ser
cientificamente distinguidos dos não criminosos. Lombroso começou por estudar os crânios
para provar a diferença entre os sujeitos até em termos orgânicos e não apenas em termos
psíquicos. Pretende desenvolver uma ciência etiológica, explicativa, que contribua para
melhorar o sistema de justiça, com o intuito de diminuir a criminalidade, aproveitando o que
é dito cientificamente e aplicando-o num projeto governamental.
 Projeto governamental - preocupação em melhorar a eficiência, equitatividade e
administração da justiça - cartografia do crime, monitorização da prática policial e prisional.
O eixo central da criminologia seria a gestão do crime e do criminoso com um objetivo de
utilidade social. Este projeto pretende trazer compreensão acerca do delinquente e do ato
criminal. A criminologia esteve desde o início ligada ao sistema de controlo social e à
vontade de administração da justiça, à prática policial e prisional.

A ideia deste autor é que a criminologia não se basta pelo fazer ciência em torno do criminoso,
concilia a preocupação administrativa da justiça sobre o como este conhecimento científico se vai
formando. A constatação deste autor é que a criminologia parece ter um longo passado, apesar de
ser mais falada recentemente. Curiosamente, na maioria das obras a componente história fica
remetida a uma espécie de prefácio, algo muito breve sem grandes desenvolvimentos, ou a uma
mera secção de abertura de um livro ou artigo. Esta vertente não é muito trabalhada pelos
diferentes autores.

Em função do que está escrito em relação à história podem originar-se interpretações desta
“história” muito díspares. Exemplo: ao ler a história centrada nos trabalhos da Escola Positivista
Italiana, na ideia de que já se nasce predisposto para a atividade criminal, distinto, qualitativa e

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quantitativamente do ser normal, fica-se com uma imagem do delinquente influenciada por esta
perspetiva, e a forma de intervir sobre ele (projeto governamental resultante deste projeto
científico) é também muito específica, questionando-se, por exemplo, se se tem o direito de punir. A
partir do momento em que se considera alguém nativamente propenso, não se pode
responsabilizar o sujeito pelos seus atos, e é por isso que a Escola Positivista surge em oposição da
Escola Clássica (que defendia a responsabilidade, racionalidade e livre-arbítrio do delinquente, que
deve ser punido pelo seu ato). A formas como a EPI vê o delinquente terá implicações no plano
governamental, na forma de atuar sobre ele, se não escolhe delinquir, não pode ser punido, mas
mesmo não se podendo punir, tem de se garantir a proteção social perante sujeitos perigosos,
surgindo as teorias da defesa social. Mas conhecer esta perspetiva após as teorias da etiquetagem e
de críticas anti positivistas, origina-se uma visão totalmente diferente do delinquente, e este projeto
científico consequentemente, irá ter reflexo projetos governamentais.

Para este autor há uma espécie de Criminologia Moderna, com a seguinte caracterização:

 Um corpo de formas de conhecimento acreditadas, sistematicamente transmitidas aos longo


das gerações; procedimentos e técnicas de investigação aprovadas e um conjunto de
questões que compõem as agendas de investigação, já provenientes da Escola Clássica, que
por este autor ainda não é considerada Criminologia.
 Atividades e materiais intelectuais organizados na forma de “disciplina”. Separação entre a
visão e a perspetiva de Pires e a de Garland (Pires não entendia esta disciplina como
autónoma; já este autor evidencia a visão da criminologia como sendo disciplina autónoma).
 A criminologia moderna é eclética e multidisciplinar, composta por uma variedade de
métodos (metodologia mista - quantitativa e qualitativa).
 Habitualmente situada em departamentos de Direito/Sociologia ou Políticas Criminais, é
normal não existir uma faculdade de Criminologia, está sempre ligada a outras ciências e
remetida para fases mais avançadas de estudo (pós-graduações e mestrados). O
aparecimento da criminologia, enquanto licenciatura é recente.

A perspetiva de Garland aparenta ser mais aberta quanto aos objetos centrais de estudo da
criminologia, a lista é longa e diversificada: incidência e distribuição da conduta criminal; procura das
causas ou correlações na conduta criminal; estudos clínicos; estudos etnográficos; estudos das
vítimas; avaliação dos programas de intervenção; predição da conduta criminal; estudos de
prevenção (prevenção da reincidência); investigação das carreiras criminais e dos processos de
reação social.

 Como é que esta variedade de abordagens teóricas, metodológicas e preocupações


empíricas permite o estatuto de uma especialidade académica distinta? Existiam já discursos
sobre o crime e a punição, datados de tempos antigos, muito antes de se declarar a
criminologia como uma ciência. Contudo, apenas nos últimos 120 anos formam uma distinta
“ciência da criminologia”.
 O autor afirma que a criminologia se estrutura em torno desses dois projetos básicos -
governamental e científico. A história da criminologia faz-se do conciliar de objetivos
científicos com objetivos institucionais ou governamentais, ou seja, tinha questões teóricas,
pressupostos base, mas também tarefas administrativas. A história da criminologia é função
da reformulação de respostas face a novas pressões políticas e alterações nos contextos

20
institucionais e administrativos. As sociedades vão se alterando, com surgimento de novos
desafios e necessidades políticas e alteração de contextos.
 O seu desenvolvimento da história vai resistindo a esta instabilidade a partir desta unidade
que é criada pela ligação e pela conciliação dos dois projetos. Estes atuam numa cultura que
combina o pensamento tradicional e o científico: ambivalência entre intuição/senso comum
e investigações empíricas rigorosas. Exemplo desta dualidade de pensamentos: o acórdão de
Neto de Moura, onde o jurista referiu uma expressão bíblica que autoriza os corretivos na
mulher apanhada a cometer adultério. Constata-se aqui que as tradições e as investigações
empíricas vão no sentido oposto.

Análise científica do crime - séc. XVIII e séc. XIX

A questão de incluir ou não o pré-científico. Há uma tendência para enfatizar por exemplo, o papel
dos escritos no séc. XVIII na formulação da criminologia, mas as relações não são assim tão fortes.
Na perspetiva deste autor, foi dada muita importância ao que foi escrito pela Escola Clássica do
Direito Penal. Para ele, os escritos de Bentham, Beccaria e Howard, por exemplo, não são
criminologia.

A Escola Positivista Italiana irá surgir em oposição à Escola Clássica de Direito Penal, e vem criticá-la
no sentido de a considerar não-científica porque se baseia em julgamentos e raciocínios
especulativos que não podiam ser comprovados empiricamente. No entanto, não se descuram os
elementos básicos introduzidos por ela e que foram posteriormente desenvolvidos pela Escola
Positivista Italiana. Quando se afirma que os estudos da escola clássica fazem parte da genealogia da
criminologia, é afirmar que estão num nível “subterrâneo”, ou seja, formam as “raízes” não visíveis e
a partir daí, dá-se o desenvolvimento da criminologia, não se negando a sua importância.

Contudo, foram os clássicos os primeiros a evidenciar e esclarecer que o crime e o seu controlo
podem ser estudados. As questões de interesses introduzidas por estes autores foram: 1) a natureza
da motivação criminal; 2) as possibilidades de dissuasão e de reforma; 3) regulação da conduta
criminal pelas instituições estatais. Questões que atualmente são centrais para a Criminologia.

Já muito era estudado sobre o ato criminal quando se deu o “surgimento da ciência criminal”. É em
meados do séc. XIX que começa a surgir um modo mais científico de analisar o crime, que levou a
uma cultura emergente de uma “ciência social amadora”. Antes de Guerry e Quetelet, já existiam
outros autores que trabalharam as estatísticas judiciais e dados dos censos para a distribuição e
demografia do crime. Posteriormente surge a medicina psicológica com Lavater (fisionomia) e Gall
(frenologia), em que se estabelecia a ligação entre a constituição física e o carácter psicológico. Gall
identificou 27 áreas cerebrais, cada uma com funções específicas, isto foi depois considerado pouco
científico, mas lançou as bases destas áreas na atualidade. Mais tarde dá-se a emergência de asilos
(séc. XVIII), o desenvolvimento de uma especialidade quase-médica, o alienismo, uma nova visão
sobre o “louco”, o aparecimento de uma nova ciência, que conduz à medicina
psicológica/psiquiatria. Fala-se também da ligação entre as características psicológicas e da
constituição física, realização de estudos de caso, e formas de tratamento moral e médico.

A ideia destas demonstrações, é que no surgimento da criminologia, já existiam disciplinas com as


preocupações que a criminologia lida por excelência. Quando a ciência do criminoso se desenvolveu,
já existia a tradição de trabalhos com preocupações semelhantes.

21
Ciência especializada na análise do criminoso: Interação de esforço intelectual com um
determinado contexto social

 O nascimento da criminologia não foi premeditado, a “ciência de Lombroso nasceu


acidentalmente” de um interesse antropológico pelo estudo da humanidade e as suas
variações naturais, através de métodos antropológicos e frenológicos para medir as
características físicas dos sujeitos, com a curiosidade para conhecer a distinção dos
delinquentes face a outros sujeitos.
 Foi o 1º a conceber o criminoso enquanto entidade natural de estudo, um facto da natureza
no lugar de um produto social ou legal; a maioria dos autores entende este autor como o pai
da Criminologia.
 Uma das críticas feitas a Lombroso é a inexistência de grupo de controlo/comparação, não
comparava os crânios dos delinquentes com os normais.
 Existirão autores que seguem o projeto, mas também aparecem escolas rivais.
 Este projeto científico foi impulsionado não apenas pelas questões científicas, mas pela
combinação de dinâmicas institucionais e culturais, que sustentam esta forma de
investigação, mesmo após a reputação de Lombroso ter sido destruída.

História da Criminologia em Portugal


Contexto-Histórico português

 Na década de 20 do séc. XIX, o clima de liberalismo proveniente da França trouxe


repercussões para Portugal.
 Durante a guerra civil que durou entre 1828-1834 e que opôs absolutistas e liberais, houve
entre 1832-1833 o denominado cerco do Porto, que durou cerca de 13 meses, após o
desembarque das forças de D.Pedro, liberais, no Mindelo, cercadas pelas forças miguelistas,
absolutistas. A cidade do Porto foi resistindo, pois era agradada pela perspetiva liberal e
queria acompanhar os avanços liberais e progressistas franceses, já em Lisboa havia um
maior conservadorismo. Durante este cerco, houve bastantes ataques de parte a parte.
Nada chegava à cidade, desde mantimentos e outros bens essenciais. Quem não falecia dos
ataques e bombardeamentos, morria à fome ou de doenças. Após um bombardeamento
duradouro, cerca de 12h, estas gentes mais coesas que nunca, conseguiram derrotar a
esquadra miguelista.
 Esta guerra civil deixou o país devastado, num estado de profunda miséria, e se na
população em geral se refletia tal miséria e mendicidade, no caso concreto da cadeia da
relação do Porto, os reclusos foram deixados ao abandono.
 Vão crescendo progressivamente os ideais republicanos, ao longo do século.
 Foram-se constatando crises financeiras contínuas, estruturais e sistemáticas.
 Registaram-se imensos conflitos internacionais.
 E nos inícios do século XX aconteceu o Regicídio (rei D.carlos I e do seu príncipe herdeiro) e a
consequente, após 2 anos, instauração da primeira república a 5 de outubro de 1910.
 A primeira república verificou-se precária. Foi seguida da ditadura de Sidónio Pais, mas que
também foi curta havendo uma enorme instabilidade política, com sucessivos governos, o
que originava a confusão do povo em relação a quem liderava o país, constante dissolvência
das assembleias, conjugada com a consecutiva demissão dos sucessivos departamentos.

22
 Deu-se a 28 de maio de 1926 a revolução nacional pelo general Gomes da Costa, seguida
pela ditadura militar. Em 1933, há uma revisão constitucional, onde se originou o Estado
Novo, que durou até 1974, mais concretamente, 25 de abril. O Estado Novo trouxe algumas
variáveis relevantes, desde logo, a família como unidade básica, foi uma ditadura elitista. A
assistência pública era feita através da igreja, havendo uma ditadura muito conservadora e
católica, não se constatava laicidade. Deu-se o surgimento da PVDE, seguida pela PIDE,
estando centrada exclusivamente nos crimes políticos, atuando contra tudo que pudesse pôr
em causa o governo salazarista.
 Todas estas transformações institucionais e políticas profundas levaram à ausência/mudança
de princípios orientadores e chefes governamentais.
 Este panorama teve, inevitavelmente, consequências no Sistema de Justiça Penal, na gestão
dos criminosos.
 A população, neste contexto, caracterizava-se por altos níveis de iliteracia, pobreza,
mortalidade infantil, e dureza das condições de vida das classes trabalhadoras.
 No campo científico, nomeadamente, no contexto de universidades, a do Porto e a de Lisboa
foram criadas em 1911. Entre 1935/1936 e 1946/1947 realizavam-se purgas políticas no
interior das universidades para o silenciamento dos académicos, ou seja, para eliminar
possíveis ameaças ao regime, e em que não se queria incutir espírito crítico. Estas eram
entendidas como lugares para elites conservadoras, ou seja, para aqueles que iriam permitir
a atuação do sistema político. Tendo em conta esta conjuntura, percebe-se de que forma
este período conturbado teve impacto no desenvolvimento do estudo do crime e da
Criminologia.

Linhas de investigação dentro da Criminologia portuguesa serão:

 Saber - aplausos aos trabalhos desenvolvidos pela Escola Positivista Italiana; Críticas e
distanciamentos aos trabalhos da Escola Positivista Italiana.
 Poder - análise do Sistema de Controlo Social; A vontade da reforma das prisões.
 Relação do saber/poder - Institutos de Criminologia (do Porto).

Saber - inicia-se com a noção de Degenerescência, predomínio da perspetiva médico-jurídica e do


olhar clínico na determinação da perigosidade. Pretende-se retirar deste aspeto a ligação entre o
crime e a loucura, e determinar o nível de perigosidade, para se intervir posteriormente, em termos
de poder. Em Portugal, iniciou-se em 1860, antes dos trabalhos de Lombroso serem conhecidos,
Ayres de Gouvêa defendia a necessidade de se estudar o delinquente, sendo o primeiro
autor/cientista português a referir esta necessidade.

Em 1869, “O Homem Delinquente” de Lombroso, irá fazer com que surjam, em Portugal e
internacionalmente, dois caminhos seguidos pelos cientistas da época. Uns seriam os dos seguidores
da teoria do criminoso-nato, entendida como um avanço no desenvolvimento do conhecimento e da
justiça penal, até à época, pois dava indicações de como atuar sobre este sujeito. Outros seriam as
críticas e oposições aos estudos e métodos Lombrosianos para chegar às conclusões afirmadas,
seguindo abordagens alternativas. Os grandes autores da Criminologia portuguesa foram: António
Maria de Sena (1845-1890); Júlio de Matos (1856-1922); Azevedo Castelo Branco (1842-1916);
Ferraz de Macedo (1845-1907); Roberto Frias (1853-1918); Basílio Freire (1857-1927) e Mendes
Correa (1888-1960).

A favor da Teoria de Lombroso

23
 Ser a favor desta teoria tem implicações, como a aceitação dos seus métodos, conceitos e
pressupostos.
 Os autores a favor de Lombroso também vão de encontro às ideias de degenerescência e
atavismo, acreditam que os criminosos manifestam um retrocesso evolutivo caracterizado
pela hereditariedade.
 Foco no conceito de determinismo, em que não há uma vontade livre do Homem em termos
de escolha e atuação, as causas devem ser procuradas pela ciência.

O autor Basílio de Freire fez uma tentativa de replicar os trabalhos de Lombroso, que acabou por
abandonar por falta de recursos, quer estatísticos, quer antropométricos. Este autor afirma que os
criminosos são: “(…) verdadeiros anachronismos biologicos e sociaes, reveladores, pelos seus
caracteres organo-psychicos, d’um grande retrocesso ethnometrico, que os colloca ao nível das raças
inferioes e dos agregados humanos primitivos.”.

“Colocando no campo da antropologia pura e considerando com toda a imparcialidade, os


malfeitores (criminosos) não posso esconder as grandes dúvidas que me sugere a creação do typo
anthropologico-criminal; e estas dúvidas são tanto mais amargas quanto é certo que tenho uma
veneração profunda pela obra imortal do ilustre professor Lombroso e da moderna eschola
anthropologica-criminalista, de que elle é o mais legítimo e o mais genuíno fundador.” O autor
começou por ser um seguidor fiel de Lombroso ao ponto de querer replicar os seus estudos. Apesar
disso, admite grandes dúvidas quanto à existência do criminoso-nato nos moldes lombrosianos.

Dúvida sobre o que fazer com os criminosos: medidas estatísticas do país, recolha exaustiva das
características dos criminosos, tendo como alvo os seguintes parâmetros: género; profissão; nível de
escolaridade; medidas cranianas e fisionómicas; características emocionais (mapeamento
emocional); tatuagens e uso de jargão (linguagem). Isto permitiu uma espécie de criação de perfil
dos criminosos portugueses.

“O que fazer com estes sujeitos determinados ao crime?”. Dada a unanimidade quanto à reprovação
da pena de morte (1852), Portugal foi o primeiro país a abandoná-la. Não a anulou de igual modo,
para todos os tipos de crime, mas foi o primeiro a reprová-la e a retirá-la. Um outro consenso que
surgiu foi que mais do que punir os delinquentes, o Estado deve prevenir o crime.

Frias, outro autor português, fala no âmbito da prevenção, afirma “por maior e mais humanitário
que seja o aperfeiçoamento dos meios repressivos, devem estes na linha ascendente do progresso,
ceder o terreno a meios de prevenção e é d’aqui que procede a justa consideração que as gerações
modernas tributam às nações mais bem policiadas e em que, portanto, a prophylaxia e a prevenção
toma dia a dia predomínio decidido sobre a therapeutica ou repressão.” Este autor afirmava que se
devia progressivamente abandonar condutas mais agressivas e optar por condutas preventivas.

Defesa social

Muitos autores, progressivamente, reclamam medidas para a sociedade se defender dos mais
perigosos, para os outros e para si mesmo. “Desde o momento em que o indivíduo seja nocivo à
justa atividade dos seus semelhantes, esse deve ser impedido no seu procedimento, a fim de não
perturbar a harmonia social” (Lucas, 1887). Esta seria a definição da defesa social.

Na primeira linha de pensamento de reação social existe uma ideia central que é a Privação de
Liberdade do indivíduo delinquente, se o sujeito constitui um perigo para a comunidade, tem de ser
retirado do corpo social. Era importante ter conhecimento sobre a figura do criminoso, existindo
dois rótulos possíveis para os criminosos: corrigíveis ou incorrigíveis. A solução para os criminosos

24
incorrigíveis seria a detenção e o afastamento da vida social, de forma permanente, baseada na ideia
do criminoso-nato, incorrigível porque as causas são biológicas, já nascendo com tal propensão,
deve-se então proteger os outros destes sujeitos. Por outro lado, há os criminosos corrigíveis para os
quais há uma sanção indeterminada, serão enclausurados da sociedade, durante o período de
tempo necessário para os corrigir, com um regresso progressivo à sociedade.

Críticas e afastamentos dos trabalhos da EPI

Ferraz de Macedo começou por realizar comparações entre crânios de sujeitos detidos/reclusos e
crânios de sujeitos não reclusos. Logo aqui se constata uma diferenciação em relação aos trabalhos
de Lombroso, pois os seus trabalhos pecaram pela ausência de grupo de controlo, e nesta
experiência, estão o grupo experimental (reclusos) e o grupo de controlo (não reclusos). Carlos
Lopes não realizou comparações entre crânios, mas entre impressões digitais de reclusos e não
reclusos. Ambos concluíram que não havia diferenças significativas entre reclusos e não-reclusos.

Em 1904, José d’Oliveira, médico, também constatou a inexistência de relação entre o crânio e as
aptidões morais/intelectuais. Não são as medidas psicométricas do crânio e as respetivas alterações
visíveis ou não, que trazem alterações em termos de inteligência ou aptidão moral, verificando-se a
destruição da relação que ligava o louco e o criminoso. Por outro lado, algo que pode ser
fundamental nesta área, é a existência de fatores sociais, económicos e educativos, que podem
influenciar, de algum modo, a criminalidade. Este autor apelou a que não se centrassem os estudos
do crime e do criminoso na sua componente biológica. É o primeiro a referir que além das questões
biológicas, é importante perceber o contexto social envolvente destes sujeitos, os seus recursos
económicos e os níveis de instrução. “Há degenerados que não se revelam por nenhuns estigmas
somáticos.”, não é possível olhar para um indivíduo e afirmar que é criminoso ou não.

Estes autores criticavam a terminologia usada por Lombroso (“criminoso-nato”) e a própria ausência
de rigor metodológico nas investigações lombrosianas.

Estes autores começam a mencionar aspetos que vão para além da questão biológica, como o abuso
do consumo de álcool poder interferir no comportamento, e porventura levar à degenerescência ou
criá-la (existem várias causas para a degenerescência, a má alimentação, fracas condições de
higiene, permanência em habitações precárias, a falta de educação ou estudos e a falta de recursos
económicos, são alguns desses exemplos). “A teoria de Lombroso, firmada sobre os caracteres
atavisticos, fica assim reduzida a uma mera hypothese desprovida de toda a base científica”
(D’Oliveira, 1904).

Em 1889, e posteriormente, em 1931, Deusdado critica as abordagens deterministas e a conceção


restritiva que se foca exclusivamente nos aspetos biológicos. Para ele, a explicação do criminoso não
se encontra na biologia, mas nos fatores ambientais e educacionais, centrando-se nos fatores sociais
em geral. O Homem é naturalmente livre, crítica ao fatalismo lombrosiano. Esta perspetiva alinha-se
pelas perspetivas racionalistas da Escola Clássica do Direito Penal, o Homem tem capacidade de
reação face a fatores internos e externos, e em função disso tomar decisões, consoante o seu livre-
arbítrio. Não se nega que não existam condicionalismos, desde os biológicos aos sociais, mas mesmo
face à sua existência, o Homem pode optar por delinquir ou não.

O papel do Estado deveria ser de prevenção da criminalidade, dando origem às medidas de higiene
preventiva, focadas nos fatores sociais, evitando que o indivíduo volte aos contextos em que estava
inserido para evitar a reincidência. Considerar a importância das influências do ambiente, que até
aqui não eram consideradas. Refere-se também o aspeto da maternidade e da infância, começando
a atuar preventivamente, evitando que as crianças, devido a questões ambientais e educativas, se

25
venham a tornar delinquentes, necessidade de criação de instituições tutelares para menores, que
ainda existem atualmente. Um outro aspeto referido é a necessidade de melhoria das condições de
vida da classe operária, pois sabia-se que a ausência de recursos económicos constituía um fator de
risco para a delinquência.

O Homem como ser psico-bio-social. Mendes Correa, com a sua abordagem psico-moral, coloca o
foco sobre os fatores psicológicos. Com ele deu-se origem a uma nova antropologia criminal, deu-se
uma alteração de paradigma, surgindo uma nova visão, perspetiva sobre a análise do criminoso, na
oposição aos estudos lombrosianos. Afirma a inexistência de uma especificidade anatómica ou
biológica dos delinquentes e que aquilo a que se deve dar ênfase seria a “mentalidade criminal”, o
núcleo central do criminoso, que pode ser influenciado por fatores biológicos e sociais. Continua
modo com as mensurações antropométricas (dimensões cranianas), mas delega esse aspeto para
segundo plano. O mais importante é aceder-se à moralidade do delinquente. Isto reverte o modo
como se analisava o delinquente, a partir do momento em que se não se consegue afirmar que o
sujeito é criminoso, medindo o crânio. O que faz com que seja criminoso é de fórum psíquico. Não
abandona completamente a observação somática, mas vai além desta, acedendo ao psicológico e à
moralidade de um delinquente.

Esta teoria é que vai fazer com que surjam novas teorias da personalidade criminal. Este autor
afirma que o problema da criminalidade, sem ser exclusivamente de ordem moral, é sobretudo de
ordem moral. Acaba por estabelecer uma relação entre criminalidade e normalidade. Mas constata-
se um paradoxo, pois nos estudos revelou-se que a maioria dos delinquentes correspondiam aos
padrões ditos normais, isto é, tinham ausência de patologias sobre a questão e aptidão intelectual, e
na maioria são sujeitos sem diferenciação com quem não cometeu crimes. O que este autor
constatou foi que se o criminoso era normal consoante os estudos, o que não estaria a ser estudado
era o Homem dito normal. A antropologia criminal anterior a este autor procurava apenas pelas
exceções e as anormalidades dos criminosos.

Mendes Corrêa realizou um estudo, cuja amostra era composta por 1509 criminosos portugueses,
do sexo masculino e de várias regiões do país. O seu objetivo era comparar o índice cefálico dos
criminosos com o da população em geral. Compara os crânios entre criminosos, para ver se diferem
entre si, consoante o tipo de crime cometido. Compara, do mesmo modo, consoante as regiões de
cada um. Concluiu a inexistência de diferenças significativas no índice cefálico sobre as tendências
criminosas de uma raça ou indivíduo.

Seguidamente, decidiu estudar as crianças delinquentes. Na perspetiva do autor, estas seriam uma
boa fonte de informação, à partida nas crianças há uma passagem ao ato mais direta, e mais rápida
exteriorização de pensamentos. Ele acha isto pertinente, pois na época já se estabelecia uma relação
entre a criminalidade infantil e a criminalidade adulta. Assim, cometer atos criminais na infância
aumenta a probabilidade de se tornarem adultos criminosos. Iniciou este estudo através do
denominado exame médico-antropológico, recolheu dados sobre os sujeitos, como nome, idade,
hereditariedade, dados demográficos, meio físico e social de origem, antecedentes pessoais
(histórico), exames somáticos e psíquicos. Nas conclusões dos relatórios, na grande maioria dos
casos, os atos praticados pelas crianças delinquentes eram explicados por fatores sociais, o que ele
designava de não terem tido as condições adequadas de correção. Na ausência desta, continuaram a
enveredar comportamentos desviantes. Verificou do mesmo modo, que as condições do meio em
que cresceram, se mantinham, contribuindo para a reincidência.

 Antropologia Criminal Italiana - criação de tipos estabelecidos rígidos, onde seriam


enquadrados os criminosos, com base em características biológicas. Tendência

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predominante para considerar a quase generalidade delinquentes como anormais
biológicos. Importância do estudo da individualidade do criminoso para o seu eficaz
tratamento penal.
 Nova Antropologia Criminal - crítica à rigidez das classificações de Lombroso e de que o que
está na origem da criminalidade são características biológicas. Os fatores psico-morais estão
na base da passagem ao ato criminoso, o autor não deixa de lado as condicionantes
biológicas e sociais, mas é sobretudo o meio psicológico que determina como o sujeito lida
com os condicionalismos a que está exposto. O que é claro neste autor é que apesar de se
focar em fatores psicológicos, não nega a existência de outros condicionalismos. Estes
aspetos em conjugação irão levar à formação da personalidade (núcleo central da
moralidade e da mentalidade), em que os próprios processos de socialização irão diferir.

Poder - ANÁLISE DO SISTEMA DE CONTROLO SOCIAL: VONTADE DE REFORMA DAS PRISÕES


“Tudo, tudo é horrível e sob todos os aspetos: mau o local, infame, o edifício, torpe a
administração...”

“Em Portugal, não se dá trabalho ao prêso e em muitas prisões não se lhe dá comida nenhuma! Isto
é crível? - Se a caridade particular, se algumas camaras, se algum instituto de piedade não lhes
acode com o magro caldo, ai d’elles! Este é d’aquelles factos que não têm commentos.” Ayres de
Gouvêa: Resenha das Principais Cadeias da Europa (1960) - Percurso de visita a várias prisões
(Inglaterra, França, Bélgica, Holanda...) e os Horrores testemunhados nas suas visitas às prisões
portuguesas.

Até ao século XVIII não houve qualquer preocupação com as prisões. A Arquitetura não possibilitava
grandes alterações e as condições económicas não permitiam investimento nas prisões ou
implementação de reformas. Eram sítios onde coexistiam de condenados e preventivos, mulheres,
homens, crianças, loucos e vagabundos. Todas as figuras de desvio eram incluídas no mesmo local; O
objetivo era que fosse um lugar seguro que guardasse os sujeitos e protegesse os demais cidadãos.

Ayres de Gouvêa e Ary dos Santos apontam exatamente os mesmos problemas de sobrelotação,
promiscuidade, violência e corrupção.

Aspetos físicos, comparação entre sistemas penitenciários:

 Bélgica, Holanda, Inglaterra: o edifício localizava-se longe da população. Os reclusos eram


separados categorias e colocados em celas com condições adequadas. A prisão tinha
serviços como limpeza, biblioteca, enfermarias e capelas. Traje próprio; lavagens periódicas.
Funcionários instruídos; afáveis; separação de sexos. Em termos de organização - regimento
de isolamento vs. Associação sob a lei do silêncio; trabalho obrigatório; alimentação boa e
adequada - 3x por semana; fumar era proibido ou limitado e 1 hora diária de exercício físico.
 Portugal e Espanha: a prisão localizava-se centro da cidade, ausência de muros (Cadeia da
Relação). Celas sem serviços básicos; e com condições muito precárias; inexistência de traje;
funcionários ignorantes, pouco motivados e instruídos. Organização: Pela falta de condições
físicas, estruturais e sociais, regime de associação sem lei de silêncio; trabalho facultativo ou
instrução inexistente ou desorganizada, misericórdias, solidariedade, permissão de fumar, e
pelas fracas condições estruturais, ausência da prática de exercício físico.

Até séc. XVIII: objetivo preventivo e função expiatória da pena (segurança + sofrimento por ter
cometido o ato criminal). Surge uma Mudança, com o objetivo da regeneração moral, através do

27
impacto dos trabalhos de Mendes Corrêa (isolamento, trabalho e instrução + interesse pelas
condições dos estabelecimentos);

1826: Criação de Comissão que tinha como objetivo analisar as condições das prisões portuguesas e
propor medidas de melhoramento das mesmas; necessidade de reforma. 1850: Estado obrigado a
dar roupa, alimento e medicamentos aos reclusos mais pobres e após intervenção de outras
instituições (municípios e caridades).

Esforços de distribuição dos detidos e conhecimento classificatório

A prisão passa a ser vista como um aparelho disciplinar. Tentativas falhadas: contágio moral, no
sentido em que não se fazia separação dos estatutos dos indivíduos (consoante os crimes cometidos,
género, etc.), poderia levar a um contágio do delinquente com carreira criminal perante um sujeito
que delinquiu uma vez. “escola do crime, ambiente perigoso com condições mínimas de
sobrevivência, contágio entre adultos e jovens; entre delinquentes de carreira e ocasionais” (Bacelar,
1922).

Defesa do uso de capuz e do sistema de isolamento. O trabalho prisional foi entendido como um
elemento fulcral para a regeneração dos reclusos. A ideia é ocupar os reclusos, com algo, para evitar
a loucura, e para não terem tempo para trabalharem as atividades criminais.

Bacelar propõe as colónias agrícolas - o trabalho na prisão tem de obedecer a condições para ser
regenerador: 1ª ser útil e moralizador, não pode ser só para cansar e sofrer o sujeito, tem de ter um
propósito; 2ª ser produtivo e remunerado; 3ª conduzir à aprendizagem de uma profissão, para evitar
a reincidência; 4ª ser proporcionado às aptidões dos reclusos e às suas qualidades (...).

A partir de 1936, o Estado redobra esforços para reformar o sistema penitenciário. Fala-se na
importância das propostas de diferentes tipos de pena consoante o tipo de criminoso, isto remete
para a atualidade e a importância do estudo da personalidade do criminoso - tratamento e
assistência pós-prisional.

Decreto-Lei nº 26.643 (1936): apesar disto estar previsto “as realizações materiais ficaram ainda
aquém das normas legisladas”.

A Polícia e o trabalho policial em Portugal

 Incoerências/limitações - à semelhança das prisões


 Alterações legislativas, sobreposição de tarefas, confusão das direções
 1867: surge a polícia civil- servir a sociedade liberal da época, sobretudo nas áreas urbanas
 Reforma de Hintze Ribeiro, 1893: tentativa de resolução da falta de autonomia da polícia
face ao poder político (separação de poderes de julgamento e investigação)
 Decreto de 1898: polícia civil + polícia de investigação criminal (fotografia e antropometria) -
derivadas das medidas lombrosianas
 1918: Direcção-Geral de Segurança Pública
 1933: Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE)
 1935: Polícia Geral de Segurança Pública
 1945: Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE)
 1945: Polícia Judiciária

Institutos de Criminologia (Porto) - Relação saber/poder

28
Num primeiro momento, o objetivo destes institutos era ser dispositivos de auxílio ao sistema de
justiça. Art. 77º do regulamento das Cadeias Civis (1901): ‘haverá nas cadeias um posto
anthropometrico destinado não só ao estudo da anthropologia criminal, mas também a auxiliar os
serviços policial e dos tribunaes na verificação exacta, tanto quanto possível, da identidade dos
indivíduos que n’ellas derem entrada, ou forem detidos pelas autoridades administrativas ou
policiais’. Há uma ligação ao sistema judicial e policial, e que tem que se produzir conhecimento,
para ajudar os agentes públicos no tratamento do crime e tomada de decisão.

(1) Posto Antropométrico do Porto – (2) Repartição d Antropologia Criminal, Psicologia Experimental
e Identificação Civil do Porto. Num primeiro momento, o objetivo destes institutos seria retirar
medidas antropométricas, por isso é que se localizavam perto das prisões, e num segundo momento
verifica-se um alargamento do estudo do criminoso nas suas vertentes morais e psicológicas.

Posto Antropométrico do Porto (1902) - funcionamento junto às prisões (ex.: Posto numa das alas
da Cadeia da Relação no Porto). Princípios de antropologia criminal, ajudar polícia e os tribunais na
identificação dos presos e dos detidos.

Uso do método de Bertillon (bertillonage) - métodos mais modernos de identificação que apareçam
em França. Primeiro congresso internacional de antropologia criminal em Roma (1885).
Tardiamente, estas medidas são superadas pelo sistema datiloscópico (impressão digital) argentino
de identificação, criado (1892) e demonstrado cientificamente (1904) pelo croata-argentino Juan
Vucetich (1858-1925). Deu-se ainda a criação da revista de Antropologia Criminal para disseminação
do conhecimento.

No entanto, este posto foi alvo de críticas, porque os seus estudos puramente científicos não tinham
aplicação prática e eram raramente usados pelos tribunais para determinação das concretas
sanções. Ficha antropométrica - medida da estatura em pé, comprimento dos braços abertos em
cruz, medida do busto, comprimento e largura da cabeça, comprimento da orelha direita,
comprimento do pé esquerdo, comprimento do dedo médio esquerdo e comprimento do antebraço,
da ponta do dedo médio até ao cotovelo.

Repartição da Antropologia Criminal, psicologia experimental e identificação civil

1918 - recolha de medidas antropológicas + análise psicológica. Decreto-Lei nº 6:916: (1918) - “à


secção de antropologia criminal e psicologia experimental compete proceder a estudos biológicos e
psicológicos nos criminosos, estudos feitos nos laboratórios de antropologia criminal e psicologia
experimental (...)” - importância de aspetos morais e da personalidade para lá dos aspetos
biológicos.

Pina, diretor desta repartição em 1929, refere: ‘anos rolaram sobre anos sem dela sair qualquer
trabalho científico que elucidasse certos pontos escuros da criminologia’. Verificou-se uma ausência
de recursos financeiros (e.g. para obter instrumentos). Tarefa de identificação civil dos cidadãos que
consome tempo e recursos humanos. Isto resultou em diversas críticas, não havia lugar à produção
científica, pois os recursos eram direcionados para a identificação civil.

Criação do Museu de Criminologia, instalação de laboratórios, criação da revista “Arquivo da


Repartição de Antropologia Criminal, Psicologia Experimental e Identificação Civil do Porto” (1931-
1935). “Estes serviços não devem ser unicamente os informadores da justiça, no que respeita aos
puros inquéritos judiciários, mercê das suas fichas cadastrais. Estas devem dar à justiça outros
elementos, porventura mais importantes, pois o criminoso não pode ser olhado pasmaceiramente só
como um animal raro da espécie humana que se transviou, que se afastou da normalidade social,

29
mas também como um doente a mor parte das vezes, um degenerado, um psicopata que é
necessário tratar, cuidar, para lhe aplicar o tratamento devido. Só um corpo especializado de
médicos e juristas poderá um dia desempenhar este papel de educadores e de reformadores. Mas,
para isso, nem as cadeias devem ser o que são hoje em Portugal, nem os serviços junto das mesmas,
no que respeita a postos antropométricos, poderão continuar existindo assim, meramente
burocráticos, duma mecânica desconcertante, gelada, inútil quase” (Pina, 1931, p. 14-15). Surge
então:

Instituto de Criminologia
1935 - Repartição do Porto ao Instituto de Criminologia do Porto: – Lisboa (1919) – Coimbra (1927);
Administração da Direção-Geral dos Serviços Prisionais.

Secção de Antropologia Criminal: estudo antropológico e psíquico dos delinquentes (+ secção para
etiologia do crime, + secção para terapêutica criminal). A ideia seria trabalhar em articulação com o
sistema prisional, dar pareceres sobre qual o regime de pena a aplicar ao delinquente, a concessão
de liberdade condicional do sujeito, e classificação do delinquente, por exemplo, o seu grau de
perigosidade ou grau de reincidência.

1951: Funções de docência e de investigação; reforço das funções auxiliares (técnicos dos serviços
prisionais e tutelares de menores). Críticas pelo Ministro da Justiça (1968) a estes institutos,
afirmavam que não havia a formação correta de quem lá trabalhava. Dados parcelares e distorcidos.

Em 1978 o Instituto de Criminologia do Porto cessa funções. Em 1991 fez-se um protocolo entre o
Ministério da Justiça e a Universidade do Porto para reativar o Instituto de Criminologia do Porto,
que cessou em 1997 pelo Ministro Vera Jardim.

Escola Positivista Italiana - precursores, teses e autores fundamentais


Para Lombroso, “o criminoso partilha com o selvagem um ponto intermédio ou atrasado da
evolução, onde não reconhece o valor da vida em sociedade, em que o corpo e a moral não
completaram a sua evolução. Ver o delinquente é, portanto, ver uma humanidade que se manteve
no estado de selvajaria, num estado de atavismo” (Faria e Agra).

O saber sobre o criminoso parte dos fundamentos positivistas que impõem “observação rigorosa e
sistemática, a mensuração quase obsessiva de todo e qualquer aspeto, a procura de leis causais, a
acumulação de dados para que se encontrem as regularidades entre os fenómenos”. Entre os
fundadores da escola positivista italiana e discípulos de Lombroso viriam a destacar-se E. Ferri e R.
Garófalo. Persiste em todos eles o núcleo fundamental do positivismo: o postulado determinista;
rejeição do livre-arbítrio e dos seus pressupostos metafísicos e do pensamento dedutivo.

Cesare Lombroso (1835-1909) – a criminalidade é um traço biológico encontrado em algumas


pessoas. As tendências criminais poderiam ser descobertas através da observação de determinados
traços físicos.

O conhecimento científico concebido nesta época foi determinante na forma como se desenhou o
controlo social da época moderna. Ou seja, esta Escola foi marcante também pela forma como o
conhecimento foi transferido para o domínio político. Esta nova forma de entender o criminoso terá
consequências na forma como se pensa o Direito, a Justiça, a Pena e a aplicação da mesma. A Escola
Clássica de Direito Penal insistia na ideia fundamental de que o sujeito criminoso assim o era devido

30
ao seu livre-arbítrio, sendo uma questão de escolha e racionalidade, e a pena era determinada em
função desta perspetiva criminal. A partir do momento em que se considera que o sujeito não é livre
no cometimento dos crimes, já se trata de uma predisposição nata e a pena será pensada de uma
outra forma. Se há sujeitos que nascem criminosos, alguns deles dificilmente terão outro tipo de
comportamento, então as consequências em termos penais não serão entendidas como forma de
ressocialização do sujeito, mas como uma forma de defesa social. Deste modo, o importante não
será defender o sujeito da crueldade das penas, mas com base na ideia de que os criminosos são
atávicos e que delinquir não será uma opção, a sociedade deve defender-se destes sujeitos.

Esta abordagem de Lombroso acaba por ter muitas outras abordagens inspiradas em si, mas mais
brandas quanto ao determinismo, não atribuem uma causa única ao crime, o determinismo
biológico não será o único fator que leva delinquência, mas essa predisposição está aliada a outros
fatores.

A Escola Positivista Italiana vai evoluindo, inicialmente era uma Escola que se baseava no
determinismo biológico como causa do crime (perspetiva mono-causal), e evolui para uma
perspetiva bicausal e multicausal, na medida em introduz algumas inovações e relações causais
entre fenómenos, como o ambiente em que o sujeito nasce e os contextos sociais em que se
envolve.

É uma perspetiva que foi uma sucessão do Darwinismo (os seres vivos têm uma tendência evolutiva,
tendência natural de evolução, no mundo animal e vegetal). Para Lombroso, o sujeito evolui num
determinado sentido, mas havia alguns sujeitos que tinham estancado no tempo e não tinham
acompanhado a evolução do resto da espécie. Estes sujeitos são atávicos, mas a sua teoria não se
restringiu ao atávico nem à degenerescência, para ele existiam vários tipos de criminosos, uns
atávicos, outros com outras patologias, não tão prejudiciais para a sociedade e passíveis de ser
controladas.

Este projeto científico foi fundamental para o desenvolvimento do projeto de carácter


governamental. A partir daí, é pensado um maior controlo dos sujeitos, uma sinalização e
identificação dos delinquentes e reincidentes, e com base nestas formas de identificação constrói-se
um edifício governamental, que garanta que estes sujeitos sejam identificados e que não
prejudiquem a sociedade. A partir daí fortalecem-se os estabelecimentos prisionais e melhoram-se
os registos dos condenados. Lombroso envolveu-se no próprio sistema judicial, apresentando a sua
perspetiva em audiências de julgamento. Autores que se inspiraram nas suas ideologias estiveram
envolvidos nos regimes de Mussolini e de Hitler, e defendiam a eliminação de sujeitos que
apresentariam certas características fisiológicas e antropológicas, e que prejudicavam o bem-
comum. O conhecimento é sempre instrumentalizado, para o bem ou para o mal.

Lombroso afirmava que em termos biológicos, se verificava um desvio dos comportamentos dos
sujeitos com base nos traços físicos a Escola Positivista parte deste pressuposto. O problema é que
alguns indivíduos se envolviam em práticas criminais e outros não. Desta ideia, e em conjunto com
Ferri e Garófalo, cria-se o arquivo de psiquiatria e antropologia criminal.

Para Lombroso, o criminoso partilha com o selvagem um ponto intermédio/atrasado da evolução, e


não reconhece o valor da vida em sociedade, vive em estado de selvajaria. Após a observação do
crânio do criminoso, o cérebro aparenta ter estagnado no tempo, não correspondendo ao cérebro
de um Homem normal da sua época, sendo isso que caracteriza o criminoso. Lombroso realiza a
observação destes sujeitos através de pressupostos positivistas, de forma rigorosa, metódica e
sistemática, faz mensurações de forma obsessiva do sujeito e das suas características corporais e

31
pessoais (caligrafia, tatuagens,etc.), tentando encontrar um nexo de causalidade entre os
fenómenos observados e a criminalidade. A tese central é a tese do atavismo, embora tenha
reconhecido outros tipos de delinquentes. Este autor distinguia criminosos atávicos, criminosos
passionais (por paixão) e acidentais, etc.

Forma de estudo do criminoso para Ferri e Garófalo


Estes autores distinguem-se de Lombroso na medida em que introduzem mais variáveis como
preponderantes na passagem ao ato criminoso, abordam o crime de forma multifatorial.
Contribuíram na conceção de um novo poder no âmbito criminal e penal, gerando novos códigos
penais.

A pena de morte era defendida por estes autores no âmbito da defesa social, consideravam que os
sujeitos eram irrecuperáveis, a pena não servia para punir o sujeito pelo dano causado, mas para
proteger a sociedade destes sujeitos. Mas também defendiam penas alternativas, que impedissem o
sujeito de prejudicar a sociedade, como a pena de prisão perpétua. No caso português, como estas
penas não têm lugar, os inimputáveis passam a vida em instituições psiquiátricas, sendo tratados e
protegendo a sociedade em simultâneo. Estes estudos foram também usados para justificar a
exclusão social de certos grupos étnicos e raciais.

O que une estes 3 autores na Escola Positivista é a metodologia usada para procurar as causas do
crime, tendo o sujeito criminoso como objeto de estudo e partindo das mesmas ideias-base.
Enquanto Lombroso se focou sobretudo nos fatores biológicos, Ferri e Garófalo veem a etiologia do
crime de uma outra perspetiva, em que as causas dos crimes passam são múltiplas.

Ferri (1856-1929) - continuou o trabalho de Lombroso, especificamente dentro da linha da


penologia. Procurou fazer a síntese entre os vários fatores etiológicos da criminalidade, na altura
dispersos pelas orientações biológica e sociológica. Adotou uma perspetiva multicausal acerca da
delinquência. Introduziu o aspeto social na tentativa de explicar a criminalidade, falando na inter-
relação entre fatores sociais, económicos e políticos. A criminalidade passava a ser explicada pelos
efeitos interativos entre os fatores físicos, individuais e sociais.

Agrupa os fatores criminógenos em: fatores antropológicos ou endógenos, como a constituição


orgânica e psíquica; fatores do meio físico em que o sujeito estava envolvido e os fatores do meio
social, como a densidade populacional e geográfica, estado da opinião pública, religião, família,
educação, etc. “O crime é o resultado de múltiplas causas que, não obstante extremamente
interligadas, se podem identificar, através dum estudo cuidado. As causa do crime podem, assim,
analisar-se em individuais físicas ou naturais e sociais”. As suas convicções ideológicas levaram-no a
privilegiar os fatores sociológicos e a defender os substitutos penais, que seriam medidas
preventivas de natureza técnica, económica e social, e as penas indeterminadas e em indemnização
à vítima como medida de índole penal.

O crime pode-se prevenir quando o delinquente o é sobretudo por motivos ligados ao meio social,
como a pobreza, família destruturada, etc., mas não se pesarem mais os fatores de carácter
antropológico, endógeno e até fatores do meio físico. Este autor defende que é necessário que se
pense as penas de acordo com diferentes categorias de delinquentes. Se o criminoso for entendido
como um ser que pode recuperar e poderá não reincidir, poderão existir determinados tipos penais
aplicados. Se o sujeito for irrecuperável, a sua pena deverá visar a sua exclusão, a sua eliminação.
Deste modo, defende que o crime é o resultado de múltiplas causas, que podem ser identificadas
através de um estudo cuidado.

32
Ferri defendia a punição através das penas indeterminadas, penas em que o sujeito pode ser
libertado em qualquer momento, propõe de igual forma que se indemnizem as vítimas, sendo um
aspeto inovador. O seu trabalho foi usado como suporte de argumentos da “defesa social”, tendo
muita importância nesse aspeto.

Raffaelo Garófalo (1851-1934) - destaca-se sobretudo pelos seus esforços em formular uma
definição “natural” do delito/crime, o crime seria algo universal, sem influências de carácter social.
Procurava os comportamentos que corresponderiam a todos os seres humanos,
independentemente da sua cultura, etnia e história. A sua teoria do delito natural afirma que um
delito seria aquele que violasse os sentimentos básicos e universais do Homem (probidade e
piedade). Para este autor a definição de crime não era capaz de ser consensual. A ideia seria
delimitar uma definição de crime que fosse adotada nas ciências humanas e sociais, que
correspondesse ao carácter positivista dos conceitos que os autores consideravam que devessem
existir, e constituindo um conceito idêntico ao das ciências exatas. Enquanto os pensadores clássicos
aceitavam acriticamente a definição legal de crime, Garófalo considerava esta definição arbitrária e
pouco científica. O seu objetivo seria ancorar a definição de crime em algo “natural”.

Este autor tem a preocupação de tentar explicar a inexistência de certos sentimentos nos
criminosos, que explicaria a tendência de certos sujeitos para o crime. Parte do pressuposto de que
existe um humano universal, que iria remeter para certos comportamentos ou características que
existiriam entre as diferentes culturas, independentemente da particularidade dos contextos
específicos. Neste sentido, o crime seria uma violação do “humano universal”. Os ofensores seriam
vistos como antinaturais. Com esta decorrência há uma legitimação de uma série de punições,
incluindo a estigmatização social profunda, mas, também a pena de morte, a prisão perpétua, entre
outras.

Garófalo e Ferri apresentam perspetivas diferentes. Normalmente distinguem-se os dois autores


segundo as suas conceções de crime e do criminoso. Para Garófalo, o crime funda-se numa anomalia
moral do indivíduo, na ausência de sentimentos morais básicos adquiridos pela humanidade
civilizada e que permitem a convivência em sociedade, a probidade (respeito pelas coisas do outro) e
a piedade (respeito pela vida do outro). Já Ferri, foca o seu trabalho nas múltiplas causas da
criminalidade, em que variados fatores, incluindo alguns de ordem social, estão na origem da
criminalidade. Poder-se-á prevenir a criminalidade caso se consiga intervir nas causas materiais,
atribuídas ao estatuto social do sujeito. Mas os tipos de crime devem-se a causas psíquicas que irão
sempre subsistir.

Independentemente destas diferenças, todos estes autores partilham (Garófalo, Ferri e Lombroso)
princípios fundamentais da antropologia criminal e concordam com os objetivos da Escola Positivista
Italiana, nomeadamente, criar uma justiça cientificamente fundada na defesa social e no
conhecimento especializado do delinquente. O que decorre de 2 princípios inquestionáveis da
Antropologia Criminal:

♦ O delinquente é qualitativamente diferente do não delinquente, participa de uma ontologia


radicalmente diversa que deve ser conhecida e em nome da qual se deverão impor medidas
decorrentes da sua perigosidade. No contexto da Escola Clássica do DP já havia um conceito
parecido, o das classes perigosas. Mas é este conceito de perigosidade que vai beneficiar de
uma centralidade na antropologia criminal e nas políticas criminais.
♦ O crime é um facto social bruto que tem de ser estudado independentemente da reação
social que suscita, sendo visto como algo objetivo.

33
Como deve atuar a sociedade perante o criminoso?

 Garófalo: a prevenção social é de pouco interesse prático, na medida em que os sujeitos


delinquentes são irrecuperáveis. Deste modo, o Estado tem de proteger a sociedade destes
sujeitos, tem de “agir como a natureza, expulsando ou mesmo eliminando os organismos
que não se conseguem adaptar à vida em sociedade. A repressão deve, portanto, ser severa
e as questões éticas que esta levanta estão fora do campo de preocupações do autor. O
jurista deve buscar junto das ciências experimentais as penas que se mostrem mais eficazes
a evitar o perigo social que o delinquente acarreta”. O importante para este autor é a
manutenção da segurança da sociedade face a estes sujeitos.
 Ferri: apresenta uma perspetiva multifatorial do crime e “... acredita numa certa dose de
prevenção, mas sempre em vista a preservação da sociedade e não dos direitos individuais.”.
A ideia principal será proteger a sociedade dos delinquentes e dos seus delitos, e não há
uma preocupação com os direitos individuais dos sujeitos. A punição equivale a e esta
necessidade que a sociedade tem de se defender daqueles que a atacam e será suficiente a
imputação física ou material de um ato a um autor, de modo a determinar a sua
responsabilidade. A sanção penal deve recair independentemente da vontade do indivíduo e
de como age, aplicando-se-lhe inexoravelmente, à semelhança das leis da natureza. O
sujeito é perigoso, independentemente de agir racionalmente ou não. Por isso é que é
defensor das penas indeterminadas quando se considera que o sujeito pode não ser
recuperável. Mas também defende os substitutos penais, segundo os quais se trata a
prevenção do crime, através da intervenção do Estado nas causas que estarão na origem do
mesmo, nomeadamente as causas sociais (ex: medidas de instrução da população, de
higiene social, no sentido de ofertas de melhores condições de vida).

Estas conceções irão permear o Direito Penal da época:

O conceito de perigosidade de Garófalo, que consiste na deteção dos níveis de temibilidade e


inadaptabilidade dos delinquentes, gera preocupações pelos delinquentes perigosos, sobre os quais
as penas tradicionais não funcionam porque neles não funciona a dissuasão. São criminosos
reincidentes, habituais e profissionais que colocam específicas exigências ao Direito Penal: devem
ser submetidos a tratamentos individualizados (se recuperáveis) ou simplesmente serem
neutralizados.

Escola Clássica do Direito Penal Escola Positivista Italiana


Beccaria, Bentham Lombroso, Ferri e Garófalo
O delinquente é racional e escolhe (não) O delinquente é qualitativamente diferente do
cometer o crime, avalia as vantagens e não-delinquente e é determinado por fatores
desvantagens de cometer o crime. que não controla.
Normalidade. É um ser como outro qualquer e Patologia - todos os aspetos biológicos e sociais
opta por delinquir. analisados, determinam este estado patológico.
Livre-arbítrio Determinismo
Dissuasão - sanção penal proporcional ao ato Defesa social - eliminação do delinquente.
cometido. Funciona como prevenção da Perante este ser anormal, cujo destino é ser
reincidência em particular, mas dissuadir a criminoso, a sociedade tem de ser defendida do
sociedade, no geral, a não cometer estes atos. perigo que este sujeito constitui.
Teórica Empírica

O Movimento de Defesa Social

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Este movimento irá propor uma forma de a sociedade se defender do delinquente. Procurará uma
solução de compromisso entre os principais postulados do Direito Penal Clássico e os novos
contributos científicos do Positivismo Italiano. Resultou da conclusão da análise das duas grandes
Escolas. Nascido da União Internacional do Direito Penal (1889-1914) e instituído por nomes como
A.Prins (1845-1919), F.Von Liszt (1851-1919) e G.Von Hamel (1842-1917) procura constituir-se como
um sistema de justiça penal moderno e eficaz, entendendo que a criminalidade e os meios de lutar
contra ela devem ser encarados do ponto de vista antropológico, social e não apenas jurídico. O
Direito Penal abre-se às outras ciências e coloca questões sensíveis: Será possível intervir antes da
comissão do ato delinquente? Poder-se-á abandonar o princípio da legalidade?

Solução de compromisso: “a lei deve estabelecer medidas especiais de segurança social contra os
delinquentes perigosos: quer pelo seu estado de reincidência, pelos seus hábitos de vida, pelos seus
antecedentes hereditários e pessoais manifestados através de um crime. A estes serão aplicadas
medidas de segurança que sobrevivem nos seus moldes gerais até aos nossos dias”.

Os fundamentos da reação social segundo a Escola Positivista Italiana – Garófalo e Ferri


Justificação do direito de punir
Na lógica positivista, o delinquente é determinado, e há uma oposição à Escola Clássica de Direito
Penal quando ao problema da punição e da pena.

Garófalo define o delito natural, para ele um crime é um ato independente do contexto social,
depende sobretudo, da constituição do sujeito. A criminalidade é vista como inerente à sociedade
independente da influência social (ex.: a educação não afeta a criminalidade; tese oposta ao
socialismo segundo o qual o capitalismo influenciaria a criminalidade). Consequentemente, a
prevenção social tem pouco interesse prático. Neste aspeto há divergência em relação a Ferri, que
defendia a existência de crimes que poderiam ser evitados, porque são consequência das condições
materiais de vida dos sujeitos. Para Garófalo, os aspetos sociais têm pouco reflexo na criminalidade.
O problema para este autor não seria punir, mas arranjar uma outra solução, organizar de forma
mais sistemática a repressão sobre o sujeito e a aplicação de penas severas. A organização da
repressão deve ser a mais científica possível, com base nas classificações propostas. A classificação
do crime deve ser científica e consequentemente as penas devem-se basear nesse conhecimento.
Este autor é darwinista, considerando que o Estado e a sociedade evoluem, tal como a natureza, e
que a repressão deve ser severa na sociedade, tal como na natureza. Segundo esta corrente, os
organismos naturais evoluem em função de uma seleção natural, que irá eliminar aqueles que não
são funcionais na organização da natureza e o mesmo deve acontecer na sociedade; quem a
prejudica deve ser sujeito a medidas que o impeçam de afetar o todo social.

Já Ferri pensa que existem crimes que poderiam ser evitados, crimes que decorrem de lógicas
associadas à estrutura social da sociedade, nomeadamente ao capitalismo e às desigualdades
sociais. “Se o livre arbítrio não existe e os homens são determinados pela sua natureza e pelo meio
exterior a cometer crimes, então a legitimidade da reação social deve assentar noutra lógica”.
Propõe uma lógica defensiva/conservadora da ordem social, quando a função punitiva se despoja da
vingança, adota unicamente um carácter defensivo, a punição é de carácter defensivo ou
preservador da sociedade - função de conservação social. O conceito de pena na época medieval é
revestido de um carácter de tortura e sofrimento e até de vingança, e relacionado até com a própria
religião. Ferri opõe-se a esta lógica de pena e propõe uma lógica defensiva, em que o Direito Penal
deve ser sobretudo, defensivo e que garanta a conservação da ordem social. A pena aplicada deve
ser independente do sujeito, que não é livre nas suas ações, e permitir proteger a sociedade.

35
Nas sociedades modernas, a defesa social deverá coincidir com a defesa jurídica. O direito de punir
decorre da necessidade de se defender uma ordem social. Porque pune o Estado pune que não
consegue abster-se do crime? Para Ferri o Estado pune pela única razão de que não se pode abster
de fazê-lo para defender o direito da sociedade, do coletivo. Uma das críticas feitas a esta Escola era
pelo facto de que se não havia livre-arbítrio do sujeito atávico, não faria sentido este ser alvo de
punição. Este autor verifica que o direito de punir deve assentar na defesa da sociedade.

Da responsabilidade moral à responsabilidade social - há uma responsabilidade moral em


relação à necessidade de punir, uma necessidade atribuída ao delinquente. Mas também se verifica
uma responsabilidade social de punir, que é sobretudo do Estado

Garófalo dedica pouca atenção à questão ética da responsabilidade. O importante é punir para
defender a sociedade. Se o sujeito é irresponsável, como o caso do atávico, é necessário defender a
sociedade desse sujeito através de uma punição severa. Acrescenta que é impossível fundar o
sistema penal na responsabilidade moral, e é necessário adotar outros critérios como a natureza do
criminoso.

Para Ferri a simples imputabilidade de um sujeito é justificação da punição. Porque punir atentando
contra o autor do ato, se este é determinado? A imputabilidade física do delito é suficiente para
estabelecer a responsabilidade penal. A sanção é independente do sujeito que age, a reação penal é
cumprida na sua função de preservação social contra a criminalidade. Este autor vê a reação penal
na sua função de preservação social contra a criminalidade. A função social do Direito Penal deve
consistir, na procura do bem-estar coletivo. Em relação à noção de imputabilidade de
responsabilidade, esta muda de sentido propondo alterações na forma como o Direito as deve
entender. Só a imputabilidade material permanece necessária para atribuir ao homem a
responsabilidade dos seus atos, porque “juridicamente o homem é responsável pelas suas ações pelo
simples facto de viver em sociedade. O facto de viver com outras pessoas é para o homem a fonte
única dos seus direitos, e, por conseguinte, dos seus deveres.”. Uma vez que o sujeito vive em
sociedade, as suas ações têm efeitos sociais, deve sentir e suportar esses efeitos, e a pena justifica-
se.

O papel do sistema penal


Uma Escola pode ter paradigmas comuns, em que os seus autores defendem uma ideologia comum,
mas também há pontos em que estes seus autores divergem nas suas ideologias. O que têm em
comum é a maneira como concebem o crime, o criminoso, a responsabilidade e o papel da justiça.
Ferri e Garófalo têm em comum, em matéria de filosofia global do sistema, a necessidade de
prevenção; deve reagir-se ao delito de modo a evitar a reincidência; defendem a detenção a tempo
indeterminado, embora Ferri tenha aprofundado mais a sua análise neste aspeto, e também a pena
de morte justificada pela “seleção natural” e não por argumentos morais.

A prevenção social, a teoria “sostitutivi penale” (substitutos penais) de Ferri

 Garófalo estava pouco convencido quanto às relações entre as condições socioeconómicas e


a criminalidade; dúvidas em relação aos meios de prevenção propostos por Ferri,
nomeadamente, higienizar a sociedade, no sentido de conceber melhores condições de vida
aos sujeitos que estão na base da hierarquia social como forma de evitar o crime.
 Ferri foi fiel às ideias socialistas relativas à necessidade de uma transformação social
profunda, propõe, por exemplo, a eliminação da propriedade privada como forma de
transformar a sociedade e de eliminar certas formas de crime. Se a propriedade fosse
coletiva poder-se-iam eliminar três grandes fontes de criminalidade, como a extrema

36
riqueza, a extrema miséria e a ociosidade. Para este autor, a criminalidade, tal como relevam
a estatísticas, resulta de um conjunto de fatores ligados ao indivíduo, à natureza e à
sociedade. A sua teoria tem por objetivo interferir ao nível das causas sociais e de certas
causas legislativas para apenas subsista a criminalidade ligada a patologias individuais.
Debate-se contra a ideia de que para remediar uma desordem social não há outro meio
senão multiplicar as defesas e as punições em vez de procurar as causas e arranjar forma de
as eliminar. Por fim, exprime a ideia de quase impotência das penas para impedir os delitos,
a solução para ele seria arranjar substitutos penais, políticas capazes de influenciar a
sociedade e evitar o crime.

O seu objetivo concreto seria o de transformação das formas de pensar e de governar a sociedade.
Desejava suprimir/enfraquecer o hábito de pensar unicamente nas leis penais cada vez que
queremos evitar qualquer fenómeno de patologia social. A ciência dos delitos e das penas teria
unicamente de se ocupar da criminalidade atávica ou de patologia individual. A criminalidade
ocasional, ligada à organização social, poderia ser resolvida através de medidas de higiene social. As
políticas de prevenção seriam sustentadas por reformas políticas, administrativas e sociais
suscetíveis de bloquear a criminalidade dita natural ou evolutiva. É uma teoria política da
transformação da sociedade.

Crítica da teoria da proporcionalidade

Garófalo conserva toda a legitimidade à pena, mas transforma o seu sentido e a evolução da sua
escolha, de acordo com o novo fundamento do direito de punir. Além da questão do fundamento do
direito de punir, coloca-se a questão ética e prática da proporcionalidade entre o delito e a pena.
Para Garófalo, o estabelecimento de uma escala de delito, que corresponda a uma escala de penas,
decorre do arbitrário. O que importaria seria medir o perigo social que ele representa; “é designar o
meio repressivo exatamente apropriado, isto é o obstáculo capaz de afastar o perigo, meio que será
escolhido em função da adaptabilidade do sujeito ao meio social”, cada culpado seria colocado numa
das categorias da classificação, às quais estão ligados diferentes meios de defesa social.

O papel do sistema penal – Garófalo e Ferri – as detenções de duração indeterminada

O objetivo da repressão penal trata a preservação social e é independente da falta moral do sujeito.
Ferri insiste na importância de outro elemento próprio do sujeito, o motivo determinante do seu
ato, segundo a sua qualidade social ou antissocial. É na qualidade dos motivos determinantes que se
encontra o critério fundamental para distinguir a criminalidade atávica da criminalidade evolutiva.
Mais do que Garófalo, Ferri pede que a sanção tenha em conta os fatores sociais e ambientais onde
evolui o indivíduo. No lugar da pena proporcional ao delito, propõe-se uma medida indeterminada,
decidida em função das características do condenado e da sua evolução.

Este sistema de pena deveria ser acompanhado por um sistema de libertação condicional acordado
após um exame fisiopsicológico do condenado. A pena só poderia ser acordada com base numa
evolução positiva do detido, trata-se de estar seguro de que não existe risco de reincidência.

As detenções de duração indeterminada, a compensação da Vítima e a Pena de Morte


No final do século XIX - muitas críticas à prisão pelos membros da escola positivista. Evidenciam uma
dupla estratégia de reforma: intransigência e não piedade em relação ao criminoso perigoso e
inadaptável; fazer sair do circuito carcerário o condenado pouco perigoso para a sociedade.

Para estes autores, para indivíduos que não são adaptáveis é indispensável uma separação completa
do meio social para cumprir as necessidades da defesa social, como por exemplo, em ilhas ou

37
colónias (no caso português, Angola e Moçambique) ou em estabelecimentos penitenciários, mas
sempre de duração indeterminada. A liberdade condicional nunca pode ser acordada para indivíduos
qualificados de criminosos-natos ou criminosos-loucos. Defende-se um tratamento muito severo dos
detidos. Ferri diz que é necessário que as prisões não se tornem “um asilo cómodo de ociosidade
protegida e de companhia criminal”; que não pareça mais confortável do que a morada dos
operários e agricultores; e o detido deve sustentar-se pelo seu trabalho, bem como indemnizar a
vítima. Ferri sugere a criação de colónias de trabalho para os detidos.

A categoria da população para quem a prisão aparece como a mais absurda é a composta pelos
criminosos ocasionais. Estes deveriam ter penas de curta duração na prisão, ou nem ser detidos,
para evitar que aprendam definições criminais e se tornem reincidentes. Para Garófalo, situam-se no
espaço intermediário entre os indivíduos normais e os criminosos. Garófalo defende a indemnização
da vítima em vez da pena; trata-se de propor uma forma de sanção que seja mais eficaz (mais
dissuasiva) do que a pena clássica e que tenha em conta a vítima da infração. Trata-se de “esvaziar”
as prisões, que estavam sobrelotadas, e ao mesmo tempo de indemnizar as vítimas de infração,
“abandonadas” pela legislação penal clássica.

Se as suas propostas fossem aplicadas teriam dado lugar a dois grupos de infratores: os delinquentes
primários, acusados de delitos considerados pouco graves e que, de algum modo, não merecem
sanções penais caso pudessem indemnizar a vítima; e os verdadeiros criminosos, perigosos e
praticamente inadaptáveis, inatos , tratados de maneira severa, podendo ser até privados da sua
vida.

Argumentos que suportam a defesa da pena de morte: seguindo o princípio darwinista da seleção
natural, o homem que violou as condutas consideradas essenciais deve ser excluído da sociedade. Se
os seres vivos acabam por ser determinados pela seleção natural, o mesmo deve acontecer na
sociedade, mas seria uma seleção artificial e seriam selecionados em função da categoria de
criminoso em que tivessem enquadrados. Esta exclusão pode realizar-se pela morte ou exílio
privando o culpado de toda a vida social; a deportação ou reclusão perpétua era vista como
equivalente à pena de morte.

Esta pena seria para os indivíduos cuja inadaptação às condições do meio se manifestou incompleta
ou impossível. Para os outros, em função do seu grau de adaptabilidade, empatia social e
incorporação de valores normativos, será necessário encontrar o meio no qual poderão viver sem
serem perigosos.

Ferri reconhece que entre os positivistas há uma quase unanimidade quanto à legitimidade da pena
de morte. Para ele, a pena de morte também não, não é incompatível com o direito, “a morte de
outro, quando é absolutamente necessária, é perfeitamente justa”, a sociedade pode eliminar o
indivíduo que pode pôr em perigo a ordem social. Colocam-se problemas quanto à seleção natural.
Se a seleção não fosse equacionada através de um equilíbrio necessário entre os direitos do
indivíduo e os da sociedade, entre os interesses materiais e os interesses morais…tornaríamos não
apenas legítimo como obrigatório, matar qualquer indivíduo mal formado ou afetado por males
incuráveis e de doenças contagiosas” (Ferri). O problema do perigo e da determinação de um sujeito
como tal coloca-se na questão de se este sujeito já seria perigoso antes de cometer o crime. Caso já
o fosse, talvez fosse inteligente e eficaz detê-lo antes da prática do crime.

Para que a pena de morte fosse verdadeiramente eficaz, seria necessário eliminar todos os
indivíduos que a merecem, isto é aplicar completamente o princípio da seleção artificial. A sua
função intimidadora e dissuasiva parece a Ferri provavelmente nula.

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Este aspeto virá a ter efeitos no Movimento de Defesa Social que se expira na problemática
apresentada pelos positivistas italianos. O objetivo da União Internacional do Direito Penal seria
promover uma nova política criminal e encontrar um novo consenso em torno da racionalidade
penal que tivesse em conta os contributos dos saberes sobre a questão criminal elaborada no campo
das ciências humanas.

O término desta união coincidiu com a primeira guerra mundial. Numa primeira fase, era composta
sobretudo por penalistas, mas posteriormente, profissionais doutras áreas foram incluídos. Estes
penalistas, tentam promover um novo sistema de justiça penal. Este sistema vai se basear nos
ensinamentos positivistas. Um dos objetivos desta União foi a criação de um sistema de justiça
moderno, apoiado no conhecimento empírico dos fenómenos da criminalidade. Inicialmente estava
limitada pela via traçada pela Escola Positivista Italiana, mas depois inclui outros conhecimentos e
perspetivas, tornando-se cada vez mais ampla por discutir mais abordagens .

Em 1897, a União reuniu-se em Portugal, onde se procedeu à revisão do estatuto da União,“ a União
Internacional do Direito Penal estima que a criminalidade, de um lado, e os meios de lutar contra ela,
por outro, devem ser encarados tanto do ponto de vista antropológico e sociológico, como do ponto
de vista jurídico. O seu objetivo é o estudo científico da criminalidade, das suas causas e dos meios
de a combater.”

O contexto desta união é o final do século XIX, uma época bastante conturbada em toda a Europa,
em que emergem, no âmbito das condições sociais, movimentos sociais de operários,
manifestações, sindicatos, que se começam a opor ao Estado e a reivindicar determinados direitos.
Um Estado que repensa a sua política criminal para fazer frente a todas transformações em termos
sociais e políticos. Esta União deve ser encarada no seio deste contexto, uma Europa que irá gerar
um conjunto de instituições que transformaram cada estado em Estado-providência, Estado que
apoia cada cidadão desde o momento em que nasce até à sua morte, que procura atribuir melhores
condições de vida, direitos, aos seus cidadãos. Estes aspetos levam a que o Estado se torne mais
intervencionista. Se na época liberal se considera que o Estado deva ter uma atuação mais discreta,
dando quase total liberdade aos sujeitos em termos económicos, a partir dos finais do séc. XIX,
começa-se a pensar que o Estado deve ser mais interventivo.

O Direito Penal irá propor-se como uma ciência penal. A União Internacional do Direito Penal é
responsável por apresentar um modelo de ciências penais integradas, que integraria o meio jurídico
e social. Estas ciências penais integradas, não seriam dominadas pelo conhecimento científico, mas
este seria usado como auxílio e complementação, deste modo, surge o Movimento de Defesa Social.
Surge como consequência desta resposta aos desafios que a sociedade colocou à organização
jurídica da época.

A defesa social como projeto de política criminal


A.Prins é o autor em que se encontra as perspetivas da defesa social de forma mais clara. Este autor
publicou: “O Estado exercendo a justiça repressiva é sobretudo um dador de segurança e, na sua luta
contra as classes criminosas, ele deve acima de tudo assegurar a ordem e procurar os meios mais
apropriados para o garantir...” (1907). A missão do sistema penal passa a ser garantir a ordem e
proteger a sociedade contra todos os que são suscetíveis de a ameaçar. A sociedade deve usar todos
os meios à sua disposição para se proteger.

Vê as cidades modernas e a industrialização ameaçadas pelas classes operárias. Estas classes estão
na origem nos desacatos sociais, colocando em risco a organização social moderna. Considerava que

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o direito penal clássico era incapaz de combater estes fluxos com os instrumentos conceptuais de
que dispunha.

Face a estas lacunas, a teoria da defesa social representava um modelo suscetível de enfrentar esse
problema, ao mesmo tempo que permitia manter uma ordem que protege os valores dominantes,
propunha a aplicação de um sistema de administração da justiça penal capaz, por um lado, de
afastar da vida social os indivíduos perigosos e de, por outro lado, readaptar ou normalizar os que
são recuperáveis.

Em Portugal isto foi aplicado, melhorar as cidades, com a criação de ilhas com melhores condições
de vida para os operários se alojarem e não causarem desacatos pela cidade fora.

A noção de perigosidade passa a ser normal e central da política criminal. É através desta noção que
se pensa poder resolver um dos grandes problemas que agitam os penalistas da época,
nomeadamente, o da reincidência e da delinquência comum.

Como Prins defende que há classes perigosas, existe a necessidade de prevenção e repressão,
assumindo os ideais positivistas, nomeadamente, o conhecimento científico para conseguir a defesa
social. Deve-se atuar sobre os sujeitos antes de se tornarem ameaçadores para a sociedade.

Garçon opõe-se à teoria da Prins. Propõe que se deve desconfiar das perspetivas que pretendem a
defesa social sem ter em consideração o Direito Penal. Para o autor, o Direito Penal deve ser quem
configura a pena, exclusivamente. Não há crime sem lei e não se poderia afastar e deter sujeitos só
por terem determinados traços psicológicos ou biológicos. Contudo, defende a defesa social, e que a
sociedade se defenda do potencial e do criminoso. Este é um debate que continua a fazer parte das
políticas criminais atuais. Para o autor, não faz sentido, por questões de liberdade individual, por
características cientificamente descobertas excluir-se sujeitos da sociedade.

Em 1904, Prins propõe substituir a noção jurídica clássica de reincidência pela noção positiva de
estado perigoso. Esta substituição marca a passagem de uma lógica “clássica” da pena como reação
a um ato, para uma lógica “positivista” de repressão que visa o tratamento científico de uma pessoa
em relação à qual a sociedade tem de defender-se.

Esta substituição do ato pela pessoa coloca problemas aos penalistas que continuam a defender a
tese clássica do livre-arbítrio. Por exemplo, no congresso de 1910 E. Garçon insiste sobre a
importância que há em manter o carater objetivo do direito penal para garantir as liberdades
individuais. Em relação ao delinquente perigoso defende que é necessário conservar o princípio
nulla poena sine lege. Garçon teme que no que respeita o delinquente perigoso se tome “contra ele
as medidas de segurança antes mesmo que ele tenha cometido qualquer acto delituoso”.

A noção de perigosidade estende-se a sujeitos que não tenham cometido atos delinquentes, pode
estar relacionada com sujeitos que tenham herdado características genéticas que tenham
predisposição para delinquir. O que está em causa é a noção de estado perigoso, limitado primeiro
aos reincidentes, e que parece tender a estender-se a certos indivíduos antes mesmo que tenham
cometido o ato delituoso. No Congresso de Bruxelas, o debate ecoa essas preocupações e considera-
se “que o juiz deveria ter a possibilidade de proteger efetivamente a sociedade, com a ajuda de
medidas de defesa social contra os “perigosos” mesmo aqueles que não cometeram (ainda) um
único ato delituoso.” Garçon responde que se corre o risco de se abandonar o princípio de
legalidade que é a base da constituição dos povos livres.

A resolução final que fecha esses debates toma a forma de um compromisso, de uma conjugação de
várias vontades e não permite dizer que a União tenha verdadeiramente autorizado a intervenção

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penal antes que haja infração, a não ser relativamente a crianças. O texto assinado pela assembleia
foi: “a lei deve estabelecer medidas especiais de segurança social contra os delinquentes perigosos
em função: quer do seu estado de reincidência legal, quer dos seus hábitos de vida, quer dos seus
antecedentes hereditários e pessoais manifestados por um crime e por um delito que ela determina”-
o carácter ambíguo desta resolução é manifesto, sobretudo na proposição que pede à lei para
prever quais são os “hábitos de vida” suscetíveis de manifestar o carácter perigoso de um
“delinquente” (mesmo independentemente de uma passagem ao ato) e de lhe atribuir medidas
especiais de segurança social.

Prins defende uma política que deve visar à deteção dos anormais e de outros degenerados
independentemente do cometimento de um ato criminoso, é o estudo dos criminais reincidentes
que mostra que, entre estes, uma percentagem importante deve ser considerada degenerada ou
defeituosa. “Esta deficiência ou degenerescência já está presente nos indivíduos muito antes da
passagem ao ato e, além disso, os cientistas mostraram que se transmitem de maneira hereditária”.

Por isso, defende que é desde a infância que o Estado tem o direito e o dever de intervir já que a
degenerescência constitui um perigo social. Mesmo que encontremos degenerados em todas as
classes sociais, apenas os das classes inferiores correm o risco de se tornar perigosos, porque “nos
meios privilegiados … temos múltiplos meios de preservar os fracos de espírito e de vontade”. É
necessário, diz Prins, intervir desde a infância para detetar os indivíduos e os colocar à margem. É
necessário criar um “plano completo” de intervenção, uma ação permanente. É necessário ocupar-
se da “triagem dos anormais” para uma “classificação metódica.”

O que está entendido é que se deve conjugar a política criminal repressiva com uma política social
em relação às classes mais delinquentes. Independentemente das transformações legislativas
propostas pela União, parece claro que passamos de uma conceção do direito penal centrado no ato
e sobre a sua repressão, para uma conceção centrada no delinquente e no perigo que ele representa
para a ordem social. Neste contexto, surge a distinção entre sujeitos delinquentes, e as várias
tipologias, que é delegada para a ciência, mas que o Direito, não se pode desconectar por completo.

A escola positivista tinha conservado a necessidade absoluta de uma passagem ao ato para autorizar
a intervenção penal. Os debates do Congresso de Bruxelas mostram como, em algum momento, se
pensou autorizar esta intervenção independentemente do cometimento de uma infração. De
qualquer modo, os princípios que presidem o desenvolvimento de uma política criminal, que tende a
apagar a distinção entre a intervenção penal repressiva e as intervenções de tipo preventivo (mesmo
perante o estado perigoso), já estavam presentes aquando da criação da União em 1889. No texto
sobre “as tendências da União” pode ler-se que “a separação rigorosa da repressão e da prevenção,
do que pune e do que impede o delito, é uma das principais causas do medíocre resultado obtido
pelo direito na sua luta contra a criminalidade”.

Se o conceito de culpabilidade (fundado no livre-arbítrio) legitima a repressão do sujeito


considerado normal, não autoriza nem a do louco nem a do degenerado, e muito menos do sujeito
considerado perigoso. A escola positivista, através da sua abordagem “científica” introduz princípios
de legitimação fundados não mais numa ética jurídica, mas no que considerava serem evidencias
científicas. Surge o debate entre o que é normal e anormal, com o intuito de encontrar o melhor
para a defesa social. O conceito de culpa relaciona-se com a responsabilidade pelos atos, onde se
enquadram os delinquentes sem patologias. Em relação às classes “perigosas”, não têm culpa, são
determinados biologicamente, logo o debate gera-se quanto a estas classes.

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A anormalidade dos delinquentes autoriza a suspensão a relação entre repressão e ato criminoso,
para construir uma nova relação entre o indivíduo e a procura de um tratamento apropriado. Deste
modo, a insistência sobre a necessidade de uma passagem ao ato passa para segundo plano.
Todavia, subsistem tensões, como se as “descobertas científicas” da época, embora aceites pela
maioria dos juristas, não conseguissem destruir completamente certas conceções do sujeito do
direito não redutível às suas características identificáveis pela ciência positiva.

Conclusões
A criminologia estrutura-se e oficializa-se com a Escola Positivista Italiana: visou produzir um saber
sobre o crime, o criminoso e a reação social e penal que permita eliminar ou pelo menos controlar
os comportamentos socialmente indesejáveis. O Movimento de Defesa Social, como projeto de
conhecimento e como projeto político socio-penal, estrutura-se à volta de um certo número de
ideias suscetíveis de trazer mudanças fundamentais na organização do controlo social.

Algumas conclusões fundamentais segundo Françoise Digneffe:

1- A diferença antropológica do criminoso como objeto de pesquisa criminológica.

É no seio da Escola Positivista Italiana que se constrói a tese da diferença entre criminosos e não
criminosos. Fundada por Lombroso, com a identificação de evidências de características biológicas
próprias, sinais de atavismo ou de degenerescência, a diferença é essencialmente psicológica
(Garófalo) e ligada a múltiplos fatores (Ferri).

Contexto propício ao aparecimento do homem criminoso: a psiquiatria e a antropologia


desenvolvem-se e encontram nas prisões o lugar de observação. Esta especificidade do homem
delinquente nunca tinha sido proclamada nem pesquisada com tanta determinação; faz agora parte
das “evidências” de que é difícil desfazer-se mesmo se contestadas. Este conhecimento positivista
nunca põe em causa a punibilidade. A pena é indispensável, mas não é no sentido de retribuição do
dano causado e castigo, mas de defender a sociedade desses sujeitos.

2- A defesa social como fundamento e objetivo da justiça penal.

O direito de punir, objeto primeiro de discussão a propósito da natureza do direito penal, muda
fundamentalmente de sentido e vai ser fundado sobre a necessidade de conservação social.

A Escola Positivista vê o Direito Penal como um instrumento contra as ameaças à ordem


estabelecida e apoio da antropologia positivista de Lombroso, que permitirá reduzir os problemas
económicos e sociais a factos ontológicos individuais. Ferri distancia-se da antropologia criminal
quando, participando na corrente socialista, evoca o facto que uma parte da criminalidade ser
resultante de injustiças de classes.

3- Se as mudanças propostas pela Escola Positivista são importantes de um ponto de vista


teórico e prático, os pressupostos sobre os quais assenta correspondem aos da Escola Clássica ou
Neoclássica: ambas pressupõem que a lei penal é a expressão de uma vontade geral, de um
consenso sobre os valores a proteger.

A atenção passa do ato para a pessoa transgressora; considera-se que os transgressores não agem
livremente e por isso não são mais declarados penalmente responsáveis; mas continuam a ser o alvo
sobre o qual se abate a reação penal. A obrigação de punir está sempre presente e o Estado é
chamado a intervir de forma mais severa.

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Há a passagem da noção de culpabilidade para a de perigosidade que manifesta o fundamento do
direito de punir apoiado na necessidade de defesa social e legitima as reivindicações para uma
reação acrescida da reação social.

4- O Movimento de Defesa Social recupera da Escola Positivista a definição do Direito Penal


como um instrumento de defesa da sociedade.

Mas não adere totalmente a todas as consequências pressupostas pela EPI (negação do livre-
arbítrio, passagem da responsabilidade moral para a responsabilidade social, substituição das penas
por medidas indeterminadas, etc). Fará passar um certo número de reformas legislativas que se
inspiram ao mesmo tempo em princípios dessa escola e das clássicas e neoclássicas.

Conserva, para a criminalidade ocasional, o pressuposto do livre-arbítrio e das penas proporcionais.


Para os reincidentes tem por referências as classificações positivistas, construídas a partir dos
estudos antropológicos; não são responsáveis pelos seus crimes, mas há a necessidade de criação e
políticas criminais para impedir que delinquam novamente. Prevê um conjunto cada vez mais
importante de medidas preventivas, que interviessem antes de qualquer passagem ao ato e que se
integram numa política que podemos qualificar de socio-penal, cujo campo tende a alargar-se
progressivamente. Von Liszt afirma que há a necessidade uma política de intervenção preventiva.

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