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RELATO DE CASO DE ULCERA CORNEAL

PERSISTENTE EM UMA CADELA POODLE DE


10 ANOS
Renato Cysneiros Galvão1, Vanessa Anny Souza Silva2, Daniela da Silva Pereira3, Eneida Willcox Rêgo 4

Introdução basal anormal e uma ausência de hemidesmossomos para


aderência. A aderência do epitélio corneal ao estroma
A parede do olho é composta por três camadas
depende da membrana basal, bem como dos
(túnicas) que circundam e encerram os componentes
hemidesmossomos associados da membrana celular
refrativos ou dióptricos. As três túnicas do globo são:
epitelial basal. Este complexo de membrana basal é
camada fibrosa, camada ou túnica vascular e a camada
frequentemente fortalecido por fibrilas de ancoramento, as
nervosa interna. A camada fibrosa mais externa é
quais adicionam força à ligação adesiva entre as células. A
formada pela esclera, na maior parte do olho e pela
etiologia aceita defende que existe um defeito nos
córnea, rostralmente. A túnica vascular (úvea) contém a
hemidesmossomos das células basais epiteliais. A base da
coróide, o corpo ciliar e a íris. A camada mais interna,
membrana basal do epitélio anterior não é produzida
a túnica nervosa interna, é constituída pela retina [1].
normalmente, provocando o defeito. O epitélio forma
A córnea mantém uma barreira física resistente e
lábios, que se enrolam às vezes para dentro e outras vezes
impermeável entre o olho e o ambiente. [2]. Patologias
para fora [6].
na córnea são comuns na clinica veterinária, essa alta
As úlceras de córnea frequentemente provocam sinais
frequência não deve induzir os clínicos a esquecerem a
clínicos clássicos, traduzidos por fotofobia,
importância de um diagnóstico rigoroso e um
bleforoespasmo, epífora e perda da transparência pela
tratamento atencioso [3], tendo em vista que as
invasão de vasos, migração de células inflamatórias devido
corneopatias adquiridas constituem causas importantes
ao edema, desarranjo das lamelas de colágeno, resultante
de cegueira evitáveis em cães e gatos.
da reparação cicatricial, deposição de pigmentos e de
A perda de epitélio em espessura completa com pelo
outras substâncias como lipídios e cálcio [4]. Úlceras
menos uma perda estromatosa é chamada de ulceração,
corneais indolentes provocam blefarospasmo, fotofobia e
uma das causas a ser considerada de cegueira em
epífora, que são estimulados por meio de sensações
animais [3]. Os agentes de ulcera de córnea podem ser
dolorosas provenientes do epitélio danificado, bem como
os mais variados: infecciosos, endócrinos,
do espasmo do músculo ciliar secundário [2,3,6,7].
anormalidades dos cílios, traumas químicos,
Haverá ainda uma depressão da superfície corneal se
anormalidades palpebrais, paralisia do nervo facial e
ocorrer perda estromatosa [3].
doenças do filme lacrimal, sendo trauma o mais comum
O diagnóstico tem com base os sinais clínicos na história
entre os agentes envolvidos [4,5]. Tem-se reconhecido
e na semiotécnica oftálmica. As úlceras ocorrem
uma distrofia de membrana basal epitelial corneal
espontaneamente sem nenhuma história de trauma prévio,
aparentemente herdada em cães, principalmente da raça
caracterizadas por seu curso crônico, natureza superficial,
boxer, todavia também ocorre em outras raças. De
falta de vascularização e de outros sinais inflamatórios. O
maneira geral os cães afetados são de meia-idade ou
edema pode ser discreto a moderado e as bordas das
idosos [3]. Segundo Gelatt [2], a patogenia das úlceras
úlceras, usualmente, encontram-se irregulares face à perda
corneais indolentes (ulcera corneal persistente) é
epitelial circunjacente [8]. O uso da fluoresceína, uma
desconhecida.
droga hidrofóbica que se conjuga com o estroma corneal,
As úlceras corneais indolentes são freqüentemente
associada com uma caneta luminosa se identifica a
relacionadas à raça, desenvolvem-se espontaneamente,
captação desta droga, que tem suas moléculas excitadas,
e eventualmente afetam ambos os olhos, podendo
fazendo-as fluorescerem em verde, confirmando assim a
representar uma distrofia epitelial corneal primária ou
úlcera de córnea indolente.
estromal superficial. Úlceras corneais refratárias podem
O tratamento pode ser clínico, se descoberta
representar distrofia epitelial corneal caracterizada por
precocemente, ou cirúrgico, ceratotomia [3,7].
células epiteliais basais que produzem uma membrana

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1. Primeiro Autor é Estudante do Curso de Especialização em Clínica Médica de Pequenos Animais, Universidade Federal Rural do Semi-Árido. Rua
Setúbal n 777 piso R – Boa Viagem – Recife/ PE. E-mail: renatogalvao2@hotmail.com
2. Segundo Autor é Estudante do Departamento de Medicina Veterinária, Medicina Veterinária, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua
Dom Manuel Luiz de Medeiros, s/n – Dois Irmãos – CEP: 52171 - 900. E-mail: nessa_anny@hotmail.com.
3. Terceiro Autor é Estudante do Departamento de Medicina Veterinária, Medicina Veterinária, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua
Dom Manuel Luiz de Medeiros, s/n – Dois Irmãos – CEP: 52171 - 900. E-mail: danieladasilva9@hotmail.com
4. Quarto Autor é Professor Adjunto do Departamento de Medicina Veterinária, Medicina Veterinária , Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Rua Dom Manuel Luiz de Medeiros, s/n – Dois Irmãos – CEP: 52171 - 900.
Com este trabalho, têm-se o objetivo de relatar um Referências
caso de úlcera corneal persistente, o método de
diagnóstico aplicado, o tratamento realizado e os [1] Banks, William J. Histologia veterinária aplicada. 2ª edição. São
resultados obtidos. Paulo: Manole, 1992.
[2] GELATT, K. N. Manual de Oftalmologia Veterinária. Flórida,
Editora Manole, 2003, 1º edição.
Material e métodos [3] KERN, T. J. Corneopatias e escleropatias. Em: BIRCHARD, S.J. e
Foi atendido no dia 02 de abril de 2008, no Hospital SHERDING, R. G. Manual saunders – Clínica de pequenos
animais. 2° edição, São Paulo – SP, Editora Roca, 2003.
Veterinário Harmonia, um animal da espécie canina, da [4] SLATTER, D. Fundamentals of veterinary ophthalmology. 2.ed.
raça Poodle, de cor branca, sexo feminino, com Philadelphia,W.B.Saunders, 1990.p.257-303: Cornea and sclera.
aproximadamente 10 anos de idade. Durante a [5] NASISSE,M.P. Canine ulcerative Keratitis In: GLAZE,M.B. The
compendium collection::ophthalmology in small animal
anamnese a proprietária relatou que o animal practice. 2. ed. New Jersey, Veterinary Learning Systems, 1996.
apresentava dificuldade para abrir o olho direito há p.45-57.
aproximadamente 15 dias, lacrimejamento excessivo, [6] CARNEIRO FILHO, L. Manual de oftalmologia veterinária. São
Paulo – SP, 1° edição, 1997, Editora Roca Ltda.
prurido, referindo-se também a outros episódios
[7] SLATTER, D. Manual de cirurgia de pequenos animais. 3° ed.
anteriores em que o animal apresentava a mesma Vol 2, Barueri – SP, editora Manole, 2007.
sintomatologia. No exame clínico, observou-se que o [8] DICE, P.F. The canine cornea. In: GELATT,K. N. Veterinary
animal apresentava blefarospasmo, fotofobia, prurido ophthalmology. Philadelphia, Lea e Febiger, 1981, p. 343-73.
[9] PICKETT P. J. Treating persistent corneal erosions with a
intenso e lesão superficial na córnea do olho esquerdo. crosshatch keratotomy technique. Vet Med 90:561, 1995.
Realizou-se então, a coloração corneal com [10] WILKIE D.A, WHITTAKER C: Surgery of the cornea. Vet Clin
Fluoresceína, meio de diagnóstico sugerido para a North am small anim pract 27:1067, 1997.
[11] CHAMPAGNE E S, MUNGER R: Multiple punctate
avaliação da presença de úlcera na córnea, cujo keratotomy for the treatment of recorrent epithelial erosions in
resultado, mostrou-se positivo, confirmando assim a dogs. J Am Anim Hosp Assoc 28:213, 1992.
presença da úlcera, e devido a não apresentação dos
agentes descritos anteriormente (infecciosos,
endócrinos, anormalidades dos cílios, traumas
químicos, anormalidades palpebrais, paralisia do nervo
facial, doenças do filme lacrimal e trauma)
diagnosticou-se: úlcera corneal persistente.
Para o tratamento, realizou-se o debridamento das
bordas da úlcera utilizando suab e prescrito ofloxacina
0,3% (1 gota/4xdia/15 dias), Atropina 1% (1
gota/1xdia/3 dias), Vitamina C gotas (5 gotas/2xdia).
Solicitou-se, então, que a proprietária retornasse com o
animal quando completado 15 dias de tratamento.

Resultados e discussão
Se a lesão for descoberta precocemente, o
debridamento das margens da úlcera com remoção do
epitélio perdido é realizado sob anestesia tópica (p. ex.,
proparacaína a 0,5%), com o uso de aplicador de ponta
de algodão [7]. No caso do referido animal, mesmo não
atendido tão precocemente - a afecção já o atormentava
a 15 dias e o episodio já havia se repetido
anteriormente - , o tratamento descrito na literatura
mostrou-se eficaz e no dia 10 de maio de 2008,
retornando à clínica apresentou a úlcera reepitelizada, e
ausência de sinais clínicos.
Dessa forma, não foi necessário realizar a
ceratotomia de grade linear, técnica bastante invasiva,
cujo procedimento utiliza agulha de calibre 25 a 27
[09] ou lâmina de bisturi nº64 [10] para cortar, no
padrão, a membrana basal em linhas cruzadas com
múltiplas linhas retas que expõem o estroma anterior,
estendendo-se no tecido corneal saudável [11].
Como o animal retornou antes dos 15 dias prescritos,
continuou-se o tratamento com ofloxacina 0,3% e
vitamina C.

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