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Relato de caso

Case report

Nevo melanocítico oral – relato de caso


Oral melanocytic nevus - case report
Ana Paula Cota Viana1
Ana Célia Lima Cruz1
Luciano Henrique Ferreira Lima2
Rosana Maria Leal1

RESUMO
Nevos melanocíticos são malformações da pele ou mucosa que consistem em uma pro-
liferação benigna de células provenientes da crista neural e podem ser congênitas ou ad-
quiridas, sendo esse último tipo o mais prevalente na mucosa oral. Sua manifestação clínica
pode ocorrer em qualquer região da mucosa oral, porém sua localização mais comum é
o palato duro, seguida da mucosa jugal, gengiva, lábio, palato mole e área retromolar. O
objetivo deste trabalho é relatar um caso clínico de nevo melanocítico tratado por meio da
biópsia excisional, enfatizando que, apesar do baixo risco de malignização, é um procedi-
mento recomendado, já que essa lesão possui característica clínica comum ao melanoma
em sua fase inicial.
Descritores: Nevo pigmentado, mucosa bucal, biópsia.

ABSTRACT
Melanocytic nevus are skin or mucosa malformations consisting of a benign prolifera-
tion of cells from the neural crest and may be congenital or acquired, the latter being the
most prevalent type in the oral mucosa. Its manifestation can occur in any region of the oral
mucosa, but its most common location is the hard palate, followed by the jugal mucosa,
gingiva, lip, soft palate, and retromolar area. The aim of this work is reported a clinical case
of melanocytic nevus treated by excisional biopsy, emphasizing that, despite the low risk of
malignancy, it is a recommended procedure, since this lesion has clinical feature common to
melanoma in its initial phase.
Descriptors: Pigmented nevus, mouth mucosa, biopsy.

1
Departamento de Odontologia – PUC-MG.
2
Departamento de Diagnóstico Oral – UNICAMP.

E-mail do autor: luclima96@hotmail.com


Recebido para publicação: 30/09/2019
Aprovado para publicação: 18/06/2020

Como citar este artigo:


Viana APC, Cruz ACL, Lima LHF, Leal RM. Nevo melanocítico oral – relato de caso. Full Dent. Sci. 2022; 13(52):81-84.
DOI: 10.24077/2022;1352222154

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INTRODUÇÃO
As lesões pigmentares orais solitárias podem ser 3 a 80 anos, com maior prevalência entre a terceira
derivadas de um efeito endógeno ou exógeno, sendo e quarta décadas de vida1,6-8. O tamanho dessa lesão
a primeira devido à presença de melanina, hemoglobi- varia de 0,1 a 3 centímetros (cm) de diâmetro, apre-
na, hemossiderina e carotenos, e a última pela incor- sentado, clinicamente, como máculas na maioria dos
poração de corpo estranho na mucosa local. As lesões casos, e, ocasionalmente, como pápulas ou nódulos,
pigmentadas causadas por um aumento nos depósi- assintomática, bem circunscrita, macia, de superfície
tos de melanina podem ser de cor marrom, azul, cin- lisa e coloração que varia do cinza, negro, marrom e
za ou preto, dependendo da quantidade e localização azul ou uma combinação destas cores. Pode-se loca-
de melanina nos tecidos1. lizar em qualquer região da mucosa oral, porém sua
Os melanócitos são células derivadas dacrista localização mais comum é o palato duro, seguida da
neural, fisiologicamente presentes naepiderme e mu- mucosa jugal, gengiva, lábio, palato mole e área re-
cosa, e possuem morfologia dendrítica, com o cor- tromolar1,3-5,9.
po celular localizado na camada basal do epitélio. O diagnóstico diferencial dos nevos melanocíticos
Já os melanossomas são organelas onde a melanina da mucosa oral deve ser feito com mácula melanótica
é produzida para entrega suplementar aos querati- focal, pigmentação fisiológica, tatuagem por amálga-
nócitos. A principal função da melanina é proteger ma, lesões vasculares, melanose do fumante, melano-
a pele contra a radiação ultravioleta. Na mucosa acantoma e melanoma em fase inicial3,6.
oral, a pigmentação da melanina depende de fato- Histologicamente, os nevos melanocíticos da
res genéticos, metabólicos, endócrinos, químicos e mucosa oral são caracterizados por proliferações
físicos. Portanto, muitas pigmentações orais são benignas de células ovoides com núcleo pequeno e
relacionadas ao metabolismo da melanina2. uniforme e um citoplasma eosinofílico com limites
As lesões melanocíticas compreendem: pigmen- indistintos e com capacidade de produzir melanina,
tação racial, melanose do fumante, pós-pigmentação denominadas tecas. São classificados de acordo com
inflamatória, mácula melanótica oral, nevos orais, me- seu estágio de desenvolvimento e pela relação das
lanoacantoma, melanoma e tumor neuroectodérmico células névicas com o epitélio de superfície e com o
melanótico da infância. Porém, há doenças sistêmicas tecido conjuntivo subjacente, sendo esses os estágios:
que manifestam-se com pigmentações orais, sendo 1) Juncional - tecas de células névicas ao longo da ca-
elas: síndrome de Peutz-Jeghers, a doença de Addi- mada basal do epitélio; 2) Composto - tecas de células
son e Síndrome de Laugier-Hunziker. Já as lesões não névicas na camada basal e na lâmina própria e 3) In-
melanocíticas consistem em tatuagem de amálgama, tramucoso - tecas de células névicas apenas no tecido
pigmentação por metal pesado e outras pigmentações conjuntivo, o qual representa o tipo mais comum de
exógenas. As pigmentações induzidas por drogas po- apresentação histológica dos nevos melanocíticos5,10.
dem ter origem melanocítica ou não melanocítica2. O risco de transformação maligna dos nevos me-
Embora caracterizada antigamente como hamar- lanocíticos da mucosa oral é pouco conhecido devido
tomas, os nevos melanocíticos são, atualmente, consi- à escassez de casos relatados e de acompanhamento
derados como verdadeiras neoplasias benignas devido ao longo dos anos. Além disso, pelo fato dessas lesões
à proliferação localizada de células provenientes da orais imitarem um melanoma em fase inicial é reco-
crista neural, denominadas células névicas, as quais mendado realizar uma biópsia. Lesões pigmentadas,
também participam na produção da melanina3-5, e planas, assintomáticas e que não se localizam no pala-
devido à expressão comum de mutações oncogênicas to ou gengiva podem ser reavaliadas periodicamente4.
no BRAF e menos frequentemente nos genes NRAS,
HRAS e GNAQ. Além disso, são tumores raros e po- RELATO DE CASO
dem ser classificados em: congênitos, quando presen-
tes no nascimento, e adquiridos, quando se desenvol- Paciente NSM, sexo feminino, 13 anos de idade,
vem posteriormente, sendo esse último o tipo mais leucoderma compareceu à clínica de Estomatologia
prevalente na mucosa oral6. do Departamento de Odontologia da Pontifícia Uni-
O nevo melanocítico oral é raro, diferente de sua versidade Católica de Minas Gerais (DOPUC Minas),
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manifestação na pele, e representa entre 0,067% acompanhada de sua responsável, queixando-se de


e 1,5% das biópsias orais com uma incidência de uma “mancha no céu da boca”. Durante a anamne-
4,35 casos por 10 milhões de pessoas por ano, sen- se, não foi relatado nenhum problema na saúde geral
do mais comum em mulheres do que nos homens da paciente.
na proporção de 1,6: 1, e com uma idade média, O exame extraoral não mostrou nenhuma altera-
no momento do diagnóstico, de 35 anos, mas com ção. Ao exame clínico intraoral, observou-se um nó-
relato na literatura de casos envolvendo pacientes de dulo de base séssil, bem delimitado, de superfície lisa,

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medindo 1 cm de diâmetro, de coloração acastanha- Patologia Bucal do DOPUC Minas.
da exibindo na borda lateral uma área mais escureci- O exame histopatológico mostrou a presença
da, assintomático localizado no lado direito do palato de um fragmento de mucosa revestido por epitélio
duro (Figura 1A-B). A lesão surgiu aproximadamente estratificado pavimentoso ortoqueratinizado. Na lâ-
2 anos atrás, não ocorrendo alteração de volume e mina própria, observou-se tecido conjuntivo fibroso
cor durante esse tempo. celularizado com vasos sanguíneos, ocasionais células
Mediante os achados clínicos, a primeira hipótese inflamatórias mononucleadas e agrupamento de cé-
de diagnóstico foi de um nevo melanocítico, levando lulas névicas fusiformes e ovoides (tecas), por vezes
em consideração que o melanoma, além de raro na contendo pigmento melânico. Adipócitos, ácinos se-
cavidade oral, é pouco frequente nesta faixa etária e romucosos e ductos glandulares completaram o qua-
tende a ter uma evolução mais rápida devido à sua dro (Figura 3).
agressividade. O diagnóstico conclusivo foi de nevo melanocíti-
Optou-se pela realização de uma biópsia excisio- co, principalmente pela presença das tecas, não sen-
nal como tratamento e confirmação do diagnóstico do realizado outro exame complementar. A paciente
(Figura 2A-B). O material removido foi acondicionado encontra-se em acompanhamento periódico de 6 em
em formol a 10% e encaminhado ao Laboratório de 6 meses, por 1 ano.

A B
Figura 1 (A-B) – A) Visualização da lesão pigmentada e B) aspecto aproximado da lesão nodular de superfície lisa, ene-
grecida com borda mais escurecida, medindo aproximadamente 1 cm de diâmetro, localizada no lado direito do palato
duro.

Viana APC, Cruz ACL, Lima LHF, Leal RM.

A B
Figura 2 (A-B) – A) Aspecto clínico após a excisão cirúrgica da lesão e B) aspecto clínico do sítio cirúrgico após a sutura.

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Segundo os autores consultados, os achados histo-
patológicos são representados por proliferações benig-
nas de células ovoides com núcleo pequeno e uniforme
e um citoplasma eosinofílico com limites indistintos e
com capacidade de produzir melanina, denominadas
tecas, localizadas na camada basal e na lâmina pró-
pria, caracterizando o tipo composto, que é o mais
comum5,10, como no caso clínico apresentado. A recor-
rência do nevo é improvável, mas torna-se interessante
o acompanhamento do paciente, avaliando o reparo
da ferida cirúrgica e se há presença de novas lesões,
sendo no mesmo sítio ou em outra região distinta.
Figura 3 – Aspecto histológico do espécime, demonstran-
do proliferações benignas de células ovóides com núcleo CONCLUSÃO
pequeno e uniforme, citoplasma eosinofílico com limites
indistintos e com capacidade de produzir melanina deno- A avaliação de crianças com lesões pigmentadas é
minadas “tecas” localizadas na camada basal e na lâmina um aspecto muito desafiador na clínica odontológica,
própria. principalmente na Odontopediatria. Pais e pacientes
são frequentemente acometidos por medo e insegu-
rança quanto ao potencial de malignidade dessas le-
sões. Uma compreensão dos aspectos clínicos dos
nevos melanocíticos em crianças é essencial para o su-
DISCUSSÃO cesso do tratamento e o prognóstico desses pacientes.

Nevos melanocíticos da mucosa oral representam


REFERÊNCIAS
lesões pigmentadas raras e a maioria deles é do tipo
adquirido. Ocorre com mais frequência em mulheres, 1. Pennachiotti G, Oviedo C, Ortega PA. Solitary pigmented
sem predileção racial e localizam-se preferencialmen- lesions in oral mucosa in Latin American children: a case
series. Pediatr Dermatol. 2018; 35(3):374-377.
te no palato duro. Embora sua incidência varie dos 3 2. Tavares TS, Meirelles DP, Aguiar MCF, Caldeira PC. Pigmen-
aos 80 anos, a idade média é de 35 anos1,7,8. Dados ted lesions of the oral mucosa: a cross-sectional study of
observados no caso clínico relatado, exceto pela idade 458 histopathological specimens. Oral Dis. 2018; 00:1-8.
3. Lambertini M, Patrizi A, Fanti PA, Melotti B, Caliceti U,
da paciente que, mesmo enquadrando-se dentro do Magnoni C, et al. Oral melanoma and other pigmentations:
espectro de idade relatado na literatura apresentada, when to biopsy? J Eur Acad Dermatol Venereol. 2018;
encontra-se distante da média, já que a idade da pa- 32(2):209-214.
4. Tarakji B, Umair A, Prasad D, Altamimi MA. Diagnosis of oral
ciente nesse relato é de 13 anos. pigmentations and malignant transformations. Singapore
De acordo com os autores consultados, os nevos Dental Journal. 2014; 35:39-46.
melanocíticos da mucosa oral são máculas na maioria 5. Vasconcelos RG, Moura IS, Medeiros LK, Melo DS, Vascon-
celos MG. As principais lesões enegrecidas da cavidade oral.
dos casos e, ocasionalmente, pápulas ou nódulos, bem Rev Cubana Estomatol. 2014; 51(2):195-205.
circunscritas, macias, de superfície lisa e coloração que 6. Ferreira L, Jham B, Assi R, Readinger A, Kessler HP. Oral me-
varia do cinza, negro, marrom e azul ou uma combi- lanocytic nevi: a clinicopathologic study of 100 cases. Oral
Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol. 2015; 120(3):358-
nação destas cores. Compatível com o aspecto clínico 67.
da lesão descrita no caso clínico, de uma lesão nodu- 7. Amérigo GM, Machuca PG, Torres LD, Lesclous P, Amérigo
lar, bem delimitada, de superfície lisa, medindo 1 cm NJ, González CR. Clinicopathological and immunohistoche-
mical analysis of oral melanocytic nevi and review of the li-
de comprimento em seu maior diâmetro, de coloração terature. J Stomatol Oral Maxillofac Surg. 2017; 118(3):151-
enegrecida exibindo na borda lateral uma área mais 155.
escura4,5. 8. Freitas DA, Bonan PR, Sousa AA, Pereira MM, Oliveira SM,
Jones KM. Intramucosal nevus in the oral cavity. J Contemp
A primeira hipótese de diagnóstico foi de um nevo Dent Pract. 2015; 16(1):74-6.
melanocítico devido à raridade do melanoma em ca- 9. Alawi F. Pigmented lesions of the oral cavity: an update.
vidade oral, ainda mais nessa faixa etária jovem que Dent Clin North Am. 2013; 57(4):699-710.
10. Hassona Y, Sawair F, Al-Karadsheh O, Scully C. Prevalence
a paciente apresentava e pelo tempo de evolução da and clinical features of pigmented oral lesions. International
Relato de caso / Case report

lesão3,6. Journal of Dermatology. 2016; 55(9):1005-1013.


A melhor opção de tratamento é a remoção cirúr-
gica, principalmente em lesões localizadas no palato
para excluir a hipótese de melanoma em fase inicial4,
estando em conformidade com a conduta adotada
para o presente caso clínico relatado.

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