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São Paulo
2005
Marcel Brasil de Souza
São Paulo
2005
Marcel Brasil de Souza
BANCA EXAMINADORA
Profº.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Profº.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
À minha mãe, Judith Izabel
Azevedo de Paula, razão de todos
os meus esforços.
AGRADECIMENTOS
Introdução........................................................................................................9
2. Brasil...........................................................................................................26
2.1 Escorço histórico da escravidão no Brasil.................................................26
2.2 Evolução da legislação brasileira relativa à escravidão.............................31
Conclusão........................................................................................................63
Bibliografia.....................................................................................................64
INTRODUÇÃO
1.1 Antigüidade
1.1.1 Amoritas
Hamurábi foi monarca do povo amorita entre 1948 e 1905 a.C. Contando com
o caráter teocrático da política à época vigente, o soberano utilizava mão-de-
obra forçada na construção de canais de irrigação, aplicados na agricultura de
regadio1.
1
No presente capítulo, citamos duas situações em que há indivíduos trabalhando compulsoriamente, quais
sejam: 1) aquela em que o indivíduo paga tributo ao Estado; 2) aquela em que o indivíduo e reduzido a
condição de escravo propriamente dita, sendo apropriado por outrem. Como não vislumbramos diferença
ontológica entre essas espécies de sujeição, utilizaremos as expressões trabalho escravo, trabalho forçado,
trabalho obrigatório, mão-de-obra forçada etc. para ambas as modalidades de escravidão.
1.1.2 Assírios
1.1.3 Caldeus
1.1.4 Egípcios
2
CÁCERES, Florival. História Geral. São Paulo: Moderna, 1996, p. 30.
3
FONTÃO, Helita Barbosa Serejo Lemos. A Escravidão no Direito Penal Brasileiro. São Paulo:
Universidade Presbiteriana Mackenzie, 1999, p. 27.
1.1.5 Hebreus
No que atine aos hebreus, “a escravidão era mais utilizada nos serviços
domésticos e, para os escravos de origem hebraica, o tempo de cativeiro não
ultrapassava sete anos. Para os estrangeiros, não havia esse limite”4.
1.1.6 Persas
1.1.7 Gregos
Como se sabe, a Grécia Antiga foi formada por basicamente três povos, quais
foram, eólio, dório e jônico.
4
CÁCERES, Florival, op. cit., p. 48.
própria manutenção, quem laborava para sustentar os espartíatas eram os
hilotas.
Já em Atenas, bem como nas demais cidades gregas que seguiam similar
modelo político, a espécie de trabalho forçado que nos chama a atenção é
aquela denominada escravidão por dívidas, surgida no período arcaico.
1.1.8 Romanos
5
CÁCERES, Florival, op. cit., p. 68.
6
CÁCERES, Florival, op. cit., p. 88.
No que atine às causas da escravidão na Roma antiga, estas, consoante os
ensinamentos de José Carlos Moreira Alves7, decorriam do “ius gentium” e do
“ius ciuile”8. Tais causas variaram no tempo, razão pela qual se deve
mencioná-las de acordo com suas respectivas épocas.
7
ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano: volume 1. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 98-105. Salvo
as referências expressas, todas os dados atinentes ao direito romano foram retirados do referido excerto da
aludida obra.
8
Sinteticamente, “ius ciuile” era o direito que só se aplicava aos cidadãos romanos, enquanto o “ius gentium”
aplicava-se às relações dos estrangeiros entre si ou com os romanos (ALVES, José Carlos Moreira, op. cit., p.
69).
No que atine à escravidão decorrente do nascimento, verificava-se a condição
da mãe para se determinar se seu filho era ou não escravo. Dessarte, a criança
nascida de mãe escrava, ainda que o pai fosse livre, era escrava. Impõe-se
notar que, no direito clássico, era levada em conta a condição da mãe no
momento do nascimento. Assim, se uma mulher fosse escrava durante a
gestação, mas, quando do nascimento de seu filho, fosse livre, este seria livre.
Já, no direito pós-clássico, se a mãe fosse considerada livre em qualquer
momento da gestação, seu filho nasceria livre, ainda que essa fosse cativa
quando da vinda à luz da criança.
9
Direito antigo ou pré-clássico é aquele das origens de Roma à Lei “Aebutia”, compreendida
aproximadamente entre 149 e 126 antes de Cristo; o direito clássico, de seu turno, inicia-se com a Lei
“Aebutia” e finda-se ao término do reinado de Diocleciano, em 305 depois de Cristo; por fim, o direito pós-
clássico ou romano-helênico vai dessa última data até o ano 565, data da morte de Justiniano, razão pela qual
também é denominado direito justinianeu (ALVES, José Carlos Moreira, op. cit., p. 68).
Já, no direito clássico, as causas do período pré-clássico ou deixaram de
existir ou caíram em desuso, sendo substituídas por outras. Aqui, reduzia-se à
condição de escravo: (1) aquele que fosse condenado à morte ou a trabalhos
forçados nas minas; (2) a mulher que, notificada três vezes pelo dono do
escravo a não mais manter relações sexuais com este, não atendesse às
notificações; (3) o maior de 20 anos que, fingindo-se escravo, deixava-se
vender como tal para dividir os valores resultantes da venda com seu
comparsa alienante (no período pré-clássico, o homem “vendido” poderia
reivindicar condição de liberdade, inexistindo tal possibilidade no período
clássico); (4) o liberto que fosse ingrato ao antigo dono.
Na Roma antiga, o escravo era “res”, ou seja, objeto de direito subjetivo, não
podendo casar-se legitimamente (a união que contraísse era denominada
“contubernium”), ter patrimônio ou ser parte em juízo. Já o seu dono poderia
vendê-lo e, a princípio, até matá-lo.
Ainda, vale lembrar que, embora não houvesse distinção jurídica entre
escravos, havia diferenciação de fato, segundo a qual o cativo poderia ser
considerado “servi alicuius”, caso tivesse proprietário, ou “servi nullius”, caso
fosse abandonado. Este, com o abandono, não adquiria liberdade, sendo
considerado “res nullius” até que alguém dele se apoderasse.
10
O “ius honorarium” decorria dos éditos dos magistrados, os quais afastavam o “ius ciuile” quando o
consideravam iníquo. Por tais normas, o senhor podia libertar seu escravo por maneiras diferentes daquelas
previstas no “ius ciuile”, desde que de maneira inequívoca. Como o “ius ciuile” não reconhecia tal modo de
libertação, o dono poderia novamente reduzir o liberto à escravidão, mas o pretor não lhe concedia ação.
11
Com o “ius extraordinarium”, instituiu-se a manumissão fideicomissária, pela qual o testador recomendava
ao herdeiro que libertasse o escravo, o que se efetivava somente quando ocorresse a “manumissio uindicta”
ou a “manumissio censu”.
Segundo a lei “Fufia Caninia” de Augusto, emitida em 2 a.C., as manumissões
não poderiam exceder o número de cem por proprietário.
Já a lei “Aelia Sentia”, de 4 a.C., dispunha que o menor de 20 anos não podia
libertar escravo a não ser pela “manumissio uindicta”, desde que houvesse
justa causa reconhecida por um Conselho constituído por um magistrado,
cinco senadores e cinco cavaleiros. Ademais, preceituava que o escravo menor
de 30 anos só poderia ser libertado mediante “manumissio uindicta”,
sujeitando-se esta a aprovação do aludido Conselho. Outrossim, era
considerada nula a alforria de escravo concedida por devedor insolvente. Não
era nula, contudo, a manumissão de escravo que tivesse sofrido castigo
infamante; tal escravo passava à situação de peregrino deditício, aquele que
poderia praticar somente atos jurídicos reconhecidos pelo “ius gentium”.
as mais comuns eram o censo, uma taxa fixa pelo uso da terra; a
talha, parte da produção anual de sua faixa de terra; as banalidades,
taxas pagas pelo uso das benfeitorias do feudo, como fornos,
moinhos, tavernas e estradas; [...] e o dízimo, pago à Igreja12.
Ademais, de acordo com o mesmo autor, havia valores pagos pelos servos em
ocasiões especiais.
12
CÁCERES, Florival, op. cit., p. 123.
13
CÁCERES, Florival, op. cit., p. 123.
14
CÁCERES, Florival, op. cit., p. 129.
15
CÁCERES, Florival, op. cit., p. 130.
Porém, na denominada Baixa Idade Média (século XII a XV), a servidão
feudal diminuiu consideravelmente, em virtude, principalmente, do
florescimento das cidades comerciais.
Não foi possível aos feudos absorver o excedente populacional, diante do que
surgiu uma massa marginalizada de indivíduos cujos integrantes, para se
sustentarem, migraram para as cidades mercantis que se encontravam em
florescimento.
Havia, também, muitos servos que fugiam dos feudos para tais localidades em
busca de liberdade, o que também colaborou para a dissolução do sistema
feudal16.
16
Segundo Cáceres, o servo que ficasse um ano na cidade libertava-se do vínculo que o mantinha ligado ao
senhor feudal.
1.3 Idade Moderna
Esse país ibérico, como se sabe, buscava o caminho marítimo das Índias a fim
de monopolizar o comércio oriental. Conquistando diversos pontos da costa
africana, Portugal descobriu sua maior riqueza: o homem negro.
17
CÁCERES, Florival, op. cit., p. 182.
2. Brasil
18
ALENCAR, Chico; CARPI, Lucia; RIBEIRO, Marcus Venício Toledo. História da sociedade brasileira.
Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996, p. 16.
A utilização do negro escravo no Brasil insere-se no contexto da expansão
marítima européia. Portugal, como os outros países europeus, almejava
progredir economicamente, o que conseguiria dominando o maior número
possível de terras para, enfim, alcançar o maior lucro possível. Com certeza,
era bastante lucrativo utilizar mão-de-obra cativa na exploração do Novo
Mundo, haja vista que inexistiam gastos com a saúde dos escravos, os quais
buscavam por si sua alimentação e, quando morressem, eram prontamente
substituídos por novos cativos oriundos da África.
Lembre-se que
19
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 31.
os filhos dos colonos e os curumins mais afeitos à didática católica. O escravo
africano não era aluno nessas escolas já que, “segundo a ideologia dominante,
ele cumpria nos seus trabalhos compulsórios a vontade divina”21.
20
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 29.
21
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 43.
22
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 31.
23
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 56.
Aliás, houve ordens religiosas que muito lucraram com a coleta das drogas do
sertão, principalmente a Companhia de Jesus. Dessa maneira, “a exploração
econômica da terra juntava-se à catequese. Durante seis meses os índios
internavam-se na floresta, caçando, pescando e coletando as drogas do
sertão”24.
24
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 57.
25
Em 1621, durante a União Ibérica, a colônia brasileira foi dividida em duas partes, quais, Estado do Brasil
(do Rio Grande a São Vicente) e Estado do Maranhão (do Rio Grande ao Grão-Pará).
26
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 56-57.
27
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 57.
No território que hoje corresponde ao Estado de São Paulo, tivemos, no século
XVI, o ciclo do ouro de lavagem. Como a região, tal como outras do país,
encontrava-se economicamente em declínio, procedeu-se à escravização do
nativo na caça ao ouro. Era comum os colonos estimularem “as malocas –
expedições de índios para aprisionar e escravizar índios inimigos”28.
28
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 59.
29
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 59.
30
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 61.
um século de lutas entre colonos e aquilombados, Domingos Jorge Velho
comandou a destruição do último quilombo31.
31
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 62.
Até o século XIX, a escravidão era juridicamente aceita no ordenamento
nacional, vale dizer, o senso dominante aceitava a idéia de que um homem
fosse apropriado por outro.
O delito que mais se aproximava do tipo penal “sub examine” era previsto no
Código Criminal do Império do Brasil de 1830 que previa, em seu art. 179,
32
Ingênuo era aquele que não tivesse nascido escravo, enquanto liberto era o escravo que houvesse sido
libertado pelo seu senhor.
dentre os delitos contra a liberdade individual, o crime de redução de pessoa
livre à escravidão. Era o teor do referido dispositivo:
Não obstante a licitude de que se revestia a escravidão, foi no século XIX que
a sociedade moveu-se no sentido de sua abolição da ordem jurídica brasileira.
33
PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais brasileiros: evolução histórica.Bauru, SP: Jalovi, 1980, p
230.
escravo. A título de exemplo, citamos o tratado luso-britânico de 1815, em
que Portugal comprometeu-se a proibir todos seus nacionais de comprar ou
traficar escravos na região da costa da África ao norte do Equador. Tal acordo
foi complementado por outro assinado em Londres, no ano de 1817, em que
Portugal reconheceu à Inglaterra o direito de visitar as naus lusitanas suspeitas
de servirem ao tráfico de escravos.
34
KOMPARATO, Fábio Konder. O ato geral da conferência de Bruxelas de 1890: sobre a repressão ao
tráfico de escravos africanos. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/educar/redeedh/anthist/brux1890.htm>. Acesso em 07 jul 2005, às 14:37h.
Estas são as razões pelas quais a Inglaterra, “a maior beneficiária com o
tráfico negreiro, por possuir a mais poderosa frota naval”35 do século XIX,
passou a promover a extinção da escravidão.
Como o tráfico persistia, foi criada, em 1854, a Lei Nabuco de Araújo, a qual
impôs rígida fiscalização e severas penas aos traficantes de escravos. Ocorreu
uma efetiva diminuição do tráfico, não, porém, em virtude dessa legislação,
“mas pela mudança na economia local, que progressivamente começou a
substituir mão-de-obra escrava por imigrantes europeus assalariados”37.
35
SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil na atualidade, São Paulo: Ltr, 2000, p.
32.
36
MACIEL, José Fábio Rodrigues. A Lei Áurea pôs fim à escravidão em 13 de maio de 1888!?!? Carta
Forense, 05.2005, p. 34.
37
Ibid., loc. cit.
A Lei do Ventre Livre (Lei n.º 2.040/1871) declarava livres todos os filhos de
mãe escrava nascidos a partir de sua publicação, deixando-os, porém, sob a
tutela de seus senhores até a idade de 21 anos.
38
NABUCO, Joaquim. O abolicionismo, Petrópolis, RJ: Vozes, 2000, p. 27.
3. Do crime de redução a condição análoga à de escravo
39
Diário do Senado Federal, 13 de junho de 2002, p. 11654.
V – a negação de informação sobre a localização ou via de acesso
do local em que se encontra o trabalha dor;
VI – o cerceamento de transporte terrestre, fluvial ou aéreo,
dificultando ou tornando impossível a sua liberdade de locomoção;
VII – a retenção de seus documentos pessoais ou contratuais,
impossibilitando a sua locomoção;
VIII – a manutenção de vigilância no local de trabalho, com o em
prego de violência ou grave ameaça.
§ 2º Considera-se também condição análoga à de escravo o
constrangimento de pessoa à prostituição, mediante fraude,
violência ou grave ameaça.
§ 3º Se o crime é cometido contra criança ou adolescente, a pena é
aumentada de metade.
§ 4º O crime definido neste artigo é também considerado crime
contra a organização do trabalho.
40
Art. 148 do Código Penal: Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: Pena –
reclusão, de um a três anos. § 1º. A pena é de reclusão, de dois a cinco anos: I – se a vítima é ascendente,
descendente ou cônjuge do agente; II – se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de
saúde ou hospital; III – se a privação da liberdade dura mais de quinze dias. § 2º. Se resulta à vítima, em
razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral: Pena – reclusão, de dois a
oito anos.
41
ANÍBAL BRUNO. Crimes contra a pessoa, Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979, p. 369.
[...] é atributo intrínseco, da essência, da pessoa humana, único ser
que compreende um valor interno, superior a qualquer preço, que
não admite substituição equivalente. Assim, a dignidade se
42
entranha e se confunde com a própria natureza do ser humano .
42
SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. Revista de
Direito Administrativo, 212 : 90.
43
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional
fundamental, p. 115.
individual de locomoção, o delito de redução a condição análoga à de escravo
tutela a liberdade em sentido amplo, ou seja, o amor-próprio, a auto-estima
individual.
Qualquer pessoa pode ser tanto sujeito ativo como sujeito passivo.
Consoante Mirabete, pode ser sujeito passivo “todo ser humano, sem distinção
de raça, sexo ou idade, [...] não importando que seja pessoa civilizada ou
não”46. Entendimento restritivo da sujeição passiva não poderia existir,
porquanto a Lei Maior preceitua que “todos são iguais perante a lei, sem
44
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, São Paulo: Atlas, 2004, p. 52.
45
SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque, op. cit., p. 86.
46
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, São Paulo: Atlas, 2004, p. 193.
distinção de qualquer natureza” (artigo 5º, “caput”) e que é objetivo
fundamental da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação” (artigo 3º, III).
Uma crítica feita à redação anterior do artigo 149 do Código Penal é a de que
o legislador de 1941 não definiu o que seria “reduzir alguém a condição
análoga à de escravo”, fator que dificultaria a interpretação da lei e,
conseqüentemente, o enquadramento dos agentes no delito em apreço.
47
SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque, op. cit., p. 86.
A mesma crítica procedeu o Senador Waldeck Ornélas, autor do Projeto de
Lei n. 161/02, que culminou na Lei n. 10.803/03, diploma que deu nova
redação ao artigo 149 do Código Penal.
Tais críticas, sob nosso ponto de vista, devem ser aceitas com reservas.
48
BRASIL. Of. SENWO Nº 57/2002. Diário do Senado Federal. Brasília, DF, 13 jun. 2002, p. 11654.
Disponível em: < http://www.senado.gov.br/web/cegraf/pdf/12062002.pdf>. Acesso em: 16 jun. 2005,
13:47h.
49
BRASIL. Of. SENWO Nº 57/2002, loc. cit.
Isso, porque é bastante simples chegar ao significado da expressão “reduzir
alguém a condição análoga à de escravo”.
50
MIRABETE, Julio Fabbrini, op. cit., p. 193.
51
Como já visto, a escravidão foi extinta da ordem jurídica brasileira pela Lei Áurea, de 13 de maio de 1888.
52
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, p. 191.
Aníbal Bruno, de seu turno, ministra que “o essencial é essa situação em que
se aliena totalmente a liberdade da vítima, submetendo-a física e moralmente
à posse e domínio do detentor”54.
53
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal: Volume 2, p. 178.
54
ANÍBAL BRUNO, op. cit., p. 369.
55
MIRABETE, Julio Fabbrini, op. cit., p. 193.
56
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001, p. 1210.
57
Este tratado foi assinado em Genebra, vindo a integrar a ordem jurídica interna brasileira a partir de 03 de
junho de 1966, data da publicação do Decreto n. 58.563.
Segundo a atual ordem jurídica, como já visto, uma pessoa não pode ser
escravizada. Contudo, como também já visto, é possível a ocorrência de tal
situação no plano dos fatos, motivo pelo qual o legislador de 1941 houver por
bem tipificar a conduta de quem reduz alguém à aludida condição.
Feitas essas anotações, verifiquemos quais são os meios pelos quais o agente
reduz alguém a condição análoga à de escravo.
58
MIRABETE, Julio Fabbrini, op. cit., p. 194.
A nosso sentir, inobstante formalmente prevista na lei como um meio de o
agente reduzir à vítima a condição análoga à de escravo, a mera submissão a
trabalhos forçados é suficiente para caracterizar o delito em apreço.
Com efeito, se uma pessoa força outra a trabalhar, está agindo como se desta
fosse dona, praticando, portanto, necessariamente, o núcleo do artigo 149 do
Código Penal.
59
NORONHA, Edgard Magalhães, op. cit., p. 180.
60
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: volume 2, p. 457.
61
NORONHA, Edgard Magalhães, op. cit., p. 180.
Sendo crime material, admite-se a tentativa. Um exemplo é o caso de o agente
ser preso em flagrante ao transportar indivíduos para sua distante fazenda,
onde os mesmos o serviriam sem chance de retorno.
Trata-se de crime doloso, uma vez que não há previsão de modalidade culposa
do delito.
Vale lembrar a relação que o delito em estudo tem com os crimes contra a
organização do trabalho62.
62
Há grande discussão acerca da competência federal ou estadual para o julgamento dos agentes do delito de
redução a condição análoga à de escravo. Sustentando a competência federal, há quem argumente que o delito
em apreço é contra a organização do trabalho, apesar de topograficamente localizado no capítulo dos crimes
contra a pessoa. Tal assunto, dada sua profundidade, deve ser estudado em outra ocasião.
63
Artigo 203: Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho: Pena -
detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1º Na mesma pena
incorre quem: I - obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para
impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida; II - impede alguém de se desligar de serviços
de qualquer natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante,
indígena ou portadora de deficiência física ou mental.
64
Artigo 206 - Recrutar trabalhadores, mediante fraude, com o fim de levá-los para território estrangeiro.
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.
65
Artigo 207 - Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território
nacional: Pena - detenção de um a três anos, e multa. § 1º Incorre na mesma pena quem recrutar
trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou
cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de
origem. § 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante,
indígena ou portadora de deficiência física ou mental.
3.8 Concurso de crimes
Uma dessas notícias foi veiculada pelo periódico Folha de São Paulo, segundo
o qual o Ministério do Trabalho identificou, no dia 23/07/2004, na cidade de
Conchal (localizada a 184 km ao norte da capital paulista), “pelo menos 300
trabalhadores rurais cortadores de cana vivendo em condições ‘subumanas’”66.
Tais trabalhadores, segundo a reportagem, cumpriam jornada de trabalho de
sete dias por um de folga.
66
Folha de São Paulo, Ministério identifica 300 cortadores de cana em condições”subumanas”, 24/07/2004.
civil pública que havia protocolado na Justiça de Marabá no ano
passado e que podia resultar no pagamento de um valor maior67.
67
Folha de São Paulo, Empresa pagará R$1,3 mi por trabalho escravo no PA, 03/08/2004.
O aludido periódico informou, na mesma data, que a polícia do Rio Grande do
Sul libertou, em São Francisco de Paula, 35 trabalhadores que se encontravam
em condições semelhantes à de escravos. De acordo com a reportagem, tais
indivíduos, ao aceitarem promessa de trabalho, remuneração diária de R$15,
transporte e moradia, moveram-se de Wenceslau Brás, no Paraná, até São
Francisco de Paula e foram obrigados a colher alho, feijão e batata.
Dentre vários projetos em trâmite na Câmara dos Deputados, salta aos olhos o
Projeto de Emenda Constitucional n.º 245/2004, que visa a alterar a redação
do art. 243 da Constituição Federal.
Aprovado o referido projeto, o art. 243 da Lei Maior passaria a ter a seguinte
redação:
68
Correio Braziliense, Indústria de escravos: Dados do governo mostram que se criou no país uma linha de
produção para explorar trabalhadores. As condições são idênticas: dívidas com patrões, moradas feitas com
lonas de plástico, e esteiras como camas, 04/08/2004.
69
O Estado de São Paulo, OIT cita país como exemplo contra trabalho escravo: Segundo relatório, números
indicam situação difícil, mas mostram que Brasil está combatendo trabalho forçado, 12/05/2005.
Vigendo essa regra, a mesma seria, desde que devidamente aplicada, um forte
elemento de combate ao trabalho escravo.
ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano, volume 1. 13. edição, revista.
Rio de Janeiro, Forense: 2002.
SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo
da democracia. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro:
Renovar, nº 212, pp. 89-94, abril/julho de 1998.