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Marcel Brasil de Souza

A ESCRAVIDÃO À LUZ DO CÓDIGO PENAL

Orientador: Professor Jorge Miguel

São Paulo
2005
Marcel Brasil de Souza

A ESCRAVIDÃO À LUZ DO CÓDIGO PENAL

Trabalho de Graduação Interdisciplinar


apresentado à Faculdade de Direito da
Universidade Presbiteriana Mackenzie como
exigência parcial para a obtenção do grau de
Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Jorge Miguel

São Paulo
2005
Marcel Brasil de Souza

A ESCRAVIDÃO À LUZ DO CÓDIGO PENAL

Trabalho de Graduação Interdisciplinar


apresentado à Faculdade de Direito da
Universidade Presbiteriana Mackenzie como
exigência parcial para a obtenção do grau de
Bacharel em Direito.

Aprovada em _______________ de 2005.

BANCA EXAMINADORA

Profº. Jorge Miguel – Orientador


Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profº.
Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profº.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
À minha mãe, Judith Izabel
Azevedo de Paula, razão de todos
os meus esforços.
AGRADECIMENTOS

Aos colegas da Procuradoria Regional da República - 3ª Região, a ajuda na


pesquisa necessária à elaboração dessa monografia;

Ao Professor Jorge Miguel, a valiosa orientação.


RESUMO

Esta monografia estuda o crime de redução a condição análoga à de escravo,


previsto no artigo 149 do Código Penal, com atual redação dada pela Lei
10.803/2003. Apesar de a escravidão ter sido abolida da ordem jurídica
brasileira em 1888, ocorre, atualmente, no Brasil, a escravização de fato de
vários indivíduos, principalmente em locais afastados dos centros urbanos.
Diante de tal situação, o legislador brasileiro, em 1940, institui a previsão de
tal figura delituosa, sendo que o legislador de 2003 buscou adaptá-la à atual
realidade brasileira.
Palavras-chave: escravidão, Código Penal.
ABSTRACT

This monograph studies the crime of reduction to analogous condition to the


slave, foreseen in article 149 of the Criminal Code, with current writing given
for Law 10.803/2003. Although the slavery to have been abolished of the
Brazilian jurisprudence in 1888, occurs, currently, in Brazil, the slavery of
fact of some individuals, mainly in places moved away from the urban
centers. Ahead of such situation, the Brazilian legislator, in 1940, instituted
the forecast of such delictual figure, being that the 2003 legislator searched to
adapt it to the current Brazilian reality.
Keywords: slavery, Criminal Code.
SUMÁRIO

Introdução........................................................................................................9

1. Breve histórico do fenômeno escravagista...............................................11


1.1 Antigüidade................................................................................................11
1.1.1 Amoritas..................................................................................................11
1.1.2 Assírios...................................................................................................12
1.1.3 Caldeus....................................................................................................12
1.1.4 Egípcios...................................................................................................12
1.1.5 Hebreus...................................................................................................13
1.1.6 Persas......................................................................................................13
1.1.7 Grécia......................................................................................................13
1.1.8 Roma.......................................................................................................14
1.1.8.1 Cristianismo e escravidão....................................................................21
1.2 Idade Média...............................................................................................22
1.3 Idade Moderna...........................................................................................25

2. Brasil...........................................................................................................26
2.1 Escorço histórico da escravidão no Brasil.................................................26
2.2 Evolução da legislação brasileira relativa à escravidão.............................31

3. Do crime de redução a condição análoga à de escravo...........................39

3.1 Objetividade jurídica..................................................................................41


3.2 Sujeitos do delito........................................................................................43
3.3 Tipo objetivo..............................................................................................44
3.3.1 Trabalhos forçados..................................................................................50
3.3.2 Jornada exaustiva....................................................................................51
3.3.3 Condições degradantes de trabalho.........................................................52
3.3.4 Restrição, por qualquer meio, da locomoção da vítima em razão de
dívida contraída com empregador ou preposto................................................52
3.3.5 Cerceamento de utilização de meio de transporte por parte do
trabalhador, a fim de retê-lo no local de trabalho............................................54
3.3.6 Vigilância ostensiva e/ou apoderação de documentos da vítima, com o
fim de retê-la no local de trabalho...................................................................54
3.4 Tipo subjetivo............................................................................................54
3.5 Consumação e tentativa.............................................................................55
3.6 Classificação doutrinária............................................................................56
3.7 Crimes afins. Distinção..............................................................................56
3.8 Concurso de crimes....................................................................................58
3.9 Pena e ação penal.......................................................................................58

4. Trabalho escravo no Brasil de hoje..........................................................59

Conclusão........................................................................................................63

Bibliografia.....................................................................................................64
INTRODUÇÃO

Estudaremos, na presente monografia, o delito de redução a condição análoga


à de escravo, previsto no artigo 149 do Código Penal com atual redação dada
pela Lei n. 10.803/2003.
Tal estudo se mostra importante tanto na teoria como na prática.
Teoricamente, colaborar-se-á no estudo de diploma legal recente, o qual ainda
não foi analisado com profundidade. Na prática, a relevância se mostra diante
da atualidade de que se reveste o tema, como no corpo do trabalho se
demonstrará.
No primeiro capítulo, esboçaremos a história da escravidão desde a
Antigüidade até a Idade Moderna. Iniciaremos com os amoritas, passando
pelos assírios, caldeus, egípcios, hebreus, persas, gregos e romanos,
mencionando a posição do cristianismo em relação à escravidão. Após,
verificaremos que a escravidão em sentido estrito, aquela na concepção de
apropriação de um homem por outro, diminuiu consideravelmente na Idade
Média, dando lugar a outra forma de servidão, que ocorria nos feudos. Então,
na Idade Moderna, no contexto da expansão marítima européia, notaremos
que o trabalho escravo passou a ser utilizado, por Portugal, na exploração do
denominado Novo Mundo.
No segundo capítulo, faremos uma análise panorâmica da escravidão no
Brasil, desde seu descobrimento à edição da Lei Áurea, em 1888.
Dissertaremos, outrossim, a respeito da evolução legislativa referente à
matéria.
Após essa análise histórica, estudaremos, no terceiro capítulo, o delito de
redução a condição análoga à de escravo com a redação dada pela Lei n.º
10.803/2003. Comentaremos o projeto de lei que culminou na edição do
referido diploma e, então, estudaremos a objetividade jurídica do delito, bem
como os elementos objetivo e subjetivo do tipo, consumação e tentativa, sua
classificação doutrinária, a afinidade com outros crimes previstos no Código
Penal, o concurso com outros delitos, além da pena e da ação penal cabíveis.
Por fim, no quarto e último capítulo, demonstraremos a atualidade, no Brasil,
do crime previsto no artigo 149 do Código Penal, bem como algumas ações
que o Estado vem tomando para coibir a prática de tão odiosa conduta.
1. Breve histórico do fenômeno escravagista

No presente capítulo, esboçaremos a história da escravidão desde a


Antigüidade na Europa até a Idade Moderna, preparando-nos para, no
próximo capítulo, contextualizarmos a república brasileira perante a odiosa
realidade da utilização de trabalhos forçados.

1.1 Antigüidade

A escravidão era comum em muitas culturas da antigüidade, sendo exemplos


os povos amorita, assírio, caldeu, egípcio, hebreu, persa, grego e romano.

1.1.1 Amoritas

Hamurábi foi monarca do povo amorita entre 1948 e 1905 a.C. Contando com
o caráter teocrático da política à época vigente, o soberano utilizava mão-de-
obra forçada na construção de canais de irrigação, aplicados na agricultura de
regadio1.

1
No presente capítulo, citamos duas situações em que há indivíduos trabalhando compulsoriamente, quais
sejam: 1) aquela em que o indivíduo paga tributo ao Estado; 2) aquela em que o indivíduo e reduzido a
condição de escravo propriamente dita, sendo apropriado por outrem. Como não vislumbramos diferença
ontológica entre essas espécies de sujeição, utilizaremos as expressões trabalho escravo, trabalho forçado,
trabalho obrigatório, mão-de-obra forçada etc. para ambas as modalidades de escravidão.
1.1.2 Assírios

Já os assírios, habitantes da Mesopotâmia entre os séculos XIV e VII a.C.,


deram obra, em sua expansão militar iniciada em 934 a.C., à escravização de
povos vencidos após o saqueamento de suas cidades.

1.1.3 Caldeus

Entre os caldeus, “os escravos eram indivíduos endividados, prisioneiros de


guerra, estrangeiros vendidos por mercadores ou filhos vendidos pelos pais”2.

Segundo Fontão3, na Babilônia, em 620 a.C., ou seja, cinco anos após a


instauração do poder caldeu, havia escravos que podiam negociar não só em
nome de seus senhores, como também por sua conta e risco. Ademais, de
acordo com a autora, existiam diversos escravos que eram proprietários de
escravos.

1.1.4 Egípcios

No Antigo Império Egípcio, a escravidão era utilizada na construção de


pirâmides e de obras públicas. Ademais, houve, no Novo Império, incremento
da escravidão por força do expansionismo.

2
CÁCERES, Florival. História Geral. São Paulo: Moderna, 1996, p. 30.
3
FONTÃO, Helita Barbosa Serejo Lemos. A Escravidão no Direito Penal Brasileiro. São Paulo:
Universidade Presbiteriana Mackenzie, 1999, p. 27.
1.1.5 Hebreus

No que atine aos hebreus, “a escravidão era mais utilizada nos serviços
domésticos e, para os escravos de origem hebraica, o tempo de cativeiro não
ultrapassava sete anos. Para os estrangeiros, não havia esse limite”4.

1.1.6 Persas

Ao se analisar a história do Império Persa nota-se, tal como em algumas das


civilizações já mencionadas, a utilização do trabalho forçado na construção e
manutenção de obras públicas, incluindo-se a escravização de prisioneiros de
guerra.

1.1.7 Gregos

Como se sabe, a Grécia Antiga foi formada por basicamente três povos, quais
foram, eólio, dório e jônico.

A civilização jônica, constituída pelos primeiros indo-europeus integrantes do


que viria a ser a nação grega, submeteu o povo anatólio à escravidão por volta
de 1950 a.C.

Já tratando da civilização grega, havia em Esparta basicamente três classes


sociais, quais, a dos espartanos ou espartíatas, a dos periecos e a dos hilotas.

Os espartanos eram os únicos detentores do poder político, não podendo


exercer qualquer atividade produtiva. Como os periecos trabalhavam para sua

4
CÁCERES, Florival, op. cit., p. 48.
própria manutenção, quem laborava para sustentar os espartíatas eram os
hilotas.

Estes eram escravos do Estado que trabalhavam em lotes de terras (“kleros”)


distribuídos aos cidadãos, os quais recebiam dos cativos, comumente, uma
quantidade anual fixa de alimentos5.

Já em Atenas, bem como nas demais cidades gregas que seguiam similar
modelo político, a espécie de trabalho forçado que nos chama a atenção é
aquela denominada escravidão por dívidas, surgida no período arcaico.

Na escravidão por dívidas, pequenos proprietários tomavam empréstimos dos


eupátridas (aristocratas), dando a estes, como garantia do pagamento de seus
débitos, sua liberdade e a de seus familiares. Caso a dívida não fosse
adimplida, o eupátrida poderia manter o devedor como escravo ou vendê-lo.
Em Atenas, a escravidão por dívidas foi extinta por Sólon em 594 a.C.

Conforme veremos adiante, a servidão por dívidas, ainda que ao arrepio da


ordem jurídica, ocorre de maneira intensa no Brasil atual. Todavia, a atual
servidão se dá de modo diverso desse que acabamos de relatar.

1.1.8 Romanos

Segundo Cáceres, “a escravidão já existia em Roma em épocas bem remotas,


embora só se tornasse importante na República, a partir da expansão externa
romana”6.

5
CÁCERES, Florival, op. cit., p. 68.
6
CÁCERES, Florival, op. cit., p. 88.
No que atine às causas da escravidão na Roma antiga, estas, consoante os
ensinamentos de José Carlos Moreira Alves7, decorriam do “ius gentium” e do
“ius ciuile”8. Tais causas variaram no tempo, razão pela qual se deve
mencioná-las de acordo com suas respectivas épocas.

Primeiramente trataremos das causas do “ius gentium” para, ao depois,


cuidarmos das referentes ao “ius ciuile”.

De acordo com as regras do “ius gentium”, o estrangeiro tornava-se escravo


tanto pela captura por inimigo como em virtude do nascimento.

A primeira hipótese, em tempos de paz, poderia ocorrer somente se Roma não


mantivesse tratado de amizade com o país do qual fosse nacional o indivíduo
capturado. Por outro lado, em tempos de guerra, se o capturado fosse
estrangeiro, o romano poderia escravizá-lo, e vice-versa. Vale lembrar que
não eram causas de escravidão a captura por piratas ou a ocorrida em guerra
civil.

Como o escravo não tinha personalidade jurídica, o cidadão, caso fosse


reduzido à escravidão mediante captura, tinha seus direitos suspensos em
Roma, readquirindo-os caso conseguisse fugir e voltar ao território pátrio. Tal
situação poderia ocorrer por força do instituto denominado “postliminium”,
ficção jurídica pela qual aquele indivíduo era considerado como se nunca
tivesse sido escravo.

7
ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano: volume 1. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 98-105. Salvo
as referências expressas, todas os dados atinentes ao direito romano foram retirados do referido excerto da
aludida obra.
8
Sinteticamente, “ius ciuile” era o direito que só se aplicava aos cidadãos romanos, enquanto o “ius gentium”
aplicava-se às relações dos estrangeiros entre si ou com os romanos (ALVES, José Carlos Moreira, op. cit., p.
69).
No que atine à escravidão decorrente do nascimento, verificava-se a condição
da mãe para se determinar se seu filho era ou não escravo. Dessarte, a criança
nascida de mãe escrava, ainda que o pai fosse livre, era escrava. Impõe-se
notar que, no direito clássico, era levada em conta a condição da mãe no
momento do nascimento. Assim, se uma mulher fosse escrava durante a
gestação, mas, quando do nascimento de seu filho, fosse livre, este seria livre.
Já, no direito pós-clássico, se a mãe fosse considerada livre em qualquer
momento da gestação, seu filho nasceria livre, ainda que essa fosse cativa
quando da vinda à luz da criança.

Agora, analisemos as causas do “ius ciuile” na tradicional divisão do direito


romano em pré-clássico, clássico e pós-clássico9.

No direito pré-clássico, eram considerados escravos: (1) aquele que não


prestasse declarações ao Censo; (2) quem, convocado, não se apresentava ao
exército; (3) quem fosse tido como desertor; (4) quem fosse entregue ao
inimigo ou a nação estrangeira que tivesse ofendido; (5) o ladrão preso em
flagrante; (6) o devedor insolvente; (7) o “filius familias” que fosse vendido
pelo “pater familias”.

Estes indivíduos, para serem transformados em escravos, teriam de ser


vendidos no estrangeiro, haja vista que, nesse período, vigorava o princípio de
que o cidadão romano não poderia ser reduzido à escravidão em Roma.

9
Direito antigo ou pré-clássico é aquele das origens de Roma à Lei “Aebutia”, compreendida
aproximadamente entre 149 e 126 antes de Cristo; o direito clássico, de seu turno, inicia-se com a Lei
“Aebutia” e finda-se ao término do reinado de Diocleciano, em 305 depois de Cristo; por fim, o direito pós-
clássico ou romano-helênico vai dessa última data até o ano 565, data da morte de Justiniano, razão pela qual
também é denominado direito justinianeu (ALVES, José Carlos Moreira, op. cit., p. 68).
Já, no direito clássico, as causas do período pré-clássico ou deixaram de
existir ou caíram em desuso, sendo substituídas por outras. Aqui, reduzia-se à
condição de escravo: (1) aquele que fosse condenado à morte ou a trabalhos
forçados nas minas; (2) a mulher que, notificada três vezes pelo dono do
escravo a não mais manter relações sexuais com este, não atendesse às
notificações; (3) o maior de 20 anos que, fingindo-se escravo, deixava-se
vender como tal para dividir os valores resultantes da venda com seu
comparsa alienante (no período pré-clássico, o homem “vendido” poderia
reivindicar condição de liberdade, inexistindo tal possibilidade no período
clássico); (4) o liberto que fosse ingrato ao antigo dono.

Enfim, no período pós-clássico, as causas citadas no parágrafo anterior


persistiram durante algum tempo, vindo Justiniano a revogar as duas
primeiras.

Na Roma antiga, o escravo era “res”, ou seja, objeto de direito subjetivo, não
podendo casar-se legitimamente (a união que contraísse era denominada
“contubernium”), ter patrimônio ou ser parte em juízo. Já o seu dono poderia
vendê-lo e, a princípio, até matá-lo.

Apesar de ter sido considerado “res” durante todo o direito romano, a


condição do escravo foi sofrendo atenuações gradativas.

No período pré-clássico, o cativo podia participar de cultos domésticos e


públicos, podendo ainda, desde que com o consentimento de seu dono, ser
membro e até diretor de corporações religiosas.
Já, no direito clássico, o escravo poderia ser utilizado pelo proprietário para,
em nome deste, adquirir direitos e obrigações. Caso contratasse em seu nome,
criava-se uma obrigação natural. Reconheceu-se, no processo ordinário
(estabelecido no início do Principado), a capacidade processual do cativo.

Enfim, no direito pós-clássico, ocorreu uma maior proteção dos escravos,


pelos imperadores, contra o rigor das punições de seus donos.

Ainda, vale lembrar que, embora não houvesse distinção jurídica entre
escravos, havia diferenciação de fato, segundo a qual o cativo poderia ser
considerado “servi alicuius”, caso tivesse proprietário, ou “servi nullius”, caso
fosse abandonado. Este, com o abandono, não adquiria liberdade, sendo
considerado “res nullius” até que alguém dele se apoderasse.

Os “servi alicuius”, de seu turno, dividiam-se em “servi publici”, pertencentes


ao Estado, tendo melhores condições de vida, e naqueles pertencentes aos
particulares. Moreira Alves ministra que havia hierarquia entre ambos.

Por fim, tratemos dos modos de libertação do escravo em Roma.

A manumissão (“manumissio”) era o ato pelo qual o dono (patrono) libertava,


manumitia seu escravo, o qual passava a ser tido como alforriado, liberto.

No período pré-clássico, quando não havia restrições ao número de escravos


que o patrono poderia manumitir, havia três hipóteses de libertação: a
“manumissio uindicta”, a “manumissio censu” e a “manumissio testamento”.
Na “manumissio testamento”, como se pode imaginar, o proprietário, em seu
testamento, inseria cláusula dando liberdade ao cativo. Poderia ocorrer a
manumissão condicional (evento futuro e incerto) ou a termo (evento futuro e
certo). Enquanto pendente a condição ou não verificado o termo, o escravo
permanecia na situação de “statuliber”.

Já, na “manumissio censu”, o escravo, devidamente autorizado pelo seu dono,


declarava ao censor seu nome na lista de recenseamento, pelo que se tornava
liberto.

A “manumissio uindicta” era a que decorria do processo judicial de


“uindicatio in libertatem”. Tal processo se realizava perante o pretor urbano,
diante do qual o “adsertor libertatis” tocava o escravo com uma varinha
(“uindicta”), declarando a liberdade deste, sem qualquer manifestação do
dono.

A partir do período clássico, a “manumissio censu” entrou em desuso,


persistindo a utilização da “manumissio uindicta” e da “manumissio
testamento”. Surgiram novos modos de libertação pelo “ius honorarium”10 e,
no principado, pelo “ius extraordinarium”11.

Restrições à manumissão surgiram com as leis “Fufia Caninia” e “Aelia


Sentia”.

10
O “ius honorarium” decorria dos éditos dos magistrados, os quais afastavam o “ius ciuile” quando o
consideravam iníquo. Por tais normas, o senhor podia libertar seu escravo por maneiras diferentes daquelas
previstas no “ius ciuile”, desde que de maneira inequívoca. Como o “ius ciuile” não reconhecia tal modo de
libertação, o dono poderia novamente reduzir o liberto à escravidão, mas o pretor não lhe concedia ação.
11
Com o “ius extraordinarium”, instituiu-se a manumissão fideicomissária, pela qual o testador recomendava
ao herdeiro que libertasse o escravo, o que se efetivava somente quando ocorresse a “manumissio uindicta”
ou a “manumissio censu”.
Segundo a lei “Fufia Caninia” de Augusto, emitida em 2 a.C., as manumissões
não poderiam exceder o número de cem por proprietário.

Já a lei “Aelia Sentia”, de 4 a.C., dispunha que o menor de 20 anos não podia
libertar escravo a não ser pela “manumissio uindicta”, desde que houvesse
justa causa reconhecida por um Conselho constituído por um magistrado,
cinco senadores e cinco cavaleiros. Ademais, preceituava que o escravo menor
de 30 anos só poderia ser libertado mediante “manumissio uindicta”,
sujeitando-se esta a aprovação do aludido Conselho. Outrossim, era
considerada nula a alforria de escravo concedida por devedor insolvente. Não
era nula, contudo, a manumissão de escravo que tivesse sofrido castigo
infamante; tal escravo passava à situação de peregrino deditício, aquele que
poderia praticar somente atos jurídicos reconhecidos pelo “ius gentium”.

Por fim, no período pós-clássico, Constantino acrescentou, aos dois modos de


manumissão decorrentes do “ius ciuile” (“manumissio uindicta” e
“manumissio testamento”), a manumissão eclesiástica, que se dava por
declaração do senhor do escravo, na igreja, diante do bispo e dos fiéis.

Com Justiniano, os modos de manumissão do “ius ciuile”, do “ius


honorarium” e do “ius extraordinarium” passaram a surtir os mesmos efeitos,
por força da fusão daquelas três ordens jurídicas. A lei “Fufia Caninia” foi
integralmente revogada, enquanto a lei “Aelia Sentia” o foi parcialmente.

Além da manumissão, poderia ocorrer a libertação do escravo que cumprisse


determinados requisitos legais, p. ex., o cativo que, tendo sido vendido com
previsão de manumissão em certo tempo, não o fosse no prazo estabelecido.
Outra hipótese de libertação ocorria no caso do escravo cristão que fosse
adquirido por pagão, judeu ou qualquer outra pessoa não ortodoxa.

1.1.8.1 Cristianismo e escravidão

Tendo surgido o Cristianismo em Roma, vale mencionar a posição dessa


doutrina em relação à escravidão. Analisando a Bíblia, temos que, embora a
doutrina cristã pregasse, desde seu início, a igualdade entre os homens, não
contestou expressamente a escravidão, sendo que o apóstolo Paulo
contemporizava com tal forma de exploração do trabalho humano.

Veja-se, a título exemplificativo, o capítulo III, versículo 21, da primeira


epístola de Paulo aos Colossenses: “Vós, servos, obedecei em tudo a vossos
senhores segundo a carne, não servindo somente à vista como para agradar
aos homens, mas em singeleza de coração, temendo ao Senhor”.

Outrossim, vale transcrever os versículos 1 e 2 do capítulo 6 da primeira


epístola de Paulo a Timóteo:

Todos os servos que estão debaixo do jugo considerem seus


senhores dignos de toda honra, para que o nome de Deus e a
doutrina não sejam blasfemados. E os que têm senhores crentes
não os desprezem, porque são irmãos; antes os sirvam melhor,
porque eles, que se utilizam do seu bom serviço, são crentes e
amados. Ensina estas coisas.

Verifica-se que a doutrina cristã, em seus primórdios, não atacava a


escravidão expressamente, tampouco ressaltava a humanidade do cativo,
legitimando, tacitamente, a utilização do trabalho humano forçado, essa
odiosa prática que marca a história da humanidade até os dias de hoje.
1.2 Idade Média

Com a decadência do Império Romano, decorrente, dentre outros fatores, do


declínio comercial, a nobreza passou a se retirar para suas propriedades rurais,
denominadas vilas romanas. Assim, a economia romana passou a se ruralizar,
tendendo as vilas romanas a se tornarem auto-suficientes.

Com o rigor fiscal implantado no Império, grande número de pessoas buscava


proteção nessas vilas romanas, prestando serviços em troca de tal proteção.
Esses indivíduos eram denominados colonos. A condição de tais pessoas
constituía a base do sistema feudal.

Nesse sistema, característico da Alta Idade Média, o camponês (servo)


trabalhava nas terras do senhor feudal, cultivando uma parcela de terra (manso
servil) para sua subsistência e de seus familiares, trabalhando, durante alguns
dias da semana, obrigatoriamente na reserva do senhor (manso senhorial). O
trabalho prestado no manso senhorial, denominado corvéia, destinava-se ao
sustento do senhor feudal e de seus familiares.

Como se percebe, tal modalidade de trabalhos forçados, comumente


denominada servidão, não é idêntica à escravidão em sentido estrito, aquela
situação em que um indivíduo apropria-se de outro. Podemos dizer que tal
modalidade de servidão é uma espécie mitigada da escravidão.

Além de ter que trabalhar compulsoriamente para o senhor feudal no manso


senhorial, o servo devia-lhe uma série de quantias. Segundo Cáceres,

as mais comuns eram o censo, uma taxa fixa pelo uso da terra; a
talha, parte da produção anual de sua faixa de terra; as banalidades,
taxas pagas pelo uso das benfeitorias do feudo, como fornos,
moinhos, tavernas e estradas; [...] e o dízimo, pago à Igreja12.

Ademais, de acordo com o mesmo autor, havia valores pagos pelos servos em
ocasiões especiais.

Os senhores sentiam-se no direito, por exemplo, de cobrar essas


taxas por serem proprietários das terras e por deterem o poder das
armas e o poder da justiça em seus domínios. Além do mais, a
Igreja Católica, que tinha uma grande influência na mentalidade
medieval, oferecia justificativas divinas para essas cobranças13.

Assim, temos que, na Idade Média, a escravidão enquanto apropriação de uma


pessoa por outra, tal como se dava na Antigüidade, diminuiu
consideravelmente, diante do alto custo que o escravo “stricto sensu”
representava. Os poucos indivíduos nessa situação eram, normalmente,
utilizados nos trabalhos domésticos.

Efetivamente, a forma de trabalho predominante na Idade Média era a


servidão feudal, nos termos acima aduzidos.

Segundo o mencionado historiador, “a Igreja Católica, parte integrante do


mundo feudal, forneceu a justificativa religiosa para as desigualdades sociais,
a servidão e a vassalagem”14. No que concerne à servidão, diz o autor que a
Igreja “condenava a rebeldia dos servos, a quem ensinava que a humildade e o
conformismo eram maneiras de cumprir as ordens divinas, e o orgulho e a
revolta, obras satânicas que afastavam a alma da salvação”15.

12
CÁCERES, Florival, op. cit., p. 123.
13
CÁCERES, Florival, op. cit., p. 123.
14
CÁCERES, Florival, op. cit., p. 129.
15
CÁCERES, Florival, op. cit., p. 130.
Porém, na denominada Baixa Idade Média (século XII a XV), a servidão
feudal diminuiu consideravelmente, em virtude, principalmente, do
florescimento das cidades comerciais.

Era altíssima, durante a Alta Idade Média, a mortandade da população. Tal


situação passou a diminuir consideravelmente ante a melhoria nas condições
de alimentação, vindo a ocorrer, entre 950 e 1358 d.C., mais do que a
duplicação da população européia.

Não foi possível aos feudos absorver o excedente populacional, diante do que
surgiu uma massa marginalizada de indivíduos cujos integrantes, para se
sustentarem, migraram para as cidades mercantis que se encontravam em
florescimento.

Havia, também, muitos servos que fugiam dos feudos para tais localidades em
busca de liberdade, o que também colaborou para a dissolução do sistema
feudal16.

Dessa forma, as cidades mercantis passaram a exercer, em detrimento do


sistema feudal, papel de destaque na economia européia, vindo,
posteriormente, a suplantá-lo com a ajuda dos monarcas que buscavam
exercer o poder político até então detido pelos senhores feudais.

Frise-se que a escravidão em sentido estrito continuava a existir, ainda que em


pequenas proporções. Na Idade Moderna, passou a ser novamente utilizada,
como veremos a seguir.

16
Segundo Cáceres, o servo que ficasse um ano na cidade libertava-se do vínculo que o mantinha ligado ao
senhor feudal.
1.3 Idade Moderna

Portugal foi o país pioneiro na expansão marítima e comercial européia, sendo


que o ano de 1415, data da conquista de Ceuta, é o marco oficial da expansão
portuguesa17.

Esse país ibérico, como se sabe, buscava o caminho marítimo das Índias a fim
de monopolizar o comércio oriental. Conquistando diversos pontos da costa
africana, Portugal descobriu sua maior riqueza: o homem negro.

Inicialmente, escravizaram o negro para utilizá-lo nos trabalhos domésticos


em Portugal. Após, passaram a usá-los na colonização mercantil exportadora
das ilhas do Atlântico, trazendo, posteriormente, essa prática para o Brasil.

17
CÁCERES, Florival, op. cit., p. 182.
2. Brasil

2.1 Esboço histórico da escravidão no Brasil

A Coroa Portuguesa, inicialmente, não demonstrou grande interesse na


colonização da então chamada Terra de Santa Cruz, uma vez que nela não
avistava ouro ou prata. Em 1502, mercadores portugueses e italianos
celebraram o primeiro contrato do pau-brasil com Portugal, escravizando
indígenas para a extração da madeira18.

Após, estabeleceu-se sangrenta concorrência entre o Estado Português e


outros estados europeus quanto ao monopólio na colonização do Brasil, sendo
que índios foram usados para engrossar as frentes de luta de ambos os lados
em conflito.

Quando estabelecida a paz para o homem branco, os indígenas ou foram


expulsos de suas terras ou foram escravizados pelos conquistadores.

Então, quando da efetiva colonização do Brasil, Portugal passou a trazer


escravos negros para nossa terra, trabalhando estes indivíduos, inicialmente,
na lavoura açucareira.

18
ALENCAR, Chico; CARPI, Lucia; RIBEIRO, Marcus Venício Toledo. História da sociedade brasileira.
Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996, p. 16.
A utilização do negro escravo no Brasil insere-se no contexto da expansão
marítima européia. Portugal, como os outros países europeus, almejava
progredir economicamente, o que conseguiria dominando o maior número
possível de terras para, enfim, alcançar o maior lucro possível. Com certeza,
era bastante lucrativo utilizar mão-de-obra cativa na exploração do Novo
Mundo, haja vista que inexistiam gastos com a saúde dos escravos, os quais
buscavam por si sua alimentação e, quando morressem, eram prontamente
substituídos por novos cativos oriundos da África.

A propósito, há estimativas segundo as quais a África, do século XV ao XIX,


perdeu, entre escravizados e mortos, de 65 a 75 milhões de pessoas19.

Lembre-se que

a escravidão negra era duplamente lucrativa: ao nível da circulação


da mercadoria humana, permitindo a acumulação por parte da
burguesia traficante, e ao nível da produção. Ao ser vendido como
mercadoria, o africano trazia lucros enormes para o comerciante,
ao contrário do indígena, cuja escravização seria um negócio local,
interno. Ao trabalhar, o escravo sustentava a classe dominante
colonial. [...] era o tráfico negreiro a principal fonte de reprodução
da mão-de-obra, já que o crescimento vegetativo da população
negra, nessas condições, era diminuto20.

Vale memorar a atuação da Igreja Católica em relação aos escravos.

A Companhia de Jesus buscava cumprir uma tarefa definida pela Contra-


Reforma: recuperar os fiéis perdidos com a cisão da Igreja Católica. Tal
entidade foi, durante certo tempo, o único veículo de trabalho intelectual no
Brasil-Colônia. Nas escolas jesuíticas, aqueles que aprendiam eram somente

19
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 31.
os filhos dos colonos e os curumins mais afeitos à didática católica. O escravo
africano não era aluno nessas escolas já que, “segundo a ideologia dominante,
ele cumpria nos seus trabalhos compulsórios a vontade divina”21.

Assim, ocorria essa distinção de tratamento, por parte da Companhia de Jesus,


entre escravos negros e escravos nativos. Comumente, os jesuítas lutavam
contra aqueles que quisessem escravizar autóctones, nada fazendo, porém, em
relação aos africanos.

Como se sabe, a atividade econômica do Brasil-Colônia relacionou-se,


basicamente, a três mercadorias: cana-de-açúcar, ouro e café.

Inicialmente, a atividade econômica preponderante no Brasil-Colônia era a


exploração da cana-de-açúcar, a qual veio a entrar em decadência somente no
século XIX. A mão-de-obra mais utilizada nessa atividade era a dos escravos
negros oriundos da África, principalmente de Angola.

Os escravos viviam, na exploração da cana-de-açúcar, em média, de sete a dez


anos, sendo que muitos morriam a bordo dos navios negreiros, também
denominados tumbeiros22.

Em relação ao século XVII, vale lembrar a expedição chefiada por Pedro


Teixeira que, entre 1637 e 1639, percorreu o vale do Amazonas com cerca de
mil escravos indígenas, escravizando outros nativos e coletando as chamadas
drogas do sertão23.

20
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 29.
21
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 43.
22
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 31.
23
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 56.
Aliás, houve ordens religiosas que muito lucraram com a coleta das drogas do
sertão, principalmente a Companhia de Jesus. Dessa maneira, “a exploração
econômica da terra juntava-se à catequese. Durante seis meses os índios
internavam-se na floresta, caçando, pescando e coletando as drogas do
sertão”24.

Vale lembrar que essa realidade econômica correspondia somente à parcela


amazônica do Estado do Maranhão25, não à parcela não amazônica.

Nesta, em que era impossível o extrativismo, imitou-se o modelo nordestino


de colonização, baseado na agro-manufatura do açúcar. Como a exploração de
tal atividade exigia bastante capital, os colonos maranhenses, que se
encontravam em crise, valeram-se da escravidão indígena.

Não se imagine, porém, que os indígenas aceitavam passivamente a invasão


colonialista. “Ajuricaba (chefe dos índios manau), por exemplo, organizou a
Confederação do Vale do Rio Negro, unindo várias tribos para resistir àqueles
que queria tomar suas terras ou explorar seu trabalho”26.

Importa lembrar que a Coroa Portuguesa, em 1682, instituiu a Companhia de


Comércio do Estado do Maranhão. Tal entidade “teria o monopólio dos
negócios na região durante 20 anos, ao cabo dos quais deveria ter introduzido
10.000 escravos negros, à razão de 500 por ano, vendidos a preço fixo”27.

24
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 57.
25
Em 1621, durante a União Ibérica, a colônia brasileira foi dividida em duas partes, quais, Estado do Brasil
(do Rio Grande a São Vicente) e Estado do Maranhão (do Rio Grande ao Grão-Pará).
26
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 56-57.
27
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 57.
No território que hoje corresponde ao Estado de São Paulo, tivemos, no século
XVI, o ciclo do ouro de lavagem. Como a região, tal como outras do país,
encontrava-se economicamente em declínio, procedeu-se à escravização do
nativo na caça ao ouro. Era comum os colonos estimularem “as malocas –
expedições de índios para aprisionar e escravizar índios inimigos”28.

Entre 1617 e 1641, os holandeses monopolizaram o fornecimento de escravos


ao Brasil29. Como a Holanda não atendia grande parte da colônia, o nativo
passou a ser mercadoria supervalorizada, iniciando-se, assim, o ciclo da caça
ao índio, ao qual fortemente se opuseram os jesuítas. Nas batalhas entre
colonos e jesuítas, os nativos eram utilizados como força bélica.

À época do conflito luso-espanhol (1640-1668), perdeu-se o interesse pela


mão-de-obra indígena, uma vez que os países africanos estavam sendo
reconquistados por Portugal. Na mesma época, o ouro de lavagem tornou-se
escasso.

Nesse contexto, surgiu o ciclo do sertanismo de contrato, no qual

grandes proprietários pecuaristas, senhores de engenho do


Nordeste e autoridades coloniais contratam vicentinos para a ação
repressiva contra o principal obstáculo ao progresso colonizador: a
resistência das tribos indígenas e dos negros aquilombados30.

Tal perseguição, especificamente em relação aos quilombos, dava-se porque


estes eram vistos como uma ameaça a toda a estrutura colonial. Após quase

28
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 59.
29
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 59.
30
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 61.
um século de lutas entre colonos e aquilombados, Domingos Jorge Velho
comandou a destruição do último quilombo31.

No século XVIII, Minas Gerais tornou-se o centro econômico do Brasil, em


virtude do descobrimento das primeiras minas de ouro. Os colonizadores
utilizaram principalmente a força negra na exploração das minas. Tenha-se em
conta que as condições de vida dos escravos negros das minas eram piores em
relação às dos que trabalhavam na lavoura açucareira, já que os primeiros
viviam, em média, de dois a cinco anos.

Centrando-se a atividade econômica nas Minas Gerais, o tráfico de escravos


voltou-se para essa região do país.

Interessante notar que, no século XVIII, a ideologia liberal burguesa começou


a influenciar a elite brasileira, colaborando bastante no processo de
independência. Contudo, grande parte dessa elite aceitava o liberalismo nos
limites em que este não se opusesse ao direito de escravizar.

Dessarte, podemos dizer que o fato do Brasil ter se tornado independente em


nada alterou, ao menos diretamente, a situação dos escravos.

2.2 Evolução da legislação brasileira relativa à escravidão

A partir daqui, mencionaremos os principais diplomas legais referentes à


escravidão desde a independência do Brasil (1822) até 1888, sem nos
distanciarmos do processo histórico.

31
ALENCAR, Chico, op. cit., p. 62.
Até o século XIX, a escravidão era juridicamente aceita no ordenamento
nacional, vale dizer, o senso dominante aceitava a idéia de que um homem
fosse apropriado por outro.

A Constituição de 1824, elaborada dois anos após a independência do Brasil,


continuou legitimando o instituto da escravidão. Nessa fase de transição, a
referida Lei Maior, em seu art. 6º, previa que eram cidadãos brasileiros, dentre
outros indivíduos, “os que no Brazil tiverem nascido, quer sejam ingenuos, ou
libertos32, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por
serviço de sua nação”.

Dessa forma, temos que, ao referir-se à figura do liberto, a Constituição


Imperial de 1824 admitia o instituto da escravidão. Ademais, tal Constituição
previu expressamente o direito de manter escravos, ao garantir, em seu artigo
179, inciso XXII, a amplitude do direito de propriedade. Era o teor do referido
comando:

E'garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o


bem publico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da
Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indemnisado do
valor della. A Lei marcará os casos, em que terá logar esta unica
excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação.

Portanto, temos que a Constituição de 1824 recepcionou o instituto jurídico da


escravidão, razão pela qual inexistia o crime de redução a condição análoga à
de escravo.

O delito que mais se aproximava do tipo penal “sub examine” era previsto no
Código Criminal do Império do Brasil de 1830 que previa, em seu art. 179,

32
Ingênuo era aquele que não tivesse nascido escravo, enquanto liberto era o escravo que houvesse sido
libertado pelo seu senhor.
dentre os delitos contra a liberdade individual, o crime de redução de pessoa
livre à escravidão. Era o teor do referido dispositivo:

Art. 179. Reduzir á escravidão a pessoa livre que se achar em


posse de sua liberdade.
Penas – de prisão por tres a nove annos, e de multa correspondente
á terça parte do tempo; nunca porém o tempo de prisão será menor
que o do captiveiro injusto, e mais uma terça parte.
Ao criminoso autor:
Maximo – 9 annos de prisão simples, e multa correspondente á
terça parte do tempo.
Médio – 6 annos, e multa, etc.
Minimo – 3 annos, e multa, etc.
Aos criminosos por tentativa ou complicidade:
Maximo – 6 annos de prisão simples, e multa correspondente á
terça parte do tempo.
Médio – 4 annos, e multa, etc.
Minimo – 2 annos, e multa, etc.
Ao criminoso por complicidade na tentativa:
Maximo – 4 annos de prisão simples, e multa correspondente á
terça parte do tempo.
Médio – 2 annos e 8 meses, e multa, etc.
Minimo – 1 anno e 4 mezes, e multa, etc.
N.B. Nunca porém o tempo de prisão será menor que o do
captiveiro injusto, e mais uma terça parte33.

Não obstante a licitude de que se revestia a escravidão, foi no século XIX que
a sociedade moveu-se no sentido de sua abolição da ordem jurídica brasileira.

No plano internacional, a Inglaterra pressionava a Coroa Portuguesa, instalada


no Brasil, para que a escravidão fosse extinta. Segundo o Tratado de Aliança e
Amizade, celebrado por Inglaterra e Portugal em 1810, este se comprometia a
abolir gradualmente o trabalho escravo no Brasil.

A propósito, Fábio Konder Comparato34, em valioso artigo, menciona outros


tratados celebrados no século XIX com o fito de repressão ao trabalho

33
PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais brasileiros: evolução histórica.Bauru, SP: Jalovi, 1980, p
230.
escravo. A título de exemplo, citamos o tratado luso-britânico de 1815, em
que Portugal comprometeu-se a proibir todos seus nacionais de comprar ou
traficar escravos na região da costa da África ao norte do Equador. Tal acordo
foi complementado por outro assinado em Londres, no ano de 1817, em que
Portugal reconheceu à Inglaterra o direito de visitar as naus lusitanas suspeitas
de servirem ao tráfico de escravos.

Contudo, é imperativo lembrar que a atitude inglesa de repressão aos trabalhos


forçados não tinha questões humanitárias como motivação. Na realidade, a
causa eficiente de tal movimentação era econômica.

No século XIX, a Inglaterra passava pela Revolução Industrial, em que as


máquinas passavam, ainda que não completamente, a substituir o trabalho
humano. Com a produção em massa, criou-se um excedente produtivo e, por
conseguinte, a necessidade de um amplo mercado consumidor apto a absorver
tais produtos.

Os consumidores, obviamente, deveriam ser assalariados, o que não era o caso


dos escravos, que recebiam, quando muito, o básico para sobreviverem. E este
é o cerne da questão. Como a economia brasileira era baseada não no trabalho
assalariado, mas na escravidão, tal estrutura não servia aos interesses
econômicos da Inglaterra.

34
KOMPARATO, Fábio Konder. O ato geral da conferência de Bruxelas de 1890: sobre a repressão ao
tráfico de escravos africanos. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/educar/redeedh/anthist/brux1890.htm>. Acesso em 07 jul 2005, às 14:37h.
Estas são as razões pelas quais a Inglaterra, “a maior beneficiária com o
tráfico negreiro, por possuir a mais poderosa frota naval”35 do século XIX,
passou a promover a extinção da escravidão.

No âmbito nacional, tivemos a campanha abolicionista,

movimento social e político ocorrido entre 1870 e 1888 que


defendia o fim da escravidão no Brasil e que contou com a
participação de políticos e intelectuais importantes, como Joaquim
Nabuco e José do Patrocínio36.

Outros grandes expoentes do movimento abolicionista foram José Bonifácio


de Andrada e Silva e Castro Alves. Deste homem é a autoria do poema Navio
Negreiro, verdadeiro símbolo da campanha abolicionista.

Nesse contexto de repúdio ao direito de escravidão surgiu a Lei Euzébio de


Queirós, de 1850, que proibiu o tráfico de escravos.

Como o tráfico persistia, foi criada, em 1854, a Lei Nabuco de Araújo, a qual
impôs rígida fiscalização e severas penas aos traficantes de escravos. Ocorreu
uma efetiva diminuição do tráfico, não, porém, em virtude dessa legislação,
“mas pela mudança na economia local, que progressivamente começou a
substituir mão-de-obra escrava por imigrantes europeus assalariados”37.

Por conta do movimento abolicionista surgiram as Leis do Ventre Livre e do


Sexagenário.

35
SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil na atualidade, São Paulo: Ltr, 2000, p.
32.
36
MACIEL, José Fábio Rodrigues. A Lei Áurea pôs fim à escravidão em 13 de maio de 1888!?!? Carta
Forense, 05.2005, p. 34.
37
Ibid., loc. cit.
A Lei do Ventre Livre (Lei n.º 2.040/1871) declarava livres todos os filhos de
mãe escrava nascidos a partir de sua publicação, deixando-os, porém, sob a
tutela de seus senhores até a idade de 21 anos.

Já a Lei do Sexagenário (Lei n.º 3.270/1885), também conhecida como Lei


Saraiva-Cotegipe, deu liberdade aos escravos com mais de 60 anos mediante
compensações aos seus proprietários. Tal lei trouxe poucos efeitos práticos, já
que o escravo, na maior parte das vezes, não chegava a tal idade, sendo que os
que sobreviviam não tinham como se sustentar.

Enfim, no ápice do movimento abolicionista, a escravidão foi extinta pela Lei


Áurea, de 13 de maio de 1888. Vale transcrever o conteúdo desse diploma
legal:

A Princeza Imperial Regente, em Nome de Sua Magestade o


Imperador o Senhor D. Pedro II, Faz saber a todos os subditos do
Imperio que a Assembléa, Geral decretou e Ella sanccionou a Lei
seguinte:

Art. 1º E' declarada extincta, desde a data desta Lei, a escravidão


no Brazil.

Art. 2º Revogam-se as disposições em contrario.

Manda, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e


execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam
cumprir e guardar tão inteiramente como nella se contém.

O Secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e


Obras Publicas e interino dos Negocios Estrangeiros, Bacharel
Rodrigo Augusto da Silva, do Conselho de Sua Magestade o
Imperador, a faça imprimir,publicar e correr.

Dada no Palacio do Rio de Janeiro em 13 de Maio de 1888, 67º da


Independencia e do Imperio.

PRINCEZA IMPERIAL REGENTE.

Rodrigo Augusto da Silva.


Carta de lei, pela qual Vossa Alteza Imperial Manda executar o
Decreto da Assembléa Geral, que Houve por bem Sanccionar,
declarando extincta a escravidão no Brazil, como nella se declara.

Para Vossa Alteza Imperial Ver.

A Constituição de 1891, em seu art. 69, não se referindo à distinção entre


ingênuos e libertos, estabelecia quem eram cidadãos brasileiros. Preceituava o
referido comando:

Art. 69 - São cidadãos brasileiros:


1º) os nascidos no Brasil, ainda que de pai estrangeiro, não,
residindo este a serviço de sua nação;
2º) os filhos de pai brasileiro e os ilegítimos de mãe brasileira,
nascidos em país estrangeiro, se estabelecerem domicílio na
República;
3º) os filhos de pai brasileiro, que estiver em outro país ao serviço
da República, embora nela não venham domiciliar-se;
4º) os estrangeiros, que achando-se no Brasil aos 15 de novembro
de 1889, não declararem, dentro em seis meses depois de entrar em
vigor a Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de
origem;
5º) os estrangeiros que possuírem bens imóveis no Brasil e forem
casados com brasileiros ou tiverem filhos brasileiros contanto que
residam no Brasil, salvo se manifestarem a intenção de não mudar
de nacionalidade;
6º) os estrangeiros por outro modo naturalizados.

Dessa maneira, a licitude de que gozava a escravidão foi devidamente


extirpada da nossa ordem jurídica. Porém, tal extinção, inobstante representar
um grande avanço político, deu-se de maneira perversa, uma vez que não foi
dada oportunidade aos libertos de se integrarem à sociedade. Assim, tais
indivíduos foram relegados a um segundo plano, sendo antepassados de
muitos brasileiros economicamente marginalizados na sociedade atual.
Todavia, não há imaginar-se que os abolicionistas não tinham consciência
dessa necessidade de integração dos escravos libertados. Joaquim Nabuco,
com grande felicidade, escreveu em 1883 a respeito desse mister:

Quando mesmo a emancipação total fosse decretada amanhã, a


liquidação desse regímen devia lugar a uma série de questões [...]
Depois que os últimos escravos houverem sido arrancados ao
Poder sinistro que representa para a raça negra a maldição da cor,
será preciso ainda desbastar, por meio de uma educação viril e
séria, a lenta estratificação de trezentos anos de cativeiro, isto é, do
despotismo, supertição e ignorância. O processo natural pelo qual a
Escravidão fossilizou nos seus moldes a exuberante vitalidade do
nosso povo durou todo o período do crescimento, e enquanto a
Nação não tiver consciência de que lhe é indispensável adaptar à
liberdade cada um dos aparelhos do seu organismo de que a
escravidão se apropriou, a obra desta irá por diante, mesmo quando
não haja mais escravos38.

Infelizmente, as palavras de Nabuco não foram colocadas em prática. Além de


atingir historicamente um grande número de pessoas, a sórdida prática
escravagista não foi efetivamente abolida da sociedade brasileira, razão pela
qual o legislador previu a figura do artigo 149 do Código Penal, cujo teor
analisaremos a seguir.

38
NABUCO, Joaquim. O abolicionismo, Petrópolis, RJ: Vozes, 2000, p. 27.
3. Do crime de redução a condição análoga à de escravo

O delito de redução a condição análoga à de escravo, na redação original do


art. 149 do Código Penal, tinha o seguinte teor: “Art. 149. Reduzir alguém a
condição análoga à de escravo: Pena – reclusão de dois a oitos anos.”

Esse artigo foi alterado pela Lei n. 10.803, de 11 de dezembro de 2003. O


referido diploma legal é oriundo do Projeto de Lei n. 161 de 2002, de autoria
do Senador Waldeck Ornélas39.

De acordo com o referido projeto, a redação do artigo 149 do Código Penal


deveria ser a seguinte:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo:


Pena – reclusão de dois a oito anos, e multa, além da pena
correspondente à violência.
§ 1º Considera-se condição análoga à de escravo:
I – a prestação de trabalhos forçados ou de serviços em jornada
exaustiva;
II – a imposição de maus-tratos ou sofrimento degradante ao
trabalhador;
III – a vinculação de contrato de trabalho, ainda que informal, a
pagamento de dívida, contraída com o empregador ou preposto,
por meio de fraude, extorsão, ou falta de alternativa de
subsistência;
IV – a utilização de instalação penosa e insalubre de trabalho, sem
proteção mínima da vida, saúde e segurança do ser humano;

39
Diário do Senado Federal, 13 de junho de 2002, p. 11654.
V – a negação de informação sobre a localização ou via de acesso
do local em que se encontra o trabalha dor;
VI – o cerceamento de transporte terrestre, fluvial ou aéreo,
dificultando ou tornando impossível a sua liberdade de locomoção;
VII – a retenção de seus documentos pessoais ou contratuais,
impossibilitando a sua locomoção;
VIII – a manutenção de vigilância no local de trabalho, com o em
prego de violência ou grave ameaça.
§ 2º Considera-se também condição análoga à de escravo o
constrangimento de pessoa à prostituição, mediante fraude,
violência ou grave ameaça.
§ 3º Se o crime é cometido contra criança ou adolescente, a pena é
aumentada de metade.
§ 4º O crime definido neste artigo é também considerado crime
contra a organização do trabalho.

O Projeto de Lei n. 161 de 2002 sofreu alterações ao tramitar no Senado,


tendo sido enviado à Câmara dos Deputados e por ela aprovado com a
seguinte redação:

Art. 149. Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer


submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer
sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer
restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida
contraída com o empregador ou preposto.
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, além da pena
correspondente à violência.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do
trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera
de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de
retê-lo no local de trabalho.
§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – contra criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
origem.

A partir de agora, procederemos à análise do crime de redução a condição


análoga à de escravo com a redação dada pela Lei n. 10.803, de 11 de
dezembro de 2003.
3.1 Objetividade jurídica

O bem jurídico tutelado é a liberdade individual, mas não somente aquela


liberdade resguardada pelo artigo 148 do Código Penal40, que tipifica o delito
de seqüestro ou cárcere privado.

Enquanto no crime do artigo 148 ocorre a privação da liberdade individual de


locomoção, no crime de redução a condição análoga à de escravo anula-se,
além disso, a liberdade no sentido da própria dignidade do indivíduo, seu
amor-próprio, seu orgulho pessoal, uma vez que o agente se vale do sujeito
passivo como se fosse coisa, tal como licitamente ocorria no Brasil até a
publicação da Lei Áurea.

Aqui, o fato típico, no dizer de Aníbal Bruno41, não suprime determinada


faceta da liberdade, mas

atinge esse bem jurídico integralmente, destruindo o pressuposto


da própria dignidade do homem, que se opõe a que ele se veja
sujeito ao poder incontrastável de outro homem, e, enfim, anulando
a sua personalidade e reduzindo-o praticamente à condição de
coisa, como do escravo romano se dizia nos antigos textos.

Assim, o bem jurídico tutelado é a liberdade individual no sentido amplo da


dignidade da pessoa humana, a qual analisaremos a seguir.

Para José Afonso da Silva, a dignidade

40
Art. 148 do Código Penal: Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: Pena –
reclusão, de um a três anos. § 1º. A pena é de reclusão, de dois a cinco anos: I – se a vítima é ascendente,
descendente ou cônjuge do agente; II – se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de
saúde ou hospital; III – se a privação da liberdade dura mais de quinze dias. § 2º. Se resulta à vítima, em
razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral: Pena – reclusão, de dois a
oito anos.
41
ANÍBAL BRUNO. Crimes contra a pessoa, Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979, p. 369.
[...] é atributo intrínseco, da essência, da pessoa humana, único ser
que compreende um valor interno, superior a qualquer preço, que
não admite substituição equivalente. Assim, a dignidade se
42
entranha e se confunde com a própria natureza do ser humano .

Belinati Martins, em valiosa monografia, ministra que

a dignidade deve acompanhar o homem desde seu nascimento até a


sua morte, posto que ela é da própria essência da pessoa humana.
Assim, parece-nos que a ‘dignidade’ é um valor imanente à própria
condição humana, que identifica o homem como ser único e
especial, e que, portanto, permite-lhe exigir ser respeitado como
43
alguém que tem sentido em si mesmo .

Já para Alexandre de Moraes,

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se


manifesta singularmente na autodeterminação consciente e
responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao
respeito por parte das demais pessoas constituindo-se um mínimo
invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo
que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao
exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar
a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres
44
humanos .

Resumindo, a dignidade da pessoa humana é a liberdade individual em seu


sentido mais amplo. A dignidade humana abarca uma série de valores, como a
própria liberdade de locomoção, a auto-estima e o amor-próprio, e sua
manifestação ocorre primordialmente através do direito de autodeterminação.

Diante de tais elementos, percebe-se melhor a distinção entre os bens jurídicos


tutelados pelos delitos dos artigos 148 e 149 do Código Penal. Enquanto o
crime de seqüestro ou cárcere privado resguarda somente a liberdade

42
SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. Revista de
Direito Administrativo, 212 : 90.
43
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional
fundamental, p. 115.
individual de locomoção, o delito de redução a condição análoga à de escravo
tutela a liberdade em sentido amplo, ou seja, o amor-próprio, a auto-estima
individual.

É claro que o direito de autolocomoção é atingido pelo delito do artigo 149,


mas o que se tutela é um bem maior, continente desse direito de
autolocomoção.

O fato de a dignidade da pessoa humana abranger uma série de valores além


da liberdade de autolocomoção levou o legislador a cominar, ao agente do
crime do art. 149, pena sensivelmente mais dura que a do delito do artigo 148
(mínima de dois anos, máxima de doze, e mínima de um e máxima de oito,
respectivamente).

Por fim, temos que a objetividade jurídica do delito de redução a condição


análoga à de escravo é a dignidade da pessoa humana enquanto “liberdade de
autodeterminação, de locomoção e a livre disposição de si próprio”45.

3.2 Sujeitos do delito

Qualquer pessoa pode ser tanto sujeito ativo como sujeito passivo.

Consoante Mirabete, pode ser sujeito passivo “todo ser humano, sem distinção
de raça, sexo ou idade, [...] não importando que seja pessoa civilizada ou
não”46. Entendimento restritivo da sujeição passiva não poderia existir,
porquanto a Lei Maior preceitua que “todos são iguais perante a lei, sem

44
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, São Paulo: Atlas, 2004, p. 52.
45
SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque, op. cit., p. 86.
46
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, São Paulo: Atlas, 2004, p. 193.
distinção de qualquer natureza” (artigo 5º, “caput”) e que é objetivo
fundamental da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação” (artigo 3º, III).

Adiante-se que, se o crime for cometido contra criança ou adolescente, aplica-


se a causa de aumento de pena prevista no § 2º do artigo 149 do Código Penal.

3.3 Tipo objetivo

O núcleo do tipo é “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”, sendo


que a continuação do “caput” do artigo 149 refere-se aos meios pelos quais o
agente reduz a vítima à aludida condição.

Uma crítica feita à redação anterior do artigo 149 do Código Penal é a de que
o legislador de 1941 não definiu o que seria “reduzir alguém a condição
análoga à de escravo”, fator que dificultaria a interpretação da lei e,
conseqüentemente, o enquadramento dos agentes no delito em apreço.

Nesse sentido se pronuncia Sento-Sé:

Consideramos que faltou objetividade por parte do legislador ao


descrever o tipo. Com efeito, o texto normativo fala que o crime se
constitui em ‘reduzir alguém à condição análoga à de escravo’. E o
que vem a ser isto? Quais os parâmetros a serem estabelecidos para
que possamos concluir que se impôs ao sujeito passivo um
tratamento análogo ao de escravo?47.

47
SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque, op. cit., p. 86.
A mesma crítica procedeu o Senador Waldeck Ornélas, autor do Projeto de
Lei n. 161/02, que culminou na Lei n. 10.803/03, diploma que deu nova
redação ao artigo 149 do Código Penal.

Na justificação do referido projeto de lei, após afirmar que a sujeição de


indivíduos a condição semelhante à de escravo ocorre de modo gritante em
nosso país, o senador aduziu que

uma das dificuldades encontradas para punir os responsáveis é a


falta de clareza na tipificação e na regulamentação do que venha a
ser um crime de “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”.
Diante dessas dificuldades, não é incomum que os processos sejam
remetidos apenas a Justiça do Trabalho, que poucos inquéritos
sejam instaurados e quase ninguém responsabilizado penalmente48.

Ademais, disse que

a Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem feito críticas à


legislação brasileira, notadamente ao art. 149 do Código Penal, que
é marcado pela generalidade, dificultando a definição da expressão
‘reduzir a condição análoga a de escravo’ e, conseqüentemente, as
ações de prevenção e repressão ao trabalho forçado no Brasil49.

Tais críticas, sob nosso ponto de vista, devem ser aceitas com reservas.

Certamente, a lei deveria definir o que é “reduzir alguém a condição análoga à


de escravo”, porquanto é desejado que todo tipo penal não dê oportunidade a
interpretações divergentes. Porém, com certeza, a ausência de tal definição na
lei nunca foi justificativa para a falta de aplicação do tipo penal em estudo.

48
BRASIL. Of. SENWO Nº 57/2002. Diário do Senado Federal. Brasília, DF, 13 jun. 2002, p. 11654.
Disponível em: < http://www.senado.gov.br/web/cegraf/pdf/12062002.pdf>. Acesso em: 16 jun. 2005,
13:47h.
49
BRASIL. Of. SENWO Nº 57/2002, loc. cit.
Isso, porque é bastante simples chegar ao significado da expressão “reduzir
alguém a condição análoga à de escravo”.

Primeiramente, devemos apreender o conceito de escravo.

Para tanto, tenhamos em conta que estamos estudando um conceito jurídico. O


Código Penal alude à condição análoga à de escravo “por não mais existir a
situação jurídica de escravo no país”50. Noutras palavras, o artigo 149 tem o
referido núcleo porque, perante nossa ordem jurídica, não se pode reduzir uma
pessoa à situação jurídica de escravo51, podendo ocorrer, contudo, que um
indivíduo seja escravizado de fato.

Acerca do tema, vale transcrever o magistério de Nélson Hungria:

Refere-se o texto legal à ‘condição análoga à de escravo’ deixando


bem claro que não se cogita de redução à escravidão, que é um
conceito jurídico, isto é, pressupondo a possibilidade legal do
domínio de um homem sôbre outro. O status libertatis, como
estado de direito, permanece inalterado, mas, de fato, é suprimido.
Entre o agente e o sujeito passivo se estabelece uma relação tal,
que o primeiro se apodera totalmente da liberdade pessoal do
segundo, ficando êste reduzido, de fato, a um estado de
52
passividade idêntica à do antigo cativeiro .

Igualmente esclarecedora é a lição de Magalhães Noronha:

O status libertatis do sujeito é suprimido como fato, conquanto


permaneça como estado de direito. A relação que se estabelece
entre os sujeitos do delito é análoga à da escravidão, pois o
passivo perde sua liberdade nas mãos do agente, qual senhor e
dono53.

50
MIRABETE, Julio Fabbrini, op. cit., p. 193.
51
Como já visto, a escravidão foi extinta da ordem jurídica brasileira pela Lei Áurea, de 13 de maio de 1888.
52
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, p. 191.
Aníbal Bruno, de seu turno, ministra que “o essencial é essa situação em que
se aliena totalmente a liberdade da vítima, submetendo-a física e moralmente
à posse e domínio do detentor”54.

Por fim, Mirabete preleciona que

a escravidão é um estado de direito em virtude do qual o homem


perde a própria personalidade, tornando-se simples coisa, e, assim,
a condição a que alude a lei é a de um estado de fato semelhante
àquele55.

Temos que os precitados juristas, na definição de escravidão, valem-se das


idéias de supressão da liberdade, de sujeição, de domínio.

Tendo em mente esses ensinamentos, adotamos o conceito de que escravo é


“aquele que, privado da liberdade, está submetido à vontade absoluta de um
senhor, a quem pertence como propriedade”56. Dessarte, sinteticamente,
escravo é o ser humano sobre o qual incide o direito de propriedade.
Portanto, juridicamente, o escravo não é sujeito, mas objeto de direito, ou seja,
“res”.

Outro não é o entendimento adotado pela Organização das Nações Unidas


quando da assinatura da Convenção sobre Escravatura de 192657. Segundo o
artigo 1º deste tratado, “a escravidão é o estado ou condição de um indivíduo
sobre o qual se exercem, total ou parcialmente, os atributos do direito de
propriedade”.

53
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal: Volume 2, p. 178.
54
ANÍBAL BRUNO, op. cit., p. 369.
55
MIRABETE, Julio Fabbrini, op. cit., p. 193.
56
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001, p. 1210.
57
Este tratado foi assinado em Genebra, vindo a integrar a ordem jurídica interna brasileira a partir de 03 de
junho de 1966, data da publicação do Decreto n. 58.563.
Segundo a atual ordem jurídica, como já visto, uma pessoa não pode ser
escravizada. Contudo, como também já visto, é possível a ocorrência de tal
situação no plano dos fatos, motivo pelo qual o legislador de 1941 houver por
bem tipificar a conduta de quem reduz alguém à aludida condição.

Conceituado escravo como o indivíduo sobre o qual recai o direito de


propriedade, temos que condição análoga à de escravo é a do indivíduo
totalmente submetido, no plano fático, ao domínio de outra pessoa. Esta,
sujeito ativo do delito, atua como se fosse proprietária da vítima, dela se
aproveitando como se a mesma fosse um objeto que se pudesse usar, gozar,
dispor e, ao final, abandonar.

Dessarte, podemos dizer que “reduzir alguém a condição análoga à de


escravo” é a ação do indivíduo que se apodera de outro, fazendo com que este
obedeça a suas vontades, anulando-lhe a dignidade e violando seu direito de
autodeterminação, elemento que lhe distingue dos outros seres vivos.

Nota-se que doutrinadores de renome há muito tempo definiram o que vem a


ser a ação de reduzir alguém a condição análoga à de escravo. Contudo,
somos obrigados a aceitar que sempre houve divergências na interpretação da
antiga redação do artigo 149 do Código Penal.

Conceituada a ação de reduzir alguém a condição análoga à de escravo,


verifiquemos as formas pelas quais o agente do crime submete a vítima, para
observarmos se a Lei n. 10.803/03 resolveu os mencionados problemas
interpretativos. Antes, porém, notemos que a novel redação do artigo 149 do
Código Penal não define o que seja “reduzir alguém a condição análoga à de
escravo”.

Dispõe o “caput” do referido dispositivo:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer


submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer
sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer
restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida
contraída com o empregador ou preposto:
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena
correspondente à violência.

Percebe-se que a conduta criminosa continua sendo, tal como na redação


anterior, “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”, ação esta já
definida.

Ocorre que o legislador de 2003, não obstante as justificativas apresentadas na


tramitação do Projeto de Lei n. 161/02, não definiu o que venha a ser “reduzir
alguém a condição análoga a escravo”. Realmente, a atual redação do artigo
149, formalmente, não define a conduta típica, mas especifica os meios pelos
quais o agente comete tal delito (submissão a trabalhos forçados, a jornada
exaustiva, a condições degradantes de trabalho ou o estabelecimento de
restrição, por qualquer meio, da locomoção da vítima em razão de dívida
contraída com o empregador ou com o preposto).

Ademais, o crime de redução a condição análoga à de escravo, que era de


forma livre, passou a ser de forma vinculada alternativa. Isso equivale a dizer
que enquanto o crime em estudo, conforme sua antiga redação, poderia ser
cometido mediante a utilização de qualquer meio, atualmente, o delito só pode
ser praticado mediante as formas especificadas no “caput” do artigo 149 do
Código Penal.

Além disso, o agente, segundo a novel redação, ao praticar qualquer dos


meios previstos na norma incriminadora, não estará necessariamente
reduzindo a vítima a condição análoga à de escravo. Mister se faz que o
agente, por exemplo, submeta o passivo a jornada exaustiva de trabalho
reduzindo-o, dolosa e efetivamente, à condição semelhante à de escravo.
Inexistindo essa verdadeira e intencional redução, não ocorrerá o delito em
apreço.

Dessarte, percebe-se que a Lei n. 10.803/03, ao menos aparentemente, não


definiu o que venha a ser redução a condição análoga à de escravo. Não
obstante, adotemos o conceito acima buscado.

Feitas essas anotações, verifiquemos quais são os meios pelos quais o agente
reduz alguém a condição análoga à de escravo.

3.3.1 Trabalhos forçados

Submeter a trabalhos forçados significa fazer a vítima laborar


obrigatoriamente, compulsoriamente. Segundo Mirabete, “a vítima é privada
da liberdade de escolha e a execução do trabalho decorre de uma relação de
dominação e sujeição, contra a qual não tem possibilidade de se insurgir”58.

58
MIRABETE, Julio Fabbrini, op. cit., p. 194.
A nosso sentir, inobstante formalmente prevista na lei como um meio de o
agente reduzir à vítima a condição análoga à de escravo, a mera submissão a
trabalhos forçados é suficiente para caracterizar o delito em apreço.

Com efeito, se uma pessoa força outra a trabalhar, está agindo como se desta
fosse dona, praticando, portanto, necessariamente, o núcleo do artigo 149 do
Código Penal.

Por conseguinte, temos que o fato de alguém submeter outrem a trabalhos


forçados caracteriza, por si só, o delito de redução a condição análoga à de
escravo.

3.3.2 Jornada exaustiva

De acordo com o artigo 7º, XIII, da Constituição Federal, é direito do


trabalhador urbano e rural a “duração do trabalho normal não superior a oito
horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de
horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de
trabalho”.

Nesse diapasão, jornada exaustiva é aquela que supera os limites previstos na


norma constitucional. Igualmente exaustiva será a jornada que exceda os
limites previstos em acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Nesse caso, a imposição de jornada exaustiva, por si só, não caracteriza o


delito. Para o perfazimento do fato típico é necessário que o agente não dê
opção à vítima de se desligar do vínculo de trabalho.
3.3.3 Condições degradantes de trabalho

Condições degradantes de trabalho são aquelas aviltantes, humilhantes,


existentes em ambiente de trabalho no qual a vítima não consegue cumprir
suas atividades e manter sua integridade física ou mental, ou ambas
concomitantemente. Anote-se que o mero descumprimento das normas de
direito do trabalho não caracterizam o delito em exame, sendo necessário que
ocorra a efetiva sujeição da vítima a condição análoga à de escravo.

3.3.4 Restrição, por qualquer meio, da locomoção da vítima em razão de


dívida contraída com empregador ou preposto

A servidão por dívidas é uma das formas correntes de redução a cativeiro


conhecida no Brasil atual.

O agente, em regra dono de grandes porções de terras, envia aos centros


urbanos um preposto (também conhecido como “gato”) para convidar
indivíduos miseráveis a trabalhar na sua fazenda. O “gato” ilude tais
indivíduos com promessas de altos salários, habitação, pagamento da viagem
ao local de trabalho etc.

Quando tais pessoas aceitam o convite do “gato”, viajam ao local de trabalho


sob o acordo de que não arcarão com os custos de ida. Chegando ao local, são
logo informadas de que são devedoras dos gastos com a viagem de ida, além
daqueles com moradia, alimentação, vestuário e instrumentos de trabalho.

Como se pode imaginar, as vítimas chegam ao local da prestação de serviços


desprovidas de dinheiro. Por conseguinte, para se alimentarem, os passivos
compram, a prazo, o essencial para sua sobrevivência no armazém do
empregador (o único estabelecimento fornecedor de bens) a um preço
absurdamente maior que o usual.

Todavia, o agente informa às vítimas de que não há pressa para o


adimplemento das dívidas contraídas. Como os passivos viajaram até ali para
laborar, pagarão seus débitos aos poucos, com seus salários. Basta iniciarem o
trabalho o quanto antes, comprando, a prazo, seus instrumentos de labor na
venda do empregador, repita-se, o único local fornecedor de bens.

Assim, a redução da vítima a condição análoga à de escravo se dá mediante


uma nefasta aritmética: descapitalizado, o indivíduo viaja ao local de trabalho
iludido de que trabalhará dignamente, passando, todavia, a ser devedor dos
gastos com a viagem ao local, além de ter que arcar com custos referente a
moradia, alimentação e instrumentos de trabalho.

Como o empregador detém o monopólio comercial local, vende tudo aquilo de


que a vítima necessita a preços abusivos, fazendo com que os débitos da
mesma cresçam progressivamente e em total desproporção ao salário
recebido, de modo a impossibilitar que a vítima pague suas dívidas.

Assim, mediante essa perversa estratégia denominada “truck system” (sistema


de barracão), o agente envolve o sujeito passivo num círculo vicioso,
reduzindo-a à escravidão de fato.

Tal como a submissão a trabalhos forçados, a instituição da servidão por


dívidas, por si só, reduz a vítima a condição análoga à de escravo.
Noutras palavras, restringir, por qualquer meio, a locomoção de outrem em
razão de dívida contraída com empregador ou preposto corresponde a reduzir
alguém a condição análoga à de escravo.

3.3.5 Cerceamento de utilização de meio de transporte por parte do


trabalhador, a fim de retê-lo no local de trabalho

No caso do § 1º, entendeu o legislador que as condutas ali referidas consistem,


por si só, em redução a condição análoga à de escravo. A pena é a mesma que
se aplica àquele agente que pratica a conduta prevista no “caput”.

Interpretando o inciso I, temos que o cerceamento da utilização de meio de


transporte pelo trabalhador se dá, normalmente, em virtude de o local de
trabalho ser de difícil acesso. Em tal lugar, o agente consegue reter a vítima e
pressioná-la para que a mesma pague, com sua força de trabalho, os débitos
contraídos.

3.3.6 Vigilância ostensiva e/ou apoderação de documentos da vítima, com o


fim de retê-la no local de trabalho

Já no caso do inciso II, a retenção da vítima se dá de forma escancarada. É


comum o emprego de pessoas armadas na vigilância da vítima, bem como a
apoderação de seus documentos a fim de que se sinta temerosa de fugir do
local de trabalho.

3.4 Tipo subjetivo


O tipo subjetivo do crime do artigo 149 do Código Penal é o dolo, ou seja, é a
vontade livre e consciente de reduzir a vítima a condição análoga à de
escravo. No dizer de Noronha, essa finalidade é que caracteriza o crime, “já
que se pode ter domínio sobre uma pessoa, para fins lícitos: criá-la, educá-la,
corrigi-la, protegê-la etc”59.

Impõe-se notar que, no crime sob exame, o consentimento do ofendido não


afasta a ilicitude da conduta.

Como bem ensina Bitencourt, “a indisponibilidade, nesse crime, não se refere


propriamente à liberdade, mas ao status libertatis em sentido amplo, que
abrange aqueles valores dignidade, amor-próprio etc”60.

3.5 Consumação e tentativa

Inicia-se a consumação do delito a partir do momento em que o agente fica


reduzido a condição análoga à de escravo, ou seja, quando se encontra
completamente dominado pelo agente, plenamente submetido aos seus
desígnios. Isso, porque o delito do artigo 149 é permanente, ou seja, estará se
consumando enquanto a vítima encontrar-se sob o jugo do sujeito ativo.

Vale lembrar a lição de Noronha, segundo o qual o estado de sujeição “deve


ter certa duração; a sujeição meramente instantânea ou momentânea não
integraria o crime”61.

59
NORONHA, Edgard Magalhães, op. cit., p. 180.
60
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: volume 2, p. 457.
61
NORONHA, Edgard Magalhães, op. cit., p. 180.
Sendo crime material, admite-se a tentativa. Um exemplo é o caso de o agente
ser preso em flagrante ao transportar indivíduos para sua distante fazenda,
onde os mesmos o serviriam sem chance de retorno.

3.6 Classificação doutrinária

A redução a condição análoga à de escravo é crime comum, ou seja, qualquer


pessoa pode praticá-lo, sendo desnecessária qualquer condição especial do
agente.

É, também, crime material, pois se exige o surgimento de um resultado


naturalístico, vale dizer, de uma situação palpável, material. No caso, o
resultado naturalístico é a total supressão do status libertatis da vítima,
reduzindo-a a cativeiro.

Ademais, o delito do artigo 149 é permanente, pois consiste numa situação


que se prolonga no tempo. Enquanto a vítima estiver sob domínio do agente, o
crime estará se consumando, sendo possível a prisão em flagrante a qualquer
momento.

Trata-se de crime doloso, uma vez que não há previsão de modalidade culposa
do delito.

3.7 Crimes afins. Distinção

Como já visto, para a ocorrência do crime de redução a condição análoga à de


escravo é necessário que ocorra a aludida redução nos termos acima aduzidos.
Fora disso, o fato não será o do artigo 149, podendo, contudo, ocorrer outro
delito, como seqüestro ou cárcere privado, maus-tratos, constrangimento
ilegal etc. Há que se verificar o caso concreto.

Vale lembrar a relação que o delito em estudo tem com os crimes contra a
organização do trabalho62.

Dentre estes, destacamos os delitos de frustração de direito assegurado por


lei trabalhista63, de aliciamento para o fim de emigração64 e de aliciamento
de trabalhadores de um local para outro do território nacional65.

Tais delitos têm objetividade jurídica diversa da do crime do artigo 149 do


Código Penal. Enquanto este tipo legal tutela a liberdade individual em seu
mais amplo espectro, aqueles tutelam a organização do trabalho. Tais crimes
resguardam a coletividade de trabalhadores, enquanto o delito do artigo 149
cuida de vítima (s) determinada (s). É possível o concurso de crimes,
consoante veremos a seguir.

62
Há grande discussão acerca da competência federal ou estadual para o julgamento dos agentes do delito de
redução a condição análoga à de escravo. Sustentando a competência federal, há quem argumente que o delito
em apreço é contra a organização do trabalho, apesar de topograficamente localizado no capítulo dos crimes
contra a pessoa. Tal assunto, dada sua profundidade, deve ser estudado em outra ocasião.
63
Artigo 203: Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho: Pena -
detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1º Na mesma pena
incorre quem: I - obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para
impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida; II - impede alguém de se desligar de serviços
de qualquer natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante,
indígena ou portadora de deficiência física ou mental.
64
Artigo 206 - Recrutar trabalhadores, mediante fraude, com o fim de levá-los para território estrangeiro.
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.
65
Artigo 207 - Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território
nacional: Pena - detenção de um a três anos, e multa. § 1º Incorre na mesma pena quem recrutar
trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou
cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de
origem. § 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante,
indígena ou portadora de deficiência física ou mental.
3.8 Concurso de crimes

O concurso de crimes pode se dar, por exemplo, com os supracitados crimes


de aliciamento de trabalhadores (artigos 206 e 207 do Código Penal).

Em relação ao delito do artigo 149, o aliciamento do trabalhador seria, a


princípio, ato preparatório. Contudo, ante as expressas previsões
incriminadoras da aludida conduta, é possível o concurso material de crimes,
nos termos do que preceitua o artigo 69 do Código Penal.

3.9 Pena e ação penal

Para quem comete o delito de redução a condição análoga à de escravo, a pena


é de reclusão, de dois a oitos anos, além da pena correspondente à violência.
Tais penas também se aplicam a quem pratica uma das condutas previstas no
§1º.

De acordo com o § 1º, a pena é aumentada da metade se o delito for cometido


contra criança ou adolescente (inciso I) ou por motivo de preconceito de raça,
cor, etnia, religião ou origem (inciso II).

À míngua de previsão legal em sentido contrário, a ação penal do crime de


redução a condição análoga à de escravo é pública incondicionada, cabendo,
por óbvio, a ação subsidiária de iniciativa privada, em caso de inércia do
órgão do Ministério Público.
4. Trabalho escravo no Brasil de hoje

A escravidão, não obstante ter sido abolida da ordem jurídica brasileira em


1888, ocorre ainda nos dias de hoje.

Muitas notícias de existência de trabalhadores reduzidos a condição


semelhante à de escravo são veiculadas pela imprensa.

Uma dessas notícias foi veiculada pelo periódico Folha de São Paulo, segundo
o qual o Ministério do Trabalho identificou, no dia 23/07/2004, na cidade de
Conchal (localizada a 184 km ao norte da capital paulista), “pelo menos 300
trabalhadores rurais cortadores de cana vivendo em condições ‘subumanas’”66.
Tais trabalhadores, segundo a reportagem, cumpriam jornada de trabalho de
sete dias por um de folga.

O mesmo periódico noticiou que

A empresa Jorge Mutran Exportação e Importação, considerada a


maior exportadora de castanha-do-pará do Brasil, irá pagar
indenização de R$ 1,3 milhão pela utilização, em uma fazenda em
Marabá (PA), de trabalhadores em regime análogo à escravidão. O
acordo judicial que determinou o pagamento da indenização foi
celebrado na semana passada. Com a assinatura dos diretores da
empresa, o Ministério Público do Trabalho do Pará retirou a ação

66
Folha de São Paulo, Ministério identifica 300 cortadores de cana em condições”subumanas”, 24/07/2004.
civil pública que havia protocolado na Justiça de Marabá no ano
passado e que podia resultar no pagamento de um valor maior67.

Ainda mais elucidativa é a reportagem publicada no Correio Braziliense,


alertando para a existência de uma verdadeira indústria da escravidão
existente no Brasil68.

Diante desse quadro, vale lembrar a atuação do Estado brasileiro no combate


ao trabalho escravo.

O Ministério do Trabalho e Emprego, através da Portaria n. 540, de 15 de


outubro de 2004, criou “o cadastro de empregadores que tenham mantido
trabalhadores em condições análogas à de escravo” (artigo 1º). Atualizado em
08 de julho de 2005, esse cadastro aponta 188 empregadores rurais na aludida
situação, elencando, ainda, 13 exclusões do cadastro por força de decisões
liminares da Justiça.

O Pará é o recordista em autuações, constando no cadastro o nome de 87


empregadores desse estado. Após, vem o Maranhão, com 28 empregadores.

Segundo o artigo 3º da referida portaria, tal cadastro é atualizado


semestralmente, devendo-se dar conhecimento de seu conteúdo a diversos
órgãos.

A atuação do governo brasileiro recebeu elogios da Organização Internacional


do Trabalho – OIT, segundo noticiado pelo jornal O Estado de São Paulo em
12/05/200569.

67
Folha de São Paulo, Empresa pagará R$1,3 mi por trabalho escravo no PA, 03/08/2004.
O aludido periódico informou, na mesma data, que a polícia do Rio Grande do
Sul libertou, em São Francisco de Paula, 35 trabalhadores que se encontravam
em condições semelhantes à de escravos. De acordo com a reportagem, tais
indivíduos, ao aceitarem promessa de trabalho, remuneração diária de R$15,
transporte e moradia, moveram-se de Wenceslau Brás, no Paraná, até São
Francisco de Paula e foram obrigados a colher alho, feijão e batata.

O Poder Legislativo também está tomando medidas de combate ao trabalho


escravo.

Dentre vários projetos em trâmite na Câmara dos Deputados, salta aos olhos o
Projeto de Emenda Constitucional n.º 245/2004, que visa a alterar a redação
do art. 243 da Constituição Federal.

Aprovado o referido projeto, o art. 243 da Lei Maior passaria a ter a seguinte
redação:

Art. 243. Os imóveis rurais, de qualquer região do País, onde


forem localizados cultivo e/ou processamento ilegais de plantas
psicotrópicas, bem como ficar comprovada a existência de trabalho
escravo, serão imediatamente expropriados e especificamente
destinados ao assentamento de trabalhadores rurais sem terra, sem
qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras
sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico
apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e
drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de
instituições e pessoas especializadas no tratamento e recuperação
de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de
fiscalização, controle e prevenção, previstas em lei.

68
Correio Braziliense, Indústria de escravos: Dados do governo mostram que se criou no país uma linha de
produção para explorar trabalhadores. As condições são idênticas: dívidas com patrões, moradas feitas com
lonas de plástico, e esteiras como camas, 04/08/2004.
69
O Estado de São Paulo, OIT cita país como exemplo contra trabalho escravo: Segundo relatório, números
indicam situação difícil, mas mostram que Brasil está combatendo trabalho forçado, 12/05/2005.
Vigendo essa regra, a mesma seria, desde que devidamente aplicada, um forte
elemento de combate ao trabalho escravo.

Como se percebe, o delito de redução a condição análoga à de escravo,


infelizmente, faz parte da realidade brasileira. Não obstante estar estimado em
25.000 o número de brasileiros em situação análoga à de escravo, as
instituições estão se movendo para a extinção dessa purulenta chaga da nossa
realidade social.
CONCLUSÃO

Ao estudarmos a história da escravidão, notamos que a utilização do trabalho


humano forçado existe, infelizmente, há muito tempo.
Ainda, vimos que, no Brasil, a escravidão sempre visou ao incremento do
lucro de seus exploradores, em detrimento dos escravizados. Outrossim,
percebemos que a abolição da escravatura se deu, nos planos interno e
externo, mais por questões econômicas do que humanitárias, em adequação às
mudanças impostas pela Revolução Industrial.
Ademais, ao analisarmos o atual tipo objetivo do delito previsto no artigo 149
do Código Penal, notamos que o legislador não utilizou a melhor técnica de
redação, podendo criar dificuldades interpretativas, sem conseguir atingir,
portanto, a finalidade de aclarar o que seja “reduzir alguém a condição
análoga à de escravo”.
Por fim, no último capítulo, exemplificamos a ocorrência do trabalho escravo
no Brasil, referindo-nos, também, à atuação governamental combativa da
ocorrência do crime de redução a condição análoga à de escravo.
Esperamos, com a presente obra, ter colaborado no estudo da nova redação do
artigo 149 do Código Penal. O delito de redução a condição análoga à de
escravo deve ser reprimido pelas instituições com austeridade, pois é
inaceitável que, em pleno século XXI, cidadãos brasileiros tenham anulado
seu direito de autodeterminação.
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