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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


FACULDADE DE EDUCAÇÃO

CAMPO EDUCACIONAL, MAGISTÉRIO E MODERNIDADE:


A SITUAÇÃO DOS PROFESSORES NA SOCIEDADE BRASILEIRA

MÁXIMO AUGUSTO CAMPOS MASSON

RIO DE JANEIRO/1997
MASSON, MÁXIMO AUGUSTO CAMPOS MASSON

CAMPO EDUCACIONAL, MAGISTÉRIO E MODERNIDADE:


A Situação dos Professores na Sociedade Brasileira, UFRJ, Faculdade de
Educação, 1997, 248 pp., xii preliminares.
Tese: Doutor em Educação

I - Educação. 2 - Sociologia. 3 - Magistério. 4 - Teses

II - Universidade Federal do Rio de Janeiro

III - Campo Educacional, Magistério e Modernidade: A Situação dos Professores na


Sociedade Brasileira.
ORIENTADORA:

PROFª DRª THEREZA PENNA FIRME


Aos filhos, verdadeiros educandos-educadores
AGRADECIMENTOS

Muitos colaboraram, em particular os que foram meus alunos, para que


este texto viesse a ser produzido e são os grandes responsáveis pelo pouco
que nele pode haver de correção ou interesse. Mencionar todos torna -se
impossível face ao espaço exíguo, porém não posso deixar de publicamente
agradecer a algumas pessoas.

Aos Professores Moacyr Gadotti e Yolanda Lobo que, postergando


todos os seus diversos afazeres, aceitaram o convite para participarem da
Banca Examinadora des ta Tese.

À Professora Thereza Penna Firme, que mais do que orientadora foi


uma amiga a permanentemente estimular -me, contrapondo -se a todos os
obstáculos que surgiram no transcurso da produção deste trabalho, que não
seria realizado sem suas intervenções precisas.

A Joaquim Paulo da Silveira Filho, Marília Macedo Barroso e Luiz


Ângelo Rocha, mestres e companheiros, pelo frutífero debate político e pela
sincera amizade de todas as horas.

Aos Professores Paulo Carvalho, Maria das Dores Campos Machado,


Margareth Gonçalves Almeida e César Augusto Miranda Guedes da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e os Professores Nilson Moraes
e Dayse Martins Hora da Universidade do Rio de Janeiro, pelo apoio e
colaboração.

Ao Professor Getúlio Wagner e demais dir etores e ativistas da


Associação de Docentes da UNI-R IO e sua incansável secretária Samira, pelo
muito que me ensinaram.

Aos Professores José Maria Diaz e Mírian Limoeiro e todos os colegas


do curso de doutorado da FE/UFRJ pelas discussões travadas.

À Rosângela e demais funcionários do Programa de Pós -Graduação da


FE/UFRJ pelo apoio na superação de todas dificuldades burocráticas.

A Tânia e Luiz Resnik, cuja generosidade permitiu a realização deste


trabalho.
A Carlos Augusto Saraiva e Suzana Correa Barros Saraiva pelo bom
humor de seu incentivo.

À Professora Leá de Carvalho Reis, amiga e velha companheira das


lutas sindicais.

À minha mãe Lourdes e meus irmãos Marco, César e Marcio, pela


solidariedade irrestrita.

À CAPES, pela concessão da Bolsa de Estudos.

Aos Professores Hedy Matheus e Carlos Maurício Teixeira, já não mais


presentes entre nós e que, em vida, defenderam intransigentemente as causas
da educação pública.

E de modo todo especial a Gustavo Santos Masson, meu filho e


educador, a quem es te trabalho é particularmente dedicado, por tudo que com
ele aprendi e aprenderei.
SUMÁRIO

O objetivo deste estudo foi analisar a situação do magistério na sociedade


brasileira nas últimas décadas. A princípio, definiu-se as relações entre o magistério,
as sociedades e o Estado modernos, os sistemas nacionais de ensino e,
especialmente, o processo de constituição do indivíduo como agente social típico da
modernidade. A análise foi realizada com base nos conceitos de Bourdieu, Gramsci
e Foucault, assumindo relevância: campo social e hegemonia. Teses sobre a
ocorrência de um processo de proletarização dos professores foram criticadas por
não permitirem um enfoque correto sobre os determinantes do processo de
empobrecimento atual dos professores. As características particulares da
constituição da sociedade brasileira em nação e a forma como nesta um processo
de dominação política de forte tendência à exclusão social determinou a
configuração do campo educacional brasileiro foram apreendidas como os grandes
elementos determinadores da “crise do magistério” no Brasil. Analisou-se o
surgimento de políticas educacionais orientadas por diretrizes neoconservadoras,
porque elas não rompem com a tradição de exclusão social e como permitem a
ampliação desta crise. Também foram analisadas ações sindicais dos professores e
porque elas isoladamente não modificam o atual quadro do campo educacional.
Finalmente foram consideradas as difíceis possibilidades de constituição de um
bloco de forças políticas capaz de conter e superar a crise do magistério.
ABSTRACT

The objective of this study was to examine the situation of


teachers in Brazilian society in the last decades. At first, it defines the
relations between teachers, modern societies and the State, the
national educationa l systems and, specially, the process of formation of
the person, as a social agent typical of modernity. The analysis was
realised on the bases of theoretical concepts of Bourdieu, Gramsci and
Foucault, with special attention to the social field and hegem ony. The
Theses about the occurrence of a process of proletarization of teachers
were criticized for not permiting a correct approach to the determinants
elements of the actual process of the present impoverishment of
teachers. The particular characteristi cs of the constitution of Brazilian
society as a nation and within this a process of political domination with
strong tendencies toward social exclusion determined the configuration
of the Brazilian field of education were understood to be the great
determinant elements of the ‘teachers crisis” in Brazil. The emergence
of a new conservative educational policy was analysed, because it does
not break the tradition of social exclusion and permit the amplification
of that crisis. Acts of teachers unions were a nalysed why they alone
are incapable of change the actual situation of the educational field
today. Finally, the difficult possibilities of the constitution of a another
block of political forces with the objective of containing the crisis of
teachers were analised.
RESUMÉE

Le but de cet étude a été d’analyser la situation de


l’enseignement dans la société brésilienne dans les dernières
décennies.Au début, on a défini les rapports entre l’enseignement, les
sociétés ete l’État modernes, les systèmes nation aux d’enseignement
et spécialement, le processus de la constitution de l’individu comme
agent social typique de la modernité.L’analyse a été realisée en se
basant sur les concepts de Bourdieu, Gramsci et Foucault, privilégiant:
le domaine social et l’hégém onie.Des thèses sur l’occurence d’un
processus de prolétarisation des professeurs ont a été critiquées pour
ne pas avoir permis une perspective correcte sur les déterminantes du
processus d’appauvissement actuel des professeurs Les
caractéristiques particu lières de la constitution de la société
brésilienne en tant que nation et la forme comme telle, um processus
de domination politique de fortes tendances à exclusion sociale a
determiné la configuration du domaine éducatif brésilien furent prises
comme les grands éléments déterminantes de la crise de
l’enseignement au Brésil. On analyse l’arrivée de politiques éducatifs
orientées par des directrices néoconcervatrices parce qu’elles ne
cassent pas la tradition de l’exclusion social et ainsi permettrent
l’augmentation de cette crise. On a aussi analysé des actions
syndicales des professeurs parce qu’elles, seules, ne peuvent pas
modifieés l’actuel cadre du domaine éducatif. Finalement, on a
consideré toutes le possibilités difficiles de la constitution d’um aut re
bloc des forces politiques capables d’anéantir la crise de
l’enseignement.
ÍNDICE

Capítulo Página
I.INTRODUÇÃO 01
II.SOCIEDADES MODERNAS, SOCIEDADES ESCOLARES 07
A formação dos sistemas estatais de ensino 08
Estado, escolarização e individuação 26
Notas 45
III.EDUCAÇÃO ESCOLAR COMO NECESSIDADE E DIREITO:
“ESCOLA DE MASSA”, “ESCOLA NACIONAL’ 50
A formação dos sistemas estatais escolares 55
Escola de massas e educação do povo 75
Notas 88
IV. CAMPO CATEGORIA EXPLICATIVA DO SOCIAL 91
Notas 115
V. CONTROVÉRSIAS DA “PROLETARIZAÇÃO DOCENTE” 117
Determinantes do enfoque da “proletarização” 119
A ocorrência do “mal-estar” docente 125
A perda do controle do processo de trabalho docente 128
A massificação e a desqualificação do trabalho docente como
trabalho intelectual 131
O Magistério: profissão ou semi -profissão 133
Feminização: condição da “proletarização” 137
A sindicalização do magistério e uma “nova” identidade” social
dos professores 142
Empobrecimento, mas não proletarização 146
Sindicalização não significa proletarização 155
Notas 168
VI.O CAMPO EDUCACIONAL BRASILEIRO E OS
PROFESSORES 181
Nação e campo educacional 182
A Constituição do campo educacional brasileiro 192
As lutas sindicais recentes dos professores brasileiros
e o empobrecimento do magistério 198
A tendência do campo educacional: a permanência do
empobrecimento dos professores 206
Notas 213
BIBLIOGRAFIA 227
12

CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO

O magistério é um tema de pesquisa bastante antigo no cenário acadêmico


brasileiro. Em geral, a atenção dos nossos analistas concentrou-se sobre: a
qualificação profissional dos professores (o domínio dos conteúdos disciplinares
e/ou das técnicas didáticas); as condições materiais de trabalho em que ocorre o
exercício da docência (abrangendo da situação salarial à arquitetura dos prédios
escolares); as relações entre os professores e sua clientela (enfatizando-se a
homogeneidade ou heterogeneidade dos códigos de classe e seus efeitos de
exclusão das classes subalternas ou de democratização das práticas escolares); a
predominância das mulheres no magistério e a conformação das relações de gênero
na esfera escolar e o pertencimento de classe dos professores e as suas formas
organizacionais - sobretudo sindicais - de defesa de seus interesses. Como elo
comum entre todo o conjunto dessa produção, podemos dizer que se configura o
intuito de apreender os professores e suas práticas profissionais tendo por
referência, primeiro, a demanda por escolarização de agentes situados inferiormente
na hierarquia social e segundo, o papel exercido pelo estado na ordenação política
de tais demandas, contrastando-as com aquelas derivadas do processo de
desenvolvimento capitalista do país.

Entre o findar dos anos setenta e princípios dos oitenta, os debates no campo
educacional, sobretudo aqueles ocorridos no interior de programas de pós-
graduação ou em outros espaços institucionais de pesquisa, registraram significativa
alteração do quadro escolar brasileiro, provocada pela presença de contingentes
numericamente ponderáveis de estudantes, aos quais, dada as suas origens
sociais, a escola vinha sendo historicamente negada. Estes estudantes vivenciam,
hoje, a contraditória situação de terem, ainda que com dificuldades, acesso à rede
escolar, mas não poderem concretamente nela permanecer, em virtude tanto por
não obterem um rendimento escolar mínimo, como por não apresentarem posturas
institucionais compatíveis aos padrões formalmente exigidos. Concomitantemente,
foram também assinalados os efeitos perversos dos processos de urbanização e
industrialização, geradores de significativa e acelerada concentração de riqueza, na
escolarização das classes subalternas. A responsabilidade por tal quadro foi
13

atribuída, quase sempre, aos intentos políticos do regime ditatorial, deliberadamente


voltados para empreender a modernização conservadora da sociedade brasileira.

Especificamente quanto aos professores e tendo por fundamento uma ou


outra das referências antes mencionadas, foram sublinhadas mudanças sensíveis
no tocante à sua identificação profissional. Tornou-se perceptível a transformação
gradual da imagem social do professor, na qual traços, anteriormente quase sempre
postos à sombra, ganharam melhor contorno. Já não mais se concebia,
explicitamente, o professor como uma espécie de "sacerdote", dedicado à causa da
educação e socialização moralizante das novas gerações. Ele passou a ser
considerado um agente social específico, um profissional necessário ao processo de
desenvolvimento econômico; um divulgador de conhecimentos e técnicas básicos
para o processo de incorporação da população em geral e, particularmente, da
juventude à proposta conservadora de modernização da sociedade brasileira.

Assinalou-se também o elevado crescimento numérico, intensificado ao final


dos anos sessenta, dos membros do professorado, resultante da constituição dos
inúmeros cursos de licenciatura (o mesmo ocorrendo nas antigas "escolas
normais"), voltados para atender aos reclamos de camadas das classes médias
urbanas, escolarmente despreparadas. Tais camadas buscavam assegurar os
títulos universitários precisos às suas ideações de ascensão social, tornando o
exercício do magistério uma perspectiva profissional de aparente razoável sucesso.

Por outro lado, as dificuldades do cotidiano escolar, denunciadas, com o ardor


possível da ocasião, por organizações sindicais e pesquisadores da área, levavam
ao questionamento das possibilidades do professor ser um agente do
desenvolvimento, se convivia com a falta de condições mínimas de trabalho,
instalações precárias, verbas escassas e baixos salários, afora a ampliação
indiscriminada do número de alunos em sala de aula. Ante o poder discricionário da
ditadura, o discurso oposicionista centrava suas críticas, especialmente, no
autoritarismo das políticas e práticas educacionais, as quais procuravam se
autolegitimar, em nome de um saber pedagógico tecnicista. Conforme era, então,
apontado, o resultado maior de tais políticas vinha a ser a impossibilidade da
sociedade civil dispor de alguma capacidade efetiva de intervenção na gestão dos
assuntos referidos ao ensino, o que se traduzia, por conseqüência, no alheamento
14

de pais, alunos e também, de modo relativo, dos professores sobre quaisquer


decisões referentes aos procedimentos escolares, com todos os seus reflexos
diretos na síndrome de evasões e repetências. Independente dos enfoques
privilegiados, a grande maioria das análises, no mais das vezes, circunscrevia entre
os móveis determinantes da produção de uma situação educacional tida por
socialmente indesejada, além do autoritarismo de inspiração governamental, as
múltiplas "deficiências" docentes, encontradiças, principalmente, em profissionais
relativamente jovens e de formação duvidosa, vários em "licenciaturas curtas".
Como é sabido, apesar das elegias feitas à imprescindível necessidade de haver
"competência técnica" entre os professores, a ênfase na participação como
instrumento político de redenção das escolas brasileiras, em particular as públicas,
foi o grande mote dos educadores progressistas. Em boa parte isto foi decorrente de
esperanças provenientes de emergentes movimentos sociais, que aspiravam, ao
menos, articular democracia política com a retomada do crescimento econômico e
modos de distribuição de renda mais eqüitativos.

Contudo, os fados não foram generosos para os que aspiravam


radicalizações democráticas. O lento colapso da ditadura militar e a década
subsequente de “redemocratização”, não se fizeram acompanhar de transformações
mais significativas nas relações sociais, nem tampouco do retorno de índices
expressivos de crescimento econômico. Em meio a um dramático contexto nacional
recessivo e notícias internacionais pouco jubilosas sobre o "socialismo real", o
neoconservadorismo estabeleceu-se com força e legitimação ímpares na sociedade
brasileira, lançando-se como um furacão avassalador sobre princípios políticos da
esquerda, inclusive no campo educacional.

Revitalizado, o tradicionalismo pedagógico tem entoado um canto a duas


vozes. A primeira, como que perfazendo variações sobre um velho tema, reafirma
um discurso, que advém desde a constituição do estado nacional independente e
persiste ao longo de toda nossa história republicana sob modulações de tom e
freqüências diferenciadas: o da denúncia da inércia e do atraso do país em
empreender a escolarização condigna de sua população e concomitantemente da
incapacidade de realização de um esforço político, por parte de seus dirigentes, no
sentido de satisfazer escolarmente às necessidades de conformação de uma nação
moderna. A segunda, ao enfatizar as deficiências técnicas dos profissionais do
15

magistério, recupera as propostas tecnicistas, num pretenso apelo futurista ao uso


dos meios de comunicação e faz da "educação à distância" uma espécie de
panacéia escolar.

Veio a contribuir, ainda mais, para este revigoramento do conservadorismo, o


fato de que, no correr dos anos oitenta, não poucas experiências de reforma
educacional de âmbito estadual ou municipal que assumiram, total ou parcialmente,
os diagnósticos críticos sobre a escola brasileira e foram empreendidas com maior
ou menor apoio de setores da esquerda, sendo dotadas, portanto, de uma intenção
"democratizadora" de ir ao encontro de postergadas demandas populares, no
objetivo de superar o descompasso entre a realidade escolar e os interesses das
classes subalternas, não tiveram o esperado sucesso nos seus resultados, tornando
possível que perspectivas pedagógicas conservadoras se apresentassem
rejuvenescidas sob novas roupagens, em especial, a do "manto sagrado" da
qualidade total.

Diante de situações adversas, mostrou-se ser significativamente mais difícil, a


curto ou médio prazo, a obtenção efetiva das transformações pretendidas por
educadores progressistas. Como as atitudes dos professores encontravam-se, com
certa constância, entre os obstáculos às intenções reformistas, visto estes últimos
tenderem a reagir, algo negativamente, quanto a envolverem-se intensamente nos
projetos apresentados ou não manifestavam uma adesão mais plena aos valores
eleitos como diretrizes de novas práticas pedagógicas, não veio a se constituir em
acontecimento isolado o enquadramento do magistério, por parte de educadores
reformistas, no rótulo de "conjunto de pequenos burgueses reacionários", os quais,
dada sua origem de classe, seriam intrinsecamente avessos à mudança social, pois
quando não estariam voltados unicamente aos seus interesses corporativos,
estariam sempre externando uma manifesta má vontade ou um espírito
discricionário para com clientelas de origem popular.

Embora seja necessário desenvolver maiores estudos sobre a questão, esta


aversão aos professores, implicitamente postulada em certas propostas
educacionais, na medida em que sua realização política se dá, de fato, pela
secundarização ou desconsideração de problemas diretamente relacionados aos
interesses específicos desses agentes, parece ser um fator possibilitador da atual
16

convergência de posicionamentos entre educadores ex-esquerdistas e velhos


defensores de posições conservadoras. Em tal convergência, os primeiros, realizada
sua "conversão ideológica", assumem sua condição de neófitos cruzados das
transcendentes verdades do mercado, porém preservam seus antigos estereótipos
"anti-pequeno-burgueses" relativos ao magistério.

Mas a permanência dos estereótipos, se de boa utilidade no encontro de


respostas rápidas para os problemas emergenciais das lutas políticas, dado seu
poder de desqualificação dos oponentes, não se coaduna com os esforços próprios
à produção do conhecimento. Do nosso ponto de vista, a concretização de
transformações profundas de teor igualitário, tanto na sociedade como nos sistemas
escolares em particular, torna urgente o rompimento resoluto com toda sorte de
estereótipos, aí inclusos aqueles referentes aos professores. Como alternativa,
temos somente o enveredar pelo trabalho minucioso e paciente da pesquisa.

É verdade também que, no momento atual, as teorias educacionais,


especificamente aquelas portadoras de dimensões radicalmente democráticas,
estão, em geral, enredadas nas críticas às dificuldades objetivas provenientes da
não concretização do postulado final do projeto da modernidade: a emancipação, a
partir da força da razão, do homem, sua desalienação pela libertação dos limites
impostos pela natureza e pelas convenções sociais, tornando-se plenamente
soberano de si mesmo. O excesso de regulamentação, num processo de
ultraracionalização e controle, em que as ciências e as tecnologias, instrumentos
libertários na lógica iluminista, se transvestiram em ferramentas de ações social e
ecologicamente irracionalistas, parece volatizar as aspirações modernistas, fazendo
das mesmas, como no dizer pós-modernista, equívocas metanarrativas, onde o
déficit de promessas não-realizadas sobrepõe-se às emancipações alcançadas
(BOAVENTURA, 1995), questionando-se desta forma o quanto esta razão, de
pretensão universalista, não veio a ser privilegiadora de perspectivas próprias a
gênero e etnia particulares, isto é, uma razão, essencialmente, de pendor
masculino, branco e ocidental. Mesmos as propostas e posicionamentos políticos de
inspirações libertárias ou marxistas (também herdeiras da tradição iluminista)
presentes no campo educacional, centradas na perspectiva de ação de um sujeito
histórico emancipador da humanidade, a classe operária ou seus substitutos
teleológicos, vanguardeadores da superação do capitalismo a partir da
17

transformação do estado burguês em um transitório estado de novo tipo (o


socialista), tiveram que confrontar-se com a trágica experiência do ideal
revolucionário do fim do estado ter promovido, de modo nunca visto, muito mais
regulação, racionalização, disciplina, enfim, muito mais estado.

Ora, diante de tais dificuldades como analisar as mudanças que vem


ocorrendo na constituição deste, ao nosso ver, fundamental integrante do processo
de educação nas sociedades modernas que é o professor? Quais são suas
especificidades e como elas se transformam, na medida em que as relações entre
os diferentes agentes da sociedade sofrem outras tantas mudanças? Foi o que
procuramos apreender, tendo em vista dois pontos específicos, ao nosso ver, de
grande significância. Primeiro, a particularidade da escola moderna e seus elos com
o também singular processo de individuação realizado nas sociedades ocidentais,
em nosso entendimento, definidor da própria existência e permanência do professor
enquanto um tipo específico de agente social do mundo moderno. Segundo, o da
especificidade da sociedade brasileira, inserida singularmente no contexto da
modernidade, em meio às condições próprias a uma integração periférica na ordem
mundial, que veio a conformar a universalização da escolarização, bem como a
constituição, inserção e posicionamento nos campos intelectual e político do
magistério, de modo distinto daqueles ocorridos em sociedades que nos
precederam no vivenciar processos de modernização.
18

CAPÍTULO II
SOCIEDADES MODERNAS, SOCIEDADES ESCOLARES

As sociedades modernas são sociedades escolares. Esta afirmação é, em


geral, considerada uma verdade cristalina, há muito incorporada pelo pensamento
sociológico e pela tradição pedagógica, que relacionam a expansão da
escolarização ao atendimento de necessidades funcionais das sociedades
modernas, situadas na esfera econômica e na esfera política.

Ao que circunscreve à política, caberia à escola cumprir o significativo papel


de instituição modelar na formação da cidadania, capacitando os indivíduos a
exercerem de modo ativo, dentro de espaços institucionalizados, seus direitos
políticos, constituindo-os em cidadãos e não meros súditos (BOBBIO,1986). Um
possível poder esclarecedor e autonomizador, que a educação escolar possibilitaria
aos membros da sociedade, seria uma das garantias de viabilização da soberania
nacional e da vontade popular, gerando-se assim, um elo profundo entre a escola e
o estado moderno.

No que diz respeito à esfera econômica, através do processo educacional,


tendo ainda por epicentro a escola, formar-se-ia a força de trabalho apta às
atividades decorrentes das reordenações tecnológicas provocadas pelas
industrialização e automação, tanto em termos do trabalho manual como do trabalho
intelectual. No caso deste último, aquelas atividades desenvolvidas no âmbito das
empresas privadas e públicas, direcionadas para o controle operacional ou
administrativo-burocrático, teriam, de forma cada vez mais intensa, seu processo de
preparação profissional localizado inicialmente na instituição escolar e somente mais
tarde transposto ao espaço de trabalho propriamente dito.

Por conseqüência, veio a generalizar-se definir como obrigações do Estado a


formulação, prescrição e implementação de ações e normas que ultimassem
possibilitar a universalização do acesso à escola. Atender-se-ia desta forma a
interesses distinto, porém, à primeira vista, convergentes, tanto das elites nacionais
dirigentes como das classes populares subalternas, então em processo de
submissão, direta ou indireta, ao assalariamento, mas sequiosas por moverem-se
verticalmente na hierarquia social. As políticas educacionais - a ação do Estado no
19

campo educacional - teriam sido, por essas razões, alçadas ao status de política
social.

Por política social aqui se compreende, em essência, os modos, não


predominantemente repressivos - no sentido do emprego da violência física ou
militar - de "transformação duradoura" das formas de trabalho não-assalariado em
trabalho assalariado (OFFE, 1984, p.15), produtores de um consenso, entre aqueles
que irão desempenhar as funções de trabalhador, sobre a naturalidade ou
superioridade do trabalho assalariado, legitimando o abandono ou menosprezo por
outras formas de sobrevivência (trabalho ocasional, mendicância, roubo, assistência
filantrópica ou estatal, etc.).

A formação dos sistemas estatais de ensino

Mas como bem disse Bachelard (1977; 1982), as evidências cegam,


bloqueiam a reflexão e a compreensão. Assim, pareceu-nos sensato desconfiar,
colocar em dúvida e, conseqüentemente, relativizar estes aparentes e tão óbvios
elos entre o proceder escolar e o mundo moderno. O peso desta forma de
apreensão - na prática um verdadeiro "modelo explicativo" - das relações entre a
escola (incluindo seus agentes institucionais como os professores) e a sociedade
moderna foi, até muito recentemente, de tal ordem que mesmo análises dotadas de
postulados teóricos e proposições políticas antagônicos ao status quo e que
intencionavam promover uma radical ruptura com formas tidas como conservadoras
da compreensão da escolarização (PARSONS, 1959; DREEBEN,1968;
MERTON,1968), terminaram por reafirmarem-no, ficando circunscritas ao campo
delimitado pelas respostas de tal modelo relacional, inclusive quando procurou-se
tanto atentar para aspectos até então pouco referidos como o da "cultura da sala de
aula" (SARUP,1986), como escapar aos ditames estrutural-funcionalistas e sua
paradigmática compreensão do fracasso escolar dos estudantes das classes
subalternas como decorrentes dos intrínsecos efeitos da sua "deficiência cognitiva
ou [seu] handicap cultural" (FORQUIN,1993,p.83). Exemplificando esta observação,
deparamo-nos com a ocorrência de percepções de fundo comum sobre a relação
escola-sociedade, encontráveis tanto na teoria do capital humano (SCHULTZ,1973)
e suas variantes, como em autores de orientação marxista e/ou fenomenológica
(BOWLES e GINTIS,1976), (YOUNG,1971), (BERSTEIN,1977), (APPLE,1982),
20

(GIROUX,1986), (SARUP,1986). Nessas formulações são acentuadas, sempre e


enfaticamente, as correspondências biunívocas entre escola e trabalho (preparação
profissional; alocação de agentes no mercado de trabalho; constituição de
identidades de grupo ou classe, reprodução das classes sociais ou afirmação de
uma consciência de classe revolucionária). Quando os liames destas
correspondências se vêem envolvidos num processo de ruptura, o enfoque desloca-
se para os determinantes possibilitadores das situações de disfunção, seja isto com
o intuito de reenquadrá-los e assim minimizar seus efeitos desestabilizadores, seja
com a intenção de "radicalizá-los", para que, aprofundadas as contradições
institucionais, seja favorecida a mudança estrutural das relações sociais.

Todavia, encontramos, já há mais de uma década, um sentimento de


insuficiência diante das abordagens que vinculam entre si, de um modo mais ou
menos direto, a escola e o mundo do trabalho ou ainda a escola e o exercício da
cidadania, mesmo compreendendo-se esta última fora de enfoques hegemonizados
pelo pensamento liberal(1).

É verdade que dúvidas e questionamentos não ocorrem por mero acaso. Se


os anos sessenta e setenta puderam ser épocas férteis para o desenvolvimento de
abordagens inovadoras - onde o destaque maior coube àquelas produzidas no
advento da "nova sociologia da educação" (YOUNG, 1971; BERSTEIN, 1977;
WILISS, 1991); da "teoria crítica em educação" (GIROUX, 1986; FREIRE, 1968;
FREIRE e FAUNDEZ, 1985); ou próximas à "teoria da prática e/ou da violência
simbólica" (BOURDIEU e PASSERON, 1970) ou daquelas mais expressamente
marxista (ALTHUSSER, 1974; BAUDELOT e ESTABLET,1971; SNYDERS, 1977;
APPLE, 1982; MANACORDA, 1990) - tomando-se os códigos e práticas escolares,
os currículos, os procedimentos pedagógicos como objetos de investigações menos
"ingênuas", pois que menos subsumidas a verdades do senso comum,
compreendendo-se o espaço da escola como uma esfera de quotidianas lutas entre
agentes sociais, mesmo quando estas não fossem suficientemente percebidas ou
travadas conscientemente; tudo isto deveu-se em boa parte à internacionalização da
percepção e da constatação quanto ao estar em curso uma crise dos sistemas
escolares(2). Tornava-se possível por em questão a aparente obviedade das relações
entre a escola e a sociedade, em particular os "objetivos manifestos" (e
21

consensuais) dos sistemas educacionais, pois que aspectos de ordem política,


econômica e teórica colocavam em cheque, principalmente nas sociedades
capitalistas avançadas, as expectativas propagadas pelos aparatos burocráticos
educacionais. O protesto estudantil e juvenil; os movimentos de "contracultura"; as
mudanças no processo de organização da produção decorrentes dos primeiros
sinais da crise econômica mundial; o colapso nas ciências humanas da dominância
dos paradigmas de orientação neo-positivista, rompendo a hegemonia teórica do
funcionalismo, contribuíram decisivamente para a constituição e divulgação
daqueles novos enfoques sobre as práticas e as políticas dos aparatos institucionais
escolares, onde se viram mesclados: a fenomenologia social, o interacionismo
simbólico, a sociologia do conhecimento, a antropologia cultural e, sob diversas
leituras, o marxismo.

E se nos dias atuais aponta-se para as "limitações" dessas análises é porque


elas não foram capazes de dar conta, apesar de toda a sua potencial
compreensividade, de aspectos inéditos da realidade, isto é, aqueles que
manifestam os limites dos projetos da modernidade, da sua capacidade de realizar
plenamente as promessas emancipatórias (seja em relação ao domínio da natureza,
seja em relação à racionalização do social como sinônimo de liberdade e felicidade)
que neles estavam engendradas, permitindo o descortínio, enquanto hipótese
explicativa, da configuração de uma época inédita e transitória: a da pós-
modernidade. Mas o debate teórico sobre a emergência da pós-modernidade e o fim
da pertinência dos projetos da modernidade, aí inclusos aqueles vinculados aos
discursos radicais pedagógicos, ainda não provocou uma substituição dos principais
pontos da agenda das ações políticas no campo educacional, mesmo com todas as
tentativas de obter-se um distanciamento das intenções ou dos escopos
paradigmáticos que informaram o conjunto das análises de temas educacionais. Em
virtude disto, mantém-se com força o debate de questões relativas tanto à não-
realização das expectativas de escolarização previstas para a segunda metade do
século XX - temática sempre retomada nos eventos internacionais de agências
promotoras da educação escolar - quanto sobre as determinações e os efeitos dos
processos de escolarização em curso.

A persistência de uma agenda política educacional em que a insatisfação com


os resultados obtidos tem se sobreposto aos objetivos alcançados tem feito com que
22

até as burocracias governamentais de orientação mais tecnicista e politicamente


conservadoras, expressando exemplarmente a realidade da crise, reconheçam,
ainda que de modo dissimulado, a não-concretização, pela via da escolarização, dos
efeitos democratizadores ou otimizadores da ascensão social dos segmentos
sociais empobrecidos - um dos pilares legitimadores da universalização do acesso à
escola - como demonstram a crescente inserção de projetos particularistas,
principalizando a formulação de currículos específicos, voltados para "minorias
sociais" ou destinados à prevenção de "problemas sociais" do tipo: consumo de
drogas, delinqüência juvenil, violência urbana, racismo e xenofobia, etc.
(GOZZER,1990). Inclusive o "discurso da restauração" pedagógica conservadora
(FORQUIN,1993), que veio a vanguardear nas burocracias governamentais do
capitalismo avançado, durante os anos oitenta, a retomada dos valores burgueses
mais retrógrados - vulgarizados sob o largo espectro da expressão "neoliberalismo"
- necessita realizar todos os volteios e contornos (em geral por meio de apelos
participacionistas, conclamando o envolvimento das "comunidades" na
concretização de ações educacionais públicas, onde não raro o "comunitário" se
transfigura em defesa de interesses privados), para que possa justificar suas
propostas como sendo as portadoras de soluções mais inovadoras ou as únicas
exeqüíveis e realistas para o ensino contemporâneo, pois que voltam-se para o
aprendizado de "coisas básicas" (DEACON e PARKER, 1994), tanto no que diz
respeito às práticas pedagógicas como aos conteúdos curriculares, ainda que mais
não sejam além de meios de adaptação, via escola, dos diferentes agentes sociais a
uma cultura de classe particular e contingente, que se autoproclama,
mistificadamente, universal e transhistórica.

Ao ter em conta o quanto, nas últimas décadas, foi produzido a respeito de


temas educacionais, importou-nos, em particular, a contribuição de analistas que ao
relativizarem a funcionalidade dos sistemas escolares, nos possibilitassem rever as
relações entre a modernidade, o estado, a escola e, em particular, a ocorrência
singularmente ocidental do processo de individuação, a fim de recontextualizarmos
analiticamente a constituição do magistério. Assim, encontramos nas obras de Offe
(1977; 1984; 1989; 1989a; 1989b; 1990), mesmo em seus trabalhos da década de
setenta, um interessante posicionamento crítico com relação às conexões imediatas
23

entre escolaridade, desenvolvimento econômico, aceitação/rejeição do status quo e


mobilidade social.

O questionamento de Offe quanto as bases das teorias pedagógicas e


correlatas políticas educacionais, em especial as desenvolvidas pelos governos
sociais-democratas alemães do pós-guerra, funda-se, por último, em sua conhecida
reflexão sobre as possibilidades de, contemporaneamente, ainda podermos
considerar as chamadas sociedades capitalistas avançadas, expressão maior do
que se entenderia por "sociedades modernas", como sendo "sociedades do
trabalho" (OFFE, 1989b), dado o ineditismo de suas novas condições sociais,
próprias a um "capitalismo desorganizado" e conturbadamente "pós-moderno".
Como decorrência, ficaria fragilizado o grau de eficácia analítica das teorias
sociológicas que tomam o trabalho como categoria paradigmática (OFFE, 1989b),
na medida em que este último não mais possuiria caraterísticas de centralidade na
constituição das identidades sociais e na própria dinâmica das estruturas sociais
(OFFE, 1989b, p.5). O uso das análises desenvolvidas por Offe não vem a significar
uma concordância, da nossa parte, com sua tese principal - a perda da capacidade
analítica da categoria "trabalho" nas sociedades contemporâneas - nem dela
trataremos em detalhe. O mais importante para nossas observações é sua ênfase
na fragmentação do trabalho e seus efeitos imediatos no processo de transição a
novas formas organizacionais da produção econômica.

Para Offe, declinariam em importância para a especificação e interpretação


das sociedades modernas aqueles pontos tidos pelas teorias clássicas como os
mais significativos, a saber:

1º) O processo de personificação do trabalho na figura do trabalhador livre,


resultante da industrialização advinda do desenvolvimento capitalista,
caracterizando a desvinculação do trabalho dos laços sociais de origem não-
econômica, de determinação parentesca, política e/ou religiosa.

2º) O rompimento da hierarquia entre atividades "nobres" e "vulgares",


legitimando-se eticamente os ganhos mediados pelo mercado e a conseqüente
propensão à acumulação, própria do modo de produção capitalista.
24

3º) A dominância de uma racionalidade intencional nas ações sociais, onde


se destaca a procura racionalmente orientada (racionalidade técnica ou
instrumental) dos objetivos, definidora da organização e resolução do processo
econômico, especialmente quanto à produção. A gradual constituição desta
racionalidade teria sido concomitante à redefinição, de maneira singularmente
própria ao mundo moderno, das noções de tempo e espaço, como indica Giddens
(1991).

4º) A identidade social definida a partir das relações com o trabalho, que no
caso dos trabalhadores estaria fundamentada sobre: a dependência para com o
salário; a subordinação ao controle organizado da administração; o risco comum do
desemprego; a participação do processo de homogeneização indireta do trabalho
em função do monopólio de representação exercido pelos sindicatos e, finalmente, o
partilhar do sentimento coletivo de orgulho quanto ao reconhecer-se como
trabalhador(3).

Estes pontos teriam perdido seu potencial determinador das relações sociais
uma vez que, agora, nas sociedades capitalistas avançadas, se vivenciaria uma
situação de descentralidade do trabalho, permitindo inclusive um processo de
desagregação da antiga classe operária e por decorrência dos sentimentos de
pertencimento de classe.

Neste sentido, já não poderia ser reconhecida como plenamente válido,


enquanto argumento analítico, a condição determinadora do trabalho a respeito da
consciência e da ação social, visto que não mais ocorreria uma correspondência
entre "variáveis de status sócio-econômico e comportamento político-eleitoral"
(OFFE, 1989b, p.8). Paralelamente, viriam a crescer em importância para as
análises sociológicas novas variáveis como: "sexo, idade, confissão religiosa, status
familiar, identidade étnica, direitos coletivos e reivindicações legais" (OFFE, idem).

A atenção maior dada a estas variáveis vem a se ser, para Offe, um indício
bastante elucidativo das profundas e rápidas mudanças que estariam afetando o
mundo do trabalho; para outros tantos analistas isto seria um sinal revelador do pós-
modernismo. Essas mudanças explicitariam, primeiro, a elástica heterogeneidade
empírica do trabalho na realidade das sociedades capitalistas avançadas ou no
25

conjunto das áreas situadas na periferia capitalista que de algum modo, se


encontrariam inseridas no processo de globalização. Tal heterogeneidade permitiria
que o trabalho perdesse relevância como determinador do "conteúdo da atividade
social" e da "percepção de interesses [ou] estilo de vida" (OFFE, 1989b, p.9), pondo
em cheque a percepção entre os trabalhadores de uma existência coletiva unitária,
derivada da presença ativa de uma racionalidade que, até então, vinha a atravessar
toda a ordem moderna capitalista.

Essas cisões e diferenciações no trabalho far-se-iam acompanhadas cada


vez mais, segundo Offe, por diferenciações de ordem vertical geradoras de uma
ampliação de postos, cuja hierarquização tenderia a distinguir-se acentuadamente
das proposições taylor-fordistas.

A heterogeneidade ou, na expressão de Offe, fraturas no trabalho assalariado


provocaria uma verdadeira erosão dos fundamentos de ordem política e cultural de
qualquer identidade social centrada no trabalho. A observação das diferenciações
do mercado de trabalho(4) contemporâneo permitiria constatar o fato da produção de
bens e, especialmente, de serviços estarem-se deslocando progressivamente para
fora do modelo institucional de trabalho assalariado e das formas contratuais de
regulação do emprego da força de trabalho, ou seja, cada vez mais seriam
assumidos modelos familiares ou domésticos, quando não os da economia informal,
originando o que veio a ser conhecido vulgarmente como "terceirização"(5).

Se de uma perspectiva "objetiva" o trabalho, graças ao recente processo de


reorganização empresarial, estaria perdendo sua capacidade de determinação das
identidades sociais, por outro lado, estariam ocorrendo fatos que evidenciariam
mudanças de ordem subjetiva relativas a compreensão, significado e importância do
trabalho para as populações trabalhadoras.

Aspectos que configurariam uma ética do trabalho, conforme o modelo


clássico elaborado por Weber, na qual o trabalho, além de ser base de
sobrevivência, é também o alicerce de uma vida reconhecida como moralmente boa,
se constituindo, portanto, como um dever e igualmente uma fonte de orgulho, já não
seriam mais unanimemente, ou mesmo majoritariamente, reconhecidos. Neste des-
re-conhecimento dos valores tradicionais operários, não poucos analistas, cujas
26

conclusões são questionáveis, como por exemplo Gorz (1982), anteviram a


presença de novos sujeitos históricos, que se encaminhariam para uma recusa
radical de todo exercício de poder segundo as formas contemporâneas de exercê-lo
e estariam desvinculados de quaisquer teleologias, apenas tendo como seu projeto
político a imediaticidade do desejo, fundado na possível força criadora do
imaginário, ainda que tais proposições em nome de valores "ex-classe",
conformados a partir de "modos de vida" particulares, possam proporcionar
sectarismos indesejáveis ou não-imaginados, como ponderam Heller e Feher
(1995).

Afora a degradação do trabalho livre, que acompanhou toda a história do


capitalismo, também estaria contribuindo para a perda do orgulho de reconhecer-se
como trabalhador, a redução, nas sociedades capitalistas avançadas, das horas
dedicadas ao trabalho assalariado, particularmente fora do setor secundário,
tornando outras experiências sociais mais proeminentes na elaboração da
identidade social (6).

Mas é a ocorrência de um fenômeno, para alguns anteriormente


desconhecido, para outros a radicalização in extremis da constituição do chamado
exército industrial de reserva, que teria abalado a centralidade do trabalho. Este
fenômeno seria o desemprego estrutural, o qual estaria colocando para vários
contigentes da população, em especial os jovens, a possibilidade de viverem sem
ingressar no mercado de trabalho formal, sobrevivendo graças a mecanismos de
auxílio estatal ou ilegais, pondo fim ao ideal keynesiano do pleno emprego. Esta
situação materializaria uma realidade que o progressivo desenvolvimento do
capitalismo, principalmente nas décadas de prosperidade do pós-segunda guerra,
parecia ter eliminado, ao menos na Europa ocidental (excluindo-se os países
ibéricos, o sul italiano e a Grécia) e a América anglosaxônica: a presença
ponderável de homens e mulheres pobres sem perspectiva de trabalho. Hoje, eles já
não mais tenderiam a se reconhecer como trabalhadores ou a valorizar as formas
culturais tradicionais dos trabalhadores (orgulho profissional, valorização política dos
(7)
sindicatos ). Salienta ainda Offe, que ao lado da crescente ampliação do
desemprego estrutural, decresceria a solidariedade entre os trabalhadores - um
valor de grande significado na cultura proletária e tradicionalmente ressaltado pelos
27

mais diversos movimentos políticos de esquerda - constatando-se um manifesto


antagonismo ou hostilidade, não apenas nas camadas médias assalariadas, mas
igualmente entre operários (cujas novas gerações, valorativamente afastadas das
experiências de tentativas de instituição do socialismo, estariam originando a base
de massa de movimentos fascistóides tipo skinheads), para com aqueles que se
encontram na condição de "caronas" do welfare state, isto é, os beneficiários não-
contribuintes dos sistemas de assistência e seguridade social e/ou para com as
massas migrantes que adentram as sociedades capitalistas avançadas em busca de
oportunidades econômicas. Tais sentimentos de xenofobia, segregacionismo e
particularismo alimentariam o conservadorismo político e voltar-se-iam contra
valores políticos (modernos) considerados definitivamente estabelecidos, sugerindo
a possibilidade da emergência de totalitarismos, mesmo em sociedades tidas como
definitivamente democráticas (HELLER e FEHER, 1995); (SANTOS, 1995);
(LUTTWAK, 1994).

É neste cenário político-econômico e diante do conjunto das questões


levantadas por Offe, que as políticas educacionais, orientadoras da conformação,
permanência e expansão dos sistemas escolares, precisam ser analisadas. Deve-se
ressaltar a condição de tais políticas serem integrantes da esfera mais ampla das
políticas sociais desenvolvidas pelo Estado moderno que, sobretudo nas sociedades
ocidentais de maior industrialização, mais do que nunca, teria desprendido esforços
no sentido de evitar configurações de conflito social. Hoje, os resultados destas
políticas demonstrariam, sintomaticamente, a ineficácia das diferentes tentativas de
fazer o trabalho retornar à condição de categoria central da existência social dos
homens(8), atenuando os efeitos do desemprego estrutural e da degradação da vida,
o que parece desmontar, à primeira vista, o tripé analítico trabalho-escola-estado.

Contudo, se a possível crise das "sociedades do trabalho" (que em outra


linguagem poderia ser caracterizada como de reprodutibilidade da acumulação do
capital) acentuaria as dificuldades dos sistemas escolares em se mostrarem
efetivamente funcionais à concretização dos interesses explicitados como cruciais à
permanência em equilíbrio do sistema social, aqueles já manifestariam, ab ovo,
sinais de "desfuncionalidade" independentes do acirramento desta crise.
28

Isto por ser altamente questionável a adequação inequívoca entre o "sistema


escolar moderno", em sua forma predominante de organização (a disposição dos
educandos em três níveis distintos de status e "autoridade escolar": ensino
fundamental, ensino médio e ensino superior) e o sistema econômico capitalista.
Apesar dos sistemas escolares procurarem oferecer cursos, programas curriculares,
meios alternativos de universalização do ensino, etc., buscando cumprir um papel
de fornecedor da qualificação da força de trabalho conforme as necessidades dos
diversos setores da economia, especialmente do secundário e do terciário, tende a
ser falsa a tese da crescente demanda empresarial por trabalhadores qualificados,
mesmo quando, hoje, se divulgam preocupações empresariais com a formação de
um tipo "novo" de trabalhador, dotado de características que extravasariam ou se
contraporiam àquelas da regra taylorista.

Voltando a Offe, a falsidade de tal tese é verificável se atentarmos para o fato


dos interesses empresariais apontarem como razão primordial do crescimento dos
investimentos em tecnologia a possibilidade da redução do grau de dependência
para com uma força de trabalho qualificada de custo mais alto e que a capacidade
do capital realizar a liquidez dos meios de produção (vendendo-os após certo
tempo) é absolutamente distinta da do trabalhador. Este último não pode
rejuvenescer como o capital (que substitui os velhos equipamentos por novos). Nem
mesmo através da propalada requalificação (seja esta pensada sob as formas da
"polivalência" ou da "politecnia"(9)) seria possível realizar a "liquidez" de sua
mercadoria: a força de trabalho. Lembremo-nos ainda, que na história do
capitalismo a procura por uma apropriação dos saberes particulares dos
trabalhadores assalariados já era anterior à generalização das técnicas
organizacionais tayloristas. Portanto, inversamente à situação de constante
demanda por trabalhadores qualificados, o que teríamos seria uma oferta
permanente por parte dos sistemas educacionais de trabalhadores cada vez mais
escolarizados, permitindo aos empresários assumirem uma posição mais seletiva.
Títulos e requisitos escolares se constituiriam muito mais em elementos de um
processo de elevação fictícia de qualificação(10). O próprio tempo passado no interior
da escola, compreendido como utilizado no aprendizado de conhecimentos e assim
parte da preparação profissional, não apresentaria uma relação direta e necessária,
pelo menos quanto ao conteúdo, com o cumprimento das tarefas realizadas no
29

interior das empresas, mas sim realizaria o papel de postergar o momento de


ingresso no mercado de trabalho.

Contrariando ainda uma correlação direta entre necessidades econômicas e


processos de escolarização, podemos dizer, acompanhando a análise de Petitat,
que em tempos de brutal redução das possibilidades de pleno emprego, não foram
bloqueados, de modo direto, os acessos à escola, "ao contrário; a escola absorve
uma parte dos desempregados. Os jovens são poupados assim durante alguns anos
da penosa busca de trabalho, e o Estado também é beneficiado sob o ângulo
político" (PETITAT, 1994, p.266), mas o que não lhes impede de uma vez terminada
sua permanência na instituição escolar, seus "anos de escola", reivindicar com
maior intensidade lugares no mercado de trabalho formalmente condizentes a seus
títulos escolares. Por sua vez, a ideologia meritocrática, amplamente difundida nas
sociedades capitalistas, não é pura e simplesmente uma consciente mistificação que
as classes dominantes imporiam aos subalternos. Ela faz parte da cultura burguesa,
enquanto instrumento legitimador de suas aspirações e de seu poder de classe, com
todas as suas contradições e ressonâncias em outras classes sociais, desde os
seus primórdios. E, em vista disto, os empresários, mesmo que de modo confuso,
encontram no meritocratismo (que não tem como fundamento de legitimidade a virtú
maquiavélica, mas sim a ascese frankilliana, aliás muito presente nas práticas das
instituições escolares modernas) uma de suas crenças, cujos efeitos são sentidos
no processo de seleção da força de trabalho (a imagem dos mais escolarizados
como sendo ou devendo ser os indivíduos mais diligentes, inteligentes e sensatos)
e, igualmente, em boa parte das controvérsias pedagógicas sobre a elaboração dos
currículos escolares, como referido por Apple (1989), Gentili (1994) e Petitat (1994),
particularmente nas concernentes às relações entre conteúdos disciplinares e
preparação para o trabalho.

Seria possível também perceber a "desfuncionalidade" do sistema escolar por


uma via "negativa", isto é, pela análise confirmatória da impossibilidade de
concretização dos objetivos anunciados por seus quadros burocráticos. Através de
discursos e ações, as burocracias educacionais, de modo permanente, procuram
reafirmar a necessidade de cada vez mais serem criados programas e projetos para
atenderem a novas demandas sociais. Mas, para Offe, estas atitudes seriam sinais,
primeiro, da própria situação de subalternidade em que se encontram essas
30

burocracias frente a outras instâncias políticas de decisão do Estado moderno,


obrigando-as a, de modo constante, proclamarem retoricamente a sua importância e
a função socialmente terapêutica das práticas escolares, o que não seria preciso
caso as ações por elas realizadas fossem realmente importantes. Em segundo
lugar, demonstrariam também a inviabilidade da concretização das aspirações
maiores destes segmentos burocráticos, isto é, de possuírem uma real autonomia
para a definição tanto dos seus projetos como dos recursos públicos exigidos para
sua materialização; das suas dificuldades, quase impossibilidades, em engendrarem
fortes alianças políticas e promoverem, intramuros, lobbies efetivos sobre os
poderes governamentais, demonstrando assim a ocupação de um espaço
privilegiado no campo político.

Ao argumentar sobre a irrealidade da função qualificadora da força de


trabalho exercida pela escola, pelo menos quanto ao oferecimento de conhecimento
relacionado ao conteúdo das tarefas econômicas, Offe (1990) considera que a
atenção dos analistas deve ser deslocada para o que chama de qualificação social
oferecida pelas instituições escolares. Esta qualificação social se constituiria no
conjunto de dispositivos e hábitos capazes de possibilitar não somente os
comportamentos próprios ao exercício do trabalho, como igualmente às atitudes
quotidianas numa sociedade onde predomina a lógica do mercado e do lucro.

À primeira vista, tais afirmações induzem-nos a considerar que estamos


diante de um representante daquilo que um certo de tipo de análise precipitada
denominou de "teóricos reprodutivistas" (CUNHA,1994; SILVA, 1992), porém a sua
crítica aos que buscam a caracterização da funcionalidade dos sistemas escolares
aponta para um aspecto nem sempre levado adequadamente em conta, pois que é
compreendido como um sinal da quase inevitável adesão a proposições radicais,
quando por vezes restringe-se, na verdade, à luta em defesa de interesses pontuais.
Tal aspecto seria a potencialidade crítico-contestatória dos segmentos sociais
subalternizados que vivenciaram um processo maior de escolarização, ou seja, a
tendência dos trabalhadores mais escolarizados apresentarem posturas mais
contestatórias, tanto em relação às suas condições de trabalho, como a outros
aspectos do cotidiano de suas vidas. Por uma, aparentemente, sutil ironia -
reveladora da unilateralidade de diversas análises construídas a partir das
31

categorias de "resistência cultural" e "significado" (11) ou das abordagens


"multiculturalistas" e suas idealizações dos processos de autonomia política dos
socialmente subalternos - a escolarização levaria à não-integração plena dos
trabalhadores (manifesta em aspirações sociais que, em princípio, estariam acima
de seu posicionamento na hierarquia social) (SILVA, 1992; ENGUITA, 1989),
enquanto, como analisou Willis (1991; 1993) em seu conhecido trabalho sobre
jovens escolares ingleses de origem operária, o processo de desescolarização (o
abandono mais ou menos voluntário da escola), afirmaria, ainda que sob uma
pretensa vestimenta de rebeldia e resistência à cultura burguesa escolar (uma
contra-cultura escolar proletária) mesclada com ressentimento e devidamente
acompanhada de todos os, aliás rapidamente apropriados pela indústria cultural,
ornamentos estéticos - roupas, gestos, modos de fala - imprescindíveis ao desenho
do pseudo-inconformismo, o conformismo necessário à dominação passiva: à
naturalização do social e à "hegemonia do senso comum" (WILLIS, 1991, p.199), à
reprodução normatizada das relações de classe, etnia e gênero, afora é claro, à
divisão trabalho intelectual-trabalho manual. Embora possa ser entendido, como
uma manifestação da particularmente tardia forma de integração de segmentos das
classes subalternas à cena política, sobretudo em sociedades periféricas ou
semiperiféricas, este "efeito" anti-ordem da escolarização dos subalternos (que
romperia com o "espontaneísmo" desta contra-cultura escolar de proletários ou
pequeno-burgueses de baixa extração), é similarmente reconhecido por Moíses
(1994) e também, ainda que com menor ênfase, por Poulantzas (1976), no que diz
respeito à transformação da cultura política de diversos segmentos sociais
subalternizados de sociedades latino-americanas ou européias, que vivenciaram
nas últimas décadas processos de democratização. Como assinalou Silva,
criticando abordagens aligeiradamente mecanicistas: "Não é a relação dos
indivíduos de uma classe com uma instituição que fazem com que suas
subjetividades sejam dominantes ou dominadas. É antes a natureza de suas
relações globais com um conjunto de instituições, incluindo principalmente suas
relações com os meios de produção, que determinam sua posição em relações de
dominação/subordinação. A subordinação temporária nas relações de autoridade
frente a uma instituição educacional pode mesmo ser o preço a pagar para garantir
uma posição dominante na esfera econômica" (SILVA, 1992, p.131).
32

Contudo, ao mesmo tempo que a escolarização, não apenas pelo que é


ensinado mas também através do que é vivenciado na escola (SILVA, 1992, p.68),
pode lançar-se à condição de base de questionamentos da rigidez técnico-
burocrática dominante na produção capitalista (ENGUITA,1989) e dos arranjos
sociais desta mesma sociedade burguesa, igualmente têm, progressivamente, se
acentuado as manifestações de - o que Offe não chega a tratar em detalhes -
oposições, choques ou conflitos abertos e "não-civilizados" contra as normas
estabelecidas de cidadania e para as quais a escolarização parece não ser
"antídoto" suficiente.

De uma forma ou de outra, pela crítica feita concomitantemente aos modos de


exercício da cidadania, mesmo de uma cidadania pautada por aspirações mais
próprias de uma democracia direta (BOBBIO,1986), ou pela emergência
contestatória de traços não-democráticos ou "despolitizados" (caso dos conflitos
urbanos entre gangues ou interétnicos, que povoam a realidade das populações
pobres das metrópoles de todo mundo), a funcionalidade da escolarização, no
sentido de ser um elemento da perpetuação do status quo, ou seja, da estabilidade
e governabilidade contemporâneas, esta última no sentido foucaultiano da produção
de sujeitos e de sua conduta (FOUCAULT, 1979; MARSHALL, 1994), mostra-se
irreal. E sobretudo quando a crise das "sociedades do trabalho" se amplia na
concretização internacionalizada de fenômenos como: desemprego estrutural,
terceirização e globalização, cujos efeitos econômicos, políticos e culturais parecem
se apresentar na contramão das esperanças, próprias da modernidade, relativas às
possibilidades do progresso geral da humanidade e ao papel redentor, segundo a fé
iluminista da razão esclarecedora (DEACON e PARKER,1994), a ser
desempenhado pela escola. E não é diante deste quadro que os educadores
colocam seus atormentados dilemas sobre o que e a quem ensinar, que
conhecimentos poderiam ou deveriam auferir o direito de serem propagados pela
escola (FORQUIN,1993)?

Se forem justas as observações apontadas a partir da análise de Offe sobre


as "disfuncionalidades" dos sistemas escolares - seu contributo à intensificação das
dificuldades da governabilidade nas sociedades modernas - por que da continuidade
dos investimentos na universalização do acesso à escola e o esforço pelo
prolongamento da permanência dos indivíduos na mesma? Não seria, então, o
33

momento - contradizendo toda a "superstição esclarecedora dos iludidos crentes da


fé iluminista" ou aos críticos da "transformação das ações escolares igualizadoras e
libertárias em repressivas e não-igualitárias" (SARUP,1986) - de promover-se o
abandono de tal instituição, cada vez mais disfuncional, adotando-se, embora
invertendo seu vetor ideológico, a tese illichtiana da desescolarização? Mesmo
reconhecendo que a escolarização posterga por alguns anos a demanda imediata
das novas gerações (contudo não a elimina) por vagas no mercado de trabalho, não
estaria sendo ilógica, do ponto de vista dos interesses dominantes nas sociedades
modernas, a alocação continuada de recursos para a educação escolar? Quando é
apontado como o mais feliz destino da maioria da população exercer um trabalho
degradado e desqualificado e a apatia - rompida por esporádicos e espasmódicos
surtos de insurgência - a tônica do comportamento político (ARENDT,1991;
SENNET,1988), não seria mais pertinente universalizar unicamente o domínio
sumário da leitura e da escrita (já que enfim vive-se numa sociedade letrada), das
operações matemáticas iniciais, de noções vagas sobre a superioridade das
ciências ao lado de determinados valores morais, saberes suficientes para a
formação dos necessários analfabetos secundários, negativamente socializados
(SILVA,1992)? Analfabetos, pois que, como os caracterizou Frago, tiveram acesso
apenas a arremedos de conhecimento e cuja imagem individual é a de alguém "de
memória atrofiada, atenção fugaz e dispersa, desinformado pela sobre-informação
trivial, consumidor qualificado e incapaz, acrescentaríamos, de esboçar um discurso
oral minimamente prolongado, ameno, correto e preciso, isto é, completo e
significativo. Seu mundo, seu meio ideal, é a televisão." (FRAGO, 1993, p.23)? Não
deveria ser o contato com os níveis complementares de conhecimento, inclusive no
que diz respeito a produção e gestão econômica, decorrente de um modo mais
efetivo e excludentemente rigoroso de seleção escolar?

Não haveria de ser esta a ação politicamente coerente, particularmente agora,


quando a lógica do mercado é apresentada pelos arautos do liberalismo renovado
como a forma efetiva e regular, para não se dizer natural, das relações entre
indivíduos e grupos sociais, naturalizando-se tanto a competição quanto a
desigualdade, definindo como simples e pueris devaneios as aspirações por modos
igualitários de ordenação da sociedade, os quais teriam, quando feitos objetivos
políticos de movimentos sociais de aspiração libertária, somente gerado as
34

historicamente desastrosas experiências do "socialismo real"? Ante, então, a


finalmente reconhecida superioridade do mercado, por que a oferta do
conhecimento - em suas várias formas e versões - não ser regida por aquele,
declinando o Estado de seu papel de ofertante e executor da escolarização, para
circunscrever-se somente a uma atitude mais propriamente orientadora? Por que os
assuntos educacionais não regerem-se em conformidade ao receituário
neoconsevador de minimização do estado, quando nos é anunciado que,
gloriosamente, a "história chega ao seu fim"?

Mas como, ao contrário de uma maior ou menor restrição deliberada do


acesso à escola, sempre sonhada pelo conservadorismo mais explícito
(WILLIS,1993; PETITAT,1994), ainda deparamo-nos - em tempos em que
intensificam-se as práticas transnacionais, os blocos regionais e a autonomia do
Estado nacional parece desaparecer - com a permanência dos esforços estatais (e
nacionais) em prol da escolarização generalizada, permitindo o perdurar da questão:
por que a universalização da escolarização (tal como a formação dos quadros
escolares) é um campo de intervenção direta do Estado, fazendo com que,
conforme sublinhamos anteriormente, a educação se constitua em direto objeto de
políticas sociais?

Neste sentido, em especial quando um certo açodamento interpretativo em


nome do processo de globalização em curso toma como anacrônicas as questões
relativas à problemática do estado nacional, são muito oportunas as observações
de Boaventura Santos sobre a permanência da validade analítica da categoria
estado, bem como da capacidade interventora que o mesmo, ainda que de forma
descentrada, continua exercendo sobre a sociedade civil. Como o próprio
Boaventura afirma, ante o disposto pelos novos tempos, em que acentua-se por
movimentos políticos e teóricos a descentração do estado nacional, apesar de tudo
e por isto mesmo,: "no nosso cotidiano raramente somos confrontados com o
sistema mundial e, ao contrário, somos obsessivamente confrontados com o Estado,
que ocupa as páginas dos nossos jornais e os noticiários das nossas rádios e
televisão, que tanto regulamenta a nossa vida para a regulamentar como para a
desregulamentar. Será então, o Estado nacional uma unidade de análise em vias de
extinção, ou pelo contrário, é hoje mais central do que nunca, ainda que sob a forma
ardilosa da sua descentração? ...Será que a sociologia é parte da armadilha ou
35

parte do mecanismo que permite desarmar? (SANTOS, 1995, p.20). Observações


de igual sentido quanto à permanência interventora da presença do Estado,
sobretudo enquanto estratega do campo econômico, são feitas por Fiori (1995;
1995b), que contundentemente rejeita a presença ou existência de um paradigma
analítico desqualificador da ação contemporânea do estado nacional, o qual não
esteja equivocamente fundado, ou pior, que não seja mero artifício ideológico.

Mas visto que a ação interventora do estado na sociedade, particularmente


quanto à escola, não vem a ser o nosso objeto principal, nos limitaremos a indicar
alguns pontos referentes às mediações das agencias estatais no campo
educacional. Faremos isto, por termos como pressuposto que as tentativas de
análise sobre a ocorrência e a permanência da ação estatal no campo da educação
escolar, devem levar em consideração os determinantes desta indiscutível presença
da escola nas sociedades modernas. Em última instância, é esta presença que
termina por explicar a contínua ação interveniente do estado na ordem escolar.
Desta forma, procuraremos responder, de modo mínimo, ao por que da educação
ser ainda uma esfera de competência predominantemente estatal, pois esta
intervenção, embora como efeito indireto, produziu - e continua produzir - a
constituição de um corpo profissional ordenado e especializado no trabalho escolar,
ou seja: o magistério moderno e os demais "especialistas" da pedagogia.
Conseqüentemente, também a reprodução deste corpo profissional tornou-se,
gradativamente, objeto de uma atenção política particular da parte do aparelho de
estado. Assim, não se trata aqui de empreender uma reconstrução do percurso
histórico dos empreendimentos sob o encargo do estado moderno no sentido da
promoção da universalização do acesso à escola. Muito longe disto, restringimo-nos
exclusivamente, mediante um olhar diacrônico, a discernir os possíveis e principais
interesses proponentes dos modos desta intervenção e a polimorfia - enquanto
respostas a presença destes interesses - dos atos provenientes dos aparatos
estatais, realizados em momentos conjunturais e espaços regionais distintos. Por
sua vez, é nítido que reconhecemos haver, no curso da história das sociedades
modernas, quase uma imbricação entre a existência da escola e a ação
escolarizante do Estado, mesmo quando esta última foi mediada por instituições
não-estatais, legalmente definidas como de âmbito privado e geralmente de
confissão religiosa. Buscamos, deste modo, escapar às dificuldades produzidas por
36

perspectivas analíticas menos atentas ao percurso histórico, portanto


privilegiadoras de abordagens sincrônicas, sobretudo quando, mesmo
inconscientemente, vêm a dotar as estruturas sociais de uma certa perenidade e
(12)
impermeabilidade à força dos agentes sociais ou que, embora observando as
nuances do processo histórico da educação, secundarizam a específica
singularidade da escolarização ocidental, apreendendo a escola quase como que
sempre presente, portanto transhistoricamente instituída, nas sociedades
(13)
humanas .

Estado, escolarização e individuação

A interseção da progressiva universalização da educação escolar com a


conformação dos estados nacionais já foi por diversas vezes assinalada, sendo, em
geral, pensada como:

a) Decorrência da paulatina extensão ao conjunto das classes subalternas


dos direitos de cidadania, isto é: os direitos civis, políticos e sociais, com as
conseqüentes instituições garantidoras de sua efetivação, ou seja, os tribunais, os
órgãos representativos de tipo parlamentar, os órgãos de assistência social e as
escolas. Entre os direitos civis, incluía-se o de todos terem assegurada, ao menos,
uma educação elementar. Sabemos que a obtenção do acesso à escola foi
compreendida, por analistas das mais diversas correntes teóricas e
posicionamentos políticos, como resultante, ora das pressões populares por
escolarização, ora de intencionais projetos estatais visando a aquiescência - sob
múltiplos mecanismos disciplinares - das classes trabalhadoras e subalternas
quanto à legitimidade da ordem burguesa ou mesmo como uma mescla de todos
esses fatores, onde uma ou outra variável poderia vir a ser predominante;

b) um dos mecanismos através dos quais se possibilitou a concretização da


aliança entre as grandes burguesias nacionais e segmentos das classes médias,
que passaram a ocupar maciçamente, fosse na condição de estudante, fosse na
condição de funcionário, os espaços institucionais dos sistemas escolares nacionais
estruturados, de modo progressivo, desde a segunda metade do século XVIII,
embora com maior vigor a partir de meados do século XIX, na Europa ocidental e
nos EUA, cujos modelos posteriormente, com variações e adaptações locais, se
37

disseminaram mundialmente. O exercício das atividades profissionais escolares se


constituiria num tradicional meio de garantir a esses segmentos posicionamentos
menos desfavoráveis nas relações entre classes, evitando assim o perigo do
declínio social, representado in extremis. pela ameaça de proletarização.

c) resultante das exigências do modo de produção capitalista quanto a


constituição de um aparato institucional, sob égide estatal, voltado para a
adequação moral-intelectual dos detentores da força de trabalho às características
das relações sociais de produção capitalistas, estabelecendo-se uma relação
isomórfica entre estas últimas e as relações sociais desenvolvidas na escola.

Estas três maneiras de conceber as relações escola-estado moderno


convergem para demarcar a escolarização como um processo que, embora tenha
origens em épocas que remontam até mesmo o período medieval europeu, vem a
se manifestar no decorrer dos séculos XIX e XX sob as formas de exigência político-
econômica e/ou direito social. Tais maneiras, por sua vez, se encontram
intimamente relacionadas a problemáticas ontológicas das ciências sociais, que
percorrem toda a sua história, relativas a abordagens objetivistas ou subjetivistas,
hoje expressas nos debates entre holistas (coletivistas) e individualistas
metodológicos (REIS,1989; BORDIEU,1972; 1983 e 1991). Elas tendem, de modo
privilegiado, a voltarem-se explicitamente para a apreensão de uma ou outra face da
dualidade constituinte dos sistemas escolares ocidentalizados, propiciando um
debate, não raro circular, entre os pesquisadores preocupados em produzir uma
apreensão crítica das práticas escolares, materializado na controvérsia entre os
adeptos do inevitável caráter reprodutor das relações sociais inerentes à vida
escolar e os defensores das possibilidades de ocorrência de ações crítico-
contestatórias (contrahegemônicas) em meio às práticas pedagógicas. Em suas
versões mais vulgares e próprias ao senso comum, ambas tendem a ser
instrumentalizadas como armas de luta política das facções concorrentes nos
(14)
campos intelectual e político .

Entretanto, mais do que contrapô-las umas às outras, no sentido de identificar


a primazia ontológica de cada uma delas, interessa-nos articulá-las entre si, não
para afirmar a positividade explicativa de que são portadoras - algo em momento
algum possível de deixarmos de relevar - porém intencionando demonstrar que
38

todas três terminam por não apreender um elemento fundamental na determinação


da existência obrigatória de sistemas escolares nas sociedades modernas. Para tal,
não procederemos a uma discussão em separado de cada uma das hipóteses
explicativas, mas sim por meio de uma sumária recontextualização da trajetória da
escola no ocidente moderno, indicarmos algumas de suas insuficiências, que nos
permitem desenvolver uma outra alternativa para concebermos os determinantes do
cotidiano do mundo escolar ocidental e, por conseqüência, aquele de uma parcela
de seus membros em especial: o magistério. Tal alternativa funda-se na perspectiva,
de que no ocidente moderno, a escola se configura, aliás dotando-se de uma
originalidade ímpar, em importante componente instrumental do processo de
(15)
individuação , em outras palavras: ela, a escola, é uma (obviamente não a única)
instância constituinte de indivíduos, mediante os diferentes modos de realização e
intervenção das práticas integrantes do que veio a ser genericamente denominado
(16)
como sendo seu currículo oculto .

É claro que poder-se-ia dizer que estamos reproduzindo velhas afirmações


sobre o capital cultural, ainda que com uma inversão do posicionamento dos seus
vetores constituintes. Que estaríamos, tal como certas leituras restritivas dos
trabalhos de Bourdieu, atribuindo a uma instituição, no caso a escola, a condição de
ser o espaço mais importante para a transmissão e reprodução do capital cultural às
novas gerações, sendo tal capital cultural legitimado por meio de uma ativa
incorporação pelos estudantes de um habitus condizente às suas determinações de
classe, confirmando-se, assim, o modo de distribuição do capital cultural na
sociedade e sua hierarquia de classes. Nada mais longe de nosso objetivo ou
intenção do que "reproduzirmos a lógica dos teóricos reprodutivistas", pois, em
primeiro lugar, como fizemos menção anterior consideramos restritiva e equivocada
a interpretação, que certos críticos fizeram da obra de Bourdieu e que infelizmente
fez escola no pensamento pedagógico brasileiro, tornando um autor da mais alta
importância em um mero intelectual conformista e pessimista, incapaz de conceber
as possibilidades de transformação das práticas pedagógicas ou de ver a escola
como um lugar ativo para a insurgência e a contestação, dado que tanto sua teoria
sobre a prática social, como sua teoria sobre os campos existentes na sociedade,
não são abordadas pelos seus comentaristas da área de educação, salvo raríssimas
exceções.
39

Em segundo lugar, por considerarmos que a individuação, característica


singularizadora das sociedades ocidentais a partir do final dos tempos medievais,
viria a ser, ao nosso ver, uma das "causas muito mais gerais" que Petitat alude ao
discorrer sobre os limites da eficácia da dominação exercida na escola por aqueles
que são, no contexto geral da sociedade, dominantes: "Os grupos dominantes, que
falam em nome de toda a sociedade e que identificam a sobrevivência desta
sociedade com a sua própria, desempenham um papel fundamental na orientação
das instituições escolares, na seleção de seus conteúdos simbólicos, de suas
práticas e de seus públicos. A história nos ensina, contudo, que estes grupos jamais
conseguem controlar completamente um processo evolutivo que foge de seu
alcance, porque é conseqüência de causas muito mais gerais que as relações de
dominação ou que os conflitos sociais" (PETITAT, 1994, p.200). Assim sendo,
devemos compreender que a escolarização das sociedades modernas (mesmo as
que são atipicamente modernas (DA MATTA,1983) não pode ser enquadrada nos
limites de uma dicotomia, que a explica ou como uma necessidade estrutural do
desenvolvimento da produção capitalista e da consolidação do estado nacional ou
como a resultante de uma vigorosa luta das classes subalternas em busca de
acesso ao conhecimento e conseqüente ascensão social, mediante a
institucionalização do ingresso escolar indiscriminado. Se na estrutura destes
sistemas coexistem, de modo não-estanque, "redes/espaços" com destinação de
classe (afora gênero e etnia), há nos mesmos o pressuposto ideológico,
historicamente produzido e contraditor de toda legitimação hierárquica, da igualdade
natural entre os agentes que sofrem e/ou sofrerão as violências institucionais a eles
adscritas, bem ao contrário de outros sistemas educacionais ou instrucionais,
também dicotomizados pela heterogeneidade das relações sociais de poder, onde
contudo, explicita-se, como seu princípio fundante, o reconhecimento de uma
desigualdade natural entre os membros da sociedade, para não dizer da
humanidade.

Para nós, as duas faces condicionantes da escolarização, simultaneamente


expressas como necessidade e direito, resultantes concomitantes de
determinações estruturais e interagir dos agentes sociais, são manifestações de
forças sobredeterminadas pelo processo social de individuação.
40

Ao nos referirmos a um processo de individuação e conseqüentemente


trabalharmos com a categoria de indivíduo, torna-se necessário apresentar alguns
esclarecimentos. De imediato, explicitarmos que o processo de individuação não é
concebido por nós nos termos de uma ideologia essencialista, que afirma-se sobre
a pretensa antinomia indivíduo-sociedade, presente na psicologia vulgar, a qual
conseguiu (e dissimuladamente ainda consegue) - acentuadamente no pensamento
pedagógico - algum "estrelato acadêmico", com a sua pretensa conceituação de
atributos atemporais intrínsecos à personalidade dos homens, os quais uma vez
desenvolvidos corretamente - a vida escolar seria momento privilegiado para tal -
possibilitariam a realização, da forma mais livre possível, das "escolhas" (das
relações amorosas, do trabalho, das amizades, etc.) que se fazem ao longo da vida
e também a elaboração pelo indivíduo de sua "auto-conceituação", enfim tornando
os seres humanos, "pessoas".

Em segundo lugar, intentamos afastar-nos o quanto nos foi possível de


perspectivas conceituais que caracterizam esta categoria mediante princípios
normatizadores. Deliberadamente recusou-se a discussão do que denominaríamos
uma imagem romântica do indivíduo, cuja expressão no campo educacional
representa-se, sobretudo, através de uma pedagogia do espírito, elitista, de culto ao
"grande indivíduo", ao "dirigente", ao "expoente cultural", àquele ser que, por
(17)
propriedades ontológicas indiscerníveis, se distingue dos "indivíduos de massa" .
O componente ideológico - empregando-se aqui, novamente, o conceito de
ideologia no sentido de compreensão falseadora da realidade - e o reacionarismo
político desta idealização do indivíduo, já foram tantas vezes ressaltados que é
desnecessário retornar às críticas dos mesmos. Por outro lado, nossa análise
mantém-se também distante de preocupações de teor igualmente normativo, mas
direcionadas em sentidos político e filosófico opostos. Buscamos não ingressar em
discussões, que em última instância, se definem por tentativas de apreensão ou
elaboração de meios processuais de produção ou recuperação do "bom indivíduo",
isto é, dentro do contexto da tradição iluminista, do indivíduo autônomo, as quais,
infelizmente de modo não raro, terminam enveredando por um disfarçado
etnocentrismo evolucionista, sempre qualificador dos "outros", não-ocidentais e
não-modernos, por uma ausência diferenciadora: sem história, sem estado, sem
tecnologia, sem subjetividade. Tal tradição intelectual reclama a "universalidade sem
41

se dar conta de que permanece sob muitos aspectos instalada em sua


particularidade" (CLASTRES, 1990, p.14), ao conjugar o indivíduo - tal como este
se configura nas sociedades ocidentais modernas - com o exercício da liberdade, ou
ainda ao postular a racionalidade destes mesmos indivíduos ocidentais modernos
como superiormente distinta da lógica dos "selvagens" - mistificação etnocêntrica
que foi alvo da crítica de, entre outros, Levi-Strauss (LEVI-STRAUSS,1962) - e que
ainda se faz presente hoje, mesmo subrepticiamente, tanto quando são
estabelecidas homologias, pelo deslocamento de modelos conceituais, entre o
processo de desenvolvimento cognitivo individual e o desenvolvimento normativo de
sociedades (HABERMAS,1983), como quando um certo relativismo antropológico de
matiz pós-moderno pode vir a alimentar propostas multiculturalistas de disfarçado
conservadorismo, apesar de todo o seu pretenso radicalismo iconoclasta (SOARES,
1990; CUNHA, 1991).

Destarte, questões sempre presentes no debate filosoficamente orientado


pelo pensamento marxista como, por exemplo a da alienação, não são objeto de
nossa atenção.

Tal opção, terminou por implicar - bem possivelmente empobrecendo ainda


mais os limites deste nosso trabalho - em um certo distanciamento do referencial
frankfurtiano que, embora permeado por uma tensionante dúvida quanto às
reduzidas possibilidades de vitória, na modernidade, de uma razão ainda
esclarecedora, é particularmente rico no tocante a uma apreensão crítica dos efeitos
políticos dos procedimentos escolares (ADORNO,1986; 1991; 1995;
HORKHEIMER,1990), especialmente, sobre a importância da educação contribuir
para a desestruturação da heteronomia política e cognitiva dos indivíduos ou, ao
contrário, constituir-se em um obstáculo fortíssimo à autonomia e, por decorrência,
ser um elemento de viabilização da apatia política e dos totalitarismos, da
"desumanização" dos indivíduos no mundo contemporâneo. Tal orientação levou-
nos a não empregar, salvo de modo muitíssimo circunstancial, um autor de forte
presença no atual cenário intelectual como é Habermas, por considerarmos que, em
grande parte as suas análises, se partindo da reflexão sociológica finalizam-se por
situarem-se muito mais no campo de definição de uma ética social, quer dizer,
privilegiam a busca do dever ser e não "meramente" o ser e as tendências que se
mostram a um seu possível devir (ARAGÃO,1992). E como toda ética porta
42

implicitamente uma pedagogia, terminamos, para nos apropriarmos da metáfora


levemente irônica de Forquin sobre as idiossincrasias entre as análise sociológicas
e as esperanças filosóficas dos educadores, "ante o teatro de mal-entendidos
constituído pelas relações entre a sociologia e a educação" (em sentidos mais
propriamente pedagógicos e filosóficos do termo), optando por tentar desempenhar
o papel da primeira personagem (FORQUIN, 1993, p.166).

Tendo por referência algumas das indicações sociológicas clássicas sobre a


originalidade do processo social vivido no ocidente (seja este denominado de
capitalista por Marx, industrial por Durkheim ou moderno por Weber) e todavia, ao
mesmo tempo, buscando não incorrer em um ecletismo que apenas escamotearia
aporias mediante o expediente simples das justaposições, compreendemos o
indivíduo, concomitantemente, como um modo singular de constituição dos agentes
sociais, produzido através de um longo processo histórico, cujas manifestações, em
algum grau, percebem-se presentes nos diferentes contextos sociais de toda a
história da humanidade mas que, em princípio, somente transcorreu com sucesso
no ocidente, graças à conjugação de condições estruturais específicas, parturientes
da chamada "civilização burguesa": a afirmação da propriedade privada moderna, a
intensificação da urbanização, a interdependência dos mercados, a centralização
burocratizada do poder, o cristianismo reformado, a constituição de um aparato
psíquico dotado de uma forte estrutura superegóica, a ruptura com o pensamento
analógico e a conseqüente reconceptualização da natureza, como também, em
decorrência de todas estas mesmas condições, sendo o componente central das
formas de consciência social do mundo moderno. Neste sentido, o indivíduo, ao lado
de ser o modo de existir dos agentes sociais modernos, também é um valor
(DUMONT,1985). Em sociedades não-modernas, da tradição e da hierarquia como
valor, a presença plena da individuação somente é possível mediante uma renúncia,
um afastamento, com maior ou menor intensidade, do agente do mundo das
relações sociais quotidianas, enfim, em tais espaços sociais, individualizar-se é, na
expressão de Dumont, tornar-se um "indivíduo-fora-do-mundo"
(DUMONT,1985;1992).

São atributos principais do indivíduo, com seus conseqüentes efeitos


igualitários e libertários nas esferas de relações sociais em que se desenvolve,
primeiro, o não portar - exatamente por terem sido antes socialmente rompidos ou
43

eliminados - elos de dependência social da ordem do parentesco e/ou da clientela e


segundo, o controle autogerido das paixões. Portanto, o indivíduo é um ser que,
hipoteticamente dotado de uma natureza igual, teria por habitat econômico próprio,
o mercado, por habitat político, a nação e por modo de agir, a adequação racional
dos meios aos seus interesses.

A procura da compreensão da especificidade do ocidente moderno, do que


seria singularmente peculiar à civilização ocidental, terminou por levar Weber à
hipótese da generalização da racionalização e a "averiguar el origen y desarrollo
progressivo del predominio de lo racional en todos los aspectos del espírito y de la
cultura" (ECHAVARRIA,1944,p.XX). Foi esta passagem da dominância da ação
tradicional para a ação racional, não importando se segundo fins ou valores, que lhe
pareceu ser especificamente conotadora da singularidade ocidental. O
estabelecimento de relações entre racionalização e interesse sempre se fez
presente no pensamento de Weber. Seus estudos, ainda dos tempos de juventude,
(18)
sobre as bolsas de valores e a política agrária para o leste alemão já sublinhavam
o "advento de um comportamento racional" entre latifundiários e trabalhadores rurais
alemães, como também nos homens de negócios que atuavam nas bolsas de
valores, permitindo a percepção da presença de condições (próprias do capitalismo)
sob as quais os homens passam a agir orientados, sobretudo, pela realização de
seus interesses "materiais" e não por anteriores códigos de conduta e de honra,
enfraquecendo, de forma incontornável, os laços sociais das antigas comunidades
rurais.

Por outro lado, para Weber os velhos códigos de honra aristocrática estavam
sendo preservados e realçados, pois que, circunstancialmente, exerciam a condição
de mecanismos de distinção de classe e domínio político no âmbito de uma
sociedade onde, embora persistissem práticas patrimonialistas, estas já não eram
um sinônimo do modo de ser de uma classe detentora da supremacia política. O
caso dos junkers alemães do final do século XIX, é neste sentido exemplar: seus
códigos de honra seriam apenas uma falsa e pretensa capa escamoteadora da
defesa dos seus interesses de cunho muito mais materiais e construídos segundo
uma lógica capitalista, por essência racionalista, que se tornara dominante. O
aparente desvelo com a tradição esconderia o nascedouro da modernidade.
44

Embora outras sociedades tenham possuído, em parte, aspectos


encontradiços nas sociedades européias (desenvolvimento comercial, como certas
cidades da China imperial e centralização política - com maior ou menor intensidade
e duração - em diferentes regiões do extremo oriente), o mundo europeu destacar-
se-ia, desde o final dos tempos medievais, pela ocorrência inédita, ainda que
gradual, da racionalização do trabalho e da política, sinalizadas nas tentativas
sistemáticas dos homens de controlar, através de meios racionais, respectivamente,
a natureza e a ordem social, adequando-as aos seus interesses,
instrumentalizando-as. Se, no ocidente moderno, a ordem social foi objeto do poder
de estado e transformou-se da dominação patrimonial do príncipe absolutista,
sucessora da autoridade feudal local e tradicional, na dominação burocrática do
estado moderno, exigindo toda a centralização do poder de exercício da violência
militar e a constituição de todos os aparatos e corpos funcionais necessários ao seu
funcionamento, afora uma reordenação psíquica dos membros da sociedade,
particularmente dos elementos da velha aristocracia feudal, por sua vez, o domínio
da natureza, requereu uma redisposição de atitudes ecológicas dos homens e a
reconstrução da categoria natureza.

Isto porque já não se tratava de se ter, exclusivamente, uma compreensão


passiva da natureza, uma admiração; mas sim, de a definir como um engenho de
ações regulares e previsíveis (LUZ,1988), a fim de identificar seus componentes,
dimensioná-la em tempo e espaço com precisão matemática, construir a ordem dos
seus determinantes para transformá-la e reproduzi-la tecnologicamente, romper com
sua aura sacra, em suma, fazê-la objeto, sujeitá-la. Racionalizá-la através de um
tipo específico de conhecimento - o das ciências - que se pauta por uma concepção
, onde o motivo fortuito, o acaso, ao contrário do saber mágico, não é admissível
como causa válida. Antropomorfizar a natureza, nada mais seria do que sucumbir a
ingenuidade das mitologias. A procura da união mítica com a natureza, manifesta no
ideal de atingir-se o nirvana ou no mito homérico da flor de lótus, não passaria de
um equívoco, uma ilusão. A felicidade humana soe ser possível pelo domínio
racional da natureza e do autocontrole (MATOS,1989). O desconhecido, em tal
perspectiva e independente de poder ser ou não potencialmente hostil, nada mais é
do que, senão, o real ainda não racionalizado.
45

Tais disposições, comuns ao viver moderno segundo Weber, vêm a se


configurar enquanto resultantes da intermediação e conjunção de diferentes fatores,
produzindo, ainda que não conscientemente desejados, a dessacralização e a
burocratização do mundo. Embora, na perspectiva weberiana, nenhum fator
pudesse vir a ocupar uma explícita posição de determinação do processo de
racionalização, ao menos de modo comparável à determinação, em última instância,
pela estrutura econômica das formulações marxianas, alguns teriam tido maior
significação para a afirmação da vida privada e a formação de habitus racional nos
indivíduos, onde sobressaem os procedimentos reservados, norteados por uma
ética de conduta calculista, baseada na probidade econômica e na moral da
barganha. São fatores a destacar: a dissolução do espírito da comunidade medieval;
o declínio da solidariedade decorrente das relações de parentesco; a resistência à
subserviência pessoal (e de uma classe para outra); a conformação do mercado
como uma esfera autônoma, sem interferências intempestivas e abruptas do poder
governamental, permitindo a continuidade dos negócios dentro de um cálculo
racional e onde se fizessem presentes, de modo voluntário, empresários e
trabalhadores, estando estes últimos não submetidos a pressões políticas diretas,
que implicassem em formas violentas de conscrição ao trabalho; a centralização do
(19)
poder político , com o estabelecimento de uma burocracia formada por um corpo
de funcionários civis e militares, verdadeiros pilares do estado moderno e, por fim, a
reforma protestante, afirmadora do apego moral ao trabalho - a matriz do espírito do
(20)
capitalismo .

Em seus estudos sobre as cidades comerciais, Weber assinalou que nestas


seria comum, independente das épocas históricas, ocorrer uma contenção ou
diminuição dos laços de solidariedade motivados por parentesco, contrapondo-se,
desta forma, o proceder urbano ao modo de ser das comunidades rurais, onde
esses laços seriam fortalecidos pela reafirmação continuada da tradição. Assim, o
processo de urbanização, que acompanhou a história européia desde os séculos
XIII e XIV, teria produzido possibilidades mais vantajosas para o desenvolvimento,
no interior dos burgos, de um espírito individualista, na medida em que as relações
de solidariedade desenvolvidas no espaço urbano tinham por base o pertencimento
às corporações e confrarias, cujo ingresso era feito por indivíduos e não por grupos
familiares ou clãs. A própria entrada ou permanência na cidade vinha a ser um
46

acontecimento de âmbito cada vez mais individual e não coletivo. Neste ponto,
existe uma proximidade entre Durkheim e Weber, pois aquele ao sinalizar, com
preocupações bem distintas das weberianas, para o fato das corporações serem
sempre urbanas e de que o pertencimento obrigatório a uma delas, à moda de cargo
hereditário, foi permanente alvo de contestações por parte dos seus membros -
ingressava-se numa corporação, não nascia-se em seu interior - reafirma a
presença histórica de matizes ideológicos individualistas, caros ao espaço urbano
(DURKHEIM,1974).

Este individualismo, já latente no interior das corporações de ofício, se fez


acompanhar da formação de hábitos de racionalização. O agir dos comerciantes das
ligas hanseáticas ou da bolsa de valores de Londres são exemplos, para Weber, da
conformação de um tipo de ação definidora do comportamento econômico dos
burgueses ascendentes, que só fizeram prosperar na medida em que a
regulamentação da vida pública, dentro do processo de configuração do estado
moderno, tornou-se, gradativamente, cada vez mais burocratizada e
despersonalizada, permitindo a continuidade dos negócios dentro de um cálculo
notadamente racional quanto aos custos e benefícios que poderiam ser auferidos do
esforço pessoal, isto é, do trabalho realizado sob formas também racionalmente
organizadas.

Segundo Bendix (BENDIX,1986), os grupos urbanos comerciais, para Weber,


tenderiam a realizar no campo religioso uma racionalização distinta da apreensão
mágica do mundo, algo mais comum e peculiar às classes rurais. No caso ocidental,
afora o crescimento das cidades, também o cristianismo teria contribuído para a
dissolução ou atenuação dos laços de solidariedade fundados no parentesco ou na
clientela, permitindo o prosperar de um certo sentimento de auto-reconhecimento,
de ser dotado de um self. Enquanto religião universalista, o cristianismo, ao
contrário de outras tantas religiões messiânicas da antigüidade, objetiva a salvação
de indivíduos particulares, independentes de seu pertencimento quanto a linhagem,
etnia, gênero, nação ou classe. Inexiste a deificação de uma família ou clã ou a
promessa de salvação especificamente para um povo. A salvação é sempre de
ordem pessoal, tendo, portanto, um caráter particular e não coletivo.
47

De modo bastante semelhante a Weber, Arendt (1991) sublinhou o peso do


cristianismo para o processo de individuação, pois ao secundarizar-se toda
preocupação mundana em prol de uma felicidade pós-morte, sobrelevasse a
importância do indivíduo em si mesmo, ressaltando sua intenção de obter a
salvação e produzindo uma inversão na visão de imortalidade. Se para os antigos
gregos a imortalidade seria alcançada pela memória dos grandes feitos, portanto em
meio a esfera pública, com o cristianismo a imortalidade se conscreve à esfera
privada, ao domínio do íntimo. Retomando a análise weberiana, o favorecimento do
processo de individuação, por via religiosa, manifestar-se-ia desde o surgimento dos
movimentos heréticos que prenunciam o iniciar dos tempos modernos, acentuando-
se ainda mais pela emergência da reforma protestante, dado que a lógica puritana
advogava e enfatizava, mesmo não intencionalmente, a impessoalidade. Pela fé
reformada, o crente relacionaria-se, de modo direto e sem intermediários, com o
seu deus, o qual, de antemão, já teria definido, desde todo sempre, os escolhidos
para a salvação.

Dividida entre uma moral passiva, niilista e o apego árduo a obras capazes de
propiciar alguma incerta esperança pessoal de salvação, a conduta humana
terminaria por se prescrever segundo uma relação meios/fins, visto que todo
elemento de ordem mágica, capaz de alterar as determinações de um plano
atemporalmente preestabelecido, tinha sido alijado do mundo, por ser, em essência,
demoníaco. Apesar de todas as preocupações cristãs voltarem-se, segundo seus
dogmas, para uma existência dominantemente espiritual, traduzida em sua
concepção particular de imortalidade, elas colaboraram singularmente para a
equalização das atividades mundanas e do estatuto dos seus realizadores. Por
contrapartida, como ressaltou Arendt, aqui novamente aproximando-se de Weber, o
cristianismo colaborou para a ordem moderna e a individuação, pois promoveu "um
aumento ainda maior da importância da vida na Terra. O que importa é que o
cristianismo... sempre insistiu em que a vida, embora não tivesse um fim definitivo,
tinha ainda um começo definitivo. A vida na Terra pode ser apenas o primeiro e mais
lastimoso estágio da vida eterna; ainda assim, é a vida e, sem essa vida que termina
com a morte, não pode haver vida eterna. Talvez resida aí o motivo para o fato
indubitável de que somente quando a imortalidade da vida individual passou a ser o
credo básico da humanidade ocidental, isto é, somente com o surgimento do
48

cristianismo, a vida na Terra passou também a ser supremo bem do homem"


(ARENDT, 1991,p.329).

Mas, segundo Weber (WEBER,1944), contrariamente ao ocorrido no ocidente


europeu, em outras tantas regiões em que descortinou-se um desenvolvimento
comercial expressivo - por exemplo, o sul da China imperial ou o litoral oeste da
Índia - inexistiu um movimento de ordem religiosa, tal como o cristianismo, com
força suficiente para desagregar, tornando-o ilegítimo e marginal, o culto dos
antepassados. Este último se constituía em elemento religioso fundamental para a
preservação dos laços de parentesco e de toda a tradição, reafimador dos elos
emocionais de ligação dos agentes sociais a uma grei, linhagem ou clã particulares.
sendo portanto um obstáculo ideológico inquebrantável ao desenvolvimento do
processo de individuação. Religiões de caráter universalistas como o budismo ou o
taoísmo terminaram por, em algum grau, conviver com a presença de tais cultos. No
caso específico da Índia, as possibilidades do processo de individuação se
deparariam com a firme presença do sistema de castas. Ali, o budismo não teria,
segundo Weber, se voltado decididamente contra o regime de castas, tolerando-o
de certa forma. A presença e aceitação conformada de relações sociais, legitimadas
pela ideologia dos sistemas de casta, pouca possibilidade permitiu a uma orientação
individualística da vida, que não fosse no sentido da procura de uma união cósmica
de êxtase religioso (própria do derxive), a qual, ao contrário de lançar o indivíduo em
meio às atividades quotidianas do mundo social, tal como o puritanismo teria feito,
colocava-o absolutamente distanciado dessas relações. Por outro lado, para Weber,
o taoísmo chinês somente vislumbraria a possibilidade da individuação, o
afastamento ou ruptura com os laços comunais, mediante a contemplação mística,
num processo similar de isolamento extra-mundo social. (WEBER,1944;
BENDIX,1986).

Seria, portanto, a conjunção de elementos de várias ordens (econômicos,


políticos, religiosos) que teriam tornado possível a configuração singular, no
ocidente, da ordem social moderna, na qual viria a desenvolver-se o capitalismo
moderno e onde a racionalização da vida atingiria sua plenitude. Mas a esta
racionalização do viver, Weber contrapõe a liberdade de ação dos indivíduos,
somente também plenamente possível, afora os caminhos da mística religiosa, nas
sociedades modernas ocidentais, produzindo um dos dilemas caracterizadores dos
49

modernos: como exercer a liberdade em meio a inevitabilidade da racionalização


burocratizada e instrumentalizante da vida?

Observemos que a presença da racionalização, segundo Weber, um


substrato fundamental do agir dos modernos, é sublinhada por Elias não no sentido
de que com a racionalização os agentes sociais conseguiriam, pela primeira vez,
realizar ações que escapariam à ortodoxia normativa da tradição, possibilitando-lhes
uma interpretação pessoal do mundo, visto que um jogo interpretativo das tradições
todo agente social, em qualquer sociedade, sempre o pode fazer. Somente uma
perspectiva claramente preconceituosa e formalista conceberia o agir no mundo das
sociedades da tradição e da hierarquia como se os seus membros estivessem
presos em uma camisa-de-força axiológica, impeditora de qualquer grau de
(21)
intervenção pessoal . O singular e caracterizador do proceder moderno ocidental é
o fato da crítica pública à tradição, sua desautorização intelectual e normativa, ter
passado a ser reconhecida como socialmente legítima e justa, ao ponto de que por
mais variados que possam ser os mecanismos de conformação à ordem social
existentes em instituições escolares, os processos educacionais modernos tenderão
a apresentar inevitavelmente, como um seu elemento quase que estrutural, a
promoção do exercício de desautorização das tradições intelectuais.

Ter em conta a fecundidade da tese weberiana da racionalização do trabalho


e da política como componentes do processo da modernização ocidental, exige por
sua vez não esquecer que, primeiro, os pólos da dicotomia tradicional-moderno
(desenvolvidas como é por todos sabido a partir do par conceitual "comunidade" e
"sociedade" elaborado por Tonnies) se constituem em tipos ideais construídos por
Weber e que, como o próprio assinalou, as relações sociais a elas correspondentes
estão, de fato e não raro, presentes concomitantemente na vida social dos homens.
Em segundo lugar, não se pode também, ilusioriamente, conceber a sociedade
como um lugar apenas de "luta de interesses" e, em contrapartida, a comunidade
como um "espaço de relações harmoniosas": "Sin embargo, la immensa mayoria de
las relaciones sociales participan en parte de la "comunidad" y en parte de la
"sociedad... Toda "sociedad" que exceda los términos de una mera unión para un
propósito determinado y que , no estando limitada de anemano a ciertas tareas, sea
de larga duración y dé lugar a relaciones sociales entre las mismas personas
50

...tiende, en mayor o menor grado, a fomentar los afectos ...La comunidad es


normalmente por su sentido la contraposición radical de la "lucha". Esto no deve, sin
embargo, engañarnos sobre el hecho completamente normal de que aun en las
comunidades más íntimas haya presiones violentas de toda suerte con respecto de
las personas más maleables o transigentes: y tampouco sobre que la "selección" de
los tipos y las diferencias en las probabilidades de vida y supervivencia creadas por
ella ocurran lo mismo en la "comunidad" que en otra parte cualquiera." (WEBER,
1944, pp. 33-34).

O caráter ideal das categorias - portanto de simples auxílio analítico


(FREUND,1975) - tradicional e moderno quando, ao contrário das próprias
perspectivas metodológicas de Weber (WEBER,1993) confundido com a própria
realidade levou - como demonstrado pelos múltiplos exemplos dos estudos
sociológicos e antropológicos sobre a "modernização" escritos principalmente nas
décadas que sucederam-se mais imediatamente ao pós-guerra - a entendimentos
absolutizadores e aligeirados, onde o tradicional/comunitário termina por ser
sinônimo de espaço monolítico da não-individuação e, por outro lado, a
individuação, somente é possível manifestar-se de algum modo com a emergência
do moderno/social, sendo geralmente entendida como a materialização da
liberdade, visto que só quando "individualizado" o homem poderia ser livre.
Trabalhos como o de Clastres, tão francos em sua acerba crítica aos efeitos do
etnocentrismo na trajetória da antropologia, continuam sendo, mesmo que possam
já estar temporalmente distantes, valiosos, pois permite-nos reafirmar ser o
processo de individuação uma constante (embora somente plenamente
desenvolvido no ocidente) com expressões diferenciadas.

Falamos de expressões e não de momentos para evitarmos, implicitamente,


prendermo-nos a um evolucionsimo vulgar - em toda a trajetória conhecida da
humanidade, ao apontar para as latentes, circunscritas e delimitadas manifestações
de individuação, isto é, de afirmações positivas da subjetividade em sociedades
não-modernas, como pode ser exemplo entre outras tantas descritas em estudos de
antropologia, o canto dos caçadores guaiquis do chaco paraguaio
(CLASTRES,1990). Segundo Clastres, é por meio da condição de caçadores que os
homens guaiquis constróem sua identidade, porém, não podem, em consonância
aos seus costumes tribais, jamais comer a carne do animal que pessoalmente
51

abatem, pois em caso de infringir este tabu incorrem no risco de cair sob a maldição
(22)
do panema , perdendo toda a sua capacidade de exercerem a caça, o que os
obrigam a terem procedimentos assemelhados aos das mulheres. O não poder
comer a sua própria caça, bem como o seu sistema de circulação das mulheres que,
fundado na poliandria, impõe-lhes a compartilhação das mulheres, os conduz a uma
eterna dependência de seu grupo tribal, a não-individuação. Mas através do seu
canto, o caçador se contrapõe simbolicamente a esta dependência. O canto dos
homens guaquis, realizado quando os caçadores reúnem-se à volta de fogueiras, é
um ato voltado para si, pois é para si mesmo que ele canta: "de cabeça erguida e
corpo ereto, se exalta no seu canto. A voz é poderosa, quase brutal, simulando às
vezes irritação. Na extrema virilidade que o caçador investe em seu canto se
afirmam uma total certeza de si, um acordo consigo mesmo que nada pode
desmentir. A linguagem do canto masculino é aliás extremamente deformada. Na
medida em que sua improvisação se torna mais fácil e mais rica e em que as
palavras jorram por si mesmas, o caçador lhes impõe uma transformação tal que,
logo, se acreditaria escutar uma outra língua...Quanto à sua temática, ela consiste
essencialmente numa louvação enfática que o caçador endereça a si mesmo. O
conteúdo do discurso é com efeito estritamente pessoal e tudo se diz na primeira
pessoa. O homem fala quase que exclusivamente sobre suas aventuras de
caçador, sobre os animais que encontrou, as feridas que recebeu, sua habilidade
em manejar a flecha...E freqüentemente, como para marcar melhor a que ponto sua
glória é indiscutível, ele pontua a frase prolongando-a com um vigoroso Cho, cho,
cho: Eu, eu, eu" (CLASTRES, 1990, p.79). Como considera Clastres este canto
não é um distrair-se inocente e desinteressado, muito mais ele é o manifesto de
uma intenção: a da recusa - mesmo que momentânea e "exclusivamente" simbólica
- da sujeição à rede geral dos signos" (CLASTRES, 1990, p.87), de um social que
assegura o seu existir e o conserva, porém, ao mesmo tempo, o faz aprisionando-o,
marcando-o como submetido, como mencionou Marx, a uma fatalidade: a do agente
estar subordinado à produção social, que existe fora dele, não estando a ele
subordinado e que, por fim, termina por administrá-lo (MARX, s/d).

Longe de ser uma característica da "natureza humana", o individualizar-se,


segundo ressaltou Marx (1974), assim como também o fizeram, embora com
sentidos distintos, Weber (1944; 1985) e Durkheim (1977; 1995), não é ponto de
52

partida, mas sim resultado, socialmente produzido e determinado, que, somente


sendo plenamente manifesto e concretizado numa sociedade explicitamente de
(23)
classes , se alocaria, inclusive, para além do capitalismo: "Hablamos de
interrelaciones espontáneas de individuos colocados en condiciones de producción
determinadas y limitadas. De individuos universalmente desarrollados, cuyas
relaciones sociales estarían sometidas a su propio control coletivo en tanto que
relaciones personales y comunes. De individuos que no son un producto de la
naturaliza, sino de la historia. El grado y la universalidade del desarrollo de las
facultadas que hacen posible tal individualidade implica precisamente una
producción baseada sobre el valor de cambio. Este modo de producción crea, por
primeira vez, al misto tempo que la alienanción general del individuo con respecto a
sí mesmo y con respecto a los demás, la universalidad y la totalidad de sus
relaciones y de sus facultades" (MARX,s/d,v.1,p.56). A totalidade de suas
faculdades, não podemos deixar de sublinhá-lo, pois é sempre preciso estar
buscando, seja escapar ao mecanicismo economicista, seja ao idealismo que toma
toda ação unicamente pela valoração que dela têm os agentes que a realizam. O
pensar, o elaborar uma concepção de mundo, não vem a ser posterior ao ato
econômico, lhe é concomitante e, neste sentido, pode ser entendido como uma
força produtiva, um elemento de reordenação da realidade. Se age socialmente
segundo um padrão de orientações e normalizações mescladamente conscientes e
inconscientes, relacionadas e determinadas por condições históricas particulares. É
a complexa articulação das relações econômicas e políticas com as visões de
mundo que delimitam os contornos da trajetória das ações dos homens; que
definiram e definem o processo de sua individuação.

Enfim, conforme assinalou Nisbet, referindo-se à sociedade que conformava-


se, inédita, aos olhos dos intelectuais oitocentistas que buscavam encontrar novos
parâmetros para compreender tempos que se assomavam como desconhecidos:
"Everywhere in the modern world, the clear direction of history seemed to be toward
the separation of individuals from communal or corporate structures: from guild,
village communnity, historic church, caste or estate, and form patriarchal ties in
general. Some, perhaps most, people saw this separation in the progressive terms of
liberation, of emancipation from tradition grown oppresssive. Others took a more
somber view of the separation, seeing the rise of a new type of a society, one in
53

which moral egoism and social atomism were the dominant qualities. But whether
from the over-all point of fiew of progress or decline, there was a unanimity of
recognition that covered philosophers as different as Bentham, Coleridge,
Tocqueville, Marx, Spencer and Taine. Not the group but the individual was the
heir of historical development; not corporate of liturgical tradition but individual
reason. More and more, society could be seen as a vast, impersonal, almost
mechanical, aggregate of discrete voters, tradesmen, sollers, buyers, workers,
wokshipers: as, in short, separated units of a population rather than as parts of an
organic system." (NISBET, 1966, p.42). Como é praxe acontecer na esfera das
relações sociais, também o processo de individuação possibilitou e possibilita a
materialização de desdobramentos que se colocam muito além do explicitado ou
desejado pelos agentes que o vivenciaram ou estão ainda vivenciando-o. Como não
poderia ser distinto, também aspectos inimaginados podem ser apreendidos quando
nos voltamos para a dimensão das relações entre a afirmação da individuação e a
generalização da escolarização.
54

NOTAS
(1) Para uma abordagem dos limites do exercício da cidadania segundo o
pensamento liberal e suas relações com a constituição de indivíduos livres e
proprietários na Europa Ocidental, veja-se Macpherson (1977) e Bobbio (1986).

(2) Uma percepção da crise dos sistemas escolares em sociedades capitalistas


avançadas (em particular na norte-americana), calcada na perspectiva de inexistir
hoje uma tradição dotada de autoridade legitimamente fundada e anterior à
emergência da "nova sociologia da educação", encontra-se em Hanna Arendt
(1972).

(3) O sentimento de reconhecer-se trabalhador não é um apanágio das classes


operárias do capitalismo avançado. Em sociedades situadas na periferia do sistema,
mas que vivenciaram de algum modo a industrialização, este processo de
construção de uma identidade social própria dos trabalhadores com base no
assalariamento e no trabalho manual é fortemente registrado.

(4) Este, como sempre lembra Offe, não é uma realidade natural, pois a força de
trabalho não pode ser pensada como uma mercadoria idêntica às demais, dado que
ela não é passível de materializar-se sob a forma de "trabalho morto" como todas as
demais.

(5) Não estamos aqui dizendo que a economia informal é sinônimo de terceirização,
mas sim que a sua recente intensificação possibilita e é alimentada pela
terceirização de atividades até então executadas no âmbito das empresas.

(6) Se tal situação não ocorre - com raríssimas exceções, cada vez mais parece ser
impossível a sua ocorrência - em sociedades como a brasileira, onde perduram
longas jornadas de trabalho, por outro lado é perceptível a força de outras
experiências sociais, como as religiosas, na configuração das identidades de
agentes sociais e de suas ações, particularmente nas esferas do trabalho e da
política.

(7) Se, no caso do Brasil, a valorização política dos sindicatos não faz propriamente
parte da cultura operária, dada em parte a particular história do sindicalismo
55

brasileiro, o orgulho profissional está presente desde praticamente o surgimento de


um incipiente operariado nacional, como assinalou Carone (1979).

(8) A retomada entre nós de políticas comunitárias calcadas na valorização de


valores locais e/ou de atividades de trabalho artesanais, marginalizadas pelo
processo de crescimento capitalista, visando assegurar o momentâneo impedimento
da migração de possíveis contigentes de trabalhadores sem emprego que se
deslocariam inevitavelmente para centros urbanos de maior porte econômico,
agravando ali as condições de vida, parece que veio a se constituir numa estratégia
para minorar problemas decorrentes da crise econômica recessiva que se verificou
no país ao final da década de setenta e principiar dos anos oitenta. Para uma
análise mais pormenorizada da recuperação do comunitarismo enquanto estratégia
política educacional conservadora, veja-se Cunha (1991) e Germano (1994).

(9) Não possuímos suficiente qualificação para adentrarmos na discussão da


temática, cuja produção bibliográfica nos últimos anos tornou-se expressiva, das
relações entre trabalho e educação, onde o primeiro é tomado como princípio
educativo. Entretanto, consideremos que algumas das esperanças emancipatórias
de uma pedagogia calcada na persistência da subsunção real da força de trabalho
possam ser descabidas, quando não fruto de interpretações aligeiradas e/ou
equivocadas, do ponto de vista da defesa (e dos interesses) da realização de um
processo social sob a perspectiva da conformação do socialismo.

(10) Para uma análise clássica do processo de busca e competição por titulações
escolares e suas relações com os processos seletivos de ingresso no mercado de
trabalho, veja-se Saint-Martin (1979) e para um estudo sobre tal situação em um
país latino-americano, veja-se Gentili (1994).

(11) Para algumas considerações sobre a categoria de "significado", empregada por


sociólogos influenciados pelo pensamento fenomenológico, em particular as
reflexões de Schultz (1974), além das obras do próprio, veja-se Sarup (1986).

(12) É bem verdade que no percurso dos anos oitenta, houve uma reação no campo
das ciências sociais às análises privilegiadoras do peso constituinte das estruturas,
voltando-se para as possibilidades de ação transformadora dos agentes, por vezes,
inclusive, incorrendo-se num equívoco de direção idêntica mas sentido oposto: a
56

sobrevalorização do poder dos agentes e a minimização dos determinantes


estruturais.

(13) Para exemplificar tal tipo de abordagem - independente de todas as


significativas contribuições do autor - temos o trabalho de Oliveira (1995).

(14) O conceito de campo origina-se em Bourdieu, que o emprega em quase todas


as suas análises. Para exemplificar uma forma de implicitamente utilizá-lo em
análises de luta institucional e "profissional", veja-se o trabalho de Madel Luz sobre
as práticas médicas homeopáticas no Brasil (LUZ,1995).

(15) Poderíamos aqui sermos acusados de sobrevalorizarmos o indivíduo, deixando


de lado, secundarizando portanto, as diferenciações próprias às classes sociais.
Contudo, muito longe disto estamos apenas enfatizando um processo que veio a
generalizar-se em toda as sociedades modernas. Se entendermos que as ideologias
não são simplesmente ideações mas se materializam em determinadas práticas e
relações (ALTHUSSER, 1974; 1980) e por outro lado, se voltarmos a velha
afirmação de Marx e Engels na Ideologia Alemã, as idéias (e também as práticas e
os modos de ser e agir) dominantes são as idéias das classes dominantes, não
poderemos senão reafirmar o quanto a individuação é uma marca do modo de vida
moderno. Como tão bem considerou Elias, a individuação é um movimento cuja
amplidão se alongou pelos séculos e que provocou uma diminuição dos “grandes
contrastes de comportamento entre os diferentes grupos sociais - assim como os
contrastes e mudanças súbitas no comportamento do indivíduo. A modelação das
pulsões e sentimentos, as formas de conduta, toda a constituição psicológica das
classes baixas nas sociedades civilizadas, com sua crescente importância em toda
a rede de funções, estão cada vez mais se aproximando das de outros grupos,
começando pela classe média. Isso acontece mesmo que parte das autolimitações e
tabus operantes nesta última, que surgem do anseio de "se distinguir", do desejo de
maior prestígio, talvez falte inicialmente nas classes baixas, e mesmo que o tipo de
dependência social que as caracteriza ainda não necessite, ou permita o mesmo
grau de controle de emoções e um espírito de previsão mais regular que nas
classes do mesmo período." (ELIAS, 1993v.2, p.211)
57

(16) O conceito de currículo oculto foi de tal modo generalizado na sociologia da


educação que, ainda que não se tenha formalmente uma definição unívoca do
mesmo, consideramos ser desnecessário apresentar aqui uma nossa particular
conceituação.

(17) Como um exemplo na literatura pedagógica mais recente de tal tipo de


"pedagogia do indivíduo", a qual volta-se decididamente contra as propostas
"economicistas" da teoria do capital humano, veja-se Mello (1986).

(18) É interessante observar, conforme apontado por Dreifuss (1993,p.95), a


semelhança, como temática de análise, dos estudos de Weber sobre os contrastes
entre "a sociedade rural do leste e a sociedade do oeste da Alemanha" e dos
estudos de Gramsci sobre as relações entre o norte e o sul da Itália.

(19) Em um trabalho onde a presença da análise de Weber pode ser fortemente


sentida, Norbert Elias (1993,v.2) aponta que a ruptura das relações de vassalagem
foi sempre uma possibilidade bastante realizável no mundo medieval, somente
obstaculizada pelo emprego de um poder político e militar maior, que obrigaria,
mediante ameaça velada ou explícita, a preservação dos hábitos de vassalagem e
conseqüente cumprimento das obrigações para com o suserano. O ineditismo do
estado moderno europeu está no modo como este se conformou, dotando-se de um
aparato político que eliminou as possibilidades de insurgências localizadas, dirigidas
por aristocracias regionais. Estas manifestações de rebeldia, além de serem
habituais no cotidiano político do feudalismo europeu, vinham a ser, também, uma
condição de sua reprodução.

(20) Para Weber, a avareza, a falta de escrúpulos e o desejo do enriquecimento


imediato e fácil seriam características universais e encontráveis em todas as
sociedades, mas a obstinação pelo trabalho, a existência de uma moral valorativa
do trabalho seria uma característica ímpar do capitalismo e só encontrada no
ocidente moderno.

(21) Para exemplo desta "autonomia" do agente social o trabalho sobre a sociedade
argelina de Bourdieu (1979) é de sensível importância.
58

(22) Lembramos aqui, que ao utilizarmos a categoria de individuação, não estamos


nos ligando a qualquer tipo de psicologismo ou que poderíamos porventura acreditar
que apenas no ocidente moderno os homens passaram agir voltando-se a
interesses particulares. Muito ao contrário, a individuação refere-se ao processo em
que, pelo mais diversificado conjunto de variações no campo das relações sociais,
os homens, conforme assinalou Dumont, "passaram a se ver como
indivíduos...[embora] no plano do fato, o mais dependente possível de seus
semelhantes, encerrado num desenvolvimento sem precedentes da divisão do
trabalho." (DUMONT, 1992, p.298)

(23) A individuação somente surge com plenitude numa sociedade de classes,


porém a generalização de sentir-se indivíduo tende a ofuscar, exatamente por haver
tal generalização com seu decorrente narcisismo, a percepção fundamental das
classes como componentes fundamentais das relações sociais da ordem moderna.
Como assinala Sennet dado o narcisismo, com suas preocupações e inquietações
procede-se a uma confusão perceptiva, quanto às análises das ações dos
indivíduos, entre o que seria efeito de características do espaço institucional e o que
seriam as "qualidades inatas do eu" (SENNET, 1988, p.398).
59

CAPÍTULO III
A EDUCAÇÃO ESCOLAR COMO NECESSIDADE E DIREITO: "ESCOLA
DE MASSAS", "ESCOLA NACIONAL"

Feita esta sumária caracterização de aspectos definidores do processo de


individuação, procuraremos agora apresentar as relações deste processo com a
trajetória ocidental da universalização da escolarização sublinhando que, se
enfatizamos tais relações através do pontuar de momentos desta trajetória, inexiste
da nossa parte, como acreditamos ter procurado deixar claro até aqui, a perspectiva
da ocorrência de um ordenamento teleológico, o qual, anterior a quaisquer ações
dos agentes sociais, obrigatoriamente viria a produzir a individuação. Ao contrário,
importou-nos de sobremaneira, detectar os modos como a escolarização, enquanto
conjunto de práticas pedagógicas específicas concretizadas em espaço
particularmente definido, colaborou e permanece colaborando ao produzir, por
exemplo, agentes institucionais como os professores, para a conformação deste tipo
particular de manifestação do existir humano que é o indivíduo moderno.

Sabemos hoje, em boa parte devido a ampla divulgação das obras de


Foucault (ainda que discordemos da completa funcionalidade da escola para a
concretização perfeita da governabilidade ou da contraface desta tese: a
(24)
irremediatibilidade do fracasso institucional escolar ), que por ser um constructo
social e histórico da modernidade, o indivíduo foi - e ainda é - objeto de pedagogias
específicas, promovidas pelo estado moderno, que tende cada vez mais a executar
um papel de gerenciamento dos membros da sociedade, antes tradicionalmente de
âmbito da família, especialmente quanto a estabelecer o domínio sobre os
(25)
dispositivos - os saberes e atitudes - necessários ao viver moderno .

A escola, dada a sua capacidade de interrelacionar institucionalmente em


suas práticas, mediante o emprego de seus regulamentos, normas e hábitos
(públicos ou dissimuladamente ocultados), pode processar, de modo concomitante,
em tempo e espaço: a transformação da ação dos outros (daqueles que nela são
sujeitados, inclusive quanto ao seu corpo, pela disciplinarização de gestos, falas e
até mesmo do silêncio e o do repouso); a construção, uso, modificação e destruição
de objetos, entre os quais os de ordem tecnológica e arquitetônica; e a produção e
comunicação de símbolos, terminou por ser "o aparelho social que mais bem e
60

uniformemente executa a construção do sujeito [indivíduo] moderno" (VEIGA NETO,


1994, p.230). Entretanto, é importante salientar que ao nos referirmos à escola
como o aparelho que mais possibilita a construção do indivíduo, não a
compreendemos como um aparelho ideológico de estado no sentido althusseriano.
É verdade que, implicitamente, ao nos referirmos à construção também o fazemos
quanto à reprodução, porém falamos de indivíduos e não de classes, embora a
individuação pressuponha as relações de classe, ainda que a generalização do
sentimento de individuação, ofusque entre os indivíduos, exatamente por
generalizar-se, a percepção fundamental das classes como componentes das
relações sociais em sociedades modernas capitalistas.

A existência de uma ordem social de indivíduos - uma sociedade de


indivíduos na feliz expressão de Elias (ELIAS,1994) - é condição mais que perfeita
para a própria possibilidade da aceleração das mudanças sociais, dado o contínuo
romper com os laços tradicionais, pois "o homem da tradição é um "transeunte",
cuja vida se escoa, vulnerável, em meio a uma paisagem imutável, na qual reside
toda sabedoria. Com a irrupção da "modernidade", é a paisagem, ao contrário, que
se transforma e se desfaz diante de nós numa rapidez sempre crescente"
(FORQUIN,1993,p.18). Portanto, compreender a escola como instância de produção
de indivíduos não se confunde com a imagem de um aparelho de perfeita
reprodutibilidade que a categoria althusseriana, a contragosto de seu autor,
terminou por possibilitar.

Esta pedagogia da individuação, ao contrário de toda uma tradição


humanista, definidora de um papel redentor para as atividades educacionais, não
exerce uma condição de mediadora do "desenvolvimento de características
naturais" (LARROSA, 1994. p.37), inatas ou por força de ordenações biológicas ou
por serem próprias ao "espírito humano". As práticas pedagógicas modernas,
podemos, seguindo a Foucault, metaforicamente dizer, "fabricam" os indivíduos ao
empreender uma subjetivação, que lhes dá uma inédita capacidade de realizar um
"re-conhecimento" sobre si mesmos. Reconhecimento de que são dotados de
subjetividade e portam uma individualidade, visto que as suas experiências de vida,
como os conhecimentos e as emoções delas decorrentes, são parte de uma esfera
íntima, algo estritamente particular, não intercambiável e que não pode se fazer
propriedade senão dos próprios indivíduos.
61

O auto-reconhecimento, a auto-apreensão, a posse de um saber sobre si


mesmo pelo indivíduo através do exercício de auto-avaliações de caráter múltiplo
são, para Foucault, resultantes da intervenção de mecanismos discursivos
racionalizados, racionalizáveis e racionalizadores os mais diversos, de dispositivos
de saber/poder também estrategicamente presentes na escola - que possibilitariam
a realização, na modernidade, do que ele denominou "tecnologias do eu"
(FOUCAULT,1985). A construção do "eu" se fez paralela à esperança na
possibilidade de se constituir um conjunto de verdades sobre si mesmos, que
permitiriam aos indivíduos obterem uma orientação racional (ainda que
fundamentalmente apolítica, ahistórica e extra-social), mesmo quando de sentido
conformador, capaz de promover a autosatisfação psíquica, isto é, um convívio feliz
do indivíduo consigo mesmo. As análises de Foucault permitiram a desconstrução
dos fundamentos deste tipo de ilusória esperança. Como é sabido, elas enfatizam
os aspectos processuais, históricos, da constituição dos indivíduos, destruindo a
imagem de uma essencial natureza humana transhistórica.

Embora bastante distinta quanto à compreensão do modo de intervenção dos


poderes institucionais na conformação dos indivíduos, a análise empreendida por
Elias sobre o "processo civilizatório" (ELIAS, 1991, 1993v1; 1993v2, 1994)
apresenta aspectos que nos permite utilizá-la em concomitância e articulação à de
Foucault. Para Foucault, o poder não é, ao contrário de toda uma tradição intelectual
portadora de uma fé iluminista na potência esclarecedora da razão, puramente
repressivo, mas sim dotado de uma positividade, pois seus efeitos não se
restringem apenas ao reprimir. O poder também produz, gera, cria; dispondo da vida
e não unicamente da morte daqueles sobre quem se exerce o governo
(FOUCAULT,1985). A disciplinarização dos indivíduos é a forma processual da
possibilidade da sua existência. Somente disciplinados é que podem vir a existir,
não havendo uma pre-existência dos indivíduos anterior à sua disciplinarização. Já
Elias, mantém-se vinculado a uma tradição que vê emergir na modernidade, ou em
conformidade a uma expressão mais condizente à sua formação intelectual alemã,
na civilização, poderes que possuem propriedades fundamentalmente repressoras.
O poder é compreendido, em última instância, como uma força castradora de
vontades próprias, de anseios econômicos (quando, por exemplo, se constrange por
meios policiais massas populares à conformação com a fome) e emocionais ou para
62

empregarmos uma terminologia mais propriamente psicanalítica, de repressão das


pulsões.

Se distintos quanto as formas de conceber o poder, para um, positividade - o


poder construtor e produtor -, para outro, negatividade - o poder repressor e negador
- as análises de ambos tem, contudo, elementos de interseção, dos quais
destacamos, em especial: primeiro, entenderem, enquanto resultante de um
processo histórico singular, o reconhecimento de si mesmo como uma das
características principais dos indivíduos modernos e como tal uma das mais
importantes chaves compreensivas do moderno e de suas instituições, como a
escola; segundo, não conceberem o poder como localizado estritamente em algum
lugar específico, o poder materializa-se em diferentes espaços, se constitui
conforme uma expressão mais propriamente foucaultiana, em redes, cujo efeito é a
regulação dos agentes sociais.

Assim, ainda que sob um enfoque distinto do de Foucault, os estudos de Elias


acentuam o caráter progressivo das formas pelas quais os membros das sociedades
modernas, por significativas mudanças em seus hábitos cotidianos, realizaram (e
realizam) sua individuação, em meio às transformações sucedidas nas sociedades
européias ocidentais, como, aliás, procura exemplificar através de suas observações
sobre a literatura ocidental, mais particularmente em relação ao desenvolvimento do
romance, enquanto gênero literário, a partir do século passado: "Nos textos em
prosa dos século anteriores - e, certamente, não apenas nos textos em prosa -, o
escritor mostrava-se predominantemente preocupado em dizer ao leitor o que as
pessoas faziam, o que acontecia. Gradativamente, a atenção passou a se
concentrar não apenas na narração dos acontecimentos, mas em como as pessoas
os vivenciavam. Os autores descreviam uma paisagem, por exemplo, e ao mesmo
tempo a chamada "paisagem interior", no sentido mais estrito ou mais amplo do
termo - le paysage intérieur . descreviam encontros entre as pessoas e, ao mesmo
tempo, o "fluxo da consciência" delas ao se encontrarem" (ELIAS, 1994, p.87). O
texto de Elias permite-nos indicar a presença de um aspecto (também presente em
Foucault, mas pela via das ações modelares institucionais do estado) que sempre
será sublinhado em seus trabalhos: a constituição de uma estrutura superegóica
suficientemente forte para capacitar aos indivíduos viverem, sob novas condições
históricas, nas quais a constância da mutabilidade de situações e a conseqüente
63

necessidade de produzir respostas a estas novas situações, veio a exigir dos


mesmos, visto que nesta sociedade a disputa por posições sociais entre os seus
membros é realizada "numa constante luta competitiva, parcialmente tácita,
parcialmente explícita" (ELIAS, 1994, p.118), uma igualmente constante contenção
de seus desejos imediatos, paralela a uma necessidade de apoio psicológico pelo
aplauso público, "uma regulação muito intensa e estável de paixões e sentimentos,
de todas as pulsões humanas mais elementares" (ELIAS, 1993v2, p.206), obrigando
a um conviver com suas frustrações pessoais, produzindo, por sua vez, um outro
tipo de sentimento que é a contrapartida do permanente exercício de estar
submetido à competitividade: o autocompadecimento.

Para Elias, o novo mundo social da modernidade exige um disciplinamento


inédito e a construção, no indivíduo moderno, de uma capacidade de exercício
particular do pensamento, que soe ser possível graças, também, a intervenção de
uma instituições educadora de novo tipo: a escola. Esta, objetiva, prioritariamente, a
introjeção dos procedimentos de autocontrole, de disciplinarização, os quais
capacitam os indivíduos não apenas a existir, como também são a condição sine
qua non de assegurar aos mesmos o direito a uma permanência legítima no interior
do espaço social. Neste sentido, há também uma semelhança analítica entre Elias e
Sennet (1988) ou até mesmo com Riesman (1995), quanto a perceber o processo
de individuação, pela disciplina de gestos e ações, relacionado a uma dominância
da impessoalidade nas relações sociais, provocando, por conseqüência, imensas
dificuldades aos indivíduos para mostrarem-se em público, fazendo-os procurarem
esferas particulares de proteção e refúgio, uma vez que os espaços públicos tendem
a se confundir, em imagem e comportamento, com o mercado, cujos determinantes
da natureza das suas relações, fortemente impessoais e agressivas, parecem
incompreensíveis aos indivíduos, acarretando atitudes de passividade e
heteronomia.

Não queremos dizer com isto que a escola é uma instituição prioritariamente
constituída para o domínio de uma classe sobre outras, ou que venha a ser uma
"instituição totalitária", teses já tantas vezes criticadas, mas sim que ela, a escola, é,
em princípio, condição para a possibilidade de realização do que Gramsci
denominou de hegemonia, para diferenciar uma forma de dominação política do
puro exercício do domínio e, pelo emprego de uma exemplar linguagem metafórica,
64

estabelecer uma distinção - não em aspecto geográfico, mas sim político - entre o
ocidente e o oriente (Gramsci, 1976; 1981). A hegemonia, tendencial característica
política das sociedades ocidentalizadas e modernas, exige a permanente
reconstrução da identidade dos indivíduos, identidade que, por estar sempre
inconclusa e fragilizar-se ante a irrupção de novas situações sociais, deve ter o seu
processo de produção diuturnamente recomeçado, mesmo que sob novas formas. E
em tal processo é significativo o agir escolar e, nele implícito, o proceder dos
professores.

A formação dos sistemas estatais escolares

Quando nos voltamos para os momentos primeiros do processo que terminou


por produzir a constituição do que Enguita denominou "escola de massa"
(ENGUITA,1989), onde o Estado, pela primeira vez, num lento processo de
conformação de sistemas de verdadeira abrangência nacional, passou a exercer um
papel atuante e preponderante - voltando-se nas monarquias absolutistas de
dominância católica contra a plena autonomia do gerenciamento do ensino pela
Igreja (26) e nos países de dominância do cristianismo reformado, sobrepondo-se,
às diferentes congregações protestantes - verificamos que, tanto as propostas sobre
a importância, possibilidade, premência e limites da universalização da
escolarização, assim como o espaço a ser ocupado em tal processo pelo Estado,
não foram em nenhum momento consensuais, ao contrário, resultaram da
interseção ziguezagueante de interesses divergentes e muito pontuais quanto aos
seus objetivos.

Empregamos a expressão formulada por Enguita - escola de massas - para


diferenciá-la de outras formas educacionais encontráveis na história ocidental,
distinguindo o "momento de sua plenitude" das suas etapas iniciais, nos quais se
conformou um modelo de organização burocrática-escolar voltado para a educação
dos socialmente dominantes e que veio, mais tarde, a ser estendido, com
modificações significativas, aos demais segmentos da sociedades, substituindo,
desqualificando ou circunscrevendo a universos restritos de intervenção, outras
iniciativas - privadas ou, muito mais raramente, governamentais - de escolarização,
cujas ações tinham por intento primeiro abranger segmentos sociais distintos das
(27)
classes dominantes .
65

No entanto, o emprego do conceito de "escola de massa" não traduz, de


nossa parte, uma concordância plena com as análises de Enguita, pois infelizmente
a formulação do conceito de "escola de massas" foi ainda influenciada por matizes
economicistas, que necessitam ser assinaladas a fim de evitar-se uma
correspondência mecânica entre capitalismo e escolarização, ou melhor entre
industrialização e universalização do ingresso na escola. Isto porém, não invalida o
seu uso, desde que possamos superar um certo mecanicismo que tolda a
compreensão de aspectos da relação individuação-escolarização, os quais embora
apontados com brilhantismo pelo autor, não são devidamente relevados em sua
análise. Em particular, podemos nos referir às diferenças entre o espaço da família e
o da escola quanto ao tratamento personificado no primeiro e a impessoalidade da
escola, onde o que conta de fato é o resultado obtido, não sendo criadas estratégias
compensatórias individualizadas, a fim de possibilitar gratificações, independentes
do desempenho dos seus membros, inversamente ao que ocorre na família
(ENGUITA, 1989).

Independente de suas justas, corretas e severas críticas às perspectivas


conservadoras dominantes na tradição pedagógica que, mistificadamente,
apresentam a história da educação como uma trajetória linear, como se esta fosse
uma história particular, absolutamente autonomizada dos conflitos (especialmente
de classe) da sociedade onde se constituiu, sendo, então, a escola uma idílica e
retilínea via para o esclarecimento universal dos homens e apesar de manifestar
sempre a intenção de romper os limites de uma compreensão das práticas e do
cotidiano escolares fundada, quase exclusivamente, nos determinantes econômicos
diretos, afastando-se, parcialmente, da idealização da correspondência perfeita
entre escola e trabalho formulada por Bowles e Gintis - do isomorfismo entre
relações sociais na escola e as relações sociais de produção - o que lhe leva a
enfatizar sempre que o processo de constituição dos sistemas escolares é um
processo marcado tanto pelos conflitos sociais, quanto pela possibilidade do
surgimento de alternativas ou perspectivas contrárias aos interesses do capital, a
escolarização moderna permanece, para Enguita, sendo compreendida como uma
situação exclusivamente decorrente das exigências de adequação da força de
trabalho aos imperativos da produção industrial e da ordenação burocrática
empresarial, em outras palavras, aos interesses primeiros da acumulação
66

capitalista. Argumenta Enguita que todo modo de produção sempre tem que
apresentar "algum processo preparatório para a integração nas relações sociais de
produção, e com freqüência, alguma outra instituição que não a própria produção
em que se efetuou esse processo" (ENGUITA, 1989, p.105). No modo de produção
capitalista caberia à escola cumprir este papel de instrumento de adequação das
novas gerações - universalmente transformadas em estudantes - aos modos de
vida próprios do capitalismo.

É inegável o quanto a escola colabora para permitir que seja ofertado ao


capital agentes sociais em condições de transformarem-se em trabalhadores
devidamente disciplinados. Todavia, Enguita tende a reduzir a escolarização à
inculcação, durante a infância e adolescência, das atitudes comportamentais
condizentes às exigências das relações de produção capitalistas, especialmente a
partir do momento em que a emergência da industrialização afirma a condição de
modo de produção dominante, nas sociedades ocidentais, do capitalismo.
Determinadas pelas relações sociais de produção capitalistas, as relações sociais
desenvolvidas no interior da instituição escolar, especialmente no tocante a
aspectos do exercício da autoridade ou a organização das salas de aula, seriam
preparatórias das relações travadas no cotidiano das empresas capitalistas, com as
estratificações (não necessariamente dualistas) ali encontradas e que se
reproduziriam nas possibilidades de realização, bem sucedidas, das trajetórias
pessoais de escolarização: "uma educação mais livre é mais provável para quem
também tenha mais probalidades de chegar a um destino social mais elevado e
reforça cumulativamente estas. E um destino social "mais elevado" significa, entre
outras coisas, uma posição distinta na divisão vertical do trabalho, isto é, maiores
possibilidades de ter a capacidade decisória sobre o objeto e o processo deste"
(ENGUITA, 1989, p.172).

Assim, o modo de produção capitalista exigiria e imporia novos modos de


vida, porém estes novos modos são sempre vistos como uma adequação, realizada
mediante processos de socialização que incluiriam a universalização da vida
escolar, com suas correspondentes burocratização e impessoalidade, aos
procedimentos exigidos no interior das empresas capitalistas: "Era preciso inventar
algo melhor, e inventou-se e reinventou-se a escola; criaram-se escolas onde não
as havia, reformaram-se as existentes e nelas se introduziu à força toda a
67

população infantil. A instituição e o processo escolares foram reorganizados de


forma tal que as salas de aula se converteram no lugar apropriado para acostumar-
se às relações sociais do processo de produção capitalista, no espaço institucional
adequado para preparar as crianças e os jovens para o trabalho." (ENGUITA, 1989,
p.30).

Aqui acreditamos estar o ponto mais frágil de Enguita e que não se trata da
secundarização, ainda que assinalada (decorrente tanto de uma incompatibilidade
entre anseios estudantis e as perspectivas futuras de trabalho, como também por
uma certa democratização, não bem explicada quanto aos seus determinantes, que
teria vindo a ocorrer nas instituições escolares) em suas análises, da possibilidade
de emergência, no interior das instituições educacionais, de rebeldia e oposição à
ordem, como exemplificam os movimentos estudantis, por meio da formulação de
discursos e da promoção de ações explícita e conscientemente contestatórias dos
mecanismos repressivos escolares, do seu meritocratismo competitivo, da sua
permanente responsabilização (auto-culpabilização) dos alunos pelo grau de
sucesso ou fracasso obtidos.

Uma crítica mais imediata tende a centrar-se no fato da análise de Enguita


estar permeada por uma certa compreensão de ser o domínio de classe burguês
prioritariamente repressivo, isto é, marcar-se pela negação concreta (não formal) de
direitos aos dominados, o que se contrapõe a toda perspectiva pautada pelo
conceito gramsciano de hegemonia, onde o domínio de classe, se por um lado
implica em submissão, por outro exige, positivamente, a construção permanente de
uma adesão dos subalternos, o que somente é possível por meio da incorporação
de alguns de seus interesses e a existência de canais seletivos de ascensão social,
que não podem ser simplesmente meros engodos, visto necessitarem possuir algum
grau de eficácia, até para permitirem aos subalternos a idealização dos caminhos
particulares de ascensão. Mesmo porque, se a escola só reproduz a submissão dos
dominados, quem reproduz a altivez dos dominantes? Mas não é esta a nossa
crítica. O que salientamos é o fato de que em meio a riqueza de suas colocações
sobre a gênese - onde se sublinha o processo de destruição dos laços de
dependência pessoal que foi necessário à afirmação plena do modo de produção
capitalista - e o cotidiano das escolas modernas, sobretudo daquelas destinadas à
grande maioria da população e de sua crítica ao fetichismo da tecnologia existente
68

nas sociedades modernas (ENGUITA,1991), perdura um economicismo que faz o


processo de individuação não ser compreendido senão como uma adequação, não
tanto às relações de trabalho capitalistas, mas sim ao processo de industrialização,
como se o emprego de determinadas técnicas e instrumentos de trabalho viesse a
ser responsável pela emergência de determinadas relações sociais e não o inverso.
À parte, em primeiro lugar o fato da individuação ser entendida simplesmente como
sinônimo de individualismo, isto é, a busca por alcançar interesses exclusivamente
particulares: "Da perspectiva individual pode ser mais seguro, requerer menos
esforço, ser menos arriscado e apresentar mais probabilidades de êxito, a tentativa
de mudar a própria sorte dentro das relações sociais existentes que o alterar estas
para mudar a de todos" (ENGUITA, 1989, p.192), e, em segundo lugar, uma certa
redução do processo social, ao menos de sua "faceta econômica", a uma efetivação
de opções conscientes tomadas por agentes dotados de suficiente poder para
concretizá-las (ENGUITA,1991,p.248), é questionável o seu implícito argumento
quanto a existência, a priori, de uma natureza humana, da qual todo indivíduo é
portador, que vem a se alienar efetivamente quando os homens se inserem em
processos de trabalho prescritivos, cujo modelo primordial são as relações de
trabalho desenvolvidas na indústria, pois são nestas que se presencia a subsunção
real do trabalho ao capital.

Tal modelo, segundo Enguita, não apenas se estenderia a atividades distintas


do trabalho operário industrial como, por exemplo, o setor de serviços, mas também
far-se-ia presente nos esforços industrializantes posteriormente levados a cabo em
sociedades que vivenciaram revoluções operário-populares, como a Rússia de
1917, o que fundamenta sua crítica a Lenin e a Gramsci, visto que ambos não
teriam devidamente sublinhado a subordinação e a exploração dos trabalhadores
inerentes ao processo industrial, possibilitando que "apoliticamente" defendessem,
(28)
respectivamente, o taylorismo e o americanismo (ENGUITA, 1989,p.57) .

Com a industrialização, a indiferença e a resignação passariam a ser as


atitudes dominantes entre os homens, principalmente nos trabalhadores, pois
vivenciam um processo coercitivo, assegurado pelos mecanismos políticos
institucionais, que soe ser possível mediante a repressão do prazer e do desejo
"naturais" dos indivíduos e o estímulo de um "consumismo artificial". Estamos aqui
69

diante de uma linha de raciocínio claramente contrária a desenvolvida por


representantes do pensamento "anti-humanista", de que seria exemplo Foucault
(FERRY e REBAUT, 1988). Como assinalamos, para Foucault, nas sociedades
modernas - com grande contribuição dos saberes científicos - os seus integrantes
foram muito mais disciplinarmente e positivamente constituídos do que meramente
reprimidos, de terem negadas suas possíveis disposições naturais. Dada a pretensa
existência desta natureza humana, de constituição anterior aos processos sociais, a
organização técnica do trabalho, com sua correspondência tecnológica, ao contrário
de ser pensada como resultante de um processo delongado de modificações no
âmbito das relações sociais, é, subrepticiamente, elevada em Enguita à condição de
elemento determinante: "Tendemos a nos fixar somente na parte [dos] conflitos
concernentes às relações de propriedade e aos regimes políticos, mas tanto ou
mais importante foi a luta em torno da organização, das condições e da
intensidade do trabalho. Através dela, embora não sem recuos, marchas e
contramarchas, a industrialização em geral e o capitalismo em particular
empurraram e arrastaram milhões de pessoas a pautas de trabalho radicalmente
distintas das que correspondiam a seus desejos e preferências e a seus padrões
culturais profundamente arraigados" (ENGUITA, 1989, p.26, grifos nossos).

Após termos feito estas observações críticas à compreensão de Enguita


sobre as relações entre a constituição das sociedades modernas e universalização
da educação escolar, mas reafirmando a qualidade analítica da sua categoria de
"escola de massas", atentemos para alguns aspectos do principiar da escolarização
no ocidente moderno. Inicialmente observemos que a falta de um consenso quanto
a quem e o que ensinar antes mencionada, bem como a razão própria destas
incertezas, são manifestações do lento processo de passagem de um modo de
constituição de relações sociais, próprias a estruturas patrimonialistas, onde a
cultura era transmitida, dominantemente, por formas orais para um outro modo de
relações sociais geradoras de um universo simbólico, cuja reprodução passou a
exigir, desde então, a disseminação dos códigos de comunicação próprios de uma
cultura letrada (FRAGO,1993). Pode-se assim, creditar, em boa parte, a uma
tradição advinda do passado não-inclusivo do ensino medieval, com sua exclusão
das classes pobres de qualquer tipo de ilustração formal, ainda que fosse o domínio
da leitura ou o aprendizado das noções iniciais de cálculo aritmético, reafirmada
70

pelo fato de que, simplesmente, não lhes eram funcionalmente necessárias em seu
dia a dia.

Os primeiros empreendimentos escolares do ocidente moderno, que


possuíram, de algum modo, uma certa sistematicidade, foram realizados, quase
sempre, à revelia das classes subalternas ou trabalhadoras. Mesmo quando
começaram a ser mais facilmente encontráveis nas cidades européias, ou seja, a
partir principalmente do "renascimento urbano" dos séculos XIII e XIV e ainda não
apresentando as fortes características de controle disciplinar sobre mestres e
discentes, que mais tarde com a modernidade, passariam a ter, as escolas
voltavam-se para atender explicitamente a uma demanda bem específica, a qual
ampliou-se conforme as atividades comerciais se avolumaram. O ensino da época
se destinava a um público bastante seleto: uma clientela quase exclusivamente
composta por membros das classes politicamente dominantes e/ou
economicamente ascendentes, isto é, por filhos do patriciado urbano e de
burgueses dedicados às práticas mercantis e cambistas, sendo rara a presença de
estudantes oriundos de classes mais baixas. Entre as famílias de origem
aristocrática começava a ser comum a adoção de tutores ou preceptores, o que,
dado um certo mimetismo de classe, também veio a ocorrer gradualmente nas
frações mais ricas da burguesia emergente (MANACORDA, 1989; PETITAT,1994).
Deve-se ter claro o acento no caráter urbano da clientela escolar, pois o domínio
econômico e político - no caso medieval exercido pela nobreza feudal, cujo poder
assentava-se principalmente sobre a posse da terra - não implicava, então, num
correspondente domínio da cultura letrada.

É importante, ter em conta também, como apontam Ariès (1973) e Petitat


(1994), o fato de que durante a idade média, a infância e a adolescência não eram
categorizados como momentos específicos do desenvolvimento psicológico de uma
pessoa, distintos da idade adulta, tal como pensamos hoje. Para os medievais, as
crianças eram pequenos homens (inclusive sendo assim representados
iconograficamente), aos quais deveria-se incutir preceitos de ordem moral e social,
convivendo, desde muito cedo, lado a lado aos adultos. Também as sociedades
medievais não apresentavam, inversamente às modernas, uma delimitação política
do espaço a ser ocupado pelos diferentes agentes sociais, pautada na exclusão e
na repugnância ao convívio direto com classes tidas por inferiores, um hábito que,
71

posteriormente, tornou-se comum entre os membros da burguesia e da aristocracia


cortesã. O exercício da distinção social, marcado por roupas, comportamentos e
delimitação de lugares no espaço público, embora extremamente forte e rígido, pois
a todo momento se reafirmava, sem maiores questionamentos sobre a naturalidade
das diferenças de classe e status (o que por isto mesmo possibilitava a coexistência
e procedimentos "des-avergonhados" dos superiores frente aos inferiores, como por
exemplo o desnudar-se de mulheres nobres diante de seus criados, atitude
ressaltada por Elias (1993, v.2, p.143) como uma marca, presente até o século
XVIII, da aceitação moralmente tranqüila da desigualdade). A explicitação dos
distintos posicionamentos na hierarquia social e das diferenças decorrentes do
nascimento não implicava, contudo, no cerceamento, afastamento ou veto da
presença física dos pobres. Não havia ainda se manifestado o "higienismo social"
que posteriormente se tornaria um símbolo do senso comum burguês.

Analisando-se os interesses específicos das nascentes burguesias européias


na educação escolar, podemos distinguir dos fins do período medieval até o colapso
do absolutismo, ao menos, duas vertentes maiores. A primeira, seguindo as
indicações de Elias, tinha no domínio do conhecimento relativo ao direito canônico e
romano, o que pressupunha a proficiência do latim (e em menor escala do grego),
uma rota para a ascensão dos segmentos burgueses. Referindo-se particularmente
às condições francesas, mas na verdade expressando uma situação comum às
cortes européias, salvo, em parte, àquelas situadas nos territórios do império
germânico, Elias ressalta: "O estudo tornou-se um meio normal de progresso social
para os filhos dos principais estratos urbanos. Lentamente, elementos burgueses
suplantaram os elementos nobres e eclesiásticos no governo" (ELIAS, 1993v.2,
p.160).

Por outro lado - constituindo a segunda vertente - Petitat (1994,) observa que,
para os comerciantes, o domínio de habilidades como técnicas contábeis e outros
conhecimentos próprios ao desempenho das atividades comerciais exigia o
trabalhar com representações simbólicas e as linguagens a elas relacionadas. O
bom desempenho das atividades profissionais no campo do comércio tornava-se
mais facilmente alcançável se os aprendizes ou iniciantes já dominassem, ao menos
em parte, o código dessas representações. Isto demandava a existência de uma
preparação, anterior ao ingresso no processo de trabalho, que terminou por ficar a
72

cargo das escolas urbanas: "Desde o princípio do século XIV, em Florença , e sem
dúvida também em outras cidades italianas de importância comercial, o ensino da
leitura e da escrita completa-se através de cursos comerciais. Estes cursos,
ministrados nas escolas de "ábaco", precedem a entrada de aprendizes no trabalho
junto aos mestres de ofício. Trata-se de uma escolarização parcial para a formação
de futuros balconistas, caixas, responsáveis por sucursais, banqueiros,
comerciantes, etc." (PETITAT,1994,p.57).

Ao contrário dos processos medievais de trabalho agrário ou artesanal, as


atividades comerciais e financeiras se ocupavam não propriamente com objetos
materiais, mas sim com representações simbólicas relativas a estes materiais, isto
é, quantificações e determinação de valores. Não podemos esquecer que a moeda,
objeto central no ato de intercâmbio mercantil, é uma representação, nunca um
objeto concreto, pois contradizendo às especulações metalistas dos mercantilistas,
o dinheiro, mesmo em sua forma áurea, nunca foi um deus ex machina. E trabalhar
com representações e as técnicas de representação é uma das características mais
importantes da escola, senão a principal, pois as escolas "não trabalham
[primordialmente] com as coisas, mas sim com representações e técnicas de
representação" (PETITAT, 1994, p.58).

Estamos, então, frente a uma significativa diferença entre os modos de


aprendizagem das atividades econômicas. Observemos as atividades mais próprias
às cidades: as comerciais e as artesanais. Era em meio ao processo produtivo, no
interior de suas oficinas, seguindo a regula específica de suas corporações, que os
futuros artesãos recebiam os ensinamentos relativos aos saberes e procedimentos
da profissão, geralmente envoltos na manutenção dos segredos da fabricação dos
seus produtos, não se demandando uma preparação anterior à entrada no mundo
do trabalho. Ainda quanto a educação de artesãos - de modo similar, camponeses e
outros trabalhadores manuais diretamente produtivos - é preciso ter em conta que
estes segmentos sociais estavam inseridos em ambientes sociais onde a oralidade
e não a escrita era o meio dominante de transmissão de conhecimentos. No
cotidiano das classes populares européias da baixa Idade Média e do início dos
tempos modernos, ou seja, durante a realização quotidiana de suas atividades de
trabalho, festivas ou religiosas, eram privilegiados meios orais de difusão dos seus
saberes; não havendo uma instituição singular, separada de outros espaços sociais
73

e unicamente dedicada ao ensino, sendo muito pouco utilizada a escrita como meio
de comunicação.

Mesmo se após o advento da imprensa a tradição, quase tão antiga quanto a


formação das corporações de ofício, dos artesãos preservarem seus segredos sobre
os processos de trabalho foi sendo, como assinala Rossi (ROSSI,1989),
paulatinamente abandonada, graças à disseminação de escritos a respeito das
técnicas de produção, isto não veio a significar, de pronto, a constituição de centros
de ensino profissional. Pelo contrário, perseverou para oficiais e jornaleiros até, pelo
menos, meados do século XVIII, a aprendizagem através dos ateliês e oficinas.
Somente a partir da segunda metade dos seiscentos que se desenvolveram,
ganhando efetiva força no século seguinte, instituições de ensino de caráter não-
clássico, onde se buscava, com maior ou menor intensidade conjugar conhecimento
com aplicação tecnológica, como, por exemplo, as escolas voltadas para a formação
de engenheiros ou arquitetos ou e as academias de ciências naturais. Porém,
sublinhe-se que a criação destas instituições se fez já sob a égide da separação
entre intelectuais e artesãos. Os primeiros, de origem social na alta burguesia ou na
nobreza, dotados dos saberes das emergentes ciências físico-químicas, dominando
uma linguagem erudita, universalizável e tendencialmente matematizada, com uma
grande preocupação pela descrição e classificação de materiais, desde muito cedo
passaram a considerar as competências técnicas dos segundos como inferiores,
decorrentes de saberes fragmentados e empiristas, presos à rotina do passado e
incapazes de apresentarem soluções compatíveis às exigências de um modo de
pensar em rompimento com o pensamento analógico (FOUCAULT,1981), ou as
necessidades do Estado e/ou dos interesses econômicos do comércio emergente,
como por exemplo, o desenvolvimento de estradas, pontes e canais vitais para a
circulação de exércitos e mercadorias ou a arquitetura monumental dos paços
absolutistas.

O camponês e o trabalhador manual urbano, porque analfabetos, terminaram


por ganhar um estatuto complementar e identitário: o de ignorantes (FRAGO,1993).
O analfabetismo assumia a condição de estigma social, culpabilizando o não-
alfabetizado pela falta de domínio do saber letrado, ratificando a antinomia trabalho
intelectual-trabalho manual, que se reproduzirá por toda a ordem moderna e
traspassará, enquanto seu fundamento primeiro, todos os posteriores sistemas
74

escolares ocidentais nacionais. Sistemas que foram desde seus primórdios


dualistas.

Falamos de sistemas dualistas em função da existência de instituições


educacionais onde realizava-se, por principio, uma nítida e explicitada discriminação
social. Falamos em discriminação e não em seleção, para diferenciar e distinguir um
regime educacional que de antemão definia, segundo critérios não-escolares, quem
nele podia ingressar, do sistema escolar próprio à conformação plena da
modernidade, que terminou por abandonar a discriminação extra-escolar,
procedendo a seleções através de mecanismos intraescolares, sobre os quais o
pertencimento de classe - e a propriedade do correspondente capital cultural - atua
como um fator interveniente fundamental para o favorecimento daqueles que
realizarão a completa trajetória escolar institucionalmente definida.

A educação escolar destinada às classes dominantes nos séculos XVI, XVII e


XVIII, caracterizava-se pela preocupação em estabelecer os hábitos próprios dos
que exerceriam o poder político ou dele poderiam se aproximar enquanto servidores
de alto nível ou empreendedores econômicos. Nela encontramos uma progressiva
passagem do instruir, que marcava dominantemente as formas medievais de
ensino, para o educar, que caracterizará os sistemas escolares daí por diante.

A ocupação, por gerações, de cargos burocráticos administrativos de maior


destaque era condição de enobrecimento dos setores mais ricos da burguesia.
Estes passaram a fazer da posse de uma educação formal um mecanismo
possibilitador do ingresso na aristocracia, transformando-se no que na França veio a
se chamar de "nobreza togada" (noblesse de robe), diferenciando-se esta da
"nobreza de espada", cujas origens nobiliárquicas eram bem mais antigas,
(29)
medievais .

O locus central desta educação de elite foram os colégios. Estes eram


instituições quase sempre privadas e sob a tutela de próceres religiosos, porém
(30)
possuindo o apoio do poder público, principalmente destinadas aos nobres , mas
cujo ingresso poderia ser franqueado à alta burguesia, graças ao pagamento de
taxas específicas, cujos valores, de modo geral, eram elevados; vetando-se assim o
ingresso de representantes da média e pequena burguesia que permaneciam tendo
75

nas antigas escolas municipais suas principais e diminutas experiências escolares


(PETITAT, 1994,). Desse modo, os colégios terminaram por se constituir num
momento da rota, restrita a uma minoria, em direção à universidade ou às
faculdades superiores que, a esta altura, já tinham absorvido as antigas faculdades
de artes de origem medieval. Apesar das discriminações existentes, a presença de
estudantes com distintas marcas de classe veio a possibilitar a existência de uma
linguagem ou forma de comunicação interclasses comum, em alguns países como a
França, ao menos quanto a nobreza e alta burguesia.

Quando comparamos o cotidiano das instituições medievais ao dos colégios,


observamos quanto foram sensíveis e significativas as mudanças de
comportamento no interior dos segundos, graças em boa parte a reforma
pedagógica promovida pelos inacianos e seus equivalentes protestantes. Ao longo
do século XVI, os colégios foram espaços onde foram vivenciadas importantes
reordenações burocráticas, que romperam com antigas tradições do ensino
medieval. A anterior liberdade quanto aos procedimentos de ensino - que incluíam
uma boa dose de uso da violência física - exercida por professores e estudantes,
deixou de existir. Desenvolveu-se uma estrutura hierárquica, que estabeleceu
relações de desigualdade entre os diferentes membros dos colégios, não havendo
mais paridade entre os mesmos. A subordinação da gestão do colégio (e também
da universidade) ao Estado monárquico absolutista, acarretou a perda da autonomia
administrativa, pois mesmo sendo a quase totalidade dos colégios originados por
iniciativas religiosas, estes dependiam da autorização do poder real para
funcionarem. Tal como um senhor, o estado ou designava diretamente os dirigentes
ou, o que passou a ser o procedimento corriqueiro, as ordens religiosas
mantenedoras o faziam em consonância às predisposições governamentais.

A reorganização do ensino, estabelecendo uma gradação em séries e os


exames regulares com base na produção de textos escritos, ambos desconhecidos
dos medievais, tomaria como prioridade as relações entre o desempenho do aluno e
o tempo gasto no aprendizado dos conteúdos ministrados. O tempo demarcado,
ordenado e cronometrado é um tempo transformado em objeto de avaliação, isto é,
em que se avaliam os modos como utilizam-no produtivamente. A preocupação com
o tempo, cuja referência última é o autodisciplinamento, associa-se à ênfase no
controle das atitudes e comportamentos dos estudantes, numa profunda
76

modificação das idéias relativas à infância e adolescência, que passaram a ser


compreendidas como momentos moralmente distintos da idade adulta. A imagem de
uma ameaça constante a crianças e adolescentes, da existência de um perigo
imanente à vida em público, justificava o controle hierárquico do ensino. O temor
contra-revolucionário, marcante na transição para os tempos modernos, manifesto
na crença da perene possibilidade de "desviar-se da norma justa", na incerteza
quanto a efetiva fé ou concordância com estas normas, ou seja, a insuficiência da
simples manifestação pública da adesão aos valores e tradições. A representação
quase que teatral do reconhecimento do poder hierárquico necessariamente deveria
estar assegurada pela crença íntima em tais valores. Isto, gradativamente exigia o
imiscuir-se do estado ou de algumas das suas instâncias, temporais ou religiosas,
no viver cotidiano dos indivíduos, enquanto condição de governabilidade. Delineou-
se aos poucos, de uma forma não necessariamente coordenada, um conjunto
amalgamático de atos ou iniciativas que, em rede, terminaram por enquadrar e/ou
deslegitimar - quando não destruir - práticas sociais até então toleradas e
desconsideradas como objeto de atenção e cuidado político. Neste sentido, vale
lembrar as tentativas, mais ou menos bem sucedidas, da hierarquia católica (o que
não exclui de modo algum os correspondentes empreendimentos protestantes,
entre eles a evangelização acompanhada da queima de bruxas, feiticeiros e magos)
de demonizar a cultura popular, mais especialmente a camponesa.

Ante os sobressaltos do mundo, crianças e adolescentes necessitariam


passar por um processo educacional que permitisse o seu amadurecimento e, ao
mesmo tempo os preservasse - na medida em que encontravam-se em etapas
"puras" da vida - dos riscos dos "vícios" perniciosos e anomalias encontráveis na
sociedade, formando-lhes bons hábitos. Para tais propósitos os colégios, em sua
condição de espaço especializado na socialização dos jovens, empregaria como
instrumentos pedagógicos ou terapêuticos modernos: leituras com temáticas
edificantes e virtuosas; a competição e a emulação por meio da exposição pública
dos melhores estudantes; a exigência da assiduidade; a obediência aos superiores;
o disciplinamento dos corpos traduzido em regras de elegância; a vigilância e a
delação dos desviantes e o enraizamento da importância do trabalho, embora
sempre dentro das prescrições discriminatórias entre o trabalho intelectual e o
trabalho manual.
77

Os colégios, independente de estarem sob a influência de orientação católica


ou protestante, tinham por prioridade o culto da ordem, isto é, tornar estudantes e
professores dóceis e obedientes, refratários às heresias e ao radicalismo político,
preparando, pela normatização de regras de ensino e aprendizado, para a vida
social, cujo ápice era a corte.

O viver nas cortes européias, que se formam nos séculos XVII e XVIII,
apresenta características que permite-nos realizar comparações com os
procedimentos próprios ao mercado econômico. Tal como o mercado, a corte era
um espaço de trocas, ainda que fossem políticos e simbólicos os bens ali
transacionados. O pré-requisito para participar de tal "sistema de trocas" vinha a ser
(31)
a posse de um determinado capital cultural , materializado em um dominar as
regras da sutileza política e dos comportamentos de bom tom, num jogo de
permanentes insinuações e dissimulações, que somente os possuidores de
(32)
suficiente autocontrole , estariam capacitados a jogá-lo, os demais terminariam
por serem naturalmente excluídos. E os colégios possibilitavam aos agraciados com
a fortuna de então, exatamente os fundamentos culturais necessários ao bem
proceder no mundo sofisticado da distinção cortesã.

Urbanos, sob forte influência humanista - ao menos dos aspectos mais


conservadores do humanismo - voltados para o ensino das letras, especialmente
das línguas clássicas, secundarizando a importância dos conhecimentos científicos
e formando elites intelectuais para a administração governamental, os colégios
vieram a ser espaços institucionais onde se realizou a reviravolta conservadora do
princípio da modernidade, que assinalou o contingenciamento e regulação da
energia transformadora e revolucionária dos novos tempos. Mesmo concebidos
dentro de uma atmosfera política de reação conservadora e ainda que não
intencionassem, os colégios terminaram por colaborar para que, sub-reptícia e
gradualmente, o processo de individuação se configurasse como realidade no
ocidente europeu. Eles foram propagadores de um tipo de cultura geral
conservadora, que integrava a burguesia à nascente ordem política absolutista e
possibilitava a continuidade de valores das classes aristocráticas, eliminando
emanações do radicalismo pequeno-burgues que, salvo o caso inglês, somente viria
a irromper com força no cenário europeu em meados do século XVIII. Se
78

conservadora, esta cultura, no entanto, era também uma forma incipiente de


valoração do indivíduo, que assemelhando-se a um bricoleur, estava permeada de
aspirações burguesas e aristocráticas, de desejos de distinções e de igualdades,
além do medo e do desprezo pelas classes populares.

A defesa dos colégios, enquanto o local correto para a preparação das futuras
elites e constituídos por um corpo de profissionais dedicados à educação, se fez na
crítica ao emprego, comum entre a nobreza e mimetizado pela alta burguesia, dos
preceptores particulares, tidos como mal-formados, desleixados nos seus afazeres e
quase sempre indulgentes com seus pupilos, tornando-os preguiçosos, ignorantes e
ingenuamente prepotentes. Ao contrário do ensino medieval, com o qual as relações
entre o preceptor e seu pupilo mais se assemelhavam, em que o mestre preparava
o estudante sem a preocupação com o tempo que este levaria para atingir a
qualificação exigida, no colégio seiscentista os estudantes (e conseqüentemente
também os professores) passavam em virtude de sua ordenação burocrática a
adequar-se a um período padronizado de aprendizagem, dentro do qual deveriam
demonstrar suas qualidades por meio do cumprimento satisfatório das exigências
estabelecidas pela instituição (os exames e os modos do seu comportamento), sob
pena de serem desqualificados por incompetência ou rebeldia. Nascia a escola
como instituição formadora e constituinte de indivíduos. Correlatamente debutavam
seus zelosos "discursos de verdade", seu saber institucional que mais tarde, quase
dois séculos depois, proclamará o seu sonho epistêmico: estatuir a cientificidade da
pedagogia, preceituar o objeto das "ciências da educação".

O progressivo afastamento das prescrições educacionais de origem


aristocrática, permitindo a constituição de um ideal pedagógico moderno, portanto
de dominância inicial burguesa, somente veio a ocorrer de modo efetivo a partir do
século XVIII (PETITAT,1994). Os projetos pedagógicos modernos se defrontaram
com um dilema crucial: como proceder a uma escolarização que venha a abranger
universalmente a população, ou seja, viesse a ser extensiva às classes subalternas.
Isto significou, no âmbito dos estados modernos, a ter por referência dois novos
entes: a "nação" e o "povo".

Duas ordens de dificuldades, aqui se colocavam. Uma, relativa ao valor


epistemológico que os conhecimentos legitimados nas instituições escolares
79

deveriam vir a expressar, foi solucionada pela afirmação finalmente vitoriosa de um


tipo de conhecimento que proclamaria estar fundado em práticas experimentais
comprováveis e, por isto, ser superior ao saber especulativo de tradição filosófica,
uma vez que apresentava possibilidades inéditas de emprego tecnológico,
provocando um muito gradual deslocamento (de fato só completado no século XX)
das ciências para uma posição central no universo curricular das instituições
escolares. A outra dificuldade, que mais diretamente se relaciona ao tema de nosso
trabalho, refere-se à universalização da valoração do indivíduo, cujos efeitos
pedagógicos escolares serão da maior importância, uma vez que se tornou
necessário, para a conformação da ordem moderna e do domínio burguês, construir
uma explicação racional para as desigualdades sociais, cujo fundamento se
localizasse fora da esfera da sociedade, dado que a igualdade entre os indivíduos
passou a ser assumida como verdade.

É verdade também, que condições políticas mais favoráveis a explícita


afirmação dos valores modernos só virão a ocorrer a partir do século XVIII. Em boa
parte, isto foi devido à força do poder aristocrático, mas igualmente contribuiu a
fragilidade das burguesias européias, vista a sua condição de classe ainda
emergente, temerosa da radicalidade popular, que não lhe permitia prescindir de
pactos políticos com os representantes da antiga ordem ou lançar por terra, em
definitivo, o fundamento maior da hierarquia social pré-moderna: a desigualdade
natural entre os homens. Até em uma sociedade como a inglesa dos seiscentos,
que rompera revolucionariamente com o absolutismo monárquico e as
reminiscências das relações feudais de produção, as classes burguesas terminaram
por ceder o exercício do governo político a uma aristocracia renovada,
demonstrando que não tinham condições de prescindir do saber político - o saber
governar - das antigas classes dominantes para assegurar, sem riscos maiores de
sedição ou fracasso, a defesa dos seus interesses. Os efeitos desta fragilidade de
classe são percebíveis nas controvérsias sobre os modos de realização da
universalização do acesso à escola.

Afora a seletividade histórica do ensino europeu e o papel secundário da


escrita para as classes populares, já por nós referidos, muito contribuiu para
alimentar, entre os segmentos sociais mais ricos, os questionamentos sobre as
necessidades e vantagens da generalização de algum tipo de escolarização, o
80

temor advindo com o crescimento das lutas de classe ao início da Idade Moderna.
Envoltos, sobretudo no processo da reforma protestante e contra-reforma católica,
os conflitos sociais dos séculos XVI e XVII intensificaram, ainda que restritamente,
a alfabetização, de modo particular entre as classes subalternas. O proselitismo
religioso protestante de seitas mais radicais, como os leverless ingleses ou os
anabatistas de Thomas Münzer, incentivara a tradução dos textos bíblicos para as
línguas nacionais européias, bem como a sua livre interpretação, o que seria
possível somente pelo domínio da leitura (HILL,1987; MANACORDA, 1989). Tal
situação, como tantas vezes já foi assinalado (FRAGO, 1993), parece explicar, por
exemplo, o aumento do número de alfabetizados na Inglaterra nos anos que se
seguem ao período elizabethano, dado que a propagação de propostas político-
religiosas radicais, contrárias ao status quo vigente, se ampliava à medida em que
as classes baixas, convertidas ao protestantismo de influência especialmente
calvinista ou wyclifiana, passavam a ler e/ou escrever.

A possibilidade de formas de conhecimento não-populares serem


empregadas, pelos pobres, como armas intelectuais na insurgência contra os
valores religiosos e a dominação de classe, nunca foi desprezada por aqueles que
estavam no poder ou poderiam vir a sofrer algum tipo de perda ou seqüela com as
revoltas populares. E é preciso ter em conta que o receio ante os hierarquicamente
inferiores perdurou e parcialmente justificou o fato das culturas populares, ao início
da modernidade, terem sido objeto de atenção política e alvo de fortes ataques
pelos poderes constituídos, na medida em que várias de suas práticas foram
tomadas como diabólicas, num processo de enquadramento disciplinar que mais se
caracterizou como um projeto contrainsurgente de destruição de saberes não-
dominantes, como pode ser depreendido dos estudos realizados por Grinsburg
sobre perseguições a cultos agrários camponeses nos séculos XVI e XVII
(GRINSBURG, 1988; 1989).

Mesmo em um movimento de tantos traços anticlericais como o humanismo


renascentista, nunca foi totalmente simpática para a maioria dos seus
representantes a idéia de uma extensão generalizada dos então novos saberes
(seja a releitura da tradição cultural greco-romana, seja, mais tarde, os fundamentos
da física ou da astronomia) aos subalternos. Quase sempre temerosos dos efeitos
das revoltas do campesinato ou da plebe urbana, os intelectuais humanistas, em
81

geral, devotavam às classes populares, consideradas o "populo minuto", a


"gentalha" envolvida no trabalho mecânico e/ou na miséria, monumental desprezo.
Desprezo que levou a Gramsci considerar, em decorrência do que seriam seus
impulsos antidemocráticos - "a separação irremediável entre homens de cultura e
massa" - o humanismo como reacionário (GRAMSCI, 1978, p.46) ou a Fèbvre
indicar os elos contínuos do conservadorismo intelectual, com manifesta e irada
veemência: "Estes aristocratas, detentores do saber grego e latino, reproduzem em
si a arrogância dos velhos mestres, cujas mãos eram ociosas porque tinham
escravos que trabalhavam para eles. E são eles que inauguram o desprezo pelos
artesãos, pelos operários, pelos "mecânicos", como eles dizem (...) De Erasmo,
através dos colégios dos jesuítas, eles atingirão os colégios da universidade
imperial, depois os colégios reais da restauração. Os últimos destes homens não
desaparecerão antes do final do século XIX." (PETITAT, 1994, p.105).

Mesmo entre os iluministas, representantes do radicalismo intelectual


burguês, da defesa da autonomia do sujeito e do progresso, anticlericalistas e
críticos do Ancién Regime, era comum serem encontradas manifestações de um
ideal educacional conservador, francamente contrário a uma generalização do
acesso aos saberes difundidos via escola. Uma manifestação das dificuldades do
pensamento burguês em estender a todas as classes seus princípios de igualdade
natural entre os indivíduos e igualmente do próprio estado de uma economia
(33)
pautada, sobretudo, em modos múltiplos de pequeno empreendimento . Talvez o
maior exemplo deste iluminismo pedagógico antidemocrático tenha sido,
emblematicamente, Voltaire, que sarcasticamente depreciava os esforços de
escolarização dos pobres realizado na França pelos lassalianos, convergindo com
as observações de um espírito ao mesmo tempo retrógrado e reformista como o de
La Chalotais (ENGUITA, 1989; PETITAT, 1994). Igualmente a visão concernente
aos proletários (e outros trabalhadores assalariados) entre a maioria dos
contratualistas ingleses era a da incapacidade moral e racional. Sendo
desqualificados para o exercício político deveriam, por isto, sujeitarem-se à
administração do Estado, para que fossem evitados os seus "malsãos e violentos"
atos de insurgência ocasional contra os mais ricos e poderosos. O receituário
dominante para a profilaxia das "turbulências populares" para a condução destes
empobrecidos e incapazes era o apelo aos dogmas da fé, cuja simplicidade
82

maniqueísta, mostrava uma recompensa celeste aos que trabalhassem e


obedecessem, sendo reservada a purgação eterna, aos que eram reincidentes na
desobediência e na ociosidade. Mesmo o radicalismo liberal dos levellers não se
afastou grandemente do pensamento de Hobbes e Locke, quanto a considerar os
não-proprietários como inferiores. Desse modo, a percepção do educar como uma
"necessidade nacional", não se fez, senão, a custa de um longo trajeto de
convencimentos. O senso comum considerava, é claro, prudente controlar os
pobres, mas isto poderia ser feito bastando exarcebar o seu trabalhar, visando com
isto mitigar uma depravação moral que, no imaginário comum, lhes era quase inata.

Mas se temos que levar em conta os temores dos poderosos quanto aos
efeitos desestabilizadores da educação escolar dos pobres, não se pode esquecer
que foram, igualmente, as preocupações com as insurgências populares um dos
fatores manifestos como justificativa para a tendência à constituição dos sistemas
escolares estatais europeus, onde o poder público era responsabilizado pela
garantia da paz social.

Escola de massas e educação do povo

Observemos alguns aspectos desta educação destinada, de modo específico,


ao povo no ocidente moderno.

As iniciativas realizadas no século XVII, geralmente de origem direta ou


indiretamente religiosa, de escolarização das classes trabalhadoras -
primordialmente dirigidas para os segmentos com menores condições de
resistência: órfãos ou abandonados - como a criação de "escolas elementares" para
os pobres na França, ou as "workhouses na Inglaterra, manifestavam, ainda que de
modo muito fragmentado e de pequena eficácia, uma intenção política clara de
controle sobre os pobres não apenas pela pura e simples repressão (a prisão, o
suplício, o degredo, a execução), mas também através de processos educativos,
majoritariamente doutrinários, onde predominava um moralismo religioso piegas e
maniqueísta, ao lado do disciplinamento imposto pelo emprego de formas
compulsórias de trabalho, as quais, embora não caracterizando os internos como
escravos ou servos, impunha-lhes a obrigatoriedade do trabalho manual, visto que
procediam a sua confinação.
83

As motivações políticas para a criação de um sistema escolar direcionado


especificamente para o povo eram abertamente explicitadas por seus defensores:
conter ou minimizar as ameaças que representavam à ordem social a presença nos
espaços urbanos de levas de desocupados miserabilizados pelas mudanças
provocadas pelo processo constitutivo do capitalismo (PETITAT,1994), que tinha
dilacerado os mecanismos sociais de sobrevivência, próprios de relações pré-
modernas de convívio societal e lançado-os como entes livres e isolados no
mercado.

Desnecessário é aqui relembrar a importância de toda a contribuição que as


ciências sociais, em particular a antropologia, proporcionou no sentido de sublinhar
o papel e a força das estratégias de reprodução social fundadas em formas
familiares distintas do modo nuclear de organização da família moderna (pai, mãe e
filhos), que passou a ser a matriz geracional de indivíduos. A destruição das antigas
relações de produção e sua progressiva substituição por relações capitalistas
tendeu a implodir tais formas de socialização e sobrevivência, mas não as
substituiu, de imediato, por outros mecanismos institucionais, provocando, por
exemplo, crises em formas não-escolares de alfabetização que existiam em áreas
rurais ou de baixa urbanização. Com isto, transformações decorrentes do processo
de migração para as cidades, desencadeado pela aceleração da transição ao
capitalismo, ao contrário, da lógica de percepções mais mecanicistas das relações
entre industrialização e escolarização, podem ser responsabilizadas por um declínio
dos índices de alfabetização na Inglaterra no século XVIII e nos princípios do XIX,
colocando-a em um patamar inferior ao de países, à época, quase exclusivamente
voltados para uma produção econômica agrária, como a Suécia (PETITAT,1994).

Fosse pela sua própria ociosidade, fosse pela possibilidade, sempre muito
concreta, de tomarem o caminho da delinqüência ou, ainda pior, da sedição política,
as classes subalternas foram objeto, primeiro, de ações políticas típicas daquilo que
Foucault chamou o "grande enclausuramento" (FOUCAULT, 1974). Se o
recolhimento aos hospitais e asilos foi o destino de grande parte dos adultos
desviantes, as escolas foram apresentadas, de modo crescente nos séculos XVIII e
XIX, como solução para o enquadramento disciplinar das jovens gerações dos
subalternos empobrecidos, cujos parentes antepassados, de modo geral
camponeses ou ex-camponeses, viram-se, direta ou indiretamente, envolvidos nas
84

centenas de revoltas populares que ocorreram na Europa dos séculos XVI e


(34)
XVII .

Somente quando o apelo à religião e à repressão física começaram a ser


reconhecidas como insuficientes para promover o devido controle dos pobres que as
classes dominantes superaram seus receios sobre a universalização da
escolarização e deram início a tentativas mais decididas de construir indivíduos
disciplinados conforme as regras da modernidade que então se produziam, portanto
não mais simplesmente reafirmando, por meios violentos de repressão policial, a
exclusão das classes subalternas. O modelo burocrático-institucional escolar dos
colégios para as altas classes, feitas as devidas adaptações, terminou por ser a
matriz de tal empreendimento.

Acompanhando os debates sobre o surgimento dos sistemas escolares


estatais, que vieram a se constituir em meio a emergência dos Estados-Nações, se
fazem presentes duas questões sempre recorrentes. A primeira, por que, num
momento em que a ideologia do laisser-faire se afirmava na Europa, consagrando a
liberdade do empreendimento e a liberdade do trabalho, os seus teóricos, que
combatiam todo tipo de regulamentação, anunciando a superioridade do mercado,
dada suas "regulagens espontâneas", para o crescimento das riquezas e a
felicidade de toda a sociedade, defendiam abertamente a alocação da educação no
âmbito das ações pertinentes ao estado (PETITAT,1994), se todos os demais
empreendimentos humanos - afora os relacionados à preservação da justiça e à
defesa militar do Estado - deveriam ficar, prioritariamente, sob responsabilidade de
agentes privados? A segunda, por que a intelectualidade dos séculos XVIII e XIX
prescrevia como necessária, através da ação escolarizadora da população pelo
Estado, a divulgação das vantagens do liberalismo econômico, pois se o
comportamento liberal era por si mesmo tão vantajoso, haveriam motivos para a
realização de um trabalho permanente de convencimento, uma vez que o aumento
da prosperidade geral de todos não seria o melhor argumento para demonstrar a
superioridade das normas econômicas liberais?

Em sua análise histórica sobre as relações entre a constituição da sociedade


moderna e a educação ocidental, Petitat (PETITAT,1994) supõe encontrarem-se as
85

respostas para estas perguntas na conceituação da natureza da sociedade


desenvolvida pelos intelectuais europeus dos séculos XVII e XVIII.

A identificação entre indivíduo, proprietário (não mais necessariamente nobre)


e homem livre (só seria plenamente livre o homem que tivesse a propriedade e
autonomia sobre si mesmo), embora venha a ter antecedentes que remontam ao
século XIII, passando pela Renascença, ganhou corpo com o pensamento político
contratualista e os movimentos radicais-liberais, tivessem estes últimos, versões
religiosas, como os levellers, ou versões laicas, como os jacobinos
(MACPHERSON, 1979).

Concebido como marca caracterizante da natureza humana, o direito à


propriedade vinha a ser o pré-requisito fundamental para a prosperidade pública,
não apenas econômica como também política. Ser proprietário, apontava Kant, era
condição sine qua non para se exercer a cidadania:" A única qualidade exigida para
isso, excetuada a natural (que não seja uma criança, uma mulher), é: que seja o seu
próprio senhor, tendo portanto alguma propriedade (podendo aí ser computada
qualquer arte, artesanato, talento artístico ou ciência) que o sustente" (HABERMAS,
1984, p.134). Qualquer tentativa de restringir a propriedade, seja pela força, seja em
nome da fé, devia ser encarada como uma contraposição à natureza do mundo.
Discriminar grupos étnicos ou religiosos (os judeus, por exemplo), circunscrevendo-
os a guetos corporativos ou regionais seriam aberrações, semelhantes à
manutenção da escravidão ou da servidão, porque impediriam, de um modo ou
outro, que determinados homens fossem declarados efetivamente homens, na
medida em que os tolhiam de ser plenamente proprietários. A ordem social seria
justa quando estivesse assegurado a todos, indistintamente, o direito de agir como
livres proprietários, estabelecendo-se, desta forma, as condições de igualdade entre
os homens, abandonando-se todos e quaisquer critérios fundados na diferenciação
por nascimento ou pelo exercício de ofícios manuais, agora não mais tida como vil e
abjeta.

Destarte, embora de modo não explícito e minimizando-se as dificuldades


conceituais do pensamento contratualista ante a presença do proletariado, podemos
dizer que, primeiro, estavam dadas as oportunidades para a abertura do caminho,
inicialmente, em direção à igualdade dos direitos civis (para mulheres, assalariados
86

e outros dependentes) e posteriormente, à igualdade dos direitos políticos.


Segundo, como quando da configuração completa de uma sociedade de mercado,
onde os laços de parentesco ou dependência clientelística foram subalternizados ou
excluídos, a imagem do indivíduo livre já não podia mais ter como sinônimo a do
indivíduo proprietário, pois se constituíra uma nova classe de homens livres: o
proletariado urbano fabril e estabelecia-se vislumbrarmente o assalariamento das
classes médias, configurava-se a transição da ideologia do conformismo, da
aceitação da fixidez das posições na hierarquia social para a ideologia da
possibilidade de obtenção do sucesso pessoal.

A disciplinarização dos pobres, desvinculados dos laços da dependência


clientelística ou por parentesco, passava a ser objeto, como já o fora para outras
classes - da esfera institucional escolar, numa transmigração adaptada ad hoc de
normas institucionais, secundarizando-se o apelo à religião, como ocorrido com as
classes médias, cuja educação escolar procurou mimetizar a educação grã-
burguesa e cortesã (ELIAS, 1993,v2; PETITAT, 1994). Se, para os trabalhadores, a
escolarização anunciava distantes possibilidades de autonomia reflexiva, dada a
ruptura com a obediência pura e simples e a introdução parcelar de argumentos
para racionalização do mundo - do mundo moderno de uma burguesia que se fazia
conquistadora - ela era também heteronomia por promover o pensar somente a
respeito do possível de ser pensado a partir de perspectivas conceptuais originárias
de outras classes. Neste sentido, universalizava-se o ideal da igualdade entre os
homens, legitimação ideológica do processo de individuação.

Sabemos todos nós que esta igualdade era delineada de modo formal, ou
seja, existiria somente enquanto princípio político e moral. Todos poderiam ter
direito à propriedade, não havendo ninguém impedido legalmente de ter acesso à
esta e aos efeitos dela decorrentes. Porém, isto não significaria, em absoluto, que,
concretamente, todos viessem ser proprietários de fato. Certeza completa de
propriedade somente no tocante às potencialidades imanentes do corpo, ou seja, a
força de trabalho. Era esta a condição possibilitadora (a de ser proprietário) da
universalização do ingresso no mercado. Como é hoje reconhecido, o modo como
se desenvolvem as relações entre os agentes sociais no interior do mercado veio a
se constituir num padrão geral e universal, que passou a imiscuir-se em todas as
esferas sociais. Tal como foi, ironicamente, sublinhado por Marx, o mercado,
87

abstratamente constituído por iguais, é: "um verdadeiro paraíso dos direitos inatos.
Só reinam aí liberdade, igualdade, propriedade e Bentham. Liberdade, pois o
comprador e o vendedor de uma mercadoria, a força de trabalho, por exemplo, são
determinados apenas pela sua vontade livre. Contratam como pessoas livres,
juridicamente iguais. O contrato é o resultado final, a expressão jurídica comum de
suas vontades. Igualdade, pois estabelecem relações mútuas apenas como
possuidores de mercadorias e trocam equivalente por equivalente. Propriedade, pois
cada um só dispõe do que é seu." (MARX, 1975, p.196).

Porém, segundo a opinião forjada nos salões cortesãos setecentistas e no


espaços da esfera pública burguesa (HABERMAS, 1984), a ordem social natural
teria sido, ao longo da história, corrompida por descabidas intervenções políticas,
contrariando-se dessa forma todas as máximas utilitaristas. Fosse pela cupidez dos
interesses particulares, fosse por desconhecimento ou crenças equivocadas, os
homens teriam agido sistematicamente contra a natureza da sociedade. No
momento em que esta teria passado, graças ao esclarecimento provocado pelo
emprego da razão, a ser do domínio humano, ao menos de parte das "classes
ilustradas", urgia impedir, por todos os meios possíveis, atitudes contrárias às "leis
naturais".

Tanto para os fisiocratas, admiradores de um despotismo esclarecido, como


para os liberais, mais propensos ao constitucionalismo monárquico, a defesa das
leis naturais da sociedade (e do mercado) deveria vir a ser a tarefa maior do Estado,
pois era este que dispunha de força e autoridade suficientes para tal. Seja por meios
físicos, seja através da persuasão das consciências, passaria a ser um dever do
Estado, uma obrigação do bom governante, combater a ignorância e o
desconhecimento da ordem natural. Caberia ao Estado a responsabilidade de
educar - para tanto dispondo de instituições escolares - os membros da sociedade
a respeito das vantagens e da superioridade do agir conforme os princípios
primeiros do liberalismo, impedindo que focos de instabilidade pudessem surgir por
obra da falta de esclarecimento sobre os verdadeiros mecanismos da vida social,
especialmente quanto a aspirações despropositadas de igualdade, responsáveis por
(35)
frondas ou levantes populares . Quando fosse impossível que os próprios
membros da sociedade se responsabilizassem pelos dispêndios com sua própria
88

educação ou de seus filhos, deveria a autoridade governamental, não apenas


exercer o poder fiscalizador sobre o oferecimento do ensino, mas ela própria se
encarregar da sua oferta, realizando uma socialização dos custos da escolarização
das classes mais pobres, mas sempre dentro de uma perspectiva de favorecimento
da manutenção do status quo.

Quanto a contradição entre a manifestação imediata das vantagens da ordem


liberal e a necessidade intermitente do Estado de promover o convencimento de
todos da superioridade do laissez-faire, Petitat salienta para a ocorrência de
situações, que se não mencionadas pela elegia fisiocrata, não escaparam a
praticidade dos liberais britânicos, que apontavam, conforme o seu julgar, para as
justificativas da presença constante e extensiva do Estado no campo educacional.
Neste sentido são ilustrativos os comentários de Adam Smith sobre a educação dos
trabalhadores. Para Smith, a intensificação da divisão do trabalho, contemporânea
ao advento do liberalismo econômico, terminaria por transformar os trabalhadores
manuais em seres completamente estúpidos e imbecilizados, provocando uma
"total corrupção do corpo da nação" (PETITAT, 1994, p.145). Algo a ser evitado a
todo custo, dada a sua importância política estratégica, visto que este era um
momento em que, concomitantemente às mudanças econômicas, sem dúvida muito
mais visíveis no mundo britânico, se afirmavam os emergentes Estados-nações.
Nestes, gradativamente, foram substituídos os antigos exércitos mercenários, que
em boa parte garantiram a superioridade militar (e conseqüente autoridade) dos
monarcas absolutistas, por exércitos de conscritos. Embora, em ambos, a infantaria
fosse a arma de maior importância, os exércitos de conscritos exigiam, da parte dos
seus componentes, fortes convicções morais (expulsar o camponês do indivíduo,
dando-lhe uma "fisionomia de soldado" (FOUCAULT, 1977, p.125), onde a
obrigação de defesa da pátria e do Estado, encarnada no soberano, se constituía
em crença tão poderosa que justificava o sacrifício da própria vida. Portanto, a
própria garantia de sobrevivência do Estado imbricava-se parcialmente com a
difusão indiscriminada do ensino entre os membros masculinos da sociedade, o
que, nunca é demais relembrar, não faltou à lembrança de Bismarck ante o sucesso
de Sedan.

A partir do século XVIII a atitude paternalista para com os pobres, de origem


aristocrática, passou a sofrer gradualmente críticas significativas - a caridade
89

alimentaria e não mitigaria a miséria, de acordo com a, então nova, argumentação


burguesa - estabelecendo-se uma correlação entre a permanência da pobreza e a
irresponsabilidade dos pobres. Esta mudança de atitude para com os pobres, não
teve apenas componentes de teor restritivo. A defesa da aproximação política com
os artesãos e outros trabalhadores, objetivando a hegemonia, já estão delineadas
em filósofos setecentistas como Diderot e D'Alembert (PETITAT, 1994, p.137), num
entendimento da educação poder agir como um instrumento de conjunção de elos
entre os segmentos integrantes do terceiro estado; de ser, empregando-se uma
expressão gramsciana, o "cimento" que solidificaria o bloco histórico
antiaristocrático. Embora os objetivos nitidamente defensivos - de impedir
sublevações ou ataques à propriedade privada de nobres ou burgueses - para o
oferecimento do ensino aos pobres apenas fossem, de fato, secundarizados no
século XIX.

Foi no século passado que a educação escolar veio a ocupar em definitivo um


papel ideológico mais positivo enquanto um importante instrumento para a
constituição de projetos de hegemonia das burguesias nacionais: a formação de
indivíduos e cidadãos absolutamente integrados aos padrões de uma utópica ordem
social plenamente burguesa. A imprevidência dos pobres, ainda que pensada como
uma tendência natural das classes baixas, seria um obstáculo ao engrandecimento
nacional, mas que poderia ser, no entanto, minorada por esforços educacionais
produzidos por dirigentes políticos e/ou empresariais informados pelo valor e
conhecimento da educação, em particular das ciências: "la educación es, pues, la
tónica de la nueva ideología empresarial" (BENDIX, s/d, p.64).

Em tal perspectiva, a difusão, ainda que mitigada, dos conhecimentos


escolares entre as grandes massas, permitiria, ao invés de incrementar
mobilizações populares radicais contra as tradições políticas e religiosas, favorecer,
pelo combate aos preconceitos do tradicionalismo, a aceitação dos novos valores da
ordem moderna, legitimando a ascendência burguesa e integrando politicamente os
de baixo. Em virtude do poderoso apelo da ideologia meritocrática e do fato de que
a ação institucional escolar vir a ocorrer desde a infância estaria, em tese,
impossibilitada praticamente qualquer alternativa educacional capaz de se situar
fora do espectro do ethos burguês. A escola ao reafirmar das mais diferentes
maneiras a naturalidade e superioridade da civilização construída sob a égide da
90

burguesia promoveria, por fim, a ridicularização de todo o utopismo e a


descontextualização histórica das lutas populares, dos movimentos sociais
contestatórios ou qualquer outra forma de insurgência. A força desta compreensão
do processo de universalização da escolarização é tão poderosa que, mesmo
dissimuladamente, persiste hoje, aproximadamente dois séculos depois, como
sendo a mais encontradiça - a de maior presença no senso comum, poderíamos
também dizer - das explicações para a constância das ações estatais no campo
educacional, ainda que tendam a ser, como acima mencionamos, os membros da
classe trabalhadora mais escolarizados os de maior impulsão contestadora à ordem
social.

Todavia, divergindo de uma sonhada idealização burguesa, que em seus


olhos enxergava a escola como um instrumento civilizador dos subalternos, a
introdução desta como um elemento do cotidiano das classes trabalhadoras não se
fez sem críticas ao cotidiano da vida nas escolas, marcadas pelo arbítrio e violência
sobre os alunos, não faltando resistências a sua imposição obrigatória (PETITAT,
1994) e à destruição de alternativas populares de transmissão de conhecimentos
(FRAGO, 1993; MORIYÃN, 1989).

Há problemas significativos em compreender a universalização do acesso à


escola - particularmente a elementar - como parte integrante de um processo de
extensão do exercício da cidadania às classes subalternas sem contestações mais
expressivas, mesmo quando são apresentadas como justificativa histórica para tal
entendimento da escolarização, a presença constante de pressões populares sobre
o estado no sentido de promoção da escolarização. Embora o significado político
dessas pressões possa ser apreendido sob perspectivas bem diferentes, é comum,
mesmo quando se pretende contestar as análises “reprodutivistas", serem as
manifestações populares compreendidas como resultantes, de modo especial, da
introjeção nas classes subalternas do meritocratismo burguês. A imagem de uma
trajetória bem sucedida na escola, enquanto meio objetivamente mais acessível
para o sucesso nas pretensões de ascensão social, tenderia ocupar uma
centralidade anteriormente desconhecida no ideário dos trabalhadores, sobretudo
urbanos.
91

Com sentido semelhante, a universalização da escolarização pode também


ser considerada a partir do papel político dos sistemas educacionais modernos
enquanto instâncias viabilizadoras de alianças entre as classes dominantes e
segmentos das classes médias. Esta forma de aliança política geralmente se
manifesta, multifacetadamente, na persistência de propostas sobre questões
educacionais em quase todos os projetos políticos que tem por objeto as classes
populares, onde, não raro a educação é eleita como ponto prioritário seja de
campanhas eleitorais seja de propagandas governamentais independente dos seus
matizes ideológicos. Petitat, analisando as lutas sociais no processo de constituição
do sistema escolar único francês, assinala as pretensões políticas de sedimentar os
elos com setores da pequena burguesia, sobretudo os que se inscrevem
profissionalmente no magistério, na ação de Jules Ferry, exemplificando este tipo de
intervenção hegemonizante. Apesar de alguns pesquisadores (TEDESCO, 1989)
considerarem haver uma especificidade nas pressões por escolarização dos
subalternos de regiões como a América Latina, que as distinguiriam daquelas das
sociedades capitalistas avançadas, podemos observar no Brasil aspectos similares
de aproximação política com as classes médias, mediante a sobrevalorização da
escolarização, encontráveis nas práticas populistas conservadoras dos anos
cinqüenta e sessenta, cujos exemplos principais seriam o lacerdismo carioca e o
ademarismo paulista. Mais recentemente, tais práticas estariam presentes no
ressurgimento do trabalhismo brasileiro dos anos oitenta.

A alegação de que as classes trabalhadoras incorporaram o meritocratismo e


por isto demandaram escolas para seus filhos obrigando o estado a construir redes
públicas, quando confrontada com a análise histórica parece ter dificuldades de
sustentar-se. Isto porque a incorporação da ideologia do mérito individual não deve
ser pensada como uma adesão integral sem releituras mediadas por interesses
particulares de classe. A ideologia burguesa da necessidade da escolarização e da
realização de uma trajetória bem-sucedida na escola foi conseqüência de um longo
processo de lutas políticas, transformações econômicas e reordenações culturais,
somente vindo a ser incorporada, de modo pleno, pelas classes subalternas
praticamente nos finais do século XIX, quando as classes populares, então,
assumiram claramente como sua reivindicação, não só a escolarização como a
reforma dos sistemas escolares, voltando-se contra a permanência dos regimes
92

dualistas e batendo-se, através de suas organizações políticas, pela


estabelecimento da escola única.

A disseminação, no conjunto geral da sociedade, de uma mentalidade


burguesa, pronta a substituir uma hierarquia social fundamentada nos direitos de
nascimento por outra baseada nas aptidões ou talentos naturais dos indivíduos
(HOBSBAWM, 1977) não significou uma imediata corrida às escolas ou o
crescimento de pleitos populares por abertura de escolas. Mesmo após as
revoluções liberais ou emergentes movimentos operários como o cartismo inglês,
para os pobres o ensino, como considerou Hobsbawm, ainda era "um himalaia a
alcançar" (HOBSBAWM, 1982, p.215) e nem sempre os pobres consideravam-no
um empreendimento possível de ser realizado, proporcionando rendimentos tão
vantajosos ao ponto de justificar os esforços de tal empreitada.

Ainda que para os membros das classes subalternas a conquista do sucesso


escolar significasse a possibilidade de inserção em esferas sociais mais
prestigiadas, esta quase sempre se restringia à entrada no mundo da pequena
burocracia, importante sem dúvida na medida em que abria chances de
simbolicamente colocar-se ao lado dos ricos e privilegiados (HOBSBAWM,1982),
portanto ascender socialmente, mas ainda sob uma condição hierarquicamente
inferior. Tal situação foi sublinhada por Gramsci (1976) ao comentar as atitudes
tomadas por famílias camponesas do sul da Itália quando um de seus membros
assumia um cargo na burocracia oficial ou eclesiástica. Mas é importante assinalar
que este tipo de comportamento - a agregação imaginária e mimética aos
dominantes - não se acompanhou de mobilizações em prol da extensão em larga
escala do acesso à escola. Muito ao contrário, não era raro serem encontradas
manifestações entre os poucos agentes, advindos de classes subalternas que,
esporadicamente, se apossavam de instrumentos de distinção social, como os
títulos escolares (BOURDIEU,1991), de fortes críticas a quaisquer tentativas de
facilitar o ingresso nas instituições de ensino, de defesa da permanência das
exigências e práticas seletivas, caracterizando uma atitude conservadora, bastante
encontradiça em sociedades mais rigidamente hierarquizadas, dotadas de
profundos traços oligárquicos. Porém, esta manifestações somente poderiam ser
feitas porque, sob suas diferentes formas nacionais, se universalizava a
escolarização.
93

Regras, regulamentos, prescrições, ao longo do tempo, vieram a ser


substituídos por novos procedimentos, porém o objetivo principal da instituição
escolar moderna permanece. E permanece produzindo seus efeitos na constituição
de seus agentes. A escola é instrumento de regulação das paixões.

A metáfora, de origens hobbesianas, de um estado da natureza onde


indivíduos livres dos laços de parentesco e dependência, des-regulados, em busca
da realização de seus interesses e por não existirem mecanismos de mediação,
tendendo, de modo quase inevitável, ao conflito, apenas aplacado pela formulações
de contratos entre partes, estabelecedores de organismos de regulação do viver
coletivo, isto é, dos aparatos do estado, garantia de segurança ante a ameaças à
possibilidade do viver social, sintomaticamente esquece que os indivíduos não
nascem adultos, mas que já foram crianças, isto é, em algum momento e de
determinada forma passaram por processos iniciáticos de socialização. A
categorização do indivíduo de modo abstrato-formal, através de um processo lógico,
fruto de longa tradição racionalista, a qual toma a racionalidade do indivíduo
proprietário como paradigmática da racionalidade humana, desconsidera a
historicidade do processo social de individuação dos homens. A emergência do
mundo do mercado e o conjunto das transformações dela advindas, como a
formação de novas classes, criaram (e criam) os indivíduos, bem como,
concomitantemente a imprescindibilidade de instituições específicas para sua
regulação. Tal regulação ou socialização virá a se constituir segundo óticas
produzidas pelas relações de classe, mas sempre sobredeterminada pelo ineditismo
do fato de que se realiza em sociedades modernas, sociedades de indivíduos. Não
se trata aqui de uma polêmica da precedência do indivíduo sobre a classe, mas sim
de tomar a existência do indivíduo, como agente social modelar, em sua condição
intrínseca e somente possível, no contexto da constituição de efetivas relações de
classe.

Em consonância com o crescimento das sociedades de mercado, aparatos


gigantescos e cada vez maiores - e mais caros - foram e são precisos para a
realização deste imenso processo de regulação. A existência das sociedades
modernas pressupõe a escola em todas as suas contradições. E esta pressupõe os
seus agentes institucionais, entre eles os professores, que ver-se-ão na condição de
defensores de sua existência, e por conseqüência, obrigatoriamente da escola.
94

Tenderão a defrontar seus interesses corporativos - defesa da escola , defesa das


condições de trabalho e de seu status social, sinonimizado em salários valorizados -
contra as transformações gerenciadas pelo próprio estado moderno. A discussão de
sua caracterização na sociedade brasileira contemporânea, sociedade esta que
vivenciou na segunda metade do atual século a aceleração do seu processo de
modernização, é o que, à frente, passaremos a fazer, tendo em vista,
principalmente, a crítica das teses que conceituam o magistério como integrante
proletarizado das classes trabalhadoras.
95

NOTAS

(24) Posicionamento defendido por pesquisadores inspirados em Foucault, como


por exemplo, Deacon e Parker (1994), mas que apesar de todo o seu aparente
determinismo termina por atribuir à escola um grau elevadíssimo de autonomia, pois
a torna imune às transformações que ocorrem ou podem vir a ocorrer na sociedade.

(25) É equívoco compreender que a constituição da ordem moderna implicou em um


imediato açambarcamento pelo estado de atividades ou ações tradicionalmente
realizadas pela esfera familiar, nem que a crescente presença dos aparatos estatais
não foi objeto de reações e resistências por parte das populações, como pode ser
observado nas análises de Thompson (1991) sobre os trabalhadores ingleses.

(26) Em sociedades de predominância protestante, como a Inglaterra ou os países


escandinavos, a autonomia efetiva diante do poder clerical somente virá a ocorrer
no século XIX, salvo é claro os Estados Unidos. No caso inglês o declínio do poder
da Igreja anglicana, em especial no ensino superior, somente vem a se dar a partir
de meados do século XIX, em meio às lutas por uma maior democratização política.

(27) Como exemplo, as instituições destinadas aos órfãos ou abandonados, as


"casas da roda". De origem medieval tiveram, em países católicos, os seus
procedimentos pedagógicos estendidos às raras iniciativas de escolarização dos
pobres. Posteriormente tais procedimentos, já em parte transformados, foram
circunscritos a um tipo específico de instituição educacional: o orfanato.

(28) A leitura crítica de Enguita sobre as posições "pró-americanistas" de Gramsci,


no sentido de que estas implicariam numa alienação dos trabalhadores, na medida
em que reafirmariam não apenas a sua exploração diante do capital mas
produziriam uma incapacidade de percepção das contradições em que estão
envolvidos e os modos de sua libertação, se contrapõe a outras leituras sobre
Gramsci, como a de Manacorda (1990; 1991) que afirmam exatamente ser este
“americanismo” condição básica e primeira para uma futura superação da alienação
dos homens sob a ordem capitalista e o "livre desenvolvimento das individualidades"
(MARX, s/d, p.53), positivamente disciplinadas, enfim, o ponto de partida para que a
classe operária possa construir e exercer a sua nova hegemonia.
96

(29) É preciso salientar que se na França a ocupação de cargos administrativos por


burgueses ricos foi um dos mecanismos de integração com a aristocracia
(constituição da "nobreza togada"). Em outras regiões européias, como por exemplo
nos estados alemães, tal processo não ocorreu, permanecendo forte a separação
entre burgueses e nobres, apesar das universidades alemães terem vindo a ser um
dos espaços de maior presença burguesa, conforme assinala Elias (1993).

(30) É preciso ter em conta que o processo de transformação da aristocracia de


caráter feudal em nobreza cortesã, entre outros aspectos envolveu uma gradual e
lenta passagem do sistema de educação por preceptores para um sistema de
instituições escolares de elite, ou seja, os colégios.

(31) Empregamos a categoria de capital cultural no sentido desenvolvido por


Bourdieu.

(32) Para uma análise dos requisitos psicológicos e sociais para o viver nas cortes
européias, que relaciona estes requisitos à constituição do indivíduo moderno, veja-
se Elias (1993, v.2).

(33) Embora os séculos XVII e XVIII apresentem significativos empreendimentos de


grande porte, como as companhias coloniais de comércio, permaneceu como
dominante no mundo agrário, a grande propriedade, cuja exploração cada vez mais
se realizava por meios de arrendamentos e parcerias. Enquanto expressão das
formas burguesas de produção ou distribuição, a pequena propriedade ainda era
quantitativamente predominante.

(34) Somente na França entre 1616 e 1647, segundo Porchnev, citado por Petitat
(1994, p.118), aconteceram mais de duzentos levantes urbanos.

(35) Ao contrário da vulgarizada imagem de camponeses e pobres urbanos


conformados à situação de penúria, foram comuns desde os finais da Idade Média,
e no caso da França intensificando-se com a proximidade da Revolução, as
revoltas populares como assinalam entre outros Villar (1990), Hobsbawm (1990) e
Krantz (1990).
97

CAPÍTULO IV
CAMPO: CATEGORIA EXPLICATIVA DO SOCIAL

Os capítulos anteriores tem uma função precípua: ao demonstrar as relações


intrínsecas entre os processos de individuação e de escolarização realizados nas
sociedades modernas, possibilitar a apreensão de que, consonante a tais relações,
a existência dos professores nestas sociedades vem a ocorrer sob a condição
específica dos mesmos serem, concomitantemente, partícipes ativos do processo
institucional de individuação (que se realiza não só mas também nas e pelas
escolas) e "funcionários" do estado moderno (36), depositários que são de uma
"autoridade delegada" (BOURDIEU, 1996, p.87), pois é este último que,
independente do caráter jurídico "público ou privado" das instituições escolares,
controla-as, exercendo seu poder de: sancionar estatutos, regulamentos e
programas curriculares; auferir legitimidade ao seu corpo docente; conceder (direta
ou indiretamente) verbas; enfim, consagra-as como legítimas para a realização
daquela que é explicitada como sua tarefa primeira: a socialização autorizada do
concerto de conhecimentos "que completa ou corrige a primeira educação familiar"
(PETITAT, 1994, p.122), através do seu ensino àqueles que, por sua vez,
encontram-se legitimamente autorizados para recebê-lo. Portanto, sendo as escolas
instituições integrantes do estado e participantes não-secundárias do processo de
individuação, os seus agentes centrais, os professores, tornam-se seres
indispensáveis às sociedades modernas.

Esta situação, porém, de indispensabilidade não vem a resultar


necessariamente na posse de ganhos sociais expressivos, ainda que simbólicos.
Isto porque se as duas condições existenciais do magistério, antes citadas, bem
como as relações que lhes são adscritas vêm a conformar a constituição social dos
professores, inscrevendo-os em campos sociais específicos, elas, no entanto, não o
fazem ahistoricamente ou à parte das peculiaridades nacionais da constituição
desses campos.

A menção feita à categoria de campo é um indicativo do instrumental teórico


por nós utilizado para a apreensão da complexidade do processo de transformações
da constituição do magistério. Este instrumental é resultante de uma articulação de
98

conceitos produzidos: por Bourdieu, para objetivar uma teoria da prática social,
especialmente, além do de campo, os de espaço social, habitus e estratégia; por
Gramsci, para compreensão da ocorrência da hegemonia - e da contrahegemonia -
em sociedades "ocidentais"; por Foucault, para analisar a governamentabilidade e a
disciplinarização conformadora de todos os que nas e pelas instituições foram ou
são sujeitados. O emprego articulado das categorias de Gramsci e Foucault foi
formulada por Luz (1979) para proceder à investigação de instituições médicas (37). À
sua proposta, procuramos integrar as reflexões de Bourdieu.

Estamos cientes de que os efeitos do emprego desta nossa forma de


abordagem teórica nos coloca, como à frente veremos, em desacordo com
reconhecidas interpretações sobre a caracterização social dos professores. Por
outro lado, sabemos também que o fato de aproveitarmos na análise de uma
categoria específica de agentes sociais (os professores) um modelo de abordagem
desenvolvido prioritariamente para o estudo de instituições pode provocar
contestações. Todavia, ante a quaisquer tipo de objeções teóricas daí decorrentes,
gostaríamos de ressaltar algo aparentemente óbvio mas não poucas vezes
esquecido: os agentes sociais somente ganham uma existência social, em outras
palavras, passam a ser uma realidade socialmente concreta, quando posicionados
no interior de instituições de uma dada sociedade. Essas instituições inscrevem-se
em campos singulares da sociedade. Estes encontram-se interseccionados entre si
e em permanente interação, por força da trajetória histórica das relações sociais, as
quais, em sociedades desigualmente estratificadas, se configuram como relações de
luta entre (e no interior de) classes e frações de classe. Assim sendo, é possível que
uma abordagem pensada em primeiro lugar para a análise institucional possa ser
transposta para o estudo de mudanças ocorridas na constituição de agentes, pois o
existir institucional se concretiza pelas ações e relações desses agentes, ainda que
essas não se façam ao dispor das suas vontades, porém sob as condições
particulares e estruturalmente determinadas de produtores especializados ou
consumidores desapossados dos instrumentos de produção da violência simbólica,
isto é, dos ritos e dos discursos conformadores, pela afirmação de determinadas
práticas, de um certo campo. Deste modo, o existir dos agentes ocorre, por
princípio, incurso em um jogo de forças delimitado por estruturas que são
99

objetivamente estruturantes do agir daqueles e que são, por sua vez, estruturas
subjetivamente estruturadas por este agir (BOURDIEU,1991).

Reconhecemos também que para uma certa tradição presente na "sociologia


da educação", nossas proposições se apresentam como contraditórias e inviáveis,
pois ao mesclar autores aparentemente oriundos de tradições teóricas muito
diferenciadas, quando não antagônicas, elas estariam produzindo um discutível
amálgama analítico que redundaria, certamente, num ecletismo estéril. Ao nosso
ver, uma compreensão de tal tipo sobre o uso de instrumentos conceituais se
fundamenta em uma avaliação equivocada, seja da prática científica in totum, seja
de aspectos gerais ou pontuais do pensamento dos autores por nós eleitos, em
particular, o de Bourdieu.

Embora os aspectos epistemológicos relacionados ao que propomos como


instrumento analítico possam ser depreendidos desde as nossas anteriores
considerações acerca das relações entre escolarização e modernidade, visto
estarem a elas implícitos, julgamos fazerem-se necessários, mesmo que mínimos,
alguns esclarecimentos sobre a perspectiva que definem nosso objeto, pois a lógica
que conduz nossa opção teórica se contrapõe a abordagens que buscam sustentar-
se nas chamadas "teorias sociológicas das profissões", dado que duvidamos da
correção conceitual destas últimas.

Conforme a crítica desenvolvida por Bourdieu, essas teorias tendem, por


serem veladamente empiristas, a tomar por objeto ou reconhecerem como conceito
teórico, de modo mais ou menos sofisticado, as noções veiculadas pelo próprio
senso comum dos executantes de certas práticas profissionais, ou seja, pela doxa
através da qual aqueles, arbitrariamente, assinalam os atributos propiciadores
(naturais ou socialmente adquiridos) de ingresso e permanência em um corpo
profissional e intentam legitimar politicamente os instrumentos institucionais
(sindicatos, ordens profissionais, etc.) construídos para garantir a existência desse
corpo profissional. É preciso frisar que não se trata aqui de negar a existência de
profissões ou a amplitude com que estas se desenvolveram nas sociedades
modernas, nem tão pouco, embora sempre seja de grande valia o relembrarmos aos
sociologicamente desavisados, ressaltar o teor ideológico dos reacionários
discursos a respeito de aptidões ou dons naturais. Esta seria uma forma biologicista
de explicar as posições desiguais dos agentes na esfera social, a qual faz de seu
100

particular desconhecimento sobre a força das determinações sociais na constituição


disciplinar dos indivíduos, argumento para a defesa da naturalidade das diferenças
de classe, gênero ou etnia, classificando como atavismo o que é socialmente
instituído. Não é disto que trataremos, pois outro é o acento da crítica às
"sociologias das profissões". Ele localiza-se na secundarização, por tais teorias, das
relações existentes entre os vários campos da sociedade, as quais enquanto
fundamentais para a definição dos limites de cada campo específico onde são
exercidas certas práticas profissionais e dos seus modos distintivos de exercício,
são conformadoras daquelas outras relações que ocorrem tanto entre os
pertencentes a um determinado "círculo profissional", como entre estes e os que
dele encontram-se por alguma razão excluídos.

Ao nosso entendimento, esta secundarização das relações entre os vários


campos da sociedade, é provocada, entre outros fatores, por uma compreensão
ingênua do processo de produção do conhecimento científico, pois ao se definir a
profissão (em nosso caso a de professor) como o objeto de pesquisa, está por se
subentender que o objeto é um ente, por essência, concreto e encontradiço no
mundo social. Em outras palavras, concebe-se o objeto como um fenômeno cujo
contorno deveria ser rigidamente delineado, à moda dos preceitos ou, porque não
dizer, preconceitos da ortodoxia positivista de delimitação do fato social. Ora, para
nós, a definição de um objeto de pesquisa não pode ser vista como uma
identificação empírica empreendida pelo sujeito que, em decorrência única do
processo de observação, realizaria um recorte do real, dele extraindo o fenômeno a
ser conhecido. Como lembrava Bachelard: "...o objeto não pode ser designado
como um "objeto imediato", por outras palavras, um movimento para o objeto não é
inicialmente objetivo... a adesão imediata a um objeto concreto apreendido como um
bem, utilizado como um valor compromete demasiado intensamente o ser sensível,
é a satisfação íntima, não é a evidência racional" (BACHELARD, 1984, p.128, grifos
do autor). A redução do objeto científico ao objeto concreto redunda, portanto, no
escamotear das perspectivas axiológicas que atuam implicitamente no processo de
definição do primeiro.

O objeto científico é resultante de um processo de construção só viabilizado


por meio de uma operação de ordem teórica onde o emprego de certo instrumental
conceitual, de modo metódico, se constitui no elemento possibilitador de sua
101

determinação. Os conhecimentos científicos somente podem resultar da presença


constante de um conjunto de referenciais, os quais não são outra coisa senão a
teoria. Ela é a responsável por informar e delimitar as questões que se fazem
presentes no cotidiano das práticas científicas. Destarte, mostra-se equívoca a
pouca importância dada à teoria nas postulações de fundamento empirista, cuja
contraface política no campo educacional manifesta-se tradicionalmente sob a forma
de experimentalismos ou praticismos imediatistas que, mesmo quando eivados de
pretensões progressistas - a despeito de todas as suas evocadas intenções
democratizantes e de seus formais "desejos de ir além da denúncia" - não raro
sucumbem ante a força de variáveis que teimam resolutamente em não se
submeterem à vontade reformista. A secundarização da teoria é resultante da
incompreensão de que os dados nunca são meros dados, mas sim tentativas de
respostas - procuradas conscientemente ou não - a indagações de pretensões
científicas.

Esta incompreensão da importância da teoria se faz presente, de modo


perfeito e sub-reptício, em um sem-número de "disfarces metodológicos"
empregados no intuito de promover - constantemente por intermédio de apelos aos
postulados fenomenológicos - um pseudo-afastamento de posições declaradamente
empiristas. Aliás é comum, especialmente entre pesquisadores do campo
educacional, definir-se restritamente como posições empiristas, os estudos onde é
expressiva a valoração dada ao uso de técnicas da análise estatística, fazendo com
que as chamadas pesquisas quantitativas sejam, por princípio, classificadas como
empiristas, num entendimento simplório que iguala empírico a empirismo além de,
com isto, não realizarem a ruptura com as "taxinomias pré-construídas ou formais"
(BOURDIEU, 1982, p.186), norteadoras das análises marcadas pela alheação
empiricista, sejam elas "quantitativas ou qualitativas". Por não serem apenas
conjuntos aleatórios de reflexões articuladas sobre determinados fenômenos mas,
ao contrário, por exercerem a condição de elemento decisivo e imprescindível em
qualquer tentativa de investigação precisa, os dispositivos teóricos cumprem, na
formulação das problemáticas da pesquisa, um papel de crucial importância para o
conhecimento. Este papel assume um duplo aspecto, cuja dialética configura a
trajetória da produção dos conhecimentos.
102

O primeiro aspecto é de caráter eminentemente positivo: ser dinamizador,


impulsionador e viabilizador da produção de novas verdades, pois que o saber
científico não é contemplativo, mas sim realizador. É a partir da teoria que se
questionam as certezas, que o senso comum (inclusive o próprio a esses homens
críticos que são os intelectuais) desconsidera ser conveniente duvidar e podem ser
construídas as retificações, sempre sucessivas embora não-cumulativas,
promotoras das mudanças de enfoque e perspectiva quanto à natureza do objeto.

É graças ao uso meticuloso das teorias, pelo "conhecer o método de


conhecer para captar o objeto a conhecer" (BACHELARD,1977), que se constrói o
conteúdo das indagações científicas, a formalização de novos problemas a serem
trabalhados e resolvidos, quando não de "novas ontologias". Por ela, a teoria, torna-
se possível a formulação de hipóteses dotadas de uma estrutura nocional
(BACHELARD, 1984), radicalmente distante de intuições ingênuas que não mais
protagonizam senão o reconhecimento de verdades passadas e incrustadas. Em
especial, é através da teoria que se pode abandonar toda e qualquer pretensão de
pensar a realidade como passível de ser formulada em conceituações simples. O
real nunca é simples, não vem a ser composto pela justaposição de elementos
atomizáveis. Abstrata síntese de múltiplas determinações, segundo a conhecida
expressão de Marx, a "imagem conceitual" de um objeto científico é estruturalmente
dotada de complexidade relacional, pois o conhecimento que aparenta ou advoga
para si uma simplicidade estrutural, na verdade, afigura-se ainda na condição de um
"não-conhecimento", de um mal pensar o complexo, produto de uma problemática
mal formulada, a qual precisa ser superada para que as próprias ciências venham
também a se superar (BACHELARD,1977;1990).

O segundo aspecto do papel dos dispositivos teóricos caracteriza-se por ser


negador do desenvolvimento continuado da produção do conhecimento científico.
Decorrente da força que lhe é específica e intrínseca, toda teoria que se revela
analiticamente fecunda pode, no correr da rota normal das pesquisas que a ela se
fazem adscritas (KHUN,1987), tender a bloquear as possibilidades de indagação
sobre aspectos não-apreendidos ou resolvidos pelas formulações teóricas em vigor,
vindo a se constituir em obstáculo ao conhecimento. Conforme ainda Bachelard,
somente pela problematização da teoria existente e dos próprios intentos ou mesmo
divagações do investigador, poder-se-á superar os entraves colocados por esta
103

forma de obstáculo epistemológico, muito mais sutil e eficaz em seus efeitos


obstaculizadores do que as afirmações "grosseiras" do senso comum porque,
aludindo às verdades formuladas sobre o real, iludiria o pesquisador ao lhe impor,
geralmente de forma inconsciente, no transcurso de sua formação escolar a
delimitação do perímetro em que se encontra o conjunto de paradigmas
estabelecidos, nos quais pode transitar sem os riscos da desautorização dos seus
pares pois, já de antemão, encontrou definido o que é possível, legitimamente, o seu
pensamento pensar, uma vez que é: “sobretudo através das problemáticas
obrigatórias nas quais e pelas quais um pensador reflete que ele passa a pertencer
à sua época podendo-se situá-lo e datá-lo" (BOURDIEU, 1982, p.207). Assim, tornar
público, do modo mais explícito possível, os pressupostos teóricos de onde
acreditamos partir - não para afastá-los na busca da negação de sua intervenção
cognicente, mas para interrogá-los sistematicamente, permite-nos delinear a
problemática na qual se processará a produção do objeto a ser conhecido, visto que
não há uma verdade científica que se apresente como um absoluto a alcançar, mas
unicamente conhecimentos expressos sob a forma de discursos delongadamente
construídos no esforço dos erros produzidos, das respostas que indicam tanto a
inflexão dos esquemas cognitivos como a intenção e a necessidade de construir
novos percursos intelectuais.

O intento de um processo de investigação é a produção de conhecimentos,


cujos graus de veracidade, estatuto de cientificidade e validade devem ser sempre
os mais abrangentes e redimensionadores possíveis das verdades afirmadas, até
atingir-se o ponto de sua negação. Entretanto, não se pode tomar como garantia "de
per si" de cientificidade o reconhecimento dos valores internalizados no sujeito e
intervenientemente presentes na constituição do objeto. Isto não é condição
suficiente para a produção do conhecimento de aspiração científica. Prescinde ter-
se como fim desejável a todo momento, por meio da vigilância intelectual de si
mesmo (BACHELARD,1977), a objetivação do conhecimento, assumida como parte
integrante dos procedimentos investigatórios. Em caso contrário, afirmaríamos
desde já a instituição das evidências, entrave a qualquer possível novo saber.
Pretensões discursivas à parte, o descuido com a objetivação possibilita que o
conhecimento afirmado não mais seja do que a reordenação, sob nova forma, de
uma verdade não somente anteriormente pronunciada, como de imediato
104

identificada, antes mesmo de se processar o principiar da pesquisa. Limitaríamo-


nos, se assim o procedermos, ao exercício de referendar nossa própria ideologia,
aqui compreendida em seu significado restrito de visão mistificadora do real,
alimentando o poder de um discurso que teria sua força na reprodução constante e
ritualística de seus ditos; na aclamação das suas "verdades", como verdades
objetivas e objetivadas por meio da autoridade de sua fala, mesmo quando estas se
auto-apresentassem como "verdades relativas".

Em suma terminaríamos, ainda que desejássemos de todo nos afastar das


aporias da filosofia do conhecimento, por tornarmo-nos, invariavelmente,
prisioneiros dos velhos dilemas das polêmicas entre o nominalismo e o realismo.
Como afirma Bourdieu, para a construção de um objeto científico se faz preciso
executar o difícil procedimento, em absoluto distinto de uma velada e sofisticada
reafirmação de uma atitude de neutralidade quanto aos valores pelo pesquisador, de
renunciar, de certo modo e dentro dos limites em que isto vier a ser possível, "a
tentação de se servir da ciência para intervir no objeto, para se operar uma
objectivação que não seja a simples visão redutora e parcial que se pode ter, no
interior do jogo, de outro jogador, mas sim a visão global que se tem de um jogo
passível de ser apreendido como tal porque se saiu dele" (BOURDIEU, 1991,p.58).

Ser bem sucedido em tal empreitada, em boa parte, decorre do como


empregamos - do estar também atento às armadilhas que podem acompanhá-las -
as "ferramentas do pensamento", herdadas do acervo teórico que faz parte de
nosso legado intelectual. Neste sentido, é de grande utilidade o recurso ao devir
histórico, pois evita o incorrer-se num substancialismo abstrato, que torna as
categorias analíticas transcendentes à história. O atentar para a história sob uma
perspectiva não-teleológica impõe tanto a crítica ao uso formalista, para não dizer
fetichista, dos conceitos, onde domina "a propensão para considerar os
instrumentos "teóricos"... em si mesmos, em vez de os fazer funcionar, de os por em
ação" (BOURDIEU, 1991, p.27), como exige um pensar "relacional". Tal pensar
deve ter por perspectiva investigatória primeira a construção histórica das "redes de
relações de oposição e concorrência" (BOURDIEU, 1991, p.30), que ligam um
objeto ao conjunto dos demais integrantes do(s) campo(s) - dotado(s) de uma
estrutura estruturada e estruturante (BOURDIEU,1991) - que os abrange e
circunscreve.
105

Ao mesmo tempo, o exercício crítico da teoria necessita garantir para si a


construção de suas condições de realização mediante a historicização dos seus
conceitos, pois é "descobrindo sua própria historicidade que a razão obtém os meios
para escapar à historia" (BOURDIEU, 1990, p.38), em suas determinações mais
inconscientes. Exatamente por ter como referência inicial esta historicização dos
agentes e suas estratégias, das estruturas onde estão inscritos e dos conceitos a
estes relativos, em outras palavras, por entender que há em todas estas três
dimensões (dos agentes, das estruturas e dos conceitos) uma gênese social, que a
obra de Bourdieu, centralmente estratégica na conformação de nosso instrumental
conceitual, não pode ser caracterizada, como uma variação estruturalista ou
ultrarelativista, cujos resultados finais seriam a legitimação cientificista da
perpetuação do status quo ou a acalentação dissimulada de um ceticismo
epistemológico generalizado, no qual a presença dos interesses interditaria a
positividade ou objetividade de qualquer conhecimento, visto que todo saber, em
última instância, seria arbitrário. Essas apreensões do seu pensamento se
constituem em equívocos interpretativos, seja por lançar-lhe, conforme assinalamos
antes, a costumaz pecha de reprodutivista, seja por acusá-lo de construir uma
argumentação ilógica, onde a pretensa objetividade da sua análise somente seria
alcançada mediante o recurso a um golpe de mão: o advogar exclusivamente para
si, numa metamorfose autoafirmativa, a interpretação científica da realidade
(VICENT,1983; FERRY e REBAUT,1988). Assim, "escapar à história" não significa,
para Bourdieu, sobrepor-se ao mundo das relações sociais, como se o pesquisador
pudesse, pelos seus acertos metodológicos, levitar sobre os interesses e guindar-se
a ter por mestre condutor do processo de sua pesquisa, uma transcendente razão
universal. Muito ao contrário, este "escapar" passa por radicalmente não incidir-se
no desconhecimento de que o mundo social, nele incluídos os espaços onde são
produzidos os discursos sobre o mesmo, principalmente os sociológicos, se constitui
em campos de luta permeados de história, onde, poderíamos dizer parafraseando-
se a Marx, os fantasmas do passado (e do presente) assaltam o cérebro dos
homens.

Por atentar para a historicidade do social e dos conceitos a ele relativos, a


proposição de uma teoria da prática social (BOURDIEU,1972, 1983 e 1991) procura
ser uma alternativa ao dilema presente e constituidor de toda a história da ciências
106

sociais: a antinomia entre o subjetivismo e o objetivismo (BOURDIEU,1991). Neste


sentido a sua construção de uma teoria da prática social busca, primeiro, proceder a
uma ruptura com as tradições das filosofias do sujeito, caras às formulações
fenomenológicas inspiradoras do interacionismo simbólico, da etnometodologia e
mais recentemente da corrente marxista analítica, de que é exemplo paradigmático
a obra de Elster (1989), as quais tendem a tomar, em maior ou menor grau, por
universais suas representações de uma construção particular e histórica: a do
indivíduo dotado da racionalidade própria à vida social moderna.

Em segundo lugar, a proposta de Bourdieu também apresenta-se como um


contraponto à tradição estruturalista, na qual, graças ao privilégio ontológico da
categoria de estrutura, os agentes, visto serem definidas suas disposições
exclusivamente como efeitos estruturais, são reduzidos ao papel de suportes dessas
mesmas estruturas (BOURDIEU,1991; POULANTZAS, 1975). Assim, sob a
condição de compreensão alternativa ao estruturalismo objetivista e ao subjetivismo
fenomenológico, a sociedade é concebida por Bourdieu como um campo: "o campo
social é um espaço multidimensional, conjunto aberto de campos relativamente
autônomos (grifos nossos), quer dizer, subordinados quanto ao seu funcionamento
e às suas transformações de modo mais ou menos firme e mais ou menos directo
ao campo de produção econômica: no interior de cada um dos subespaços, os
ocupantes das posições dominantes e os ocupantes das posições dominadas estão
ininterruptamente envolvidos em lutas de diferentes formas (sem por isto se
constituírem necessariamente em grupos antagonistas)" (BOURDIEU, 1991, p.153).
Deste modo, o campo social não é um espaço amórfico, a ser moldado pelo
subjetivismo da vontade dos agentes, mas sim local da ação de forças sociais,
histórica e objetivamente estruturado. Porém, de modo diverso ao pensamento
estruturalista, as práticas dos agentes são consideradas como incidindo
efetivamente na estruturação deste espaço estruturante. Tem-se, por esta definição,
uma representação metafórica do espaço social de dupla face: uma, topológica,
geográfica - espaço configurando por regiões ou subespaços (os campos
particulares), dotados de autonomia relativa frente uns aos outros e subordinados,
também por uma mediação indireta, ao campo econômico - e outra, física - espaço
como campo de forças, que, de modo objetivo, impõe dinamicamente propriedades
específicas aos agentes.
107

A representação topológica, por ter como principais as categorias de


autonomia relativa e subordinação, remete-nos inevitavelmente a outro dilema
igualmente intrínseco à trajetória das teorias sociológicas: o do determinismo. Ante
às infindáveis controvérsias exegéticas da tradição marxista sobre o poder
determinador, em última instância, atribuído às relações econômicas (sobretudo no
que diz respeito aos efeitos decorrentes das contradições entre as forças produtivas
e as relações de produção) - controvérsias que alimentaram, por não raro fazerem
do social um epifenômeno imediato do econômico, um leque de dogmatismos que
se estende do economicismo mais mecanicista ao voluntarismo mais pretensioso - e
ao distanciamento imaginário dos efeitos concretos do campo da produção
econômica defendido por toda sorte de neo-idealismos ultrarelativizadores, a
proposta de Bourdieu intenciona apreender os graus de autonomia relativa dos
diversos e possíveis campos constituidores do espaço social para com o campo
econômico. Embora pretenda conscientemente ser uma ruptura crítica com o
marxismo, especialmente no tocante à conceituação de classe social, ela, em muito
dele se aproxima pois centra-se numa problemática, que ressalvadas algumas
considerações terminológicas, é cara à tradição da analítica marxista. Sublinhe-se
que, ao contrário de perspectivas fundamentadas ou influenciadas, de alguma
maneira, pelas interpretações althusserianas, para Bourdieu não se trata de
conceber as relações entre os diferentes campos e a autonomia relativa face ao
campo econômico como desde sempre estruturadas sob limites circunstancialmente
dados, mas sim as apreender como processualmente constituídas, portanto
historicamente produzidas. Deste modo, a configuração das estruturas dos campos,
enquanto uma resultante histórica, não é anterior aos agentes.

Os campos se constituem no processo das relações sociais, não


necessariamente vêm a antecede-las. A importância dada à processualidade
histórica na compreensão dos campos e de suas estruturas é igualmente presente
na representação destes como "campo de forças". Pensar os campos como
espaços onde os agentes estabelecem entre si relações de força, proporciona a
compreensão da estrutura daqueles como um estado dado por essas relações de
força, podendo, assim, estar sujeita a transformações. Mas a estrutura de um
campo, se suscetível à ação interveniente dos agentes, é, por sua vez, definidora
das propriedades de funcionamento deste. Estas propriedades de funcionamento se
108

constituem no modo de distribuição das diversas formas de capital (econômico,


cultural, simbólico), possibilitadoras da distinção social (portanto, da divisão
socialmente legítima dos agentes), a qual é mediada por um princípio de
diferenciação: a posse da forma de capital estrategicamente singular a cada
respectivo campo.

Conseqüentemente, as propriedades de funcionamento historicamente


constituídas são responsáveis pela disposição no interior de um campo: dos lugares
(posições), das relações e dos interesses comuns fundamentais dos agentes. Como
essas disposições se estabelecem absolutamente interligadas num mesmo
processo, gravitando em torno à monopolização do objeto de distinção
(diferenciação) social: a forma de capital especificamente dominante nos campos
sociais, estes últimos são obrigatoriamente pautados pela disputa sobre a posse
dessa forma de capital, tornando-os, por força desta mesma disputa,
imprescindivelmente: "um lugar de uma luta mais ou menos declarada pela definição
dos princípios legítimos de divisão do campo" (BOURDIEU, 1991, p.150). O caráter
dos conflitos no interior dos campos possibilita que a realidade seja compreendida
em um nível que escapa aos estudos tomados a partir de uma "teoria da resistência
cultural", presente, por exemplo, em Giroux (GIROUX,1986), pois que nesta última
falta um detalhe de grande importância: o reconhecimento que a cultura dos
dominados também se estrutura em campos não-estanques, abandonando-se o
debate interminável sobre a plena absorção pelos dominados da cultura dominante -
mesmo que nas formas degradadas da indústria cultural - ou das condições de
efetivação de sua pureza.

Ao conceituarmos a cultura dos dominados como estruturada em campos,


podemos compreender que as estratégias de distinção empregados por alguns dos
dominados, em geral através de um mimetismo da cultura dos dominantes, não
significam uma simples "contaminação" ideológica, mas um empreendimento de
promoção social, mesmo que restritamente simbólica. Uma tentativa, sob condição e
oportunidade favoráveis, de auferir determinados benefícios sociais, de apropriação
de determinada forma de capital. O conceito de campo permite-nos escapar do beco
sem saída teórico do multiculturalismo, da contaminação ideológica, das "culturas
separadas", onde as subordinadas "resistem" ao domínio ideológico das
dominantes, levado a efeito pelo controle dos meios de comunicação de massa e
109

outras instituições, principalmente, as escolas e as igrejas. Prender-se a um


substancialismo ideológico das classes é desconhecer que a "cultura" dessas
classes, muito especialmente nas sociedades modernas ou ocidentalizadas, resulta
das relações sociais que as constituem concomitantemente, não sendo decorrentes
de uma justaposição ou "encontro" entre culturas em essência distintas.

É importante sempre ressaltar que, na perspectiva aberta por Bourdieu, a


constituição de um campo social autônomo, ou seja, dotado da autonomia relativa
frente aos demais campos, em particular ao econômico, traz por conseqüência a
questão da definição de formas socialmente legítimas de empreender-se a luta
neste campo, a qual ao se realizar legitima o próprio campo. A luta, neste sentido,
se configura sob a forma de um jogo de atos e atitudes, a circular entre a ortodoxia
- forma consagrada de agir - e a heresia - estratégia de ruptura crítica, subvertedora
do modo de distribuição do poder no interior do campo - ambas decorrentes do
reconhecimento pelos agentes de regras e crenças - os ritos de passagem e
iniciação ou, no próprio dizer de Bourdieu, de instituição (BOURDIEU, 1982; 1996) -
particularmente necessárias ao ingresso e à permanência no campo, pois é através
delas que se realiza, de modo próprio a este, a nomeação específica da realidade,
prescrevendo, de antemão, um acordo, por vezes inconsciente, entre os
antagonistas sobre o que está sendo, de fato, posto em disputa. Situados nesses
espaços de luta, os agentes sociais, no correr de seus enfrentamentos mútuos,
constróem estratégias próprias de atuação, estruturalmente orientadas, que
objetivam a monopolização interna dos símbolos e significados institucionais,
produzida pelo apossar-se dos objetos de distinção, isto é, do capital específico de
cada campo.

A luta por essa monopolização, que se realiza mediante o emprego de


instrumentos autorizados - portanto também socialmente legitimados - de exercício
da violência (simbólica ou física), implica em permanente esforço para impedir, pela
desqualificação de suas pretensões, que agentes concorrentes venham a ser
capazes de ou apoderarem-se desse capital ou tornarem-no ilegítimo, ameaçando,
assim, posições de domínio no campo já alcançadas ou em vias de serem
conquistadas dentro de um campo social. No entanto, isto não significa que o
agente social haja sempre de forma consciente e racionalmente orientado pelo
interesse objetivo de galgar posições no campo, fazendo das pressões decorrentes
110

de valores morais internalizados uma mera justificativa ideológica e de todo agente


social um cínico(38).

Se um campo social se define por um objeto de disputa e pelos interesses


específicos de consagração social relacionados a posse deste objeto, torna-se,
conseqüentemente, um pressuposto básico da configuração de um campo, a
presença de agentes aptos e prontos a travar as lutas singulares ao campo,
estabelecendo-se, segundo Bourdieu, como condição sine qua non a todo agente
social ser dotado de habitus. Conceito estratégico em sua teoria da prática social,
pois que desenvolvido para superar a antinomia estrutura - agente, o habitus se
constitui em um "sistema de disposições adquiridas pela aprendizagem implícita ou
explícita que funciona como um sistema de esquemas geradores, é gerador de
estratégias que podem ser objetivamente afins aos interesses objetivos de seus
autores sem terem sido expressamente concebidas para este fim" (BOURDIEU,
1983, p.94) ou que impliquem no conhecimento e “no reconhecimento das leis
imanentes do jogo, dos objetos de disputas, etc." (BOURDIEU, 1983,p.89).

Produto histórico das relações do espaço social, o habitus de um agente tem


por referência o "sistema de disposições inconscientes" (BOURDIEU, 1982, p.201),
possibilitador dos "sistemas de classificações que preexistem (logicamente) às
representações sociais" do real” (Ortiz, 1983, p.16), particulares à sua posição no
campo social e que foram objetivamente internalizadas pelo processo de
socialização ao qual foi sujeitado. Pela via dessas disposições inconscientes, o
habitus é "princípio unificador e gerador de todas as práticas" (BOURDIEU,
1982,p.201), isto é, das estratégias do agente. A internalização do habitus permite
ao agente não apenas tomar as suas representações do real e as suas relações
com os demais agentes como naturais(39), porém muito além disto, dota as suas
práticas de uma desenvoltura (quanto ao gosto, ao porte, ao falar, etc.) inimitável
por aqueles que se encontram diferentemente posicionados no campo social.
Desenvoltura dada pela naturalidade distintiva - propriedade de todo habitus - que
possibilita ser afirmada ou negada a legitimidade dos interesses e da posição social
do agente social, de modo aparentemente irreversível. O habitus de um agente
expressa a distância que este encontra-se do proceder legitimamente prescrito no
campo. Proceder que vem a ser o sempre diversificado exercício, próprio aos
ocupantes das posições de maior domínio e respeitabilidade no campo social, da
111

distinção, isto é, da busca contínua pelo diferenciar-se o mais completamente


possível dos posicionados hierarquicamente na condição de dominados ou
subalternos. A distinção se concretiza, enquanto um processo de legitimação social
dos dominantes, pela desnaturalização de determinados modos de agir (comuns
aos subalternizados no campo) e naturalização de outros, nos quais acumulou-se
mais significativamente o capital distintivo específico ao campo, mediante as lutas
que ali se travaram e ainda são travadas. Muito logicamente são as crianças que
mais se encontram despercebidamente envolvidas neste jogo de
naturalização/desnaturalização de atitudes, que termina por ser um exercício
rigoroso de autodisciplina, um jogo de autocontrole, altamente intensificado com a
consolidação do processo de individuação nas sociedades modernas.

Como as propriedades e disposições configurantes do habitus adscrito à


condição social de todo agente dependem das dos demais agentes presentes em
um dado campo, a posição no espaço social vem a ser definida pelo conjunto
daquelas que o agente ocupa nos diferentes campos constituintes deste espaço.
Assim as interrelações entre os campos e o habitus delimitam as trajetórias que, a
princípio, os agentes podem ou poderão vir a realizar, mediante as estratégias que
estes últimos empregarem. Em outras palavras, estas interrelações estabelecem as
coordenadas do modo como os agentes irão atuar nos campos, jogando o jogo que
ali é jogado, mas ao mesmo tempo, desde que capacitados para tal, isto é, situados
em posição e condição propícias, desenvolverem estratégias de ruptura das regras
do jogo e se bem sucedidos, iniciarem um novo jogo.

Ao contrário de interpretações que a consideram ser uma apreensão


unicamente estática e sincrônica das relações sociais, onde os processos de
mudança seriam de facto pensados como impossíveis, uma vez que as ações dos
agentes sempre se encontrariam totalitariamente pré-estabelecidas pelo habitus,
configurando-se, de antemão, os percursos ou trajetos a serem teleologicamente
cumpridos em virtude da condição de classe, a obra de Bourdieu, implicitamente
permeada pelo sentido da historicidade, tem por pressuposto, permitindo-lhe assim
conceber tanto a ruptura transgressiva como a reordenação inovadora das regras
sociais sem cair nos logros da ingenuidade voluntarista (40), que a análise social soe
ser feita mediante o reconhecimento e a compreensão da gênese dos dispositivos
pelos quais todo agente realiza, sob os limites dos sistemas de representações
112

simbólicas aos quais está objetivamente vinculado, uma leitura da realidade, a qual,
em princípio, deve vir a ser orientadora das práticas dos agentes.

Para a compreensão da gênese desses dispositivos deve-se atentar para o


fato, o qual escapa a perspectivas centradas apenas nas condições intrínsecas de
classe, de que as interrelações entre campos e habitus nos permitem conceber as
propriedades dos agentes sociais não como unicamente provenientes da sua
condição objetiva de classe, como se essas propriedades fossem universais,
transculturais e transhistóricas; secundarizando-se os efeitos de distinção e
identificação provenientes, primeiro, das posições desses agentes nas estruturas
singulares de cada campo; segundo, das relações entre os campos e em terceiro
lugar, dos aspectos de ordem nacional da constituição dos campos sociais
(BOURDIEU,1983), em particular as singularidades históricas dos processos
geradores de suas autonomias frente a outros campos e da cultura política dos
agentes sociais. Assim, se é indispensável em uma análise relacional a construção
de homologias entre estruturas de campos diferentes a fim de que, mediante
comparações entre agentes que ocupam posições semelhantes em estruturas
diferentes, se obtenha um melhor entendimento do objeto em questão e,
obrigatoriamente, do campo em que este se inscreve, é preciso também sempre ter
em vista a diferença entre a homologia de posição e a condição de classe, pois por
um equívoco analítico, podem vir a ser considerados como idênticos agentes que,
embora posicionados de modo similar em uma dada estrutura, são, por força das
características atinentes às suas condições históricas de classe, desiguais
(BOURDIEU,1991).

Exemplo típico deste tipo de equívoco, o qual discutiremos em maiores


detalhes à frente, é a identificação dos professores à classe operária, afirmada na
tese do processo de proletarização do magistério. Mas, independentemente das
analogias e comparações que possam ser feitas entre campos sociais visando a
necessária apreensão de similaridades estruturais quanto a posição e condição de
classe dos agentes e à gênese de seus dispositivos, sabemos que as situações
sociais vivenciadas pelos agentes não são historicamente idênticas. É possível
portanto, a ocorrência de uma inadequação das disposições dos agentes, presentes
no acervo do capital cultural dado pelo seu habitus, às novas situações. A
inadequação das interpretações e práticas socialmente apreendidas para a
113

realização dos seus objetivos "obriga" aos agentes sociais a procederem, ainda que
seja pequena a margem de autonomia, com maior liberdade ante as orientações
para a ação tradicionalmente transmitidas. Especialmente quando ocorrem
situações inéditas e inexistem formas historicamente legitimadas de ação,
intensificam-se, contrapondo-se ao que seria aparentemente um destino
estruturalmente determinado, as possibilidades de flexibilização do agir dos agentes,
"que embora, não sejam produto de uma aspiração consciente de fins
explicitamente colocados a partir de um conhecimento adequado das condições
objetivas, nem de uma determinação mecânica de causas, mostram-se
objetivamente ajustadas à situação" (BOURDIEU, 1989, p.23). Isto faz das práticas
sociais, sobretudo dos que possuem posições elevadas no campo, um exercício de
estratégias diuturnas para assegurar as suas posições (41) ou galgar outras ainda
mais elevadas.

No entanto, a perspectiva da flexibilização das ações dos agentes não deve


conduzir-nos, enquanto pesquisadores, à crença em formas messiânicas de
desvelamento da realidade, estabelecendo como objetivo maior do empreendimento
analítico a apreensão de insights" desalienadores ou conscientizadores", os quais
transformariam diametralmente os modos de ação dos agentes. Muito ao contrário,
devemos ter como centro de nossa atenção, graças ao privilegiar o conceito de
trajetória, a diacronia das relações dos agentes, comparando os diferentes
momentos dessas relações no interior dos campos. Ainda que por vezes possa
parecer profundamente irracional, seja ao observador imbuído dos pré-julgamentos
de sua lógica particular, seja ao ativista político desejoso de instituir, àqueles que
aspirar representar, as suas específicas percepções de mundo, a trajetória do
processo dos esforços (e das lutas a eles vinculados) feitos pelos agentes, no intuito
da materialização dos interesses que têm por seus, é também a trajetória histórica
da produção das reinterpretações que os agentes, motivados por seus interesses
nos campos e mediados pelo legado cultural inscrito em seu habitus, fazem da
realidade. Estas reinterpretrações possibilitam a construção de suas identidades e
das dos outros agentes com os quais se vêm em relação no interior dos campos.
Em virtude da permanente referência ao caráter histórico das estratégias e das
trajetórias, portanto implicitamente do habitus e da gênese deste, consideramos ser
perfeitamente possível fazer-se uma aproximação entre Bourdieu e Gramsci,
114

sobretudo por dois aspectos do pensamento de Gramsci nem sempre devidamente


ressaltados por aqueles que se detém sobre suas reflexões a respeito de temas
educacionais ou pertinentes às determinações de classe dos intelectuais. Referimo-
nos às problemáticas da "herança cultural" dos agentes sociais e do processo
"nacional" de constituição dos intelectuais. A questão da herança cultural manifesta
em Gramsci através de sua sintética expressão "homem bizarro", empregada para
assinalar a diversidade de tradições e costumes, formadora do agir e do pensar e da
qual os homens são acríticos herdeiros, fazendo-os participantes de "uma
concepção de mundo "imposta" mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja por
um dos vários grupos sociais nos quais todos estão automaticamente envolvidos
desde sua entrada no mundo consciente" (GRAMSCI, 1978, p.12).

Esta aproximação é possível pois, conforme os comentários de Ortiz (1983)


acerca das relações entre o habitus e o processo de socialização dos agentes
sociais, Bourdieu "considera a socialização como um processo que se desenvolve
ao longo de uma série de produções de habitus distintos, dedica-se a uma atenção
particular ao período de formação das primeiras categorias e valores que orientam a
prática futura do ator" (ORTIZ, 1983, p.18). Ora, se os habitus são necessariamente
resultados históricos, nem por isto os agentes sociais possuem a dimensão da sua
historicidade e da historicidade das práticas, dos valores e das categorias por eles
gerados. Portanto, a constituição dessas práticas e a introjeção desses valores e
categorias realiza-se com toda a força da internalização primária, organizadora de
um primeiro esquema inconsciente de pensar, de identificar, de classificar, enfim
de instituir imaginariamente para si a realidade, definindo esta última de forma
sincrônica e naturalística, pela simbiose de instrumentos cognitivos de múltiplas
temporalidades, tornando os agentes sociais sempre algo "bizarramente"
constituídos.

Embora a expressão de Gramsci possa ser entendida unicamente como um


sublinhar da necessidade dos integrantes das classes subalternas, que aspiram a
romper com a dominação de classe a que se encontram sujeitados, procederem à
superação desta espécie de bricolage intelectual (PERRENOUD,1993) que é o
senso comum, ela, por estar intimamente associada à problemática do exercício da
hegemonia, refere-se em última instância às possibilidades das trajetórias (coletivas
e individuais) dos agentes sociais, portanto aos habitus desses agentes e às suas
115

lutas nos campos sociais. Qual não é a intenção de Gramsci em sua aparente crítica
burlesca do lorianismo, senão, primeiro, reafirmar como podem se encontrar,
subliminarmente presentes na constituição dos habitus dos homens, elementos de
enorme força que, à primeira impressão do observador, seriam incompatíveis e
chocar-se-iam com as formas reconhecidas como socialmente legítimas de
compreensão do mundo e do agir na sociedade. Estes elementos culturais não
imediatamente perceptíveis à consciência dos agentes, dado que o habitus é o
aprendido inconscientemente em meio aos efeitos das relações entre agentes
diferentemente posicionados nos campos sociais, longe de serem apenas
características psicológicas de indivíduos particulares, são traços desapercebidos
ou desconhecidos de seus habitus. Mas como diria Foucault, nem por isto eles
deixam de estar inscritos nas sensações dos corpos e de aflorar em momentos de
forte crise social geral como, por exemplo, na conjuntura que antecede à vitória do
fascismo e do nazismo (GRAMSCI,1978) ou na desagregação dos estados do leste
europeu quando do colapso do regime soviético. Enfim, eles se apresentam nos
momentos de grande tensão pela disputa objetiva e conscientemente empreendida
por posições nos campos sociais.

Embora reconhecendo o peso dos determinismos inconscientes aos homens,


nem por isto a análise gramsciana, tal como já tantas vezes foi ressaltado, rende-se
a um determinismo situado fora do quadro das relações sociais. Na linguagem
particular da conjuntura intelectual em que se inscreve, Gramsci procurou sempre
viabilizar uma alternativa entre o voluntarismo e o determinismo economicista, afim
de combinar a vontade transformadora do agente com as determinações objetivas
do social, buscando solucionar tal antinomia mediante o par liberdade-necessidade,
onde liberdade é fruto do exercício crítico da razão, do conhecimento (do
conhecimento que pretende realizar o conhecer de si mesmo, dos determinantes da
sua viabilização): far-se-ia livre aquele que conhece as determinações que pesam
sobre si, em última instância sobre o seu habitus (para o dizermos na terminologia
bourdieuniana) ou que realiza a desconstrução de seu discurso (numa expressão
mais propriamente foucaultiana).

Aproxima-se assim, o pensamento gramsciano do caráter libertário,


emancipatório e desmistificador que deve acompanhar, para Bourdieu, toda a
reflexão sociológica não-espontaneísta (eis, sob outra roupagem, o "escapar à
116

história"). Igualmente também podemos aí encontrar uma aproximação com as


preocupações de Foucault de, enquanto intelectual, não falar pelos subalternos,
mas de por em cheque as grandiloqüências que àqueles são estabelecidas e
mediante um efeito de poder interditam e fragmentam seus discursos e saberes:"...o
que os intelectuais descobriram recentemente é que as massas não necessitam
deles para saber; elas sabem perfeitamente, claramente, muito melhor do que eles;
e elas o dizem muito bem. Mas existe um sistema de poder que barra, que proíbe,
invalida esse discurso e esse saber. Poder que não se encontra somente nas
instâncias superiores da censura, mas que penetra muito profundamente, muito
sutilmente em toda a trama da sociedade. Os próprios intelectuais fazem parte deste
sistema de poder, a idéia de que eles são agentes da "consciência" e do discurso
também faz parte desse sistema. O papel do intelectual não é mais o de se colocar
"um pouco na frente ou um pouco de lado" para dizer a muda verdade de todos; é
antes o de lutar contra as formas de poder exatamente onde ele é, ao mesmo
tempo, o objeto e o instrumento: na ordem do saber, da "verdade", da "consciência",
do discurso." (FOUCAULT, 1979, p.71). Quanto não é tal afirmação de Foucault
semelhante ao descaso de Gramsci pela empáfia dos "intelectuais avinagrados que
se consideram o sal da terra", sejam eles de direita ou de "esquerda". Intelectuais
que afirmam suas posições no campo social à medida em que conseguem produzir
silêncios estratégicos entre a grande maioria dos agentes sociais. Destarte, afirmar
a importância dos "intelectuais orgânicos", não somente como categoria explicativa
mas também como agente de intervenção política, porém percebê-los como agentes
do "esclarecimento ou da consciência" e a eles incorporar, de modo generalísta,
agentes tradicionalmente voltados para a difusão de conhecimentos específicos,
como os professores, independente dos intentos políticos implícitos em suas ações,
é confundir as categorias de análise.

Porém, dado que não é nosso intento a apreensão de um possível rol de


interseções político-intelectuais entre Bourdieu, Foucault e Gramsci, as nossas
observações se restringem àquelas imprescindíveis à formulação de nosso
esquema analítico. Retornemos, então, aos limites de nossa temática: as mudanças
na situação dos professores no campo educacional.

Como salientamos antes, nas sociedades modernas concomitantemente ao


capitalismo e ao processo de individuação, vieram a se constituir modos
117

expressivamente mais complexos e diferenciados de exercício do poder, nos quais


as formas de comunicação inter e intraclasses se diversificaram, fazendo prevalecer
um novo modo de vida e de domínio social, de "brutal coerção psicológica e moral"
e de universal disciplinarização: os processos de hegemonia, onde vem a ser
fundamental a formação de hábitos e costumes (uma "reforma moral e intelectual"
para empregar-se uma conhecida expressão gramsciana). Hábitos que não são
apenas o resultado imediato e "mecânico" de certas condições econômicas, mas a
decorrência final de um processo mais longo de geração e posterior
disseminação/assimilação por vias institucionais dos mesmos.

Porém isto não significa dizer que a hegemonia é, em primeiro lugar, a


imposição absoluta e total dos intuitos dos socialmente dominantes. Ao contrário,
aqueles que almejam exercê-la devem necessariamente considerar os interesses e
as tendências dos grupos sobre os quais ela será exercida, procurando construir um
certo compromisso, a partir do sacrifício de aspectos não-essenciais dos seus
próprios interesses. Em segundo lugar, e por decorrência, a hegemonia não vem a
ser também uma aceitação passiva e sem ambições, por parte dos socialmente
subalternos, das situações sociais em que se encontram. O que, antes de tudo, a
conformação de um processo hegemônico propicia é o reconhecimento, como
naturais (mesmo quando podem ser estas consideradas moralmente injustas ou
desumanas), das regras fundamentais da sociedade em que se encontram. O
reconhecimento da naturalidade das regras sociais não vem a ser sinônimo de um
conformismo imobilista, antes disto, pode vir a ser um elemento de impulsão para a
transformação (particular ou individual, é claro) das condições imediatas de
existência. A legitimidade das regras sociais e sua "adesão consciente" somente se
faz possível pela disposição por uma classe dos recursos e condições intelectuais e
morais para a produção da aceitação do modo de existência social em vigor. Tais
recursos e condições na configuração específica da modernidade se viabilizaram
mediante a gradual conformação de inéditos, tanto de uma perspectiva quantitativa
quanto qualitativa, dados os seus graus de abrangência e dimensão de controle,
aparatos burocrático-intelectuais estatais e suas redes de funcionários.

Sabemos que a existência desses aparatos burocrático-intelectuais, ao


proporcionar a ocorrência do fenômeno da "produção" (via instituições escolares) de
intelectuais em "massa", dadas as novas necessidades de atendimento às
118

atividades administrativas ou de serviços, alterou as condições de vida e trabalho


dos que passaram a exercer atividades intelectuais. Estes vêm as suas aspirações
de ascendência social, de dotarem-se de respeitabilidade e legitimidade, enfim, do
posicionarem superiormente na hierarquia dos seus campos de inserção social,
serem historicamente subalternizadas diante de interesses outros e mais poderosos,
os quais o estado moderno tende, em última instância, a promover e defender.

Ao longo do tempo, processa-se uma intensificação da ocorrência de


contradições anteriormente desconhecidas entre estes agentes sociais e o poder
estatal, contradições que observações mais superficiais tendem a igualar àquelas
existentes entre trabalhadores manuais e as classes dominantes. Também é
verdade que se a existência de tais aparatos veio a ser um traço comum às
sociedades modernas, nem por isto estes se estruturam ou se estruturam de
maneira igual em todas as sociedades modernas. Ao contrário, as circunstâncias
nacionais definem muito diferenciadamente as suas formas e características,
fazendo com que a morfologia destes espaços de relações, isto é, os campos de
atuação dos agentes voltadas às atividades intelectuais, apresentem especificidades
nacionais bastante relevantes. Novamente, pelo ressaltar das singularidades
nacionais dos campos intelectuais, podemos verificar mais uma vez a aproximação
de aspectos das reflexões de Gramsci e de Bourdieu, pois ambos assinalam a
importância das condições particulares nacionais para a definição do modo de ser
dos intelectuais, do seu campo, para empregarmos uma terminologia mais própria a
Bourdieu.

Em virtude disto, ao discutirmos a constituição social do magistério, os


discursos analíticos sobre o pertencimento social de classe do magistério devem ser
apreendidos de modo não descolado das condições nacionais da sua existência,
das particularidades dos campos em que vem a ser inseridos. Se analisarmos os
professores no contexto das relações sociais próprias das sociedades modernas e
capitalistas descartando ou secundarizando as condições particulares da sua
existência em campos historicamente específicos e determinados estaremos nos
situando num grau de abstração e generalidade que pouco nos proporcionará de
apreensão da realidade. Neste sentido, é que empreendemos a crítica de análises
que, secundarizando as condições do campo social onde se encontram os
professores, buscam definir as suas condições e posições de classe como
119

independentes às particularidades constitutivas desse campo. Em função disto é


que retomaremos o debate relativo ao pertencimento de classe dos professores, em
especial sobre a possibilidade destes estarem vivenciando um processo de
proletarização, porém sempre tendo por referência o magistério no contexto da
sociedade brasileira, obrigando-nos, portanto, a atentar para as relações entre o
campo intelectual e a sociedade brasileira; a constituição da nação e de um estado
moderno soberano e a presença no campo intelectual de um campo educacional (42)
dotado, em parte, de autonomia e legitimidade, sabendo também que a autonomia e
a legitimidade não são atributos intrínsecos, os quais uma vez obtidos, nunca mais
desaparecem. Pelo contrário, nossa análise tem por pressuposto que, enquanto
resultantes históricas, a autonomia e legitimidade de um campo frente a outros, bem
como a situação daqueles que o integram, decorrem das relações travadas, portanto
de suas lutas, entre o conjunto dos diferentes agentes sociais nos vários campos da
sociedade, delas não podendo ser independentes.
120

NOTAS

(36) empregamos esta expressão no sentido formulado por Gramsci em seus


"Cadernos do Cárcere".

(37) Buscamos utilizar esta proposta analítica de Luz em trabalho anterior sobre o
movimento sindical de professores públicos (MASSON,1989)

(38) A luta por interesses no campo não é uma mera demonstração de cinismo, na
medida em que boa parte dos agentes desconhece os seus efetivos interesses no
campo ou os fantasia.

(39) Observe-se que se o habitus somente possibilitasse uma compreensão


"equívoca" da realidade, isto tornaria este conceito um equivalente de falsa
consciência ou ideologia no sentido de concepção mistificada e mistificadora da
realidade, fazendo com que a ruptura das regras se desse mediante uma
conscientização ou desalienação dos agentes. Ora, de modo bastante distinto, o
conceito de habitus possibilita toda uma tentativa de compreensão da presença de
formas de exercício do poder - portanto de domínio - que escapam à imediata
determinação de classe.

(40) Há neste aspecto, sem dúvida, uma aproximação de Bourdieu com


perspectivas fenomenológicas, contrariando um outro entendimento equivocado,
que advoga uma incompatibilidade entre a sua análise e preocupações da tradição
do pensamento marxista no tocante à problemática da transformação social,
inclusive porque a análise marxista não mostra grande apreço ao desejo
voluntarista, ainda que o próprio Marx por vezes louvasse a impetuosidade política,
como no caso da Comuna parisiense.

(41) A análise de Elias (ELIAS, 1993, v.2) dos governantes nas emergentes
monarquias absolutistas européias é um exemplo desta forma de empreender-se
estratégias visando-se assegurar, em momentos de profunda transformação social
posições de domínio, o que pode ser entendido como uma espécie de modo padrão
de ação nos campos daqueles que possuem posições superiores.

(42) Ao empregarmos a categoria de campo educacional estamos, como antes


afirmamos, reconhecendo que as relações entre os agentes sociais ocorrem em
campos diferenciados, definidos em última instância pela relação que tem com o
campo econômico. Sendo o campo educacional integrante do campo intelectual -
121

este definido pela relação de distinção com a produção da indústria cultural e com a
"cultura das classes populares" - ele sofre, mediatamente, os efeitos das relações
travadas neste último, as quais são também definidoras dos instrumentos simbólicos
de legitimação, portanto de concorrência, no interior do campo, isto é‚ o saber
escolar, aquele que é socialmente legitimado pelas práticas dominantes nas
instituições escolares.
122

CAPÍTULO V
CONTROVÉRSIAS DA “PROLETARIZAÇÃO” DOCENTE

Desenvolver uma análise que tenha por objeto as transformações


recentemente ocorridas no magistério, compreendendo-as como efeitos das
relações existentes no campo educacional brasileiro sobredeterminadas pelas
relações deste campo com as dos demais campos sociais, exige, a fim de
apreender-se os determinantes desses efeitos, que se proceda a uma ruptura com
algumas interpretações de grande aceitação sobre as condições sociais dos
professores e os desdobramentos políticos que delas são decorrentes.

Isto nos leva ao questionamento do tratamento geralmente dado a temas


privilegiados nas análises sobre professores produzidas nas duas últimas décadas,
em particular o da profissionalização e o da feminização do magistério, os quais tem
por seu eixo de gravidade, quase sempre, a problemática da "proletarização
docente"(43). Na maioria das vezes, as perspectivas substancialistas, essencialistas
e economicistas que lhes são intrínsecas atuam, com maior ou menor intensidade,
como óbices à compreensão da situação contemporânea dos professores, visto
entenderem-na unicamente como resultado direto e imediato de determinações
estruturais próprias a momentos avançados da conformação do modo de produção
capitalista, secundarizando ou desconsiderando a presença de variáveis particulares
nacionais dos campos sociais.

Para tais análises, a intensificação da ordem capitalista, com a


universalização em todos os espaços institucionais de sua lógica organizacional,
teria implicado, no que diz respeito à esfera escolar, numa burocratização de suas
atividades e na fiscalização do trabalho docente por instâncias gerenciais
administrativas, cujo poder decisório final se alocaria fora da escola propriamente
dita, configurando um processo progressivo de “proletarização” dos professores. Tal
processo obrigaria, inclusive, que a menção aos membros do magistério devesse
passar a ser feita através de uma nova terminologia conceitual, a de "trabalhadores
ou profissionais da educação ou do ensino" (OZGA e LAWN,1991)(44). O emprego
desta nova terminologia sinalizaria para o fato do centro de identificação da
singularidade social dos professores ter passado a ser o "trabalhar na escola" e não
123

mais o "exercício da docência", subentendendo-se hipoteticamente ter sido


produzida uma identidade comum entre aqueles que exercem a docência e os
demais agentes que trabalham nas instituições escolares como: os burocratas da
administração escolar; os quadros de limpeza e alimentação; os responsáveis pela
fiscalização disciplinar dos estudantes; etc., cujas relações são tradicionalmente
assinaladas por uma diferenciação hierárquica que não raro se traduz em franca
discriminação (45).

A comprovação da “proletarização” e a conseqüente transformação do


professores em "trabalhadores da educação" estaria manifesta numa suposta
similaridade, cada vez maior, entre as características do processo de trabalho
destes últimos e aquelas próprias ao dos operários qualificados, demonstrada não
apenas pela condição de assalariamento como, sobretudo, por uma possível perda
de autonomia no processo de trabalho, em função da presença crescente de
supervisores e administradores escolares e da generalização do uso de tecnologias
pedagógicas desqualificantes no processo de ensino (APPLE, 1989; 1995).

A tese da “proletarização” vem a ser ainda mais reconhecida, não apenas


pela aparente força dos seus argumentos como pelo emprego, para efeito de
demonstração de sua validade explicativa ou à guisa de ilustração comprovatória,
de dados empíricos, à primeira vista, muito significativos. Isto faz com que seja
imprescindível a ruptura com este tipo de enfoque, para que não se perpetue uma
maior mistificação sobre as relações entre o campo educacional e os demais
campos constituintes do campo social, bem como dos significados das ações
políticas dos integrantes deste primeiro campo, ou seja, dos professores.

A ilusória irrefutabilidade do empírico, constituinte de "evidências gerais",


tende a atuar como um elemento consagratório, pois se olharmos "de imediato" para
o cotidiano das escolas temos a impressão de que realmente as condições do
trabalho docente cada vez mais afiguram-se como sendo condições de trabalho
"proletárias". Tal "constatação" vem a legitimar uma sintomática convergência entre
as conclusões expostas nessas análises e as opiniões dos próprios professores
sobre sua “situação profissional”(46).

Assim, diante de realidades escolares como a brasileira, que tem por


características: a constância de baixos salários, em alguns casos inferiores ao
menor salário legalmente estabelecido(47); a ampliação voluntária da jornada de
124

trabalho como forma de minimizar a precariedade salarial, podendo isto implicar em


até 12 horas diárias em sala de aula, distribuídas por três turnos em diferentes
escolas; a insatisfação em trabalhar com um número elevado de alunos em
instituições de ensino fisicamente precárias; a progressiva desqualificação
profissional por efeito de uma rotina escolar desmotivadora e a persistência de
professores não formalmente habilitados ("leigos")(48), aparentemente configura-se,
de modo categórico e inquestionável, a ocorrência de um processo de
“proletarização” dos professores. Todavia, esta inferência, realizada pelos
defensores das "teses da “proletarização” e apesar de todas as considerações
teóricas por estes postuladas, somente vem a ser possível devido a um implícito
viés empiricista, o qual termina por considerar como sinônimos empobrecimento e
“proletarização”. Ora, diante de tal confusão conceitual torna-se inevitável
retomarmos, de modo sumário, a discussão(49) dessas equívocas teses sobre a
“proletarização” do magistério, bem como das propostas políticas delas decorrentes,
a fim de que possamos vir a apreender alguns dos elementos determinantes das
atuais condições não só dos professores como também, ainda que em modo menor,
do próprio campo educacional brasileiro.

Determinantes do enfoque da “proletarização”

A eleição da problemática da "proletarização dos professores" como objeto


de interesse de pesquisadores da área da educação, embora partindo de
pressupostos comuns e chegando, por vezes, a conclusões similares, teve seus
aspectos caracterizadores enfatizados de modo diferenciado, conforme as
sociedades em que seus formuladores se encontravam vivenciaram este pretendido
processo de “proletarização”.

Em circunstâncias comuns às sociedades situadas na "periferia" do


capitalismo, como as latino-americanas, a relevância da problemática salarial foi um
fator para que a “tese da proletarização” docente fosse mais facilmente aceita,
inclusive porque a coexistência de salários considerados, por organizações
representativas dos professores, insuficientes para a reprodução da força de
trabalho do magistério tem sido simultânea ao comprometimento quase total dos
recursos educacionais para a remuneração de pessoal (NÚÑES P.,1989), fazendo o
incremento salarial dos professores apresentar-se quase como impossível de ser
125

satisfatoriamente obtido e dando ensejo a soluções mais próximas da agenda do


neoconservadorismo.

Nas sociedades capitalistas de maior desenvolvimento, a tese da


“proletarização” ganhou força em meio à crítica do papel contemporâneo dos
sistemas educacionais. Tanto o questionamento da eficiência desses sistemas, bem
como das formas de exercício do magistério (das pedagogias não-diretivas)
vinculam-se, mesmo que indiretamente, ao contexto internacional da crise capitalista
do final dos anos 60 e principiar dos 70, particularmente no que diz respeito a
emergência de transformações nos processos de organização do trabalho, ao
processual colapso do welfare state e de seus mecanismos de socialização do
excedente produzido necessário à reprodução da força de trabalho - as formas
salariais indiretas como a oferta, sob a condição de serviços públicos, de: educação,
saúde, transporte e habitação - e a generalização de um ideário político e
econômico neoconservador, cujos personagens políticos paradigmáticos, Thatcher e
Reagan, propuseram ou apoiaram explicitamente a realização de reformas nos
sistemas escolares de seus países, especialmente as de caráter curricular.

O neoconservadorismo, ao ter por elementos nucleares a redefinição


minimizante do papel intervencionista do Estado e a maximização do papel do
mercado como o espaço natural de viabilização e/ou resolução de todos os
interesses, assume emblematicamente a imagem da acessibilidade imediata aos
bens de consumo. Embora isto esteja em clara contradição com a realidade do
desemprego estrutural do capitalismo contemporâneo, esta imagem é portadora de
um inegável poder sedutor, pois expressa a possibilidade fantástica de transfigurar,
mantendo-se as relações capitalistas, todos os agentes sociais em naturais
consumidores, dependentes do mercado, potencializando ad infinitum a
concretização de estilos de vida e formas de distinção social com base na
apropriação diversificada de bens simbólicos e na manipulação estética autônoma
dos signos (BOURDIEU, 1991; FEATHERSTONE, 1995). Como é sabido, segundo
os cânones neoconservadores a garantia de acesso universal ao mercado está
relacionada à diversificação qualitativa e quantitativa da produção de mercadorias
em função de profundas e simultâneas transformações tecnológicas
(destacadamente no campo da micro-eletrônica, da telemática e da engenharia
genética) e na organização do processo de trabalho, bem como à eliminação de
126

medidas ou ações regulatórias definidas por instâncias que sejam externamente


situadas ao mercado, isto é, por instâncias políticas, pelo Estado.

Os meios propagandísticos em seu esforço para que fossem alcançados os


índices de demanda necessários a revitalização econômica capitalista, dentro de
perspectivas pós-fordistas, legitimaram a universalização do consumo, invertendo a
lógica, mais própria do principiar do capitalismo, de um agir econômico racional
fundamentado na perspectiva da escassez(50). A diversificação do consumir sempre
proporcionou a afirmação do prestígio social, porém sua função de produção da
distinção social exacerba-se quando, aparentemente, estamos vivenciando tempos
em que a imagem e o espetáculo em si próprios (o mundo simulacional do pós-
modernismo) seriam mais importantes do que a realização e a significação objetiva
dos fatos. Hoje, os homens nas sociedades ocidentalizadas encontram-se cada vez
mais em meio a um emaranhado de imagens, especialmente as televisivas, cuja
velocidade de exposição os tornam incapazes de "encadear os significantes numa
narrativa dotada de sentido, [permanecendo] simplesmente usufruindo as
intensidades multifrênicas e as sensações na superfície das imagens"
(FEATHERSTONE, 1995, p.22). A dominância aparente de um imediatismo
irracionalista nas sociedades contemporâneas, onde os agentes sociais "estão
pulsando em resposta às simulações que nos mantém olhando e consumindo"
(Giroux, 1993, p.49) parece, ao olhar de um senso comum cada vez mais
globalizado, ser a tônica das relações sociais, num culto oscilante entre o
hedonismo e o niilismo, cujo local de realização privilegiado seria o mercado.

As proposições neoconservadoras ao definirem o mercado como princípio


primeiro de sociabilidade e a realização do interesses imediatos, particulares e
fragmentados como único postulado basilar da ação dos homens, inferem como
objetivo primeiro da educação escolar atender e promover a realização desses
interesses individualizados, mediante a qualificação escolar prefigurada como
necessária para tal, assinalando ser a performance do agente tanto melhor quanto
mais otimizar o sistema, sempre entendendo-se que a realização daquela dar-se-á
nos estreitos limites da, estruturalmente definida, condição social dos agentes
(KIZILTAN, BAIN e CAÑIZARES, 1993).

Desta perspectiva educacional, o neoconservadorismo denuncia a ocorrência


de uma crise dos sistemas de ensino e procede à recuperação de teses da teoria do
127

capital humano, dada a sua utilidade na legitimação de proposições sobre qualidade


educacional(51), as quais, centrando-se no concretizar o atendimento a objetivos
demandados pelo mercado, dão ensejo a que finalmente a escola possa,
hipoteticamente, vir a corresponder a antigas aspirações do capital de ter a
qualificação escolar dos futuros trabalhadores feita segundo a ótica dos interesses
empresariais (GENTILLI,1994). Assim sendo, elegem-se como fins pedagógicos
últimos a ampliação da produtividade escolar e a racionalização dos investimentos
no setor educacional, mediante a imposição de uma lógica empresarial nas
instituições educacionais. Por conseqüência, pretende-se o estabelecimento de um
maior e mais sofisticado controle sobre o trabalho realizado nas escolas (52). De igual
modo, são desqualificadas como ideológicas todas e quaisquer proposições
pedagógicas que não tenham por intenção final a obtenção de um agir social em
conformidade à estrita razão do cálculo econômico, não mais tratando-se de
instaurar fundamentos normativos para os projetos educacionais, mas apenas
buscando-se a concretização de sistemas escolares de massa, essencialmente
orientados pela seletividade (MARKET,1986; AZEVEDO, 1994; COSTA, 1994;
SILVA, 1996).

Advogando um retorno a projetos exeqüíveis e "não-ideológicos", onde a


objetividade, a avaliação e porque não dizer a mensuração de propostas e
resultados no campo educacional atuem como princípios políticos, a fim de
"resgatar" a função do ensino na escola, a qual teria sido postergada ou
secundarizada por projetos pedagógicos de parâmetros generalísticos e
ideológicos, como o da promoção do espírito crítico (MELLO,1991), o
neoconservadorismo elege como fim das políticas educacionais o "concepto de
satisfacción de las necesidades básicas del aprendizaje", o qual "sugiere una
estrategia de acciones conjuntas del Estado y de los sectores no gubernamentales y
del ámbito educacional con otros de la actividade nacional. El concepto de acciones
se sustenta en consensos sobre lo que es básico: aprender lo indispensable para
vivir y producir en el mundo moderno" (MELLO, 1991, p.15). Implícito a esta noção
generalística e ambígua de "básico para viver no mundo", encontra-se uma
naturalização da excludência social (PAIVA,1989)(53). As questões relativas a
conflitos e contradições fundamentados em interesses distintos de classe não mais
seriam significativos do ponto de vista da formulação de políticas educacionais, pois
128

o mundo da nova ordem social estaria "dejando de ser marcado por las
bipolaridades excluyentes - capital-trabajo; clase dominante-clase dominada.
Diversos movimientos sociales, con objetivos más delimitados y asociados
directamente al mejoramiento de la calidad de vida - derechos humanos,
preservación ambiental, defensa del consumidor, por ejemplo - tienden, al parecer,
a ser nuevas formas de organizacion y participación sociale, orientándose hacia la
justicia, la solidaridad y la democracia" (MELLO, 1991, p.16), entendendo-se
também estas últimas categorias dentro dos limites paradigmáticos do
neoconservadorismo(54). Como afirma Apple, por meio das reformas curriculares
neoconservadoras que hoje integram a agenda educacional de quase todos os
países do hemisfério norte, da América Latina e da Oceania, nas escolas a "voz da
democracia, da participação e da igualdade está sendo emudecida" (APPLE, 1995,
p.24).

Seguindo idêntica linha de raciocínio, o fenômeno da "desvalorização dos


diplomas escolares" aparece no ideário pedagógico neoconservador como uma
manifestação, a ser energicamente combatida, de irracionalismo e má gestão do
sistema escolar, pautada no equívoco ingênuo de pretender-se atender
indiscriminadamente a demandas por generalização da posse de diplomas
secundários e, sobretudo, universitários, que não mais seriam tão efetivamente
necessários quanto teriam sido antes.

É verdade, como já foi tantas vezes assinalado, que a aceleração da


ampliação dos níveis de escolarização, ocorrida sobretudo nas sociedades
européias, veio a ser decorrente de intentos governamentais em aumentar o número
de quadros técnicos superiores e médios requeridos para o desenvolvimento e
expansão do capitalismo após a segunda guerra mundial. Conforme assinala Petitat
(1994), a tendência à redução das desigualdades de acesso ao ensino secundário e
superior é constante e linear do início dos anos cinqüenta até o principiar dos anos
setenta, fazendo com que os períodos de permanência no interior das instituições
escolares também viessem a ser ampliados, ressalvadas diferenciações decorrentes
das origens e pertencimentos de classe dos estudantes. Paralelamente, os efeitos
da "guerra fria", sobretudo quando o lançamento do Sputnik parecia manifestar a
superioridade soviética nos campos da ciência e da tecnologia, se fizeram sentir
fortemente sobre os sistemas escolares ocidentais, na medida em que se
129

propugnou como interesse estratégico do Estado multiplicar, em número e


qualidade, os cidadãos formalmente capacitados.

A esta demanda por quadros técnicos somaram-se as pressões por


escolarização, enquanto instrumento de ascensão social, de segmentos sociais
subalternizados, possibilitando a configuração, ao findar dos anos sessenta, do
fenômeno da "massificação dos diplomas" e subsequente "desvalorização" dos
mesmos pois, cada vez mais, uma quantidade maior de indivíduos passavam a ser
deles portadores. Tal situação, quando da presença de traços recessivos gerais no
cenário econômico, veio a ser acompanhada por manifestações e protestos diante
do agravamento das dificuldades na obtenção de postos de trabalho formalmente
compatíveis com as especializações ou o grau escolar alcançado, num processo
concomitante de perda de prestígio do diploma escolar, valorização da
complementação de estudos a nível de pós-graduação e incremento potencial do
desemprego profissional.

Como observa Pinto, em conjunturas de crise econômica, ainda que a


desvalorização nunca seja igual e nem na mesma proporção para todos os tipos de
diplomas escolares “o valor (de troca) ou poder propriamente econômico do capital
escolar e dos títulos que o representam, só em parte, e ainda assim precariamente,
é fixado pela instância responsável pela sua produção e distribuição” (PINTO, 1991,
p.25).

Nos quadros da crise econômica em que o neoconservadorismo emerge


como alternativa para a formulação de políticas econômicas, a “massificação” dos
diplomas escolares se constitui ideologicamente em instrumento legitimador de
medidas governamentais que, em nome da racionalização dos gastos públicos,
possuem sérias implicações sobre os quadros funcionais das instituições escolares -
entre eles os professores - pois tendem a significar cortes de emprego ou reduções
salariais. Embora as políticas educacionais neoconservadoras continuem
alimentando o discurso meritocrático da importância da educação - sob a forma de
um ensino gerador de competências e habilidades que devam ser universalizadas -
isto vem a ser feito mediante uma descentração do papel do professor. A “revolução
escolar” da nova direita privilegia o emprego de tecnologias pedagógicas, numa
mitificação da capacidade instrutora dos computadores e dos softs educativos como
instrumentos miraculosos de aceleração da aprendizagem e do domínio dos
130

conteúdos escolares, possibilitando, ou pelo menos aspirando, a que o professor


venha a agir muito mais como uma espécie de monitor, que deva ter suas ações de
modo mais ou menos submetidas a um controle burocrático e gerencial, do que
propriamente um educador.

A ocorrência do “mal estar” docente

Como as propostas neoconservadoras que se generalizam a partir dos anos


oitenta exacerbam os conflitos entre os escalões subalternos, nos quais se aloca o
magistério, das burocracias públicas e as esferas dirigentes do poder executivo, a
sensação de um certo “mal-estar” (NÓVOA,1995) entre os professores tende não
somente a ser comum a todas as sociedades contemporâneas, como passa a ser
cada vez mais intensamente sentida. Entremeada por uma complexa convergência
de fatores intervenientes, como o questionamento quanto à competência no
cumprimento de suas atividades, em face à ampliação do público escolar e à
extensão de tarefas burocráticas, cujo intuito é assegurar maior controle sobre a
realização da rotina escolar, esta sensação desagradável decorreria, segundo
Enguita, de “...uma crise de identidade que se tem visto refletida numa patente
situação de mal estar e, mais recentemente, em agudos conflitos em torno de seu
estatuto social e ocupacional, dentre os quais a polêmica salarial tem sido apenas a
parte visível do iceberg. Nem a categoria nem a sociedade em que estão inscritos
conseguem pôr-se de acordo em torno de sua imagem social e menos ainda sobre
suas conseqüências práticas em termos de delimitação de campos de competência,
organização da carreira docente, etc.” (ENGUITA, 1991, p.41).

Esta crise de identidade profissional dos professores, manifesta também sob


a forma de uma espécie de melancolia de pequenos letrados, nostálgicos por um
tempo de existência muito mais mítica do que real, em que eram objeto de
reverência social, não apenas permite o maior questionamento do seu agir
profissional, em especial pelas autoridades governamentais, como igualmente
implica em uma perda de sua autoridade moral frente à sociedade (SILVA,1995).

Ela vem a estar relacionada às situações contemporâneas de sociabilidade


onde uma ”superprodução de signos e a reprodução de imagens e simulações
resultam numa perda de significado estável e numa estetização da realidade, na
qual as massas ficam fascinadas pelo fluxo infinito de justaposições bizarras, que
levam o espectador para além do sentido estável” (FEATHERSTONE, 1995, p.34).
131

Como a escola possui uma tradição institucional de seleção e transmissão de


saberes a partir do reconhecimento de sua validade universal, portanto de sua
estabilidade, tradição esta que, pela própria força da ideologia escolar dominante,
constitui o modo de ser das práticas pedagógicas escolares, centradas e nucleadas
na autoridade do professor, uma generalização da perda da estabilidade do
significado dos valores culturais que autorizam o poder professoral e por
conseqüência legitimam os regulamentos e regras escolares, faz com que os
professores vejam-se envoltos em uma situação de desprestígio social, ou ao
menos, de desconfiança.

Este sentimento de desprestígio é agravado pelo fato de que esta mesma


tradição escolar também sempre apresentou os professores como agentes que
deveriam ser socialmente reconhecidos, não em função exclusiva da posse dos
conhecimentos que em tese seriam portadores, mas por deverem encarnar a
condição de figuras exemplares de uma ascese meritocrática, expressão das
virtudes pequeno-burgueses tradicionais, cujo significado simbólico parece,
sobretudo aos seus alunos, não mais ter muito sentido, dada a presença nas
sociedades contemporâneas de um número cada vez maior de “intermediários
culturais”, isto é, de publicitários, relações públicas, produtores e apresentadores de
rádio e televisão, Djs, comentaristas em geral, em outras palavras, profissionais da
performance, os quais mais do que afirmar novos valores e estilos, jogam informal e
incessantemente com valores e estilos múltiplos, numa caleidoscópica estetização
lúdica do cotidiano, produzindo como efeito, pelo fascínio que vem a propiciar
especialmente às novas gerações, menos o questionamento e mais a
estigmatização de todos aqueles outros agentes sociais que, como os professores,
tem por fundamento de sua legitimidade a valoração de hierarquizações intelectuais
e culturais restritas. Tais agentes, progressivamente, passam a ser considerados no
campo intelectual como estilisticamente anacrônicos e déclasses. Caricatamente, os
professores mostram-se à sociedade, sob a forma exemplar do anonimato de seu
dia-a-dia escolar, como uma mostra daquele tipo de indivíduo que foi incapaz de
lançar-se a campos de maior visibilidade social como: os esportes, a comunicação
de massa, a direção de empresas, a política, as artes, o show bunisses, enfim, os
espaços do espetáculo.
132

Foi a intercessão entre o agravamento desta sensação de mal-estar e a


gradual intensificação dos protestos dos trabalhadores dos serviços públicos que
propiciou a retomada das discussões sobre o pertencimento de classe dos
integrantes do magistério e sobre, principalmente, a ocorrência ou não de sua
“proletarização” (APPLE, 1989), tendo-se em consideração a condição particular
destes serem parte do corpo burocrático do Estado (POULANTZAS, 1979)(55).

A tese da ocorrência de um processo de “proletarização” dos professores


fundamenta-se em dois argumentos básicos, geralmente apresentados de modo
interrelacionado. Esses dois argumentos são: primeiro, a gradual, porém
irreversível, perda do controle do trabalho docente pelos professores e segundo, a
massificação e desqualificação do trabalho docente de modo semelhante a de
outros tantos trabalhos intelectuais nas sociedades capitalistas atuais.

Ao apresentarmos estes dois argumentos como sendo os principais pontos


de sustentação da tese da “proletarização” docente, estamos de imediato
desconsiderando a discussão, a princípio exposta como sendo realizada segundo
parâmetros marxistas, relativa à condição dos professores serem ou não
trabalhadores diretamente produtivos, numa incorreta equivalência entre
assalariamento e condição operária. Infelizmente, de modo não incomum, esta
discussão no campo da pesquisa educacional tem sido permeada por
incongruências conceituais, que permitem considerar os professores como
produtores de mais valia. Exemplos, em maior ou menor grau, dessa conceituação
equívoca, encontram-se em Enguita (1991), Hypólito (1991) e Wenzel (1994) que,
apesar de reivindicarem uma condição marxista para suas análises, estabelecem
distinções sociais entre os professores a partir do estatuto jurídico de seu local de
trabalho, classificando-os como trabalhadores produtivos, portanto produtores de
mais valia, quando docentes de instituições privadas, numa clara confusão entre as
categorias marxianas de mais valia e lucro(56). A ser seguido tal tipo de raciocínio,
terminaríamos, ironicamente, por considerar que um operário de uma usina
siderúrgica estatal não seria um trabalhador diretamente produtivo pois não
produziria mais-valia, visto estar trabalhando em uma empresa pública e assim, em
última instância, não poderia ser conceituado propriamente como operário. Tal tipo
de equívoco conceitual já foi por tantas vezes assinalado que não retomaremos a
sua discussão(57).
133

A perda do controle do processo de trabalho docente

Este vem a ser o principal argumento dos defensores da tese da


“proletarização” e se fundamenta na conhecida análise de Braverman
(BRAVERMAN,1987) sobre a ocorrência da progressiva degradação do trabalho e a
conseqüente desqualificação dos trabalhadores na economia capitalista, resultantes
da intensificação do parcelamento das tarefas, através do emprego de técnicas
organizacionais tayloristas e fordistas.

Segundo Braverman, a trajetória do desenvolvimento do capitalismo, entre


outros aspectos, tem por característica o fato do capital apossar-se de um saber
“geneticamente” operário, criado e transmitido no “chão da fábrica” e cuja posse
vinha a ser uma garantia parcial de êxito na resistência às exigências capitalistas de
intensificação da produtividade. O taylorismo e o fordismo, enquanto estratégias
empresariais de aumento da produtividade, se notabilizaram pela busca intencional
da desqualificação do trabalhador, na medida em que esta vinha a significar a
possibilidade dos empresários tornarem-se menos dependentes da existência (bem
como de suas exigências) de uma força de trabalho devidamente qualificada. Por
meio de um sistemático controle administrativo sobre a execução das tarefas
operacionais, os proprietários do capital ou seus prepostos puderam se transformar
em detentores de um saber-fazer unicamente operário, constituindo,
concomitantemente, os trabalhadores manuais em indivíduos subalternizados,
heterônomos quanto à sua condição profissional, limitados ao desempenho das
ordens recebidas e ao cumprimento estrito de funções pré-determinadas por seus
supervisores.

Como a regra taylorista, pensada para o terreno da fábrica, se tornou em


maior ou menor dimensão, universal nas diferentes atividades econômicas
capitalistas, aqueles que defendem a tese da “proletarização” do magistério,
ressaltam que por serem hoje comuns no cotidiano escolar os modelos tayloristas
de organização do trabalho, como exemplifica a adoção de normas administrativas
empresariais para a gestão da escola, vem a ser crescente a ocorrência de um
processo de heteronomia nas formas de exercício da docência, possibilitando que,
em conseqüência, os professores gradualmente perdessem o controle do exercício
de seu próprio trabalho, encontrando-se potencialmente numa situação semelhante
àquela dos trabalhadores da produção industrial e de setores administrativo-
134

burocráticos, como os trabalhadores de escritório. No entanto, a similaridade entre


professores e operários não seria, por força de fatores conjunturais, completa, o que
produziria uma certa ambigüidade quanto à definição do pertencimento de classe do
magistério e à sua profissionalização (APPLE, 1989; ENGUITA, 1989, 1991b). Isto
porque os professores ainda estariam em meio a um processo de proletarização
inconcluso, que lhes permitiria serem dotados de algum grau, mesmo que em
declínio progressivo, de intervenção autônoma em seu trabalho, ao contrário dos
operários, que já há muito tempo se encontrariam na condição de plena subsunção
real ao capital.

Muito teria contribuído para esta possível crescente perda dos professores do
controle do seu trabalho a universalização da escolarização. Tendo em vista ser o
objetivo aparente dos sistemas escolares de massa a maximização do aprendizado
pelo aluno, tornando-o centro das preocupações do processo de aprendizagem, isto
é, “o centro de gravidade do ato pedagógico” (TARDIF, LÉSSARD e LAHAYE, 1991,
p.225), formas de intervenção gerencial na prática docente foram gradativamente
sendo implantadas. Tais formas, pautadas pelo intuito de encontrar uma
cientificização e uma tecnologização dos processos de ensino, em outras palavras,
pelo construir uma racionalização do fazer magisterial, inspiraram-se, como se sabe,
em parâmetros tayloristas (FARIA, 1985; PARO, 1991; TRAGTENBERG, 1977).

Assim sendo, à semelhança do paralelismo entre fábrica e escola


desenvolvido por Bowles e Gintis (1976) em seu trabalho clássico sobre a escola
americana, os defensores da tese da “proletarização” assinalam a ocorrência de
similaridades entre a desqualificação dos professores e a dos trabalhadores
manuais, decorrentes do fato da escola ser também uma “instituição capitalista” e
que nesta última também as “principais características do trabalho fabril podem ser
encontradas” (HYPÓLITO, 1991, p.3). Igualmente este processo de perda do
controle do processo de trabalho, promotor de sua desqualificação, revelaria as
intrínsecas tendências do professorado vir a se constituir em parte da classe
trabalhadora, portanto, de se proletarizar (HIPÓLITO, 1991), pois submetidos à
autoridade da burocracia, os professores tal como outros tantos trabalhadores
assalariados estariam alienados do seu trabalho (PUCCI e SGUISSARDI, 1991).

Seguindo o mesmo argumento da perda do controle do seu processo de


trabalho, Enguita (1989) considera que, afora o baixo rendimento econômico dos
135

seus integrantes, uma outra condição própria ao magistério, faria os seus membros
aproximarem-se das condições sociais de certos trabalhadores manuais, como os
operários qualificados. A “proletarização” dos docentes, para Enguita, não
significaria uma superficial conotação associada unilateralmente ao trabalho fabril,
dada principalmente pelo assalariamento (ENGUITA, 1991b), mas estaria
relacionada à incapacidade ou impossibilidades destes realizarem com autonomia o
seu exercício profissional, protegidos por legislação específica e independente das
oscilações do mercado. Os professores teriam suas condições de trabalho definidas,
tal como outros trabalhadores proletarizados, por relações diretas de contrato, o que
manifestaria o tipo muito frágil de trabalhador “intelectual” em que se constituiriam,
fundamentalmente voltados apenas para a mera execução (e não a produção) da
transmissão de conhecimento, não possuindo um poder decisório sobre o que,
como e a quem ensinar. Esta “fragilidade intelectual” do magistério é condição para
que outros analistas, como Wenzel (1994), entendendo-a como uma determinação
estrutural, venham a considerar que a tão repetida questão do despreparo
profissional dos professores, isto é, sua falta de domínio sobre os conteúdos a
serem ministrados aos estudantes, não decorreria essencialmente de uma
pregressa má formação escolar ou acadêmica, porém seria a inevitável outra face
da moeda do processo de “proletarização” magisterial, uma vez que a perda do
controle sobre o seu trabalho implicaria em ater-se cada vez de modo mais estrito
às técnicas de transmissão de informações e ao controle disciplinar dos alunos,
secundarizando-se a preocupação com a posse de uma maior compreensão sobre o
conteúdo daquilo que estaria sendo ou viria a ser ensinado.

Como no decorrer da última década as tentativas neoconservadoras de


estabelecer, por parte das burocracias dos sistemas educacionais públicos ou
particulares, um controle perfeito sobre o trabalho docente se intensificaram, os
professores estariam vivenciando intensamente a sua específica forma de
“degradação do trabalho”, de desqualificação. Para Apple: “Uma vez que o controle
é técnico - isto é, as estratégias de gerenciamento são nele incorporadas como um
aspecto importante da própria "maquinaria" pedagógica/curricular/avaliativa - o
professor torna-se algo semelhante a um gerente. Isto está ocorrendo ao mesmo
tempo que as condições objetivas de seu trabalho estão se tornando
136

progressivamente "proletarizadas", devido à lógica de controle técnico da forma


curricular" (APPLE, 1989, p.162).

O segundo grande argumento da tese da “proletarização” dos professores é o


da desqualificação do trabalho docente pelo processo de “massificação” dos
integrantes do magistério nas sociedades modernas.

A massificação e a desqualificação do trabalho docente como trabalho


intelectual

A possível “proletarização” dos professores seria também resultante da


“massificação” ocorrida com os mesmos, fruto do aumento significativo do número
de quadros do magistério, processo iniciado no século XIX e intensificado, em
níveis próprios a uma progressão geométrica, no transcurso do século XX. Esta
ampliação quantitativa do professorado propiciada pela universalização da
escolarização através da implantação dos sistemas nacionais de ensino, vem a
relacionar-se com a problemática do crescimento do pessoal dos aparatos
burocráticos do Estado moderno.

O aumento, tanto da demanda quanto da oferta de professores, é parte da


característica do capitalismo monopolista multiplicar o número de trabalhadores que
desempenham funções intelectuais no setor de serviços, seja na esfera pública, seja
na esfera privada. Como é sabido, este processo alterou as condições de vida e
trabalho desses agentes, os quais, segundo uma perspectiva gramsciana, se
constituiriam nos “funcionários” executores dos mecanismos de hegemonia nas
sociedades ocidentais (GRAMSCI, 1978). As descrições atuais do cotidiano desses
agentes mostram-nos bastante assemelhados em gosto e estilo de vida a outros
tantos segmentos sociais situados no pólo dominado da sociedade. Encontram-se
todos, de alguma forma, submetidos a relações de trabalho capitalistas, mesmo
quando localizados em instituições públicas, condição em que passam a ser parte
constituinte da burocracia de “pequeno escalão”, o “baixo clero” do funcionalismo
público.

Se os primeiros decênios do processo de escolarização de massa no


ocidente, mesmo em países da periferia capitalista (CUNHA, 1975; 1991; ENGUITA,
1991; 1991b), fizeram-se acompanhados da materialização de prerrogativas
corporativas para o magistério, conquistadas como direitos profissionais mediante
137

anos de luta, entretanto nas últimas duas décadas, quando se concretiza uma quase
absoluta universalização do acesso ao ensino fundamental nos países capitalistas
avançados (NÓVOA, 1991; 1991b), os professores se vêm frente à presença de
grupos dotados de forte e maior poder de pressão política, possibilitando que
gestores dos sistemas educacionais estatais secundarizem suas reivindicações,
minimizando suas aspirações quanto a manutenção de padrões salariais e
condições institucionais viáveis à prática do ensino.

Destarte, a subalternização dos interesses dos professores pelas esferas


decisórias governamentais seria explicada pela queda do prestígio social e do poder
de influência do magistério, decorrentes do aumento do número de professores, a
qual seria também responsável pela emergência entre os docentes do desemprego
profissional e do conseqüente declínio salarial. Os professores se constituiriam hoje
em agentes muito mais facilmente encontráveis no mercado, devido à elevação do
elenco de possibilidades para a formação dos mesmos (SUBIRATS,1981). E se há
uma preocupação com a dignificação da profissão do magistério seria porque a
universalização do ensino (fundamental e médio) significou um crescimento do
número de professores provocando um declínio no reconhecimento social.
anteriormente dado a um segmento minoritário de agentes sociais, especialmente
aos que atuam no ensino médio, para o qual progressivamente migrariam as
características “desqualificantes dos docentes do ensino fundamental, num
processo similar ao assinalado por Bourdieu (BOURDIEU, BOLTANSKI e SAINT-
MARTIN, 1979) para todos os tipos de trabalho onde a diplomação escolar que
habilita a um desempenho profissional teria se generalizado.

Como efeito da “massificação” dos professores, o agravamento das


condições de trabalho do magistério, seu submetimento à parcelamento e à
burocratização, estaria historicamente percorrendo uma trajetória que abrangeria os
diversos níveis de ensino. Os aspectos aparentemente desqualificantes do trabalho
docente estariam “migrando” de um para outro setor de atuação dos professores,
tornando-os ambos espaços onde mulheres docentes “semi-profissionalizadas” e
proletarizadas passariam a predominar, materializando os elos entre a perda da
autonomia sobre o controle do trabalho docente, a desqualificação pela
“massificação”, a “semi-profissionalização” e a feminização do magistério.

O Magistério: profissão ou semi-profissão


138

Para os que consideram estar se processando a “proletarização” dos


professores, a questão do magistério ser, de fato, uma “profissão” é da maior
importância. Se a profissionalização pode ser entendida como sendo a definição,
por vias externas ao mercado, em geral a partir da propriedade de um título escolar,
do monopólio por parte de um conjunto específico de agentes sociais da execução
de uma dada atividade de trabalho, bem como dos modos como esta será realizada,
abrangendo formas precisas de ingresso no mercado de trabalho, tempo máximo de
jornada de trabalho e níveis de remuneração (vencimentos, honorários ou mesmo
salários), um dos fatores que mais dificultaria a defesa dos interesses do magistério
e o seu fortalecimento político, propiciador da constituição de uma nítida identidade
social comum, calcada em uma uniformização dos modos de realização das suas
atividades, impeditiva da perda do controle do processo de trabalho, seria a falta de
pré-requisitos para o exercício da docência, da existência efetiva e não apenas
formal, de instrumentos legais e corporativos, como níveis específicos de
escolarização (ainda que haja “a igualdade de nível de formação entre os docentes
e as profissões liberais” (Enguita, 1991, p.50), que bloqueassem a presença
generalizada de outsiders no campo educacional.

Esta falta efetiva de pré-requisitos para o exercício do magistério, que faz do


campo educacional, um campo cuja tradição é de estar sempre mais ou menos
aberto a todos que desejem "ensinar" seus saberes particulares ou habilidades
próprias, possibilitaria que a transformação dos professores em trabalhadores
proletarizados viesse a se manifestar sob a forma de sua “semi-profissionalização”,
sendo esta explicada, por aqueles que de algum modo compartilham da tese da
“proletarização” docente”, sob duas formas.

Uma, acentua o fato de que seria impossível comparar-se o magistério aos


chamados “profissionais liberais”, pois, independente do assalariamento, o modo de
agir do docente se distanciaria substancialmente de toda forma de padronização.
Desta maneira, como assinala Perremoud (1993), o magistério não viria a ser uma
“profissão” no sentido atribuído a atividades como as dos médicos, engenheiros,
advogados, somente para mencionarmos algumas das mais famosas “profissões
liberais”, visto os professores realizarem um tipo de serviço em que não há
condições de um real controle padronizado sobre o que é executado e quem o
executa. Mesmo inserido em instituições em que as relações de trabalho são
139

capitalistas, as atitudes dos professores seriam mais equivalentes àquelas de um


bricoleur, ações algo artesanais, mescladas pela experiência adquirida ao longo dos
anos e pelas inspirações do momento. “O bricolage não se define pelo seu produto,
mas sim pelo modo de produção: trabalhar com os meios disponíveis, re-utilizar
textos, situações, materiais. Os professores que não estão satisfeitos com os meios
de ensino convencionais e com o tipo de trabalho escolar que impõem, levam uma
parte do seu tempo a procurar (nos jornais, na rádio, nos documentários, nas
bandas desenhadas, na vida) histórias, textos, imagens, informações, objetos que
podem: ou permitir a realização imediata de um projecto, ou serem guardados por
se achar que um dia serão úteis” (PERREMOUD, 1993, p.49, os grifos são do
autor).

Por ser também a prática do professor o constante exercício de uma


autoridade específica - a autoridade pedagógica (BOURDIEU, 1982) - que necessita
ser reconhecida para que a ação educacional possa se realizar, ele não pode
prescindir da posse de algum grau de autonomia em sua relação direta com os
estudantes, o que faria o seu trabalho "não se prestar facilmente à padronização, à
fragmentação extrema das tarefas, nem à substituição da atividade humana pela
das máquinas” (ENGUITA, 1991, p.50). Assim, os professores terminariam por ficar
numa situação intermediária de trabalhadores “semi-profissionais” (APPLE,
1989;1995).

Um outro modo de caracterizar e explicar a “semi-profissionalização” docente,


ainda que não necessariamente dissociado do primeiro, sublinha aspectos históricos
das reivindicações dos professores, em especial o fato de que desde a conformação
dos sistemas escolares estatais ter sido dado um privilégio ao reconhecimento da
profissionalização, embora isto nunca tenha sido plenamente alcançado.

Dado que a existência dos sistemas de ensino pressupôs a formação de um


corpo profissional próprio, cuja função de ordem político-ideológico sempre foi
manifesta pelos defensores, de matiz liberal, da universalização do acesso à escola
de ensino fundamental (PETITAT, 1994) e que, em princípio, este corpo profissional
deveria tornar-se um importante aliado político para a realização e continuidade da
dominação hegemônica da classe burguesa, o estatuto social dos professores
nunca veio a ser politicamente explicitado de modo pleno, permitindo que estes
últimos fossem vistos ora como funcionários do estado e assim como membros
140

apequenados das classes médias, ora como agentes oriundos das classes
trabalhadoras mas que delas se distanciaram por terem sido escolarizados. Esta
aparente indeterminação social propiciou que os professores, com intenção
semelhante àquela dos primeiros clínicos da medicina moderna (FOUCAULT,1980),
empreendessem, contudo infrutiferamente, por ao largo, como figuras de um antigo
passado pedagógico em superação, o velho preceptor, o clérigo pobre, o artesão
transformado em mestre das primeiras letras. Figuras de épocas em que o
praticante do magistério não raro simbolizava a pobreza citadina, objeto de chistes,
“de faces cavadas, faminto, mal enroupado, empunhando uma palmatória. As
multidões riam-se loucamente do desprezível, e a caricatura da fome era
invariavelmente [por ele] representada (NÓVOA, 1991, p.78). “Profissionalizar-se”
significaria o empreendimento de combater os efeitos ameaçadores deste passado
de desprestígio e não raro miséria, o qual opunha tão consideráveis obstáculos ao
reconhecimento social dos professores, impedindo que este viesse a ser similar
àquele dos integrantes das chamadas “profissões liberais”(58) .

Porém, como as antigas práticas pedagógicas, apesar de criticadas e


oficialmente marginalizadas, não foram erradicadas sem compromissos políticos.
Estes possibilitaram a continuidade da forte presença entre os professores de leigos
e clérigos, influenciando significativamente a constituição dos campos educacionais
nacionais e a sua composição; lembrando, a todo momento, da existência dos
tradicionais elos entre a religião e a escola. Estes elos atribuíam uma dedicação
sacerdotal ao agir magisterial, com efeitos de forte carga de controle disciplinar
sobre os professores, não redutíveis à sala de aula. A permanência de docentes
leigos e quase sempre empobrecidos relembrava, por sua vez, a antiga proximidade
social entre o magistério e a criadagem das classes aristocráticas, comum nos nem
tão distantes tempos em que a posse do conhecimento escolar não vinha a ser um
instrumento meritocrático de distinção social (SENNET,1988).

Assim, em face a intervenção desses fatores, a condição de ambivalência


dos professores, manifesta por sua impossibilidade de estabelecer meios eficazes
de defesa corporativa, por sua “semi-profissionalização”, forma dissimulada da
ocorrência de um processo mediatizado de “proletarização”, definiria as práticas de
trabalho dos professores como “não-profissionais”, as quais teriam por
características: a não-institucionalização de aperfeiçoamento técnico-pedagógico; a
141

ausência de investigação operacional em sala de aula; a falta de análise da própria


prática escolar; a autodesvalorização profissional e o reforço institucional à
desprofissionalização através do descaso da legislação e da administração
educacionais quanto à formação profissional específica (RAMALHO e CARVALHO,
1994; SOUSA, CATANI, SOUZA e BUENO, 1996). Contribuiria também para a
descaracterização profissional do magistério, a tendência, socialmente
universalizada, de estabelecerem-se aproximações e correlações entre a prática
docente e o cuidado doméstico de crianças e adolescentes.

Visto que o magistério constituiu-se em espaço de trabalho majoritariamente


feminino, não se poderia deixar de discutir a sua “semi-profissionalização” ou seja
sua “proletarização” desacompanhada do papel interveniente das relações de
gênero no modo de ser dos professores, uma vez que se tornou um verdadeiro
lugar-comum relacionar a predominância de mulheres aos dilemas existenciais dos
professores, responsabilizando-as em parte pelo desprestígio social e profissional
do magistério (NÓVOA, 1991; RAMALHO e CARVALHO, 1994).

Feminização: condição da “proletarização”

As análises sobre o magistério enfatizaram as relações entre uma


adequação, socialmente construída, da mulher às práticas docentes e a feminização
progressiva e aparentemente irreversível do corpo docente (PEREIRA, 1969;
ENGUITA, 1991; OZGA e LAWN, 1991; APPLE, 1995; HYPÓLITO, 1997), dados os
possíveis ”traços” da personalidade feminina, em particular a afetividade e o elevado
autocontrole disciplinar, que as predisporiam à prática docente.

Apontou-se também para o quanto que a concordância, socialmente


generalizada, sobre haver um dom feminino para o exercício do magistério veio
corroborar para que este último não fosse propriamente uma profissão e sim,
unicamente, uma ocupação, esteriotipadamente caracterizada como ocupação
feminina(59).

Contudo isto não quer dizer esta construção foi uma pura e simples obra de
uma ideologia sexista e patriarcal, a qual, por princípio primeiro, demarcava o
magistério como um lugar feminino. Ao contrário, como assinala Apple (1995)
houve, em alguns casos contando com o apoio de associações e sindicatos de
educadores, uma verdadeira luta das mulheres, especialmente as das baixas
142

classes médias, em defesa da concepção do magistério, principalmente daquele


voltado para o ensino fundamental, como um espaço de trabalho naturalmente
prescrito às mulheres, em virtude de estar voltado para o trato com crianças e ainda
que isto também viesse a reproduzir em grande parte os fundamentos ideológicos
patriarcais da submissão feminina. Assim, a teoria do dom feminino para o
magistério, a “adequação dos estereótipos femininos ao magistério infantil”
(RAMALHO e CARVALHO, 1994, p.52), ainda que não negando todo o peso dos
preconceitos discriminatórios a que está intimamente vinculada, deve também ser
compreendida como uma estratégia que, ao custo de tornar simbolicamente “menor”
o trabalho docente, impedia a “invasão” deste espaço, mantendo-o de certa maneira
sob uma condição de monopólio, no qual o cumprimento formal de regras e
procedimentos burocráticos é realizado atendendo-se às especificidades,
socialmente estabelecidas, do gênero majoritariamente predominante. Devemos nos
lembrar sempre que, ao contrário de uma visão dominante no senso comum, a
presença de mulheres professoras não foi unanimemente aceita, tendo sido alvo de
polêmicas e críticas. Conforme as variáveis nacionais, o ingresso de mulheres no
magistério foi tido e por isto combatido, como um fator de desvalorização dos
salários ou por poder vir a produzir efeitos indesejáveis na formação moral dos
estudantes (NÓVOA, 1991;1991b; OZGA e LAWN, 1991).

Como o trabalho docente fosse passível de ser compartilhado com outras


atividades desenvolvidas na esfera doméstica (além de períodos de férias
prolongados concomitantes às interrupções das atividades escolares de crianças e
adolescentes), isto estimulou o interesse de jovens mulheres em tornarem-se
professoras, já que em outras situações profissionais elas encontrariam maiores
dificuldades para realizar o trabalho extradoméstico em conjunto com as tarefas
caseiras, às quais estariam, em virtude das relações de gênero, previamente
destinadas. Deste modo, assinalou-se o quanto para as mulheres, significava
pertencer ao magistério. Ao menos formal e hipoteticamente, empreender o caminho
do lecionar era o modo mais imediato para a obtenção, sem uma relação direta de
dependência de pais ou maridos, da sempre desejada distinção social, assegurada
mediante a posse de um diploma escolar e/ou a inserção legítima no mercado de
trabalho, realizada em uma condição de status que, a princípio, as distanciavam de
operárias e criadas, além de dotá-las de um maior handicap no que se refere a
143

estratégias matrimoniais de ascensão social ou, ao menos, permanência em sua


classe de origem .

Apesar de em alguns países ter-se estabelecido algum tipo de isonomia


salarial entre homens e mulheres professores, sendo isto mais um fator de atração
para o ingresso das mulheres no magistério, sempre existiram variações salariais
conforme o nível de ensino e a clientela atendida, com efeitos negativos para os
setores, como o do ensino fundamental, onde o número de professoras terminou por
ser maior e os salários conseqüentemente mais baixos.

Por sua vez, a presença da compatibilidade entre o trabalho docente e a


esfera doméstica (especialmente no referente a um papel de direção privada da
casa, que caberia por natureza à mulher) estaria demonstrada nos currículos dos
cursos de formação de professores, sobretudo daqueles direcionados para o ensino
fundamental, que, mesmo dissimuladamente, sempre tiveram disciplinas algo
voltadas para a administração da casa e da família (a economia doméstica, por
exemplo, figurou durante décadas como parte obrigatória do grade curricular dos
antigos cursos normais). Segundo Ramalho e Carvalho (1994), tais disciplinas
substituiriam ou retirariam um tempo que poderia ser dedicado a outras de teor mais
próprio a uma formação onde viesse a preponderar o conhecimento científico

Como os cursos de didática, de pedagogia e as licenciaturas tiveram nas


escolas normais seu modelo organizativo basilar, teriam delas herdado “a perda da
autonomia de ação e de conhecimento...” como se um espaço educacional
principalmente direcionado às mulheres viesse a contaminar as práticas escolares e
o magistério de modo que, embora este tenha a responsabilidade imputada de
transmitir um leque diversificado de conhecimentos, padecesse de um “mal estar
estrutural em relação ao saber” (RAMALHO e CARVALHO, 1994, p.66)

Em vista de sua composição majoritariamente feminina e da força de toda a


tradição patriarcal de submissão das mulheres, o que dificultaria, salvo de uma
forma muito subalternizada, a manifestação dos interesses das mesmas, até nos
movimentos sociais (inclusive os sindicais) relacionados à educação (CARVALHO e
VIANNA, 1995), os professores terminariam, ao correr do tempo. por virem a ser
objeto de uma potencialização da exploração do seu trabalho, tanto maior quanto
mais femininizado viesse a se tornar o magistério. A inserção da mulher no trabalho
docente aparentemente produziria sobre este um efeito perverso de desvalorização,
144

que seria em boa parte responsável pelo conjunto de estereótipos e estigmas


lançados, tantas vezes pelos próprios integrantes do magistério, sobre as mulheres
professoras, como é geralmente apontado em pesquisas que tomam por temas a
educação feminina e/ou, muito especialmente, o cotidiano de professoras do ensino
fundamental (BRUSCHINI e AMADO, 1988; MELLO, 1982; NOVAES, 1984;
WEBER, 1996).

Visto haver, mesmo entre os que, como Apple e Enguita, buscam relativizar
alguns aspectos referentes ao pertencimento de classe dos professores, uma
tendência a compreender “proletarização” como um processo de submissão dos
trabalhadores a múltiplas formas de controle burocraticamente definidas, a
feminização do magistério seria um elemento indicador e propiciador de sua
“proletarização”. Isto porque, em primeiro lugar, na economia capitalista ocorreria a
constituição de certos guetos de trabalho femininos, nos quais o controle sobre a
execução das tarefas se intensificaria, a remuneração seria relativamente menor, a
desqualificação da função profissional crescente e a jornada de trabalho parcial,
justificando a ocorrência de salários menos valorizados (APPLE, 1995), produzindo-
se assim uma divisão sexual entre a gestão (masculina) do trabalho docente e sua
execução (feminina). Em segundo lugar, a submissão do gênero feminino na
sociedade ocidental conformaria os docentes, sob a pressão de núcleos dirigentes
estatais dos sistemas de ensino de massa - de composição dominantemente
masculina - a exercerem, em todos os momentos, o papel de fiéis transmissores da
"cultura e moral dominantes e defensores da conformidade com a ordem
estabelecida" (Enguita, 1991, p.52), como exemplificariam as cláusulas dos
contratos de trabalho de professoras primárias norte-americanas das primeiras
décadas do século XX (APPLE, 1995), em que estavam prescritas rígidas normas
de comportamento moral.

Desse modo, o interesse feminino pela inserção na esfera extradoméstica


terminaria por possibilitar que a mesma se fizesse ao preço da “proletarização” do
magistério, desqualificando-o enquanto profissão, fazendo dos professores, e muito
especialmente, das professoras, “semi-profissionais”, sujeitos a remunerações e
condições de trabalho cada vez mais precárias. Imbricada nas problemáticas da
“semi-profissionalização” e da “feminização”, a tese da “proletarização” é
145

politicamente justificada por uma pretensa identificação entre o magistério e as


“classes trabalhadoras”, fazendo dos professores, “trabalhadores em educação”.

Assim sendo, a sindicalização dos professores significaria a plena


homogeneização, quanto a posição e condição de classe, com os demais
trabalhadores submetidos à exploração capitalista, que se realizaria, em
conformidade ao percurso das lutas de classe (HYPÓLITO, 1991). Estaria agora o
magistério apto a protagonizar, enquanto sujeito da história, uma intervenção no
cenário da sociedade civil capaz de promover radicais mudanças das relações
estruturantes do campo educacional. A delonga ou a não-realização destas ações
transformantes atribuí-se a conseqüências da força alienante ainda interveniente
das ideologias dominantes, presentes parcialmente no universo simbólico do
professorado, apesar da realidade de sua “proletarização”.

Dadas as incoerências de seus fundamentos, essas análises terminam por


propiciar uma incompreensão sobre as relações dos integrantes do campo
educacional com os demais agentes e campos sociais, afora vir a promoverem a
defesa de algumas intervenções políticas que, do ponto de vista dos interesses dos
professores e das classes subalternas, geram efeitos indesejáveis e desastrosos.

Passemos agora a algumas observações a respeito deste ingênuo


entendimento sobre uma possível identificação imediata dos professores com os
trabalhadores, a fim de que ao critica-lo, possamos, posteriormente, apresentar uma
alternativa de apreensão dos elementos determinantes da situação dos professores
no campo educacional da sociedade brasileira.

A sindicalização do magistério e uma “nova” identidade” social dos


professores

Embora submetidos à fragmentação e à burocratização do seu trabalho e


sofrendo os efeitos do crescimento quantitativo dos seus quadros, os professores,
tal como boa parte do conjunto dos assalariados do terciário, foram capazes de
apresentar formas de mobilização social e política em defesa de seus interesses
corporativos. Como salientam com correção, por exemplo Apple (1989; 1995), Ozga
e Lawn (1991), o processo de controle sobre o trabalho docente (mal
compreendidos como “desqualificação” ou “proletarização”) sempre teve como
contrapartida a resistência dos professores, que por motivos ideológicos ou
146

corporativos, nunca aceitaram se sujeitar plena e passivamente ao que Bouillé


(1988) veio a designar como a tentativa burguesa utópica de, pela via escolar, obter-
se a mais que perfeita adaptação das novas gerações à ordem capitalista. Estas
reações a formas de controle externos não somente permitiram aos professores
interferirem, ainda que em parte, sobre conteúdos curriculares e procedimentos
pedagógicos gerais e, sobretudo, virem a ter respeitado, como um direito legal e
legítimo, algum grau de autodeterminação em sala de aula.

Ainda que guardando muitas características corporativas, próprias de


categorias profissionais, os movimentos mobilizatórios do magistério, por terem, às
vezes, assumido consideráveis níveis de expansão e aglutinação, tenderam a se
articular, em maior ou menor medida, às lutas desencadeadas no espaço urbano
pelo atendimento a demandas em educação, saúde, transporte, moradia e outros
serviços públicos, sedimentando elos entre suas reivindicações particulares e as das
"classes populares", bem como com as dos demais "assalariados intelectuais do
terciário” (SPOSITO,1984; CAMPOS, 1989, MASSON, 1989). Desse modo, os
movimentos do magistério contribuíram (e contribuem), ao menos parcialmente,
para a materialização de fissuras no próprio aparelho de Estado, podendo,
conjunturalmente, vir a transformarem-se em obstáculos, ainda que menores, à
consolidação da hegemonia de classe burguesa.

Como as formas de mobilização e os organismos de representação coletiva


dos professores tendem a conformarem-se muito mais segundo os padrões de
sindicatos de trabalhadores do que de associações profissionais ou ordens
corporativas, cientistas sociais e educadores progressistas ficaram propensos a
buscar novas respostas a questões relativas ao pertencimento de classe dos
professores e ao sentido político de suas ações sindicais, pois o reconhecimento,
por parte de alguns dos membros do magistério, de estarem vivenciando situações
de exploração comuns a outros trabalhadores, teria implicado em modificações em
suas práticas pedagógicas.

O entendimento de que existe a possibilidade dos professores agirem


segundo uma visão de mundo contestatória à ordem dominante, decorrente de sua
proletarização, tem por referência, ainda que superficial, o interrelacionamento de
duas questões muito presentes no pensamento ocidental e na tradição marxista em
particular.
147

A primeira, a da autonomia do sujeito, como resultado do emprego da razão.


Esta é uma proposição cara à toda tradição do iluminismo e retomada no campo da
esquerda, em termos político-morais, pelos frankfurtianos enquanto resposta à
situação de alienação imposta aos homens pelas relações sociais do mundo
moderno, pela perda do sentido de seu trabalho e de sua vida.

Espera-se com certa ansiedade, na linha dos defensores da “proletarização”,


que o professor, consciente de sua nova condição existencial, portanto não-
alienado, aja como um sujeito autônomo, tanto em sua prática social profissional
específica, como em suas ações políticas. Ele deveria “pensar sobre as formas de
restauração da sua autoridade moral perante a sociedade”, num esforço para
viabilizar uma “nova pedagogia política” (SILVA, s/d, não paginado). A legitimidade
de sua identidade de trabalhador intelectual seria socialmente reconhecida, quando
desvelasse a realidade em que se encontra, pois em caso contrário, “O professor
por não ter consciência do seu verdadeiro papel social se alienaria em meio a
uma estrutura social alienante” (SILVA, 1995, p.39, grifos do autor). As suas
novas condições de trabalho e vida, mais a luta política em defesa de seus
interesses ameaçados pela ordem capitalista, seriam a base que possibilitaria esta
desalienação e sua aliança com os trabalhadores, em seu novo estatuto intelectual.

A segunda refere-se ao papel e posicionamento dos intelectuais nas


sociedades modernas, sua condição aparentemente ambígua e incômoda,
tergiversando entre a defesa conservadora e a contestação, consentida ou radical,
da ordem social, temática abordada no campo marxista por, entre outros, Luckás e
Gramsci.

Embora seja Gramsci, o autor que recentemente mais se fez presente nos
estudos sobre as relações entre políticas educacionais e magistério (60), sendo
referência para vários dos defensores da tese da “proletarização” (ARROYO, 1985;
GIROUX, 1986; APPLE, 1989; HIPÓLITO 1991; PUCCI, OLIVEIRA e
SGUISSAARDI, 1991), nossas observações não serão sobre a sua obra, mas à
leitura que dela foi feita por estes últimos(61).

É do conhecimento geral, que a análise gramsciana sobre a hegemonia nas


sociedades modernas enfatiza a necessidade das classes subalternas,
especialmente da classe operária, virem a construir uma intermediação e uma
148

política de atração dos intelectuais tradicionais, os quais, independente de


localizarem-se em instituições “privadas” ou públicas”, são “funcionários” do Estado.

Porém o emprego, sob forma bastante questionável, de categorias desta


análise, tem permitido que, especialmente, a sindicalização docente seja
conceituada como um sinal promissor de superação de uma condição alienada e
das amarras de uma falsa consciência aburguesada/aburguesante,
potencializadora, além da solidariedade de classe, de uma estreita aliança política
do magistério com o proletariado, transformando os professores em intelectuais de
novo tipo, orgânicos às classes subalternas, isto é, em elementos de uma nova
hegemonia sob égide operária, invertendo a sua anterior condição de agente de
reprodução ideológica e, ao mesmo tempo, justificando, de forma aparentemente
não-corporativa este movimento sindical e a ação, em seu interior, dos partidos de
esquerda.(62)

Desalienar-se e transformar-se em um trabalhador intelectual de novo tipo


(articulando a uma “competência técnica” uma “consciência política” (MELLO, 1982),
forma dissimulada de defesa meritocrática dos interesses por distinção social)
passaria então a ser a forma mais correta para o magistério obter o imprescindível
apoio dos socialmente postos em condição subalterna na sociedade, tanto para
“desproletarizar-se”, pois que seriam revalorados socialmente, como para permitir
que os proletarizados venham a ter o acesso a um instrumento imprescindível às
suas lutas: o conhecimento. As tradicionais lutas pelo acesso à escola, ganhariam
então, uma nova dimensão, a de serem instrumentos não de integração à ordem,
mas sim de destruição desta ordem(63)

Sobre esta transformação dos professores em intelectuais orgânicos dos


subalternos, sublinha Wenzel: "Tão instigador quanto a desqualificação do professor
é o movimento que se verifica na direção da transformação dessa prática, isto é, da
prática pedagógica escolar, em favor da classe trabalhadora, como forma de
mediação para a transformação da sociedade. Um dos suportes desse movimento é
o resgate do professor como trabalhador da educação. Como trabalhador, exige-se
dele uma coerência de classe, que deve ser expressa por meio de seu compromisso
de lutar pela classe oprimida, cabendo-lhe a missão fundamental de desmistificar,
desvelar para os alunos a sociedade capitalista, de classes... esse movimento quer
também pôr nas mãos da classe trabalhadora instrumentos de destruição da
149

exploração. Entende esse movimento que o instrumento fundamental, ao qual deve


ter acesso a classe trabalhadora para se libertar da opressão, dominação e
exploração, é o conhecimento." (WENZEL, 1994, p.13)(64).

Deste modo, o professor assumiria o papel, algo sacerdotal e bem próprio


aos intelectuais, de revelar a verdade, não a da virtude, da ciência ou da razão de
Estado, mas a da revolução. Submetendo a problemática dos conflitos de interesse
à da descoberta da verdade que, se apresentando como uma problemática superior,
possibilita aos representantes desses trabalhadores intelectuais desqualificarem, por
vezes, como falseados, alienados ou irracionais tanto os interesses dos seus
representados, como os de outros trabalhadores, reproduzindo, em outra dimensão
política, o fundamento da divisão social do trabalho: a distinção entre o trabalho
intelectual e o trabalho manual.

Empobrecimento, mas não proletarização

Se tendencialmente autônomos, orgânicos às classes subalternas,


politicamente compromissados com a transformação das estruturas sociais e
“proletarizados”, porque, no entanto, os professores estariam sendo incapazes de
reverter a posição em que hoje se encontram, sobretudo em sociedades do tipo da
brasileira?

Mesmo reconhecendo que em aspectos pontuais as análises fundamentadas


na tese da “proletarização docente” (bem como as da “semi-profissionalização” e da
“feminização” do magistério) possam vir a estar corretas, é necessário sublinhar
tanto as suas insuficiências no tocante a considerações de ordem mais geral, como
o fato de não conseguirem responder a questão acima formulada, a não ser
definindo, por vezes mediante o emprego de formas terminológicas de maior ou
menor sofisticação e dentro de uma perspectiva que termina por considerar o
Estado o demiurgo da sociedade civil, a sempre presente má vontade política das
classes dominantes em possibilitar o acesso da população à escola como
determinante principal da situação de “mal-estar” docente e isto em tempos nos
quais, contraditoriamente, a escolarização veio a ser posta, quase universalmente,
como intenção objetiva das políticas sociais dos Estados modernos(65).

Neste sentido, a “tese da proletarização” vai de encontro a imagem, popular


em sociedades da periferia capitalista, de que, mesmo sob matizes diferenciados, a
150

"crise profissional" do magistério seria resultante de um histórico desinteresse do


Estado pela educação da população. No caso brasileiro, o desprestígio que recaiu
sobre os professores seria motivado pela perene secundarização das questões
escolares pelo poder público, o qual destas trataria apenas de modo ocasional e
demagógico(66), produzindo hoje um quadro marcado pelo colapso das redes de
ensino estaduais e municipais, com seus elevados índices de repetência -
especialmente, mas não unicamente, na primeira série do I grau - e evasão
sistemática de alunos(67).

O apelo ao descaso e a incompetência governamentais como fatores


decisivos do agravamento das condições de trabalho e vida dos professores se
possibilita a redução de todas as problemáticas atuais do magistério a uma simples
falta de vontade política das classes dominantes, não explica, porém, o porque
desta “falta de vontade”, a não ser mediante o argumento do expresso intento dos
dominantes em secundarizar a escolarização dos subalternos, fazendo com que
quaisquer investimentos no setor educacional venham sempre a ser objeto de
possíveis postergações ou adiamentos, salvo quando escolarizar for imprescindível
à formação de trabalhadores minimamente qualificados para o exercício de suas
funções no interior das empresas capitalistas modernas. Por enquadrarem o
processo de escolarização e as diferentes demandas que intervêm em sua
conformação como subordinadas plenamente à vontade política dos socialmente
dominantes(68), essas análises não somente demonstram a sua insuficiência em
apreender os determinantes da situação do campo educacional (e das relações
entre os seus integrantes) nas sociedades modernas, principalmente entre as
periféricas, bem como favorecem, em primeiro lugar, a reafirmação de postulados,
encontradiços no senso comum e politicamente conservadores, que propiciam ou
uma aceitação conformada do status quo ou promovem um ineficaz e somente
aparente, extremismo contestador. Dado o maniqueísmo de sua versão dualista da
luta política (os "de cima", homogeneamente unificados, contra "os de baixo",
também unidos monoliticamente; alocando-se os professores, enquanto candidatos
a “intelectuais de novo tipo”, entre os “de baixo’”), simplificador de seus nuances,
este “extremismo” termina por apreender os agentes sociais segundo uma ótica
permeada de moralismo e ressentimento, com coloridos mal definidos de extração
marxista.
151

Em segundo lugar, ao reduzirem as políticas educacionais à vontade


soberana dos dominantes, impossibilitando uma elaboração mais precisa da
problemática do magistério, essas análises também propiciam, ainda que contra
toda sua expectativa, o aparecimento e a adesão a todo o tipo de "salvacionismos
pedagógicos"(69).

Neste sentido, o trabalho de Arroyo (1985), embora importante pela


reconstituição histórica do magistério nas primeiras décadas da república brasileira
numa região fora do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, infelizmente não deixa de ser
um exemplo sofisticado, entre nós, deste tipo de perspectiva analítica. Mesmo
buscando construir seus argumentos a partir do par conceitual Estado-sociedade
civil, Arroyo termina por entender, de fato, o Estado como sendo um espaço de
ocupação única das classes dominantes e a sociedade civil a esfera das “classes
populares”. Como o Estado é visto monoliticamente enquanto aparato, sem fissuras,
de defesa dos interesses dos dominantes, suas ações são sempre invariavelmente
em conformidade à concretização destes interesses. Assim, chega-se à conclusão
de que o oferecimento de um ensino de baixa qualidade pelo Estado republicano
brasileiro, decorre do interesse das classes dominantes em promover principalmente
a moralização do povo, função anteriormente realizada pela igreja católica durante o
período imperial brasileiro. Ou ainda interpretar as ações das classes dominantes,
ou melhor daqueles que as representariam, como se estes fossem sujeitos
oniscientes: "Silviano Brandão, representante da burguesia mineira, agro-
exportadora, que imprimiu uma administração racional e austera percebeu esta
lógica. Em seu governo as escolas normais foram suspensas, todas as cadeiras
rurais eliminadas e as distritais reduzidas ao mínimo, duas por distrito, o ensino
agrícola foi suspenso por se tornar desnecessário. A burguesia nunca reproduziu
uma força de trabalho que fosse além de suas necessidades. Até a moralização
elementar estava custando caro aos cofres públicos" (ARROYO, 1985, p.97). Esta
onisciência dos dominantes assume uma dimensão atemporal. Os “de cima” são
sempre de alguma forma sábios em seu agir, como pode-se depreender das
considerações do mesmo autor sobre o processo de transição política do final do
período ditatorial-militar e seus efeitos na formulação de novas políticas
educacionais. Para ele, a burguesia brasileira, salvo uma mudança na correlação de
forças provocada por um vetor algo indefinido, "em sua lógica, sepulta a ilusão
152

liberal de escola e de mestre até moralizadores. Essa mesma lógica sepultou a


ilusão tecnocrática de um ensino básico de oito séries (Lei 5692/71) e sepultará
qualquer ilusão de escola e de mestre para a "nova republica" (ARROYO, 1985,
p.98, grifos do autor):

Em tal tipo de análise, embora a trajetória histórica seja reclamada como


argumento, ela é, em geral, apenas empregada como ilustração para confirmar o
pretendido dualismo das relações sociais, olvidando: a complexidade dos processos
de constituição da sociedade brasileira enquanto sociedade nacional e de
consolidação do Estado independente; a herança colonialista-escravista e como a
cultura política se configurou no percurso de nossa trajetória republicana, em
especial a partir dos anos trinta, variáveis importantes na definição do modo como
se conformou, entre nós, o campo educacional.

Mas antes de entrarmos na discussão sobre a conformação de nosso campo


educacional e dos determinantes da situação atual dos professores em seu interior,
são necessários ainda algumas observações a respeito da feminização e da “semi-
profissionalização” do magistério, por serem temáticas diretamente relacionadas à
tese da “proletarização docente”.

Queremos deixar claro que ao fazermos os comentários que se seguem, não


estamos negando a, empiricamente incontestável, presença majoritária das
mulheres no magistério. Simplesmente, sublinhamos nossa discordância quanto a
esta feminização ter possibilitado uma processual e gradativa “proletarização” dos
professores.

Para nós, entender a feminização do magistério como condição de sua


“proletarização” é terminar por inverter a lógica do processo contemporâneo de
empobrecimento dos professores.

Isto porque, em primeiro lugar, é questionável a afirmação de que a presença


majoritária das mulheres no magistério esteja, enquanto seu elemento determinante,
associada ao “declínio da origem socioeconômico-cultural do seus integrantes no
quadro da constituição e da expansão dos sistemas de ensino público” (RAMALHO
e CARVALHO, 1994, p.52) e ao rebaixamento dos salários dos professores, como
assinala, referindo-se à situação brasileira, Hypólito: " A expansão das redes de
ensino absorveu a mão-de-obra feminina, fato que coincidiu com os primeiros
153

rebaixamentos salariais que afugentavam profissionais homens, levando-os a


procurar empregos em outras áreas" (HYPÓLITO, 1991, p.15).

Se olharmos para a história do magistério no ocidente, sobretudo aquele


dedicado ao ensino fundamental, não encontramos uma situação marcada por
salários valorizados, que entram em queda pela irrupção das mulheres no mercado
de trabalho docente. Ao contrário, deparamo-nos sempre com alusões a duras
condições de vida, quando então, poucas eram as mulheres que se dedicavam ao
magistério. É preciso ter sempre em mente o aspecto assinalado por Louro (1988)
do magistério ter sido nos séculos constituintes da modernidade ocidental um
trabalho de homens e homens pobres, que o adotavam como opção para escapar
ao trabalho manual. Somente na segunda metade do século XIX as mulheres
passam a ter uma presença significativa, momento em que os determinantes
estruturais dos sistemas nacionais de ensino, já estavam fundamentalmente
definidos. Deste modo, a feminização, por si mesma, só pode ser considerada uma
garantia da submissão e exploração ou mesmo miserabilização do corpo docente,
se aceitarmos algo acriticamente que as mulheres seriam, pelo modo de sua
educação, sempre mais submissas que os homens. Mas como, então, articular de
forma não contraditória a continuidade da submissão e o rompimento com um
passado histórico que as retinha na esfera do lar, a não ser postulando a ação
manipuladora de um patriarcalismo onipresente e onisciente?

Aspectos da história recente do magistério contrariam ainda mais uma


relação estreita e direta entre a feminização e o empobrecimento do magistério, pois
foi exatamente quando da expansão dos sistemas nacionais de ensino, portanto
concomitantemente à intensificação da atuação das mulheres no magistério, que se
observa o estabelecimento de condições salariais menos insatisfatórias e são
definidos determinados pré-requisitos, como formação escolar específica, se não
para o ingresso, ao menos para a progressão na carreira ( NÓVOA, 1991; 1991b;
PETITAT, 1994).

Quanto à problemática da ocupação dos cargos de direção nos sistemas de


ensino por homens e menos por mulheres, se ela é também inegável, embora não
de forma absoluta(70), na maioria dos países ocidentalizados, isto não veio a ser
exclusivamente resultado da força auxiliar de um patriarcalismo co-promotor de um
processo de “proletarização”.
154

Devemos observar, que a ocupação de cargos de direção administrativa ou


pedagógica, enquanto cargos públicos (tradicionalmente considerados como afeitos
apenas a homens, visto serem estes os primeiros portadores de direitos políticos),
portanto sob responsabilidade governamental, tendeu a ser guiada pela lógica da
constituição de clientelas ou blocos de sustentação política, instrumento de
barganha por votos ou outras formas de apoio, mesmo em países onde o ingresso
no serviço público se fez ou se faz estritamente por exames e concursos.

Geralmente reconhecidos como de importância reduzida nos escalões


burocráticos, salvo em momentos de implementação de sólidas estratégias de
hegemonia, quando então o campo educacional passa a ser palco de grandes
disputas, os cargos dos sistemas escolares, são, todavia, significativos para aqueles
agentes sociais dotados de menores qualidades ou oportunidades nos esquemas
partidários ou oligárquicos,

Tomar a feminização como condição do empobrecimento é, de certa forma,


insistir em estereótipos sobre o trabalho das mulheres, em especial nas próprias
crenças da ideologia escolar sexista, na qual a docência feminina - especialmente a
das professoras primárias - é objeto de um certo escárnio, de um olhar depreciativo,
que faz desta, por ser principalmente um trabalho com crianças, um trabalho de
menor prestígio, sob a alegação de ser a formação acadêmica necessária ao ensino
fundamental menor do que a requerida para o ensino médio. A mesma ideologia
sexista escolar produz uma certa expectativa a respeito das atitudes de professoras
do ensino médio em relação aos seus alunos. Estas devem ser as mais próximas
possíveis daquelas dos professores homens. Quanto mais próxima de uma atitude
“feminina”, típica de uma “professora primária”, mas desprestigiada se tornaria esta
professora, em função da reprodução da desqualificação simbólica que os seus atos
acarretariam.

A majoritária presença física das mulheres, que tornou o magistério um


espaço “feminino”, inclusive no ensino médio, ainda permanece sendo um
argumento, embora secundário, do senso comum (encontrável também entre os
próprios professores), para, em conformidade à lógica sexista, responsabilizar esta
predominância feminina pela situação de desvalorização salarial e ser fadado a
configurar-se como um espaço de “semi-profissionais” mal pagos ou diletantes.(71)
155

A história, contrariando a tese da feminização como condição de


proletarização, tem transcorrido de modo inverso ao difundido pela ideologia escolar
sexista. Sempre reconhecendo-se uma prioridade determinante nas relações de
classe sobre as de gênero nas sociedades modernas, podemos dizer que são as
atividades ou áreas de trabalho menos valorizadas socialmente que`,
paulatinamente, vem a ser culturalmente definidas como locais femininos. Primeiro
se "proletariza", posteriormente se "feminiza" uma forma ou espaço de trabalho. Em
sentido oposto, a valoração de uma atividade tendencialmente implica em sua
“masculinização. O magistério, salvo o de instituições universitárias ou similares, por
ter sido historicamente um espaço pouco valorizado tornou-se mais suscetível de
assimilar o ingresso de mulheres em seu interior.

Quanto a constituição do magistério como uma “semi-profisssão”, algumas


observações críticas também devem ser feitas. Em primeiro lugar é necessário
como assinala Bourdieu (1990; 1991), escaparmos aos limites e ambigüidades que
a expressão “profissão”, traz em si. Definir um agente social como possuindo uma
profissão é reconhecer que este é detentor de uma identidade socialmente dada por
sua relação histórica com as formas específicas de trabalho e não pelo “simples”
exercício desta forma de trabalho. Esta relação, bem como a identidade daí
proveniente, é definida pela posição, sempre relacionalmente constituída, em que o
agente está situado em um campo social, cuja existência é objetivamente anterior
ao seu ingresso neste. Para um agente social, estar legitimamente em um campo
significa ter o poder de compartilhar de habitus e padrões classificatórios do mundo,
pertinentes à sua posição no interior deste campo.

Ao mesmo tempo, isto implica, necessariamente e acima de sua vontade, em


distinguir-se de todos aqueles que não se encontram na posse do habitus pertinente
ao campo. Da historicidade do habitus e dos padrões classificatórios a ele adscritos,
isto é, da sua condição de efeitos das relações entre os integrantes dos diferentes
campos sociais, os agentes que os utilizam raramente são conscientes, tendendo a
considerá-los modos naturais de ser, resultados culturais imediatos do seu
"exercício profissional", pois o poder simbólico, que, mediante a violência de sua
força impositiva de um capital cultural, substancializa o direito legítimo dos agentes
a serem integrantes do campo, "é um poder que supõe o reconhecimento, isto é, o
desconhecimento da violência que se exerce através dele. Logo a violência
156

simbólica (...) só pode se exercer com essa espécie de cumplicidade que lhe
concedem pelo efeito de desconhecimento que a denegação estimula aqueles sobre
os quais se exerce a violência" (BOURDIEU, 1990, p.194). Assim são percebidos
como naturais os interesses dos integrantes do campo e reproduzidos conforme a
hierarquia nele constituída também é reproduzida, através do respeito a graus e
procedimentos definidos. Hierarquia que é resultante, ao nível interno do campo,
das " relações de concorrência e conflito entre grupos situados em posições
diferentes no interior de um campo intelectual" (BOURDIEU, 1986, p.186),
viabilizadoras para uns do acesso e da permanência e sendo, para outros, condição
de óbice e de exclusão(72)..

Ao assinalar a força da imposição arbitrária na constituição dos habitus. e do


desconhecimento das relações sociais que os produzem, Bourdieu aponta para a
ocorrência de um certo grau de submissão ao senso comum em muitas das análises
desenvolvidas, inclusive no campo da educação como a trajetória da Nova
Sociologia da Educação bem o mostra, segundo perspectivas interacionistas ou
etnometodológicas (BOURDIEU, 1991), nas quais as imagens, geralmente
produzidas pela ação de representantes ou porta-vozes dos grupos sociais, é
compreendida como sociologicamente justas, desconsiderando-se as proposições
axiológicas nelas implícitas e esquecendo-se de questionar o quanto estas imagens
podem vir a representar, de modo velado, a defesa de interesses particulares,
enquanto uma estratégia inconsciente de autopromoção e de busca da distinção
social,

Destarte, o emprego da noção de profissão por analistas, que definem o


magistério como uma “semi-profisssão, (Apple, 1995; Enguita, 1991b) termina por
ser feito de modo acrítico, pois caracterizando como elementos definidores das
chamadas “profissões”: o ser objeto de uma regulamentação estatal e o dispor,
pelos que as exercem, do controle sobre o seu trabalho, desconsideram as relações
constituintes da identidade social destes agentes, de seus comportamentos e
atitudes presentes e historicamente introjetados em suas práticas de trabalho, as
quais independem, em princípio, de determinações legalmente estabelecidas, mas
que vêm a se conformar segundo o habitus desses agentes, solidificando seu auto-
reconhecimento enquanto integrantes de um dado campo.
157

Por esta ótica, a contraposição que Enguita salienta entre a medicina, a


advocacia e o magistério como ilustração da condição “semi-profissional” deste
último não se torna um argumento sustentável. A serem seguidas as suas
orientações, uma observação mais imediata da realidade nos levaria a considerar
que "não poderíamos encontrar, por mais que buscássemos, uma medicina ou uma
advocacia não regulamentadas" (ENGUITA, 1991, p.45), isto é, ambas seriam,
enquanto áreas corporativamente delimitadas pela força reguladora do Estado,
profissões. Uma situação em contraste com a do “ofício de ensinar”, visto ser este
último um espaço aberto, onde todos poderiam livremente se inserir.

Contudo, um olhar menos pronto a encontrar evidências e mais acurado


sobre a trajetória histórica da medicina moderna e dos que a exerceram leva-nos a
um processo pleno de lutas, no qual se desenrolou a transformação da “arte de
curar” em clinica médica, na qual a produção de um domínio positivo de
conhecimentos foi utilizada como importante instrumento de legitimação dos seus
praticantes e desqualificação de concorrentes. Em tal processo a intervenção do
Estado não foi princípio, mas sim resultado, decorrente em boa parte da elevação
da medicina à uma posição estratégica na constituição (ou em suas tentativas) de
uma ordem hegemônica burguesa (FOUCAULT, 1980; LUZ, 1979; 1988; 1995).
Como antes fizemos menção, conflitos também ocorreram entre licenciados e não-
licenciados pelo “monopólio” da docência (NÓVOA,1991; COELHO,1988), porém
dada a força das antigas práticas pedagógicas, uma estratégia de hegemonia por
via escolar se fez sem que a legitimação do magistério decorresse da posse de
conhecimentos especificamente produzidos para o campo escolar e estatalmente
regulamentados. Podemos também observar quanto à prática médica, que apesar
de todas as pressões contrárias, as “artes da cura” continuaram a ser exercidas por
um "exército de leigos", os quais, em conformidade a circunstâncias conjunturais
nos campos intelectual e político, buscaram e buscam, de modo mais ou menos
permanente, legitimar, em primeiro lugar frente à sociedade e somente depois ao
Estado, a sua condição de experts alternativos à medicina alopática.

Desse modo, a condição dos agentes é definida não pela "substancialidade"


do trabalho que exercem, mas pelas relações que travam com outros agentes no
campo social, sempre reconhecendo-se as especificidades históricas - em especial
aquelas de ordem nacional - da constituição do campo em que se inserem. Mesmo
158

em contextos de globalização ou mundialização, o centro das relações e das lutas


entre os agentes tende a se definir, em última instância, pelas lutas travadas no
âmbito de campos inscritos em sociedades nacionais e frente a Estados de
características também nacionais, ainda quando se trate de sociedades e de
Estados situados fora do centro capitalista (SANTOS, 1995; DALE, 1994).

Este acento maior nas relações que os agentes desenvolvem no interior dos
campos sociais nos possibilita igualmente questionar a sindicalização dos
professores como um sinal expressivo de sua “proletarização”

Sindicalização não significa proletarização

Não se trata de negar a importância política do sindicalismo docente pois,


como Apple aponta com toda correção, o neoconservadorismo para ser vitorioso no
campo educacional exige, como contraface da ampliação do controle das
instituições escolares(73), a restrição ao grau de intervenção que os professores
(bem como os estudantes e seus pais) possam vir a ter no cotidiano escolar,
independente de todas as formas aveludadas de cooptação que os
neoconservadores desenvolvam, entre elas a adoção do discurso da qualidade total
na educação (APPLE, 1991).

Tampouco é possível desconsiderar a importância de coligações e sindicatos


na construção de uma identidade social de segmentos de trabalhadores pois,
enquanto mecanismos políticos, clarificam interesses, afirmam comportamentos e
avocam positivamente a condição de trabalhador. Contudo de igual forma, é preciso
atentar, como assinalou Offe (1989a, 1989b), que nem todos os trabalhadores,
dadas suas características próprias, desenvolveram organizações sindicais com a
mesma intensidade, de modo a conformar-lhes uma clara “identidade profissional”
com base em sua tradição de defesa organizada de interesses, mesmo quando esta
seja relativamente antiga.

Neste sentido, a situação dos professores é emblemática. Embora tenham


sido, entre os segmentos de trabalhadores intelectuais, pioneiros na experiência do
assalariamento e na constituição de entidades sindicais, como assinalam as
análises de Petitat (1994) (para o magistério europeu), Nuñes P. (1990) (para o
latino-americano) e Coelho (1988) (para o brasileiro)(74), nem por isto foram os
159

sindicatos de docentes absolutamente fundamentais na conformação de uma


caracterização socialmente identificadora dos professores.

Em boa parte, isto deveu-se especialmente à sua condição de dominantes-


dominados no interior não só do campo social (BOURDIEU, 1982) como do próprio
campo intelectual. Esta condição permitiu e permite aos professores se verem como
portadores de uma autoridade burocrática e moral frente aos estudantes e às
classes populares, afigurando-se, portanto, como representantes em algum grau do
poder estatal e, ao mesmo tempo, sentirem-se desconsiderados em suas
expectativas de reconhecimento, por aqueles que realmente integram o bloco no
poder, gerando uma aparente indefinição e incerteza quanto à sua posição frente
aos demais agentes sociais. Tal situação tem possibilitado classificação dos
professores por, entre outros Apple (1989;1995) e Enguita (1991b), como agentes
sociais portadores de uma ambigüidade de classe ou tendo um pertencimento de
classe contraditório, numa tentativa de dar conta da problemática do pertencimento
de classe dos professores e justificar tanto a existência de movimentos de sindicais
do magistério, cuja participação seria relativamente fraca por conta desta própria
ambigüidade de classe.

Ao nosso ver, uma situação mais definida poderia vir a ocorrer caso
houvesse, efetivamente, maior afirmação profissional do magistério, com a definição
dos atributos necessários ao exercício da docência (titulações escolares ou seus
equivalentes) e o reconhecimento social sob a forma da posse de bens econômicos
e simbólicos daí decorrentes. Tendencialmente, isto implicaria, ao menos para a
maioria dos seus integrantes, em assumir com envergadura a identidade de
intelectual “funcionário” do Estado, sistematizador e transmissor, ao nível das
instituições escolares, de perspectivas de mundo dominantes e pautar o seu agir em
conformidade a uma regra corporativa singularizadora.

Entretanto a presença constante de atitudes herdadas de seus


“antepassados pedagógicos”, manifestas em um número nunca reduzido de
professores através de um conformado e mal dissimulado ceticismo para com o
discurso educacional iluminista (especialmente quanto à imagem da escola como
instituição autonomizante e civilizatória dos homens) e com os empreendimentos
estatais de universalização da escolarização, possibilitou um comportamento
pautado pelo “descompromisso” com os objetivos éticos das práticas educacionais e
160

norteado pela aspiração a obter a melhor remuneração possível mediante o


desprendimento de um esforço mínimo, portanto sem que houvesse a contrapartida
da afirmação de um ethos corporativo, impregnado da ideologia escolar moderna.
Desnecessário dizer que políticas educacionais pouco afeitas a considerar
reivindicações do magistério, tão comuns em sociedades de escolarização tardia,
como as latino-americanas, em muito propiciaram a reprodução ampliada de tal
“descompromisso”, tão presente entre aqueles que, conforme a taxionomia
elaborada por Nóvoa constituem, aparentemente, os não possuidores de um
discurso próprio, vindo a ser a massa dos “militantes da indiferença ativa” (NOVOA,
1991b, p. 131).

Por outro lado, a interseção entre ser próprio à toda instituição sindical
defender de modo indiscriminado os interesses de qualquer agente social que por
força de ofício, ramo ou vínculos empregatícios a ele adere e o permanente intento
das direções de sindicatos em convergir para si o mais largo espectro de
representação possível, obriga a estas últimas a ter como uma de suas bases de
apoio estes mesmo professores “descompromissados”, portanto tornando-os de
algum modo avalistas de sua legitimidade política, isto é, da sua condição de porta-
vozes reconhecidos de um segmento social, sobretudo quando as formas
hegemônicas de dominação de classe estão sendo substituídas por práticas de
deliberada exclusão e deslegitimação de interesses subalternos. Assim, os
dirigentes sindicais do magistério são colocados ante o dilema de aderir a uma
perspectiva mais estritamente corporativista de ação sindical, predominantemente
voltada para a obtenção imediata de ganhos salariais e desconsiderar outros
aspectos relativos ao processo educacional, agravando tensões com intelectuais
críticos da escola e segmentos sociais dominados, historicamente envolvidos com a
luta pelo acesso à educação escolar.

A simples designação dos professores, sobretudo por correntes políticas de


esquerda e direções sindicais, como “trabalhadores da educação”, numa busca pela
confluência de interesses entre magistério e a classe trabalhadora, capaz de
reestruturar por meio de suas lutas os sistemas de ensino e faze-los atender aos
interesses de classe dos subalternos não tem possibilitado a superação da aparente
ambivalência da posição de classe do magistério. Salvo correlações imediatas entre
o professor e o operário, exemplificadas no trabalho de Wenzel (1994), provenientes
161

de questionáveis determinações estruturais que transformariam os primeiros em


neoproletários, a tese da “proletarização docente” embora traga implícita, por nela
prevalecer uma inspiração de ordem fenomenológico-crítica (SARUP,1996), a
esperança de uma ação política contestatória dos membros do magistério, não
apresenta argumentos, a não ser os de ordem moral, que justifiquem o dever dos
professores, enquanto grupo social, de assumirem um posicionamento
“emancipatório” frente aos processos educacionais, à ordem social capitalista e aos
demais trabalhadores. Limita-se ao apelo à ruptura com o ideário escolar
conservador e a uma intervenção democratizadora, tal como é expressado por
Giroux (76): “os professores terão que estabelecer conexões orgânicas com as
maiorias excluídas que habitam os bairros, vilas e cidades nas quais as escolas
estão localizadas (...) os professores radicais terão que estar profundamente
envolvidos nas lutas fora dos aparelhos do estado para desenvolver esferas
públicas e instituições contra-educacionais que forneçam as condições e questões
em torno das quais as pessoas poderiam se organizar em maneiras que reflitam
suas próprias necessidades e experiências reais” (GIROUX, 1986, p.307)

Assim, visto inexistirem quaisquer determinações estruturais que resultem


numa redefinição de sua condição de classe, integrando-os à classe operária, é
equívoca a caracterização dos professores como “trabalhadores (ou profissionais)
da ou em educação”. Ainda que objetive, com base em categorias analíticas das
ciências sociais, validar a consolidação de elos políticos entre o magistério e as
classes subalternas e legitimar “sociologicamente” a busca dos professores pelo
apoio de segmentos sociais dominados às suas lutas, termina por sublinhar ainda
mais uma série de antinomias nas relações entre estes, descaracterizando a
possível nova condição “proletária” do magistério.

Segundo Cunha (CUNHA,1995), estas antinomias podem ser apreendidas:


primeiro, na contraposição entre o conservadorismo político das bases professorais
e as posições mais radicais de dirigentes e ativistas sindicais; segundo, na insistente
defesa da profissionalização do magistério (a salvaguarda de direitos corporativos)
contraposta a perpetuação de práticas como absenteísmo e baixo domínio dos
conteúdos curriculares; terceiro na contraditória prática de solicitação de apoio
político às suas reivindicações e desrespeito aos interesses escolares daqueles a
quem se solicita este apoio, seja pelo autoritarismo nas relações professor-aluno,
162

seja pela sobreposição do interesse particular aos interesses da clientela estudantil


e finalmente pelo efeito de inversão dos objetivos pretendidos pelas ações sindicais,
visto que a aparente radicalidade política das formas de luta adotadas, geralmente
greves prolongadas, termina por voltar-se contra os possíveis aliados políticos do
magistério - as classes subalternas - na medida em que contribuem para ainda mais
agravar problemas cotidianos dos sistemas escolares e dificultar os processos de
aprendizagem, sobretudo dos membros destas classes.

Deste modo, o aumento da mobilização sindical e a adesão expressiva em


greves, sobretudo nas redes públicas, não implica na constituição de uma
“consciência” de classe proletária e não alienada dos professores, mesmo quando
estes, como no caso dos brasileiros, se vejam inseridos em um processo de
angustiante empobrecimento.

Embora aqueles que considerem vir a estar constituindo-se o professor


“proletarizado” em um novo tipo de trabalhador intelectual, orgânico às classes
subalternas, geralmente defendam de modo mais ou menos apaixonado o acesso
dos trabalhadores à educação escolar e procurarem exemplificar as lutas dos
professores como uma demonstração da confluência orgânica dos interesses dos
professores e demais trabalhadores, bem como do caráter de classe da luta pela
escolarização, eles não observam que, não raro, estas lutas são justificadas através
de argumentos de ordem meritocrática(75), sem maiores questionamentos sobre a
permanência das “manifestações ocultas e invisíveis” da lógica institucional escolar
e seus mecanismos seletivos de estudantes segundo as origens de classe e a
detenção de capital cultural e simbólico, permanecendo-se na ingênua compreensão
de que, independente das relações de classe, uma boa escola, onde obviamente os
professores estarão salarialmente dignificados, assegurará bons empregos para
seus estudantes ou na crença de que um formal discurso político “de esquerda”
poderá vir a sobrepor-se aos efeitos violentamente discriminatórios do próprio
processo institucional escolar.

É preciso observar que a luta pela publicização do ensino, embora busque


ser legitimada pelas instituições sindicais de professores como sendo realizada em
nome da concretização de um direito legítimo dos trabalhadores, se processa
norteada por uma velada aspiração de que as classes médias permaneçam nos
sistemas públicos de ensino (DALE,1994), ou, como no caso brasileiro, a estes
163

retornem, dado que historicamente foram estas classes que, em primeiro lugar,
agiram como grupos de pressão sobre o estado, no sentido de obterem da parte
deste uma oferta de educação escolar em padrões de qualidade considerados
satisfatórios segundo, é claro, a sua perspectiva de classe, inclusive quanto às
condições de trabalho e remuneração dos professores. Não se pode também deixar
de se reconhecer que na escola pública, excetuando-se as conjunturas de pleno
autoritarismo político, a capacidade de ação política dos professores é bem maior
que na escola privada. Apesar de, nesta última, a clientela pertencer, tal como o
corpo docente, majoritariamente às classes médias, o poder discricionário do
proprietário pode eliminar os descontentes, em especial, aqueles que tenham
objetivos pedagógicos não diretamente condizentes aos interesses de classe da
clientela, mesmo naqueles países como, por exemplo, a Espanha, onde é
legalmente assegurada a intervenção de professores e país de alunos na gestão
escolar.

Por sua vez, contestar a tese da “proletarização docente” não significa uma
mera reafirmação do desejo politicamente conservador de realização da distinção
social, tão encontradiça entre membros do magistério que se vem ameaçados de
fracasso em seus esforços pela obtenção legítima desta última. Sintomaticamente, a
luta sindical do magistério, mesmo quando alude aos direitos da população à
escolarização, sempre termina por se encaminhar na direção da valorização dos
professores, por sua dignificação, proporcionando um aparente paradoxo, pois se os
professores são “novos proletários”, contraditoriamente as reivindicações pelas
quais lutam, objetivam, de fato, negar esta condição proletária, afirmando aspectos
que os distinguiriam dos demais proletários, como por exemplo: a manutenção do
controle do seu trabalho, salários superiores aos dos trabalhadores manuais e dos
“desqualificados” em geral ou remuneração conforme o grau de escolaridade.

De modo ingênuo e idealístico, muitas vezes os professores. como


exemplificam as falas dos entrevistados por Weber (WEBER, 1996, p.99),
responsabilizam por sua atual condição subalterna a ocorrência de uma
“dessacralização” do magistério, produzida tanto pelos meios de comunicação de
massa - formadores da opinião pública - como pela luta sindical, que em virtude das
formas assumidas, os aproximariam simbolicamente do operariado e do
164

“populacho”, fazendo-os perderem a “áurea” da distinção de classe, anteriormente


possuída(76).

Contrariamente ao afirmado pelos defensores da “tese da proletarização


docente”, não se pode confundir processos de empobrecimento com processos de
proletarização, nem tampouco pode-se desconsiderar que, como assinalou Offe
(1984), o desenvolvimento do capitalismo necessitou e necessita produzir através
de meios não diretamente econômicas, portanto por vias políticas coercitivas - a
transformação dos pobres ou empobrecidos em trabalhadores livres assalariados.
Igualmente é necessário ter sempre em mente que, mesmo quando grupos gremiais
não puderam resistir à perda da propriedade dos meios de produção e ao processo
de decomposição técnica de seu trabalho, essa transformação se fez acompanhada
de reações por parte daqueles que a sofreram, manifestando-se esta resistência
também pela formulação de concepções de mundo radicalmente negadoras de uma
aceitação passiva da ordenação capitalista, ainda que empregando elementos
culturais socialmente originados em períodos "pré-capitalistas" (GINZBURG, 1987).

Historicamente esta contra-cultura popular e antiburguesa serviu de fundo


contestador dos novos princípios burgueses, constituindo-se em pólo de atração
para todos aqueles agentes, não pertencentes às velhas aristocracias, que, como os
trabalhadores artesãos e os “antepassados pedagógicos’ dos professores, por um
ou outro motivo encontravam-se em contraposição aos interesses maiores das
burguesias ascendentes ou dominantes. Em torno a esta cultura dissidente, base de
uma ideologia proletária anticapitalista, orbitaram, mesmo circunstancialmente, os
chamados intelectuais trânsfugas, os "não contaminados" no dizer de Carnoy
(1984), isto é, aqueles que ou se encontravam em posição inferior no campo
intelectual ou estavam em luta pela obtenção da autonomia do mesmo, mesmo
quando disto não tivessem nenhuma percepção mais objetiva. A possibilidade de
uma homologia entre os campos intelectual, artístico e educacional, em especial no
tocante às pretensões de autonomia relativa destes campos ante o poder do estado
e “as relações de concorrência e conflito entre grupos situados em posições
diferentes” (BOURDIEU, 1986, p.186) nesses campos, permite-nos considerar como
exemplar, entre os trabalhadores intelectuais, a condição dos professores para a
incorporação ou inculcação, mesmo tergiversavelmente, de ideários políticos de
matiz esquerdista, independente das suas vertentes (social-democrata, socialista,
165

comunista ou anarquista), em virtude de sua condição de ocupantes de uma posição


fragilizada no interior dos campos intelectual e educacional, frustados e ressentidos
por não terem sido galgados a um ponto de destaque. Este posicionamento político
à esquerda não raramente ganha contornos de um “etnocentrismo às avessas”,
daquilo que Bourdieu (1982) veio a chamar de “sonhos milenaristas ou
proletaróides” dos pequenos intelectuais, nos quais uma representação imaginária,
quase sempre algo obreirista, do “povo” ou dos “trabalhadores”, permite a
constituição em parte dos integrantes deste campo de uma identidade
autoconsagratória, que agindo como um mito catalisador, proporciona-lhes o
sentimento de compartilharem de uma identidade política comum.

Destarte, ocupar uma posição subalterna no campo intelectual não vem a


significar que necessariamente os intelectuais que a ocupam se constituem ou virão
a se constituir em intelectuais orgânicos dos subalternos, como o faria uma
utilização mecânica da formulação gramsciana sobre os intelectuais, pois não só
permanecem sendo reproduzidas no campo social as diferenciações entre os que
exercem funções intelectuais e aqueles que não as exercem, bem como processa-
se constantemente a reafirmação simbólica, intencional ou não, desta distinção.

Todavia o principal ponto de crítica à tese da “proletarização” docente refere-


se ao equívoco de confundir a tendência à racionalização, intrínseca à constituição
das sociedades modernas e à conformação do modo de produção capitalista, não
somente com a generalização do assalariamento, mas, em especial, com uma
universal subsunção real de todo tipo de trabalho ao capital. Tal confusão permite
visualizar um processo de proletarização que abrangeria aqueles agentes que
exercem, no setor de serviços, especificamente funções intelectuais, como os
professores.

Mesmo tendo-se em conta que a modernização, com a conseqüente


burocratização das instituições públicas e privadas, elevou quantitativamente o
número de trabalhadores intelectuais, transformando-os em "massa" e tenha-os
situado subalternamente no campo político, isto não representou uma alteração
fundamental nos modos de realização do seu trabalho. Ainda que tenha se
intensificado os graus de exploração ou fiscalização de suas atividades, permanece
a diferenciação entre estes e os agentes sociais diretamente vinculados ao trabalho
manual, essencial para a reprodução do distanciamento social entre trabalhadores
166

intelectuais e manuais, legitimando a defesa dos interesses particulares e


corporativos dos primeiros frente a demandas populares, especialmente quanto à
execução dos serviços públicos.(77), o que vem a dificultar a efetivação concreta de
alianças políticas entre professores e trabalhadores.

O domínio de uma razão instrumental, condição e conseqüência da afirmação


do capitalismo, implica na busca da otimização da produtividade do processo de
trabalho e na generalização gradual de uma ideologia cientificista de planejamento e
de controle administrativo, que promove a consagração da racionalização
burocrática. Porém, isto não vem significar uma transformação de todos os que
trabalham, ainda que estando na condição de assalariados, em proletários. Até
porque nem todos os tipos de trabalho vem a estar submetidos plena e diretamente
à lógica da valorização do capital. Há formas de trabalho que são distintas do
trabalho operário, até quando este último se realiza sob modelos organizacionais
pós-fordistas (Burawoy, 1990). Alguns serviços geridos pelo Estado, por exemplo: a
saúde ou a segurança pública, fundamentais para a reprodução das relações
capitalistas como um todo, quando vistos em suas especificidades não podem ser
realizados estritamente segundo os cânones da acumulação capitalista, nem muito
menos por uma adequação unilateral a procedimentos de ordem taylorista, ainda
que nem por isto sejam totalmente infensos a normatizações racionalizadoras.

Conforme Offe (1989a;1989b), são crucialmente significativas as diferenças


entre o trabalho realizado sob a subsunção real ao capital e as formas de trabalho,
como o docente, em que mesmo sofrendo algum tipo de racionalização e controle
externo (uma subsunção formal), os trabalhadores mantém graus relevantes de
autonomia na execução de suas tarefas.

Longe de possuir uma singularidade muito peculiar, que o diferenciaria de


todos os outros tipos de trabalho, fazendo-o ser um espaço “onde o capitalismo, isto
é, as relações próprias ao capitalismo não conseguiriam se desenvolver
plenamente” (HIPÓLITO, 1991, p.5), o trabalho docente se enquadra no setor de
serviços, ou seja naqueles em que os executores possuem um grau relativo de
autonomia quanto ao modo de sua realização, como assinalam Silva (1992),
Cabrera e Jaen (1991) e Poulantzas (1975; 1979). Este aspecto distingue o
professorado dos trabalhadores diretamente vinculados ao setor secundário, pois
permite aos membros do magistério uma autonomia quanto ao controle sobre o
167

exercício do seu trabalho que é impossível de ser igualada pelos trabalhadores


diretamente produtivos.

Conforme Cabrera e Jaen (1991) sublinham, também é inviável a total


padronização do trabalho escolar, por ser este mediado pela presença permanente
de outros agentes sociais, obrigando aos professores a reverem com relativa
autonomia a maneira como realizarão o seu trabalho, contrariando os defensores da
tese da “proletarização”, que consideram existir uma similaridade ou simetria entre
os processos de trabalho fabril capitalista e docente, mas esquecem-se que
somente no primeiro ocorre a subsunção real da força de trabalho ao capital (MARX,
1974;1975).

Neste sentido, é totalmente incorreta a transposição metafórica,


profundamente economicista, das relações de trabalho próprias ao setor secundário
para o universo escolar, fazendo do aluno um objeto de trabalho - uma matéria-
prima - dos professores. Eles se esquecem que o aluno é um agente - portanto
ativo - e não um mero objeto que passivamente receberia os efeitos da ação
interveniente dos professores. Por maiores que sejam as tentativas em contrário,
sempre aqueles que são objeto de uma intervenção institucional resistirão a esta
intervenção, de modo nunca absolutamente idêntico. Desse modo, os alunos não
podem ser apreendidos como passivos "objetos de trabalho" do professor, pois se
assim o fosse, nos depararíamos com uma singular situação em que o objeto de
trabalho participaria ativamente da sua própria transformação em mercadoria, em
valor de troca, em futuro capital (WENZEL, 1994). Guiadas por tal raciocínio, as
teses "marxistas" da “proletarização” convergem em direção às teses da teoria do
capital humano, em particular ao seu pressuposto de que a moderna escola de
massas existe essencialmente para formar futuros trabalhadores, realizando apenas
uma inversão de sentido ideológico, mas mantendo a mesma perspectiva
economicista.

Por mais que sejam mencionadas e exigidas as normas e atitudes


desejáveis, prescritas por direções de escolas ou outros órgãos governamentais de
ensino e mesmo quando o professor se apresenta como passivamente submetido
às diretrizes programáticas dos "pacotes pedagógicos" (entendendo-se aqui que o
próprio livro didático e seu "manual do professor" podem ser tomados como forma
primeira de tais pacotes), o controle perfeito do trabalho pedagógico é
168

absolutamente impossível, sempre dando ao professor um domínio do seu trabalho


que o operário moderno não possui pelo próprio modo de ordenação da produção
capitalista.

É preciso também observar que a despeito de todo o controle administrativo,


em uma escola existem formas muitos sutis de exercer pressões e demonstrar que
este controle deve ser realizado em atendimento aos interesses dos professores,
mesmo que de modo parcial. Embora possa não ocorrer uma explicita declaração
de contestação ao poder da autoridade administrativa, pode-se ter um colapso no
cotidiano de trabalho, com o aparecimento de dificuldades surgidas "naturalmente",
manifestando-se, assim, uma resistência política dissimulada a inovações tidas
como indesejáveis.

Como apontam Cabrera e Jaen (1991), dada esta autonomia relativa do


trabalho docente, a resistência as tentativas de controle não significam, da parte dos
professores, nem o reconhecimento da proletarização, nem a aproximação com
setores operários mediante uma adesão a propostas políticas progressistas ou “de
esquerda”. Elas podem, exatamente, apenas significar uma luta pela defesa de seus
interesses, para não serem tratadas efetivamente como subalternos, como
“proletários”. Ao resistirem ao controle burocrático de instâncias estatais, os
professores podem, inclusive, ser cooptados ou atraídos por forças políticas
conservadoras, afirmadoras de uma ideologia da distinção social, que alimentam os
seus anseios por escaparem de todas as ameaças, reais ou imaginárias, de
empobrecimento.

Mesmo que recentes pesquisas sobre as origens de classe dos professores,


de modo especial daqueles voltados para o ensino das primeiras séries do I grau,
como a de Abramo (1987), Novaes (1987) e Pucci (1991), tenham apontado a
ocorrência de mudanças na composição do magistério, salientando um relativo o
abandono das classes médias dessa opção profissional e a presença de uma
origem de classe proletária em candidatos ao curso de formação de professores
(antigo curso normal), é de significativa importância atentar para alguns detalhes
decisivos. Primeiro, nem todos os que ingressam nos cursos de preparação ao
magistério o terminam. Daqueles que o concluem, nem todos necessariamente
exercerão a docência, sendo considerável na definição do ingresso ou não no
magistério, o peso do pertencimento de classe (78). Segundo, independente de sua
169

origem de classe, estes agentes são professores, portanto encontram-se em uma


situação que os distingue fundamentalmente de todo trabalhador manual, pois como
salientam Poulantzas (1975), e Carnoy (1987), os professores são agentes sociais,
originários de baixos estratos da pequena burguesia ou mesmo de setores mais
qualificados da classe operária, que se diferenciam de todos os agentes
proletarizados por um aspecto fundamental: eles não realizam um trabalho
produtivo, não geram mais valia, embora sejam necessários a realização do capital,
atuando nas esferas da circulação e da distribuição. Tradicionalmente, tais agentes
visualizam na inserção no magistério um meio relativamente de fácil viabilidade para
permanecerem em sua posição de classe ou ascenderem socialmente.

Neste sentido, vem a ser um profundo contra-senso considerar que em


função de vir a ocorrer uma inserção de jovens professores de origem "proletária",
questionável como acima mencionamos, estaria sendo potencializada ou encontrar-
se-ia em um “estado latente” a democratização das práticas escolares, em particular
nas instituições de predominância de uma clientela oriundas das classes
subalternas, por haver uma proximidade ou semelhança de "origem social" entre
professores e estudantes. Considerando, então, a permanência da distinção entre
professores e trabalhadores manuais, toda discussão sobre a transformações ou
mudanças relativas ao magistério deve ter por referência a situação do campo
educacional.

Particularmente na sociedade brasileira, a crise do magistério, o seu “mal


estar”, corresponde ao colapso de uma dialética da consagração e da
respeitabilidade da “profissão docente”, decorrente da secundarização (mas não do
abandono) da importância estratégica de uma adesão ativa de parcelas majoritárias
dos professores às propostas políticas das classes dominantes, efeito dos impasses
políticos no processo de democratização que acompanha, com todas as suas
marchas e contramarchas, o percurso de nossa história republicana. Embora, as
instituições escolares e, conseqüentemente, os sistemas de ensino continuem
sendo imprescindíveis por atuarem como constituintes do tipo peculiar de agente
social das sociedades modernas que é o indivíduo, condição de afirmação plena das
relações de classe (e talvez de sua superação), a atual secundarização do campo
educacional relativiza este campo enquanto um dos principais espaços das lutas
sociais, bem como o anterior papel estratégico dos professores de mediadores dos
170

discursos dos dominantes com o “povo”, tendo por conseqüência mais imediata para
aqueles a agudez do seu empobrecimento, ainda que nunca a sua “proletarização”.
171

NOTAS

(43) Entre outros trabalhos, todos de um ou outro modo construídos a partir da


perspectiva da ocorrência de um processo de “proletarização” dos professores,
podemos citar, em virtude de sua importância analítica ou das proposições políticas
neles implícitas: Apple (1989; 1995); Arroyo (1985); Enguita (1989; 1991); Oliveira
(1995); Pucci, Oliveira e Sguissardi (1991); Wenzel (1994).

(44) A condição do assalariamento e as experiências sindicais dos professores,


inclusive universitários e sobretudo aqueles de instituições públicas, tem sido
apontadas como manifestações de uma “ambigüidade” de classe ou mesmo
“passagem” à classe trabalhadora destes agentes sociais. Na literatura brasileira,
isto pode ser exemplificado nos trabalhos de Coelho (1996), Nodari, Saul e
Rampinelli (1996), Lithg (1989). Caracterizando os membros do magistério como
agentes pertencentes às classes médias, portanto distintos em sua condição de
classe dos trabalhadores manuais, temos os trabalhos de Cardoso (1996), Ridenti
(1995) e de Pessanha (1994).

(45) Os efeitos da intensificação de normas burocráticas no seu trabalho podem


também produzir um tipo de reação marcada pela tentativa de afirmação da
identidade particular dos professores mediante a ênfase no caráter intelectual do
exercício da docência, isto é, deste ser dotado de autonomia. Nega-se assim, uma
possível função exclusivamente técnica do magistério, a qual faria dos seus
membros unicamente “funcionários do ensinar”. Exemplifica esta perspectiva de
afirmação de uma identidade intelectual do professor, o artigo de Teodoro (1992)
que, também situando-se no universo ideológico da esquerda, contrapõe-se a uma
concordância unilateral com as teses a respeito da proletarização dos professores.

(46) Nas entrevistas (em número de trezentas) por nós realizadas com professores
das redes públicas (estadual e municipal) e privada de 1º e 2º graus da cidade do
Rio de Janeiro, que residem e trabalham nas mais diversas regiões do município,
deparamo-nos com um generalizado reconhecimento da desvalorização social dos
professores, percebido, algo melancolicamente, como sendo decorrente de um
processo de natureza quase fatalística. 85,1% dos professores entrevistados, que
exercem o magistério a mais de 5 anos, consideram que a sociedade não
reconhece o professor como um profissional importante. Entre os professores que
172

exercem o magistério a menos de cinco anos, este percentual se eleva ainda um


pouco mais, sobe para 88,8% dos entrevistados.

(47) O declínio dos salários dos professores é hoje unanimemente reconhecido,


como ilustra a proposta do governo brasileiro de estabelecer um piso salarial
nacional da ordem de 300 dólares, mediante a criação do Fundo Nacional de
Manutenção e Valorização do Magistério. Segundo Luís Antonio Cunha o salário
inicial do professor da rede pública municipal do Rio de Janeiro seria em 1950
correspondente a dez salários mínimos, em 1960 a quatro salários mínimos e em
1977 a três salários mínimos (não sendo considerado a perda real do poder de
compra do salário mínimo brasileiro ao longo de sua trajetória histórica, o que
implica em perdas econômicas ainda maiores para os professores). Conforme
Vanilda Paiva em 1979 era da ordem de 637 reais e de 1818 reais ao final da
carreira, contrapondo-se aos 385 reais ("piso") e 537 (final de carreira) pagos em
1996, isto é, aproximadamente um quarto do que a 17 anos atrás. Também segundo
dados da Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo
(APEOESP), em 1963, o salário de um professor de 1ª à 4ª série da rede pública
estadual paulista seria equivalente a 1042,61 reais e em 1996 um professor detentor
do mesmo cargo recebia 238,55 reais (jornal Folha de São Paulo, 05/05/1996, 1º
caderno, p.10). Os dados referentes as duas principais unidades da federação
brasileira são reveladores de uma situação tornada ainda mais dramática em
regiões mais pobres do país, como pode-se observar pelo quadro abaixo onde estão
assinalados os valores (em reais) dos salários iniciais dos professores das redes
públicas estaduais de todo o país, no mês de março de 1995. Embora tenham
ocorrido reajustes salariais não ocorreram mudanças significativas em nenhum dos
estados da União.
173

MAGISTÉRIO LICENCIATURA CURTA LICENCIATURA PLENA CARGA


UF (Antigo curso normal) HORÁRIA
Salário Remuneração Salário Remuneração Salário Remuneração
AC 140,42 140,42 168,57 202,28 224,71 269,65 20 h
AL 70,00 112,00 84,00 134,40 109,20 174,40 20 h
AM 70,00 105,00 98,00 147,00 111,00 166,50 20 h
AP 92,71 241,04 114,03 296,49 140,26 364,63 20 h
BA 121,40 139,61 162,01 162,01 202,62 202,62 20 h
CE 104,00 145,60 153,66 215,12 186,77 280,15 20 h
DF 220,45 284,26 270,40 348,40 331,78 427,49 20 h
ES 177,49 177,49 215,95 215,95 252,63 252,63 25 h
GO 86,20 85,20 103,96 103,95 125,79 125,78 20 h
MA 85,45 170,90 153,46 352,96 205,65 473,00 20 h
MG 132,50 132,50 180,00 180,00 238,33 238,33 24 h
MS 65,44 167,16 98,18 216,27 130,89 265,34 20 h
MT 74,90 113,55 112,35 169,99 138,57 192,49 20 h
PA 88,72 115,33 93,75 221,87 121,92 285,29 20 h
PB 35,48 105,86 38,08 113,63 50,83 161,60 20 h
PE 73,12 109,68 107,06 160,59 117,77 176,65 20 h
PI 18,34 70,00 20,54 71,00 23,63 72,00 20 h
PR 136,02 178,45 187,71 230,14 215,88 258,31 20 h
RN 20,16 55,29 32,32 67,32 48,00 96,00 20 h
RJ 72,00 160,00 80,64 80,64 90,32 154,32 22/16 h
RO 49,09 142,36 69,07 176,32 78,96 202,10 20 h
RR 129,50 129,50 154,72 154,72 184,47 184,47 20 h
RS 68,37 112,91 89,18 133,72 109,88 154,52 20 h
SC 107,81 150,93 137,62 165,01 175,69 210,81 20 h
SE 87,75 119,63 101,21 161,81 170,89 290,62 20 h
SP 111,00 141,00 122,38 154,17 134,92 168,69 20 h
TO 137,38 137,38 185,47 185,47 210,37 260,37 20 h
Fonte: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
(*) No Rio de Janeiro a carga horária dos professores do primeiro segmento do I Grau é de 22 horas
semanais e para os demais, 16 horas.
(**) Salário mínimo nacional em março de 1995: 70 reais
(48) Em todo o Brasil, no ano de 1994, existiam no ensino fundamental 1,4 milhão
de funções docentes, das quais 206.402 (14,74%) ainda eram exercidas por
professores não formalmente habilitados, segundo dados do MEC (MEC,1996).

(49) Entre nós o debate sobre a “proletarização” dos professores veio a ter seus
momentos mais significativos aos princípios de noventa. Uma exposição dos
principais aspectos deste debate encontra-se no Nº 04 (1991) da revista Teoria e
Educação.

(50) O neoconservadorismo advoga o império do consumidor individualizado,


entretanto, mantém o argumento econômico da escassez para as ações
assistenciais do Estado, buscando reduzi-las ao indispensável à governabilidade
política.
174

(51) Exemplificando entre nós a presença do neoconservadorismo pedagógico, cuja


base de diagnóstico são os pressupostos da qualidade total e neste sentido sempre
reafirmando, ser a gestão escolar o remédio universal para os males escolares do
Brasil, podemos citar além dos textos clássicos de Cosete Ramos (Ramos, 1992;
1994) em defesa da pedagogia da qualidade total, dois outros artigos que,
sintetizando seus argumentos, objetivam a divulgação dos princípios das políticas
educacionais neoconservadoras: ”Ensino básico é desafio ao novo governo” de
Sérgio Costa Ribeiro (RIBEIRO,1994) e “Solução está na inversão da equação” de
Aspásia Camargo (CAMARGO, 1995). Se os autores referem-se explicitamente à
problemática dos baixos salários do magistério, o fazem considerando ser uma
condição circunstancial e não determinante da crise escolar brasileira.

(52) É uma tendência das propostas de reforma escolares de orientação


conservadora exercer um controle o mais amplo possível sobre o trabalho dos
professores, procurando minimizar a intervenção destes no processo de ensino.
Entre outros autores, Apple (1995) sublinhou o fato das políticas educacionais norte-
americanas já ao final da década de cinqüenta terem proposto a disseminação de
materiais pedagógicos que fossem "à prova da capacidade dos professores".

(53) A partir Conferencia Mundial de Jomtien na Tailândia, em 1990, observam-se


algumas alterações no quadro das disposições neoconservadoras sobre educação,
no sentido de construir formas de dominação hegemônica que incluam nas
sociedades periféricas, mesmo que transfiguradamente, a antiga aspiração das
classes subalternas dessas sociedades de universalizar o acesso e a permanência
na escola. Quanto aos países industrializados são reconhecidos os efeitos
deteriorantes das políticas de ajuste econômico sobre a educação escolar. É
estabelecido por organismos internacionais (Banco Mundial, UNESCO, UNICEF e
CEPAL), como parâmetro para políticas de cooperação internacional no campo da
educação destinadas a países menos desenvolvidos e com baixa renda, (artigo
10 da Declaração Mundial sobre Educação para Todos; Satisfação das
Necessidades Básicas de Aprendizagem), a prioridade da educação básica, visto
que seria necessário oferecer para este tipo de educação, “uma proteção especial
(...) nos países em processo de ajustes estruturais e que carregam o pesado fardo
da dívida externa” (artigo 9 da Declaração Mundial sobre Educação para Todos)
que se desdobraria nos objetivos de universalizar os “instrumentos essenciais”
175

(leitura, escrita, expressão oral, cálculo e solução de problemas) e os “conteúdos


básicos” da aprendizagem (conhecimentos, habilidades, valores e atitudes) (artigo
1 da Declaração Mundial sobre Educação para Todos).

(54) O discurso de tantos pesquisadores recém-convertidos ao


neoconservadorismo, dada a sua condição de "cristãos-novos", apela, como fonte
de sua legitimação política, para antigas proposições em curso na esquerda
(autonomia institucional, descentralização administrativa, democratização, fim de
situações escolares privilegiadas), porém não pode deixar de afirmar que a
intervenção de agentes sociais com interesses distintos dos seus na formulação das
políticas educacionais somente pode vir a ocorrer nos limites de um consentimento
dado por aqueles que exercem o poder de Estado e que, portanto, tais políticas são,
no explícito dizer de uma de suas defensoras, "una opción de la cúpula del sistema
y deve generarse ahí" (MELLO, 1991, p.22). Isto talvez venha a explicar porque,
apesar de toda a propaganda participacionista, não tenham havido discussões sobre
a proposta do “Plano Decenal de Educação para Todos” entre a maioria dos
sindicatos de professores públicos brasileiros e representantes de governos
estaduais (CNTE, 1994).

(55) Ao mencionarmos um "mal-estar" dos professores, sinalizador de uma "crise"


do exercício do magistério, não estamos nos referindo à ocorrência de uma
universal crise do ensino, de uma queda na qualidade do que é ensinado nas
escolas, nem tampouco entendemos o assinalar desta "crise" como uma
manifestação da intenção dos professores e do conjunto da burocracia escolar de
intensificar a defesa dos seus interesses corporativos através da velha estratégia de
contrapor um pretenso passado escolar glorioso a uma situação contemporânea de
possível decadência ou mesmo colapso total. Baudelot e Establet (1989) fizeram
com grande competência a desmistificação deste velho estratagema, embora não
tenham posto em discussão a existência ou não de uma crise do exercício do
magistério.

(56) A afirmação de Enguita de que os professores de instituições privadas são


produtores de mais valia (Enguita, 1991, p.49) é incorreta. Se levada a extremos,
permite sobrepor a circulação à produção, enquanto esfera determinante em última
instância, das relações sociais.
176

(57) Em trabalho anterior sobre o movimento sindical de professores (MASSON,


1989), sublinhamos a inconsistência de análises e propostas políticas que aludiam a
uma transformação dos professores de pequeno burgueses em operários do ensino.
Assinalamos, igualmente, a equívoca visualização das lutas do magistério por
interesses específicos, principalmente assegurar a sua distinção em relação aos
socialmente subalternos mediante campanhas pela “dignificação da profissão”,
como sendo manifestações de uma consciência ainda alienada, presa a “velhos
ideais de classe”.

(58) Autores como Enguita (1991) e Arroyo (1985) enfatizam que, em países, como
Espanha e Brasil, de desenvolvimento tardio do capitalismo e dos sistemas estatais
de ensino de massa, o professor, sobretudo das primeiras letras, foi, em geral, um
popular que contando ou não com o apoio público, abria uma pequena escola para
oferecer seus serviços de ensino, tal qual um mestre-artesão. Todavia, longe deste
ser propriamente um pequeno burguês respeitado pela população, dotado de
autonomia em seu trabalho e não subordinado à lógica grã burguesa da escola
moderna (aspecto bastante ressaltado por Arroyo), o mestre-escola que antecede
os sistemas escolares de massa é um homem pobre que, na medida de suas
possibilidades, abandonava o encargo de ensinar o mais rapidamente possível. A
sua presença ainda no principiar do século XX expressa apenas o quão distante
estes países ainda se encontravam das formas clássicas da dominação burguesa.

(59) Sintomaticamente, o subtítulo da pioneira e importante obra de Luiz Pereira


sobre o magistério primário paulista tem por subtítulo estudo de uma “ocupação” e
não de uma profissão, inconscientemente sublinhando o teor secundário ou
ocasional da prática docente.

(60) Apresentar uma longa e em absoluto incompleta lista de trabalhos na área


educacional que fazem uso da obra de Gramsci seria apenas uma mera e
dispensável formalidade.

(61) Para uma análise, na literatura brasileira, sobre a instituição escolar com base
em Gramsci, mas na qual os professores não são vistos como propensos a
tornarem-se intelectuais orgânicos dos subalternos, veja-se o trabalho de Nosella
(1992).
177

(62) Somente a expressão quantitativa do sindicalismo de professores já seria


motivo para torná-lo objeto de preocupação política da esquerda, bem como da
atenção, enquanto tema de investigação, dos cientistas sociais, apesar de todo o
aparente desinteresse que estes tem pelo mesmo, conforme salienta Núñes
P.(1990).

(63) Exemplos, entre nós, de interpretações de caráter sindical da tese da


proletarização/transformação dos professores em intelectuais orgânicos, sob a
forma de esclarecedores/desalienadores agentes da mudança social, se fazem
presentes em diversos discursos pronunciados no Seminário de Educação do
Sindicato do Professores do Município do Rio de Janeiro, realizado em 1989
(SINDICATO,1989). De uma perspectiva mais acadêmica e ainda que
estabelecendo uma sutil ambigüidade quanto à condição de classe dos professores,
poderíamos mencionar a obra de Dermeval Savianni, especialmente “Escola e
Democracia”(SAVIANI,1991) e também aquelas dos proponentes da chamada
“pedagogia crítico social” dos conteúdos (LIBÂNEO, 1990).
(64) Embora válida enquanto uma crítica a uma certa apropriação algo religiosa das
teses de Gramsci sobre a guerra de posição, o economicismo de Wenzel termina
por faze-lo um anti-gramscianiano, um defensor de uma absoluta superação da
instituição escolar, uma espécie de novo Ilich marxizado, que propõe não uma
sociedade sem escolas, mas uma sociedade sem trabalho, um maximalista que
espera, em meio a seus discursos apologéticos, que as forças produtivas
desenvolvidas pelo capital venham a libertar o trabalho conforme, teleologicamente,
a razão da história teria estabelecido no princípio dos tempos.

(65) Após aproximadamente dois séculos de existência dos sistemas escolares de


massa, ainda haveriam, segundo dados da Unesco, aproximadamente um bilhão de
pessoas que nunca teriam tido qualquer tipo de iniciação escolar.

(66) A difusão de uma visão do empreendimento público educacional, ao nível do


ensino fundamental e médio, como totalmente antiquado (contrapondo-se ao
modernismo tecnológico das escolas particulares), falho, desperdiçador de recursos
materiais e humanos, mantenedor de privilégios corporativos, generaliza-se ao
ponto de possibilitar o uso desta imagem da ação pública como marketing direto ou
indireto, das instituições privadas, como se pode observar através de diversos
exemplos encontráveis na imprensa brasileira. Como ilustração, citamos, apenas
178

nos referindo ao publicado em jornais do Rio de Janeiro durante o ano de 1996:


Jornal do Brasil, 21/03/96, seção carta dos leitores; Jornal do Brasil, 24/03/96, p.9,
"Quem Não Gosta da Escola Pública", matéria paga; Jornal do Brasil, 24/03/96,
"Cadê meus professores?", entrevista com estudante da rede estadual do Rio de
Janeiro; Jornal do Brasil, 14/04/96, "Uma lição de Incompetência", reportagem sobre
a distribuição de livros didáticos no Rio de Janeiro. Dale aponta que o mercado, por
"operar [muito mais] como uma metáfora ou slogan” (DALE, 1994, p.112), precisa
ser promovido intencionalmente. Ao contrário dos países do capitalismo central,
onde a forte presença do estado no campo educacional é socialmente legitimada,
nos países periféricos a promoção de um “mercado escolar” veio a ser quase a
conseqüência natural da redução da oferta de um ensino de qualidade pelo Estado,
passando as redes públicas a serem consideradas unicamente como a alternativa
escolar dos "pobres", cabendo aos melhor situados economicamente a escola
privada. Por sua vez, Cunha (CUNHA,1995) salientou os efeitos de determinadas
atitudes pseudo-extremistas do movimento sindical dos professores como
reafirmadores desta imagem do ensino público como necessariamente ruim e o
ensino particular como quase sempre bom. Sublinhou também que a grande maioria
da população - inclusive os pais de estudantes de escolas públicas - tendem a
confundir o bom com o ordeiro, ignorando o mascaramento de um ensino de má
qualidade através de técnicas coercitivas de controle de sala de aula e
desconsiderando os custos políticos e culturais, ou mesmo psicológicos, que
recaem sobre alunos e professores para que esta "ordem" seja construída.

(67) Segundo dados do MEC relativos ao ano de 1992, a repetência de alunos na


primeira série do ensino fundamental seria da ordem de 44%. Como as redes
públicas são responsáveis por 88,4% (dados de 1994) das matrículas ofertadas,
pode-se facilmente deduzir que a incidência maior de reprovações vem a ocorrer
nestas. No ensino médio, o índice de repetência na primeira série chegou, em 1994,
a 42%, sendo o setor público responsável por 79,2% das matrículas.

(68)Este tipo de argumento também é seguidamente utilizado por organizações


sindicais de professores. Como exemplo, abrangendo sindicatos latino-americanos,
veja-se: “Um perfil da educação no cone sul”, Cadernos ANDES 12, março de 1994.

(69) Visto que as condições do magistério, como as do ensino em geral, seriam


apenas decorrentes da inexistência de uma vontade política empenhada na
179

"solução dos problemas da educação", a adoção de soluções "metodológicas" ou


"administrativas", exemplificadas respectivamente na ideologicamente
indiscriminada adesão ao paradigma construtivista ou nas tentativas de
estabelecimento de padrões administrativos escolares pautados na perspectiva da
chamada "qualidade total", passam a ser consideradas como remédios imediatos
para as dificuldades escolares quotidianas.

(70) No Brasil, por exemplo, as escolas de ensino fundamental (as que oferecem
ensino de primeiro grau) tem 83,1% dos cargos de direção ocupados por mulheres
(BRASIL, 1996).

(71) Contrapondo a esta imagem negativa das práticas das professoras,


especialmente as do ensino fundamental, Carvalho (1996) esboça um enfoque
sobre as práticas docentes das professoras que merece ser melhor explorado em
outras pesquisas, ainda que deva ser relativizada uma certa idealização, feita pela
autora, do comportamento feminino para com crianças e adolescentes. A presença
do que a autora chama de uma ética do desvelo feminina, orientadora de uma
prática da maternagem aprendida no processo de socialização feminina que toda
mulher necessariamente vem a passar, questionaria a positividade política de
propor-se o oposto “masculino” da “proletarização” dos professores, a
profissionalização docente, cujas práticas pedagógicas na “escola de massas” são
responsáveis por um tipo de tratamento na relação professor-aluno centrado na
transmissão de informações e pautado por um distanciamento e uma
impessoalidade entre os agentes nela envolvidos, base de um processo de
socialização, cujo efeito maior é a constituição ativa de um habitus, nos que nela
ingressam, próprio à individuação que ocorre nas sociedades modernas.

(72) Devemos nos lembrar que no Brasil os professores licenciados ou formados por
escolas normais, a partir da progressiva instituição de sistemas estatais de ensino
de massa, passaram a considerar como reivindicação importante, a formalização de
um " estatuto do magistério", cujo objetivo maior seria assegurar uma espécie de
reserva de mercado, com a conseqüente padronização salarial, para o magistério
"habilitado", não "leigo". Igualmente um mesmo tipo de reivindicação é encontrado
sindicatos de professores de países latino-americanos, do Caribe e Canadá filiados
à CEA (Confederação de Educadores da América): a aprovação de um estatuto
180

jurídico para o trabalho docente (ROSAR, 1995), enfatizando ainda mais o caráter
de luta contra a proletarização das reivindicações sindicais dos professores.

(73) Os parâmetros curriculares unificados, testes e exames unificados são formas


indiretas de promoção deste controle.

(74) No caso do Brasil, as primeiras experiências de associacionismo entre


professores que lecionavam em escolas particulares remontam ao período da
chamada “república velha” ou “primeira república”, portanto à época do não
reconhecimento oficial dos direitos de sindicalização dos trabalhadores pelo Estado
brasileiro. Embora as primeiras iniciativas de organização do magistério tenham
contado com a participação ativa de militantes anarquistas, que chegaram a
organizar um sindicato livre de trabalhadores da educação de curta trajetória
(COELHO, 1988), os professores aceitaram sem maiores questionamentos as
normas de enquadramento sindical estabelecidas pelo governo Getúlio Vargas,
quando da oficialização da representação sindical no país, momento em que foi
criado o primeiro sindicato de professores do Brasil, o do Rio de Janeiro, então
congregando, somente, o magistério do ensino médio. Quanto aos professores das
redes públicas, a proibição da sindicalização, que vigorou até os anos oitenta, não
impediu entretanto, que suas primeiras organizações também tenham sido
constituídas na primeira metade do século XX (MASSON,1989). Também no
magistério público encontramos a divisão entre associações de professores do
ensino fundamental e associações do ensino médio. Destaque-se apenas que com
o aumento gradativo da oferta de cursos de licenciatura pelas faculdades de filosofia
foram criadas associações especificamente destinadas a congregar professores
licenciados, numa aparente manifestação de afirmação profissional destes, como é
exemplo a criação das associações de licenciados de Santa Catarina e da Bahia. No
entanto, apesar da grande maioria das associações de professores terem sido
criadas nos anos cinqüenta e sessenta, foi partir do final dos anos setenta,
concomitantemente à crise da ditadura militar, que o magistério das redes públicas
intensificou seu processo de mobilização sindical. Nos anos noventa, no entanto,
parece estar ocorrendo um influxo do sindicalismo docente, dado um certo
esgotamento das táticas de luta mais recentemente empregadas e por terem sido
mais difíceis e menos vitoriosos os enfrentamentos com governos estaduais e
municipais.
181

(75). Contudo, os argumentos da crítica de Cunha à tradicional posição de apoio dos


partidos democráticos e de esquerda às greves dos professores são bastantes
questionáveis. Segundo Cunha, partidos e sindicatos tem demandas particularistas
e a defesa destas não necessariamente significaria a defesa de interesses gerais,
universais e democráticos. No caso dos partidos de esquerda, estes temeriam a
possível perda de apoio de um contingente eleitoral significativo, dada a força de
sua organização, o que é, no mínimo, discutível. Mesmo considerando a falta de
tradição e o baixo nível de associacionismo presente na sociedade brasileira, se os
professores fossem tão organizados porque estariam num processo de
empobrecimento tão acentuado. Se fossem, "os funcionários e os professores (...)
um grande e organizado contigente eleitoral" (Cunha, 1995, p.7),) porque a
constante postergação de suas reivindicações?. Se tão propensos a votar,
majoritariamente, na esquerda, porque seu conservadorismo político? Quanto às
centrais sindicais, em virtude de ser o peso político de categorias pequeno-
burguesas, como a dos professores, maior do que o de categorias provenientes da
classe operária e do campesinato, apesar destas últimas serem muito mais
numerosas, a tendência das sus direções é de não se voltarem contra os interesses
dos professores em defesa dos interesses dos demais trabalhadores. É significativo
que uma crítica anti-obreirista às direções de sindicatos do magistério, seja seguida
de uma crítica às lideranças das centrais sindicais por estas não serem
suficientemente obreiristas. Embora sejam ressaltadas nas análises de Cunha, as
diferenciações dos agentes sociais no pólo dominado da sociedade, é minorada a
importância da apreensão da posição específica do campo educacional no interior
da sociedade e das relações daí decorrentes, como determinantes da própria
situação dos integrantes daquele campo.

(76) Mesmo após todas as críticas ao meritocratismo escolar, a permanência de sua


força ideológica mostra-se quase imbatível, reafirmando o velho lugar comum de
considerar a escola como o grande instrumento de ascensão social, viabilizador do
abandono de uma condição proletária e propiciador da sempre almejada integração
harmoniosa dos indivíduos à sociedade, como exemplifica o discurso de uma
autoridade acadêmica de uma das principais universidades brasileiras: “Não tem [o
indivíduo] a menor condição de conseguir uma colocação no mercado de trabalho
que lhes dê um horizonte de vida, condições para o futuro, para a formação de uma
182

família, para se estruturar socialmente. Tudo isto, mais uma vez, por questões da
formação escolar deste indivíduo” (UFRJ,1995, p.5).

(77) Esta mesma perspectiva idealista pode assumir uma forma acadêmica e
sofisticada, na qual considera-se como aspecto fundamental para uma
transformação de efeitos positivos sobre o professorado, uma possível
“ressacralização” das atividades do magistério, como é exemplo o trabalho de
Ferreira (1994).

(78) Não é possível deixar de mencionar, no caso do campo educacional, as formas


de manutenção de obstáculos à intervenção de agentes possuidores de interesses
diretos, como os pais de estudantes, no cotidiano escolar. Mediante o recurso a uma
ausência de pré-requisitos intelectuais da parte destes últimos, legitimasse a sua
desqualificação para opinar sobre práticas pedagógicas, reduzindo-se sua ação a
limites mínimos.

(79) Entre os professores por nós entrevistados e que exerciam o magistério a


menos de dez anos 78,57% situavam-se, quanto à sua origem de classe, na
pequena burguesia. Um índice similar àquele dos professores que já exerciam o
magistério a mais de dez anos, 79,16%.
183

CAPÍTULO VI
O CAMPO EDUCACIONAL BRASILEIRO E OS PROFESSORES

Se o olhar do senso comum, inclusive o dos educadores, sobre o colapso da


consagração do magistério no Brasil apenas reconhece, em última instância, como
grande fator responsável pelas atuais condições de trabalho e vida dos professores
a atuação governamental, seja por incompetência administrativa, autoritarismo
político ou simples descaso com a educação(80), torna-se necessário contrapor uma
outra apreensão da situação contemporânea do campo educacional a esta
percepção superficial, a qual gera por efeito político e teórico um oscilar entre um
estruturalismo absoluto - onde inexiste a ação dos agentes - e um subjetivismo algo
mágico, cujo voluntarismo se sobreporia às determinações históricas, ainda que
invoque a seu favor o dinamismo da própria história. É preciso relacionar o campo
educacional às nossas “marcas ibéricas” que anunciam a inconclusão, entre nós, de
um processo clássico de hegemonia, dado não termos vivenciado uma típica
revolução burguesa, promotora de um desenvolvimento autocentrado, mas sim
formas distorcidas de uma “via prussiana” de desenvolvimento capitalista,
sobredeterminadas por nossas heranças coloniais de submissão e dependência.

Em outras palavras, se faz necessário articular o campo educacional às


trajetórias singulares da conformação da sociedade brasileira em nação moderna e
da constituição do Estado nacional, as quais deram a este campo a característica de
ter sido, menos que o resultado de uma aspiração vivamente reivindicada e
construída pela sociedade civil, muito mais o limitado produto de uma criação “pelo
alto”(81). De tal característica podemos depreender os motivos pelos quais a tônica
dominante das motivações explícitas das políticas educacionais brasileiras,
manifestas nos discursos oficiais dos governantes e nas diversas propostas de
reforma educacional, intentadas com maior ou menor sucesso ao longo da história
do Estado brasileiro, vem a ser atribuir à educação a condição de instrumento
estratégico para a “nacionalização” e a “modernização” da população, a fim de que
as elites dirigentes possam interpresar o desenvolvimento do país.

Nação e campo educacional


184

A consolidação de uma nação moderna é obra de agentes que superam


localismos, revolucionam a ordem tradicional e legitimam a identidade de uma
coletividade autônoma, cujos participantes, independendo de seus pertencimentos a
classes, grupos estamentais, gêneros ou etnias, compartilham, ao nível simbólico,
do sentimento de integrarem um ente societário comum, cuja unidade "se vincula a
la idea de una organización política própria, ya existente o a la que se aspira"
(WEBER, 1944, p.327).

Aceitando-se a correlação entre nação e Estado indicada por Weber, a


construção do sentimento nacional, do autoreconhecimento coletivo de
especificidades características que se contraporiam às de outras coletividades, se
faz necessariamente acompanhada das problemáticas próprias à formação ou
reordenação estrutural do Estado nacional independente. A autonomia política de
uma nação moderna, manifesta na existência de um Estado soberano, impõe aos
membros daquela, pelo menos e de sobremaneira, às suas elites dirigentes, a
responsabilidade política pelo maior ou menor sucesso da reprodução de condições
favoráveis à soberania, ainda que esta possa sofrer restrições, como exemplificado
pelos Estados latino-americanos, em decorrência de limites heteronômos,
estruturalmente impostos pelo sistema de relações internacionais (SILVEIRA, 1993).

A responsabilidade pela soberania de um Estado moderno também obriga a


essas elites dirigentes definirem quais os interesses dos segmentos sociais
dominados que podem vir a ser considerados como legítimos, possibilitando que as
massas subalternas reconheçam o direito das mesmas ao exercício do poder, na
condição de representantes gerais de toda a sociedade nacional e não
exclusivamente das classes dominantes. Para tanto, vem a ser necessária a
construção de mecanismos políticos e institucionais capazes de propiciar o
reconhecimento por todos os agentes de um pertencimento geral a este ente
comum, a nação, bem como da legitimidade do Estado que politicamente a
representa frente a outras nações e Estados.

Dado que no ocidente moderno a hegemonia se tornou a forma tendencial de


dominação política nas sociedades capitalistas centrais, amalgamando
simbolicamente a nação ao Estado, a universalização do acesso à escola, por meio
da constituição de sistemas nacionais estatais de ensino, passa a estar, inclusa
entre as políticas sociais, pois a autonomia do campo educacional e a emergência
185

da chamada escola de massas se configuram progressiva e concomitantemente à


consolidação de um processo hegemônico, tal como salientamos em nossos
capítulos iniciais.

Mas por ser a conformação da hegemonia burguesa sempre um processo


histórico de traços nacionais singulares, determinado por relações concretas entre
as classes, ela vem a se constituir como uma possibilidade política e nunca um
acontecimento de ocorrência inevitável, ao qual as sociedades ocidentalizadas
estariam teleologicamente destinadas, como tão bem nos ensina a história das
sociedades latino-americanas. Outrossim, define-se o processo hegemônico, por
conseqüência, também pelos efeitos decorrentes da herança política oriunda de
formas de sociabilidade anteriores à dominância do capitalismo como modo maior
de ordenação econômica e social.

Neste sentido, é sempre prudente ter em conta que, embora sejam uma
instância política de realização da hegemonia e que o agente social típico da
modernidade, o indivíduo, somente vem a assumir sua forma plena quando tem sua
socialização mediada pelo aparelho escolar, os sistemas escolares, em virtude das
características das sociedades que os geram, podem vir a impregnar-se de uma
ideologia hierarquizante própria à ordem tradicional, onde a desigualdade social,
muito mais do que uma conseqüência indesejável, porém inevitável, dos dons
individuais, é vista como uma decorrência natural, resultante de motivações étnicas
ou culturais dos agentes sociais, fazendo com que a excludência ganhe contornos
quase de um atavismo social. Assim, é possível que, em um campo educacional
nacional específico, venha a ser obstado não somente todo o pretenso igualitarismo
implícito no discurso pedagógico meritocrático mas, principalmente, toda proposição
mais explicitamente atinente aos interesses, mesmo que unicamente educacionais,
dos trabalhadores, extremando a seletividade escolar, potencializando a reprodução
de dificuldades e entraves para uma ordenação política democrática.

No caso brasileiro, desde o processo de independência se manifesta o dilema


da inserção legítima das classes subalternas à ordem política, em virtude da
justaposição de uma classe senhorial aristocrática escravocrata a um setor
subordinado capitalista (comercial e em menor escala financeiro), o qual somente
vinha a ter sua existência como decorrência da própria subordinação da economia
brasileira à ordem econômica mundial e do conseqüente predomínio de uma
186

acanhada mentalidade patrimonialista, apesar de toda a incorporação


metamorfoseada por esta aristocracia dos ares civilizatórios de um liberalismo
burguês (FERNANDES, 1981), o que lhe permitia igualar restritivamente a nação à
sociedade civil, por desta estarem excluídos, por princípio, os escravos e os homens
livres pobres. Assim sendo, não há porque se admirar que a abrangência da
escolaridade tenha se restringido, por todo o período imperial, às elites agrárias e,
muito rarefeitamente, a outros segmentos da população livre, sobretudo masculina,
dos maiores centros urbanos, porquanto os limites da escolarização estavam dados
pela necessidade de formar apenas um corpo dirigente civil e militar, capaz de
assegurar força suficiente ao governo central, para que este pudesse se sobrepor a
quaisquer regionalismos, efetivando a integração nacional sob a regência do
governo monárquico, eliminando os possíveis focos de sedição republicana ou
separatismo provincial.

Tampouco ao instaurar-se a república, se procedeu a uma plena revolução


democrática que transformasse o acesso à educação escolar num direito objetivo do
cidadão brasileiro. Ao contrário, a persistência dos efeitos do patrimonialismo definiu
a forma autocrática como, entre nós, emergiu o Estado propriamente burguês,
fazendo o poder social dessa frágil burguesia depender, em última instância, dos
centros decisórios situados nos aparelhos estatais, historicamente sob controle de
representantes das oligarquias rurais, reconstituídas na transição do trabalho
compulsório ao livre, dando à república brasileira a feição de perpetuar-se como
república oligárquica, alternando mandonismo e liberalismo. Deste modo, o
crescimento do que se pode chamar segmentos burgueses brasileiros veio a estar
sempre na dependência de uma intervenção vinda do “alto”, produzindo como seu
sucedâneo uma cultura política que secundarizou, embora não tenha impedido de
todo, a criação de instituições norteadas para objetivar, de modo pleno e efetivo, a
realização de um processo hegemônico com base no livre jogo dos interesses,
obrigando que o interesse particular para se legitimar frente à sociedade tenha que
se apresentar sempre como materialização de interesses nacionais, mesmo quando
signifique, de fato, uma subordinação ou associação das elites nativas dirigentes
aos interesses dominantes na ordem internacional, como veio a ser exemplo típico,
o curso final de nosso processo de industrialização.
187

Por outro lado, a dominância do modo de produção capitalista impeliu o


Estado brasileiro a reestruturar seu aparato burocrático, transformando-o, seja para
estar à altura das exigências que o desenvolvimento capitalista, mesmo dependente
e associado, gradativamente estabeleceu, seja para assegurar, sempre em nome do
progresso nacional, a adesão das classes subalternas (nestas inclusas as diferentes
frações da pequena burguesia urbana) à modernização. Como se sabe, a
viabilização dessa adesão, somente foi possível na medida em que, de algum modo,
tornou-se legítima a aparição dos trabalhadores, especialmente da classe operária,
na cena política, fazendo com que a chamada “questão social” não pudesse ser
considerada simplesmente uma questão de polícia, porém, tivesse que ser elevada
à condição de principal questão do campo político, determinante de todas as
relações estabelecidas entre este campo e os demais campos do social, inclusive, o
campo educacional.

Contudo, visto haver na sociedade nacional brasileira um certo sincretismo


entre características tradicionais e modernas, que historicamente criou
impedimentos à constituição de uma relação propriamente concreta de exterioridade
entre o público e o privado, assegurando a reprodução da instrumentalização do
Estado para o atendimento aos interesses das elites mediante uma certa
personificação do poder ou balcanização - entre segmentos socialmente dominantes
- do aparato estatal, o processo contínuo de legitimação dos interesses dos
subalternos e sua adesão à ordem política não se fez acompanhado de uma mais
profunda democratização da esfera pública. Ainda que em determinadas
conjunturas o nosso quase endêmico autoritarismo político tenha favorecido “a
democratização societal, na medida em que se aplicou não à conservação do
existente, mas à mudança induzida pelo Estado” (VIANNA, 1995, p.166), de uma
perspectiva mais geral, a defesa, através de instrumentos institucionais
diferenciados, dos interesses dos subalternos tendeu a ser postergada, salvo
quando articulações conjunturais de forças situadas à esquerda e ao centro se
contrapuseram aos ímpetos excludentes das nossas classes dominantes, sempre
tão prontas e pródigas em demonstrarem seu vigor em combater e reprimir tudo o
que consideram ser as aspirações descabidas ou os extremismos inconseqüentes
das classes populares.
188

Em face dessas considerações, se faz necessário nos desvencilharmos


também de outras duas idealizações a respeito do campo educacional brasileiro e,
particularmente, sobre os professores, ambas muito comuns entre os educadores.

A primeira refere-se às análises que, buscando explicar os determinantes da


conformação e trajetória do campo educacional a partir da presença de certas
antinomias balizadoras de posições ideológicas (“conservadoras” versus
“progressistas”) e das ações dos agentes sociais que integram este campo: os
intelectuais dedicados às temáticas educacionais(82); a burocracia dos sistemas de
ensino(83) e os professores(84), consideram-no, implicitamente, dotado de um grau de
autonomia frente aos outros campos (especialmente o econômico e o político)
superior à realidade.

Seriam estas antinomias: publicização-privatização do ensino(85);


centralização-descentralização administrativa(86); ensino como transmissão cultura-
ensino como transformação cultural(87)). Profundamente articuladas entre si, elas
não teriam a sua presença no campo educacional circunscrita a conjunturas
específicas pois, desde ao menos os anos vinte, nele se fariam sentidas, vindo,
contudo, a se exponenciarem nas últimas décadas, com a instauração do regime
ditatorial militar.

Mas, longe do que indicaria uma perspectiva “substancialista” a respeito dos


vetores ideológicos destas antinomias, são as variações das correlações de força
entre os diferentes agentes do campo social que fazem com que um ou outro pólo
das mesmas possa ser variavelmente caracterizado como “progressista” ou
“conservador’.

Neste sentido, é exemplar a problemática da gestão dos sistemas de ensino


de forma “descentralizada” ou “centralizada”. Em geral, as diferentes (quase sempre
antagônicas) posições a respeito desta problemática vem a se manifestar,
sobretudo, quando se discute a questão da municipalização do ensino, ou seja, da
responsabilidade administrativa dos governos municipais pelas redes escolares do
ensino fundamental.

Se nos voltarmos para o período situado entre as décadas de trinta e


cinqüenta, a gestão “descentralizada” era apanágio (88) dos intelectuais
comprometidos com propostas educacionais de ordem democrática, dos que a
189

consideravam sinônimo da possibilidade de exercício da cidadania na esfera


educacional e forma privilegiada de combater o centralismo burocrático e asfixiante
do Ministério da Educação, resultado de imposições arbitrárias do governo brasileiro
nas gestões de Campos e Capanema, essencialmente mantidas até o principiar da
década de sessenta, quando a descentralização dos sistemas de ensino veio a ser
definida pela Lei 4024/61(Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Ainda que fosse
tido como óbvio pelos “progressistas” de então, que qualquer descentralização
administrativa deveria respeitar aspectos mais gerais, de âmbito regional ou
nacional, eles assinalavam não somente a importância do poder local se
responsabilizar pela oferta da educação básica, como a sua capacidade de
responder mais eficazmente, sem maiores entraves burocráticos, às demandas
escolares básicas da população.

Em que pese as posições dos “progressistas”, no entanto, a defesa da


descentralização do ensino foi igualmente uma das grandes bandeiras de luta de
agrupamentos conservadores, como o bloco católico reunido em torno a AEC
(Associação de Educação Católica) (LIMA, 1978). De modo similar, na ditadura
militar foram decretadas medidas legais (da Lei 5692/71 ao Projeto de Coordenação
e Assistência Técnica ao Ensino Municipal - Pró-município) objetivando o
favorecimento da descentralização administrativa do ensino fundamental e médio, a
fim de serem minimizados os custos com a manutenção da educação escolar.
Especialmente no último governo militar, através do apelo à participação das
comunidades, a municipalização foi um instrumento pelo qual buscou-se a redução
dos gastos governamentais com a educação, utilizando-se recursos próprios das
"populações de baixa renda" e o emprego de professores improvisados, “leigos” que
se vinculavam aos projetos comunitários (Germano, 1994).

Hoje, também os representantes do pensamento pedagógico neoconservador


defendem a descentralização administrativa, sob a forma da municipalização, como
condição de reversão do quadro de excludência existente nas escolas brasileiras,
inclusive sublinhando, como forma de legitimação de suas proposições, que já
estariam enunciadas na Constituição Federal de 1988 e na nova Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (Lei 9.394/96). Salientam, como aspecto positivo da
descentralização, o mesmo argumento geralmente empregado pelos “progressistas”
de décadas passadas: a possibilidade da maior participação da população na
190

gestão administrativa em espaços de menor dimensão e a aplicação, dada a


autonomia financeira, mais eficiente dos recursos, reduzindo-se o desperdício das
verbas públicas, cuja escassez seria significativa, face à grande demanda pelas
mesmas em outras áreas de atuação do Estado como: saúde, segurança,
previdência, habitação (MOREIRA, 1980). A descentralização administrativa,
inclusive, poderia vir a ser acompanhada do incentivo à participação (“parcerias
educacionais”) da iniciativa privada, sendo um meio de concretizar o atendimento a
demandas locais, tornando-se, assim, um caminho de democratização educacional
por atender aos interesses majoritários na sociedade brasileira(89).

Entretanto, atualmente para a grande maioria dos educadores “progressistas”


e correntes de esquerda do movimento sindical do magistério a descentralização
administrativa significa incrementar o crescimento da rede privada (mesmo que sob
a forma dissimulada de criação de escolas “públicas não-estatais”, comunitárias ou
organizadas sob a forma de cooperativas, como aponta Dias (1995), na medida em
que os municípios brasileiros não teriam condições de arcar com os gastos de uma
municipalização do ensino fundamental, em grande parte ainda ofertado pelas redes
estaduais(90). Afora isto, assinalam ainda que o paroquialismo e a oligarquização das
redes escolares podem ser favorecidos, produzindo como efeitos: o aumento do
número de crianças, especialmente as oriundas das classes mais pobres,
escolarmente desassistidas e a possibilidade de maior miserabilização do
magistério. Esta, talvez, podendo ocorrer de modo simultâneo ao aumento do
desemprego docente, devido a demissões em massa de professores que, em
virtude da escassez de recursos públicos locais, não poderiam ser mantidos nas
redes municipais ampliadas. Esta situação pode ainda vir a dificultar ou enfraquecer
a organização associativa ou sindical do magistério, devido à sua fragmentação ante
um conjunto de diversificado de patrões, públicos ou privados.

Ainda que de nenhum modo esgote as discussões que circundam a


antinomia “ensino como transmissão cultural-ensino como transformação cultural”, o
atual debate sobre os “currículos nacionais mínimos” igualmente ilustra como os
princípios postulados por “progressistas” podem ser apropriados pelos
“conservadores” e vice-versa.

A problemática dos “parâmetros curriculares nacionais”, advogada pelo


neoconservadorismo, em consonância a orientações emanadas por organismos
191

internacionais de desenvolvimento e cooperação além de ser parte integrante das


estratégias formuladas no “Plano Decenal de Educação para Todos” (BRASIL,
1993), em última instância, relaciona-se a tema antigo de debates entre educadores:
o da necessidade de haver ou não um plano para a área educacional de dimensão
nacional, no qual fosse privilegiado o ensino fundamental.

Educadores “progressistas”, nos anos trinta, propugnavam por tal tipo de


proposta, dentro da lógica de que a educação escolar contribuiria, de um ponto de
vista simbólico e cultural, para a unidade nacional. (CURY, 1996). Embora não o
tendo feito de modo formal, os conservadores, mediante a ditadura do Estado
Novo, terminaram por impor à sociedade brasileira uma espécie de plano nacional
de educação, em virtude do rígido controle ministerial exercido sobre todas as
atividades escolares, dos programas e livros aos uniformes escolares. Mais
recentemente, no processo de elaboração da carta constitucional de 1988,
educadores “progressistas” novamente defenderam a proposta de uma formação
básica comum para o ensino fundamental, a ser viabilizada mediante a
concretização de um plano nacional de educação e que hoje é, com inverso sentido
ideológico, assumida enfaticamente por neoconservadores e por isto criticada por
seus oponentes.

Mesmo o monopólio ou a presença majoritária do Estado como ofertante da


educação escolar - ponto ainda hoje praticamente inquestionável para educadores
“progressistas”- já foi alvo de críticas de segmentos de esquerda, seja por parte
daqueles educadores que compartilhavam dos postulados libertários, seja por
aqueles outros que, mais recentemente, privilegiaram as formas alternativas de
educação popular, visto considerarem estas últimas efetivamente mais
comprometidas com uma perspectiva política de emancipação das classes
populares, criticando, por serem tendencialmente alienantes, as práticas
pedagógicas dos sistemas escolares oficiais.

Assim, excetuando-se a questão do ensino pago, nunca objetivamente


defendido por representantes da esquerda(91), as proposições que dividiram e
dividem o campo educacional em pólos ideologicamente opostos foram, total ou
parcialmente, em algum momento da trajetória deste campo, incorporadas pelos
oponentes ideológicos de seus primeiros formuladores.
192

Desconsiderando a justeza das posições defendidas por “progressistas” ou


“conservadores”, nos restringimos a, unicamente, sublinhar a altercação das
posições políticas dos agentes integrantes do campo educacional, a fim de
demonstrar como a explicação da trajetória deste e de sua atual situação não pode
simplesmente se centrar na contraposição de propostas políticas educacionais.
Portanto, não se localiza nessas antinomias “pedagógicas” o ponto crucial
determinante não somente de toda a trajetória de nosso sistema educacional como,
em particular, da atual crise do magistério brasileiro.

A segunda idealização com que devemos romper para buscar uma melhor
apreensão, em específico, da atual condição dos professores, é alusiva à pretensa
ocorrência, entre as décadas de quarenta e sessenta (92), de um "tempo áureo" para
todo o magistério brasileiro - simbolizado pelo estereótipo da "normalista", jovem
mulher das classes médias urbanas - que se contraporia à dura realidade atual de
empobrecimento do professorado e decadência dos sistemas de ensino. Esta
idealização permite escamotear a lembrança de que, em grande parte, os
professores do alunado brasileiro eram “leigos” e que, como se sabe, as antigas
"escolas normais" ou "institutos de educação", embora fossem oficialmente centros
de formação do chamado "magistério primário", se constituíam também em
instituições voltadas para a educação de adolescentes do sexo feminino, que não
iriam necessariamente dedicar-se, de modo concreto e permanente, à docência.

Mesmo tendo sido naquelas décadas que os professores, especialmente os


das redes públicas dos principais municípios do país, atingiram o ápice em termos
salariais, esta idealização desconsidera as circunstâncias políticas conjunturais que
propiciaram tais momentos de "valorização” do magistério, igualmente responsáveis
pelas aproximações políticas e ideológicas entre parcelas expressivas dos
professores e forças políticas integrantes do “pacto populista” (93). A força desta
fantasiosa imagem é de tal ordem, que até junto a ativistas e dirigentes sindicais, ela
se afirma, num processo de desconhecimento da história do magistério brasileiro, na
medida em que muitas vezes se toma esta idealização como referência para as
lutas do presente, mesmo quando se busque exorcizar o que seria a sua clara
conotação ideológica pequeno-burguesa, descontextualizando os determinantes
desse passado(94) .
193

Entretanto, não queremos dizer com isto que uma tentativa alternativa de
compreensão das recentes transformações ocorridas com o magistério nacional,
obrigatoriamente requeira o empreendimento de uma reconstrução da história do
campo educacional brasileiro ou particularmente dos professores como agentes
integrantes deste campo. Ao contrário, longe de nos arvorarmos à tarefa de
tamanha envergadura, nosso trabalho limita-se a salientar, ainda que recuperando
parcialmente aspectos da trajetória recente do campo educacional, o que
consideramos ser o determinante maior da atual situação do magistério,
caracterizada pelo empobrecimento e pela sensação generalizada de “mal-estar”.
194

A Constituição do campo educacional brasileiro

É no curso da republica, quando então se reconhece a escolarização como


elemento propulsionador do desenvolvimento nacional, que, de fato, se processa a
construção do campo educacional, sempre envolto na permanente tensão entre o
aspecto revolucionário da conformação de nação moderna e o aspecto conservador
da tradição oligárquica brasileira. Esta tensão além de determinar simultaneamente
o grau de autonomia deste campo na sociedade brasileira, delimitou as formas e a
abrangência das ações dos tipos de agentes sociais que, predominantemente, vem
intervindo em sua trajetória. Com o desencadear dos processos de industrialização
e urbanização, que foram acelerados com a instauração da ditadura militar,
impulsionando o aumento dos anos de escolarização da população (95), o campo
educacional, dados os efeitos provenientes destes processos, veio a ter mais
definido o seu contorno.

Apesar da ditadura militar ter implementado políticas econômicas socialmente


excludentes, em virtude da ampliação do grau de abrangência das relações
capitalistas nos mais diversos setores da economia brasileira e em face das
pressões sobre o Estado, já anteriores a 64, pela promoção de maiores
oportunidades de escolarização, em especial para as classes subalternas urbanas,
o sistema escolar sofreu transformações significativas, ainda que tenha mantido
suas fortes tendências discriminatórias.

Mesmo quando foram reprimidos nas instituições de ensino os focos


principais de resistência ao golpe militar, cujas últimas manifestações foram
expressas através do protesto estudantil e popular do findar da década de
sessenta(96), a permanência de uma elevada demanda por escolarização, fez do
campo educacional um espaço de intervenção inadiável. Embora não solucionando
seus principais dilemas, os governos militares pretenderam que a educação, uma
vez modernizada de modo adequado aos projetos de crescimento econômico, fosse
parte das políticas de equalização social, conferindo-lhe o papel particular de
instância integradora das massas populares, pauperizadas pelas políticas
econômicas, revertendo a sua condição de locus de insurgência e transformando-a,
assim, num instrumento de apoio político ao regime autoritário. Como é sabido, o
resultado da tentativa de equacionar todos estes objetivos se materializou nas
reformas dos sistemas de ensino, onde se destacaram como principais medidas (97):
195

a ampliação para oito anos da obrigatoriedade escolar; a reformulação curricular dos


ensinos fundamental e médio(98); o subsídio oficial à abertura indiscriminada de
instituições particulares como forma de responder a pressão por mais vagas no
ensino médio e nas universidades; a instituição do sistema de créditos no ensino
superior; a criação do crédito educativo e as caricatas tentativas de
profissionalização universal dos estudantes do segundo grau e de eliminação do
analfabetismo, afora, é claro, a recuperação grotesca da propaganda fascistóide nas
escolas, através da obrigatoriedade das aulas de “moral e cívica” (99).

Se a educação veio a ser prioritária no discurso oficial da ditadura militar, na


ação real, como é por todos reconhecido, ela foi secundarizada. Isto não somente
pela efetiva redução do montante das verbas públicas a ela destinadas mas,
especialmente, pela própria inviabilidade do regime militar, dada sua opção
deliberada de imposição de uma passividade política à população, empreender
políticas que objetivassem, de modo concreto e não apenas retoricamente, a
realização de um projeto hegemônico.

A educação escolar terminou por ser um instrumento menor, ainda que de


importância significativa, para a obtenção de um consenso passivo dos subalternos.
Enquanto instância de difusão ideológica, ela veio a ocupar uma posição secundária
frente, por exemplo, aos meios de comunicação de massa, cuja expansão,
sobretudo as redes de televisão, além de significarem menores custos para o
Estado, estavam mais afinados com os projetos de integração nacional. Sendo
aqueles dotados, pelos aspectos lúdicos que lhes são intrínsecos, de maior
capacidade de atração da população, independente de faixas de idade, gênero,
etnia ou classe, mostraram-se possuidores de uma superior eficácia na imposição,
nunca plenamente realizada, de um conformismo político às massas populares.

Negou-se, deste modo, quaisquer perspectivas reais da educação escolar de


massa ocupar, efetivamente, um lugar estratégico nos projetos políticos do
autoritarismo militar, salvo as tímidas tentativas, já no crepúsculo do regime, de
empreender, a partir de uma perspectiva “comunitarista”(100), uma espécie de
“transformismo” alquebrado, principalmente em pequenos municípios situados no
interior (Germano, 1994).

Assim, menos do que a convicção de sua eficácia pedagógica, enquanto


alavanca para o desenvolvimento, o emprego, especialmente no ensino fundamental
196

e médio, da teoria do capital humano e do “tecnicismo pedagógico - pilares teóricos


das políticas educacionais nos momentos de maior força do regime autoritário - foi
mais uma vã tentativa de legitimar objetivos político-educacionais adequáveis à
escassez voluntária de recursos.

Como é sabido, o intento de reduzir, de todas as formas possíveis, os custos


do ensino, possibilitou que o aumento da oferta de vagas escolares no primeiro grau
tenha sido feito graças à diminuição da jornada de ensino (havendo casos em que a
presença dos estudantes na escola não ultrapassava a pouco mais de duas
horas/aula); à multiplicação dos turnos nas escolas públicas e ao franco
favorecimento da iniciativa privada, através de mecanismos legais de isenção fiscal
e da diminuição do papel fiscalizador do Estado sobre as instituições particulares de
ensino.

Embora fossem repetidos velhos lugares comuns quanto a qualificação e


valorização profissional(101), o menor direcionamento de verbas públicas para a
educação, não somente alimentou a reprodução de antigos problemas na formação
do magistério, como fez com que aumentasse o número de professores leigos,
especialmente em regiões mais pobres, como as do nordeste (102).

Mas ainda assim, a ampliação do número de estudantes e escolas implicou,


objetivamente, no aumento da demanda por professores. Saliente-se também que,
conforme Singer (citado por José W. Germano, 1994), embora a concentração de
renda fosse muito alta na sociedade brasileira, entre o período do chamado “milagre
brasileiro” e os primeiros anos do governo Figueiredo, mesmo não havendo uma
deliberada política de elevação dos níveis de consumo das massas populares,
ocorreu uma diminuta redução deste processo de concentração de renda (103),
provavelmente em função do crescimento das atividades econômicas que, ao
demandarem mais força de trabalho, possibilitaram uma expansão do mercado
consumidor interno, inclusive de bens simbólicos como os escolares, alimentando a
procura por mais professores.

Deste modo, até o findar dos anos setenta, continuou sendo reafirmada a
tradicional condição do magistério como profissão rentável para estratos da
pequena burguesia. A ampliação de vagas no mercado de trabalho docente,
praticamente reservadas a integrantes desses estratos (fossem ou não devidamente
habilitados), solidificou conjunturalmente, ainda que isto não tenha vindo a se
197

traduzir em explícitas ações políticas de apoio à ditadura(104), a aliança de


segmentos ponderáveis do professorado com o regime militar. Por outro lado, a
segmentação do mercado consumidor, segundo o nível de renda, foi um dos
mecanismos de cooptação do apoio da pequena burguesia ao regime autoritário.
visto que esta passou a ter acesso a bens de consumo durável como
eletrodomésticos, automóveis, além de ter sido também favorecida nas políticas
governamentais de habitação e poder contar com a possibilidade de canalizar renda
para si através da obtenção de serviços relativamente baratos, como os domésticos,
dada o rebaixamento do nível salarial dos trabalhadores.

No entanto, as atitudes de não-antagonismo da maior parte do professorado,


enquanto segmento da pequena burguesia, ao regime ditatorial não veio a redundar
numa adesão ao ideário pedagógico emanado pelas burocracias educacionais. A
posição do magistério marcou-se, majoritariamente, pela ambigüidade ideológica,
aparentando concordância com as normas estabelecidas burocraticamente, mas,
mantendo dissimuladamente velhos e tradicionais hábitos pedagógicos, portanto,
assegurando o exercício de sua autonomia didática. Na maioria das vezes, o
receituário tecnicista somente foi acatado pelos professores quando era-lhes, por
algum motivo, efetivamente interessante(105).

Embora o processo de escolarização da população tenha se ampliado no


correr dos anos sessenta e setenta, o acesso à escola permaneceu de certo modo
contido, sendo a oferta de vagas inferior à demanda. Somente a partir do final da
ditadura militar, portanto dentro de um quadro economicamente recessivo onde o
investimento em políticas sociais, ao menos de forma mais expressiva, estaria por
princípio comprometido, que, os segmentos de mais baixa renda tiveram
intensificado o seu acesso à escola. Geralmente por iniciativa dos governadores
eleitos pelo sufrágio popular em 1982, foram ampliadas as redes escolares públicas,
com um acentuado crescimento do número de matrículas no ensino médio (106),
elevando-se ainda mais, por conseqüência, o número de professores(107). Apesar
das variadas tentativas de mudança do quadro escolar, de modo geral, acentuou-se,
por força do prolongamento do quadro recessivo e o subseqüente incremento da
dívida pública interna e externa, o declínio da qualidade do ensino oferecido nas
redes públicas de primeiro e segundo graus - onde se tornou predominante a
presença de estudantes pobres(108) - e intensificou-se a queda do padrão salarial do
198

magistério, inclusive o das principais redes públicas do país. Como as


reivindicações relativas ao acesso à escola estavam (e ainda estão) mais norteadas
simplesmente pela possibilidade de obtenção dos diplomas escolares (o centro das
preocupações permaneceu situando-se na questão da aprovação formal, no “passar
de ano”), a melhoria do ensino, que extrapola a problemática da simples presença
física dos professores em sala de aula, envolvendo sua qualificação e remuneração,
não foi, senão muito restritivamente, objeto de pressões populares contínuas (109).

No tocante às propostas de política educacional, a crítica às condições do


ensino brasileiro, num momento conjuntural mais propício ao debate político, em
vista da progressiva débâcle da ditadura militar, evidenciavam que o campo
educacional se tornara um espaço de luta explícita entre blocos políticos, porém
sem expressar, quanto ao teor da luta de classes, um sentido similar àquele dos
anos que antecederam imediatamente ao golpe militar de abril de 64.

Educadores congregados por uma ótica "progressista" da educação e da


sociedade, tentavam unificar suas forças, através de uma série de iniciativas de
ordem acadêmica (encontros regionais, seminários e conferências nacionais) para
discutir uma possível uma revisão do sistema educacional brasileiro. Em tal
processo, se destacaria como temática estratégica a formação dos quadros do
magistério (pedagogos e licenciados). Buscava-se, desqualificando-os como
criaturas do autoritarismo, deslocar antigos grupos vinculados à burocracia
ministerial das posições de domínio no campo educacional através da crítica ao
“tecnicismo pedagógico”, então dominante nas antigas ‘escolas normais” e nas
faculdades de educação. Igualmente, intentavam os “educadores progressistas”,
mesmo que inconscientemente, encontrar parceiros e auxiliares na luta pela sua
ascensão no campo educacional, aproximando-se dos segmentos do magistério
mais participantes de suas associações e sindicatos, os quais estavam se
defrontando com autoridades governamentais e empresários do ensino, em suas
lutas pela manutenção do seu padrão de vida, como demonstram as greves
ocorridas a partir dos fins dos anos setenta. Delineou-se, assim, uma aliança que
mesclava a crítica aos princípios pedagógicos com a crítica à política salarial,
exemplificada no sucesso momentâneo entre o magistério das proposições de
Namo de Mello (MELLO, 1982) a respeito da necessidade do professor ser
competente e ter esta competência reconhecida socialmente (110) ou no discurso,
199

comum a educadores e sindicalistas, de que, finalmente, o magistério não estaria


somente discutindo salário mas também educação(111).

Embora as lutas políticas e sociais travadas no findar do regime autoritário


portassem uma multiplicidade de possibilidades quanto ao resultado final das
mesmas, dado que não estava de antemão definido quais eram as forças políticas
realmente dirigentes do processo de “transição à democracia”, como demonstram
não apenas as ambivalências do governo Sarney(112) mas, sobretudo, as resoluções
políticas estabelecidas na nova carta constitucional, a tentativa de uma aliança
constituída prioritariamente entre “educadores progressistas” e professores, a qual
somente de forma muito secundária se somariam os demais trabalhadores e suas
representações sindicais e partidárias, ainda que fosse em nome dos interesses
destes que o sistema escolar era criticado e proposta a sua revisão, sinalizava para
o fato das lutas no campo educacional se circunscreverem, fundamentalmente, a
disputas por posições de poder no seu interior. Estas lutas tendencialmente se
traduziriam na ocupação de cargos de direção na burocracia educacional e não,
ainda que isto também retoricamente fosse feito, a uma efetiva disputa de
hegemonia na sociedade civil. Esta somente viria a ser possível se o debate sobre
as “questões educacionais” extrapolasse o âmbito dos educadores, generalizando-
se entre os demais agentes sociais(113).

Com o coroamento do neoconservadorismo ao final da transição do regime


ditatorial e o esfacelamento da unidade política que assegurou, com suas marchas e
contramarchas, a resistência ao autoritarismo, as proposições pedagógicas
neoconservadoras, já reconhecidamente dominantes em plano internacional,
impuseram-se no campo educacional brasileiro.

A aprovação da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação),


embora não propriamente pelo seu conteúdo, mas sim pelo seu simbolismo político
(114), veio a significar, em meio a uma série de iniciativas governamentais (115), não só
a culminância da derrota das proposições dos chamados “educadores
progressistas”, como, de certo modo, a consolidação de seu processo de diáspora
ideológica. Mecanismos de cooptação já anteriormente tinham possibilitado que
pequena parte deles tivessem ou ingressado ou galgado posições na burocracia
educacional, transformando-se em defensores das formulações neoconservadoras.
200

Destarte se as disputas ideológicas no campo educacional parecem


momentaneamente equacionadas, com “educadores progressistas” se encontrando
numa postura nitidamente defensiva, a crise do magistério, decorrente
fundamentalmente do seu empobrecimento, se acentua cada vez mais, lançando-o
no rol comum dos socialmente desfavorecidos e posicionando-o de modo tão
subalterno no campo social, que se faz, a curto prazo, impossível a sua cooptação,
salvo raríssimas exceções decorrentes de relações diretas de clientela política e/ou
parentesco. A constância da presença do sindicalismo docente, mesmo que
enfraquecida, espelha esta condição subalterna dos professores.

As lutas sindicais recentes dos professores brasileiros e o empobrecimento


do magistério

Malgrado a sua resistência, desde os anos setenta, demonstrada pelo


crescimento da ação sindical do magistério contra o achatamento salarial, os
professores não tem sido capazes de, através de voluntariosas campanhas ou
movimentos isolados, superar radicalmente a crise em que se encontram. Ao
contrário, ainda que se sobreleve todas as dificuldades recentes do sindicalismo
docente, são significativos os sinais dos reveses ocorridos ao longo da última
década, ilustrados não somente pela inequívoca perda salarial como, muito
especialmente, pelo progressivo declínio da participação dos professores nas
atividades de mobilização promovidas pelos seus sindicatos (116), o que não pode ser
explicado apenas como um efeito imediato do processo econômico recessivo ou por
uma vitória ideológica dos neoconservadores.

Duas dificuldades acentuam ainda mais os obstáculos a uma reversão, a


curto prazo, da crise do magistério, através das lutas sindicais.

Uma, diretamente relacionada à problemática da identidade social dos


professores e ao âmbito da ação política dos seus sindicatos, vem a ser a crença de
que o magistério possui hoje um pertencimento de classe que o situaria no interior
da classe trabalhadora. Esta crença corrobora esperanças voluntaristas a respeito
da intervenção dos movimentos sindicais pois, a despeito de todas as
considerações acerca do Estado, entre nós, ser sempre, de alguma maneira, o
demiurgo da sociedade civil, ao olhar de grande parte dos militantes dos sindicatos
201

de professores, a alteração da situação do magistério e do próprio campo


educacional decorrerá, particularmente, da capacidade de intervenção política do
primeiro, especialmente do poder de suas organizações sindicais, devendo por isto
ser a ação do Estado uma resultante de tal intervenção.

Conquanto a grande maioria dos membros do magistério se reconheça como


“professor” e não como “trabalhador da educação”, suas entidades sindicais,
especialmente as representativas do magistério público denominam-se, hoje,
sindicatos de “trabalhadores da/em educação”(117), numa demonstração da
aceitação, mais ou menos explícita, pelos seus dirigentes das equívocas teses da
“proletarização do magistério”, anteriormente por nós criticadas. Por conseqüência,
as lutas sindicais dos professores são compreendidas por esses dirigentes como
manifestações de um “processo de proletarização” pois, em virtude das
transformações intrínsecas que teriam ocorrido com o trabalho docente, um “novo
trabalhador do ensino [teria sido] criado. Os fatores determinantes não foram
apenas, nem fundamentalmente as formas autocráticas de administrar a educação
nas escolas, Delegacias, Secretarias ou MEC, mas as formas de organizar o
trabalho pedagógico e as relações mercantis a que foi submetido, a vinculação
estreita entre escola-empresa-mercado de trabalho, enfim, a nova racionalidade a
que foi submetida a administração do ensino e sobretudo o trabalho dos seus
profissionais" (ARROIO, 1985, p.9). Como proletarizados “trabalhadores intelectuais
da educação” portariam, em essência, as condições para autotransformarem-se em
intelectuais orgânicos da classe trabalhadora(118).

Ainda que o aumento crescente do peso das tarefas consideradas de teor


burocrático no trabalho de professores possa ser constatado e seja assinalado - e
não só por professores brasileiros (ANDES,1994) - como um constante empecilho
ao aperfeiçoamento profissional, por exigir-lhes “um grande esforço intelectual e de
tempo que reduz e ameaça, drasticamente, a probabilidade de promover e
consolidar iniciativas de trabalho alternativas" (Cabrera e Jaen, 1991,p.203),
sintomaticamente, este tipo de análise fundado na “proletarização docente”, a
exceção da dominância assumida pelas relações de trabalho nas instituições
escolares, desconsidera fatores determinantes - e os efeitos daí decorrentes da -
posição subalterna que o campo educacional terminou por vir a ter como efeito das
singularidades do processo de desenvolvimento do capitalismo brasileiro.
202

Todas as mudanças ocorridas com o magistério, do declínio salarial ao


ressurgimento de um certo comportamento “sazonal”, caracterizado por um
permanente deslocamento em busca de melhores empregos, seriam resultantes, em
última instância, da “perda do controle” do seu processo de trabalho. A condição de
recém-proletários dos professores confirmaria a nova condição de classe, uma vez
que, como todos os demais trabalhadores assalariados proletários, eles estariam
reagindo à exploração do capital através das lutas sindicais, levando a
secundarização da importância da construção de elos políticos - e não meras
manifestações de solidariedade - com diferentes segmentos sociais e suas
representações políticas (partidárias ou não) para viabilização de um projeto
nacional democrático, que redefinisse a situação do campo educacional brasileiro.

A segunda dificuldade, decorrente da forte adesão às propostas


neoconservadores pelas burocracias escolares pública e privada, é a expressiva
ameaça, não de uma fantasiosa substituição dos professores por novas tecnologias,
mas sim da concomitante “flexibilização” das relações de trabalho, das fontes de
recursos e dos modos de gestão das instituições escolares.

De modo inverso ao ocorrido nas sociedades capitalistas centrais, onde se


voltou contra direitos sociais já universalizados, a voga neoconservadora no Brasil
apresenta, sedutoramente, seu receituário institucional como condição invulgar de
realização de antigas reivindicações do magistério e da população, constantemente
frustadas pela negação perene das expectativas de reforma social, desqualificando
as críticas formuladas pelos seus oponentes situados à esquerda no campo
educacional, considerando-os equivocados maximalistas, proponentes de um
discurso que se pautaria pela denúncia e não pela ação.

Para os nossos neoconservadores, a situação, plena de mazelas, do campo


educacional marcar-se-ia, principalmente, por uma distanciamento entre o ensino de
baixa qualidade ofertado nas escolas e os reais interesses da clientela escolar
brasileira. Em particular quanto ao magistério, a sua indesejável situação - tanto do
ponto de vista da sua qualidade profissional como das suas condições de trabalho -
decorreria da interseção de três ordens de fatores: a submissão dos professores aos
efeitos de uma anterior política educacional despreocupada com sua degradação
profissional; a escassez, mas especialmente a má gestão de recursos públicos
203

para investir no setor da educação(119) e a posição secundária dada ao nível de


ensino de maior demanda, o fundamental.

Tendo por referência as orientações emanadas por entidades internacionais,


objetiva-se, por meio de ações governamentais e contando também com o apoio
técnico-financeiro internacional, a promoção de mudanças nos padrões de trabalho
do magistério que lhe proporcione “dignidade profissional” (por meio de políticas de
“elevação salarial”, como o fundo de valorização do magistério e a definição de
novos planos de carreira), posturas pedagógicas condizentes às expectativas da
clientela escolar (graças às avaliações sistemáticas das instituições escolares e ao
emprego de mecanismos de capacitação docente, com forte ênfase na utilização de
meios tecnológicos e, em especial, na "educação à distância"), e a adaptabilidade
aos novos tempos de um “mundo globalizado”.

A flexibilização das relações de trabalho na escola, com a instituição de


contratos de trabalho temporários ou a "livre negociação salarial" por instituição de
ensino pode significar para o magistério a perda de antigos direitos como: férias;
gratificações, o não pagamento de parcela das contribuições previdenciárias pelos
empregadores; a inviabilização de contratos coletivos ou até mesmo de “pisos”
salariais ou planos de carreira(120) Enfim, provocar decréscimos do poder aquisitivo
dos professores ainda mais expressivos, afora as possibilidades de divisão e/ou
enfraquecimento da representação sindical(121). Assim sendo, os sindicatos do
magistério brasileiro encontram-se, em vias de se depararem com um quadro que
poderíamos considerar, tal como denominado por Boaventura Santos, sendo o da
passagem "da macro-concertação social para a micro-negociação da empresa"
(SANTOS, 1995, p.1). Isto, numa sociedade como a brasileira, onde o welfare state
nunca se fez presente, pode vir a significar uma nova conjugação, falsamente
moderna, da velha tradição de exclusão social.

A flexibilização das fontes de financiamento para o setor educacional, cuja


contraface apresentada é uma auspiciosa possibilidade de gestão autônoma e
participativa das escolas, ao estabelecer o mercado como principal esfera de
captação de recursos, inclusive pela cobrança do ensino oferecido aos que nele se
mostram interessados, especialmente nos níveis de ensino acima do fundamental,
desloca o atendimento das necessidades escolares para o empreendimento privado,
204

tornando secundário o papel do Estado, tradicionalmente visto como responsável


primeiro pela manutenção dos sistemas escolares.

Porém, além das dificuldades da própria possibilidade técnica da proposta de


privatização total, o que a torna insusceptível de ser “até seriamente considerada
como uma opção para além das extremas franjas da Nova Direita" (DALE, 1994,
p.112), o sucesso das opções pela "privatização" da origem dos recursos para os
sistemas de ensino dependerá de condições e tradições particulares de cada
sociedade, sendo, portanto, uma questão, em primeiro lugar, de aceitabilidade
política. Esta decorre não somente do grau de importância atribuído à educação
escolar pelos diferentes segmentos e classes sociais, mas também das
contradições entre instâncias burocráticas do próprio Estado, das formas como o
staff educacional se defronta com os responsáveis pelo setor administrativo-
financeiro estatal, que, sob a perspectiva da minimalização do Estado, empreende
cortes nas verbas destinadas às políticas sociais, afetando diretamente o poder
político das burocracias educacionais. Por outro lado, a histórica constituição de
sistemas públicos de ensino tem, ainda segundo Dale, estreitado - especialmente
nas sociedades capitalistas centrais - uma ligação entre a "profissão docente à
educação pública” (DALE, 1994, p.115) que dificulta a aceitabilidade entre os
professores de uma dominância dos princípios de mercado nas questões relativas à
educação, conforme o ideário político do neoconservadorismo pedagógico,

É certo também que a elevação da qualidade do serviço estatalmente


oferecido pode implicar em mais gastos públicos (em maiores taxas de tributos),
dando ensejo a atitudes contestatórias das classes superiores, as quais tendem a
entender como sendo mais econômico, do ponto de vista dos seus interesses
particulares (pela possibilidade de uma redução dos impostos), investir em serviços
privados. Entretanto, nos países capitalistas centrais, ainda são expressivas as
preocupações sobre a real capacidade do mercado, mais ou menos liberado da
regulação estatal, proporcionar uma educação escolar com qualidade compatível
aos interesses socialmente dominantes, constrangendo os ímpetos privatizantes.
Porém, se a “privatização” dos sistemas escolares pode não vir a ocorrer em sentido
estrito, isto é, pela venda das instituições escolares públicas a particulares, os
sistemas de ensino, podem ficar submetidos a um processo de “empresariamento,
no qual a dominância de uma lógica estritamente capitalista, transvestida em
205

discurso de elevação da qualidade, estabelece padrões escolares de competência e


produtividade, que, contrariando seu discurso pela qualidade, tende a implicar, dada
sua fixação extremada a uma relação imediata entre custo e benefício, no colocar a
“escola pública numa espiral descendente de movimentos em queda livre, tendo
como conseqüência uma oferta curricular reduzida, a diminuta atracção sobre os
pais que permanecem, afastamentos crescentes, etc., numa aceleração continua da
espiral descendente que termina muito rapidamente numa escola que inclui apenas
aqueles sem motivação ou capacidade para a abandonar. Este efeito de aceleração
adquire ainda mais peso quando aqueles que optam por sair (ou nunca optam por
entrar) do sistema educativo público são sustentáculos políticos. O seu exercício de
escolha adiciona-se ao efeito de aceleração confirmando a inferioridade comparativa
da instituição ou do sistema de que se afastam e, dessa forma, retirando a sua
influência e prestígio, que poderiam ser meios-chave de travar a espiral
descendente." (DALE, 1994, p.136).

Todavia, em países periféricos de extremada desigualdade social e


democratização inconclusa, como o Brasil, a correspondência entre escolarização
de massa e a concretização dos interesses socialmente dominantes veio a "perder
sentido", dado que nesta o “movimento em espiral descendente” da escola pública
já ocorreu. Isto porque, em primeiro lugar, por iniciativa governamental se promoveu
o crescimento expressivo das escolas particulares, o qual se longe de ter eliminado,
como antes assinalamos, a presença do estado na oferta do ensino, produziu uma
diferenciação entre ensino fundamental e médio públicos para os pobres e ensino
privado para as classes médias, burguesia e oligarquias rurais, com os matizes
respectivos à cada classe, cujo efeito maior é provocar, até entre os mais pobres (os
trabalhadores e as camadas inferiores das classes médias) "um menosprezo pelo
setor público e uma ansiedade por lhe escapar" (DALE, 1994, p.135). O colapso do
público, entre nós, é, hoje, ainda mais reafirmado em virtude da constituição de um
certo tipo de burguesia que, por ter perdido todo o contato com a subjetividade das
classes subalternas e limitar-se a transitar em espaços sociais esvaziados da
presença interveniente de agentes dessas classes, culturalmente dissemina a
deslegitimação política da questão da esfera pública da nação, dado classificá-la
como irrelevante, considerando que tudo deva ser naturalmente privado
(OLIVEIRA,1997).
206

Ao inverso das políticas educacionais da ditadura militar, que não deixavam


espaços para o dissenso não-radical, as propostas do neoconservadorismo -
definidas pela associação de interesses dominantes nacionais e internacionais -
tentam mostrar-se, de modo positivo, como um projeto político de longo curso, onde
afirma-se ser estratégica a educação escolar de qualidade(122), acenando-se com
um processo de valorização e, conseqüentemente, cooptação do magistério,
reconhecendo-se, aparentemente, os interesses de segmentos sociais situados fora
do pólo dominante. Entretanto, isto tende a redundar muito mais em uma forma de
promoção da desmobilização dos subalternos, do bloqueio a um possível aumento
da luta por acesso a um melhor ensino, transformando particularmente os
professores em objeto de pura demagogia e perpetuando a sua derrota no campo
educacional, ao mesmo tempo em que vem a ser, em última instância‚ uma forma
de defesa dos interesses da burocracia ministerial comprometida ideologicamente
com proposições conservadoras e clientelisticamente com as oligarquias regionais,
a fim de impedir a ação reformista de agentes sociais posicionados à esquerda nos
campos educacional e político.

Decorrem estas nossas afirmações do confrontar as características da


configuração de um processo hegemônico onde as classes subalternas sejam
integradas com as bases políticas que avalizam a atual política educacional
neoconservadora brasileira. Um processo político de características hegemônicas,
no qual necessariamente deva haver o submetimento político-ideológico das classes
subalternas, para ser bem sucedido implica, no entanto, na promoção, em algum
grau, da ruptura da passividade política dos subalternos, estimulando algum tipo de
movimento de massa, que materialize, mesmo que secundariamente, a viabilização
de parte dos interesses desses últimos. Ora, o estímulo a mobilizações de massa
vem a ser um risco, quanto à estabilidade política, para as forças que tentam
empreender o recente processo de ajustes estruturais da economia e do aparelho
de estado através do instável pacto neoconservador, visto que estas necessitam
deslegitimar, proclamando-a corporativista, toda ação autônoma de agentes sociais
organizada em defesa de interesses particulares.

Em segundo lugar, na sociedade brasileira, o interesse pela escolarização


ainda não se centraliza no que ela pode, de fato, vir a oferecer em termos de
qualificação - profissional ou "cultural" - de seus estudantes, porém centra-se no
207

papel de legitimação de privilégios sociais. A obtenção dos títulos escolares não é


um pré-requisito imprescindível para ascender-se socialmente. Tende a ser, muito
mais, um selo burocrático legitimador de uma anterior posição superior na hierarquia
social, produzindo, sobretudo sobre estratos das classes médias, o efeito ideológico
conservador de transformar a sua luta pela escolarização em uma luta por distinção
social, por uma ratificação do seu distanciamento para com os pobres. Contudo, ao
mesmo tempo, a escolarização pode levar a constituição de agrupamentos
contestatórios do status quo, formados por subalternos que a ela tiveram acesso,
mas não a oportunidade de serem devidamente cooptados para o exercício da
legitimação da ordem (BOURDIEU, 1982) e, por isto mesmo, tendem a um certo
isolamento político, seja frente aos trabalhadores, seja frente às classes
hierarquicamente superiores.

Assim sendo, a adoção de medidas neoconservadoras, dado que elas pouco


mais são do que uma nova versão das estratégias das classes dominantes
brasileiras de contemporizar as pressões históricas dos socialmente dominados por
escolarização, somente virá a confirmar o pleno inviabilizar das esperanças de
ruptura com a tradição de não oferecimento de um ensino, em condições
qualitativamente aceitáveis, para estudantes de origens sociais subalternas,
reforçando a mistificação ideológica de que os serviços públicos, por serem
públicos, devem ser necessariamente da pior qualidade e “naturalizando” a
ocorrência do empobrecimento do magistério por este estar também submetido,
direta ou indiretamente, à gestão do Estado.

A tendência do campo educacional: a permanência do empobrecimento dos


professores

Questão central do campo educacional, a atual situação do magistério, é


efeito da inconclusão de um processo democrático na sociedade brasileira. Isto faz
com que, ainda hoje - em “tempos de globalização” - seja obrigatório relacionar toda
discussão sobre as problemáticas educacionais à nossa “antiga e velha questão
nacional”.

Ainda que a imprescindibilidade da instituição escolar para a plenitude do


processo de individuação nas sociedades modernas acarrete a continuidade da
tendência ao acesso universal à escola e proporcioná-lo permaneça sendo uma
responsabilidade do Estado, não existem sinais de que os problemas vivenciados
208

pelos professores brasileiros - as intensas conseqüências da posição subalterna em


que se encontram somadas às pressões advindas da burocracia do aparelho estatal
e dos vários segmentos da clientela escolar - venham a ser solucionados ou
amenizados. Como no Brasil não se realizou um clássico processo de hegemonia, o
processo de individuação dos agentes, embora demande, para sua ocorrência, a
escolarização, não prescinde de escolas e professores de características distintas
das já existentes, não havendo, da perspectiva as elites políticas que historicamente
exercem o poder de Estado no Brasil, motivos estruturais para mudanças
significativas nos sistemas de ensino. O emprego circunstancial do receituário
pedagógico neoconservador, mais do que adesão firme e convicta a princípios
norteadores de um projeto educacional visando a concretização de uma forma de
desenvolvimento nacional, mesmo que sob limites heterônomos, vem apenas
cumprir seu papel de, retroalimentando o culto ao diploma escolar, propagandear o
intento de realizar-se um processo de hegemonia, que não pode vir a ser realizado
sem a superação da equação política que permite a continuidade de uma
dominação fundada na reafirmação perene da passividade e da fragmentação dos
subalternos.

A estratégia neoconservadora, falsa gesta das elites integrantes do bloco no


poder, ao ter por epicentro o mercado abandona todo projeto nacional de
desenvolvimento que tenha por intenção estabelecer, de modo privilegiado, um
processo de integração crescente e ampliada dos segmentos sociais subalternos,
retirando-os das fímbrias marginais do mercado de trabalho e do mercado
consumidor de bens econômicos e simbólicos, reafirmando no campo educacional a
nossa crise histórica de hegemonia. O contemporâneo discurso governamental
brasileiro e suas iniciativas legais nada mais fazem do que envolver em uma
falaciosa nuvem de fumaça a situação do magistério, a sua perpetuação em posição
dominada, inviabilizando a criação de vias políticas de valoração do magistério,
capazes de redefinir positivamente as condições do trabalho docente.

Para que ocorram ações capazes de minimizar os resultados da condição


subalterna dos professores, se torna necessário o abandono de certas concepções
sobre a situação atual do campo educacional, fundadas numa espécie de
voluntarismo pedagógico mitificador da escola, que, sob versões otimistas ou
pessimistas, consideram ser possível desencadear transformações a partir,
209

principalmente, do interior da próprias instituições escolares, como se os agentes


deste campo pudessem vanguardear uma “revolução educacional”.

Deve se empreender a crítica de propostas de mudança do cotidiano escolar


apresentadas por "novas administrações responsáveis e comprometidas com a
escola pública de qualidade" (Cunha, 1995, p.8), que, visto não relacionarem a
viabilidade de seus projetos pedagógicos a mudanças fundamentais no campo
educacional (especialmente as relativas ao trabalho dos professores) e às relações
deste campo com os demais campos sociais, não podem senão redundar em
fracassos políticos, reprodutores, em outra oitava, do “mal-estar” docente. Torna-se
insuficiente, assim, uma manifesta boa vontade de recuperar a escola pública,
procurando congregar o apoio do magistério através de apelos ideológicos ou
mecanismos de premiação aos mais diligentes. Buscar minimizar os efeitos de
atitudes indesejáveis do magistério, em particular o absenteísmo, sem alterar o
modus vivendi docente é desconsiderar que este tende a expulsar todos aqueles
que vislumbram opções profissionais mais compensadoras.

Do mesmo modo, a simples denúncia de atos pedagógicos preconceituosos,


fundada sob a ótica de uma análise multiculturalista e interacionista, ainda que
moralmente justa e correta por defender a intervenção política na instituição escolar
de agentes sociais dominados e subalternos, em especial de todos os que vem a
estar sob o “guarda-chuva identitário” das “minorias étnicas e sexuais", não raro
desagua na adoração piegas e acrítica de valores e saberes “populares”. Por ater-se
mais estritamente a interesses particulares e não apresentar formas de integração
sistemática e organizada desses interesses a lutas que extrapolem a identidade
comum de pequenos grupos, o discurso localista, sobretudo quando assume uma
perspectiva pós-moderna de dúvida quanto à existência contemporânea das classes
sociais, em particular da classe operária, pretendendo ampliar e transformar os
termos de uma "linguagem da economia política e da luta de classes", (MCLAREN,
1993, p.25), sucumbe, tal como os movimentos de contracultura dos anos 60, ante
forças conservadoras muito mais organizadas e poderosas.

Ao assumir postulações que consideram o “público” ou o “nacional” como


metafísicas metanarrativas, o discurso localista questiona os postulados
fundacionais da educação estatal (KIZILTAN, BAIN, CAÑIZARES, 1993), como se
esta última viesse a ser unicamente um dos modos através dos quais o Estado vem
210

a construir, transcendentalmente, suas verdades, impondo-as aos cidadãos que lhe


estão submetidos. Similarmente, a construção de projetos de hegemonia a partir de
perspectivas dos subalternos vem a ser entendida como um ardil levado a cabo por
equívocas estratégias da esquerda “tradicional”. Em sociedades como a brasileira,
as proposições pedagógicas multiculturalistas, exceto quando recuperam de modo
algo velado os mitos da democracia racial, tendem a se afastar complemente de
temáticas políticas ainda primordiais como a “nacional”. Secundarizam-se, assim, a
importância das alianças entre os principais agentes sociais não situados no núcleo
do bloco no poder, a fim de que se viabilize a universalização, de fato, do direito à
igualdade política, aprofundando a democratização da sociedade brasileira. Alianças
ainda mais importantes no momento em que os socialmente dominantes optam por
formas mais aparentemente sofisticadas de promoção da cultura da excludência e
da naturalização da desigualdade.

É também de pouca valia, empreender o discurso em prol do acesso ao


conhecimento escolar pelos dominados e manter erguida uma muralha de silêncio
em torno ao cartorialismo escolar brasileiro e das formas canhestras de
meritocratismo que o acompanham, amplamente disseminadas entre as classes
subalternas, que tem na obtenção da titulação a realização dos seus interesses
escolares mais imediatos. Permanece vigorosa a compreensão de que as titulações
escolares legitimam as posições de poder no campo social e possibilitam o
tratamento diferenciado que lhes é adscrito. Como os hierarquicamente inferiores,
muito sabiamente nunca esquecem, ainda que venham ter suas ambições quase
sempre frustadas, a escolaridade, antes de ser uma via de acesso ao conhecimento,
é símbolo de distinção social, especialmente numa sociedade onde não é
plenamente dominante a lógica burguesa do trabalho e do mérito.

Neste sentido, o nosso cartorialismo escolar não pode ser objeto apenas de
uma crítica moral, comum entre aqueles que ao criticá-lo, aspiram ainda mais limitar
as possibilidades democráticas de acesso à escola e permanência em seu interior.
Criticá-lo eficazmente, de uma perspectiva não-conservadora, exige a compreensão
das relações entre a escola e “questão nacional”, das relações da primeira com
formas possíveis de construção de um projeto de hegemonia e não de revitalização
da dominação passiva, de “transformismo” dos dominados.
211

A esquerda brasileira, em suas diferentes facetas, procurou elevar, por


décadas, a educação à condição de problema estratégico da luta política. No
entanto, exceto em momentos de maior exacerbação das contradições sociais, não
teve sucesso em seus objetivos visto o campo educacional ter perdido a sua
condição estratégica para o desenvolvimento econômico, uma vez que o processo
de “modernização conservadora” da sociedade brasileira não se conduziu no
sentido da constituição de uma “nação autônoma”, imputando, então, à educação
escolar o cumprimento de um papel, dominantemente, credencialista.

Como assinalou o próprio Florestam Fernandes, comparando a discussão da


Lei de Diretrizes e Bases ao findar da década de cinqüenta, em meio ao debate
sobre “as reformas de base”, com o recente processo de elaboração de uma nova
LDB, a ação do Estado na educação, ao inverso dos dias atuais , era tema
privilegiado na agenda política brasileira: "Havia então um empenho muito grande
por parte de diversos segmentos sociais organizados (partidos políticos,
associações religiosas, de classe...) em defender a democratização da escola e a
liberdade de ensino. Havia a compreensão de que era dever do governo investir na
educação. Hoje vemos um quadro distinto" o esforço organizado de defesa da
escola pública‚ mantido pela luta dos próprios professores e especialistas em
educação, ou seja, o Fórum de Debate hoje limita-se às associações docentes e
demais entidades da área educacional, tanto no plano nacional, quanto estadual e
municipal. É preciso romper este isolamento relativo, para que se obtenha uma
plena vitalidade para exercer uma influência inovadora e construtiva em toda a
comunidade e sociedade nacional. Os setores mais marginalizados, os
trabalhadores, os setores médios, precisam não só ter uma consciência mais clara
da importância da educação para eles, mas principalmente precisam acordar para a
necessidade de uma revolução educacional". (FERNANDES, 1992, p.44)

Uma reversão radical desta situação exige romper com formas de luta que
levam ao isolamento político, sempre destinado a ser derrotado. No campo
educacional isto somente será possível se houver uma conjugação de forças
sociais, portadoras de objetivos políticos nacionais, que tenham superado a lógica
cartorial, herança jesuítica que percorre toda a história de nossas instituições
escolares e que nem ao menos permitiu a concretização plena da lógica
212

meritocrática que presidiu, nas sociedades capitalistas avançadas, a constituição


dos sistemas modernos de escolarização de massa.

Embora não se possa a desconsiderar a importância da defesa dos


interesses dos professores, pois a luta por uma nova reordenação do campo
educacional deve priorizar a constituição de uma aliança com o magistério, ainda
que de modo algum nesta se esgote, a responsabilidade política pela superação da
crise educacional brasileira é dos trabalhadores.

Todavia, dada a cultura escolar cartorial, os efeitos políticos das lutas


populares pela escolarização sobre o magistério não tem sido, suficientemente
fortes para promover transformações mais imperiosas entre os professores,
perpetuando mentalidades conservadores e antipopulares. Estes últimos não se
encontram prontos ou dispostos a empreender uma luta de longa duração pela
democratização do processo de escolarização e do próprio campo educacional, que
somente será possível pela intervenção ativa dos subalternos em aliança com forças
políticas de centro. Intervenção que para ser eficaz implicará, necessariamente, na
restruturação das práticas institucionais do aparelho escolar e da própria posição e
habitus dos educadores.

No curso da segunda metade dos anos noventa, salvo por efeito de dificílima
constituição de composições entre forças políticas situadas à esquerda e ao centro,
talvez capazes de provocar alterações significativas nas relações de poder do
campo político, promovendo, à medida em que se façam dominantes no aparelho de
Estado, um outro tipo de projeto de desenvolvimento econômico, mais autônomo
frente às determinações externas e socialmente menos excludente, a tendência no
campo educacional é a configuração de um longo período de resistência a um
empobrecimento do magistério ainda mais acentuado.

Até que forças sociais, hoje politicamente subalternizadas, voltem a


transformar a questão educacional em uma questão estratégica, tanto para a defesa
de seus próprios interesses como para a realização de um projeto de
desenvolvimento nacional que articule o crescimento econômico, equidade social e
democracia política, os professores brasileiros continuarão vivenciando o seu “mal-
estar docente”.
213

NOTAS

(80) Incompetência por ter permitido uma oferta indiscriminada de cursos


preparatórios para o magistério, sem a contrapartida de uma formação de razoável
qualidade dos seus quadros. Segundo dados do MEC (BRASIL, 1996), o número de
matrículas nos cursos de formação de professores para as primeiras séries do I
Grau, somente no período 1989-1994, teria passado de 488.357 para 766.188,
numa variação de 56,9%. Autoritarismo político por sua tradição, manifesta de modo
todo especial durante as ditaduras de 37-45 e 64-84, quando o objetivo de eliminar a
todo custo focos de resistência democrática e insurgência antiditatorial nas
instituições de ensino, terminou por desmantelar diversos projetos de excelência
escolar. (CUNHA e GÓES, 1991; FÁVERO, 1989, CORRÊA e MASSON, 1995)
Descaso quando teria permitido uma violenta queda nas condições sócio-
econômicas, do magistério, produzindo uma desqualificação de tal ordem que tem
contribuído enormemente para a reprodução das reprovações e do
congestionamento das vagas escolares (RIBEIRO, 1993). Desse modo, criou-se a
contraface do mito do “tempo áureo” (os “anos dourados”) dos professores: a do
magistério, ser hoje, uma área profissional atraente apenas para jovens sem
maiores perspectivas de oportunidades no mercado de trabalho.

(81) Não houve, entre nós, nenhum tipo de experiência significativa de


escolarização similar à ocorrida nos países escandinavos ou na Inglaterra
seiscentista, quando menos do que uma imposição estatal, a escolarização, ainda
que restrita quase exclusivamente à alfabetização, era uma iniciativa promovida por
setores da sociedade civil.

(82) Desde ao menos a década de vinte, intelectuais brasileiros tomam por seu
objeto de interesse a educação, seja na tentativa de apreender o país (a construção
da nacionalidade brasileira e/ou as possibilidades de desenvolvimento econômico) a
partir de temáticas educacionais, seja posteriormente por “opção” profissional. De
uma ou outra forma, a escola é sempre definida por esses intelectuais, como sendo
uma instituição estratégica, visto exercer, obrigatoriamente, um papel de ordem
"civilizatório", de impor, sobre a população, as marcas culturais da civilização
burguesa. No entanto, geralmente, a defesa da universalização da escolarização
não foi articulada, por esses intelectuais (salvo exceções raras como, por exemplo,
Paulo Freire) a outros aspectos das lutas pela democratização da sociedade
214

brasileira, os quais abrangeriam interesses mais imediatos das classes subalternas


como, por exemplo, a questão da reforma da estrutura fundiária, da qual não se
encontra a menor referência neste símbolo histórico da luta pela reforma
educacional democrática brasileira que foi o “Manifesto dos Pioneiros”.

(83) Ao fazermos menção a uma burocracia educacional não estamos nos referindo
apenas aos quadros técnicos diretamente envolvidos na gestão dos assuntos
educacionais, mas sim a um amplo conjunto de intelectuais onde se incluem
também os professores das principais universidades brasileiras. Os membros desta
burocracia, disputando posições de prestígio no campo educacional, atuam como
executores, assessores, consultores, contribuindo, direta ou indiretamente, para a
formulação de políticas educacionais. Uma das pretensões infrutíferas desta
burocracia foi tentar estabelecer uma autonomia frente às forças políticas detentoras
de posições de mando real no aparelho estatal, as quais tendem a fazer dos postos
educacionais, exceto em momentos de intensificação dos conflitos sociais, um
objeto das barganhas políticas menores.

(84) Mesmo que de maneira dispersa e fragmentada, os professores brasileiros -


desde a criação das primeiras escolas normais no século XIX - sempre se
posicionaram a favor do controle autônomo de seu trabalho e contra a intervenção
direta de outros agentes sociais na escola. Ao mesmo tempo, vem historicamente
defendendo, com maior ou menor ardor e tão jacobinamente como outras camadas
da pequena burguesia, a necessidade da ampliação da escolarização e da
legitimação de suas atividades. Neste sentido, embora se refiram ao contexto
português, as observações de Nóvoa podem também ser aplicadas à sociedade
brasileira: "Os docentes não vão somente responder a uma necessidade social de
educação, mas também criá-la. A grande operação histórica da escolarização não
teria jamais sido possível sem a conjugação de diversos fatores de ordem
econômica e social; mas é preciso não esquecer que os agentes deste
empreendimento foram os docentes (Nóvoa, 1991, p.123).

(85) Expressa nas polêmicas sobre o emprego das verbas públicas e sobre o papel
e grau de presença do Estado na oferta da educação escolar.

(86) Expressa na discussão sobre a cargo de qual poder público, de fato, se


responsabilizaria pela gestão das redes escolares e as formas através das quais
esta se realizaria.
215

(87) Nas últimas décadas esta antinomia se apresentou sob a forma das polêmicas
entre tecnicismo pedagógico ou conscientização pedagógica, como pode ser
depreendido das observações de Gadotti (1990).

(88): Toda a obra de Anísio Teixeira é um verdadeiro libelo pela descentralização


administrativa do ensino no Brasil, considerada um ponto vital para que ocorresse
uma verdadeira democratização do acesso à escola.

(89): As atuais propostas de descentralização administrativa, de “municipalização do


ensino”, tem levado a um constante confronto entre dirigentes governamentais,
representações comunitárias e representações sindicais de professores, como
assinalou Barreto (1989).

(90) Segundo dados do MEC, em 1991 foram realizadas 16.716.274 matrículas


iniciais no ensino fundamental em estabelecimentos de ensino integrantes de redes
públicas estaduais contra 8.773.902 em estabelecimentos de redes públicas
municipais, ainda que, o número de estabelecimentos de todas as redes públicas
municipais fosse de 138.840 e o das redes públicas estaduais de 46.390.

(91) embora as escolas operárias dirigidas por educadores anarquistas fossem


custeadas por particulares, tais contribuições tinham o caráter de colaborações para
a manutenção das escolas cujas atividades, por princípio, não objetivam nunca o
auferir de lucros (CARONE, 1979).

(92) Esta idealização, além de produzir um efeito de ocultamento das origens sociais
da grande maioria dos professores - em especial dos denominados “leigos” (não
habilitados) - universaliza para todos os professores, situações salariais
regionalmente circunscritas, como as do Rio de Janeiro, São Paulo e outras capitais
dos Estados brasileiros, mesmo de Estados de menor dimensão econômica, como
Goiás, conforme apontado por Brzezinski (1987). As condições desses professores
eram muito diferentes daquelas do magistério que lecionava em pequenos
municípios, sobretudo em áreas rurais. Lembremo-nos que a questão da
remuneração insuficiente do magistério é tema recorrente ao longo de todo o atual
século, como assinalou Werebe (1970) em seu clássico trabalho sobre as condições
do ensino brasileiro.

(93) As classes médias tiveram um posicionamento ambíguo em relação as políticas


desenvolvimentistas propiciadas pelo populismo, ora apoiando-as, por permitirem
216

um maior incremento em sua capacidade de consumo, ora questionando-as, por


considerarem uma ameaça aos seus interesses as reivindicações populares,
(especialmente as operárias) e o processo inflacionário concomitante ao
desenvolvimento industrial. Estas classes foram, como é univocamente reconhecido,
parcela importante das bases eleitorais de políticos conservadores. Este
comportamento ambíguo permitiu que boa parte do professorado viesse a se
considerar representado, enquanto camada integrante da pequena burguesia, na
figura de políticos direitistas como Carlos Lacerda, Ademar de Barros ou Jânio
Quadros, cujos discursos educacionais circunscreviam-se no ideário de um modelo
pedagógico conservador e em essência elitista, exemplificado sob forma
“acadêmica” em obras como as de Mello (1986) e Reis (1965), que sempre
acenavam para o possível poder da educação como um elemento capaz de, por si
só, propulsionar o desenvolvimento econômico, a democracia, a unidade nacional,
enfim o papel e poder da cultura do “espírito” na direção política e intelectual da
nação.

(94) Exemplifica esta idealização a que nos referimos a fala da professora Sílvia
Celeste Barbosa, no I Seminário de Educação promovido pelo Sindicato dos
Professores do Município do Rio de Janeiro (Sindicato, 1990, p. 61).

(95) As pressões por escolarização estão traduzidas nas mudanças dos níveis de
escolaridade da população brasileira, conforme o gráfico a seguir:
217

População brasileira por nível de escolaridade entre 1960-1990

Analfabetos I Grau (1ª/4ª) I Grau (5ª/8ª) 2º Grau Superior

1960 46% (1ºSegmento)


41% (2ºSegmento)
10% 2% 1%

1970 42%/ 40% 12% 4% 2%

1980 33% 41% 14% 7% 5%

1990 22% 38% 38% 13% 8%

Fonte: MEC

(96) Ocorridas quatro anos após o golpe, as mobilizações estudantis e populares de


1968, às quais se somam as greves operárias de Contagem e Osasco, não se
configuraram como ações políticas capazes de derrotar a ditadura. Ao contrário,
podemos dizer que em parte - de modo especial as manifestações estudantis - eram
expressão de antigas demandas sociais ou reações defensivas, ante um inimigo que
se mostrava suficientemente forte para contragolpear e impor as formas como
responderia às demandas sociais, entre elas, as educacionais.

(97) Contrariamente ao discurso oposicionista do findar dos anos sessenta,


predominante entre as várias organizações partidárias de esquerda, as reformas
educacionais promovidas pelos governos militares não objetivavam exclusivamente
reprimir e silenciar a universidade e o movimento estudantil, elas intencionavam
positivamente encontrar instrumentos “dentro da ordem” para materializarem
aspirações de ascensão social pela via escolar, sobretudo, mas não unicamente, de
camadas da pequena burguesia, as quais foram, não podemos nos esquecer, um
dos pilares políticos do golpe militar.

(98) Ao contrário de outros países, como a grande maioria dos europeus, no Brasil
não existem, hoje, formalmente redes diferenciadas de ensino destinadas ao “ensino
acadêmico” e ao “ensino profissionalizante”, com nítidas características de
discriminação por classe social. Entre nós, a segregação escolar, segundo o
pertencimento de classe dos estudantes, é realizada conforme o tipo de escola (se
pública ou particular) no qual estes ingressam.

(99) No ensino médio e no superior, a “moral e cívica” passava a ser denominada,


respectivamente, “organização social e política brasileira” e “estudos de problemas
brasileiros”. Por sutil ironia, o movimento estudantil ao principiar dos anos sessenta
tinha como proposta exatamente a criação de uma disciplina com a mesma
218

denominação - “estudos de problemas brasileiros”- que deveria também fazer parte


do currículo de todos os cursos universitários brasileiros.

(100) É interessante observar, conforme assinalou Cunha,(1991) que uma


determinada leitura sobre a reprodução das relações de classe nas instituições
escolares, realizada em grande parte pela esquerda católica, favoreceu a proposta
de substituição do professor formalmente formado pelo professor comunitário leigo,
considerando que este último estaria mais ideologicamente motivado para tarefas
pedagógicas em sua “comunidade” do que um professor comum.

(101) Neste sentido, a proposta do “Grupo de Trabalho da Reforma Universitária”


bem como o ‘Plano Setorial de Educação e Cultura 1972-1974” (BRASIL, 1971)
indicavam como sendo uma das carreiras prioritárias para a aceleração do
desenvolvimento econômico nacional: o magistério, em especial o atuante no ensino
médio. Graças ao magistério do ensino médio haveria uma boa formação de
técnicos, tornando este nível de ensino o local apropriado para os que não fossem -
por evidentes razões de origem de classe, diga-se de passagem - considerados
capazes de ingressar no ensino superior impedindo ou minimizando assim o fluxo
em direção à universidade (GERMANO, 1994).

(102) Segundo Germano (1994), no período compreendido entre 1973 e 1983,


negando toda a retórica da qualificação do magistério dos governos militares, houve
o aumento em 5,4% do número de professores leigos. Em 1994, 21,3% do
magistério atuante no ensino fundamental não estava devidamente habilitado, ou
seja, exerciam a docência aproximadamente 298 mil professores “leigos”.

(103) A parcela de renda dos 10% mais ricos entre 1972 e 1976, passou de 52,6%
para 50,1%, caindo em 1980 para 47,7%. A parcela dos 60% mais pobres passou
de 16,8%, em 1972, para 18,3%, em 1976, atingindo 19,6% em 1980. Com a
recessão econômica que percorre toda a década de oitenta, esta tendência muito
gradual é revertida, voltando-se a intensificar o processo concentracionista,
elevando-se a parcela de renda dos 10% mais ricos e reduzindo-se a parcela dos
60% mais pobres que, já em 1983, retorna a 17,7%.

(104) Embora, inclusive nos períodos de maior repressão, tenham se destacado


alguns professores como expressão de resistência aos absurdos cometidos (no
caso do ensino de história em escolas do Rio de Janeiro, a figura do professor
219

Manoel Maurício de Albuquerque é exemplar), de modo geral, entre o findar da


década de sessenta até meados dos anos setenta - o chamado período do “milagre”
- não ocorreram manifestações mais significativas de oposição às diretrizes do
regime ditatorial. Somente a partir da segunda metade da década de setenta que a
insatisfação entre os professores começa a ser maior, acompanhando uma
tendência geral em quase todas as camadas da pequena burguesia.

(105) Apreensões simplistas sobre a difusão do tecnicismo pedagógico nas escolas


brasileiras terminam por considerarem-na, ora resultante de uma imposição
arbitrária da ditadura, ora decorrência natural da “hegemonia pedagógica” da
“escola nova” no Brasil (HYPÓLITO, 1991) (SAVIANI, 1991), sobrelevando o poder
da burocracia educacional no estabelecimento efetivo de comportamentos
escolares. É exemplar, neste sentido, o caso do execrado teste de múltipla escolha,
verdadeiro símbolo do tecnicismo pedagógico. Este tipo de teste teve seu uso
generalizado entre os professores, que, em todos os níveis de ensino, pouco
resistiram ao seu emprego, pois tal “instrumento pedagógico”, muito menos que
qualquer tipo de preparação propedêutica para os exames vestibulares, significava
realmente um menor dispêndio de energia na correção de provas e testes. Por outro
lado, a descrição dos “objetivos pedagógicos”, penoso ato burocrático realizado ao
início dos anos escolares, embora imposta pelos tecnocratas da pedagogia, sempre
foi, de alguma forma, contestada pelos professores.

(106) O chamado processo de “redemocratização” produziu efeitos consideráveis no


número de matrículas nas redes de ensino. Se no ensino fundamental, em 1960, as
escolas particulares eram responsáveis por 16,8% das matrículas existentes e as
escolas públicas por 83,2%, em 1991, o índice de matrículas nas escolas
particulares caiu para 12,4% e cresceu para 87,6% o das escolas públicas. No
ensino médio, o índice de alunos matriculados em escolas particulares cai de 43,5%
em 1971 para 20,8% em 1994. O número de matrículas passou de 1.119.421 em
1971 para 5.073.307 em 1994, sendo, no período entre 1971-1994, o crescimento
percentual de matrículas nas redes públicas de 635,37% e o crescimento percentual
do total de matrículas, independentes dos vínculos administrativos das redes, entre
1971-1994 de 453,2 %. O número de escolas de ensino fundamental passou de
aproximadamente 155 mil em 1970, quando havia então uma população escolar
entre 7 e 14 anos da ordem de 19,700 milhões, para aproximadamente 194.500 em
220

1994, quando a população escolar entre 7 e 14 anos era da ordem de 27,470


milhões. No ensino médio, o número de escolas passou de 5.307 em 1972 para
14.742 em 1994, sendo este crescimento decorrente do aumento das redes
estaduais. Em 1994, 61,2% das escolas de segundo grau são administradas pelos
governos estaduais. Entretanto, o aumento da escolarização da população brasileira
se fez mediado pelos efeitos das relações de gênero e etnia, geradoras de
desigualdades sociais, como mostram os quadros abaixo:

Média de anos de escolaridade segundo gênero no Brasil entre 1960-1990

1960 1970 1980 1990

HOMENS 2,4 2,6 3,9 5,1

MULHERES 1,9 2,2 3,5 4,9

Fonte: MEC

Média de anos de escolaridade segundo cor no Brasil entre 1960-1990

1960 1970 1980 1990

AMARELOS 2,9 * 6,4 8,6

BRANCOS 2,7 * 4,5 5,9

PARDOS 1,1 * 2,4 3,6

PRETOS 0,9 * 2,1 3,3

FONTE: MEC e IBGE


(*) Não constam dados referentes a 1970
(**) Tanto o MEC como o IBGE não apresentam em seus documentos uma clara definição do que
vem a ser designado como “amarelo”.
Igualmente as desigualdades regionais determinam situações escolares bastante
diferenciadas. Por exemplo, a região sul tem cerca de 14% do total de crianças de
todo o país matriculadas no ensino fundamental e na região sudeste estão
matriculados 51,1% dos alunos do ensino médio.

(107) O crescimento percentual do número de professores no ensino fundamental,


independente de vínculos administrativos, entre 1970-1991 é da ordem de 121,64%,
sendo que entre 1980-1991 este índice é de 46,55%. Especificamente no setor
221

público o crescimento foi de 48,26%. Já no ensino médio o número de professores


passa de 123.136 em 1971 para 320.050 em 1994, sendo praticamente
quadruplicado nas redes estaduais, onde o quantitativo de professores eleva-se de
57.234 em 1971 para 204.556 em 1994.

(108) O ensino médio que apresentou um significativo percentual de crescimento é,


no entanto, considerado como encontrando-se em situação lastimável, sendo objeto
de denúncias pela imprensa brasileira. Tais denúncias geralmente assumem um tom
algo alarmista mas, é bom que se frise, não fazem maiores diferenciações sobre o
pertencimento de classe dos estudantes, como exemplifica a reportagem: "MEC
conclui que 2º grau é trágico” (Jornal do Brasil, 26/11/96, p.9).

(109) A crescente “despreocupação” com a qualidade do ensino a partir de 1964,


excetuando-se manifestações esporádicas e isoladas, se traduz na fraca a pressão
da clientela escolar e no predomínio de uma concepção que restritivamente
considera como boa aquela capaz de possibilitar um diploma e que possui
condições físicas razoáveis de abrigo para os seus alunos. A indiferença da
população permitiu que se “naturalizasse” o oferecimento de um ensino de discutível
qualidade nas redes públicas de primeiro e segundo graus e o concomitante
empobrecimento contínuo dos professores. Conforme assinala Oliveira “nos anos
gloriosos do milagre, quando se pensava que só o crescimento do salário real era
suficiente para redistribuir renda, a classe média abandonou o ensino público.
Quando os salários da classe média se deterioraram, ela quis voltar para a escola
pública, mas esta estava liquidada” (1997, p.49), somente restando as escolas
particulares de qualidade pedagógica discutível, as quais cresceram à sombra da
crise do ensino público. Deste modo, produziu-se uma esdrúxula situação,
caracterizada por um conjunto de desencontros e conflitos latentes, em que os
explorados terminam sempre por favorecer de algum modo os que os exploram: a
clientela escolar (estudantes e seus pais) reclama das altas mensalidades mas não
defende objetivamente as reivindicações dos professores porque teme que os
aumentos salariais sejam repassados para si, silenciando sobre o declínio salarial
dos professores; estes denunciam a exploração que sofrem mas também não
podem se colocar claramente favoráveis à redução das mensalidades porque delas
provém os seus salários, aliando-se mesmo que forçosamente àqueles que
exploram sua força de trabalho, os empresários do ensino.
222

(110) Como salientamos no capítulo anterior, este tipo de proposição veio a se


transformar numa sofisticada tentativa de criar uma base de apoio no magistério a
partir da defesa, sob verniz levemente esquerdista, do retorno da autoridade
institucional do professor na escola, abalada pelo tecnicismo que tinha deslocada
esta autoridade para os chamados “especialistas de educação”. Isto foi feito pela
legitimação das relações assimétricas, portanto, autoritárias entre professores e
alunos, pela centralização do processo pedagógico no professor. Contudo, a
“revalorização do professor competente” não resistiu a manutenção dos baixos
salários de uma década de recessão, inviabilizando a consolidação da aliança
referida. Tal situação possibilitou à tecnocracia renovada dos órgãos educacionais
propagar a inexistência de uma relação direta entre a resolução dos problemas
educacionais e elevação dos salários do magistério e, deste modo, se contrapor às
palavras de ordem dos sindicatos de professores, que orbitavam em torno do
slogan; “mais salário, melhor ensino”

(111) Ao contrário do que, erroneamente, Weber (1996) afirma, na história recente


do sindicalismo de professores - públicos ou particulares - as “questões
pedagógicas” são uma temática constante de discussão (MASSON,1989;
SINDICATO,1989), não sendo, portanto, uma conseqüência do Plano Decenal de
Educação proposto pelo governo brasileiro. Por outro lado, é interessante sublinhar
que, sintomaticamente, se passa, quase sempre, pela questão dos salários dos
professores tal como um gato por brasas, pois se é reconhecida a insuficiência dos
mesmos e o quanto isto é um problema fundamental para o equacionar das demais
questões educacionais, de imediato, o tema é posto ao largo e passa-se a discutir
estas outras questões, como se houvesse um reconhecimento tácito da
impossibilidade de tal problema ser resolvido, sem que se procurasse apreender os
determinantes dos baixos salários.

(112) Ambivalências semelhantes também são percebidas no governo Itamar


Franco, dada uma certa indefinição sobre quais segmentos no bloco no poder
estabeleciam os rumos políticos a serem seguidos, possibilitando uma maior grau
de intervenção da sociedade civil sobre as decisões governamentais.

(113) É importante ressaltar que os dois mais expressivos partidos brasileiros de


esquerda dos anos oitenta/noventa, o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido
Democrático Trabalhista (PDT) embora situassem a educação como um dos temas
223

centrais de seu discurso político e apesar de suas iniciativas administrativas


inovadoras quanto à educação escolar, não conseguiram, mesmo entre seus
militantes, superar um efeito nefasto do próprio cartorialismo educacional brasileiro,
obstaculizador de um projeto hegemônico: o de que, fundamentalmente, a educação
é um assunto restrito a educadores.

(114) O projeto aprovado pelo Congresso se contrapunha a outro que era resultante
da discussão intermitente, desde o processo elaboração da carta constitucional de
1988, entre um conjunto de entidades representativas de educadores de todo o
país, reunidos no “Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública na LDB” e destes
com parlamentares brasileiros eleitos pelos mais diversos partidos, chegando a ser,
com várias emendas, aprovado na Câmara dos Deputados em 13 de maio de 1993.

(115) Entre as medidas referentes à esfera educacional tomadas pelos governos


brasileiros no decorrer dos anos noventa e que afetam, direta ou indiretamente, o
magistério podemos citar: 1) O “Pacto pela Valorização do Magistério e Qualidade
da Educação”, que foi também assinado por representantes do Conselho de
Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB); do Conselho de Secretários de
Educação e Desporto, da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
(UNDIME); do Fórum dos Conselhos Estaduais de Educação e da Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE, ex-Confederação dos
Professores do Brasil), observe-se que a assinatura do Pacto por parte da CNTE foi
duramente criticada por outras entidades sindicais de professores como a ANDES-
Sindicato Nacional, que tradicionalmente representa o magistério universitário, em
especial, o das instituições públicas. 2) A Extinção do Conselho Federal de
Educação e a criação do Conselho Nacional de Educação. 3) O Plano Nacional de
Educação, em decorrência da assinatura brasileira do compromisso de promover e
assegurar à toda população o direito à educação fundamental, em março de 1990
na Conferência da UNESCO "Educação para Todos" em Jontien, Tailândia. 4)
Compromisso Nacional da Educação para Todos. 5) A criação, pela Lei 9424/96 do
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério. 6) As propostas sobre a definição de “parâmetros curriculares
nacionais”. 7) O estabelecimento de processos nacionais de avaliação de
instituições de ensino superior, entre eles o exame nacional de recém-graduados 8)
224

As propostas sobre a autonomia universitária e a legislação sobre dirigentes


universitários.

(116) É bastante significativo que, de modo inverso ao momento de reorganização


do sindicalismo docente, a adesão às greves, nos últimos anos, especialmente nas
redes públicas, se caracterize, muito mais, por uma atitude passiva e fortemente
individualista, expressa pelo não comparecimento a assembléias, reuniões ou outras
atividades previstas. Boa parte dos professores agem como se o período de
paralisação das atividades fosse uma espécie de feriado escolar prolongado.

(117) Exemplificando esta “mudança de identidade”, em 1989, a Confederação dos


Professores do Brasil (CPB), que congrega sindicatos do magistério público dos
ensinos fundamental e médio de todos os estados brasileiros, transformou-se em
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), passando a
representar também os funcionários não-docentes de escolas públicas. Devemos
observar, por outro lado, que a problemática da identidade do magistério está
sempre relacionada a formas de concretização da distinção social. Se, décadas
atrás, a formação de associações de licenciados foi uma tentativa de buscar a
promoção profissional num contexto de expansão do ensino médio, distinguindo-se
os habilitados dos não-habilitados, hoje a presença de um sindicato exclusivo de
professores universitários expressaria, apesar de seu discurso oficial em prol da
educação pública, uma vontade de impedir a concretização no ensino universitário
de processos já ocorridos em outros setores do magistério. É significativo que os
professores universitários, setor do magistério de mais recente inserção em um
processo de representação sindical, se organize em uma entidade sindical que
optou por denominar-se sindicato de “docentes” e não de “professores” ou
“trabalhadores da educação”, advogando a existência de uma identidade própria
para membros do magistério que trabalham no ensino superior, ainda que este
mesmo sindicato esteja filiado a uma central sindical (a Central Única dos
Trabalhadores - CUT) onde é integrante do Departamento Nacional dos
Trabalhadores em Educação. Uma síntese das diferenças sobre tendências de
organização sindical do magistério, encontra-se em Rizzo (1993).

(118) Como anteriormente assinalamos, quando atentamos para aquela que é, ao


lado de questões como a salarial, uma das reivindicações mais afirmadas pelas
direções sindicais do magistério: a transformação das formas de gestão escolar,
225

onde esteja assegurada a participação de representantes da "comunidade" de


usuários (a clientela escolar) na elaboração e gestão das políticas educacionais,
podemos observar a presença, contrariando a possível transformação dos
professores em “intelectuais orgânicos” dos trabalhadores, de um sentimento de
receio quanto a esta participação, especialmente no que diz respeito ao poder
decisório da clientela escolar. Em geral, os professores esperam, muito mais um
apoio incondicional às suas posições do que propriamente uma intervenção política
autônoma da clientela escolar (REIS,1995).

(119) É conhecida a crítica aos investimentos de recursos na ampliação física das


redes públicas de ensino, mediante a da construção de escolas. Para estes críticos,
a sociedade brasileira já teria praticamente assegurado o acesso à escolar à toda
população em idade escolar (7 a 14 anos), não havendo mais porque então
construir novos prédios escolares.

(120) Situações desta natureza foram vividas por boa parte do magistério, inclusive
o das redes públicas, durante a ditadura militar quando a violação das leis
trabalhistas era praticamente impune.

(121) O discurso neoconservador da flexibilização das relações de trabalho busca


cooptar os trabalhadores, afirmando que os mais capazes, os mais diligentes, em
outras palavras os “melhores profissionais” serão mais bem recompensados
salarialmente, conforme a lógica meritocrática. Contudo, em campos como o
educacional, onde os seus integrantes possuem uma história de fragilidade política
e organizacional, as práticas neoconservadoras tendem a significar muito mais uma
ainda maior redução da capacidade dos professores oporem resistência ao seu
empobrecimento.

(122) A qualidade da educação é assinalada enfaticamente em todas as


formulações neoconservadoras, no entanto, omite-se um problema central: o que
seria um ensino de qualidade, segundo os diversos interesses de classe hoje na
sociedade brasileira? Sem tal discussão, propor um ensino de qualidade, nada mais
do que é repetir a cantilena da harmonia entre as classes.
226

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