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RIO DE JANEIRO/1997
MASSON, MÁXIMO AUGUSTO CAMPOS MASSON
Capítulo Página
I.INTRODUÇÃO 01
II.SOCIEDADES MODERNAS, SOCIEDADES ESCOLARES 07
A formação dos sistemas estatais de ensino 08
Estado, escolarização e individuação 26
Notas 45
III.EDUCAÇÃO ESCOLAR COMO NECESSIDADE E DIREITO:
“ESCOLA DE MASSA”, “ESCOLA NACIONAL’ 50
A formação dos sistemas estatais escolares 55
Escola de massas e educação do povo 75
Notas 88
IV. CAMPO CATEGORIA EXPLICATIVA DO SOCIAL 91
Notas 115
V. CONTROVÉRSIAS DA “PROLETARIZAÇÃO DOCENTE” 117
Determinantes do enfoque da “proletarização” 119
A ocorrência do “mal-estar” docente 125
A perda do controle do processo de trabalho docente 128
A massificação e a desqualificação do trabalho docente como
trabalho intelectual 131
O Magistério: profissão ou semi -profissão 133
Feminização: condição da “proletarização” 137
A sindicalização do magistério e uma “nova” identidade” social
dos professores 142
Empobrecimento, mas não proletarização 146
Sindicalização não significa proletarização 155
Notas 168
VI.O CAMPO EDUCACIONAL BRASILEIRO E OS
PROFESSORES 181
Nação e campo educacional 182
A Constituição do campo educacional brasileiro 192
As lutas sindicais recentes dos professores brasileiros
e o empobrecimento do magistério 198
A tendência do campo educacional: a permanência do
empobrecimento dos professores 206
Notas 213
BIBLIOGRAFIA 227
12
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO
Entre o findar dos anos setenta e princípios dos oitenta, os debates no campo
educacional, sobretudo aqueles ocorridos no interior de programas de pós-
graduação ou em outros espaços institucionais de pesquisa, registraram significativa
alteração do quadro escolar brasileiro, provocada pela presença de contingentes
numericamente ponderáveis de estudantes, aos quais, dada as suas origens
sociais, a escola vinha sendo historicamente negada. Estes estudantes vivenciam,
hoje, a contraditória situação de terem, ainda que com dificuldades, acesso à rede
escolar, mas não poderem concretamente nela permanecer, em virtude tanto por
não obterem um rendimento escolar mínimo, como por não apresentarem posturas
institucionais compatíveis aos padrões formalmente exigidos. Concomitantemente,
foram também assinalados os efeitos perversos dos processos de urbanização e
industrialização, geradores de significativa e acelerada concentração de riqueza, na
escolarização das classes subalternas. A responsabilidade por tal quadro foi
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CAPÍTULO II
SOCIEDADES MODERNAS, SOCIEDADES ESCOLARES
campo educacional - teriam sido, por essas razões, alçadas ao status de política
social.
4º) A identidade social definida a partir das relações com o trabalho, que no
caso dos trabalhadores estaria fundamentada sobre: a dependência para com o
salário; a subordinação ao controle organizado da administração; o risco comum do
desemprego; a participação do processo de homogeneização indireta do trabalho
em função do monopólio de representação exercido pelos sindicatos e, finalmente, o
partilhar do sentimento coletivo de orgulho quanto ao reconhecer-se como
trabalhador(3).
Estes pontos teriam perdido seu potencial determinador das relações sociais
uma vez que, agora, nas sociedades capitalistas avançadas, se vivenciaria uma
situação de descentralidade do trabalho, permitindo inclusive um processo de
desagregação da antiga classe operária e por decorrência dos sentimentos de
pertencimento de classe.
A atenção maior dada a estas variáveis vem a se ser, para Offe, um indício
bastante elucidativo das profundas e rápidas mudanças que estariam afetando o
mundo do trabalho; para outros tantos analistas isto seria um sinal revelador do pós-
modernismo. Essas mudanças explicitariam, primeiro, a elástica heterogeneidade
empírica do trabalho na realidade das sociedades capitalistas avançadas ou no
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Por outro lado, para Weber os velhos códigos de honra aristocrática estavam
sendo preservados e realçados, pois que, circunstancialmente, exerciam a condição
de mecanismos de distinção de classe e domínio político no âmbito de uma
sociedade onde, embora persistissem práticas patrimonialistas, estas já não eram
um sinônimo do modo de ser de uma classe detentora da supremacia política. O
caso dos junkers alemães do final do século XIX, é neste sentido exemplar: seus
códigos de honra seriam apenas uma falsa e pretensa capa escamoteadora da
defesa dos seus interesses de cunho muito mais materiais e construídos segundo
uma lógica capitalista, por essência racionalista, que se tornara dominante. O
aparente desvelo com a tradição esconderia o nascedouro da modernidade.
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acontecimento de âmbito cada vez mais individual e não coletivo. Neste ponto,
existe uma proximidade entre Durkheim e Weber, pois aquele ao sinalizar, com
preocupações bem distintas das weberianas, para o fato das corporações serem
sempre urbanas e de que o pertencimento obrigatório a uma delas, à moda de cargo
hereditário, foi permanente alvo de contestações por parte dos seus membros -
ingressava-se numa corporação, não nascia-se em seu interior - reafirma a
presença histórica de matizes ideológicos individualistas, caros ao espaço urbano
(DURKHEIM,1974).
Dividida entre uma moral passiva, niilista e o apego árduo a obras capazes de
propiciar alguma incerta esperança pessoal de salvação, a conduta humana
terminaria por se prescrever segundo uma relação meios/fins, visto que todo
elemento de ordem mágica, capaz de alterar as determinações de um plano
atemporalmente preestabelecido, tinha sido alijado do mundo, por ser, em essência,
demoníaco. Apesar de todas as preocupações cristãs voltarem-se, segundo seus
dogmas, para uma existência dominantemente espiritual, traduzida em sua
concepção particular de imortalidade, elas colaboraram singularmente para a
equalização das atividades mundanas e do estatuto dos seus realizadores. Por
contrapartida, como ressaltou Arendt, aqui novamente aproximando-se de Weber, o
cristianismo colaborou para a ordem moderna e a individuação, pois promoveu "um
aumento ainda maior da importância da vida na Terra. O que importa é que o
cristianismo... sempre insistiu em que a vida, embora não tivesse um fim definitivo,
tinha ainda um começo definitivo. A vida na Terra pode ser apenas o primeiro e mais
lastimoso estágio da vida eterna; ainda assim, é a vida e, sem essa vida que termina
com a morte, não pode haver vida eterna. Talvez resida aí o motivo para o fato
indubitável de que somente quando a imortalidade da vida individual passou a ser o
credo básico da humanidade ocidental, isto é, somente com o surgimento do
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abatem, pois em caso de infringir este tabu incorrem no risco de cair sob a maldição
(22)
do panema , perdendo toda a sua capacidade de exercerem a caça, o que os
obrigam a terem procedimentos assemelhados aos das mulheres. O não poder
comer a sua própria caça, bem como o seu sistema de circulação das mulheres que,
fundado na poliandria, impõe-lhes a compartilhação das mulheres, os conduz a uma
eterna dependência de seu grupo tribal, a não-individuação. Mas através do seu
canto, o caçador se contrapõe simbolicamente a esta dependência. O canto dos
homens guaquis, realizado quando os caçadores reúnem-se à volta de fogueiras, é
um ato voltado para si, pois é para si mesmo que ele canta: "de cabeça erguida e
corpo ereto, se exalta no seu canto. A voz é poderosa, quase brutal, simulando às
vezes irritação. Na extrema virilidade que o caçador investe em seu canto se
afirmam uma total certeza de si, um acordo consigo mesmo que nada pode
desmentir. A linguagem do canto masculino é aliás extremamente deformada. Na
medida em que sua improvisação se torna mais fácil e mais rica e em que as
palavras jorram por si mesmas, o caçador lhes impõe uma transformação tal que,
logo, se acreditaria escutar uma outra língua...Quanto à sua temática, ela consiste
essencialmente numa louvação enfática que o caçador endereça a si mesmo. O
conteúdo do discurso é com efeito estritamente pessoal e tudo se diz na primeira
pessoa. O homem fala quase que exclusivamente sobre suas aventuras de
caçador, sobre os animais que encontrou, as feridas que recebeu, sua habilidade
em manejar a flecha...E freqüentemente, como para marcar melhor a que ponto sua
glória é indiscutível, ele pontua a frase prolongando-a com um vigoroso Cho, cho,
cho: Eu, eu, eu" (CLASTRES, 1990, p.79). Como considera Clastres este canto
não é um distrair-se inocente e desinteressado, muito mais ele é o manifesto de
uma intenção: a da recusa - mesmo que momentânea e "exclusivamente" simbólica
- da sujeição à rede geral dos signos" (CLASTRES, 1990, p.87), de um social que
assegura o seu existir e o conserva, porém, ao mesmo tempo, o faz aprisionando-o,
marcando-o como submetido, como mencionou Marx, a uma fatalidade: a do agente
estar subordinado à produção social, que existe fora dele, não estando a ele
subordinado e que, por fim, termina por administrá-lo (MARX, s/d).
which moral egoism and social atomism were the dominant qualities. But whether
from the over-all point of fiew of progress or decline, there was a unanimity of
recognition that covered philosophers as different as Bentham, Coleridge,
Tocqueville, Marx, Spencer and Taine. Not the group but the individual was the
heir of historical development; not corporate of liturgical tradition but individual
reason. More and more, society could be seen as a vast, impersonal, almost
mechanical, aggregate of discrete voters, tradesmen, sollers, buyers, workers,
wokshipers: as, in short, separated units of a population rather than as parts of an
organic system." (NISBET, 1966, p.42). Como é praxe acontecer na esfera das
relações sociais, também o processo de individuação possibilitou e possibilita a
materialização de desdobramentos que se colocam muito além do explicitado ou
desejado pelos agentes que o vivenciaram ou estão ainda vivenciando-o. Como não
poderia ser distinto, também aspectos inimaginados podem ser apreendidos quando
nos voltamos para a dimensão das relações entre a afirmação da individuação e a
generalização da escolarização.
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NOTAS
(1) Para uma abordagem dos limites do exercício da cidadania segundo o
pensamento liberal e suas relações com a constituição de indivíduos livres e
proprietários na Europa Ocidental, veja-se Macpherson (1977) e Bobbio (1986).
(4) Este, como sempre lembra Offe, não é uma realidade natural, pois a força de
trabalho não pode ser pensada como uma mercadoria idêntica às demais, dado que
ela não é passível de materializar-se sob a forma de "trabalho morto" como todas as
demais.
(5) Não estamos aqui dizendo que a economia informal é sinônimo de terceirização,
mas sim que a sua recente intensificação possibilita e é alimentada pela
terceirização de atividades até então executadas no âmbito das empresas.
(6) Se tal situação não ocorre - com raríssimas exceções, cada vez mais parece ser
impossível a sua ocorrência - em sociedades como a brasileira, onde perduram
longas jornadas de trabalho, por outro lado é perceptível a força de outras
experiências sociais, como as religiosas, na configuração das identidades de
agentes sociais e de suas ações, particularmente nas esferas do trabalho e da
política.
(7) Se, no caso do Brasil, a valorização política dos sindicatos não faz propriamente
parte da cultura operária, dada em parte a particular história do sindicalismo
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(10) Para uma análise clássica do processo de busca e competição por titulações
escolares e suas relações com os processos seletivos de ingresso no mercado de
trabalho, veja-se Saint-Martin (1979) e para um estudo sobre tal situação em um
país latino-americano, veja-se Gentili (1994).
(12) É bem verdade que no percurso dos anos oitenta, houve uma reação no campo
das ciências sociais às análises privilegiadoras do peso constituinte das estruturas,
voltando-se para as possibilidades de ação transformadora dos agentes, por vezes,
inclusive, incorrendo-se num equívoco de direção idêntica mas sentido oposto: a
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(21) Para exemplo desta "autonomia" do agente social o trabalho sobre a sociedade
argelina de Bourdieu (1979) é de sensível importância.
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CAPÍTULO III
A EDUCAÇÃO ESCOLAR COMO NECESSIDADE E DIREITO: "ESCOLA
DE MASSAS", "ESCOLA NACIONAL"
Não queremos dizer com isto que a escola é uma instituição prioritariamente
constituída para o domínio de uma classe sobre outras, ou que venha a ser uma
"instituição totalitária", teses já tantas vezes criticadas, mas sim que ela, a escola, é,
em princípio, condição para a possibilidade de realização do que Gramsci
denominou de hegemonia, para diferenciar uma forma de dominação política do
puro exercício do domínio e, pelo emprego de uma exemplar linguagem metafórica,
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estabelecer uma distinção - não em aspecto geográfico, mas sim político - entre o
ocidente e o oriente (Gramsci, 1976; 1981). A hegemonia, tendencial característica
política das sociedades ocidentalizadas e modernas, exige a permanente
reconstrução da identidade dos indivíduos, identidade que, por estar sempre
inconclusa e fragilizar-se ante a irrupção de novas situações sociais, deve ter o seu
processo de produção diuturnamente recomeçado, mesmo que sob novas formas. E
em tal processo é significativo o agir escolar e, nele implícito, o proceder dos
professores.
capitalista. Argumenta Enguita que todo modo de produção sempre tem que
apresentar "algum processo preparatório para a integração nas relações sociais de
produção, e com freqüência, alguma outra instituição que não a própria produção
em que se efetuou esse processo" (ENGUITA, 1989, p.105). No modo de produção
capitalista caberia à escola cumprir este papel de instrumento de adequação das
novas gerações - universalmente transformadas em estudantes - aos modos de
vida próprios do capitalismo.
Aqui acreditamos estar o ponto mais frágil de Enguita e que não se trata da
secundarização, ainda que assinalada (decorrente tanto de uma incompatibilidade
entre anseios estudantis e as perspectivas futuras de trabalho, como também por
uma certa democratização, não bem explicada quanto aos seus determinantes, que
teria vindo a ocorrer nas instituições escolares) em suas análises, da possibilidade
de emergência, no interior das instituições educacionais, de rebeldia e oposição à
ordem, como exemplificam os movimentos estudantis, por meio da formulação de
discursos e da promoção de ações explícita e conscientemente contestatórias dos
mecanismos repressivos escolares, do seu meritocratismo competitivo, da sua
permanente responsabilização (auto-culpabilização) dos alunos pelo grau de
sucesso ou fracasso obtidos.
pelo fato de que, simplesmente, não lhes eram funcionalmente necessárias em seu
dia a dia.
Por outro lado - constituindo a segunda vertente - Petitat (1994,) observa que,
para os comerciantes, o domínio de habilidades como técnicas contábeis e outros
conhecimentos próprios ao desempenho das atividades comerciais exigia o
trabalhar com representações simbólicas e as linguagens a elas relacionadas. O
bom desempenho das atividades profissionais no campo do comércio tornava-se
mais facilmente alcançável se os aprendizes ou iniciantes já dominassem, ao menos
em parte, o código dessas representações. Isto demandava a existência de uma
preparação, anterior ao ingresso no processo de trabalho, que terminou por ficar a
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cargo das escolas urbanas: "Desde o princípio do século XIV, em Florença , e sem
dúvida também em outras cidades italianas de importância comercial, o ensino da
leitura e da escrita completa-se através de cursos comerciais. Estes cursos,
ministrados nas escolas de "ábaco", precedem a entrada de aprendizes no trabalho
junto aos mestres de ofício. Trata-se de uma escolarização parcial para a formação
de futuros balconistas, caixas, responsáveis por sucursais, banqueiros,
comerciantes, etc." (PETITAT,1994,p.57).
e unicamente dedicada ao ensino, sendo muito pouco utilizada a escrita como meio
de comunicação.
O viver nas cortes européias, que se formam nos séculos XVII e XVIII,
apresenta características que permite-nos realizar comparações com os
procedimentos próprios ao mercado econômico. Tal como o mercado, a corte era
um espaço de trocas, ainda que fossem políticos e simbólicos os bens ali
transacionados. O pré-requisito para participar de tal "sistema de trocas" vinha a ser
(31)
a posse de um determinado capital cultural , materializado em um dominar as
regras da sutileza política e dos comportamentos de bom tom, num jogo de
permanentes insinuações e dissimulações, que somente os possuidores de
(32)
suficiente autocontrole , estariam capacitados a jogá-lo, os demais terminariam
por serem naturalmente excluídos. E os colégios possibilitavam aos agraciados com
a fortuna de então, exatamente os fundamentos culturais necessários ao bem
proceder no mundo sofisticado da distinção cortesã.
A defesa dos colégios, enquanto o local correto para a preparação das futuras
elites e constituídos por um corpo de profissionais dedicados à educação, se fez na
crítica ao emprego, comum entre a nobreza e mimetizado pela alta burguesia, dos
preceptores particulares, tidos como mal-formados, desleixados nos seus afazeres e
quase sempre indulgentes com seus pupilos, tornando-os preguiçosos, ignorantes e
ingenuamente prepotentes. Ao contrário do ensino medieval, com o qual as relações
entre o preceptor e seu pupilo mais se assemelhavam, em que o mestre preparava
o estudante sem a preocupação com o tempo que este levaria para atingir a
qualificação exigida, no colégio seiscentista os estudantes (e conseqüentemente
também os professores) passavam em virtude de sua ordenação burocrática a
adequar-se a um período padronizado de aprendizagem, dentro do qual deveriam
demonstrar suas qualidades por meio do cumprimento satisfatório das exigências
estabelecidas pela instituição (os exames e os modos do seu comportamento), sob
pena de serem desqualificados por incompetência ou rebeldia. Nascia a escola
como instituição formadora e constituinte de indivíduos. Correlatamente debutavam
seus zelosos "discursos de verdade", seu saber institucional que mais tarde, quase
dois séculos depois, proclamará o seu sonho epistêmico: estatuir a cientificidade da
pedagogia, preceituar o objeto das "ciências da educação".
temor advindo com o crescimento das lutas de classe ao início da Idade Moderna.
Envoltos, sobretudo no processo da reforma protestante e contra-reforma católica,
os conflitos sociais dos séculos XVI e XVII intensificaram, ainda que restritamente,
a alfabetização, de modo particular entre as classes subalternas. O proselitismo
religioso protestante de seitas mais radicais, como os leverless ingleses ou os
anabatistas de Thomas Münzer, incentivara a tradução dos textos bíblicos para as
línguas nacionais européias, bem como a sua livre interpretação, o que seria
possível somente pelo domínio da leitura (HILL,1987; MANACORDA, 1989). Tal
situação, como tantas vezes já foi assinalado (FRAGO, 1993), parece explicar, por
exemplo, o aumento do número de alfabetizados na Inglaterra nos anos que se
seguem ao período elizabethano, dado que a propagação de propostas político-
religiosas radicais, contrárias ao status quo vigente, se ampliava à medida em que
as classes baixas, convertidas ao protestantismo de influência especialmente
calvinista ou wyclifiana, passavam a ler e/ou escrever.
Mas se temos que levar em conta os temores dos poderosos quanto aos
efeitos desestabilizadores da educação escolar dos pobres, não se pode esquecer
que foram, igualmente, as preocupações com as insurgências populares um dos
fatores manifestos como justificativa para a tendência à constituição dos sistemas
escolares estatais europeus, onde o poder público era responsabilizado pela
garantia da paz social.
Fosse pela sua própria ociosidade, fosse pela possibilidade, sempre muito
concreta, de tomarem o caminho da delinqüência ou, ainda pior, da sedição política,
as classes subalternas foram objeto, primeiro, de ações políticas típicas daquilo que
Foucault chamou o "grande enclausuramento" (FOUCAULT, 1974). Se o
recolhimento aos hospitais e asilos foi o destino de grande parte dos adultos
desviantes, as escolas foram apresentadas, de modo crescente nos séculos XVIII e
XIX, como solução para o enquadramento disciplinar das jovens gerações dos
subalternos empobrecidos, cujos parentes antepassados, de modo geral
camponeses ou ex-camponeses, viram-se, direta ou indiretamente, envolvidos nas
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Sabemos todos nós que esta igualdade era delineada de modo formal, ou
seja, existiria somente enquanto princípio político e moral. Todos poderiam ter
direito à propriedade, não havendo ninguém impedido legalmente de ter acesso à
esta e aos efeitos dela decorrentes. Porém, isto não significaria, em absoluto, que,
concretamente, todos viessem ser proprietários de fato. Certeza completa de
propriedade somente no tocante às potencialidades imanentes do corpo, ou seja, a
força de trabalho. Era esta a condição possibilitadora (a de ser proprietário) da
universalização do ingresso no mercado. Como é hoje reconhecido, o modo como
se desenvolvem as relações entre os agentes sociais no interior do mercado veio a
se constituir num padrão geral e universal, que passou a imiscuir-se em todas as
esferas sociais. Tal como foi, ironicamente, sublinhado por Marx, o mercado,
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abstratamente constituído por iguais, é: "um verdadeiro paraíso dos direitos inatos.
Só reinam aí liberdade, igualdade, propriedade e Bentham. Liberdade, pois o
comprador e o vendedor de uma mercadoria, a força de trabalho, por exemplo, são
determinados apenas pela sua vontade livre. Contratam como pessoas livres,
juridicamente iguais. O contrato é o resultado final, a expressão jurídica comum de
suas vontades. Igualdade, pois estabelecem relações mútuas apenas como
possuidores de mercadorias e trocam equivalente por equivalente. Propriedade, pois
cada um só dispõe do que é seu." (MARX, 1975, p.196).
NOTAS
(32) Para uma análise dos requisitos psicológicos e sociais para o viver nas cortes
européias, que relaciona estes requisitos à constituição do indivíduo moderno, veja-
se Elias (1993, v.2).
(34) Somente na França entre 1616 e 1647, segundo Porchnev, citado por Petitat
(1994, p.118), aconteceram mais de duzentos levantes urbanos.
CAPÍTULO IV
CAMPO: CATEGORIA EXPLICATIVA DO SOCIAL
conceitos produzidos: por Bourdieu, para objetivar uma teoria da prática social,
especialmente, além do de campo, os de espaço social, habitus e estratégia; por
Gramsci, para compreensão da ocorrência da hegemonia - e da contrahegemonia -
em sociedades "ocidentais"; por Foucault, para analisar a governamentabilidade e a
disciplinarização conformadora de todos os que nas e pelas instituições foram ou
são sujeitados. O emprego articulado das categorias de Gramsci e Foucault foi
formulada por Luz (1979) para proceder à investigação de instituições médicas (37). À
sua proposta, procuramos integrar as reflexões de Bourdieu.
objetivamente estruturantes do agir daqueles e que são, por sua vez, estruturas
subjetivamente estruturadas por este agir (BOURDIEU,1991).
simbólicas aos quais está objetivamente vinculado, uma leitura da realidade, a qual,
em princípio, deve vir a ser orientadora das práticas dos agentes.
realização dos seus objetivos "obriga" aos agentes sociais a procederem, ainda que
seja pequena a margem de autonomia, com maior liberdade ante as orientações
para a ação tradicionalmente transmitidas. Especialmente quando ocorrem
situações inéditas e inexistem formas historicamente legitimadas de ação,
intensificam-se, contrapondo-se ao que seria aparentemente um destino
estruturalmente determinado, as possibilidades de flexibilização do agir dos agentes,
"que embora, não sejam produto de uma aspiração consciente de fins
explicitamente colocados a partir de um conhecimento adequado das condições
objetivas, nem de uma determinação mecânica de causas, mostram-se
objetivamente ajustadas à situação" (BOURDIEU, 1989, p.23). Isto faz das práticas
sociais, sobretudo dos que possuem posições elevadas no campo, um exercício de
estratégias diuturnas para assegurar as suas posições (41) ou galgar outras ainda
mais elevadas.
lutas nos campos sociais. Qual não é a intenção de Gramsci em sua aparente crítica
burlesca do lorianismo, senão, primeiro, reafirmar como podem se encontrar,
subliminarmente presentes na constituição dos habitus dos homens, elementos de
enorme força que, à primeira impressão do observador, seriam incompatíveis e
chocar-se-iam com as formas reconhecidas como socialmente legítimas de
compreensão do mundo e do agir na sociedade. Estes elementos culturais não
imediatamente perceptíveis à consciência dos agentes, dado que o habitus é o
aprendido inconscientemente em meio aos efeitos das relações entre agentes
diferentemente posicionados nos campos sociais, longe de serem apenas
características psicológicas de indivíduos particulares, são traços desapercebidos
ou desconhecidos de seus habitus. Mas como diria Foucault, nem por isto eles
deixam de estar inscritos nas sensações dos corpos e de aflorar em momentos de
forte crise social geral como, por exemplo, na conjuntura que antecede à vitória do
fascismo e do nazismo (GRAMSCI,1978) ou na desagregação dos estados do leste
europeu quando do colapso do regime soviético. Enfim, eles se apresentam nos
momentos de grande tensão pela disputa objetiva e conscientemente empreendida
por posições nos campos sociais.
NOTAS
(37) Buscamos utilizar esta proposta analítica de Luz em trabalho anterior sobre o
movimento sindical de professores públicos (MASSON,1989)
(38) A luta por interesses no campo não é uma mera demonstração de cinismo, na
medida em que boa parte dos agentes desconhece os seus efetivos interesses no
campo ou os fantasia.
(41) A análise de Elias (ELIAS, 1993, v.2) dos governantes nas emergentes
monarquias absolutistas européias é um exemplo desta forma de empreender-se
estratégias visando-se assegurar, em momentos de profunda transformação social
posições de domínio, o que pode ser entendido como uma espécie de modo padrão
de ação nos campos daqueles que possuem posições superiores.
este definido pela relação de distinção com a produção da indústria cultural e com a
"cultura das classes populares" - ele sofre, mediatamente, os efeitos das relações
travadas neste último, as quais são também definidoras dos instrumentos simbólicos
de legitimação, portanto de concorrência, no interior do campo, isto é‚ o saber
escolar, aquele que é socialmente legitimado pelas práticas dominantes nas
instituições escolares.
122
CAPÍTULO V
CONTROVÉRSIAS DA “PROLETARIZAÇÃO” DOCENTE
o mundo da nova ordem social estaria "dejando de ser marcado por las
bipolaridades excluyentes - capital-trabajo; clase dominante-clase dominada.
Diversos movimientos sociales, con objetivos más delimitados y asociados
directamente al mejoramiento de la calidad de vida - derechos humanos,
preservación ambiental, defensa del consumidor, por ejemplo - tienden, al parecer,
a ser nuevas formas de organizacion y participación sociale, orientándose hacia la
justicia, la solidaridad y la democracia" (MELLO, 1991, p.16), entendendo-se
também estas últimas categorias dentro dos limites paradigmáticos do
neoconservadorismo(54). Como afirma Apple, por meio das reformas curriculares
neoconservadoras que hoje integram a agenda educacional de quase todos os
países do hemisfério norte, da América Latina e da Oceania, nas escolas a "voz da
democracia, da participação e da igualdade está sendo emudecida" (APPLE, 1995,
p.24).
Muito teria contribuído para esta possível crescente perda dos professores do
controle do seu trabalho a universalização da escolarização. Tendo em vista ser o
objetivo aparente dos sistemas escolares de massa a maximização do aprendizado
pelo aluno, tornando-o centro das preocupações do processo de aprendizagem, isto
é, “o centro de gravidade do ato pedagógico” (TARDIF, LÉSSARD e LAHAYE, 1991,
p.225), formas de intervenção gerencial na prática docente foram gradativamente
sendo implantadas. Tais formas, pautadas pelo intuito de encontrar uma
cientificização e uma tecnologização dos processos de ensino, em outras palavras,
pelo construir uma racionalização do fazer magisterial, inspiraram-se, como se sabe,
em parâmetros tayloristas (FARIA, 1985; PARO, 1991; TRAGTENBERG, 1977).
seus integrantes, uma outra condição própria ao magistério, faria os seus membros
aproximarem-se das condições sociais de certos trabalhadores manuais, como os
operários qualificados. A “proletarização” dos docentes, para Enguita, não
significaria uma superficial conotação associada unilateralmente ao trabalho fabril,
dada principalmente pelo assalariamento (ENGUITA, 1991b), mas estaria
relacionada à incapacidade ou impossibilidades destes realizarem com autonomia o
seu exercício profissional, protegidos por legislação específica e independente das
oscilações do mercado. Os professores teriam suas condições de trabalho definidas,
tal como outros trabalhadores proletarizados, por relações diretas de contrato, o que
manifestaria o tipo muito frágil de trabalhador “intelectual” em que se constituiriam,
fundamentalmente voltados apenas para a mera execução (e não a produção) da
transmissão de conhecimento, não possuindo um poder decisório sobre o que,
como e a quem ensinar. Esta “fragilidade intelectual” do magistério é condição para
que outros analistas, como Wenzel (1994), entendendo-a como uma determinação
estrutural, venham a considerar que a tão repetida questão do despreparo
profissional dos professores, isto é, sua falta de domínio sobre os conteúdos a
serem ministrados aos estudantes, não decorreria essencialmente de uma
pregressa má formação escolar ou acadêmica, porém seria a inevitável outra face
da moeda do processo de “proletarização” magisterial, uma vez que a perda do
controle sobre o seu trabalho implicaria em ater-se cada vez de modo mais estrito
às técnicas de transmissão de informações e ao controle disciplinar dos alunos,
secundarizando-se a preocupação com a posse de uma maior compreensão sobre o
conteúdo daquilo que estaria sendo ou viria a ser ensinado.
anos de luta, entretanto nas últimas duas décadas, quando se concretiza uma quase
absoluta universalização do acesso ao ensino fundamental nos países capitalistas
avançados (NÓVOA, 1991; 1991b), os professores se vêm frente à presença de
grupos dotados de forte e maior poder de pressão política, possibilitando que
gestores dos sistemas educacionais estatais secundarizem suas reivindicações,
minimizando suas aspirações quanto a manutenção de padrões salariais e
condições institucionais viáveis à prática do ensino.
apequenados das classes médias, ora como agentes oriundos das classes
trabalhadoras mas que delas se distanciaram por terem sido escolarizados. Esta
aparente indeterminação social propiciou que os professores, com intenção
semelhante àquela dos primeiros clínicos da medicina moderna (FOUCAULT,1980),
empreendessem, contudo infrutiferamente, por ao largo, como figuras de um antigo
passado pedagógico em superação, o velho preceptor, o clérigo pobre, o artesão
transformado em mestre das primeiras letras. Figuras de épocas em que o
praticante do magistério não raro simbolizava a pobreza citadina, objeto de chistes,
“de faces cavadas, faminto, mal enroupado, empunhando uma palmatória. As
multidões riam-se loucamente do desprezível, e a caricatura da fome era
invariavelmente [por ele] representada (NÓVOA, 1991, p.78). “Profissionalizar-se”
significaria o empreendimento de combater os efeitos ameaçadores deste passado
de desprestígio e não raro miséria, o qual opunha tão consideráveis obstáculos ao
reconhecimento social dos professores, impedindo que este viesse a ser similar
àquele dos integrantes das chamadas “profissões liberais”(58) .
Contudo isto não quer dizer esta construção foi uma pura e simples obra de
uma ideologia sexista e patriarcal, a qual, por princípio primeiro, demarcava o
magistério como um lugar feminino. Ao contrário, como assinala Apple (1995)
houve, em alguns casos contando com o apoio de associações e sindicatos de
educadores, uma verdadeira luta das mulheres, especialmente as das baixas
142
Visto haver, mesmo entre os que, como Apple e Enguita, buscam relativizar
alguns aspectos referentes ao pertencimento de classe dos professores, uma
tendência a compreender “proletarização” como um processo de submissão dos
trabalhadores a múltiplas formas de controle burocraticamente definidas, a
feminização do magistério seria um elemento indicador e propiciador de sua
“proletarização”. Isto porque, em primeiro lugar, na economia capitalista ocorreria a
constituição de certos guetos de trabalho femininos, nos quais o controle sobre a
execução das tarefas se intensificaria, a remuneração seria relativamente menor, a
desqualificação da função profissional crescente e a jornada de trabalho parcial,
justificando a ocorrência de salários menos valorizados (APPLE, 1995), produzindo-
se assim uma divisão sexual entre a gestão (masculina) do trabalho docente e sua
execução (feminina). Em segundo lugar, a submissão do gênero feminino na
sociedade ocidental conformaria os docentes, sob a pressão de núcleos dirigentes
estatais dos sistemas de ensino de massa - de composição dominantemente
masculina - a exercerem, em todos os momentos, o papel de fiéis transmissores da
"cultura e moral dominantes e defensores da conformidade com a ordem
estabelecida" (Enguita, 1991, p.52), como exemplificariam as cláusulas dos
contratos de trabalho de professoras primárias norte-americanas das primeiras
décadas do século XX (APPLE, 1995), em que estavam prescritas rígidas normas
de comportamento moral.
Embora seja Gramsci, o autor que recentemente mais se fez presente nos
estudos sobre as relações entre políticas educacionais e magistério (60), sendo
referência para vários dos defensores da tese da “proletarização” (ARROYO, 1985;
GIROUX, 1986; APPLE, 1989; HIPÓLITO 1991; PUCCI, OLIVEIRA e
SGUISSAARDI, 1991), nossas observações não serão sobre a sua obra, mas à
leitura que dela foi feita por estes últimos(61).
simbólica (...) só pode se exercer com essa espécie de cumplicidade que lhe
concedem pelo efeito de desconhecimento que a denegação estimula aqueles sobre
os quais se exerce a violência" (BOURDIEU, 1990, p.194). Assim são percebidos
como naturais os interesses dos integrantes do campo e reproduzidos conforme a
hierarquia nele constituída também é reproduzida, através do respeito a graus e
procedimentos definidos. Hierarquia que é resultante, ao nível interno do campo,
das " relações de concorrência e conflito entre grupos situados em posições
diferentes no interior de um campo intelectual" (BOURDIEU, 1986, p.186),
viabilizadoras para uns do acesso e da permanência e sendo, para outros, condição
de óbice e de exclusão(72)..
Este acento maior nas relações que os agentes desenvolvem no interior dos
campos sociais nos possibilita igualmente questionar a sindicalização dos
professores como um sinal expressivo de sua “proletarização”
Ao nosso ver, uma situação mais definida poderia vir a ocorrer caso
houvesse, efetivamente, maior afirmação profissional do magistério, com a definição
dos atributos necessários ao exercício da docência (titulações escolares ou seus
equivalentes) e o reconhecimento social sob a forma da posse de bens econômicos
e simbólicos daí decorrentes. Tendencialmente, isto implicaria, ao menos para a
maioria dos seus integrantes, em assumir com envergadura a identidade de
intelectual “funcionário” do Estado, sistematizador e transmissor, ao nível das
instituições escolares, de perspectivas de mundo dominantes e pautar o seu agir em
conformidade a uma regra corporativa singularizadora.
Por outro lado, a interseção entre ser próprio à toda instituição sindical
defender de modo indiscriminado os interesses de qualquer agente social que por
força de ofício, ramo ou vínculos empregatícios a ele adere e o permanente intento
das direções de sindicatos em convergir para si o mais largo espectro de
representação possível, obriga a estas últimas a ter como uma de suas bases de
apoio estes mesmo professores “descompromissados”, portanto tornando-os de
algum modo avalistas de sua legitimidade política, isto é, da sua condição de porta-
vozes reconhecidos de um segmento social, sobretudo quando as formas
hegemônicas de dominação de classe estão sendo substituídas por práticas de
deliberada exclusão e deslegitimação de interesses subalternos. Assim, os
dirigentes sindicais do magistério são colocados ante o dilema de aderir a uma
perspectiva mais estritamente corporativista de ação sindical, predominantemente
voltada para a obtenção imediata de ganhos salariais e desconsiderar outros
aspectos relativos ao processo educacional, agravando tensões com intelectuais
críticos da escola e segmentos sociais dominados, historicamente envolvidos com a
luta pelo acesso à educação escolar.
retornem, dado que historicamente foram estas classes que, em primeiro lugar,
agiram como grupos de pressão sobre o estado, no sentido de obterem da parte
deste uma oferta de educação escolar em padrões de qualidade considerados
satisfatórios segundo, é claro, a sua perspectiva de classe, inclusive quanto às
condições de trabalho e remuneração dos professores. Não se pode também deixar
de se reconhecer que na escola pública, excetuando-se as conjunturas de pleno
autoritarismo político, a capacidade de ação política dos professores é bem maior
que na escola privada. Apesar de, nesta última, a clientela pertencer, tal como o
corpo docente, majoritariamente às classes médias, o poder discricionário do
proprietário pode eliminar os descontentes, em especial, aqueles que tenham
objetivos pedagógicos não diretamente condizentes aos interesses de classe da
clientela, mesmo naqueles países como, por exemplo, a Espanha, onde é
legalmente assegurada a intervenção de professores e país de alunos na gestão
escolar.
Por sua vez, contestar a tese da “proletarização docente” não significa uma
mera reafirmação do desejo politicamente conservador de realização da distinção
social, tão encontradiça entre membros do magistério que se vem ameaçados de
fracasso em seus esforços pela obtenção legítima desta última. Sintomaticamente, a
luta sindical do magistério, mesmo quando alude aos direitos da população à
escolarização, sempre termina por se encaminhar na direção da valorização dos
professores, por sua dignificação, proporcionando um aparente paradoxo, pois se os
professores são “novos proletários”, contraditoriamente as reivindicações pelas
quais lutam, objetivam, de fato, negar esta condição proletária, afirmando aspectos
que os distinguiriam dos demais proletários, como por exemplo: a manutenção do
controle do seu trabalho, salários superiores aos dos trabalhadores manuais e dos
“desqualificados” em geral ou remuneração conforme o grau de escolaridade.
discursos dos dominantes com o “povo”, tendo por conseqüência mais imediata para
aqueles a agudez do seu empobrecimento, ainda que nunca a sua “proletarização”.
171
NOTAS
(46) Nas entrevistas (em número de trezentas) por nós realizadas com professores
das redes públicas (estadual e municipal) e privada de 1º e 2º graus da cidade do
Rio de Janeiro, que residem e trabalham nas mais diversas regiões do município,
deparamo-nos com um generalizado reconhecimento da desvalorização social dos
professores, percebido, algo melancolicamente, como sendo decorrente de um
processo de natureza quase fatalística. 85,1% dos professores entrevistados, que
exercem o magistério a mais de 5 anos, consideram que a sociedade não
reconhece o professor como um profissional importante. Entre os professores que
172
(49) Entre nós o debate sobre a “proletarização” dos professores veio a ter seus
momentos mais significativos aos princípios de noventa. Uma exposição dos
principais aspectos deste debate encontra-se no Nº 04 (1991) da revista Teoria e
Educação.
(58) Autores como Enguita (1991) e Arroyo (1985) enfatizam que, em países, como
Espanha e Brasil, de desenvolvimento tardio do capitalismo e dos sistemas estatais
de ensino de massa, o professor, sobretudo das primeiras letras, foi, em geral, um
popular que contando ou não com o apoio público, abria uma pequena escola para
oferecer seus serviços de ensino, tal qual um mestre-artesão. Todavia, longe deste
ser propriamente um pequeno burguês respeitado pela população, dotado de
autonomia em seu trabalho e não subordinado à lógica grã burguesa da escola
moderna (aspecto bastante ressaltado por Arroyo), o mestre-escola que antecede
os sistemas escolares de massa é um homem pobre que, na medida de suas
possibilidades, abandonava o encargo de ensinar o mais rapidamente possível. A
sua presença ainda no principiar do século XX expressa apenas o quão distante
estes países ainda se encontravam das formas clássicas da dominação burguesa.
(61) Para uma análise, na literatura brasileira, sobre a instituição escolar com base
em Gramsci, mas na qual os professores não são vistos como propensos a
tornarem-se intelectuais orgânicos dos subalternos, veja-se o trabalho de Nosella
(1992).
177
(70) No Brasil, por exemplo, as escolas de ensino fundamental (as que oferecem
ensino de primeiro grau) tem 83,1% dos cargos de direção ocupados por mulheres
(BRASIL, 1996).
(72) Devemos nos lembrar que no Brasil os professores licenciados ou formados por
escolas normais, a partir da progressiva instituição de sistemas estatais de ensino
de massa, passaram a considerar como reivindicação importante, a formalização de
um " estatuto do magistério", cujo objetivo maior seria assegurar uma espécie de
reserva de mercado, com a conseqüente padronização salarial, para o magistério
"habilitado", não "leigo". Igualmente um mesmo tipo de reivindicação é encontrado
sindicatos de professores de países latino-americanos, do Caribe e Canadá filiados
à CEA (Confederação de Educadores da América): a aprovação de um estatuto
180
jurídico para o trabalho docente (ROSAR, 1995), enfatizando ainda mais o caráter
de luta contra a proletarização das reivindicações sindicais dos professores.
família, para se estruturar socialmente. Tudo isto, mais uma vez, por questões da
formação escolar deste indivíduo” (UFRJ,1995, p.5).
(77) Esta mesma perspectiva idealista pode assumir uma forma acadêmica e
sofisticada, na qual considera-se como aspecto fundamental para uma
transformação de efeitos positivos sobre o professorado, uma possível
“ressacralização” das atividades do magistério, como é exemplo o trabalho de
Ferreira (1994).
CAPÍTULO VI
O CAMPO EDUCACIONAL BRASILEIRO E OS PROFESSORES
Neste sentido, é sempre prudente ter em conta que, embora sejam uma
instância política de realização da hegemonia e que o agente social típico da
modernidade, o indivíduo, somente vem a assumir sua forma plena quando tem sua
socialização mediada pelo aparelho escolar, os sistemas escolares, em virtude das
características das sociedades que os geram, podem vir a impregnar-se de uma
ideologia hierarquizante própria à ordem tradicional, onde a desigualdade social,
muito mais do que uma conseqüência indesejável, porém inevitável, dos dons
individuais, é vista como uma decorrência natural, resultante de motivações étnicas
ou culturais dos agentes sociais, fazendo com que a excludência ganhe contornos
quase de um atavismo social. Assim, é possível que, em um campo educacional
nacional específico, venha a ser obstado não somente todo o pretenso igualitarismo
implícito no discurso pedagógico meritocrático mas, principalmente, toda proposição
mais explicitamente atinente aos interesses, mesmo que unicamente educacionais,
dos trabalhadores, extremando a seletividade escolar, potencializando a reprodução
de dificuldades e entraves para uma ordenação política democrática.
A segunda idealização com que devemos romper para buscar uma melhor
apreensão, em específico, da atual condição dos professores, é alusiva à pretensa
ocorrência, entre as décadas de quarenta e sessenta (92), de um "tempo áureo" para
todo o magistério brasileiro - simbolizado pelo estereótipo da "normalista", jovem
mulher das classes médias urbanas - que se contraporia à dura realidade atual de
empobrecimento do professorado e decadência dos sistemas de ensino. Esta
idealização permite escamotear a lembrança de que, em grande parte, os
professores do alunado brasileiro eram “leigos” e que, como se sabe, as antigas
"escolas normais" ou "institutos de educação", embora fossem oficialmente centros
de formação do chamado "magistério primário", se constituíam também em
instituições voltadas para a educação de adolescentes do sexo feminino, que não
iriam necessariamente dedicar-se, de modo concreto e permanente, à docência.
Entretanto, não queremos dizer com isto que uma tentativa alternativa de
compreensão das recentes transformações ocorridas com o magistério nacional,
obrigatoriamente requeira o empreendimento de uma reconstrução da história do
campo educacional brasileiro ou particularmente dos professores como agentes
integrantes deste campo. Ao contrário, longe de nos arvorarmos à tarefa de
tamanha envergadura, nosso trabalho limita-se a salientar, ainda que recuperando
parcialmente aspectos da trajetória recente do campo educacional, o que
consideramos ser o determinante maior da atual situação do magistério,
caracterizada pelo empobrecimento e pela sensação generalizada de “mal-estar”.
194
Deste modo, até o findar dos anos setenta, continuou sendo reafirmada a
tradicional condição do magistério como profissão rentável para estratos da
pequena burguesia. A ampliação de vagas no mercado de trabalho docente,
praticamente reservadas a integrantes desses estratos (fossem ou não devidamente
habilitados), solidificou conjunturalmente, ainda que isto não tenha vindo a se
197
Neste sentido, o nosso cartorialismo escolar não pode ser objeto apenas de
uma crítica moral, comum entre aqueles que ao criticá-lo, aspiram ainda mais limitar
as possibilidades democráticas de acesso à escola e permanência em seu interior.
Criticá-lo eficazmente, de uma perspectiva não-conservadora, exige a compreensão
das relações entre a escola e “questão nacional”, das relações da primeira com
formas possíveis de construção de um projeto de hegemonia e não de revitalização
da dominação passiva, de “transformismo” dos dominados.
211
Uma reversão radical desta situação exige romper com formas de luta que
levam ao isolamento político, sempre destinado a ser derrotado. No campo
educacional isto somente será possível se houver uma conjugação de forças
sociais, portadoras de objetivos políticos nacionais, que tenham superado a lógica
cartorial, herança jesuítica que percorre toda a história de nossas instituições
escolares e que nem ao menos permitiu a concretização plena da lógica
212
No curso da segunda metade dos anos noventa, salvo por efeito de dificílima
constituição de composições entre forças políticas situadas à esquerda e ao centro,
talvez capazes de provocar alterações significativas nas relações de poder do
campo político, promovendo, à medida em que se façam dominantes no aparelho de
Estado, um outro tipo de projeto de desenvolvimento econômico, mais autônomo
frente às determinações externas e socialmente menos excludente, a tendência no
campo educacional é a configuração de um longo período de resistência a um
empobrecimento do magistério ainda mais acentuado.
NOTAS
(82) Desde ao menos a década de vinte, intelectuais brasileiros tomam por seu
objeto de interesse a educação, seja na tentativa de apreender o país (a construção
da nacionalidade brasileira e/ou as possibilidades de desenvolvimento econômico) a
partir de temáticas educacionais, seja posteriormente por “opção” profissional. De
uma ou outra forma, a escola é sempre definida por esses intelectuais, como sendo
uma instituição estratégica, visto exercer, obrigatoriamente, um papel de ordem
"civilizatório", de impor, sobre a população, as marcas culturais da civilização
burguesa. No entanto, geralmente, a defesa da universalização da escolarização
não foi articulada, por esses intelectuais (salvo exceções raras como, por exemplo,
Paulo Freire) a outros aspectos das lutas pela democratização da sociedade
214
(83) Ao fazermos menção a uma burocracia educacional não estamos nos referindo
apenas aos quadros técnicos diretamente envolvidos na gestão dos assuntos
educacionais, mas sim a um amplo conjunto de intelectuais onde se incluem
também os professores das principais universidades brasileiras. Os membros desta
burocracia, disputando posições de prestígio no campo educacional, atuam como
executores, assessores, consultores, contribuindo, direta ou indiretamente, para a
formulação de políticas educacionais. Uma das pretensões infrutíferas desta
burocracia foi tentar estabelecer uma autonomia frente às forças políticas detentoras
de posições de mando real no aparelho estatal, as quais tendem a fazer dos postos
educacionais, exceto em momentos de intensificação dos conflitos sociais, um
objeto das barganhas políticas menores.
(85) Expressa nas polêmicas sobre o emprego das verbas públicas e sobre o papel
e grau de presença do Estado na oferta da educação escolar.
(87) Nas últimas décadas esta antinomia se apresentou sob a forma das polêmicas
entre tecnicismo pedagógico ou conscientização pedagógica, como pode ser
depreendido das observações de Gadotti (1990).
(92) Esta idealização, além de produzir um efeito de ocultamento das origens sociais
da grande maioria dos professores - em especial dos denominados “leigos” (não
habilitados) - universaliza para todos os professores, situações salariais
regionalmente circunscritas, como as do Rio de Janeiro, São Paulo e outras capitais
dos Estados brasileiros, mesmo de Estados de menor dimensão econômica, como
Goiás, conforme apontado por Brzezinski (1987). As condições desses professores
eram muito diferentes daquelas do magistério que lecionava em pequenos
municípios, sobretudo em áreas rurais. Lembremo-nos que a questão da
remuneração insuficiente do magistério é tema recorrente ao longo de todo o atual
século, como assinalou Werebe (1970) em seu clássico trabalho sobre as condições
do ensino brasileiro.
(94) Exemplifica esta idealização a que nos referimos a fala da professora Sílvia
Celeste Barbosa, no I Seminário de Educação promovido pelo Sindicato dos
Professores do Município do Rio de Janeiro (Sindicato, 1990, p. 61).
(95) As pressões por escolarização estão traduzidas nas mudanças dos níveis de
escolaridade da população brasileira, conforme o gráfico a seguir:
217
Fonte: MEC
(98) Ao contrário de outros países, como a grande maioria dos europeus, no Brasil
não existem, hoje, formalmente redes diferenciadas de ensino destinadas ao “ensino
acadêmico” e ao “ensino profissionalizante”, com nítidas características de
discriminação por classe social. Entre nós, a segregação escolar, segundo o
pertencimento de classe dos estudantes, é realizada conforme o tipo de escola (se
pública ou particular) no qual estes ingressam.
(103) A parcela de renda dos 10% mais ricos entre 1972 e 1976, passou de 52,6%
para 50,1%, caindo em 1980 para 47,7%. A parcela dos 60% mais pobres passou
de 16,8%, em 1972, para 18,3%, em 1976, atingindo 19,6% em 1980. Com a
recessão econômica que percorre toda a década de oitenta, esta tendência muito
gradual é revertida, voltando-se a intensificar o processo concentracionista,
elevando-se a parcela de renda dos 10% mais ricos e reduzindo-se a parcela dos
60% mais pobres que, já em 1983, retorna a 17,7%.
Fonte: MEC
(114) O projeto aprovado pelo Congresso se contrapunha a outro que era resultante
da discussão intermitente, desde o processo elaboração da carta constitucional de
1988, entre um conjunto de entidades representativas de educadores de todo o
país, reunidos no “Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública na LDB” e destes
com parlamentares brasileiros eleitos pelos mais diversos partidos, chegando a ser,
com várias emendas, aprovado na Câmara dos Deputados em 13 de maio de 1993.
(120) Situações desta natureza foram vividas por boa parte do magistério, inclusive
o das redes públicas, durante a ditadura militar quando a violação das leis
trabalhistas era praticamente impune.
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