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Por que o feminismo classista?

6 DE JUNHO DE 2019

Via: Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro – Natal/RN

Nós, feministas, sabemos bem que carregamos pesos a mais nesta sociedade. As
mulheres da classe trabalhadora, principalmente as mulheres negras e a população
LGBT fogem do padrão de indivíduo da sociedade burguesa; hétero, branco e
detentor de propriedade. Na existência desse padrão – desse modelo a ser seguido,
vivenciado, buscado, temos nossa diversidade, nossa individualidade tão nossa e
tão universal, tolhida, violentada, censurada. Mas, de onde vem esse padrão? O
que há por trás dele? Ele pode ser superado apenas com a educação?

Está mais do que em tempo do movimento feminista, tão importante e necessário a


nós brasileiras que vivenciamos a crescente precarização das políticas sociais, o
aumento da pobreza e da violência que em todas as suas expressões incide
ostensivamente em nós, compreender as relações sociais que fundamentam e
determinam a exploração e a opressão que vivenciamos diariamente. Que nossas
avós e mães sofreram e que as futura gerações sofrerão enquanto existir o
capitalismo racista hétero-patriarcal.

O feminismo classista é construído por uma consciência coletiva de que teoria e


prática não se separam. Jamais. A nossa teoria, materialista, histórica e dialética
que além de única compromissada com a luta da humanidade contra o capital é a
que melhor se aproxima da realidade, complexa e dinâmica que vivemos, deve
nortear todas as nossas ações, atividades, diálogos, reflexões, falas… o trabalho de
base que precisamos realizar para que as mulheres, da cidade e do campo, mães,
solteiras, religiosas, jovens, maduras, crianças, despertem a consciência de quem
são, de seu potencial de enfrentamento e de quem são os reais inimigos das
mulheres.

As mulheres precisam da teoria revolucionária para compreender que a propriedade


privada, que tanto lutamos por sua superação, é uma relação social que permite a
exploração de pessoas por outras pessoas, fundando assim a divisão social de
classes. Os que produzem a riqueza e os outros que exploram os produtores e
produtoras da riqueza.
As mulheres precisam da teoria revolucionária para compreender que a relação
social que funda a sociedade burguesa, essa em que vivemos, é a relação do
capital. Isso significa que nessa sociedade perdemos os meios e as possibilidades
de produzir nosso sustento, nossa vida. Fomos obrigadas a vir para os centros
urbanos vender nossa força de trabalho em Industrias, fábricas, empresas em troca
de um salário sempre insuficiente para comprar e pagar tudo que precisamos, pois
nessa sociedade tudo é mercadoria, nosso alimento, nossas roupas, moradia,
saúde, lazer, conhecimento. Precisamos pagar por tudo. O mercado é um grande rei
e nós somos todos súditos que a todo instante precisamos atirar-lhe nossas
riquezas sem dó. A condição de trabalhadoras nos torna inimigas dos capitalistas
que não hesitarão em promover a barbárie em nossas vidas se isso lhes trouxer
riqueza e poder. A condição de trabalhadoras nos torna potencialmente
revolucionárias.

As mulheres precisam compreender que existem relações sociais de sexo, que


nada mais são do que relações que fundam e mantém a desigualdade entre
homens e mulheres em todas as dimensões da vida. As relações sociais de sexo
criam uma divisão sexual do trabalho e do poder em que se constituem atividades
legitimadas como femininas e outras como masculinas, sendo essas “femininas” as
mais precarizadas e desvalorizadas. Já pensou por que a enfermagem, o serviço
social e a pedagogia são profissões majoritariamente femininas? E também de
pouca valorização? A divisão sexual do trabalho designa como femininas profissões
que sejam reconhecidas socialmente por sua vinculação ao cuidado e a educação
que, por consequência, o patriarcado atribui como natural do ser mulher. A nós
mulheres recaem a responsabilidade pelo cuidado e educação dos filhos que limita
nosso tempo e nossas possibilidades de estudo, trabalho, lazer e organização
política. Se legitima uma consciência social de subordinação da mulher ao homem
como sua propriedade, tolhendo nossa independência e autonomia. E ainda, essas
relações sociais obstaculizam nossa liberdade sexual, nos impondo a
heterossexualidade como única orientação sexual aceita e moral e rejeitando outras
identidades de sexo. A condição de ser mulher nessa sociedade nos torna
potencialmente revolucionárias.

As mulheres precisam também compreender que existem relações sociais de raça e


etnia que fundam e mantém a desigualdade entre negras/os e brancas/os. Essas
relações sociais criam uma divisão racial do trabalho em que se constituem
atividades legitimadas como brancas e outras desempenhadas por mulheres
negras. Por que a profissão de empregada doméstica é desempenhada
majoritariamente por mulheres negras? Por que são as mulheres negras que mais
ocupam os trabalhos informais e mais precarizados? Por que os cargos e espaços
de poder são majoritariamente ocupados por homens e brancos? O racismo e o
colonialismo estruturam a dominação e opressão do povo negro, principalmente das
mulheres negras e de periferia. Ainda que vejamos mais produtos para nossos
cabelos crespos, mais negras como protagonistas de TV e mais discussões sobre
racismo, o sol continua sem brilhar sobre nós. Essas relações possibilitam que as
negras sejam as maiores vítimas de feminicídios e violências, sobretudo sexuais,
físicas e obstétricas. São as que mais sentem o desemprego e todas as barbáries
produzidas pelo capital em nossas vidas. A condição de ser negra nessa sociedade
nos torna potencialmente revolucionárias!

As mulheres precisam do feminismo classista para compreender que capitalismo,


patriarcado e racismo não se separam. São articulados. Um se estrutura e interage
com o outro conformando uma realidade social de exploração combinando a
opressão do sexo, da raça e da classe. O racismo e o patriarcado existem porque
existe uma base material, a propriedade privada, que impõe concretamente a
exploração. Esses sistemas conformam o modo capitalista de produzir nossa vida e
determinam a vida das mulheres marcada pelo trabalho extensivo, intensivo e
intermitente, pela violação de Direitos, pelas violências domésticas, sexuais,
patrimonial, físicas, obstétricas e psicológicas sofridas. Pelo peso da
responsabilização pelo cuidado da casa e dos filhos, pela aflição e desespero ao ver
as condições de vida cada vez mais difíceis, o pão cada vez mais caro e o emprego
cada vez mais distante.

O padrão do ser mulher, branca, doce, resignada não surge do nada. É produto de
uma sociabilidade cujo norte é o lucro violento dos que comandam essa terra,
oprimindo para isso todos que fogem ao gosto do capital. O que há por trás desse
padrão é toda uma organização social destruindo a natureza e transformando toda a
nossa riqueza humana, cores, cultos, saberes, culturas, gostos, traços, em
desigualdades.
Ainda que a educação seja um elemento imprescindível ela por si só não tem poder
de mudar uma sociedade. A educação na sociedade burguesa, inclusive não nos
permite aprender nem mesmo nossa história e nosso papel como produtores do
mundo humano. Não estudamos sobre África e nossa América, não discutimos
sobre racismo ou patriarcado, não aprendemos o porquê de nossa condição. Não
sabemos porque as mulheres são estupradas e trocadas como mercadorias e nem
quando isso começou e não conhecemos nossos Direitos. Não aprendemos na
escola que devemos lutar contra todo e qualquer ataque a nossa individualidade e
humanidade.

Nossa condição só mudará quando nos tornamos conscientes de tudo o que o


capital obstinadamente nos esconde e de como a política de conciliação de classes
está fadada ao que é conveniente à burguesia. Quando nos organizarmos nas
fileiras da luta por um mundo possível e tão urgente que precisa ser pensado e
construído no presente. As mulheres precisam do feminismo classista para enfrentar
as tantas e cotidianas agressões do capitalismo racista hétero-patriarcal enquanto
negras, imigrantes, lésbicas, transexuais, mães… trabalhadoras que, como já nos
disse a camarada Ana Montenegro – lutando por pão, terra e trabalho, sendo um
país que tem isso, almejamos liberdade!

Disponível em
<http://anamontenegro.org/cfcam/2019/06/06/por-que-o-feminismo-classista/#comm
ent-2589>

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